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7/25/2019 Dissertacao praticas de saude enf e ACS VD ESF.pdf http://slidepdf.com/reader/full/dissertacao-praticas-de-saude-enf-e-acs-vd-esfpdf 1/96  Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro Biomédico Faculdade de Enfermagem Luciana Valadão Alves Kebian As práticas de saúde do enfermeiro e do agente comunitário de saúde na visita domiciliar da Estratégia Saúde da Família Rio de Janeiro 2011

Dissertacao praticas de saude enf e ACS VD ESF.pdf

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    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Centro Biomdico

    Faculdade de Enfermagem

    Luciana Valado Alves Kebian

    As prticas de sade do enfermeiro e do agente comunitrio de sade na

    visita domiciliar da Estratgia Sade da Famlia

    Rio de Janeiro

    2011

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    Luciana Valado Alves Kebian

    As prticas de sade do enfermeiro e do agente comunitrio de sade na visita

    domiciliar da Estratgia Sade da Famlia

    Dissertao apresentada, como requisito parcialpara obteno do ttulo de Mestre, ao Programade Ps-Graduao em Enfermagem, daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro. reade concentrao: Enfermagem, Sade eSociedade.

    Orientadora: Prof.aDra. Sonia Acioli de Oliveira

    Rio de Janeiro2011

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    CATALOGAO NA FONTEUERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CB/B

    Autorizo, apenas para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou parcial destadissertao, desde que citada a fonte.

    _______________________________________ _______________________________Assinatura Data

    K24 Kebian, Luciana Valado Alves.As prticas de sade do enfermeiro e do agente comunitrio de sade na

    visita domiciliar da Estratgia Sade da Famlia / Luciana Valado AlvesKebian. - 2011.

    94 f.Orientadora: Sonia Acioli de Oliveira.Dissertao (mestrado) Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

    Faculdade de Enfermagem.

    1. Enfermagem em sade pblica. 2. Famlia Sade e higiene.3.Visita domiciliar. 4. Enfermeiros. 5. Sade comunitria Auxiliares. 6.Programa Sade da Famlia (Brasil). I. Acioli, S. II. Universidade doEstado do Rio de Janeiro. Faculdade de Enfermagem. III. Ttulo.

    CDU614.253.5

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    Luciana Valado Alves Kebian

    As prticas de sade do enfermeiro e do agente comunitrio de sade na visita

    domiciliar da Estratgia Sade da Famlia

    Dissertao apresentada, como requisito parcialpara obteno do ttulo de Mestre, ao Programa

    de Ps-Graduao em Enfermagem, daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro. reade concentrao: Enfermagem, Sade eSociedade.

    Aprovada em 22 de fevereiro de 2011.

    Banca Examinadora:

    _________________________________________Prof. Dra. Sonia Acioli de Oliveira (Orientadora)Faculdade de Enfermagem da UERJ

    _________________________________________Prof. Dra. Nbia Maria Almeida de FigueiredoFaculdade de Enfermagem da UNIRIO

    _________________________________________Prof. Dra. Helena Maria Scherlowski Leal DavidFaculdade de Enfermagem da UERJ

    Rio de Janeiro

    2011

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    DEDICATRIA

    Ao meu esposo, Douglas, pelas palavras de incentivo, pela pacincia nos momentos de

    ansiedade, pela compreenso de minha ausncia, pelo carinho nas ocasies em que mais

    precisei, principalmente por acreditar e tornar essa vitria possvel. Eu te amo.

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    AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, Jorge Lauro e Zonete, que compartilharam as minhas preocupaes e

    me guiaram nos momentos de dvida. Agradeo pelos ensinamentos e pela confiana. Essa

    conquista tambm de vocs.

    minha tia Rosenilda (in memoriam), por torcer por mim at no cu. Que possa sentir

    orgulho de sua afilhada.

    minha av Mailena e minha tia Luana, que mesmo longe dividiram de minhas

    angstias e me incentivaram a todo momento.

    minha orientadora, Sonia Acioli, pelo carinho com o qual me acolheu, pelaoportunidade e pelos mltiplos ensinamentos. Foi um orgulho construir essa vitria ao seu

    lado.

    minha segunda famlia, Mara, Geraldo, Marseille e Tadeu, pelo apoio em um dos

    momentos mais importantes de minha vida.

    s amigas Daiana Pena e Carlana Grimaldi, por suas palavras de incentivo e de

    sabedoria durante esta trajetria.

    Aos colegas e professores do mestrado, que contriburam de modo singular com seussaberes e experincias.

    minha banca de mestrado Prof.a Dra.Helena Maria Scherlowski Leal David e Prof. a

    Dra. Nbia Maria Almeida de Figueiredo pelas contribuies e reflexes que possibilitaram a

    (re)construo deste estudo.

    Aos suplentes Prof.a Dra.Vera Joana Bornstein e Prof.a Dra.Thereza Cristina Varella

    pela receptividade e interesse em acolher este estudo.

    Aos funcionrios da secretria de ps-graduao da Universidade do Estado do Rio deJaneiro (UERJ), Renan, Marcelo e Fabola, pela ateno e pacincia com as quais me

    aconselharam.

    A todos que me apoiaram, apresento meu agradecimento, reconhecendo que o papel

    exercido por cada um foi indispensvel e nico.

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    No podemos aguardar que o mundo mude. No podemos aguardar que os tempos semodifiquem e ns nos modifiquemos juntos, por uma revoluo que chegue e nos leve em suamarcha. Ns mesmos somos o futuro. Ns somos a revoluo.

    Beatrice Bruteau

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    RESUMO

    KEBIAN, Luciana Valado Alves. As prticas de sade do enfermeiro e do agentecomunitrio de sade na visita domiciliar da Estratgia Sade da Famlia. 2011. 94 f.Dissertao (Mestrado em Enfermagem)Faculdade de Enfermagem, Universidade doEstado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.

    Esta pesquisa teve como objetivo conhecer os sentidos atribudos pelos enfermeiros eagentes comunitrios de sade da Estratgia Sade da Famlia do municpio do Rio deJaneiro/RJ acerca das prticas de sade desenvolvidas na visita domiciliar. um estudodescritivo, de natureza qualitativa e teve como abordagem metodolgica a hermenutica-dialtica. O cenrio foi a cidade do Rio de Janeiro/RJ, em duas Unidades Bsicas de Sade da

    Famlia (UBSF) da rea Programtica 3.1. Os sujeitos foram 08 enfermeiros e 07 agentescomunitrios de sade (ACSs) atuantes nas UBSF selecionadas. A coleta de dados foirealizada entre janeiro e maro de 2010, por meio de entrevistas semi-estruturadas e para aavaliao dos resultados utilizou-se a tcnica de anlise de contedo proposta por Bardin. A

    partir dos resultados alcanados foi possvel elaborar trs categorias de estudo: a primeiratrata das prticas de sade do enfermeiro e do ACS na Estratgia Sade da Famlia (ESF); asegunda aborda a visita domiciliar do enfermeiro e do ACS, a qual inclui subcategorias sobreo trabalho em equipe na visita domiciliar, as dificuldades na realizao da visita domiciliar, o

    planejamento da visita domiciliar, o vnculo entre enfermeiro, ACS e famlia na visitadomiciliar e a interao profissional do enfermeiro e do ACS na visita domiciliar; a ltimacategoria trata dos sentidos atribudos pelos enfermeiros e ACSs acerca das prticas de sadedesenvolvidas na visita domiciliar, as quais incluem subcategorias sobre as prticas de sadedo enfermeiro e do ACS na visita domiciliar e as opinies sobre a visita domiciliar. Com aanlise dos dados constatou-se que os enfermeiros e os ACS's desenvolvem diversas prticasde sade na ESF, com destaque para as prticas de cuidado. As prticas de cuidado doenfermeiro na visita domiciliar esto voltadas para a investigao das necessidades de sade erealizao das atividades assistenciais. J as do ACS esto voltadas para a identificao dedemandas. A escuta ativa, a observao da estrutura fsica, da alimentao e das relaesfamiliares e a educao em sade so as principais prticas de cuidado realizadas em conjunto

    por estes profissionais na visita domiciliar. O percentual de visitas domiciliares semanais doenfermeiro est abaixo do esperado, sendo que a principal justificativa para este baixo ndice

    a sobrecarga de trabalho na UBSF. Ficou evidente que a interao profissional entreenfermeiro e ACS na visita domiciliar pequena, pois diversas vezes, o ACS est presente navisita domiciliar do enfermeiro apenas como acompanhante. Por fim, pode-se constatar que ocuidado desenvolvido por enfermeiros e por ACSs distinto. A prtica de cuidado que oenfermeiro desenvolve na visita domiciliar especfica, destinada s famlias com prioridadesde sade e a que o ACS desenvolve mais ampla, voltada para todas as famlias da microrea.Estas concluses demonstram a necessidade de estimular enfermeiros e ACSs a (re)pensaremas prticas de sade desenvolvidas na visita domiciliar, bem como a compreenderem ediscutirem seus papis e a interao nesta atividade.

    Palavras-chave: Sade da famlia. Enfermagem. Agente comunitrio de sade. Visitadomiciliar.

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    ABSTRACT

    This research had the aim of knowing the meanings given by the nurses and healthcommunity agents about the program of Family Health Strategy of Rio de Janeiro/RJ countyabout health practices which are developed at the home visit. It is a descriptive, qualitative

    basis study which had the methodological approach on hermeneutics-dialectics. The set wasRio de Janeiro/RJ city, in two Basic Units of Family Health (BUFH) of the ProgrammaticArea 3.1. The subjects were 08 nurses and 07 health community agents (HCA) working at theselected BUFH. Database sampling was performed from January to March, 2010 by means ofsemi-structured interviews and for the results assessment the technique of content analysis

    proposed by Bardin was used . From the results which had been obtained it was possible toelaborate three study categories: the first is about health practices of nurses and HCA at theFamily Health Strategy (FHS); the second one approaches the home visits of the nurses as

    well as the HCAs, which include subcategories about team work at home visit, thedifficulties in carrying out the home visit, the planning of home visits, the bond of nurse,HCA and family at the home visit and the nurses and HCA professional interaction at thehome visit; the last category is about the meanings given by nurses and HCAs about thehealth practices which are developed at the home visit, that include subcategories abouthealth practices of nurses and HCA at the home visit and the opinions about this. Withdatabase analyses it is observed that nurse and HCA's develop varied practices of health atESF, highlighting care practices. Such practices of the nurse at home visit are to investigatethe needs in health and to accomplish assistance activities. The HCAs work is towardsdemands identification. Active listening, observation of physical structure, nourishment andfamily relations and health education are the main care practices carried out together bythese professionals at home visit. The percentage of the nurses weekly home visits is underthe expectation, and the main explanation for this low index is the BUFH overwork. It isevident that professional interaction between nurse and HCA at home visit is little, oncemany times, the HCA is present at the nurses home visit only as companion. Finally, it can

    be proved that care developed both by nurses and HCAs is distinct. Health care practicedeveloped by nurses develop at home visit is specific, addressed to families having health

    priorities and the one that the HCA develops is wider, towards all the families in the micro-area. Such conclusions demonstrate the need to foster nurses and HCAs to (re) consider thehealth practices which are developed at home visit, as well as to comprehend and discusstheir roles and the interaction in this activity.

