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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA – UNICURITIBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA
RAFAEL LIMA TORRES
COMPLIANCE E A LEI Nº 12.846/2013 À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA
DO DIREITO
CURITIBA
2016
RAFAEL LIMA TORRES
COMPLIANCE E A LEI Nº 12.846/2013 À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA
DO DIREITO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós – graduação em Direito do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, área de concentração Direito Empresarial e Cidadania, linha de pesquisa I - Obrigações e Contratos Empresariais – Responsabilidade Social e Efetividade, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre. Orientador: Professor Doutor Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini
CURITIBA
2016
RAFAEL LIMA TORRES
COMPLIANCE E A LEI Nº 12.846/2013 À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA
DO DIREITO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós – graduação em Direito do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, área de concentração Direito Empresarial e Cidadania, linha de pesquisa I - Obrigações e Contratos Empresariais – Responsabilidade Social e Efetividade, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre.
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________________________________ Professor Doutor Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini (Orientador)
Centro Universitário Curitiba
__________________________________________________________________ Professor Doutor Fernando Gustavo Knoerr
Centro Universitário Curitiba
__________________________________________________________________ Professora Doutora Angela Cassia Costaldello
Universidade Federal do Paraná
À memória de Ricardo Lima Torres, meu irmão, que de
forma tão precoce deixou este plano, mas legou seu eterno
e marcante exemplo de vida a todos que com ele tiveram o
privilégio de conviver.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 7
CAPÍTULO I - CORRUPÇÃO E SEUS IMPACTOS ................................................... 10
1 A interferência da Corrupção no Desenvolvimento das Nações ................................. 10
1.1 A (Des) Igualdade Social e a Equiparação Almejada pelo Ordenamento Jurídico
como Objetivo à Aplicação dos Princípios Norteadores da Justiça ................................ 18
1.2 Aspectos Econômicos e Concorrenciais de Afetação ao Mercado – Intervenção do
Estado na Economia ........................................................................................................ 28
1.3 Intervenção do Estado Através do Direito Econômico Visando a Preservação do
Equilíbrio de Mercado .................................................................................................... 38
1.4 O “Foreing Corrupt Practice Act” – FCPA e “United Kingdom Bribery Act” -
UKBA ............................................................................................................................. 45
1.5 Legislações Brasileiras em Vigor Pré-Existente à Lei 12.846/2013 tratam da
Corrupção ........................................................................................................................ 49
1.5.1 Lei nº 4.717/1965 – Lei da Ação Popular e Artigo 5º, inciso LXXIII da
Constituição da República .............................................................................................. 50
1.5.2 Lei nº 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa e Artigo 37, § 4º da
Constituição da República ............................................................................................. 51
1.6 Lei nº 12.846/2013 e suas Principais Influências ..................................................... 54
CAPÍTULO II – ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A
LEI Nº 12.846/2013 ........................................................................................................ 60
2.1 O Problema da Interpretação da Lei e o Julgamento Realizado fora dos Limites
Legais Propostos ............................................................................................................. 60
2.2 Critérios Econômicos para Análise das Relações Sociais ........................................ 74
2.3 Análise Econômica do Direito – Uma Perspectiva Nova sobre Questões Jurídicas . 80
2.3.1 Método da Análise Econômica do Direito e Teoria da Escolha Racional ............. 95
2.3.2 Correntes “Positiva” e “Normativa” de Interpretação do Direito à Luz da Análise
Econômica ..................................................................................................................... 104
2.3.3 “Ótimo de Pareto”, “Eficiência Kaldor – Hicks” e o Desequilíbrio Econômico
Gerado pela Corrupção ................................................................................................. 108
CAPÍTULO III – EFEITOS DA LEI 12.846/2013 E OS PROGRAMAS DE
COMPLIANCE ADOTADOS PELAS EMPRESAS ................................................... 116
3.1 Cultura de “Compliance” nas Organizações Empresariais – Evolução Histórica .. 116
3.2 “Compliance” e Sustentabilidade Corporativa ....................................................... 133
3.3 Parâmetros do “Compliance” Conforme a Lei nº 12.846/2013 – Perspectivas da
Norma a Partir da Mudança de Comportamento do Empresariado Brasileiro ............. 140
3.3.1 Recebimento e Oferecimento de Presentes .......................................................... 144
3.3.2 Resolução de Conflitos de Interesses ................................................................... 145
3.3.3 “Due Diligence” ................................................................................................... 146
3.3.4 Canais de Denúncia – Procedimentos Internos de Apuração .............................. 149
CONCLUSÃO .............................................................................................................. 151
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 154
ANEXO I - LEI Nº 9613/1998 – LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO......................167
ANEXO II - LEI Nº 12.846/2013 – LEI ANTICORRUPÇÃO.....................................177
ANEXO III - DECRETO Nº 8.420/2015......................................................................184
7
INTRODUÇÃO
Corrupção é o tema em voga na grande maioria dos países, em especial pelos
acontecimentos ocorridos no início deste século XXI, onde diversas empresas estatais e
demais prestadoras de serviços estão sendo investigadas por escândalos de origens mais
diversas possíveis.
Independente do problema moral e ético ocasionado, a afetação ao mercado e o
desequilíbrio concorrencial originado por empresas inidôneas é evidente, uma vez que
estas passam a obter vantagens de maneira desmedida, prevalecendo-se sobre empresas
honestas que sofrem com a carga tributária e com o risco inerente à atividade
empresária, não tendo chances de concorrência à médio e longo prazo.
A corrupção é uma das principais causas – senão a principal causa – de diversas
mazelas vividas pela sociedade brasileira atualmente, tendo tal prática, de certa forma,
tradicionalmente sido internalizada tanto por ramos da atividade pública, quanto da
iniciativa privada.
As empresas podem – e devem – desempenhar um papel importante no combate
à corrupção, atuando para promover um mercado mais íntegro e ético. A manutenção de
uma economia equilibrada, por meio de atos regulatórios do Estado, é condição
importante para o desenvolvimento de um modelo econômico de mercado, que permita
a geração de riquezas que beneficie toda a sociedade.
A globalização, por ser uma das principais características da sociedade
contemporânea que, com o desenvolvimento de novas tecnologias alcançou enorme
projeção frente a uma economia de mercado cada vez mais conectada, também fez com
que condutas reprováveis fossem disseminadas, particularmente as que tem em seu
âmago práticas de corrupção, podendo repercutir em razão da integralização das nações
em mais de um país, desequilibrando o mercado e prejudicando a geração de riquezas.
Ao se refletir acerca dos princípios formadores das ciências econômicas, como
consequência se pensa nas regras de mercado, relações entre empresas concorrentes e
em regras de interação destas com os seus consumidores, maximização de lucros e
diminuição de perdas. Contudo, seria possível pensar na utilização de bases econômicas
para fins não mercadológicos, ou seja, para se refletir acerca da conduta humana frente
as mais diversas situações da vida com as bases racionais de percepção da realidade
utilizadas na economia?
8
A corrente doutrinária da Análise Econômica do Direito responde a este
questionamento de maneira positiva, apontando que não existe exclusividade na
utilização destas bases racionais na análise do mercado, mas também na aplicação em
todos os campos da vida humana, em especial atenção ao sistema judiciário e na
aplicação de leis. (POSNER, 2010, p. 7)
Como foco do presente estudo, se pretende correlacionar a teoria da Análise
Econômica do Direito e suas bases metodológicas com o esforço do Estado no combate
à corrupção, uma vez que a proteção ao mercado sadio é o que se busca, bem como
melhoria do desenvolvimento social com a manutenção dos recursos públicos nos locais
onde foram originalmente planejados.
Neste sentido, a Lei nº 12.846/2013, batizada como Lei Anticorrupção ou Lei da
Empresa Limpa, vem em momento sensível da sociedade instituir novo mecanismo
jurídico no combate à corrupção: a responsabilidade objetiva, civil e administrativa, de
pessoas jurídicas.
Com origem no Projeto de Lei nº 6.826/2010, encaminhado ao Congresso
Nacional pela Presidência da República em 2010, a Lei nº 12.846/2013 tem o condão de
atuar em uma seara antes inatingível pelas demais legislações já existentes, punindo as
pessoas jurídicas por atos de corrupção, focando os mecanismos de controle sobre estas,
especificamente.
Imperioso se faz, sempre que uma legislação de grande impacto passa a gerar
seus efeitos junto à sociedade, que se produzam estudos e análises sobre a matéria, para
que o entendimento e a futura aplicação da norma seja solidificada, garantindo
segurança jurídica aos envolvidos.
Diante do atual cenário político, econômico e social, onde a luta contra a
corrupção vem sendo cada dia mais aclamada por toda a sociedade, há a necessidade de
que não se realize, em função disso, uma busca por justiça a qualquer preço, devendo
sempre se respeitar garantias constitucionais conquistadas com muito esforço pelo
desenvolvimento histórico das relações sociais. Os critérios a serem observados, ainda,
com a instituição de uma legislação inovadora, ao se parametrizar com conceitos da
Análise Econômica do Direito, permitem que tal proposição normativa seja proveitosa
em seu máximo grau pela sociedade, levando-se em consideração custos e benefícios
sem olvidar dos reflexos disso na sociedade.
As polêmicas envolvendo a postura de parte do empresariado brasileiro, bem
como a relação existente com agentes públicos na prestação de serviços ao Estado
9
devem sempre ser fiscalizadas e investigadas, e eventual má prática punida
exemplarmente, contudo, sempre se garantindo a estes investigados o respeito e a não
relativização de preceitos legais como da ampla defesa, segurança jurídica e demais
normas basilares existentes na Constituição Federal.
Por fim, se procurará analisar, sob a luz da teoria da Análise Econômica do
Direito, a adoção de regras de “compliance” pelas sociedades empresárias, no sentido de
se adequarem as exigências tanto da Lei nº 12.846.2013 quanto de seu Decreto
Regulamentador nº 8.420/2015, com o treinamento e instituição de programas de
integridade, visando otimizar a performance das empresas (públicas e privadas) e
prevenir a prática de atos ilícitos de seus colaboradores, através de condutas proativas.
A relevância dos programas de conformidade também será abordada quanto a
sustentabilidade sócio-econômica, uma vez que as corporações estão inseridas num
espectro social em que influenciam, com suas condutas, toda a organização e a vida das
pessoas, sendo relevante a abordagem acerca do impacto e da responsabilidade social
que as pessoas jurídicas, tanto de direito público quanto de direito provado, têm para
que se preserve uma convivência harmônica com toda a comunidade.
10
CAPÍTULO I – CORRUPÇÃO E SEUS IMPACTOS
1. A Interferência da Corrupção no Desenvolvimento das Nações
O termo corrupção vem do latim “corruptio”, que significa deterioração,
decomposição física, orgânica de algo; putrefação; modificação, adulteração das
características originais de algo; depravação de hábitos, costumes; devassidão; ato ou
efeito de subornar, etc. Corromper importa em destruir, estragar, prejudicar, subornar,
tornar algo pútrido (HOUAISS, 2001, p. 557). Trata-se de uma forma de tentar
prevalecer indevidamente sobre o outro, quer financeiramente, quer socialmente, enfim,
sempre em busca de poder e/ou dinheiro. O sentimento de prevalência sobre o
semelhante, de maneira desmedida e totalmente às margens de conceitos éticos e
morais, de modo permanente na história humana, informa que a corrupção faz parte da
própria condição humana.
As condutas corruptas são extremamente complexas, envolvendo agentes
públicos e privados, por essa razão, é bastante difícil encontrar uma definição completa
que abranja todas as possibilidades que o vocábulo encerra.
Existem diversas abordagens sobre o tema, na sociologia, na história, etc. Em
razão disso, revela-se difícil a elaboração de um conceito satisfatório do que venha a ser
a corrupção, de como a mesma opera e quais seus efeitos na sociedade.
Tal dificuldade em se conceituar o que vem a ser a corrupção, formas de se
diagnosticar suas causas e seus efeitos torna o trabalho de se desenvolver mecanismos
de prevenção e de combate extremamente dificultosos, uma vez que a indevida
limitação recortada e míope do olhar sobre uma complexa situação, por vezes bastante
sofisticada, não leva em conta fatores de ordem histórica, ideológica, cultural e
normativa, que estão fatalmente enraizados no ato da corrupção. (MEDINA OSÓRIO,
2007, p. 27)
A busca pelo luxo e riqueza a qualquer preço são apenas algumas das formas
existentes adotadas pelo ser humano para prevalecer sobre os seus semelhantes, como
bem enfatizou ROUSSEAU (2005, p. 151): ...o luxo ou é o efeito de riquezas ou as torna necessárias; corrompe ao mesmo tempo o rico e o pobre, um pela posse e outro pela cobiça; entrega a pátria à frouxidão e à vaidade; subtrai do estado todos os cidadãos para subjugá-los uns aos outros, e todos à opinião.
11
Contudo, a corrupção na esfera pública pode possuir facetas variadas,
dependendo do contexto fático em que é verificada. LIVIANU (2003, p. 25) ressalta
quatro tipos de definições de corrupção, a partir da análise da obra de MENDIETA
(1999, p. 25), sendo a primeira encarada como o conjunto de práticas adotadas pelo
funcionário público para benefício próprio; o segundo contexto se insere nas
implicações de tais atos no âmbito do mercado, com a análise econômica de seus
efeitos; o terceiro considera o impacto negativo ao interesse público; e o quarto aspecto
busca elementos sociológicos e históricos de tais comportamentos.
Muito embora a corrupção seja uma prática historicamente antiga
(PETRELLUZZI, 2014, p. 19)1, o Estado Moderno, erigido sobre as bases econômicas
do capitalismo, revelou que a corrupção é algo congênito em sua constituição, em razão
da necessidade ambiciosa e egoística do homem em auferir vantagens, que podem, por
vezes, alcançar o ilícito e o imoral.
CAVALCANTE (2006, p. 23), por sua vez, destaca quatro outras situações em
que a corrupção pode ser perpetrada: a corrupção financeira; a corrupção moral; a
corrupção religiosa; e a corrupção social.
Os grupos e contextos mencionados possuem enfoques distintos, dada a
peculiaridade de cada situação. Porém, uma conexão que se pode realizar em cada uma
delas é no tocante à própria definição do vocábulo na língua portuguesa. Em todas as
acepções do vocábulo corrupção, anteriormente apresentadas, denota-se a existência da
degradação, da devassidão e da depravação, com a finalidade de obter alguma vantagem
indevida, seja ela financeira, moral, religiosa ou social.
FUKUYAMA (2000, p. 262) atribui ao Estado Moderno a relativização de
valores morais, especificamente quando se refere à sociedade de mercado: Mesmo que restringíssemos nossa consideração às virtudes burguesas, é possível admitir que a sociedade de mercado prejudica e fortalece simultaneamente os relacionamentos morais. Atribuir um preço ao amor ou demitir um funcionário antigo em nome da eficiência pode, sem dúvida, tornar cínicas as pessoas. Mas o reverso também acontece: as pessoas fazem conexões sociais no trabalho e aprendem honestidade e prudência por serem obrigadas a trabalhar com outras pessoas por muito tempo.
1 Conforme explicado por Marco Vinicio Petreluzzi, no antigo Império Persa o Grande Rei Cambises mandou esfolar vivo um juiz corrupto além de, como advertência, forrar com sua pele a cadeira onde se sentaria seu substituto. Na Roma antiga, um fragmento da Lei das XII Tábuas atribuía a pena de morte ao juiz corrompido.
12
Todavia, para que possa agir de maneira mais coerente, é necessário que o
indivíduo observe sua responsabilidade no mundo em que vive, pois como expõe
JONAS (2006, p. 173): “O homem livre assume para si a responsabilidade, que
guardava seu amo, e se submete à sua exigência. A mais sublime e desmedida liberdade
do eu conduz ao mais exigente e inclemente dos deveres.”
Em se tratando dos efeitos da corrupção, o impacto pode ser verificado de forma
generalizada. A corrupção impede o desenvolvimento de políticas públicas de auxílio
aos necessitados, empobrecendo e fragilizando a sociedade e as pessoas menos
favorecidas, levando-as à condição de pobreza extrema sem qualquer perspectiva de
solução.2
Como efeito nefasto da corrupção, COSTODIO FILHO (2014, p. 15) também
ressalta acerca do prejuízo à democracia e ao equilíbrio do comércio internacional: A corrupção prejudica a Democracia e a República, pois torna a Administração Pública refém de interesses privados e minoritários, serviente apenas de sua função essencial de atendimento dos interesses coletivos, de modo isonômico. A corrupção prejudica igualmente o comércio internacional, pois distorce as condições de competitividade, tornando-o desequilibrado e desleal.
A ambição desmedida de alguns, no afã de obter o que desejam a qualquer custo,
sem se preocupar com os efeitos, pode ser caracterizado como um traço comum a todos
os tipos de corrupção, em qualquer parte do mundo, sendo que os seus deletérios efeitos
verificados na sociedade são muito lesivos.
A temática ganhou maior destaque na agenda política mundial à medida que
organismos internacionais passaram a publicar análises empíricas voltadas a auxiliar na
vigilância e no combate à corrupção, com critérios que permitissem sua mensuração,
2 “The framing is simple but the implications are huge: to end poverty, you have to end corruption. Transparency International has been using this argument since it was founded over 20 years ago. There now appears to be a ground swell of people from the countries which donate the most to development, who agree with us. A recent survey conducted as part of an initiative supported by the Gates Foundation, Oxfam, Save the Children and others showed that while people in France, Germany, the US and UK believed giving aid was the right thing to do, they also felt corruption and lack of governance wasted aid. This is important now because it comes at a time when the United Nations is considering what to make key priorities to end extreme poverty. We’re coming to the end of the Millennium Development Goals in 2015 and a new set of post-2015 goals will be chosen soon. At the moment, there is an agreement between countries to include a governance goal and target on fighting corruption, among proposed UN recommendations for new sustainable development goals. But there is no guarantee that this goal will make it through the fervent negotiations that will continue to take place in an effort to reach a global consensus.” Disponível em http://blog.transparency.org/2014/07/25/why-governance-matters-for-development-critics-listen-up/. Acesso em 03/04/2016.
13
estudo de possíveis causas e a criação de mecanismos de boa governança, com destaque
para a organização não governamental Transparência Internacional.
A Transparência Internacional, organização que estuda a corrupção em escala
mundial e seus efeitos, já se manifestou sobre o assunto concluindo:3 1) em uma
pesquisa feita em 107 países, aproximadamente uma em cada quatro pessoas admitiram
ter pago suborno para ter acesso a serviços básicos. Em países considerados pobres, este
percentual sobe de uma a cada duas pessoas; 2) o custo da corrupção vai além do
pagamento de propina, violação da lei ou desvio de verba, atingindo diretamente o
direito das pessoas a terem um aumento em sua qualidade de vida; 3) em países mais
abertos, responsáveis e respeitadores do império das leis, existe melhor educação, saúde
e acesso a água limpa e saneamento básico, objetivos que devem ser alcançados para a
melhora da vida das pessoas e; 4) em países onde a incidência de pagamento de propina
é mais recorrente, mais mulheres morrem durante o parto e menos crianças vão às
escolas, independente de quão rico ou pobre o país seja economicamente.4
Tais conclusões apontam para o fato de que a corrupção não é apenas um
problema brasileiro, porquanto fruto de pesquisas realizadas num universo muito mais
amplo pela Transparência Internacional (107 países). O eventual apontamento cultural
brasileiro não pode, em um raciocínio lógico, ser tido como causador da corrupção
nacional pelo simples fato de que tais atos espraiam-se de maneira global,
especialmente nas relações firmadas entre as empresas privadas e o Estado.
Muitas condutas adotadas como corruptas ou corruptoras neste estudo
possivelmente não teriam vez em uma concepção mais restrita, contudo, o critério
3 Disponível em http://www.transparency.org/news/feature/ending_corruption_to_end_poverty. Acesso em 03/04/2016. 4 Transparency International surveys consistently show the same problem of the poorest suffering the most from corruption. According to the 2013 Global Corruption Barometer, of the more than 114,000 people surveyed in 107 countries, one in four people have paid a bribe while trying to access the most basic services. For the poorest countries, this number is one in two. But the cost of corruption goes beyond the bribe paid, the law violated or the money stolen. It hits at the core of people’s right to live better lives. It undoes global efforts to end poverty as set out in eight development pledges, known as the Millennium Development Goals (MDGs) that governments from around the globe committed to in 2000. Yet progress has been mixed on the MDGs at best and many countries and regions are not on track to meet their goals by the end of 2015. For Transparency International, one of the key reasons for not meeting these important goals is corruption and lack of governance. Our findings show that where countries are more open, accountable and respect the rule of law, there is better education, health and access to clean water and sanitation – three of the targets outlined in the MDGs. In countries where there is more bribery, more women die during child birth and fewer children are educated, irrespective of how rich or poor a country is. Particularly in rural areas, people are less likely to find safe water to drink and more likely to lack indoor plumbing.
14
utilizado foi o de se observar em quais países os funcionários públicos abusam de seus
poderes para obter benefícios indevidos. (MEDINA OSÓRIO, 2007, p. 28)
Este quadro, naturalmente, compromete os poderes tradicionais do Estado,
inclusive o punitivo. O êxito do poder punitivo estatal é atingido pela fragilidade do
poder de regulação estatal, pelo desenvolvimento da tecnologia da informação, pela
derrubada das fronteiras e pela simplicidade de deslocamentos de pessoas e
mercadorias. Todos estes retalhos da economia se atrelam pela ideia forte de
“desterritorialização” com o consequente descontrole estatal. Afinal, o Estado opera
como agência de poder territorial, ao passo que a criminalidade habitualmente praticada
no seio da atividade empresarial e, portanto, no universo das trocas econômicas, afeta
bens jurídicos supra-individuais de maneira supraterritorial. Desta forma, resta
primordial constituir “um novo modelo persecutório de tais delitos”. (GUARAGNI,
2015, p. 355)
Como efeito nefasto, TOKARS (2008, p. 155) comenta sobre a corrupção que
envolve dinheiro público, como um dos mais evidentes freios ao desenvolvimento da
sociedade: Um dos maiores e mais vergonhosos freios ao nosso desenvolvimento é a corrupção. Ela nos conduz ao atraso por gerar a primazia do conhecimento pessoal sobre a eficiência, obstando a entrada no mercado de empresários tecnicamente capacitados, mas que não conhecem os caminhos do poder; de outro lado, consolida-se a posição de estruturas economicamente incompetentes, mas que bem atendem aos interesses daqueles que detêm as chaves do mais endinheirado dos cofres: o cofre do estado.
A corrupção não pode simplesmente ser tratada como algo proveniente da
cultura dos povos. Deve ser combatida através de políticas públicas de educação e
repressão, com respeito ao ordenamento jurídico. O “jeitinho brasileiro” pode ser
reflexo do desvirtuamento da própria ordem capitalista, cuja ausência efetiva de limites
e controle produz corrupção em prejuízo do desenvolvimento da sociedade.
O combate à corrupção, portanto, protege diretamente a concorrência leal,
impedindo que o mercado seja desequilibrado por práticas de fortalecimento indevido
ou de concentração excessiva de poderio econômico em razão da utilização de meios
injustos.
TOKARS (2008, p. 157/158) atribui, ainda, a existência de um estímulo público,
ainda que de maneira não direcionada, como uma causa do descumprimento das
15
obrigações empresariais, no sentido de que o direito impõe à iniciativa privada no Brasil
um risco maior que o já existente na atividade empresária:
Ao contrário de outros países, em que os efeitos da quebra em princípio estão limitados à perda dos investimentos feitos pelos empreendedores (a não ser na hipótese de comprovação de prática fraudulenta), no Brasil, em regra, os empreendedores assumem riscos jurídicos mais elevados, colocando em perigo todo o seu patrimônio pessoal (incluindo os ativos conquistados antes do início da exploração da atividade empresarial) em caso de insolvência da sociedade, mesmo que esta decorra de fatos naturais em uma economia de mercado.
O não pagamento de tributos dentro dos prazos legais, por exemplo, pode
contextualizar a questão acerca da falta de isonomia com que as situações são tratadas
pela Administração Pública. É fato notório que regularmente programas de
parcelamento de débitos tributários são instituídos pela autoridade fiscal, com o intuito
de diminuir o endividamento de empresas e, consequentemente, fazer com que os caixas
do Estado sejam abastecidos.
Tais parcelamentos fiscais, também chamados de REFIS5, costumam possibilitar
o pagamento parcelado dos débitos fiscais, com o abatimento de juros e multas,
5 O governo federal instituiu programas de parcelamento ou refinanciamento de débitos tributários federais, genericamente denominados de "REFIS", cuja sigla se origina do primeiro parcelamento amplo e geral, realizado em 2000. Alguns exemplos de REFIS podem ser mencionados: - REFIS 1 - O REFIS - Programa de Recuperação Fiscal - Lei 9.964/2000 destinava-se a promover a regularização dos créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal e pelo Instituto Nacional do Seguro Social, com vencimento até 29 de fevereiro de 2000. - REFIS 2 (oficialmente: "PAES") - A Lei 10.684/2003, instituiu parcelamento especial de débitos em até 180 meses para todos os débitos para com a Fazenda Nacional (SRF e PGFN), constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União, vencidos até 28 de fevereiro de 2003. - REFIS 3 (Oficialmente: "PAEX") - A Medida Provisória 303/2006 instituiu parcelamento especial de débitos em até 130 (cento e trinta) prestações mensais e sucessivas para os débitos de pessoas jurídicas junto à Secretaria da Receita Federal - SRF, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN e ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com vencimento até 28 de fevereiro de 2003. - REFIS 4 (também apelidado como "REFIS da Crise" e, posteriormente, em 2014, por "REFIS da Copa") - A Lei 11.941/2009 (conversão da MP 449/2008) permitia o parcelamento da dívidas tributárias federais vencidas até 30 de novembro de 2008. O prazo de adesão ao programa de parcelamento do "REFIS da Crise" foi reaberto até 31.12.2013 pelo artigo 17 da Lei 12.865/2013. Posteriormente, criou-se mais 3 prazos de adesão, em 2014, sendo o último para 01.12.2014, este pela Lei 13.043/2014. E, através da Lei 12.973/2014, artigo 93, houve nova reabertura deste prazo, que finalizaria em 31.07.2014. Pela Lei 12.996/2014, artigo 2º, o prazo de adesão foi ampliado para 25.08.2014 (data fixada pela MP 651/2014), compreendendo os débitos vencidos até 31.12.2013. - REFIS das Autarquias e Fundações - o artigo 65 da Lei 12.249/2010 estipulou parcelamento dos débitos administrados pelas autarquias e fundações públicas federais e os débitos de qualquer natureza, tributários ou não tributários, com a Procuradoria-Geral Federal. O prazo de adesão a este programa de parcelamento foi reaberto até 31.12.2013 pelo artigo 17 da Lei 12.865/2013. - REFIS dos Bancos - instituído pelo artigo 39 da Lei 12.865/2013, trata do parcelamento de débitos do PIS e COFINS em até 60 parcelas, com descontos de multa e juros.
16
deixando apenas o valor principal a ser adimplido, sem qualquer outro ônus em razão do
atraso.
Diante de tal situação, tão corriqueiramente verificada na realidade empresarial
brasileira, em que o contribuinte devedor é agraciado regularmente com o parcelamento
do valor principal do débito tributário, sem juros e multa, ou com uma considerável
redução destes encargos ocasionados pela mora, pode-se concluir que, durante todo o
tempo em que deixou de pagar tais tributos, utilizou os valores apropriados
indevidamente como fluxo de caixa, ou para investimento em infra-estrutura, por
exemplo.
Diante disso, tem-se um quadro em que alguns empresários cumprem
rigorosamente em dia com suas obrigações fiscais, e outros que contam com o programa
de parcelamento de débitos tributários (REFIS), e utilizam tais valores para impulsionar
os negócios, revelando uma evidente falta de isonomia no tratamento de ambos por
parte da autoridade fiscal.
O estímulo ao não pagamento em dia de tributos, desta maneira, ainda que de
maneira implícita, é evidente, e aquele empresário que paga seus tributos em dia é
prejudicado concorrencialmente, por tem seu fluxo de caixa diminuído por cumprir a
lei, enquanto que o empresário inadimplente, que não cumpre suas obrigações
tributárias em dia, tem tratamento mais benéfico em momento futuro ao pagar seus
encargos de maneira parcelada, com desconto de juros e multa.
