124
 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUA ÇÃO PROGRAMA DE POS-GRADUAÇAO EM BIODIVERSIDADE TROPICAL HELENA CRISTINA GUIMARÃES QUEIROZ SIMÕES AVALIAÇÃO DA COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PEL A EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS MINERAIS NO ESTADO DO AMAPÁ MACAPÁ – AP 2008

Dissertacao Helena Simoes

Embed Size (px)

Citation preview

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPPR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO PROGRAMA DE POS-GRADUAAO EM BIODIVERSIDADE TROPICAL

HELENA CRISTINA GUIMARES QUEIROZ SIMES

AVALIAO DA COMPENSAO FINANCEIRA PELA EXPLORAO DOS RECURSOS MINERAIS NO ESTADO DO AMAP

MACAP AP 2008

i

HELENA CRISTINA GUIMARES QUEIROZ SIMES

AVALIAO DA COMPENSAO FINANCEIRA PELA EXPLORAO DOS RECURSOS MINERAIS NO ESTADO DO AMAP

Dissertao apresentada ao Programa de Ps Graduao em Biodiversidade Tropical da Universidade Federal do Amap-UNIFAP, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Biodiversidade Tropical. rea de concentrao: Ecologia e Meio Ambiente Orientadora: Profa. Dra. Helenilza Ferreira Albuquerque Cunha.

MACAP - AP 2008

ii

Dados Internacionais de Catalogao Biblioteca Central Universidade Federal do AmapS593a Simes, Helena Cristina G. Queiroz Avaliao da compensao financeira pela explorao dos recursos minerais no Estado do Amap / Helena Cristina Guimares Queiroz Simes . Macap: UNIFAP, 2008. 157 f. : il.; 31cm. Orientadora: Profa. Helenilza Ferreira Albuquerque Cunha Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Amap, Programa de Ps-Graduao em Biodiversidade Tropical, 2008. 1. Direito Minerrio. 2. Direito Ambiental. 3. Royalties minerais - Dissertao. I. Cunha, Helenilza Ferreira Albuquerque. II. Universidade Federal do Amap, Programa de Ps-graduao em Biodiversidade Tropical. III. Ttulo. CDD 346.043

iii

HELENA CRISTINA GUIMARES QUEIROZ SIMES

AVALIAO DA COMPENSAO FINANCEIRA PELA EXPLORAO DOS RECURSOS MINERAIS NO ESTADO DO AMAP

Dissertao de Mestrado apresentada para obteno do ttulo de Mestre em Biodiversidade Tropical, na linha de pesquisa Gesto e Conservao da Biodiversidade, pela seguinte banca examinadora:

______________________________________________Profa. Dra. Helenilza Ferreira Albuquerque Cunha - UNIFAP Orientadora

______________________________________________Prof. Dr. Alan Cavalcanti da Cunha - IEPA Examinador Interno

______________________________________________Prof. Dr. Nicolau Eldio Bassalo Crispino - UNIFAP Examinador Externo

______________________________________________Profa. Dra. Maria Amlia Rodrigues da Silva Enriquez - UFPA Examinador Externo

iv

Dedico este trabalho ao Cirilo e Luana. Ele, meu marido, amigo, incentivador, que me ensina a ser uma pessoa melhor a cada dia. Ela, minha filha, o maior presente de minha vida.

v

AGRADECIMENTOS

Inicio meus agradecimentos a Jesus, minha referncia espiritual, ao meu pai, Hugo, minha me, Leninha, s minhas irms, Ana e Charlene e suas respectivas famlias, com quem posso contar nos momentos mais difceis e mais felizes de minha vida. Meu agradecimento especial ao meu marido Cirilo que, em no raras vezes, indicou-me bibliografia, preocupou-se com minhas viagens, ajudou-me com os mapas e impresses, cobrou-me disposio e enxugou muitas lgrimas, enfim, sempre esteve ao meu lado. Agradeo, ainda minha filha Luana que, com somente seis aninhos soube entender quando a mame ia para o escritrio trabalhar ou viajava para o meio da floresta. Agradeo aos professores Jos Maria, Enrico Bernard, Ricardo Machado, Dominique Gallois e Jadson Porto pelas lies apreendidas e, em especial professora Helenilza Cunha, minha orientadora, que no me deixou desistir. Agradeo ainda, aos componentes de minha banca de qualificao, Doutores Nicolau Crispino, Alan Cunha e Ubaiara Brito pelas importantes alteraes sugeridas e por mim aceitas. Aos professores Augusto Drummond, Roberto Villas-Bas e Maria Amlia Enriquez, agradeo pela gentileza na troca de e-mails e indicao de importante literatura. Aos queridos amigos do mestrado, com quem diversifiquei meus conhecimentos e tornei-me mais desprendida. Meu muito obrigada s queridas Dacicleide, Daniele Montenegro, Danielle Lima, Katiane e aos companheiros de organizao do Encontro do PPGBIO, Ricardo, Isa, rika, Tereza Cristina e Miguel. Agradeo tambm s incansveis Rejane e Neura, pela dedicao Psgraduao da UNIFAP. Um agradecimento especial ao Charles Chelala pelo valioso material disponibilizado. Ao Edielson, por aperfeioar meu ingls e ao Charles Amazonas, do Ncleo de Prtica Jurdica, sempre disposto a ajudar. Dra. Thina Almeida, juza da comarca de Vitria do Jar, ao Sr. Antonio Lenine, gerente da Minerao Vila Nova, Terezinha Botelho, auditora do Tribunal

vi

de Contas do Estado, obrigada pela gentileza com que me auxiliaram na pesquisa de campo. Regina e Socorro da SEPLAN, ao Edvan e ao Pedro do IBAMA, Dra. Ivana Cei, Renata Simes e seu Cirilo Simes, ao Jeovan Teixeira do TCE-AP, ao Dr. Daniel, ao Bruno Cei e ao Claudinei, meu agradecimento pela rpida, mas relevante contribuio . Agradeo, por fim, aos tcnicos do 16 distrito do DNPM em Macap onde, apesar do constante receio em passar-me informaes, obtive dados importantes para escrever este trabalho.

vii

RESUMOO objeto de estudo desta dissertao a Compensao Financeira pela Explorao dos Recursos Minerais CFEM no Estado do Amap. Considerando que a CFEM, criada por um mandamento constitucional, uma receita patrimonial paga pelas mineradoras Unio, aos Estados e aos Municpios, que recebem 12%, 23% e 65%, respectivamente, pela lavra de bens minerais, buscou-se avaliar o quantum arrecadado por estes beneficirios e se esta renda destinada conservao ambiental, uma vez que advm de atividade ambientalmente degradadora. Existe uma tendncia, na literatura, em considerar a CFEM como instrumento para alcanar a equidade intra e intergeracional, otimizando o gasto atual para beneficiar as geraes futuras, aps a exausto das minas. Da a importncia do seu estudo, mormente em locais com rica geodiversidade como o Amap. Neste sentido, este trabalho abarca o estudo da minerao sustentvel, da explorao mineral na Amaznia e no Amap, do Direito Minerrio, do Direito Ambiental e dos royalties minerais (CFEM). Foram realizadas pesquisas bibliogrfica, documental e de campo e anlises comparativas dos municpios que mais arrecadam a Compensao Financeira com aqueles que nada ou pouco arrecadam. O resultado encontrado demonstrou que h municpios que recebem valores significativos provenientes da explorao de minrios, mas, o aumento de receita no se reflete no seu desenvolvimento. Quanto CFEM recebida pelo Estado, os valores tambm so altos, entretanto no h qualquer finalidade especfica para sua utilizao. Verificou-se, ainda, que no h destinao direta desta renda para a conservao do meio ambiente, apesar de ocorrer uma aplicao indireta, quando so contemplados os gastos com as Secretarias de Meio Ambiente, tanto dos municpios quanto do Estado. A pesquisa tambm revelou que os gastos municipais com a CFEM no promovem uma economia alternativa, desconsiderando que, mais cedo ou mais tarde, ocorrer o esgotamento dos recursos minerais e a conseqente paralisao das atividades de explorao. Por outro lado, no que se refere aos empreendimentos minerrios, percebeu-se um novo modus operandi caracterizado pela incorporao, ainda que involuntria, da responsabilidade ambiental, social e financeira, em virtude principalmente, da ampliao das exigncias legais para a conservao do meio ambiente, da presso da comunidade afetada e da maior fiscalizao do Ministrio Pblico e DNPM.

Palavras-chave: Compensao Financeira (CFEM) recursos minerais - Amap meio ambiente.

viii

ABSTRACT

The study purpose of this work is the Financial Compensation for the Exploration of the Mineral Resources - CFEM in the State of Amap. Considering that CFEM, created by a constitutional commandment, it is a patrimonial income supported by the mining companies to the Union, to the States, to the Municipal districts with 12%, 23% e 65%, respective, for the plowing of mineral goods, we search to evaluate the collected quantum in the main municipal districts of mining base and if there is some part of this income to the environmental conservation. The work considered that there is a tendency in using the values collected as CFEM in the execution of the "justness intra and intermanagement, optimizing the current expense to benefit the future generations, when the exhaustion of the mines happens. The dissertation embraces the study of the sustainable mining, of the mineral exploration in the Amazonian and in Amap, of the Mining Law, of the Environmental Law and of the mineral royalties (CFEM). Bibliographical researches, comparative and document field analyses were accomplished among the municipal districts which receive a larger percentage of the Financial Compensation comparing with those that receive nothing or little. The CFEM receive for State dont have specific application, in spite of the hint destination comparing with expensives the envirommental departament. It was found that there are municipal districts in the State of Amap that receive significant values of the exploration of ores, however, the income rise doesn't contemplate in its development. We also verified that the municipal expenses with CFEM don't promote an alternative economy; the managers forgot the transitoriness of the mining activities. The research still revealed a new modus operandi in relation to the enterprises, characterized by the incorporation of the environmental, social and financial liability, mainly due to the enlargement of the legal demands for the conservation environment, of the community pressure and to the wider fiscalization of the Justice Department and DNPM.

