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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências Musicais, realizada sob a orientação científica do Professor Doutor Paulo Ferreira de Castro.

Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos ...‡ÃO (corpo... · à Marta Soares ± pela amizade e pelas discussões e descobertas entusiasmadas em torno do que foi

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do

grau de Mestre em Ciências Musicais, realizada sob a orientação científica do

Professor Doutor Paulo Ferreira de Castro.

DECLARAÇÕES

Declaro que esta Dissertação é o resultado da minha investigação pessoal e inde-

pendente. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente

mencionadas no texto, nas notas e na bibliografia.

O candidato,

_______________________________

Lisboa, .... de ............... de ...............

Declaro que esta Dissertação se encontra em condições de ser apresentada a

provas públicas.

O orientador,

_______________________________

Lisboa, .... de ............... de ..............

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Sérgio Azevedo – quem primeiro me falou de Ruy Coelho e me incitou a

explorar a sua obra;

a Ilda Camanho Coelho, Maria Raúl Coelho, Maria do Rosário Coelho Leitão, Rui

Ramos Pinto Coelho e restantes descendentes do compositor – que tão generosamente

acompanharam e apoiaram esta investigação;

à Prof. Isabel Costa Lopes; à Isabel Bogalho; a Alda Goes; a Maria Gil; a Idalete Giga;

a Leonor Sibertin-Blanc; à Prof. Adriana Latino; à Prof. Filomena Serra; a Ana Paixão; aos

compositores Eurico Carrapatoso, Pedro Amaral e Gérard Pesson; ao amigo José Almeida – que

em momentos diferentes incentivaram e encorajaram este trabalho;

à Prof. Dra. Danièle Pistone e, muito especialmente, ao Prof. Dr. Paulo Ferreira de

Castro – pela indispensável e enriquecedora orientação;

ao violoncelista Henrique da Luz Fernandes, aos cantores Álvaro Malta e Carlos

Fonseca, à compositora e harpista Clotilde Rosa e à Prof. Raquel Lopes – pelas memórias e pelo

testemunho;

à Marta Soares – pela amizade e pelas discussões e descobertas entusiasmadas em torno

do que foi (e do que é) a geração d‘Orpheu;

à Prof. Gabriela Cruz e à Prof. Maria Graciete – por tantos contributos reveladores,

determinantes e instigadores;

a Alexander Stewart; a António Jorge Marques; a Duarte Gonçalves da Rosa; a Elvira

Ferreira; a Flávio Silva; a Jan Wierzba; a Jerónimo Pizarro; a João Romão; a Luís Miguel

Santos; a Luís Salgueiro; a Manuel Deniz Silva; a Martim Sousa Tavares; a Pedro Junqueira

Maia; a Rui Magno Pinto; aos colegas e demais professores de Paris IV – Sorbonne, do

Consérvatoire Nationale de Musique et Danse de Paris e da Faculdade de Ciências Sociais e

Humanas da Universidade Nova de Lisboa – pelo interesse demonstrado e (ou) pelas sugestões,

dúvidas, contributos;

à Dra. Maria Inês Cordeiro; à Dra. Sílvia Sequeira; à Dra. Maria Clara Assunção; à Sra.

Maria Clementina Gomes – equipa insubstituível da Biblioteca Nacional de Portugal que me

acompanhou, com inexcedível paciência, desde o início da aventura;

a Luitgarde Cavalcanti Oliveira Barros – que numa bela tarde, à Confeitaria Nacional,

viu em mim o cavalo-de-santo de Ruy Coelho;

ao Sunni Homeschandra Jagmohandas – amigo longe, amigo perto;

ao Duartim, ao Philippe, ao Nuno Cardoso e ao José Carlos Araújo – os mais valorosos

correlegionários de tantas nobres causas;

à Tatiana Bina; à minha Mãe.

NÓTULA ACERCA DA ORTOGRAFIA

O autor da presente dissertação escreve segundo a norma ortográfica anterior ao

AO90. Títulos de obras e nomes pessoais foram mantidos segundo a ortografia assinada

pelos seus legítimos autores e detentores; seria paradoxal e pessoalmente confrangedor

ousar a actualização de nomes de outrem aquando da assinatura deste trabalho com Luiz

e Ayres – que, necessariamente, têm de estar assim escritos. No caso de se não conhecer

a forma ortográfica por que o autor assinava o seu nome ou o título da sua obra, optou-

-se pela forma que se encontra disseminada em maior número de fontes. As citações

mantêm-se integralmente fiéis à ortografia original.

NÓTULA ACERCA DAS PARTITURAS CONSULTADAS

Para não perturbar em demasia o ritmo do texto, prescindiu-se de localizar as

partituras no corpo da dissertação: a maioria delas acha-se na Biblioteca Nacional de

Portugal, Espólio de Ruy Coelho, e nenhuma tem cota atribuída. Como complemento a

esta dissertação realizou-se um inventário destas partituras, que junto se anexa, e que, se

necessário, servirá para identificar os documentos. Excepcionalmente, referem-se ao

longo do texto (e nas referências finais) as partituras que se não acham neste fundo

documental.

ABREVIATURAS

ACN – MEC | Arquivo do Conservatório Nacional – Ministério da Educação e Ciência

and. | andamento

ARPD | Arquivo Regional de Ponta Delgada

arq. | arquivo

aum(s). | aumentada(s)

aut. | autógrafo

BNP | Biblioteca Nacional de Portugal

c(c). | compasso(s)

cx. | caixa

dim. | diminuta

docs. | documentos

EFP | Espólio de Fernando Pessoa

EHFFL | Espólio dos herdeiros de Francisco Fernandes Lopes

EHRC | Espólio dos herdeiros de Ruy Coelho

ERC | Espólio de Ruy Coelho

ETB | Espólio de Theophilo Braga

EVM | Espólio de Vianna da Motta

mç(s). | maço(s)

ms. | manuscrito

p. ex. | por exemplo

s. c. | sem cota

RESUMO

Ruy Coelho (1889-1986): o compositor da geração d’Orpheu

Edward Valeriano de Luiz Gonçalves

AYRES DE ABREU

PALAVRAS-CHAVE: modernismo, futurismo, saudosismo, neo-romantismo,

pantonalidade, bailado moderno

Ruy Coelho (1889-1986) é um dos compositores mais obscuros da História da Música

do século XX. Aproveitando a doação do seu espólio à Biblioteca Nacional de Portugal,

e partindo da sua inventariação, o presente trabalho propõe-se desvelar os primeiros

cerca de dez anos de carreira (até 1918), donde necessariamente a sua relação com os

demais artistas da geração d‘Orpheu e o chamado ―primeiro modernismo‖ português.

Traça-se assim o seu percurso biográfico e destacam-se alguns dos aspectos mais

notáveis das suas propostas musicais, numa primeira aproximação à vida e obra que se

propõe relocalizá-lo como personalidade de ímpar relevância no tão por vezes

contraditório contexto modernista da sua geração.

ABSTRACT

Ruy Coelho (1889-1986): the composer of Orpheu’s generation

Edward Valeriano de Luiz Gonçalves

AYRES DE ABREU

KEYWORDS: modernism, futurism, saudosismo, neo-romanticism, pantonality,

modern ballet

Ruy Coelho (1889-1986) is one of the most obscure composers in the history of

20th

-century music. Thanks to the donation of his estate to the National Library of

Portugal, and to its subsequent inventory, the present work aims to shed light on the first

ten or so years of his career (up until 1918), and so necessarily on his relation to the

other artists from the "Geração d'Orpheu" and to the Portuguese so named ―first

modernism‖. His biographical path is to be hence traced with particular emphasis on

some of the most notable aspects of his musical propositions, by means of an overview

to his life and works that aims to cement him as a personality of unmatched importance

in the often contradictory modernist context of his generation.

Índice

Introdução ................................................................................................................... 1

I | Dos primeiros passos aos primeiros concertos [1889-1909] ................................. 4

II | Os estudos no estrangeiro: anos de revelação [1909-1913]

II.1 | Os primeiros contactos ...................................................................................... 9

II.2 | A primeira Sonata e um fugaz regresso a Lisboa ............................................ 13

II.3 | A princeza dos sapatos de ferro ....................................................................... 17

II.4 | Theophilo Braga, Mahler, Schoenberg e a Symphonia Camoneana ............... 24

II.5 | 6 Kacides Mauresques e outras obras para canto e piano ............................... 44

II.6 | Uma estreia insólita, uma ópera ruinosa: Paris como derradeira esperança e uma

Symphonia Militar ........................................................................................................... 48

III | Uma nova Lisboa, modernismos panfletários [1913-1918] ............................. 56

III.1 Música de câmara: um Trio e a segunda Sonata ... ............................................ 65

III.2 | A ―invenção‖ do Lied português ... .................................................................. 73

III.3 | A II Symphonia Camoneana ............................................................................ 80

III.4 | Dos bailados infantis à noite gloriosa no São Carlos ...................................... 84

IV | Até ao ocaso da Contemporânea: um olhar de relance sobre a dissolução da geração

d‘Orpheu [1918-1926] .............................................................................................. 90

V | Breve excurso sobre Ruy Coelho e causas políticas ........................................... 98

Conclusões ............................................................................................................. 100

Referências .............................................................................................................. 111

Índice de figuras .................................................................................................... 120

Índice de anexos .................................................................................................... 121

« [...] Um caso notável seria injusto esquecer: a petulância valorosa de Ruy Coelho, músico

de temperamento revolucionário e educado nos princípios mais avançados da sua arte,

chegado de Berlim e de Paris, com a pasta cheia de partituras nervosas e com um enorme

sonho de vitória. A Camoneana, atacada nas virtudes mais nobres que possuía, fôra o hino

guerreiro e encorajante da linda aventura da geração a que pertencia o compositor. [...] »

Diogo de Macedo1

« [...] Quando estudante na Escola das Belas Artes em Lisboa, o professor mandou-o, um dia,

pintar um quadro subordinado ao tema Orfeu no Inferno. [...] Pouco tempo depois, o

professor passou junto do aluno [...] e reparou que Santa-Rita empregava tintas

cor-de-rosa. Voltando-se, surpreendido, disse-lhe que um inferno assim cor-de-rosa era

impossível. Santa-Rita fitou o professor [e] perguntou-lhe: de que cor é o Inferno? [...] »

Ruy Coelho2

« […] houve até quem procurasse nas manifestações objectivas da arte encontrar as leis da sua evolução

[…] [;] ensinar a fórmula para fazer uma obra bela como se ensina uma receita de bacalhau à Gomes

de Sá[.] […] Ora o papel da crítica não é […] o de mestre de cozinha, porque as obras de arte, como os

bons pratos, não se fazem por receitas. […] A crítica é essencialmente contemplação, narração[.] […] »

Tomás Borba3

« [...] – Como é que explica essa indiferença aos seus trabalhos?

– Eis o mistério. Esse é o maior mistério de todos os mistérios. Eu compreendo como é que a

natureza fez frutos de todas as qualidades, com sabor diferente... Compreendo!... A gente

come uma maçã e é uma maçã. Uvas são uvas. Morangos são morangos. Melão é melão.

Melancia é melancia. Esse mistério eu compreendo, o mistério da natureza.

Agora o mistério por que não se toca a minha música... esse mistério...

Aí é que é o x do problema... Não percebo. [...] »

Ruy Coelho4

1 Diogo de Macedo, ―Subsídios para a História da Arte Moderna em Portugal II‖, Aventura 2 (08/1942): 88.

2 Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Santa-Rita, pintor‖, Diário de Notícias 40708 (30/06/1980): 13.

Refere-se talvez ao quadro reproduzido em Santa-Rita Pintor, Orfeu nos Infernos [reprodução], in

Portugal Futurista [3.ª ed. facsimilada] (Lisboa: Contexto Editora, 1984), 7.

3 Tomás Borba, ―A produção artística e a crítica‖, cit. por Duarte Gonçalves da Rosa em Tomás Borba na

História da Música Portuguesa do século XX – Modernidade e Tolerância (S. l.: Instituto Açoriano de

Cultura – MPMP, Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa, 2014), 166–168.

4 Ruy Coelho em entrevista, aos 96 anos. Transcrição livre a partir de registo radiofónico. RTP – Arquivo

Histórico da Rádio (25/02/1986).

Introdução

Quando, em História da Música Portuguesa, João de Freitas Branco se refere a Ruy

Coelho, alude a um ―portuguesismo de outra época‖ e a uma tentativa de superação de

influências estrangeiras « [...] de forma a produzir música iniludivelmente portuguesa e de

sua marca [...] ». Como não pudesse atribuir as mesmas ambições aos seus contemporâneos,

nada se esclarece – até porque o apontamento termina com inconsequente (e porventura

irónica) verdade de La Palisse: « [...] Por certo conseguiu, a seu modo, definir uma

individualidade, porquanto a sua música não pode confundir-se com qualquer outra [...] »5.

Não obstante, anos mais tarde, ainda a propósito de Ruy Coelho, admite que « [...] quanto

mais controverso é um artista português, mais precisamos de lhe conhecer as obras. É

preciso não nos contentarmos com saber o que dizem dele [...] »6.

Avançando no tempo até à História da Música de Vieira Nery e Ferreira de Castro,

encontramos em ―Fim-de-século e Modernismo‖ uma breve referência não a propósito de

modernismo, mas de como foi ao género lírico que dedicou boa parte da sua produção.

Noutro capítulo, muito de passagem, é anotada a sua colaboração com os Verde Gaio e são

lembradas a ópera D. João IV e a oratória Fátima – atribuindo-se-lhe, neste contexto, o

estatuto de ―compositor semi-oficial‖ do Estado Novo7. Sobre a relação entre Ruy Coelho e

o Teatro Nacional de São Carlos encontrar-se-ão ainda algumas referências pela pena de

Mário Vieira de Carvalho8.

Anos depois, Alexandre Delgado publica um livro dedicado à sinfonia em Portugal.

Excluem-se as de Ruy Coelho, « [...] compositor que desperdiçou o seu talento em obras

heteróclitas e deficientes, artisticamente instáveis [...] »9. Heteróclito, porém, à luz de que

gramática? Deficiente ou instável à luz de que doutrina? E que obras exactamente? Na

senda do insondável, Manuel Pedro Ferreira referir-se-á, mais tarde, a um compositor cuja

5

João de Freitas Branco, História da Música Portuguesa (Lisboa: Publicações Europa-América, 1995),

196-197.

6 João de Freitas Branco, O gosto pela música [guião de programa radiofónico] (RTP, 17/07/1984).

7 Vírgulas-altas no original. Cf. Paulo Ferreira de Castro e Rui Vieira Nery, História da Música (Lisboa:

Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1991), 155 e 169.

8 Cf. Mário Vieira de Carvalho, Pensar é Morrer – ou O Teatro de São Carlos na mudança de sistemas

sociocomunicativos desde fins do séc. XVIII aos nossos dias (Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da

Moeda, 1993).

9 Alexandre Delgado, A Sinfonia em Portugal (Lisboa: Editorial Caminho, 2010), 10.

2

personalidade não permitiu « [...] superar a inexperiência, a incoerência e as insuficiências

construtivas patentes nas suas primeiras obras [...] », e a uma « [...] linguagem sonora [...]

largamente alheia às novas tendências artísticas [...] »10

. A que obras, específica e

concretamente, dizem respeito estas asserções?

Mais recentemente, a tese11

de Manuel Deniz Silva em torno de música e política

nos primeiros anos do Estado Novo confere a Ruy Coelho um pouco mais do que a

volatilidade habitual – apesar de o esforço de lembrança e aproximação à sua vida e obra se

manter impreciso ou mesmo equivocado, como se anotará ao longo deste trabalho.

No que diz respeito a notícias biográficas, será preciso esperar até à segunda década

do século XXI para que venha a lume um contributo um pouco mais detalhado12

. Ainda

assim, revela-se profícuo na perpetuação de erros há muito repetidos e nunca verificados

– desde o seu ano de nascimento (que tem variado, na mais diversa bibliografia, entre 1891,

1892 e 1896...13

) até aos títulos e datações das obras do seu catálogo – e em omissões de

factos notáveis, contra o aprofundamento de aspectos talvez prescindíveis num texto de

semelhante dimensão: será razoável, por mero exemplo, propor a aproximação de Ruy

Coelho aos ―camisas azuis‖ de Rolão Preto (proposição quiçá certeira mas indocumentada,

posto que a fonte a que o autor alude14

, qual prosa semi-romanceada, também nada

esclarece de facto), ao passo que se omite a estreia de uma sua partitura no Théâtre des

Champs-Elysées, em Paris, com a colaboração literária de Charles Oulmont? É também

discutível que se refira a viagem do compositor à « Alemanha nazi » (em 1939, onde dirige

a Orquestra da Emissora de Berlim, a Reichs-Rundfunk) enquanto se omite que também

dirigiu várias das mais importantes orquestras de Madrid e Paris e teve obras tocadas pela

Orquestra Sinfónica de Londres ou pela Orquestra da Rádio de Turim, entre outras...

Em suma, Ruy Coelho praticamente não existe nas narrativas musicográficas e

musicológicas; o vazio é especialmente gritante no que concerne ao período coincidente

10

Manuel Pedro Ferreira (coord.), Dez compositores portugueses. Percursos da escrita musical no século XX

(Lisboa: Dom Quixote, 2007), 28.

11 Manuel Deniz Silva, ―« La musique a besoin d‘une dictature » : musique et politique dans les premières

années de l‘Etat nouveau portugais (1926-1945)‖ (Tese de Doutoramento, Université de Paris 8, 2005).

12 Manuel Deniz Silva, ―COELHO, Rui‖, in Enciclopédia da Música em Portugal no século XX [vol. A-C],

dir. Salwa Castelo-Branco (Lisboa: Círculo de Leitores / Temas e Debates, 2010), 301-305.

13 Cf. p. ex. Claudio Sartori (ed.), Enciclopedia della Musica [vol. I] (Milão: Ricordi, 1963), 502; Nancy Lee

Harper, Portuguese Piano Music (Plymouth: The Scarecrow Press, Inc., 2013), 69; e Norbert Dufourcq

(dir.), Larousse de la Musique – Dictionnaire Encyclopédique en 2 volumes [vol. I] (Paris: Librairie Larousse,

1957), 210.

14 João Medina, Salazar, Hitler e Franco (Lisboa: Livros Horizonte, 2000).

3

com a I República, anos em cuja historiografia destaca-se apenas Luiz de Freitas Branco, a

quem quase unanimemente se atribuíram os louros exclusivos da dita ―introdução do

modernismo em Portugal‖ – como mitificado por Fernando Lopes-Graça15

e desde então

acriticamente repetido, salvo uma notável excepção16

, até aos dias de hoje. Alguns autores

chegam mesmo a comparar a errância estilística de Freitas Branco ao génio heteronímico

pessoano17

; o caso revela-se especialmente irónico se tivermos em conta que Freitas Branco

– ao contrário de Ruy Coelho – não logrou contactar nem mostrou simpatia pelos artistas

próximos de Orpheu.

A que se deve este absoluto emudecimento? Os factores serão vários e certamente

merecedores de estudo para outros investigadores. Por agora, contra tal inexistência de

dados e informações, considerou-se imperioso dar um primeiro contributo para retraçar os

percursos biográfico e artístico do compositor a partir do maior número possível de fontes

primárias. Escolheu-se 1918 (inclusive) como limite simbólico do âmbito desta dissertação

por representar aproximadamente uma década de carreira, pela célebre e historicamente

notável estreia de dois bailados em S. Carlos e por ser um ano especialmente marcante

(sobretudo pelas mortes de Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso) no que se tem

vindo a designar como ―primeiro modernismo português‖; para uma melhor contextua-

lização da relação do compositor com o meio artístico de então, acrescenta-se ainda uma

brevíssima panorâmica sobre os anos 1918-1926 – os da revista Contemporânea que, em

parte, representa o ―canto do cisne‖ da geração d‘Orpheu.

Beneficia a presente investigação da recente doação do espólio do compositor à

Biblioteca Nacional de Portugal, cujo inventário preliminar das partituras foi comple-

mentarmente realizado e junto se anexa. Também se incluem uma cronologia de obras,

a transcrição de textos autógrafos inéditos, a transcrição de toda a correspondência

encontrada entre 1905 e 1918 – de, para e sobre Ruy Coelho – que se encontrava até agora

também inédita, um conjunto de imagens (dentre as quais algumas fotografias) e uma lista

de registos fonográficos consultáveis na RTP.

15

Cf. [Fernando Lopes-Graça], ―Freitas Branco. 1. Luís de‖, Dicionário de Música (Ilustrado) [reimpressão],

dir. Fernando Lopes-Graça e Tomás Borba (Lisboa: Edições Cosmos, 1962), 544.

16 A ideia é questionada e relativizada em Deniz Silva, ―« La musique a besoin d‘une dictature »‖, 97-106.

17 Cf. Alexandre Delgado, Ana Telles e Nuno Bettencourt Mendes, Luís de Freitas Branco (Lisboa: Caminho,

2007), 15-17.

4

Na impossibilidade de uma análise demorada das obras musicais elencadas, o texto

é pontuado por pequenos excertos de partituras e remete para exemplos sonoros que

pretendem tão-só explicitar alguns dos aspectos mais notáveis aqui descritos. Anexam-se

ainda as edições completas das fundamentais duas sonatas para piano e violino, de

6 Kacides Mauresques, Dans la jetée d’Alexandrie e Chanson, e alguns outros excertos de

partituras que, pela sua especial relevância e comportável dimensão face ao âmbito desta

dissertação, importa publicar, mas que de outra forma não caberiam no corpo principal da

dissertação.

I | Dos primeiros passos aos primeiros concertos [1889-1909]

Ruy Coelho nasce em Alcácer do Sal a 3 de Março de 1889, no seio de uma

família de escassos recursos económicos18

. Chega a trabalhar numa mercearia, na

apanha da azeitona – onde primeiro ouviu « diversas cantigas do povo [...], que nascem

não se sabe como [...] »19

–, e como ajudante de seu pai, barqueiro. Inicia os seus

estudos musicais por volta dos dez anos, vindo a integrar uma filarmónica local, onde

toca flautim e bombo20

.

18

Cf. cópia de registo de baptismo, ACN – MEC, mç. 561, cx. 469. O seu pai, Manoel Coelho, era

―trabalhador‖, e a sua mãe, Adelaide Augusta Costa, ―empregada em serviços domesticos‖. Apesar disso,

curiosamente, Adelaide Augusta Costa descende da família Guerreiro Barradas, brasonada e « [...] das mais

ilustres de Grândola [...] ». O avô materno de Ruy Coelho, João Alexandre Guerreiro Barradas, egresso na

Ordem de Santiago de Palmela, foi secretário e escrivão « [...] com o ordenado de 38 mil e quatrocentos réis

anuais [...] »; antes de falecer, em 1875, declara seus herdeiros universais quatro filhos, sem qualquer menção a

outros três – um dos quais a mãe de Ruy Coelho – « [...] certamente por [...] não terem [...] vivido em sua

companhia [...] ». Ruy Coelho teve outros quatro irmãos: Sílvia (1886-?), Gustavo (1887-?, que também foi

músico e frequentou o Conservatório), Trajano (1897-?) e Manuela (1903-?). Cf. Manuel de Almeida, Selo,

brasão, bandeira e pedras de armas da Vila de Grândola: breve estudo heráldico-genealógico (Lisboa:

[Oficinas Gráficas de Ramos, Afonso & Moita], 1957), 107-123.

19 Ruy Coelho, ―Histórias da Música – A música e a vida‖, Diário de Notícias 40859 (08/12/1980): 13.

Estabelece também uma curiosa oposição entre esta música que, naturalmente, vem ter com o povo pobre, e

as pessoas de maiores recursos que iam para a música levadas pelas famílias, pelos professores, pelos

conservatórios.

20 Crê-se que a filarmónica é a hoje denominada Sociedade Filarmónica Progresso Matos Galamba. Cf. Ruy

Coelho, ―Histórias da Música – Marcelino[,] mestre da filarmónica‖, Diário de Notícias 41276 (15/02/1982):

9; idem, ―Histórias da Música – Como ouvi em S. Carlos a primeira ópera‖ [recorte preservado no EHRC,

identificado como sendo do Diário de Notícias (03/09/1979)]; idem, ―Histórias da Música – Instrumentação ao

vivo‖, Diário de Notícias 40459 (27/09/1979): 11; idem, ―Histórias da Música – O Tuba, latoeiro‖, ibidem

40873 (22/12/1980): 11; idem, ―Histórias da Música – O caixa, carteiro‖, ibidem (10/01/1981). Noutra fonte:

« [...] por volta dos meus dez anos, passando numa rua, ouvi um rapaz que, em ar de pregão, perguntava:

―Quem quer estudar música?‖. Aproximei-me e disse-lhe: ―Quero eu‖. Então respondeu o rapaz: ―vá á

filarmónica que lá ensinam‖ [...] » — cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Musica – Aprendizes de filarmónica‖,

5

Por volta dos quinze anos, com « [...] [grande] atraso em relação a esses

estudantes de musica de famílias abastadas [...] »21

, algumas pessoas22

terão resolvido

ajudá-lo – durante tempo indeterminado? – a estudar em Lisboa. Começa a trabalhar

como músico num teatro, ―para ganhar a vida‖, e num café-restaurante ao Cais do Sodré23

,

vivendo na Rua da Infância, à Graça, actual Rua da Voz do Operário24

. Não tendo dinheiro

para assistir a espectáculos pagos, aproveita a vida musical lisboeta confome as suas

possibilidades e o seu espírito temerário: um dia, aproveitando a distracção do porteiro do

São Carlos, entra pela porta dos artistas até chegar ao urdimento, « [...] por entre cordas [e]

pranchas [...] donde via, lá do alto, o maestro Mancinelli dirigir a [Aida] [...] »25

.

Pelo menos aos dezasseis anos estudava já no Conservatório Real de Lisboa, onde

conclui o curso de Harmonia – em que estudou com Júlio Neuparth e Tomás Borba – e

frequenta Contraponto com Frederico Guimarães – que, se recebesse um trabalho ―com

mais ousadia‖, em que o proponente declarasse por escrito não ser para a aula mas ―lá para

fora‖, deixava passar o aluno26

–, Flauta com Júlio (ou António?) Taborda e Piano com

Marcos Garin27

. À margem dos estudos no Conservatório, cedo contacta com Alexandre

Diário de Notícias 40584 (18/02/1980): 9. A idade de dez anos como época em que já tocava na filarmónica é

também apontada em Ruy Coelho, ―Histórias da Musica – Músicos proletarios‖, Diário de Notícias 40631

(07/04/1980): 9, e em idem, ―Histórias da Musica – Músicos de carnaval‖ [recorte preservado no EHRC,

identificado como sendo do Diário de Notícias (18/04/1980)].

21 Cf. ―Ruy Coelho‖, Echo Musical 16 (27/04/1911): 1; e Ruy Coelho, ―Histórias da Música – A música e a

vida‖, Diário de Notícias 40975 (06/04/1981): 11.

22 Estes protectores são talvez os referidos numa dedicatória de uma das suas primeiras peças, Uma

Composição para banda (23/07/1908): « Aos seus bons amigos e nobres protectores os Dig.os

P.es Francisco de

Mattos Galamba e Jose Lopes Manso[,] como prova de gratidão[,] offerece o auctor ».

23 « [...] Nos meus primeiros tempos de trabalho, por altura dos meus 15 anos, toquei como pianista num

pequeno grupo num café-restaurante que havia no Cais Sodré, em que o primeiro-violino era Grinoaldo Ajuda,

o segundo era Silva (pai de Alvaro Silva que, mais tarde, foi o primeiro-contrabaixo da Orquestra da Emissora

[...]) e o violoncelo um indivíduo chamado Galo. Toda a espécie de musica que esse grupo tocava nas três

horas de serviço em cada noite tinha dificuldades para todos, principalmente por falta de ensaios, já que quase

tudo se tocava á primeira vista [...] » — Ruy Coelho, ―Histórias da Musica – Músicos trabalhadores‖, Diário de

Notícias 40954 (16/03/1981): 11. Cf. também Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Como estudei piano‖,

Diário de Notícias 41262 (01/02/1982): 9.

24 Cf. ficha de abertura de matrícula no 3.º ano do curso geral de Piano do Conservatório Real de Lisboa

(09/1906), ACN – MEC, mç. A607.

25 Coelho, ―Como ouvi em S. Carlos a primeira ópera‖. A história pode ter ocorrido em 1905, a 18, 19 ou

29/12; ou em 1906, a 9 ou 14/01, 5, 11 ou 24/02 ou 1/03. Cf. Mário Moreau, O Teatro de S. Carlos –

Dois séculos de História [vol. II] (Lisboa: Hugin Editores, 1999), 1083-1086.

26 Ruy Coelho, ―Histórias da Musica – O meu primeiro concerto‖, Diário de Notícias (28/01/1980). Episódio

também lembrado, com implacável ironia, em Ruy Coelho, Carta a um compositor célebre – Factos para a

historia da Arte em Portugal (Lisboa: Livraria Brazileira de Monteiro & C.ª, 1915), 54-55.

27 Em memórias tardias, Ruy Coelho diz ter também estudado Harmonia com o ―austero‖ António

Eduardo da Costa Ferreira (cf. Coelho, ―O meu primeiro concerto‖). Em ―Ruy Coelho‖, Echo Musical,

acha-se referência a Antonio Taborda, mas seria Julio segundo os documentos que se encontraram no ACN –

6

Rey Colaço, de quem se torna aluno de piano em aulas particulares – e gratuitas – e com

quem estabelecerá uma grande amizade28

; em Janeiro de 1908 apresentava-se já como

pianista em concerto organizado por este professor, merecendo menção elogiosa n‘A Arte

Musical29

.

O primeiro registo encontrado relativo à apresentação pública de composições de

sua autoria é uma referência à « [...] festa que o Conservatorio realisou na noite de 25 [de

Outubro de 1907], para distribuição de premios e subsidios e apresentação d‘alumnos [...] »,

em que, das « [...] aulas de harmonia e composição, respectivamente regidas pelos

professores Neuparth e Guimarães, tivemos ocasião de apreciar dois trabalhos orches-

MEC, os quais mais nos informam que em 1905-1906 presta provas em Harmonia na classe de Tomás Borba,

que lhe atribui média de 8 valores (em 10) em Dezembro, e de 10 (em 10) em Janeiro (mç. A915); em 1906-

-1907 matricula-se nos 3.º e 4.º anos de Flauta (mçs. A606 e A608) e no 2.º do Curso Geral de Piano (―Pede

Colaço com interesse para Garin‖) (mç. A700), achando-se também para o mesmo ano folha de matrícula no

3.º ano na classe de Marcos Garin (mç. A607), nesta frequentando 5 aulas avaliadas com 10 valores (em

10), 6 aulas com 9 e 3 aulas com 8, terminando o ano com 16 faltas (7 delas apenas em Abril) (mç.

A769). Frequenta ainda o 3.º ano de Harmonia com Julio Neuparth, tendo 2 aulas avaliadas com 10,

7 com 9, 13 com 8 e 22 com ―C‖, terminando o ano com 23 faltas (8 delas em Abril) (mçs. A608 e A770),

concluindo o curso com a máxima classificação – segundo o ―Noticiario‖ d‘A Arte Musical 207

(31/07/1907): 179 – e sendo distinguido com o ―2.º accessit‖ nos ―ultimos concursos [...] para premio

[...]‖: cf. ―Noticiario‖, A Arte Musical 213 (31/10/1907): 238. Em 1907-1908 no 4.º ano do Curso Geral

de Piano, na classe de Marcos Garin, frequenta 4 aulas com 10, 2 com 9, 5 com 8 e 3 com 7, terminando o

ano com 17 faltas (Fevereiro e Março sendo os piores meses, com um total de 9) (mçs. A609 e A771); e

no 1.º ano de Contraponto com Frederico Guimarães, sendo colega de Pavia de Magalhães, frequentando

apenas em Maio e Junho, obtendo 1 aula com 8 valores e 8 com 7 e faltando a 9 (mçs. A771 e A772).

Estuda também Flauta com Julio Taborda, comparecendo em 25 lições (contra 42 faltas), e obtendo uma

média de 8 valores (mç. A772). Em 1908-1909 frequenta o 5.º ano de Piano com Marcos Garin, obtendo

3 aulas com 8 valores, 5 com 7, 1 com 6 e 1 com 5, e chumbando o ano por 45 faltas (começa a faltar

cada vez mais, de forma gradual, não comparecendo de todo em Abril, em Maio aparecendo uma única

vez – para a aula classificada com 5 valores – e em Junho também não comparecendo). Frequenta o 2.º

ano de Contraponto com Frederico Guimarães, obtendo boas classificações (entre 7 e 8 valores) mas

começando a faltar a partir de Fevereiro e sendo por isso reprovado. Em Italiano, na classe de Emilio

Vecchi, está presente apenas na primeira aula (curiosamente, os outros alunos de italiano não são muito

mais assíduos...): cf. mç. A774.

28 O primeiro indício de contacto remonta a Junho de 1905 (cf. Anexo 3, p. 1). A gratuitidade das aulas é

lembrada em carta a Theophilo Braga, de Berlim, a 29/11/1912 (cf. Anexo 3, pp. 24-25). Ruy Coelho dedicar-

-lhe-á uma obra (um Trio, de que adiante se falará) e chegará até a dar o nome Alexandre ao seu primeiro filho,

nascido em 1923 (depois de Ilda, em 1922, e antes de Cecília, em 1925, e Raul, em 1927). « Não quero deixar

desapercibido [sic] o facto de têr sido V.c a unica pessôa que se tem lembrado de mim na ocasião presente...

Sublinho este nobre gesto, agradeço-o sensibilizado, e, ficará archivado nas minhas memorias. Bem haja! »,

escreveria Rey Colaço para Ruy Coelho em 1927, pouco mais de um ano antes de morrer (BNP, ERC, s. c.).

29 « [...] Já se effectuaram [no Mont'Estoril] duas das ―Audições populares organisadas por Alexandre

Rey Colaço para vulgarisação musical e a favôr d'uma colonia de verão‖. [...] Em materia de piano,

perdemos, por falta de ponctualidade, uma sonata de Beethoven tocada pelo alumno Ruy Coelho ; e

dizem-nos que perdemos muito, porque este talentoso moço é d'aquelles que hão de ir longe, se continuar

a trabalhar com afinco. [...] » — cf. ―Noticiario‖, A Arte Musical 218 (15/01/1908): 14, e idem 219

(31/01/1908): 25-26.

7

traes, cheios de promessas – uma Abertura de Ruy Coelho e uma Meditação de Wen-

ceslau Pinto [...] »30

.

A segunda referência encontra-se numa crítica a um concerto ocorrido em 1 de

Abril de 1908: « [...] [de] Ruy Coelho, um novo que aqui temos elogiado por vezes, ainda

pudemos applaudir algumas peças d'orchestra, que elle proprio dirigiu, e das quaes

destacaremos a Tarde de Feira, como sendo a que mais nos impressionou pelo colorido,

vivacidade e bom aproveitamento dos diversos naipes orchestraes. [...] »31

. Há também

referência a obras suas, não identificadas, num concerto a 24 de Outubro do mesmo ano32

.

Em 1909, Ruy Coelho, ao piano, acompanha António Arroyo como orador em

palestras precedendo as récitas d'O Anel de Richard Wagner33

. Segundo as memórias

tardias do compositor, convivia nesta altura com dois melómanos que lhe sugeriram ―a

composição de uma obra para orquestra‖: Francisco Fernandes Lopes – ―com

influências dos críticos franceses que então defendiam o impressionismo‖ – e Amílcar

Ramada Curto – ―agarrado ao wagnerismo das óperas que ele conhecia‖ –; dá então o

primeiro concerto integralmente composto por obras de sua autoria a 18 de Abril, no

Salão Nobre do Conservatório Nacional, confiando a direcção a Luiz Filgueiras34

.

O concerto foi recebido com cordial condescendência pela crítica d‘A Arte Musical35

,

30

A Arte Musical 213 (31/10/1907): 239. Note-se que Ruy Coelho é descrito como ―um flautista

distincto‖, manifestando, tal como Wenceslau Pinto, ―uma decidida vocação para a composição‖ a

merecer incitamento.

31 Cf. ―Concertos‖, A Arte Musical 224 (15/04/1908): 76.

32 Realizou-se no Conservatório uma sessão solene para distribuição de prémios aos alunos, em que se

apresentaram « [...] alguns alunos que mostraram notavel aproveitamento e apreciaveis dotes artisticos.

[...] A parte musical foi confiada aos alumnos Ruy Coelho, Eduardo Magalhães, Sarah Amancio, Helena

Osorio, Felicidade da Costa e Manoel Silva, das classes regidas pelos professores Alexandre Bettencourt,

Julio Cardona, Francisco Bahia, Augusto Machado e Cunha e Silva. [¶] Como compositores apresen-

taram-se os alumnos Laura Luz, Ruy Coelho e Eduardo Magalhães, da classe do professor Frederico

Guimarães. [...] » — cf. ―Concertos‖, A Arte Musical 237 (31/10/1908): 197.

33 Cf. Vieira de Carvalho, Pensar é Morrer, 146.

34 Cf. Coelho, ―O meu primeiro concerto‖. Cf. também Concerto promovido por Ruy Coelho [programa de

sala] ([1909]) [BNP, ERC, s. c.].

35 « [...] Outro novo, que tem o condão de nos interessar sempre que se produz, é o sr. Ruy Coelho,

alumno de composição do nosso Conservatorio. [¶] Quem não conhece o ardôr juvenil do sympathico

artista, o seu enthusiasmo pela arte de compôr, sua facilidade de escripta e o arrôjo, um tudo nada

indisciplinado, que caracterisa o novel compositôr – qualidades todas essas, ou defeitos, se quizerem, que

são inherentes ao verdôr dos annos – havia de dizer que tinha algo de pretencioso o programma [...] [;] a

fórma [dessas obras] é ainda hesitante e até a instrumentação pecca muitas vezes por pobre ou por mal

adequada ás situações musicaes que o compositôr quiz pôr em relêvo. Mas, a par d'essas deficiencias, que

a juventude explica e d'algum modo desculpa, ha no novel compositôr certas qualidades que devidamente

limadas pelo estudo e pela analyse e audição das grandes obras musicaes de todos os tempos e escolas,

poderão influir vivamente no futuro do esperançoso artista e assegurar-lhe um logar interessante entre os

8

do programa de sala constando, para orquestra, uma Abertura em réM, uma Sinfonia

(Allegro – Andante – Scherzo – Final) e a suíte Malmequeres; para violino, violoncelo e

piano, dois Momentos musicaes; e ainda uma Sonata para piano e violino – que voltaria

a ser apresentada cerca de três meses depois, no salão da Illustração Portugueza36

.

A suíte foi dedicada a Alexandre Rey Colaço e, aquando do concerto, estava já

editada na sua versão para piano. Tal como a capa – um dos primeiros trabalhos de Stuart

Carvalhais –, também a música é singela e própria de uma estética de salão romântico, a

que acresce o carácter pitorescamente programático da sequência de andamentos (cf. Anexo

4.1). Do destino das restantes peças apresentadas não nos é possível senão especular:

podem ter sido destruídas ou reaproveitadas, como a propósito se conjecturará, noutro

capítulo, em torno da Sonata.

Em Julho voltou a apresentar-se música (até agora não identificada) de Ruy Coelho,

bem como de Frederico Guimarães, Júlio Neuparth, José Henriques dos Santos e Alfredo

Keil, em concerto da ―Associação de classe dos musicos portuguezes‖, com ―obras

symphonicas e vocaes‖, também sob a direcção de Luiz Filgueiras37

.

Apesar de ser um aluno de excelentes classificações, os registos de presença atestam

uma assiduidade irregular, sobretudo neste último ano lectivo (o de 1908-1909), em que

reprova por faltas no 5.º ano do Curso Geral de Piano e no 2.º de Contraponto38

. É pois um

ano em que parece indiciar-se o seu crescente descrédito face ao ensino ministrado

oficialmente, ao passo que procura dinamizar a sua agenda musical39

. Pouco mais se sabe

deste período; é ainda assim curioso notar que nas suas memórias tardias os estudos no

Conservatório, como, de uma forma geral, os que prossegue depois no estrangeiro, são

nossos profissionaes da musica. [...] A Ruy Coelho não faltam predicados naturaes : o que falta de certo é

esse complemento d'educação artistica, que os seus mestres serão os primeiros a reputar indispensavel.

Quando tiver concluido o seu curso de composição, tudo nos leva a crêr que poderemos applaudi-lo sem

reserva [...] » — ―Concertos‖, A Arte Musical 249 (30/04/1909): 130.

36 A 07/07/1909, sendo violinista Eduardo Magalhães, o mesmo que interpretou a sonata no Conser-

vatório. A crítica registou: « [...] Não podemos comtudo passar em silencio a apresentação de uma sonata

portugueza, assignada por um rapaz de summo talento, pianista, flautista e compositor [...]. Ruy Coelho

[é] uma bella promessa d‘artista, cuja sonata, apesar da frequencia de formulas banaes e do discutivel

interesse concertante que se pode notar em qualquer dos seus tres andamentos, tem qualidades

apreciaveis, que são muito para aproveitar e para estimular [...] » — ―Concertos‖, A Arte Musical 254

(15/07/1909): 194.

37 ―Noticiario‖, A Arte Musical 254 (15/07/1909): 196.

38 Ver nota de rodapé n.º 27, pp.5-6.

39 Veja-se a notícia de um projecto de « [...] tournée de concertos pela provincia [d]os distinctos artistas

Mauricio Bensaude, Paiva [sic] de Magalhães, Manuel Silva e Ruy Coelho [...] », cuja concretização não

se pôde confirmar. Cf. ―Noticiario‖, A Arte Musical 253 (30/06/1909): 187.

9

reiteradamente secundarizados face às lições que a ―natureza‖ lhe proporcionou durante a

infância e juventude e até durante os estudos berlinenses40

– confissão que, por não parecer

extraordinariamente pertinente face às partituras do período aqui estudado – contra o

exemplo mais evidente de outras posteriores41

–, não será criticamente discutida.

II | Os estudos no estrangeiro: anos de revelação [1909-1913]

II.1 | Os primeiros contactos

Será o dedicatário do concerto de 18 de Abril no Salão Nobre do Conservatório, um

empresário e violinista amador de nome Jorge Yerosch42

, quem terá proporcionado ao

jovem estudante a possibilidade de viajar, poucos meses depois, para o estrangeiro. Paris

parece ter sido uma primeira ambição do compositor43

, mas foi Berlim – cidade que se

revelaria ela própria ―um enorme conservatório de música‖44

– o destino final. Torna-se

40

« [...] Era companheiro do meu pai no seu barco [...]. No silêncio da noite, quando os remos entravam na

água, rigorosamente ao mesmo tempo, faziam um chapinhar de ruídos misturados com os sons do marulhar das

águas. Ao erguerem-se, deixavam cair uma outra sequência de sons que se prolongavam em ecos nos

corredores do rio, sons que cantavam: e eu acompanhava esses ritmos de água cantando também, mas sem

saber que isso fosse musica. [...] Esses ecos das vozes das águas que eram levados para muito longe, num

levíssimo «glissando», despertavam os pássaros que dormiam nos arvoredos e canaviais das margens do rio.

[...] Desembarcávamos nas margens do rio [...] [,] ouvindo o sussurro dos ralhos, o coaxar das rãs, o zumbido

dos insectos [...] e os muitos e quase imperceptíveis ruídos que se não sabe o que são [...]. Eu ouvia as correntes

de água do rio bater no casco do barco, mais devagar, mais fortes, mais amortecidas, mais vivas, conforme a

força do vento [...]. Uma noite, em frente e já perto da foz do Sado, entre Tróia e Setubal [...], fomos

surpreendidos por um forte vendaval [...]. O uivar do vento, a chuva, o estrondo dos trovões, o frio que gelava,

os pés encharcados, esses perigos de naufrágio, ficaram na minha sensibilidade e na minha memória. [...] »

— Cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Aprendendo com a natureza‖, Diário de Notícias 40302

(20/03/1979): 9. Ou ainda: « [...] ouvia então perpassar, como que em surdina, um levíssimo som de vento, em

«molto lento» [...] [;] parecia o som de uma flauta nos graves, do dó da primeira linha suplementar inferior ao

mi bemol, justamente uma terceira menor, ascendentemente e descendentemente. [...] Mas quando ia aos

eucaliptos em pleno Inverno, o vento arrancava em fortíssimo, sons plenos, cheios, como que de uma orquestra

enorme fantástica [...] » — cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Musica – A paisagem e os sons‖, Diário de Notícias

40625 (31/03/1980): 11. Cf. também idem, ―Histórias da Musica – Os sons e a natureza‖, ibidem 40722

(14/07/1980): 13, e idem, ―Histórias da Música – A lição da Natureza‖, ibidem 41330 (12/04/1982): 11.