Como consequência destes riscos inéditos em outros países assumidos pelo
empresário brasileiro, um indesejável efeito se manifesta na seara econômica, afetando
o mercado com a alta de preços e o risco de aumento de atos de corrupção, conforme
explanado por TOKARS (2009, p. 157): Este agravamento do risco jurídico gera um indesejado efeito econômico. O mercado imaginado (produção de um determinado gênero alimentício com potencial de venda de 100 mil unidades mensais em uma determinada cidade) será ocupado. Onde há oportunidade, haverá empreendedores dispostos a buscá-la. A questão é a seguinte: o mercado tende a ser ocupado por qual espécie de empreendedor? Em razão da elevação de riscos jurídicos imposta no Brasil, muitos (nem todos) dos empreendedores idôneos não estarão dispostos a assumir tais riscos.
- REFIS dos Lucros no Exterior - instituído pelo artigo 40 da Lei 12.865/2013, trata do parcelamento de débitos do IRPJ e CSLL de lucros oriundos no exterior, em até 120 parcelas, com descontos de multa e juros. Disponível em http://www.portaltributario.com.br/guia/refis.html, acesso em 15/05/2016.
17
Mais adiante, TOKARS (2009, p. 158) descreve o efeito devastador que as
condutas de corrupção tem no desequilíbrio do mercado, prejudicando empreendedores
de boa-fé e, por consequência, consumidores: Outros empreendedores idôneos aceitarão os riscos, mas os repassarão aos seus preços, dentro da lógica básica de mercado de que os ganhos projetados também devem remunerar o risco assumido. De outro lado, os potenciais empreendedores inidôneos pouco serão afetados pela imposição de sanções judiciais. Aqueles que têm por hábito o não pagamento de suas obrigações não se atemorizam com decisões judiciais mais gravosas. Com ou sem limitação de responsabilidade, com ou sem razoabilidade na imposição de obrigações trabalhistas, estes empreendedores inidôneos desenvolverão de igual forma suas atividades; e, de igual forma, deixarão seus rastros de prejuízos a terceiros de boa-fé.
Sob um viés econômico, POSNER (2007, p. 268) destaca o efeito destrutivo que
a corrupção para a economia, e qual a importância de um sistema legal eficiente: Quão destrutiva é, economicamente, a corrupção (e quão importante é um sistema legal eficiente)? Talvez muito, pois o fardo mais pesado recai sobre a inovação. Atividades de inovação são frágeis e arriscadas. Propinas para funcionários públicos podem matar o ganso dos ovos de ouro logo no início. Contudo, se as atividades de inovação obtiverem êxito, os mesmos funcionários públicos terão uma maior propensão a usufruírem destes benefícios, enquanto se tais atividades falharem, isso custará a queda de toda a atividade. Tais circunstâncias farão que as atividades de inovação não sejam atrativas.6
Indo além, nota-se que os potenciais empreendedores inidôneos mencionados
por TOKARS (2008, p. 158) terão mais facilidade de concorrer no mercado do que
teriam se houvesse um real estímulo ao empreendedorismo idôneo. O número de
concorrentes fatalmente diminuirá, abrigando apenas os muitos corajosos e os próprios
inidôneos. E os idôneos corajosos tendem a diminuir em um mercado assim estruturado,
seja pela dificuldade em repassar os riscos assumidos ao preço de seus produtos (já que
os inidôneos, que nada pagarão, não têm porque considerar os riscos na precificação de
seus produtos), seja pela contaminação do mau exemplo bem sucedido, seja ainda pela
ineficácia de uma atuação responsável, especialmente no campo das obrigações
trabalhistas.
6 Tradução livre a partir do trecho original: How destructive, economically, is corruption (and how important, therefor, is an efficient legal system)? Perhaps very, because the haviest burden falls on innovation. Innovative activities are fragile and risky. Bribes exacted by public officials may kills the golden goose at the outset. Moreover, if the innovative venture is successful, the officials are likely to seize a large share of the benefits, while if it fails, the costs will fall entirely on the ventures. These prospects will make innovation unattractive.
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Ao final do raciocínio, TOKARS (2008, p. 158) conclui que no que chama de
uma “triste síntese conclusiva” percebe-se que a atuação judicial, no sentido de
moralizar o mercado, “acaba por gerar efeitos inversos, tornando mais favorável o
empreendedorismo por parte de agentes inidôneos do que aquele desenvolvido por
pessoas honestas e trabalhadoras.”
É perceptível, em razão disso, a elevação dos níveis de preocupação da
sociedade civil com a questão da corrupção na esfera público-privada brasileira,
notadamente em razão dos numerosos casos de desvios de verbas públicas e
pagamentos de propinas amplamente divulgados contemporaneamente pela imprensa, o
que tem acarretado alterações no sistema jurídico nesta área, a exemplo da Lei nº
12.846/2013.
1.1 A (Des)Igualdade Social e a Equiparação Almejada pelo Ordenamento
Jurídico como Objetivo à Aplicação dos Princípios Norteadores da Justiça
A desigualdade, muitas vezes possibilitada (ou não impedida de maneira efetiva)
por lacunas jurídicas existentes, é também um agente de estímulo de comportamentos
de corrupção, originados em alguns empresários inidôneos que visam concorrer de
maneira díspar no mercado.
Tais atitudes são comuns em situações em que o sentimento de prevalência de
forma desmedida é identificado, onde ambas as partes, corruptores e corrompidos,
pretendem levar vantagens indevidas à margem da lei, da moral e da ética,
desequilibrando as relações sociais, prejudicando o desenvolvimento do país e
solapando a segurança jurídica.
Entretanto, após a Constituição Federal de 1988, princípios relativos à
moralidade foram incluídos e são utilizados cada vez mais na prática em julgados,
talvez numa tentativa de refrear o que LUSTOZA (2013, p. 278) atribui ser uma crise
ética na sociedade brasileira: A generalização do antiético trouxe à tona uma descrença em relação ao país, começando pelas injustiças praticadas todos os dias em desfavor da camada menos favorecida, pela desobediência incessante da legislação. Com a promulgação da Constituição de 1988, o pensamento constitucionalista surgiu como uma proposição verdadeira de promover uma volta aos valores morais, uma tendência de reaproximação entre a ética e o direito. O ideal democrático fez com que houvesse um pensamento concretista dos direitos regentes das
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relações estatais, inclusive da moralidade, princípio inserto no art. 37 da Carta Magna. Tanto é assim que os julgadores comumente fazem referência a princípios éticos e morais para resolver questões postas a julgamento perante o Poder Judiciário, mostrando uma concepção axiológica a respeito das relações jurídicas.
BANDEIRA DE MELLO (1997, p. 23), ao falar sobre o princípio da igualdade,
ensina que “com efeito, a igualdade é princípio que visa a duplo objetivo, a saber: de um
lado propiciar garantia individual (não é sem razão que se acha insculpido em artigo
subordinado à rubrica constitucional “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”) contra
perseguições e, de outro, tolher favoritismos.”
Tal princípio da igualdade determina a impossibilidade, inclusive, de edição de
normas conflitantes ou contraditórias com a dignidade da pessoa humana, devendo o
legislador acautelar-se no sentido de não vilipendiar direitos fundamentais com o
estabelecimento de desigualdade incomensuráveis, onerando determinado grupo de
pessoas em detrimento aos demais membros da sociedade, sendo a medida para tanto o
tratamento isonômico aos desiguais. (SELLOS-KNOERR, 2015, p. 91)
Este tratamento desigual fornecido pela lei, em determinadas ocasiões, pode vir
a ser uma questão de justiça, mas sempre com a finalidade de promover a igualdade,
não sendo possível se conceber que a desigualdade se origine através do ordenamento
jurídico, ocasião em que não se pode falar em justiça. (GUNTHER, 2015, p. 142)
O cuidado que se deve ter no momento de elaboração legislativa, bem como na
interpretação e aplicação ao caso concreto, é para que não se onere demasiadamente um
grupo em detrimento aos demais, gerando sentimento de injustiça e, junto com outros
elementos de ordem ética, ocasionar o risco de práticas que visem burlar o sistema
jurídico, fraudando-o e corrompendo-o.
Os conceitos de justiça e equidade buscados pela aplicação do Direito vem, em
muito, dos ensinamentos de Platão e Aristóteles, que desde a Grécia antiga produziam
escritos sobre o tema, os quais continuam a ensinar e pautar reflexões importantes
acerca do que é justo, e o que é agir justamente.
Platão personifica, ao lado de Sócrates e Aristóteles, os criadores da nova
filosofia ocidental, que, ao invés terem lidado com os dilemas da humanidade a partir de
uma explicação unicamente baseada nos mitos e na religião, preferiram uma explicação
fundada na razão, contudo, sem terem deixado de utilizar os mitos para comprovar suas
teorias. (CASTILHO, 2015, P. 51)
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A análise destes ideais de justiça, e de como o direito deveria funcionar, entre
Platão e Aristóteles, é pertinente e reflete a forma de pensamento da época, e que, de
certo modo, gera reflexos intensos na atualidade.
O conceito de justiça é o tema central da obra “A República”, de Platão, e é a
partir da discussão em torno deste ideal que alguns dos pressupostos da teoria política
de platoniana se desenvolvem, desde a contribuição efetiva que faz o conhecimento do
bem na instituição do Estado, até a relação entre virtude e política, educação e poder,
indivíduo e Estado.
Para Platão, justiça não se funda na proposição de medo e coerção, como
viabilizadores da realização de ideais de justiça. Platão argumenta que aquele que sabe o
que é a justiça age justamente, sem necessitar de nenhum tipo de coerção. Se há algum
tipo de justiça, esta nada tem relação com qualquer forma de coerção, mas sim é a
síntese de todas as virtudes. O indivíduo justo age justamente porque sabe o que é a
justiça, demonstrando que quem tem este conhecimento age precipuamente pela razão, e
não pelo medo da coerção.
Neste sentido, após um longo diálogo reproduzido por PLATÃO (1965, p.
234/235) no Livro IV de “A República”, entre Sócrates e Glauco, aquele chega à
seguinte conclusão acerca do que vem a ser justiça:
Na verdade, a justiça é, ao que parece, algo semelhante, com a única diferença de que ela não rege os negócios externos do homem, mas seus negócios internos, seu ser real e o que lhe concerne realmente, não permitindo a qualquer das partes da alma que cumpra uma tarefa alheia, nem às outras três partes que usurpe as respectivas funções. Ela quer que o homem regule bem os seus verdadeiros negócios domésticos, que assuma o comando de si próprio, ponha ordem em si e ganhe sua própria amizade; que estabeleça um perfeito acordo entre os três elementos de sua alma, como entre os três termos de uma harmonia, a mais alta, a mais baixa a média e as intermediárias se existirem, e que, unindo-as em conjunto, ele se torne, de múltiplo que era, absolutamente uno, temperante e harmonioso; que somente então se ocupe, se é que se ocupa, de adquirir riquezas, de cuidar do corpo, de exercer atividade na política ou nos negócios privados, e que em tudo isso considere e denomine bela e justa a ação que salvaguarda e contribui para perfazer a ordem que ele se impôs, e denomine sabedoria, a ciência que preside tal ação; que, ao contrário, denomine injusta a ação que destrói esta ordem e ignorância, a opinião que preside esta última ação.
Nesta linha, PLATÃO considera que o mundo estaria mal governado, haja vista
que os governantes não são pessoas justas, seguindo o arquétipo descrito acima, e não
são filósofos. Acredita que a legislação deveria ser reformada, com a tomada de poder
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pelos sábios que, consequentemente, são justos. Assim, os filósofos são considerados
aptos para assumirem cargos importantes, com a condição que estes consigam
relacionar filosofia com política e que deveriam ser excluídos de tais cargos aqueles que
não tivessem habilidade para lidar com poderes políticos e filosóficos. Essa
consideração levaria à soberania da razão.
A razão, portanto, seria a soberania nas tomadas de decisões para o bem da
nação. E o filósofo, sábio, será o ideal para tomar tais decisões para o bem comum.
Verifica-se nesta linha de pensamento que para PLATÃO o irracional não participa da
razão, e assim deveria ser repreendido, corrigido, castigado, pois não é dotado da
racionalidade suficiente para compreender o que é justo, devendo ser controlado através
da coerção e do medo.
PLATÃO descreveu sobre os defeitos de qualquer legislação escrita na obra “A
República”, já que seria o rei-filósofo, no decorrer de uma longa ascensão dialética, a
pessoa capaz de definir as mais adequadas leis para a comunidade conforme o ideal de
justiça. O ordenamento jurídico platônico deveria corresponder a leis não positivadas,
cuja aplicação dependesse de pessoas conhecedoras de sua sapiência, como os filósofos,
assim como o Direito deveria ser originado através deles. Em razão da dificuldade
prática disso ocorrer, Platão posteriormente reconheceu a necessidade da obediência das
leis feitas pelos filósofos, de certa forma leis positivadas, pois não se poderia garantir
que estes estariam sempre presentes na governança da cidade. (FERREIRA, W. 2012)
Muito embora pudesse partir da premissa de que o conhecimento do bem ideal
fosse desejável a título de auxílio na busca por estes, em uma visão de contraponto à
teoria platônica, ARISTÓTELES (2009, p. 46) entendia que a visão ideal de mundo
representada pelos arquétipos ideais platônicos é inatingível pelo ser humano, sendo, na
prática, através do procedimento das ciências, realizada através da percepção real de
mundo:
Contudo, talvez essa questão tenha que ser descartada de momento, uma vez que uma minuciosa investigação dela diz respeito mais propriamente a um outro ramo da filosofia, o mesmo sucedendo com a Ideia do Bem, pois até mesmo se a qualidade de boa (excelência) predicada de várias coisas em comum realmente for uma unidade ou algo que existe separadamente e absoluto, claramente não será praticável ou atingível pelo ser humano; mas o bem que ora buscamos é um bem alcançável pelo ser humano. Mas é possível que alguém se permita pensar que conhecer o Bem Ideal possa ser desejável a título de um auxílio para a consecução desses bens que são praticáveis e atingíveis – tendo o Bem Ideal como um padrão, saberemos mais facilmente quais coisas são boas para nós
22
e, conhecendo-as, obtê-las. Temos que admitir que esse argumento possui uma certa plausibilidade; entretanto, parece não se ajustar ao procedimento real das ciências na medida em que todas elas visam algum bem e parecem suprir suas lacunas, mas não se preocupam com um conhecimento do Bem Ideal.
Neste sentido, ARISTÓTELES (2009, p. 47) exemplifica a ausência de
plausibilidade do conhecimento ideal pelo homem, haja vista sua total inutilidade pois
além de ser inatingível, na prática, o conhecimento humano se produz através da
observação empírica da realidade, que através da reflexão desenvolve técnicas nas mais
diversas áreas do conhecimento: Todavia, se fosse um auxílio tão potente, seria improvável que todos os professores das artes e ciências devessem ignorá-lo e tampouco procurar descobri-lo. Ademais, é difícil perceber de que forma o conhecimento desse mesmo Bem Ideal auxiliará um tecelão ou um carpinteiro na prática de seu próprio ofício, ou como alguém se converterá em um melhor médico ou general por ter contemplado a ideia absoluta. Aliás, não parece que o médico sequer estude a saúde no abstrato; ele estuda a saúde do ser humano – ou melhor, de algum ser humano em particular, porque cabe a ele curar indivíduos, E encerremos aqui a discussão desse tópico.
Quando passa a tratar do conceito de Justiça, ARISTÓTELES (2009, p. 148) a
considera como a virtude ética mais importante, pois é a única que se relaciona com o
próximo e com o bem do próximo, mencionando-a como sendo a virtude perfeita uma
vez que se trata do bem alheio, conforme segue: E a justiça é a virtude perfeita num grau especial, porque seu possuidor pode praticar sua virtude dirigindo-a aos outros e não apenas sozinho, pois há muitos que são capazes de praticar a virtude nos seus próprios assuntos privados, mas são incapazes de fazê-lo em suas relações com outrem. É por causa disso que aprovamos o dito de Bias segundo o qual “a autoridade mostrará o homem”, pois no exercício da autoridade aquele que a detém é levado necessariamente à relação com os outros e se torna um membro da comunidade. A mesma razão, isto é, o fato de implicar a relação com alguém mais, dá conta do parecer de que a justiça exclusivamente entre as virtudes é “o bem alheio” porque concretiza o que constitui a vantagem do outro, seja este alguém que detém a autoridade, seja um parceiro. Como então o pior dos homens é o que pratica o vício na relação com seus amigos, bem como em relação a si mesmo, o melhor não é o que pratica a virtude em relação a si mesmo, mas aquele que pratica em relação aos outros, pois essa é uma tarefa deveras difícil.
A justiça, portanto, no conceito aristotélico, é a disposição de caráter que torna
as pessoas propensas a fazer o que é justo, a desejar o que é justo e a agir justamente, e
injustiça é a disposição que leva as pessoas a agir injustamente e a desejar o que é
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injusto. Esse é o conceito de justiça e injustiça segundo a opinião geral, o qual
Aristóteles adota como base de seu pensamento. A felicidade, como bem maior que
todos os outros e fim destes, é o critério usado para definir um ato como justo, este ato
precisa buscar a felicidade ou um de seus elementos para a sociedade política.
A justiça como virtude completa é representada pela lei, pois a lei bem elaborada
é justa e direciona a conduta dos homens à prática de atos virtuosos. Sendo assim, o
homem que obedece a lei é justo e virtuoso. Nesta forma de justiça estão englobadas
todas as outras virtudes, conforme ARISTÓTELES (2009, p. 105). E a lei determina que pratiquemos tanto os atos de um homem corajoso (isto é, que não desertemos de nosso posto, nem fujamos, nem abandonemos nossas armas), quanto os atos de um homem temperante (isto é, que não cometamos adultério nem nos entreguemos à luxúria), e as de um homem calmo (isto é, não agridamos nem caluniemos ninguém); e assim por diante com respeito às outras virtudes, prescrevendo certos atos e condenando outros.
Em razão da falibilidade do homem em pensar, num primeiro momento, no bem
alheio sobre o de si próprio, ARISTÓTELES (2009, p. 162) manifesta a importância do
império das leis, para que a medida de justiça seja buscada de maneira imparcial: Eis a razão porque não admitimos que um ser humano governe, mas a lei, porque um homem governa em seu próprio interesse e se converte num tirano; mas a função de um governante é ser o guardião da justiça e, se assim o é (ou seja, da justiça), então da igualdade. Um governante justo parece não tirar qualquer proveito de seu cargo, pois não dirige a si próprio uma porção maior das coisas geralmente boas, a não ser que isso seja proporcional aos seus méritos; pelo contrário, ele se empenha pelos outros, o que concorda com o dito anteriormente, de que “a justiça é o bem do outro”.
Aristóteles, desta forma, debruçou-se a elaborar uma concepção pura e real da
Justiça e do Direito. Cumpre salientar que na maior parte de sua obra “Ética a
Nicômaco”, o filósofo não fala específica e diretamente do Direito, mas faz menção a
ele de duas formas: na primeira, menciona “as leis”, com a qual claramente expressa o
Direito, sendo, neste caso, o Direito como justiça legal complementado pela equidade;
na segunda, refere-se ao Direito como superior à justiça legal e critério desta,
caracterizando assim o Direito Natural. Quando se refere à justiça política, Aristóteles
faz bem esta distinção sustentando que a justiça geral muda de lugar para lugar e de
tempos em tempos, é o Direito legal, mas a justiça particular está em todo lugar e impõe
sua força, se identificando ou não com o Direito legal, é o Direito natural, conforme
ensina REALE (1998, p. 9):
24
Ao contrario, porém, de identificar a justiça com o Direito de um Estado ideal, como fizera o seu mestre Platão, Aristóteles, olhos postos nas ordenações políticas de seu tempo, esclareceu melhor uma distinção, destinada a permanecer como um dos valores constantes das ciências humanas, entre Direito legal – que pode não corresponder ai bem da cidade e dos cidadãos – e Direito natural, no sentido de um Direito que em toda parte possui igual força, independente do fato de ser reconhecido ou não pela lei positiva, o que não significa que ele não comporte mudanças.
A conceituação aristotélica, conforme verificado, mesmo após milênios ainda é
reverenciada e forma a base do sistema jurídico ocidental. O Direito busca a
concretização do justo aristotélico, orientado pela igualdade.
A legislação que procura sempre a justiça é aquela que visa tratar os entes de
uma sociedade de maneira igual, na medida de suas desigualdades, sendo uma virtude
que almeja dar a cada um aquilo que é seu, no sentido de promover a igualdade, ou de
se chegar mais próximo possível disso.
Nesta perspectiva, percebe-se a profunda relação dos mencionados autores
clássicos da filosofia com as discussões existentes hoje acerca da corrupção e suas
mazelas, pois tal fenômeno, oriundo das relações sociais entre os homens ao longo da
história conflita sobremaneira com ideais platônicos e aristotélicos de equidade e
justiça, o que demonstra a existência desde a antiguidade se comportamentos egoísticos
desviantes do conceito do que se tinha como correto e probo, sob o ponto de vista ético.
Ao comentar acerca do princípio geral de justiça, em tempos mais próximos,
Herbert Hart menciona, contudo ainda na mesma linha de raciocínio dos filósofos
clássicos da Grécia antiga, que os indivíduos fazem jus, uns em relação aos outros, a
uma determinada posição relativa de igualdade ou de desigualdade, devendo o direito
distribuir os encargos e os benefícios, bem como restaurar o que houver sido
perturbado, sem originar a desigualdade, entretanto. (HART 2009, p. 206)
Mais adiante, HART (2009, p. 206) conclui que, tradicionalmente, “a justiça
mantém ou restaura um equilíbrio ou proporção, e seu princípio condutor
frequentemente se formula com a frase “devem-se tratar os casos iguais de forma
igual”; embora precisemos acrescentar: “e tratem os casos diferentes de forma
diferente.”
O dever de igualdade na criação do direito exige que todos sejam tratados de
maneira igual para que haja justiça, sendo respeitadas, contudo, as realidades fáticas de
cada indivíduo.
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Tal dever que emana do Poder Legislativo cinge-se no sentido de que os
parlamentares não podem inserir todos nas mesmas posições jurídicas, tampouco que
tenham a responsabilidade de que todos possuam as mesmas características e se
encontrem nas mesmas situações fáticas. A igualdade de todos em relação a todas as
posições jurídicas, além de produzir normas incompatíveis com sua finalidade, portanto
sem sentido e injustas, eliminaria as condições para o exercício de competências.
(ALEXY, 2011, p. 396)
ALEXY (2011, p. 396) contextualiza a criação e aplicação de normas sem levar
em consideração as peculiaridades dos cidadãos: O legislador não apenas pode estabelecer o serviço militar somente para os adultos, penas somente para os criminosos, impostos baseados no nível de renda, assistência social somente para os necessitados e condecorações somente para os cidadãos distinguidos; ele tem o dever de assim proceder, se não quiser crias normas incompatíveis com sua finalidade (por exemplo: serviço militar para crianças), normas sem sentido (por exemplo: pena para todos), normas injustas (por exemplo: imposto per capita).
Importante destacar que o critério a ser analisado para o correto diagnóstico de
justiça e injustiça deve ser pautado na racionalidade, para que bases ideológicas não
influenciem o julgamento por bases pautadas no subjetivismo e nas idiossincrasias do
governante, o que pode afastar a possibilidade de que a medida correta seja adotada.
Neste sentido SEN (2011, p. 35): Lorde Mansfield, o poderoso juiz inglês do século XVIII, deu um famoso conselho a um governador colonial recém-nomeado: “Considere o que você acha que a justiça exige e decida de modo apropriado. Mas nunca apresente suas razões, pois seu julgamento provavelmente estará certo, mas suas razões sem dúvida estarão erradas.”. Isso pode até ser um bom conselho para um governo discreto, mas com certeza em nada garante que a coisa certa seja feita. Tampouco ajuda a assegurar que as pessoas afetadas possam ver que a justiça está sendo feita (o que é, como discutiremos adiante, parte da disciplina de tomar decisões sustentáveis com respeito à justiça).
Mais adiante, ao falar dos requisitos da aplicação de medidas justas, SEN (2011,
p. 35) salienta o critério da racionalidade no processo de decisão: Os requisitos de uma teoria da justiça incluem fazer com que a razão influencie o diagnóstico da justiça e da injustiça. Por centenas de anos, aqueles que escreveram sobre justiça em diferentes partes do mundo buscaram fornecer uma base intelectual para partir de um senso geral de injustiça e chegar a diagnósticos fundamentados específicos de injustiças, e, partindo destes, chegar às análises de formas de promover a justiça.
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O Poder Legislativo, portanto, no momento em que falha em se analisar
racionalmente os critérios de diferenciação de cada cidadão para, ao produzir uma
norma, buscar minimizar ao máximo as desigualdades, e não acentuá-las, passa a ser
fonte geradora de injustiça, maculando princípios de igualdade e vilipendiando, por
vezes, a dignidade de um grupo de pessoas.
Este é o cuidado que se deve adotar, principalmente, em normas de combate à
corrupção, uma vez que no afã de se criar mecanismos de controle de tais atos no
sentido de se preservar o mercado e as relações negociais, acaba por se macular
princípios constitucionais e, ainda, se suprimir regras processuais conquistadas ao longo
dos anos que garantem o devido processo legal aos investigados.
RAWLS (1971, p. 79), ao discorrer acerca da igualdade democrática que se deve
almejar e a sua relação com tais princípios, menciona que: A concepção democrática sustenta que enquanto a justiça processual, em sua essência, pode ser invocada em certa medida, a forma pela qual interpretação anteriores fazem isso ainda deixam muito à cargo da contingência social e natural. Mas deve notar-se que o princípio da diferença é compatível com o princípio da eficiência. Quando o declarante está totalmente satisfeito, torna a necessidade impossível de qualquer representatividade pessoal ser melhorada, principalmente considerando ao menos a vantagem nesta representatividade pessoal, onde as expectativas são de maximizar as expectativas. A justiça é definida, assim, em consonância com a eficiência, ao menos quando os dois princípios mencionados tenham sido atendidos. Obviamente, se a estrutura básica é injusta, tais princípios autorizarão mudanças que podem vir a diminuir as expectativas daqueles indivíduos que estavam originariamente em uma melhor posição, uma vez que o conceito democrático não consiste no princípio da eficiência caso este não seja capaz de melhorar a condição de todos os envolvidos. 7
A teoria da justiça de RAWLS demanda uma base teórica que discuta critérios
de distribuição de bens e cargos, dentro dos limites descritos pela teoria contratualista a
partir de preceitos de justiça. Conforme mencionado por FIGUEIREDO (2015, p. 790),
7 Tradução livre a partir do texto original: “The democratic conception holds that while pure procedural justice may be invoked to some extent at least, the way previous interpretations do this still leaves too much to social and natural contingency. But it should be noted that the difference principle is compatible with the principle of efficiency. For when the former is fully satisfied, it is needed impossible to make any one representative man better os without making another worse of, namely, the least advantage representative man whose expectations we are to maximize. Thus justice is defined so that it is consistent with efficiency, at least when the two principles are perfectly fulfilled. Of course, if the basic structure is unjust, these principles will authorize changes that may lower the expectations of some of those better off; and therefore the democratic conception is not consistent with the principle of efficiency if this principle is taken to mean that only changes which improve everyone´s prospects are allowed.”
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“tais critérios decorrem da prioridade da justiça sobre a eficiência e da prioridade da
liberdade sobre os benefícios sociais e econômicos a serem alcançados.”
Mais adiante, FIGUEIREDO (2015, p. 790) complementa acerca da teoria da
“Justiça como Equidade” de RAWLS: A teoria da justiça, portanto, não está à mercê, tão somente, dos interesses e necessidades existentes. Objetiva-se que a sociedade, a longo prazo e tendo em mente as gerações vindouras, alcance um ponto de equilíbrio no que se refere ao compartilhamento dos bens socais, dentro das capacidades naturais de cada cidadão, independentemente dos desejos particulares e das necessidades dos seus membros atuais.
O Estado de Direito, ao assumir sua característica democrática, passa a ter como
objetivo a igualdade, devendo a lei ser um instrumento de transformação da sociedade, e
não apenas tendo o caráter imutável de sanção de condutas. A finalidade neste
panorama é a constante reestruturação das relações sociais que, com a interpenetração
de liberalismo e democracia, passa a buscar o interesse da maioria. (STRECK, 2013, p.
