DISSERTAÇÃO FINAL

Embed Size (px)

Citation preview

PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS CRIMINAIS

GUSTAVO RONCHETTI

DISCURSO E VIOLNCIA: A MDIA COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL

Dissertao apresentada Banca Examinadora do Curso de Ps-Graduao em Cincias Criminais da Faculdade de Direito da Pontifcia Universidade Catlica de Porto Alegre, como exigncia parcial para obteno do grau de Mestre em Cincias Criminais, sob a orientao do Prof. Dr. Salo de Carvalho.

Porto Alegre 2004

PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE DIREITO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS CRIMINAIS

A Dissertao DISCURSO E VIOLNCIA: A MDIA COMO INSTRUMENTO DE CONTROLE SOCIAL, elaborada pelo mestrando GUSTAVO RONCHETTI, foi julgada por todos os membros da Banca Examinadora, para a obteno do grau de Mestre em Cincias Criminais, e aprovada, em sua forma final.

Porto Alegre, ______ de dezembro de 2004.

Apresentada Banca integrada pelos seguintes Professores:

____________________________________ Orientador: Prof. Dr. Salo de Carvalho

_____________________________________ Professor Examinador

______________________________________ Professor Examinador

AGRADECIMENTOS

Ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Criminais, da Faculdade de Direito, da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, por acolher uma discusso to atual e necessria. Professora Ruth Maria Chitt Gauer, eminente Coordenadora do Mestrado, pelo incentivo e apoio. Ao ilustre Professor Salo de Carvalho, por ter me escolhido como seu orientando, pelo zelo e dedicao. A todos os Professores do Mestrado. s dedicadas funcionrias do Programa de Ps-Graduao, pelo desprendimento. Aos meus colegas, meus grandes companheiros. Aos meus familiares e amigos que souberam entender minha ausncia em momentos importantes para eles.

4

Em especial meus pais, Delfino e Leonor, os quais me proporcionaram uma base tica e uma formao educacional slidas e sempre me estimularam estudar; minha esposa e companheira Betina, que me apoiou em todos os momentos, compartilhando das angstias e das conquistas, Aos meus sogros Karin e Ruy, que cuidaram da pequena Mariana para que eu pudesse freqentar as aulas; minha av Diona, pelo estmulo intelectual nas discusses dos domingos. Mariana, minha filha, espero ter contribudo de alguma forma que para que tu tenhas um futuro melhor. Obrigado por existires.

A Deus. Obrigado por tudo.

RESUMO

Esta dissertao analisa o discurso da mdia sobre a violncia, buscando compreender como os meios de comunicao social utilizam o fato violento para construir imaginrios, constituindo-se, assim, em instrumentos de controle social. O trabalho discute a funo da mdia na democracia e o atual estgio das corporaes miditicas. Mostra como a mdia constri a realidade, aprofundando a categoria jornalstica da objetividade. Em relao ao controle social, o trabalho traa um panorama histrico do instituto e discute a importncia da comunicao como instrumento de dominao. A criminologia objeto de abordagem principalmente sob o enfoque da vinculao com a mdia. Finalmente, a partir de estudos especficos sobre mdia, violncia e criminologia, inclusive com anlise da reportagem policial do tablide Dirio Gacho, jornal com circulao no Estado do Rio Grande do Sul, so demonstradas formas pelas quais a mdia atua na construo de imaginrios. Palavras-chave: mdia violncia criminologia controle social.

ABSTRACT

This dissertation analyses the coverage of the media about violence, trying to understand how these social means of communication can use violent facts to build up imaginary ones, thus working as instruments of social control. The work discusses the function of the media in a democracy and the current level of these corporations. It portrays how the media creates the reality, intensifying the objectivity as a journalistic category. Considering the social control, this work depicts a historical panorama of the institute and debates the importance of the communication as instrument of domination. The criminology is also the target of this study, specially through its connection with the media. Eventually, from specific studies realized about media, violence and criminology, including the analysis of police report in the newspaper Dirio Gacho, spread all over the state of Rio Grande do Sul, this work demonstrates ways by which the media acts in order to construct imaginary facts. Key-words: media violence criminology social control.

SUMRIO

AGRADECIMENTOS........................................................................................................................3 RESUMO...........................................................................................................................................6 ABSTRACT.......................................................................................................................................7 SUMRIO.........................................................................................................................................8 INTRODUO................................................................................................................................10

ANDRADE, Vera Regina Pereira. A construo social da criminalidade pelo sistema de controle penal. Disponvel em: Acesso em: 20. out. 2004...............................................................75Fonte: Direccin Nacional de Poltica Criminal. Ministerio de Justicia de la Nacin Argentina..........104 Grfico 7.........................................................................................................................................106

4.1 Anlise das Informaes...........................................................................................128CONSIDERAES FINAIS...........................................................................................................137

______. A construo social da criminalidade pelo sistema de controle penal. Disponvel em: Acesso em: 20. out. 2004..........................................................................................................................141

9

INTRODUO

O imaginrio coletivo determina as manifestaes sociais e as regras dos diferentes grupos.

Os meios de comunicao tm participado de maneira definitiva nas construes sociais. Diversos estudos tm atribudo aos meios de comunicao social uma funo importante na criao de realidades e como expresso do imaginrio coletivo.

Dentro desse enfoque, pode-se afirmar que os discursos gerados pelos meios de comunicao caracterizam-se como elementos imprescindveis para o exerccio do controle social. Um controle que nas sociedades modernas pode ser classificado dentro do espao do formal ou do informal. Dentro do espao do controle social informal, sustenta Habermas que o exerccio do poder necessita de controle permanente da opinio pblica. Assim, a poltica no prescinde da mdia como um instrumento de legitimao de seus atos. Tambm os indivduos no prescindem da mdia, pois representa a forma mais eficaz de acesso e disseminao da informao.

11

O controle social formal exercido pelas instituies do Estado e o informal praticado por outros agentes sociais , pretendem uma certa regulao social atravs da represso e/ou consenso, e as publicaes jornalsticas exercem uma funo muito importante na conformao da cultura. As publicaes se converteram em instituies de poder pela capacidade que possuem para construir realidade e obter consenso para os objetivos que perseguem os diferentes grupos de poder.

De outro lado, a informao sobre violncia possui dupla importncia: a- do ponto de vista mercadolgico, pois se caracteriza como produto de consumo com amplo apelo comercial; b- do ponto de vista da criminologia, pois utilizada como eficaz instrumento de legitimao do sistema penal.

Assim, o objetivo do trabalho estabelecer o papel da mdia na construo social da violncia, verificando os reflexos no controle social e na criminologia.

Parta tanto, no captulo I ser analisada a atual situao da mdia na democracia, discutindo-se a questo da objetividade miditica e as formas pelas quais a mdia constri a realidade.

O captulo II analisar a mdia como instrumento de controle social, estabelecendo a importncia do discurso miditico como forma de legitimao do poder.

A relao da mdia com a violncia e a criminologia ser objeto de abordagem no captulo III. Estudos especficos demonstraro que a mdia constitui instrumento de controle social atravs de diversas formas.

12

O captulo IV ter como abordagem a reportagem policial veiculada pelo Dirio Gacho, jornal popular de maior circulao no Estado do Rio Grande do Sul. A anlise restringir-se- a reportagens policiais veiculadas em maio de 2003 e o mtodo utilizado ser a anlise de contedo sob o enfoque qualitativo, mediante o estabelecimento de categorias.

Finalmente nas consideraes finais captulo V ser discutido o papel da mdia como instrumento de controle social, inclusive abordando-se a questo do controle democrtico dos meios de comunicao.

CAPTULO I - MDIA, DEMOCRACIA E CONSTRUO SOCIAL DA REALIDADE

A mdia1, nas suas diferentes formas de expresso, uma realidade ineludvel da contemporaneidade.

No resta dvida de que os meios de comunicao representam hoje as mais importantes fontes de informao da sociedade. A grande maioria das pessoas toma conhecimento dos fatos que ocorrem no cotidiano atravs das notcias veiculadas na televiso, jornais, revistas, ou outros meios quaisquer. A parcela de conhecimentos sobre o mundo que a pessoa pode verificar empiricamente mnima. A nossa imagem da realidade basicamente aquela oferecida pela mdia.

1

Importante delimitar os significados das expresses mdia e jornalismo. Mdia uma palavra que deriva, foneticamente, do ingls media, e significa meio, instrumento mediador. Conforme o dicionrio Houaiss da lngua portuguesa (Disponvel em: , acesso em: 2 set. 2004), o termo mdia utilizado como referncia a todo suporte de difuso da informao que constitui um meio intermedirio de expresso capaz de transmitir mensagens; meios de comunicao social de massas no diretamente interpessoais (como p.ex. as conversas, dilogos pblicos e privados). Abrangem esses meios o rdio, o cinema, a televiso, a escrita impressa (ou manuscrita, no passado) em livros, revistas, boletins, jornais, o computador, o videocassete, os satlites de comunicaes e, de um modo geral, os meios eletrnicos e telemticos de comunicao em que se incluem tambm as diversas telefonias. Conforme o mesmo dicionrio, a palavra jornalismo, de etimologia francesa journalisme refere-se atividade profissional que visa coletar, investigar, analisar e transmitir periodicamente ao grande pblico, ou a segmentos dele, informaes da atualidade, utilizando veculos de comunicao (jornal, revista, rdio, televiso, etc.) para difundi-las.

14

A mdia completa, de certa forma, as falhas deixadas pelas fontes de informao mais limitadas como o espao fsico e os contatos pessoais -, construindo, sua maneira, um mundo de acontecimentos. Esses acontecimentos so reconstitudos todos os dias atravs dos veculos de informao e, por sua vez, fazem parte de uma seleo de fatos executada previamente por esses veculos, que determinam tambm a forma como os fatos sero transmitidos e descritos para a sociedade.

No dizer de Schrder2, o sinal dos tempos, hoje, que vivemos um tempo de sinais. Estamos inseridos num mundo e numa realidade cada vez mais simblicos. O capital que assume valor preponderante nos nossos dias o capital simblico. E quem cria e legitima esse capital so os meios de comunicao.

A partir da inveno da imprensa, e com o aumento da populao alfabetizada, a importncia dos meios de comunicao se multiplica. Que dizer ento, questiona Guareschi 3, das descobertas da possibilidade de codificao e de transmisso eletrnica, atravs do telgrafo, do telefone, do rdio, da TV, do videocassete, e ultimamente com o grande salto da juno de todas essas formas de comunicao simblica, isto , da evoluo digital da multimdia, s comparvel inveno da imprensa em 1440 por Gutemberg?