    Keywords: Family health. Nursing. Health community agent. Home visit .

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Grfico 1

    Grfico 2

    Grfico 3

    Figura 1

    Figura 2

    Figura 3

    Figura 4

    Figura 5

    Figura 6

    Quadro 1

    Quadro 2

    Tempo de profisso e de atuao na ESF(em anos) de enfermeiros eACSs ........................................................................................................

    Quantitativo de profissionais que mudaram de equipe durante atuao

    na ESF .......................................................................................................

    Quantitativo de visitas domiciliares semanais realizadas por ACSs e

    enfermeiros ................................................................................................

    Prticas de cuidado do enfermeiro e do ACS na ESF ...............................

    Prticas administrativas e atividades administrativas voltadas para ocuidado do enfermeiro e do ACS na ESF .................................................

    Dificuldades evidenciadas pelos enfermeiros e pelos ACSs na

    realizao da visita domiciliar ...................................................................

    Papel exercido pelo enfermeiro e pelo ACS na visita domiciliar .............

    Compreenso do papel exercido pelo enfermeiro e pelo ACS na visita

    domiciliar ..................................................................................................

    Prticas de cuidado do enfermeiro e do ACS na visita domiciliar ............

    Sntese das unidades de registro e temas na anlise de contedo .............

    Demonstrativo da construo de categorias na anlise de contedo ........

    40

    41

    42

    43

    44

    55

    64

    67

    69

    91

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ACS

    ACSs

    AP

    CET

    CNS

    DSS

    ESF

    FIOCRUZ

    FURG

    HGT

    PACS

    PNAB

    PNH

    PSF

    SUDS

    SUS

    UBSUBSF

    UERJ

    UFRJ

    UNIRIO

    VEPOP

    Agente Comunitrio de Sade

    Agentes Comunitrios de Sade

    rea Programtica

    Comit de tica e Pesquisa

    Conselho Nacional de Sade

    Determinantes sociais de sade

    Estratgia Sade da Famlia

    Fundao Instituto Oswaldo Cruz

    Fundao Universidade Federal do Rio Grande

    Hemoglucoteste

    Programa de Agentes Comunitrios de Sade

    Poltica Nacional de Ateno Bsica

    Poltica Nacional de Humanizao

    Programa de Sade da Famlia

    Sistemas Unificados e Descentralizados de Sade

    Sistema nico de Sade

    Unidade Bsica de SadeUnidade Bsica de Sade da Famlia

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Universidade Federal do Rio de Janeiro

    Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

    Vivncias e Estgios em Educao Popular

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    SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................................. 12

    1 REFERENCIAL TERICO ............................................................................. 18

    1.1 O Sistema nico de Sade e a Estratgia Sade da Famlia.......................... 18

    1.2 Prticas de sade do enfermeiro e do ACS na visita domiciliar ..................... 23

    1.2.1 Prticas de cuidado ............................................................................................... 27

    2 ABORDAGEM METODOLGICA ................................................................ 30

    2.1 Referencial terico-filosfico e metodolgico................................................... 30

    2.2 Cenrio do estudo ............................................................................................... 33

    2.3 Sujeitos do estudo ............................................................................................... 35

    2.4 Coleta de dados ................................................................................................... 35

    2.5 Anlise de dados ................................................................................................. 36

    2.6 Aspectos ticos .................................................................................................... 38

    3 RESULTADOS E DISCUSSO ....................................................................... 39

    3.1 Caracterizao dos sujeitos ............................................................................... 40

    3.2 As prticas de sade do enfermeiro e do ACS na ESF ................................... 42

    3.3 A visita domiciliar do enfermeiro e do ACS .................................................... 48

    3.3.1 O trabalho em equipe na visita domiciliar ............................................................ 48

    3.3.2 Identificando as dificuldades na realizao da visita domiciliar .......................... 52

    3.3.3 O planejamento da visita domiciliar ..................................................................... 55

    3.3.4 O vnculo entre enfermeiro, ACS e famlia na visita domiciliar .......................... 59

    3.3.5 A interao profissional do enfermeiro e do ACS na visita domiciliar ................ 61

    3.4 Os sentidos atribudos pelos enfermeiros e ACSs acerca das prticas de

    sade desenvolvidas na visita domiciliar .......................................................... 63

    3.4.1 Visita domiciliar: espao de prticas de cuidado do enfermeiro e do ACS ....... 63

    3.4.2 Opinies sobre a visita domiciliar ........................................................................ 73

    4 CONCLUSO .................................................................................................... 76

    REFERNCIAS................................................................................................. 79

    APNDICE AInstrumento de coleta de dadosEnfermeiro e ACS .............. 89

    APNDICE B- Sntese das unidades de registro e temas na anlise decontedo ............................................................................................................... 91

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    APNDICE C- Demonstrativo da construo de categorias na anlise de

    contedo ............................................................................................................... 92

    APNDICE DTermo de Consentimento Livre e Esclarecido ......................... 93

    ANEXOParecer do Comit de tica em Pesquisa do estudo .......................... 94

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    INTRODUO

    Este estudo refere-se dissertao de mestrado do Programa de Ps-Graduao em

    Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e est vinculado a

    pesquisa Prticas de cuidado no SUS: o papel do enfermeiro na Ateno Bsica, da linha de

    pesquisa Polticas e prticas em sade coletiva e enfermagem e inserido no Programa de

    Incentivo Produo Cientfica, Tcnica e ArtsticaPROCINCIA.

    Alm disso, o estudo tambm est vinculado pesquisa Abordagem interdisciplinar

    das novas relaes e processos de trabalho em sade: o caso dos agentes comunitrios de

    sade, do Departamento de Enfermagem de Sade Pblica e do Programa de Ps-Graduaoda UERJ linha de pesquisa Trabalho, educao e formao profissional em sade e

    enfermagem. Tal pesquisa prope a construo de uma anlise interdisciplinar das relaes

    entre trabalho e sade, tendo como foco o trabalho dos agentes comunitrios de sade

    (ACSs) em suas variadas, complexas e mltiplas dimenses, materiais e simblicas, objetivas

    e subjetivas, macro e micro-estruturais.

    Esta dissertao foi motivada pela reflexo em torno de um dos eixos desta pesquisa:

    condies e processo de trabalho do ACS na perspectiva da sade do trabalhador, o qualinclui a relao com as prticas do enfermeiro. A participao articulada de pesquisadores da

    Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Instituto de

    Estudos em Sade Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Escola

    Politcnica de Sade Joaquim Venncio e do Instituto de Comunicao e Informao

    Cientfica e Tecnolgica, ambos da Fundao Instituto Oswaldo Cruz (FIOCRUZ),

    possibilitou conhecer diversas percepes e cenrios em relao ao processo de trabalho do

    ACS e do enfermeiro, auxiliando na fundamentao desta dissertao.Associada participao na pesquisa Abordagem interdisciplinar das novas relaes e

    processos de trabalho em sade: o caso dos agentes comunitrios de sade, o interesse em

    desenvolver esta dissertao tambm foi decorrente da experincia como estagiria do projeto

    de extenso Vivncias e Estgios em Educao Popular (VEPOP) da Fundao

    Universidade Federal do Rio Grande (FURG), desenvolvido em 2006/2007. Neste projeto,

    grupos multidisciplinares de acadmicos desenvolveram aes de educao popular com

    comunidades do extremo sul do Rio Grande do Sul, em parceria com a Estratgia Sade da

    Famlia (ESF) dos municpios.

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    Na etapa de diagnstico comunitrio, foi possvel participar junto a enfermeiros e

    ACSs de diversas visitas domiciliares. Neste momento, percebeu-se uma aproximao das

    prticas de sade realizadas por estes profissionais, ou seja, as atividades por eles realizadas

    interligavam-se, pois eram de certo modo interdependentes. O conhecimento social que os

    ACSs possuiam da comunidade favorecia a assistncia em sade do enfermeiro, uma vez que

    as necessidades das famlias revelavam-se mais facilmente. Assim como a escuta ativa, o

    conforto e as orientaes em sade oferecidas pelo enfermeiro fortaleciam ainda mais os laos

    entre a equipe e as famlias.

    A partir desta vivncia, surgiram reflexes e inquietaes em torno das prticas em

    sade realizadas pelo enfermeiro e ACS na visita domiciliar. Consequentemente, o desejo em

    conhecer os sentidos que estes profissionais atribuem s prticas de sade da visita domiciliaracarretou a pesquisa aqui proposta.

    So poucos os trabalhos que abordam a prtica do enfermeiro e do ACS na ESF e na

    atividade da visita domiciliar. Atravs de um levantamento bibliogrfico com os descritores

    visita domiciliar x programa sade da famliae prtica de sade pblica x programa sade

    da famlia, realizado no ms de setembro de 2010 na base de dados da Bireme, foram

    encontrados 86 estudos, sendo que apenas 18 relacionavam-se a esta temtica.

    Revisando estes estudos, observou-se que existe uma dificuldade em delimitar aprtica do enfermeiro e do ACS na ESF, pois apenas seis deles abordam profundamente o

    assunto (AZEREDO et al., 2007; CAPUTO, 2006; FERRAZ; AERTS, 2005; HERINGER,

    2007; LESSA, 2004; REIS; SANTOS, 2005). Destes, muitos enfocam na ao, refletindo

    pouco sobre os sentidos que estes profissionais atribuem s prticas. Somente um (1) enfoca

    as prticas de sade realizadas na visita domiciliar (AZEREDO et al., 2007).

    Alm disso, identificou-se que 10 estudos foram realizados na regio sudeste do

    Brasil, porm apenas cinco referem o Estado do Rio de Janeiro como campo exploratrio.Ainda, dos 18 estudos, oito enfocaram o enfermeiro como sujeito da pesquisa, trs o ACS e

    sete a equipe de sade da famlia. Entretanto, nenhum deles abordou o enfermeiro e o ACS

    como sujeitos exclusivos e concomitantes da pesquisa.