114)
Deste modo a atuação estatal, levando em consideração este interesse da
maioria, passa a ter um conteúdo de transformação do “status quo”, sendo a lei o
mencionado instrumento para que isso seja realizado. Os mecanismos se aprofundam
em seu papel promocional, havendo como protagonista a coletividade a partir da
compreensão da partilha comum de destinos. (STRECK, 2013, p. 115)
Tendo como princípio basilar do Estado Democrático de Direito, encontra-se
consagrado no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, a dignidade da pessoa
humana, tendo como justificação ao próprio Estado o reconhecimento de que este
apenas existe em função da pessoa humana, e não o contrário.
A ideia de dignidade da pessoa humana implica como limite não apenas que a
pessoa não possa ser reduzida a uma condição de objeto da ação própria e de terceiros,
mas também se deve considerar o fato de que a dignidade é que gera os direitos
fundamentais contra atos que violem ou exponham o destinatário da norma a graves
ameaças, sejam estas originadas pelo Estado, sejam por atores privados. (SARLET,
2013, p. 125)
A interpretação sobre a aplicação da dignidade da pessoa humana, em
consonância com os princípios fundamentais existentes na Carta Magna. Em regra, uma
violação de direito fundamental poderá estar vinculada a uma ofensa à dignidade da
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pessoa humana, também podendo ocorrer o caso em que esta mesma dignidade venha a
limitar direitos fundamentais, justificando restrições à estes. (SARLET, 2013, 127)
Em razão desta complexa subsunção teórica da Constituição Federal no tocante à
dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais aos casos concretos, que a
construção jurisprudencial sólida e pautada na segurança jurídica faz-se
substancialmente relevante, devendo critérios de interpretação muito bem delineados
serem colocados em prática para que soluções cada vez mais coerentes e,
principalmente, uniformes, sejam dadas aos problemas dos cidadãos.
A aplicação da dignidade da pessoa humana em conjunto com os direitos
fundamentais, bem como com os demais direitos previstos na legislação, não raras
vezes, é feito com distância preocupante da realidade concreta, sem qualquer
fundamento racional justificando sua aplicação, ocasionando um déficit na segurança
que o Poder Judiciário deve fornecer à sociedade, acabando com a força simbólica da
eficácia normativa. (SARLET, 2013, p. 128)
Essa eficácia normativa da Constituição Federal necessita ser compreendida de
forma integral, para não apenas se prestigiar as normas de garantia de direitos
fundamentais, como também usualmente as normas constitucionais que prestigiam o
combate à corrupção e a impunidade administrativa, tema tratado em especial atenção
pelo constituinte.
Alguns critérios racionais efetivos de interpretação da norma podem ser
utilizados pelo operador do direito ao fazer uso da Análise Econômica do Direito, que,
conforme será explicitado no capítulo II do presente trabalho, visa analisar mediante
técnica racional as garantias constitucionais visando o bem comum, evitando ou
minimizando ao máximo prejuízos em ricochete para o restante da sociedade.
1.2 Aspectos econômicos e concorrenciais de afetação ao mercado –
Intervenção do Estado na Economia
Independente do efeito imoral e ilícito existente em atos de corrupção, quando
devidamente tipificados no ordenamento jurídico, o aspecto econômico e concorrencial
será analisado a partir deste momento.
Por concorrência pode ser entendido o processo contínuo no qual empresários,
através de uma variedade de estratégias, dentre as quais preços, serviços, inovações
produtivas, gestão e oferta ao mercado de consumo, visam realizar combinações entre
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clientes e insumos que lhes garantam vantagem sobre outros empresários que atuem em
áreas similares, tidos por concorrentes. (MACKAAY, 2015, p. 114)
Neste sentido, o risco tomado pelo empresário não é assumido através da sorte,
sem que haja um mínimo de previsibilidade. Resultam sim da análise de um grande
número de eventos, que forma a estratégia a ser adotada para vencer, licitamente, a
concorrência e fazer seu produto ou serviço ser melhor aceito pelo mercado de
consumo. (MACKAAY, 2015, p. 113)
A corrupção, no tocante ao sistema capitalista propriamente dito,
inevitavelmente põe empresas concorrentes em situação de desigualdade, uma vez que a
sociedade corruptora obtém vantagens indevidas em razão de utilizar meios escusos em
sua atividade empresária, colocando seus concorrentes que não se valem de tais práticas
em clara desigualdade e disparidade perante o mercado, de maneira totalmente
imprevisível. Desta forma, a Lei nº 12.486/2013 procura coibir práticas antiéticas
pautadas na corrupção, que trazem consequências negativas ao mercado.
Seria ingenuidade pensar que a Lei 12.846/2013 não possui qualquer relação de
ser com as exigências globalizadas de combate à corrupção vinculadas à proteção do
mercado, com o fim precípuo de proteger o capitalismo e o consumismo. Talvez este
seja o mote principal, acima inclusive da questão ética/moral que envolve o problema.
A proteção do mercado por parte do Estado remonta a Revolução Industrial,
onde a oferta abundante de bens e serviços e o incentivo ao consumo passou a ocasionar
fenômenos inéditos, obrigando o Estado a intervir para manter o equilíbrio. GABARDO
(2009, p. 159) traz algumas informações a este respeito:
A Revolução Industrial gerou oferta de bens maior que a procura (até mesmo pelo baixo poder aquisitivo dos consumidores). Então os comerciantes, para sobreviver, tinham que, de qualquer forma, suplantar seus concorrentes. Este fato implicou um comum abuso de poder no mercado, o que, por sua vez, ocasionou aumento da desigualdade entre concorrentes e a tendência de desaparecimento da liberdade efetiva. Paradoxalmente, o proclamado regime de liberdade levava ao germe de sua própria destruição.
Ao comentar sobre Adam Smith, MALLOY (2007, p. 86) destaca a importância
da preocupação com o outro no que se refere à concorrência, no sentido de que a
vantagem obtida não pode ser às expensas do concorrente, devendo existir um mínimo
de ética social no processo: Adam Smith observou, por exemplo, que o interesse próprio era um elemento importante, uma força motriz para a criatividade humana. Se deu conta de sua importância na criação da riqueza. Contudo, também
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observou que o interesse próprio não era o mesmo que o egoísmo, e que aquele era temperado por um respeito pelo outro. O indivíduo nunca deveria colocar-se perante outro indivíduo de tal modo a prejudicá-lo, com a justificativa de beneficiar-se, ainda que o benefício seja muito maior que o prejuízo causado a um terceiro.8
Portanto, a busca pela maximização da riqueza, colocando de lado preceitos
éticos, passou a ser uma preocupação inclusive entre os teóricos econômicos tidos como
liberais, resultou novas reflexões acerca das necessárias adaptações ao modelo
econômico que se deveria adotar para preservar a concorrência sadia e o equilíbrio de
mercado.
Seguindo esta linha histórica que se mostrou variada sob diversos aspectos, no
liberalismo o Estado era, sempre no interesse do capital, frequentemente chamado a
intervir na economia (GRAU, 2014, p. 21) para corrigir os problemas concorrenciais
mencionados acima. Mais adiante, GRAU (2014, p. 21/22) explica que em função das
imperfeições do liberalismo, ao Estado, na passagem do século XIX para o século XX,
foram atribuídas novas prerrogativas:
Inicialmente as imperfeições do liberalismo, bem evidenciadas na passagem do século XIX para o século XX e nas primeiras décadas deste último, associadas à incapacidade de autorregulação dos mercados, conduziram à atribuição de novas funções ao Estado. À idealização de liberdade, igualdade e fraternidade se contrapôs a realidade do poder econômico. A pretexto da defesa da concorrência haviam sido suprimidas as corporações de ofício, mas isso ensejou, em substituição ao domínio pela tradição, a hegemonia do capital. A liberdade econômica, porque abria campo às manifestações do poder econômico, levou à supressão da concorrência.
No tocante à Regulação e Estado Providência, o conceito de Estado de Bem-
Estar Social desenvolvido no século XX, existiu sob várias formas, diferenciando-se nos
EUA, Alemanha e França, por exemplo. O que poderia identificar tal modelo em todos
os lugares, a grosso modo, seria pelo reconhecimento de uma função intervencionista
estatal orientada a promover o desenvolvimento econômico e social. A intervenção no
domínio econômico é evidente em tais modelos, como também a atuação direta em
8 Tradução livre a partir do trecho original: Adam Smith observo, por ejemplo, que el interés propio era un elemento importante, una fuerza motriz, para la creatividad humana. Se dio cuenta de su importancia en la creación de riqueza. Pero también observó que el interés propio no era lo mismo que el egoísmo y que aquél debía verse atemperado por un respecto hacia los otros. El individuo nunca debía anteporse de tal moto a otro individuo como para dañarle o perjudicarle para beneficiarse él, aunque el beneficio fuera mucho mayor que el daño o perjuicio causado al otro.
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campos reservados a si próprio, que não seriam, desta forma, uma intervenção, mas sim
uma atuação estatal em sua própria competência originária. (JUSTEN FILHO, 2002, p.
17)
Tal modelo providencialista teve seu sucesso e seu fracasso no século XX. No
início, o resultado desse modelo de gestão pública foi vitorioso, com a elevação dos
níveis de condição de vida da população, medidos pelo aumento da expectativa de vida
e conforto com a quantidade de benefícios ofertados. Referidos benefícios consistiam
em saneamento, educação, assistência e previdência social, com uma igualdade na
concessão de tais benefícios. Contudo, com o crescimento da qualidade de vida medida
por tais parâmetros, a população passou a crescer em um ritmo demasiadamente
acelerado, o que causou, como reflexo, um aumento no custo de manutenção de tais
benefícios, tendo-se como reflexo um “rejuvenescimento da velhice”, elevando-se os
gastos com previdência social e saúde. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 18)
Verificou-se, a partir disso, uma espécie de crise fiscal, com algo próximo à
insolvência do Estado em prover todos estes compromissos, ocasionando a suspensão
de novos projetos relacionados ao bem comum, bem como limitações imediatas,
acarretando na deterioração de serviços e estruturas estatais já existentes. (JUSTEN
FILHO, 2002, p. 19)
Estes motivos deram início à instauração de novos modelos políticos, como o
Estado Regulador.
O Estado Regulador, proveniente deste choque gerado pelo fracasso do Estado
de Bem-Estar Social, teve seu conceito idealizado no sentido de utilização da
competência normativa para disciplinar a atuação dos particulares, com intervenções do
Estado no domínio econômico, quando necessário. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 22)
A regulação, portanto, da forma proposta neste novo modelo, seria a intervenção
do Estado no domínio econômico através de instrumentos jurídicos de autoridade, ao
invés deste assumir diretamente o exercício das atividades empresariais.
Não se pode dizer que o Estado deva desaparecer ou se ausentar completamente,
uma vez que cabe a ele, precipuamente, mas não isoladamente, a promoção do bem
estar social. É da natureza dos particulares, segundo ensina, agir com intentos egoístas.
A assunção pelo Estado, portanto, de tal atividade, visa conciliar diferentes concepções
ideológicas realizando valores de solidariedade social com a manutenção da democracia
e liberdade. A redução de competências diretas do Estado visa este fim, uma vez que
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este é incapaz de prover todas estas obrigações, havendo uma modificação instrumental,
e não uma supressão de sua atividade. (JUSTEN FILHO, 2002, p. 24)
Dentre as principais modificações do modelo regulatório como o visto no
passado, em primeiro lugar, há uma relação de abrangência das atividades sujeitas aos
regimes de Direito Público e Privado. Após isso, num segundo momento, ocorre a
inversão da relevância do instrumento interventivo, ou seja, se antes a atuação estatal
era sempre direta, agora passa-se a privilegiar a competência regulatória. Como terceira
característica, verifica-se que a atuação regulatória do Estado se norteia pela relevância
dos interesses coletivos, agindo o Estado, portanto, como uma espécie de incentivador
de determinadas atividades que deseja ver sendo realizadas, através da regulamentação
do mercado e da economia, impedindo a prevalência pura e simples do lucro.
Finalmente, como a quarta característica, a institucionalização de mecanismos de
disciplina permanente da atividade econômica privada, devendo tais regramentos
institucionalizados estarem em constante modernização e aperfeiçoamento. (JUSTEN
FILHO, 2002, p. 25)
A defesa da concorrência sadia e justa entre as empresas pode abranger
múltiplos aspectos, em razão das inúmeras situações fáticas existentes que podem
ocorrer no complexo mercado contemporâneo existente. Diversas legislações tratam de
regular o mercado no sentido de controlar situações de desequilíbrio concorrencial,
ponto que será tratada em tópico mais à frente. Uma questão importante a ser destacada
quanto a isso é a difusão de conhecimento em economias tidas como subdesenvolvidas.
SALOMÃO FILHO (2002, p. 38) trata do assunto ao abordar a necessidade do Estado
descobrir o método adequado de difundir conhecimento econômico entre os
concorrentes: É preciso revisar o Estado moderno, para esmiuçar mais a fundo o que significa, sob esse novo enfoque e qual a profundidade de seu papel regulatório em economias subdesenvolvidas. Nelas não parece haver dúvida sobre a necessidade de propulsão pelo Estado do processo de desenvolvimento. Não se trata, no entanto, da propulsão anticíclica, do tipo keynesiano. É necessário uma propulsão apta a resolver ou minimizar os problemas estruturais dessas economias e, ao mesmo tempo, capaz de difundir o conhecimento econômico. Será preciso então repensar o modelo jurídico de propulsão econômica Estatal.
A difusão do conhecimento, para as teorias desenvolvimentistas, é primordial
para o desenvolvimento da economia, não se permitindo a concentração de tecnologias
apenas em uma pequena parcela dos atores participantes do mercado.
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Tudo isso reflete, posteriormente, em condições de cuidado à concorrência, pois
a formação de blocos econômicos de pessoas jurídicas dominando o mercado, com a
constituição de monopólios e a cartelização de preços fatalmente é perniciosa ao
consumidor e à economia.
Outra finalidade incutida na proteção da concorrência leal encontra-se fundada
no direcionamento que o Estado pretende dar à economia, no sentido de fazer com que o
interesse público seja priorizado, juntamente com o desenvolvimento econômico. FONT
Y LLOVET (2003, p. 364/365) explica que o Estado, no momento em que não presta
um serviço de interesse público diretamente, regulará mais a atividade para assegurar
que determinado serviço seja realizado, e a regulação também tem o enfoque de
controlar a apropriada prestação do serviço: O certo é que no contexto de diminuição assistencial do Estado, quando este presta menos serviços, ocorre fatalmente uma maior regulação das atividades. Cresce aqui a função de regulação, que inclui atividades de organização e controle através do poder de polícia. Se trata de funções de autoridade, unilaterais, que é onde deve-se introduzir a participação. Utilizando formulações clássicas de corte keynesiano, creio que a democracia instituída pela lei não impede a democracia na Administração Pública.9
Ainda na esteira do interesse público, o Estado deve primar pela igualdade de
armas entre os concorrentes em licitações públicas, contudo, tal igualdade pode ser
suprimida em situações de mérito público relevante e claramente demonstrado,
primordiais para o desenvolvimento de uma atividade específica. FERREIRA (2012, p.
79) trata do tema e destaca a importância da clareza da especificação deste interesse
pela Administração Pública, sob pena de ilegalidade do ato administrativo: E quando eventualmente provocado, o Poder Judiciário não tem se mostrado solícito a inovações restritivas desarrazoadas, mesmo quando decorrentes de lei. A expectativa decisória é sempre a mesma: a diminuição do caráter competitivo tem de ser justificada por um interesse público relevante, que se realiza por meio da discriminação, sob pena de inconstitucionalidade ou de ilegalidade.
JUSTEN FILHO (2002, p. 22/23) adota posicionamento semelhante ao
descrever sobre a importância da atuação do Estado na garantia de interesses públicos,
asseverando a importância da participação de todos os segmentos da sociedade: 9 Tradução à partir do trecho original: Lo cierto es que em el contexto de la retirada prestacional del Estado, se el Estado “presta” menos, em cambio, “regula más”. Crece ahí la función de regulación, que incluye atividades de ordenación, de policía y de control. Se trata de funciones “de autoridad”, unilaterales, que es donde debe introducirse la participación. Gente a las formulaciones clásicas de corte kelseniano, yo creo que la democracia em la ley no impede la democracia em la Administración.
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A proposta adotada para um modelo regulatório de Estado pretende conciliar diferentes concepções ideológicas, assegurando a realização de valores de solidariedade social com a manutenção da democracia e da liberdade. Reconhece-se que a democracia exige a garantia da autonomia individual e da sociedade civil, mas que a realização dos valores fundamentais a um Estado Social exige a participação de todos os segmentos sociais. Assume-se que os organismos estatais não apresentam suficiente habilidade para atendimento satisfatório a certas necessidades comuns, o que significa atribuir à iniciativa privada o encargo correspondente.
Neste sentido é salutar destacar que o exercício de uma competência
administrativa deve sempre ser pautado em suas razões de existir, e não sendo um fim
em si mesmo, como mera formalidade instrumental. Esta é a razão pela qual uma regra
de igualdade entre concorrentes pode ser mitigada, no específico caso da contratação
feita pelo Estado. Esta também é a razão pela qual, por vezes, o Estado pode optar pela
proteção ao meio ambiente em detrimento ao aspecto econômico, ou a prevalência de
um serviço público essencial em detrimento de uma proposta econômica mais
vantajosa. (FERREIRA, 2012, p. 116) Tais situações são muito específicas podendo
apenas afetar a forma de contratação licitatória através do Estado.
Com a instituição de maiores liberdades, provenientes do sistema democrático
do Estado de Direito contemporâneo, transgressores sempre farão mal uso de tais
prerrogativas para procurar benefício indevido. MEDINA OSÓRIO (2007, p. 31),
entretanto, deixa claro que não se pode atribuir a existência da corrupção à democracia,
mas sim como o custo de um regime que consagra liberdades que, fatalmente, serão
utilizadas para o bem e para o mal: Não se pode, no entanto, aceitar a conexão entre democracia e o aumento da corrupção, porque há regimes ditatoriais que permitem enriquecimento espantoso de uma elite dominante, com a circunstância agravante da impunidade estarrecedora e escancarada, o que deteriora sobremaneira a própria cidadania e diretamente as instituições.
Como visto, a proteção da concorrência por parte do Estado pode acontecer sob
diversos aspectos. Ainda que a motivação maior seja a justiça social, o reflexo de
oportunizar as pessoas menos favorecidas, social e economicamente, o acesso a
condições básicas de sobrevivência para que aí então possam progredir a uma condição
de vida mais digna. A consequência disso será a formação de indivíduos e descendentes
destes indivíduos com melhores oportunidades de adquirir o chamado “conhecimento
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útil”, fator primordial para a participação em condições de concorrência no mercado de
trabalho.
Ao comentar acerca dos malefícios sociais da corrupção, BERTONCINI (2007,
p. 38) destaca que o risco em se perder o controle sobre tais condutas é a efetiva
destruição dos mecanismos de funcionamento do próprio Estado, a exemplo do ocorrido
em Uganda, conforme menção feita a partir da obra de Augustine Ruzindana:
Os malefícios produzidos pela corrupção são muitos: (a) minar a legitimidade das instituições públicas; (b) atentar contra a sociedade e o seu desenvolvimento integral; (c) violar a ordem moral, a justiça e o direito; e (d) arruinar as bases necessárias para o desenvolvimento das democracias representativas, enfim, produzindo em casos extremos, mais do que a crise de governabilidade, senão solapando o próprio Estado, com a destruição dos sistemas de controle, responsabilidade e administração, bem como os direitos civis, como ocorreu em Uganda, no período em que foi administrada por Idi Amim.
A integração supranacional entre os países verificada com a globalização
econômica iniciada a partir da metade do século XX fez com que entraves às transações
internacionais fossem paulatinamente diminuídos, ampliando-se o mercado. Como
consequência deste recente fenômeno, surgiu a comunicação em massa, que viabiliza as
trocas mercantis na velocidade em que ocorrem, difundindo culturas e integrando os
povos em suas mais diversas peculiaridades.
A interação de formas jurídicas com a mencionada globalização econômica
remete a internacionalização de regras de repressão aos atos de corrupção. O estudo do
direito comparado, neste ponto, precipuamente no tocante à abertura mercadológica,
permite que sejam estabelecidos vínculos entre os planos nacionais e internacionais,
recombinando formas de cooperação e delimitação dos limites da jurisdição de cada
país.
Escândalos de corrupção e de fraudes econômicas cada vez mais impulsionam a
integração supranacional, pois geram instabilidade financeira nas relações de mercado,
sendo a solução por vezes encontrada pautada no esforço comunitário com a instituição
de regras de governança corporativa, no intuito de preservar a ética das negociações.
(SILVEIRA, 2015, p. 306/307)
Os fenômenos econômicos da globalização dão lugar, por sua vez, à formatação
de novos delitos que passam a se tornar clássicos, como também a novas formas
delitivas e de se burlar a legislação que surge juntamente com a integração econômica
supranacional. SILVA SÁNCHES (2013, p. 103) explica tal fenômeno:
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Desse modo, a integração gera uma delinquência contra os interesses financeiros da comunidade, produto da integração (fraude orçamentária – criminalidade alfandegária -, fraude às subvenções), ao mesmo tempo em que contempla corrupção de funcionários das instituições da integração. Além disso, gera a aparição de uma nova concepção de objeto do delito, centrada em elementos tradicionalmente alheios à ideia de delinquência como fenômeno marginal; em particular, os elementos de organização, transnacionalidade e poder econômico. Criminalidade organizada, criminalidade internacional e criminalidade dos poderosos são, provavelmente, as expressões que melhor definem os traços gerais da delinquência da globalização.
Acerca das características da dos crimes ocorridos à partir da globalização,
especificamente no tocante aos delitos econômicos, que se originam em muito através
de atos de corrupção, tem-se uma criminalidade organizada em sentido amplo, ou seja,
coletivos de pessoas estruturadas hierarquicamente dentro de pessoas jurídicas com a
finalidade precípua de agir em benefício desta, visando a prevalência sobre os demais
concorrentes. (SILVA SÁNCHES, 2013, p. 104)
A dificuldade verificada na aplicação de uma legislação padronizada sobre
delitos econômicos pelo efeito da globalização é imensa, uma vez que além dos
problemas de índole constitucional existente em razão da peculiaridade de cada
ordenamento jurídico, regras de punição globalizadas, como a aplicação de penalidades
pessoais a dirigentes, surge o obstáculo intransponível da aplicação de tais reprimendas
por instituições supranacionais, que em um viés penal parece de difícil superação.
O mais provável, ainda para SILVA SÁNCHES (2013, p. 108), seria “a adoção
de tratados de uniformização, também em remas da Parte Geral, acompanhados de
esforços para garantir de fato uma aplicação mais homogênea possível dos mesmos.”
MEDINA OSÓRIO (2007, p. 35) faz relevante apontamento acerca da literatura
dedicada a produzir conhecimento a ser utilizado na prevenção de atos de corrupção,
destacando que não se pode, apenas através do Direito Penal, vislumbrar mecanismos de
combate:
Há quem diga, inclusive, que existe toda uma indústria literária e de eventos movida pelos debates em torno à corrupção pública, não raro desperdiçando as energias da assistência, pela repetição de fórmulas vazias, inócuas ou sem sentido, na direção de repúdios formais estéreis à podridão moral do ser humano corrupto. É dizer, constitui-se um mercado de consumo de informações em torno ao tema da corrupção, mas muito pouco é produzido, de prático, fora dos domínios do direito penal, que, curiosamente, não é o foco dessa literatura em expansão, nem a melhor ferramenta para tratar do problema, ao menos com tons de exclusividade.
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Neste sentido a proteção ao mercado através da regulação da concorrência por
parte do Estado relaciona-se diretamente com o combate à corrupção, todavia, até a
publicação da Lei nº 12.846/2013, não existiam medidas efetivas de repressão às
pessoas jurídicas participantes de ações corruptoras, ao menos não de maneira isolada
da pessoa de seu dirigente.
O viés econômico da Lei 12.846/2013 é evidente, no sentido de se buscar
otimizar a concorrência e não permitir que alguns agentes se sobreponham os demais
mediante a adoção de práticas corruptas em seus negócios, definidas no art. 5º da
mencionada Lei como “atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira”.10
As sanções estão previstas nos arts. 6º e 19º da Lei.11-12
10 Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. 11 Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e II - publicação extraordinária da decisão condenatória. 12 Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III - dissolução compulsória da pessoa jurídica;
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Desta forma, a Lei 12.846/2013 pode ser uma forma de controle do equilíbrio de
mercado, através da repressão aos atos de corrupção praticados por pessoas jurídicas nas
relações com a Administração Pública, e conforme será verificado mais adiante, ela
busca a institucionalização de ações preventivas com as regras de “compliance”, no
intuito de, através da imposição de medidas éticas, mudar a cultura dentro das
corporações e preservar assim a concorrência sadia.
1.3 Intervenção do Estado através do Direito Econômico Visando a
Preservação do Equilíbrio de Mercado
Cumpre destacar, antes mesmo de iniciar este tópico, que além do que se propôs
neste item, serão destacados os principais fundamentos do que vem a ser o Direito
Econômico, para que depois, no Capítulo II, se realize a análise dos postulados da
Economia, deixando claro, desde já, tratarem-se de campos distintos, muito embora
tenham relação entre si.
A vida em sociedade sempre foi a principal razão para o desenvolvimento do
homem, que passou a trabalhar em conjunto no sentido de suprir as necessidades da
comunidade. A procura por interesses gerais, sempre motivada pela vontade individual,
passou a fomentar o estudo de teóricos nesta aglomeração humana, inicialmente
batizada de “polis” pela filosofia grega. (FIGUEIREDO, 2006, p. 10)
Da aglomeração de pessoas ao redor da “polis” grega nasce a política, como
forma de se discutir a relação entre os entes da comunidade e assegurar a sobrevivência
coletiva dos indivíduos. Desta arte política, por sua vez, que busca o atendimento dos
anseios e expectativas do coletivo e do indivíduo, surge o Direito, que enquanto ciência
social é gerado em função da necessidade do homem viver em sociedade, com o
desenvolvimento de regras para possibilitar o convívio harmônico de todos.
(FIGUEIREDO, 2006, p. 11)
A vida em sociedade, por conseguinte, demanda organização e resulta na
necessidade de existência do Direito, sendo este concebido com a finalidade de formular
as bases da justiça e segurança, motivando estabilidade às relações sociais. Para tanto, o
Direito deve ser uma expressão da vontade social, o que remete à necessidade da
IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
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legislação assimilar os valores positivos que a sociedade estima e vive. (NADER, 2002,
p. 16/17)
Para que a vida em comum seja possível, a pacificação da sociedade através de
um organismo de regras de conduta resulta como fundamental, devendo os valores
ensejados pelo corpo social serem instrumentalizados e regidos. Tal tarefa é a principal
do Direito, que não corresponde especificamente às necessidades individuais, mas sim a
uma carência da coletividade, buscando resolver a equação social que determina a regra
de que só se tem direitos com relação a alguém, uma vez que o homem só, que vive fora
da sociedade, não possui direitos nem deveres para com ninguém pela sua condição de
isolamento. (NADER, 2002, p. 17)
Desta maneira, a sociedade cria o Direito e passa a se submeter aos seus efeitos,
adequando as condutas de todos que vivem em comunidade. Os homens passam a
pautar seus comportamentos em virtude disso, e se guiam conforme os conceitos de
lícito e ilícito, contudo, a grande dificuldade em se adaptar todos ao sistema jurídico
tem sido o obstáculo da aplicação das normas jurídicas criadas aos casos concretos,
precipuamente quando se busca aplicar leis projetadas para outra realidade em um
determinado país, como é o caso da recepção do fenômeno do Direito estrangeiro.