41 Como p. ex. Passeios de Estio (1935?), Passeios d’Agosto (1950) ou História Trágico-Marítima

(1951)...

42 Proprietário de um estabelecimento comercial em Lisboa, foi amigo de Ruy Coelho e fazia-se acompanhar

por ele em sua casa, aos sábados, no Monte Estoril. Cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Três mesadas em

vez de uma para estudar em Berlim‖, Diário de Notícias 40331 (24/04/1979): 13. Há também uma referência

da época: « Pensionado por um distincto amador allemão, aqui residente ha muitos annos, partiu para

Berlim o talentoso compositôr e pianista Ruy Coelho » — cf. ―Noticiario‖, A Arte Musical 261 (31/

/10/1909): 258. Cf. ainda Concerto promovido por Ruy Coelho [programa de sala] ([1909]) [BNP, ERC, s. c.].

43 Cf. carta de José Rodrigues Pablo a Theophilo Braga, em 01/06/1909 (cf. Anexo 3, p. 2).

44 Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Lições de Humperdinck‖, Diário de Notícias 41424 (19/07/1982): 9.

10

então aluno de Composição de Engelbert Humperdinck, integrando um grupo de alunos que

frequentavam a sua casa. À falta de outras fontes, citem-se as suas memórias tardias:

« [...] Na sala de aula [...] havia um grande piano de cauda em que os alunos [...] tocavam

as suas obras [...]. Humperdinck ensinava fazendo considerações sobre as qualidades inventivas

do educando, sugerindo aqui e ali melhores soluções de ideias e desenvolvimentos, com poucas

palavras, sem retórica inutil [...]. Para ele, a composição musical não era questão de

matemáticas, nem de filosofias, mas sim das facilidades verdadeiras do poder criador [...] »45

;

« [...] exigia [...] a maior clareza da escrita musical. Essa clareza está, aliás, bem patente nas suas

obras, que respeitam as regras mais puras da harmonia, do contraponto, das modulações, do

desenvolvimento dos motivos, das linhas melódicas [...]. Os alunos de Humperdinck eram, pois,

obrigados a mostrar a sua perícia de invenção e de escrita [...] »46

.

Dos seus primeiros tempos em Berlim sobrevive a partitura de uma Dança antiga

para orquestra, mas a obra mais emblemática será Bouquet, cuja publicação foi autorizada47

por Humperdinck, dedicatário; trata-se de uma suíte de feição romântica que lembra

Malmequeres no espírito poético e naturalista48

, denote-se embora uma maior profundidade

e maturidade globais, um pianismo mais virtuoso e uma harmonia urdida com mais surpresa

(cf. Anexos 4.2 e 5.1). De feição igualmente romântica editou ainda Ruy Coelho duas

mélodies em Berlim, por volta de 191049

: Intermezzo, sobre Heinrich Heine – um excerto de

Intermezzo lyrique, traduzido para o francês por Gérard de Nerval –, dedicada ―A mon très

chèr ami Octavio de Queiroz‖ (cf. Anexo 4.3), e Si je vous disais..., sobre poema de Octavio

de Queiroz, dedicada ―A Madame la Baronne H. de Heeckeren‖ (cf. Anexo 4.4).

Para além de Composição com Humperdinck, estudou Análise com Max Bruch, ―na

aula que ministrava a alguns estrangeiros‖:

45

Ruy Coelho, ―Histórias da Musica – As grandes figuras que eu conheci‖, Diário de Notícias 40336

(01/05/1979): 11.

46 Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Misha Suzman [–] compositor russo‖, Diário de Notícias 40657

(05/05/1980): 11.

47 Coelho, ―As grandes figuras que eu conheci‖. Cf. também Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Três

mestres[,] três estilos‖, Diário de Notícias 41088 (03/08/1981): 9, e idem, ―Histórias da Música – Strauss e o

Kaiser‖, ibidem 41396 (21/06/1982): 9.

48 Ser-se compositor-poeta e ser-se sensível à natureza: eis um traço de carácter que, segundo as memórias

tardias de Ruy Coelho, o aproximava de Humperdinck, contra um Max Bruch mais ―purista‖. Cf. Ruy Coelho,

―Histórias da Música – A música do vento‖, Diário de Notícias 41630 (21/02/1983): 11.

49 Tal como a edição de Bouquet, não estão datadas, mas encontra-se um exemplar de cada uma das mélodies

no Espólio de Vianna da Motta, o Intermezzo contendo uma dedicatória que reforça a datação: « Ao grande

pianista Snr. Vianna da Motta [/] offerece [/] Ruy Coelho [/] 1910 [/] Berlim ». Cf. BNP, FCG VM 4500 (cota

anterior) e FCG VM 4501 (idem).

11

« [...] As lições [...] consistiam em explicar todos os elementos constitutivos das obras.

Sentava-se ao piano [...] [e] tocava todo o trecho sem omissão de qualquer nota, comentando ao

mesmo tempo os temas, os desenvolvimentos, a orquestração [...]. E com exclamações

entusiásticas, explicava porque era muito bela tal melodia ou harmonia, contagiando com o seu

sincero entusiasmo os alunos [...] »50

.

Muitas outras foram as referências que o ambiente musical lhe proporcionaria.

No início de 1910, em carta ao seu amigo Francisco Fernandes Lopes, Ruy Coelho refere-se

já à composição de uma Symphonia, que ainda não estaria ―a meio‖, e desabafava:

« [...] Isto aqui a respeito de gôsto é uma drôga. Finalmente não se sabe quem tem razão,

tal é a confusão de opiniões. [¶] Max Bruch [...] extasia-se ante banalidades muito comuns nos

clas-sicos. [¶] Humperdinck não admitte coisa mais moderna do que Wagner, [...] e um seu

discipulo favorito [...] gosta doidamente de Puccini e das Valsas de Berger!! [¶] Strauss e

Bruckner, estes então são, enquanto a ideias musicaes, perfeitas nulidades. No entanto a

orchestração de Strauss é sim-plesmente colossal, é unica. [¶] Eu parece-me que no fim de tres

annos de martelação acabarei por fazer algum motivo capaz de provocar uma conferencia a

D. Arroyo51

, o Wagneriano. (Sabe? Gosto muito das Symphonias de Rachmaninof e

Tchaikowski, ―os russos avançam‖.[)] [...] »52

.

O referido discípulo ―favorito‖ talvez fosse o que Coelho lembrou mais tarde como

alguém com quem analisava repertório diversificado, desde Bach a Strauss, e que lia

também os italianos – Rossini a Puccini –, seguindo pessoalmente « [...] a tradição dos

maiores compositores russos: a fluência melódica de Tschaikovsky, a intensidade das

melodias de Borodine, o poder [descritivo] de Mussorzsky, a invenção e maestria de

Rimsky-Korsakof [...] »53

.

Outras descobertas terão também enriquecido o imaginário do jovem Ruy Coelho:

Salomé de Richard Strauss, a ―grande magia e encantamento‖ da primeira apresentação

(além Bayreuth) de Parsifal, os concertos regidos pelos maestros Arthur Nikisch e Richard

Strauss – que viu dirigir no teatro de ópera de Berlim, e que era como ―uma figura do

Olimpo‖ –, o contacto com o célebre barítono Francisco d‘Andrade, a cuja casa terá ido

50

Coelho, ―As grandes figuras que eu conheci‖. Cf. também Coelho, ―Três mestres[,] três estilos‖.

51 Refere-se possivelmente ao compositor Antonio Arroyo (1856-1934).

52 Carta preservada no EHFFL (cf. Anexo 3, pp. 3-4).

53 Coelho, ―Misha Suzman [–] compositor russo‖.

12

algumas vezes, os concertos dos pianistas Eugen d‘Albert, Conrad Ansorge, Ferruccio

Busoni... 54

Ser pianista-compositor, aliás, continuava a ser uma ambição para Ruy Coelho,

que, contra o desaconselhamento de Vianna da Motta mas com o incentivo de

Humperdinck, decide aprofundar os estudos com Severin Eisenberger, entre outros55

.

Por outro lado, estabelece amizade com outros jovens estudantes, como os

brasileiros Luiz Figueras, violoncelista, Antonio de Sá Pereira, a quem terá ensinado piano

e composição56

, e, de forma particularmente mais expressiva, Guilherme Fontainha57

,

pianista; e ainda o basco Andrés Isasi Linares, condiscípulo na classe de Humperdinck, que

se dedicava então – curiosidade não desprezível face ao percurso de Ruy Coelho – à com-

posição de uma ópera em língua basca sobre um libreto ―de orientación marcadamente

nacionalista‖, projecto que coincidia com « [...] el mayor auge del movimiento en pro de la

ópera vasca en Bilbao [...] »58

. Segundo as memórias tardias do compositor português, foi

Isasi quem lhe revelou Albéniz, e com ele partilhava a já referida atracção pela ideia de uma

―música da natureza‖:

« [...] algumas vezes [Isasi convidava-me] para ir á floresta de Grunwald nos arredores da

cidade, para [–] dizia ele – ir encontrar motivos musicais. [...] Depois, de volta, em sua casa,

André Ysassi, que era bom pianista, tocava os motivos, que em geral eram interessantes e

originais, mas que praticamente eram dele próprio ainda que nascidos da comunhão da sua

sensibilidade com a alma da floresta [...] »59

.

54

Cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Musica – Maestros e profissionais‖, Diário de Notícias (13/02/1979); idem,

―Histórias da Musica – Um concerto de piano...‖, ibidem 40542 (07/01/1980): 11; idem, ―Histórias da Música –

Um cantor português‖, ibidem 40879 (29/12/1980): 11; Coelho, ―Três mesadas em vez de uma‖; idem, ―Lições

de Humperdinck‖.

55 Cf. ―Concertos‖, A Arte Musical 395 (31/05/1915): 94-95, e Coelho, ―Como estudei piano‖.

56 Cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Musica – Missão musical ao Brasil‖, Diário de Notícias 40618 (24/03/1980):

13; idem, ―Histórias da Música – Concertos brasileiros‖, ibidem 40868 (17/12/1980): 11. Acha-se um

manuscrito de Antonio de Sá Pereira em BNP, ERC, s. c.. Haveria também contacto entre Ruy Coelho, Sá

Pereira, Antonio da Silva Mello e Santa-Rita Pintor: cf. Eduardo Nobre, ―Cartas surpreendentes‖, Actual

[suplemento do jornal Expresso] (03/03/2007): 42-43.

57 Com Guilherme Fontainha passa uma semana de férias em Shanklin, na ilha de Wight, Inglaterra

(cf. Coelho, ―Um concerto de piano...‖, e Anexo 6.1), e este será um dos dedicatários da Symphonia

Camoneana a cuja estreia o pianista brasileiro se faz presente: cf. ―Um pianista brazileiro falla-nos na

«Symphonia Camoneana», com palavras de sympathia para o seu auctor‖, A Capital 1005 (18/05/1913): 1.

58 Mario Lerena Gutiérrez, ―Andrés Isasi Linares‖ [2009], in Auñamendi Eusko Entziklopedia (Edição

em-linha [www.euskomedia.org/aunamendi], último acesso a 10/08/2014).

59 Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Os caminhos do compositor‖, Diário de Notícias 40267 (06/02/1979): 9.

13

II.2 | A primeira Sonata e um fugaz regresso a Lisboa

A 30 de Abril de 1910 dá-se em Berlim uma ―festa artistica‖, ―singular pelo seu

brilho‖ e ―extraordinaria pela sua significação‖60

, com a participação do violinista uruguaio

Camillo Giucci e os já referidos Luiz Figueras e Guilherme Fontainha. Assistiam ao

concerto inúmeras personalidades do meio artístico e diplomático brasileiro, uruguaio e

português – dentre elas, Luiz de Freitas Branco, então de passagem por Berlim para uma

estadia de pouco mais de quatro meses que se veio a revelar decepcionante61

. Na segunda

parte, houve, segundo a notícia publicada na Illustração Portugueza, ―uma revelação‖:

« [...] Foi Ruy Coelho [...], com uma sonata para violino e piano. E essa obra, obra cheia de

inspiração, trabalhada com apuro dentro dos moldes modernissimos da arte, original pelo ryth-

mo, toda ela verdadeiramente expressiva, valeu[-lhe] [...] uma consagração, definitiva[,] que se

manifestou pelo applauso mais vibrante e enthusiastico de uma assembléa que o victoriou [...] »62

.

Seria esta sonata a mesma que fôra estreada um ano antes, em Lisboa?... Também por

esclarecer está a suspeita, avançada em pelo menos uma fonte, sobre a candidatura desta

partitura ao concurso de composição organizado pela Sociedade de Música de Câmara63

.

A sonata de Berlim, a de 1910, talvez fosse uma segunda versão da anterior, que se

revelaria por sua vez ultrapassada por uma (hipotética) revisão definitiva em 1912, data

com que Ruy Coelho assina o mais antigo autógrafo que se encontrou no seu espólio, e que

identifica como Opus I. Rasuras na paginação acusam claramente alguma reordenação ou

alteração (parcial?) de andamentos, mas sobre os estádios por que passou a obra não é

possível senão especular.

60

Cf. ―Um concerto em Berlim‖, Illustração Portugueza 230 (18/07/1910): 93-94.

61 Cf. Bettencourt Mendes, Delgado e Telles, Luís de Freitas Branco, 39-45.

62 Illustração Portugueza, n.º 230, 18 de Julho de 1910, p. 94.

63 Cf. Bettencourt Mendes, Delgado e Telles, Luís de Freitas Branco, 178: « [...] Essa sonata [...] era

certamente a obra de Rui Coelho (ou uma das obras) que o júri do concurso não distinguira [...] ». Todavia, não

nos foi possível localizar quaisquer pistas que sustentem esta hipótese. Note-se, aliás, que o prazo de entrega de

partituras era o dia 31 de Dezembro, o qual foi depois adiado para 31 de Março, e os resultados foram tornados

públicos apenas em Junho, depois de Ruy ter já estreado a sua obra em Abril... Ousaria apresentar

publicamente a sua sonata antes de serem conhecidos os resultados? Certo é que o regulamento do concurso

– cf. ―Concurso de Musica Portugueza‖, A Arte Musical 228 (15/06/1908): 115-117 – nada exigia sobre o

ineditismo das obras a apresentar... Porém, a ter acontecido a submissão da sua obra, não procuraria o

compositor – panfletário como era – lembrar publicamente a ―injustiça‖ de não ter sido distinguido?...

14

A partitura (cf. Anexo 4.5), em cujo Scherzo se encontra, para Sérgio Azevedo, uma

―premonição engraçada de Prokofiev‖64

(cf., por ex., cc. 255-270), dista sobremaneira do

ideário estético de qualquer um dos seus professores lisboetas ou berlinenses: as suas frases

―nervosas e frementes‖ – na descrição de Romain Rolland65

–, o seu percurso harmónico

incansável e insistentemente surpreendente e a multitude virtuosística de gestos técnicos e

recursos expressivos no violino e no piano – desde os clusters de 8.ª diatónica (cf. por ex.

cc. 281-285) à cadência final em que se acha a tónica precedida pelo acorde maior da sua

5.ª dim (cc. 507-511), gesto harmónico com o qual, aliás, em espelho, se inicia a sonata (c. 1) –

nada têm do equilíbrio e do formalismo romanticamente plácido e pacífico de um Bruch ou

de um Humperdinck. É-nos pois parcialmente inalcançável a descrição de Deniz Silva:

« [...] sa facture acuse bien l‘influence de ses professeurs berlinois et de ses références

nouvellement acquises (notamment Liszt et Strauss). Elle montre en outre le penchant du

compositeur pour l‘esthétique romantique, même si la richesse des idées thématiques cache

souvent une forme imprécise et brouillonne. Le Scherzo, cependant, démontre une connaissance

certaine des formes classiques et une maîtrise de la technique d‘écriture pour le violon [...] »66

.

É presumível que a forma ―imprécise et brouillonne‖ se refira não à partitura, mas à

confrangedora edição discográfica disponível67

; já a associação do Scherzo à ―maîtrise‖ da

escrita para violino é mais estranhamente insólita: este andamento o não acusa mais do que

64

Sérgio Azevedo, ―Valerá a pena redescobrir a música de Ruy Coelho?‖, Glosas 1 (05/2010): 42.

65 Segundo um artigo de jornal, « [...] On y sent une âme vibrante et mélodiense [sic]... C’est aux phrases

nerveuses de Strauss que s’apparentent le plus les vôtres; et ce n’est pas la une critique que je vous adresse ;

e depois [Romain Rolland propôs] [...] mostrar e fazer executar a obra pelo grande artista Armand Parent

– o fundador da Scola [sic] Cantorum. [...] »: cf. ―A Symphonia Camoneana de Ruy Coelho‖, Novidades

8777 (22/04/1913): 3. O facto de a fonte da citação ser indirecta prende-se com a não localização da carta

original; Ruy Coelho enviou-a a Theophilo Braga em 1913, que acusa a sua recepção (Cf. Anexo 3, pp. 45-46),

e nada mais se sabe sobre a sua localização. A viúva de Romain Rolland, encontrando no espólio uma carta

―fort sympathique‖ de Ruy Coelho, datada de 07/1914 (que também não pudemos até agora localizar),

endereça-lhe, a 25/11/1953 (cf. doc. s. c., BNP, ERC), um pedido para que lhe envie cópia(s) da(s) carta(s)

recebida(s); do que se depreende da carta seguinte, a 17/12/1953 (cf. doc. s. c., BNP, ERC), Ruy Coelho não

teria a(s) carta(s) em sua posse. A título de curiosidade, registe-se ainda que se acha um exemplar da

Symphonia Camoneana com dedicatória (―Au cher maître Mr. Romain Rolland. Très respectueusement.‖) na

Bibliothèque nationale de France (cota GR-VMA-1034). Em ―Artes e Lettras‖, Illustração Portugueza 300

(20/11/1911): 664, também se citam palavras de Rolland: « [...] a sua musica agrada-me, é já d‘um bom

musico-poeta e permitte-me ter excellentes esperanças na sua obra futura [...] », mais se informando que Ruy

Coelho planeava concerto em S. Carlos com obras suas, dentre elas « [...] um lied feito sobre a poesia do poeta

suisso [Gottfried] Keller que já tentara o musico Wolff[,] declarando todavia, Roland [sic], ser superior ao

d‘este musico o trabalho do nosso compatriota [...] ».

66 Deniz Silva, ―« La musique a besoin d’une dictature »‖, 44.

67 Ruy Coelho, The Princess with the Iron Shoes – Summer Walks – Violin Sonatas Nos. 1 and 2 [CD áudio]

[2.ª ed.] (Strauss – Música e Vídeo, S. A., 1997).

15

os outros (sobretudo os dificílimos primeiro e último). De resto, certo é que os rasgos

melódicos e expressivos são de fôlego romântico e lembram Richard Strauss – não tanto,

nem necessariamente, Liszt... –, compositor de quem Ruy Coelho poderá aliás ter ouvido

alguma música ainda em Lisboa68

, mas os restantes recursos fazem da obra um manifesto

original e actualíssimo, já ―algumas décadas‖ posterior69

, em espírito e em soluções

técnicas, à (comparativamente) ―cordata‖70

primeira sonata de Luiz de Freitas Branco.

Não é inoportuna a comparação: o aparato aclamativo em torno da obra de Freitas

Branco irritou o compositor alcacerence, que a pode ter ouvido também em Berlim, a 8 de

Junho de 191071

; a obra tinha sido premiada no referido concurso de 1909 e tinha já na

altura sido alvo de uma crítica que acusava o seu autor de plágio, assinada por Dom

Modesto (pseudónimo de Adriano Merêa72

), o mesmo que virá, mais tarde, a atacar73

também a Symphonia Camoneana de Ruy Coelho.

A relação entre os dois jovens estudantes, em Berlim, não deve aliás ter sido

empática. Para Ruy, Luiz nunca « [...] [escreveria] musica democratica, preferindo as flôres

de salão, perfumes, poz d‘arroz, fallando aquela linguagem aristocratica, balôfa [...] »74

.

Também a atracção de Freitas Branco pela nova música francesa75

e a sua recepção de

68

A Orquestra Filarmónica de Berlim veio a Portugal e apresentou-se a 4 e a 07/05/1908, sob a direcção

de Richard Strauss, ouvindo-se, do próprio, Don Juan, Tod und Verklärung e Till Eulenspiegels lustige

Streiche. Cf. ―A Orchestra de Berlim‖, A Arte Musical 226 (15/05/1908): 90-92.

69 Como já lembrado por outros autores, a partitura de Freitas Branco pouco mais propõe, tecnicamente, do que

propunha a música de César Franck (1822-1890). Cf. Bettencourt Mendes, Delgado e Telles, Luís de Freitas

Branco, 164-167.

70 Como descrita por Alexandre Delgado. Cf. op. cit., 177.

71 Cf. op. cit., 44.

72 Adriano Merêa colaborava regularmente para O Dia: cf. Adriano Merêa, Crónicas Musicais (Barcelos:

Oficinas Gráficas da Companhia Editora do Minho, 1943). Acha-se na BNP, EVM, s. c., o recorte da

crítica de Dom Modesto à Symphonia Camoneana de Ruy Coelho; abaixo do pseudónimo, Vianna da

Motta anotou: « Merêa ».

73 Ver pp. 49-50 e nota 173 (p. 50).

74 Carta de Ruy Coelho a Theophilo Braga, de Berlim, a 29/02/1913 (cf. Anexo 3, pp. 39-42). Ainda a

propósito, nas suas memórias tardias, Coelho lembra uma sarcástica boutade de um estudante português em

Berlim: seria Luiz de Freitas Branco?... Cite-se: « [...] foi comigo à ópera ouvir «Os Palhaços», de Leon-

cavallo [...] [;] ouviu toda a ópera silenciosamente [...] [e] mostrou o seu desgrado [...]: «Como esta faço eu

meia dúzia.» Revelou-me que estava a compor [...] «A Batalha da Linha de Elvas». A obra era um «alegro»

que começava em pianissimo, com uma pancada no bombo, seguindo sempre em crescendo com o mesmo

ataque no bombo [...] até chegar ao fortíssimo. Concluía, depois, em descrescendo, até chegar, finalmente, ao

pianíssimo inicial, absoluto. Acrescentava, como esclarecimento, que esta sua partitura [...] só tinha um

instrumento [...] » — ―Histórias da Musica – Situações grotescas‖ [recorte preservado no EHRC, identificado

como sendo do Diário de Notícias (17/12/1979)].

75 Cf. Bettencourt Mendes, Delgado e Telles, Luís de Freitas Branco, 29-50.

16

Strauss como ―frenético exagerador do antigo‖76

constituiria outra inultrapassável

incompatibilidade para um Ruy Coelho que, bem mais do que pelas propostas de Debussy,

parece deixar-se seduzir, como veremos adiante, ora por Pétrouchka ora pelo

experimentalismo de Schoenberg e, sobretudo, pela estirpe musical alemã em geral:

« [...] farei uns apontamentos sobre as tendencias do Debussysmo e da musica allemã para

assim estar preparado para ataques d‘esses debussystas á S. Francisco pregando aos passarinhos

e outras bugigangas neo-romanticas! O meu anjo da guarda é o Final da 5ª Symphonia de

Beethowen. [¶] Esses poetas levianos que ahi ha na nova geração vão sem duvida chamar-me

nomes feios. Elles são todos debussystas. São coloristas como os japonezes. E a obra delles é

um ―Pagode‖77

. [¶] Vou preparar-me. Vou dar forma ás minhas ideias para poder rir-me desses

mysticos afeminados [...] »78

.

Ruy Coelho decide então regressar a Lisboa, chegando em meados de Março de

191179

para apresentar um concerto com obras suas. Trabalhava então sobre uma ópera em

um acto, e do seu catálogo constariam já, segundo o Echo Musical80

, um Trio para violino,

violoncelo e piano dedicado a Richard Strauss (que terá sido estreado em Berlim81

), uma

Symphonia (a que apresentara em 1909?), a Sonata, para violino e piano, Bouquet, para

piano, e Lieder em número não discriminado. Mas parece também motivado e determinado

em abalar o sucesso de Luiz de Freitas Branco, recém-eleito sócio da Academia de Ciências

de Portugal. Retoma para isso a citada crítica de Dom Modesto e estende a acusação de

plágio a outras obras do seu colega, lembrando-lhe a desaprovação de Humperdinck.

Pretende então organizar uma sessão pública para o provar. A provocação, agreste nos

76

Em entrevista, em 1912. Citado em op. cit., 121.

77 Trocadilho em referência a Pagodes, primeiro andamento de Estampes (1903). Encontrou-se partitura

desta obra no EHRC. Talvez reconciliado com a obra, interpretá-la-ia a 21/02/1921, na Liga Naval, num

programa em que também incluiu Clair de lune, a par de obras de Beethoven, Liszt, Bach-Liszt, Chopin

e, de sua autoria, Luar (das Canções de saudade e amor), em versão para piano solo (Cf. Recorte de

programa de sala, assinado e identificado pelo compositor [« Liga Naval. / 21 de Fevereiro 1921 / Recital

de piano / Ruy Coelho »], BNP, ERC, s. c.).

78 Carta a Theophilo Braga, de Hamburgo, a 11/03/1913 (cf. Anexo 3, p. 47). Sublinhados conforme o original.

79 Cf. idem. Cf. também carta a Theophilo, de Lisboa, a 18/03/1913 (cf. Anexo 3, p. 48).

80 ―Ruy Coelho‖, Echo Musical 16 (27/04/1911).

81 Não sobrevive exemplar deste Trio, a menos que o consideremos o mesmo Trio (ou uma sua primeira

versão) cujo manuscrito autógrafo está assinado e datado de « Lisbôa, terça-feira 1 de Fevereiro de 1916 às 8

e meia da noite », com dedicatória não a Strauss mas « ao Mestre Amigo Alexandre Rey Colaço », e do qual

adiante falaremos. A estreia em Berlim, na ―Pensão Kärln‖, é referida numa das cartas de um conjunto de

correspondência entre, ao que parece, Ruy Coelho, Santa-Rita, Antonio Sá Pereira e Antonio da Silva Mello;

o conjunto foi encontrado no lixo e noticiado, mas nada se pôde entretanto confirmar quanto ao seu destino:

cf. Nobre, ―Cartas surpreendentes‖.

17

termos, é um rastilho e fará correr muita tinta entre duas falanges, dando-se uma cisão no

próprio júri do concurso82

. Esta irreverente diatribe não facilitará em nada o percurso de

Ruy, que, com os músicos incomodados, vê gorada a sua intenção de apresentar o seu

concerto, previsto para o dia 23 de Abril83

. A estreia portuguesa da sonata acabou por se dar

apenas em 1924; não por acaso, precedendo A Idade do Jazz-Band, conferência de António

Ferro proferida num ―Serão de Arte‖ promovido pela revista Contemporânea84

.

II.3 | A princeza dos sapatos de ferro

Ruy Coelho volta para Berlim depois de seis semanas musicalmente inconsequentes

em Lisboa. Pouco depois do regresso, em Julho, compõe dois prelúdios para piano, um

deles talvez estreado por Guilherme Fontainha no Brasil85

, que ficarão esquecidos até lhes

ter acrescentado um terceiro, em 1962, fechando então o ciclo como tríptico.

Fig. 1: Início do primeiro Prélude. Ficheiro MIDI no Anexo 5.2.

82

Cf. Bettencourt Mendes, Delgado e Telles, Luís de Freitas Branco, 170-178.

83 Cf. ―Ruy Coelho‖, Echo Musical 16 (27/04/1911).

84 Cf. Serão de Arte [programa de sala] ([Lisboa]: Tip. Papelaria Camões, 1924) [doc. s. c., BNP, ERC].

85 Cf. ―Um pianista brazileiro falla-nos na «Symphonia Camoneana», com palavras de sympathia para o seu

auctor‖, A Capital 1005 (18/05/1913): 1. Neste artigo, Fontainha refere-se ao prelúdio como ―admiravel‖,

e informa sobre a sua intenção de o executar também em Lisboa. Não foi possível confirmar se este concerto se

realizou nem qual dos dois prelúdios foi interpretado.

18

Os dois prelúdios originais são já algo distantes do correctíssimo Bouquet e dir-se-

-iam obra de transição na senda de uma linguagem própria: apesar da romântica propulsão

melódica, rítmica e textural, acha-se já no primeiro a sintaxe idiossincrática de um Ruy

Coelho a relegar as regras tradicionais da modulação e da condução harmónica em geral.

Veja-se, na Fig. 1, a sequência dos primeiros seis compassos (IM – IIm – I6M – II

6m – bVIm –

bVM – IVm – IM – bIIIm – bVM – IM) cujo gesto cadencial feito com salto de 5.ª dim é o mesmo

com que termina não só este prelúdio como a Sonata e a Symphonia Camoneana...

Não se encontram mais informações que nos elucidem quanto às obras compostas nos

meses seguintes. A partitura autógrafa d‘A princeza dos sapatos de ferro, bailado que,

segundo o célebre anexo86

a Portugal Futurista, data de ―Berlim, 1912‖ – e que

permaneceria inédito e esquecido por alguns anos possivelmente por inviabilidade

orçamental e falta de recursos humanos para a sua execução –, está datada de 1911... mas o

ano foi posteriormente acrescentado pelo autor à frente do original ―Berlim, 20 de Janeiro

ás 8 da noite‖. É mais verosímil que a data correcta seja, de facto, 1912: para além de estar

identificada como ―op. 2 n.º 2‖87

, os pontos de contacto entre a partitura do novel

compositor e Pétrouchka de Stravinsky, obra estreada em Paris em Junho de 1911,

reforçam esta suspeita....

Terá Ruy Coelho assistido a uma representação deste bailado em Paris e começado

nesta altura a sua composição? É possível: a data da estreia é, com efeito, pouco posterior à

partida de Lisboa... Alternativamente, sabe-se que Stravinsky passa por Berlim em

Novembro de 1912, para se juntar a Diaghilev na preparação da temporada dos Ballets

Russes na Krolloper, em cuja primeira noite se fez Cléopâtre e Pétrouchka88

e a partitura

destúltima obra foi nesse ano publicada89

.

86

Segundo Ana Paula Guimarães, As Estrelas Acessíveis (Lisboa: Terramar, 2004): 69, o manifesto foi « [...]

colado à mão nos exemplares do [...] número único de Portugal Futurista [...] ». Também em Almada Negreiros,

Manifestos e Conferências, ed. Fernando Cabral Martins et al. (Lisboa: Assírio & Alvim, 2001): 360, acusa-se o

manifesto como « [...] Folha volante [...], foi apensa ao Portugal Futurista [...] ».

87 A Symphonia Camoneana é de 1912 e identifica-se como op. 2. Todavia, não parecendo fazer sentido

estético ou conceptual emparelhar as duas obras num mesmo opus, esforço de catalogação de que Ruy

parece ter desistido rapidamente, não é sensato considerar este dado como conclusivo ou definitivo.

88 Cf. Eric White, Stravinsky – The Composer and hist Works [2.ª ed.] (Berkeley e Los Angeles: University of

California Press, 1979): 39. A propósito, Stravinsky encontra-se com Schoenberg várias vezes; aparentemente,

Schoenberg, de quem Ruy Coelho se terá aproximado por esta altura, terá assistido a uma das representações

de Pétrouchka, e Stravinsky à quarta apresentação de Pierrot Lunaire.

89 Cf. Igor Stravinsky, Pétrouchka [partitura] (Édition Russe de Musique, 1912). [Consultada uma digitalização

em-linha através da Harvard University Library: http://pds.lib.harvard.edu/pds/view/7013672 (último acesso

em 21/09/2014).]

19

A referida influência de Pétrouchka é nítida na orquestração, nos recursos

harmónicos e, sobretudo, naqueles vários momentos em que um bloco de material gestual e

textural, qual moto perpetuo, se repete por vários compassos feito máquina incessante, sem

que disso se releve melodia romanticamente condutora nem se distinga encadeamento tonal

segundo as normas modulatórias da tradição romântica (cf. p. ex. Anexo 4.6, pp. 9-13),

efeito a que hoje, com alguma graça extemporânea (porque é metáfora aos nossos ouvidos e

o não foi, necessariamente, na ambição de Stravinsky ou de Coelho90

), se pode associar o

imaginário futurista: afinal, na partitura do compositor português, este obsessivo recurso

ilustra a anciã – o diabo mascarado – e sua implacável e frenética dança – posta a maldição

dos sapatos de ferro –, contra o lirismo meigo e sonhador que ilustra os passos da delicada

princesa – a amaldiçoada, por se ter recusado a ver os seus cabelos penteados pela velha –.

Veja-se o início da obra (cf. Fig. 2). A permanente cintilação que uma delicada

estratificação rítmica propicia é reforçada por uma harmonia quase sempre apetrechada de

notas agregadas: no c. 1, pode ler-se globalmente um I46

em 1.ª inversão; no c. 2, oscilação

entre IV267

e V267

em 4.ª inversão... Mesmo nos cc. 13-16, quando esta sucessão de acordes

agregados estabiliza num ambiente de V grau (em 4.ª inversão, com a fundamental

timidamente isolada numa harpa, que vinha já de trás), acrescentam-se a 7.ª (nota

melodicamente preponderante) e a 9.ª (feita fundamental do acorde). Como expectável, o

―V‖ cai num ―I‖ ao c. 17, que, tal como no c. 1, tem a sua 4.ª e 6.ª agregadas. É aqui que

mais categoricamente se afirma, pela primeira vez, a propensão mecanicamente repetitiva

que desde o início se anunciava: a melodia fixa-se num lá e nada há por seis compassos

senão a mesma textura orquestral em permanente labor autómato. Depois, surpresa: ao

c. 23, a melodia volta a um sol radioso, já não como 7.ª de um V, mas como 5.ª de um bVIIM

(dóª!); e assim, de novo, obsessivamente, por mais oito cc. Depois, o que foge já da redução

acima exposta, uma curta passagem melodicamente mais dinâmica, lembrando o início,

e em ambiente geral de V... ao qual se segue nova secção ―mecânica‖ de oito compassos em

bIM – réb –, e logo, subitamente, IM – réª – (cf. Anexo 4.7)...

90

Apesar de Stravinsky ter sido, à época de Pétrouchka e Le sacre du printemps, classificado como

―futurista‖ por alguns críticos, a sua obra não se pretendia ―futurista‖ e esta atribuição não representava

senão a vacuidade de um chavão jornalístico, atribuído afinal a tudo o que não fosse esteticamente

ortodoxo (cf. Erik Levi, ―Futurist Influences Upon Early Twentieh-Century Music‖, in International

Futurism in Arts and Literature, ed. Günter Berghaus (Berlim / Boston: De Gruyter, 2000). Quanto a Ruy

Coelho, a primeira referência directa a futurismo acha-se apenas em 1915, em Coelho, Carta a um

compositor célebre, 33... embora seja inverosímil que ignorasse o movimento durante os seus estudos em

Berlim – cidade aliás visitada por Marinetti em 04/1912, altura em que se expunha pintura futurista na

galeria Der Sturm: cf. Irene Chytraeus-Auerbach, ―Marinetti in Berlin‖, in International Yearbook of

Futurism Studies [vol. 2], ed. Günter Berghaus (Berlim / Boston: De Gruyter, 2012).

20

Fig. 2a (continua na p. seguinte): Redução dos primeiros trinta compassos d‘A princeza dos sapatos de ferro.

Ficheiro MIDI no Anexo 5.3. Partitura de orquestra no Anexo 4.7.

21

Fig. 2b (continuação da p. anterior)

O percurso harmónico não é menos surpreendente nas secções de maior lirismo – as

que, como referido, evocam a delicada princesa. Sob o contorno romântico da plangente

melodia (a que se junta, em segundo plano, às flautas e clarinetes, uma reminiscência do

motor mecanicamente oscilatório), desenvolve-se uma sintaxe tão diáfana quão inesperada.

Veja-se, neste exemplo (cf. Fig. 3), como a um primeiro compasso com o acorde de sol#m

se segue luminoso sibM; e depois fá#M, e logo fáM, sol#m, dóM, siM, rém, sol#m... Aquando da

nova secção, mais calma e misteriosa (cf. Fig. 3, últimos 8 cc.), ainda mais clara é a forma

como os acordes se sucedem sem qualquer aviso ou preparo – ou, em suma, modulação –;

pelo contrário, o corpo harmónico move-se por movimento paralelo integral, a bel-prazer do

contorno melódico: sol#m, miM, fáM, sol#m, siM, sibM, dó#m, mim, lám, fá#M, dóM, rém, sol#m...

22

Fig. 3: Redução de excerto d‘A princeza dos sapatos de ferro.

Ficheiro MIDI no Anexo 5.4. Partitura de orquestra no Anexo 4.8.

Fig. 4: Redução de excerto d‘A princeza dos sapatos de ferro.

Ficheiro MIDI no Anexo 5.5. Partitura de orquestra no Anexo 4.9.

23

Vale ainda a pena destacar a notável aspereza harmónica vertical do momento

programático mais tenebroso (―é noite fechada‖): nove acordes se sucedem (cf. Fig. 4), cada

um deles resultado do choque (à distância de 3.ªm, 4.ªP, 5.ªdim ou, maioritariamente, de meio-

-tom) de tríades distantes (fá#M contra solM, solbM contra lám, etc.).

Face à actualidade da partitura e ao esmerado e desenvolto imaginário musical com

que os recursos técnicos se adequam ao programa do bailado, são agudamente estranhas a

descrição de Lopes-Graça (―genialmente anódina‖91

), e, mais recentemente, a de Manuel

Deniz Silva:

« [...] [L‘œuvre] n‘arriva pas à dépasser un niveau stylistique assez conventionnel [...].

Les dernières mesures constituent, dans une certaine mesure, une exception, permettant d‘en-

trevoir une tentative de musique mécanique, qui tendrait à imiter le ferraillement des chaussures,

mais qui reste tout de même bien eloignée des expériences musicales futuristes [...] »92

.

É difícil atestar a ―convencionalidade‖ da obra (a menos que se considere

―convencional‖ a música de Stravinsky por volta de 1911-1912) e compreender a crítica aos

últimos compassos, quando se encontram gestos similares em outros momentos (como o

seu início, aqui analisado). Ademais, por que razão ―tentativa‖ se o fôlego mecânico

comunica de forma perfeitamente concretizada? Também a secundarização da partitura face

às ―expériences musicales futuristes‖ parece algo despropositada, posto o facto de estas não

existirem enquanto matriz (não há gramáticas para a ―música futurista‖), ou enquanto

consenso mínimo (não há ―escola‖, tampouco afinidades estéticas consolidadas em nome de

uma ―música futurista‖)93

. Poder-se-iam talvez lembrar, enfim, Francesco Balilla Pratella

ou Luigi Russolo, mas do primeiro são meramente retóricas as – estas sim – tentativas94

,

91

Texto original de 1930, republicado em Fernando Lopes-Graça, Talia, Euterpe & Terpsícore (Coimbra:

Atlântida – Livraria Editora L.da

, 1945), 350.

92 Cf. Deniz Silva, ―« La musique a besoin d‘une dictature »‖, 69.

93 Cf., a propósito, Levi, ―Futurist Influences‖.

94 Como nos lembra Franco Maffina, a propósito de Pratella, « […] se noi confrontiamo le sue veementi

dichiarazioni di principio, expresse nel Manifesto dei musicisti futuristi, 1910, in Musica futurista, manifesto

tecnico, 1911 e nella Distruzione della quadratura, 1912 […], con la musica prodotta in questo periodo [...],

vediamo como il suo velleitarismo rivoluzionario si risolve solo in generiche dichiarazioni antipassatistiche. [¶]

Alla rigida ideologia iconoclasta marinettiana della modernolatria e del macchinismo contrappone ―…

l‘espressività intima, vera e propria resultante dall‘adeguamento del mezzo espressivo tecnico al senso dello

stato d‘animo essenzialmente umano […]‖. Così, mentre Marinetti lo incita a produrre musica ―… più che mo-

derna, profetica, liberata da tutte le nebulosità, i miti e le leggende, l‘ossessione idilliaca agreste e le svenevoli

erotomanie…‖, egli infarcisce tutte le sue composizioni com motivi tratti dal património populare italiano […] ».

Cf. Franco Maffina, ―Musica‖, in Futurismo & Futurismi, ed. Pontus Hulten (Milão: Bompiani, 1986), 527.

24

e do segundo, caso mais famoso, revela-se posterior o contributo, além de praticamente

isolado, adstrito à invenção dos intonarumori95

e globalmente inconsequente...

II.4 | Theophilo Braga, Mahler, Schoenberg e a Symphonia Camoneana

Theophilo Braga (1843-1924), uma das figuras de proa do movimento republicano,

manteve constante preocupação em traçar e justificar a genealogia do génio da raça.

O exercício elegia um apogeu e lamentava uma infindável decadência96

(que se estendia a

todas as nações da Europa no que concerne à desmemória dos feitos de antanho97

).

Esquecidos os virtuosos e heróicos fundamentos do ocidente medievo, esquecidos os nossos

egrégios avós, perdia Portugal a força para singrar como nação independente. A nacio-

nalidade não é obra do acaso, de um mero querer: antes consequência de um território, de

uma raça, de uma tradição. A portuguesa é, para além disso, consequência « [...] de um

ideal que a levou á acção historica dos grandes Descobrimentos maritimos [...] »98

.

Torna-se clara a eleição de Camões como representante primeiro do nacional: é ele

que tanto canta a bravura da Renascença como honra as lendas e os feitos do nosso passado

ilustre, juntando-lhes a fantasia épica da mitologia clássica e a vocação imperial da

cristandade99

. Todavia, a virtude camoneana não reside apenas na dita intuição sincrética do

poeta. Para Theophilo – e veremos como também isto é seminal para a sua esperança em

95

« […] L‘11 marzo 1913 egli scrive il manifesto L’Arte dei Rumori […]. Anche se il suo messaggio rimane

inascoltato dal mondo musicale italiano e i suoi strumenti sono stati fonte di ilarità e di scetticismo da parte del

pubblico, com Russolo la musica futurista non solo raggiunge l‘apice della notorietà, ma le sue teorie e le sue

sperimentazioni travalicano i ristretti confini italiani per debordare nel più vasto alveo dell‘avanguardia

musicale europea. I musicisti futuristi della seconda generazione come Casavola, Mix, Bertoccini, Mantia,

Giustini meritano una breve citazione per la mínima incisività delle loro proposte teoriche e la scarsa

produzione. […] » — Cf. Maffina, ―Musica‖, 527-528.

96 « [...] Desde a Renascença, em que fômos grandes, até á primeira metade do seculo XVIII, Portugal persistiu

em uma deploravel decadencia [...] [;] o poeta era um sêr miseravel [...] [,] um vestigio dos antigos bôbos dos

solares senhoriaes [...]. A heroicidade épica descambava no genero heroe-comico. [...] Tolentino, Filinto Elysio

e Bocage ainda malbarataram o seu talento. [...] » — Theophilo Braga, Recapitulação da Historia da

Litteratura Portugueza – Os Arcades (Porto: Livraria Chardron, de Lélo & Irmão, 1918), 4-6.

97 « [...] Desde o seculo XVI as nações da Europa esqueceram-se das suas origens medievaes ; resulta d'aqui a

dupla decadencia da liberdade politica [...] e das litteraturas [...]. » — Op. cit., 4.

98 Theophilo Braga, Quarenta annos de vida litteraria – 1860-1900 – com um prologo – Autobiographia

mental de um Pensador isolado (Lisboa: Typographia Lusitana – Editora Arthur Brandão, 1903), XLI.

99 « [...] No syncretismo dos deuses do polytheismo greco-romano com o elemento christão, quanto mais se

estuda mais se admira a intuição artistica de Camões [...] [que] ousou affrontar a inintelligencia de tres seculos.

[...] [Agrupou] como episodios as mais bellas tradições da historia portugueza, que são a parte viva e

caracteristica da feição nacional [...] » — Theophilo Braga, Camões e o sentimento nacional (Porto: Livraria

Internacional de Ernesto Chardron, Lugan & Genelloux, Sucessores, 1891), 64-65.