    Considerando as experincias relatadas e os dados expostos, foi possvel reconhecer a

    relevncia das prticas de sade desenvolvidas na visita domiciliar e a necessidade de

    desenvolver mais pesquisas nesta temtica. Assim, justifica-se a realizao deste estudo a fim

    de aprofundar a anlise dos sentidos atribudos pelos enfermeiros e ACSs a tais prticas.

    Para Bourdieu (1994, p. 19), prtica "produto da relao dialtica entre uma situao

    e um habitus, isto , o habitus enquanto sistema de disposies durveis matriz de

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    14

    percepo, de apreciao e de ao, que se realiza em determinadas condies sociais". Acioli

    (2003, p. 52) discute a dimenso das prticas de sade e coloca que estas

    so construdas atravs de vrios habitus que esto relacionados interiorizao de normas evalores presentes na cultura. So prticas orientadas por uma gama de influncias;institucionais, familiares e referentes ao grupo social de que fazem parte. [...] possuem vriossentidos, que misturam elementos da biomedicina, de outras racionalidades mdicas e dachamada medicina tradicional ou popular. Podem ser percebidas como maneiras de fazer [...].

    Pinheiro e Luz (2003, p. 9) chamam ateno para o fato das prticas estarem sendo

    tratadas, por vezes, apenas como um campo de aplicao ou verificao de ideias propostas

    ou modelos. Isto acaba por negar a condio do agente que tem a prtica, nas transformaes

    sociais, polticas ou econmicas.

    Em especial, as prticas ligadas ao cuidado so as mais prximas dos profissionais da

    rea da sade.Waldow (2006) destaca que o cuidado essencial no processo de

    desenvolvimento do ser e se constitui como condio da humanidade. considerada a

    interao entre dois ou mais sujeitos visando o alvio de um sofrimento ou o alcance de um

    bem-estar, sempre mediado por saberes especificamente voltados para essa finalidade

    (AYRES, 2009, p. 42). Sendo assim, o cuidado transcende os procedimentos tcnicos, pois

    abrange dimenses como a famlia, as necessidades psicoemocionais, a comunidade, as

    relaes interpessoais e interprofissionais, o afeto, a escuta e a poltica institucional

    (WALDOW, 2004).

    A enfermagem tem como finalidade o cuidar. Este exige saberes cientficos e tcnicos,

    imbudos da tica e do respeito necessrio ao cuidado de um ser que no apenas um

    conjunto de rgos, mas que em sua unicidade tem dimenso da inteligncia, vontade,

    afetividade e espiritualidade (SOUZA, 2004).

    Historicamente, o cuidado em sade evoluiu de tcnicas estritamente curativas e

    individualizantes para prticas integrais e coletivas. Os cuidados em sade foram voltados

    basicamente para a cura das doenas, o que criava uma dicotomia entre o ser repleto de

    angstias, dvidas e anseios e a patologia que ele portava. Porm, atravs da introduo de

    novos conceitos, como a teoria biopsicossocial, passou-se a considerar a importncia dos

    aspectos biolgicos, psicolgicos e sociais do indivduo e do coletivo e a valorizar as relaes

    pessoais entre cliente, famlia e profissionais de sade tornando, assim, a prtica de cuidado

    em sade mais complexa (KEBIAN; ACIOLI, 2010).

    Atualmente, o processo de cuidar envolve uma relao entre a pessoa que cuida e osujeito, na qual o contexto social, poltico, econmico e cultural est intimamente presente

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    15

    (BARCELOS; ALVIM, 2006). Com isso, pode-se afirmar que as prticas de cuidado na sade

    pblica tomam maior significado, pois na comunidade que estes contextos expressam-se

    claramente e podem ser melhor trabalhados.

    Dentre os diversos campos de atuao da sade, a Ateno Bsica Sade oportuniza

    um espao privilegiado para a aplicao diferenciada das prticas de cuidado, pois atravs

    dela possvel identificar de modo aproximado ao contexto da populao as principais

    necessidades e com isso, elaborar uma assistncia coerente e eficaz.

    A Ateno Bsica Sade tem como fundamento

    possibilitar o acesso universal e contnuo a servios de sade de qualidade e resolutivos,caracterizados como a porta de entrada preferencial do sistema de sade, com territrioadscrito de forma a permitir o planejamento e a programao descentralizada, e em

    consonncia com o princpio da equidade(BRASIL, 2006a, p. 11).

    Por outro lado, devido a caracterstica de porta de entrada, a Ateno Bsica Sade

    pode limitar-se a uma viso tcnico-administrativa de acesso do usurio ao sistema. Assim,

    Acioli, Heringer e Oliveira (2007) discutem a reduzida produo cientfica referente a

    Ateno Bsica Sade a partir dos valores estabelecidos para este campo, uma vez que ele

    parece ainda receber um baixo investimento e importncia no setor sade.

    A Ateno Bsica Sade constituda por inmeros programas de sade, entre elesdestaca-se a ESF. Esta estratgia, proposta pelo Ministrio da Sade em 1994, tem como

    principal finalidade reorganizar a prtica da ateno sade em novas bases e substituir o

    modelo tradicional, levando a sade para mais perto da famlia e, com isso, melhorar a

    qualidade de vida dos brasileiros (BRASIL, 2004).

    A ESF trabalha com a comunidade, conhecendo suas caractersticas e particularidades,

    priorizando aes de acordo com os problemas identificados pela populao. Alm disso, atua

    com equipes multidisciplinares, compostas minimamente por um mdico generalista ou de

    famlia, um enfermeiro, um tcnico de enfermagem e quatro a seis ACSs (BRANCO, 2005).

    Pressupe-se que a presena de uma equipe multidisciplinar proporcione o

    desenvolvimento de prticas de cuidado mais complexas, devido interao entre os

    profissionais e os seus conhecimentos/experincias. Entendendo prticas complexas como as

    que compreendem necessidades biolgicas, psicolgicas e sociais dos indivduos/famlia/

    coletividade, contemplando a integralidade, a humanizao e a equidade. Sendo assim, as

    prticas de cuidado so compostas por diversas atividades, como as administrativas, as

    assistenciais, as de planejamento em sade, as de educao em sade entre outras.

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    Acredita-se que o enfermeiro e o ACS por serem profissionais que atuam diretamente

    com o usurio, tanto atravs de atividades na Unidade Bsica de Sade da Famlia (UBSF)

    quanto nas visitas domiciliares, desenvolvam de modo intrnseco ao seu cotidiano as mais

    variadas prticas de sade, principalmente as ligadas ao cuidado.

    Azeredo et al. (2007) enfocam que a visita domiciliar permite um olhar in loco da

    realidade das famlias e constitui-se em importante instrumento na ESF. Tambm destaca que

    os ACSs so os maiores responsveis pelo acompanhamento domiciliar das famlias, uma

    vez que 99,2% dos entrevistados de sua pesquisa relataram receber visitas regularmente

    desses profissionais. Ainda, o estudo de Reis e Santos (2005) destaca a visita domiciliar como

    principal atividade do ACS, com um percentual de 30,5% dentre vrias atividades. O

    enfermeiro, como estabelecido pela ESF, realiza a visita domiciliar somente aos usurios comnecessidades de sade prioritrias. Neste caso, o enfermeiro acompanha o ACS a tal visita, o

    que facilita a aproximao com a famlia e a elaborao de prticas de sade mais coerentes

    com a realidade destes usurios.

    Entretanto, estudo realizado por Silva (2007) identificou que a prtica do enfermeiro

    na ESF pode estar sendo direcionada a partir das aes pr-estabelecidas pelo Ministrio da

    Sade e Secretaria Municipal de Sade, de modo acrtico e fragmentado. Perpassando esta

    questo para a equipe de sade da famlia, torna-se preocupante o fato de prticas seremrealizadas sem a compreenso dos seus sentidos e elaboradas fora do contexto e da

    necessidade do usurio, alm de irem de encontro integralidade e humanizao da

    assistncia.

    Seabra, Carvalho e Forster (2008) identificaram a existncia de conflitos entre

    enfermeiros e ACSs, principalmente pelo fato do ACS ter dificuldade em aceitar e adequar-

    se as orientaes feitas pelo enfermeiro. Alm disso, neste estudo foi revelado que alguns

    profissionais no consideram o ACS como membro da equipe de sade da famlia. Sendoassim, acredita-se que a interao entre estes profissionais est sendo afetada pela ausncia de

    reflexo em torno das prticas de sade, o que faz emergir a necessidade de conhecer os

    sentidos que eles atribuem a estas prticas, principalmente as desenvolvidas na visita

    domiciliar.

    nesta perspectiva que surge o questionamento motivador deste estudo: quais os

    sentidos atribudos por enfermeiros e ACSs da ESF s prticas de sade desenvolvidas na

    visita domiciliar? Visando responder a esta questo, define-se como objetivo geral desta

    pesquisa: conhecer os sentidos atribudos pelos enfermeiros e agentes comunitrios de sade

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    da Estratgia Sade da Famlia do municpio do Rio de Janeiro/RJ acerca das prticas de

    sade desenvolvidas na visita domiciliar.

    Os objetivos especficos so: a) descrever as prticas desenvolvidas porenfermeiros e

    agentes comunitrios de sade no contexto da visita domiciliar; b) discutir os sentidos

    atribudos por enfermeiros e agentes comunitrios de sade s prticas desenvolvidas na visita

    domiciliar.

    Por fim, com este estudo almeja-se contribuir para a melhoria da qualidade do servio

    e da assistncia prestada na ESF, atravs da reflexo-ao do cotidiano das prticas de sade

    da visita domiciliar de enfermeiros e ACSs das equipes de sade da famlia. Alm disso,

    espera-se ampliar a compreenso sobre a potencialidade da realizao das prticas de sade da

    visita domiciliar por enfermeiros e ACSs.

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    1 REFERENCIAL TERICO

    1.1O Sistema nico de Sade e a Estratgia Sade da Famlia

    Na dcada de 70 a intensa represso da ditadura e o alarmante descaso do Estado com

    a sade pblica no Brasil fizeram com que se fortalecesse um movimento em prol da

    transformao social e sanitria: o movimento de Reforma Sanitria Brasileira. Segundo

    Fleury (1997), a Reforma Sanitria foi um processo de transformao da norma legal e do

    aparelho institucional que regulamentava a sade dos cidados e correspondeu a um efetivodeslocamento do poder poltico s camadas populares, concretizando-se na busca do direito

    universal sade e na criao de um sistema nico de sade.