(NADER, 2002, p. 18)
Especificamente no tocante ao Direito Econômico, este pode ser conceituado
como o ramo do Direito Público que disciplina as formas de interferência do Estado no
processo de geração de rendas e riquezas da nação, com a finalidade de direcionar e
conduzir a Economia aos objetivos e metas socialmente almejadas. (FIGUEIREDO,
2006, p. 15)
A intervenção do Estado no domínio econômico, todavia, é o foco do Direito
Econômico, podendo ser dividido tal escopo na atuação reguladora, que é voltada para a
atividade reguladora no plano econômico e a atuação que envolve a modalidade
empresarial, sendo a atividade econômica em sentido estrito, podendo o Poder público
participar em caráter subsidiário e excepcional. (NAZAR, 2014, p. 91)
Portanto, intervenção do Estado no domínio econômico é a atuação do ente
público no âmbito da atividade econômica em sentido estrito, seja de maneira direta
(por meio de empresa pública ou sociedade de economia mista – atividade empresarial),
seja de maneira indireta (estimulando ou apoiando a atividade econômica empreendida
pelos particulares – atividade reguladora). (NAZAR, 2014, p. 94/95)
40
Tem-se como característica deste ramo do Direito Público a influência do Estado
nas relações socioeconômicas, atuando com prevalência sobre a autonomia de vontade
das partes para regular a atividade econômica de mercado, visando regrá-lo e discipliná-
lo. (FIGUEIREDO, 2006, p. 19)
Dentre os modelos de regulação econômica existentes, destacam-se a
configuração de determinado setor como atividade regulamentada, que consiste na
realização comercial e industrial por parte da iniciativa privada, com a regulamentação
de fora por parte do Estado; desempenho de determinada atividade através da prestação
como serviço público, nas mãos da iniciativa privada, com a concessão ao particular de
serviço essencialmente público, com a regulação jurídica externa, sem que assuma os
poderes de direção e controle interno; e, finalmente, a nacionalização de determinado
setor, consistindo na transformação de empresas privadas em empresas públicas,
mediante a transferência de propriedade e dos meios de produção. Aqui não se tem,
apenas, o domínio da atividade, mas também a gestão das empresas estatizadas
mediante a justificativa de interesse público. (ORTIZ, 1993, p. 267)
Para RICARDO (1985, p. 78), além do evidente benefício financeiro buscado
pelo capitalista, este deverá ser atento também a demais situações que garantam
segurança, podendo-se interpretar tal assertiva como a relativa à segurança jurídica
representada, por consequência, pelos tribunais: Ao buscar um emprego lucrativo para seus recursos, um capitalista considerará naturalmente todas as vantagens que uma atividade pode oferecer relativamente a outra. Ele poderá, portanto, preferir o sacrifício de parte de seu ganho monetário em troca de segurança, da simplicidade, da facilidade ou de qualquer outra vantagem real ou imaginária que um emprego possa ter em relação a outro.
A interpretação da legislação por parte do Poder Judiciário, com sua
consequente aplicação em casos concretos também deverá influenciar o rumo dado às
sociedades empresárias, que acarretará fatalmente no tipo e no volume de investimentos
disponíveis ao empreendedor. RIBEIRO (2007, p 175) chama a atenção para o tema,
especificamente no tocante à influência no estímulo ou no desestímulo à realização de
determinada atividade através de posicionamentos consolidados pela jurisprudência:
O aspecto promocional do Direito tem papel diferenciado para as relações negociais, o que engloba dizer, para os contratos. Um empresário que identifique na posição jurisprudencial uma postura de respeito ao contrato, sentir-se-á estimulado a realizar novos negócios semelhantes, movimentando a economia. Situação exatamente inversa poderá ocorrer caso a jurisprudência esteja firmando-se em sentido
41
contrário, gerando uma tendência de rarefação na oferta, normalmente associada a acréscimo de preço e diminuição da qualidade.
Por óbvio que a análise do ordenamento jurídico, bem como da interpretação
dada a este pelo Poder Judiciário influenciará diretamente o comportamento das
relações empresariais. No investimento corporativo, por exemplo, realizado nas
sociedades empresárias através da abertura de novos sócios, a forma de disposição de
direitos e obrigações entre administradores e investidores será primordial para
determinar a viabilidade desta modalidade de captação de recursos.
As disposições constitucionais13 que normatizam o incentivo ao investimento,
bem como protegem a livre iniciativa e os valores sociais do trabalho disciplinam o
assunto neste sentido, ou seja, claramente refletem a intensão do legislador constituinte
em fornecer segurança jurídica para a aplicação de capital na atividade empresária, com
o intuito de gerar mais riqueza e desenvolver a sociedade de modo geral, conduzindo
nações à prosperidade e ao crescimento.
O artigo 174 da Carta Magna se refere a vários institutos característicos do
Direito público econômico, sendo um dos dispositivos mais relevantes na estrutura da
ordem econômica constitucional, pois estabelece as funções que o Estado deve exercer
em relação às atividades econômicas, diferenciando inclusive a intensidade da
intervenção conforme a atividade regulada seja exercida pelo próprio Estado ou pela
iniciativa privada. (ARAGÃO, 2013, p. 174)
Ao final do século XX o fenômeno da globalização passou a integrar a realidade
mundial, sendo que a ideia da globalização pretende fundamentar-se originariamente
nas relações econômicas e nas atividades financeiras. O mundo todo aparece unificado
13 A Constituição Federal do Brasil, já em seu artigo 1º, inciso IV, estabelece expressamente que entre os fundamentos do Estado Democrático de Direito encontram-se os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa, razão pela qual é dever do Estado viabilizar o desenvolvimento social e econômico através da garantia de segurança jurídica fornecida pelo ordenamento jurídico. Também em seu artigo 172, a Carta Magna estipula que “A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros.” O artigo 192, em sua vigente redação, determina sobre a prerrogativa do sistema financeiro nacional: “Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram” (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 40, de 2003). Já o artigo 52 da ADCT dispõe que: “Até que sejam fixadas as condições do artigo 192, são vedados: I – a instalação, no País, de novas agências de instituições financeiras domiciliadas no exterior; II – o aumento do percentual de participação, no capital de instituições financeiras do País, de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior. Parágrafo único. A vedação a que se refere este artigo não se aplica às autorizações resultantes de acordos internacionais de reciprocidade, ou de interesse do Governo brasileiro.”
42
com padrões do capitalismo, e pela falta de conflitos, o Estado substitui-se pela
iniciativa privada, mostrando assim a globalização sob a égide do mercado. Ainda que
quase não subsistam barreiras nacionais para movimentação financeira, existem graves
divergências quanto à circulação de mercadorias e serviços, face ao protecionismo que
muitos Estados praticam e que é uma maneira de intervenção do Estado nas relações
econômicas. (OPUSZKA, 2014, p. 455)
O Direito Econômico terá, neste mote, fundamental importância no momento de
disciplinar as regras de participação do ordenamento jurídico na regulação das
atividades empresariais, bem como no tocante ao investimento a ser realizado. CLARK
(2008, p. 109) trata do assunto quando menciona os diferentes perfis que poderão existir
dependendo do enfoque dado pelo legislador ao regular normas de Direito Econômico,
conforme segue: Não existe democracia participativa se os segmentos sociais organizados, e até mesmos os desorganizados, não construírem coletivamente os parâmetros legais das políticas econômicas ditadas pelo Direito Econômico. É nesse ramo do Direito que viabilizamos o desenvolvimento sustentável, ou apenas, o crescimento modernizante das Nações; ou então, optamos pelo incremento do mercado exportador em detrimento do nacional; ou ainda, abraçamos os desafios de equalizar a distribuição de renda, frente a sua histórica concentração, principalmente nos Estados em fase de desenvolvimento. Enfim, é o Direito Econômico que possibilita a efetivação dos direitos sociais, culturais e econômicos no tecido social, essenciais dentro de um real Estado Democrático de Direito ou qualquer outro tipo de Estado.
No sentido mencionado por CLARK (2001, p. 07), o Direito Econômico
conduzirá a forma de desenvolvimento empresarial mais interessante ao Estado,
acarretando, por consequência, no tipo de regulação a ser imposta à atividade
empresária: O Direito Econômico dita o “dever-ser” para as atividades econômicas, já que impõe normas jurídicas de comportamento para os agentes econômicos que atuam nessa órbita, motivados pelo imperioso interesse de estancar suas múltiplas necessidades/carências, individuais e coletivas, diante da raridade de recursos. Por certo, o Direito Econômico tem como objeto a regulamentação das políticas econômicas dos agentes econômicos (empresas, Estados, indivíduos, organizações não governamentais) no intuito de que todos, ou pelo menos a maioria, possam suprir suas necessidades [...].
O conceito informado por CLARK remete a um Estado regido por uma
constituição de normas sociais que, em muitas situações talvez seja o que preponderará
43
na escolha do investidor em aplicar seu capital numa determinada economia, uma vez
que, por vezes, pode não coincidir o interesse do “capital privado”14 com o que deseja
determinado governo, precipuamente no tocante à segurança jurídica fornecida ao
investidor.
Em sentido oposto ao que pensa ser a função primordial do Estado, FRIEDMAN
(1985, p. 39), economista conhecido por defender conceitos liberais de economia,
conclui: Um governo que mantenha a lei e a ordem; defina os direitos de propriedades; sirva de meio para a modificação dos direitos de propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgue disputas sobre a interpretação das regras; reforce contratos; promova a competição; forneça uma estrutura monetária; envolva-se em atividades para evitar monopólio técnico e evite os efeitos laterais considerados como suficientemente importantes para justificar a intervenção do governo; suplemente a caridade privada e a família na proteção do irresponsável, quer se trate de um insano ou de uma criança; um tal governo teria, evidentemente, importantes funções a desempenhar. O liberal consistente não é um anarquista.
Em um sistema econômico capitalista, existem valores que são privilegiados de
modo estrutural. Na Constituição Federal brasileira, por exemplo, existem dispositivos
que remetem à vontade do legislador constituinte em estabelecer tal comportamento
econômico, podendo ser mencionado o artigo 170, que garante a livre iniciativa e a
propriedade privada.
Neste sentido, conceitos como o de liberdade, representado pela livre iniciativa,
bem como pela garantia à propriedade privada, remetem claramente ao modelo
capitalista, muito embora a determinação de função social da propriedade seja uma
limitação ao pleno gozo deste direito, informando também o caráter social que existe na
Constituição Federal, que deverá ser conjugado com a fruição dos direitos mencionados.
A liberdade, portanto, através de uma interpretação conforme a lei maior, não é absoluta
e encontra limites dentro da função social que se deve dar à propriedade.
14 Em outra passagem, CLARK (2008, p. 109) trata da necessidade de prevalência das políticas econômicas públicas em detrimento ao puro desejo de auferir lucro dos representantes do “capital privado”: “Apesar do poderio do capital privado e de sua influência forte na engrenagem produtiva e nos mercados de consumo dos Estados nacionais, devido à “globalização”, existe à possibilidade da formulação de políticas econômicas endógenas por parte daqueles Estados, distintas das engendradas pelo poder econômico internacional, a serem construídas pelos atores sociais nacionais, dentro dos diversos espaços internos de poder (parlamentos, conselhos, fóruns, câmaras setoriais, judiciário), e afirmadas no plano internacional, a fim de que as ditas políticas econômicas estatais não se afastarem dos comandos das Constituições Econômicas e das carências socioeconômicas dos povos.”
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Quando a Constituição brasileira preceitua atividade econômica e em liberdade
de empreender economicamente, imperioso se faz não olvidar que tais regras se
estruturam em função do interesse coletivo, ou seja, interesse público. (NAZAR, 2014,
p. 102)
A lei maior limita , no artigo 173, § 4º15, o poder econômico, independentemente
desta ser estruturalmente a principal característica de um modelo de sociedade
capitalista. Em virtude deste mandamento constitucional, o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica – CADE é criado, através da Lei 4137/62, mas que passa a ter a
condição de autarquia federal pela lei nº 8.884/94, com atribuições definidas pela Lei nº
12.529/2011. Diversas legislações16 também existem no ordenamento jurídico brasileiro
criando Agências Reguladoras para diversas atividades.
O CADE tem como tarefa proteger a livre concorrência no mercado, sendo a
entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, não só por investigar e decidir, em
última instância, sobre matéria concorrencial, como também fomentar e disseminar a
cultura da livre concorrência, através de funções de prevenção, repressão e educação.17
Sendo, portanto, uma entidade autárquica, o CADE possui poderes arbitrais e
administrativos, que não se confundem com a prerrogativa jurisdicional do Estado.
Jurisdição é a função estatal, exercida com exclusividade, que resolve
controvérsias com força de coisa julgada, através de decisão proferida em última
instância pelo Poder Judiciário contra a qual não tenha ocorrido o tempestivo recurso.
(BANDEIRA DE MELO, 2003, p. 34)
Neste sentido cumpre destacar a distinção entre a atividade administrativa, que é
desempenhada através do CADE, instrumento de ação do Governo Federal, e a atuação
do próprio Estado através do exercício de sua jurisdição.
A jurisdição poderá balizar a atuação de órgãos administrativos, dentre os quais
o próprio CADE, que é um órgão do governo limitado pela Constituição Federal.
15 § 4º A lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. 16 Neste sentido, destacam-se: Lei nº 5.761/71, que define a política nacional de cooperativismo, instituindo o regime jurídico das cooperativas; Lei nº 9.867/99, que dispõe sobre a criação e funcionamento de cooperativas sociais, com o objetivo de integração social dos cidadãos; Lei nº 9.472/96, que cria a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL; Lei nº 9.472/97, que cria a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL; Lei nº 9.478/97, cria a Agência Nacional de Petróleo – ANP; Lei nº 9.782/99, cria a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANVISA; Lei nº 9.961/00, cria a Agência Nacional de Águas – ANA; Lei nº 10.233/01, cria a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ; e a Lei nº 10.871/04, que dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais denominadas Agências Reguladoras. 17 Disponível em http://www.cade.gov.br/Default.aspx?2e0e0e121efc3f1b29, acesso em 14/02/2016.
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Denota-se, portanto, a coexistência de uma agência governamental e a estrutura de
Poder do Estado, que tem o dever de concretizar e implementar restrições
constitucionais através dos órgãos da Justiça. (NAZAR, 2014, p. 105)
Ao passo que a regulação econômica ocorre através de regras formais, a
regulação social vem exigir a intervenção judiciária para que seja feito o arbitramento
das regras, portanto, quanto mais formal a intervenção estatal maior é a necessidade de
que o serviço judiciário seja onipresente, evidenciando a instrumentalização do Direito
pela Economia e pela Política. Neste sentido comenta OPUSZKA (2014, p. 458): As normas econômicas de intervenção do Estado na economia sempre existiram, onde houve concentração econômica acabou havendo intervenção do Estado na economia, ambas são tão antigas quanto à própria economia de câmbio. Verifica-se que o Direito Econômico surgiu para dar base a uma concepção “neomercantilista”, oposicionista às doutrinas socialistas, favorecendo a formação dos grandes conglomerados industriais, comerciais e financeiros.
Desta forma, a intervenção do Estado no domínio econômico é circunstância
regulada através do Direito Econômico, que visa a manutenção da concorrência sadia.
Conforme será mostrado mais adiante, mecanismos de combate à corrupção podem ser
caracterizados como tendo forte ligação com este ramo do Direito, pela característica de
proteção ao mercado ao se coibir práticas que desequilibrem as relações comerciais.
1.4 “Foreing Corrupt Practice Act” – FCPA e “United Kingdom Bribery
Act” - UKBA
Em havendo o evidente desequilíbrio entre empresas idôneas e inidôneas, que
são useiras na prática de atos de corrupção, haja vista estas obterem vantagens
econômicas que lhes possibilitarão se colocarem em prevalência sobre as demais, a Lei
Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) vem em momento oportuno para coibir tais
práticas, na tentativa de manter o equilíbrio concorrencial e o funcionamento sadio do
mercado.
O combate à corrupção protege diretamente a concorrência leal, impedindo que
o mercado seja desequilibrado por práticas de fortalecimento indevido ou de
concentração excessiva de poderio econômico em razão da utilização de meios injustos,
desleais e corruptos.
46
Ressaltando, neste ponto, o “Foreing Corrupt Practice Act” – FCPA e a atuação
dos Estados Unidos da América no tocante a iniciativa no combate à corrupção. Tal ato
foi editado em 1977 e impõe às pessoas físicas e jurídicas por ele atingidas a proibição
de prática de atos de corrupção ou o pagamento de propinas que atinjam ou beneficiem
membros da administração pública de outros países.
Referida iniciativa legal reveste-se de primordial importância uma vez que foi o
primeiro estatuto jurídico a criminalizar a conduta de subornar ou corromper agentes
públicos estrangeiros, pensando no desequilíbrio de mercado que tais atos geram em
escala global.
A necessidade da regulamentação estatal norte-americana é exposta no
Relatório do Comitê de Bancos, Habitação e do Desenvolvimento Urbano do Senado
dos Estados Unidos (“Report of the Committee on Banking, Housing, and Urban
Affairs United States Senate”), no sentido de salientar o risco de atividades de
corrupção de empresas nacionais atuantes fora dos limites territoriais tanto para a
imagem dos Estados Unidos, quanto para o equilíbrio de mercado: Investigações recentes por parte da SEC revelaram pagamentos externos provenientes de corrupção por mais de 300 empresas dos EUA, envolvendo centenas de milhões de dólares. Estas revelações tiveram efeitos adversos graves. Os governos estrangeiros no Japão, Itália e Holanda, amigáveis aos Estados Unidos, têm estado sob intensa pressão de seus próprios povos. A imagem da democracia norte-americana no exterior foi manchada. A confiança na integridade financeira das nossas corporações tem sido prejudicada. O funcionamento eficaz dos nossos mercados de capitais foi dificultada. Pagamento de propinas é péssimo para os negócios. No nosso sistema de livre mercado, é fundamental que a venda de produtos ocorra com base no preço, qualidade e serviço. Suborno é fundamentalmente destrutivo para este princípio básico. O suborno de funcionários estrangeiros ocorre principalmente para ajudar as empresas na obtenção de negócios. Assim, suborno estrangeiro afeta a própria estabilidade dos negócios no exterior. Subornos de empresas estrangeiras também afetam nosso clima competitivo interno, quando as empresas nacionais se envolvem em práticas como um substituto para uma concorrência saudável nos negócios estrangeiros. 18
18 Tradução livre a partir do trecho original: “Recent investigations by the SEC have revealed corrupt foreign payments by over 300 U.S. companies involving hundreds of millions of dollars. These revelations have had severe adverse effects. Foreign governments friendly to the United States in Japan, Italy, and the Netherlands have come under intense pressure from their own people. The image of American democracy abroad has been tarnished. Confidence in the financial integrity of our corporations has been impaired. The efficient functioning of our capital markets as been hampered. Corporate bribery is bad business. In our free market system it is basic that the sale of products should take place on the basis of price, quality, and service. Corporate bribery is fundamentally destructive of this basic tenet. Corporate bribery of foreign officials takes place primarily to assist corporations in gaining business. Thus foreign corporate bribery affects the very stability of overseas business. Foreign corporate bribes also affect our domestic competitive climate when domestic firms engage in such
47
A criação do FCPA ocorreu quando veio a público que várias grandes empresas
estadunidenses, dentre as quais Exxon, Northrop e Lockheed pagavam propina aos
agentes públicos estrangeiros. Órgão de imprensa como “The New York Times” e
“Washington Post” deram forte repercussão ao assunto, exigindo que as autoridades
adotassem medidas que impedissem empresas americanas de fomentar a corrupção em
outros países, pois tais condutas minavam a credibilidade das instituições norte-
americanas de maneira geral. (PETRELLUZZI, 2014, p. 23/24)
A pressão para que regras de combate à corrupção passassem a ser adotadas em
escala global, por parte dos Estados Unidos, passou a ser verificada deste momento em
diante, uma vez que com tal ato as empresas estadunidenses sofreram maior fiscalização
local, entrando em desvantagem frente às empresas estrangeiras que não eram
compelidas a adotar a mesma conduta ética. (PETRELLUZZI, 2014, p. 25)
A partir de então, a pressão por tratados internacionais que incidissem em todas
as empresas passaram a ser instituídos, no intuito de padronizar o comportamento das
multinacionais e nivelar a concorrência, em um ambiente que as regras fossem aplicadas
à todos de maneira igualitária, privilegiando a concorrência sadia e a ética nas relações
negociais com a administração pública das nações envolvidas.
Como principal reflexo das políticas de combate à corrupção estadunidenses, em
8 de abril de 2010, foi aprovado o “Bribery Act” britânico (“United Kingdon Bribery
Act” – UKBA), com início de vigência em 01/07/2010, que passou a instituir, através de
legislação positivada, regras que visam elidir condutas antiéticas por parte das empresas
inglesas dentro e fora do Reino Unido.
A legislação britânica veio a trazer, nesta oportunidade, inovações com relação
ao FCPA, uma vez que instituiu políticas de enfrentamento ao pagamento de propinas e
incentivos ilegais que não estavam previstos na regra norte americana.
Conforme descrito na cartilha “The Bribery Act 2010 – Quick start guide” (p.
02), publicada pelo Ministério da Justiça do Reino Unido, o “Bribery Act” consiste em: A Lei está preocupada com suborno. De maneira geral, suborno é definido como alguém que dá uma vantagem financeira ou outra vantagem para incentivar essa pessoa a exercer as suas funções ou atividades de forma abusiva ou de recompensar essa pessoa por já ter praticado o ato. Portanto, visa prevenir situações em que se busca influenciar o tomador de decisões, dando algum tipo de benefício
practices as a substitute for healthy competition for foreign business.” Disponível em: http://www.justice.gov/sites/default/files/criminal-fraud/legacy/2010/04/11/senaterpt-95-114.pdf, acesso em 01/02/2016.
48
extra para que determinada decisão seja tomada, ao invés de com o que pode legitimamente ser oferecido como parte de um processo regular.19
Em sendo uma norma posterior ao FCPA estadunidense, o “Bribery Act” traz em
seu bojo algumas circunstâncias inovadoras, que incidem de maneira mais abrangente
sobre atos de suborno. (ROSALEZ, 2010, p. 1)
De relevante menção é a previsão repressão de pagamento de propinas em atos
entre particulares (“Private-to-private bribery”), prevista na lei inglesa, enquanto que
dentro do ordenamento jurídico norte americano apenas encontra-se em legislações
esparsas fora do FCPA. (ROSALEZ, 2010, p. 13)
No tocante a criminalização entre o pagamento e o recebimento de suborno
(“Active and passive bribery”), a distinção entre as normas é proeminente. Enquanto o
FCPA prevê punição apenas ao pagador de propinas, o “Bribery Act” penaliza tanto
quem paga, quanto quem recebe vantagens indevidas. (ROSALEZ, 2010, p. 13)
Com relação a prevenção dos atos de corrupção (“Prevent bribery act”), o
“Bribery Act” cria uma responsabilidade objetiva corporativa para evitar o suborno (em
oposição a responsabilidade subjetiva) sujeito a ser capaz de estabelecer que uma
empresa tem procedimentos adequados de “compliance”. Sob a FCPA, no entanto, uma
empresa sujeita a jurisdição dos Estados Unidos pode ser considerada indiretamente
responsável por atos de seus funcionários e agentes . A ofensa prevista na lei britânica
estende-se também a atos de pessoas associadas, que significa qualquer pessoa que
executa serviços para ou em nome da organização comercial. (ROSALEZ, 2010, p. 14)
Ao comentar esta limitação do FCPA, MORO (2011, p. 66) destaca a
circunstância em que a Convenção da OCDE foi criada, em 1997, para organizar a
participação de vários países no combate à corrupção em escala global:
Com o intuito de corrigir esse efeito indesejado do FCPA, o Governo dos EUA- que historicamente é o maior financiador do OCDE- exerceu forte pressão sobre a entidade a fim de que fosse criada a Convenção da OCDE em 1997. Referida convenção, entre outras disposições, determina que os países signatários criminalizem a conduta consistente na corrupção de funcionários públicos estrangeiros e enderecem a questão da necessidade de requisitos de contabilidade adequados, controles internos e auditorias.
19 Tradução livre a partir do trecho original: The Act is concerned with bribery. Very generally, this is defined as giving someone a financial or other advantage to encourage that person to perform their functions or activities improperly or to reward that person for having already done so. So this could cover seeking to influence a decision-maker by giving some kind of extra benefit to that decision maker rather than by what can legitimately be offered as part of a tender process.
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Finalmente, com relação a intenção do agente (“Intent”), sob a FCPA é
necessário provar que a pessoa que oferece o suborno fez com vontade e consciência de
efetivamente corromper. O “Bribery Act” não faz nenhuma exigência de um dolo
específico de corromper um funcionário público estrangeiro, embora a exigência de
dolo de maneira geral exista para constituir a ofensa geral suborno. (ROSALEZ, 2010,
p. 15)
A Controladoria Geral da União – CGU (2015, p. 29) já se manifestou através de
orientação às empresas públicas e privadas brasileiras que possuem atuação no exterior,
no sentido de se adequarem às legislações estrangeiras de combate a corrupção, com
especial enfoque na FCPA e UKBA:
Importante ressaltar, ainda, a necessidade de incluírem-se os temas da corrupção transnacional e conformidade com legislações estrangeiras, conforme o caso (UK Bribery Act, Foreign Corrpt Practices Act – FCPA, etc) no caso das empresas que atuam no exterior. Essa atuação pode ser por meio do oferecimento de seus produtos ou serviços no exterior, mas, também, pela busca de financiamento fora do Brasil, parceria com empresas estrangeiras, etc.
Com a incidência de atos de corrupção em escala global, as corporações vêm
trabalhando no intuito de instituir programas eficientes de “compliance”, principalmente
em organizações multinacionais, no intuito de incutir condutas éticas na rotina dos
colaboradores e parceiros comerciais, o que reflete em um agir conforme regras
explícitas, bem como na busca por uma redução de pena nos casos de corrupção
identificados.
Os órgãos de controle internos das corporações, neste sentido, devem considerar
ainda todas as regras anticorrupção existentes ao desenvolver, implementar e monitorar
a ética através de programas que visem minimizar o risco e promover uma cultura de
cumprimento às regras instituídas.
1.5 Legislações Brasileiras em Vigor Pré-Existentes à Lei 12.846/2013
tratam da Corrupção
O desvio ético sempre foi combatido, ou sempre se procurou combater, em
várias frentes no ordenamento jurídico brasileiro, por vezes nem sempre eficientes como
almeja a sociedade, mas o fato é que diversos diplomas legais existem neste sentido.
50
Neste sentido cumpre salientar que o agente público tem o dever legal de aplicar
a legislação da forma como está positivada, não devendo realizar qualquer juízo de
valor quanto a sua constitucionalidade. As normas já existentes no ordenamento jurídico
pátrio, apesar de diversas, possuem poucos mecanismos efetivos de combate à
corrupção, sendo a pioneira dentre as legislações em vigor a Lei da Ação Popular (Lei
nº 4.717/65), conforme será verificado.
1.5.1 – Lei nº 4.717/65 – Lei de Ação Popular e Artigo 5º, inciso LXXIII da
Constituição da República
A Constituição da República concede diversos instrumentos para a garantia do
exercício pleno de cidadania, igualmente da democracia participativa. Podem ser citados
o Habeas Corpus (5º, LXVIII), Mandado de Segurança (5º LXX), Mandado de
Segurança Coletivo (5º, LXX), Mandado de Injunção (5º, LXXI), Habeas Data (5º
LXXII) e, finalmente, a Ação Popular (5º LXXIII).
Trata a mencionada norma da possibilidade de ajuizamento, por qualquer
cidadão, para a anulação ou declaração de atos lesivos ao patrimônio da União, Estados,
Municípios e Distrito Federal, bem como entidades autárquicas, sociedades de
economia mista, empresas públicas, sociedades mútuas de seguro onde a União
represente os segurados, de instituições ou fundações onde o tesouro público tenha
participado com mais de 50% (cinquenta por cento) da receita anual, empresas
incorporadas ao patrimônio público e de serviços sociais autônomos.
Após o advento da Constituição da República, em 1988, houve uma ampliação
no alcance da Ação Popular, sendo-lhe atribuída a possibilidade de anular também “ato
lesivo à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e
cultural”, conforme artigo 5º, inciso LXXIII.
O sentido da norma constitucional que determina a defesa do patrimônio público
é a preservação deste, nas searas estatal e social. Todos os bens, portanto, pertencentes
ao Estado, tenham a natureza que for, estão albergados pela defesa via ação popular.