Key-words: Financial compensation (CFEM) mineral recourses Amap conservation environment.

ix

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALBRAS Alumnio do Brasil AP Amap BA Bahia BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social CADAM Caulim da Amaznia S/A CETEM Centro Tecnolgico de Minerao CF Constituio Federal CFEM Compensao Financeira pela Explorao dos Recursos Minerais CM Cdigo de Minas CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente CPI Comisso Parlamentar de Inqurito CVRD Companhia Vale do Rio Doce DF Distrito Federal DJ Dirio da Justia DNPM Departamento Nacional de Produo Mineral EIA Estudo de Impacto Ambiental FIRJAN - Federao das Indstrias do Rio de Janeiro FLONA Floresta Nacional FNDCT Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Cincia e Tecnologia IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBRAM Instituto Brasileiro de Minerao ICMS Imposto Sobre Circulao de Mercadoria e Servios ICOMI Indstria e Comrcio de Minrios S/A IPCC Painel Intergovernamental das Mudanas Climticas IPI Imposto Sobre Produtos Industrializados IUM Imposto nico Sobre Minerao LI Licena de Instalao LO Licena de Operao LP Licena Prvia AMS Agravo em Mandado de Segurana MCT Ministrio de Cincia e Tecnologia

x

MDIC Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior MME Ministrio de Minas e Energia MMX Minerao e Metlicos S/A MPBA Minerao Pedra Branca do Amapari ODM - Objetivos de Desenvolvimento do Milnio OMC Organizao Mundial do Comrcio ONG Organizao No-Governamental ONU Organizao das Naes Unidas PAE Plano de Aproveitamento Econmico PCA Plano de Controle Ambiental PDA Plano de Desenvolvimento para a Amaznia PIB Produto Interno Bruto PGC Projeto Grande Carajs PNAD Pesquisa Nacional por amostra de domiclios PNMA Poltica Nacional de Meio Ambiente PRAD Plano de Recuperao de rea Degradada RCA Relatrio de Controle Ambiental RE Recurso Extraordinrio RIMA Relatrio de Impacto Ambiental SECEX Secretaria de Comrcio Exterior SEMA Secretaria de Estado do Meio Ambiente SEMMA - Secretaria Municipal do Meio Ambiente SEPLAN Secretaria de Estado do Planejamento, Oramento e Tesouro SISNAMA Sistema Nacional de Meio Ambiente STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justia TAC Termo de ajustamento de Conduta TAH Taxa Anual por Hectare TCE Tribunal de Contas do Estado TCFA Taxa de Controle e Fiscalizao Ambiental

xi

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Classificao dos grandes temas da minerao no mbito internacional (1986-2006) baseado em Eggert, 2008 .......................................... Tabela 2 Documentao exigida para obteno das licenas ambientais no setor mineral ......................................................................................................... Tabela 3 rgos de controle ambiental no Brasil ............................................. Tabela 4 Identificao dos locais visitados e cargos dos entrevistados ........... Tabela 5 Cota-parte de CFEM arrecadada pelo Estado (23%) e oramento anual da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amap em R$ (2004/2007) .......................................................................................................... Tabela 6 Cota-parte da arrecadao de CFEM por municpio no Estado do Amap em R$ (2003/2008*) ................................................................................. Tabela 7 Relao dos principais minrios explorados por municpio no Estado do Amap e valores totais arrecadados com a CFEM* entre 2003 e 2008 ..................................................................................................................... Tabela 8 Cota-parte de CFEM arrecadada pelos Municpios estudados e oramento anual das Secretarias Municipais de Estado do Meio Ambiente SEMMAs em R$ (2004/2007) .............................................................................. Tabela 9 Ranking do ndice Firjan de Desenvolvimento Humano Municipal IFDM no Estado do Amap .................................................................................. Tabela 10 Funcionrios responsveis pelo meio ambiente nas mineradoras estudadas ............................................................................................................. 106 100 99 91 91 88 55 59 83 31

xii

LISTA DE GRFICOS Grfico 1 Crescimento das exportaes brasileiras e mundiais, por setor: 2000-2004 (% por ano) .......................................................................................... Grfico 2 Evoluo dos Preos das Commodities pelo ndice The Ecomomist (1990=100) ............................................................................................................ Grfico 3 Evoluo do recolhimento da CFEM no Brasil ................................... Grfico 4 Evoluo da arrecadao de CFEM no Estado do Amap ................ Grfico 5 Tendncia de crescimento de arrecadao de CFEM no Estado do Amap Perodo 2003-2007 ................................................................................ Grfico 6 Funcionrios pblicos por 1000 habitantes, nos municpios de base mineradora variao 2001/2005 (%) .................................................................. Grfico 7 Tendncia de crescimento de arrecadao de CFEM em Pedra Branca do Amapari Perodo 2005-2007 ............................................................. Grfico 8 FPM e CFEM recebidos pelos municpios no Amap (exceo Macap e Santana) ............................................................................................... 103 98 93 90 27 75 86 26

xiii

LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Evoluo Jurdica da Compensao Financeira pela Explorao de Recursos Minerais ................................................................................................ Figura 2 - Exemplo de relao preo dos minerais, lucro e imposto .................... Figura 3 - Identificao dos Municpios e Mineradoras estudados ...................... Figura 4 - Minerao Vila Nova............................................................................. Figura 5: Caulim da Amaznia CADAM ............................................................ Figura 6 - Minerao Pedra Branca do Amapari .................................................. Figura 7 - Entrada da mina da Anglo Ferrous Brazil ........................................... Figura 8 - Monte Dourado .................................................................................... Figura 9 - Vitria do Jar ....................................................................................... Figura 10 Vitria do Jar ( esquerda) separada de Monte Dourado pelo Rio Jar e indstria da CADAM ao fundo Mina da CADAM/Vitria do Jar ................. Figura 11 - Mina da CADAM Vitria do Jar ...................................................... Figura 12 - Mina da CADAM Vitria do Jari ...................................................... Figura 13 - Indstria da CADAM em Monte Dourado ........................................... Figura 14 - Municpios com maior IFDM e maior arrecadao de CFEM no Estado do Amap ................................................................................................. Figura 15 - Viveiro da Minerao Vila Nova ......................................................... Figura 16 - rea reflorestada recentemente na Minerao Vila Nova ................. Figura 17 - Viveiro da CADAM ............................................................................. Figura 19 - Viveiro da Minerao Pedra Branca do Amapari ............................... Figura 20 - rea reflorestada da Minerao Pedra Branca do Amapari .............. 102 105 105 105 105 105 95 95 95 95 66 76 81 82 82 82 82 94 94

Figura 18 - rea reflorestada da CADAM ao fundo .............................................. 105

xiv

SUMRIO LISTA DE SIGLAS LISTA DE TABELAS LISTA DE GRFICOS LISTA DE FIGURAS RESUMO ABSTRACT INTRODUCO ...................................................................................... 1 1.1 1.2 2 2.1 2.2 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7 3.8 4 4.1 4.2 4.3 4.4 A MINERAO NO BRASIL E A NOVA PROPOSTA SUSTENTVEL A ATIVIDADE MINEIRA NO BRASIL .................................................... O NOVO PARADIGMA DE SUSTENTABILIDADE E A MINERAO . A HISTRIA MINEIRA DA AMAZONIA E DO ESTADO DO AMAP.. A MINERAO NA AMAZNIA ........................................................... A HISTRIA MINEIRA DO ESTADO DO AMAP ................................ ASPECTOS JURDICOS DA MINERAAO ........................................ O DIREITO MINERRIO ...................................................................... A LEGISLAO MINERRIA .............................................................. A MINERAO NAS CONSTITUIES BRASILEIRAS ..................... OS REGIMES MINERRIOS ............................................................... LICENCIAMENTO AMBIENTAL PARA ATIVIDADE MINERRIA ....... COMPETNCIAS CONSTITUCIONAIS ............................................... RGOS DE CONTROLE AMBIENTAL E MINERAL ......................... OS PAGAMENTOS DEVIDOS PELA EXPLORAO MINERAL NOS PASES DE BASE MINEIRA ................................................................ A COMPENSAAO FINANCEIRA PELA EXPLORAO DOS RECURSOS MINERAIS....................................................................... A CFEM NA CONSTITUIO FEDERAL E NA LEGISLAO ORDINRIA.......................................................................................... OS ROYALTIES DA MINERAO NO MUNDO ................................. A NATUREZA JURDICA DA CFEM .................................................... A CFEM NO SCULO XX..................................................................... 65 69 72 74 61 65 16 22 22 28 37 37 39 44 44 46 47 51 54 56 58

xv

5 5.1 5.2 5.2.1 5.2.2 5.2.3

A CFEM NO ESTADO DO AMAP................................................... METODOLOGIA ................................................................................ ARRECADAO E APLICAO DA CFEM PELOS ENTES BENEFICIRIOS ............................................................................... Unio ................................................................................................. Estado ............................................................................................... Municpios ........................................................................................

81 81 84 87 88 90 92 95 97 99 100 104 109 114

5.2.3.1 Vitria do Jar ................................................................................... 5.2.3.2 Mazago ............................................................................................ 5.2.3.3 Pedra Branca do Amapari ............................................................... 5.2.4 5.2.5 5.3 Aplicao da CFEM pelos municpios estudados ........................ Os royalties e os Indicadores de Desenvolvimento Humano Municipal........................................................................................... A RESPONSABILIDADE SOCIAL E AMBIENTAL DAS MINERADORAS NO CONTEXTO AMAPAENSE ............................. CONCLUSO ................................................................................... REFERNCIAS ................................................................................ ANEXOS APNDICE

16

INTRODUCO

Nas duas ltimas dcadas o estudo do desenvolvimento mostrou-se integrado s questes ambientais e sociais, ultrapassando a relao puramente econmica. Neste contexto, encontramos a minerao que, pelas significativas alteraes no meio ambiente e na comunidade local, tambm necessitou adequar-se s novas exigncias sustentveis, ou seja, os empreendimentos minerrios passaram a internalizar a obrigao de crescer com equilbrio ambiental e social. O Cdigo de Minas em vigor no Brasil data de 28 de fevereiro de 1967, portanto, sem a influncia dos dilemas ambientais contemporneos. Contudo, houve uma forte mudana no modelo das atuais concesses de direitos minerrios, em virtude da Constituio Federal Brasileira inovar no tratamento da minerao, ao disciplinar a propriedade mineral, os institutos da Recuperao de rea Degradada, do Estudo de Impacto Ambiental, da Compensao Financeira pela Explorao dos Recursos Minerais, dentre outros, determinando ao Poder Pblico, s empresas mineradoras e prpria sociedade, discutir e obedecer outras dimenses que no somente a econmica. O novo paradigma de sustentabilidade exigido para as atividades de minerao, exigiu a adequao dos princpios norteadores do Direito Minerrio ao fim coletivo, a exemplo da supremacia do interesse pblico sobre o particular, da destinao do bem mineral ao uso geral e respeito ao contedo tico das concesses, que devem obedecer a critrios tcnicos na explorao mineral, a fim de que sejam melhor aproveitados e menos desperdiados (HERRMANN, 2000). De acordo com o Banco Mundial (2002) h um consenso de que as empresas mineradoras devem incluir como uma de suas prioridades a minimizao dos efeitos negativos aos ecossistemas frgeis e maximizar os benefcios sociedade local. Essa mudana j pode ser percebida quando da instalao de novos empreendimentos minerrios. Aes como audincias pblicas, envolvimento de organizaes no-governamentais, assinaturas de Termos de Ajustamento de Conduta, anlise dos Planos de Aproveitamento Econmico - PAE, empresas buscando certificaes ambientais, aumento da fiscalizao das arrecadaes pelo

17

Poder Pblico, demonstram a inteno dos diferentes atores envolvidos neste processo, em cumprir os princpios do Direito Minerrio e Direito Ambiental. O Brasil, chamado de pas mineiro por Souza (2003), assim como outros pases de base mineira, no abordava os aspectos sociais e ambientais na implantao de empreendimentos de explorao mineral. O nico aspecto levado em considerao era a sua viabilidade econmica (EGGERT, 2008). Com o surgimento do movimento ambientalista, a partir da dcada de 1970, este quadro foi se alterando lentamente, primeiro pelo perigo de esgotamento destes recursos e segundo, pelos visveis impactos causados por esta atividade nas comunidades e no meio ambiente onde eram instalados. Brown et al (2003) transcrevem em seu livro a afirmao feita em 1974 pelos ambientalistas Paul R. Ehrlich e Anne H. Ehrlich sobre o exaurimento dos recursos fsicos da Terra, in verbis: No incio dos anos 70, atingiu-se a vanguarda da idade da escassez. Com ela, veio uma viso mais clara do futuro, revelando mais detalhes sobre a natureza dos anos sombrios que adviro. Apesar da constante descoberta de novas jazidas pelo mundo e da previso dos Ehrlichs no se concretizar no curto perodo declarado1, este tipo de pesquisa e outras de cunho sociolgico, tornaram mais freqentes a discusso acerca das dimenses sociais e ecolgicas nesse setor, alterando o que Sachs (2007) chama de hegemonia do econmico e o primado da lgica do mercado sobre a das necessidades. A incorporao dessas responsabilidades pelo setor minerrio acabou por gerar uma relao entre a Geocincia e a Biologia, o Direito, a Economia, a Sociologia, dentre outras, com a finalidade de alcanar um equilbrio entre o homem, suas necessidades e a natureza. Assim, um novo modelo de utilizao dos recursos minerais surgiu, o da sustentabilidade. Tais recursos, essenciais para a vida dos seres humanos, so esgotveis, por isso dificultam a efetivao da equidade intergeracional como um dos princpios do desenvolvimento sustentvel. Contudo, dificuldade no significa impossibilidade. Suslick et al (2005), afirmam que medida que a tecnologia avana fontes minerais no-convencionais podero ingressar no mercado, como a gua do mar, os ndulos submarinos, as areias, todos podendo ocupar um lugar na oferta de minerais para as futuras geraes.