    Paim (1999) enfatiza que as intervenes propostas pela Reforma Sanitria

    percorreram trs caminhos: o legislativo-parlamentar, o qual visou criao das bases

    jurdicas e viabilizou a aprovao do captulo sade da Constituio da Repblica e das leis

    referentes organizao e ao funcionamento do Sistema nico de Sade (SUS); o

    sociopoltico, que buscou mobilizar a populao em defesa da democratizao da sade; e otcnico-institucional, o qual privilegiou a implantao dos Sistemas Unificados e

    Descentralizados de Sade (SUDS).

    Em 1986, os princpios e diretrizes da Reforma Sanitria foram sistematizados na VIII

    Conferncia Nacional de Sade, destacando-se o conceito ampliado de sade, o

    reconhecimento da sade como direito de todos e dever do Estado, a proposta do SUS, a

    participao popular e a constituio e ampliao do oramento social (PAIM, 1999).

    Enfim, em 1990, o SUS foi regulamentado pela Lei 8.080 (BRASIL, 1990), a qualreafirma as diretrizes previstas no art. 198 da Constituio Federal (BRASIL, 1988):

    descentralizao, com direo nica em cada esfera de governo; atendimento integral, com

    prioridade para as atividades preventivas, sem prejuzo dos servios assistenciais; participao

    da comunidade. Alguns princpios e diretrizes do SUS so: universalidade, integralidade,

    equidade, participao social, resolutividade, regionalizao, hierarquizao e

    descentralizao.

    Os princpios da universidade, integralidade e equidade so reconhecidos como

    doutrinrios. A universalidade garante o atendimento a todos, sem distines ou restries,

    oferecendo a ateno necessria, sem qualquer custo; a integralidade afirma ateno

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    necessria sade da populao, promovendo aes contnuas de preveno e tratamento aos

    indivduos e s comunidades, em quaisquer nveis de complexidade; e a equidade

    disponibiliza recursos e servios com justia, de acordo com as necessidades de cada um,

    canalizando maior ateno aos que mais necessitam (BRASIL, 2004; OLIVEIRA et al, 2007).

    J os princpios da participao social, resolutividade, regionalizao, hierarquizao e

    descentralizao so reconhecidos como organizativos. A participao social um direito e

    um dever da sociedade em participar das gestes pblicas em geral e da sade pblica em

    particular; a resolutividade exige que os servios do SUS estejam capacitados para resolver os

    problemas de sade at o nvel de complexidade exigido; a regionalizao e a hierarquizao

    exigem que a rede de servios do SUS deva ser organizada de forma regionalizada e

    hierarquizada, permitindo um conhecimento maior dos problemas de sade da populao deuma rea delimitada; e a descentralizao definida como o processo de transferncia de

    responsabilidades de gesto para os municpios (BRASIL, 2004; OLIVEIRA et al., 2007).

    No final dos anos 90, o Ministrio da Sade adota como foco de organizao do SUS a

    Ateno Bsica Sade e introduz a concepo de mudana do modelo assistencial, a partir

    do processo de descentralizao poltico-administrativo. Assim, o Ministrio, ao longo da

    implementao do SUS, formulou normas e mecanismos que facilitassem a operacionalizao

    desta nova ateno, como a Norma Operacional Bsica 1996 (NOB/96) - (MOURA, 2009). importante frisar que o termo Ateno Bsica Sade passou a ser utilizado pelo

    Ministrio da Sade aps a criao do SUS, pois anteriormente a este perodo o termo

    comumente empregado era Ateno Primria Sade, divulgado na Conferncia Mundial

    de Alma-Ata, em 1978. Alguns estudos apontam conceitos semelhantes para ambos os

    termos, porm existem algumas controvrsias (FERREIRA, 2009). Esse estudo no visa

    aprofundar a discusso sobre tal questo, apenas salientar a existncia deste debate. Enfim,

    neste estudo, optou-se pela denominao Ateno Bsica Sade.A Ateno Bsica Sade definida como um conjunto de aes de sade de carter

    individual e coletivo que compreendem a promoo e proteo da sade, preveno de

    agravos, diagnstico, tratamento, reabilitao e manuteno da sade, sendo considerado o

    primeiro contato do usurio com o servio de sade, ou seja, a porta de entrada. Centra-se

    no trabalho em equipe, dirigindo a atuao para populaes de reas delimitadas, assumindo a

    responsabilidade sanitria e considerando a dinamicidade existente no territrio em que vivem

    essas populaes (BRASIL, 2006a).

    Para reafirmar e garantir a prioridade da Ateno Bsica Sade, o Ministrio da

    Sade elabora alguns programas, como o Programa de Agentes Comunitrios de Sade

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    (PACS) e o Programa de Sade da Famlia (PSF). Assim, no ano de 1994 lanado o PSF

    (BRASIL, 1997), cuja estratgia incorpora e reafirma os princpios bsicos do SUS

    universalidade, integralidade, equidade, descentralizao e participao social(BRASIL,

    1990). O PSF possibilitou inovaes e nutriu a esperana quanto ao enfrentamento das

    problemticas que no puderam ser equacionadas ao longo da experincia acumulada pelo

    SUS (SANTANA, 2000).

    Em 1996, o Ministrio da Sade, lanou um documento sob o ttulo Sade da Famlia

    uma estratgia de Organizao dos Servios de Sade. Deste modo, constata-se, que o PSF

    foi lanado como programa, com o intuito de lhe dar visibilidade poltica e um espao mais

    definido para o dilogo institucional. Todavia, afirmou-se como uma estratgia para

    viabilizao dos princpios do SUS e para a reorganizao da Ateno Bsica Sade noBrasil (BRASIL, 2006a; SANTOS, 2002; SOUZA, 2001).

    Atualmente 27,5 milhes de moradias esto cadastradas na ESF, correspondendo a

    47,7% das moradias do pas. Sendo assim, a ESF cobre aproximadamente 96,5 milhes de

    pessoas, ou seja, 50,9% da populao. No Estado do Rio de Janeiro, regio onde ser

    desenvolvida a pesquisa, 915 mil domiclios esto cadastrados na ESF, equivalendo a 17,4%

    das moradias da regio (IBGE, 2008b).

    Segundo Campos, Aguiar e Oliveira (2002), a ampliao da cobertura da ESF nascapitais brasileiras e grandes centros urbanos essencial para a consolidao desse modelo.

    Para isso, necessrio considerar as especificidades dessas reas, o que inclui o contexto

    poltico, econmico e social do local.

    Com o objetivo de levar a sade para mais perto da famlia, a ESF tem sua estrutura

    inserida na comunidade e organizada a partir da UBSF. O mesmo possui como princpios

    organizativos o primeiro contato entre o usurio e o servio de sade, fundamentado na

    organizao do sistema que induz a entrada pela rede bsica, receptiva e resolutiva,perpassando as instncias necessrias dentro do sistema e retornando ao seu ponto de origem

    baseado na referncia e contra-referncia, a responsabilidade pela sade da populao com

    ateno integral de forma regular e organizada e a cobertura de uma rea geogrfica

    (BRANCO, 2005).

    A ESF identifica as necessidades e potencialidades das famlias e das comunidades,

    agregando um conjunto de projetos. Segundo Souza (2001), a ESF no uma ao pontual e

    sim uma rede social que mobiliza e estimula as pessoas, as famlias e a comunidade ao

    crescimento, em busca de oportunidades. Alm disso, atua com base nos princpios da

    promoo e da educao emsade, o que permite a construo da sade atravs de uma troca

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    solidria, crtica, capaz de fortalecer a participao comunitria, o desenvolvimento de

    habilidades pessoais, a criao de ambientes saudveis, a reorganizao de servios de sade,

    entre outros (SCZ; FENILI, 2003).

    A equipe multiprofissional composta, no mnimo, por um enfermeiro, um tcnico de

    enfermagem, um mdico de famlia e de quatro a seis ACSs. Outros profissionais, como

    psiclogos, odontlogos e fisioterapeutas podem ser incorporados s equipes ou formar

    equipes de apoio, de acordo com as demandas e possibilidades locais (BRASIL, 2000). A

    equipe se responsabiliza pela situao de sade de determinada rea, cuja populao deve ser

    de no mnimo 2.400 e no mximo 4.500 pessoas, o que equivale, aproximadamente, a um

    nmero de 800 a 1000 famlias (BRASIL, 2004).

    A populao deve ser cadastrada e acompanhada, tornando-se responsabilidade dasequipes atende-la, entendendo suas necessidades de sade como resultado tambm das

    condies sociais, ambientais e econmicas em que vive (COSTA; CARBONE, 2004). O

    diferencial da ESF a identificao dos problemas e das necessidades das famlias e da

    comunidade, planejando, priorizando e organizando o atendimento. O desenvolvimento desta

    estratgia requer um acolhimento que v alm de somente identificar necessidades, preciso

    ser capaz de gerar vnculo com co-responsabilizao e autonomia, desenvolver instrumentos e

    habilidades na construo de sujeitos socialmente comprometidos com a humanizao dasprticas de sade em busca da qualidade de vida (BRANCO, 2005).

    Ademais, as visitas domiciliares realizadas pela equipe de sade da famlia fortalecem

    os vnculos de co-responsabilidade, o que auxilia na identificao dos problemas de sade da

    comunidade. Para Ferraz e Aertz (2005), a principal atividade dos ACSs a visita domiciliar,

    seguida pela educao em sade. Na visita domiciliar o ACS identifica as principais

    necessidades das famlias, que posteriormente so transmitidas aos demais membros da

    equipe, para serem discutidas em grupo e assim, decidirem o melhor meio de interveno.Este estudo enfoca seu objeto no enfermeiro e no ACS da ESF. Com isso, somente as

    atribuies destes profissionais sero abordadas neste projeto, ainda que seja reconhecida a

    importncia da multidisciplinaridade para o desenvolvimento de um trabalho eficaz.

    No contexto da ESF as principais atribuies do enfermeiro envolvem a realizao de

    assistncia integral aos indivduos e famlias na UBSF e, quando necessrio, no domiclio ou

    nos espaos comunitrios; realizar consulta de enfermagem, solicitar exames complementares

    e prescrever medicaes conforme protocolos estabelecidos pelo gestor municipal ou do

    Distrito Federal e seguindo as disposies legais da profisso; planejar, gerenciar, coordenar e

    avaliar as aes desenvolvidas pelos ACSs; supervisionar, coordenar e realizar atividades de

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    educao permanente dos ACSs e da equipe de enfermagem; contribuir e participar das

    atividades de educao permanente do auxiliar de enfermagem, do auxiliar de consultrio

    dentrio e do tcnico de higiene dental; participar do gerenciamento dos insumos necessrios

    para o adequado funcionamento da UBSF (BRASIL, 2006a).