A Ação Popular, portanto, visa proteger tanto o patrimônio público quanto a
moralidade administrativa, sendo aplicável, neste sentido, à repressão contra atos de
corrupção, ainda que estes não cheguem a causar diretamente prejuízo ao Estado. Neste
sentido entende SILVA (2012, p. 464), quando aplica à possibilidade de ajuizamento de
ação popular para a declaração de ilicitude de um ato contrário apenas à moralidade
51
administrativa, mencionando que “a Constituição erigiu a moralidade administrativa em
fundamento autônomo para a ação popular e numa categoria jurídica passível de
controle jurisdicional per se.”
Em sendo um dos bens jurídicos tutelados fundamentalmente pela Ação Popular,
o direito fundamental a uma boa administração da coisa pública que engloba, por
conseguinte, o respeito aos princípios que devem nortear a atividade do Poder Público20,
a provocação do Poder Judiciário no sentido de resguardar quaisquer desvios de
finalidade por parte da Administração Pública é medida que se impõe21.
No tocante a acessibilidade do cidadão a este mecanismo jurídico-constitucional,
cumpre destacar que o Estado Democrático de Direito ofereceu a possibilidade de
exercício pleno à jurisdição ante a isenção de custas judiciais e de responsabilidade por
sucumbência, salvo nas hipóteses de constatação de flagrante má-fé. (PORTO, 2013, p.
490)
Não obstante, até a publicação da Lei 12.846/2013, no tocante a atos de
corrupção, havia a necessidade de se comprovar a culpa nestas situações, o que torna
difícil, por vezes, a responsabilização de pessoas jurídicas envolvidas. A ação popular
pode ser um meio de anular atos, portanto, referentes à corrupção que visem lesar o
patrimônio público, ou que tenham sido realizados através de meios que maculem a
moralidade administrativa, gerando reflexos evidentes nos contratos firmados perante o
Estado.
1.5.2 – Lei nº 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa e Artigo 37, §4º
da Constituição da República
O desgaste e a insuficiência de mecanismos efetivos de combate existentes
previamente à Constituição da República de 1988, precipuamente nos tipos penais
alusivos aos “Crimes contra a Administração Pública”, levou à necessidade do
surgimento do que hoje se denomina “Direito Administrativo Sancionador”.
Neste sentido, tem-se que o Direito Administrativo Sancionador é uma parte do
Direito Administrativo que determinada a incidência pela qual a sanção administrativa 20 Neste sentido, destaca-se o caput do artigo 37 da Constituição da República, ao instituir os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. 21 AÇÃO POPULAR. Prêmio pago por Município relativamente a competição na Festa do Peão de Boiadeiro em Município vizinho. Desvio de finalidade reconhecido. Ação popular procedente. Recurso não provido. (TJSP; AC 4.762-5; Osvaldo Cruz; Nona Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Sidnei Agostinho Beneti; Julg. 22/04/1998).
52
ocorrerá. O que acarreta a sanção é o ato infrator administrativo, o qual é apurado em
um processo administrativo. Desta forma, o Direito Administrativo Sancionador tem em
seu escopo regras que incidem sobre a infração, a sanção administrativa e o processo de
investigação.
As referidas regras e princípios incidentes ao Direito Administrativo
Sancionador, bem como a qualquer outro ramo do Direito existente dentro do
ordenamento jurídico pátrio emanam diretamente da Constituição da República, em
especial no seu artigo 5º, dedicado aos direitos e deveres individuais e coletivos aos
quais irradiam seus efeitos por toda legislação vigente.22
Muitos termos aqui balizados são trazidos do campo do Direito Penal, como
“crime”, “pena”, “lei penal”, mas isto não significa que não se possa utilizar com
propriedade pelo Direito Administrativo Sancionador, ou seja, existe unidade do “jus
puniendi” do Estado. (MELO, 2007, p. 104).
O artigo 37 da Lei Maior, especificamente em seu parágrafo 4º23, trouxe a
punição aos agentes públicos por atos de improbidade, vindo a legislação de
improbidade administrativa no sentido de regulamentar a norma constitucional.
Buscou a legislação em análise garantir que condutas de servidores públicos
fossem punidas adequadamente, reparando os danos causados e prevenir a prática de
novos ilícitos semelhantes, quando verificadas práticas consubstanciadas em obtenção
patrimonial indevida que causem prejuízo ao erário ou violem princípios da
administração pública.
Os princípios cuja transgressão produz como consequência atos de improbidade
administrativa, além da boa fé e moralidade princípios descritos administrativa, podem
ser relacionados como sendo os princípios da finalidade, publicidade, licitação,
concurso público e prestação de contas, compondo assim sua real dimensão jurídica.
(BERTONCINI, 2007, p. 194)
22 O inciso II regulamenta que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, de acordo com o que estabelece o princípio da legalidade. O inciso XL diz que a lei penal não pode retroagir, salvo para beneficiar o réu, portanto define exatamente o princípio da irretroatividade. O inciso XLV estabelece a pessoalidade da sanção, determinando que nenhuma pena ultrapasse a pessoa do condenado. O inciso XLVI exige que a pena seja individualizada. O inciso LIII diz que ninguém será processado nem sentenciado senão por autoridade competente, trazendo à baila o princípio do juiz natural. O devido processo legal, contraditório e ampla defesa, estão expostos nos incisos LIV e LV. O princípio da presunção de inocência está inserido no inciso LVII, que estabelece que ninguém será culpado até que exista o transito em julgado da sentença penal condenatória. 23 § 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
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A configuração do ato de improbidade, utilizando-se os, devem atentar contra os
seguintes direitos, conforme relaciona BERTONCINI (2007, p. 194/195):
1º Conduta dolosa do agente, comissiva ou omissiva, marcada pela desonestidade e deslealdade às instituições, ou seja, pela violação do princípio da moralidade administrativa, a ser apurado concretamente; 2º Conduta que, em regra, não gere enriquecimento ilícito ou não cause lesão ao patrimônio público: a ratio legal para a existência do art. 11, como diz Alexandre Moraes, é a necessidade de existência de um tipo subsidiário, para que possa haver responsabilização do agente cuja conduta ilícita e em afronta aos princípios da Administração Pública, mesmo que não haja o enriquecimento ilícito, exigido no art. 9º da Lei, ou lesão ao patrimônio público, cuja exigência é feita pelo artigo 10; 3º Atentado imediato contra determinados princípios da Administração, contemplados no art. 11 e também no art. 10 da Lei 8.429: ou seja, aos princípios da finalidade, publicidade, licitação, prestação de contas e concurso público; 4º Existência de nexo causal entre o exercício funcional e o desrespeito direto a esses princípios da Administração.
Ao se fazer uma leitura da Lei nº 8.429/92 em conjunto com o artigo 37, § 4º, da
Constituição da República, nota-se que responsabilidade por improbidade
administrativa não se enquadra nas chamadas responsabilidades clássicas, ou seja, não
se trata especificamente de responsabilidade civil, penal, política ou administrativa, mas
sim, traz elementos de cada uma delas, com determinadas peculiaridades. As esferas de
responsabilização não se confundem, contudo, podem eventualmente se acumular.
(FIGUEIREDO 2013, p. 894/865).
Neste sentido, o combate à improbidade administrativa mencionada na referida
Lei encontra respaldo na violação de princípios informadores da Administração Pública,
conforme menciona BERTONCINI (2007, p. 64/65): A improbidade administrativa estará, a priori, configurada diante da ofensa ao princípio da juridicidade, que aglutina todos os princípios que informam a Administração Pública, em especial aquelas desempenhadas pelo Poder Executivo, bem como as demais atividades estatais, igualmente sujeitas a tal principiologia, com ênfase nos princípios da legalidade e moralidade.
A norma constitucional contempla, expressamente, que os atos de improbidade
poderão importar na suspensão dos direitos políticos, perda da função pública,
indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, sem prejuízo das sanções penais
cabíveis, podendo a pessoa jurídica ser alcançada por algumas delas, na qualidade de
terceira beneficiária.
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O problema é que sem a participação do agente público, não existia a
possibilidade de se responsabilizar a pessoa jurídica. Com a inovação da Lei
12.846/2013, entretanto, surge a possibilidade de responsabilização objetiva da pessoa
jurídica envolvida isoladamente, não obstante à ação civil pública e penal paralela que
investigará o comportamento do servidor público, e aplicar-lhe a competente sanção,
conforme o caso. (BERTONCINI, 2015, p. 119)
Interessante observar que no tocante à ação popular, onde não existe a
necessidade de comprovação de dano pecuniário ao erário para torná-la possível, atos de
improbidade poderão ser configurados sem a obtenção da vantagem propriamente dita,
mas sim sempre que exista um dano, ainda que imaterial, como os que infringem a
moralidade administrativa, bastando a comprovação de má-fé do agente.
(PETRELLUZZI, 2014, p. 38/39).
Desta forma, a conjugação entre as leis anteriores que visam combater a
corrupção, com a nova Lei 12.846/2013, fornecem um arcabouço jurídico que
possibilita ao agente público a investigação e punição das pessoas jurídicas envolvidas,
mediante a responsabilidade objetiva, mecanismo inovador no direito pátrio no tocante
ao tema da corrupção.
1.6 – Lei nº 12.846/2013 e Suas Principais Influências
No Brasil, a Lei 12.846/2013 não é uma iniciativa isolada ou pioneira, sendo
reflexo de um conjunto de posições já adotadas no país, também de diversos acordos
internacionais de cooperação que visam o combate à corrupção. Dentre algumas delas,
destacam-se a Convenção Sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos
Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, promulgada pelo Decreto
3.678/2000; A Convenção Interamericana contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto
4.410/2002; e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo
Decreto 5.687/2006.
Diante disso, a grande questão como colocada por BERTONCINI (2007, p. 29),
cinge-se não na ausência de leis que versem sobre o tema, mas sim na ineficácia dos
mecanismos por estas propostos: Como se vê, o problema não reside na ausência de leis sancionadoras da corrupção, mas sim na ineficácia dessas legislações, por absoluta
55
apatia das elites – as maiorias beneficiárias – em reagir contra os desmandos administrativos, confirmando o que Ruy Barbosa denominou um “regime de impunidade”, em detrimento do povo brasileiro, sua maior vítima.
Ainda em análise a “Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários
Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais”, o artigo 3º trata do
tema quando admite a punição da pessoa jurídica, sanção esta de cunho não penal: Artigo 3 Sanções 1. A corrupção de um funcionário público estrangeiro deverá ser punível com penas criminais efetivas, proporcionais e dissuasivas. A extensão das penas deverá ser compatível àquela aplicada à corrupção do próprio funcionário público da Parte e, em caso de pessoas físicas, deverá incluir a privação da liberdade por período suficiente a efetiva assistência jurídica recíproca e a extradição. 2. Caso a responsabilidade criminal, sob o sistema jurídico da Parte, não se aplique a pessoas jurídicas, a Parte deverá assegurar que as pessoas jurídicas estarão sujeitas a sanções não criminais efetivas, proporcionais e dissuasivas contra a corrupção de funcionário público estrangeiro, inclusive sanções financeiras.
O dispositivo legal diferencia claramente a responsabilidade da pessoa física e
da pessoa jurídica, inclusive determinando que em países onde não exista a previsão
legal para a punição das pessoas jurídicas, que estas devam ser responsabilizadas
através de sanções não criminais, diferenciando, neste caso, crime de ato lesivo.
Cumpre salientar, neste ponto, que com a elaboração de dois novos tipos penais,
o Brasil satisfez o dever de criminalização das condutas objeto da Convenção sobre o
Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações
Comerciais Internacionais, mediante reforma do Código Penal. Os dispositivos legais
337-B, 337-C e 337-D foram integrados ao diploma legal pela Lei 10.467/0224.
O último, enquanto norma definidora, conceituou o funcionário público
estrangeiro, assistindo a norma penal incriminadora ao torna-la certa, atendendo ao
princípio representado pelo brocado latino “nullum crimen, nulla poena sine lege certa”.
24 Art. 337-B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional. Art. 337-C. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial internacional. Art. 337-D. Considera-se funcionário público estrangeiro, para os efeitos penais, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro.
56
Comparada a primeira metade do século XX com o seu final, a configuração do
crime de corrupção mudou. Antes era um ônus do agente privado que objetivava a
atuação em setor econômico com intervenção estatal: se quisesse participar do jogo,
para entrar nele e se manter, tinha que subornar o “intraneus”. Já no final do século, o
agente privado, ao invés de perder parte de seu ganho, pagando-o como propina para
poder participar do setor negocial controlado pelo Estado, passou a ganhar com a
corrupção mais do que ganharia sem ela. Com a propina, o corruptor passa a abrir portas
para superfaturamentos de transações com o Estado e dilatações contratuais nocivas ao
erário. Neste sentido, a corrupção, antes de clivada no funcionário corrupto, inclina-se
ao protagonismo do agente corruptor. (GUARAGNI, 2015, p. 353)
Importante destaque deve ser dado ao fato de que a Lei nº 12.846/13 cuida do
emprego da expressão “corrupção” em sentido geral, não se referindo especificamente
aos crimes contidos nos art. 333 e 317 do Código Penal por ser uma lei que adota
responsabilidades dentro da esfera civil e administrativa, sendo diante deste rol amplo
de atos de corrupção que responde o ente coletivo.
Ao comentar a questão, BERTONCINI (2015, p. 118/119) explica que a
inovação legislativa trazida no artigo 5º da Lei 12.846/201325 é positiva e vem na esteira
25 “Art. 5o. Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV - no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de
qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou
celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações
de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
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do dispositivo legal transcrito, suprindo o que entende ser uma deficiência do direito
penal que apenas pune a responsabilidade culposa em sentido amplo:
A inovação legislativa é bem-vinda, pois não é de hoje que os ilícitos cometidos contra a administração pública o são em nome e em proveito da pessoa jurídica, e não exatamente em benefício da pessoa natural. Os ilícitos que vitimizam a administração pública, especialmente os de grande repercussão econômica, como os que ocorrem nas licitações e contratos administrativos, são praticados por empresas e em seu benefício, por intermédio da ação de seus diretores, gerentes, empregados, etc. A normativa supre uma deficiência do Direito Penal, focado na responsabilização culposa (em sentido amplo) da pessoa natural.
O significado disso é que a corrupção não pode mais ser vista como um
problema local, regionalizado, sendo encarado mundialmente, afetando todos os países,
ocasionando, principalmente, entraves econômicos graves pela deficiência
concorrencial que gera. Neste sentido se faz interessante salientar os efeitos que gera na
economia os atos de corrupção, trazidos por COSTÓDIO FILHO (2014, p. 15): A corrupção prejudica a livre concorrência e os consumidores, quando empresas obtêm vantagens ilícitas da Administração Pública e, à custa disso, conquistam maios espaço no mercado, sem gerar um incremento na competição e na qualidade dos produtos postos em circulação. É o caso do pagamento de propinas a fiscais para receber em troca a tolerância oficial quanto a condutas de concorrência desleal, pirataria, contrabando, sonegação de impostos, infrações das regras de vigilância sanitária, falta de alvará, etc. A corrupção prejudica as finanças públicas quando empresas se unem a agentes públicos para fraudar licitações, superfaturar obras públicas, cancelar tributos devidos, desviar recursos de órgãos públicos em geral, aprovas leis e atos normativos de interesse meramente privado.
Cumpre destacar, neste momento, que independente da discussão que possa
ocorrer em razão da constitucionalidade ou não da novel legislação em análise, ao
administrador público, que caberá a investigação e aplicação das sanções previstas na
norma, não cabe qualquer juízo de valor a este respeito, devendo tal assunto ser levado
ao Poder Judiciário, se for o caso.
§ 1o Considera-se administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou
representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro.
§ 2o Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais.
§ 3o Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.
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BOBBIO (2012, p. 55), trata sobre o que sustenta o estudo do direito, e a
importância de todos os aspectos a serem levados em consideração para que não se
incorra em um reducionismo no momento de aplicá-lo ao caso concreto: Quem desejar compreender a experiência jurídica nos seus vários aspectos deverá considerar que ela é a parte da experiência humana cujos elementos constitutivos são: ideais de justiça a realizar, instituições normativas para realiza-los, ações e reações dos homens frente àqueles ideais e a essas instituições. Os três problemas são três aspectos diversos de um só problema central, que é o da melhor organização da vida dos homens em sociedade. Se insistirmos sobre a distinção e a independência dos três valores, é porque julgamos prejudicial sua confusão e, sobretudo, consideramos que não se pode aceitar outras teorias que não fazem essa distinção claramente, e tendem, ao contrário, reduzir ora um, ora outro dos três aspectos, aos outros dois, elaborando, como se costuma dizer, através de feio neologismo da linguagem filosófica, um “reducionismo.”
FERREIRA (2009, p. 333) trata do tema quando informa que apenas a lei pode
afastar sanção de ilícito administrativo, jamais o agente público por entender de maneira
diversa: Recebida a notícia de ilícito administrativo, deve ser a sua investigação. Em caso de comprovação, deve ser a imposição da correspondente sanção administrativa – salvo se a lei permitir ou determinar em contrário. Nem se cogite, portanto, de avaliação da suposta necessidade e adequação da sanção administrativa num juízo posterior e externo ao reconhecimento da infração de mesma ordem, porque – como alertado no início deste livro – a omissão bem poderá ser tomada como condescendência criminosa ou de ato de improbidade administrativa. Em tal hipótese, deverá irromper outro juízo de reprovação (criminal, ou de improbidade) e em desfavor do agente público que deixou de cumprir dever de ofício. É dizer: não há escolha entre processar ou não processar, entre sancionar ou não sancionar, salvo quando a lei dispuser em contrário, mesmo porque é desnecessário frisar tal obviedade – a de que ato de hierarquia inferior não pode deliberar o que o estado de legalidade obriga. Qualquer segundanista de direito sabe disto.
Acerca desta vinculação legal do servidor público à regra escrita, precipuamente
à Constituição Federal, COSTALDELLO (2007) menciona:
Tem-se dito muito sobre o princípio da juridicidade ou legalidade ampla, isto é, a submissão da administração pública não estritamente à lei formal, mas a todo o ordenamento jurídico. É uma construção da qual emanam, basicamente, duas consequências: de um lado, ata o administrador positivamente à Constituição da República, ou seja, à realização dos direitos constitucionais; de outro, chamado de legalidade negativa, impede-o de atuar sem fundamento legal e de onerar ou suprimir indevidamente direitos subjetivos alheios.
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Tal cumprimento demanda uma atuação legítima, em determinadas
circunstâncias, do Poder Judiciário, em conjunto com o Ministério Público e o Poder
Legislativo, com o respaldo técnico dos Tribunais de Contas, através da adoção dos
objetivos essenciais da república, cumprimento eficiente do controle de
constitucionalidade incidental e vinculação estrita dos gestores públicos à Lei Maior,
tanto em suas atribuições institucionais quanto em suas relações internas, de
coordenação e de subordinação. (COSTALDELLO, 2007)
A responsabilidade objetiva prevista na Lei 12.846/2013, em seus primeiros
artigos26, é a grande inovação trazida pela norma, uma vez que não existia no
ordenamento jurídico pátrio qualquer previsão de responsabilidade por atos de
corrupção especificamente à pessoa jurídica sem a investigação da responsabilidade
subjetiva, ou seja, sem que se vinculasse a existência de vínculo específico entre a
pessoa física corruptora e a empresa investigada, concomitantemente à ciência da
prática do ato pela cúpula diretiva da sociedade.
Na mesma seara inovadora, as regras de imposição do “compliance” empresarial
também podem ser referenciadas com destaque, uma vez que a intenção neste aspecto é
de se coibir preventivamente a atuação corruptora de agentes públicos, bem como a
instituição de regras éticas que visem a preservação do mercado e a manutenção de uma
economia equilibrada e estável.
26 Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. Art. 2º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.
60
CAPÍTULO II – ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E A LEI
12.846/2013
2.1 O Problema da Interpretação Jurisdicional da Lei e o Julgamento
Realizado fora dos Limites Legais Propostos
Um dos grandes percalços da atualidade funda-se nos mecanismos utilizados
pelo operador do direito na interpretação da norma jurídica, da mesma maneira da sua
aplicação ao caso concreto.
A crescente complexidade das atividades humanas, além de novos paradigmas
de prática jurídica, significou uma necessidade progressiva de mecanismos que
permitam superar a concepção rígida, estratificada e burocrática que constituiu o
modelo legal anterior à Segunda Guerra Mundial. (KNOERR, 2015, p. 104)
Os critérios adotados pelo julgador, em determinadas situações, geram polêmica
por serem aparentemente contraditórios ou por darem interpretação diversa à adotada
anteriormente, inclusive se alterando entendimentos outrora sumulados27.
Entretanto, o Direito não pode ser equiparado a uma ciência exata, e em razão
disso um sem número de problemas concernentes a interpretação das normas e a
aplicação destas são constantemente observados. A lei trata das questões de maneira
paradigmática, em geral de modo abstrato, pois não é possível que o ordenamento
positivado preencha todas as hipóteses que a realidade multiforme demanda, em tempo
bastante exíguo.
É inadequado se pensar em um juiz que julga um processo sem antes interpretar
as normas reguladoras do caso, além de conhecer os fatos, necessita conhecer o Direito
para revelar o sentido e o alcance das normas aplicáveis. Da mesma forma, o
empresário, quando faz a gestão de seu negócio, deve ser diligente com o Direito,
buscando a mensagem que o legislador pretende lhe passar. Para que isso funcione da
maneira proposta, é fundamental que o Direito se apresente de maneira clara e
inteligível, a fim de que suas normas sejam compreendidas e a ordem que objetivam
seja atingida. (NADER, 2006, p. 253/254)
27 Um exemplo que pode ser mencionado com relação a alteração interpretativa por parte do Poder Judiciário é com relação a súmula nº 244 do Tribunal Superior do Trabalho, que em 14 de setembro de 2012, numa sessão do pleno daquele órgão, alterou-se o teor de seu inciso III, conferindo às gestantes estabilidade nos contratos de trabalho temporários, o que era vedado na redação original por respeito ao artigo 433 da CLT.
61
Em razão do dinamismo das relações e do acesso livre à justiça garantido
constitucionalmente (art. 5º, XXXV, CF), existe um grande número de demandas
colocadas à apreciação do Poder Judiciário, tendo como consequência, também em
virtude da variedade de lides e da dificuldade do ordenamento jurídico em acompanhar
a evolução social, a insuficiência de respostas para o conflito, bem como sua
postergação a fim de frustrar o objetivo do pleito judicial.
O postulado constitucional de livre ingresso ao judiciário, com regras bastante
acessíveis para todos pela concessão mediante simples pedido de justiça gratuita, bem
como pela atuação da Defensoria Pública e atendimento jurídico gratuito realizado por
inúmeras faculdades de Direito em todo o país parece ter sido alcançado, contudo, no
que se deve refletir atualmente é na qualidade da prestação jurisdicional que se leva ao
jurisdicionado.
A extrema facilitação ao acesso à justiça, por consequência, pode acabar por
implicar no aumento imprevisível de litigantes, com custos vultuosos para o Estado. Por
outro lado, a resposta rápida e barata na resolução de conflitos mediante a prestação
jurisdicional pode fomentar o recurso à jurisdição e desincentivar a celebração de
acordos, prejudicando a eficiência do próprio sistema judiciário. (ROSA, 2011, p. 85)
Em razão destas peculiaridades, formas alternativas de resolução de conflitos são
cada vez mais utilizadas, tanto por diminuírem os custos, tanto por aumentarem os
benefícios pela celeridade e efetividade da resolução da controvérsia, reduzindo os
custos sociais. O equilíbrio, portanto, deve levar em conta tanto o incentivo privado
quanto o incentivo social, buscando-se evitar novas violações. (ROSA, 2011, p. 86)
Por estas dificuldades, KNOERR (2015, p. 95) aponta a limitação do Poder
Judiciário em atender da forma esperada pelos jurisdicionados os conflitos de interesse
levados à sua apreciação: Denota-se que a transferência de responsabilidade de resolução dos próprios conflitos ocasiona inúmeros problemas, inclusive às próprias partes, que muitas vezes, não vem a finalização do processo justamente em razão de sua propagação no tempo, justamente por haver condições capazes de gerar esta circunstância, sendo que os remédios jurídicos não são capazes de resolver todas as demandas, muito menos solucionar, da melhor maneira possível os conflitos apresentados.
Partindo deste pressuposto, não existe na atualidade uma forma consagrada,
considerada a mais adequada, pela qual o legislador possa trazer soluções indiscutíveis
às situações que serão, futuramente, demandadas ao Poder Judiciário, sendo a lei objeto
62
constante de interpretação, através dos mais diversos métodos. A doutrina, por sua vez,
alimenta divergências e correntes de pensamento no tocante a tais interpretações, e a
jurisprudência se filia a essa ou aquela doutrina, produzindo assim as decisões que
resultarão na resolução dos conflitos de interesse existentes na sociedade.
A dificuldade em se desenvolver leis para que produzam um resultado tido como
correto (justo), que leve sempre em consideração as desigualdades de cada indivíduo, é
recorrente em qualquer sistema jurídico que seja observado. Um procedimento de
justiça perfeito é muito raro, senão impossível, principalmente em casos de grande
importância, com interesses muito distintos envolvidos. (RAWLS, 1971, p. 75)
Ainda fazendo referência à RAWLS, FIGUEIREDO (2015, p. 784) informa
acerca da tirania de um sistema judiciário que não aplica decisões semelhantes a casos
análogos, baseadas precipuamente na interpretação racional do ordenamento jurídico
vigente refletindo ideais de justiça para a organização adequada da sociedade: O autor ressalta que o tratamento análogo a situações idênticas traduz-se em garantia de justiça, uma vez que afirma que situações sociais que não estão satisfatoriamente reguladas em lei são portas abertas para decisões arbitrárias por parte dos juízes. Isso porque a administração da justiça, quando não se baseia previamente em um sistema jurídico, pode se desnaturar para transmutar-se em um sistema tirano, no qual um grupo oligárquico altera o sentido das leis e as aplica a seu mero arbítrio.
Pode-se concluir, desta forma, que a função reservada ao Direito é garantir que a
justiça seja produzida refletindo as expectativas lícitas dos cidadãos, produzindo uma
sociedade civil organizada e harmônica, muito embora pelo dinamismo das relações
sociais, seja o Direito incapaz de regular as situações de maneira tempestiva.
(FIGUEIREDO, 2015, p. 785)
Sobre o risco em se demandar que o Poder Judiciário atue fora dos limites
previstos na Lei, KNOERR (2015, p. 97) comenta que, em razão das lacunas
legislativas e de atuação existente nos demais poderes da federação, o ativismo do órgão
jurisdicional é capaz gerar efeitos que podem, em alguns casos, solapar a democracia e
ocasionando graves reflexos no abalo da segurança jurídica:
A realização por parte do Judiciário de que este atue nas lacunas deixadas pelos outros poderes do Estado demonstra uma reflexão paternalista de suas atitudes, vindo de encontro aos desejos da população que, em última análise, busca entronizar o Judiciário, gerando o risco de causar uma concussão nas bases democráticas. É a acessibilidade do fenômeno dos espaços judiciais, substituindo a representação política tradicional, onde os eleitores demandam de seus governantes as medidas necessárias para o bom funcionamento da
63
sociedade. Confrontado com as frustrações da falta de representação política, o juiz torna-se, pessoalmente, o porta-voz refratário de uma ideologia de abusos de poder, “desnorteando completamente a democracia” (Paul Ricoeur) e impondo compromissos graves perante o público e sua própria instituição.28
Robert ALEXY trata do tema em sua obra “Conceito e Validade do Direito”, no
capítulo em que escreve acerca da formação do Direito. Utiliza como paradigma uma
decisão do Supremo Tribunal Alemão, que proferiu julgamento contra legem,
entendendo que “O Direito não é idêntico à totalidade das leis escritas.” (ALEXY, 2009,
p. 11).