Guareschi4 sustenta que a informao o novo modelo de desenvolvimento responsvel pela produtividade do sistema capitalista nos dias de hoje. Na esteira do pensamento de Castells, Guareschi5 distingue modo de produo e modo de produtividade. Os modos de produo so formaes sociais globais, com suas foras e relaes de produo especficas, legitimados por uma superestrutura poltica, jurdica e ideolgica. J o modo de desenvolvimento o fator sobre o qual a produtividade se d. Num modo de produo, seja2 3

GUARESCHI, Pedrinho et al. Os construtores da informao. Petrpolis: Vozes, 2000. p. 9. Ibidem, p. 37. 4 GUARESCHI, Pedrinho et al. Os construtores da informao. Petrpolis: Vozes, 2000. 5 GUARESCHI, Pedrinho et al. Os construtores da informao. Petrpolis: Vozes, 2000. p. 38.

15

ele capitalista ou estatista, o modo de desenvolvimento o responsvel pela produtividade dessa formao social. Houve um tempo em que a produtividade esteve ligada terra; depois foi a indstria a responsvel pelo desenvolvimento. Nos dias atuais, o modo de desenvolvimento fundamental, isto , o fator de produtividade primordial a informao. Quem detm a informao, detm o fator central de desenvolvimento.

Thompson6 frisa que o desenvolvimento dos diferentes meios de comunicao de massa no deve ser visto como um mero suplemento s relaes sociais preexistentes, como se fosse a introduo de canais neutros que difundem bens simblicos dentro da sociedade mas que deixam as relaes sociais intactas. Pelo contrrio, o surgimento dos meios tcnicos possui um impacto fundamental nas maneiras como as pessoas agem e interagem umas com as outras. Isso no quer dizer que o meio tcnico determina a organizao social de uma maneira simples e monocausal; o desenvolvimento desses meios tcnicos est sempre situado dentro de um contexto social e institucional mais amplo que limita as opes possveis. Mas novos meios tcnicos tornam possveis novas formas de interao, criam novos focos e novas situaes para a ao e interao, e, com isso, servem para reestruturar relaes sociais existentes e as instituies e organizaes das quais elas fazem parte.

O jornalismo contribui para a construo social da realidade, para a rotinizao da prpria dinmica social, estabilizando-a em acontecimentos-tipo, comportamentos previsveis e erupes controladas7. Assim, enquanto agncia de controle social, as representaes noticiosas dotam as pessoas com as vises e verses da ordem social que obtm a preferncia e com base nas quais os agentes tomam as iniciativas que julgam adequadas.

6 7

THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna. Petrpolis: Vozes, 2002. p. 296. Cfe. CORREIA, Joo Carlos. O poder do jornalismo e a mediatizao do espao pblico. Disponvel em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/_texto.php3?html2=jcorreia-poder-jornalismo.html Acesso em: 15 abr. 2004.

16

Conforme adverte Rosa Pedroso8,

as formas de expresso/comunicao reprisam a ideologia que domina no momento os meios de produo informativos-publicitrios, criando as condies de construo do discurso miditico, no qual o principal efeito o efeito que Vern chamou de efeito de reconhecimento (cumplicidade) como apelo cultura e ao status semitico das elites culturais e econmicas.

Portanto, no exagero afirmar que os meios de comunicao adquirem, pelo seu carter de fonte de informao fundamental, uma efetiva participao no dia-a-dia de grande parcela da sociedade. mais do que reconhecido o fato de que a mdia possui um poder muito forte de penetrao social, e est presente de forma significativa no cotidiano das pessoas. Cada vez mais, as informaes e idias difundidas nos meios de comunicao so fatores que tm a capacidade real de interferir no comportamento dessas pessoas. So tambm indutores em potencial sobre uma srie de aspectos da sociedade, como os valores morais por ela adotados, suas decises em relao poltica, seus padres culturais, seus hbitos e costumes, suas percepes sobre a realidade, sua viso do mundo exterior etc.

Os meios de comunicao compreendem, assim, uma forma no somente de transmitir informaes, mas tambm idias e opinies. Essa caracterstica contribuiu para lhes atribuir o carter de formadores de opinio: mais do que um reflexo da sociedade, os meios so tambm agentes condicionantes da mesma, tendo a capacidade real de influenciar sobre as formas de pensar e agir das pessoas, orientado preceitos de tica e comportamento.

Da mesma forma, a mdia tambm induz os padres de avaliao da sociedade: aquilo que admite como bom ou ruim, como confivel ou no, e at o que ser incorporado ou desprezado. assim tambm com as pessoas que tm a sua imagem veiculada nos meios de

8

PEDROSO, Rosa. Elementos para conhecer algumas das condies de construo do discurso jornalstico, Revista Comunicao e Sociedade, So Paulo: Metodista, n. 36, p. 40, 2001.

17

comunicao: o modo como essas pessoas sero vistas pela sociedade determinado atravs de sua caracterizao pela mdia.

Para Peterson, Jensen e Rivers9, os meios de comunicao funcionam como uma espcie de espelho invertido, onde as pessoas, alm de tomar conhecimento das questes atuais, buscam as respostas para suas indagaes internas: [...] se no sabem a que valores devem acalentar, que crena devem manter, basta-lhes [s pessoas] olhar para os meios de comunicao de massa.

1.1 Mdia, Poder e Globalizao

Durante muito tempo a mdia foi tratada como o quarto poder, em oposio aos trs poderes tradicionais legislativo, executivo e judicirio definidos por Montesquie. Ramonet10, contudo, sustenta que a mdia , em realidade, o segundo poder. Conforme o Diretor do Le Monde, s se poderia falar em `quarto poder se os trs primeiros existissem e se a hierarquia que os dispe na classificao de Montesquieu fosse sempre vlida. Na realidade, complementa, o autor, o primeiro poder hoje claramente exercido pela economia. O segundo (cuja imbricao com o primeiro se mostra muito forte) certamente miditico instrumento de influncia, de ao e de deciso incontestvel de modo que o poder poltico s vem em terceiro lugar.

Diante do quadro exposto, h que se discutir qual a influncia dos meios para a democracia.

9

PETERSON, Theodore; JENSEN, Jay W.; RIVERS, Wiliam. Os meios de comunicao e a sociedade moderna. Rio: GRD, 1996. p. 39. 10 RAMONET, Igncio, A tirania da comunicao. 2.ed Petrpolis: Vozes, 2001. p. 40.

18

Vincenzo Ferrari11 estabelece, inicialmente, o conceito de democracia: regime poltico que se fundamenta: a) na liberdade dos cidados em contraste com as interferncias do poder; b) na igualdade dos cidados perante a lei; c) na possibilidade concreta de que os prprios cidados se realizem tanto na vida privada quanto na vida social, em condies de igualdade, ao menos nos pontos de partida; d) na possibilidade concreta de os cidados participarem direta ou indiretamente do governo da coisa pblica. Parece claro ento que, se democracia consistente no gozo dos direitos fundamentais e acesso efetivo s oportunidades da vida, informao livre dela constitui um fundamento essencial.

Rui Paulo da Cruz12 sustenta que as relaes entre imprensa, poder e cidadania definem a configurao da democracia como regime de opes polticas e eleitorais alternativas. A influncia da imprensa no diretamente poltica, mas miditica: no determina, condiciona escolhas. Trata-se, na realidade, de algo mais que mera influncia, pois, independentemente da inteno ou interveno de jornalistas a midiatizao da informao, dos protagonistas, das emoes e, com a televiso, das imagens, fixa linguagem que estabelecem o tipo adequado de poltico, de governo e de discurso. Portanto, conforme o Vice-Presidente do Observatrio de Imprensa, em Lisboa, decisivo para a democracia que a mdia apresente um carter fragmentrio e plural.

Ao abordar a questo do pluralismo dos meios de comunicao e a democracia, Luiz Vogel13 observa que a discusso sobre o pluralismo regulado dos meios de comunicao, embora esteja longe de ser conclusiva a respeito de como seria a sua forma adequada de organizao nas sociedades contemporneas, muito ilustrativa por envolver os seguintes

11 12

FERRARI, Vincenzo. Informao & Democracia. Rio de Janeiro: Ed. da UERJ, 2000. p. 164. CRUZ, Rui Paulo da. Informao & Democracia. Rio de Janeiro: Ed. da UERJ, 2000. p. 18. 13 VOGEL, Luiz. Mdia e democracia: o pluralismo regulado como arranjo institucional. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, n. 31, 2002, p. 106-126, 2002.

19

pontos: 1) na anlise das duas dicotomias entre pbico e privado14, os meios de comunicao so um elemento indispensvel para que os cidados possam tanto compreender melhor os diversos temas da agenda pblica, que, se no receberem um tratamento adequado, ficam restritos aos especialistas, quanto se proteger (embora no de forma definitiva) contra os instrumentos de dominao simblica empregados (de forma consciente ou no) pelos agentes pblicos; 2) a democratizao do acesso mdia, que est no mago da proposta do pluralismo regulado, permite um arranjo institucional em que uma maior diversidade de grupos sociais estejam dotados dos instrumentos de percepo e expresso de suas demandas ao sistema poltico; 3) por meio de TVs e rdios comunitrias, reivindicaes formuladas e expresses em esferas pblicas restritas poderiam ser um treinamento para a participao em fruns de debate mais amplos, inclusive por meio da veiculao de programas produzidos localmente, na TV pblica de mbito nacional.

O direito informao, garantido em todo o mundo democrtico, compreende o direito liberdade de opinio e expresso, que incluiu a liberdade de procurar, receber e transmitir informaes e idias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras (Declarao Universal dos Direito Humanos, art. 19).

Assim, a mdia cumpre uma funo social, ou seja, transmitir informao verdadeira, objetiva15 e equilibrada. No cumprindo tal funo, a democracia no funciona, uma vez que o debate pblico pelo qual se formam as opinies entre os cidados se torna um debate viciado.

A mdia atualmente controlada por corporaes cada vez menos numerosas e mais poderosas, com duas particularidades que contam a seu favor: o fato de trabalharem com a14

15

O autor estabelece o sentido da dicotomia entre pblico e privado a partir de John B. Thompson (Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crtica na era dos meios de comunicao de massa. Petrpolis: Vozes, 2000) e Pierre Bourdieu (Meditaes pascalinas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001). A discusso acerca da possibilidade de objetividade plena ou no da informao ser enfrentada no item 1.4.

20

tecnologia que realiza o projeto globalizante de interconectar o planeta viabilizando o fluxo ininterrupto das informaes de acordo com os interesses do capital financeiro e de lidar diretamente com a produo do discurso em seus vrios produtos, dos noticirios s diversas opes de entretenimento16.