    J o ACS possui como atribuies desenvolver aes que busquem a integrao entre

    a equipe de sade e a populao adscrita UBSF; trabalhar com adscrio de famlias em

    base geogrfica definida, a micro rea; cadastrar todas as pessoas de sua microrea e manter

    os cadastros atualizados; orientar famlias quanto utilizao dos servios de sade

    disponveis; desenvolver atividades de promoo da sade, de preveno das doenas e

    agravos, e de vigilncia sade, por meio de visitas domiciliares e de aes educativas,

    mantendo a equipe informada, principalmente a respeito daquelas em situao de risco;acompanhar, por meio de visita domiciliar, todas as famlias e indivduos sob sua

    responsabilidade; cumprir com as atribuies em relao preveno e ao controle da malria

    e da dengue (BRASIL, 2006a).

    O ACS possui uma situao diferencial de atuao, uma vez que ele deve,

    obrigatoriamente, residir na rea de atuao da equipe. Geralmente, o tempo de moradia dos

    ACSs nacomunidade de trabalho alto, como comprovado nos estudos realizados por Ferraz

    e Aertz (2005) e Reis e Santos (2005), que registraram respectivamente um percentual de 73%e 74% de ACSs residentes h mais de 10 anos na comunidade. Devido a isso, o profissional

    apresenta-se como um ator social, que estabelece uma relao de vnculo mais aproximada,

    interagindo com o contexto de vida e a rotina da populao, o que lhe possibilita ser

    estratgico na construo de projetos e na interveno (SEABRA; CARVALHO; FORSTER,

    2008).

    Alm disso, o ACS ao trazer suas observaes equipe de sade expe,

    concomitantemente, a percepo como membro daquela comunidade, o que favorece odilogo entre usurios e equipe, alm do desenvolvimento de prticas mais coerentes. Jorge et

    al (2007, p. 10), ao realizarem sua pesquisa, identificaram o ACS como um sujeito que

    possibilita a comunicao entre os usurios e os trabalhadores de sade, articulando escuta e

    fala, sendo um facilitador na criao do vnculo interpessoal entre os membros da equipe e

    famlias.

    relevante frisar que algumas atribuies especficas do trabalho do ACS contribuem

    diretamente com o xito das prticas desenvolvidas pelo enfermeiro na visita domiciliar.

    Pode-se citar o mapeamento da rea geogrfica, o cadastramento e o acompanhamento das

    famlias, a identificao dos indivduos e das famlias expostos a situaes de risco e o

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    desenvolvimento de aes a grupos populacionais (KLOCK; HECK; CASARIM, 2005). Do

    mesmo modo, as prticas de sade desenvolvidas pelo enfermeiro na visita domiciliar

    colaboram na satisfao e no elo de confiana da famlia, fundamental para o trabalho do

    ACS. Acredita-se que estes sejam apenas alguns dos resultados da relao profissional entre

    enfermeiro e ACS.

    Alonso (2003) identificou no seu estudo que no existe, por parte das famlias, a

    percepo de elo assistencial entre ACS e equipe de sade. A populao somente reconhece a

    ligao do ACS com os demais profissionais da equipe quando se trata de viabilizar servios,

    como agendamento de exames, consultas ou visitas domiciliares. Tal questo preocupante,

    uma vez que a multidisciplinaridade, princpio bsico da ESF, no est sendo reconhecida

    pelas famlias.Por fim, relevante destacar que embora o ACS no seja membro da equipe de

    enfermagem, o enfermeiro que capacita, acompanha e supervisiona este profissional. Com

    isso, as atividades desenvolvidas pelo enfermeiro e ACS esto articuladas e por vezes,

    ocorrem concomitantemente, como nos grupos de sade e nas visitas domiciliares. Entretanto,

    o (re) conhecimento em relao a estas prticas ainda pouco. Assim, este estudo visa

    conhec-las, enfocando na visita domiciliar, uma vez que uma importante atividade de

    enfermeiros e ACSs.

    1.2Prticas de sade do enfermeiro e do ACS na visita domiciliar

    Para iniciar a discusso em torno das prticas de sade do enfermeiro e ACS na visita

    domiciliar necessrio, primeiramente, definir os termos prtica e prtica de sade. Prtica considerada qualquer ao ou atividade desenvolvida por um indivduo ou grupo,

    construdas por meio de saberes, valores e culturas. J prtica de sade entendida como a

    maneira de se fazer sade no cotidiano da vida profissional, sendo tambm pautada em uma

    diversidade de saberes, valores e culturas (ACIOLI, 2003).

    Alguns termos podem facilitar a compreenso dos sentidos atribudos s prticas

    sociais, como o caso dos termosprticoeprxis. Conforme Acioli (2001, p. 158),

    prxis, que significa ao em grego, um termo referente a uma ao voluntria voltada para

    uma razo prtica, um agir prtico. O materialismo dialtico concebe a prxis como uma aotransformadora das condies concretas da existncia. A prxis engloba tanto a ao objetivado homem quanto suas produes subjetivas, articulando aes e intenes.

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    Ainda, para a autora, prtico, tanto para a filosofia quanto para o senso comum,

    indica o que ao ou o que diz respeito atividade humana concreta. Refere-se ao que pode

    ser objetivado e traduzido em ao (ACIOLI, 2001, p. 159).

    A prtica resultado das relaes sociais e por isso, sofre diversas influncias do

    sistema. Para Bourdieu (1998), as relaes de interao envolvem o poder, sendo essas

    relaes socialmente estruturadas. A mediao entre o social e o individual ocorre atravs do

    habitus, ou seja, a capacidade de uma determinada estrutura social ser incorporada pelos

    agentes por meio de disposies para sentir, pensar e agir. Essas estruturas so objetivas, com

    conhecimentos j definidos e subjetivos, com conhecimentos que podem gerar outras prticas.

    Alonso (2003) chama ateno para o fato da convivncia social entre equipe de sade

    e famlias ser um campo frtil para os jogos de poder que perpassam a rede interativa que seforma nos encontros assistenciais.

    Deste modo, as prticas so construdas atravs de habitus que esto relacionados a

    incorporao de normas e valores presentes na cultura. Assim, so prticas influenciadas por

    normas e valores institucionais, familiares e referentes ao grupo social de que fazem parte

    (ACIOLI, 2003).

    Esta autora complementa colocando que as prticas so fruto de condies

    relacionadas ao contexto social, poltico, econmico e de aspectos subjetivos e interesses dosgrupos sociais (ACIOLI, 2003, p. 50). Sendo assim, as aes desenvolvidas por profissionais

    de sade da ESF so guiadas por este contexto. a partir das necessidades locais que as aes

    so elaboradas, porm o contexto social que permite a implantao eficaz ou no destas

    prticas.

    Dentre os profissionais da equipe de sade da famlia, o ACS o mais suscetvel s

    influncias do contexto social em suas prticas de sade, uma vez que ele atua prximo

    intimidade familiar, vendo in locoo retrato da carncia econmica e social cotidianamente. Oenfermeiro tambm vivencia este contexto, porm em menor intensidade, pois seu cotidiano

    composto por diversas prticas desenvolvidas na UBSF.

    Segundo Silva e Dalmaso (2002), o ACS transita entre o plo institucional (equipe) e

    o plo comunitrio (comunidade). Com isso, diante de certas situaes e circunstncias ele

    pode se aproximar mais de um dos plos. Esta caracterstica deve ser reconhecida e trabalhada

    pela equipe de sade da famlia, em especial pelo enfermeiro, que o profissional responsvel

    pela orientao do ACS. importante este destaque, pois se acredita que tal aspecto possa

    influenciar nas prticas de sade da equipe.

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    Na ESF, a famlia passa a ser objeto de atuao e entendida a partir do espao em

    que vive, chamado de espao/domiclio. Nesta perspectiva, a visita domiciliar torna-se o

    principal meio de aplicabilidade das prticas de sade das equipes de sade da famlia e a

    marca distinta da ESF(BRASIL, 1996).

    A visita domiciliar uma das principais atividades que permite aos enfermeiros e

    ACSs conhecerem o contexto social e identificarem as necessidades de sade das famlias

    assistidas pela equipe, permitindo uma maior aproximao com os determinantes do processo

    sade-doena. Tambm, neste momento que ambos profissionais aproximam estreitamente

    seus saberes e experincias, conduzindo a prticas de sade concomitantes.

    Assim, esta uma atividade rotineira das equipes de sade da famlia, incumbida a

    todos profissionais, sendo que para o ACS atividade prioritria. Define-se como umconjunto de aes de sade voltadas para o atendimento educativo e assistencial domiciliar.

    Para Takahashi e Oliveira (2001, p. 43), a visita domiciliar utilizada com o intuito de

    subsidiar a interveno no processo de sade-doena de indivduos ou no planejamento de

    aes visando a promoo da sade da coletividade.

    Para Klock, Heck e Casarim (2005, p. 238), o cuidado no espao domiciliar inclui

    fortalecer relaes familiares, respeitar vnculos afetivos e redes de solidariedade social

    especficas de cada local. Entretanto, preciso compreender que a famlia est inserida emum contexto social, onde existem conflitos sociais e diversas dinmicas scio-poltico-

    culturais.

    A visita domiciliar propicia o desenvolvimento de prticas de sade coerentes com os

    princpios e diretrizes do SUS. Destaca-se o princpio da integralidade, pois a visita domiciliar

    torna mais visvel os problemas como a violncia, o alcoolismo e o desemprego, os quais

    necessitam de aes resolutivas que ultrapassam o setor sade. Neste sentido, a integralidade

    na assistncia preconizada pelos profissionais de sade, pois se preocupam com a resoluodos problemas que envolvem o contexto scio-poltico-econmico (MENDONA, 2008).

    A ESF estabelece a visita domiciliar como instrumento utilizado pelas equipes de

    sade da famlia para insero e conhecimento do contexto de vida da populao, assim como

    estabelecimento de vnculos entre profissionais e usurios. Ainda, visa atender as diferentes

    necessidades de sade, preocupando-se com a infraestrutura (habitao, higiene, saneamento

    entre outros) existente nas comunidades e o atendimento sade das famlias

    (GIACOMOZZI; LACERDA, 2006).

    Nesta atividade, o profissional de sade tem o papel de mediador entre a pessoa que

    necessita de cuidados e a pessoa que vai realizar o cuidado. Ao enfermeiro ou ao ACS cabe a

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    tarefa principal de otimizar as potencialidades das famlias, para que estas participem e

    apropriem-se da tarefa do cuidar e promover a sade. Isto realizado atravs da educao em

    sade. Assim, a famlia passa a ser um ator que, alm de interagir e definir padres de cuidado

    tem uma participao na definio da sade (KLOCK; HECK; CASARIM, 2005).