25

Ruy Coelho –, o épico camoneano tem a mais alta virtude a que poderia aspirar um símbolo

da nação: ser em tudo verdadeiro ao ligar-se « [...] na sua extructura intima ás phases da

vida do poeta [...] »100

. Camões é a incarnação da pátria, porque Camões ele-mesmo sofreu

uma vida tão épica quanto Portugal. Cônscio da sua missão histórica, nele se revela a alma

lusitana no seu todo: o génio contemplativo, amorável e indeciso – que se destaca sobretudo

na lírica – e a « [...] natureza impetuosa e tenaz do homem de acção, que affronta a morte

nos naufragios [...] » – que se destaca n‘Os Lusíadas –. Em suma:

« [...] Para a formação de uma Epopêa é necessario um grande facto que dê o maximo

relêvo ao sentimento da Nacionalidade, d'onde surge a individualidade heroica ; que se

coordenem as tradições ou lendas poeticas na expressão d'essa consciencia nacional ; e

sobretudo, um temperamento individual, capaz de sentir a missão historica, possuindo o poder

artistico para representar o ethos de um povo. [...] »101

; « [...] pela sua vida como pela sua obra,

Camões é a synthese do typo e da nacionalidade portugueza [...] »102

.

Ora Ruy Coelho, nascido nove anos depois das Comemorações do Tricentenário de

Camões – das quais Theophilo foi um dos mais incansáveis mentores –, crescerá depois de

vários outros compositores brasileiros e portugueses terem criado obras a propósito do

poeta103

. Destas, conheceu em data incerta (e criticava sem parcimónia já em 1914104

– e,

publicamente, pelo menos em 1915105) a sinfonia À Pátria de Vianna da Motta, estreada em

1897 no Porto e em 1911 em Lisboa106

. É dois anos antes desta estreia lisboeta, em 1909,

que o novel compositor procura Theophilo Braga, para propor um poema sinfónico sobre o

100

Op. cit., 65.

101 Theophilo Braga, Camões – a obra lyrica e épica (Porto: Livraria Chardron, de Lello & Irmão, 1911), 609.

102 Braga, Camões e o sentimento nacional, 58-59.

103 Como Carlos Gomes (Hymno Triumphal a Camões), Leopoldo Miguez (Marcha elegiaca), Arthur

Napoleão (Grande marcha heroica), Francisco de Sá Noronha (Hymno a Camões), Augusto Machado

(Camões, ode sinfónica), Vianna da Motta (Evocação dos Lusíadas). Cf. Braga, Camões e o sentimento

nacional, e Teresa Cascudo, "MACHADO, Augusto" e "MOTA, José Viana da", in Enciclopédia da

Música em Portugal no século XX [vol. L-P], dir. Salwa Castelo-Branco (Lisboa: Círculo de Leitores /

Temas e Debates, 2010), 725-726 e 822-823, respectivamente. À parte estas obras circunstanciais, há o

exemplo já bem anterior do Requiem de João Domingos Bomtempo.

104 Cf. carta a Theophilo Braga, de Paris, a 10/03/1914 (Anexo 3, pp. 80-82).

105 « [...] o Scherzo feito com um motivo das «pandeiras do Norte» para evocar a ilha dos Amores dos

Luziados, é isto que vêem. É uma grosseira imbecilidade ; dominante, dominante, tonica, tonica, dominante,

dominante, tonica, tonica – repete, pum-tá-tá, pum-tá-tá, – a menor, – ora-agora-viras-tu. Abaixo de toda a

critica. [...] » — Coelho, Carta a um compositor célebre, 32.

106 João de Freitas Branco, Viana da Mota (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1972), 232.

26

seu Viriatho. O contacto foi indirecto, por intermédio de um familiar107

, e o projecto, apesar

de autorizado, não se concretizou108

.

É já em Berlim, em Março de 1912, que o contacto é reatado. Ruy ―ousa pedir-lhe

um conselho‖, ―d‘uma maneira quasi petulante‖ 109

– mas não sobrando desta missiva senão

uma cópia parcial pela mão de Theophilo, não é possível apurar com exactidão a natureza e

o objecto do pedido. As cartas seguintes, porém, debruçam-se sobretudo sobre dois

assuntos: a necessidade de apoio financeiro para a prossecução dos estudos110

e a criação de

―uma grande obra sobre Camões‖. A obra vai sendo discutida e planeada com entusiasmo

entre os dois interlocutores. De Theophilo recebe Ruy algumas sugestões ou incentivos de

ordem prática (lembra Theophilo a mais-valia da voz humana111

, por exemplo), mas

sobretudo o ideário gerador e as linhas condutoras do plano programático.

Sobre o mote ―A morte de Camões‖ (que, para Theophilo, « [...] em nenhuma fórma

de arte pode ser tratado mais completo e grandiosamente do que em musica [...] »112

), a (de

início) ―Ode Symphonica‖ desenvolve-se rapidamente. Em Novembro, a obra está passada

a limpo113

, e Theophilo, para além de lhe sugerir o título O Thesoiro do Luso114

, alude já a

107

Cf. carta de José Rodrigues Pablo a Theophilo Braga, em 01/06/1909 (Anexo 3, p. 2). José Rodrigues Pablo

(1878-1951), primo de Ruy Coelho, era filho de João Rodrigues Pablo, natural de Sines, e de Maria da Luz

Guerreiro Barradas, ―da nobreza da terra‖. Diversos familiares da família Pablo destacaram-se política e

culturalmente em Grândola, « [...] defendendo com afinco os valores da causa republicana [...] ». José

Rodrigues Pablo foi Viriato enquanto maçon, e o seu irmão João Rodrigues Pablo Júnior (1884-1956) foi

Camões. Cf. David Brito, Daniela Sousa e Idálio Nunes, Roteiro Republicano da Vila de Grândola (Grândola:

Câmara Municipal de Grândola, 2010), 5. Cf. também Almeida, Selo, brasão, bandeira, 120-122.

108 Não obstante, é de novo referido em cartas posteriores e manteve-se como projecto possível durante algum

tempo. Cf. cartas de Ruy Coelho, de Berlim, a 7 e 27/11/1912 e 04/01/1913, e de Theophilo para Ruy, de

Lisboa, a 20/11/1912 (Anexo 3, pp. 18-19, 20-21, 22-23, 31-33). A propósito, Luiz de Freitas Branco comporá

o poema sinfónico Funerais de Viriato em 1916, sobre conto homónimo de Hipólito Raposo. Cf. Bettencourt

Mendes, Delgado e Telles, Luís de Freitas Branco, 276-281.

109 Nas palavras do próprio compositor. Cf. cópia de Theophilo Braga de carta enviada por Ruy Coelho em 03/

1912 (Anexo 3, p. 6).

110 A ―mesada‖ oferecida pelo seu primeiro mecenas não seria suficiente para « [...] comprar as partituras de

que tanto precisava, nem ir aos concertos ou aos espectáculos de ópera [...] »; quando lhe escreveu a solicitar o

envio, em uma só vez, do dinheiro previsto para três anos, ficou sem resposta e sem mais mesadas. Foi nesse

momento que contactou Teophilo Braga, conseguindo por esta via apoio de António Augusto Carvalho

Monteiro, conhecido como ―Monteiro dos Milhões‖ (1850-1920). Depois, ―o que até parece anedota‖, também

de Alfredo de Souza, ―um português do Pará‖ que terá tomado conhecimento da situação através de Guilherme

Fontainha, condiscípulo de Ruy – e ao mesmo tempo o seu primeiro mecenas volta a enviar as remessas. Com

os três apoios, Coelho aproveitou para « [...] comprar diversas partituras, [...] ir aos concertos e espectáculos de

ópera e [...] ter um bom professor de piano [...] ». Cf. Coelho, ―Três mesadas em vez de uma‖.

111 ... que é « [...] um instrumento excepcional e incomparavel. [...] Beethoven teve a audacia de empregar esse

instrumento na ascensão orchestral da IX Symphonia. Deve-se seguir esse caminho [...] » — cf. carta de

Theophilo Braga a Ruy Coelho, de Lisboa, a 20/11/1912 (Anexo 3, pp. 20-21).

112 Cf. carta de Theophilo Braga a Ruy Coelho, de Lisboa, a 22/04/1912 (Anexo 3, p. 10).

113 Cf. carta de Ruy Coelho a Theophilo Braga, de Berlim, a 07/11/1912 (Anexo 3, pp. 18-19).

27

uma Lenda dos Mares, ―grandiosa trilogia‖: Descoberta da Índia, Descoberta da América,

A Volta do Mundo. Esta ambição maior revela-se também na monumental edição da

partitura, impressa em Lípsia, em 1913115

, em que se faz publicar promissor aviso: « Esta

Symphonia é a 1ª do POÊMA LUSO (em preparação) »116

. Destarte, nas palavras do

próprio Ruy Coelho, não seria a Symphonia Camoneana senão o ―Prólogo da sua obra‖,

assumindo-se assim o compositor plenamente consciente do carácter profeticamente inau-

gural da sua criação, com ela traçando indelevelmente todo o seu futuro: « [...] seja qual for

o Destino d‘esta Symphonia, nem por isso o seu deixará de ser aquele que já traçou [...] ».

Mais do que a consagração do Poeta symbolo como necessidade de afirmação nacional,

o projecto reclamava pois uma urgência messiânica: « [...] [Se] eu o não conseguir, estou

absolutamente convencido de que apparecerá um português que faça o que eu queria fazer

[...] »117

. Justificava-se esta urgência face ao problema revelado quando Theophilo Braga

estendia a deificação de Camões aos artífices máximos de cada uma das outras artes:

« [...] O momento mais vasto e intenso da acção historica de Portugal foi o dos

Descobrimentos maritimos ; desde logo o genio portuguez sentiu a necessidade de represental-o

estheticamente ; cada fórma de Arte deu-lhe logo a sua expressão. Gil Vicente, cinzelou a

Custodia do mosteiro de Belem [...] ; seu primo, esse outro Gil Vicente, ao criar o Theatro

portuguez, representa [...] o Auto da Fama [...] [.] Os architectos do Mosteiro dos Jeronymos e

do Convento dos Freires de Christo de Thomar, exprimem n'esses exepcionaes monumentos a

Fé e o Imperio [...] ; e na sumptuosidade dos Paços da Ribeira ornamentavam as salas as

magnificas Colgaduras dos Triumphos da India [...]. D'esse grande abalo do feito dos

Descobrimentos, só Camões teve o sentimento pleno da realidade ; peregrinou dolorosamente

por todo o vastissimo emporio da acção portugueza, e a sua Epopêa [...] ficou com uma vibração

viva, com um timbre, que predomina seculos depois sobre uma nova fórma de arte, a Opera, em

que Himmel, no Vasco da Gama, (1801) e Meyerbeer, na Africana, (1845-1865) idealisaram as

Navegações d'este pequeno povo [...] ».118

114

―Título dado por Cervantes aos Lusiadas‖: cf. carta de Theophilo Braga a Ruy Coelho, de Lisboa, a

20/11/1912 (Anexo 3, pp. 20-21).

115 Ruy Coelho, Symphonia Camoneana [partitura] (Berlim: Bernhard Siegel, 1913) [BNP, cota CAM. 193 A.].

116 E, como adiante se verá, reclamaria Ruy Coelho a necessidade de uma Tetralogia do Mar. Cf. Coelho,

Carta a um compositor célebre, 32-33.

117 Cf. [Theophilo Braga e Ruy Coelho], Symphonia Camoneana [programa de sala] (Imprensa Nacional,

1913).

118 Braga, Camões – a obra lyrica e épica, 244-245.

28

Ei-lo, o constrangimento da impossibilidade de eleger um músico português: o

génio musical não encontra representante lusitano. A isto regressa Theophilo, precisamente,

quando escreve para as já citadas notas de programa, logo esclarecendo:

« [...] Ha uma rasão de ser para esta criação artística [...]. Teve um tal poder Portugal,

rompendo a apathia da Edade Média pela acção dos descobrimentos marítimos [...] [;] [e] muito

antes que estes grandes feitos (Gesta Humanitatis per Lusos) actuassem nos destinos do

mundo, do seio da nacionalidade portuguesa surgiram os génios incomparáveis, que

souberam idealizal-os em todas as fórmas bellas da Arte. [...] Faltava ainda a sua idealização

na Musica. [...] Faltava agora a sua expressão pelo génio nacional. Chegou o momento de vibrar

a fibra da emotividade lusa. [...] Eis o pensamento d‘esta obra. É a tentativa de um novo,

sympáthica pela sua audácia sincera, que ficará sempre um bello documento [...] »119

.

Ruy Coelho é, insolitamente, a promessa de solução para o que Theophilo (e não

só120

) considerava ser ainda um lugar vacante – o do Compositor – no panteão lusíada; um

lugar vacante que se espera preenchido, em pleno século XX, quando todos os outros se

consagravam já num firmamento de há séculos. Deposita-se em Coelho a dupla missão de

completar – depois dos profetas primevos e do Poeta máximo –, o panteão das artes

representativas da raça, fechando um ciclo como quem estabelece uma ponte sobre a

decadência, entre um apogeu e a contemporaneidade; e de com isso fazer vibrar o

esplendoroso destino reservado para a pátria, não sendo a Camoneana senão a primeira

pedra desse futuro urgente... Futuro inexorável, premeditado, qual ultimato, não

parafraseasse Ruy Coelho, em epígrafe, um aviso de um Concílio de Toledo, por sua vez

citado por Alexandre Herculano em Eurico o Presbytero: « Ninguem de vós ouse reprovar

os hymnos compostos em louvor da Patria121

».

119

[Braga e Coelho], Symphonia Camoneana [programa de sala].

120 Leia-se Manuel Ramos, A musica portugueza (Porto: Imprensa Portugueza, 1892), XXXII-XXXIV:

« [...] A musica portugueza jaz nas baixas camadas á espera do genio que se inspire n'ella, rompendo com

os preconceitos e a torne querida de todos. [...] Mas ha forças que podem mais do que nós e os que

tentaram crear e implantar a musica portugueza no theatro ou na symphonia, viram-se arrastados de novo

para a musica italiana [...]. Se houve condições historicas que perturbaram o desenvolvimento do genio

musical no tocante ás artes plasticas, na musica póde dizer-se que não chegou a crear-se uma tradição

portugueza. [...] A Laureanna e os Dorias de Augusto Machado, inspirados em Massenet, o Frei Luiz de

Souza, de Gazul, a Beatriz, do sr. Guimarães (genero Bellini-Donizetti), tudo nos faz convencer de que

não chegou ainda a hora da opera nacional. [¶] E o que mais dóe, e mais desalenta é vêr que Miguel An-

gelo, o Visconde de Arneiro e Keil, os nossos tres grandes musicos, se não abalançaram á unica empreza

digna dos seus talentos [...]. Decididamente a musica portugueza ainda espera pelo seu Garrett! ».

121 E não de Deus, como no original. Cf. Alexandre Herculano, O Monasticon [tomo I] [2.ªed.] (Lisboa:

Imprensa Nacional, 1847), 13.

29

Nada do que foi anteriormente inferido explica, contudo, que este projecto tão

seminal para o ideário de Theophilo desloque a força centrífuga de um expectável

nacionalismo centralizador para a magnitude universal de todos os povos modernos, como

aliás se canta no prólogo da obra122

, o único momento com um texto estruturado, já que de

resto os coros se reservam a interjeições ou curtas intervenções heróicas como ―Portugal!‖,

―Esta é a Pátria de Camões!‖, ―Terra Nossa!‖, ―Viva!‖, ―Glória!‖. Para compreendê-lo, e

para compreender no seu todo o âmbito da sinfonia, cumpre lembrar a aura universalizante

com que então se pretendia dotar o génio do Poeta:

« [...] Na marcha da Civilisação europêa é imprescindivel o conhecimento da acção do Povo

portuguez iniciando pelos Descobrimentos maritimos a éra da actividade pacifica [...]. [¶] [...] [A]

Historia de Portugal muitas vezes me parecia um hymno; no estudo da Historia universal,

appareceu-me em toda a luz o pensamento de Schiller, em uma das suas cartas: «Um espirito

philosophico só póde particularmente interessar-se por uma nação quando ella lhe apparece como

condição do progresso da humanidade inteira.» Isto explica como os esforços dos historiadores

estrangeiros [...] precederam ou se adiantaram aos nossos escriptores, tentando uma Historia de

Portugal; e essa solidariedade iniciadora da Civilisação moderna é que torna essa historia a maior

ambição da minha vida. [...] »123

; « [...] É grande o genio que sabe dar expressão ao sentimento

individual [...]. São porém maiores aquelles que resumem em si as paixões de uma época [...]

e representam uma nacionalidade como symbolo de todas as suas aspirações. [...] Acima ainda

d'esta categoria de genios, [...] ha um pequeno numero de eleitos que [...] elevam-se acima das

condições da sua raça e do seu meio social, presentindo e illuminando a marcha da Humanidade,

idealisando-a nas luctas da historia, e esboçando a edade serena e normal para que tendem todos

os progressos. [¶] As concepções d'estes espiritos são verdadeiras syntheses [...]. [¶] Tres nomes

nos bastam para caracterisar esta genealogia de genios : Virgilio, Dante, Camões. [...] »124

;

« [...] nas tres bellas Epopêas a Patria romana, a Patria italiana e a Patria portugueza, a critica

philosophica vê hoje affirmações sublimes da Unidade da Civilisação occidental, a obra e

manifestação mais prodigiosa da especie humana, e em que a Humanidade transparece como uma

consciencia da natureza physica fundando pela sua solidariedade o definitivo imperio moral e uma

nova ordem subjectiva ou racional [...] »125

.

122

« Que estandarte imponente destaca a Lusa Gente, Portugal a intrepida nação no Festival das Civilisações?

O Poêma de Camões! O Poêma de Camões! N‘esses Carmes eternos, pela magia da Arte eccoando em toda a

parte, entre os Povos modernos os Lusiadas são o estandarte no conflito das Civilisações. »

123 Braga, Quarenta annos de vida litteraria, LI.

124 Braga, Camões e o sentimento nacional, 76-77.

125 Braga, Camões – a obra lyrica e épica, 338.

30

Do ponto de vista musical, é curioso e não deixa de ser relevante o facto de esta

missão universalizante encontrar também voz viva e consciente da parte do compositor, que

associa o génio camoneano às mais importantes referências do que seria então o seu cânone

universal e o seu conhecimento das mais recentes novidades artísticas e ideológicas – como

o futurismo –. Em resposta aos críticos da sua obra, acusa-os de não conhecerem nem os

clássicos nem a actualidade da nova música:

« [...] nunca ouviram os «Primitivos»[,] a «Falange Russa»[,] a potente geração

symphonica de Beethowenn – Bruckner – Mahler, os modernos coloristas francezes, os

Impressionistas, desconhecem o esforço audaz de Schönberg e Satie [...] »

... e, sobretudo, de não entenderem o seu projecto como urgente e fatal culminar de

uma superior genealogia musical – germanófila, por sinal – que se iniciara com Beethoven:

« [...] não sentem mesmo as palavras do filosofo alemão: «É preciso mediterranisar a

musica»[;] não sentem a «Raça»[,] não veem a relação entre um verso de Camões, «Eu canto o

peito ilustre luzitano» e as tendencias symphonicas iniciadas por Beethowenn na «Heroica»[,]

passando pelos «Niebelungen» de Wagner, pela «Vida de um Heroe» de Strauss, pela VIII

de Mahler, até á formação das teorias cheias de «Raça» de Marineti, o chefe do Futurismo,

o que fatalmente, levando Portugal a integrar-se neste movimento, trará á Musica a creação

duma obra monumental resultante das profundas caracteristicas da «Raça Portugueza». Não

veem que depois da Tetralogia da Terra, de Wagner, Portugal, fatalmente creará a Tetralogia do

Mar! [...] »126

.

O épico camoneano e a sua consagração musical pretendem inscrever-se, portanto,

no grande cânone universal. São símbolo máximo da marcha da humanidade, do progresso,

da hegemonia do mundo civilizado ocidental sobre o mundo inteiro. O sonho de Theophilo

não morreu com ele, em 1924: Ruy, como bom profeta, como bom messias, como bom

mártir, como bom Camões, foi provavelmente o que mais acreditou na sua missão

universal: envangelizar o mundo com a ―Biblia da Nacionalidade Portugueza‖127

– Os

Lusíadas – através do poder supremo da sua música. Para o compositor, a sua própria acção

musical é desígnio óbvio e inalienável. Tal como Camões, Coelho sofre a incompreensão

126

Coelho, Carta a um compositor célebre, 32-33.

127 Como lembrou Theophilo: cf. Anexo 3, p. 9.

31

da Pátria, mas não está só: com ele estão – mais do que Gil Vicente, Camões, e os seus – os

próprios Beethoven, Wagner, Mahler, Strauss.

Curiosa é a referência a estes compositores quando a partitura128

denuncia uma

liberdade invulgar, apesar de ser de facto basilar – o que aliás não é expectável ou evidente

para um discípulo de Humperdinck –, a influência de Arnold Schoenberg e da citada 8.ª

Sinfonia de Gustav Mahler (a ―Sinfonia dos mil‖), a cuja estreia berlinense Ruy Coelho

assistiu (tendo Humperdinck analisado a partitura com os seus alunos depois do

concerto129

), lembrando-a no que respeita à qualidade de orquestrador e ao carácter

apoteótico, transcendente, monumental da sinfonia, à « [...] subtileza de tantas paisagens de

pianíssimos misteriosos que fazem um contraste de cores, de emoções [...] »130

.

Veja-se o substrato mahleriano, por exemplo, no facto de a Symphonia Camoneana

ser bem mais próxima, narrativamente, da ideia de poema sinfónico131

(tal como parecem

ser, aliás, todas as seguintes camoneanas132

) do que de sinfonia clássica – o que evoca

também o manifesto futurista de Pratella133

, muito embora não seja possível confirmar que

Ruy Coelho conhecesse já este texto nesta altura134

. E atente-se na própria estrutura

128

Não se encontrando manuscrito autógrafo, referimo-nos à edição berlinense de 1913. O exemplar

consultado foi o que se encontrava já na BNP, antes da doação do espólio do compositor, com a cota

CAM. 193 A., e a dedicatória « Ao caro amigo [Hermínio do?] Nascimento ». Os exemplares do espólio

de Ruy Coelho estão significativamente truncados e corresponderão a uma versão muito posterior,

estruturalmente simplificativa, da partitura, que não será aqui abordada.

129 Cf. Coelho, ―Lições de Humperdinck‖. Acha-se um exemplar da primeira edição da partitura no EHRC.

130 Ruy Coelho, ―Histórias da Música – A estreia em Berlim da 8.ª Sinfonia de Mahler‖, Diário de Notícias

40590 (25/02/1980): 9.

131 Sendo até assim anunciada. Cf. Bacteriologista, ―Ao Microscopio‖, O Zé 123 (245) (20/03/1913): [2].

132 Ruy Coelho viria a compor um total de seis ―Sinfonias Camoneanas‖. Comporia outras três sinfonias não

camoneanas, estas sim formalmente mais clássicas e independentes de qualquer condução programática: as

duas Petite Symphonie, de 1927 e 1932, e a Sinfonia n.º 3 (porque na sequência destas outras duas, apesar da

maior dimensão), datada de 1949.

133 « […] La sinfonia futurista considera come sue massime forme: il Poema sinfonico, orchestrale e

vocale e l’Opera teatrale. [¶] Il sinfonista puro trae dai suoi motivi passional svolgimenti, contrasti, linee e

forme, com fantasia ampia e liberta, non dovendo attenersi ad alcun critério che non sai il suo senso artistico di

equilibrio e di proporzione, e trovando il suo fine nel complesso dei mezzi espressivi ed estetici proprî nella

pura arte musicale. Questo senso di equilibrio futurista altro non è che il raggiungimento della massima

intensità di espressione. […] »; « […] Impossessarsi di tutti i valori espressivi tecnici e dinamici dell‘orchestra

[…] ». Cf. Francesco Balilla Pratella, ―La musica futurista‖, in Futurismo & Futurismi, ed. Pontus Hulten

(Milão: Bompiani, 1986), 550-551.

134 À época em que a Symphonia Camoneana é estreada, Pratella e as suas teorias são criticamente

mencionados por Júlio Neuparth: cf. Eco Musical 121 (08/07/1913). A coincidência leva-nos a especular

sobre uma possível divulgação do ideário de Pratella por parte de Coelho, em associação à sua obra. Em 1914,

publicam-se excertos de um manifesto de Pratella em ―Futurismo‖, A Arte Musical 383 (30/11/1914):

174-175. Todavia, a primeira referência directa que se conseguiu achar, da parte de Ruy Coelho, é

posterior: « [...] Houve, é certo, uma tentativa de Pratela [sic], criatura falha de tecnica […]. Como quer que

seja, trata-se de uma fantasia decadentista de avant-guerre, incompativel com a epoca de forte realidade e de

32

bipartida das obras, em que na primeira parte de Mahler se clama Veni creator spiritus,

sendo Camões o criador invocado em Coelho; e em que na segunda parte de Mahler se

evocam os últimos passos de Faust de Goethe, donde a salvação da sua alma das garras de

Mefistóteles e sua ascensão aos céus, e em Coelho cabe à Pátria a gloriosa salvação em

apoteótico ―pregão eterno‖.

Mas há Mahler também no efectivo coral-sinfónico solicitado e em algumas

soluções de orquestração como a maximização de contrastes dinâmicos – ora esplendoroso

tutti, ora intimismo camerístico. Mais surpreendente, todavia, será talvez a influência de

Schoenberg – herança relativizada pela única fonte crítica que se debruça, ainda que de

passagem, sobre esta obra:

« [...] [Ruy Coelho] revendiqua l‘influence d‘Arnold Schoenberg, dont il suivit quelque

temps l‘enseignement à Berlin. [...] En tout état de choses, l‘influence est superficielle et peu

assimilée. La démesure de l‘ensemble de la Symphonia Camoneana et les éléments

d‘extension de la tonalité qui structurent le langage sont clairemenet à ranger du côté du post-

-romantisme. Le rapport entre Rui Coelho et la musique de Schoenberg semble, d‘ailleurs,

fondé sur un mal-entendu [...] »135

.

A asserção é de certa forma paradoxal: seria porventura possível uma influência

profundamente assimilada face a um referente experimental, em rápida e constante

evolução, como era o Schoenberg desses anos136

? Pode inferir-se, outrossim, sobre como

este experimentalismo de Schoenberg contagia o novel compositor, e se procurarmos

resposta naquilo com que Ruy Coelho pode seguramente ter contactado – porque já então

publicado – veremos como podem ser significativamente legíveis, na sua obra, ideias

sugeridas no célebre tratado de harmonia (Harmonielehre, publicado em 1911)... ou mesmo

recursos experimentados em partituras como Drei Klavierstücke (publicada em 1910) e

Fünf Orchesterstücke (em 1912).

De Harmonielehre há pelo menos duas perspectivas schoenberguianas sobre as

quais parecem familiares alguns recursos da Symphonia Camoneana: a ideia de uma

acção vertiginosa, em que entramos depois do armisticio, e que é necessario que a Musica exprima

sintéticamente, de modo a integrar-se no conjunto de sentimentos, de ideias, interesses e impulsos que orientam

a vida contemporanea [...] » — ―Ruy Coelho fala-nos da sua Arte vitoriosa‖ [recorte preservado na BNP,

ERC, s. c., identificado como sendo do Diário de Notícias (16/03/1922)].

135 Deniz Silva, ―« La musique a besoin d‘une dictature »‖, 55.

136 A este propósito, leia-se por exemplo René Leibowitz, Schoenberg (Paris: Éditions du Seuil, 1969), e

Richard Taruskin, Music in the Early Twentieth Century (Oxford: Oxford University Press, 2010).

33

tonalidade ―flutuante‖ ou ―suspensa‖ e o desenho de ―melodias de timbres‖ (Klangfarben-

melodien). Comecemos pela primeira, e cite-se Richard Taruskin:

« [...] Whereas even in Mozart "such harmonies have been used almost exclusively

where they can be explained as passing tones and the like," for [...] Schoenberg "they are

henceforth just chords"; even more ominously, that "they are only superficially annexed

to the old system, for they are judged according to a different principle, according to their

origin, and are not referred to roots." [¶] Why ominously? Because if such chords are no

longer dependent for their understanding and use on their relationship to functional

harmonies (i.e., harmonies with roots), and if they can succeed on another with all the

freedoms of consonances, then the whole system of functions [...] becomes moot. And

indeed, one of the closing chapters in the Harmonielehre – significantly, it is the first

chapter in which Schoenberg cites his own works as examples – bears the title Über

schwebende und aufgehobene Tonalität ("On Fluctuating and Suspended Tonality") [...].

Rather than harmony, what holds such music together will be the coherence of the

thematic material: its motivic consistency "creates the opportunity for such harmonic

looseness through its characteristic figurations" [...] »137

.

Mais perscrutantemente, cite-se Schoenberg:

« […] Sob o aspecto harmônico tratar-se-á aqui [, no que concerne à ―tonalidade

suspensa‖], quase que de forma exclusiva, de acordes nitidamente errantes. Qualquer

tríade maior ou menor poderia, ainda que de passagem, ser interpretada como se fosse em

si mesma uma tonalidade […] »138

.

Estas são ideias que cabem num imaginário sonoro pantonal, termo que Schoenberg

preferia face a atonal, com isso parecendo estar mais afim de uma visão transcendente-

mente omni-inclusiva. É a assumpção consciente de uma nova sintaxe, ungida não através

de acordes hierárquica e polarmente organizados, mas através de concatenações motívicas

nas suas mais variegadas figurações melódico-rítmicas. A sequência de signos harmónicos

deixa de constituir frase per si, para frase passar a ser uma sequência de signos harmónicos

semanticamente individualizados sob a égide de uma estrutura de signos motívicos. Já o

prólogo da Symphonia Camoneana no-lo sugere: contra as leis da harmonia tradicional

137

Taruskin, Music in the Early Twentieth Century, 311-312.

138 Arnold Schoenberg, Harmonia, trad. Marden Maluf (São Paulo: Editora UNESP, 1999), 529.

34

romântica, sucedem-se sem preparo nem aviso os acordes puros de dóM, réM, fáM e mibM, e

por aí em diante (cf. Fig. 5).

Fig. 5: Redução harmónica dos sete primeiros compassos do ―Prologo – Hymno a Camões‖. O contorno melódico agudo é fiel ao do original.

Mais exemplarmente – porque, apesar de se poder inscrever vagamente no

ideário de Harmonielehre, uma sequência de tríades maiores está longe de se

assemelhar à música que Schoenberg escrevia... –, veja-se agora a Fig. 6: aqui, não só a

sintaxe é tonalmente disfuncional, como já não se observam puras as harmonias. O que

conduz é uma plangente melodia, passando pelo coro e pela orquestra, ora solitária, ora

guarnecida de tensa harmonia feita permanente ―suspensão‖; harmonia constituída de

teimosas 7.as

Ms, 5.as

dims, 2.as

ms, pequenos clusters – valores intervalares também inscritos,

anunciados ou lembrados em eco, aliás, em gestos melódico-rítmicos familiares e

recorrentes, donde a satisfação da referida necessidade de coesão motívica enquanto a

sintaxe inviabiliza qualquer sensação de repouso ou de chegada.

Ainda neste exemplo, veja-se como a orquestração serve um criterioso propósito

deambulatório. O mi inicial passa dos violinos I para os sopranos I e contraltos II; a

melodia segue, já sem violinos, até um ré, ao qual se juntam outras vozes e cordas – e

de novo os violinos I. O ré é abandonado pelo coro, enquanto violinos I e II e violetas o

fazem avançar para dó#, e violoncelos e contrabaixos para dóª. Outros instrumentos se

juntam, criando textura, e o coro volta, tomando o dó e fazendo-o avançar melodi-

camente até um si em jeito de fim de frase. Entretanto, violinos I (com impulso dobrado

nas flautas) lançam nova frase que culmina em dó#, de súbito isolado; delicamente, o

dó# passa para os sopranos I, com os quais a melodia vai avançando até a um sol, o qual

por sua vez acaba por ser dobrado na trompa, surgindo depois em distorcida conti-

nuidade um sol# na celesta e nos violinos I. Tudo em ambiente vagaroso e pianíssimo:

orquestração não como guarnição romântica, mas como criterioso jogo de timbres. Não

35

Fig. 6a (continua na p. seguinte): Excerto do 1.º and. (Largo) da Symphonia

Camoneana, correspondendo a parte das pp. 35 e 36 da edição impressa. Partitura

completa em dó, com somatório harmónico em rodapé. Ficheiro MIDI no Anexo 5.6.

36

Fig. 6b (continuação da p. anterior)

37

será isto uma proposta de Klangfarbenmelodien? Senão vejamos:

« [...] Schoenberg's Harmonielehre contained a famous speculation on the

possibility of composing "tone-color melodies" (Klangfarbenmelodien) that would add

another dimension of integration to his utopian musical universe, with timbre playing a

roole normally assigned to pitch [...] »139

.

Para além de sugerida em Harmonielehre, a ideia de Klangfarbenmelodien pode

também observar-se no terceiro andamento de Fünf Orchesterstücke. Mas Ruy Coelho

chega a ir mais além do que esta no extremar, pelo isolamento camerístico e estático das

intervenções individuais, da ideia de melodias de timbres, com isso lembrando a textura

pontilhística com que nos habituará mais tarde a pena de um Anton Webern: veja-se, pois, a

secção apresentada na Fig. 7 – onde, de novo, também a sintaxe tonalmente disfuncional.

Flagrante é o conhecimento de Drei Klavierstücke. Atente-se em geral na quali-

dade dos materiais motívicos e intervalares, e em particular na oscilação de 3.ªm entre ré

e fá sustentada por um fá pedal, ao início da segunda peça, simulando um rém em

primeira inversão, sugestão contrariada pela melodia com que a mão direita se inicia,

em torno de réb e mib (como que evocando uma ornamentação cromática nunca resol-

vente, sobre o réª da esquerda). Este movimento oscilatório de 3.ª, por vezes de 5.ª,

assim flutuante em contexto ―suspenso‖, é um dos recursos recorrentes na primeira

parte da Camoneana (veja-se a Fig. 7, tuba e timbales, e a Fig. 8a).

Não é pois totalmente insólito que a Camoneana tenha sido descrita pelo

compositor de setenta e oito anos com o intrigante rótulo «Primeira obra de autor português,

dodecafónica e politonal»140

. O aparente desconchavo de se declarar, para uma só obra, o

emparelhamento de técnicas irreconciliáveis, deixaria de o ser se imaginadas as suas

aplicações em momentos diferentes da partitura; trata-se apenas, todavia, e para além disso,

de uma adjectivação dubiamente alusiva a características não sistémicas. Se reticências

houvesse quanto ao conceito de dodecafonismo aqui reivindicado, esclarece-nos o próprio

que se trata de um ―novo sistema de colocação dos doze meios tons‖141

– o que difere

139

Taruskin, Music in the Early Twentieth Century, 339.

140 [Ruy Coelho?], Ruy Coelho – sua acção e suas obras de 1910 a 1967 (Lisboa: Éditions Lisboa, 1967).

141 Cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Autores modernos‖ [recorte preservado no EHRC, identificado

como sendo do Diário de Notícias (26/02/1981)].

38

―[das] séries, ou seja a música serial‖, “[sistema] fixado por Schonberg em [1923]‖142

. Há

de facto, na partitura, um ―novo‖ entendimento semântico do valor individual dos doze

meios tons, não mais sujeitos às leis de uma tonalidade. Há até um curioso desenho

melódico, aos primeiros violinos, feito do que, com graça, poderia aos nossos olhos ser uma

quase pura série dodecafónica (cf. Figs. 8a e 8b); não se comportando como série, o

desenho é ainda assim reforçado, como nos outros exemplos, por harmonia disfuncional.

Verticalmente encontramos, por outro lado, e como vimos, inúmeros momentos de

somatório harmónico tonalmente indefinível; veja-se agora como se chega a verificar a

ocorrência de até nove sons sobrepostos: no último compasso da Fig. 9, trilos inclusive,

faltam apenas o ré, o lá e o lá# para o total cromático. O reivindicado princípio de

construção politonal talvez estivesse na construção destes afloramentos, se lidos como

aglomerados de acordes, ou na forma como se ―suspende‖ a ―tonalidade‖, se lida como

sequência cumulativa ou percurso deambulatório de ―tonalidades‖ ou seus vestígios.

Na Fig. 7, do acorde de dóM passa-se para mibM, e logo para o que se pode ler como um dóm

com 7.ªm sem 5.ª (esta junta-se no compasso seguinte); em colisão com este dóm poder-se-ia

ler um sim com 7.ªM (a desembocar em fáM); destas relações, ora de maior ou menor

familiaridade ora de agreste colisão, as funções tonais que se poderiam eventualmente

induzir são invariavelmente contraditas em pouco tempo, e afiguram-se sem sentido macro-

-estrutural... mas a forma como estes conflitos e ambiguidades se orquestram, não raras

vezes surgindo os intervalos de mais nítida e clara definição harmónica – como 3.as

e 5.as

num mesmo espaço tímbrico, reforça a sensação auditiva de um discurso pantonal feito de

―tonalidades‖ que se fazem e desfazem, irregular e inexoravelmente.

O jovem compositor chegou a usufruir de algumas aulas de Schoenberg –

experiência que menosprezará, nos anos trinta, reconhecendo ―as «recherches» audaciosas

de um grande inovador‖ mas acusando o seu autor de uma heroicidade vazia, de uma

―música doente‖, e achando « [...] na ―Abertura do Barbeiro de Sevilha‖, mesmo só a piano,

flauta e tambor, mais espírito, mais modernismo do que no ―Pierrot Lunaire‖ [...] »143

.

142

Cf. idem, ―Histórias da Música – Música moderna‖, ibidem 41215 (14/12/1981): 11.

143 Cf. artigo no Diário de Notícias de 27/01/1932, citado em Emma Romero Santos Fonseca da Câmara Reys,

Divulgação Musical [vol. II (1929-1933)] (Lisboa: s. n., 1934), 334-336; « [...] o destino de Schonberg é bem

menos límpido que o destino de Strawinsky [...] », lê-se ainda em Ruy Coelho, ―Histórias da Música –

Influência de Stravinsky‖, Diário de Notícias 41403 (28/06/1982): 9.

39

Fig. 7: Excerto do 1.º and. (Largo) da Symphonia Camoneana,

correspondendo a parte das pp. 22 e 23 da edição impressa.

Partitura completa em dó. Ficheiro MIDI no Anexo 5.7.

40

Fig. 8a: Redução (a três sistemas, com somatório harmónico ao 4.º sistema complementar)

da p. 17 e três primeiros cc. da p. 18 da edição impressa da Symphonia Camoneana.

A quase série, apontada numeralmente, em contexto tonalmente disfuncional.

Fig. 8b: A quase série, apontada na redução precedente, aqui isolada.

Fig. 9: Excerto do 1.º and. (Largo) da Symphonia Camoneana,

correspondendo a parte das pp. 25 e 26 da edição impressa. Redução.

41

Por esclarecer está a altura (e a frequência) em que (com que) o contactou. Sabe-se

que (pelo menos) a 16 de Maio de 1912 já Ruy Coelho manifestava a Theophilo Braga o

desejo de estudar com Schoenberg144

, solicitando para o efeito o envio de uma remessa de

duzentos marcos, mas, segundo memórias tardias145

, procuraria o mestre apenas depois de

assistir à estreia de Pierrot Lunaire, com Raul Lino, a 16 de Outubro de 1912.

Não é muito provável que haja, por isso, mão directa de Schoenberg na Symphonia

Camoneana, que a 7 de Novembro já Ruy Coelho passava a limpo, orgulhando-se mais

tarde de a não ter mostrado a ninguém146

. Ainda assim, substiste esta curiosa memória de

um Ruy já ancião: « [...] Quando, numa lição, lhe disse que ia empregar[,] na minha

«Sinfonia Camoneana», quatro tubas, não aceitou a minha ideia. Para me tentar convencer,

nunca mais acabava de falar. Só que eu não desisti [...] »147

. A discordância afigurar-se-ia

previsível, e tanto mais curiosa por ser este ―excesso‖ de tubas, de facto, a mais estranha

divergência da Camoneana face à instrumentação de, por exemplo, Gurre-Lieder, obra

concluída em 1911148

com a qual partilha a dita ―démesure de l‘ensemble‖ e à qual

podemos juntar, evidentemente, a oitava de Mahler (cf. tabela comparativa no Anexo 6.2).

Como obra de juventude, a Symphonia Camoneana revela-se ambiciosa e acusa

uma intrépida vontade de descobrir o novo; à falta de um estudo dedicado, seguem-se

algumas das suas outras caracerísticas mais relevantes que uma primeira leitura detectou e

que importará explorar oportunamente:

Orquestração | Exploração de contrates dinâmicos maximizados, ora

reduzindo o efectivo a um solista isolado ora pedindo esplendoroso tutti (cf.

p. ex. Anexos 4.10 e 4.11); exploração de efeitos de glissandi e harpejos

cruzados, estes também certamente informados por Pétrouchka de

Stravinsky (cf. p. ex. Anexo 4.12); exploração de efeitos de espacialização

através de jogos de alternância e deambulação motívica, com especial

ênfase em intervenções do coro duplo e no que concerne às fanfarras (cf.

p. ex. Anexos 4.13 e 4.14); tratamento da voz humana como instrumento de

144

Cf. Anexo 3, pp. 11-12.

145 Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Lições de Schoenberg em Berlim‖, Diário de Notícias 40389

(06/07/1979): 11.

146 Cf. Anexo 3, pp. 18-19 e 43-44.

147 Coelho, ―Três mestres [–] três estilos‖. Cf. também Coelho, ―Lições de Schoenberg em Berlim‖.

148 Uma redução foi depois publicada em 1912, e a partitura de orquestra em 1920 (cf. Referências).

42

interjeição orquestral (donde por vezes o carácter pouco idiomático,

lembrando a máquina barroca bachiana) (cf. p. ex. Anexo 4.15).

Discurso musical | Exploração de contornos melódicos ora angulosos, ora

longamente estáticos, até à valoração do silêncio como corpo musical (cf.

p. ex. Anexo 4.16); exploração de irregularidade métrica, com recusa (em

alguns momentos) da quadratura clássica (cf. p. ex. Anexo 4.17).

De resto, pesem embora as influências de outros compositores na partitura da

Symphonia Camoneana, a proposta do jovem Ruy Coelho, longe de ser uma consequência

amadurecida das suas linguagens, constitui antes uma peculiar extrapolação de influências

que as faz desembocar em uma obra conceptualmente singular no seu ―eclectismo‖

programaticamente assumido, dada a confluência de díspares gestos estéticos

conscienciosamente aplicados em função de estrita intenção poética (gestos aliás

incompreensíveis e entre eles imcompatíveis à luz do experimentalismo de Schoenberg149

).

Nesta assumpção do devir poético, a característica mais original da partitura talvez esteja

em não designar solistas, ao contrário do que acontece na 8.ª de Mahler: as forças corais

devem ser, na Camoneana, a materialização sonora da Pátria ela-mesma, sem arautos

intermediários – o que de novo lembra o ideário de Pratella150

. A intenção é programática,

como é especialmente evidente em uma longa e expressiva secção sem texto – um dos

primeiros exemplos de escrita para coro misto sem palavras151

–: entoando-se

invariavelmente a interjeição Ah!..., chora a Pátria a morte do Poeta... Pátria, Poeta,

Portugueses – a união fraterna de todas as vozes – confundem-se num todo indissociável152

.

E por isto mesmo também a inflexão melódica, o corpo harmónico e todos os demais

parâmetros musicais são uma constante metáfora, e nunca a realização meramente técnica

149

A dissolução da sintaxe tonal, em Ruy Coelho, investindo também em harmonias claras, perfeitamente

expectáveis num universo tonal, distancia-se da de Schoenberg, em cuja música nunca assistimos a tão

reiterado contraste entre uma horizontalidade pantonal e, por vezes, uma verticalidade tão luminosa.

150 « […] La voce humana, pure essendo massimo mezzo di espressione, perché nostra e da noi proveniente,

sarà circonfusa dall‘orchestra, atmosfera sonora, piena di tutte le você della natura, rese attraverso l‘arte. […] »

— cf. Balilla Pratella, ―La musica futurista‖, 550-551.

151 Apesar de diferentes no carácter, na intenção e na concretização, ouçam-se os casos anteriores de Nocturnes

(1899), de Claude-Achille Debussy (aqui fazendo-se uso apenas de coro feminino) e do coro a bocca chiusa do

segundo acto de Madama Butterfly (1901-1903) de Giacomo Puccini.

152 « [...] O mal-estar da sociedade portuguesa ante a invasão hespanhola, o nevoeiro envolvendo a cidade

desolada e o Tejo, na alvorada, como um sudário; todo êste ambiente de surda desolação que é a Agonia da

Pátria, é o quadro da Agonia do Poeta [...] ». Cf. [Braga e Coelho], Symphonia Camoneana [programa de

sala]. O facto de o texto ser tão reduzido pode também ter sido pensado com o fim prático de facilitar a

execução da obra no estrangeiro, o que, como adiante veremos, era intenção do jovem compositor.