No caso analisado pelo jurista alemão, o Superior Tribunal de Justiça daquele
país concedeu à Princesa Soraya, ex-mulher do último Xá do Irã (1973), uma
indenização no valor de 15.000 marcos alemães, contrariando o enunciado do § 253 do
BGB (“Bürgerliches Gesetzbuch”, Código Civil alemão), que admite a compensação
por danos imateriais somente nos casos determinados por lei, o que não era o caso da
Princesa Soraya. (ALEXY, 2009, p. 10)
A fundamentação judicial dada ao caso, conforme descrito por ALEXY (2009,
p. 10), foi a seguinte: A vinculação tradicional do juiz à lei, um elemento sustentador do princípio da separação dos poderes e, por conseguinte, do estado de direito, foi modificada na Lei Fundamental, ao menos em sua formulação, no sentido de que a jurisprudência está vinculada à “lei e ao direito” (art. 20, § 3). Com isso, segundo o entendimento geral, rejeita-se um positivismo legal estrito. A fórmula mantém a consciência de que, embora, em geral, lei e direito coincidam facticamente, isso não acontece de maneira constante nem necessária. O direito não é idêntico à totalidade das leis escritas. Quanto às disposições positivas do poder estatal, pode existir, sob certas circunstâncias, uma excedência do direito, que tem sua fonte no ordenamento jurídico constitucional como um conjunto de sentido e é capaz de operar como coercitivo em relação à lei escrita; encontrar essa excedência de direito e concretizá-la em decisões é a tarefa da jurisprudência.
28 Tradução livre a partir do trecho original: The completion by the judiciary to empty spaces of other powers and patronizing reflection of their attitudes, comes against the wishes of the population that ultimately enthrone the judiciary, which may cause a concussion on democratic foundations. It is the accessibility of the phenomenon of judicial spaces, replacing the traditional political representation, where voters demand of their governments the necessary measures for the proper functioning of society. Faced with the frustrations of lack of political representation, the judge becomes, himself, refractory spokesman of an ideology of abuses of power down to "hell of a bewildered democracy" (Paul Ricoeur) and imposing severe commitments to public space and his own institution.
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A situação demonstrada acima, onde o Poder Judiciário alemão valeu-se de
ativismo judiciário para ir além da norma escrita, é encarada com preocupação por
ALEXY (2009, p. 11/12), quando manifesta que: O problema da decisão contra legem apresenta-se em todo sistema jurídico. Porém, nem todo sistema jurídico conhece um processo de controle concreto de normas, da forma como ele é previsto pelo art. 100. § 1 da Lei Fundamental. Mais importante ainda é o fato de a relevância dessa frase ir além do âmbito das decisões contra legem, alcançando todos os casos duvidosos. Existirá um caso duvidoso, por exemplo, quando a lei a ser aplicada for imprecisa e as regras da metodologia jurídica não levarem necessariamente de modo exato a um resultado. Quem identifica o direito com a lei escrita, ou seja, quem defende a tese do positivismo legal deve afirmar que, nos casos duvidosos, a decisão é determinada por fatores extrajurídicos. Totalmente diversa é a compreensão do não positivista. Como não identifica o direito com a lei, para ele, a decisão também pode ser determinada pelo direito, se a lei não a estipular de modo coercitivo.
Denota-se, neste raciocínio, que dependendo do entendimento doutrinário acerca
da aplicação do Direito, conforme correntes positivistas e não positivistas, se pode
chegar a resultados distintos para o mesmo caso concreto, gerando insegurança jurídica
aos jurisdicionados.
As decisões judiciais e administrativas devem assentar-se, precipuamente, em
elementos objetivos extraídos da ordem jurídica, conforme preceitua o princípio da
calculabilidade da sentença. Tal mandamento principiológico, fruto dos tempos
modernos em que se demanda cada vez mais por certeza jurídica, revela que se os fatos
estão claros e definidos, se a lei está ao alcance de todos, as partes devem ter a
possibilidade de deduzir o conteúdo da sentença que será proferida. (NADER, 2006, p.
123)
A preocupação de ALEXY é consoante aos pilares do Estado Democrático de
Direito, em que o magistrado deve seguir estritamente o texto legal, sendo esta uma
circunstância que demanda a atividade jurisdicional.
O julgamento restrito à lei, e em um segundo momento à jurisprudência
dominante deve ser medida que se impõe aos julgamentos. Apenas em casos lacunosos
deixados pelo ordenamento jurídico é que o magistrado poderá inovar, contudo, sempre
valendo-se de critérios como a função social do processo, conforme postulado
constitucional.
A análise de casos concretos com base exclusivamente em princípios, com
reflexos “contra legem”, fere a segurança jurídica, pois a regra exposta nestes vem
65
diretamente do arbítrio dos magistrados, podendo o princípio ser aplicado para casos
diametralmente opostos. A postura do julgador, se mais liberal ou mais conservador,
dará entendimentos totalmente diversos a casos análogos, caso sejam julgados apenas
através do critério principiológico, por vezes transferindo ao particular deveres que
seriam do Estado, incidindo no sério risco de passar a prejudicar quem se pretendia
proteger, em razão da propagação que a decisão tem na sociedade.29
Por esta razão, a Lei de Introdução ao Código Civil (Lei nº 4657/42), em seu
artigo 4º30, prevê que em casos lacunosos da lei, o juiz deverá julgar com base,
primeiro, em analogia com outro diploma legal; segundo, nos costumes; e terceiro,
portanto em último lugar, através de princípios.
Não se olvida, contudo, da teoria de ALEXY acerca da ponderação entre regras
e princípios, porém o que se deve observar é a circunstância de que não existem
princípios absolutos, nem mesmo ao se falar da dignidade da pessoa humana, podendo
este ser ponderado conforme o caso concreto.
Ao propor a Lei da ponderação, ALEXY explica que quanto maior o grau do não
cumprimento de um princípio, tanto maior deve ser a importância do cumprimento do
outro princípio, ou seja, quanto maior o prejuízo causado pela desconsideração de um
princípio, tanto maior devem ser as vantagens obtidas pela preferência do outro.
Importante frisar que a “Lei da Ponderação” se presta para saber que o peso de cada
princípio deve ser considerado, contudo, ainda não é um critério para saber qual
princípio tem o maior peso, apenas sendo verificado isso conforme o caso concreto.
(KÖHN, 2010)
Na forma preceituada pelo artigo 93, inciso IX da Constituição da República, a
fundamentação das decisões judiciais demanda que tal ponderação deve acontecer no
campo de justificação, não se permitindo arbitrariedade, sendo necessário que a decisão
seja coerente e consistente com o sistema jurídico, ou seja, em circunstâncias iguais, a
29 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESBLOQUEIO DE VALORES EM CONTA CORRENTE E CONTA POUPANÇA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. Cumprimento de Sentença oriundo de Ação de Despejo por Falta de Pagamento. Valores bloqueados em conta corrente e conta poupança, via `penhora on line’. Peculiaridades do caso concreto. Executado que sofre de grave enfermidade, a qual demanda tratamento oneroso e contínuo. Aplicação do princípio da preservação da dignidade humana protegido pelo artigo 1º, inciso III, na condição de cláusula pétrea de nossa Lei Maior. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70046271995, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio dos Santos Caminha, Julgado em 26/04/2012) 30 Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
66
decisão deve ser a mesma, o que impede que o julgamento favoreça uma determinada
pessoa, e num caso análogo, a decisão seja em sentido oposto. Porém, caso as
circunstâncias se alterem, logicamente tal uniformidade não será impositiva. (KÖHN,
2010)
O dever esculpido no artigo 93, inciso IX da Carta Magna não pode ser restrito
às decisões finais, também sendo obrigatória a observação por parte dos magistrados
nas decisões proferidas durante o trâmite processual. A “mens legis” desta norma se
presta para que o controle das decisões seja possível, evitando-se, assim, decisões de
caráter cognitivista, de ofício ou que ainda busquem a “verdade real” e se pretendem
imunes ao controle intersubjetivo, indo contra Estado Democrático de Direito.
(STRECK, 2013, p. 84)
Além disso, a decisão deve ser adequada, ou seja, as consequências positivas
devem ser maiores que as negativas. Aplica-se o princípio da proporcionalidade, que
consiste nas três máximas: adequação, necessidade, e proporcionalidade em sentido
estrito. (KÖHN, 2010)
Muito embora na teoria exista a necessidade de uniformização das decisões, na
prática não se tem verificado pela escolha de tal critério pelo judiciário, pela grande
subjetividade dos critérios adotados, que podem ser fundamentados em sentidos
totalmente distintos.31
31 Dois julgados exemplificam como o Poder Judiciário aplica a norma (regras e princípios) de maneira totalmente distinta para o mesmo caso concreto, muito pela falta de critérios mais racionais e exatos que não se pautem em uma discricionariedade exacerbada do julgador. “DECLARATÓRIA. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CONSUMIDOR. DIREITO DE INFORMAÇÃO. LIGAÇÕES TELEFÔNICAS. MEDIÇÃO POR PULSOS. COBRANÇA ABUSIVA DE VALORES RELATIVOS A CHAMADAS DE TELEFONE FIXO. DETALHAMENTO DE CONTA. PROCEDÊNCIA. A companhia telefônica, na condição de prestadora de serviços e portanto fornecedora nos termos do art. 3º, da Lei nº 8.078/90 submete-se às regras do Código de Defesa do Consumidor, às quais não se sobrepõem as regras da ANATEL. Estas, pelo seu caráter preponderantemente administrativo, ao regulamentar as operações da companhia dentro do regime de concessão, não se esgotam em si nem afastam a aplicação da legislação protetiva nas suas relações com os usuários. Cobrança de ligações locais por pulsos. Direito do consumidor de receber informações detalhadas na conta telefônica, com discriminação das chamadas locais, como se interurbanas ou de longa distância fossem. Art. 6º, III, do CDC. Aplicabilidade no caso concreto. Impossibilidade de cobrar pelas chamadas locais, até que a companhia telefônica esclareça, de forma detalhada, os dados relativos, entre outros, aos números discados, datas das ligações e tempo de duração das chamadas. Sentença mantida. Negaram provimento. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70008700007, DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LEOBERTO NARCISO BRANCHER, JULGADO EM 08/06/2004)” Nesta outra decisão, a mesma é à prevalência da Resolução da Anatel: “TELEFONIA FIXA - CONCESSIONÁRIA - PULSOS - ANATEL - INTERESSE - LITISCONSÓRCIO- INEXISTÊNCIA -COMPETÊNCIA - JUSTIÇA ESTADUAL - AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO - VALORES PAGOS A TÍTULO DE PULSOS ALÉM DA FRANQUIA - AUSÊNCIA DE APARELHO DE MEDIÇÃO - NÃO-OBRIGATORIEDADE POR PARTE DA TELEMAR - ARTIGO 7º, X, DO DECRETO 4.733/2003 - SISTEMA DE CONTROLE DE PULSOS EFICIENTE E SEGURO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO QUE SE IMPÕE. Tratando-se de demanda
67
Em matérias que versam sobre atos de improbidade e de corrupção, em que o
apelo popular e midiático tendem a ser maiores pelo desvio de finalidade da coisa
pública e mal uso de verbas públicas, tal pressão pode vir a influenciar julgamentos e
torna-los, eventualmente, deveras subjetivos e políticos, pela total ausência de critérios
racionais e respeito aos precedentes.
A teoria de HART defende que as normas jurídicas devem ser identificadas
através de uma regra social de reconhecimento. Assim sendo, ao juiz caberia tão
somente buscar no substrato que lhe é conferido pelas regras sociais pré-existentes a
norma jurídica que melhor atende ao caso particular. Entretanto, reconhecia o próprio
Hart que se chegaria a um determinado ponto de exaurimento das regras sociais (únicas
habilitadas a dar suporte a normas jurídicas), ponto este em que ao juiz não restaria
senão apelar para a sua subjetividade, desvinculando-se de quaisquer amarras legais,
sendo consequência mesma da proibição do “non liquet” frente à incompletude do
ordenamento jurídico. O sistema jurídico, para Hart, é bifásico dada a necessidade de
decidir e a incompletude do ordenamento jurídico. (CORDULA, 2014)
Em contrapartida, Ronald DWORKIN não vê na regra social de reconhecimento
a única maneira de identificar direitos ou normas jurídicas. Assim é que, a adoção da
teoria de Hart traria para o magistrado a ilusão de que estaria ele diante de uma lacuna
jurídica quando, na verdade, o que se lhe apresentara seria tão somente uma norma
principiológica. Isso significa dizer que uma norma que não pode ser identificada pela
regra social de reconhecimento de HART, dada a sua complexidade frente a este critério
identificador. (CORDULA, 2014)
Tal entendimento de DWORKIN (2003, p. 377/378) se verifica quando
contextualiza a questão através do caso “snail darter”, que chega ao Tribunal de
Hércules. O dilema consubstancia-se na situação em que Hercules precisa decidir se a
Lei das Espécies Ameaçadas concede ao ministro do Interior o poder de barrar um envolvendo alegada ilegalidade de sistema de aferição dos pulsos telefônicos, exclui-se interesse da Anatel, por não suportar esta ônus algum em ocorrendo eventual decisão desfavorável à concessionária do serviço telefônico, sendo, portanto, a Justiça Estadual competente para processamento e julgamento da ação neste sentido aviada. Cobrança de pulsos telefônicos além da franquia, nos moldes do art. 52 da Resolução 85/98 da Anatel, se configura lícita, sendo devido o pagamento de valores relativos ao serviço assim utilizado, máxime quando a mensuração dos pulsos é realizada pela apelante em consonância com as regras ditadas pelo agente público regulador, mediante equipamentos cuja eficiência não se fez desprestigiada, mesmo porque está a Telemar obrigada a emitir aos consumidores contas detalhadas das ligações locais apenas a partir de 1º.1.2006, em consonância com o artigo 7º, X, do Decreto 4.733/2006. Rejeitaram a Preliminar e As Prejudiciais de Decadência e Prescrição. Deram Provimento à Apelação Principal, Vencido o Vogal. Negaram Provimento à Apelação Adesiva. (Apelação Cível Acórdão Nº 1.0145.05.275582-7/001(1) de TJMG. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, de 24 Agosto 2006. Relator: Maurílio Gabriel)”
68
grande projeto federal para preservar um peixe pequeno, uma vez que o sentido da lei
não é muito claro.
Acerca do assunto, DWORKIN (2003, p. 378/379) expõe como referência ao
exemplo mencionado a forma pela qual os magistrados estadunidenses decidem
questões similares: É verdade que na prática jurídica norte-americana, os juízes referem-se constantemente às múltiplas declarações feitas pelos membros do Congresso e por outros legisladores, nos relatórios das comissões ou nos debates formais, a respeito da finalidade de uma lei. Os juízes afirmam que essas afirmações vistas em conjunto formam “a história legislativa” da lei, às quais devem respeitar.
Para DWORKIN (2003, p. 379) o Direito não possui mais de uma fase, não
devendo existir a delegação de poder ao juiz para julgar casos aparentemente sem
solução, pela criação de normas posteriores aos acontecimentos levados ao Judiciário. A
admissão do raciocínio positivista desconstitui a afirmação de que a norma jurídica
sempre será anterior ao fato.
Em uma análise antecedente das duas teorias propostas verifica-se que o âmago
da questão é o entendimento da natureza normativa ou não dos princípios, uma vez que
as consequências ocasionadas deste posicionamento resolvem, por conseguinte, as
demais problemáticas que estão relacionadas. Entendendo os princípios como sendo
revestidos de valores morais e políticos e, em razão disso, componentes do ordenamento
jurídico, tem-se a vinculação do magistrado a eles e a lógica perda da discricionariedade
nas decisões. De outro modo, defendendo a pureza formal do sistema e vedando
qualquer forma de inserção de substrato moral, político ou de qualquer conteúdo
valorativo, o resultado é que o poder discricionário se tornaria necessário e, por via de
consequência, o ordenamento jurídico é incompleto. (CORDULA, 2014)
HART reconhece que a exclusão dos princípios e o consequente reconhecimento
da discricionariedade fazem prova da incompletude do sistema. Entretanto, alega ser tal
incompletude necessária para uma maior coerência do próprio sistema, que faleceria
diante das incongruências oriundas da inserção de valores morais e políticos, ideia esta
defendida por Kelsen, em sua teoria pura do direito. (CORDULA, 2014)
RAWLS (1971, p. 85/86), ao relatar tal problemática relacionada à justiça
criminal, salienta que mesmo se seguindo os procedimentos legais à risca, ainda sim se
69
pode chegar a resultados equivocados, atingidos por uma série de circunstâncias
conforme o caso:
A justiça processual imperfeita pode ser exemplificada por um julgamento criminal. O resultado desejado sempre será o que declarar o réu culpado se, e somente se, ele cometeu o crime pelo qual é acusado. O procedimento do julgamento é etabelecidono sentido de procurar e estabelecer a verdade a esse respeito. Mas parece ser impossível conceber normas legais para que estas sempre indiquem o resultado correto. A teoria dos julgamentos examina quais os procedimentos e regras de prova devem ser seguidos, e com base nisso, calcula o real propósito previsto em lei para determinar o caminho correto. Disposições diferentes para casos em julgamento podem ser razoavelmente esperados em circunstâncias diferentes para produzir os resultados esperados (certos), pelo menos na maior parte do tempo. Um julgamento, então, pode ser denominado de um instante de justiça processual imperfeito. Mesmo quando a lei é cuidadosamente seguida, e os procedimentos são conduzidos bem e de forma justa, pode-se alcançar o resultado errado. Um homem inocente pode ser considerado culpado, um homem culpado pode ser posto em liberdade.32
Nota-se que em tais casos RAWLS fala de um erro judicial, onde a injustiça na
forma colocada não surge de falha humana, mas a partir de uma combinação fortuita de
circunstâncias, que frustra a intenção das normas legais ora em comento. A marca
característica da justiça processual imperfeita é que, embora existam critérios
independentes para o resultado correto, não há um procedimento exato que se possa
apontar como sendo o correto, com certeza a levar ao resultado justo. (RAWLS, 1971,
p. 85)
As formas tradicionais de interpretação das normas, tratadas pela hermenêutica
clássica, tampouco apontam uma solução ao problema. Julgamentos conforme a lei, sem
a inovação além dos limites desta, e levando-se em consideração a jurisprudência
devem pautar a atuação da aplicação do Direito ao caso concreto, o que geraria
economia e celeridade processual, bem como seria fundamental na melhora de
qualidade na prestação jurisdicional.
32 Tradução livre a partir do trecho original: Imperfect procedural justice is exemplified by a criminal trial. The desired outcome is that the defendant should be declared guilty if and only if he has committed the offense with which he is charged. The trial procedure is framed to search for and to establish the truth in this regard. But it seems impossible to design the legal rules so that they always lead to the correct result. The theory of trials examines which procedures and rules of evidence, and the like, are best calculated to advance this propose consistent with the others ends of the law. Different arrangements for hearing cases may reasonably be expected in different circumstances to yield the right results, not always but at least most of the time. A trial, then, is an instant of imperfect procedural justice. Even though the law is carefully followed, and the proceedings fairly and properly conducted, it may reach the wrong outcome. An innocent man may be found guilty, a guilty man may be set free.
70
Se a lei é lacunosa e/ou ambígua, deve o magistrado julgar conforme a
jurisprudência; caso esta seja dúbia e/ou lacunosa e o julgador se depara com uma
situação relativamente inédita, deve este abordar o caso não analisando apenas as partes,
mas sim deve levar em consideração a pacificação social, vendo o processo como uma
etapa complementar de legislação, procurando criar regra que sirva para o futuro.
Para tanto, o correto diagnóstico do problema levado a julgamento e,
posteriormente a isso, através de um exame de prognose por parte do magistrado no
intuito de se buscar antever os efeitos de tal decisão inovadora, é fundamental que tais
procedimentos sejam adotados utilizando-se elementos mais calcados na racionalidade,
com a análise de critérios de benefícios e custos de tal decisão, num aspecto social e
econômico.
Muito embora existam juízes que procuram aperfeiçoarem-se intelectualmente e
contribuir para a modernização e democratização do Judiciário, também ocorre o
oposto, conforme já mencionado por DALLARI (1999, p. 47):
...as cúpulas judiciárias se encastelaram em feudos bem protegidos, criando a possibilidade de deslizes éticos e descumprimentos de deveres funcionais com a proteção dos pares, que chega a ser cumplicidade, o acobertamento das faltas, sob pretexto de que a publicidade seria desmoralizante para o Judiciário, e garantia de impunidade, uma vez que os Corregedores – Gerais só exercem vigilância sobre os juízes de primeira instância.
A utilização de interpretações pautadas substancialmente na subjetividade do
julgador, muitas vezes justificada através do argumento de proteção aos direitos
fundamentais, foi objeto de destaque por MAGALHÃES FILHO (2015, p. 30), quando
menciona BÖCHENFÖRDE (2000, p. 42/43): De fato, ausente o paradigma filosófico do Direito Natural, posso concordar com Böckenförde, quando diz que o problema do neoconstitucionalismo é que os valores “não são suscetíveis de uma fundamentação racional mediada intersubjetivamente (...), não havendo um sistema racionalmente fundado para resolver os conflitos entre esses valores”. As decisões, então, só poderiam ser adivinhadas pelo “conhecimento das tendências jurisprudenciais, da personalidade e sensibilidade dos juízes e da atmosfera política dentro e sobre a Corte.
Princípios podem servir de subsídio, portanto, para decisões em diversos
sentidos, caso a fundamentação seja puramente subjetiva e ideológica. O direito à
liberdade, para alguns, serve de sustentação para o direito à escravidão às drogas. Para
os que defendem o direito das mulheres a realizarem aborto, a liberdade destas perpassa
71
sobre o direito à vida do feto, sob o argumento de que vida apenas começa após um
determinado mês de gestação, ou até mesmo, somente com o nascimento. Grupos de
pressão, ao invés de protestarem pela produção legislativa que entendem ser mais
coerente, passam a realizar pressão junto aos tribunais superiores, os quais têm
abandonado sua racionalidade jurídica para se arriscarem em um voluntarismo político
para o qual não gozam de legitimidade. (MAGALHÃES FILHO, 2015, p. 32/33)
O Estado de Direito presume a distinção entre política e direito, devendo o
primeiro ser limitado pelo segundo. Um Direito politizado, bem como a juridificação da
política são abalos na estrutura do Estado de Direito. (MAGALHÃES FILHO, 2015, p.
37)
LUHMANN (2011, p. 30), por sua vez, manifesta seu descontentamento ao se
deparar com políticos que não aplicam o direito, mas sim agem conforme suas
convicções e idiossincrasias: Não tiro conclusões sobre assuntos públicos a partir de minhas representações pessoais, mas tenho certas percepções que determinam minhas orientações políticas. Por exemplo, irrito-me pessoalmente quando os políticos não aplicam o direito, ou quando, por motivos políticos, permitem a ocupação de casas. Não seria contra a lei que legalizasse tal ocupação, mas não acho correto deixar de executar o direito por considerações políticas. Uma atitude política dessa natureza concerne aos meus interesses pessoais, pois quero saber se posso ou não fazer valer meus direitos. Deixe-me dar-lhe outro exemplo: certa vez, numa conversa com planejadores de processos eleitorais, ouvi que não se deveriam fazer discursos complicados, pois as pessoas só queriam saber quem são os bons e quem são os maus. Tratar a oposição política dessa forma tão imoral me parece uma atitude totalmente antidemocrática, uma vez que a oposição sempre deve ser aceita. Também me irrita, na política feira em Bonn, o moralismo com o qual sempre se descreve o inimigo. Incomoda-me, do ponto de vista teórico, não haver nenhuma outra possibilidade de escolha. Nos Estados Unidos, por exemplo, cada vez mais se respeita esse limite: McCarthy, que nos anos 1950 ousou desconhecer isso, acabou totalmente liquidado.
A compreensão e a aplicação do Direito, indene de dúvidas, é tarefa bastante
complexa, razão pela qual no momento em que se afasta das bases principiológicas,
doutrinárias e legais, o risco de se desenhar um quadro temerário é elevado, frustrando o
direito do jurisdicionado em ver a situação submetida ao judiciário resolvida de forma
segura e imparcial, com um mínimo de previsibilidade.
72
Os julgamentos proferidos pelo Judiciário brasileiro que se afastam dos
princípios constitucionais e democráticos apenas atendem interesses alheios aos dos
jurisdicionados, conforme já manifestou FRANÇA NETO (1994, p. 122): No momento, pois, em que se manifestam candentes críticas à Justiça brasileira é oportuna a mudança de consciência e de atitude dos magistrados, mormente daqueles encarregados de presidir os destinos da Justiça, para marcar uma posição flagrantemente nova, diligente, atuante e necessária às reais atribuições e importância do cargo que passam a exercer o Poder Judiciário. A ausência de soluções consensuais, dada a falta de integração dos diversos segmentos da magistratura nacional e da sociedade, colabora para a inadequação de propósitos que deveriam ser comuns e consequentes à Justiça, o que somente enfraquece o Poder perante o desmesurado arbítrio daqueles que teimam em tangenciar os princípios democráticos e constitucionais.
REALE JUNIOR (1996, p. 50), ao conceder uma entrevista ao jornalista Alfredo
Leão, manifestou-se acerca do problema que os lobbies políticos acarretam nas decisões
proferidas pelo Poder Judiciário, conforme segue: Até que ponto os lobbies determinam as ações do Judiciário? Reale Jr. – Eu diria que os lobbies atingem não apenas ao Judiciário, mas principalmente ao Legislativo. Atualmente, no Brasil, o principal problema é o cooperativismo, que é o que se encontra no tocante à resistência às corporações que estão muito presentes no Congresso Nacional, acima dos partidos políticos. Vejamos a reforma da Previdência Social, que não atinge ao aposentado de menor poder aquisitivo mas sim a interesses vultuosos daqueles que são os privilegiados, como membros do Judiciário, do Ministério Público – a classe jurídica é altamente privilegiada -, os servidores públicos bem remunerados e, na verdade, acabe se fazendo com que o aposentado seja massa de manobra para defesa de interesses corporativos. E o mais espantoso é que a chamada “esquerda brasileira” se põe à frente, em campo, para defender interesses corporativos dos privilegiados da Previdência.
Regras comuns de hermenêutica, dependendo da técnica utilizada, levam a
resultados distintos, dados os diversos métodos interpretativos existentes, que são
aplicados, em última instância, através da subjetividade de cada magistrado.
AVILA (2015, p. 171) destaca a dicotomia de critérios utilizados entre as
decisões dos Tribunais Superiores tanto na Alemanha quanto no Brasil, em comparação
com os órgãos inferiores da jurisdição:
No caso do controle concentrado de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Constitucional Alemão têm analisado atos administrativos ou normativos editados em desconformidade com a Constituição. Apesar disso, os Tribunais têm proferido várias decisões no sentido de manter os efeitos decorrentes desses atos por
73
entender que manter os seus efeitos “promove mais” o ordenamento constitucional do que não mantê-los.
Mais adiante, quando AVILA (2015, p. 171) reconhece as várias formas de
interpretação existentes, aponta a que fora escolhida pelo Supremo Tribunal Federal: No caso de interpretação de regras constitucionais, como as regras de imunidade, o Supremo Tribunal Federal tem optado, dentre as alternativas interpretativas existentes, por aquela que seja “mais suportada” pelos princípios constitucionais fundamentais.
Para que o Poder Judiciário efetivamente sirva ao jurisdicionado, da maneira
preconizada no texto constitucional, é necessário resgatar a característica de
intangibilidade, transparência e presteza dos órgãos do Judiciário, qualidades sem as
quais não sobrevive incólume ao elevado desejo de se fazer Justiça.
É tarefa e responsabilidade de todos os juízes, indeclinável, principalmente
àqueles incumbidos de presidir e administrar o Poder Judiciário, para que se ponha em
exercício uma autonomia política efetivamente voltada para a solução do problema que
atinge o cerne da instituição, que é a credibilidade na Justiça. Para tanto, decisões
pautadas em silogismos com referência em subjetivismos eivados de carga ideológica e
emocional irão produzir julgamentos das mais variadas espécies, sem que se consiga
uma uniformização de entendimento, tão relevante para a garantia de segurança jurídica
à sociedade.
O Poder Judiciário, portanto, apenas servirá aos jurisdicionados no momento em
que repensar a forma como atua mediante o ativismo judiciário atual, bem como romper
as amarras políticas que, ao mesmo tempo que lhe tolhem os movimentos, também o
condiciona a agir de maneira diversa da prescrita no ordenamento jurídico.