Os Ehrlich publicaram uma obra em 1970, chamada Populao, recursos e meio ambiente onde afirmavam que o chumbo, o zinco, o ouro e a platina estariam esgotados em 1984 (BROWN, 2003).

1

18

Alm destas descobertas, outra forma de suprir as necessidades das prximas geraes, no que tange ao exaurimento dos bens minerais, seria a utilizao dos royalties minerais, a exemplo da Compensao Financeira paga pelas mineradoras, na diversificao produtiva e em Fundos de Desenvolvimento (ENRIQUEZ, 2006). Neste diapaso, reconhecendo a importante geodiversidade do Amap, que se reflete numa histria mineira farta e na instalao de novos empreendimentos de explorao mineral, este trabalho props-se a avaliar a Compensao Financeira pela Explorao dos Recursos Minerais - CFEM no Estado do Amap. Apesar deste estudo fazer parte do Direito Minerrio, a avaliao da CFEM pressupe o entendimento da legislao ambiental brasileira e do novo paradigma de sustentabilidade da minerao, devido interligao entre ambos os arcabouos legais (BARRETO e GRECO, 2002). Em busca de literatura sobre a Compensao Financeira, criada em 1989 por meio de uma lei que cumpria um mandamento constitucional, prescrito no art. 20, 1, vimos quo escassa a produo cientfica sobre o tema. Grande parte dos trabalhos sobre a CFEM constam do Direito Tributrio e Direito Constitucional, em virtude das indagaes a respeito da sua natureza jurdica, ou seja, alguns autores entendiam-na como um tributo, outros como uma indenizao e por fim, a grande maioria que afirmava ser a CFEM um preo pblico, entendimento este confirmado pelo Supremo Tribunal Federal em 2001. Assim, o vis ambiental, econmico e social da CFEM e sua utilizao como instrumento de efetivao para o desenvolvimento sustentvel foi pouco estudado. Neste sentido, Enriquez (2005, 2006, 2007) mostrou-se pioneira, com vrios trabalhos publicados, inclusive sua tese, que discutiu se a minerao era uma maldio ou uma ddiva nas economias municipais e quais os efeitos dos royalties minerais (CFEM) no desenvolvimento destes entes da federao. Considerando que o Amap um Estado com grande potencial mineral; que as commodities minerais esto em alta no mundo; que a legislao brasileira determina s empresas mineradoras ressarcirem a Unio, Estados e Municpios pela extrao do recurso mineral por meio da CFEM e que; esta atividade impacta sobremaneira o meio ambiente, surgiu o problema proposto para o presente trabalho, que foi verificar qual o quantum arrecadado de Compensao Financeira

19

pela Explorao dos Recursos Minerais no Amap e se parte desta receita foi aplicada na conservao do meio ambiente. Esta dissertao defende a hiptese de que a CFEM contribui significativamente para o aumento da receita dos municpios de base mineira no Estado, mas que, apesar desses recursos serem pagos a ttulo de ressarcimento pela utilizao de bens da natureza, no h preocupao em revert-lo em prol do meio ambiente ou das futuras geraes. A linha de pesquisa deste trabalho corresponde Gesto e Conservao da Biodiversidade, que se caracteriza pela multidisciplinariedade, pois objetiva integrar informaes de reas como geologia, economia, direito, sociologia e biologia, ou seja, rene dados das diversas cincias no intuito de quantificar e minimizar os impactos das atividades humanas na biodiversidade. Partindo desse critrio, o principal objetivo do estudo foi avaliar o quantum arrecadado com a Compensao Financeira pela Explorao dos Recursos Minerais no Amap destinado ao meio ambiente. Outros objetivos foram propostos como: identificar os municpios, empreendimentos e minrios explorados que geram CFEM no Estado do Amap; conhecer a aplicao desta receita e comparar a dinmica de desenvolvimento dos municpios arrecadadores com aqueles que no possuem base mineira e que, portanto, no recebem CFEM ou recebem valores inexpressivos e; verificar a disposio dos atores sociais envolvidos com a minerao em minimizar os impactos ambientais provenientes desta atividade, a fim de alcanar uma minerao sustentvel. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliogrfica, documental e de campo. Por meio do 16 distrito do Departamento Nacional de Produo Mineral DNPM em Macap, verificou-se os valores arrecadados a ttulo de CFEM pelos municpios amapaenses, bem como quais eram as empresas que mais pagavam ou deveriam pagar estes royalties e os minrios explorados. Os valores arrecadados pelo Estado foram pesquisados na Secretaria de Estado de Planejamento, Oramento e Tesouro - SEPLAN. A partir destes dados, foram entrevistados os gestores municipais para conhecer a aplicao da CFEM, os representantes das empresas mineradoras para verificar o seu nvel de responsabilidade social e ambiental, alm dos outros beneficirios dessa receita. Para anlise comparativa do desenvolvimento municipal foi utilizado o ndice de Desenvolvimento Municipal da Federao das Indstrias do Rio de Janeiro

20

FIRJAN nos anos de 2000 e 2005 e para justificar a significncia dos valores repassados a ttulo de CFEM, foi comparada essa receita com os repasses do Fundo de Participao dos Municpios - FPM de todos os entes federativos do Estado, com exceo de Macap e Santana, cujas transferncias esto acima da mdia dos demais. Portanto, buscando-se identificar esse novo modelo de minerao, este trabalho foi dividido em seis captulos. O captulo 1 apresenta a evoluo da atividade mineira no Brasil. Trata da sua relao com os ciclos econmicos do pas e da conseqncia da valorizao internacional das commodities para o setor mineral, o meio ambiente e a sociedade. Abarca tambm o novo paradigma de sustentabilidade da minerao, na busca da efetividade dos princpios da Equidade Geracional e da Participao dos atores sociais envolvidos na explorao de recursos minerais. No captulo 2 descreve-se, em breves linhas, a histria da minerao na Amaznia e no Amap, cuja implementao no partiu das mesmas bases conceituais e polticas em que ocorreu a explorao no mbito nacional, demonstrando que os planos governamentais de desenvolvimento para a regio norte, privilegiaram mais os estrangeiros do que a comunidade regional ou local. O captulo 3 abrange os aspectos jurdicos da minerao e traz a literatura sobre o Direito Minerrio e a legislao correspondente. Enumera ainda os procedimentos necessrios para explorar legalmente os recursos minerais e a interligao entre este ramo com o Direito Ambiental. A Compensao Financeira sobre a Explorao dos Recursos Minerais tratada especificamente no captulo 4. Contextualizou-se a CFEM na Constituio e na legislao minerria; comparou-se com os demais royalties cobrados no mundo; destacou-se o debate sobre sua natureza jurdica com citao da jurisprudncia pertinente e analisou-se sua utilizao para o alcance do desenvolvimento sustentvel. No captulo 5 detalhou-se a metodologia utilizada na pesquisa, com a incluso dos locais visitados e pessoas entrevistadas e apresentou-se os resultados alcanados com a discusso sobre a arrecadao da CFEM no estado do Amap e sua aplicao pelos entes beneficirios, alm de realizar anlises comparativas entre os municpios mineradores e os no-mineradores e comentar sobre a responsabilidade das empresas no contexto atual.

21

Finalizou-se com as concluses acerca da aplicao da CFEM e com algumas sugestes no sentido de utilizar esta receita mineral na minimizao dos danos ao meio ambiente e na diversificao produtiva, a fim de assegurar a qualidade de vida das futuras geraes.

22

1 A MINERAO NO BRASIL E A NOVA PROPOSTA SUSTENTVEL 1.1 A ATIVIDADE MINEIRA NO BRASIL Fruto de uma jornada que remonta o descobrimento do Brasil, a minerao neste pas foi responsvel por importantes ciclos econmicos, com repercusso nas reas social e ambiental que, em geral, no culminaram com o desenvolvimento esperado. Ao alcanar seu apogeu no sculo XVIII, com a produo aurfera, a populao da ento colnia portuguesa passou de 300.000 para 3.000.000 de habitantes e j no sculo XIX, atravs da empresa Saint John del Rey, explorando a mina de Morro Velho (MG), a mais antiga em operao no Brasil, ocorreu a maior operao subterrnea para extrao do ouro, com 2.453 metros de profundidade (CHRISTIANO, 2006). Da infere-se a relao sempre presente entre minerao e os impactos social e ambiental. Com uma geologia favorvel, o Brasil Colnia tornou-se o lugar ideal para explorao de recursos minerais sem limites e sem preocupao com outra dimenso que no fosse a econmica, at porque este tipo de discusso ainda no era relevante naquela poca. Aps o enriquecimento e o progresso das regies mineiras seguia-se o empobrecimento e o retrocesso com o esgotamento da mina. Segundo Medeiros (2006), com o colapso geral da minerao no fim do sculo XVIII, as regies empobreceram, pois no havia outra atividade econmica substituvel em curto prazo, gerando cidades estagnadas com numerosa populao mantida pela agricultura de subsistncia. A economia mineira organizava-se atravs de duas formas de explorao: a lavra, caracterizada pela grande extrao, e a faiscao, cuja extrao ocorria em pequena escala. De acordo com Toledo (1997) a lavra explorava grandes dimenses e utilizava o trabalho escravo. Com o esgotamento das jazidas, as lavras deslocavam e davam lugar faiscao, praticada por pequenos mineradores. Os Ciclos do Ouro e do Diamante colocaram o Brasil em primeiro lugar na exportao desses minrios, responsvel por metade da produo mundial por trs sculos XVI, XVII e XVIII. Minas Gerais foi a principal regio mineradora brasileira que, entre 1750 e 1770 alcanou seu pice, sendo o espelho requintado da Europa na colnia brasileira. Outros Estados tambm tiveram base mineira como Gois,