43

ou experimental de um dado desafio teórico. A exploração de recursos está ao serviço da

narrativa previamente delineada.

Como provável consequência das aulas de Schoenberg – ou, pelo menos, do

contacto com a sua música mais experimental –, substistem ainda duas outras obras. Uma

delas, tardiamente estreada153

, para duas violetas, dois violoncelos e piano, ficou conhecida

por Largo, muito embora o manuscrito autógrafo (cf. Anexo 4.18) revele que o que se veio

a ter por título é, no original, mera indicação de tempo, e que a peça se tratava outrossim de

um segundo andamento... Poder-se-á especular sobre a perda ou destruição da obra no seu

todo e sobre a redescoberta deste andamento solto muito mais tarde; em todos os casos, Ruy

Coelho decidiu (em 1963?154

) orquestrar esta breve peça – de cerca de dois minutos

(cf. Anexo 5.8) – e integrá-la como quinto andamento de Calendário (impressões d’um

parque de Lisbôa), um conjunto de sete ―quadros sinfónicos‖. Manteve-se fiel, neste

processo, ao schoenberguiano texto original, tão aforístico e pantonal como são Drei

Klavierstücke – atmosfera que é, novamente, de carácter programático ou, pelo menos,

segundo o próprio Ruy Coelho, descritiva do estado psicológico amargurado e ―pessimista‖

em que se encontrava enquanto a compôs155

.

Por fim, para orquestra, e aparentemente sem texto cantado, O Livro das Cantigas,

a mais estranha das obras de Ruy Coelho deste período. A folha de rosto acusa início da

composição a 20 de Novembro de 1912 e descreve uma estrutura dividida em quatro partes:

―Cantares de Nathercia‖ (por sua vez com cinco partes), ―Cantigas do meu fado‖ (seis

partes), ―Trêz cantigas de Dona Ignez‖ (três partes) e ―Rezas da Rainha Santa‖ (duas

partes). Infelizmente, a partitura sobrevive truncada; a sobreposição de duas paginações

diferentes (ambas denunciando a incompletude actual da obra) provam o retorno de Ruy

Coelho a esta obra singular em pelo menos uma ocasião posterior; face aos elementos de

que dispomos é impossível aferir se qualquer uma das hipotéticas versões chegou a ser dada

por concluída. Tampouco se achou notícia ou prova de eventual estreia ou incorporação da

obra numa outra, como aconteceu com Largo. O que resta156

revela um conteúdo assaz

153

Cf. II Exposição de Artes Plásticas – Concertos de Música Portuguesa Contemporânea [programa de sala?]

(Fundação Calouste Gulbenkian, 1962) [Documento consultável na BNP, ERC, s. c.].

154 Ao menos estreada em 1963 parece ter sido: cf. Coelho?, Ruy Coelho – sua acção e obras, 25.

155 Cf. carta a Theophilo Braga, de Berlim, a 28/10/1912 (Anexo 3, pp. 16-17).

156 De ―Cantares de Nathercia‖, a primeira parte aparentemente completa, e a segunda talvez completa;

de ―Cantigas do meu fado‖, a primeira parte aparentemente completa. E, por fim, ou de ―Trêz cantigas de

Dona Ignez‖ ou de ―Rezas da Rainha Santa‖, a segunda parte possivelmente completa.

44

peculiar, pelo agreste contraste entre a música e os títulos de aura aparentemente romântico-

-nacionalista – e a ambição, partilhada com Theophilo Braga, de com ele fazer « [...]

qualquer coisa que traduza a sentimentalidade da saudade creando assim a Cantiga que nem

é o Lied, nem a Chanson [...] »157

; pelo contrário, estamos perante mais um exemplo de

sintaxe pantonal e de estrutura aforística, a que acresce, neste caso, uma inusitada orques-

tração, de novo remetendo para uma interpretação de ―melodias de timbres‖ (cf. Fig. 10).

Fig. 10: 1.ª parte (presumivelmente completa) de ―Cantigas do meu fado‖.

Partitura de orquestra em dó. Ficheiro MIDI no Anexo 5.9.

II.5 | 6 Kacides Mauresques e outras obras para canto e piano

Não se achou manuscrito autógrafo de 6 Kacides Mauresques mas a obra muito

provavelmente datará, no máximo, de 1913, ano em que Ruy Coelho, em carta a Theophilo

Braga, dizia ter já composto música de diversos autores, dentre os quais ―uns poetas arabes

do X século‖158

. A modernidade da sua atmosfera musical (cf. Anexo 5.10 e 5.11), de

brio e de candura francesas, urdida com apurada sensibilidade textural e uma harmonia de

perfumado exotismo, aproveitando criteriosamente os melhores poemas árabes dentre os

157

Carta a Theophilo Braga, de Berlim, a 27/11/1912 (Anexo 3, pp. 23-23). Sublinhados conforme o original.

158 Carta a Theophilo Braga, de Lisboa, a 06/04/1913 (Anexo 3, p. 51).

45

vários com que Ruy Coelho deparou em dois Mercure de France de 1909159

, mereceria

lugar de destaque no catálogo do compositor. Pelas características musicais e pela origem

dos poemas, traduzidos para francês, a obra pode bem ter sido composta durante uma

presumível estadia parisiense entre 1911 e 1912160

– altura em que Souza-Cardoso produz a

quase homónima xilogravura. É também possível que date desta presumível estadia o muito

fugaz contacto com Paul Vidal, com quem não terá tido senão duas lições161

; nas suas

memórias tardias lembra ainda o contacto (certamente pontual) com Xavier Leroux,

Vincent d‘Indy, Georges Caussade (estes três, professores na Schola Cantorum), Fauré, e

ainda Marios Varvoglis, condiscípulo162

. Todavia, estes contactos podem ter-se dado

anteriormente, num possível percurso Lisboa-Berlim (ou vice-versa).

A riqueza técnica de 6 Kacides Mauresques é notável, desde o delicado pedal

inteiro de dois acordes perfazendo o total cromático de uma oitava (cf. Anexo 4.19, I,

cc. 13, 15 e 16), até ao recurso enfático e reiterado a um total cromático disposto em um

intervalo de 14.ª através do que se pode conceber como duas escalas de coloração

octatónica (p. ex. II, cc. 34 e 36, e V, cc. 10 e 12 – aqui cruzando um portamento lento da

linha vocal –), e gestos seus familiares (II. cc. 28, 57-60, 74), passando por uma geral

profusão de acordes com notas agregadas – 2.as

e 6.as

, ou 2.as

e 4.as

, e (ou) 7.as

, etc. (passim

sobretudo I, II, III e VI) – e pela ambiguidade tonal que nunca se resolve com indefectível

clareza (cf. IV, que se diria em dóM – assim começa, pelo menos –, mas a que cedo se

prende um estranho mi grave até ao fim da peça, sobre o qual se desenha uma melodia

tensa, a terminar, nas duas últimas frases, em salto de 5.ªdim descendente, sucedendo-se,

à mão direita, acordes de três sons que evitam quase sempre o intervalo definidor de 3.ª)...

E veja-se ainda o ostinato de quatro notas – mib, fá, láb, sib –, sobre o qual se vai

desenhando uma melodia e um contra-acompanhamento a sugerir tanto acordes afins (lábM,

sibM, fám) como distantes – si7.ªM

s/3.ª

ou miM – (passim V).

159

Franz Toussaint, ―Kacidas mauresques du X.e siècle‖, Mercure de France 279 (01/02/1909): 404-407,

e Franz Toussaint, ―Kacidas mauresques du X.e siècle‖, Mercure de France 300 (16/12/1909): 609-612.

160 Ruy Coelho está em Berlim em 07/1911 (data dos referidos prelúdios) e em 03/1912 (envio de uma

carta a Theophilo: cf. Anexo 3, p. 6), e talvez logo a 20/01/1912, se se considerar que A princeza data

desse ano (cf. p. 18). Em 1912, em Paris, assina o que virá a ser o prólogo da II Symphonia Camoneana.

161 A Theophilo Braga confessaria Ruy Coelho, a 29/11/1912, de Berlim (cf. Anexo 3, pp. 24-25): « [...] Em

Paris consegui entrar no Conservatorio o que é dificilimo na classe de composição e sahi ao cabo de duas lições

– o Vidal, terceiro chefe d‘orchestra na opera é um verista. [...] ».

162 Cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Fauré esquecido‖, Diário de Notícias 41658 (21/03/1983): 11,

idem, ―Histórias da Música – A lógica e a música‖, ibidem 41325 (06/04/1982): 9, e idem, ―Histórias da

Musica – Conversas em Paris com Mário Varvoglis‖ [recorte preservado no EHRC, identificado como

sendo do Diário de Notícias (20/05/1979).

46

Talvez por este afastamento face aos seus ideais musicais pró-germânicos, aquando

do seu regresso a Lisboa, pareça ter sido posta de parte até à sua publicação no início dos

anos 20163

.

Da mesma altura datarão, presumivelmente164

, as suas outras peças para canto e

piano em língua francesa: Chanson sobre Maurice Maeterlinck, Chanson de Barberine e

Le sommeil de l’enfant sobre Alfred de Musset, e ainda alguma música sobre Gottfried

Keller165

que se não localizou.

Chanson (cf. Anexos 4.20 e 5.12) é um exemplo de notável astúcia e refinamento

no que concerne à gestão da ambiguidade tonal e, pelas mesmas razões, à gestão dramática

do acompanhamento pianístico. A peça termina claramente num acorde de mibm, e é

também pela terceira mib-solb que principia. Todavia, o acompanhamento do início da

primeira parte é tudo menos tonalmente evidente, e reduz-se a este ostinato de 3.as

que vai

passando por outras notas, por vezes bem distantes do universo tonal de mibm: no c. 3, fá-lá,

no c. 5, si-ré#, no c. 6, mi-sol, depois mib-sol, depois de novo mib-solb, etc.; só no c. 12 (não

por acaso de quatro tempos, contra o ternário global), se anuncia com surpresa dramática a

nova estrofe com recurso a um acorde definidor (sibm). Ainda mais dúbia é a secção central,

em que o acompanhamento pianístico ganha mais espaços de silêncio, por vezes marcando

presença com a mesmíssima nota da linha vocal ou de novo colorindo com movimento de

3.ª ou, agora, de 2.ª (cc. 26-42). É na última estrofe, de novo anunciada por dramático

compasso quaternário (o segundo e último), que a mão esquerda do piano ganha presença

finalmente reveladora e, pela invariável prolongação dos terceiros tempos nos primeiros do

compasso seguinte, um elã ritmicamente pungente.

Chanson sobrevive apenas em fonte impressa: um caderno intitulado Novos Lieder,

em que Ruy Coelho agrupou inéditos esparsos sem qualquer fio condutor, e que terá

publicado em, pelo menos, 1921166

.

163

A partitura foi publicada em data que não foi possível confirmar. Tendo em conta a lista de ―Obras do

mesmo autor‖ que se encontra na contracapa da edição (cf. BNP, ERC, s. c.), parece datar do começo dos

anos 20.

164 Cf. Carta a Theophilo Braga, de Lisboa, a 06/04/1913 (Anexo 3, p. 53).

165 Ver nota 65, p. 14.

166 Novos Lieder inclui Soneto de Antonio Nobre, Na cathedral do amor e da paysagem, Dans la jetée

d’Alexandrie, Melodia d’amor e Chanson. ―Novos‖, portanto, no sentido editorial, isto é, porque

publicados depois de Canções de saudade e amor. No EHRC acha-se um orçamento para uma edição pela

Lithographia Castro & C.ª, a 23/09/1920, e um recibo de pagamento de 500 exemplares a 03/02/1921.

47

De Chanson de Barberine e Le sommeil de l’enfant sobrevive apenas manuscrito

autógrafo; não foram publicadas e não se achou notícia de estreia. Se Le sommeil de

l’enfant, malgrado um ou outro recurso mais moderno e um percurso harmónico de acordes

não preparados – mas inscritos num discurso com grande espaço e tranquilidade,

provocando não surpresa por choque mas deleite por coloração de terna linha vocal (Fig.

11) –, é bem menos ousada do que 6 Kacides Mauresques, já Chanson de Barberine, em

tempo de ―Allegro fantastico‖, é notável na sua tensão harmonicamente dissonante e

ritmicamente nervosa: vejam-se os choques reiterados de intervalos tonalmente

indefenidores e a propulsão nervosa – porque gesto repetido de duas colcheias inscrito em

tempos de três – da mão esquerda (Fig. 12).

Em data incerta compõe também Dans la jetée d’Alexandrie (cf. Anexos 4.21 e

5.15), sobre Pierre Louÿs, peça temática e musicalmente familiar de Kacides.

O acompanhamento de piano dobra quase sempre o canto em oitavas graves e vazias;

quando há coloração harmónica, fá-la a mão direita, com harpejos de harmonia mais clara

na primeira e na última secções, e de maior exotismo em momento central, em que é quatro

vezes lançado, em pedal inteiro (cc. 15-18 e penúltimo), o gesto que de forma similar

aparece também em 6 Kacides Mauresques: um total cromático partido em duas escalas de

coloração octatónica no espaço intervalar de 14.ª.

Fig. 11: Primeiros compassos de Le sommeil de l’enfant. Ficheiro MIDI no Anexo 5.13.

48

Fig. 12: Cc. 3 a 8 de Chanson de Barberine. Ficheiro MIDI no Anexo 5.14.

De todas as peças apresentadas neste capítulo, apenas para Dans la jetée

d’Alexandrie se achou notícia de apresentação pública durante o período aqui estudado.

A estreia deu-se talvez em 1916, data da primeira referência que se pôde encontrar a um

concerto com esta obra167

. A partitura, de que não sobrevive manuscrito autógrafo, foi

também publicada em Novos Lieder, tal como Chanson.

II.6 | Uma estreia insólita, uma ópera ruinosa: Paris como derradeira

esperança e uma Symphonia Militar...

Ruy Coelho regressa a Lisboa em meados de Março de 1913. Aceita a sugestão de

Theophilo Braga de estrear a Symphonia Camoneana a 10 de Junho, ―Dia da Raça‖,

aproveitando assim para a integrar nas festividades oficiais da Câmara Municipal de

167

A obra foi também apresentada em 1917: ver pp. 63-64 e nota 236.

49

Lisboa168

. Em apresentação única e irrepetível, foi estreada no São Carlos com a presença

de Manoel de Arriaga, Presidente da República, e de Theophilo Braga, que pronunciou uma

conferência introdutória sobre Camões. Facto inédito em Portugal, terá reunido cerca de

cinco centenas169

de músicos. À pompa e circunstância, frustradas por um ataque bombista

em Lisboa, seguiu-se uma polémica relativa à dívida contraída com a realização do

evento170

. Coelho é saudado por alguma crítica171

, mas em geral satirizado e caricaturado

(cf. Anexos 6.3 e 6.4) ou recebido com estupefacta incredulidade: confessa-se ser difícil

fazer uma apreciação « [...] pelo simples facto [de] que nada comprehendemos d‘ella [...] [;]

é de tal forma confusa e original que leva a palma a tudo [o] que até hoje se tem escrito no

genero ultra-moderno [...] »172

. Para outro crítico, « [...] subsiste a opinião de ha muito

formada de que [Ruy Coelho] tem talento, como o comprovam as obras anteriores à

Camoneana e que as posteriores mais ratificarão, dado o caso de o moço compositor

regressar ao racionalismo [...] »173

. Ainda para outro, « [...] Espreitando para dentro

d‘aquelle poço de dissonancias, mal se distingue coisa que prenda a attenção [...] » – com o

que supõe este crítico tratar-se a Camoneana de obra ―impressionista‖, « [...] dada a

affinidade das intenções do moço compositor com os principios irreverentes caracteristicos

d‘este movimento que muita gente não póde tragar [...] »... E mais:

« [,..] aos nossos sentimentos patrioticos [...] repugna acceitar qualquer musica que não

seja intimamente sã, perfeitamente franca, sentidamente melodica, musica em que as ideias se

desdobrem na atmosphera d‘uma harmonia variada e rica, mas sem impurezas [...]. Em vez

d‘uma partitura em que houvesse grandeza, vigor, resolução e doçura [...], que nos deu o sr. Ruy

Coelho? Uma pseudo-symphonia sem substancia, sem energia de rythmo, sem ordem, sem

168

Cf. carta de Theophilo Braga para Ruy Coelho, de Lisboa, a 07/03/1913 (Anexo 3, p. 46).

169 Cf. p. ex. ―As Festas da Cidade de Lisboa‖, Occidente 1241 (20/06/1913): 178-179. Ruy Coelho referir-se-á

mais tarde a setecentos e cinquenta elementos: cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Música – O órgão de S. Carlos‖,

Diário de Notícias 40906 (26/01/1981): 9.

170 Coelho, Carta a um compositor célebre, 8-11.

171 Cf. T. de A., ―A Symphonia Camoneana‖, Novidades 8820 (11/06/1913): 3 — « [...] Para nós, que

felizmente estamos identificados com as novas fórmas musicaes, a symphonia camoneana deu-nos a

nitida impressão do Bello. [¶] É uma obra em que a inspiração não se sujeitou ás algemas das regras

archeologicas e despedaçando-as com resolução voou para o sublime em toda a sua pujança [...].[¶] Ruy

Coelho é heroico na sua libertação das velhas fórmas. [¶] Ruy Coelho é o artista musical portuguez mais

completo, mais perfeito, pois que a par de uma inspiração colossal de beleza, tem a verdadeira intuição

esthetica da fórma e um poder descriptivo extraordinario. [...] ».

172 L. C., [―Sem título‖], A Arte Musical 348 (15/06/1913): 138. Itálicos fiéis à fonte. Ver também a crítica

―Festas da Cidade – O sarau em S. Carlos‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo

d‘O Seculo (11/06/1913)], que, com ingénua iliteracia musical, compara-a a Tod und Verklärung de Strauss.

173 ―Sinfonia Camoneana‖, Eco Musical 118 (16/06/1913): 180.

50

logica, sem uma expansão lyrica, e arrastada até ao fim á custa de musica solta [...] [;] não

seremos nós quem aguente aquela Morte de Camões, que de facto é de morrer a ouvir [...] »174

.

Estas reacções jornalísticas contrastam, curiosamente, com a descrição de um

público afinal caloroso175

. Em Cartas a um compositor célebre, relatando as suas várias

desventuras em Portugal, a da Camoneana inclusive, Ruy Coelho critica com implacável

ironia o amadorismo dos compositores, o academismo do ensino e o conservadorismo da

crítica. Dentre os conterrâneos visados destaca-se o seu ex-professor Júlio Neuparth. Ora é

Neuparth que assina, precisamente, um curioso artigo sobre ―Musica Moderna – Musica

Futurista‖176

, primeiramente publicado no Diario de Noticias e logo reproduzido no Eco

Musical – pouco depois destúltimo jornal ter dedicado uma capa a Ruy Coelho em

16/06/1913 (cf. Anexo 6.5), a propósito da estreia da Camoneana, em que Sadi, aos 165

dias de 2913, a partir da ―Orbe terrestre‖, assina uma ―Carta do outro mundo [/] Ao espirito

de Ruy Coelho‖, elogiando a ―genial obra‖ de cuja milésima audição vem de assistir e

lembrando que até também um francês « [...] ousou, com um sangue frio talvez improprio

da barbara epoca em que viveu, cravar a fundo – como já fizera para Debussy e Strauss,

calcula! – o escalpelo de uma critica feroz no Schoenberg, o teu romantico professor [...] ».

O conteúdo do texto de Neuparth, qual resposta indirecta à Camoneana, é revelador:

contrapõe modernismo – Gabriel Fauré e Gustave Charpentier – a futurismo – Pratella –.

O primeiro caso é « [...] a mais eloquente prova de que se pode fazer musica moderna, sem

recorrer a processos incompreensiveis que nos arranham os ouvidos [...] »; no segundo há

todo um « [...] longo percurso sem um só acorde perfeito, nem uma só frase que nos

acaricie o ouvido, ou entretenha o espirito [...] ». Neuparth chega mesmo a transcrever

algumas ―ideias anarquicas‖ de Pratella, que queria ―convencer os jovens compositores a

desertarem dos Conservatorios‖ e combater ―com assiduo despreso os criticos‖. Por estas

174

Dom Modesto [Adriano Merêa], ―Theatro de S. Carlos – Symphonia Camoneana para grande

orchestra, córos e fanfarras de Ruy Coelho sobre a poesia Á Morte de Camões de Theophilo Braga‖

[recorte preservado no ARPD, ETB, cx. 200, doc. 13, identificado como sendo d‘O Dia (12/06/1913)].

175 Como exemplo: « [...] Mas Ruy Coelho triumphou. O publico, apezar de não compreender

absolutamenie [sic] a partitura, ouviu-a com agrado e por vezes com enthusiasmo e no fim da audição

rompeu em calorosos e sinceros applausos, que por certo foram ferir como estilhaços de vidro os que

achavam a partitura má. [...] » — T. de A., ―A Symphonia Camoneana‖. E ainda o testemunho de

Joaquim Ribeiro de Carvalho: « [...] Toda a gente me dizia mal dêsse trabalho. Toda a gente se ria do

autor. De modo que eu fui para o teatro de S. Carlos péssimamente impressionado. [¶] Nem teria ido,

talvez, se não fossem as reiteradas instancias do meu amigo, e já ilustre compositor, José Cordeiro. Pois,

quer saber? A Sinfonia encantou-me, tem um grande mérito. [...] » — ―A canção portuguesa e a

Renascença Musical‖, Republica 868 (13/06/1913): 1.

176 Júlio Neuparth, ―Musica Moderna – Musica Futurista‖, Eco Musical 121 (08/07/1913).

51

ideias, conclui Neuparth, « [...] já o leitor fará uma ideia – bem longinqua aliás – do que seja

a partitura, cuja audição ao piano nos deixou os ouvidos a escorrer sangue [...] ». Este

documento é, provavelmente, o primeiro texto publicado em Portugal sobre o futurismo

aplicado à música, e ilustra exemplarmente a volatibilidade com que o conceito de

modernismo era utilizado nesta época.

A prestação dos músicos terá também frustrado Ruy Coelho, como se infere da

dificuldade da partitura e do que o compositor virá a escrever a respeito de Pedro Blanch,

o maestro que a dirigiu177

:

« […] A sobreposição de dois accordes diferentes torturava aquele «Kapelmeister».

E uma phrase paráda e longa, quasi lhe congestionava o cerebro. […] [Os] musicos hespanhoes

não dispensam o «colorau» e as «Malaguenhas»! […] No dia do ensaio geral já era um cadáver

quem dirigia a execução da minha Symphonia […] »178

.

Mal sucedida a tentativa – insólita pelo aparato e pela ambição – de se afirmar

através da Symphonia Camoneana, Ruy Coelho parte para o desafio operático. A 3 de Julho

começa a esboçar um libreto sobre O Bobo de Alexandre Herculano179

, obra evocativa da

gestação da nacionalidade portuguesa. Uma talvez urgente necessidade de substistência face

ao descalabro da Camoneana deve tê-lo feito desistir deste grande projecto e socorrer-se de

uma alternativa de menor fôlego. Voltando à colaboração com Theophilo Braga180

, dedica-

-se então a Serão da Infanta, ópera em prólogo e um acto:

« [...] [Trata-se de] uma evocação [...] do fausto d‘essa côrte, de D. João III, quando já

um vago misticismo empalidecia o brilho das riquezas orientaes, – côrte de poetas, academia de

cavalheirismo e arte a que presidiu essa gentilissima figura de mulher-artista que foi a Infanta

D. Maria. [...] [Foi] na côrte de D. João III que Luiz de Camões encontrou aquela D. Catharina

cuja sombra eternamente vive prêsa á beleza imortal dos versos do Poeta. A ação da opera, a que

nos vimos referindo, toda se desenrola em torno desta simples pergunta: – havendo sido

177

Os coros, por sua vez, tinham sido ensaiados por Antonio Joyce.

178 Coelho, Carta a um compositor célebre, 8.

179 Preserva-se exemplar repleto de sublinhados e anotações no EHRC.

180 Memórias sobre esta colaboração serão anotadas por Ruy Coelho numa das suas crónicas tardias: cf. Ruy

Coelho, ―Histórias da Música – Teófilo Braga[,] libretista de ópera‖, Diário de Notícias 40297 (14/03/1979): 9.

52

encontrados uns versos em que o poeta [...] se refere a uma Natercia, e existindo no paço tres

Natercias, qual d‘elas será a espiritual amante do autor dos versos? [...] »181

.

Pouco se pode analisar, todavia, de Serão da Infanta: a partitura foi inutilizada182

.

Sabe-se que previa coro (em que ensaiaram sessenta coralistas) e uma orquestra (em que

participaram noventa elementos) constituída apenas por instrumentos de arco, harpas, órgão

e cravo183

– instrumento que Ruy Coelho voltaria a utilizar em diversas outras obras e com

o qual pode talvez ter tido alguma proximidade através de Wanda Landowska184

.

No espólio do compositor encontra-se apenas uma pavana, e dela sobrevive também uma

peça que ganhou autonomia e grande celebridade: a Melodia de Amor. Estes vestígios,

ainda assim, são o bastante para deduzir um enorme recuo de Ruy Coelho face aos recursos

mais vanguardisticamente agrestes da Camoneana – suposição reforçada pelo propósito

para-camoneano, de contorno agora mais lírico e novelesco do que heróico e sacralizante,

e pelas melífluas descrições da imprensa crítica185.

Vencidas inúmeras dificuldades relativas aos ensaios e demais preparativos186

,

Serão da Infanta foi estreada, em récita única, a 1 de Dezembro. Sobre o feito de novo

estalou polémica e novo descalabro financeiro, e o futuro tornou-se ainda mais sombrio

depois de Ruy Coelho ter falhado um concurso para músicos pensionistas do Estado no

181

―Arte Portugeza – «O Serão da Infanta»‖, Intransigente 1011 (25/11/1913): 1.

182 Ruy Coelho, em entrevista: « [...] A opera foi combatida por toda a gente e de tal maneira que eu,

desgostoso, rasguei-a... [...] » — [Guterre de Oliveira?], ―Musica Portuguesa – O Cavaleiro das Mãos

Irresistiveis‖, [Título não identificado] ([1927?]) [Recorte localizado em BNP, ERC, s. c.].

183 ―1.º de Dezembro‖, Diário de Noticias 17264 (01/12/1913): 4.

184 Ou em Paris ou em Berlim, onde Landowska começou a dar aulas em 1913?... (Cf. Lionel Salter,

―Landowska, Wanda‖, in The New Grove Dictionary of Music and Musicians [vol. 14] [2.ª ed.], ed. Stanley

Sadie ([London]: Macmillan Publishers Limited, 2002), 225-226. No EHRC acha-se uma carta de Landowska

– um convite para um curso de interpretação – datado de 1931.

185 « [...] Ruy Coelho conseguiu impôr-se á opinião rebelde e acéfala do nosso meio pequenino de literatura e

arte. Esboçou no espaço ruidoso um belo gesto – e a turba calou de surpresa e espanto. [¶] Por momentos,

enlevadas na magia de arcos melodicos, as feras fôram domadas e aquietaram-se somnambulicas. [...] Ruy

Coelho bordou musicas de encanto[,] toadas de sentimento, motivos de graça, curvas de som, que se erguem,

mais alto e mais, em girandola, num alegro vivo, como grinaldas, para, em breve, se esfolharem mansamente e

acariciarem, num deliquio de extase, o ar morno da noite... [¶] Ao longe, vagamente, um solo de harpas,

melodico, subtil, abre a amfora dos seus perfumes de som, que se disseminam e alastram em nebulosa

remotissima... [...] » — António Cobeira, ―Cronica Ocidental‖, O Occidente 1258 (10/12/1913): 378. E ainda:

« [...] A partitura [...] não se destacará pela originalidade nem pelos grandes efeitos polifónicos, mas

recomenda-se pela melodia e suavidade de frases, delineadas á maneira de Massenet e Puccini. [¶] Do prologo

á ultima nota tem paginas interessantes, graciosas, que se ouvem com agrado. [...] » — S.[tuart] T.[orrie],

―«O Serão da Infanta», opera de Ruy Coelho‖, Republica 1040 (04/12/1913): 4.

186 Cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Musica – Cenógrafo soldado‖, Diário de Notícias 40645 (21/04/1980): 13.

53

estrangeiro187

, contra o que se insurge com virulência. Não lhe restou senão Paris como

derradeira esperança, acalentada desde há muito e já publicamente anunciada a (pelo

menos) 30 de Agosto: ainda que sem recursos, mas confiante na sua ―boa estrela‖, partiria

―à tôa‖ com o intuito de lá apresentar a Symphonia Camoneana – e sem o desejo de

regressar rapidamente. Afinal, para Paris partira também Richard Wagner, e sobre este Ruy

Coelho levava já, segundo o próprio, uma dupla vantagem: não levava nem cão, nem

mulher188

.

A 26 de Dezembro189

já se encontra a Paris, e lembra a Theophilo Braga a

necessidade de receber o diploma da Academia de Ciências de Portugal, ―de grande

utilidade‖ para as suas diligências. A 29 de Dezembro190

dá a notícia de ter dado os

primeiros passos para a prossecução da empresa camoneana: contactara Xavier de Carvalho

e Magalhães Lima, maçons e figuras de relevante peso político no panorama republicano

português. Enquanto trata destas diligências, lança-se à composição de uma Symphonia

Militar. « [...] Não lhe esconderei que o contacto que tenho tido aqui com creaturas

―reacionarias‖ m‘a fortaleceu [...] »191

, escreve Ruy Coelho a Theophilo Braga, a quem

pede colaboração literária. Contra o ―pratinho d‘arroz-dôce‖ dos chefes de orquestra

habituais, contra a música para ―principes e para as princezas‖ que ainda os franceses

– Séverac, Debussy, Ravel192

– então faziam, esta obra, ―canto heroico ao espirito da

liberdade da nossa Raça‖, pretendia-se estreada no próximo 10 de Junho, na Rotunda, à

noite, cantada e tocada por um conjunto de mil militares e seus ―instrumentos de

guerra‖, perante um público de sessenta mil pessoas: uma ―verdadeira apotheose‖. Ei-la,

pois, a agudização extrema e megalómana de um ideal de música supra-republicana, em

cujo aparato caberiam perfeitamente alguns dos mandamentos do manifesto de

Marinetti:

187

Cf. Coelho, Carta a um compositor célebre, 12-28 e 34-42.

188 « [...] – E quando conta voltar a Portugal? – Oh! mais tarde, muito mais tarde... [...] » — Cf. ―A ‗Sinfonia

Camoneana‘ em Paris‖, Rebate 29 (30/08/1913): 2; ―à tôa‖ acha-se em carta a Theophilo, a 13/03/1914 (Anexo

2, pp. 81-82).

189 Cf. Anexo 3, pp. 59-60.

190 Cf. Anexo 3, pp. 61-62.

191 Em carta de 13/02/1914. Cf. Anexo 3, p. 67.

192 « [...] Os francezes não se cansam de fazer o reclamo das obras de Ravel, Debursy [sic], Severac...

Mas nenhum d‘elles consegue traduzir a expressão da alma franceza, mas tão sómente d‘esse espirito

pretencioso, reminescencia da Pompadour, rendilhado e futil, dos salões de Paris. Como diz Laloy, os

mestres francezes só fazem paysagem pittoresca. São os Corot, os Anatole da musica... [...] » —

―A «Symphonia Camoneana» deverá ser executada a 10 de junho no theatro de S. Carlos – O que nos diz

o sr. Ruy Coelho‖, A Capital 974 (17/04/1913): 1.

54

« [...] 1. Nous voulons chanter l'amour du danger, l'habitude de l'énergie et de la

témérité. 2. Les éléments essentiels de notre poésie seront le courage, l'audace et la révolte.

[...] 7. Il n'y a plus de beauté que dans la lutte. Pas de chef-d'œuvre sans un caractère

agressif. La poésie doit être un assaut violent contre les forces inconnues, pour les sommer

de se coucher devant l'homme. […] 9. Nous voulons glorifier la guerre – seule hygiène du

monde – le militarisme, le patriotisme, le geste destructeur des anarchistes, les belles Idées

qui tuent, et le mépris de la femme. […] 11. Nous chanterons les grandes foules agitées par

le travail, le plaisir ou la révolte; les ressacs multicolores et polyphoniques des révolutions

dans les capitales modernes […] »193

.

Mantinha-se também (e ainda), no espírito de Ruy Coelho, a sua obstinação

messiânica por uma vitória artística espiritual, concretizada em redentora obra musical,

agora composta sob o romântico sacrifício da solidão auto-imposta:

« [...] E se depois d‘isto tudo, não consigo nem a audição da Symphonia [...] tenho o

recurso mais bello que pode querer um homem da minha condição: Volto para a minha

terra, e faço--me como antigamente embarcadiço. E ahi longe da imbecilidade apavoneada

comporei a Tetralogia do Mar. Aliás farei as duas coisas. Dou o pontapé n‘essa cambada,

e vou para o barco – Depois então ao fim de 8 ou 10 annos quando tiver acabado a grande-

-obra, virei aqui e a Berlim, impô-la. [...] Entre mim e toda essa gente ha um abysmo de

diferença – Agora preciso sómente de salvar a minha obra [...] »194

.

Todavia, o tempo passa e apesar de pedir a Theophilo que interceda, junto do

governo, pela realização do projecto, nada parece confirmar-se. As esperanças em

apresentar a Camoneana também esmorecem gradualmente e a agonizante ansiedade é

crescente ao longo das missivas; a certa altura deve já duzentos francos à pensão e não tem

sequer dinheiro para voltar para Portugal. Pede auxílio a João Chagas, representante

diplomático de Portugal em Paris, que lhe terá dito não o poder enviar para a sua terra senão

« [...] junto com os cães e os porcos no porão d‘um barco [...] »195

.

Aproveita também para pedir a alguns compositores uma opinião a respeito do

quarteto d‘arcos de Júlio Neuparth, premiado em 1909, no mesmo concurso em que

Freitas Branco viu a sua sonata ser distinguida. Pretendia desmascarar o ―refinado

193

F. T. Marinetti, ―Le Futurisme‖, Le Figaro (20/02/1909).

194 Cf. carta a Theophilo Braga, de 10/03/1914, Anexo 3, p. 80.

195 Cf. carta a Theophilo Braga, de 13/03/1914, Anexo 3, p. 84.

55

cabotino‖196

, que tinha sido seu júri no referido concurso para pensionistas. Consegue

três testemunhos demolidores, um deles de Paul Dukas197

, que faz publicar quando

regressa a Portugal, em Março, distribuindo um manifesto público nas ruas de Lisboa e

iniciando assim uma agressiva campanha:

« [...] Ora, para provar redondamente que fui victima da incompetencia do jury destes

concursos, os srs. Ernesto Vieira, Frederico Guimarães, Julio Neuparth, Antonio Eduardo da

Costa Ferreira, Padre Borba, um mestre de banda filarmonica chamado Douvens, lanço a estes

meus «valorisadores» este «repto» aproveitando a estada em Lisboa do Mestre Saint-Saëns. –

Afirmando em que a obra desses musicos [...] é duma mediocridade indigena [...], desafio todos

eles a prestarem conjuntamente comigo uma prova de alta composição perante o mestre Saint-

-Saens [...] »198

.

O repto não é correspondido, e a resposta à crua franqueza de Ruy Coelho, cuja

crítica implacável se alastra a outros músicos, como Francisco Bahia, director do

Conservatório199

, é um irremediável e cada vez maior número de inimizades no meio

musical – procurada fatalidade que, de resto, e de forma geral, caracterizará ao longo da

vida a sua tensa e acintosa relação com o meio musical português.

Nem Camoneana em Paris, nem Militar em Lisboa. A desolação do compositor

coincidiu, no seu pior momento, com o eclodir da I Grande Guerra. Motivado por ambas as

fatalidades, escreve, em Agosto, uma ―crónica musical‖200

, feita enigmática descrição de

um sonho apocalíptico em torno de um compositor – Malmoral – e da sua obra tão

devastadora quanto o seu grito: Finis Humanitates.

196

Cf. carta a Theophilo Braga, de 14/01/1914, Anexo 3, p. 64.

197 « [...] J‘ai examiné le manuscript de Mr. Neuparth que vous avez bien voulu me soumettre. Je ne puis

sincerement y rien découvrir d‘interessant, et, puisque vous insistez aimablement pour en avoir mon avis

je ne puis que vous avouer que ce quatour [sic] me parait tout à fait rudimentaire pour le fond comme

pour la forme. [...] » — Cf. Coelho, Carta a um compositor célebre, 37.

198 Op. cit., 35-36.

199 Op. cit., 43-48.

200 Op. cit., 51-53.

56

III | Uma nova Lisboa, modernismos panfletários [1914-1918]

O retiro de oito a dez anos e a composição da Tetralogia do Mar não se

concretizaram, e a relação com Theophilo Braga esvaneceu-se201

. É imaginável o duplo

apelo de Lisboa: maior número de oportunidades para Ruy Coelho trabalhar e um ambiente

cultural boémio rejuvenescido pelo regresso de vários artistas fugidos da guerra, como

Amadeo, Santa-Rita, Pacheko e Vianna202

...

O contacto do compositor com os artistas da sua geração datava já, contudo, de há

algum tempo atrás. Em Paris, em data incerta, tinha já conhecido, « [...] [numa] noite em

que Magalhães Lima fez uma conferência [...] », Santa-Rita Pintor, com quem partilharia

um corte de cabelo irreverente (Anexo 6.6) e com quem passa a conviver com proximidade:

« [...] [Convidou-me] para vivermos uns dias, livremente, sem contar as horas, nem os

dias. Comíamos quando tivéssemos vontade de comer, dormíamos quando tivéssemos sono.

A certa altura, eu já não sabia se era de manhã ou de tarde, além de não sabermos em que dia

estávamos. Desisti, mas ele continuou ainda por mais tempo essa experiência de viver

rigorosamente livre, em plena liberdade. [...] Em Paris, tínhamos discussões intermináveis, de

horas, porque eu afirmava que a musica tinha cores, [e] ele não aceitava essa opinião, porque a

pintura não tinha sons. [...] »203

.

É irresistível registar ainda como plausível o contacto, em Paris, com Amadeo de

Souza-Cardoso, com quem pode ter partilhado a descoberta dos poemas árabes de autores

ibéricos, por Franz Toussaint coligidos e publicados no Mercure de France em 1909, dada

a aparente coincidência de terem criado, um, Mauresques, e, outro, 6 Kacides Mauresques.

Todavia, as mais certas fontes documentais a confirmar a proximidade de Ruy Coelho com

os artistas da geração d‘Orpheu começam a surgir em 1913. Em Junho, Almada Negreiros

201

Não se confirmou contacto entre ambos depois do projecto falhado da Symphonia Militar, à excepção

de um convite endereçado por Ruy Coelho para um concerto na Liga Naval, a 24/02/1916 (Cf. ARPD,

cota TB/226/031, e Anexo 3, p. 86).

202 Raquel Henriques da Silva, "Sinais de ruptura: «livres» e humoristas", in História da Arte Portuguesa

[vol. III (Do Barroco à Contemporaneidade)], dir. Paulo Pereira (Lisboa: Temas e Debates, 1995), 372.

203 Coelho, ― Santa-Rita, pintor‖. Achou-se ainda, no lixo (!), um conjunto de correspondência, entre, ao que

parece, Ruy Coelho, Santa-Rita, Antonio Sá Pereira e Antonio da Silva Mello, em que « [...] a maioria das

cartas e postais estão datados de 1914 [...] », mas nada se pôde entretanto confirmar quanto ao seu destino:

cf. Nobre, ―Cartas surpreendentes‖.

57

expõe, no II Salão dos Humoristas, caricaturas de Ruy Coelho e de Fernando Pessoa204

.

Estúltimo deixa registadas várias referências a Ruy Coelho no seu diário205

, confessando-se

« [...] muito entusiasmado por o ouvir descrever a sua obra, agora patriótica [...] », alusão

que, dado a época em que foi escrita, não pode senão referir-se à Symphonia Camoneana.

Corroborando as memórias de Diogo de Macedo, transcritas em epígrafe a esta disser-

tação, a Camoneana pode bem ter sido sentida como a primeira grande manifestação

– o iniciático, auspicioso e primeiro grande rasgo artístico – do génio modernista da geração

d‘Orpheu.

Também em 1913 Mário de Sá-Carneiro e José Pacheko (dentre outros206

) assinam

uma subscrição para pagar as despesas contraídas com Serão da Infanta, e acha-se em posse

dos herdeiros de Ruy Coelho um exemplar de Dispersão com dedicatória assinada a 9 de

Dezembro: « Ao admiravel compositor Ruy Coelho[,] com extrema simpatia e apreço do

seu Mario de Sá-Carneiro ». Ainda em 1913, Ruy Coelho ―põe em música‖ o poema

204

Grupo de Humoristas Portugueses – 2.ª Exposição em 1913 [catálogo] (Lisboa: Typographia do

Commercio, 1913).

205 Diário este de que apenas sobrevivem entradas entre Fevereiro e Abril de 1913. Seguem-se as referências a

Ruy Coelho: « [...] Na Brasileira; falei, pouco, com o Coelho. [...] » (25/02); « [...] Na Brasileira, falando com o

Coelho [...] » (26/02); « [...] Estive no Rossio muito tempo falando com o Rui Coelho, e muito entusiasmado

por o ouvir descrever a sua obra, agora patriótica. [...] » (21/03); « [...] Fui para a Brasileira, estive falando com

o Rajanto, e depois com o Coelho. Saí e fui jantar ao Imperial com o Coelho. Prometeu arranjar-me 100 000

réis para a minha viagem a Inglaterra, e para a minha viagem ao Algarve 30 000 réis para o fim da semana. [...]

» (30/03); « [...] A meio do dia encontrei o Coelho. Andrei de automóvel até às 6 horas com ele; não fui aos

escritórios dos Lavados. O Coelho emprestou-me 2000 réis. Para casa. [...] » (31/03); « [...] Fui ao «Grémio

Literário» às 4 com Valério e Rui Coelho para ouvir a 1.ª conferência do Teatro, que, porém, se não realizou.

Depois andei até às 6 passeando com Valério e Rui Coelho. Rui Coelho veio pôr em música a minha poesia

« Ó Nau . . . » de que gostou, horrorizando-o o Pauis. [...] » (03/04); « [...] Fui apresentado pelo Rui Coelho ao

João Amaral. [...] » (09/04) — cf. Fernando Pessoa, ―[Diário – Fev.–Abr. 1913]‖, in Arquivo Pessoa, dir.

Leonor Areal (Obra Aberta CRL, 2008) [http://arquivopessoa.net, última visita a 28/09/2014]. É curiosa a

lembrança destes encontros da parte do Ruy Coelho de noventa e um anos: « [...] na Brasileira, do Chiado, e na

cervejaria Jansen [...] [:] [quando Fernando Pessoa] aparecia no café, para se encontrar com o Almada

Negreiros e comigo, parecia vir de um mundo distante com o ar satisfeito de ter achado algumas imagens

poéticas originais e ao mesmo tempo insatisfeito porque ainda desejaria imagens novas [...]. Pessoa ás vezes

interrompia o que estava dizendo para se entregar a um silêncio prolongado. Parece-me que o preocupava a

procura de um certo e indefinido intercepcionismo, o de intercalar ideias e imagens diferentes, pondo de

permeio outras mais vagas. Desde então a [sua] obra [...] tem sido estudada [...] [mas] no tempo em que [...] se

encontrava [connosco] não seria possível imaginar quanto cresceria bastante tempo mais tarde o seu prestígio

[...] » — cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Musica – Com Almada Negreiros e Fernando Pessoa‖, Diário de

Notícias 40651 (28/04/1980): 11. No espólio de Pessoa acha-se ainda um exemplar autografado ( « Ao poeta

Fernando Pessôa. [/] Oferece Ruy Coelho [/] Lisbôa, 2 de Fevereiro de 1915 » ) de Carta a um compositor

célebre; há digitalização consultável na Biblioteca Digital Fernando Pessoa, com acesso a partir de

http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/, verificado em 10 de Setembro de 2014.

206 João do Amaral, Mário Beirão, Carlos Franco... Cf. Coelho, Carta a um compositor célebre, 19-23.

58

Ó Nau... de Pessoa, ficando horrorizado com Pauís207

, e o poeta refere-se a uma ―sinfonia

das Caravelas‖208

que não se concretiza.