Denis de Moraes17 resume o estgio atual de concentrao das empresas de comunicao:

A mdia global est nas mos de duas dezenas de conglomerados, com receitas entre US$ 5 bilhes e US$ 35 bilhes. Eles veiculam dois teros das informaes e dos contedos culturais disponveis no planeta. Entrelaam a propriedade de estdios, produtoras, distribuidoras e exibidoras de filmes, gravadoras de discos, editoras, parques de diverses, TVs abertas e pagas, emissoras de rdio, revistas, jornais, servios online, portais e provedores de Internet, vdeos, videogames, jogos, softwares, CD-ROMS, DVDs, equipes esportivas, megastores, agncias de publicidade e marketing, telefonia celular, telecomunicaes, transmisso de dados, agencias de notcias e casas de espetculos.

A partir desse cenrio, Ramonet18 afirma que os grupos de mdia atualmente possuem duas caractersticas novas: em primeiro lugar, encarregam-se de tudo o que envolve texto, imagem e som e o divulgam por meio dos canais mais variados (jornais, rdios, televises abertas, a cabo ou por satlite, Internet e por todo o tipo de rede digital). A segunda caracterstica: esses grupos so mundiais, planetrios e globais e no apenas nacionais e locais.

Assim, conforme Ramonet19, a globalizao econmica tambm a globalizao da mdia de massa, da comunicao e da informao. E, ao contrrio do que se preconizava, estas16

17

18

19

Cfe. MORETZSOHN, Sylvia. Jornalismo, Mediao, Poder. Consideraes sobre o bvio surpreendente. Disponvel em: . Acesso em: 05. jul. 2004. MORAES, Denis. O capital da mdia na lgica da globalizao. In: MORAES, Denis (org.). Por uma outra comunicao. Mdia, mundializao cultural e poder. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 198-9. RAMONET, Igncio. O Quinto Poder. Artigo publicado na edio brasileira do L Monde Diplomatique, n. 45, out. 2003. Traduo de J Amado. Disponvel em: Acesso em: 07 set. 2004. RAMONET, Igncio. O Quinto Poder. Artigo publicado na edio brasileira do L Monde Diplomatique, n. 45, out. 2003. Traduo de J Amado. Disponvel em: Acesso em 07 set. 2004.

21

organizaes miditicas deixaram de ter como objetivo cvico o de ser um quarto poder, assim como deixaram de denunciar os abusos contra os direitos ou de corrigir as disfunes da democracia para polir e aperfeioar o sistema poltico. Quando, eventualmente, podem constituir um quarto poder, este se junta aos outros poderes existentes (poltico e econmico) para esmagar o cidado e como poder suplementar, como poder da mdia.

No foi outra a concluso de Herman e Chomsky20 aps estudo de diversos casos de ampla repercusso divulgados pela mdia dos Estados Unidos nas dcadas de 1970 e 1980. A anlise concluiu que o

propsito social da mdia o inculcar e defender as agendas econmicas, social e poltica dos grupos privilegiados que dominam a sociedade nacional e o Estado. Diversas maneiras seriam utilizadas pela mdia para servir a esse propsito: pela seleo de tpicos, distribuio de assuntos, enquadramento de questes, filtragem de informaes, nfase e tom, e mantendo o debate dentro de limites de premissas aceitveis. Em suma, a mdia de massa dos Estados Unidos constituda por instituies ideolgicas poderosas e eficazes que desempenham uma funo de propaganda do sistema por meio de dependncia em foras do mercado, suposies internalizadas e autocensura e sem coao aberta significativa. Esse sistema de propaganda tem se tornado ainda mais eficiente nas dcadas recentes, com o surgimento das redes de nacionais de televiso, a maior concentrao de mdia de massa, presses da direita sobre rdio e televiso pblicas e o crescimento, em escopo e sofisticao, das relaes pblicas e gesto de notcias21.

Alm da concentrao do controle da mdia por poucas empresas, necessrio destacar outro aspecto importante: a valorizao da informao instantnea, produzida em tempo real. Tal caracterstica inviabiliza a tarefa de interpretao, que um dos requisitos bsicos do exerccio do jornalismo: como afirma Ramonet, no h distanciamento temporal possvel para analisar o instante.

20 21

HERMAN, Edward S.; CHOMSKY, Noam. A manipulao do pblico. So Paulo: Futura, 2003. p. 360. Ibidem, p. 368.

22

Alm disso, conforme anlise de Virilio22, a instantaneidade e velocidade da informao trazem conseqncias para a prpria democracia:

Mas na generalidade, as democracias esto ameaadas pela tcnica, pelo aceleramento da informao. A grande ameaa da Internet para a democracia sua aparncia de idia: uma espcie de megacrebro onde todo o mundo est conectado com todo o mundo e onde suficiente formular uma pergunta para ter uma resposta. Essa a negao da democracia representativa no benefcio de uma democracia virtual ou automtica. As tecnologias da interatividade conduzem-nos a uma democracia ciberntica que, deixando de ser representativa, se torna presentativa, de demonstrativa se torna mostrativa, quer dizer, alucinante, como os media. Bata olhar as campanhas humanitrias para imaginar o que pode ser uma democracia que se lhes aparente. A meu ver, a democracia o tempo de reflexo em comum e no o reflexo condicionado das sondagens de opinio.

A mesma preocupao manifestada por Derrick de Kerckhove23 ao afirmar que:

hoje o desafio no acelerar a informao, mas torn-la mais lenta. (...) Nossa cultura absolutamente obcecada em acelerar todos os aspectos das atividades humanas e as formas de nos relacionarmos com elas. O que precisamos desacelerar e construir sentidos no nosso relacionamento com a informao, para negociar com ela em um ritmo adequado. O tempo tecnolgico ultra-rpido e fora de controle. Para control-lo, temos que jogar golfe ou ler livros. (...) No ambiente eletrnico, o papel dos livros , ento, o de desacelerar a informao e, subseqentemente, acelerar o pensamento, dando s pessoas tempo para pensar sobre isto e tornar o processo de leitura um capacitador de conhecimento.

Portanto, pode-se afirmar que a informao desponta como matria-prima do novo paradigma econmico e tecnolgico que estamos vivendo. Esse paradigma fundamentado sob a gide do neoliberalismo, modelo que reservou aos mercados financeiros a regulao da vida coletiva e subordinou as polticas pblicas de emprego, renda, crescimento econmico, investimentos e desenvolvimento social ao objetivo de ajustar as economias nacionais aos

22

23

VIRILIO, Paul. Entrevista a Revista Ajoblanco/Barcelona-ES, fevereiro de 1999. Disponvel em: http://www.ip.pt/flirt/arquivo/f_julho/julho/textos/virilio.htm. Acesso em: 28 set. 2003. Derrick de Kerckhove. Connected intelligence: the arrival of the Web society. Toronto: Somerville House Publishing, 1997, p. 122-123, apud MORAES, Dnis de. A silenciosa revoluo da literatura na internet. Disponvel em: Acesso em: 14 maio 2004.

26

O respeito da pessoa humana como limite significa o estabelecimento de um patamar at onde a liberdade de informar e o dever da verdade podem ser considerados. Aqui, o prprio interesse pblico que se confronta com um outro.

Portanto, a teoria postula uma noo de imprensa como instituio imparcial, informativa e independente, que evite ofender as minorias ou fomentar a delinqncia, a violncia e a desordem civil. A responsabilidade social deve ser assumida mediante a autorregulao e no mediante a interveno do governo, ainda que em ltima instncia esta tambm poderia se justificar.

1.3 Liberdade de Imprensa e Direito Informao

A liberdade de imprensa e de informao pode ser conceituada como uma liberdade civil, individual, mas com expresso coletiva, fundamental e essencial, fazendo parte dos denominados direitos fundamentais27.

Conforme pesquisa feita pelo American Law Institute, em 1944, da qual d conta Meuccio Ruini28, a liberdade de imprensa era a mais constitucionalizada: em 55 Constituies daquela poca, aparecia em todas elas. No h notcias sobre a atualizao da pesquisa, porm certo que a liberdade de imprensa vem se afirmando como direito fundamental organizao poltica dos povos.

27

28

Cfe. CARVALHO, L.G. Grandinettti Castao de. Liberdade de Informao e o Direito Difuso Informao Verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 21. IL Diritto di Stampa nella Costituzione, apud CARVALHO, L.G. Grandinettti Castao de. Liberdade de Informao e o Direito difuso informao verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 23.

27

Os primeiros pases a constitucionalizarem a liberdade de imprensa foram os Estados Unidos e a Frana.

Os Estados Unidos, atravs da Primeira Emenda29, em 1791, assentaram a impossibilidade de qualquer restrio liberdade de imprensa.

A Frana acolheu a liberdade de imprensa na Declarao de Direitos do Homem e do Cidado, de 1789, que passou a integrar as Cartas futuras. A Declarao, contudo, apontava para a possibilidade de a lei estabelecer limites aos abusos da imprensa, no seu artigo 1130.

Assim, seguiram-se inmeras outras Constituies (Holanda, [1815], Blgica [1831], Sua [1809], Noruega [1814] etc) que tambm se caracterizaram pela proibio de qualquer censura prvia e pela limitao, apenas, de abusos especificados em lei, geralmente ligados paz pblica e aos bons costumes.

Em 1948, a Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, da ONU, no artigo XIX31, prescreve que todo homem tem direito liberdade de expresso e de receber e transmitir informaes.

Em 1950, foi aprovado em Roma o Convnio Europeu para a Proteo dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, que prescreve, no art. 1032, a liberdade de29

30

31

32

Primeira Emenda: Congresso no votar leis que disponham sobre o estabelecimento de uma religio ou sobre a proibio de qualquer outra, ou que cerceiam a liberdade de palavra ou de imprensa ou o direito do povo de se reunir pacificamente e de dirigir peties ao Governo para reparao de agravos. Artigo 11: A livre manifestao do pensamento e das opinies um dos mais preciosos direitos do homem: todo cidado pode, portanto falar, escrever, imprimir livremente, respondendo pelo abuso dessa liberdade nos casos determinados pela lei. Artigo XIX da Declarao da ONU: Todo homem tem direito liberdade de opinio e expresso; este direito inclui a liberdade de, sem interferncias, ter opinies e de procurar receber e transmitir informaes e idias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. Artigo 10: 1 Qualquer pessoa tem direito liberdade de expresso. Este direito compreende a liberdade de opinio e a liberdade de receber ou de transmitir informaes ou ideais sem que possa haver ingerncia de quaisquer autoridades pblicas e sem consideraes de fronteiras. O presente artigo no impede que os Estados submetam as empresas de radiodifuso, de cinematografia ou de televiso a um regime de autorizao prvia.

28

expresso e a liberdade de receber e transmitir informaes, bem como estabelece deveres e responsabilidades para os rgos de comunicao, que podem, ainda, ser submetidos a restries necessrias e justificadas nos casos em que o Convnio menciona.

No Brasil, a constitucionalizao da liberdade de imprensa ocorreu em 1824, com a Constituio imperial, que a prescreveu livre de censura, sujeito o abuso s penas da lei.