DWORKIN (2003, p. 323) reconhece a influência das convicções políticas nas
decisões dos magistrados, especificamente fazendo menção à realidade estadunidense
para, ao final, destacar que um movimento acadêmico que vem de encontro a tais
situações é chamado de “abordagem econômica do direito”: ...o fato de que a convicção política desempenha um importante papel na decisão judicial, e que, em qualquer época, a forma do direito reflete ideologia, poder e aquilo que é erroneamente chamado de “lógica”. Também pretendem tornar os estudantes de direito maus receptivos a outras disciplinas, particularmente à linguística francesa e a metafísica hegeliana. Suas atitudes políticas situam-nos, enquanto grupo, à esquerda do espectro político norte-americano (eles têm sido particularmente ativos em diferentes aspectos da política das escolas de direito), e grande parte das suas publicações se opõe ao que consideram desenvolvimentos conservadores da teoria jurídica. Em
74
particular, opõem-se ao outro grande movimento acadêmico na história recente do ensino jurídico nos Estados Unidos, às vezes chamado de abordagem econômica do direito.
Através do problema de interpretação das normas apresentado é que a Análise
Econômica do Direito se faz pertinente, tendo como finalidade introduzir uma
metodologia que contribua de maneira substancial para a compreensão dos
acontecimentos sociais, bem como que auxilie na tomada racional de decisões jurídicas.
(GICO JR, 2010, p. 16)
As bases epistemológicas utilizadas pela Economia na resolução de problemas
do cotidiano do homem, em especial com relação a produção e aplicação de leis em uma
esfera inicialmente não mercadológica, aprimoram a otimização que se pretende dar aos
efeitos das normas perante a sociedade, e, no tocante ao tema do presente estudo, na
eficácia de medidas que visem coibir a prática de atos de corrupção de maneira
eficiente.
A Lei 12.846/2013 surgiu em momento relevante neste sentido, para aplicar a
realidade brasileira mecanismos de combate à corrupção e, ainda que não tenha sido
apreciada pelo Poder Judiciário através de nenhum caso concreto até o presente
momento, verifica-se a aplicação da norma em regras de “compliance” adotadas pelas
empresas, que, por si só, através de um exame de prognose, pode-se mensurar que o
impacto a médio e longo prazo seja proveitoso pela relevância de condutas éticas mais
valorizadas.
2.2 Critérios Econômicos Para Análise das Relações Sociais
Durante toda a vida cotidiana pessoas são compelidas a adotar uma série de
decisões, dentre as mais variadas possíveis, que almejam dirigir suas rotinas da melhor
forma que julgam possível. Referidas decisões são perseguidas buscando auferir a maior
vantagem sempre, dentro de padrões lícitos, como na negociação de um imóvel, na
pesquisa de preços para a compra de um bem qualquer ou no caminho a ser escolhido
que tenha menos tráfego de veículos, por exemplo.
Os recursos dos quais as pessoas em geral dispõem em sua vida, seja tempo, seja
dinheiro, são finitos, e em razão disso escolhas baseadas na racionalidade são tomadas
no intuito de maximizar tais bens pelo fato de ser o futuro imprevisível.
75
Em muitos casos, a hesitação em escolher entre esta ou aquela decisão pode ser
acertada, e em outros, agir sem pensar pode causar prejuízos com relação aos recursos
disponíveis. O ser humano costuma antecipar mentalmente as consequências de suas
decisões, contudo, as implicações reais das ações e omissões apenas poderão ser
avaliadas após os efeitos das preferências adotadas. (MACKAAY, 2015, p. 25)
Tratando-se de economia, logo referências mercadológicas são referenciadas, e
se pensa por consequência em dinheiro, concorrência entre empresas, relação destas
com seus consumidores, trabalho, desemprego, inflação, etc. Para GICO JR (2010, p.
16/17), várias outras questões que muitas vezes não são relacionadas com economia são,
em sua essência, tão interligadas com esta ciência do conhecimento quanto o fluxo de
mercados e a relação cambial, conforme segue: Por outro lado, não são tradicionalmente consideradas econômicas perguntas do tipo: por que estupradores costumam atacar entre 5:00 e 8:30 da manhã ou à noite? Por que os quintais de locais comerciais são geralmente sujos, enquanto as fachadas normalmente são limpas? Por que está cada vez mais difícil convencer os Tribunais Superiores de que uma dada questão foi efetivamente pré-questionada? Por que em Brasília os motoristas param para que um pedestre atravesse na faixa, mas em outros locais do Brasil isso não ocorre? Por que os advogados passaram a juntar cópia integral dos autos para instruir um agravo de instrumento quando a lei pede apenas algumas peças específicas? Por que o Governo costuma liberar medidas tributárias ou fiscais impopulares durante recessos e feriados, como o Natal? Por que o número de divórcios aumentou substancialmente nas últimas décadas? Por que existem várias línguas? Para a surpresa de alguns essas perguntas são tão econômicas quanto as primeiras e muitas delas têm sido objeto de estudos por economistas. Se pararmos para pensar, de uma forma ou de outra, cada uma das perguntas do parágrafo anterior impõe decisões aos agentes. Se envolvem escolhas, então, são condutas passíveis de análise pelo método econômico, pois o objeto da moderna ciência econômica abrange toda forma de comportamento humano que requer a tomada de decisão.
Tal circunstância se deve, substancialmente, pelo fato de que a economia não é
uma ciência que estuda um objeto pronto e acabado, mas sim é tratada como um método
de análise de interações sociais. A abordagem econômica serve para que se
compreendam as decisões individuais ou coletivas que consistam sobre recursos
escassos, sejam elas adotadas na esfera mercadológica ou não. Desta forma, as
atividades humanas proeminentes, nessa concepção, sempre serão passíveis de análise
econômica. (GICO JR, 2010, p. 17)
76
Como definição de Economia, pode-se conceituar como a ciência social que
estuda de que maneira a sociedade decide empregar recursos produtivos escassos na
produção de bens ou serviços, de modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos
da sociedade, a fim de satisfazer as necessidades humanas. (VASCONCELLOS, 2014,
p. 2)
A administração de recursos escassos, portanto, é o objeto das ciências
econômicas, e as escolhas a serem adotadas na administração de tais recursos, com a
finalidade de maximizá-los, faz parte do arcabouço de alternativas que os estudos nessa
área informam aos economistas, no escopo de apontar a melhor alternativa a ser adotada
frente a um caso concreto.
O grande questionamento pode ser feito da seguinte forma: como a Economia
ajudará a sociedade a fazer as opções que maximizem os recursos escassos de que
dispõe, frente a uma realidade de aumento constante de demanda impulsionado pelo
desenvolvimento social?
Qualquer decisão, tanto na esfera individual, na qual as ciências econômicas
denominam de microeconomia, quanto na esfera coletiva, caracterizada por
macroeconomia, resultará em um conflito de custos e benefícios para a sociedade. O
papel da Economia é mostrar aos estudiosos quais são os custos e benefícios associados
a cada escolha, e de que maneira, através de critérios racionais, pode-se melhorar cada
vez mais o aproveitamento destas escolhas (VASCONCELLOS, 2014, p. 17)
Ao se aumentar impostos, instituir novas políticas públicas ou aumentar a pena
de uma pessoa condenada por determinado delito, existem impactos que envolvem
custos e benefícios para toda a sociedade. Tais custos, contudo, não necessitam versar
única e exclusivamente na esfera de mercado, envolvendo diretamente a utilização de
dinheiro, mas sim engloba circunstâncias de bem estar social, segurança jurídica e
previsibilidade das decisões judiciais, por exemplo.
Uma das grandes falácias da economia é que a mesma versa apenas sobre
dinheiro. Segundo entendimento de POSNER (2007, p. 6) a economia distingue
diversas situações da vida cotidiana e busca aplicar conceitos de racionalidade para se
extrair os custos e benefícios das relações sociais, em seus mais variados aspectos: Esta discussão sobre custos ajudará a desfazer uma das maiores e tendenciosas falácias acerca da economia – de que versa sobre dinheiro. Pelo contrário, é sobre o uso dos recursos, sendo o dinheiro uma mera consequência sobre os recursos. O economista distingue entre transações que afetam o uso dos recursos, tendo ou não o dinheiro mudado de mãos – e de transações puramente pecuniárias –
77
como transferências de pagamentos. Uma dona de casa é economicamente ativa, ainda que que seja a esposa que não receba compensação pecuniária; isso envolve custo – principalmente o custo da dona de casa medido pelo seu tempo gasto. O sexo também é uma atividade econômica. A busca por uma parceira sexual toma tempo e isso impõe um custo medido pelo valor do tempo que poderia ser utilizado de outra forma. O risco de uma doença sexualmente transmissível ou de uma gravidez indesejada também são custos provenientes do sexo, sendo um custo não necessária e diretamente pecuniário.33
Em sentido oposto, ROSA (2011, p 90) entende que a interferência do raciocínio
econômico na esfera jurídica acabaria por afastar postulados de justiça, bem como o
caráter social de aplicação da norma ao caso concreto, por interpretar todas as situações
exclusivamente buscando a eficiência econômica, conforme segue: A proliferação do discurso técnico-econômico implica na – aparente – despolitização do jurídico. As consequências podem se fazer ver na maneira pela qual os conflitos sociais são encaminhados, ou seja na lógica contratual de custos/benefícios sociais, sem uma vinculação normativa estrita. Longe de se defender um retorno (saudosista) ao normativismo (positivismo) e sua maneira formalista de compreender o mundo, pretende-se demonstrar como este diálogo opressor e sem “hospitalidade” entre o neoliberalismo sobre o Direito tornou a teoria da decisão judicial um instrumento a ser medido pela “eficiência do provimento”.
Este posicionamento crítico, portanto, entende que a justiça social é apartada do
Direito ao se utilizar critérios econômicos na interpretação que apenas visem atingir
eficiência econômica, entendendo possuir uma ideologia classificada como neoliberal.
(ROSA, 2011, p. 91)
As críticas, neste sentido, são embasadas em argumentos de que a confluência da
economia para ser uma alternativa na interpretação das leis ao caso concreto são no
sentido de que tudo se resume a uma lógica de mercado, escolhendo duas formas de
mediação formais e regras cambiantes, podendo se negociar absolutamente tudo em
nome da liberdade. (ROSA, 2011, p. 92)
33 Tradução livre a partir do trecho original: This discussion of cost may help dispel one of the most tenacious fallacies about economics – that is about Money. On the contrary, it is about resource use, money being merely a claim on resources. The economist distinguishes between transactions that affect the use of resources, whether os not money changes hands, and purely pecuniary transactions – transfer payments. Housework is an economic activity, even if the housewoerker is a spouse who does not receive pecuniary compensation; it involves cost – primarily the opportunity cost of the houseworker’s time. Sex is an economic activity too. The search for a sexual partner takes time and thus imposes a cost measured by the value of that time in its next-best use. The risk of a sexually transmitted disease or of an unwanted pregnancy is also a cost of sex – a real, thought not primarily a pecuniary, cost.
78
Entretanto, para os defensores da interação maior entre Economia e Direito,
utilizando critérios da primeira ciência para se interpretar a segunda, não há a ocorrência
de um viés mercadológico, mas sim mecanismos de entendimento das relações sociais
mediante a maximização dos benefícios, para as duas partes, buscando sempre um ponto
de equilíbrio.
Não se pode pensar em aplicação da justiça, no sopesamento de princípios, no
embate destes com regras, sem levar em consideração critérios de eficiência nos efeitos
que tais disposições tem sobre a vida das pessoas que serão atingidas por tais
interpretações. O mecanismo de análise que se utiliza partindo da Economia, portanto,
visa sedimentar a justiça aplicando a norma de maneira eficiente, equilibrada, não tendo
relação, muitas vezes, com valores pecuniários.
Para tanto, uma relação entre Economia e Direito é fundamental, uma vez que
através de critérios econômicos de resolução de situações pode-se chegar a soluções
jurídicas que atendam as mais rigorosas acepções de justiça, pelo simples fato de que o
emprego de métodos racionais deixam pouca margem à imprevisibilidade, que é um dos
pilares da segurança jurídica que todos almejam em um Estado de Direito.
As relações entre filosofia moral, direito e economia são muito mais fortes do
que se imagina, principalmente pelos estudantes destas três áreas do conhecimento.
Tanto para a economia quanto para o direito, por exemplo, um direito à propriedade é
um direito de excluir as demais pessoas do uso de algum recurso escasso, sendo tal
direito absoluto dentro de seu domínio. POSNER (2010, p. 84) manifesta tal
entendimento no sentido de que “aquele que careça de um determinado bem sobre o
qual outra pessoa tenha direito de propriedade não poderá tirar esse direito dela
recorrendo ao bem-estar da sociedade”. Mais adiante, POSNER (2010, p. 84)
exemplifica a situação: Por exemplo, se A estaciona seu carro na garagem de B e este pede em juízo que A se retire de lá, A não pode se defender alegando ao juiz que a garagem, na verdade, vale mais para ele que para B (talvez por ser o carro de A mais caro que o de B). A tampouco pode tomar a garagem e esperar que B o acione para obter o valor de mercado daquela. Ele precisa negociá-la com B. O que faz com que o direito em questão seja absoluto é o fato de não se poder extingui-lo ou transferi-lo sem o consentimento de seu detentor.
No sistema de “Common Law” já se pode verificar a utilização da estrutura
econômica implícita em decisões judiciais, não se restringindo tais estudos, contudo, a
aplicação explícita da economia do direito, como por exemplo na fórmula do juiz
79
Learned Hand para a responsabilidade civil por negligência, em que é considerada como
falta de cuidado nos casos em que o ônus da precaução é menor que a probabilidade de
ocorrência do acidente, multiplicada pelo prejuízo advindo da sua concreta ocorrência.
Ao resultado disso, para a economia, tem-se os custos esperados do acidente.
(POSNER, 2010, p. 8)
Segundo explica POSNER (2010, p. 8/9), a lógica no “common law”, sistema
jurídico onde a análise econômica do direito foi concebida, ocorre de maneira
diferenciada, em circunstâncias que o direito acaba seguindo princípios econômicos na
resolução de conflitos: A partir da análise de uma miríade de doutrinas jurídicas, muitos economistas, bem como juristas inclinados ao pensamento econômico, constataram que o direito obedece misteriosamente às leis da economia. São exemplos dessas doutrinas jurídicas, entre outros, a presunção de risco na responsabilidade civil, os graus de homicídio, os princípios que regem a indenização por perdas e danos decorrentes de atos ilícitos e inadimplemento contratual, a causa próxima, erro e fraude no direito das obrigações, os princípios de ressarcimento, a doutrina da “obrigação moral”, a ordenação dos direitos de propriedade sobre a água, a coautoria do ato ilícito e as regras de recompensa por salvatagem no direito marítimo.
No sistema “civil law”, em que os juristas estão acostumados a pesquisar a
unidade do Direito, a análise econômica propõe leitura distinta. Os critérios de
racionalidade que a Economia empresta podem ser utilizados para dinamizar o
positivismo à medida que os códigos envelhecem, uma vez que regras de interpretação
pautadas na racionalidade e na eficiência, com objetivo de maximizar benefícios e
diminuir custos, tendem a ser aplicadas de maneira uniforme, previsível e adequada.
(MACKAAY, 2015, p. 674/675)
A explicação da razão de ser dos princípios do direito civil mediante a análise
econômica dos mesmos, e a associação destes aos efeitos sociais que produzem permite
a produção de regras à luz dos seus efeitos. A adaptação da doutrina tradicional,
portanto, às circunstâncias mutáveis das sociedades, principalmente com relação às
disciplinas relacionadas aos contratos e à responsabilidade civil recorrem à análise
econômica do direito, sendo este método de interpretação útil para dinamizar tais regras,
tornando-as mais úteis. (MACKAAY, 2015, p. 677/678)
A Economia estuda o papel do empresário, suas atividades empreendedoras e
negociais, assim como o Direito que, através de regras de Direito Econômico, visa
80
proteger o mercado frente ao desequilíbrio concorrencial ocasionado por más práticas,
como, por exemplo, atos de corrupção.
Para se saber em que oportunidades o Estado deve intervir no mercado, a
conjunção entre Direito e Economia é primordial, e os critérios para se chegar à esta
resposta apenas podem ser adequados se regras de raciocínio estiverem interligadas,
pois a resolução de situações de conflito envolvem tanto as searas jurídica quanto a
econômica, dada a complexidade das relações.
O controle das estruturas de mercado, portanto, diz respeito aos atos que
resultem em qualquer forma de concentração econômica, e aqui pode-se mencionar
fusões, incorporações ou constituições societárias de diversas espécies, o que remonta,
mais uma vez, à necessidade de integração das duas ciências. (VASCONCELLOS,
2014, p. 23)
Neste sentido observaremos nos itens a seguir que, a análise econômica do
direito busca trazer mecanismos eficientes que conciliem um olhar mediante critérios
econômicos sobre questões jurídicas tradicionais, do mesmo modo que remete os
estudiosos de ambas as áreas a utilizar mecanismos de racionalidade com o intuito de se
obter a máxima otimização das decisões, buscando antever o impacto de cada
circunstância na realidade social.
Regras de combate e prevenção da corrupção, por exemplo, representadas pela
Lei nº 12.846/2013, podem ser referenciadas com este viés, precipuamente no atinente
ao “compliance” empresarial, que tem o condão de agir preventivamente, minimizando
as chances de atos de corrupção surgirem, protegendo o mercado concorrencial e
melhorando as relações negociais entre empresas e consumidores, além de diminuir os
prejuízos ocasionados na esfera da administração pública.
2.3 Análise Econômica do Direito – Uma Perspectiva Nova sobre Questões
Jurídicas
A relação entre Direito e Economia, no Brasil, ainda parece causar grande
desconforto em parte da doutrina (STRECK, 2011, p. x), não existindo, ao menos no
Brasil, uma produção científica robusta que celebre a interdisciplinariedade entre estas
duas ciências.
A dificuldade em se conectar princípios econômicos à resolução de problemas
jurídicos é recorrente, uma vez que a associação da flutuação de preços de produtos de
81
consumo direto podem ter estreita relação com regras de liberdade, direitos
fundamentais e toda a sorte de normas de relacionamento social que se possa imaginar.
(CARVALHO, 2012, p. 27)
Alcunhas como sendo ideologia “neoliberal”, “conservadora” ou “de direita” são
verificadas nas críticas à teoria da Análise Econômica do Direito, conforme manifesta
CARVALHO (2012, p. 28):
As alcunhas mais usuais são de ser uma escola de pensamento neoliberal, conservadora ou de direita. As falácias são auto evidentes, a começar pelos termos empregados. “Neoliberalismo” sequer é uma escola ou linha de pensamento econômico, sendo tão somente um termo pejorativo atribuído à célebre Escola de Chicago. A denominação “Escola de Chicago” refere-se, entretanto, a faculdade de economia da homônima universidade, detentora de diversos laureados pelo Nobel. Juristas de grande renome, no entanto, pertencem ou pertenceram à faculdade de direito da mesma instituição, tais como Richard Posner, Douglas Baird e Cass Sunstein. “Conservador”, por sua vez, é um predicado relativo, ou seja, depende daquilo que se quer conservar. O adjetivo, em si, é destituído de caráter substantivo. Por fim, talvez a alcunha mais vulgar seja a “de direita”, pois denota não apenas falta de conhecimento sobre os diferentes autores, linhas e escolas dentro do panorama geral da Análise Econômica do Direito (cujo espectro vai desde posições pró-mercados a posições intervencionistas, ou de viés neoclássico a um viés behaviorista), como também denota profunda ignorância sobre os conceitos mais básicos da Ciência Econômica, notadamente a distinção entre análise positiva e normativa.
Algumas censuras relevantes, dentro da doutrina brasileira, são mencionadas por
ROSA (2011, p. 77) quando atesta que apesar da relevância do raciocínio de avaliação
econômica que a análise econômica do direito empresta ao jurista, uma vez que a
compreensão dos efeitos no aspecto econômico, por vezes, mostra-se útil, bem como a
investigação da origem das normas sob este panorama também é salutar num panorama
de custos e benefícios, manifesta sua preocupação com a consistências dos dados
colocados sob estudo pois “a manipulação destes dados pela AED é que se constituem
na crítica a se fazer, porque os mesmos dados podem ser lidos de diversas miradas.”
A neutralidade da análise econômica do direito, defendida em razão da
racionalidade emprestada pela economia, é criticada com o argumento de que a
determinação do conteúdo das normas e de decisões judiciais tornar-se-ia temerário por
ser a teoria de cunho “manifestamente ideológico”. (ROSA, 2011, p. 77)
A autonomia do Direito, conquistada através de postulados democráticos a partir
do segundo pós-guerra, nesta linha crítica, é ameaçada pela análise econômica do direito
82
pelo perigo que esta teoria ofereceria à concretização de direitos fundamentais.
(STRECK, 2011, p. xi)
A ausência de sentido emprestada pela análise do direito às normas
fundamentais é um dos principais problemas para STRECK (2011, p. xii), que
manifesta sua censura pelo fato de que a teoria ora em análise demanda que o Direito
perca sua autonomia:
...a partir das diversas teses que apostam na AED – análise econômica do direito, no interior das quais as regras e os princípios jurídico-constitucionais só têm sentido funcionalmente. Ou seja, em uma dimensão absolutamente pragmática, o direito não possui “DNA”. Para as diversas posturas pragmático
Mais adiante, STRECK (2011, p. xii) conclui entendendo que o
consequencialismo emprestado ao direito pela teoria da sua análise econômica lhe retira
todo o sentido, servindo apenas na manutenção do poder aos grupos hegemônicos: Por isso, ocorre um constante enfraquecimento da perspectiva interna do direito, isso porque, compreendido exogenamente, o direito deve servir apenas para “satisfazer”, de forma utilitária, às necessidades “sociais” dos grupos hegemônicos, deixando-se de lado exatamente a parcela do direito previsto na Constituição – veja-se, portanto, a importância paradigmática do constitucionalismo e da autonomização do direito que isso proporcionou – que resgata as promessas incumpridas da modernidade.
Desta forma, a economia é vista como uma ciência que trata de bens, situando o
sujeito como uma característica de objeto, sendo este apenas um “agente econômico”.
(ROSA, 2011, p. 117)
Tal forma de se analisar os indivíduos que compõem a sociedade, e a maneira
utilitarista a ser empregada na aplicação da norma, que, para os críticos mencionados,
retira-lhe a identidade por um núcleo vazio de valores, assim como, para estes, é o
mercado, apenas demonstra que o direito através desta teoria está a serviço dos
interesses do capital, tendo como consequência o aprofundamento da miséria. (ROSA,
2011, p. 118)
Regras democráticas, portanto, não poderiam ter sua aplicação visando única e
exclusivamente a maximização da riqueza, que, para tais autores contrários a análise
econômica do direito, esta é a única intenção da teoria, que tem como consequência uma
racionalidade que desconhece direitos fundamentais. (ROSA, 2011, p. 122)
Outra circunstância crítica apontada seria acerca da confusão existente entre
eficiência e efetividade dos resultados pretendidos de aplicação da norma ao caso
83
concreto. Para ROSA (2011, p. 140), o discurso da eficiência trazido na teoria
econômica ofusca, na realidade, o pano de fundo que é a transformação dos direitos
fundamentais em direitos patrimoniais: É que confundindo efetividade (fins) com eficiência (meios), grudando falsamente os significantes como sinônimos, na ânsia de melhorar a realidade, muitos atores jurídicos caem na armadilha do discurso neoliberal, ao preço da exclusão (sempre existem vítimas, ecoa Dussel), e da Democracia, por se vilipendiar, necessariamente, os Direitos então Fundamentais e rebaixados à condição de meros Direitos Patrimoniais (Ferrajoli). Apesar do fascínio ofuscante do discurso eficientista, muito por anestesiar os crédulos de sempre, não se pode, entretanto, romper com as regras do jogo democrático em nome da rapidez/eficiência (aceleração), a qual não deve ser confundida com efetividade.
Um dos críticos mais incisivos de teorias de maximização da riqueza foi
DWORKIN, que em sua obra “Whealh is a Value?” afirma não ser a riqueza um valor
social, tampouco algo que sequer compõe o valor social. (POSNER, 2010, p. 129)
DWORKIN, ao tratar do assunto entende que o ato de produzir para os outros
não tem valor moral inerente, uma vez que o agente atua com a intenção de beneficiar
apenas à si próprio, definindo que o valor moral aqui consiste unicamente nas vontades
ou intenções do agente, por isso, seria deficiente. (DWORKIN, 1980, p. 211 apud
POSNER, 2010, p. 135)
Em resposta às críticas de DWORKIN, POSNER (2010, p. 135) menciona: Essa é uma definição restrita. Se, como o resultado do incentivo à maximização da riqueza, os desejos egoístas (que, na maioria dos indivíduos, são os mais fortes) forem postos a serviço de outras pessoas sem a necessidade de haver coerção, essas propriedades deveriam torna-las mais atraente aos olhos do altruísta empenhado em elaborar um sistema social.
Em razão de diferentes metodologias utilizadas tanto pelo Direito (que se vale de
uma forma dogmática e abstrata pela construção de modelos a partir de dados empíricos
coletados na sociedade associados a teorias) quanto pela Economia, juristas ainda
possuem certa desconfiança na associação de raciocínios econômicos aos esquemas
abstratos predominantes nas formulações das normas jurídicas. (SZTAJN, 2005, p. 75)
Em entendimento diametralmente oposto, POSNER (2007, p. 27) ressalta que
eficiência e justiça são conceitos intimamente ligados, e não há efetivação de direitos
fundamentais sem a aplicação eficiente da justiça: A abordagem econômica à lei é criticada por ignorar a "justiça". Deve-se distinguir entre os diferentes significados existentes. Às
84
vezes, isso significa que a justiça distributiva, como sendo o grau adequado de igualdade econômica - e às vezes isso significa eficiência. Veremos, entre outros exemplos, que quando as pessoas descrevem como injusta a condenação de uma pessoa sem julgamento, tendo sua propriedade desapropriada sem uma compensação justa, ou falhando em compelir o motorista negligente que causou danos à vítima em compensá-la, elas não significam nada além de inutilizar recursos. Mesmo princípio de aplica em casos de enriquecimento sem causa, podendo tal circunstância derivar do conceito de eficiência. Um não deve ser surpreendido que em um mundo onde recursos escassos deve ser considerado como imoral.34
A aproximação entre Direito e Economia é uma realidade. Ainda que os fatos
sejam considerados mediante uma visão quantitativa e empírica, afeita à metodologia
econômica, não se tratará de um desserviço à argumentação jurídica de caráter
qualitativo. (SZTAJN, 2010, p. 82)
No tocante às críticas de que a utilização de critérios econômicos na
interpretação do Direito esvaziaram este de sentido e autonomia, cumpre ressaltar o
artigo 186 da Constituição da República35, que trata da função social da propriedade.
O inciso I do artigo mencionado trata do “aproveitamento racional e adequado”
da propriedade, para que cumpra sua função social. Tal termo é demasiadamente vago,
tendo sido regulamentado pela Lei 8.629/93, que trata da reforma agrária. De acordo
com esta legislação infraconstitucional, propriedade produtiva é ...aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra (...) e de eficiência na exploração (...), segundo índices fixados pelo órgão federal competente. (VERA, 2014, p. 213)
Como saber qual o uso racional da terra? Qual é a forma pela qual se obtém uma
eficiente exploração para que cumpra sua função social?
34 Tradução livre a partir do trecho original: The economic approach to law is criticized for ignoring “justice”. One must distinguish between the different meaning of this world. Sometimes it means distributive justice, the proper degree of economic equality – and sometimes it means efficiency. We shall see, among other examples, that when people describe as unjust convincting a person without a trial, taking property without just compensation, or failing to make a negligent automobile driver answer in damages to the victim of his negligence, they mean nothing more pretentious than that the conduct wastes resources. Even the principle of unjust enrichment can be derived from the concept of efficiency. One should not be surprised that in a world of scare resources waste should be regarded as immoral. 35 Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em leu, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem – estar dos proprietários e dos trabalhadores.
85
A relação entre Direito e Economia, neste aspecto, parece ser inseparável para
responder a tais questões, uma vez que a legislação aplica o conceito de produtividade
de maneira geral, tendo o único fator de mensuração da produção a quantidade de terras
medida por hectare. Insumos de terra, fatores de produção e aproveitamento de mão de
obra adequada parecem ser informações que o Direito necessitará coletar das ciências
econômicas, para fazer cumprir o postulado “função social da propriedade”, que
acarretará no cumprimento de normas de direito fundamental, ao contrário do
posicionamento crítico que acusa esta conjunção de diminuir a autonomia do Direito em
face da economia.