Não isso obsta a que, pouco depois, em 1914, Ruy Coelho tenha a ambição de fazer

uma sessão de música moderna sobre paùlismo e, depois, sobre interseccionismo209

. Há

ainda um outro curioso documento, um Manifesto Modernista210

, denunciando a relação de

proximidade entre Ruy Coelho e Pessoa, Sá-Carneiro, Pacheko, Almada e António Ferro,

entre outros; apesar de não datado, é possível que este texto, que aborda o plano de

execução de um Hymno aos Soldados de Portugal, sobre poema de Theophilo Braga, tenha

sido escrito em 1914 (e, quem sabe, tivesse alguma relação com o projecto da Symphonia

Militar), dada a memória nele registada da ―divergência havida entre o Snr. Pedro Blanch e

o Snr. Ruy Coelho‖ – o que nos remete para o fracasso da Camoneana no ano anterior –,

dada a hipotética relação da partitura com o começo da I Grande Guerra, e dada uma

referência à ―questão hino aos soldados‖ em carta de Sá-Carneiro para Pessoa em

Dezembro desse ano211

.

Não colaborando directamente com Orpheu, cujo dois primeiros números foram

impressos, respectivamente, em Abril e Julho de 1915, o seu nome é anotado por Pessoa

207

Ver nota 205, p. 57. A partitura dessa obra permanece, no entanto, não localizada, e nenhuma outra

referência de encontrou a respeito dela.

208 « [...] Escrevi grande parte da sinfonia das Caravelas. Tomei alguns outros apontamentos. [...] » (23/03)

— cf. Fernando Pessoa, ―[Diário – Fev.–Abr. 1913]‖, in Arquivo Pessoa, dir. Leonor Areal (Obra Aberta

CRL, 2008) [http://arquivopessoa.net, última visita a 28/09/2014]

209 Veja-se a carta de Mário de Sá-Carneiro para Fernando Pessoa, a 02/12/1914: « [...] Há o seguinte:

ontem o Rui Coelho e o Dom Tomás [de Almeida, que colaborou como poeta no terceiro número de

Orpheu,] lembraram-se de fazer uma sessão de música moderna sobre paúlismo: poesias minhas, suas e

do Guisado. Logo foi dito que antes da audição palavras deveriam ser pronunciadas. Até aqui vai muito

bem. Agora suponha você que o menino idiota A. Ferro foi hoje dizer aos maestrinos citados que o

paúlismo, a sério, era o interseccionismo. Como raio o sabia ele? Perguntei-lhe. Diz que ouviu você falar

muitas vezes essa palavra ao Guisado. Não sei, não sei. Mas é uma contrariedade. Pois imagine você que

o Rui e o D. Tomás agora já só falam no interseccionismo e o querem lançar no tal concerto – que, bem

sei, decerto nunca se realizará. [¶] É para falar sobre este assunto – e ainda sobre uma carta Rui Coelho

questão hino aos soldados recusado Luís Pereira – que eu escrevi o postal que remeto juntamente, a

pedido e defronte dos maestrinos. Você apareça, se quiser. Acho mesmo muito melhor aparecer. Gostava,

em suma, que aparecesse. Mas já sabe o que há a respeito do interseccionismo. Estuporinho do Ferro!

Enfim eu mesmo desejo falar consigo sobre este assunto. Porque não aparece amanhã à tarde, aí pelas 5 h.

5 ½ no Martinho? A qualquer pretexto, eu ficaria só com você e falaríamos. Senão, até amanhã à noite.

Seja como for está prevenido. Claro que para os maestrinos eu só escrevi o postal e você nada mais sabe

– nem do concertante [...] » — Cf. Mário de Sá-Carneiro, Correspondência com Fernando Pessoa,

ed. Teresa Sobral Cunha (São Paulo: Companhia das Letras, 2004), 234.

210 Cf. Leilão de Manuscritos – 10 de Dezembro – Lisboa, Palácio da Independência [catálogo] (Lisboa: José

F. Vicente – Leilões, [2012]), 48. Documento em formato digital (*.pdf) incluído como Anexo 9.

211 Ver nota 208.

59

numa (provável) lista de assinantes e divulgadores212

, e Sá-Carneiro inclui, num conjunto

de recortes a propósito da revista, um excerto de uma crítica de Coelho no Jornal da Noite

– ―folha monarchica‖ –, em que, satirizando um concerto com obras de Vianna da Motta

(uma cantata sobre Os Lusíadas213

e as Scenas nas montanhas, tornadas scenas

labreguinhas), Ruy Coelho remata reduzindo o célebre pianista à imagem de um ―braço,

vestido de casaca‖, dançando no ―palacio do Vice-Rei‖ – braço ―do Mario‖, porque

paráfrase de parte de 16, poema publicado em Orpheu e mais tarde republicado em Indícios

de Oiro214

. Também se mantém próximo dos seus colegas quando Júlio Dantas mimoseia

os criadores do segundo número da revista com o título de ―paranóicos‖, contra o que

assina, com Almada e Pacheko, uma convocação para um ―Grande Congresso de Artistas e

Escritores da Nova Geração para protestar contra a modorra a que os velhos a obrigam‖,

realizado na cervejaria Jansen215

, na sequência do qual Almada escreve o célebre Manifesto

Anti-Dantas.

Em 1916, A Ideia Nacional, revista semanal de ideário monárquico com a qual

também colaboravam, entre outros, José Pacheko e Almada Negreiros, anuncia duas

iniciativas não concretizadas: uma ―Exposição d‘Arte Moderna‖ e uma série de ―Concertos

Musicaes‖, estes sob a direcção artística de Ruy Coelho216

. Ainda nesse ano o compositor

visita a exposição de Amadeo na Liga Naval, salvando-o do contacto inoportuno do crítico

Alfredo Pimenta217

. De Paris, Sá-Carneiro vai pedindo a Pacheko e a Pessoa que dêem

saudades a alguns dos amigos do meio, Coelho inclusive218

.

212

Cf. Fernando Pessoa, Sensacionismo e outros ismos, ed. Jerónimo Pizarro (Lisboa: Imprensa Nacional

– Casa da Moeda, 2009), 501-506.

213 Invocação dos Lusíadas, segundo Cascudo, "MOTA, José Viana da". As datas contradizem-se nesta

fonte: na p. 822, foi iniciada 1897, concluída em 1915 e revista em 1938; na p. 823, composta em 1897,

revista em 1915 e de novo em 1938...

214 « [...] É curioso como uma pessoa que toca tanta obra bella, que as conhece, seja incapaz de crear uma

simples idéa musical! É de pasmar! Porque se não faz o illustre virtuose ao mar? [¶] Ah! É preciso ser bom

remadôr para fazer musica maritima! [¶] Assim, ninguem lhe perdôa. Ao mar... ao mar... [¶] Upla... Upla... o

lambaz... molha o lambaz. [¶] – Olha o barqueiro!... [¶] Olha, olha, la vae o braço do Mario, vestido de casaca,

dansar no palacio do Vice-Rei...! [...] » — Ruy Coelho, [―Título não identificado‖], Jornal da Noite

(20/04/1915). O recorte acha-se num caderno de recortes coligidos por Mário de Sá-Carneiro, agora deposi-

tado na BNP, EFP. A estes versos faz referência Ruy Coelho: « [...] Caiu-me agora um braço... Olha, lá vai

êle a valsar [/] Vestido de casaca, nos salões do Vice-Rei... [...] » — Mário de Sá-Carneiro, "16", Orpheu

[vol. I] (Lisboa: Typographia do Commercio, 1915).

215 Daniel Pires (coord.), Pacheko, Almada e «Contemporânea» [1.ª ed.] (Lisboa: Centro Nacional de

Cultura – Bertrand Editora, 1993), 49.

216 Cf. ―As nossas iniciativas‖, A Ideia Nacional 20 (13/04/1916): 2.

217 Conforme lembra Souza-Cardoso em carta ao seu ―tio Chico‖, a 7 de Dezembro de 1916: « [...]

Mandei-lhe ontem um outro maço de jornaes entre elles o do artigo Alfredo Pimenta e francamente o

60

Em 1917, como anexo219

a Portugal Futurista – que nunca terá sido distribuído220

subscreve com Pacheko um manifesto presumivelmente escrito por Almada221

, a propósito

da vinda dos Ballets Russes a Lisboa; de 1915 datavam já algumas experiências neste

género, que culminariam em 1918 com a apresentação d‘A princeza dos sapatos de ferro e

do Bailado do encantamento no São Carlos.

Em 1918, com Pacheko, organiza um Salon Infantil – uma exposição para crianças

entre os cinco e os catorze anos de ―arte plastica & musical‖, nas salas do Grémio Literário.

O manifesto pugnava pela criação, ―nas novas camadas‖, ―do ambiente proprio á

comprehensão das modernas correntes da ideia Europeia‖222

.

Em suma, Ruy Coelho estava presente em praticamente todas as manifestações

públicas dos seus pares modernistas. O contacto era regular e, segundo as memórias pouco

posteriores do compositor223

, fundamentalmente centrado em encontros no Tavares, café-

-restaurante ao Chiado – donde a denominação de ―Grupo do Tavares‖ –. Destas tertúlias

artigo que se quer impôr ao publico por a sua somma de erudição para nós é inferior, manifesta bem a

distancia a que está do movimento moderno. E o mais curioso é que elle morre de desejos por me

conhecer e ao J. de Almada Negreiros. Ontem por exemplo saiamos da Liga Naval Almada, Ruy Coelho e

eu e eis que A. Pimenta vem abordar Ruy Coelho, nós dois continuamos seguindo – quem são esses

rapazes? (que elle sabia muito bem... – Almada Negreiros e Amadeo Cardozo) – e desatou a fazer grandes

elogios à minha exposição – com grandes desejos de ser apresentado. O Ruy Coelho, que é um grande

gajão, não se deu por entendido [...] » — Cf. Fernando de Pamplona, Chave da Pintura de Amadeo – As

ideias estéticas de Sousa-Cardoso através das suas cartas inéditas (Lisboa: Guimarães & C.ª, Editores,

1983), 70-71.

218 A Pacheko: « […] Saudades a Viana, Rodrigues Pereira, Almada, Rui Coelho, [António] Soares, etc.,

etc. » (a 08/01); ou « [...] Todos os meus respeitos a Sua Exa. Esposa. Saudades a Almada Negreiros,

Rodrigues Pereira, Rui Coelho, António Soares, etc. Escreva! » (a 12/02) — cf. Pires, Pacheko, Almada e

«Contemporânea», 135-136. A Pessoa: « [...] Dê saudades, muitas, a Rodrigues Pereira, Pacheco, Rui

Coelho, Eduardo Viana, Vitoriano etc. etc. ao Almada também. [...] » (a 08/01) — cf. Sá-Carneiro,

Correspondência, 345.

219 Vera nota 86, p. 18.

220 « [...] Uma denúncia leva a polícia a apreender, burocrática e pacatamente, a edição [de Portugal

Futurista] antes de chegar ao público. [...] » — Maria Aliete Dores Galhoz, "O Momento Poético do

Orpheu", in Orpheu [3.ª reed. do vol. I] (Lisboa: Edições Ática, 1959), XXX.

221 Cf. Almada Negreiros, ―O caso do bailado «Princeza dos Sapatos de Ferro»‖.

222 « [...] Os organisadores do "Salon" infantil achando que a educação esthetica das creanças, em

Portugal, pouca attenção tem merecido aos artistas consagrados, aos pedagogos, e aos Governos do paiz,

a quem compete dirigir cautelosamente a formação espiritual das novas gerações, entenderam, – como

primeira tentativa de conhecimento das tendencias expontaneas da raça, a que se deve dar a maior

attenção por n'ellas residirem os bons elementos da criação artistica, – promover esta exposição, como

base, não só de futuros estudos e observações, como forma de nas novas camadas crear o ambiente

proprio á comprehensão das modernas correntes da ideia Europeia, em que Portugal, n'um forte

Resurgimento da NOSSA GERAÇÃO, comunga. [...] » — [Ruy Coelho e José Pacheko], "Salon" Infantil

1918 – 1.ª Exposição – Arte Plastica & Musical organisada por José Pacheco e Ruy Coelho nas salas do

Gremio Litterario [catálogo] ([1918]).

223 Ruy Coelho, O verdadeiro sentido da Arte Moderna em Portugal. O manuscrito acha-se na BNP,

ERC, s. c.. e está transcrito no Anexo 2.

61

faziam parte Almada, Santa-Rita, Eduardo Vianna, Pacheko, João do Amaral, Victor

Falcão, por vezes Souza-Cardoso e Pessoa, e mais tarde António Ferro e muitos outros, e

delas teriam nascido ―todas as iniciativas da arte Moderna Portugueza‖, Orpheu inclusive.

Para além dos bailados, de que adiante falaremos, da rompante Symphonia

Camoneana de 1913, e do atrás enunciado projecto falhado de uma Symphonia Militar em

1914, perguntar-se-ia agora de que forma se concretiza, musicalmente, todo o ideário

panfletariamente modernista que Ruy Coelho acompanha tão proximamente neste período.

A pergunta é reforçada quando lembramos a célebre sentença, em 1917, do ―Comité

Futurista‖ (leia-se: Almada e Santa-Rita224

):

« [...] [Ruy Coelho] não é [...] um musico futurista [...], apesar das suas pretenções

especialmente manifestadas nas praias e casinos por onde tóca e onde a nossa acção futurista

ainda não estabeleceu as razões fundamentaes do seu programa d‘Arte. Que isto sirva a todos

aquelles, falsos artistas, que n‘este mesmo sentido de exploração conseguem apenas tornar

cinzenta a nossa acção constructiva [...] »225

.

É de supor que o aviso se referisse à música que Ruy Coelho apresentava por

necessidade de substistência226

. Já em 1915 fazia publicar, por exemplo, um Fado para

piano, de intenção plausivelmente comercial; possivelmente pela mesma altura uma

Mazurka227

; e em 1916 apresentava até uma opereta: Margarida do Adro228

...

224

Cf. Fernando Cabral Martins, ―Comité Futurista de Lisboa‖, in Dicionário de Fernando Pessoa e do

Modernismo Português, coord. Fernando Cabral Martins ([Lisboa]: Caminho, 2008), 175.

225 O Comité Futurista, ―Attenção!‖, in Portugal Futurista [3.ª ed. facsimilada] (Lisboa: Contexto

Editora, 1984, 42).

226 « [...] Lembro-me, por exemplo, do serviço (que também conheci por experiência própria) na antiga Feira

de Agosto, que era ali para os lados de Alcântara, em que, numa espécie de barracão, dançavam bailarinas

espanholas e cantavam cançonetistas francesas, acompanhadas por um flautista e por mim ao piano. [...] » —

Cf. Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Artistas pobres‖, Diário de Notícias 40920 (09/02/1981): 11. Segundo

[Coelho?], Ruy Coelho – sua acção e suas obras, em 1914 e 1915 foi pianista de sexteto, tocando com Luís

Barbosa nas Pedras Salgadas, com Pavia de Magalhães na Curia e com o Sexteto Espanhol no Casino do

Monte Estoril.

227 O Fado, dedicado a ―D. Manoela Moraes‖, foi editado pela Sassetti & C.ª, tendo à capa a datação

―Curia 1915‖. A Mazurka não está datada, mas pela sua construção parece ser obra de juventude; foi

editada pela Valentim de Carvalho, à Rua da Assunção, que iniciou actividade em 1914. Acharam-se

partes de arranjo da Mazurka para sexteto de arcos com piano na BNP, cota C. N. 2679 // 1-6 A.

228 Com libreto de Ruy Chianca, sobre O paroco de aldeia de Alexandre Herculano. Encontrou-se apenas

uma referência a uma audição privada e à intenção de a fazer ―ao theatro da Avenida‖. Não se achou

partitura: cf. P. L., ―Opereta portuguesa‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como

sendo d‘A Lucta (25/11/1916)]; João da Rua, ―A opereta em Portugal‖ [recorte preservado na BNP, ERC,

s. c., identificado como sendo d‘O Zé (19/12/1916)] e ―«Margarida do Adro»‖ [recorte preservado na

BNP, ERC, s. c., identificado como sendo do Diário de Notícias (25/11/1916)].

62

Curiosamente, não chegou a haver qualquer fundamentação teórica para a música

dita futurista em Portugal. Mesmo internacionalmente, poucos compositores propuseram

obras com esta ambição; para além dos já referidos Pratella e Russolo, cujas experiências

tiveram consequências residuais no decurso da música europeia do século XX, seria preciso

esperar até aos anos vinte para voltar a ouvir qualquer coisa de subjectivamente adjectivável

como futurista, no que concerne, pelo menos, ao imaginário da velocidade e da

mecanização metafórica do objecto sonoro: Pacific 231 de Honegger e Fundição do Aço de

Musolov – obras aliás lembradas pelo Ruy Coelho de noventa e um anos229

. Da sua parte, à

época de Portugal Futurista, ou pouco antes, parecia manter-se, de forma talvez um pouco

mais atenuada, a mesma postura que deu berço a obras como a Symphonia Camoneana e

A princeza dos sapatos de ferro. Isto é, a aguda desconfiança face à nova música francesa,

y compris Dukas e Debussy, que produziam ―maravilhosos esquissos sinfónicos‖ mas

viviam mais a ―vida social do meio‖ do que a ―vida universal‖, resvalando « [...] na forma

rafinée, de salão, sem duvida bela, mas destituida daquela grandeza, daquela universalidade

que caracterizaram Berlioz [...] ». Como exemplo contrário, destacava Gustav Mahler e a

força matricial de Beethoven, sublinhando ainda a « [...] grande revolução musical que se

produziu sobretudo na Russia e que teve á sua frente [...] Korsakof, Borodine, Mousorski, e

ultimamente um jovem de vinte e seis anos, chamado Igor Stravinski, que em 1913 era o

unico que empregava os acordes diferentes sobrepostos, coisa que na minha Camoneana

tanto escandalizou os musicos da minha terra [...] »230

.

Ora, além da necessidade de uma música funcional para as ―praias e casinos‖, para

Ruy Coelho – que via a adesão de Portugal ao movimento futurista como inevitável, em

1915231

, e que em 1922 acreditava não existir futurismo na música232

– também o

analfabetismo musical do próprio meio, do ―modernista‖ inclusive, constituiria cenário

desolador e pouco motivante. Veja-se que, à parte o aviso expurgatório, nenhum discurso

crítico é textualmente concretizado nos testemunhos de Almada Negreiros e dos seus pares.

E, todavia, não seria surpreendente fazê-lo: é de flagrante evidência, por exemplo,

o contraste estilístico entre a aguda actualidade da partitura d‘A princeza dos sapatos de

ferro e o bem menos ousado Bailado do encantamento. Não deixa também de ser irónico

229

Coelho, ―Os sons e a natureza‖, Diário de Notícias (14/07/1980): 13.

230 ―O que diz o maestro Ruy Coelho da escola francesa‖, Republica 1862 (18/03/1916): 3.

231 Cf. Coelho, Carta a um compositor célebre, 22-23.

232 Ver citação na p. 30.

63

que, um ano após a sentença do ―Comité Futurista‖, Almada apresente um bailado com

música de Grieg e Chopin233

. A própria definição de ―futurismo‖ foi, neste contexto,

amplamente arbitrária ou, pelo menos, mais publicitária do que doutrinária. Futurista dizia-

se até Amadeo, termo usado para ―etiquetar as ousadias e hermetismos dos modernistas‖234

sem que a sua obra se pudesse integrar, com isenta justeza, nesta corrente.

Por fim, Ruy Coelho ter-se-á rapidamente apercebido dos inultrapassáveis

constrangimentos financeiros e técnicos que um evento musical acarreta. Reunir uma

orquestra para apresentar uma qualquer obra exige a proficiência de dezenas de músicos e é

abissalmente mais oneroso do que expor obras pictóricas ou publicar obras literárias, e

depois das recentes polémicas ser-lhe-ia impossível garantir meios e público para qualquer

empresa maior, especialmente se tão ousada como a Symphonia Camoneana. Adiante

veremos de que forma se enriquecerá o seu catálogo, em resposta a estas condicionantes, no

domínio da música de câmara – por definição mais facilmente exequível.

Enfim: o meio cultural com que deparava era inóspito, e outros valores urgiam, como

a própria educação musical de uma sociedade musicalmente pouco informada, problema

naturalmente partilhado por todos os compositores portugueses seus contemporâneos. Sem

sucesso, ambiciona tornar-se professor no Conservatório Nacional, insurgindo-se contra a

nomeação – sem concurso – de Luiz de Freitas Branco – não diplomado –; um grupo de

cerca de vinte alunos também protesta, em carta aberta ao chefe de estado, contra o que

consideram ―a negação das nossas garantidas futuras‖, pedindo Ruy Coelho um concurso

público para o qual não houve deferimento235

. No mesmo ano, em 1917, organiza um

―Curso de Música‖ na Liga Naval, frequentado pelo meio aristocrático, onde discorre sobre

diversos assuntos – harmonia, formas musicais, arte de dirigir uma orquestra... Na primeira

lição, « [...] fallou largamente e muito claramente sobre todos os modos [...] desde a

antiguidade até a Debussy, e acabou por apresentar uma tonalidade sua, que diz resolver o

problema da dinamica tonal sobreposta [...] »236

. Em outra lição, acompanha a cantora

Laura Wake Marques em « [...] ―lieders‖ modernos de Debussy, Strauss e ―Dans la jetée

233

Cf. Fernando Cabral Martins e Sílvia Laureano Costa, ―Almada Negreiros, a Portuguese Futurist‖, in

International Yearbook of Futurism Studies [vol. 2], ed. Günter Berghaus (Berlim / Boston: De Gruyter,

2012), 388.

234 Pamplona, Chave da Pintura de Amadeo, 47.

235 Cf. ―Pelo Conservatorio – Contra a nomeação d‘um professor‖, A Capital 2317 (27/01/1917): 2.

236 ―Liga Naval Portuguesa‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo d‘A Nação

(26/01/1917)].

64

d‘Alexandrie‖ [de sua autoria] [...] », estúltima obra tendo sido já apresentada (pelo menos)

em Fevereiro de 1916237

.

Como pianista, o seu repertório com que se apresentava incidia sobre música tardo-

-romântica. O concerto de 25 de Maio de 1915, em que apresentou, dentre outras peças, um

Prelúdio e fuga de Bach-Busoni, o Prelúdio, coral e fuga de César Franck e a Sonata em si

menor de Franz Liszt, logrou obter uma crítica assaz elogiosa n‘A Arte Musical238

.

Como maestro, em 1918, propõe-se apresentar, para além de Mozart, Gluck, Saint-

-Saëns, Berlioz, Weber e Wagner, Richard Strauss (Tod und Verklärung), as primeiras

oito sinfonias de Beethoven239

, e os seus planos a longo prazo (que não se concretizaram)

propunham até fazer a integral das sinfonias de Brahms, Bruckner, Franck, Chausson,

d‘Indy e Mahler240

... Para Rey Colaço, que muito o considerava como pianista e como

improvisador241

, o primeiro destes concertos beethovenianos foi revelador:

« [...] Houve na execução inexperiencias, desequilibrios, e lacunas, falta talvez, de

ensaios suficientes... [...] [mas também] muita inteligencia [...] [.] A marcha hungara de Berlioz

foi tocada com brio, arranque e calor, e um publico menos hostil ao promotor do Concerto, a

teria certamente bissado [sic]... [¶] Pareceu-me notar, na Sala, alguns elementos desejosos de

assistir ao que, nas regiões da Baixa, parece-me que se chama, um estenderete. [¶] Ficaram

logrados, e eu, como amigo de Ruy Coelho que sou, muito o estimo [...] »242

.

237

Cf. recortes preservados na BNP, ERC, s. c., identificados como sendo d‘O Século (07/02/1916),

d‘A Nação (07, 13 e 28/02 e 07/03) e do Diário de Notícias (17, 23 e 31/01, 06, 08 e 13/02 e 05/03).

238 « [...] uma execução muito interessante, muito artistica, muito pessoal [...] [.] [¶] Ruy Coelho é

evidentemente um pianista em extremo intelligente e vibratil, pondo ao serviço d‘esses dotes um

mecanismo que muitos lhe invejarão. Apenas lhe notaremos um mau emprego do pedal [...] e pouco

classicismo na posição, obrigando-o a curvar-se de tal modo sobre o piano que nos dá uma inutil

impressão caricatural. Mas são senões faceis de remediar e que não logram amesquinhar o incontestavel

merecimento do talentoso debutante. [...] » — ―Concertos‖, A Arte Musical 395 (31/05/1915): 94-95.

239 ―Musica – Concertos symphonicos Ruy Coelho‖, A Capital 2949 (05/11/1918): 2, ―Concertos Rui

Coelho‖, O Tempo 38 (12/11/1918): 2, e ―Theatro de São Carlos‖, O Tempo 46 (21/11/1918): [2].

240 J. de S.-B., ―O que serão os concertos Rui Coelho‖, O Tempo 36 (10/11/1918): 1.

241 Segundo me confirmou Raquel Lopes, filha de Francisco Fernandes Lopes, amigo tanto de Alexandre

Rey Colaço como de Ruy Coelho.

242 Carta de Novembro de 1918. Cf. Anexo 3, pp. 89-90.

65

III.1 | Música de câmara: um Trio e a Sonata n.º 2

Já aqui foi abordado o facto de haver notícia de um Trio dedicado a Richard Strauss,

estreado em Berlim enquanto lá estudava Ruy Coelho243

, mas o manuscrito autógrafo que

se acha no seu espólio data de Fevereiro de 1916 e está dedicado a Alexandre Rey Colaço.

Não é certo que este Trio de 1916 seja uma segunda versão do anterior, mas de qualquer

forma foi o único que se encontrou. A estreia dá-se a 24 de Fevereiro do mesmo ano244

na

Liga Naval, sendo intérpretes Ruy Coelho, João Passos e Thomaz de Lima.

Como celebrado numa crítica contemporânea245

, a obra revela ―originalidade‖ e

―recorte moderno‖, mas de uma forma já muito distante da Camoneana e mesmo até

nalguns momentos mais reservada do que na primeira Sonata para piano e violino – atitude

que condiz com a dedicatória, se tivermos presente o conservadorismo de Colaço (que,

ainda assim, numa revista musical madrilena, descreve a obra como sendo « [...] un

interessante trio, de modernisimas tendencias [...] »246

). De facto, a linguagem melódica e a

sintaxe harmónica energicamente frenéticas da primeira e os demais recursos notáveis da

segunda substituem-se agora por uma sintaxe tonalmente mais clara, de condução mais

evidente, por um melodismo bem mais contido e gracioso, uma execução instrumental

menos virtuosística, uma estrutura formal mais sóbria e ―clássica‖ – apesar de haver, é

certo, vários momentos de brusca não-modulação e de incrustação de acordes estranhos à

tonalidade global de dóM (ver por ex. Fig. 13), e também de alguma graça inesperada na

textura pianística e mesmo na harmonia (Fig. 14).

Depois do Trio, a 8 de Novembro de 1916, no Mont‘Estoril, Ruy Coelho termina a

segunda sonata para piano e violino – e não para violino e piano247

– (cf. Anexo 5.18).

Na sua compósita modernidade, é uma das mais impressionantes obras de Ruy Coelho.

Escrita num só andamento, afigura-se como um irregular caleidoscópio de atmosferas e

gestos construídos sobre os mais diversos materiais.

243

Cf. p. 16, em especial a nota 81.

244 ―Concerto Ruy Coelho‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo do Diario de

Noticias (19/02/1916)].

245 S.[tuart] T.[orrie], ―Música – Concerto Rui Coelho‖, Republica 1841 (26/02/1916): 2.

246 Citado em ―Ruy Coelho e a crítica‖, A Ideia Nacional 20 (13/04/1916): 9.

247 Descrição de ordem alfabética já aplicada à sonata anterior e assaz compreensível em face de uma música

que exige de ambos os músicos virtuosística exuberância, sem que se possa, por isso, considerar o violino

principal.

66

Fig. 13: Últimos oito cc. do 1.º and. do Trio. Ficheiro MIDI no Anexo 5.16.

Fig. 14: Trecho do 3.º and. do Trio. Repare-se na sobreposição dos acordes de si7M e mibM.

Ficheiro MIDI no Anexo 5.17.

Na partitura (cf. Anexo 4.22) sucedem-se e coexistem o aparato esplendoroso de

carrilhões e o pulsar luminosamente obsessivo de acordes violinísticos (por ex., cc. 1-6,

187-204); halos de romântica candura e expansividade (por ex., cc. 25-30); acrobacias e

precipitações de coloração quasi jazzística (por ex., cc. 24, 49-51); harpejos de exóticas

distorções harmónicas (por ex., cc. 55-56); marchas marteladas contra melodias de extrema

67

angulosidade (por ex., cc. 60-61); simetrias e desfasamentos estruturalmente calculados: cf.

por ex. Fig. 15, e repare-se na longa frase dos cc. 103 a 108; ao piano, é meia-escala

descendente de solm em cujo ritmo se pode adivinhar curiosa simetria, como nítido pelo

apontamento abaixo; ao violino, trata-se de uma oscilação errante (em percurso também

descendente, de 8.ª), cuja ambiguidade funcional o acompanhamento pianístico monódico

ajuda a enfatizar, em passando pela sugestão do VM ou Vm (1), IVm (2) e um vago Im (3)

com nota sobredominante em reiterada ―suspensão‖. Quando o violino finalmente

desemboca em sol, o piano nega o descanso com 5.ªdim a terminar na sensível, sobre a qual

de novo volta a insistente nota sobredominante. Há ainda nestes compassos um interessante

jogo de cruzamento de notas longas: o lá do piano (cc. 106-107) passa para o violino (c. 108),

de novo para o piano (c. 110); e o sol do piano (cc. 107-108) para o violino (cc. 109-110).

Fig. 15: Sonata para piano e violino n.º 2, cc. 97 a 111. Gravação no Anexo 5.18 (4‘46‘‘-5‘35‘‘).

Mas sucedem-se e coexistem também inesperados prenúncios e reminiscências de

vertiginoso alarme ou de mirífica lembrança (vejam-se, para refir o exemplo mais óbvio, as

4.as

aums em irisante catadupa já no c. 95, e como este intervalo é dramaticamente importante

ao c. 109, e como o gesto é motor da referida fuga, e como é depois evocado aos cc. 352-

-354 e 359-361...); uma fuga pantonal, a três frenéticas vozes, melódica e harmonicamente

implosiva (cc. 320-337); a solidão atonalmente expressionista feita monodia hesitante ou

sombria polifonia (por ex., cc. 97-126); ecos desfigurados (percurso melódico, harmonia e

68

ritmo) do início da Sonata para piano de Liszt, em que as pausas, ante a desintegração dos

materiais sonoros, ganham espaço dramático « [...] de forma a que o lento, a expressão

estatica, – o silencio – por contraste maximo, alcançam finalmente todo o seu poder

infinito de evocação [...] »248

(cf. Figs. 16 e 17); e, enfim, tudo isto entrecortado, truncado

ou subitamente diluído em inesperadas não-cadências, como é exemplar a sequência que se

segue à implosão da fuga: um súbito Largo (cc. 338-348), feito eco de material que

aparecera já (aos cc. 66 a 70), de novo um súbito Allegro deciso, qual inesperada ―quase

cadência‖ em rém (cc. 349-352), novo súbito eco da fuga, a resolver em nenhures (cc. 352-

-356), nova súbita ―quase cadência‖ em dóM (cc. 356-359), novo súbito eco da fuga, de

novo em finalização indefinidora com suspensão (cc. 359-363); e logo quatro compassos

de martelado rébM em 2.ª inversão (cc. 364-367), feito cadência para... para afinal uma

Fig. 16: Sonata para piano e violino n.º 2, cc. 219 a 237.

Gravação no Anexo 5.18 (9‘50‘‘-10‘45‘‘).

Fig. 17: Primeiros quatro cc. da Sonata para piano, S. 178, de Franz Liszt.

248

Coelho, O verdadeiro sentido da Arte Moderna em Portugal. Palestra que antecedeu a estreia da

partitura. Cf. Anexo 2.

69

inesperada secção de graça romântica... Em suma, como diria Ruy Coelho, « [...]

simultaneismo da rythmica, da côr, da linha, e da ideia em syntheses rapidas de

vertigem [...] »249

.

Simultaneidade e interseccionismo, no tempo marchetados, de materiais e de

emoções, e o recurso anti-dogmático de inúmeros princípios técnicos que destarte se

anulam como tal e se valorizam como sensações tão-só, na aparência intuitivamente

urdidas: veja-se como simples e revelador exemplo a cadência perfeita miM – láM (depois da

indefinição somatória de miM e mib7M sobrepostos, a que se sucede a concatenação de

escalas de coloração octatónica), que subitamente se ultrapassa para se cair num furioso

solM, qual V em início de nova cadência, a desembocar em dóM, conquanto pelo meio se

martelem todos os seis acordes perfeitos maiores de cada meio-tom descendentemente

percorrido (Fig. 18).

Fig. 18: Sonata para piano e violino n.º 2, cc. 438 a 449.

Gravação no Anexo 5.18 (14‘40‘‘-15‘05‘‘).

A este gesto, aqui exemplar – mas também a todos os que enfatizam esta liberdade

de utilização de acordes perfeitos maiores ou menores (ou outros) em ferindo os princípios

tradicionais de sintaxe tonal, o que, de formas diferentes, se concretizara já n‘A princeza dos

249

Op. cit..

70

sapatos de ferro, na Symphonia Camoneana, na anterior sonata... – é particularmente irre-

sistível associar uma reflexão autógrafa, localizada em página solta cujo restante caderno se

perdeu250

, que concede a dóM – qual cor branca251

, reunindo em si todas as cores –

a universalidade sobre todos os sons (os então conhecidos e os que viessem a surgir),

podendo assim « [...] affirmar-se que não ha tons affastados e que se pode modular logo

directamente para todos os tons; seja qual fôr o ponto de partida ». Este ideal não está muito

longe, aliás, do reclamado pelo manifesto de Pratella:

« […] Noi futuristi proclamiamo che i diversi modi di scala antichi, che le varie

sensazioni di maggiore, minore, eccedente, diminuito, e che pure i recentissimi modi di scala per

toni interi non sono altro che semplici particolari di un único modo armonico ed atonale di scala

cromatica. Dichiariamo inoltre inesistenti i valori di consonanza e di dissonanza. [¶] Dalle

innumerevoli combinazioni e dalle svariate relazioni che ne deriveranno fiorirà la melodia

futurista. […] Noi futuristi proclamiamo quale progresso e quale vittoria dell‘avvenire sul modo

cromatico atonale, la ricerca e la realizzazione del modo enarmonico. […] Noi futuristi amiamo

da molto tempo questi intervalli enarmonici che troviamo solo nelle stonature dell‘orchestra,

quando gli strumenti suonano in impianti diversi, e nei canti spontanei del popolo, quanto sono

intonati senza preoccupazioni d‘arte […] »252

.

A multitude de recursos da partitura e a forma como se apresentam lembram

igualmente o projecto sensacionista de Fernando Pessoa. Senão vejamos como se descreve

o ideário pessoano, derivado do simbolismo francês, do panteísmo transcendentalista

português e da « […] baralhada de coisas sem sentido e contraditórias de que o futurismo, o

cubismo e outros quejandos são expressões ocasionais […] »253

, centrando-se na sensação

em si como meio e fim de criação e leitura de uma arte:

250

A página (BNP, ERC, s. c.) não está datada mas, pela qualidade do papel e caligrafia, deverá ser do

início da carreira de Ruy Coelho. De resto, é possível que pertença a um curso que apresentou na Liga

Naval no início de 1917; numa das lições, « [...] fallou largamente e muito claramente sobre todos os modos

[...] desde a antiguidade até a Debussy, e acabou por apresentar uma tonalidade sua, que diz resolver o

problema da dinamica tonal sobreposta [...] » — Cf. ―Liga Naval Portuguesa‖ [recorte preservado na BNP,

ERC, s. c., identificado como sendo d‘A Nação (26/01/1917)].

251 Curiosamente, o branco era a cor de dóM para Rimsky-Korsakof. Cf. Ivan Moseley, ―Crossed Wires:

Synaesthetic Responses to Music‖, in Neurology of Music, ed. Clifford Rose (Londres: Imperial College

Press, 2010), 265.

252 Balilla Pratella, ―La musica futurista‖, 550.

253 Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, ed. Georg Rudolf Lind e Jacinto Prado

Coelho (Lisboa: Ática, 1966), 134-138.

71

« […] 1 – A única realidade da vida é a sensação. A única realidade em arte é a

consciência da sensação. [¶] 2 – Não há filosofia, ética ou estética, mesmo na arte, seja qual

for a parcela que delas haja na vida. Na arte existem apenas sensações e a consciência que

dela temos. [...] [¶] 3- A arte, na sua definição plena, é a expressão harmónica da nossa

consciência das sensações, ou seja, as nossas sensações devem ser expressas de tal modo

que criem um objecto que seja uma sensação para os outros. [...] [¶] 4 – Os três princípios

da arte são: 1) cada sensação deve ser plenamente expressa [...]; 2) a sensação deve ser

expressa de tal modo que tenha a capacidade de evocar – como um halo em torno de uma

manifestação central definida – o maior número possível de outras sensações; 3) o todo

assim produzido deve ter a maior parecença possível com um ser organizado, por ser essa a

condição da vitalidade. Chamo a estes três princípios 1) o da Sensação, 2) o da Sugestão,

3) o da Construção. […] »

A propósito, poder-se-ia ainda referir o ideário interseccionista que, como o

próprio nome indica, primava pela intersecção multiplicativa de valores interartísticos e

pela intersecção da sensação com o próprio objecto sentido:

« […] Os românticos tentaram juntar. Os interseccionistas procuram fundir. Wagner

queria música + pintura + poesia. Nós queremos música x pintura x poesia. […] »254

; « […]

Ora a Arte busca a Sensação em absoluto. Mas a sensação, como vimos, compõe-se do

Objecto sentido e da Sensação propriamente tal. [¶] Intersecção do Objecto consigo

próprio: cubismo. (Isto é, intersecção dos vários aspectos do mesmo Objecto uns com os

outros). [¶] Intersecção do Objecto com as ideias objectivas que sugere: Futurismo. [¶]

Intersecção do Objecto com a nossa sensação d'ele: Interseccionismo, propriamente dito;

o nosso. […] »255

.

A inscrição da composição de Ruy Coelho nestes ideários é evidentemente

platónica e subjectiva, tanto que não há qualquer ensaio teórico do autor explicitamente

associado a esta partitura; apesar disso, como já referido, sabêmo-lo (pelo menos)

interessado nas propostas pessoanas. E, para além de nos parecer demasiadamente

próxima a data destas reflexões com a altura em que a sonata é composta, o seu

conteúdo musical é, em muito do que contém, um manifesto em potência – no seu

primado da sensação como meio e fim, o objecto sonoro por ele mesmo e a nossa

sensação dele nele vertida. Em inúmeras passagens, ao invés de frases lógicas,

254

Texto datável de 1914. Cf. Fernando Pessoa, ―[Os graus do interseccionismo]‖, in Pessoa Inédito,

coord. Teresa Rita Lopes (Lisboa: Livros Horizonte, 1993), 260.

255 Texto datável de 1915. Cf. idem, ―[Manifesto do sensacionismo]‖, op. cit., 265-266.

72

cadências expectáveis, há para o ouvinte objectos que se fazem e se desfazem

irracionalmente como sensações indomadas; quasi como paradoxo, à falta de programa

há música ―pura‖, mas sem lei que lhe ofereça arquitectura por nada que não apenas o

usufruto da sensação. O que, de novo, lembra Pratella: é mister considerar-se « [...] la

forme musicali conseguenti e dipendenti dai motivi passional generatori [...] »256

.

É sintomático que ainda hoje se mantenha discograficamente ―inédita‖257

; é uma

obra de enorme dificuldade técnica e extrema profundidade emotiva para ambos os

solistas, e certamente insólita para um público conservador. À estreia, a 9 de Maio de

1917, no S. Carlos, disse um crítico não ter podido ouvi-la inteira, « [...] pelo que nos

abstemos de emittir qualquer juizo definitivo; mas, pelo que ouvimos [...] é mais uma

obra de estylo charivarico [...] »258

. Não por acaso, Ruy Coelho apresentá-la-á

novamente no Brasil em 1922, ilustrando a sua conferência O verdadeiro sentido da

Arte Moderna em Portugal, e, em 1924, juntamente com a primeira sonata, como parte

musical d‘A Idade do Jazz-Band, conferência que António Ferro apresenta em evento

organizado pela Contemporânea... a propósito do qual nos parece mais uma vez

peculiar, porque exactamente oposta, uma asserção de Deniz Silva, que anota...

« [...] Rui Coelho n‘inerpréta pas, cependant, de la musique « moderne », mais ses deux

Sonates pour violon et piano [...] »259

...

Sintomática é também a crítica ao Trio, que foi estreado num concerto precedido

pela Trilogia Camoneana, de que adiante falaremos. Enquanto que esta foi tida como

uma ―obra de arte genuinamente portuguesa‖, já a outra partitura...

« [...] nada tem que aproveitar, na louca extravagância com que as frases, ou antes, as

notas, se sucedem e sobrepõem, sem que consiga apreender-se uma ideia, por pequena que seja,

que nos guie no temeroso labirinto dos seus tres andamentos [...] »260

...

256

Cf. Balilla Pratella, ―La musica futurista‖, 550-551.

257 Não seria justo, nem para a obra nem para o compositor – e nem para os intérpretes! –, lembrar a

gravação publicada pela PortugalSom, dada a confrangedora disparidade entre o que consta da partitura e

o que consta da gravação. Cf. Coelho, The Princess with the Iron Shoes [CD áudio].

258 Humberto de Avelar, ―Concerto de Musica de Camara Portugueza‖, A Capital 2420 (11/05/1917): 3.

259 Deniz Silva, ―« La musique a besoin d‘une dictature »‖, 185 [à nota de rodapé 112].

260 Humberto de Avelar, ―Crónica Musical‖, Atlantida 7 (15/05/1916), 689-690. Cf. também H.[umberto]

de A.[velar], ―Música – Concerto de Ruy Coelho‖, A Capital 1996 (26/02/1916): 1-2.

73

III.2 | A “invenção” do Lied português

Ruy Coelho parece ter tido contacto, desde o seu aparecimento, com a Renascença

Portuguesa, movimento surgido em 1912 pela mão de escritores e intelectuais portuenses

primeiramente liderados por Teixeira de Pascoaes, teórico do saudosismo, e que terão

também influenciado o compositor Óscar da Silva261

. Procuravam a regeneração de

Portugal pela redescoberta da alma nacional perdida, a cuja dimensão saudosista

correspondeu também o interesse inicial de Fernando Pessoa262

. O Livro das Cantigas,

projecto já referido, pode ter sido uma primeira experiência neste âmbito, bem como a

composição de alguma música sobre poemas de Affonso Lopes Vieira e Antonio Nobre263

.

Deste último, de encontro a esta necessidade de redescoberta transcendental de um

hipoteticamente inato lirismo português, veja-se o exemplo de Ó Virgens!. O tratamento

musical com que aborda este soneto (cf. Anexo 4.23) ilustra perfeitamente o desafio que

este ideário estético impunha: ser-se renascente e ser-se lusitanamente intemporal

– ambições que se materializam na exploração de uma forma e de uma sintaxe modernas

com o recurso a uma harmonia e textura românticas reduzidas à quase máxima

simplicidade. À excepção de seis compassos sobre rébM, ouvimos uma peça inteira em

mibM, sem quaisquer modulações; uma tonalidade insistente e obsessiva, como obsessivo é

o sempiterno e ininterrupto ritmo feito de tercinas à mão direita do pianista. A máxima

expressão presa a uma estrutura mínima, agitada somente pelas variações de tempo e de

dinâmicas: de um início quasi lento e pianíssimo, segue animando até um quasi presto

fortissíssimo (Cantae! Cantae!, lança o soprano, em insistentes saltos de 4.ªP, qual épico

cornetim), e ao fim tudo morrendo até a um primeiro tempo pianississíssimo.

A criação de uma canção portuguesa vinha sendo discutida há algum tempo mas os

exemplos antecedentes e contemporâneos de Ruy Coelho são escassos264

e, segundo o

261

Além da preocupação de Ruy Coelho em pensar a ―saudade‖, achou-se um exemplar de A Águia na sua

biblioteca pessoal, hoje preservado no EHRC. Deniz Silva, que a este respeito nada diz sobre o compositor

alcacerence, lembra o saudosismo como « [...] [un] courant qui eut des prolongements dans le domaine

musical, Óscar da Silva demeurant le compositeur représentatif du « saudosisme musical », avec notamment

sa Sonata saudade, pour violon et piano [...] » — Deniz Silva, ―« La musique a besoin d‘une dictature »‖, 89.

262 Cf. António Cândido Franco, ―Renascença Portuguesa‖, in Dicionário de Fernando Pessoa e do

Modernismo Português, coord. Fernando Cabral Martins ([Lisboa]: Caminho, 2008), 722-725.