A Constituio de 1937, no artigo 122, inciso XV, foi a que mais limitou a liberdade de imprensa. Estendeu a censura prvia para a imprensa, alm dos espetculos e diverses pblicas, e admitiu a proibio da circulao e da divulgao, alm de prescrever inmeras normas repressivas, a maioria voltada para a defesa do Estado, da ordem pblica, da paz, da segurana pblica, etc.

A Constituio de 1946 retoma a tradio democrtica anterior. O artigo 141, par. 5, aboliu a censura prvia, exceto para espetculos e diverses pblicas, manteve a proibio de propaganda de guerra, de processos violentos para subverter a ordem pblica e social, ou de preconceitos de raa ou de classe.

A Carta de 1967 seguiu a mesma linha democrtica. Contudo, no perodo de sua vigncia a nao testemunhou perodo de severa censura prvia, tendo o regime militar perseguido diversos jornalistas.

A Emenda n. 1, de 1969, repetiu a disciplina constitucional anterior.

2 - O exerccio destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condies, restries ou sanes, previstas pela lei, que constituam providncias necessrias, numa sociedade democrtica, para a segurana nacional, a integridade territorial ou a segurana pblica, a defesa da ordem e a preveno do crime, a proteo da sade ou da moral, a proteo da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgao de informaes confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do Poder Judicial.

29

Por fim, a Constituio de 1988 traz a liberdade de comunicao como um conjunto de direitos, formas, processo e veculos, que possibilitam a coordenao desembaraada da criao, expresso e difuso do pensamento e da informao33.

Conforme Jos Afonso da Silva, as formas de comunicao regem-se pelos seguintes princpios bsicos: (a) observado o disposto na Constituio, no sofrero qualquer restrio qualquer que seja o processo ou veculo por que se exprimam; (b) nenhuma lei conter dispositivo que possa constituir embarao plena liberdade de informao jornalstica; (c) vedada toda e qualquer forma de censura de natureza poltica, ideolgica e artstica; (d) a publicao de veculo impresso de comunicao independe de licena de autoridade; (e) os servios de radiodifuso sonora e de sons e imagens dependem de concesso, permisso e autorizao do Poder Executivo Federal, sob controle sucessivo do Congresso Nacional, a quem cabe apreciar o ato, no prazo do art. 64, 2 e 4; f) os meios de comunicao social no podem direta ou indiretamente, ser objeto de monoplio.

O direito de informar, como aspecto da liberdade de manifestao de pensamento, revela-se um direito individual, mas j contaminado de sentido coletivo, em virtude das transformaes dos meios de comunicao. Assim, a liberdade de imprensa nasceu no incio da idade moderna e se concretizou, essencialmente, num direito subjetivo do indivduo de

manifestar o prprio pensamento: nasce, pois, como garantia de liberdade individual. De outro lado, o direito informao possui a natureza coletiva. Na realidade, o direito informao (informao verdadeira) possui a natureza de direito difuso, conforme bem

33

SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 10.ed. So Paulo: Malheiros, 1995. p. 237.

30

esclarece Castao de Carvalho34. Trata-se de um direito transindividual, indivisvel, cujos titulares so pessoas indeterminadas e ligadas por circunstncias de fato.

Transindividual e indivisvel porque a informao jornalstica destinada a todas as pessoas que se disponham a receb-la, sem que se possa individualizar e dividir qual informao ser difundida para este indivduo e qual para aquele. Todos so igualmente titulares desse direito de receber informao e inegvel que todos os titulares esto ligados pela circunstncia de fato de serem leitores do mesmo jornal, ouvintes do mesmo rdio ou espectadores da mesma emissora de televiso.

As liberdades de expresso e informao com freqncia entram em coliso com os direitos honra, intimidade e a prpria imagem.

Neste caso, configurada a coliso de direitos protegidos constitucionalmente, cabe analisar a possibilidade de censura prvia mediante provimento judicial.

Valter Ceneviva afirma que a essncia do texto constitucional brasileiro est na proibio da censura. Ao abordar deciso judicial liminar que impediu a veiculao de programa de televiso por suposta ofensa anterior a valores constitucionais, Ceneviva35 sustenta que a censura claramente inconstitucional, pois ofende o inciso XI do art. 5 (liberdade de expresso da atividade artstica, independentemente de censura ou licena) e o 2 do art. 220 (probe qualquer censura de natureza artstica) da Constituio Federal, sendo que a censura prvia no admissvel nem mesmo na hiptese de abuso do qual se possa cogitar por antecipao: se for o caso, que se aplique, no rigor da lei, a punio posterior36.34

35

36

CARVALHO, L.G. Grandinettti Castao de. Liberdade de Informao e o Direito difuso informao verdadeira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 105. Cfe. CENEVIVA, Valter. Censura a Gugu viola a Constituio. Artigo publicado no jornal Folha de So Paulo, 21 set. 2003. Disponvel em: . Acesso em: 12 out. 2004. Cfe Denuncismo e Sensacionalismo. Revista Do Conselho de Justia Federal, n. 20. Disponvel em: . Acesso em: 22 set. 2004.

31

Em posio diametralmente oposta situa-se Gilmar Mendes37, asseverando que, a partir da garantia da inviolabilidade dos direitos da personalidade (CF, art. 5, X),

parece evidente que o constituinte no pretendeu assegurar apenas eventual direito de reparao ao eventual atingido", pois a garantia da efetiva proteo judiciria contra leso ou ameaa de leso a direito muito pouco significaria, "se a interveno" (judiciria) "somente pudesse se dar aps a configurao da leso.

A Suprema Corte Brasileira ainda no firmou posio sobre a matria.

A doutrina constitucional espanhola reiteradamente tem frisado que nos casos em que h conflito entre direito honra e direito liberdade de informao, deve se partir da premissa de que atravs deste ltimo direito no apenas se protege um interesse individual seno que contm o reconhecimento e a garantia de uma instituio poltica fundamental, que a opinio pblica, indissoluvelmente ligada com o pluralismo poltico. Deste modo, ao contribuir este direito formao de uma opinio pblica livre, a liberdade de informao constitui um dos elementos essenciais de uma sociedade democrtica. Contudo, para que prevalea o direito informao sobre o direito honra, preciso, por uma parte, que a informao se refira a fatos de relevncia pblica; e, por outra, que dita informao seja veraz38. O requisito constitucional da veracidade da informao no significa a exigncia de uma rigorosa e total exatido no contedo da informao, seno nega proteo constitucional aos que transmitem como fatos verdadeiros, simples rumores, carentes de qualquer constatao, ou meras invenes ou insinuaes sem comprovar sua realidade mediante as oportunas averiguaes prprias de um profissional diligente; tudo isso sem prejuzo de que sua total exatido possa ser controvertida ou se incorra em erros circunstanciais que no afetem a essncia do informado. De outro lado, h relevncia pblica na informao quando o37

38

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle da constitucionalidade. Braslia, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998. p. 85. SENTENA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ESPANHOL (STC) 21/2000. Disponvel em: Acesso em: 12 mar. 2004.

32

assunto diga respeito ao interesse pblico. A informao provida de interesse pblico quando diga respeito a fatos ou circunstncias suscetveis de afetar o conjunto dos cidados39.

Em caso de conflito, o Tribunal Constitucional Espanhol preconiza seja realizada a ponderao de bens, devendo-se analisar cada uma das circunstncias concorrentes, de forma tal que cada caso necessitar de um exame particularizado, ou seja, no h que se falar em aplicao automtica de regras gerais. No obstante, conforme a jurisprudncia constitucional espanhola, na anlise de conflito entre direito honra e liberdade de informao algumas premissas devem ser levadas em conta: a) em nenhum caso resultar admissvel o insulto ou qualificaes claramente difamatrias40; b) o cargo ou ocupao da pessoa afetada ser um fator a analisar, tendo em conta que os cargos pblicos ou as pessoas que por sua profisso se vm expostas ao pblico tero que suportar um grau maior de crtica ou de afetao a sua intimidade que as pessoas que no contam com essa exposio ao pblico; c) as expresses ou informaes havero de contrastar-se com os usos sociais, de forma tal que, por exemplo, expresses no passado consideradas injuriosas possam haver perdido esse carter; d) no se desvelaro desnecessariamente aspectos da vida privada ou da intimidade que no resultem relevantes para a informao41.

Especificamente quanto questo da possibilidade de censura prvia, o Tribunal Constitucional Espanhol preconiza que:

por censura previa debe tenerse cualquier medida limitativa de la elaboracin o difusin de una obra del espritu que consista en el sometimiento a un previo examen por un poder pblico del contenido de la misma cuya finalidad sea la de enjuiciar la obra en cuestin con arreglo a unos valores abstractos y restrictivos de la libertad, de manera tal que se39

40

41

SENTENA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ESPANHOL (STC) 115/2000. Disponvel em: Acesso em: 15 ago. 2004. Sentenas do Tribunal Constitucional Espanhol (SSTC) 204/2001, de 15 de outubro, e 20/2002, de 28 de janeiro. Sentenas do Tribunal Constitucional Espanhol (SSTC) 185/2002, de 14 de outubro, e 127/2003, de 30 de junho.

33

otorgue el plcet a la publicacin de la obra que se acomode a ellos a juicio del censor y se le niegue en caso contrario. Y precisamente por lo tajante de la expresin empleada por la Constitucin para prohibir estas medidas, debe alcanzar la interdiccin a todas las modalidades de posible censura previa, aun los ms dbiles y sutiles, que tengan por efecto, no slo el impedimento o prohibicin, sino la simple restriccin de los derechos de su art. 20.1 (SSTC 77/1982, 52/1983, 13/1985, 52/1995, 176/1995)42.

Contudo, a restrio contida no art. 20, n. 243 da Constituio Federal Espanhola no deve ser entendida como proibio a que um Juiz ou Tribunal, devidamente habilitado por lei, adote certas medidas restritivas do exerccio da liberdade de expresso e informao. Assim, a censura a determinado programa ou reportagem pode ser justificada a partir da necessidade urgente de se proteger outros valores constitucionalmente protegidos.

No mesmo sentido, decidiu a Corte Constitucional Alem no chamado caso Lebach proibir a divulgao de filme onde havia referncia nominal a um envolvido em grave homicdio. O pedido de proibio da divulgao tinha como fundamento, alm da possibilidade de leso a direitos da personalidade, a dificuldade que tal publicidade acarretaria ressocializao do envolvido. Considerou o Tribunal, inicialmente, que os valores constitucionais em conflito (liberdade de comunicao e os direitos de personalidade) configuravam elementos essenciais da ordem democrtico-liberal estabelecida pela Lei Fundamental, de modo que nenhum deles deve ser considerado, em princpio, superior ao outro. Na impossibilidade de uma compatibilizao dos interesses conflitantes, tinha-se de contemplar qual haveria de ceder lugar, no caso concreto, para permitir uma adequada soluo da coliso.