23

Mato Grosso e So Paulo, mas sem a importncia do atual Estado de Minas Gerais no cenrio econmico da poca (CHRISTIANO, 2006). Para Ramos (2000) os sistemas de propriedade das riquezas minerais foram sempre muito limitados no decorrer da histria brasileira. Na colnia o regime era o regaliano, no qual as jazidas pertenciam Coroa; no Imprio o dominial, em que as minas eram da nao, ou seja, a propriedade minerria passava a integrar o patrimnio do Estado brasileiro (RIBEIRO, 2005); o regime da acesso foi o institudo pela Constituio de 1891, em que o proprietrio do solo tambm o era das minas e jazidas; com o Cdigo de Minas de 1934 o Brasil passou pelo regime jurdico de res nullius, ou coisa sem dono, aproprivel por quem a encontrasse; e por fim, novamente o regime dominial, atualmente em vigor, em que as jazidas e minas pertencem Unio, que concede sua explorao ao particular. Ramos (2000) tambm afirma que, apesar do papel pioneiro da minerao no desenvolvimento econmico, na interiorizao e na fixao de contingentes humanos em reas pouco conhecidas havia significativa limitao de sua propriedade e pouca postura legislativa sobre este setor. A exausto dos principais depsitos de ouro e diamante somados descoberta das minas na Austrlia, frica do Sul e Califrnia geraram no Brasil o declnio econmico de base mineral no sculo XIX e uma estagnao do setor no incio do sculo XX (PINTO, 2000). Com a II Guerra Mundial, a explorao dos recursos minerais foi retomada e obteve relativo crescimento a partir de 1968, com taxa anual de aumento que alcanava 10% (RAMOS, 2000). Houve, entre 1964 e 1974, um plano disciplinador de atividades geolgicas chamado Plano Mestre Decenal para Avaliao dos Recursos Minerais no Brasil que ajudou a impulsionar o setor quanto aos projetos de investigao e reconhecimento mineral no pas. Entretanto, a partir de 1982, nova desacelerao assolou esta atividade em virtude da crise econmica mundial e dos investimentos que necessitavam de longo prazo para produzirem resultados. No h como negar que o crescimento econmico brasileiro deve muito minerao. Como enfatiza Souza (2003) ela forjou os valores de liberdade e democracia (...) assim como construiu nosso sentimento de nao: erigiu, tambm, a estrutura administrativa do governo e a burocracia estatal. Contudo, como trataremos adiante, crescimento difere de desenvolvimento e imprescindvel que a minerao do sculo XXI desgarre-se do modelo predatrio dos sculos passados.

24

Segundo Souza (2003) apesar da populao no perceber, o Brasil um pas mineiro por sua histria, seus valores e seu desenvolvimento econmico. uma atividade de utilidade pblica e assim deve ser reconhecida, pois no h como viver sem os minerais, os metais e os compostos metlicos. De acordo com o Banco Mundial, estas substncias fazem parte do dia-a-dia da sociedade desde 6.000 a.C, quando o cobre foi transformado em ferramentas simples. Nas palavras de Vivacqua apud Barbosa (2003)O domnio do homem sobre a natureza, a paz e a guerra, a prosperidade e a runa das naes, os sonhos e as desiluses, as conquistas do progresso, enfim, toda a marcha da humanidade pode ser acompanhada pelo intrmino roteiro das minas e atravs do fascinante calendrio do subsolo: ouro, prata, petrleo, diamante, ferro, carvo, cobre....

De fato, os minerais atualmente contribuem para a maioria das atividades humanas. Esto nos materiais industriais, nos fertilizantes, no fornecimento de energia eltrica atravs do cobre e do alumnio, na habitao com a areia, o seixo e a brita. Enfim, so a base para diferenciados setores como o automobilstico, da eletrnica, das telecomunicaes, da agricultura, da construo civil e da medicina. Entretanto, a minerao explora bens da natureza que so exaurveis, ou seja, no h renovao dos recursos minerais retirados do solo ou subsolo. Alm da caracterstica finita desta atividade, so muitos os impactos ambientais e sociais que dela advm. Segundo estudo do Movimiento Mundial por los Bosques Tropicales WRM/2003, os impactos diferem-se de acordo com as fases da atividade exploratria. Dentre aqueles gerados com a prospeco esto: preparao de rotas de acesso, abertura de poos e fossas de reconhecimento, colheita de amostras. Na fase da lavra tem-se o desmatamento, a descaracterizao do relevo, formao das cavas, assoreamento de cursos d'gua e alterao do seu pH, destruio da biodiversidade (as vezes com extino de espcies endmicas), rudo, vibrao, emisso de partculas por conta das detonaes e poluio por rejeitos. Os impactos sociais surgem com a apropriao das terras das comunidades locais, problemas na sade, nas relaes sociais, na infra-estrutura urbana e na economia. Cunha (1994) relata que os projetos de desenvolvimento minerrio no Brasil produzem efeitos perversos em suas implantaes, pois submetem os

25

indivduos de uma determinada comunidade mudana de vida que girar em torno de uma atividade econmica especfica, o que os torna dependentes de um sistema, alm de transformar a natureza alterando-a e apropriando-se dos seus recursos. Da a necessidade de adequar a minerao s prticas sustentveis, em especial, no momento econmico vigente, cuja cotao internacional das commodities minerais aumentou consideravelmente. Aps um crescimento tmido do comrcio mineral do final sculo XX em virtude da crise econmica mundial, agravada pela crise interna na dcada de 1980 e das novas exigncias da Constituio de 1988 para o setor (SIROTHEAU, 1996), o mercado foi reaquecido a partir de 2000 com a expanso industrial de alguns pases em desenvolvimento, principalmente, da China e da ndia. De acordo com Puga (2006) a emergente demanda da China por matriaprima aumentou o comrcio do mundo por bens associados ao setor mineral, como extrao de minerais metlicos, produtos minerais no-metlicos, produtos de metais e metalurgia. O Brasil aproveitando-se desse mercado internacional, aumentou suas exportaes em 114% entre 2000 e 2005, sendo este ltimo ano o de maior crescimento. O setor mineral foi responsvel por aproximadamente 15% deste total (Grfico 1). Como conseqncia da recuperao das mineral commodities e da reconhecida geodiversidade do Brasil expandiram-se os investimentos externos e internos no pas com vistas a aumentar o desempenho extrativo mineral que, em 2005 obteve um crescimento industrial de 10,9% (Departamento Nacional de Produo Mineral - DNPM, 2006).

26

Grfico 1 Crescimento das exportaes brasileiras e mundiais, por setor: 2000-2004 (% por ano)1: Produtos de Minerais no-metlicos

Fonte: WTO/Secex/Puga (2006)

De acordo com a Organizao Mundial do Comrcio OMC, houve um significativo desenvolvimento dos pases exportadores de minrios e petrleo, o que gerou entre 2003 e 2005, a evoluo favorvel nos termos de troca que foi responsvel por um aumento de 3,2 pontos percentuais ao ano no PIB em pases exportadores de minrios e produtos minerais (PUGA, 2006). O Estado brasileiro especializado nas exportaes de recursos naturais. Dentre eles esto a agropecuria, a extrao mineral, o petrleo e o lcool, os alimentos, a madeira, o papel e a celulose e os produtos minerais no-metlicos. Segundo os dados apresentados por Puga (2006) a mdia mundial destas exportaes foi de 26% em 2005, j o Brasil exportou 48%. Apesar de estar atrs de outros pases exportadores de matrias-primas e alimentos como Austrlia (62%), Argentina (68%) e Rssia (71%), o ndice do Brasil ainda elevado. Afirma Alem (2008) que as cotaes internacionais das commodities mantiveram-se elevadas em 2007 e que a tendncia a alta de preos para 2008.

27

Segundo o ndice The Economist as commodities metlicas tiveram um aumento mdio de 11,8% em 2007 (Grfico 2). Algumas jazidas brasileiras possuem classe internacional, caracterizadas pelo seu volume e teor, oferecendo as condies mnimas para competitividade no mercado externo em relao, por exemplo, ao alumnio, caulim, cobre, nquel, tntalo, ferro, nibio, entre outros. Vale destacar, que o Brasil um dos maiores exportadores de ferro e nibio no mercado mundial (DNPM, 2006).

Grfico 2 Evoluo dos Preos das Commodities pelo ndice The Ecomomist (1990=100) Fonte: Sinopse Internacional BNDES (2008).

Neste contexto, a grande preocupao com aumento da explorao de minerais sua possibilidade de esgotamento. De acordo com estudo de Suslick et al (2005), se ocorresse um crescimento de 5% ao ano no consumo mdio de um determinado mineral, o resultado seria a duplicao de sua demanda em 14 anos. Considerando que as reservas disponveis equivalem a 100 vezes as necessidades anuais, a expectativa de exausto deste minrio seria de 36 anos. E mesmo que houvesse o dobro de reservas descobertas, elas s durariam 48 anos. Estes nmeros mostram que se tornou mais recorrente a discusso sobre a exigibilidade da atividade mineradora adequar-se s prticas sustentveis. Primeiro, porque estamos lidando com recursos naturais no-renovveis, portanto, com a probabilidade em potencial de prejudicar as geraes futuras diante do esgotamento dos bens minerais e, segundo, porque a legislao ambiental evoluiu

28

bastante no sentido de minimizar os impactos ambientais e sociais advindos da minerao que, em pouco mais de duas dcadas eram inexistentes, como a necessidade de Estudo e Relatrio de Impacto Ambiental EIA e RIMA, do Plano de Recuperao de rea Degradada PRAD e do Plano de Controle Ambiental, gerando obrigaes aos interessados neste setor. 1.2 O NOVO PARADIGMA DE SUSTENTABILIDADE E A MINERAO A discusso envolvendo a viabilidade entre desenvolvimento econmico e conservao ambiental ainda palco de muita divergncia. As teorias so dissonantes e a crtica quanto vulgarizao do conceito de desenvolvimento sustentvel engloba tanto a literatura ecolgica quanto a econmica. O desenvolvimento envolve, segundo Drummond e Nascimento (2003) fundamentos do capitalismo produtor de mercadorias, implicando sempre na degradao ambiental, j que no h produo de riqueza sem uso e transformao dos recursos naturais. Altvater (1995) completa o raciocnio afirmando que de uma maneira trgica, a explorao privada dos bens comuns globais no conduz ao aumento da prosperidade e, destruindo os recursos da natureza estamos destruindo a humanidade. Mas do que nunca, a compulso consumista ultrapassou a capacidade da natureza em nos fornecer os insumos para suprir estes desejos modernos e globalizados. Diz Altvater (1995) que hbitos foram criados nas pessoas e que hoje esto enraizados. Nossas aspiraes restringem-se a aumentar a oferta de bens e servios e que, para mudar este quadro no podemos confiar nos cdigos econmicos e sim em intervenes polticas, em que preciso a ecologizao da economia e no economizao da ecologia, alm da politizao de ambas. O fato que a economia mundial necessita do meio ambiente para se manter e que a esgotabilidade dos recursos da natureza j perceptvel para os seus mltiplos atores. Da a necessidade de uma anlise conjunta destes conceitos desenvolvimento e conservao - uma vez que o progresso depende do planeta ambientalmente equilibrado. Uma das primeiras manifestaes sobre a limitao dos recursos naturais em funo do aumento da produo industrial foi em meados de 1960, quando profissionais de diferentes pases se reuniram em Roma (Clube de Roma),