263 Carta a Theophilo Braga, de Lisboa, a 06/04/1913 (cf. Anexo 3, p. 51).

264 A este respeito, cf. José Bettencourt da Câmara, O essencial sobre – A música portuguesa para canto e

piano ([Lisboa]: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1999).

74

ideário do autor da Symphonia Camoneana, falhos em portugalidade. Tanto quanto foi

possível apurar, a primeira apresentação pública das suas propostas dá-se em 1915265

.

Repare-se na música de uma das suas primeiras experiências, Na cathedral do amor e da

paysagem – Trilogia camoneana266

(cf. Anexo 4.24), que tem de formal e harmonicamente

estranho apenas o andamento central, construído com alguma surpresa em jeito de

improviso para piano, em cujo remate volta a soprano, por três vezes, qual eco, a relembrar

as palavras do célebre soneto com que se inicia o primeiro andamento, Aquella triste e leda

madrugada..., que, nas palavras de António Ferro, « [...] repousa na arte de Ruy Coelho

como um corpo de patricia n‘um sarcofago de Sonho e Reza, como qualquer madona de

Giotto na moldura-catedral d‘um primitivo [...] »267

. O carácter ledo e triste deste poema

camoneano, tido como símbolo vetusto da saudade feita condição intemporalmente

nacional, é, de facto, plenamente conseguido pela doce simpleza e luminosa candura de

umas melodia e harmonia quase naïves. O terceiro andamento, sobre poema de João do

Amaral, contém material rítmico e harmónico que lembra a primeira das 6 Kacides

Mauresques, mas o intimismo exótico, por contido, não dá senão lugar a um (também) ledo

e triste e despretensioso Cantar de D. Ignez.

Em 1917, Ruy Coelho reuniu um conjunto de catorze singelos Lieder sobre poemas

de Lopes Vieira, provavelmente compostos ao longo dos anos anteriores, e fê-los publicar

em 1918 com um prefácio em que o poeta explicava a escolha do termo « lied »268

,

265

« [...] Vamos ouvir [...] Ruy Coelho, com o seu tam impressionante lied de uma tonalidade vesperal

bem portuguesa, musica de anseio e dor saudosa, sugerindo-nos a melancolia das nossas estradas ermas,

ao som plangente das Trindades. [...] » — Affonso Lopes Vieira, "Num concerto das filhas de Rey Colaço

(no Instituto de Coimbra, em Maio de 1915)", in Cristina Nobre, Afonso Lopes Vieira – A reescrita de

Portugal – Vol. II – Inéditos (Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Janeiro de 2005), 527-528.

Não pudémos até agora confirmar o repertório apresentado.

266 A estreia dá-se a 24/02/1916, na Liga Naval: cf. ―Concerto Ruy Coelho‖ [recorte preservado na BNP,

ERC, s. c., identificado como sendo d‘A Nação (18/02/1916)]. Cf. também Alfredo Pimenta, Palavras de

Arte – Pequena Conversa [que precedeu o concerto] (Coimbra: Editores França & Armenio, 1916).

267 António Ferro, [―Prefácio‖], in Ruy Coelho, Novos Lieder [partitura] [2.ª ed.]. Lisboa: s. n., [1955?].

268 « [...] Deve compreender-se que se estou empregando a palavra lied, o não faço senão porque esta palavra

exprime [...] o mais íntimo, o mais patético e intenso dos generos, – termo intraduzivel a que não

correspondem nas outras linguagens as palavras canção ou cantiga, romanza ou ária. [...] [¶] E este

cuidado foi tanto mais justificado, quanto, a propósito de canção nacional, se tem feito às vezes entre nós uma

confusão assás desagradavel [...] [¶] Ora a verdade é que o lied não tem sido tratado pelos nossos compositores,

e sempre se tem mantido em Portugal uma estranha e triste desproporção entre a riqueza da nossa poesia, entre

a confidência cantada do nosso Lirismo, e a pobreza da nossa música de canto [...]. » —Affonso Lopes Vieira,

―Lieder Portugueses‖ [1917], in Ruy Coelho, Canções de saudade e amor [partitura] [2.ª ed.] (Ed. de autor,

s. d.). A ideia era já explicada em 1915: « [...] Emprego [...] lied não pelo gôsto, q. não tenho, de me

exprimir em linguagem estranha, mas porq. a tradução portuguesa canção não é satisfatoria. A verdade é

q. em Portugal ha bastantes canções, mas poucos lieder, porq. em Portugal houve sempre uma desoladora

75

destacando a qualidade de Ruy Coelho como ―lírico‖, ―elegíaco‖, ―amoroso‖. Estas

Canções de saudade e amor são, pois, a procura de uma ―tonalidade portuguesa‖, não fosse

Portugal...

« [...] uma vasta melodia onde o tom maior da luz é abrandado pela gaze das brumas

leves, e a nossa alma musical existe pairante nos nossos litorais, vales e montes, palpita ao beijo

magnético do mar que nos envolve, – alma suavíssima nos versos dos nossos Cancioneiros e

Bucólicas [...] »269

...

Todas estas peças, ainda que muito diferentes entre elas, inscrevem-se neste mesmo

ideário estético-ideológico, exemplarmente extremado na primeira delas: A Saudade

(cf. Anexo 4.25). A melodia, quase sempre formada por graus conjuntos, apoia-se num

acompanhamento de piano à distância inexorável de uníssono, à excepção de dois

compassos de absoluta solidão para o canto que, qual sussurro, evoca ―[o monge] que

escutava o roussinol‖. O uníssono é quase sempre desdobrado nas quatro oitavas inferiores,

harpejadas, e o meio preenchido ora com acordes perfeitos maiores, ora menores, ora

diminutos, em cuja lei de aparecimento parece estar tão-somente a manutenção de um bloco

intervalar de 3.ª-3.ª-4.ª, o que, consoante a nota da melodia, fá-lo assim diferentemente

colorido. Este canto hierático, monótono na sua quase invariável qualidade textural,

estranho na sua harmonia tão crua quão tosca, é apenas rompido no exacto último

compasso: pela primeira vez, o acompanhamento se não desdobra em uníssono e

respectivas oitavas mas à distância de uma terceira maior abaixo – efeito assim

esplendoroso, que sublinha luminosamente a palavra céu e justifica resolutamente a

qualidade conceptual da música proposta em finalizando-a com expressivo dóM.

Atente-se também na forma como se procura integrar no projecto o universo rústico

português em, por exemplo, O beijo, recusando-se uma via folclorizante para se propor

uma música de ―natureza bifronte‖, ―entre a origem erudita e a vontade do popular‖

(como é a poesia ―neotrovadoresca‖ de Lopes Vieira na descrição de Paulo Alexandre

Pereira270

). Para tal, recria-se uma quadra popular271

,

desproporção entre a expressão lirica e a expressão musical, pelo menos na arte erudita [...] ». — Lopes

Vieira, "Num concerto das filhas de Rey Colaço", 527-528.

269 Lopes Vieira, ―Lieder Portugueses‖, 7.

270 « [...] a operação de reescrita (e de releitura) [do cânone medieval] é nitidamente esclarecida por

pressupostos (e preconceitos) filológicos. Com efeito, a folclorização popular, quase dissolve a sua

origem aristocratizante (e, o que é mais, régia), querendo neles reconhecer genuínos produtos da criação

76

« [...] [o] que materializa [...] esse reencontro com a musicalidade da poesia e com

o impacte expressivo conseguido à custa da sua brevidade e sobriedade de meios. A sua

desafectação sintáctica e rítmica coaduna-se com a apologia do anti-retoricismo poético,

assim como com os ditamos da harmonia eufónica e de contenção patética, directamente

decalcados do lirismo do povo. [...] [Um] acordo entre o quid tonal do autor e uma forma

de expressão colectiva imemorial que justificou a fortuna da via neopopularista [...] »272

.

Da mesma forma, a concretização musical (cf. Fig. 19) passa por uma melodia que se

suporia emulada do canto popular, pela sua singeleza e inocência, sublinhada pela emulação

de uma prosódia que se diria inculta, dado o reforço, em destacado sforzato, de sílabas

tónicas em tempos fracos (cc. 2, 10 e 14), entre outras liberdades – afinal tão naturais273

que perturbaram o ―lápis azul‖ do ferrenho classicismo de Vianna da Motta274

. E isto sobre

uma textura pianística de pianíssimos harpejos, cujo pedal deixa volante delicado colorido,

e de uma harmonia límpida e diáfana, tonalmente simples e tranquila. E, ainda assim, mais

algumas discretas pinceladas de tratamento ―erudito‖, como por exemplo um ritmo que se

desvela ligeiramente proeminente (ver os marcati e os tenuti), provocando subtil conflito

com a simpleza rítmica do canto, e a incrustação episódica de um rébM, sem preparo nem

resolução, durante dois versos, contra o dóM geral da peça (cc. 14-17). Contrastante, a

título de exemplo, é outro número particularmente carismático: Luar (Anexo 4.26 e

5.20). Neste, para a brevidade das duas quadras275

desenvolve-se uma linha vocal

feita de longuíssimas frases, sobre narrativa harmónica romântica delicadamente urdida,

popular. Muita da poesia de inspiração neotrovadoresca de Lopes Vieira patenteia, de resto, uma natureza

bifronte, que oscila entre a origem erudita e a vontade do popular. [...] » — Paulo Alexandre Pereira,

"Trovador de Portugal: neotrovadorismo, saudade e filologia em Afonso Lopes Vieira", Boletín Galego

de Literatura 36-37 (Servizo de Publicacións, Universidade de Santiago de Compostela, 2008), 123.

271 « À minha amada, na praia, [/] dei um beijo, a sós e a medo; [/] mas a onda que desmaia [/] descobriu

este segredo. [//] E ás outras logo contando [/] o beijo que me viu dar, [/] foi de onda em onda passando

[/] o meu segredo a cantar. [//] Treme ansioso o teu seio, [/] e eu, pálido de temor, [/] que todo o mar anda

cheio [/] d‘aquele beijo de amor! » — Cf. Ruy Coelho, Canções de saudade e amor [partitura] [2.ª ed.]

(Ed. de autor, s. d.), 22-25.

272 Paulo Alexandre Cardoso Pereira, A beleza imortal das catedrais – Afonso Lopes Vieira e a

Imaginação Medievalista – Vol. I (Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Julho de 2009), 595-596.

273 Passim Michel Giacometti e Fernando Lopes-Graça (recolhas), Música regional portuguesa [6 CDs]

(Numérica [colecção PortugalSom], 2008).

274 Veja-se a curiosidade de Vianna da Motta ter assinalado, a lápis azul, cerca de trinta ―erros‖ em

Canções de saudade e amor – todos eles relativos à disposição do texto cantado. Cf. exemplar depositado

na BNP, EVM.

275 « A noite macia e nua [/] silenciosamente alveja [/] e o luar leve goteja [/] da fonte morna da lua. [//]

Luar mais doce que o mel, [/] que estás vendo a minha linda, [/] faz-te lá mais doce ainda [/] para pousar-

-lhe na pele. » — Coelho, Canções de saudade e amor [partitura], 34-38.

77

Fig. 19: Início de O beijo, de Canções de saudade e amor. Ficheiro MIDI no Anexo 5.19.

78

sublinhando o carácter nocturnal de paisagística lonjura, em que toda a componente musical

é eruditizada e nada tem de rústico.

O ciclo foi calorosamente recebido pelo público desde a sua publicação, como

exemplarmente expõem as críticas de Antonio Joyce276

– o maestro dos coros da

Symphonia Camoneana – ou dos mais jovens compositores António Fragoso277

e Ivo

Cruz278

–, e assim se manteve durante bastante tempo: em 1928, quando Ruy Coelho

propõe-se apresentar em concerto a integral – que o não foi – de toda a sua obra para canto

e piano, ainda o ciclo merecia os melhores elogios279

de Francine Benoit.

Sobrevivem ainda, do período aqui estudado, três peças soltas para canto e piano em

língua portuguesa. Uma delas, Lied n.º 12, sobre soneto de Camões (Sete anos de pastor

Jacob servia...) datará de 1913 ou 1916280

e está dedicada « À Ex.ma

S.ra D. Carolina Joyce ».

Da localização dos outros onze Lieder que este título pressupõe não se achou notícia, nem

foi possível confirmar se esta peça se estreou durante o período aqui estudado. A linguagem

musical insere-se claramente na música de Ruy Coelho deste período, e lembra

especialmente o prólogo da Symphonia Camoneana na sua sucessão de acordes puros

distantes entre si e em alguns gestos melódico-rítmicos. Também a explorar recursos

276

« Pelo seu lirismo vago, misterioso, pela ausencia de demarcação entre o mundo fisico e o mundo

moral, pela criação d'essa atmosfera..., estas composições poeticas, obedecendo ao preceito estatuido por

Edgar Poe em referencia a qualquer obra d'emoção, da maxima intensidade na maxima brevidade,

provocavam logicamente a ampliação rithmica e sonora – e foi essa a tarefa que Ruy Coelho realizou com

superior talento, mostrando innegavelmente possuir a especial organização de artista que se requer num

criador de lieder. Entre elles, ha verdadeiras cristalizações da emoção e da ternura d'uma raça. » — Citado

em Ruy Coelho e Affonso Lopes Vieira, Crisfal – Ecloga musical em 1 acto e tres quadros [libreto]

(Lisboa: Valentim de Carvalho, [1920]).

277 Ver nota 321, p. 90.

278 « [...] Os dois unicos cadernos de lieder que teem vindo a publico [de Ruy Coelho] são aqui ou em

qualquer outro país onde a musica não seja uma vã utopia, verdadeiros lieder pela sua essencia e pela

forma. [¶] As nossas jovens amadoras de canto, que tanto me mortificam com arias de «Butlerfly» [sic] e

da «Tosca», não os apreciam devidamente o que de resto se explica na repugnancia que o vulgo tem a

qualquer inovação [...] » — Ivo Cruz, ―Cronica Musical‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c.,

identificado como sendo d‘A Monarquia (19/04/1922)]. Ivo Cruz via em Ruy Coelho um « grande

compositor a quem os novos muito devem », segundo dedicatória datada de 1921, na partitura de Aguarelas

que se acha no EHRC.

279 « [...] Todos os profissionais e amadores de arte musical em Portugal [...] vêem em Ruy Coelho a figura até

hoje mais representativa do nacionalismo musical [...]. [Canções de saudade e amor é um caderno] suavemente

lirico sôbre as poesias deliciosas de Afonso Lopes Vieira [...]. Ruy Coelho, temperamento impulsivo, [...] tem

de facto pequenas maravilhas esparsas por esses cadernos de «lieder» [...]. Quem não sente a graça

singela de «O filtro», «Menina e môça», «Amôr meu»; a poesia doce de «Santa Iria»; a emoção intima do

«Outono» [...]. Nem todas são tão felizes, mas neste ultimo caso está a minoria. [...] » — Francine Benoit,

―A Musica – O concerto Ruy Coelho e as ultimas audições das orquestras dos maestros Pedro de Freitas

Branco e Fernandes Fão‖, Diario de Lisbôa 2369 (28/12/1928): 3.

280 Acharam-se dois manuscritos: um não autógrafo, datado de 1913; e outro autógrafo, que parece ter

sido assinado em 1913 mas posteriormente corrigido para 1916. Cf. BNP, ERC, docs. s. c..

79

familiares está a frenética interpretação musical de Poveirinhos!, soneto de Antonio Nobre,

terminada a 9 de Fevereiro de ano não identificado, em Berlim.

Por fim, em Novembro de 1916, Ruy Coelho compõe O mundo dos meus bonitos,

sobre Augusto de Santa-Rita, que se estreou a 8 de Maio de 1917281

e foi publicado em

1924282

, num volume que incluía peças de Luiz de Freitas Branco, Lima Cruz, Claudio

Carneyro, Ivo Cruz e Fernandes Fão, reunidas sob a égide de um elucidativo texto

explicativo:

« [...] Da mesma enganadora maneira como as creanças veem, n‘uma cestinha, de

França, o « Lied » veiu, n‘uma cestinha, da Alemanha. Á porta de Portugal, certo dia

bateram dois mensageiros: – Affonso Lopes Vieira e Ruy Coelho [...]. Encheu-se de alegria

o Lar... A Familia Portugueza cercou de affagos o loiro recem-nascido e poz-se logo a

cantar [...]. Nascera o « Lied » entre nós. Tinhamos já a Canção; sua irmãsinha mais velha.

Faltava o morgadinho que encarnasse a Tradição e os pergaminhos da Raça. [¶] A Canção é

toda a alma de um Povo em mangas de camisa. O « Lied » a linda gravata que o Povo se

viu um dia na necessidade de pôr [...] ».

A partitura d‘O mundo dos meus bonitos (cf. Anexo 4.27) é notável pela sua

liberdade estrutural e tratamento dramático; trata-se de um quase improviso no seu todo, ou

de um recitativo, em que se sucedem, sob a fluidez irregular de diversos compassos e

tempos metronómicos, a recitação cantada de uma evocação de infância, o ―toque do

recolher‖ (―Tá-tá-rá-tá-tá‖), o aviso, scherzando, da ama (―Meninos bonitos vão-se já

deitar‖), de novo o ―toque do recolher‖, ecos de pregões lisboetas (―Chêgô lá para diante,

Ché-é-é-é-gô... É o leite!‖), a memória de histórias principescas, cantigas populares,

―O preto e a preta, lá no sertão‖... e ―Papagaio loiro‖ – cantado em citação directa,

brevemente continuada pelo piano... Harmonicamente, a peça define-se com clareza na

tonalidade de siM, embora a atmosfera evocativa faça uso, aqui e ali, de aglomerados não

resolvidos em finais de frase (ver as suspensões dos 2.º e 3.º sistemas da 2.ª p., ou o

c. derradeiro, em I467

).

281

Humberto de Avelar, ―Concerto de Musica de Camara Portugueza‖, A Capital 2420 (11/05/1917): 3.

282 Augusto de Santa-Rita (dir.), Folhas de Arte [partituras] (Lisboa: Livraria Portugalia – Editora, 1924).

80

III.3 | A II Symphonia Camoneana

A génese da composição (e eventuais revisões) da II Symphonia Camoneana283

é

incerta, mas o prólogo teria sido já composto em 1912, em Paris284

, e a obra estaria

completa em Dezembro de 1915285

. Em Março de 1916, Ruy Coelho tentava a sua estreia

com o concurso de uma ―Ilustre Comissão das Senhoras Portuguezas Promotora de Festas

em beneficio do Cofre para feridos da Guerra‖286

, e um dos seus andamentos, a ―égloga‖

Na fonte dos amores de Ignez (na madrugada), estreara-se a 21 de Março de 1915, numa

―festa de homenagem‖ ao maestro David de Souza, em concerto da Orquestra Sinfónica

Portuguesa no Teatro Politeama287

.

O programa da II Symphonia Camoneana já não parece ter contado com a

colaboração de Theophilo Braga288

, e, a bem dizer, face ao insucesso da anterior, esta

segunda camoneana parece mais uma resposta de substituição do que de sequência lógica.

Isto porque, apesar de o compositor a descrever como estando « [...] dentro das ideias e dos

planos mais modernos da musica [...] »289

, a obra parece um exercício de moderação da sua

linguagem musical segundo a subjectiva ambição de uma música de espírito genuinamente

nacional290

, como a que o levou a compor Canções de saudade e amor. Dois dos Lieder que

283

Conforme o título impresso no programa da estreia (cf. BNP, ERC, s. c.); todavia, Ruy Coelho referir-se-á

mais tarde à Symphonia Camoneana n.º2, e a obra viria a ficar conhecida, com ortografia actualizada, por esta

segunda fórmula.

284 Assim se acha datado um manuscrito autógrafo deste prólogo, na BNP, ERC, s. c..

285 Cf. [Ruy Coelho], ―A nova sinfonia de Ruy Coelho‖, Republica 1779 (23/12/1915): 1.

286 Cf. Anexo 3, pp. 87-58. A comissão reunia inúmeras individualidades do meio aristocrático « no

palacete do sr. dr. Thomaz de Mello Breyner » — cf. ―Assistencia das senhoras portuguesas ás vitimas da

guerra‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo do Diário de Notícias

(23/03/1916)].

287 Teatro Politeama – Festa de Homenagem ao ilustre maestro português David de Souza – Domingo, 21

de Março de 1915 [programa de sala] (Lisboa: s. n., 1915). Consultável na BNP, ERC, s. c..

288 Apesar de a colaboração ser referida em ―Sinfonia Camoneana n.º 2‖ [recorte preservado na BNP,

ERC, s. c., identificado como sendo do Diário de Notícias (02/04/1916)].

289 Cf. Anexo 3, p. 87.

290 « [...] A razão de ser das Symphonias Camoneanas obedece ao pensamento que desde a juventude me

revelou a ―Alma Portugueza‖ [...]. Toda a minha preoccupação instinctiva, atavica (por isso que sou

alemtejano, filho d‘homem do mar) tem consistido em achar uma ancestralidade da musica nacional [...], a qual

não tendo encontrado na musica erudita que não temos, encontrei nos cantos populares regionaes, e

exuberantemente na poesia, resumindo-se, por assim dizer, o meu processo de composição musical, não em

fazer musica para a paysagem portugueza, não em fazer a phrase musical para o verso portuguez, mas sim, em

tirar musica da paysagem portugueza, em tirar a phrase muiscal do verso portuguez [...] » — ―Sinfonia

Camoneana n.º 2‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo do Diário de Notícias

(02/04/1916)].

81

integram este ciclo figuravam, aliás, na estrutura original da obra, tendo sido então cantados

por um barítono. Não, portanto, uma continuação narrativa da primeira, mas uma releitura,

como o seguinte quadro comparativo ajuda a observar:

Symphonia Camoneana

Prologo: Hymno a Camões

1.ª parte: Morte de Camões

2.ª parte: O Pregão Eterno

II Symphonia Camoneana

1.ª parte: I – Prologo

II – Morte de Camões

2.ª parte (intermezzo): I – Na Fonte dos

[Amores, de madrugada.

II – Duas Canções

[de Saudade e Amor: No fim do

[mundo; O filtro da loira Iseu.

3.ª parte: Pregão Eterno.

Fig. 20: Tabela comparativa discriminando os andamentos das duas primeiras sinfonias camoneanas.

Esta é a estrutura descrita no programa de sala da estreia, a 15 de Abril de 1917, no

São Carlos – em que foi também estreada a já referida Lenda de Inês, e apresentada (em

versão orquestral?) a Trilogia Camoneana. Todavia, Ruy Coelho procede a uma grande

revisão em 1938; todos os exemplares que sobrevivem são, aliás, esta mesma versão

posterior, a qual prescinde dos dois Lieder. À falta de exemplar da primeira versão, fica

em aberto a provável possibilidade de ter havido outras alterações para além desta

supressão de andamentos. Sem eles, a segunda camoneana perde qualquer presença de voz

humana, sendo esta a primeira diferença notável entre as sinfonias, muito embora se

mantenha o gigantismo do efectivo orquestral, fanfarras inclusive.

O brevíssimo prólogo da primeira dá lugar, na segunda, a uma introdução

tripartida (em A-B-A) com uma primeira secção de aparato clangorosamente heróico,

anunciada pelas fanfarras, e uma segunda secção melodicamente liderada pelas cordas, de

feição lírica e até – a dado momento – bucólica (cf. Anexo 4.28); a oposição entre estes dois

ambientes polares é matricial nesta partitura291

. Ora, se já entre os prólogos das duas

camoneanas há uma enorme diferença na actualidade dos recursos utilizados, a ―Morte de

Camões‖ no-lo confirma de forma abissal. Todo o experimentalismo feito metáfora de uma

291

« [...] Tomei como suggestão maxima da expressão musical lusitana, o espirito camoneano em que as duas

tonalidades, – Epica e Lyrica, – são os dois polos infinitos em que baseio a construcção d‘estas minhas

symphonias, sem que tivesse de recorrer ao processo falso de copiar rythmos e formulas populares, que, apesar

de terem, por vezes, uma riquissima e verdadeira significação regional, não têm comtudo, a meu ver, a

plasticidade propria d‘uma fórma musical superior [...] » — Op. cit.

82

morte dolorosamente tortuosa foi agora vertido em um sentimentalismo de longas melodias

de contorno romântico sobre uma orquestração e uma harmonia pouco surpreendentes,

como é exemplar o início em pacato dóM, malgrado um curioso ostinato aos contrabaixos

em permanente oscilação entre a nota sensível e a nota sobredominante (cf. Fig. 21).

Sobrevivem alguns gestos de orquestração reminiscentes das ousadias da primeira

camoneana, mas não surgem senão como floreados de flautas e harpas em torno de

pungente melodia aos primeiros violinos (cf. p. ex. Anexo 4.29). Seguidamente, convencido

de que « [...] Todos nós portuguezes bebemos da Fonte dos Amores [...] »292

, Ruy Coelho

retoma na segunda parte o tema ―ledo e alegre‖ da Trilogia Camoneana, aqui

diferentemente desenvolvido, a que se segue a mesma pitoresca música que se ouve em

Roussinol, um dos Lieder das Canções de saudade e amor (cf. Anexo 4.30). Por fim, o

―Pregão Eterno‖ da segunda camoneana, sendo a secção mais narrativamente complexa da

sinfonia, e em certa medida um desenvolvimento dos valores ora heróicos ora bucólicos

expostos pelos andamentos anteriores, é também o que contém mais surpresa na sua

harmonia e na sua orquestração (cf. p. ex. excertos nos Anexos 4.31 e 4.32) – mas nunca tão

insólita como a da partitura de 1912.

Fig. 21: Início do 2.º and. (―Morte de Camões‖) da II Symphonia Camoneana. Ficheiro MIDI no Anexo 5.21.

292

Op. cit..

83

Como um todo, na sua estranha e classicamente disforme estrutura – consci-

entemente defendida por Coelho como uma « [...] Fórma Nova de Grande Symphonia

orchestral, absolutamente livre de certos convencionalismos da symphonia classica,

seguindo a accentuada tendencia humana de Beethoven [...] »293

, a obra não convenceu

parte da crítica294

, mas a sua ambicionada portugalidade firmava o sucesso de Ruy Coelho

como genuíno intérprete musical da raça, como se depreende do elogio de Affonso Lopes

Vieira, no dia seguinte à estreia:

« [...] [é uma ] sinfonia desigual, desprovida da estrutura que só uma forte revisão lhe poderá

conceder, mas na qual se encontram, a resgatar defeitos e erros de proporção, provas esplendidas

de talento, como na Morte de Camões, onde perpassam algumas expressões do nosso

sentimento religioso, elegiaco e oceanico. É recordando-me destes temas, da encantadora

ternura e graça da Lenda de Inês e dos lieder, que eu direi que essa musica está impregnada de

portuguesismo musical [...] [.] Bastariam os lieder, bastaria mesmo o intermezzo Na Fonte dos

Amores, em cujo lirismo se adivinha a voz de Bernardim Ribeiro [...] para me encher de razão

de admirar, desde que o meu sangue sentiu o seu parentesco de raça com esta paisagem de

harpas, que as flautas e os violinos esmaltam em[?] verdes gris e oiros palidos, e que a frase dos

violoncelos povoa em longo lamento de amor, – de amor português, irmão da saudade [...] »295

...

Mais: mantinha-se generalizada a associação da música de Ruy Coelho a uma

forma « [...] ultra moderna, a que nem todos estão familiarisados por enquanto e por isso

ouvem-se a cada instante apreciações desfavoraveis [...] [:] disparates, desafinações

293

Op. cit..

294 « [...] é quási impossível conceber coisa mais absurda, mais desequilibrada, mais monstruosa [...] [;] escapa

a toda a análise : só pode analisar-se o que tem lógica, e ali não há lógica, nem equilíbrio, nem porporção [sic] ;

é uma série de sons – e que sons ! – sem forma, sem ideia, sem significação. [¶] Entre a primeira e a última

parte, há um intermezzo delicioso de lirismo, que seria interessantíssimo como trecho sôlto [...] ; aqui, apenas

tem por efeito tornar mais sensível a horripilante fealdade do todo. [¶] Seria interessante procurar as razões que

tornam possível que a mesma pessoa que revela tam boas qualidades líricas, não compreenda o horror duma

obra, que, pretendendo ser musical, é charivárica [...] » — Humberto de Avelar, ―Crónica Musical‖, Atlantida

20 (15/06/1917): 702-703. O mesmo crítico fez publicar, sobre a mesma obra, ―II Symphonia Camoneana de

Ruy Coelho‖, A Capital 2397 (18/04/1917): 1. Não deixa de ser curioso notar que, para o mesmo crítico, a

Sinfonia Fantástica de Berlioz, ouvida num concerto dirigido por Blanch, pouco tinha de interessante; a última

parte era até um « [...] destrambelhamento verdadeiramente «colossal e babilonico» que cae n‘um

incontroverso mau gosto [...] » — Humberto de Avelar, ―Concerto da Orchestra Symphonica Portugueza‖,

[Título não identificado] (Data não identificada) [Recorte consultável na BNP, ERC, s. c.]... Sobre a

II Symphonia Camoneana, ver também a demolidora crítica de D. Luiz da Cunha e Menezes, ―Musica‖, Diário

Nacional 197 (18/04/1917): 3. Por outro lado, são positivamente contrastantes as críticas de Stuart Torrie,

―Festival Rui Coelho‖, Republica 2251 (16/04/1917): 3, e moderadamente favoráveis as de Ponce de Leão,

―A segunda symphonia camoneana de Ruy Coelho‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado

como sendo d‘A Ordem (17/04/1917)], e de Augusto Quintela, ―São Carlos – Concerto Ruy Coelho‖, Eco

Musical 294 (20/04/1917): 92.

295 Affonso Lopes Vieira, ―Musica de Ruy Coelho‖, Diário de Notícias 18477 (16/04/1917): 2.

84

horriveis etc, etc. [...] »296

; e o feito mereceu um almoço de homenagem pelos seus amigos

e admiradores – dentre outros, Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor, José Pacheko, António

Soares e Victor Falcão –, conforme anúncio de João do Amaral n‘A Monarquia, periódico

em que se publicou fervorosa e laudatória crítica297

.

III.4 | Dos bailados infantis à noite gloriosa no S. Carlos

Data de 1917 o mais citado e conhecido documento que nos dá conta da

concretização de bailados de Almada Negreiros, José Pacheko e Ruy Coelho – dubiamente

declarados autores das ―partituras, libretos, décors, costumes, cartazes e coreografia‖ –.

Trata-se de um manifesto (como já contextualizado, anexo a Portugal Futurista),

celebrando a chegada dos Ballets Russes. Ao fim, uma nota acrescenta:

« A expressão de Arte BAILADO não é inteiramente ignorada em Portugal e nao o é

porque nós somos autores de BAILADOS alguns dos quaes já realizados.

O nosso primeiro BAILADO foi representado em 6 de Abril de 1915 em Lisboa,

no Palacio da Rosa, dos Srs. Marquezes de Castello-Melhor e interpretado por gentis damas

da Aristocracia de Portugal. O nosso sucesso ficou garantido na sensação que ainda hoje

presiste [sic].

Immediatamente fômos convidados por Mme de Mello-Breyner para a composição de

um outro bailado. Criámos então a LENDA d‘IGNEZ cuja leitura teve logar no Palacio Anadia

no inverno de 1916, preparando-se a sua execução para o proximo inverno ».298

A imprecisa lista de concretizações, neste manifesto enunciada, deu azo às mais

diversas confusões em toda a bibliografia historiográfica, como a ideia de que A princeza

dos sapatos de ferro teria sido o primeiro bailado a ser estreado299

. É mais verosímil que o

296

Quintela, ―São Carlos – Concerto Ruy Coelho‖, Eco Musical 294 (20/04/1917).

297 Cf. João do Amaral, ―O compositor Ruy Coelho‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado

como sendo d‘A Monarquia (16/04/1917)] e Antonio Sá Pereira, ―O compositor Ruy Coelho‖ [recorte

preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo d‘A Monarquia (18/04/1917)].

298 José de Almada Negreiros, Ruy Coelho e José Pacheko, ―Os Bailados Russos em Lisboa‖ [1917], in

Portugal Futurista [3.ª ed. facsimilada] (Lisboa: Contexto Editora, 1984).

299 Como os autores se referem à estreia do seu ―primeiro‖ bailado em 1915, no Palácio da Rosa, muitos

autores supuseram ser este bailado aquele que (efectivamente) aparece em primeiro lugar na lista: A princeza

85

primeiro tenha sido O sonho da Rosa, em 1915, até pela coincidência do título com o pre-

sumível local de estreia citado no manifesto, o Palácio da Rosa (a 6 de Abril desse ano?) 300

...

Apesar de não ter sido até agora encontrada qualquer partitura, existe no espólio do

compositor um cartaz referente a um bailado intitulado O Sonho da Princêsa na Rosa

(cf. Anexo 6.7), com uma longa lista de participantes (certamente as referidas ―gentis

damas‖) e um efectivo perfeitamente imaginável em contexto camerístico: piano, harpa,

dois violinos, duas flautas – a segunda, (também?) flautim – e violoncelo. Sob o título,

―mvsica de Ruy Coelho‖ e ―mise-en-scène de Almada Negreiros‖, e uma data contraditória

face ao exposto: 7 de Março de 1916. O feito ficou registado em reportagem fotográfica

como uma ―festa elegante‖301

; é lembrada a ―deliciosa musica‖, para o espectáculo

expressamente composta, e o trabalho de ―esmeradissimo gosto‖ por parte de Almada

Negreiros, que o ―ensaiou‖, achando-se nesta reportagem a única fotografia de que há

memória com a presença, no mesmo espaço, de Almada e Ruy Coelho, cujo nome é omisso

no texto e na legenda. É também em 1916 que, a partir do café-restaurante Tavares, em

carta a Sonia Delaunay, Almada pergunta:

« [...] Et nos ballets? Est-ce que vous les avez oubliés?302

[...] Moi, je les chante tous les

soirs en désirs électriques d‘exhibition. Je sens dans vos tableaux les beaux gestes de mes ballets

simultanistes […] »303

.

A vinda de Sonia e Robert Delaunay a Portugal vem assim oferecer novas

possibilidades de geração de intenções e imaginário em torno da criação do bailado

dos sapatos de ferro... Dificilmente seria: vejamos, dentre outras razões, o facto de apenas exigir dois

bailarinos, enquanto que os autores lembram a participação de ―gentis damas da Aristocracia de Portugal‖; e de

exigir um efectivo sinfónico que não poderia caber no Palácio e não passaria despercebido pela imprensa da

época – e que seria além disso dificilmente reduzível a um grupo de câmara sem prejuízo da sua qualidade

poética e musical, dadas as caracteríticas tímbricas e múltiplos efeitos de textura da narrativa musical. Este

equívoco perpetua-se mesmo nos trabalhos mais recentes: confronte-se Deniz Silva, ―« La musique a besoin

d‘une dictature »‖, 68.

300 Para José Sasportes, « [...] » data de 1913 o [...] primeiro projecto [de Almada Negreiros], O sonho

das rosas [sic], que por erro, segundo nos disse, aparece indicado como sendo de 1915. [...] » — cf.

António Pinto Ribeiro e José Sasportes, História da Dança (Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda,

1991), 42.

301 Cf. ―Uma festa elegante‖, Illustração Portugueza 528 (03/04/1916): 444.

302 Referir-se-ia a Ballet Veronèse et Bleu, anunciado em 1915 e jamais concretizado? — cf. Gonzalo Arnero,

Todo Almada (Lisboa: Contexto Editora, 1994), 17, e Pinto Ribeiro e Sasportes, História da Dança, 42.

303 Texto datado de 23/04/1916. Cf. Paulo Ferreira, Correspondance de quatre artistes portugais (Paris:

Presses Universitaires de France – Fondation Calouste Gulbenkian, 1972), 108.

86

moderno em Portugal304

, muito embora nenhum projecto se tenha concretizado, neste

âmbito, entre o casal orfista e os artistas portugueses – nem haja notícia de que Ruy Coelho

tenha com eles contactado.

Ainda de 1916 datam, segundo o manifesto, outras duas criações: Historia da

carochinha, ―bailado infantil‖, e Lenda d’Ignez. Para o primeiro, conhece-se versão

impressa, para piano solo (com adição de texto em algumas melodias, para que se cantem).

Editada pela Sassetti & C.ª, com capa ilustrada por autor anónimo, apresenta o subtítulo

―Pequeno bailado para creanças‖ e a dedicatória ―Escripto expressamente para a Tatão de

Mello Breyner‖. Tatão era muito próxima de Almada Negreiros; terá este bailado contado,

efectivamente, com a sua colaboração? A partitura nada esclarece, muito menos o programa

de sala que dá conta da apresentação do bailado numa ―Matinée Infantil‖ organizada por

Alexandre Rey Colaço no ―Salão do Palacete de M. & M.me Salvador Levy‖, a 18 de

Junho de 1916305

.

Quanto ao segundo, teria havido uma leitura da obra no Palácio Anadia, anunciando-

-se a estreia para o ano seguinte. Não foi encontrada qualquer partitura no espólio de Ruy

Coelho. Todavia, o programa de sala da estreia da II Symphonia Camoneana (em Abril de

1917, no São Carlos), incluia precisamente a também estreia de uma Lenda de Inês – não

em ―prólogo e três atos‖ mas em seis andamentos306

, descrita pela crítica como

pantomima307

. Se for Lenda d’Ignez a mesma Lenda de Inês que se estreou em Abril, e se

Portugal Futurista (onde a primeira se anuncia ―em preparação‖) data de Novembro, é de

supor que Ruy Coelho se tenha antecipado à finalização de todo o trabalho extra-musical e

admitido o projecto em contexto puramente sinfónico – ou porque considerou válida esta

leitura, ou porque pretendeu tão-só experimentar uma leitura com orquestra. Aparen-

temente, Lenda de Inês não foi repetida; a partitura pode ter sido inutilizada e parte dela

304

« [...] Almada planeou com Sonia uma série de ballets simultanéistes que nunca alcançará realizar,

embora tenha chegado a ser anunciado, na contracapa do Manifesto Anti-Dantas, um Ballet Véronèse et

Bleu, dedicado à pintora. [...] » — Pinto Ribeiro e Sasportes, História da Dança, 42.

305 A jovem Tatão interpretava, por entre outros doze bailarinos, o papel de João Ratão. Repetiu-se, com grande

sucesso, a 25/06/1916, na Liga Naval — cf. ―Festas de Caridade‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c.,

identificado como sendo do Diário de Notícias (26/06/1916)] e ―«Matinée» infantil‖ [recorte preservado na

BNP, ERC, s. c., identificado como sendo d‘O Dia (26/06/1916)].

306 ―Hymno ao Amor‖; ―Duas danças‖ (―Dança sagrada‖ – ―Dança profana‖); ―Rosas‖; ―Luar‖; ―Idylio‖;

―Cortejo funebre‖ — cf. II Symphonia Camoneana de Ruy Coelho [programa de sala] (Lisboa: Abril de

1917) [BNP, ERC, s. c.].

307 H.[umberto] de A.[velar], ―II Symphonia Camoneana de Ruy Coelho‖, A Capital (18/04/1917).

87

reaproveitada em outros contextos (alguns destes títulos remetem para outras obras – ou

outros andamentos de obras – posteriores).

Sobram um Bailado da feira e Joujous, ambos ―em preparação‖. Para o segundo,

não foi encontrada referência ou partitura no espólio do compositor. Trata-se possivelmente

de um projecto abandonado. Quanto ao primeiro, estruturado em ―prólogo e três atos‖,

encontra-se no catálogo do compositor um bailado intitulado A feira, mas seguramente de

data muito posterior (anos 30?)308

, e aparentemente concretizado sem a colaboração de

Almada Negreiros. O ambicioso projecto original é, contudo, de Ruy Coelho, que o

partilhou com Theophilo Braga numa das suas cartas de Berlim:

« […] Ahi haverá de tudo. (É uma partida aos esclusivistas [.]) Sentimentos, côres, gestos,

rythmos, impressionismos, realismos, interiores de barracas, mysterios, palhaços, poeira, sol

quente, aleijados, gritos d‘horror, d‘ironia, o diabo etc[.] etc.[.] É um assumpto importantissimo!

É tempo d‘acabar com principios n‘uma arte tão livre como por excellencia o é a Musica! [...] »309

.

Do período coincidente com a I República sabe-se da existência de outros bailados

que não os listados no manifesto. Almada apresentaria Jardim de Pierrette, aparentemente

sem qualquer colaboração de Ruy Coelho, e o contrário verificou-se com duas partituras

localizadas: A Bella e a Fera (em quatro actos, composto no Luzo – o que remete para as

―praias e casinos‖ acusadas pelo ―Comité Futurista‖ –, em Agosto de 1918, sobre texto de

Joanna Folque, para vozes femininas, harpa, piano, violino e violoncelo) e A pobresinha no

jardim (bailado infantil, não datado, para coro infantil a duas vozes, quinteto de cordas e

piano), sobre enredo de D. Maria de Lancastre Van-Zeller, também anunciado como

O sonho da pobresinha em 14 e 16 de Abril de 1918 no Teatro Nacional e em 5 de Maio de

1921 no Teatro de S. João310

. Estes bailados menores (de reduzidas dimensões, tanto no que

concerne à estrutura musical como à quantidade de músicos necessários para a sua

interpretação), e musicalmente singelos (tecnicamente românticos, ou pouco mais, mas

fazendo uso de uma linguagem muito depurada), a que se poderiam juntar Historia da

308

Na partitura do bailado que se encontra no espólio Ruy Coelho apontou ―Versão Nº 2‖ em jeito de subtítulo.

Não se encontrou a versão original. Uma destas versões foi interpretada (pelo menos) em 1930: cf. Bailados de

Ruy Coelho [programa de sala] (Lisboa: 23/12/1930) [BNP, ERC, s. c.]. Existe também uma ópera, A Feira,

sobre Gil Vicente, em um acto, datada de 1957.

309 Carta a Theophilo Braga, 27/11/1912, de Berlim (cf. Anexo 3, pp. 22-23). Recorde-se ainda que Ruy

Coelho tinha já apresentado uma composição intitulada Tarde de feira, que pode quiçá ter alguma relação com

esta ambição: cf. p. 7 e nota 31.

310 Cf. ―Elegancias‖, O Diário Nacional 536 (16/04/1918): 3, e Programma [programa de sala] ([Porto]: Typ.

―Porto Medico‖, 05/05/1921) [BNP, ERC, s. c.].

88

carochinha e, muito provavelmente, O sonho da Rosa, revelam uma curiosa dimensão

pedagógica nos objectivos artísticos dos seus criadores – que nos lembra também a inici-

ativa do referido Salon Infantil –, no caso de Ruy Coelho talvez informada pela ―especta-

cular‖311

pantomima Das Wunder de Humperdinck, de 1911, e, como o próprio explica,

pelas experiências de Émile Jaques-Dalcroze312

– que, de resto, mereceram a atenção do seu

professor Tomás Borba, que pode ter sido também uma possível influência313

.

Outro caso é certamente o dos bailados A princeza dos sapatos de ferro e Bailado do

encantamento (estúltimo não referido no manifesto de 1917), estreados no São Carlos, a 10

de Abril de 1918, num espectáculo promovido por D. Helena da Silveira de Vasconcellos e

Souza (Castello Melhor), tornado ―Festa de Caridade a favor da Associação das Madrinhas

de Guerra‖. N‘A princeza..., já aqui descrita, Almada participou como bailarino e como

responsável pela mise-en-scène, coreografia e figurinos; o cenário deveu-se a José Pacheko.

Quanto ao Bailado do encantamento, trata-se de uma obra de maiores dimensões, em dois

actos, num total de dezoito andamentos314

, escrita a partir de um poema de Martinho Nobre

de Mello e executada com cenários e figurinos de Raul Lino e mise-en-scène e coreografia

de Almada Negreiros, no primeiro acto, e de Louis Symonoff e David Bromberg no

segundo. A partitura, a merecer estudo mais aprofundado, foi localizada num maço de

autógrafos incompletos e desorganizados, encontrando-se truncada e inutilizada; alguns

andamentos parecem ser um reaproveitamento de obras anteriores (a pavana de Serão da

Infanta, excertos de Bouquet e das Canções de saudade e amor...), e o ―Rondó‖ do segundo

acto foi posteriormente transformado em Rondel Alentejano, ganhando vida própria como

obra autónoma, a que é irresistível comparar o poema homónimo de Almada, « [...] de

311

Coelho, ―As grandes figuras‖, Diário de Notícias (01/05/1979).