42

43

Cfe. STC 187/1999, Disponvel em: . Acesso em 12. set. 2004. Artigo 20. 1. Se reconocen y protegen los derechos: a) A expresar y difundir libremente los pensamientos, ideas y opiniones mediante la palabra, el escrito o cualquier otro medio de reproduccin. b) A la produccin y creacin literaria, artstica, cientfica y tcnica. c) A la libertad de ctedra. d) A comunicar o recibir libremente informacin veraz por cualquier medio de difusin. La ley regular el derecho a la clusula de conciencia y al secreto profesional en el ejercicio de estas libertades. 2. El ejercicio de estos derechos no puede restringirse mediante ningn tipo de censura previa.

34

Concluiu a Corte Constitucional44

Para a atual divulgao de notcias sobre crimes graves tem o interesse de informao da opinio pblica, em geral, precedncia sobre a proteo da personalidade do agente delituoso. Todavia, alm de considerar a intangibilidade da esfera ntima, tem-se que levar em conta sempre o princpio da proporcionalidade. Por isso, nem sempre afigura-se legtima a designao do autor do crime ou a divulgao de fotos ou imagens ou outros elementos que permitam a sua identificao. A proteo da personalidade no autoriza, porm, que a Televiso se ocupe, fora do mbito do noticirio sobre a atualidade, com a pessoa e esfera ntima do autor de um crime, ainda que sob a forma de documentrio. A divulgao posterior de notcias sobre o fato , em todo caso, ilegtima, se se mostrar apta a provocar danos graves ou adicionais ao autor, especialmente se dificultar a sua reintegrao na sociedade. de se presumir que um programa, que identifica o autor de fato delituoso pouco antes da concesso de seu livramento condicional ou mesmo aps a sua soltura, ameaa seriamente o seu processo de reintegrao social.

Portanto, a partir dos precedentes das Cortes Constitucionais da Espanha e da Alemanha possvel concluir que no processo de ponderao no se atribui primazia absoluta a um ou a outro princpio ou direito. A anlise deve ser realizada no caso concreto, impondose, se necessrio, a prevalncia de um direito sobre o outro.

1.4 Verso do Fato ou Verso sobre o Fato: a Objetividade Miditica

Conforme referido, para a Teoria da Responsabilidade Social, a imprensa dever contextualizar os fatos, ou seja, trazer um relato verdadeiro, completo e inteligente dentro de um contexto que lhes d significado.

Assim, dentro desse enfoque, impe-se analisar a questo da objetividade miditica.

44

MENDES, Gilmar Ferreira et al. Hermenutica constitucional e Direitos fundamentais. Instituto Brasileiro de Direito Pblico. Braslia: Braslia Jurdica, 2000. p. 291.

35

Antonio Hohlfeldt45 realizou recente levantamento em manuais editados no Brasil, alguns autores norte-americanos e espanhis utilizados habitualmente em estudos brasileiros, e verificou que a categoria objetividade se coloca como a mais citada.

Partindo das definies de objetividade como informao fiel ao que relata, precisa no que diz (Juarez Bahia)46, ou, conforme Mrio Erbolato47, para ser objetiva a informao deve ser publicada de forma sinttica, sem rodeios e de maneira a dar a noo correta do assunto focalizado, Hohlfeldt sustenta que h divergncia sobre a categoria objetividade. Para tanto, cita o Novo Manual de Redao da Folha de So Paulo, que, a seu ver, trata a categoria como um mito do ensino jornalstico:

Objetividade: no existe objetividade no jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um texto e edit-lo, o jornalista toma decises em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posies pessoais, hbitos e emoes. Isso no o exime, porm, da obrigao de ser o mais objetivo possvel para relatar um fato com fidelidade, reproduzir a forma, as circunstncias e as repercusses. O jornalista precisa encarar o fato com distanciamento e frieza, o que no significa apatia nem desinteresse.

Portanto, de um lado, a categoria objetividade a mais citada em manuais nacionais e internacionais; de outro, a categoria tida como um mito do ensino jornalstico.

Qualquer discusso sobre a objetividade necessariamente remete, em primeiro lugar, a um tradicional debate no campo da teoria do conhecimento.

Conforme Moretzsohn48, desde Kant e, mais recentemente Husserl e Merleau-Ponty, parece clara a impossibilidade de um conhecimento absolutamente objetivo do mundo, dada a45

46 47 48

HOHLFELDT, Antnio. Objetividade: categoria jornalstica mitificada. Disponvel em: Acesso em: 14 maio 2004. BAHIA, Juarez. Jornal, histria e tcnica. So Paulo: tica, 1990. p. 13. ERBOLATO, Mrio L. .Tcnicas de codificao em jornalismo. Petrpolis: Vozes, 1985. p. 52. MORETZSOHN, Sylvia. Profissionalismo e objetividade: o jornalismo na contramo da poltica. Disponvel em: . Acesso em: 14 maio 2004.

36

importncia da subjetividade na apreenso do objeto e mesmo o propsito do conhecimento. Heisenberg dizia que, na cincia, o objeto de investigao no a natureza em sim mesma, mas a natureza submetida interrogao dos homens.

Ao se propor a relatar, o jornalista mesmo fixado na impessoalidade discursiva, j est desempenhando um papel ativo que reside, primeiramente, no recorte do acontecimento social do fluxo objetivo da realidade. Na continuidade do processo, que supe uma maneira prpria de perceber a produzir fatos jornalsticos, vai ocupando diferentes posies na cena dos acontecimentos, quando escolhe e destaca esse ou aquele personagem, quando seleciona informaes, diferentes opinies.

Desde uma perspectiva sociolgica, Tuchman considera a objetividade como uma estratgia ritual mediante a qual os profissionais se protegem e evitam comprometerem-se com o que afirmam. J a partir de uma perspectiva da anlise do discurso, Van Dijk considera a objetividade como o efeito de um conjunto de estratgias retricas modelo para persuadir49.

Damin Pedemonte cita o trabalho de Galdn Lopes, que, a partir de uma perspectiva mais prxima da prtica profissional, realizou uma descrio exaustiva dos efeitos desinformativos (tais como uma viso parcial e superficial da realidade, acumulao de fatos sem sentido, idolatria da atualidade, omisso do essencial, sacralizao da opinio, verificao do poder), as conseqncias para o informador e para a sociedade (o servilismo do primeiro e a manipulao da segunda) e uma crtica dos fundamentos tericos do jornalismo objetivista.

Quanto questo da objetividade, Galdn Lopes argumenta a impossibilidade da neutralidade. Ao usar palavras como assassinato, tortura, mentira ou injustia, estamos valorando os fatos referidos. Para o autor, s vezes inclusive a tipificao de um fato somente se alcana49

PEDEMONTE, Damian Fernndez. La violencia del relato.. Buenos Aires: La Cruja ediciones, 2001. p. 55.

37

mediante o significado que se lhes estabelece: homicdio diferente de suicdio, e no se descreveria convenientemente com um termo neutro como morte; ao nomear esses fatos com os significados comumente aceitos estamos expressando a realidade porque a natureza fala com significados alcanveis. Por tanto, nenhum texto pode veicular fatos sem valor-los.

Com bem assinalou Josenildo Luiz Guerra50, o conhecimento s possvel graas interpretao, isto , exposio de algo que aparece como tal no mundo, a partir de um horizonte no qual o indivduo se encontra compreendido e que experimentado na condio de faticidade. A interpretao a prpria forma de interao dos indivduos entre si e com o mundo. Portanto, conforme o autor, uma abordagem interpretativa da notcia, em conseqncia, pressupe duas caractersticas que so desafiadoras para os jornalistas: 1) criatividade, pois tratase de um processo que depende da capacidade em estabelecer relaes entre os fatos e explorar possibilidades; e 2) rigor, uma vez que tais relaes e possibilidade esto assentadas em dados factuais diante dos quais a arbitrariedade e a falsidade podem ser reveladas.

Portanto, cabe a seguinte questo: pode haver jornalismo sem o pressuposto de estratgias subjetivas e da criatividade do sujeito para a apreenso e representao de um acontecimento?Certamente que h um gro de verdade na idia de que a notcia no deve emitir juzos de valor explcitos, medida que isso contraria a natureza da informao jornalstica tal como se configurou modernamente. Mas igualmente pacfico que esse juzo vai inevitavelmente embutido na prpria forma de apreenso, hierarquizao e seleo dos fatos, bem como na constituio da linguagem (seja ela escrita, oral ou visual) e no relacionamento espacial e temporal dos fenmenos atravs de sua difuso51.

50

GUERRA, Josenildo Luiz. Notas para uma abordagem interpretativo-normativa da Notcia. Disponvel em: Acesso em: 09 abr. 2004. 51 GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirmide. Porto Alegre: Ortiz, 1989. p. 45-46.

38

Para Clvis Rossi52 a objetividade possvel, por exemplo, na narrao de um acidente de trnsito e, assim mesmo, se no envolver o reprter. Esse tipo de acontecimento ou seja, aquele que afeta apenas um pequeno grupo de pessoas, sem maior incidncia poltica e/ou social ainda permite o exerccio da objetividade. Nos demais, ela apenas um mito.

Genro critica essa perspectiva ingnua que v uma gradao de objetividade em certos relatos jornalsticos. Para ao autor, a chamada objetividade jornalstica no pode ser

enquadrada sob o ngulo puramente psicolgico, como se a subjetividade do jornalista fosse uma espcie de resduo que se interpe entre o acontecimento e o relato neutro. H um componente subjetivo inevitvel na composio mesma do fato, por mais elementar que ele seja, diz53.

Se algum olhar um cubo sobre uma mesa, afirma Lopes54, poder ver uma figura de face nica quadrada ou de apenas duas ou trs, de formatos irregulares, conforme a posio que assuma diante do objeto. No entanto, experincias anteriormente incorporadas fazem com que esse estranho objeto seja reconhecido como um cubo: slido que tem seis faces quadradas iguais. Muniz Sodr55 refere-se a esse ponto de vista da perspectiva utilizando a geometria espacial como um artifcio, uma manipulao ilusria, semelhante ao ponto-de-vista literrio, que o escritor usa para destacar ou realar certos efeitos predeterminados. A idia de manipulao ilusria aplicada imprensa fere, com ponta afiada, os chamados princpios jornalsticos de reproduo fiel da realidade.52

53 54

55

Clvis Rossi apud MAROCCO, Beatriz. Zona de Sombra, sobre histrias de Excluso contadas pela Mdia. Porto Alegre: PUCRS, 1997. Dissertao. (Mestrado em Comunicao), Faculdade dos Meios de Comunicao Social, Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul, mar. 1997. p. 53. GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirmide. Porto Alegre: Ortiz, 1989. p. 49. LOPES, Sonia Aguiar. Sobre o discurso jornalstico, verdade, legitimidade e identidade. Rio de Janeiro: UFRJ, 1990. Dissertao (Mestrado em Comunicao), Escola de Comunicao da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1990. p. 31-32. SODR, Muniz. A mquina de Narciso: televiso, indivduo e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Achiam, 1984. p. 19.