29

constatando que a sustentabilidade do planeta estava abalada pela impossibilidade da natureza recompor-se com a mesma rapidez que lhe eram retirados seus recursos. Em 1968, numa de suas principais reunies, o grupo props a diminuio drstica da produo a fim de garantir o futuro do planeta Terra e da humanidade. De acordo com Oliveira (2002), o Clube de Roma tratou dos cinco grandes temas de preocupao global, a saber: 1) acelerao da industrializao; 2) aumento dos indicadores de desnutrio; 3) rpido crescimento populacional; 4) deplorao dos recursos naturais no renovveis e; 5) deteriorao do meio ambiente. A partir de ento, a discusso sobre desenvolvimento foi redirecionada, incluindo a preocupao com a utilizao racional da natureza. Afirma o autor que: pensar em desenvolvimento , antes de qualquer coisa, pensar em distribuio de renda, sade, educao, meio ambiente (...) dentre outras variveis que podem afetar a qualidade de vida da sociedade. A partir de 1980, mas especificamente em 1987, com o Relatrio Brundtland, que definiu desenvolvimento sustentvel como um processo que permite satisfazer as necessidades da populao atual sem comprometer a capacidade de atender as geraes futuras, a sustentabilidade passou por um certo consenso, integrando os diferentes interesses entre pases, povos e classes sociais (LEFF, 2002). Entretanto, a partir de 1990, sob os auspcios da ONU e atravs de reunies para tratar especificamente das questes ambientais, em especial, a Conferncia sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, sediada no Rio de Janeiro em 1992, que a comunidade internacional parece ter percebido a limitao da natureza em nos fornecer, em quantidade e qualidade, tudo o que exigamos dela, redimensionando a preocupao e a operacionalizao do desenvolvimento sustentvel, atravs dos ditames da Agenda 21. Tratados Internacionais foram assinados e conferncias foram realizadas com a inteno de adequar o crescimento econmico e tecnolgico conservao do meio ambiente, a exemplo da Conveno-Quadro das Naes Unidas sobre Mudana no Clima (1992), Conveno sobre Diversidade Biolgica (1992), Declarao do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992) e Protocolo de Quioto Conveno sobre Mudana Climtica (1997), a Cpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentvel Rio+10 (2002) e o Congresso Mundial de Parques (2003). Muitos pases desenvolvidos, como os Estados Unidos, no

30

assinaram estes acordos, mas hoje, so pressionados internacionalmente a cumprir com suas exigncias. Verifica-se que a preocupao do Clube de Roma h 40 anos e a crise ambiental discutida a partir de ento, mostrando a irracionalidade ecolgica dos padres dominantes de produo e consumo, e marcando os limites do crescimento econmico (LEFF, 2002), tornaram-se uma realidade inexorvel no sculo XXI, com a qual somos obrigados a refletir sobre as implicaes futuras do modelo econmico vigente. Efeito estufa crescente, eventos da natureza causando catstrofes em propores acima do esperado, limitao na utilizao da gua, esgotabilidade dos recursos no-renovveis, dentre outros, so fatos que devem, obrigatoriamente, perpassar pela conscientizao coletiva, sem a qual h dvidas quanto viabilidade da existncia humana neste planeta, pelo menos com a qualidade de vida almejada. Afirma Montibeller (2007) que o componente ecolgico do desenvolvimento econmico bem recente e que os mtodos e as tcnicas que incluem esta varivel ainda esto em fase embrionria e sujeitos a constante aperfeioamento, mas, apesar disso, so alvo de muito interesse. Este mesmo contexto ocorre com a minerao que, a despeito do papel importante para a economia brasileira no permitiu o desenvolvimento esperado. Explica-se tal afirmativa em virtude da base conceitual diferenciada existente entre crescimento e desenvolvimento econmicos. O primeiro caracteriza-se apenas pelo avano quantitativo da produo e o segundo, compreende o aumento do PIB e da renda per capita, com melhoria no ponto de vista social, minimizando a desigualdade (MONTIBELLER, 2007). Ao avanar na discusso, encontra-se o novo paradigma de desenvolvimento baseado na sustentabilidade, que permite a expanso da economia com melhoria das condies sociais e da conservao ambiental. O tema envolve tanto os indivduos da gerao atual como os da gerao futura, cujo princpio no Direito Ambiental denomina-se equidade intergeracional, ou seja, a preocupao com o acesso aos recursos naturais enfocada no s em relao aos usurios atuais, mas queles potenciais usurios das geraes vindouras (MACHADO, 2006). Eggert (2008) ao fazer um retrospectivo das principais discusses sobre economia mineral, classifica os grandes temas da minerao entre 1986 e 2006 (Tabela 1) e demonstra que a incorporao da sustentabilidade para a minerao no acompanhou o incio do debate mundial.

31

Tabela 1: Classificao dos grandes temas da minerao no mbito internacional (1980-2000) baseado em Eggert, 2008 PERIODO TEMAS 1980 -1990 - Declnio do setor mineral; - Estados Unidos e Europa como principais consumidores; 1990 -1995 - Transio da economia, com modificao na produo e consumo de minrios, incluindo a Unio Sovitica, a China, os pases da Amrica Latina, a frica e a sia. - Em 1993, o Desenvolvimento Sustentvel e a dimenso ambiental aparecem pela primeira vez na literatura mineral internacional, a despeito da discusso ter surgido na dcada de 1970; 19952000 - A minerao sustentvel passou a ser considerada pelos seus diversos atores (stakeholders) e a dimenso social e ambiental teve importncia global (o que o autor chama de contabilidade verde); - Paralelo a esta concepo nascem os estudos sobre a relao entre economias mineiras e desenvolvimento humano. Perguntavam-se porque pases ricos em minrios no se desenvolviam, igualando-se aos pases pobres em recursos e em desenvolvimento, chamado por Eggert de desenvolvimento adormecido; Aps 2000 - Caracterizaram-se pela idia de valorar, no presente, o potencial financeiro dos depsitos minerais para o futuro (option valuation).

Na anlise do autor (op. cit.) a tendncia, a longo prazo, a estagnao de demanda, o excesso de produo e a inevitvel queda dos preos dos minerais. Entretanto, o boom mineral deste incio de sculo ainda levar ao aprimoramento e reviso dos cdigos minerrios, no sentido de aumentar os impostos e os royalties para atender a qualidade de vida das comunidades onde ocorre a explorao. A busca pela minerao sustentvel requer, conforme Costa (2000), alteraes no paradigma de abastecimento, vigorante no passado, para o da sustentabilidade, necessitando para isso que as empresas desenvolvam uma estratgia baseada em trs pilares, que so a eficincia, a consistncia e a parcimnia. baseada nestas caractersticas e no novo arcabouo de leis e princpios que a atividade de explorao mineral dever reorganizar-se, sem a qual sua possibilidade de progresso estar fadada s presses dos diferenciados atores envolvidos no processo, como os Estados e Municpios de regies mineradoras, comunidade, ONGs, Ministrio Pblico e Poder Judicirio. De acordo com Tilton (apud SILVA e DRUMMOND, 2005) existem dois paradigmas que tratam da questo sobre o esgotamento dos recursos naturais e a preocupao com as futuras geraes: os paradigmas do estoque fixo e o dos custos de oportunidade. O primeiro defendido por ecologistas, engenheiros e cientistas e afirma que a Terra no suportar por muito tempo a utilizao em demasia dos recursos naturais. O segundo, cuja defesa vem dos economistas, diz

32

ser irrelevante a esgotabilidade dos bens naturais e que, se temos a oportunidade de utiliz-los devemos faz-lo, uma vez que o homem conseguir manter-se futuramente com novas tecnologias. Em ambas as situaes o extremismo prejudicial. A primeira por ser considerada pessimista em demasia, impossibilita a explorao dos recursos e tem como conseqncia prejuzos economia e, a segunda, um tanto quanto irresponsvel e egosta, defende o processamento dos recursos esgotveis e considera como certa as inovaes tecnolgicas para prover as geraes futuras. Silva e Drummond (2005) afirmam que possvel promover o desenvolvimento sustentvel na minerao ao ampliar-se o nvel de bem-estar social e minimizar os impactos ambientais em relao gerao presente, chamada de intragerao ou, criar riquezas alternativas que compensem os recursos exauridos no caso das geraes futuras ou intergeraes. Isso ocorreria atravs da renda mineral garantida com a explorao destes bens. Para diminuir os danos ambientais provenientes da explorao mineral, a fim de obter uma melhor qualidade de vida da atual gerao, Villas-Bas (2000) leciona que a literatura ensina tcnicas especficas aos engenheiros do processo para os problemas apresentados, como: a biosoro2, a extrao lquido-lquido, a eletrorrecuperao de solues diludas, dentre outras. Quanto oferta de minerais para o futuro, Suslick et al (2005) afirmam que ser possvel graas ao aparecimento de fontes no-convencionais de minerais como a gua do mar, os ndulos submarinos, as areias e os folhelhos (rocha argilosa folheada) betuminosos. Mikesell (1994) ratifica esta idia, afirmando que, a chave para a sustentabilidade mineral encontrar substitutos para as substncias exploradas. Com base nos conceitos de sustentabilidade fraca e sensata ou prudente3, Enriquez e Drummond (2006) prescrevem que deve haver um equilbrio nas dimenses do desenvolvimento, onde a perda do bem mineral s seria

Propriedade que certos tipos de biomassa microbianas inativas ou mortas apresentam de se ligar a metais pesados a partir de solues aquosas. 3 A partir de 1990, atravs de pesquisas promovidas pelo Banco Mundial, foram acrescentados os adjetivos forte, fraca, prudente ou sensata ao termo sustentabilidade. A sustentabilidade forte defende a preservao dos recursos naturais em detrimento das preocupaes econmicas ou sociais. A fraca aceita a utilizao dos recursos naturais, desde que os investimentos promovam uma melhoria futura. A prudente ou sensata admite o uso dos recursos se houver um equilbrio entre as dimenses do desenvolvimento e que a receita obtida seja revertida em outra forma de capital (mais informaes ver Enriquez, 2007).