312 « […] A arte das creanças é muito mais exigente e dificil do que a arte das pessôas grandes. […] Esta arte,

pequenina nas dimensões, pequenina na Fórma geral, é grande na expressão e na intenção […] [e] ocupa hoje

um papel primordial não só na educação esthetica das creanças como tambem na sua propria educação moral e

perfeição phisica. [¶] Jacques Dalcroze fundou na Suissa, justamente, um grande e luxuoso instituto repleto de

vastissimas salas e luxuosos jardins, onde estão internadas centenas de creanças de diversas idades que ali

fazem a sua cultura physica por esta forma. Os seus passos[,] os seus gestos, as mais variadas poses plasticas

são marcadas e sugeridas pela Musica, na choreografia. [¶] […] Entre nós, toda a Arte que vulgarmente se

destina ás creanças é cheia de erros, sem qualquer methodo educativo, sem gosto, e até mesmo sem intenção

moral. […] Em Lisbôa, onde a pedagogia deveria sêr mais civilisada, tenho visto as coisas mais horrorosas.

[…] Ora, foi verificando a pobreza da Arte infantil portugueza, que há poucos annos decidi crear entre nós o

Bailado infantil. […] » — cf. Anexo 2. Manteve-se ortografia e sublinhados; adaptou-se alguma pontuação.

313 Cf. Gonçalves da Rosa, Tomás Borba, 290-299.

314 I Acto: I – Preludio; II – Á tardinha; III – Perfumes; IV – Hymno ao Amôr (Entrada da Rainha); V – Valsa

dos lobos; VI – Arauto (anuncia a chegada dos cavaleiros); VII – Fandango dos lobos; VIII – Arauto (anuncia a

chegada dos cavaleiros) — II Acto: I – Motivo das creanças; II – O poeta e o motivo das creanças; III – O luar;

IV – Rondó; V – Scena d‘Amôr; VI – Morte do Poeta; VII – Cortejo Final.

89

inocente ritmo de dança […] numa alegria popular tradicional a que [– tal como Ruy

Coelho –] o artista seria sempre sensível [...] »315

.

A noite em que ambos os bailados se estrearam foi, para Almada, ―nem mais nem

menos‖ do que a ―mais entusiastica‖316

da sua vida, e o entusiasmo contagiou a

generalidade da crítica317

que, segundo a visão historiográfica de José Sasportes,

« [...] usava o tipo de linguagem excessiva que viria a caracterizar [...] o acolhimento

acrítico dispensado às manifestações de dança portuguesas [...] sempre aquém dos

elogios [...] »318

. Não se esclarece, todavia, de que forma o autor conclui sobre esta

inelutável condição das manifestações; a sentença pode talvez reportar-se à não

profissionalização num contexto em que, afinal, o entusiasmo cedo esmorece e as

poucas iniciativas parecem ser sempre conduzidas por amadores, mas inferi-lo, sem

mais, a quase um século de distância, não será redutor? O testemunho contemporâneo

do próprio Pachecko é aliás curiosamente contraditório: « [...] Creia que uma das causas

do sucesso foi ter-se recorrido aos amadores, para o desempenho da parte coreografica.

E sabe porquê? Porque Almada Negreiros não poderia fazer nada dos nossos artistas

profissionaes, eivados dos vicios ancestraes de maus educadores [...] »319

... Em última

instância, com maior ou menor qualidade à luz da crítica nossa contemporânea, o

espectáculo em causa tornou-se feito memorável para os seus autores e para o público

que o recebeu, e não sem ironia diremos que, pelo menos no que concerne à partitura

d‘A princeza dos sapatos de ferro, o espectáculo foi um marco na história do bailado

moderno em Portugal e da música portuguesa – marco muito mais actual e inovador do

que a música afinal não mais que romântica na sua generalidade (e em grande parte já

conhecida do público lisboeta) que os Ballets Russes trouxeram a Lisboa320

.

315

José-Augusto França, ―Almada Negreiros, Letras e Artes‖, in Almada Negreiros: Obra completa, org.

Alexei Bueno (Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997), 19.

316 José de Almada Negreiros, ―O caso do bailado «Princeza dos Sapatos de Ferro» – Almada responde á carta

de Ruy Coelho‖, Diario de Lisbôa 1245 (04/05/1925): 2.

317 Leia-se, como exemplo: « [...] [A festa de arte do Bailado do Encantamento foi] a mais bela, a mais

requintada e a mais feliz de todas. [...] Helena Castelo Melhor obteve dar, mercê duma élite de colaboradores

de arte e de gôsto, à Lisboa verdadeiramente culta e à snob Lisboa do bom tom, uma prestigiosa lição de

Beleza. [...] » — Nuno Simões, ―Sobre o Bailado do Encantamento e A Princesa dos Sapatos de Ferro‖ [Abril

de 1918], Atlantida 32 [suplemento] (1918).

318 Pinto Ribeiro e Sasportes, História da Dança, 44.

319 ―No Mundo da Arte [...] – O que nos diz O arquiteto José Pacheco‖ [recorte preservado na BNP, ERC,

s. c., identificado como sendo d‘A Situação (24/04/1918)].

320 Cf. Paulo Ferreira de Castro, ―De S. Petersburgo a Lisboa: a música dos Ballets russes‖, in Maria João

Castro (coord.), Lisboa e os Ballets Russes ([São Francisco]: Blurb, 2012), 31-44.

90

IV | Até ao ocaso da Contemporânea: um olhar de relance sobre a

dissolução da geração d’Orpheu [1918-1926]

Cedo se confrontou o meio artístico-literário da geração d‘Orpheu com três perdas

irreparáveis: Mário de Sá-Carneiro cometera suicídio em 1916 e em 1918 morrem Santa-

-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso. Neste ano parte também António Fragoso,

compositor oito anos mais novo do que Ruy Coelho, mais tarde evocado no primeiro

suplemento da Contemporânea, em 1925, como um d‘‖Os Mortos da Geração Nova‖. Os

dois compositores nutriam mútua admiração, Coelho reconhecendo no jovem colega « [...]

um compositor capaz de fazer melhores obras [...] »321

do que ele próprio, e incentivando-o

a organizar um concerto para apresentação das suas composições322

, e Fragoso elogiando323

321

« Quando voltei a Lisboa vindo de Berlim, [...] fui procurado por [...] António Fragoso [...] [que me pediu]

que lhe fizesse a instrumentação de um seu trabalho, uma «suite» para piano. [¶] Feito o encontro, pedi-lhe para

me tocar essa sua obra [...]. Fiquei muito bem impressionado, tão bem que lhe disse imediatamente que a

considerava uma bela obra. Confessei-lhe, sem rodeios, que o considerava um compositor com tanto talento

que seria para mim, e insisti nessa minha confissão, um rival, um compositor capaz de fazer melhores obras do

que eu. Acrescentei imediatamente que julgava essa «suite» tão pianística que não ficaria tão bem em

linguagem orquestral. [...] E para que as minhas palavras elogiosas [...] fossem conhecidas do nosso meio

musical e do publico, contei o caso num artigo que escrevi e foi publicado num jornal. Ficámos amigos. Poucos

meses depois, fez o seu exame de Harmonia no Conservatório [...] [.] Foi reprovado [...]. Havia certamente uma

deplorável confusão, porque quem, talvez, estava mal era a harmonia oficial do Conservatório. [...] » Ruy

Coelho, ―Histórias da Música – António Fragoso: um compositor esquecido‖, Diário de Notícias 41143

(28/09/1981): 9.

322 Cf. Paulo Ferreira de Castro, "António Fragoso: uma «figura de culto» da música portuguesa" in

António Fragoso e o seu tempo, dir. Paulo Ferreira de Castro (Lisboa: CESEM/UNL e Associação

António Fragoso, 2010), 88.

323 Cf. António Fragoso, "Música Portuguesa" [Setembro de 1918], in Leonardo Jorge, António Fragoso –

um génio feito saudade [3.ª ed.] (Cantanhede: Município de Cantanhede, 2008), 95-98. Há sobre estes

elogios, contudo, um equívoco que importa esclarecer. Fragoso escreve-os numa breve reflexão a partir

de um artigo de Ruy Coelho sobre a criação de uma cadeira de música portuguesa no Conservatório, em

que também critica com ironia o facto de o autor acabar por não explicar o que entende por "música

portuguesa", em fazendo do artigo como que um mero auto-convite para se tornar professor na

instituição. É a partir daqui que Fragoso parte, efabulando sobre que hipóteses de resolução prática

musical poderia Coelho propor aos seus alunos. Ora José Maria Pedrosa Cardoso – cf. "António Fragoso

e a música portuguesa", in António Fragoso e o seu tempo, dir. Paulo Ferreira de Castro (Lisboa:

CESEM/UNL e Associação António Fragoso, 2010), 160 – regista que « [...] Afirmando as suas ideias,

[Fragoso] combate o folclorismo, que supõe ser bandeira de Rui Coelho [...] ». Pedrosa Cardoso leu o

presente indicativo ou o futuro simples no futuro pretérito de formulação retórica do original (« [...]

[Coelho] diria [ou proporia] talvez a existência de um riquíssimo e interessantíssimo folkore nacional [...]

»), para além de menorizar o pretérito perfeito da esclarecedora conclusão: a de que Fragoso espera que a

"música portuguesa" seja, precisamente, o que « [...] de bom se tem feito já nesse sentido [não

folclorizante], [...] [como] exemplos frisantes são os que o próprio Rui Coelho nos deu no seu Bouquet,

nas suas Canções de Saudade e Amor, e até mesmo nalgumas páginas das suas Sinfonias Camoneanas.

Tudo o mais [os exemplos negativos de um David de Souza ou de um Óscar da Silva, antes referidos]

será fazer o que está feito. [¶] Oxalá que Rui Coelho esteja de acordo com a minha maneira de pensar, e

que, se ele conseguir criar a sua aula de música portuguesa, o seu programa seja tão vasto e tão profícuo

que dentro em breve os seus alunos possam dizer ao mundo, como o seu Mestre o tem dito já, que em

91

algumas obras do já célebre polemista. Para grande infelicidade da música portuguesa,

a morte inesperada do promissor António Fragoso tornou meramente episódico o seu

contacto com Ruy Coelho e com o meio artístico lisboeta.

A citada Contemporânea, revista dirigida por José Pacheko, foi primeiramente

anunciada por um número-espécime em 1915 e efectivamente publicada entre 1922 e 1926.

Feita ―expressamente para gente civilizada e para civilizar gente‖, congregou inúmeras

personalidades e nela « [...] cristalizou o modernismo de meados de 20 o seu gosto algo

mundano, a sua tendência política de direita [...] »324

. Foi, em todos os casos, o mais

expressivamente consequente periódico de artes e literatura que se seguiu a Orpheu e

A Águia. Para José-Augusto França,

[...] «Contemporânea» [...] acolheu [...] muita produção, poética sobretudo, banal,

dentro do gosto aliteratado da época [...]. É, porém, a outro nível que importa situar a revista,

graças à colaboração de Lopes Vieira, Eugénio de Castro, João de Barros, ou de Leonardo

Coimbra e Aquilino, mesmo ocasional, como a de Raul Leal, ou à revelação de inéditos de Sá-

-Carneiro e de Pessanha, e à presença de mais jovens poetas, como Botto [...]. E, sobretudo,

naturalmente, de Fernando Pessoa ou Álvaro de Campos. Poemas da futura «Mensagem» ou

[...] «O Banqueiro Anarquista», tal como a «Histoire du Portugal par coeur» ou a «Cena do

Odio» de Almada Negreiros, ligam positivamente, e na medida do seu e então possível, a revista

de Pacheko à gente do «Orpheu» [...] [¶] Há ainda [...] a parte artística – e logo se impõe a

qualidade gráfica [...]. Almada é o herói dos números, pela quantidade de obras publicadas, [...]

[mas] há também reproduções dos irmãos Francos, de Diogo de Macedo, de Canto da Maia,

de Jardim, de Soares e de Stuart, de Mimy [sic] Possoz, do jovem Bernardo Marques, embora

também do Malta – e de Viana [...]. E também a reprodução [...] dum Amadeo [...] »325

.

Este era ainda o meio em que Ruy Coelho se movia – o mesmo meio, agora

expandido, reconciliador e tendente a um modernismo temperado pelo nacionalismo

saudosista ou místico que germinava desde há alguns anos nos ideários criativos da geração.

Pela Contemporânea apresentou Ruy Coelho concertos no Teatro Politeama326

e colaborou

Portugal também há compositores!... ». A leitura de Pedrosa Cardoso parece-nos pois resultado da

imprecisa interpretação dos tempos verbais do texto de Fragoso, mas também não faz sentido face ao que

sabemos de um Ruy Coelho então avesso a recursos musicais de ordem folclórica ou folclorizante nas

suas obras e, portanto, em evidente sintonia, quanto a este assunto, com António Fragoso...

324 José-Augusto França, A Arte em Portugal no Século XX: 1911-1961 [1974] (Lisboa: Bertrand Editora,

1991), 107-109.

325 José-Augusto França, ―«Contemporânea» e os anos 20 portugueses‖, in Contemporânea [ed.

facsimilada, vol. IV] (Lisboa: Contexto Editora, 1984), s. pp..

326 Pires, Pacheko, Almada e «Contemporânea», 53.

92

na idealização de várias actividades. Com Pacheko, Coelho viria a surgir ainda como

signatário, em 1926, de um apelo à reorganização da Direcção-Geral das Belas-Artes327

;

como co-idealizador, em 1919, de uma Sociedade Portuguesa de Arte Moderna328

; e, por

exemplo, como participante numa manifestação em prol da reforma da Sociedade Nacional

de Belas-Artes, em 1921, da qual é curioso lembrar o seguinte relato:

« [...] Terminou esta madrugada o movimento pela vitória das forças revolucionárias

[...] [¶] Pacheko, um dos organizadores do movimento, esteve em perigo várias vezes na

primeira linha [...]; e se escapou deve-o ao próprio apelido, porque quem tem k sempre escapa.

[...] [¶] A seguir o tiroteio atingiu a máxima intensidade e harmonia. Com efeito, a combinação

de todos os meios de ataque dos insurrectos, resultou um conjunto de extraordinária beleza de

efeito muito superior ao dos Bailes Russos. [¶] a Sociedade não se rendeu logo, ou melhor, não

se comoveu, apesar [...] [dos] mais extraordinários acordes, num conjunto inconcebível de

harmonia e ritmo. [¶] Não admira, porque o movimento foi todo musicado pelo maestro Rui

Coelho que conseguiu por fim chegar aos fagotes do inimigo. [...] [¶] Então com uma barragem

mais intensa de alexandrinos, finais de acto, quadros a óleo e vários projécteis musicais de

calibre Wagner e Debussy, os revolucionários conseguiram conservar à distância os Bermudes,

já quase mudos, os Santos e os Sobrinhos [...] »329

.

As obras que Ruy Coelho escreve durante este período desvinculam definitivamente a

sua pena das ousadias de obras anteriores, para a concentrar na maturação plena de uma

portugalidade ora lírica ora heróica, o que parece ter agradado sobremaneira tanto à crítica

como aos meios artísticos. Paternalmente, Alexandre Rey Colaço – para quem

exemplarmente ―moderno‖ seria o romântico Bouquet330

... –, confessa:

327

Op. cit., 55-56.

328 « [...] Aqui, em Agosto de 1919, vêmo-lo animar, com o pintor Manuel Jardim, o músico Rui Coelho e

o poeta Acácio Leitao, uma Sociedade Portuguesa de Arte Moderna, para a realização de concertos,

exposições, conferências, edições, etc. – de «orientação moderna e nacionalista». Uma comissão de honra

dava cobertura mundana à iniciativa, e uma comissão artística (com Almada, Barradas, Canto da Maia,

Stuart, Diogo de Macedo, António Botto ou Hernâni Cidade) asseguraria a sua qualidade – mas foi ideia

que logo abortou. [...] » — Op. cit., 52.

329 Augusto Cunha, ―S. N. B. A.‖, ABC a Rir (19/12/1921), citado em Pires, Pacheko, Almada e

«Contemporânea», 207-208.

330 Ou, pelo menos, integra a peça num concerto tematicamente dedicado aos ―autores modernos‖:

Richard Strauss (Impressions, op. 9), Debussy (Suite Bergamasque), Hendriks (Danses esthétiques), Ruy

Coelho (Bouquet), Albéniz, Villar, Guervós e Granados. Cf. III Audição – Quarta-feira, 10 de Maio de 1916 –

(Modernos) [programa de sala] [BNP, ERC, s. c.] e ―Concerto no Gremio Literario‖, Diário de Notícias

(10/05/1916) [recorte] [BNP, ERC, s. c.].

93

« [...] quero tambem felicital‘o, pelo progresso do seu estilo, que, menos exultado que

habitualmente, tão favoravelmente se reforma, ponderando-se. Este beneficio o deve já V., sem

duvida, ás misteriosas influencias de uma encantadora mulher331

[...] »332

...

Colaço refere-se quiçá à ópera Crisfal, ―Oratoria d‘amor‖ e ―meigo e saudoso

drama‖, para lembrar a descrição de Affonso Lopes Vieira, libretista333

. Composta em

1920, a écloga foi, para Ivo Cruz, ―a primeira revelação de musica dramatica

portuguesa‖334

. Do mesmo ano data o místico Auto do Berço – berço de Portugal ele-

-mesmo, entenda-se –, sobre Manoel Corrêa d‘Oliveira, cuja partitura foi mais tarde

inutilizada335

; e em 1922 Ruy chega até a escrever uma ópera sobre Júlio Dantas, Rosas de

todo o anno, tida por Luiz de Freitas Branco como « [...] a sua obra scenica mais reveladora

de talento [...] »336

. Também de 1922 é o poema sinfónico Nun’Alvares, triunfalmente

aplaudido337

e sintomaticamente dedicado aos ―Navegadores do Ar‖ Gago Coutinho e

Sacadura Cabral, que então cumpriam a primeira viagem aéra do Atlântico Sul.

Em 1922, Ruy Coelho parte pela segunda vez para o Brasil, três anos depois da sua

primeira viagem transatlântica338

. Não será certamente coincidência o facto de esta visita

coincidir com a de António Ferro, mas os contornos exactos deste acaso estão ainda por

331

Refere-se a Olga Camanho, filha de Carlos Camanho e Ana de Jesus do Carmo, com quem Ruy

Coelho casou em 16/04/1921. Certidão de casamento preservada no EHRC.

332 Carta de Alexandre Rey Colaço para Ruy Coelho, a 10/09/1921, preservada no EHRC.

333 Coelho e Lopes Vieira, Crisfal [libreto], 5-6.

334 Ivo Cruz, ―Cronica Musical‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo

d‘A Monarquia (19/04/1922)].

335 Ruy Coelho, ―Histórias da Música – Concerto no Rio de Janeiro‖, Diário de Notícias 40715 (07/07/1980): 11.

336 Luiz de Freitas Branco, ―A musica – Opera e Bailado‖, Diario de Lisbôa 1243 (30/04/1925): 2.

337 « [...] [Há] nesta composição desde o primeiro ao ultimo compasso uma continuidade de inspiração

que só muito tarde os grandes compositores atingem. Nun‘Alvares não é só a alma mistica e guerreira do

grande Condestabre. É mais do que isso a pintura exactissima do espirito medieval em Portugal. [...] »

— Ivo Cruz, ―Cronica Musical‖ [recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo

d‘A Monarquia (19/04/1922)]. Cf. também as críticas de L. M., ―Musica‖, Contemporânea [05/1922] [ed.

facsimilada] (Lisboa: Contexto Editora, 1984), 40; Oliva Guerra, ―Musica – Concerto Rui Coelho‖,

Diario de Lisbôa 318 (18/04/1922): 2; e ―A Musica e o Povo – Ruy Coelho no Coliseu – O poema ―Nuno

Alvares‖ foi um grande sucesso musical‖, ibidem: 5.

338 A primeira viagem, em 1919, resultou de um subsídio do então Ministro da Educação Leonardo Coimbra;

do grupo fizeram parte, para além de Ruy Coelho, as sopranos Maria Júdice da Costa e Cacilda Ortigão, o

barítono Alfredo Mascarenhas e a declamadora Brunilde Júdice da Costa. Visitaram Rio de Janeiro, Juiz de

Fora, Belo Horizonte, São Paulo e Santos, onde Ruy começou a ópera Crisfal, vindo a orquestrá-la na viagem

de regresso a Portugal. O seu ―antigo aluno em Berlim‖, o compositor Sá Pereira, ―então director de um

conservatório no Sul do Brasil‖, convidou-o para lá se fixar como professor. Ruy Coelho recusou a proposta.

Cf. Coelho, ―Missão musical ao Brasil‖. Cf ainda Brazil – Portugal – Missão Artistica Portugueza [programa

de sala] (Santos, 26/10/1919) [BNP, ERC, s. c.]. Encontram-se também vários recortes de imprensa relativos a

esta viagem na BNP, ERC (docs. s. c.).

94

esclarecer. Chega a anunciar-se a execução do bailado Sapatos de Ferro [sic]339

mas,

aparentemente, a ambição é gorada. Ruy Coelho apresentará outras obras (Nun’Alvares, o

prólogo da II Symphonia Camoneana, o prelúdio de Auto do Berço, etc.340

) e chegará

inclusivamente a conhecer Mascagni e Villa-Lobos – « [...] um artista nato, daqueles que se

fazem por eles próprios, seguindo os seus impulsos naturais espontaneos, não imitando nem

escolhas alheias, nem métodos, nem teorias, nem fórmulas [...] »341

– e a dirigir uma sua

obra, a abertura da ópera Izath.

Especialmente curiosa é a pergunta de um jornalista sobre se seria possível ouvi-lo

falar sobre a ―moderna arte portugueza‖, e curiosa a curta resposta: ― – Nem para outra

coisa vim eu ao Brasil‖342

. De facto, Ruy Coelho apresentará, a 28 de Agosto, um

―Concerto Extraordinario da Sociedade de Cultura Musical‖, organizado por alguns artistas

e intelectuais brasileiros, em cujo programa se incluiu a estreia absoluta da sua segunda

Sonata. Facto ainda mais relevante, o concerto foi precedido de uma sua comunicação,

recebida com entusiasmo pela crítica343

, de que sobreviveu o manuscrito autógrafo,

transcrito no Anexo 2, e a que deu o título O verdadeiro sentido da Arte Moderna em

Portugal. Trata-se de uma sequência de memórias em torno dos artistas com quem

conviveu ou convivia no já referido ―Grupo do Tavares‖ – não faltam as divertidas blagues

de Santa-Rita Pintor –, havendo também registo de algumas considerações críticas em

relação à não-portugalidade da música de outros compositores (Marcos Portugal,

Bomtempo, Alfredo Keil, Vianna da Motta...) ou à missão artística e espiritual que deveria

caber aos novos artistas e à natureza da música sua contemporânea:

« [...] o Grupo que[,] em 1913, defendia um cosmopolitismo artistico, pouco

depois defendia toda a renovação esthetica, baseada no mais intriseco amôr da Raça, –

339

Cf. recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo d‘O Jornal (14/06/1922).

340 Cf. Trez Concertos Symphonicos pelo maestro-compositor portuguez Ruy Coelho [programa de sala]

([Rio de Janeiro]: 01/07/1922) [BNP, ERC, s. c.].

341 O contacto com Mascagni terá sido meramente protocolar, num intervalo de um espectáculo de ópera. Terá

também havido um incidente com a data prevista para um concerto com obras de Ruy Coelho: uma alteração

de planos pretenderia substituir o concerto do compositor português por um outro, dirigido pelo italiano, mas o

de Mascagni acabou por ser adiado. Cf. Coelho, ―Concerto no Rio de Janeiro‖, Diário de Notícias 40715

(07/07/1980): 11.

342 Cf. ―Uma palestra com o illustre compositor Ruy Coelho‖, recorte preservado na BNP, ERC, s. c.,

identificado como sendo de 01/07/1922.

343 « [...] rapida e scintillante synthese […] [que] teve o condão de mostrar uma geração bizarra e original e

ilustrou as variadas direcções do modernismo portuguez. [...] » — ―A homenagem da Sociedade de Cultura

Musical a Ruy Coelho – Uma conferencia desse apreciado musico portuguez ―, recorte preservado na BNP,

ERC, s. c., identificado como sendo d‘A Noite (04/08/1922).

95

universalisando a sensação propria, que tanto mais profunda será, quanto mais longinquas

raizes tiver [...]. Que pretendia eu pois? Crear uma musica portugueza, sendo simul-

taneamente da minha epocha. Eu não podia ignorar onde residia a diferença de sensi-

bilidades, porque a minha epocha sente, sem duvida diferentemente das outras, por tudo,

sendo o movimento o nervo de toda a moderna expressão, não porque exista sómente outro

movimento, mas por existir outra sensibilidade do movimento [...] [;] uma das maiores

syntheses da epocha actual é o movimento mechanico. Por exemplo, o rythmo quadrado, já

destruido no seculo passado, dinamisou-se [...]. No entanto, para nós, essa confusão, essa

transcendental multiplicidade de direcções, de movimentos, de compassos, são logo

assimilados pelo nosso instincto, porque a nossa sensibilidade actual se formou no contacto

quotidiano d‘esses novos aspectos [...] [que] crearam consequentemente o simultaneismo

da rythmica, da côr, da linha, e da ideia em syntheses rapidas de vertigem, de forma a que o

lento, a expressão estatica, – o silencio – por contraste maximo, alcançam finalmente todo o

seu poder infinito de evocação. [...] A nossa direcção comporta infinitas direcções. O seculo

XIX foi, em arte, o seculo da consonancia, o seculo de uma só direcção. A humanidade

marchava n‘um sentido igual. Agora, falando no caso musical, a polyfonia deixou de sêr

consoante e harmonica. Há muitas vozes diferentes simultaneas. A Humanidade marcha em

muitas direcções. Discorda-se. O choral perfeito maior não pertence a esta epocha [...] ».

Em 1924 conquista o primeiro prémio num concurso internacional de composição em

Madrid com Belkiss, ópera em três actos sobre Eugénio de Castro. Organiza-se um

banquete em sua homenagem, em que participaram António Ferro, Eduardo Vianna,

António Soares, Jorge Barradas, Mário Eloy, Aquilino Ribeiro, Carlos Selvagem, Augusto

de Santa-Rita, Sacadura Cabral, Ivo Cruz, entre outros344

... No mesmo ano, a 17 de Março,

como já referido, estrearam-se em Portugal as duas sonatas para piano e violino, como parte

musical de um ―Serão de Arte‖ organizado pela Contemporânea, em que António Ferro

apresentou A Idade do Jazz-Band.

Em Fevereiro de 1925 Almada Negreiros oferecia um exemplar345

de Pierrot e

Arlequim com esclarecedora dedicatória: « para o Ruy Coelho [/] – ao camarada – [/] – ao

amigo – [/] o [/] seu maior admirador [/] almada ». Ironicamente, poucas semanas depois,

Almada é preso por sua própria vontade, ―por não querer bailar no Teatro de S. Carlos‖

numa reposição d‘A princeza dos sapatos de ferro346

. Passado um mês, o caso tornava-se

344

Cf. ―O banquete a Ruy Coelho‖, Diario de Lisbôa 916 (03/04/1924): 1.

345 Exemplar preservado no EHRC.

346 « [...] Quando o maestro Ruy Coelho me participou o desejo de incluir este bailado […] recordei-lhe as

varias exigencias de montagem e, sobretudo, da iluminação dos scenarios […]. Estive ao lado de Ruy Coelho

até ao dia em que tive a certeza de que o maestro […] estava afinal iludido acerca da extensão e do valor dessa

96

ainda menos reconciliável. Para Coelho, Almada seria mero ―intérprete‖ e não ―colabo-

rador‖; o ego de Almada ripostou, subitamente céptico face ao talento do ―camarada‖ e

lembrando a precariedade do processo de concretização musical dos seus espectáculos:

« [...] Em seguida começou o espectaculo, no genero daqueles organisados pelo

maestro Ruy Coelho e tão conhecidos na nossa praça por salve-se quem puder!... Precisamente o

unico em que o seu nome foi devidamente festejado, não só não era organisado por ele, como

ainda a sua arte não esteve isolada […] e brilhou justamente pela qualidade dos interpretes e dos

colaboradores [...] »347

.

Em resposta, Ruy Coelho justificava os espectáculos « salve-se quem puder » com a

inevitabilidade de um contexto artístico e pessoal de fracos recursos, comparando-se a

outros respeitados compositores e maestros:

« [...] Exigente era Mancineli, e já no fim da sua gloriosa carreira vi-o no «Tristão», em

S. Carlos, substituir instrumentos para não comprometer a companhia. [¶] Exigente era Guy e

vi-o, no Porto, fazer o «Parsifal», sem os scenarios de rotação, para salvar os camaradas. [¶]

Exigente era Wagner, e em Paris, para seguir a sua vida, copiava valsas… [¶] Mas estes eram

profissionais. Os amadores são sempre muito impressionáveis… [...] »348

.

Todavia, o agravo entre os dois artistas durou pouco tempo. Apesar do peso do verbo,

pouco depois, no ano em que Coelho compôs a ópera Inêz de Castro, ainda Almada incluía

Ruy Coelho em selecta enumeração enquanto reflectia sobre ―Modernismo‖:

« [...] Quer saber o mais grave: o nosso grupo inicial está reduzido a quatro: um

escritor, Fernando Pessoa, um músico, Ruy Coelho; um pintor, Eduardo Vianna e eu. Morreram,

um poeta Mário de Sá-Carneiro, e dois pintores: Guilherme de Santa Ritta e Amadeo de Souza-

-Cardoso [...] »349

.

responsabilidade [...] Não posso compreender que […] esqueça o respeito que deve á sua propria arte,

e apareça em suma com um «passador» de cosinha, cheio de buraquinhos por onde «passa» tudo e onde não se

aproveita nada! Refiro-me, é claro, não á arte de Ruy Coelho pela qual sinto estima e admiração, mas

unicamente á falta de conhecimento do maestro sobre a arte daqueles com quem tem necessidade de colaborar.

[...]» — ―Uma questao de arte – Foi preso a seu pedido Almada Negreiros por não querer bailar no Teatro de

S. Carlos‖, Diario de Lisbôa 1240 (27/04/1925): 5.

347 Almada Negreiros, ―O caso do bailado «Princeza dos Sapatos de Ferro»‖, Diario de Lisbôa (04/05/1925): 2.

348 Ruy Coelho, ―Outra carta – O caso do bailado «A Princeza dos Sapatos de Ferro»‖, Diario de Lisbôa 1248

(07/05/1925): 2.

349 Almada Negreiros, Manifestos e Conferências, 133-134.

97

Um ano depois, Almada parte para Espanha. Regressa apenas em 1932 e volta a

colaborar artisticamente com Ruy Coelho350

, mas num Portugal já muito diferente. Pessoa e

Pacheko isolam-se cada vez mais351

e a energia briosa do modernismo da década de 10,

empalidecido na década de 20, transfigura-se definitivamente:

« [...] A consideração de presenças de excepção e de momentos marcantes ao

longo dos anos 10, não pode fazer-nos esquecer um fundo residual no qual se movem

numerosos artistas [...] que evoluem diferentemente para os anos 20, consolidando a

estética modernista, que lentamente se vai aproximando de uma padronização, através da

qual penetrará num gosto oficial e numa aceitação tácita de algum público [...] »352

.

Ou, como lembra António Quadros,

« [...] todos os modernistas portugueses sobreviventes a este período fundador de

1915-1922, todos sem excepção, nomeadamente os seus doutrinários, Fernando Pessoa,

Almada Negreiros e António Ferro [...], muito depressa evoluíram no sentido de, sem

jamais perderem o seu estilo de artistas de vanguarda, redescobrirem, recuperarem e

revalorizarem valores tradicionais [...]. O primeiro valor tradicional que emerge com a

vanguarda do Orpheu, do Portugal Futurista e da Contemporânea é o levantamento da

ideia e do valor de pátria, em moldes outros do que os do primeiro movimento

regeneracionista da jovem República [...], a Renascença Portuguesa [...] [;] uma vez

passado o estádio de assimilação e recriação das correntes europeias da actualidade, uma

vez realizadas as experiências formais, as mutações intelectuais e as provocações sociais

que abalaram o status quo português de 1915-1920, o principal empenhamento dos nossos

primeiros modernistas será a questa da Tradição, da Tradição nos seus múltiplos aspectos

– tradições pátrias fundadoras, heranças espirituais, diálogo de ortodoxia e de heteredoxia,

redescoberta dos arcanos e dos arquétipos, dos símbolos e dos mitos que caracterizam o

homem português [...] »353

.

350

Do que foi possível apurar, voltam a encontrar-se num projecto artístico apenas em 1943: Almada será o

responsável pelas decorações das óperas Inez de Castro e Crisfal. São também de Almada as maquetas de

cenário da reposição de Inez de Castro em 1945. Cf. programas de sala das referidas óperas na BNP, ERC, s. c..

351 Leia-se, a propósito de José Pacheko: « [...] A fase final da sua vida, consumida pela tuberculose que o

mataria em 28 de Setembro de 1934, com 49 anos de idade [...], foi marcada por uma religiosidade que

atingiu as raias do êxtase. Fechava-se no quarto em completa obscuridade, recusava contactos com o

exterior, mesmo a visita de amigos. [¶] Assim partilhou José «Pacheko» o destino trágico de quase todos

os componentes do grupo do «Orpheu» [...] » — Pires, Pacheko, Almada e «Contemporânea», 56-57.

352 Laura Castro e Raquel Henriques da Silva, História da Arte Portuguesa – Época Contemporânea

(Lisboa: Universidade Aberta, 1997), 106-107.

353 António Quadros, O primeiro modernismo português – Vanguarda e tradição (Mem-Martins:

Publicações Europa-América, 1989), 37-38 e 46.

98

V | Breve excurso sobre Ruy Coelho e causas políticas

Abre-se um parênteses, em jeito de subsídio para reflexão posterior, em torno dos

ideários políticos em Ruy Coelho e na sua obra da década de 10. Curiosamente, a única

referência directa que se achou, pela sua voz, a propósito do meio político, sentenciava:

« Deixei de frequentar os cafés por que [sic] eles foram invadidos por multidões

desordenadas de politicos – e estas pessoas não são as mais interessantes em Portugal... »354

.

Das suas obras, a única que, pelo seu autor literário e pelo contexto em que se

estreou, se pode mais facilmente associar, ainda que vagamente, ao poder político, é a

Symphonia Camoneana. Todavia, da correspondência encontrada entre o novel compositor

e Theophilo Braga (cf. Anexo 3, passim) não se pode senão concluir que Ruy Coelho

procurava apenas a possibilidade de criação das suas obras e a sua promoção artística,

acreditando ver no venerando mestre um conselheiro e um intermediário ideal para levar

avante os seus projectos. Tratou-se de uma aproximação não politicamente ideológica, mas

artística e utilitária, certamente motivada por uma contingência banal: Theophilo seria a

intelectualmente mais bem-posicionada e respeitada personalidade a que teria fácil acesso

através do contacto de seus familiares. De resto, como o próprio Theophilo lamentou numa

das missivas, « [...] nulla influencia [...] [podia] exercer n‘este meio [...] »355

– o que se

deduz também dos já referidos desastres diplomáticos e financeiros que acabaram por ser a

Camoneana e Serão da Infanta... A ter havido algum aproveitamento político, seria, em

primeira instância, o de Theophilo: é este quem sugere a ideia de fazer estrear a sinfonia a

10 de Junho, Dia da Raça, integrando-a nas festividades da Câmara Municipal de Lisboa,

contra a ambição de Coelho de a apresentar mais cedo356

.

Também revelador de algum desprezo pela classe política é um comentário do

jovem compositor, já depois da data de estreia confirmada: « [...] Em 10 de Junho os

partidos republicanos vão vêr como é que se é portuguez, e quem o é mais[,] se elles se

354

Cf. Belo Redondo, ―Quem frequenta o Café? – Inquerito e comentarios‖, Ilustração Portugueza 720

(22/11/1920): 327.

355 Carta de Theophilo Braga a Ruy Coelho, a 20/11/1912 (cf. Anexo 3, pp. 20-21).

356 « [...] O tempo vôa. E eu quero dar a Symphonia o mais tardar em Maio [...] » — carta de Ruy para

Theophilo, a 29/02/1913 (cf. Anexo 3, pp. 39-42); « [...] Folgo que lhe pareça bem a data [da] execução

da Symphonia no dia 10 de Junho [...] » — de Theophilo para Ruy, a 07/03/1913 (cf. Anexo 3, p. 46).

99

eu [...] »357

... Todavia, para a sua sonhada Symphonia Militar, será já Ruy Coelho a

sugerir o aparato governativo (a estreia também a 10 de Junho e a participação de

militares), evidentemente por conveniência prática e para que o projecto megalómano

tivesse a mínima possibilidade de concretização. De novo, não deixa de ser revelador o

heróico brado que sugere para inclusão algures na partitura – « [...] Viva a Patria! Viva

a Rep Viva Portugal! [...] »358

–, deixando passar, algo ingenuamente, a República assim

postergada em carta dirigida a Theophilo Braga...

O mais que se pode imaginar sobre as suas inclinações políticas poderá inferir-se

do meio em que viveu e dos seus contactos próximos, e estes – vejam-se os casos de

Pessoa, Almada, Pacheko, Souza-Cardoso, Santa-Rita, Nobre de Mello, Lopes Vieira...

– parecem ter, em graus diferentes, mais simpatia por uma direita do que por uma

esquerda e mais afinidade por uma monarquia do que por uma república359

.

Lembremo-nos, aliás, de que tanto os bailados infantis como a célebre noite de

1918 em S. Carlos, e até a II Symphonia Camoneana, foram produzidos graças à

colaboração artística e (ou) financeira do meio aristocrático. Ruy Coelho participava nas

―festas‖360

organizadas pelos marqueses de Castelo Melhor e nos ―teas elegantes‖361

organizados por Thomaz de Mello Breyner (4.º conde de Mafra e médico d‘El-Rei

D. Carlos), cuja amizade com o compositor manter-se-ia intacta até ao fim da vida362

.

Também as notas de imprensa relativas ao já referido curso de música na Liga Naval

referem selecta audiência.

357

Cf. Anexo 3, p. 50.

358 Carta de Paris, a 16?/02/1914 (cf. Anexo 3, pp. 70-71). Note-se que a 13/02/1914 ousara um ―Viva a

Republica‖ não rasurado (cf. Anexo 3, pp. 67-69).

359 O autor desta dissertação, em 2013, em entrevista a Ilda Camanho Coelho, filha do compositor,

indagou sobre se seu pai seria monárquico ou republicano: respondeu que ―Tinha muito apreço por

D. Manuel‖. Ruy Coelho recebia aliás apoio financeiro da Fundação Casa de Bragança para a

prossecução das suas produções (em carta de 1962, preservada no EHRC, o Presidente do Conselho

Administrativo confirmava, « [...] como em anos anteriores, um subsídio extraordinário de Esc. 2.500$00

[...] »). A propósito, cf. ainda, p. ex., Fernando Pessoa, Da República (1910-1935), org. Joel Serrão

(Lisboa: Ática, 1979); David Mourão-Ferreira, "O espírito de «oposição» na obra de Afonso Lopes

Vieira", in Memórias da Academia das Ciências de Lisboa – Classe de letras [tomo XX] (Lisboa: 1979);

e Pamplona, Chave da Pintura de Amadeo, 66 e 68.

360 ―Festa elegante‖, recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo do Diário de

Notícias (07/03/1917).

361 ―Teas elegantes‖, recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo d‘A Nação

(04/02/1917).

362 Thomaz de Mello Breyner, nascido em 1866, faleceu em 1933 (cf. ―Tomás de Melo Breyner‖, in

Wikipédia [http://pt.wikipedia.org, última visita a 22/08/2014]; acha-se na BNP, ERC, s. c., uma sua carta

a Ruy Coelho datada de 1930, em que assina ―Seu admirador e grato amigo‖.

100

O único acto politicamente claro ao longo do período estudado nesta dissertação

parece ser, em Dezembro de 1918, o vir a integrar uma comissão organizadora de um

―Grande Concerto Solene‖ cujo produto reverteria a favor do ―Monumento ao Dr. Sidonio

Paes‖363

, o pessoano ―Presidente-Rei‖364

. Não surpreende: « [...] com Sidónio, a república

continuaria a ser república, mas acessível a católicos, monárquicos e sindicalistas [...] »365

.

Conclusões

A presente exposição procurou desvelar os primeiros anos de carreira de Ruy

Coelho. O levantamento de dados e a perscrutação de alguns pormenores da sua vida e obra

ora apresentados são os suficientes, cremos, para despertar a curiosidade da musicologia

contemporânea e incitá-la a um estudo e discussão aprofundados sobre tudo quanto suscita

– por insólito e por surpreendente – este património obscuramente negligenciado.

Os suficientes, também, para relocalizar a sua figura como elemento indissociável

do meio artístico do chamado ―primeiro modernismo‖ português, o da geração d‘Orpheu,

posto que tudo no percurso e na sua obra contradiz a ideia, proposta por Deniz Silva, de que

a aproximação seria forçada:

« [...] il resta « horrifié » devant un autre poème de Pessoa. Il s‘agissait de « Paludes »

(Paúis) qui, selon Nuno Júdice, marqua la « rupture formelle du Modernisme [portugais] avec

la littérature de l‘époque » [...] [.] L‘incompréhension de Rui Coelho était révélatrice. Restant

à l‘écart de la véritable rupture moderniste du groupe, il montrait l‘inadéquation de son

esthétique [...] »; ou ainda « [...] Les rapports entre le compositeur et les membres du cercle

futuriste s‘envenimèrent définitivement au moment de la reprise du ballet A Princesa dos

Sapatos de Ferro en 1925 [...] »366

.

363

Da mesma comissão faziam parte Helena de Castello-Melhor, Sofia de Mello Breyner, Martinho

Nobre de Mello, José Pacheko, Jorge Botelho Moniz, entre outros. Cf. ―Teatro de São Carlos‖ [recorte

preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo d‘A Situação (21/12/1918)]. Por ―motivo de

doença do ilustre maestro‖, terá sido adiado para 1 de Janeiro: ―Concerto solene em S. Carlos‖,

A Situação 234 (30/12/1918): 1.

364 Cf. Fernando Pessoa, ―À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais‖, in Arquivo Pessoa, dir. Leonor

Areal (Obra Aberta CRL, 2008) [http://arquivopessoa.net, última visita a 28/09/2014].

365 Rui Ramos (coord.), História de Portugal [7.ª ed.] (Lisboa: A Esfera dos Livros, 2012), 610.

366 Deniz Silva, ―« La musique a besoin d‘une dictature »‖, 64-65 e 69. A referência a Nuno Júdice

reporta-se a A Era do “Orpheu” (Lisboa: Teorema, 1986), 34.

101

Esta visão romanticamente mitificadora do que foi o ―modernismo‖ e do que teria

sido uma ―véritable rupture moderniste‖ parece ser assaz onírica. Para além de não fazer

qualquer sentido cronológico falar em ―membres du cercle futuriste‖ a propósito de um

episódio ocorrido em 1925, veja-se que, além de os factos lembrados serem, como vimos ao

longo desta dissertação, pontuais, e logo contraditos por outros que de novo aproximavam

Coelho dos seus amigos, é irónico que nem os próprios paladinos do ―modernismo‖

português tenham visto neste suposto afã uma direcção unívoca. Como o próprio Fernando

Pessoa manifestou,

« [...] Os artistas de ORPHEU pertencem cada um à escola da sua individualidade

própria, não lhes cabendo portanto, em resumo [...], designação alguma colectiva

[―futuristas‖, ―sensacionistas‖, ―interseccionistas‖...]. As designações colectivas só pertencem

aos sindicatos, aos agrupamentos com uma ideia só (que é sempre nenhuma) e a outras

modalidades do instinto gregário, vulgar e natural nos cavalos e nos carneiros [...] »367

.

Ou, de novo citando o poeta, « [...] Hoje defendo uma cousa, amanhã outra. [...] »368

.

De resto, pouco antes de Orpheu, já Pessoa confessava não serem sérios Paúis e o Mani-

festo interseccionista369

. Com a morte de Sá-Carneiro, « [...] Todos os ismos do

Sensacionismo [...] ficaram coisa do passado [...] »370

... e pouco depois de Orpheu Pessoa

fazia publicar Hora Absurda, « [...] pertencendo radicalmente ao passado, tal como Exílio,

[a revista em que é publicado,] envolvida na teia decadentista [...] »371

...

Veja-se ainda, a propósito, o caso do próprio Sá-Carneiro, que desconfiava do

cubismo e do futurismo, que não via nos quadros de Amadeo de Souza-Cardoso senão

―uma turbamulta de bonecos‖ e que duvidava da ―fumisterie‖ de Santa-Rita372

– tendo

Pessoa, aliás, considerado Manucure não mais do que um texto ―semifuturista‖ com

367

Fernando Pessoa, ―[Os Directores do ORPHEU julgam conveniente,]‖, in Arquivo Pessoa, dir. Leonor

Areal (Obra Aberta CRL, 2008) [http://arquivopessoa.net, última visita a 28/09/2014].