39

As crticas sobre a objetividade, contudo, no podem levar subjetividade total, o que implicaria a supresso do objeto. Nesse caso, o jornalismo, fundado a partir de um imperativo tico que prescreve a notcia como o discurso da realidade, teria de deixar de existir, pois nada poderia afirmar sobre os fatos que reporta. Na verdade, conforme explica Moretzsohn56, no se trata de eliminar o real: como observou Hannah Arendt, a necessidade de interpretao (portanto, da subjetividade) na apreenso do fato no constitui argumento contra a existncia da matria factual, nem poderia ser justificativa para que o historiador (o jornalista) manipule fatos a seu bel-prazer. Assim, no exemplo clssico, tudo pode ser dito sobre a I Guerra Mundial, menos que a Blgica invadiu a Alemanha. Trata-se, porm, de demonstrar que a subjetividade presente no processo de apreenso dos fatos indica que o jornalismo no o discurso da realidade (como diz ser), mas um discurso sobre a realidade. Desse modo, haver vrios discursos sobre a invaso da Blgica pela Alemanha, e essas interpretaes fazem toda a diferena.

Portanto, partindo-se do pressuposto de que na cincia, o objeto de investigao no a natureza em si mesma, mas a natureza submetida interrogao dos homens pode-se dizer que o conhecimento um trabalho de construo do real57.

Diante desse contexto, como exigir independncia, iseno ou neutralidade na atividade jornalstica?

56

57

MORETZSOHN, Sylvia. Profissionalismo e objetividade: o jornalismo na contramo da poltica. Disponvel em: Acesso em: 14. maio 2004. MORETZSOHN, Sylvia. Profissionalismo e objetividade: o jornalismo na contramo da poltica. Disponvel em: Acesso em: 14. maio 2004.

40

Guerra58 sustenta que a neutralidade somente pode ser considerada em relao aos atores polticos com os quais a imprensa lida. Portanto, a questo deve ser tratada sob o nvel tico-poltico.

tico porque envolve uma reflexo sobre o pluralismo legtimo dos interesses existentes numa sociedade e a melhor forma de equacion-los; e poltico porque representa a ao efetiva dos sujeitos no sentido de criar e estabelecer procedimentos institucionais ou no de como realizar, em termos prticos, operatrios, as aes que satisfaam as condies eticamente aceitveis.

Assim, considerando que a neutralidade e a imparcialidade representam o reconhecimento de uma sociedade plural, onde o pluralismo representa uma afirmao da legitimidade dos interesses que se apresentam, na esfera do trabalho jornalstico a imparcialidade e a neutralidade poderiam ser consideradas, respectivamente, pr-condio e um meio pelo qual os diversos interesses possam vir a pblico, de modo que as partes do conflito possam se sentir contempladas pelo tratamento que receberam. Desta forma, a imparcialidade e a neutralidade representam para o jornalismo, no um pr-requisito para a veracidade do relato, mas sim, se constituem em parmetros para se avalizar a credibilidade dos profissionais e das empresas de jornalismo.

Tendo em conta que o debate sobre a neutralidade e a imparcialidade absolutamente relevante em sociedades democrticas, caracterizadas pela abertura que propiciam para que os diversos interesses nela constitudos possam se manifestar, Guerra59 discute mecanismos para avaliar a observncia dos referidos princpios. A separao entre jornalismo opinativo e jornalismo informativo absolutamente salutar. No primeiro, o jornalista tem a liberdade de apresentar seus prprios pontos de vista a respeito dos fatos. No editorial, por exemplo, o58

59

GUERRA, Josenildo. Neutralidade e Imparcialidade no Jornalismo da Teoria do Conhecimento Teoria tica. artigo apresentado no XXII CONGRESSO BRASILEIRO DE CINCIAS DA COMUNICAO. Disponvel em: Acesso em: 12 set. 2004. GUERRA, Josenildo. Neutralidade e Imparcialidade no Jornalismo da Teoria do Conhecimento Teoria tica. artigo apresentado no XXII CONGRESSO BRASILEIRO DE CINCIAS DA COMUNICAO. Disponvel em: Acesso em: 12 set. 2004.

41

jornal pode defender uma determinada posio poltica ou tica. No segundo, cabe aos jornalistas buscar os fatos, as verses que os interessados apresentam, no sendo a eles permitido opinar a respeito. A instituio jornalstica , potencialmente, um frum, ou seja, espao para o qual as verses conflitantes fluem a fim de encontrar um acolhimento plural. Assim, os princpios da neutralidade e da imparcialidade constituem-se em exigncias prvias e necessrias para a constituio do frum. Nesse sentido, a atividade jornalstica deve repudiar quaisquer interesses que queiram se sobrepor ao seu interesse maior, que manter-se eqidistante das foras em conflito. Tais princpios, do ponto de vista prtico, podem ser pensados na forma de trs condutas: 1) o da publicidade, isto , o jornal e os jornalistas devem se obrigar a garantir a participao de qualquer interesse legtimo envolvido na questo; 2) abrirse opinies contraditrias que hajam em relao a um fato polmico; e 3) evitar o privilgio de determinados pontos de vista no seu espao.

Bucci60 considera que o mito da neutralidade entendida como a imagem acalentada pelo senso comum de que o bom reprter inteiramente imune s crenas, s convices e s paixes desinforma. Sim, porque muitas vezes o reprter se esconde atrs da dita informao objetiva, que mostra apenas a realidade, transmitindo, na realidade, uma informao francamente tendenciosa. A forma de enfrentar o mito da neutralidade a transparncia, principalmente na disposio de revelar e debater claramente episdios que envolvam conflito de interesses.

Pode-se traar aqui um paralelo entre a neutralidade do jornalista e a neutralidade do julgador.

Assim, como para o jornalista, o princpio da neutralidade para o julgador tambm deve ser encarado sob a perspectiva tico-poltica. Afinal de contas, impossvel para60

BUCCI, Eugnio. Sobre tica e imprensa. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.

42

qualquer ser humano julgar abstraindo totalmente os seus traumas, complexos, paixes e crenas (sejam ideolgicas, filosficas ou espirituais), eis que a manifestao de sentimentos um dos aspectos fundamentais que diferencia a prpria condio de ente humano em relao ao frio "raciocnio" das mquinas computadorizadas.

Portanto, a neutralidade exigida do juiz s pode ser entendida como necessidade de eqidistncia das partes.

Conforme Ferrajoli61, a sujeio lei como premissa substancial exprime a colocao institucional do juiz, a qual externa e estranha para os sujeitos da causa, para o sistema poltico e aos interesses sustentados pelas partes, expressando-se pelo princpio da imparcialidade. O juiz no deve ter nenhum interesse na causa nem representar interesses da maioria, tendo por objetivo apenas perseguir a verdade e tutelar os direitos fundamentais.

A partir destas colocaes, o autor chama eqidistncia o afastamento do juiz dos interesses das partes em causa; independncia a sua exterioridade aos sistemas polticos e naturalidade a determinao de sua designao e a determinao de suas competncias para escolhas sucessivas comisso do fato submetido ao seu juzo. Estes trs perfis requerem garantias orgnicas: imparcialidade (separao das partes), independncia (separao dos demais poderes) e naturalidade (separao de autoridades comissionadas ou delegadas de qualquer tipo e predeterminao exclusivamente legal das suas competncias).

Este conjunto de condies implicam que o juiz exercite suas funes em nome do povo, no sendo propriamente um rgo do Estado-aparato e que o Poder Judicirio se configure, em relao aos outros poderes, como um contra-poder, sendo a ele atribudo o controle da legalidade ou validade dos atos legislativos e administrativos, bem como a tutela61

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razo. So Paulo: RT, 2002.

43

dos direitos fundamentais dos cidados contra as leses ocasionadas pelo Estado. Isto ocorre porque o Judicirio no representativo, mas sujeito somente lei e obrigado a buscar o verdadeiro, quaisquer que sejam os sujeitos julgados e os contingentes interesses dominantes.

1.5 A Realidade Construda pela Mdia

A informao um conceito que tem vrias definies. Um dos sentidos deste conceito pode ser buscado atravs de sua origem etimolgica. Informao uma palavra de origem latina, do verbo "informare", que significa dar forma, colocar em forma, criar, representar, construir uma idia ou uma noo. A partir de sua origem etimolgica pode-se perceber dois sentidos complementares para este conceito. Assim, tem-se que a informao pode ser compreendida como processo de atribuio de sentido. Em temos de prticas informacionais, diria-se que esse processo se d atravs das aes de recepo/seleo das informaes recebidas. Outra compreenso pode ser formulada se a informao for considerada como processo de representao, objetivando com isso comunicar o sentido dado mesma. Este processo ocorre atravs das aes de codificao, emisso, decodificao/uso de informao. Em termos de prticas informacionais pode-se dizer que este processo estrutura-se atravs das aes de gerao e transferncia de informao. Assim, a partir de uma viso etimolgica a informao pode ser conceituada como uma prtica social que envolve aes de atribuio e comunicao de sentido. Saliente-se ainda que, atravs da anlise etimolgica do termo informao, um ponto se destaca. Seja como processo de atribuio de sentido, seja como processo de representao para a comunicao, a informao comporta um elemento de sentido, ou seja, o objetivo do ato de informar o envio e a apreenso de sentido. Conclui-se ento que se no ocorre atribuio de sentido (recepo) e

44

processo de representao (gerao e transferncia) do fenmeno informacional no se desenvolve62.

Outra compreenso para o termo informao pode ser extrada a partir de Brookes 63. Conforme o autor, a informao um elemento que provoca transformaes nas estruturas. Assim, quando se envia uma mensagem (conjunto de informaes) a um ser consciente, baseada num cdigo conhecido, tanto pelo sujeito-emissor, como pelo sujeito-receptor, esta mensagem pode ser interpretada e, a partir da, adquirir sentido. Ao utilizar esta informao (com sentido) para resolver determinado problema ou se informar sobre qualquer situao o sujeito social produz conhecimento. Tal conhecimento pode ser a simples identificao de determinado objeto ou a compreenso exata e completa deste mesmo objeto. Assim, quando se afirma que existe uma relao entre informao e conhecimento e que estes elementos podem provocar transformaes nas estruturas, estamos nos baseando na idia de que o nosso estado (ou nossos estados) de conhecimento sobre determinado assunto, em determinado momento, representado por uma estrutura de conceitos ligados por suas relaes, isto , a nossa imagem do mundo, ou a nossa viso de mundo. Quando constatamos uma deficincia ou uma anomalia desse(s) estado(s) de conhecimento(s), encontramo-nos em estado anmalo de conhecimento. Ao tentarmos obter uma informao ou informaes que corrigiro essa anomalia, criaremos um novo estado de conhecimento, que uma vez aplicado determinada situao problemtica, pode provocar uma nova situao ou uma transformao de estruturas.