2

33

justificvel se a receita obtida com a explotao4 fosse revertida em prol de outras formas de capital, como o humano, o natural, o social ou o manufaturado5. Assim, para efetivar os critrios intra e intergeracional, a minerao deveria buscar, para o primeiro caso, certificaes sociais e ambientais que atuariam na melhoria do bemestar da comunidade e no controle da degradao ambiental e, para o segundo, criar fundos minerais a fim de promover uma riqueza alternativa. O grande desafio para as mineradoras alcanarem o desenvolvimento sustentvel requerido pelos mltiplos grupos de interesse (stakeholders) envolvidos nessa atividade ir alm do que determina secamente a lei, ou seja, buscar estabelecer metas que os obriguem a elevar os padres de desenvolvimento social da comunidade envolvida e cumprir um modelo de gesto ambiental, antecipando-se aos problemas (HILSON, 2000). Atualmente, a maioria das mineradoras de grande porte buscam certificaes scioambientais, com o objetivo de atender o critrio intrageracional, minimizando os impactos negativos no meio biofsico e aumentando o bem-estar da comunidade. Para Silva e Drummond (2005), elas so um forte indcio de que essas empresas compartilham dos novos preceitos da sustentabilidade. Percebe-se que isso de fato uma evoluo, uma vez que esta atividade sempre esteve invarialvemente ligada destruio do meio ambiente e alteraes na vida da comunidade na qual ela est inserida. Quanto sustentabilidade intergeracional, a proposta produzir uma riqueza alternativa para substituir o exaurimento dos recursos minerais, atravs de fundos criados a partir das rendas mineiras, especialmente com a Compensao Financeira pela Explorao Mineral CFEM, que objeto de avaliao deste trabalho. Esteves (2008) assevera que um dos pontos fundamentais para o sucesso das companhias mineradoras multinacionais utilizar o que ele chama de investimento estratgico social, investindo na comunidade onde ocorre a operao minerria por meio de um bom e nico negcio, sem ser paternalista.

So mtodos e tcnicas para a extrao mineral (Suslick et al, 2005). Difere da explorao que est ligada fase da pesquisa. A explotao refere-se lavra. Entretanto, como a prpria lei no os difere e alguns autores no apreciam o termo, utilizamos neste trabalho explorao para ambas as fases. 5 Capital natural so os recursos, sistemas vivos e servios do ecossistema; capital humano o trabalho, sade, educao; capital manufaturado a produo cientfica, tecnolgica e econmica; e o capital social a participao cvica e as prticas de cidadania (mais informaes ver Enriquez, 2007 e Nunes, 2006).

4

34

Aps um estudo detalhado sobre regies mineiras e que, portanto, em tese deveriam possuir um desenvolvimento econmico maior do que quelas que compem o seu entorno em virtude dos recursos provenientes desta atividade, Enriquez (2007) concluiu que apesar da diminuio da pobreza, h um aumento na concentrao de renda e que, se no houver bom uso das contribuies financeiras minerais perde-se a possibilidade de melhoria na qualidade de vida destas comunidades. Yu et al (2008) sugerem que, alm das variveis conhecidas para alcanar o desenvolvimento sustentvel na indstria de minerao, como a economia, o meio ambiente e o social, devemos incluir a Inteligncia. Esta se perfaz com melhoria na educao, investimento em tecnologia e eficincia na governana, ou seja, sem planejar a longo prazo no h que se falar em sustentabilidade mineral. Nunes (2006) enfoca algumas alternativas de desenvolvimento sustentvel quando a atividade a explorao de recursos naturais exaurveis. Ele adverte que, alm da produo, o consumo deve ser sustentvel, cuja participao do consumidor cobrando produtos ambientalmente saudveis, seria imprescindvel para alcanar este objetivo. Outras alternativas de sustentabilidade para superar o exaurimento mineral, ainda de acordo com o autor supracitado, seriam a utilizao de novos materiais como fibras de carbono, ligas de plstico e compostos polmeros, que surgiram do progresso tecnolgico, alm da reciclagem e do reaproveitamento de materiais. Pelo lado empresarial seria necessrio a incluso de outras variveis como cobrana do preo ecologicamente correto dos minerais que inclui sua falta para as prximas geraes, o cumprimento da legislao ambiental pertinente e um planejamento social e ambiental preventivo. Estas cumpririam, segundo Montibeller (2007), o efeito restries imposto aos investidores privados. No efeito oportunidades estaria o atendimento ao mercado consumidor verde, baseada na produo e consumo sustentveis j citados. Sobre as empresas de minerao, conclui Farias (2002) que, em geral, j reconhecida a necessidade de internalizar os custos da recuperao ambiental e j se admite como legtimas as reivindicaes das comunidades, incorporando em sua prtica a responsabilidade social.

35

Os recursos minerais so considerados bens ambientais, portanto so de natureza difusa pertencentes a toda coletividade, por isso a discusso acima citada to relevante. Apesar do Estado constitucionalmente possuir domnio sobre estes bens, a quem cabe autorizar a explorao, busca-se conforme Almeida (1999), administr-lo a partir de uma finalidade e interesse coletivos. A Poltica Mineral Brasileira, nas palavras de Ribeiro (2005), deve estar centrada no interesse pblico. Suas diretrizes devem consistir num conjunto de aes que maximizem os benefcios sociais atravs da utilizao do patrimnio pblico, assim considerado o recurso mineral como bem da Unio. Portanto, o destinatrio deste aproveitamento deve ser a populao nacional. Por lidar com recursos naturais no renovveis, a gesto minerria estatal deveria buscar hoje exercer uma funo chamada Ecoeficincia, que relaciona a competitividade com o desenvolvimento sustentvel, ligando agentes pblicos e privados no alcance de determinadas metas. Segundo Costa (2000), ao combinar eficincia produtiva com o desenvolvimento sustentvel, a Ecoeficincia permite a criao de valores econmicos e sociais com um mnimo de impacto ambiental, conforme as seguintes diretrizes: a) minimizando consumo de materiais; b) minimizando consumo de energia; c) minimizando a disperso de substncia txica ou perigosa; d) intensificando a reciclagem de materiais; e) maximizando o uso sustentvel de recursos renovveis; f) polongando a durabilidade dos produtos; g) agregando valores sociais ao processo produtivo e; h) adquirindo insumos (bens e servios de fornecedores comprometidos com a Ecoeficincia) Portanto, polticas pblicas com uma base sustentvel devem fazer parte do planejamento estatal, atravs especialmente de uma poltica setorial para a minerao, em que a intensificao da gesto pblica ampliar a responsabilidade social e ambiental dos empreendimentos minerrios. Temos, portanto, a necessidade de cumprir, ao observar as lies de Pimiento (2002), trs objetivos: planejar, estabelecer marcos regulatrios por setor e participar do controle. Assim, para efetivar esta poltica, o Estado depende de um arcabouo jurdico slido e atualizado. No Brasil, a minerao tratada a partir da Constituio

36

Federal, passando pelo Cdigo de Minas e, ainda, por leis, decretos, resolues e portarias. Os aspectos jurdicos da minerao sero objeto de captulo 3. apreciao no

37

2 A HISTRIA MINEIRA DA AMAZNIA E DO ESTADO DO AMAP 2.1 A MINERAO NA AMAZNIA

A principal produo mineral na Amaznia Legal ocorre no chamado Arco do Povoamento Adensado que vai do sudoeste do Acre ao sul do Amap, incluindo Rondnia, Mato Grosso, Tocantins e o sudeste e nordeste do Par. De acordo com o Plano Amaznia Sustentvel do Governo Federal, as empresas dedicam-se principalmente extrao do minrio de ferro, alumnio primrio, alumina, caulim, mangans, bauxita, cassiterita e ouro. A insero da minerao no norte brasileiro deu-se a partir de 1950 com a explorao de mangans na Serra do Navio pertencente ao ento Territrio Federal do Amap. Mas foi na dcada de 1960 que outras reservas foram descobertas, intensificando a atividade, especialmente na Amaznia Oriental (LIRA, 2007). Cunha (1994) explica que houve uma forte interveno do governo federal na regio amaznica a partir da segunda metade do sculo XX em virtude da queda do comrcio da borracha e, na tentativa de manter o crescimento regional e nacional, autorizou a entrada macia de capital estrangeiro e executou planos de desenvolvimento para Amaznia que culminaram com o seu processo de industrializao mineral. Some-se a isto a necessidade mundial por alguns minrios, especialmente o ao, ps II Guerra, a fim de reerguer sua estrutura destruda. O Par foi o estado federativo onde a maioria das reservas minerais foi encontrada, a exemplo da bauxita no Rio Trombetas, em Oriximin, de mangans, em Marab e, de minrio de ferro em Carajs, tambm no municpio de Marab. Lira (2007) aponta que com a descoberta da riqueza mineral na Amaznia, o processo de industrializao aumentou e, entre o final das dcadas de 1970 e 1980, solidificou-se com a explorao da Bauxita pela Minerao Rio Norte (1979), do minrio de ferro pelo Projeto Ferro Carajs (1984), da produo de alumnio pela Alumar (1984) e pela ALBRS (1985) e pelo mangans de Igarap Azul, tambm pelo Projeto Ferro Carajs (1986). Para a implementao da atividade minerria na Amaznia, os governos militares criaram diversos programas e planos que objetivaram gerao de divisas, aumento da exportao e, manuteno das taxas de crescimento do PIB nacional. Dentre os principais esto: o Plano de Valorizao Econmica da Amaznia PVEA;

38

a Polamaznia Programa de Plos Agropecurios e Agrominerais da Amaznia (1974); o I, II e III Planos de Desenvolvimento da Amaznia PDA (entre 19721979); e o Programa Grande Carajs PGC (1980)6. Essas polticas, segundo Monteiro (2005a), retrocederam com a queda dos governos militares e com o processo de redemocratizao no decorrer da dcada de 1980, o que limitou a implantao de novos empreendimentos mnero-metalrgicos de grande porte na Amaznia, apesar da manuteno dos benefcios fiscais. Entre 1980 e 1990, apesar da diminuio dos investimentos pblicos no setor mineral, o preo do ouro aumentou internacionalmente, o que influenciou a instalao de novas empresas mineradoras, a exemplo da Minerao Novo Astro que, aps adquirir os direitos minerrios em 1982, no municpio de Caloene-AP, gerou um palco de conflitos com garimpeiros que j se encontravam no local. Em 1995, esta empresa transferiu seus direitos minerrios Cooperativa de Minerao dos Garimpeiros do Loureno - COOGAL (MONTEIRO, 2005a). Esta cooperativa, segundo funcionrio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente SEMA, est totalmente irregular e sem licena ambiental para executar extrao. A partir da dcada de 1990, a estratgia de desenvolvimento governamental passou a ser a integrao das regies atravs da sua maior acessibilidade, viabilizada por meio da construo de estradas e, o setor mineral contribuiria maximizando a utilizao das vias de transporte existentes e as a serem criadas (MONTEIRO, 2005b). Outras estratgias tambm foram efetivadas como a diminuio das barreiras alfandegrias, iseno de tributos sobre exportao e a privatizao de estatais (a exemplo da Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale). Alm dessas estratgias, houve uma importante alterao constitucional que ocorreu em 1995, atravs da Emenda n. 6 que autorizou a participao do capital estrangeiro nas empresas de minerao. Esta iniciativa permitiu a entrada de empresas como a norueguesa Elken no Amap, com a lavra do minrio de cromo no municpio de Mazago, por sua subsidiria Minerao Vila Nova e a francesa Imerys, em Ipixuna no Par, para produo de caulim (MONTEIRO, 2005b). A partir de 2003, quando o Brasil estava sob nova gesto poltica, estabeleceu-se diferente proposta de desenvolvimento. Alguns documentos foram criados, como a Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional (2003) e o Plano6

Ver PORTO e SILVA (2006), MONTEIRO (2005a); CUNHA (1994), LIRA (2007)