368 Pessoa, Páginas Íntimas, 204.

369 « [...] não são sérios os Paúis, nem seria o Manifesto interseccionista de que uma vez lhe li trechos

desconexos. Em qualquer destas composições a minha atitude para com o público é a de um palhaço.

Hoje sinto-me afastado de achar graça a esse género de atitude. [...] » — cf. Fernando Pessoa, ―[Carta a

Armando Côrtes-Rodrigues – 19 Jan. 1915], in Arquivo Pessoa, dir. Leonor Areal (Obra Aberta CRL,

2008) [http://arquivopessoa.net, última visita a 28/09/2014].

370 Teresa Rita Lopes, "PESSOA, Fernando – Obra.", in Dicionário de Fernando Pessoa e do

Modernismo Português, coord. Fernando Cabral Martins ([Lisboa]: Caminho, 2008), 646.

371 Teresa Almeida, ―Nacionalismo e modernismo – o projecto Exílio‖, in Exílio [ed. facsimilada]

(Lisboa: Contexto Editora, 1982), XVI.

372 Quadros, O primeiro modernismo português, 63.

102

intenção de blague...373

–... Ora daqui não decorre, em nenhuma narrativa historiográfica, a

negação de Sá-Carneiro como elemento relevante no contexto ―modernista‖ da sua geração.

Destarte, o facto de Ruy Coelho se ter horrorizado, a dado momento, com Paúis

(e de ter depois planeado um concerto sobre paùlismo...), ou de ter havido um desenten-

dimento com Almada em 1925 (a par de outros eventuais vai-e-vem anteriores e

posteriores...), não parece senão sublinhar a sua absoluta integração neste heterogéneo

grupo de criadores. Ou então Almada, Pacheko, Vianna, Sá-Carneiro e Pessoa (e seus

heterónimos...!), e outros, também se mantiveram todos ―à l‘écart‖ deles próprios, posto o

facto de nunca entre todos eles ter havido uma perfeita sintonia de ideais e de nunca neles

mesmos ter havido uma ―véritable rupture moderniste‖ que ditasse, desse momento em

diante, a prossecução de uma qualquer via sempiternamente coesa e indefectível.

Perguntar-nos-íamos, talvez, se o não afastam esteticamente dos seus pares a

dimensão lírica de várias obras de Ruy Coelho, « retrato de uma sentimentalidade

descomplicada »374

construída sobre recursos técnicos que, em certos parâmetros, pouco

mais são que românticos – o que permitir-nos-ia quiçá etiquetá-las como ―neo-

-românticas‖375

, à falta de melhor termo, e com a ainda ligeireza com que folheámos

algumas das suas obras, e ainda « [...] apesar da inércia com que certa crítica prolonga o

preconceito de entender a qualificação de ―neo-romântico‖ como labéu de retoma

serôdia do expressivismo romântico e como capitis diminutio no âmbito da axiologia

estético-literária [...] »376

... Mas, de novo, paradoxal seria supô-lo quando são estes

mesmos pares que aclamam estas suas obras e o têm por próximo (Santa-Rita e Almada

festejam a II Symphonia Camoneana em jantar celebrativo, Pacheko tanto elogia Dans la

373

Cf. João Alves das Neves, O movimento futurista em Portugal [2.ª ed.] (Lisboa: Dinalivro, 1987), 26.

374 Aproveitando a expressão de Cardoso Pereira a propósito de Affonso Lopes Vieira. Cf. Paulo

Alexandre Cardoso Pereira, A beleza imortal das catedrais – Afonso Lopes Vieira e a Imaginação

Medievalista – Vol I (Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 07/2009), 597.

375 Designação aliás sugerida à luz « [...] de um «Tempo neo-romântico» que, em lugar de pressupor a

perfeita homogeneidade do período, propõe a hegemonia de um estilo epocal (o Neo-Romantismo),

partilhado por três correntes [...], e prevalecente sobre manifestações de outros estilos epocais em fase de

declínio decisivo ou de apagamento temporário e miscegenante (Realimo e Naturalismo; Decadentismo e

Simbolismo) e de outro estilo epocal, primeiro em sub-reptícia formação, depois fulgurante em sector

restrito (Modernismo). [...] » — Op. cit., 358.

376 José Carlos Seabra Pereira, História Crítica da Literatura Portuguesa [vol. VII (Do Fim-de-século ao

Modernismo)] [2.ª ed.] (Lisboa: Editorial Verbo, 2004), 359.

103

jetée d’Alexandrie como a Trilogia Camoneana...377

), e quando os ―modernismos‖ das

criações destes mesmo pares nada têm de inelutável ou de impermeável.

Por outras palavras, supô-lo é também ignorar a diversidade do imaginário destes

artistas e sua inevitável transformação ao longo do tempo. Fernando Pessoa escreveu

dezenas de quadras ao gosto popular, grande parte delas em fase tardia da sua vida378

– fá-lo

menos actual esta produção? E o que tem o Almada Negreiros de Portugal Futurista (1917)

a ver com o de Invenção do Dia Claro, « [...] manifesto poético da ingenuidade379

, [feito]

conferência realizada apenas em Março de 1921, e publicada em Dezembro pela editora

Olisipo, de Pessoa (que traduz parte do texto para inglês) [...] »380

?... Para Ruy, este

documento seria a « [...] synthese peninsular do Portuguezismo que nós conquistamos para

a nossa arte actual, que desejamos reflorir e fecundar no mais intimo amôr racico da Patria a

que pertencemos [...] »381

. Por que razão relativizaríamos o papel de Coelho neste grupo por

um hipotético afastamento face ao dito (e suposto, e episódico, e blagueur) ―futurismo‖,

esquecendo a sua total empatia e afinidade no que concerne, por exemplo, a este segundo

ideário?

Depois, ao regressar de Espanha, Almada entrega-se « [...] à elaboração de uma

Histoire du Portugal par coeur, próxima ideologicamente da carga mítica e da atitude

deliberadamente ingenuísta que conduziria Pessoa a Alberto Caeiro e, mais tarde, à

377

Sobre o jantar p. 84 e nota 295. Quanto à crítica de Pacheko: « [...] Ouvi-o ha tempos n‘um concerto da

Liga Naval, interpretando a sua obra, colocada, pelos acasos do programa, entre canções de Strauss e Debussy.

[¶] Ouvi d‘ele o seu lieder «Dans lá [sic] jettée [sic] d‘Alexandrie». E que ritmo, que suavidade ele poz n‘esse

trecho [...]! Entre Débussy [sic] e Strauss, gigantes da musica moderna, Rui Coelho não ficou inferiorisado

pelo confronto. Ele está bem na moderna corrente musical, livre de preconceitos conselheiraes. [...] E ouvi

ainda a [«]Trilogia Camoneana», da qual [...] Na Catedral do Amor e da Paisagem – sintetisa a Raça sob o seu

aspeto religioso – que é o dualismo da Natureza e do Amor. [...] ». Cf. ―No Mundo da Arte [...] – O que nos diz

O arquiteto José Pacheco‖, recorte preservado na BNP, ERC, s. c., identificado como sendo d‘A Situação

(24/04/1918).

378 Escreveu Pessoa: « [...] A quadra é o vaso de flores que o Povo põe à janela da sua Alma. [...] Quem

faz quadras portuguesas, comunga a alma do povo [...] ». Cf. João de Barros et al., "A Quadra Popular –

(Opiniões d‘alguns poetas portugueses sobre o MISSAL DE TROVAS", in Augusto Cunha e Antonio

Ferro, Missal de Trovas (Lisboa: Livraria Ferreira, 1914). Cf. Ainda LIND, Georg Rudolf, "Prefácio", in

PESSOA, Fernando, Quadras ao gosto popular, Edições Ática, 4.ª ed., Lisboa, 1979, pp. 11-18.

379 Cf., a propósito, Celina Silva, Almada Negreiros – A busca de uma poética da ingenuidade (Porto:

Fundação Eng. António de Almeida, 01/1994). « [...] A Ingenuidade, procurada e concretizada mediante

o seu buscar textualizador, corporiza uma cosmovisão mitopoética de raiz romântica [...]. O Romantismo

alemão confere à ingenuidade e à inocência (estado a reaver, segundo o ex-líbris de Almada) o teor de

símbolos privilegiados da própria ideia de procriação, de germinação, de nascença, necessários à restau-

ração de uma natureza perdida. Este tipo de propósito aponta para uma das suas vertentes capitais, o cha-

mado primitivismo na sua ambição de regressar a uma visão directa, pura, das coisas [...] » — Op. cit., 275.

380 Sara Afonso Ferreira e Luis Manuel Gaspar, "NEGREIROS, Almada" in Dicionário de Fernando

Pessoa e do Modernismo Português, coord. Fernando Cabral Martins ([Lisboa]: Caminho, 2008), 513.

381 Coelho, O verdadeiro sentido da Arte Moderna em Portugal: cf. Anexo 2, p. 6.

104

codificação da Mensagem [...] »382

. Pessoa empenhar-se-á também, « [...] entre 1924 e

1925[,] na revista Athena, «Revista de Arte» em que tentará defender, entre classicismo

e algum academismo, a harmonia do paradigma clássico [...] »383

. Não são legíveis

pontos de contacto entre estas inflexões e o rumo que tomam as obras do compositor?

Senão vejamos como a música de Ruy Coelho também se parece classicizar ao longo

deste anos, para em 1927 experimentar a sua primeira sinfonieta ―neoclássica‖, a Petite

Symphonie, escrita para a Orquesta Bética de Cámara – numa altura em que se

corresponde com Manuel de Falla, « o maior compositor europeu contemporaneo »384

–,

ou como há propositado ingenuísmo na forma como constrói, no mesmo ano, a ópera

O cavaleiro das mãos irresistíveis, sobre Eugénio de Castro, ―comédia lírica‖ feita de

máscaras e ironias em que a sombria, terrífica e tenebrosa trama se desfaz, no fim, com

a música de repente infantil, auto-citada de um excerto da Historia da Carochinha...

As comparações poderão não ser de óbvio ou necessário emparelhamento, mas parece

haver aqui material a justificar maior atenção e aprofundamento no futuro...

Perguntar-nos-íamos, hélas, sobre que argumentos podem então associar a obra e o

percurso de Ruy Coelho à história da geração d‘Orpheu no que esta tem de mais específica

e concretamente ―modernista‖. Quanto ao percurso em si, inscreve-se – pudera – por ele

mesmo: Ruy é o único compositor invariavelmente presente em quase todas as

manifestações da nova geração, Ruy existiu neste contexto, e a sua existência foi registada

amiúde; eis porque omiti-lo é, pelo menos, truncar as narrativas sobre esse mesmo contexto.

Quanto à obra, inscreve-se pelas suas partituras mais ousadas – as que exploram recursos

técnicos inequivocamente actuais à sua época –, grupo em que proponho incluir a Sonata

para piano e violino (1912), o Largo (1912), O Livro das Cantigas (1912), as 6 Kacides

Mauresques (1913?), Chanson de Barberine (1913?) e, sobretudo, dado o seu existir

público confirmado no Portugal da década de 10, a Symphonia Camoneana (1912,

publicação e estreia em 1913), A princeza dos sapatos de ferro (1912, estreia em 1918) e a

Sonata para piano e violino n.º 2 (1916, estreia em 1917). Mas não deixa de se inscrever,

também, pelas partituras que, mais ou menos arrojadas, mais ou menos actuais, ou

malgrado uma dimensão menor ou circunstancial, ou um eventual ―modernismo

382

Raquel Henriques da Silva, "Sinais de ruptura: «livres» e humoristas", in História da Arte Portuguesa

[vol. III (Do Barroco à Contemporaneidade)], dir. Paulo Pereira (Lisboa: Temas e Debates, 1995), 380.

383 Osvaldo Silvestre, "Modernismo", in Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português,

coord. Fernando Cabral Martins ([Lisboa]: Caminho, 2008), 475.

384 Coelho, ―Outra carta – O caso do bailado‖, Diario de Lisbôa (07/05/1925): 2.

105

temperado‖ de compromisso, parecem para já revelar aspectos técnicos e (ou) conceptuais

de relevante modernidade: os dois prelúdios para piano (1911), Poveirinhos! (1913?),

o Lied n.º 12 (1913 ou 1916?), Chanson (1913?), Dans la jetée d’Alexandrie (estreia em

1916?), o Bailado do encantamento (estreia em 1918) – tal como, aliás, todos os restantes

bailados (de 1915 a 1918) –, o Trio (estreia em 1916), a II Symphonia Camoneana (estreia

em 1917) ou O mundo dos meus bonitos (1916)...

Acima de tudo isto, e para além das obras musicais, une-se também Ruy Coelho aos

demais pelo mesmo ímpeto panfletário e pela mesma ambição de individualização criadora

contra a academia serôdia e infértil. A luta contra o ensino tradicional é arma acutilante e

perene: « [...] Eu não sigo escola alguma. As escolas morreram. […] Sou impressionista,

cubista, futurista, abstracionista? De tudo um pouco [...] »385

, diria Amadeo; « [...] [Ruy

Coelho] não segue escola alguma. Não consulta oráculos [...] »386

, auto-retratava-se o

compositor; e « [...] Tutto ciò sarà possibile quando, disertati i conservatorî, i licei e le

accademie, e determinatane la chiusura, si vorrà finalmente provvedere alle necessità

dell‘esperienza, col dare agli studî musicali un carattere di libertà assoluta […] »387

,

defendeu Pratella...

Luta também contra valores que consideravam prejudiciais à sonhada vitalidade

pátria, e, neste âmbito, diga-se que o carácter ―díscolo‖ e ―impetuoso‖388

do compositor,

qual ―prussiano‖ à procura do ―kolossal‖389

, por mais irascível, arrasador e desconfortável

que tenha sido, não ultrapassou a fúria demolidora – nem o interesse literário, é evidente –

de um Manifesto Anti-Dantas. Hostil era o próprio meio, e a provocadora virulência mais

um meio de se manifestar por uma bélica modernidade. A crueza e a paixão com que nomes

e actos eram discutidos devem ser lembradas à luz do ego modernista da nova geração

europeia390

e devem ser compreendidas à luz do meio social da época: veja-se o caso da

385

Em entrevista para o jornal O Dia, em 1916, citado em Catarina Alfaro, Helena de Freitas e Manuel

Rosa (ed.), Amadeo de Souza Cardoso – Diálogo de vanguardas (Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

2006), 489.

386 Ruy Coelho, ―Symphonia Camoneana‖, in Theophilo Braga e Ruy Coelho, Symphonia Camoneana

[programa de sala] (Imprensa Nacional, 1913).

387 Cf. Balilla Pratella, ―La musica futurista‖, 550-551.

388 Segundo descrição de Alexandre Rey Colaço, em carta para destinatário não identificado, a

13/11/1918 (cf. Anexo 3, pp. 89-90).

389 Avelar, ―Crónica Musical‖, Atlantida (15/05/1916): 690.

390 « [...] Per far parlare di sé e diffondere le proprie idee i futuristi comprendono presto l‘utilità dello

scandalo e dell‘insulto. [...] » — Serge Fauchereau, ―Scandalo‖, in Futurismo & Futurismi, ed. Pontus

Hulten (Milão: Bompiani, 1986), 573.

106

exposição portuense de obras de Amadeo, tido como ―louco perigoso‖, que deu azo a « [...]

insultos, agressões, cuspidelas raivosas [...] »391

...

E é à luz da hostilidade do meio, na década de 10 anunciada e na de 20 feita

sentença definitivamente intransponível392

, que se pode também reflectir sobre a frustrante

recepção a Amadeo, sobre um Santa-Rita cuja obra se reduziu a mito, um Vianna de

compromisso (ser-se ―modernista‖ sem se ser ―radical‖393

), ou sobre as causas dos desvios

estéticos entre as duas sinfonias camoneanas de Ruy Coelho, ou entre o ―futurismo‖ e o

―ingenuismo‖ almadianos, entre o empenho pessoano em Orpheu e depois em Athena, entre

o Pacheko das maquetas d‘A princeza e o de Contemporânea...; em suma, como escreveu o

próprio Ruy Coelho, sobre as « [...] preocupações estheticas [da geração], e [sua] direcção

espiritual; e até mesmo, porque não, as suas desilusões, desenganos e falencia esthetica

[...] » – desilusões, desenganos e falência estética que ousou pensar mas rasurou, quem sabe

se porque, a mantê-lo, formularia sensível e inoportuna contrariedade face à tese com que

terminava o depoimento:

« [...] O Grupo do Tavares jamais vendeu a sua Arte. [...] O essencial é o artista

nunca se nivelar para agradar ás multidões. Ellas que venham até nós. Por isso,

caminhemos sempre n‘esta formosa estrada de sonho, mesmo que se tenham momentos

em que[,] sem luz do sol, seja nosso guia[,] somente, a nossa propria estrella [...] »394

...

Entretanto, voltando à introdução desta dissertação, ocorre lembrar a ideia de Luiz

de Freitas Branco como ―introdutor‖ do ―modernismo‖ musical em Portugal. Não deixa de

ser irónico que esta atribuição se reporte, em grande parte, a um arquivo-morto: as suas

obras ditas impressionistas ou de influência impressionista, como as Tentações de São Frei

Gil, o Quarteto d’Arcos, o Ciclo Maeterlinckiano, Vathek e Dois Poemas de Mallarmé, são

estreadas, respectivamente, em 1928, de novo 1928, 1950, 1961 e 1983. É certo que

Bettencourt Mendes lembra ainda efeitos próximos « [...] de uma certa latência expres-

391

Pamplona, Chave da Pintura de Amadeo, 46.

392 « [...] Os anos 20 confirmam, em grande parte, aquilo que a década anteiror já anunciara: a dificuldade

de imposição dos artistas mais «originais» que esbarravam contra a incompreensão generalizada, não

encontrando solicitações por parte de um gosto anquilosado em preconceitos estéticos passadistas. [...] »

— Castro e Henriques da Silva, História da Arte Portuguesa, 111.

393 Expressão daqui retirada: « [...] tentativa de conciliação [...], demonstrando como era possível ser-se

modernista sem se ser radical [...] » — Castro e Henriques da Silva, História da Arte Portuguesa, 106.

394 Coelho, O verdadeiro sentido da Arte Moderna em Portugal: cf. Anexo 2, pp. 12-13.

107

sionista que faz tremer e gemer interioridades humanas [...] » em Recueillement, de 1909,

e desvenda, na primeira Sonata para violino e piano, características que « [...] podemos

associar ao estilo Arte Nova [...] »395

, com o que parece aproximar-se de uma inovadora e

peculiar latência sinestésica. Há ainda, dentre o imenso espólio que Freitas Branco nos

legou, ora eivado de romantismo, ora de fervor classicista, ora de base folclorista – tudo

sempre entre vírgulas-altas, recomende-se – os debussystas três minutos de Mirages, em

1911, os Dez Prelúdios, estreados em 1918, e, claro, Paraísos Artificiais, poema sinfónico

estreado em 1913.

Esta última obra é, segundo a tradição, a peça-chave do ―escandaloso‖396

início do

―modernismo‖ em Portugal, embora seja difícil fundamentar a lenda: a meia-dúzia de

críticas citadas por Bettencourt Mendes, contra o que o próprio se esforça por demonstrar,

apresenta-nos antes uma recepção ora abonatória (como a crítica d‘O Século), ora cautelosa

(como as do Diário de Notícias ou da Arte Musical, que, embora a apelidem de ―ultra-

-moderna‖, indultam o autor, preferindo aguardar por nova audição), ou mesmo de

desprezo ou indiferença (como a do Eco Musical, que a adjectiva de ilógica e anormal

– sumariamente ―rejeitável‖ –, ou como a d‘O Dia, que dá conta de um público que, longe

de escandalizado, se mostrou friamente apático)... Encontra-se até uma referência à obra no

diário de Fernando Pessoa: escreve que a sinfonia (sic!) de Freitas Branco lhe parece

―inferior‖397

... e difícil é não ler a aparentemente ignara classificação como trocadilho

irónico, sobretudo tendo em conta a proximidade de Pessoa com Ruy Coelho, que então

preparava a apresentação da sua Symphonia Camoneana.

Pode uma revelação póstuma de um manuscrito inédito ou uma estreia de relevância

episódica e despercebida na sua contemporaneidade reescrever a História do que foi verbo e

não gaveta? E pode uma gaveta contrariar um verbo alheio às múltiplas investidas

modernistas dos seus contemporâneos, militantemente filiado ao Integralismo Lusitano,

useiro e vezeiro de uma linguagem tonalíssima e (ou) tardo-romântica em tantas outras

obras da mesma época, anteriores e posteriores? Se não, seria bastante o hoje célebre poema

sinfónico, independentemente do seu impacto, com a sua famosa sobreposição dos acordes

de lábM e dóM nos compassos finais, a sua sintaxe pseudo-modal, e a sua orquestração dita

395

Cf. Bettencourt Mendes, Delgado e Telles, Luís de Freitas Branco, 164.

396 « [...] Paraísos Artificiais, recebidos com escândalo pelos nossos melómanos de 1913 [...] »... escreveu

Lopes-Graça, citado em Bettencourt Mendes, Delgado e Telles, Luís de Freitas Branco, 201.

397 Cf. Fernando Pessoa, ―[Diário – Fev.–Abr. 1913]‖, in Arquivo Pessoa, dir. Leonor Areal (Obra Aberta

CRL, 2008) [http://arquivopessoa.net, última visita a 28/09/2014].

108

impressionista, para, enfim, coroar o seu autor com os louros gloriosos da vanguarda

portuguesa?

Seria talvez bastante se em conflito histórico nos não surgisse, com a sua aura

rebelde de enfant terrible, o controverso e inquietante nome de Ruy Coelho, e o seu

percurso panfletariamente ―modernista‖, e as suas obras extraordinariamente (na mais pura

acepção do termo) desafiantes, tanto técnica como conceptualmente. Não isto sugere a

exlusão de Freitas Branco como compositor de evidente relevância para a música

portuguesa do início do século XX, porquanto a sua obra, mais ou menos tardo-romântica,

mais ou menos ―impressionista‖, mais ou menos publicamente consequente à época em que

foi estreada, é testemunho inquestionável de uma pena de apurada sensibilidade e de

esmeradíssima concretização técnica. Além do mais, como vimos, boa parte da música de

Ruy Coelho deste período também parece ter ficado por estrear... Propõe-se, outrossim,

uma reflexão mais aturada sobre que ―modernismos‖ cabem na obra de um e de outro

compositor, e que relevância efectiva a música de um e de outro logrou ocupar no espaço

cultural português de então.

Afinal, algumas das mais notáveis proezas de ambos os compositores têm em

comum muito mais do que se poderia supor: a primeira constatação depois de inventariado

o espólio de Ruy Coelho e de uma primeira aproximação às suas partituras, em comparação

com a produção de Freitas Branco do mesmo período, é a de que se o cerne criativo mais

impressivamente ―modernista‖ desde último se concentra entre 1910 e 1913 – como avança

Bettencourt Mendes398

–, o do primeiro é similarmente concentrado entre 1911 e 1913

(a primeira Sonata, o primeiro Prélude, a Camoneana, o Largo, as 6 Kacides Mauresques,

a Chanson de Barberine, A princeza dos sapatos de ferro...). Ao mesmo tempo, há a

coincidência de as técnicas mais ―modernistas‖ serem mais exemplarmente aplicadas não

como música absoluta, exploração técnica per si, teorização, mas como ilustração

programática de um dado assunto (a terrífica e desoladora morte de Camões na

Camoneana, o tenebroso ―olho‖ do califa na célebre terceira variação de Vathek399

). Mais:

as influências modernistas de um e de outro (uma pouca de Stravinsky e de Schoenberg no

primeiro, uma pouca de Debussy e Désiré Pâque no segundo) coexistem – e são em muitos

aspectos superadas – por um fascínio por referentes maiores do último meio-século – a cuja

música Portugal permanecia absolutamente periférico –: Richard Strauss e Gustav Mahler

398

Cf. Bettencourt Mendes, Delgado e Telles, Luís de Freitas Branco, 116.

399 Cf. op. cit., 253.

109

em Ruy Coelho, e, em Freitas Branco, uma figura ainda um pouco mais recuada: César

Franck.

O que se passa a partir de 1913 é o que mais distingue as personalidades: Freitas

Branco aproxima-se do integralismo, ideologia austera e hiper-tradicionalista, e as suas

composições reservam-se cada vez mais às linguagens românticas e (ou) timidamente

―impressionistas‖ do fin de siècle – como o Concerto para violino (1916), a Balada para

piano e orquestra (1917), os Dez Prelúdios (1918)... O que de mais modernista escrevera

parece querer guardar-se, de facto, na gaveta, e será até o próprio a recusar a estreia – e a

nem sequer autorizar uma tentativa de ensaio ainda em 1950!400

– da tal terceira variação de

Vathek, minuto formidável em que alguma crítica de hoje lê a antevisão de alguma da

música de Ligueti, Xenakis ou Halffter dos anos 60... ao passo que lembra a ―sonora

gargalhada‖ dos dois compassos finais, « caricatura disforme de uma ―cadência perfeita‖ »

qual « resposta irónica de quem sabe que foi longe de mais »401

... Quanto a isto, Ruy

Coelho foi o exacto oposto: procurou, sempre que possível, a panfletária realização da sua

obra, por vezes com prejuízo da qualidade dos intérpretes e do processo de concretização do

espectáculo, formando orquestras ad hoc com pouco tempo de ensaio que – perdoe-se-me a

hipérbole – fariam quiçá até de Beethoven a mais ―politonal‖ música da modernidade sua

contemporânea. Encontrando afinidade na jactância modernista dos jovens artistas

d‘Orpheu, usufrui da boemia cultural lisboeta e é com os amigos deste meio que sonha

vários projectos e encontra a oportunidade de apresentar A princeza dos sapatos de ferro,

que havia composto antes, enquanto que nas novas composições vemos desenvolver-se a

exploração de uma linguagem de sintaxe original que, na esteira da primeira Sonata e da

primeira Camoneana, tanto não recusa gestos ou incrustações de materiais ―tradicionais‖

como se apresenta por vezes pantonal (e que, a dado momento, como exposto, lembraria o

ideário sensacionista pessoano – caso da segunda Sonata –), e vemos desenvolver-se

também a procura de uma portugalidade de feição ora lírica ora heróica, de um romantismo

mais neo do que tardo – porque aplicado com recursos técnicos e (ou) conceptuais de

recorte inovador e gramaticalmente incorrectos segundo a tradição romântica (como o

projecto que enceta com Affonso Lopes Vieira ou como a II Symphonia Camoneana)...

400

Segundo Joly Braga Santos, maestro: « [...] Recordo-me perfeitamente de ter insistido no primeiro

ensaio para que me deixasse ao menos fazer uma leitura, a fim de fazermos uma ideia de como soava e a

sua negativa foi terminante [...] ». Citado em op. cit., 256.

401 Op. cit., 254.

110

A tudo isto se deve o título desta dissertação. Mas em ―Ruy Coelho, o compositor

da geração d‘Orpheu‖ não deve ler-se apenas a célebre revista e seu contexto, a que o

compositor pertenceu com as suas inerentes e inevitáveis contradições, avanços e recuos,

sucessos e insucessos, manifestos e compromissos; no título desta dissertação deve ler-se

também próprio mito de Orfeu, qual metáfora bastante para o que este caso encerra: o do

artista que desce aos infernos em busca de sua musa ideal e que regressa à luz com a perda

dela e de si mesmo.

Não por acaso, a última grande obra402

de Ruy Coelho, concluída em 1966, uma

―ópera-declamação-ballet-mímica‖ em três actos, qual Gesamtkunstwerk derradeiro,

intitulou-se Orfeu em Lisbôa, e o seu libreto, escrito pelo compositor, reflectia sobre

« [...] o conflito entre o artista que procura os caminhos que têm florescido desde os mais

antigos tempos, e o panorama de certa frivolidade dos tempos modernos [...] »403

...

Não por acaso, também, Orfeu em Lisbôa contrói-se em palco como um espectáculo dentro

de outro espectáculo – uma feira –, sendo como tal narrado por um parlapatão, numa

sucessão interpenetrativa de cortinas a reforçar máscaras e ironias entre o espectador e o

artifício. Não por acaso, enfim, o último grande fôlego de um compositor que cuidou da sua

produção como quem persegue uma missão fatalmente inexorável, num gesto que, mais do

que releitura, parece ser também o de espelho autobiográfico para um premeditado fim

artístico, tanto inclui por entre as suas páginas alguns versos de Affonso Lopes Vieira como

incorpora auto-citações d‘A princeza dos sapatos de ferro e da Symphonia Camoneana...

402

Comporá ainda, em 1968, a Sinfonia d’Alem-mar e La belle dame qui n’as pas peché, ópera em um

acto sobre poema de Charles Oulmont; em 1970, o Auto da Barca da Glória, ópera de menores

dimensões; e em 1974 um quarteto d‘arcos (o segundo), partitura derradeira do seu catálogo.

403 Cf. Orfeu em Lisbôa [programa de sala], BNP, ERC. s.c..

111

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sympathia para o seu auctor‖. A Capital 1005 (18/05/1913): 1.

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LISZT, Franz. Sonata. In Franz Liszt: Musikalische Werke [série II, vol. 8]. Ed. Vianna da

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MAHLER, Gustav. 8. Sinfonie. Viena: Universal Edition, 1911.

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SHOENBERG, Arnold. Drei Klavierstücke. Viena: Universal Edition, 1910.

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_____. Gurre-Lieder [redução], ed. Alban Berg. Viena: Universal Edition, 1912.

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STRAVINSKY, Igor. Pétrouchka. Édition Russe de Musique, 1912.

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[SEM AUTOR]. [programa radiofónico, arq. n.º AHD8305]. Lisboa: RTP – Arquivo

Histórico da Rádio, 25/02/1986.

COELHO, Ruy. The Princess with the Iron Shoes – Summer Walks – Violin Sonatas Nos. 1

and 2 [CD áudio] [2.ª ed.]. Strauss – Música e Vídeo, S. A., 1997.

GIACOMETTI, Michel e Fernando Lopes-Graça (recolhas). Música regional portuguesa

[6 CDs]. Numérica [colecçãoPortugalSom], 2008.

FUNDOS

Arquivo da Rádio e Televisão de Portugal

Arquivo do Conservatório Nacional – Ministério da Educação e Ciência

Arquivo Regional de Ponta Delgada, Espólio de Theophilo Braga

Espólio dos herdeiros de Ruy Coelho

Espólio dos herdeiros de Francisco Fernandes Lopes

Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio de Ruy Coelho

Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio de Vianna da Motta

Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio de Fernando Pessoa

120

ÍNDICE DE FIGURAS

Fig. 1 | Início do primeiro Prélude ................................................................................ 17

Fig. 2 | Redução dos primeiros trinta compassos d‘A princeza dos sapatos de ferro . 20-21

Fig. 3 | Redução de excerto d‘A princeza dos sapatos de ferro .................................... 22

Fig. 4 | Redução de escerto d‘A princeza dos sapatos de ferro ..................................... 22

Fig. 5 | Redução harmónica dos sete primeiros compassos do ―Prologo – Hymno a

Camões‖ ......................................................................................................................... 34

Fig. 6 | Excerto do 1.º and. (Largo) da Symphonia Camoneana, correspondendo a parte

das pp. 35 e 36 da edição impressa ........................................................................ 35 e 36

Fig. 7 | Excerto do 1.º and. (Largo) da Symphonia Camoneana, correspondendo a parte

das pp. 22 e 23 da edição impressa ................................................................................ 39

Fig. 8a | Redução (a três sistemas, com somatório harmónico ao 4.º sistema

complementar) da p. 17 e três primeiros cc. da p. 18 da edição impressa da Symphonia

Camoneana. A quase série, apontada numeralmente, em contexto tonalmente

disfuncional ................................................................................................................... 40

Fig. 8b | A quase série, apontada na redução precedente, aqui isolada ......................... 40

Fig. 9 | Excerto do 1.º and. (Largo) da Symphonia Camoneana, correspondendo a parte

das pp. 25 e 26 da edição impressa. Redução. ................................................................40

Fig. 10 | 1.ª parte (presumivelmente completa) de ―Cantigas do meu fado‖ ................. 44

Fig. 11 | Primeiros compassos de Le sommeil de l’enfant. ............................................ 47

Fig. 12 | Compassos 3 a 8 de Chanson de Barberine. ................................................... 48

Fig. 13 | Últimos oito cc. do 1.º and. do Trio. ................................................................ 66

Fig. 14 | Trecho do 3.º and. do Trio. .............................................................................. 66

Fig. 15 | Sonata para piano e violino n.º 2, cc. 97 a 111. .............................................. 67

Fig. 16 | Sonata para piano e violino n.º 2, cc. 219 a 237. ............................................ 68

Fig. 17 | Primeiros quatro cc. da Sonata para piano, S. 178, de Franz Liszt. ................ 68

Fig. 18 | Sonata para piano e violino n.º 2, cc. 438 a 449. ............................................ 69

Fig. 19 | Início de O beijo, de Canções de saudade e amor. ......................................... 77

Fig. 20 | Tabela comparativa discriminando os andamentos das duas primeiras sinfonias

camoneanas. ................................................................................................................... 81

Fig. 21 | Início do 2.º and. (―Morte de Camões‖) da II Symphonia Camoneana. .......... 82

121

ÍNDICE DE ANEXOS

N. b.: Todos os anexos são consultáveis no CD anexo e encontram-se

organizados por pastas numeradas.

1 Relação cronológica de obras musicais de Ruy Coelho de 1907 a 1918

2 Textos autógrafos

Nota explicativa ............................................................................................................ [0]

[Conjunto 1: O verdadeiro sentido da Arte Moderna em Portugal] ............................ p. 1

[Conjunto 2: sobre bailado] ........................................................................................... 14

3 Correspondência

Nota explicativa ............................................................................................................ [0]

De Alexandre Rey Colaço para Ruy Coelho (26/06/1905)………………………….. p. 1

De José Rodrigues Pablo para Theophilo Braga (01/06/1909)……………………….... 2

De Ruy Coelho para Francisco Fernandes Lopes (01 ou 02 de 1910?) …..................… 3

De Victor Falcão para António Ferro (11/03/1911 [provavelmente 1921]) …………… 5

De Ruy Coelho para Theophilo Braga [cópia de T. B.] (03/1912) ………………...….. 6

De Ruy Coelho para Theophilo Braga [cópia de T. B.] (19/04/1912) ……………...…. 7

De Theophilo Braga para Ruy Coelho (sem data) …………………....................……... 8

De Theophilo Braga para Ruy Coelho (22/04/1912) ………………………………..... 10

De Theophilo Braga para Ruy Coelho (21/05/1912) ……………………………......... 11

De Ruy Coelho para Theophilo Braga [08/10/1912] ……………………………....…..13

De Ruy Coelho para Theophilo Braga [14/10/1912] ………………............................. 14

De Ruy Coelho para Theophilo Braga [28/10/1912] …………………………………. 16

De Ruy Coelho [07/11/1912] ……………………………...................................……. 18

De Theophilo Braga para Ruy Coelho (20/11/1912) …………………………………. 20

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (27/11/1912)……………….…...................….. 22

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (29/11/1912)………………................……….. 24

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (20/12/1912)………………............………….. 26

122

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (20/12/1912)……………….............................. 28

De Alfredo Souza para Theophilo Braga (24/12/[1912])……………....…………..…. 29

De Theophilo Braga para Ruy Coelho (27/12/1912)……………........……………….. 30

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (04/01/1913).…....……………………………. 31

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (14/01/1913)…………........................……….. 34

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (não datada)…………................................…... 36

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (10/02/1913)……........……………………….. 37

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (29/02/1913)……....................……………….. 39

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (01/03/1913)…………............……………….. 43

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (não datada)……………........………………... 45

De Theophilo Braga para Ruy Coelho (07/03/1913)…………....…………………….. 46

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (11/03/1913)………........................……….…. 47

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (18/03/1913)…………………........………….. 48

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (04/04/1913)…………............……………….. 49

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (não datada)……………............……………... 50

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (06/04/1913)…………........………………….. 51

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (13/04/1913)…………........………………….. 52

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (24/04/1913)………………........…………….. 53

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (30/04/1913)………………........…………….. 54

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (31/05/[1913])…………........………………... 55

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (02/06/1913)………............………………….. 56

Do Gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros para Theophilo Braga (29/11/1913). 57

Do Gabinete do Ministro dos Negócios Estrangeiros para Theophilo Braga (17/12/1913). 58

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (26/12/1913)………............………………….. 59

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (29/12/1913)…………................…………….. 61

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (14/01/1914)……………................………….. 63

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (27/01/1914)………........................………….. 65

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (13/02/1914)………………................……….. 67

De Ruy Coelho para Theophilo Braga ([16]/02/1914)………........................………... 70

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (19/02/1914)……....................……………...... 72

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (21/02/1914)……………............…………….. 74

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (26/02/1914)…………....................………….. 75

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (04/03/1914)………................…………….…. 77

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (05/03/1914)…………....…………………….. 78

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (10/03/1914)…………....................………….. 80

123

De Ruy Coelho para Theophilo Braga (13/03/1914)………………........…………….. 83

Da ―Comissão Académica‖ para Theophilo Braga (13/05/1914) ................................. 85

Convite de Ruy Coelho para Theophilo Braga [24/02/1916] ........................................ 86

De Ruy Coelho para a ―Comissão das Senhoras Portuguezas Promotoras de Festas‖

[30/03/1916] ................................................................................................................. 87

De Alexandre Rey Colaço para destinatário não identificado (13/11/1918) …………. 89

4 Partituras

[Reproduções de partituras consultáveis na BNP, ERC, salvo indicação em contrário.]

4.1 Malmequeres

4.2 Bouquet

4.3 Intermezzo

4.4 Si je vous disais

4.5 Sonata para piano e violino n.º 1 [Edição de Edward Luiz Ayres d‘Abreu a partir do ms. aut. que se acha na BNP, ERC, intitulado Sonate

Nº1 pour piano et violon, Op. I]

4.6 Pétrouchka [Não se encontra na BNP, ERC. Cf. Referências.]

4.7 A princeza dos sapatos de ferro [excerto 1]

4.8 A princeza dos sapatos de ferro [excerto 2]

4.9 A princeza dos sapatos de ferro [excerto 3]

4.10 Symphonia Camoneana [excerto 1] [BNP, cota CAM. 193 A]

4.11 Symphonia Camoneana [excerto 2] [BNP, cota CAM. 193 A]

4.12 Symphonia Camoneana [excerto 3] [BNP, cota CAM. 193 A]

4.13 Symphonia Camoneana [excerto 4] [BNP, cota CAM. 193 A]

4.14 Symphonia Camoneana [excerto 5] [BNP, cota CAM. 193 A]

4.15 Symphonia Camoneana [excerto 6] [BNP, cota CAM. 193 A]

4.16 Symphonia Camoneana [excerto 7] [BNP, cota CAM. 193 A]

4.17 Symphonia Camoneana [excerto 8] [BNP, cota CAM. 193 A]

4.18 Largo

124

4.19 6 Kacides Mauresques [Edição de Edward Luiz Ayres d‘Abreu a partir de edição impressa preservada na BNP, ERC.]

4.20 Chanson [Edição de Edward Luiz Ayres d‘Abreu a partir de

edição impressa de Novos Lieder preservada na BNP, ERC.]

4.21 Dans la jetée d’Alexandrie [Edição de Edward Luiz Ayres d‘Abreu a partir de

edição impressa de Novos Lieder preservada na BNP, ERC.]

4.22 Sonata para piano e violino n.º 2 [Edição de Luís Salgueiro e revisão de Edward Luiz Ayres d‘Abreu

a partir do ms. aut. que se acha na BNP, ERC.]

4.23 Soneto de Antonio Nobre [Ó Virgens!]

4.24 Trilogia Camoneana – Na cathedral do amor e da paysagem

4.25 Saudade [de Canções de saudade e amor]

4.26 Luar [de Canções de saudade e amor]

4.27 O mundo dos meus bonitos

4.28 II Symphonia Camoneana [excerto 1] [Arquivo RTP]

4.29 II Symphonia Camoneana [excerto 2] [Arquivo RTP]

4.30 II Symphonia Camoneana [excerto 3] [Arquivo RTP]

4.31 II Symphonia Camoneana [excerto 4] [Arquivo RTP]

4.32 II Symphonia Camoneana [excerto 5] [Arquivo RTP]

5 Ficheiros áudio

5.1 Bouquet [ed. MPMP; Duarte Pereira Martins, piano]

5.2 Prélude [excerto] [ficheiro MIDI]

5.3 A princeza dos sapatos de ferro [excerto 1] [ficheiro MIDI]

5.4 A princeza dos sapatos de ferro [excerto 2] [ficheiro MIDI]

5.5 A princeza dos sapatos de ferro [excerto 3] [ficheiro MIDI]

5.6 Symphonia Camoneana [excerto 1] [ficheiro MIDI]

125

5.7 Symphonia Camoneana [excerto 2] [ficheiro MIDI]

5.8 Largo [gravação de ensaio com Edward Luiz Ayres d‘Abreu, piano,

e alunos da Academia Nacional Superior de Orquestra]

5.9 Cantigas do meu fado [excerto] [ficheiro MIDI]

5.10 6 Kacides Mauresques [I-III] [gravação de concerto, ed. MPMP; Raquel Camarinha, soprano; Edward Luiz Ayres d‘Abreu, piano]

5.11 6 Kacides Mauresques [IV-VI] [gravação de concerto, ed. MPMP; Raquel Camarinha, soprano; Edward Luiz Ayres d‘Abreu, piano]

5.12 Chanson [gravação de concerto, ed. MPMP; Raquel Camarinha, soprano; Edward Luiz Ayres d‘Abreu, piano]

5.13 Le sommeil de l’enfant [excerto] [ficheiro MIDI]

5.14 Chanson de Barberine [excerto] [ficheiro MIDI]

5.15 Dans la jetée d’Alexandrie [gravação de concerto, ed. MPMP; Raquel Camarinha, soprano; Edward Luiz Ayres d‘Abreu, piano]

5.16 Trio [excerto 1] [ficheiro MIDI]

5.17 Trio [excerto 2] [ficheiro MIDI]

5.18 Sonata para piano e violino n.º 2 [gravação de concerto, ed. MPMP, 2014; Alexander Stewart, violino; Philippe Marques, piano]

5.19 O beijo [excerto] [ficheiro MIDI]

5.20 Luar [gravação de concerto, ed. MPMP; Raquel Camarinha, soprano; Edward Luiz Ayres d‘Abreu, piano]

5.21 II Symphonia Camoneana [excerto] [ficheiro MIDI]

6 Imagens

6.1 Ruy Coelho e amigos em Shanklin, ilha de Wight, Inglaterra [doc. preservado no EHRC]

6.2 Tabela comparativa relativa ao efectivo solicitado na 8.ª Sinfonia de Mahler, em

Gurre-Lieder de Schoenberg e na Symphonia Camoneana de Ruy Coelho

6.3 Caricatura e soneto a propósito da Symphonia Camoneana [reprodução de recorte preservado na BNP, ERC, s. c.]

6.4 ―A Symphonia Camaleona‖ [reprodução de recorte preservado na BNP, ERC, s. c.]

126

6.5 Sadi, ―Carta de outro mundo‖, Eco Musical 118 (16/06/1913): 1.

6.6 Fotografias de Ruy Coelho e Santa-Rita Pintor [a primeira preservada no EHRC; a segunda publicada em Joaquim Matos Chaves, Santa-Rita

(Lisboa: Quimera Editores, 1989), 51].

6.7 O Sonho da Princêsa na Rosa [cartaz] [doc. preservado na BNP, ERC, s. c.]

7 Inventário das partituras depositadas na BNP, ERC

Organizado alfabeticamente a partir dos seguintes géneros:

[não identificado]

bailado

música concertante

música coral

música de câmara

música de câmara (com voz)

música de cena

música orquestral [excepto sinfonias]

música orquestral (com voz)

música para banda

música para cinema

música para piano

música religiosa

ópera

oratória

outros

sinfonia

vários

8 Lista de registos fonográficos sobre Ruy Coelho na Rádio e Televisão de Portugal

8.1 Lista da Fonoteca da RTP

8.2 Lista do Arquivo Histórico da RTP

9 Leilão de Manuscritos – 10 de Dezembro – Lisboa, Palácio da Independência

[catálogo]. Lisboa: José F. Vicente – Leilões, [2012].