Os critrios inter-relao da informao recebida com a realidade do usurio e compreenso do cdigo utilizado (em termos de lngua utilizada e do tipo de linguagem utilizada) para o envio da informao envolvem o desenvolvimento de aes percepo,62

63

ARAJO, Eliany Alvarenga de. A Construo Social da Informao: dinmica e contextos. Revista de Cincia da Informao, v. 2, n. 5, out. 2001. Disponvel em: www.dgz.org.br/out.01/Art_03.htm>. Acesso em: 19 set. 2004. BROOKES, B.C. The foundations of Information Science. Journal of Information Science, v. 2, p. 209-221, 1980.

45

interpretao/compreenso da informao por parte do sujeito receptor. Atravs dessas aes complementares ocorre a seleo da informao recebida. Se a informao foi selecionada pelo sujeito receptor, podemos considerar que ocorreu um processo de convergncia, ou seja, um processo no qual o sujeito receptor reconhece a informao acessada como sendo um contedo vlido. Tal reconhecimento se d a partir de uma mediao entre o acervo social do conhecimento desse sujeito, a realidade/situao vivenciada, onde ele pretende utilizar tal informao e a informao recebida.

Partindo-se do pressuposto de que a interpretao que o ser humano faz da realidade (no sentido de mundo exterior mente humana) sempre mediada pela cultura (se considerarmos a cultura de um dado grupo como os significados compartilhados pelos membros deste grupo [de acordo com as concepes de Hall, 1997 e Geertz, 1978] 64, depreende-se que a noo de realidade de cada indivduo social ou culturalmente construda, estando vinculada significao atribuda a esta realidade pelo grupo ou sociedade, em cujo este indivduo se insere.

Segundo Berger e Luckmann65, o acervo social do conhecimento ou conhecimento j estabelecido, significa que, nos campos semnticos constitudos pela linguagem, a experincia do indivduo, tanto histrica como biogrfica, pode ser objetivada e acumulada. Tal processo de acumulao seletivo e constri um acervo social de conhecimento, que transmitido de uma gerao para outra e utilizado pelo indivduo na vida cotidiana.

Conforme frisado anteriormente, o sujeito receptor utiliza critrios para selecionar informaes no momento da recepo. Mas, por que ele desenvolve tal ao?

64

GEERTZ, C. A interpretao das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978; HALL, S. Representation Cultural representations and signifying practices. London: Sage Publishers/The Open University, 1997. 65 BERGER, Peter; LUCKMAN, Thomas. A construo social da realidade. 17.ed. Petrpolis: Vozes, 1999.

46

Podemos compreender a ao de seleo se considerarmos que a realidade e/ou a vida cotidiana comportam setores rotineiros ou no-problemticos, apreendidos naturalmente, e setores que se apresentam em forma de problema, o que, ao serem enfrentados, enriquecemnos, trazendo-nos novos conhecimentos.

Conforme Berger e Luckmann66, este conhecimento advindo das solues dadas aos problemas produzidos pela vida cotidiana contm uma multiplicidade de instrues sobre a maneira como enfrent-los. Uma vez resolvidos tais problemas, o conhecimento oriundo dessa situao passa a integrar o nosso acervo social do conhecimento, que inclui o conhecimento "de minha situao (meus objetivos e necessidades) e de seus limites". Esse

processo se repete indefinidamente, ou seja, para todas as informaes recebidas, o indivduo busca um sentido no seu acervo social de conhecimentos e, uma vez atribudo tal sentido a informao pode ser utilizada ou no. Isso vai depender da informao recebida, da realidade/situao que est sendo vivenciada pelo sujeito e do sentido que ele mesmo atribui a esta informao. Vale salientar que, a informao selecionada/utilizada produo de um sujeito cognitivo-social, uma vez que participa de uma "sociedade de discurso", ou seja, de um contexto que composto pela socialidade (experincia coletiva) e pela atividade cognitiva do sujeito.

Os efeitos dos meios de comunicao so explicados por diversas teorias, todas de certa forma comprovando que a comunicao jornalstica um dos agentes que intervm no processo de construo social da realidade, conforme enunciado por Berger e Luckman.

Os modelos explicativos mais recentes sobre os efeitos da comunicao social tendem a ser definidos de uma forma relativamente microscpica em funo do tipo de influncia que

66

Ibidem.

47

exercem (direta ou indireta, individual ou social) e do tempo que demoram a constatar-se (curto, mdio e longo prazo).

Maria Dolores Montero67 props a seguinte diviso: (1) efeitos a curto prazo, individuais e indiretos, como preconizariam certas verses da teoria dos usos e gratificaes; (2) efeitos a curto prazo, individuais e diretos, como preconizaria a teoria do agenda-setting; (3) efeitos a curso prazo, sociais e indiretos, conforme indicariam certas analises de audincia; (4) efeitos a curto prazo, sociais e diretos, como no caso da influncia da comunicao social na definio das situaes polticas; (5) efeitos a longo prazo, individuais e indiretos, como teorizaria a teoria da dependncia; (6) efeitos a longo prazo, sociais e indiretos como ocorreria na influncia dos meios de comunicao sobre as instituies estatais; e (7) efeitos a longo prazo, sociais e diretos, conforme decorreria da ao socializadora da comunicao social no domnio pblico.

Dentre as principais teorias explicativas da influncia dos meios, destacam-se a teoria do agenda-setting e teoria da espiral do silencio.

1.5.1 Teoria do Agenda-Setting

A teoria do agenda-setting (estabelecimento de agendas) uma teoria que procura explicar um certo tipo de efeitos cumulativos a curto prazo que resultam da abordagem de assuntos concretos por parte da comunicao social. Apresentada por McCombs e Shaw68 (1972) e elaborada a partir do estudo da campanha eleitoral para a Presidncia dos Estados67

68

MONTERO, Maria Dolores. La informacin periodstica y su influencia social. Barcelona: Labor, 1993. MCCOMBS; SHAW. The agenda-setting function of mass media. Public OpinionQuarterly, v. 36, p. 176187, 1972.

48

Unidos de 1968, essa teoria destaca que os meios de comunicao tm a capacidade no intencional de agendar temas que so objeto de debate pblico em cada momento. O

aparecimento da teoria do agenda-setting representa uma ruptura com o paradigma funcionalista sobre os efeitos dos meios de comunicao. At ento, e sobretudo nos EUA, prevalecia a idia de que a comunicao social no operava diretamente sobre a sociedade, j que a influncia pessoal relativizaria, limitaria e mediatizaria esses efeitos. A teoria do agenda-setting mostrava, pelo contrrio, que existiam efeitos sociais diretos, pelo menos quando determinados assuntos eram abordados e estavam reunidos um certo nmero de circunstncias. Quanto maior fosse a nfase dos media sobre um tema e quanto mais continuada fosse a abordagem desse tema maior seria a importncia que o pblico lhe atribuiria na sua agenda.

Os estudos referentes ao agenda-setting, em sua maioria, so respeitantes relao entre a agenda da mdia e a agenda pblica. uma preocupao constante dos pesquisadores analisar os efeitos da mdia na opinio pblica.

O processo de agendamento pode ser descrito como um processo interativo. A influncia da agenda pblica sobre a agenda da mdia um processo gradual atravs do qual, a longo prazo, se criam critrios de noticiabilidade, enquanto a influncia da agenda da mdia sobre a agenda pblica direta e imediata, principalmente quando envolve questes que o pblico no tem uma experincia direta. Desta maneira, prope-se que a problemtica do efeito do agendamento seja diferente de acordo com a natureza da questo69.

Ferreira70 explica que a imposio do agendamento forma-se atravs de dois vieses: (1) a "tematizao proposta pelos mass media", conhecida como ordem do dia, que sero os69 70

TRAQUINA, Nelson. O poder do jornalismo: anlise e textos da teoria do agendamento. Coimbra: Minerva, 2000. FERREIRA, Giovandro Marcus. Os meios de comunicao pelo vis do paradigma da sociedade de massa. Disponvel em: Acesso em: 17 abr. 2002.

49

assuntos propostos pela mdia e que se tornaro objeto das conversas das pessoas, da agenda pblica; (2) a hierarquizao temtica, que so os temas em relevo na agenda da mdia e que estaro tambm em relevo na agenda pblica, assim como os temas sem grande relevncia estabelecida pelos mass media tero a mesma correspondncia junto ao pblico.

Hohlfeldt71 aponta conceitos bsicos sobre a hiptese do agenda setting:

Acumulao: capacidade que a mdia tem de dar relevncia a um determinado tema, destacando-o do imenso conjunto de acontecimentos dirios;

Consonncia: apesar de suas diferenas e especificidades, os mdias possuem traos em comum e semelhanas na maneira pela qual atuam na transformao do relato de um acontecimento que se torna notcia;

Onipresena: um acontecimento que, transformado em notcia, ultrapassa os espaos tradicionalmente ocupados a ele. O acontecimento de polcia pode ser abordado em outras editorias dos meios de comunicao;

Relevncia: quando um determinado acontecimento noticiado por todos os diferentes mdias, independente do enfoque que lhe seja atribudo;

Frame Temporal: o perodo de levantamento de dados das duas ou mais agendas (isto , a agenda da mdia e a agenda pblica, por exemplo);

Time-lag: o intervalo decorrente entre o perodo de levantamento da agenda da mdia e a agenda do pblico, ou seja, como se pressupe a existncia e um efeito da mdia sobre o pblico;

Centralidade: capacidade que os mdias tm de colocar como algo importante determinado assunto;

71

HOHLFELDT, Antonio. Os estudos sobre a hiptese de agendamento. Revista Famecos, Porto Alegre, n. 7, p. 42-51, nov. 1997.

50

Tematizao: est implicitamente ligado centralidade, pois a capacidade de dar o destaque necessrio (sua formulao, a maneira pela qual o assunto exposto), de modo a chamar a ateno. Um dos desdobramentos deste item a sute de uma matria, ou seja, mltiplos enfoques que a informao vai recebendo para manter presa a ateno do receptor;

Salincia: valorizao individual dada pelo receptor a um determinado assunto noticiado;

Focalizao: a maneira pela qual a mdia aborda determinado assunto, utilizando uma determinada linguagem, recursos de editorao.

Conforme Traquina72,

o agendamento bastante mais do que a clssica assero de que as notcias nos dizem sobre o que que devemos pensar. As noticiais dizem-nos tambm como devemos pensar sobre o que pensamos. Tanto a seleo de objectos para atrair a ateno como a seleco dos enquadramentos para pensar sobre esses objectos so tarefas poderosas do agendamento.