39

Amaznia Sustentvel (2004), cujo objetivo era promover o desenvolvimento, respeitando as diferenas e potencialidades regionais. Entretanto, Monteiro (2005b) afirma que concretamente as aes reforam a lgica vigente nos perodos anteriores, de relacionamento entre o poder pblico e as empresas responsveis pela mercantilizao de bens de origem mineral. Diante da continuidade das propostas desenvolvimentistas para a Amaznia, governo aps governo, cuja base para instalao de novos empreendimentos era o acesso aos recursos naturais a baixo custo sem levar em considerao a realidade social, cultural e ambiental das localidades servidoras destes bens, possvel confirmar a posio da maioria dos estudos sobre a economia desta regio, caracterizada por exportar matria-prima sem qualquer planejamento de diversificao produtiva ou estruturao local. Vrios autores7 so unssonos em afirmar que a minerao na Amaznia gerou crescimento econmico sem favorecer o desenvolvimento social e fsicoambiental. Ao contrrio, desprezaram a economia local, alteraram a estrutura espacial, atraram imigrao, degradaram o meio ambiente, etc. Assim, as polticas pblicas que incentivaram a produo industrial de recursos minerais e beneficiaram empreendimentos atravs de facilidades fiscais e de crdito no concretizaram o chamado desenvolvimento sustentvel na Amaznia. 2.2 A HISTRIA MINEIRA DO ESTADO DO AMAP O ex-territrio do Amap, criado em 1943, estadualizou-se em 1988 com a promulgao da Carta Magna brasileira. Est situado no extremo norte do pas, com cerca de 143.000 Km distribudos entre os dezesseis municpios e possui aproximadamente 550.000 habitantes (SANTOS, 2005). Atualmente o Estado do Brasil com maior extenso em reas protegidas, englobando cerca de 72% de seu territrio (SILVA, 2007). Tambm foi criado, em 2003, o Corredor de Biodiversidade do Amap, objetivando no fragmentar as Unidades de Conservao e criar formas de manejo diversificadas. Neste contexto, que pressupe um modelo conservacionista, importante conhecer a histria mineral amapaense, suas conseqncias e perspectivas a curto e longo prazo.

7

Ver Monteiro (2005), Cunha (1994), Lira (2007) e Coelho (2007)

40

A literatura que trata da minerao na Amaznia apresenta a produo industrial de mangans em Serra do Navio, no ento Territrio Federal do Amap a pioneira neste setor em toda regio norte brasileira. A Bethlehem Steel interessou-se pelo minrio num momento histrico em que a Guerra Fria entre Estados Unidos e Unio Sovitica desencadearam o aumento da procura por ao, objetivando a reestruturao econmica da Europa e sia, a partir do final da II Guerra Mundial (LIRA, 2007). Alm disso, Silva e Porto (2006) lecionam que os russos possuam a maior reserva de mangans do mundo e por conta do conflito, deixaram de exportar este minrio para os EUA, o que os levou a investir fortemente em prospeco nos pases com potencial fornecedor desta matria-prima, como era o caso do Brasil, mas especificamente do Amap. Foi ento que em 1953 saiu vitoriosa numa licitao para explotar mangans em Serra do Navio, a Indstria e Comrcio de Minrios S/A ICOMI que, reunida empresa norte-americana Bethelehem Steel, construiu duas companies towns8, Serra do Navio e Vila Amazonas, uma estrada de ferro e um porto, localizado no municpio de Santana. A explorao do minrio de mangans durou aproximadamente quarenta anos no Amap encerrando-se em 1997. De acordo com Drummond e Pereira (2007) a receita bruta da ICOMI durante todo o perodo de extrao foi de 3 bilhes e 37 milhes de dlares (valores convertidos pelo valor do dlar em 1994). Por fora de contrato, reinvestiu aproximadamente 120 milhes de dlares e pagou, a ttulo de royalties (atual CFEM) cerca de 131 milhes de dlares. Para Drummond (2007) a ICOMI favoreceu a melhoria de vida para a populao amapaense. Segundo ele, esse empreendimento combinou sucesso comercial com fracas conexes produtivas locais e algum sucesso na criao de empreendimentos distintos. Esses outros empreendimentos foram a BRUMASA (produziu e exportou madeiras laminadas e tbuas), a AMCEL (plantio comercial de rvores e fabricao de exportao de cavacos) e a CODEPA (plantou palmeiras de dend e extraiu e exportou seu leo). Entretanto, a falta de planejamento e de preparao para a sada da ICOMI do atual municpio de Serra do Navio e os passivos ambientais (em especial a

Modelo de organizao urbana planejada que pretende a viabilizao econmica dos empreendimentos a que esto vinculadas, cuja composio humana de seus moradores so os funcionrios e staffs (RODRIGUES, 2007).

8

41

contaminao por arsnio prximo ao porto, no municpio de Santana, por conta de um depsito de resduos de mangans pelotizado) identificados aps a paralisao de suas atividades, causaram uma forte presso social que resultou em aes judiciais, Comisses Parlamentares de Inqurito - CPIs propostas pela Assemblia Legislativa do Estado e problemas na transferncia de alguns bens para a empresa Champion Paper e Celulose, que tinha interesse na sua compra (MONTEIRO, 2005). Percebe-se que, sem isentar a responsabilidade da empresa quanto aos danos advindos de sua atividade, a responsabilidade do Poder Pblico neste caso foi grande. Primeiro, pecou por omisso, pois como rgo fiscalizador deveria ter investigado os riscos que os depsitos de mangans pelotizado poderiam trazer ao local e populao do entorno. Segundo, porque conhecia a finitude da extrao do mangans e, como conseqncia, a suspenso das receitas dela proveniente. Portanto, tinha o dever de planejar o futuro do territrio em questo. Em 1977, na rea da Jar Florestal, no atual municpio de Vitria do Jar, deu-se incio a extrao industrial de caulim pela Caulim da Amaznia (CADAM), em atividade at hoje, cujo teor do minrio de excelente qualidade, servindo para beneficiamento de papis e sendo 90% de sua produo exportada, segundo Porto e Silva (2006), para o Japo, Sucia, Alemanha e EUA. Apesar da extrao do minrio ocorrer no Estado do Amap, seu processamento ocorre em Almerim, Estado do Par, onde transportado por um mineroduto que atravessa o Rio Jar. Aps ter sido repassada para CAEMI em 1982, atualmente o controle acionrio da CADAM da Vale (MONTEIRO, 2005b). Amparada, de acordo com Monteiro (2005), pela renncia fiscal e facilidades governamentais iniciou-se em 1988 a lavra experimental de cromo pela Minerao Cassipor, subsidiria da ICOMI, transferida em 1992 Companhia de Ferro-Liga do Amap (CFA) em Santa Maria do Vila Nova, no municpio de Mazago. A CFA foi criada para se dedicar produo de ligas de ferro-mangans e de ferro-cromo. No 3 trimestre de 1997, a CFA transferiu seus direitos minerrios Minerao Vila Nova (MVN), do grupo noruegus Elken (CASARA, 2003). Em 2002 aps encerrar a produo de ligas de ferro-cromo pela subsidiria Elken Rana, da Noruega, a Minerao Vila Nova, que tinha como principal finalidade o suprimento daquela empresa, tambm paralisou suas atividades, deixando, segundo Casara (2003) srios problemas trabalhistas e ambientais.

42

Decidida a retirar-se do mercado, a Elken transferiu a propriedade da MVN ao Grupo Fasa Participaes S/A, empresa de capital nacional com sede em Minas Gerais, em dezembro de 2002. A evoluo da explorao de ouro no Amap acompanhada por uma histria de conflito entre garimpeiros e empresas. A instalao da Minerao Novo Astro no municpio de Caloene, em 1982, nos chamados garimpos de Mutun e Loureno, acarretou a expulso de 1.500 garimpeiros sob violncia. Aps anos de tenso, em 1995 a MNA encerrou suas atividades, transferindo seus direitos Cooperativa de Minerao de Garimpeiros do Loureno COOGAL. O garimpo de Loureno foi interditado pelo DNPM, aps denncias contra a COOGAL. Nos ltimos dois anos j morreram dez garimpeiros soterrados, seis somente no ano de 2007, e os que ainda l se encontram vivem em regime de semiescravido e obrigados a continuar as escavaes, mesmo sem as concesses dos rgos ambientais e minerrios9 . O mesmo estado de abandono e degradao ambiental pode ser conferido na Comunidade do Vila Nova, na Vila do Cupixi, municpio de Porto Grande, onde existe a Cooperativa de Garimpeiros do Vale do Vila Nova COPGAVIN. Esta, lavra ouro irregularmente sem licena ambiental da SEMA ou concesso do DNPM. A detentora desses direitos a Minerao Amapari que, acabou denunciando o garimpo ilegal em sua rea, face aos srios conflitos e danos ao meio ambiente, especialmente por causa do mercrio utilizado sem critrios. Outras empresas tambm exploraram ouro no Amap. Elas foram a Minerao Yukio Yoshidome S/A - MYYSA (1985-1992) e a Minerao gua Boa (1992-1997). A primeira explorou ouro prximo Vila de Loureno e, das cinco toneladas previstas nas pesquisas s retirou 1,3 toneladas, deixando uma enorme rea degradada, principalmente pela utilizao do mercrio durante a lavra. A segunda entrou em operao na mina prxima ao igarap Santa Maria, no municpio de Mazago. Assim como a MYYSA a Minerao gua Boa explorou ouro sem nenhuma prudncia ecolgica, cujas cavas deixadas chegam a 1 km de extenso (MONTEIRO, 2005b). Em 2005, a Slida Minerao iniciou a explorao de minrio de ferro no municpio de Ferreira Gomes e Tartarugalzinho. Segundo Porto e Silva (2006), uma

9

Entrevista realizada com o garimpeiro Raimundo Vale pela Rdio Antena FM em 12 de abril de 2008. site: http://www.amazonia.org.br/noticias/print.cfm?id=263750. acesso em 20.07.2008).

43

parte deste minrio abasteceria a unidade de ferro-gusa da Slida Siderurgia S/A e a outra seria exportada ao mercado externo, em especial o Chins. De acordo com informaes do DNPM em Macap, a Slida possui o ttulo de autorizao de pesquisa e sua lavra advm somente das Guias de Utilizao. Tambm em 2005 a Minerao Pedra Branca do Amapari MPBA, entrou oficialmente em operao para explorar ouro no municpio de mesmo nome, em parceria com a empresa canadense Goldcorp, cuja prospeco havia sido iniciada pela empresa Anglo Gold Ashanti. A vida til da empresa estimada em onze anos e a previso de reserva de minrio em Pedra Branca da ordem de 1,53 milho de onas de ouro. De acordo com o Secretrio de Estado da Indstria, Comrcio e Minerao do Amap - SEICOM, o estado faturou entre janeiro e agosto de 2006, ou seja, aps o incio das atividades da MPBA, US$ 54,2 milhes com exportaes. Portanto, de acordo com Dias, a inteno do estado aumentar ainda mais a explorao de ouro no Amap10 . Outra empresa implantada recentemente no Estado do Amap foi a MMX Minerao e Metlicos S/A para explorao do minrio de ferro. Suas atividades iniciaram no segundo semestre de 2007 e em agosto de 2008 foi vendida Anglo American, passando-se a chamar-se Anglo Ferrous Brazil. Seu ativo compreende a mina em Pedra Branca do Amapari, a ferrovia e o porto em Santana (CESAR, 2008). A criao de alguns municpios amapaenses deveu-se forte influncia das atividades de minerao que existiam ou existem em suas regies, como o caso de Vitria do Jar, Serra do Navio, Pedra Branca do Amapari e Caloene. Entretanto, mesmo com a instalao de novos empreendimentos minerrios neste ente federativo, no percebemos um planejamento em longo prazo dos recursos provenientes desta atividade. Ao que parece reproduziremos a base econmica de explorao/exportao de matrias-primas para o mercado internacional, sem uma poltica eficaz de utilizao da renda mineral (PORTO, 2003).