    Alonso (2003) aborda um aspecto relevante na discusso sobre visita domiciliar, a

    tica profissional. Por vezes, questes delicadas so reconhecidas na visita domiciliar e

    repassadas de modo indiscriminado para os demais membros da equipe, sem a preocupao

    de selecionar o que efetivamente ser importante para a sade daquela famlia. Neste sentido,

    a confidencialidade das informaes esperada pela famlia, o rompimento deste

    compromisso tico gera insegurana, descrena e insatisfao na comunidade. Alm disso,

    um grave erro profissional. Alonso (2003, p. 151) ainda coloca que

    uma discusso tica fundamental, no momento em que uma relao envolve um jogo deresponsabilidades, compromissos, envolvimento, solidariedade e, especialmente, quando setrata dessa proximidade dos profissionais com a vida da famlia, onde o cuidado profissionalse aproxima, sobremaneira, da regio dos bastidores deste viver, isto , da dimenso maisntima da vida familiar.

    Estudo realizado por Seoane e Fortes (2009) salientou a importncia da aproximao

    entre o ACS e o usurio, destacando o domiclio como espao privilegiado para o

    estabelecimento de uma relao de confiana. Tambm, observou que no houve relatos de

    constrangimento dos usurios no que se refere s visitas domiciliares dos ACSs, ou seja, no

    existiu violao privacidade.

    As expectativas de mudana assistencial, criadas em torno da assistncia domiciliar,

    como a reduo das prticas hospitalocntricas e estratificadas, tm tornado essa atividade

    uma das mais delicadas e complexas da proposta sade da famlia. Com isso, a visita

    domiciliar representa um grande desafio aos profissionais de sade, no que tange a

    integralidade da assistncia e a satisfao de usurios e gestores de sade (ALONSO, 2003).

    Acredita-se que a visita domiciliar seja permeada por uma diversidade de prticas de

    sade. Porm, as prticas de cuidado por serem a essncia da enfermagem e tambm por

    serem comumente empregadas por enfermeiros e ACSs, sero aquelas focadas nesse estudo.

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    1.2.1 Prticas de cuidado

    O cuidado remonta histria do prprio homem, pois a necessidade de cuidadosempre existiu. Nos primrdios, era o instinto que determina algumas prticas de cuidado. J

    na poca primitiva, as tarefas organizavam-se em torno de necessidades bsicas, como o

    sustento e a proteo contra as foras da natureza. Com o decorrer dos sculos, as prticas de

    cuidado modificaram-se, porm permaneceram com seu sentido inicial de preservar a vida

    (HENRIQUES; MACEDO, 2008).

    Collire (1999, p. 29) traz um importante fundamento para o cuidado: velar, cuidar,

    tomar conta, representa um conjunto de actos que tm por fim e por funo, manter a vida dosseres vivos com o objetivo de permitir reproduzirem-se e perpetuar a vida do grupo.

    Para Boff (1999), o cuidado ope-se ao descuido e ao descaso, pois cuidar mais que

    um ato, uma atitude. O cuidar compreende mais que um momento de ateno e de zelo, o

    cuidado representa uma atitude de ocupao, de preocupao, de responsabilidade e de

    envolvimento afetivo com o outro.

    O cuidado em sade representado pelos valores do toque, do olhar e da escuta,

    ultrapassando as dimenses das prticas tcnicas. Neste momento, o profissional de sade

    oportuniza espao para o dilogo, valorizando a histria de vida, a crena e a cultura de cada

    indivduo. O cuidado expressivo a partir do momento em que deixa de se r uma tarefa para

    ser uma ao que proporcione crescimento para quem cuida e para quem

    cuidado(FONTES; ALVIM, 2008, p. 194). Assim, para que o cuidado tcnico seja

    considerado cuidado humano, necessrio o encontro entre o expressivo e o tcnico.

    Ainda, o cuidado em sade, utilizado no ambiente familiar, por pessoas que

    desenvolvem o cuidar no sentido de zelo, de apego e de afeto. Em estudo realizado por Acioli

    (2006), identificou-se a mulher-me como cuidadora, preocupada com o no adoecimento da

    famlia e com a cura no processo do adoecimento. Collire (1999) coloca que o cuidado no

    prprio de uma profisso, pois uma prtica que pertence a qualquer indivduo.

    Na enfermagem, o cuidado considerado a essncia da profisso. Caracteriza-se,

    primeiramente, pela identificao das necessidades fisiolgicas e emocionais, atravs da

    escuta e da percepo, muitas vezes, sem o uso de tecnologias, o que torna o cuidado da

    enfermagem diferencial. Em segundo lugar, no auxlio das necessidades identificadas, o

    enfermeiro proporciona conforto e segurana no seu cuidado, buscando no somente amenizar

    as dores mas tambm as tristezas, as angstias e os medos.

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    O cuidado de enfermagem emergiu na fase nightingaleana, na qual as suas prticas

    eram expressas de forma holstica e contemplavam o contexto social, poltico e ecolgico,

    indo alm do ambiente hospitalar. Com isso, as prticas de cuidado em enfermagem surgiram

    com bases humanitrias, que articulavam arte, cincia e espiritualidade. Entretanto, aps a II

    Guerra Mundial, a enfermagem afasta-se dessa proposta e volta-se ao modelo biomdico, o

    que repercutiu em uma lacuna no avano das prticas de cuidado dessa profisso, sendo

    retomada a sua essncia somente na dcada de 70 (SILVA, 1997).

    A enfermagem, em seu ingresso no Brasil, foi permeada pelo modelo norte-americano,

    ou seja, um modelo hospitalocntrico e de assistncia individualizante. Entretanto, o pas

    exigia intervenes coletivas, uma vez que lutava contra as doenas transmissveis da poca, o

    que inseriu as enfermeiras no campo da sade pblica. Deste modo, a enfermagem brasileirasempre esteve permeada por prticas de cuidado diferenciadas, que consideravam as questes

    coletivas mas que, concomitantemente, no incorporavam as relevncias do modelo

    biopsicossocial. No perodo de 1930 a 1970, a enfermagem brasileira voltou-se para as

    prticas de cuidado individualizantes e somente na dcada de 70 iniciou-se uma discusso

    sobre a mudana desse modelo, abrindo espao para conceitos de prticas de cuidado em

    sade integral.

    Em 1990, com a implementao do SUS, novos enfoques surgiram, e assim, aintegralidade, a equidade e a participao social tornaram-se uma busca constante nas prticas

    de cuidado dos enfermeiros. Com isso, atrelou-se fortemente atuao desse profissional o

    cuidado com a sade da famlia, com enfoque na promoo e educao em sade e na

    preveno das doenas.

    Outro profissional que utiliza a prtica de cuidado no seu cotidiano de trabalho o

    ACS. Para promover a sade e prevenir as doenas, o ACS deve aproximar-se da famlia, a

    fim de entender seu contexto de vida, identificar as necessidades e com isso, sugerir condutascoerentes. O cuidado perpassa todas essas etapas, pois ele representa o zelo e a

    responsabilidade dedicados a esta famlia.

    Para o ACS, as atitudes como o dilogo, a escuta qualificada e a ateno mostram que

    seu cotidiano, em especial no espao domiciliar, envolvido pelo cuidar. Sendo assim, a

    visita domiciliar, principal atividade dos ACSs, um espao rico para que este profissional

    desenvolva a prtica de cuidado de modo integral e humanizado. O profissional enfermeiro

    tambm pode utilizar a visita domiciliar para desenvolver de modo diferenciado a prtica de

    cuidado, inclusive fortalecendo suas atuaes com a experincia repassada pelo ACS.

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    Portanto, pressupe-se que a visita domiciliar favorea o desenvolvimento de prticas

    de cuidado mais prximas realidade da populao, pois permite aos profissionais a

    identificao das necessidades in loco, levando obteno de informaes de sade valiosas,

    como os hbitos de vida, a situao econmica e social de cada famlia. Alm disso, devido ao

    maior tempo disposto durante a visita domiciliar possibilitado famlia expor de modo mais

    detalhado e informal os seus problemas. Por fim, importante enfatizar que a relao

    estabelecida entre usurio e equipe de sade da famlia uma conquista diria, afirmada

    cotidianamente pelo respeito e ateno oferecidos. Cabe ao profissional estabelecer este

    vnculo, que adentra a intimidade domiciliar, com tica e responsabilidade.

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    2 ABORDAGEM METODOLGICA

    2.1Referencial terico-filosfico e metodolgico

    Para Minayo (2002), no existe cincia neutra. A autora considera que todo processo

    de construo terica simultaneamente uma dialtica de subjetivao e de objetivao. A

    hermenutica, campo do paradigma fenomenolgico e das cincias do esprito, traz a

    capacidade de colocar-se a si mesmo no lugar do outro, rompendo, assim, a neutralidade da

    cincia.Gadamer (1999 apud MINAYO, 2002, p. 88) enfatiza o rompimento da ideia de

    neutralidade da cincia, ao trazer que

    o indivduo, finito e nunca conseguir abranger o sentido total e definitivo das coisas: sualeitura ser sempre a possvel, dar-se- sob o olhar do presente e ser guiada por questes,pressupostos e interesses que, por sua vez, orientam perguntas e respostas.

    A hermenutica questiona a autoridade do pesquisador, coloca em discusso a relao

    pesquisador/objeto cognoscvel, assim como d nfase necessidade de esclarecer o contexto,

    atravs da incluso da histria como historicidade do objeto e do pesquisador (a

    conscincia histrica) (COSTA, 2002, p. 374). Sendo assim, ao incorporar a historicidade

    e reconhecer a subjetividade dos fatos a hermenutica afirma seu posicionamento, o de que

    no h cincia neutra.

    Para Costa (2002, p. 374), a perspectiva hermenutica exige a incluso, a penetrao

    e o confronto dos horizontes culturais de pesquisador e pesquisado, assim como do

    pesquisador com seu horizonte terico.A insero neste contexto permite ao pesquisadordesenvolver suas percepes em torno do objeto. Assim, o pesquisador hermeneuta no nega

    o preconceito, ele o assume, transformando-o em horizonte do presente.

    Dilthey (1980 apud AYRES, 2005) traz a discusso sobre as cincias naturais e as

    cincias do esprito. O autor chamava de cincias naturais, as denominadas cincias duras.

    Estas se focam na direo de um plo emprico-analtico, que tem por base relaes

    empiricamente estabelecidas, associando de modo vinculante seus contedos proposicionais,

    geralmente atravs de controles probabilsticos. Por outro lado, as cincias hermenuticas, oucincias do esprito, so aquelas

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    cujos juzos so validados pelo acordo logrado entre os sujeitos acerca da inteligibilidade esentido de proposies que tm como origem e aplicao seu prprio auto-entendimentocomo sujeitos. Implicam significado e interpretao, configuram um saber compreensivo,orientado pelas relaes parte-todo e motivado por interesses prticos, no sentido relacional-formativo acima discutido (AYRES, 2005, p. 553).