1.5.2 A Teoria da Espiral do Silncio

A teoria da espiral do silncio, proposta, em 1973, pela sociloga alem Elisabeth Noelle-Neumann, incide sobre a relao entre os meios de comunicao e a opinio pblica e representou uma nova ruptura com as teorias dos efeitos limitados. O seu pressuposto o seguinte: as pessoas temem o isolamento, buscam a integrao social e gostam de ser populares; por isso, as pessoas tm de permanecer atentas s opinies e aos comportamentos majoritrios e procuram expressar-se dentro dos parmetros da maioria.

72

TRAQUINA, Nelson. O poder do jornalismo: anlise e textos da teoria do agendamento. Coimbra: Minerva, 2000, p. 131.

51

Jos Rodrigues dos Santos73 assim sintetiza a teoria da espiral do silncio:

Noelle-Neumann defendeu que a formao das opinies majoritrias o resultado das relaes entre os meios de comunicao de massas, a comunicao interpessoal e a percepo que cada indivduo tem da sua prpria opinio quando confrontada com a dos outros. Ou seja, a opinio fruto de valores sociais, da informao veiculada pela comunicao social e tambm do que os outros pensam.

A sociloga admite a existncia de dois tipos de opinio e de atitudes: as estticas, que radicam, por exemplo, nos costumes, e as geradoras de mudana, como as opinies decorrentes das filosofias de ao. As pessoas definir-se-iam em relao s primeiras por acordo e adeso ou por desacordo e afastamento. Porm, em relao s opinies e atitudes configuradoras de mudana, os indivduos, desejosos de popularidade e com o objetivo de no se isolarem, seriam bastante cautelosos. Assim, se a mudana se estivesse a dar no sentido das suas opinies e se sentissem que haveria receptividade pblica para a expresso dessas opinies, as pessoas no hesitariam em exp-las. Contudo, se as mudanas estivessem a decorrer em sentido contrrio ou se as pessoas sentissem que no haveria receptividade pblica para a exposio das suas opinies, tenderiam a silenciar-se.

O resultado um processo em espiral que incita os indivduos a perceber as mudanas de opinio e a segui-las at que uma opinio se estabelece como a atitude prevalecente, enquanto que as outras opinies so rejeitadas ou evitadas por todos, exceo dos duros de esprito, que persistem na sua opinio. Propus o termo espiral do silncio para descrever este mecanismo psicolgico74.

Assim, o conceito de opinio pblica seria distorcido.

73 74

RODRIGUES DOS SANTOS, J. O que comunicao. Lisboa: Difuso Cultural, 1992. p. 107. NOELLE-NEUMANN, E. Turbulences in the climate of opinion: Methodological applications of the spiral of silence theory. Public Opinion Quarterly, v. 41, p. 144, 1977.

52

Qual o papel da comunicao social na formao da espiral do silncio? Na teorizao de Noelle-Neumann, os meios de comunicao tendem a consagrar mais espao s opinies dominantes, reforando-as, consensualizando-as e contribuindo para calar as minorias pelo isolamento e pela no referenciao. Ou ento os meios de comunicao e aqui que reside um dos pontos-chave da teoria tendem a privilegiar as opinies que parecem dominantes devido, por exemplo, facilidade de acesso de uma minoria ativa aos rgos de comunicao social, fazendo com que essas opinies paream dominantes ou at consensuais quando de fato no o so. Pode dar-se mesmo o caso de existir uma maioria silenciosa que passe por minoria devido ao dos meios de comunicao. Diante deste cenrio, saem desacreditados os conceitos clssicos de opinio pblica, que perspectivam esta como sendo, o conjunto das opinies expressas pelos meios de comunicao, uma vez que apenas atravs deles que uma opinio se torna pblica, ou o conjunto das opinies do pblico em geral, independentemente do seu acesso comunicao social. Alis,

talvez seja mais sensata uma terceira corrente, que defende que a opinio pblica no existe, [pois] um conceito demasiado vasto e amplo, incapaz de traduzir os pensamentos de um pblico fragmentado onde (...) prolifera um grande nmero de opinies diferentes e contraditrias75.

As idias de Noelle-Neumann (1977) vem a opinio pblica como uma espcie de clima de opinio onde o contexto influencia o indivduo independentemente da sua vontade, at porque as pessoas estariam sujeitas necessidade de observar continuamente as mudanas que ocorrem no meio social para no se isolarem da comunidade. Isto significa que as pessoas necessitariam de consumir as informaes veiculadas pelos rgos de comunicao, que, por

75

RODRIGUES DOS SANTOS, J. O que comunicao. Lisboa: Difuso Cultural, 1992. p. 106.

53

sua vez, exerceriam sobre elas uma influncia forte e direta, a curto ou longo prazo, provocando mudanas de opinio e de atitude.

Estas mudanas suceder-se-iam quando se reunissem trs condies suscetveis de levar os rgos de comunicao social a constiturem-se como agentes ativos na formao da opinio pblica: a acumulao, a consonncia e a ubiqidade ou publicidade. Neste ponto, a teoria ope-se s concepes de McCombs e Shaw (1972), ou talvez as complete, j que Noelle-Neumann prev que a comunicao social possa, de fato, ter efeitos poderosos mas apenas nos casos em que esses trs mecanismos condicionantes atuem em conjunto:

1. Acumulao, ou seja, exposio sucessiva aos meios de comunicao;

2. Consonncia, ou seja, similitude da informao veiculada pelos diferentes rgos de comunicao social devido forma semelhante como as notcias so construdas e fabricadas e que anularia a capacidade de percepo seletiva; sob este aspecto, a autora salienta que entre os fatores que geram a consonncia miditica se inscreveriam (a) uma espcie de estereotipizao da informao enquanto tcnica de reduo da

complexidade do real; (b) pressupostos e experincias comuns de que os jornalistas se serviriam para analisar e selecionar os acontecimentos e o valor das notcias (o que equivalente a falar da natureza compartilhada de grande nmero dos critrios de noticiabilidade), (c) alegada tendncia comum dos jornalistas em ordem a valorizar as suas prprias opinies, (d) dependncia comum dos jornalistas em relao a certas fontes, (e) tentativa de aprovao profissional pelos colegas, (f) interinfluncia e competio entre os rgos de comunicao, e (g) homogeneidade de pontos de vista dos jornalistas enquanto grupo profissional.

54

3. Ubiqidade ou publicidade, o que pretende traduzir o carter pblico das opinies expressas nos meios de comunicao; porm, os processos individuais de formao da opinio surgiriam da observao do meio, especialmente dos rgos de comunicao social, que dariam conta, principalmente, das idias dominantes76.

Conforme Jorge Pedro de Souza77, pode-se dizer que as teorias do agenda-setting e da espiral do silncio se complementam.

Para Shaw78 (1979), por exemplo, a teoria da espiral do silncio permitia explicar a formao de consensos nas sociedades democrticas, embora o autor no exclua que os consensos possam ser inapropriados para dar resposta aos problemas que enfrentam essas sociedades.

76

SOUSA, Jorge Pedro. As notcias e os seus efeitos: As Teorias do jornalismo e dos efeitos sociais dos media jornalsticos. Lisboa: Universidade Fernando Pessoa, 1999. 77 SOUSA, Jorge Pedro. As notcias e os seus efeitos: As Teorias do jornalismo e dos efeitos sociais dos media jornalsticos. Lisboa: Universidade Fernando Pessoa, 1999. 78 SHAW, E. F. Agenda-setting and mass communication theory. Gazette, v. 25, n. 2, p. 96-105, 1979.

CAPTULO II - PODER, CONSENSO E CONTROLE SOCIAL

A expresso controle social tem origem na segunda metade do sculo XIX, nos Estados Unidos, e est associada impostergvel necessidade de integrar em um mesmo marco social a grande massa de imigrantes que atenderam o chamado gerado pelo processo de industrializao da nascente potncia norte-americana. Havia a necessidade de organizar a grande populao migratria, caracterizada por sua variada cosmoviso cultural, religiosa, etc., localizando vias sociolgicas de integrao que superassem estas diferenas culturais e que, a partir do desenvolvimento de normas comportamentais, garantissem uma convivncia social organizada.

O socilogo norte-americano Eduward Ross foi quem utilizou a expresso pela primeira vez como categoria enfocada aos problemas de ordem e organizao social, na busca de uma estabilidade social integrativa resultante da aceitao de valores nicos e uniformes de um conglomerado humano diverso em suas razes tnicas e culturais.

O sentido outorgado por Ross a este novo conceito exclua de certo modo os controles estatais, tanto legais como polticos, que na prtica demonstraram sua inoperncia para

56

construir a necessria harmonia social. Desde esta perspectiva, a essncia do controle seria assumida pela sociedade atravs da interao social persuasiva, da qual se derivava o modelamento da conscincia individual as necessidades de seu entorno, produzindo-se ento um processo de assimilao e internalizao individual das normas culturais.

Ross no estava interessado apenas nos mecanismos de persuaso, seno tambm no conceito genrico de sociedade que poderia explicar os recursos que operaram para encontrar los medios para guiar la conciencia individual y el deseo de los miembros de una sociedad"79.

A evoluo do conceito de controle social est associada ao desenvolvimento da sociologia acadmica noteamericana, e mais concretamente influncia da Escola de Chicago. Autores como Robert Park, Ernest Burgess, Herbert Mead, John Dewey, etc. fazem referncia aos processos de interao como base da comunicao social, outorgando-lhe a esta ltima capacidade estruturadora do consenso e de coeso nas grandes urbes norteamericanas.

Posteriormente, aps a grande depresso econmica norte-americana (1929-1930), o Estado passa a assumir o papel centralizador estratgico do controle da sociedade, principalmente travs do Direito como instrumento regulador por excelncia. Assim, se produz uma ruptura entre a teoria sociolgica e a praxis do controle social na sociedade norteamericana. Ou seja, cabe ao Estado a capacidade organizativa do conglomerado social; critrio que se explica mediante a corrente estrutural funcionalista.

Os representantes da corrente estrutural-funcionalista que maior transcendncia tiveram no tema em questo foram Durkhein, Parsons e Merton. Todos reconheceram, de uma79

Ross, 1901, p. 59, apud JANOWITZ, Morris. Teoria Social y Control Social. American Journal of Sociology, v. 81, 1, Universidade de Chicago, 1975, publicado em Delito Y Sociedad. Revista de Cincias Sociales, Argentina, n. 6-7, p. 5-31, 1995.

57

ou outra forma, que a organizao social possui uma alta cota de representatividade no controle social da conduta desviada.

A expresso controle social foi consolidada definitivamente por Talcon Parsons, em 1951, para designar, por um lado, o nvel analtico de interao dentro do sistema geral de ao e, por outro lado, para abordar de maneira substantiva o problema hobbesiano de ordem80.

O socilogo francs Emile Durkheim se destaca por sua tese