10

Entrevista realizada pela Agncia de Noticias Brasil-rabe ANBA com Joo Bencio Dias, em 03/10/2006. site: www.anba.com.br. Acesso em 05.04.2008).

44

3 ASPECTOS JURDICOS DA MINERAO 3.1 O DIREITO MINERRIO

O Direito das Minas, nas lies de Vivacqua apud Serra (2000) um conjunto sistemtico de princpios e frmulas reguladoras da constituio, atribuio e funcionamento da propriedade mineral, nas suas diversas relaes jurdicas de ordem privada e nas pblicas, estas, cada vez mais amplas e acentuadas. Diante desta definio, conclui-se que o regime jurdico do Direito Minerrio o de direito pblico, enquadrando-se nos seus princpios basilares tais como: a supremacia do interesse pblico sobre o particular, autoridade pblica, devido processo, legalidade, dentre outros. Apesar do seu carter publicista, ele se utiliza subsidiariamente do direito privado, quando as relaes contempladas so entre os mineradores e terceiros (SERRA, 2000). Quanto autonomia do Direito Minerrio os posicionamentos so divergentes. H autores que sujeitam o Direito Minerrio ao Direito Administrativo Econmico (SUNDFELD apud SERRA, 2000). Outros (AGUILLON, ALMEIDA, NONATO, e LACERDA ROCHA apud SERRA 2000), utilizam o termo sui generes para caracterizar este ramo do Direito, entendendo-o como de natureza mista, submetido a regras de direito pblico e privado. H ainda, autores como Silva, Danna, Ramos apud Serra (2000) e Herrmann (2000) que defendem sua autonomia em virtude das especificidades prprias que possui, alm de princpios decorrentes de um ramo autnomo do Direito. Os princpios aplicveis ao Direito Minerrio, de acordo com Herrmann (2000), so: 1 Supremacia do Interesse pblico sobre o particular, em que o aproveitamento dos recursos minerais s deve ser concedido se atender o interesse da coletividade; 2 Destinao do bem mineral ao uso geral, ou seja, a funo imediata da atividade mineira a de colocar os recursos disposio da sociedade, sendo a funo mediata o seu aproveitamento econmico; 3 Resultado Global: o Estado como titular da concesso de lavra dever verificar a obedincia a critrios sociais, ambientais e econmicos,

45

avaliando conjuntamente todas estas variveis para a viabilidade do empreendimento; 4 Recuperao da rea degradada: dever do minerador recuperar o meio ambiente alterado pela atividade mineira. Se no puder ser recuperado, no haver explorao; 5 Contedo tico: sendo os recursos minerais bens pblicos e esgotveis, sua explorao deve obedecer a critrios tcnicos, a fim de que sejam melhor aproveitados e menos desperdiados; Alm desses princpios, outros vinculados ao Direito Constitucional, Administrativo e Ambiental tambm podem ser citados como o da Legalidade, Moralidade, Precauo e Preveno e, ainda, da Participao, que esto diretamente ligados explorao de recursos naturais. Citamos o Principio da Legalidade porque o Direito Minerrio deve estrita obedincia a um conjunto legal prprio, sem o qual no haver atividade mineira; o Principio da Moralidade, como corolrio do Principio do Resultado Global, que se prope a analisar a explorao mineral no s sob o aspecto econmico, mas incluindo a viabilidade social e ambiental. Assim a autorizao administrativa que favorea somente o particular seria imoral e passvel de revogao; os Princpios da Precauo, Preveno e Participao, diretamente ligados ao Direito Ambiental tambm so de suma importncia ao Direito Mineral, uma vez que necessria uma atitude de cautela para prevenir riscos ambientais certos e incertos alm do envolvimento da populao no processo de tomada de decises, quando da implantao de novos empreendimentos. A obedincia das proposies bsicas acima favorece o incremento de uma poltica mineral ligada s exigncias do desenvolvimento sustentvel. Percebese que sem o conhecimento destes princpios na interpretao e na aplicao da legislao minerria, o Estado descumpre a lei, uma vez que desobedece a sua finalidade precpua quando o tema minerao, que o interesse coletivo. Serra (2000) enquadra juridicamente a atividade minerria como atividade econmica de interesse geral, em que h ingerncia do Estado, fiscalizando-a e regulamentando-a, objetivando sempre a otimizao no uso dos recursos minerais. Afirma Herrmann (2000) que o Direito o implementador da poltica mineral quando normatiza este setor a partir de suas peculiaridades. Seria, portanto,

46

invivel espelhar-se em legislaes estrangeiras sem levar em considerao as caractersticas desta atividade e a complexidade do meio scio-econmico em que est inserida. Essas caractersticas, segundo este autor, so: a rigidez locacional (a atividade mineral s poder ocorrer onde se encontra a jazida), a exauribilidade do recurso, a transitoriedade do empreendimento, o alto risco da atividade, a singularidade das jazidas e minas, a dinmica particular de um projeto mineiro e o monitoramento ambiental especfico. Bem se percebe, diante destes traos distintivos, a necessidade do poder pblico identificar cada projeto como nico, analisando fatores diferenciados que englobam desde o real aproveitamento econmico do minrio at as compensaes sociais e a reabilitao do ambiente impactado pela atividade. Para tanto, imprescindvel uma seqncia de atos administrativos estatais que dem eficcia ao conjunto legislativo mineral, cujo acompanhamento e fiscalizao so a viga mestra para alcanar este intento. Assim leciona Quevedo Vega apud Barbosa (2003)As minas so bens de domnio pblico, antes da concesso, por estarem destinadas ao fomento da riqueza nacional. por esse motivo que o Estado, mesmo quando concede a um particular a explorao das minas, se reserva o direito de inspeo permanente dos trabalhos de lavra.

Portanto, frente possibilidade do Estado conceder ao particular o direito de explorao mineral, dele tambm a responsabilidade de intervir nestas atividades sempre que houver afronta legislao pertinente ou contrariar o interesse nacional.

3.2 A LEGISLAO MINERRIA

A legislao minerria tem espao no ordenamento jurdico mundial. Ela pode ser classificada, quanto a sua natureza, em Codificadas, cuja influncia vem do Cdigo Napolenico, ou Costumeira, baseada no direito anglo-saxo (HERRMANN, 2000). No mundo ps II Guerra Mundial, a legislao mineral sofreu alteraes baseada na maior ou menor busca pelo recurso. Herrmann situa as alteraes em

47

perodos. Entre 1945 e 1965, o consumo de bens minerais aumentou em virtude da necessidade de reconstruo dos pases beligerantes. Aumentou-se a discusso quanto utilizao do capital internacional na explorao mineral e, em virtude da presso de ecologistas, a lavra desses bens transferiu-se dos pases desenvolvidos para os em desenvolvimento. No perodo que decorreu entre 1965 e 1980, a ONU reconhece a soberania nacional dos minerais no subsolo dos pases, o que incentivou uma maior interveno estatal, limitando o capital estrangeiro e estimulando novas empresas federais e estaduais nas atividades de explorao. Entre 1980 e 1990, houve uma reviso da legislao mineral no mundo, em especial pela recesso ocorrida no perodo e queda na demanda do minrio, que culminou com a diminuio das restries para o setor. Entre os pases que realizaram estas modificaes esto Canad, Inglaterra, Argentina, Chile, Peru e China. A partir do corrente sculo o cenrio novamente alterado, desta vez incluindo novas exigncias na legislao. Estas abarcam questes de interesse ambiental e social e ainda, uma preocupao com o aumento da demanda mineral e a possibilidade de esgotamento destes bens. Para Barreto e Greco (2002), existe uma forte zona de interao entre a legislao minerria e a ambiental. De acordo com as autoras, essas legislaes esto a todo momento se interpenetrando, seja no plano da legalidade ordinria, seja na seara constitucional, devido a seus objetos e as suas naturezas. Diante deste fato, imprescindvel para o estudo do arcabouo jurdico minerrio, a apresentao tambm das leis ambientais em vigor, uma vez que as exigncias e competncias entrelaam-se, gerando sobreposio ou mesmo duplicidade normativa. 3.3 A MINERAO NAS CONSTITUIES BRASILEIRAS No Brasil, a preocupao constitucional com os recursos minerais sempre foi recorrente, sem olvidar, que houve uma legislao anterior independncia. Desde a Constituio do Imprio, datada de 1824 at a Constituio vigente de 1988, so regulamentados tais recursos, evoluindo de acordo com os interesses sociais da poca. Assim, de acordo com Almeida (1999), o tratamento legal passa do belo para o til, da simples produo para a necessidade da pesquisa e da incluso do monitoramento da degradao ambiental.

48

A Carta de 1824 manteve o regime vigente na colnia, que era o da propriedade superficiria, continuando o subsolo sob o domnio estatal. A primeira constituio republicana, de 1891, estabeleceu o regime de acesso, transferindo ao dono do solo a propriedade tambm do subsolo, considerando-o como seu acessrio (SIROTHEAU, 1996). Houve nova modificao com a Constituio de 1934, que adotou o regime da concesso, cuja explorao dependia de autorizao federal, alm de tratar distintamente o solo do subsolo. Neste mesmo ano foi editado o primeiro Cdigo de Minas11, atravs do Decreto n. 24.642, que regulamentava a atividade da indstria mineradora (ALMEIDA, 1999). A Constituio de 1937 manteve as mesmas disposies da anterior e sob sua vigncia foi editado novo Cdigo de Minas, atravs do Decreto-lei n. 1.985 de 22 de janeiro de 1940. Segundo Almeida (1999), este Cdigo trouxe novidades como a faiscao e a garimpagem num capitulo prprio. Na vigncia da Constituio de 1946 houve a criao do Imposto nico sobre Minerais - IUM, resguardando a minerao da pluralidade tributria e, a possibilidade de participao do capital estrangeiro. Quanto Carta de 1967 a inovao deu-se atravs da exclusividade da Unio para legislar sobre as minas, uma vez que as anteriores permitiam competncia complementar dos Estados-membros (SIROTHEAU, 1996). No mais, manteve a abertura do capital e o Imposto nico sobre os Minerais. importante destacar que, neste mesmo ano foi editado o Cdigo de Minerao em vigor at hoje, o Decreto-lei 227 de 28 de fevereiro de 1967 que, nas palavras de Almeida (1999), foi o instrumento impulsionador da atividade minerria, instituindo o livre acesso aos bens minerais, ou seja, o primeiro que requeresse a rea para pesquisa teria prioridade sobre ela. A questo mineral na atual Constituio Federal (1988), foi ampla e inovadora. Segundo Sirotheau (1996), dos oito ttulos