    Segundo Minayo (2002, p. 84), a hermenutica considerada a disciplina bsica que

    se ocupa da arte de compreender textos. Esta autora estuda Gadamer, importante filsofo da

    rea, que funda a hermenutica na compreenso, trazendo que compreender significa

    entendimento, uns se entenderem com os outros. Para ele, os seres humanos, na maioria das

    vezes, entendem-se ou fazem um movimento interior e relacional para se porem de acordo.

    Para Leopardi et al. (2001, p. 99),

    o que se quer compreender no propriamente o contexto ou o sujeito da fala, mas asignificao disto, sendo este o ncleo hermenutico do processo. [...] a hermenuticacontinua sendo a arte de encontrar a fala no discurso, como objetivao do sujeito, por tornaro discurso autnomo em relao ao seu autor.

    Alguns conceitos so importantes para a atividade compreensiva da hermenutica,

    destacando-se o senso comum, a vivncia e o smbolo. O senso comum, segundo Vico (1979

    apud MINAYO, 2002), um saber que se dirige para o verdadeiro e para o correto, que

    busca o que plausvel e se apoia em vivncias e no em fundamentaes racionalistas.

    Dilthey (1956 apud MINAYO, 2002, p. 90) enfatizavivncia como [...]

    configuraes de sentido, unidades de sentido que so reinterpretaes, ou realidades

    pensadas e intencionadas, como objetivao da experincia e como sua posse duradoura.

    A autora tambm traz a ideia de smbolopara o campo da hermenutica. Denomina

    smbolo como uma mediao comunicacional, que possibilita aos indivduos de determinada

    comunidade se identificarem. Ainda, reflete uma ideia do real e sua expresso fenomnica. A

    compreenso simblica deve ser entendida como parte da ocorrncia, da formulao e do

    sentido de todo enunciado.

    Estas ideias permitem um melhor entendimento dos discursos, pois elucidam a

    relevncia da contextualizao da fala. O senso comum, a vivncia e o smbolo possibilitam

    entender as condies nas quais surgem as falas.

    A dialtica possui um modo compreensivo e crtico-contraditrio de analisar a

    realidade social, neste sentido se aproxima da abordagem hermenutica, possibilitando a

    complementao de lacunas ainda existentes em ambas abordagens.

    Na dialtica, abordagem que, assim como a hermenutica, vai de encontro aopositivismo, a linguagem assume um papel temporrio. Aqui, a realidade est em uma tenso

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    dialtica, sendo mutvel conforme o ponto de referncia sob o qual est sendo analisada.

    Assim, a verdade e o erro so relativos ao contexto e ao tempo (LEOPARDI et al., 2001, p.

    103).

    Para Konder (2007, p. 7), a dialtica aos poucos, passou a ser a arte de, no dilogo,

    demonstrar uma tese por meio de um argumento capaz de definir e distinguir claramente os

    conceitos envolvidos na discusso.

    Enquanto a palavra compreenso define a abordagem hermenutica, na dialtica a

    palavra marcante contradio. Conforme Minayo (2002, p. 101), enquanto a hermenutica

    busca as bases do consenso e da compreenso na tradio e na linguagem, o mtodo dialtico

    introduz na compreenso da realidade o princpio do conflito e da contradio como algo

    permanente e que se explica na transformao.A hermenutica e a dialtica defendem que os indivduos no so somente objetos de

    investigao, so tambm sujeitos da relao. Alm disso, consideram que a vida social o

    nico valor comum que rene todos os seres humanos e de todos os lugares. Assim, afirma-se

    a aproximao de ambas as abordagens, permitindo a Minayo (2002, p. 101) definir que a

    hermenutico-dialtica busca apreender a prtica social emprica dos indivduos em

    sociedade em seu movimento contraditrio. Ainda coloca que

    a unio da hermenutica com a dialtica leva o intrprete a entender o texto, a fala, odepoimento, como resultado de um processo social (trabalho e dominao) e processo deconhecimento (expresso em linguagem), ambos fruto de mltiplas determinaes, mas comsignificado especfico (MINAYO, 1996, p. 227).

    A partir do exposto, a abordagem metodolgica escolhida para este estudo foi a

    hermenutico-dialtica, pois sua aplicao permite conhecer os sentidos atribudos s prticas

    de sade de enfermeiros e de ACS na visita domiciliar. Esta abordagem adequa-se ao objeto

    em estudo devido contextualizao exigida para a compreenso das falas, pois, uma vez queestes profissionais atuam inseridos em comunidades repletas por extremos sociais, como a

    misria e a violncia, so afetados frequentemente em seu ambiente de trabalho. Alm disso,

    as prticas de sade desenvolvidas por estes sujeitos esto em processo de constante

    (re)construo, necessitando de uma anlise aprofundada nos aspectos subjetivos dos relatos.

    Este um estudo descritivo de abordagem qualitativa. A finalidade dos estudos

    descritivos observar, descrever e documentar os fenmenos (POLIT; BECK; HUNGLER,

    2004). Trivios (1987) enfatiza que estes estudos buscam conhecer a realidade e suas

    caractersticas atravs da descrio dos fatos.

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    Os estudos descritivos so marcados por explorar uma situao no conhecida, da

    qual se tem necessidade de maiores informaes. Explorar uma realidade significa identificar

    suas caractersticas, sua mudana ou sua regularidade (LEOPARDI et al., 2001, p. 139).

    Sendo assim, a realizao de um estudo descritivo, que valorize o significado que as pessoas

    atribuem as experincias, fundamental para alcanar os objetivos desta pesquisa.

    Leopardi et al. (2001, p. 100) colocam que a verdade no pode ser atingida por

    mtodos objetivantes, mas na progressiva manifestao da histria, o que permite facilmente

    a abordagem qualitativa ao pensamento hermenutico.

    Segundo Molina, Dias e Molina (2003), a pesquisa qualitativa tem como finalidade

    conhecer mais profundamente os aspectos subjetivos, como vises, opinies, atitudes,

    conhecimento e prticas do grupo estudado, grupo este que tambm deve ser representativo dapopulao que se deseja investigar. Ainda, para Polit, Beck e Hungler (2004), os

    pesquisadores qualitativos usam mtodos aprofundados para descrever as dimenses, as

    variaes, a importncia e o significado dos fenmenos.

    Por fim, afirma-se que as caractersticas da pesquisa qualitativa vo ao encontro deste

    estudo, pois se acredita que atravs da compreenso da subjetividade do indivduo seja

    possvel identificar os sentidos que ele atribui a sua prxis.

    2.2Cenrio do estudo

    Esta pesquisa foi desenvolvida na cidade do Rio de Janeiro, capital do Estado do Rio

    de Janeiro, localizada na regio sudeste do Brasil. O municpio a segunda maior metrpole

    do Brasil, possuindo um territrio de 1.182 Km e uma populao estimada em 6,323 milhes

    de habitantes(IBGE, 2008a, 2010).

    A fim de dinamizar o planejamento e a implementao de polticas pblicas, em 1993

    a Prefeitura do Rio de Janeiro subdividiu a cidade em reas de Planejamento (AP), formadas

    por Regies Administrativas e bairros. Assim, os bairros so agrupados em Regies

    Administrativas, dirigidas por um administrador regional. As Regies Administrativas

    integram 5 AP (RIO DE JANEIRO, 2009):

    AP 1: Centro;

    AP 2: dividida em duas subreas (2.1 e 2.2) englobando Zona Sul e parte da

    Zona Norte;

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    AP 3: dividida em trs subreas (3.1, 3.2 e 3.3) que compreendem os

    bairros da Zona Norte que no foram englobados na subrea 2.2;

    AP 4: parte da Zona Oeste;

    AP 5: dividida em trs subreas (5.1, 5.2 e 5.3) englobando os bairros da

    Zona Oeste que no foram englobados na AP 4.

    A Ateno Bsica Sade na cidade do Rio de Janeiro est organizada em

    Policlnicas, Centros Municipais de Sade, Unidades Bsicas de Sade (UBS) e Unidades

    Bsicas de Sade da Famlia (UBSF), as quais esto distribudas nas AP acima. Atualmente,

    encontra-se com 63 UBSF e 220 equipes de sade da famlia (RIO DE JANEIRO, 2008).

    Nesta cidade, a ESF focalizou sua implementao em reas prioritrias, as quais

    possuem carncias nas reas da sade, de economia, da habitao, da educao entre outros.Alm disso, so bairros em que a violncia e a insegurana fazem parte do cotidiano desta

    populao. Entretanto, o nmero UBSF e equipes no satisfazem o preconizado pelo

    Ministrio da Sade, o que dificulta a reduo das necessidades identificadas.

    Para realizao desta pesquisa escolheu-se a AP 3.1 da cidade do Rio de Janeiro. O

    critrio de escolha inclui a participao na pesquisa Abordagem interdisciplinar das novas

    relaes e processos de trabalho em sade: o caso dos agentes comunitrios de sade da qual

    esse estudo faz parte.A AP 3.1 foi sugerida devido a insero dos pesquisadores neste localestar ocorrendo no mesmo perodo de realizao da dissertao. Alm disso, o fato da AP 3.1

    possuir o maior concentrado de equipes de ESF (49 equipes) foi fator importante na escolha.

    A AP 3.1 engloba os bairros Manguinhos, Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Penha

    Circular, Brs de Pina, Cordovil, Parada de Lucas, Vigrio Geral, Jardim Amrica, Ribeira,

    Zumbi, Cacuia, Pintangueiras, Praia da Bandeira, Cocot, Bancrios, Freguesia, Jardim

    Guanabara, Jardim Carioca, Tau, Moner, Portuguesa, Galeo, Cidade Universitria,

    Complexo do Alemo e Mar (RIO DE JANEIRO, 2009).Devido ao elevado nmero de equipes de sade da famlia na AP 3.1, que corresponde

    a 49, optou-se por focar a pesquisa em duas UBSF, as quais so compostas por 5 e 7 equipes

    de sade da famlia cada.

    Uma das UBSF est localizada em um conjunto de comunidades que abriga uma

    populao estimada em 40 mil pessoas. A regio marcada pela pobreza, violncia e excluso

    social, apresentando baixo ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) - (0,587) e esperana

    de vida de 56,72 anos, alm do alto ndice de desemprego e baixa escolaridade (RIO DE

    JANEIRO, 2007).

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    A outra UBSF fica localizada em uma comunidade com cerca de 4.000 domiclios e

    uma populao estimada de quase 12.000 pessoas. Entretanto, faz parte de um conjunto de

    comunidades que possui aproximadamente 130 mil moradores, a qual apresenta uma

    alarmante situao de pobreza e violncia (COMPLEXO da Mar, 2010).

    2.3Sujeitos do estudo

    Nesta pesquisa participaram 15 sujeitos, oito enfermeiros e sete ACSs, que trabalham

    nas equipes das UBSF selecionadas para o estudo.Os critrios de incluso dos enfermeiros e ACS sna pesquisa foram:

    Atuar h mais de seis meses na ESF;

    Atuar h mais de seis meses na AP 3.1;

    Planejava-se realizar entrevistas com 10 enfermeiros e 10 ACSs. Contudo, aps a

    aplicao dos critrios de incluso o nmero de sujeitos da pesquisa foi reduzido, contando

    com a participao de oito enfermeiros e sete ACSs.

    2.4Coleta de dados

    A coleta de dados foi realizada no perodo de janeiro a maro de 2010. Em janeiro de

    2010 foram realizados dois testes-piloto, ambos com ACSs, junto a uma atividade do projeto

    Abordagem interdisciplinar das novas relaes e processos de trabalho em sade: o caso dosagentes comunitrios de sade. Os profissionais participantes do teste-piloto eram da AP 3.1,

    porm de equipes diferentes das escolhidas como sujeito de estudo desta pesquisa.

    Aps avaliao dos testes-piloto, identificou-se a necessidade de adicionar os itens

    profissoe equipeaos dados de identificao e excluir o item vnculo trabalhista. Alm

    disso, optou-se por adicionar a questo Quais atividades voc realiza na ESF?, uma vez

    quese observou o interesse por parte dos profissionais de relatarem suas atividades cotidianas

    alm da visita domiciliar. Ademais, adicionou-se a questo final:Voc gostaria de acrescentar

    algo que no tenha sido questionado nesta entrevista?, a fim de ampliar o espao para demais

    questes relevantes ao profissional.

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    O instrumento de coleta de dados desta pesquisa foi a entrevista semi-estruturada.

    Segundo Polit, Beck e Hungler (2004), a entrevista semiestruturada usada quando o

    pesquisador possui diversos tpicos a serem explorados. Assim, a funo do entrevistador

    estimular os participantes a falarem livremente sobre os tpicos abordados.

    Na entrevista semi-estruturada o pesquisador elabora um roteiro com tpicos que no

    so nem totalmente fechados e nem totalmente abertos. Isto possibilita ao pesquisador captar

    a subjetividade do entrevistado e identificar o valor e o sentido de suas expresses (MINAYO,

    2004).

    Alm disso, permite uma liberdade de expresso diferenciada. Devido as suas

    caractersticas, optou-se pela entrevista semi-estruturada como instrumento de coleta de

    dados, uma vez que esta pesquisa visa conhecer os sentidos que os profissionais atribuem sprticas de sade na visita domiciliar, o que exige um dilogo mais aberto.

    O roteiro de entrevista foi constitudo de duas partes. Na primeira constavam os dados

    de identificao do entrevistado. A opo por coletar dados de identificao ocorreu pelo

    interesse em conhecer mais profundamente os sujeitos do estudo, ou seja, desenvolver um

    retrato claro dos profissionais de sade entrevistados. A segunda parte do roteiro de entrevista

    foi constituda por perguntas semi-estruturadas, as quais visavam responder aos objetivos

    dessa pesquisa (APNDICE A).Para a realizao da coleta de dados, foi feito um contato prvio com os enfermeiros e

    ACSs, que atuam nas equipes de sade da famlia, escolhidos para o estudo com o objetivo

    de verificar o melhor horrio e local para a apresentao da pesquisa e aplicao das

    entrevistas.

    2.5Anlise de dados

    A tcnica de anlise de dados utilizada nesta pesquisa foi a de contedo, proposta por

    Bardin (1977, p. 42), com nfase na anlise de contedo temtico-categorial. Segundo esta

    autora, a anlise de contedo definida como um conjunto de tcnicas de anlise das

    comunicaes visando obter, por procedimentos, sistemticos e objetivos de descrio do

    contedo das mensagens, indicadores que permitam inferncia de conhecimentos relativos s

    condies de produo/recepo destas mensagens.

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    Esta anlise comumente utilizada por pesquisadores qualitativos, uma vez que sua

    tcnica permite a busca dos sentidos de um documento. A anlise de contedo delimitada

    por duas fronteiras: a fronteira da lingustica tradicional e a do territrio da interpretao do

    sentido das palavras (hermenutica) (CAMPOS, 2004).

    Bardin (1977, p. 38) enfatiza a importncia da inferncia na tcnica de anlise de

    contedo e coloca que a inteno da anlise de contedo a inferncia de conhecimentos

    relativos s condies de produo (ou, eventualmente, de recepo), inferncia esta que

    recorre a indicadores (quantitativos ou no). Isto significa dizer que a anlise de contedo

    deve produzir inferncias embasadas em contedos tericos, buscando considerar o contexto

    histrico e social da situao.

    Outros conceitos importantes na anlise de contedo so a objetividade - a anlisedeve permitir a verificao e reproduo por outro pesquisador; a sistematicidade - a anlise

    deve considerar tudo o que, no contedo, decorre do problema estudado e analis-lo em

    funo das categorias escolhidas; e o contedo manifesto a anlise deve abordar apenas o

    contedo manifesto, o que foi efetivamente expresso e no o contedo presumido em funo

    do que o pesquisador acredita saber sobre o problema (OLIVEIRA, 2008).

    Bardin (2009) descreve com clareza e objetividade as etapas da anlise de contedo,

    definindo-as do seguinte modo:a) pr-anlise: a fase de organizao. Constitui-se pela escolha dos

    documentos a ser submetidos anlise, a formulao das hipteses e dos

    objetos de da anlise e a elaborao de indicadores que fundamentam a

    interpretao final;

    b) explorao do material: consiste em operaes de codificao,

    decomposio ou enumerao. Os dados so agrupados em unidades de

    anlise;c) tratamento dos resultados, inferncia e interpretao: destaca as

    informaes fornecidas pela anlise por meio de quantificaes simples

    (frequncia) ou mais complexas como a anlise fatorial.

    Com a aplicao da anlise de contedo temtico-categorial foi possvel conhecer os

    sentidos atribudos pelos sujeitos s prticas de sade desenvolvidas na visita domiciliar, uma

    vez que esta anlise permite articular o discurso/fala com os fatores que determinam suas

    caractersticas, tais como as variveis psicossociais, o contexto cultural e o processo de

    produo de mensagem (MINAYO, 2004). A sntese das unidades de registro e temas e o

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    demonstrativo da construo de categorias encontram-se no Apndice B e Apndice C,

    respectivamente.

    2.6Aspectos ticos

    Seguindo as determinaes do Conselho Nacional de Sade (COMISSO

    NACIONAL DE TICA EM PESQUISA, 1996), na Resoluo 196/96, a qual dispe sobre

    os estudos envolvendo seres humanos, os profissionais participantes deste estudo expressaram

    sua concordncia atravs da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido(APNDICE D). Ainda de acordo com essa Resoluo foi assegurado aos participantes o

    respeito sua individualidade e privacidade, o anonimato e o sigilo de dados que pudessem

    revelar sua identidade, assim como, o direito de retirar-se da pesquisa a qualquer momento

    que desejassem.

    Para preservar o anonimato, os participantes enfermeiros foram identificados com a

    letra E(Enfermeiro), seguido de um nmero de identificao de 1 a 8. Os ACSs foram

    identificados com a letra A (ACS), seguido de um nmero de identificao de 1 a 7. Almdisso, a identificao das UBSF selecionadas para o estudo tambm foi preservada.

    A pesquisa foi aprovada atravs do parecer n 324A/09 do Comit de tica em

    Pesquisa da Secretaria Municipal de Sade e Defesa Civil do Rio de Janeiro (ANEXO).

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    3RESULTADOS E DISCUSSO

    Neste captulo so apresentados os resultados decorrentes da anlise de contedo dos

    dados desta pesquisa, coletados atravs de entrevistas semi-estruturadas. importante

    enfatizar que a utilizao do referencial terico-filosfico e metodolgico da hermenutica-

    dialtica ampliou a anlise dos dados, pois permitiu visualizar e compreender os aspectos

    subjetivos das falas.

    Alm disso, aos resultados foram incorporados ao conhecimento terico acumulado

    em torno da temtica e a percepo prtica do objeto decorrente da participao nos projetos

    Prticas de cuidado no SUS: o papel do enfermeiro na Ateno Bsica e Abordageminterdisciplinar das novas relaes e processos de trabalho em sade: o caso dos agentes

    comunitrios de sade.

    Tendo por base o objetivo do estudo conhecer os sentidos atribudos pelos

    enfermeiros e agentes comunitrios de sade da Estratgia Sade da Famlia do municpio do

    Rio de Janeiro/RJ acerca das prticas de sade desenvolvidas na visita domiciliar - foram

    criadas quatro categorias, as quais so apresentadas na seguinte ordem:

    Categoria ACaracterizao dos sujeitosCategoria B - As prticas de sade do enfermeiro e do ACS na ESF

    Categoria C - A visita domiciliar do enfermeiro e do ACS

    Subcategoria C.1 - O trabalho em equipe na visita domiciliar;

    Subcategoria C.2 -Identificando as dificuldades na realizao da visita

    domiciliar;

    Subcategoria C.3 - O planejamento da visita domiciliar;

    Subcategoria C.4- O vnculo entre enfermeiro, ACS e famlia na visitadomiciliar;

    Subcategoria C.5 - A interao profissional do enfermeiro e do ACS na

    visita domiciliar.

    Categoria D - Os sentidos atribudos pelos enfermeiros e ACSs acerca das

    prticas de sade desenvolvidas na visita domiciliar

    Subcategoria D.1 - Visita domiciliarespao de prticas de cuidado do

    enfermeiro e do ACS;

    Subcategoria D.2 - Opinies sobre a visita domiciliar.

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    3.1Caracterizao dos sujeitos

    Esta categoria decorrente da anlise da primeira parte do roteiro de entrevista, no qual

    constavam os dados de identificao dos sujeitos. A amostra de sujeitos dessa pesquisa

    compreendeu 08 enfermeiros e 07 ACS's atuantes nas UBSF selecionadas. Dos ACS's

    entrevistados 06 (seis) eram do sexo feminino e 01 (um) era do sexo masculino. J a amostra

    de enfermeiros foi composta somente pelo sexo feminino. A mdia de idade entre os

    enfermeiros foi d