O estudo detalhado dos efeitos das leis evitam prejuízos para toda a sociedade.
VERA (2014, p. 215) trata como exemplo, ainda na interpretação da legislação sobre a
temática da função social da propriedade, os efeitos negativos em se interpretar uma
norma mediante a utilização equivocada de critérios de produtividade, que estão
intrinsecamente ligados às ciências econômicas, conforme segue:
Como exemplo, uma fazenda que é essencialmente produtiva pode ser declarada erroneamente improdutiva com base em um índice equivocado de produtividade aplicado pela lei, que cria efeitos distorcidos para a sociedade. Assim, uma desapropriação onera os contribuintes, e pode estar distorcendo incentivos ao produtor, gerando efeitos perversos para o crescimento econômico.
Entretanto, apesar de todas as críticas tecidas, ROSA (2011, p. 143) reconhece o
valor da análise econômica do direito, mas não sem antes se refletir acerca da aplicação
da teoria através de um antecedente debate sobre as instituições democráticas do Estado
de Direito, não se podendo vincular, unicamente, este às regras e ideologias de mercado: Desta forma, pode-se dizer que o estudo da AED é importante como elemento nas decisões democráticas, dado que proporciona uma leitura das funções que Instituições possuem e podem vir a ocupar, bem assim o impacto econômico das eventuais reformas legais no contexto individual e coletivo. A escassez de recursos para a satisfação das necessidades também pode ser levada em consideração, evitando-se o desperdício de recursos. Contudo, a utilização dos pressupostos da Law and Economics não pode acontecer sem um debate antecedente do modelo de Estado Democrático de Direito, que se almeja e que não pode se vincular exclusivamente ao mercado, sob pena de se acolher ingenuamente o modelo neoliberal de desprezo ao Direito e à dignidade da pessoa humana (Dussel).
Para que se compreenda as pressuposições elementares da Análise Econômica
do Direito é fundamental que se realize um retrospecto histórico do surgimento das
principais bases doutrinárias que constituem esta forma de se interpretar o Direito, bem
86
como para que se compreenda que, muito embora se associem com frequência
pressupostos econômicos às regras de mercado, a forma de aplicação dos critérios
racionais econômicos não visam vilipendiar direitos fundamentais, mas sim extrair o
máximo de benefício (não necessariamente financeiro, pecuniário) a todos os
envolvidos na análise dos casos colocados em discussão, preceituando os mais
tradicionais postulados de justiça.
O cenário institucional do Direito nos Estados Unidos foi propiciado pela
conjuntura inédita na qual a “Legal Process School” – o primeiro paradigma
originalmente estadunidense de pensamento jurídico – desenvolveu sua análise na
década de 1950. Antes do “Legal Process”, movimentos acadêmicos nos Estados
Unidos eram simples reproduções de modelos de pensamento Europeus, como, por
exemplo, o dogmatismo alemão, tratado na realidade estadunidense como formalismo,
ou jurisprudência sociológica, também conhecido como realismo jurídico. (MATTEI,
2011, p. 451)
O lançamento entre os economistas ocorreu no final dos anos 50, precisamente
em 1957, com o trabalho de DOWNS (1957) ao formular uma teoria econômica da
democracia, bem como com Gary BECKER (1957), ao desenvolver tese sobre
economia da discriminação, lhe rendendo um premio Nobel em 1992. (MACKAAY,
2015, p. 9)
Em 1958 o passo mais relevante foi dado para o aprofundamentos das ideias dos
economistas na área do direito, com a criação, junto a Universidade de Chicago, da
revista “Journal of Law and Economics”, tendo como relevante ponto de partida para a
teoria da análise econômica do direito um artigo de Ronald COASE, publicado em
outubro de 1960, intitulado “The Problem of Social Cost” (O Problema do Custo
Social), lhe conferindo um prêmio Nobel em 1991.
Em tal proeminente trabalho, COASE manifestou que tradicionalmente se
existia entre os economistas, atribuído por COASE principalmente à PIGOU (1932), o
entendimento de que se a ação de “A” produz efeitos indesejáveis sobre “B”, sem que
“A” os sinta, ocorre um descompasso entre o custo privado de “A” e o que chamou de
“custo social”, gerando má alocação de recursos, pois para que “A” desenvolva sua
atividade, teve um custo demasiadamente barato, causando desequilíbrio. O papel de
correção disso caberia, pela teoria tradicional, ao governo. (MACKAAY, 2015, p. 10)
87
Ainda assim, COASE (2008, p. 1) problematiza a questão e manifesta estar a
situação mal analisada, pelo simples fato de que evitar prejuízo à “B” seria o mesmo
que causar perdas para “A”, conforme segue: A questão é normalmente pensada como uma situação em que A inflige um prejuízo a B, e na qual o que tem que ser decidido é: como devemos coibir A? Mas isso está errado. Estamos lidando com um problema de natureza recíproca. Evitar o prejuízo a B implicaria causar um prejuízo a A. Assim, a verdadeira questão a ser decidida é: A deveria ser autorizado a causar prejuízo a B, ou deveria B ser autorizado a causar um prejuízo a A? O problema é evitar o prejuízo mais grave.
Como saída para o problema, COASE (1960, apud MACKAAY, 2010, p. 10)
entendeu que um acordo entre as partes seria algo vantajoso, diminuindo-se o que
nomeou por “custos de transação”, conforme segue:
Não há, necessariamente, má alocação, porque as pessoas afetadas podem, contratualmente, dispor a respeito dos ônus de sua interação, se isto lhes for conveniente. B, que deve suportar o ônus da externalidade causada por A, pode compor-se com este e pagar-lhe para prevenir a externalidade. Se A pode suportar o ônus melhor do que B, essa opção será, para B, menos onerosa do que assumir a externalidade. Um acordo nesse sentido é, pois, interessante, ou, se se preferir, proveitoso – para as duas partes.
BURTON (1980, apud MACKAAY, 2015, p. 201), valendo-se dos
ensinamentos de COASE manifestou sua crítica, no mesmo sentido, à PIGOU, ao
descrever que: A formula Pigovian simples, levada a uma lógica extrema, implica que o governo deve intervir, a cada segundo de nossas vidas, para corrigir a miríade de externalidades que nos cercam a todo tempo.
Nos casos em que o acordo mencionado não for possível, COASE (1960, apud
MACKAAY, 2015, p. 10) propõe que se analisem os fatores impeditivos, tendo
batizado isso como o “custo de transação”, passando a ser “um dos pilares da análise
econômica do direito.”
O raciocínio de COASE acerca da resolução dos conflitos por intermédio de
uma perspectiva econômica foi denominado por STIGLER (1966 apud MACKAAY,
2012, p. 203) de “teorema de Coase”, que consistia dizer que os problemas devem ser
analisados através de um conflito de usos que não podem ser perseguidos
simultaneamente, devendo ser levado em conta o uso mais valorizado dentre as
88
atividades que estão em situação de conflito para que, dentro desta análise, se decida
qual destas atividades deve prevalecer.
Neste sentido, COASE (2008, p. 12) manifesta a discrepância entre as decisões
judiciais na perspectiva de um jurista e na de um economista, em razão de que o
primeiro não analisa, na grande maioria dos casos, os reflexos econômicos do que é
decidido pelo Poder Judiciário, e o segundo, por sua vez, faz uma análise
intrinsecamente baseada nos custos e benefícios para decidir a questão, conforme segue: As razões utilizadas pelos tribunais na determinação dos direitos vão, freqüentemente, parecer estranhas para um economista, porque muitos dos aspectos nos quais as decisões se baseiam são, do ponto de vista econômico, irrelevantes. Por isso, situações que são, para um economista, idênticas, serão tratadas de maneiras diferentes pelos tribunais. O problema econômico em todos os casos de efeitos prejudiciais é como maximizar o valor de produção. No caso Bass v. Gregory, ar fresco era sugado pelo poço, o que facilitava a produção de cerveja, mas ar imundo era expelido pelo poço, o que tornava a vida nas casas próximas menos agradável.
Mais adiante, COASE (2008, p. 12) explica, utilizando o exemplo prático
representado pelo caso “Bass vs. Gregory” acima transcrito, em como se raciocinar
acerca da solução sob um viés econômico, que é exatamente no que o “teorema de
Coase” consiste: O problema econômico está em decidir o que escolher: um custo mais baixo da cerveja e menos conforto nas casas próximas ou um custo maior da cerveja e um maior conforto. Ao decidir essa questão, a “doutrina da concessão perdida” é tão relevante quanto a cor dos olhos do juiz. Mas deve ser lembrado que a questão imediata encarada pelos tribunais não é o que deve ser feito por quem, mas quem tem o direito de fazer o quê. É sempre possível modificar, através de transações no mercado, a delimitação inicial dos direitos. E, é claro, se tais transações no mercado são sem custo, tal realocação de direitos sempre irá ocorrer se levar a um aumento no valor da produção.
A solução adotada, por esta forma de pensamento econômico, demonstra que o
raciocínio deve ser o mesmo para todas as situações em que duas atividades sejam
confrontadas. Qualquer mudança na regra de direito não fará a solução adotada ser
alterada, mas sim, apenas quem arcará com os custos da transação. Como representação
disso, COASE (2008, p. 11) menciona que “juízes devem decidir sobre a
responsabilização jurídica, mas isto não deve confundir economistas sobre a natureza do
problema econômico envolvido”.
89
Neste sentido, o “teorema de Coase” é relevante como ponto inicial da análise
econômica do direito, uma vez que coloca em evidência a importância em se definir
com precisão os direitos para viabilizar de maneira eficiente as diferenças entre os usos
conflitantes, que não deixarão nunca de surgir no plano empírico à medida que a
movimentação dos atores sociais modifiquem a escassez das coisas. O teorema de
Coase, portanto, acentua a lógica unificada que liga diferentes campos do Direito,
constituindo importante introdução para a análise econômica das instituições jurídicas.
(MACKAAY, 2015, p. 224/225)
A influência do trabalho de COASE passou a ser verificada em vários escritos
posteriores, sendo um dos estudos mais citados na literatura econômica no século XX.
Logo em seguida à sua publicação, em 1960, diversos textos sobre o papel da
propriedade e o controle sobre os recursos escassos surgiram, como os de autoria de
ALCHIAN (1965), DEMSETZ (1974) e PEJOVICH (1974), até a evolução destas
teorias na aplicação ao direito das sociedades comerciais, por Henri MANNE (1965,
1966 e 1967). (MACKAAY, 2015, p. 10)
Guido CALABRESI, proeminente professor de Direito da Universidade de Yale,
por sua vez, escreveu uma série de artigos sobre acidentes (1961 a 1965), até que, já na
década de 1970, publica seu maior estudo intitulado “The Cost of Acidentes: A legal
and Economic Analysis” (O Custo dos Acidentes: Uma Análise Legal e Econômica).
Nesta obra, CALABRESI demonstrou a importância da análise econômica em
impactos que versam sobre responsabilidade civil, tanto no aspecto legislativo quanto
judicial, apontando que um diagnóstico econômico não é imprescindível quando a
análise jurídica for adequada. (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005, p. 2)
As consequências legais e as regras de responsabilidade são aferidas mediante os
benefícios oriundos da diminuição do número de acidentes ou ilícitos civis, bem como
os custos de prevenção. A compensação das vítimas é discutida pela internalização dos
custos dos acidentes e do fomento aos potenciais agentes causadores de danos.
(GAROUPA, 2014, p. 142)
Contudo, a real percepção do que viria a ser, efetivamente, conforme as bases
epistemológicas atuais, a análise econômica do direito, veio com a obra “Economic
analysis of law”, em 1972, de autoria de Richard Allen POSNER.
Através do “Journal of Legal Studies”, no qual POSNER foi o primeiro editor,
nos anos seguintes à publicação de sua obra, milhares de artigos na área foram
publicados, impondo o movimento da análise econômica do direito. Em 1982, várias
90
correntes de pensamento já haviam sido consolidadas, como a Escola de Chicago,
institucionalistas ou neoinstitucionalistas (preconizada por Oliver Williamson), Escola
Austríaca (inspirada nos economistas Menger, Schumpeter, Von Mises, Hayek e
Kirzner) e a “Behavioral Law and Economics” (direito e economia comportamental,
com nomes como Coase, North e Williamson). (MACKAAY, 2015, p. 13)
O cerne do pensamento de POSNER é a racionalidade econômica, sendo a
economia a ciência do mundo racional no qual os recursos são limitados em relação aos
desejos humanos. A função da economia seria, assim, a de estudar as consequencias de
assumir que os agentes econômicos sejam maximizadores racionais de suas finalidades
ao longo da vida. O comportamento é tido como racional no momento em que se
conforma ou se adapta aos moldes de escolha racional, isto é, quando o agente,
mediante interesses individuais, responde aos incentivos existentes. Contudo, a
maximização racional não deve ser confundida com um cálculo consciente. Na
realidade ela é uma hipótese de comportamento dos indivíduos na qual eles fazem
escolhas entre as alternativas possíveis. (POSNER, 2007, p. 3/4)
Interessante observar o conceito de democracia adotado por POSNER, o qual é
expressamente baseado na construção teórica do economista Joseph Alois
SCHUMPETER. POSNER sustenta que há dois conceitos básicos de democracia,
referindo-se o primeiro às versões da chamada espécie deliberativa, caracterizada por
ser idealista e teórica, enquanto o segundo diz respeito a uma aproximação com a
modalidade elitista, que trata de um sistema de busca pelo poder político como uma
disputa por votos, de forma pragmática. (ZANON JUNIOR, 2013, p. 149)
POSNER entende que a primeira versão é utópica, e a segunda é descritiva e
normativamente superior, ou seja, representa de maneira mais eficiente a realidade e
manifesta as acepções democráticas dos norte-americanos com mais efetividade.
(ZANON JUNIOR, 2013, p. 149)
Após a chegada ao poder, os políticos eleitos pretendem adequar seu governo à
opinião pública, embora seu impulso seja satisfazer seus próprios interesses, visando a
reeleição ou de não perder seus mandatos por alguma forma legal de impedimento. Via
de regra, a população encontra-se atendida com tal formato político, uma vez que pode
se dedicar à atividade laborativa e ao descanso, proporcionando a geração de riquezas e
promovendo o desenvolvimento econômico do país, sem ter que se preocupar em obter
grandes esclarecimentos sobre políticas públicas. (ZANON JUNIOR, 2013, p. 150)
91
Esta teoria de democracia, nomeada de “democracia de elites” ou “pragmática”,
é endossada por POSNER por entender que, primeiro, detalha de maneira mais fiel a
realidade estadunidense e, segundo, por se tratar de uma sistemática voltada para a
tomada de ações embasadas em reflexos empíricos, com a participação da grande
maioria da população, evitando que o governo esteja pautado em formalidades, crenças
ou slogans. (ZANON JUNIOR, 2013, p. 151)
Conforme mencionado por MATTEI (2011, p. 447) A coexistência de um
grande número de tribunais estaduais e federais fez de assuntos de jurisdição e escolha
do Direito aplicável as preocupações do sistema legal profissional estadunidense desde
seu início, indagando acerca dos critérios a serem utilizados para se obter a melhor
resposta ao interpretar a lei ao caso concreto: Ainda mais, a natureza descentralizada do sistema torna natural se analisar problemas jurídicos à luz da pergunta fundamental: Qual das várias possíveis respostas legais que competem entre si é de fato a melhor? Estas questões novamente fazem natural que se comparem possíveis soluções jurídicas de uma perspectiva de eficiência. Não surpreende que Law and Economics como uma análise jurídica calcada na preocupação com a eficiência emergiu nos anos 60, logo depois da Escola de Processo Legal de Harvard, a escola de pensamento cujo método era fundado na análise institucional comparada.
Cumpre destacar, neste sentido, que mercados atualmente configuram-se como
instituições que, por vezes, são mais fortes que os próprios Estados, de forma tão
intensa que os atores societários da economia global exercem enorme influência sobre o
sistema jurídico, ao invés de serem totalmente controlados por ele. Em virtude deste
deslocamento de poder, algumas “predições” do “Law and Economics” acabam sendo
muito acuradas, o que serve como argumento positivo para a análise econômica do
direito como fundamento realista. (MATTEI, 2011, p. 449)
Regras e sanções são processadas, por conseguinte, como preços pelos
indivíduos racionais, pois uma vez que se considere o direito positivo e todas as
instituições como um complexo sistema de comunicação, que forma preços para as
condutas intersubjetivas, é possível aplicar de maneira eficiente os instrumentos
econômicos no campo jurídico. (CARVALHO, 2012, p. 30/31)
Utilizando esta linha de raciocínio, furtos que geram riqueza ao ladrão e prejuízo
considerável à vítima são os que deveriam ter o foco da atenção do Direito Penal por
não terem relevante valor social, num sentido econômico, por exemplo. O princípio
92
norteador do direito penal é o de que ações patrimoniais insignificantes não devem
movimentar o aparato judicial, pelo seu ínfimo desvalor de resultado.
Neste contexto, tem-se a conduta típica perfeitamente realizada, contudo, em
virtude do baixo valor do bem subtraído, assim analisado dentro da realidade econômica
da vítima, não se ocupa o direito penal em criminalizar a conduta.
Pode-se traçar, inclusive, um paralelo entre a análise racional emprestada da
teoria econômica com a subsidiariedade na atuação do Direito Penal em casos
concretos.
O princípio da adequação social dentro do direito penal determina que condutas
socialmente aceitas não devem ser perseguidas pelo sistema criminal, podendo se
desdobrar para alcançar inúmeras situações nem sempre ajustadas a regras éticas.
(TOLEDO, 2001, p. 132)
Emana do princípio da adequação social o princípio da insignificância, proposto
por Claus ROXIN, que permite, na maioria dos casos, excluir os danos de pouca
importância, indo o direito penal até o limite de onde seja necessário para a proteção do
bem jurídico.
Neste sentido, ROXIN (2003, p. 66) manifesta a incongruência de se penalizar
criminalmente pessoa que comete pequenos furtos, ainda que dentro de estabelecimento
comercial, sugerindo a atuação de normas cíveis que terão uma eficiência muito mais
palpável: Também se oferecem possibilidades que até agora não foram esgotadas para fins de política jurídica, como a substituição de soluções penais por soluções de direito civil. Seria dar pleno sentido - exceto em casos de reincidência - que pequeno furto é compensado com benefícios em dinheiro para o proprietário do Estabelecimento; e furtos nas empresas, em vez de confiar esses casos à justiça criminal, deve-se ter uma regulamentação legal para uma espécie de "justiça da empresa" interna, como já praticado hoje - mas sem garantias legais suficientes - na maioria dos casos.36
A justificativa no caso em tela, juntamente com circunstâncias relevantes de
ordem constitucional em se coibir penalidades excessivas, que afrontam a dignidade da
pessoa humana, também possuem um caráter econômico, sendo analisado, dentro de um 36 Tradução livre a partir do trecho original: También ofrece possibilidades que con mucho no se han agotado aún a efectos de política jurídica la sustituición de soluciones penales por soluciones del Derecho civil. Así tendría pleno sentido – excepto en caso de reincidencia repetida – que los pequeños hurtos en tiendas se compensaran con prestaciones dinerarias al propietario del estabelecimiento; y para los hurtos en las empresas, en vez de encomendar tales casos a la Justicia penal, se debería disponer de una regulación jurídica para una “justicia de la empresa” de carácter interno, como la que ya se practica hoy – pero sin suficientes garantías jurídicas – en la mayoría de los casos.
93
contexto valorativo, o valor do bem furtado e a realidade econômica da vítima
(elementos que servirão de análise para que se responda se a agressão ao bem jurídico
foi relevante ou não para a atuação do Direito Penal), bem como o custo para o Estado
em mover a estrutura do Poder Judiciário para processar, julgar e executar a pena do
acusado por ato econômica e socialmente insignificante.
Entretanto, nem todos os furtos são considerados como de “bagatela”, e neste
sentido, POSNER (2010, p. 80) exemplifica a questão trazendo outra perspectiva: Consideremos o exemplo anterior, da pessoa que está perdida na floresta e invade uma choupana desocupada para roubar a comida de que precisa para sobreviver. O custo de uma negociação com o proprietário seria proibitivo e o furto é o maximizador de riqueza, já que a comida, em um sentido estritamente econômico, vale mais para o ladrão que para o dono. Isso não significa que o ladrão deva sair impune (podemos querer puni-lo para nos certificarmos que ninguém roubará, exceto se o ato for maximizador da riqueza, isto é, se render para o ladrão um ganho maior que o prejuízo da vítima), mas apenas que a pena deveria ser estipulada de modo a coibir-se o furto, exceto quando este for maximizador da riqueza. Do contrário, se o furto jamais tivesse valor social, o único limite para a intensidade da pena seria os custos de sua execução.
Desta forma, sintetizando o raciocínio apresentado, GICO JR (2010, p. 18)
define o papel que a análise econômica do direito pretende desempenhar, no sentido de
ser uma ferramenta de interpretação e de aplicação da norma jurídica, em todos os
aspectos da vida, não se referindo, apenas, a questões que envolvem diretamente valores
pecuniários ou bens patrimoniais:
Quando usamos o termo Análise Econômica do Direito, portanto, estamos nos referindo à aplicação do ferramental econômico justamente às circunstâncias a que normalmente não se associam questões econômicas. Por exemplo, a juseconomia pode ajudar a reduzir a ocorrência de estupros, pode ajudar a reduzir o número de apelações protelatórias, pode ajudar a compreender porque algumas leis pegam e outras não, porque muitas vezes uma legislação é adotada e porque noutras vezes o Congresso adota uma legislação que será sabidamente vetada pelo Presidente, mas o faz da mesma forma, ou ainda porque é tão difícil alugar um imóvel no Brasil. A juseconomia pode, inclusive, auxiliar na concreção dos direitos fundamentais, que requerem decisões sobre recursos escassos.
A aplicação da escola econômica estadunidense onde se discute e se aprimora a
Análise Econômica do Direito, chamada de “Law and Economics”, sobre o mundo
jurídico, apenas revela uma nova forma de interpretar o direito, se repensar a elaboração
94
legislativa através de critérios mais racionais e pré-determinados, e não reduzir tudo a
um cunho econômico-financeiro.
A teoria que ora se analisa pretende, através de critérios racionais que se valem
de princípios econômicos, maximizar os benefícios em todas as áreas da vida humana,
não apenas em seu aspecto econômico através de um viés mercadológico. Ao se falar de
interesse próprio, não se pode entender ser sinônimo de egoísmo, mas sim decisões
voltadas a se beneficiar ao máximo um grupo sem que os demais sejam prejudicados
por isso, dadas as circunstâncias do caso concreto. (POSNER, 2007, p. 4)
O desenvolvimento de estudos científicos na área jurídica tem conseguido
aproximar o direito da moral, buscando ideais de justiça na aplicação da norma legal
visando reduzir desigualdades sociais.
Entretanto, se faz necessário que as regras de produção legislativa e de
interpretação do Direito sejam capazes de responder, com o máximo possível de
segurança, a seguinte pergunta: a norma X é capaz de alcançar o resultado social
desejado, dentro da atual estrutura institucional? Fazem-se necessárias não apenas
justificativas teóricas para a aferição da adequação abstrata entre meios e fins, mas
também de teorias superiores à mera intuição que auxiliem em juízos de diagnóstico e
prognose, ou seja, teorias que permitam, em algum grau, a avaliação mais precisa
possível dos prováveis reflexos de uma decisão ou política pública dentro do contexto
legal, político, social, econômico e institucional em que será implementada. (GICO JR,
2010, p. 15/16)
Por conseguinte, nos itens seguintes, se procura elucidar de que maneira a
Análise Econômica do Direito pode ser utilizada para aprimorar as técnicas de produção
legislativa e aplicação das leis, valendo-se de critérios mais racionais e seguros, bem
como de que maneira os postulados desta teoria podem auxiliar no diagnóstico e no
desenvolvimento de mecanismos de controle da corrupção.
A Lei 12.846/2013, por sua vez, também pode ser referenciada, principalmente
no tocante as regras de “compliance”, que vem impulsionando diversas empresas a
desenvolver regramentos éticos no sentido de bem direcionar a conduta de seus
colaboradores, melhorando as relações entre concorrentes, com setores da administração
pública e perante os consumidores, maximizando os benefícios através da busca pelo
comportamento idôneo, conforme será analisado mais adiante.
95
2.3.1 Método da Análise Econômica do Direito e Teoria da Escolha Racional
O artigo 3.º da Lei Maior enuncia, entre outros objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, no inciso I, “construir uma sociedade livre, justa e
solidária”, e, no inciso III, garantir “o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
Por outro lado, o preceito constitucional do artigo 192, inciso VII, preconizava –
antes de sua revogação pela Emenda Constitucional nº 40/03, de 29/05/03 – que lei
complementar estabeleceria “os critérios restritivos da transferência de poupança de
regiões com renda inferior à média nacional para outras de maior desenvolvimento.”
Assim, o desenvolvimento previsto pela Constituição da República visa a reduzir
desigualdades sociais e regionais, erradicar a pobreza e a marginalização, firmar a
cidadania e a dignidade da pessoa humana. Outra face da mesma moeda, conforme se
exemplificou, é o controle do sistema financeiro nacional por meio de atividade
regulatória.
A Análise Econômica do Direito cuida de evidente reformulação na aplicação do
Direito em sentido econômico, propendendo resolver problemas judiciais que se pautam
com a eficiência da norma em si, os custos para concretização de seus institutos, bem
como os impactos decorrentes de eventuais intervenções judiciais, inclusive as
relacionadas ao Direito Civil e Penal. Dá-se mediante aplicação no ordenamento
jurídico de premissas e conceitos utilizados pela economia. (PIMENTA, 2010, p. 97)
MACKAAY (2015, p. 215), ao comentar acerca da função geral da análise
econômica do direito num sentido de se reduzir ao máximo os custos de transação, seja
em que aspecto for: Compreende-se que a função geral que a análise econômica detecta no direito seja reduzir os custos de transação por todos os meios possíveis. Demais disso, os interessados perseguem, também eles, esse objetivo, porque se os custos de transação forem baixos, a busca pela eficiência, até por acordos entre particulares, é mais fácil.
Nesse mesmo sentido, PINHEIRO (2005, p. 88/89) define três premissas
fundamentais à Análise Econômica do Direito.
A primeira seria assumir que o indivíduo estaria sempre disposto a esforçar-se a
alcançar mais, maximizando suas vantagens, benefícios e proveitos; outra premissa seria
a de que, na ocasião em que os indivíduos sopesam suas alternativas, de modo a
buscarem qual a mais racional, tomam em consideração o “sistema de preços”, que diz
96
respeito a saber se haveria ou não incentivos ou sanções e, se, compensaria o resultado
inicialmente pretendido; e por fim, a última premissa seria a de que as normas
positivadas teriam caráter de “incentivos”, ou maneiras de coibir ou persuadir atitudes e
condutas dos homens. Desde já, aqui, percebe-se o viés civil e penal da regra.
(PINHEIRO, 2005, p. 89)
Muito embora seja o mercado o ambiente mais propício para se obter alocação
de bens da melhor maneira, este também apresenta falhas, como por exemplo a
existência de poder econômico, informações assimétricas, bens públicos, externalidades,
etc. (PINHEIRO, 2005, p. 89)
É justamente ao se deparar com as falhas de mercado que, de acordo com a
Análise Econômica do Direito, vislumbra-se a atuação do Estado, com a finalidade de
eliminar ou diminuir tais falhas, visando obter cada vez mais a eficiência e perfeição
quando da alocação dos recursos escassos disponíveis.
POSNER (2005, p. 10) descreveu que tal estudo versa, principalmente, sobre as
consequências desta vontade desmedida dos agentes que, por vezes, querem levar
vantagem nas negociações concorrenciais, não importando a forma como isso ocorre: A maioria das análises econômicas consiste em esboçar as consequências de que as pessoas são mais ou menos racionais em suas interações sociais, no qual se quer dizer que as pessoas preferem obter mais a obter menos, ou, em outras palavras, elegem meios eficientes para suas finalidades (racionalidade instrumental), sejam estes meios quais forem.37
Entretanto, muito embora tenha sido evidenciado que a preocupação da teoria
analisada seja a maximização dos benefícios com a redução dos custos para todos os
envolvidos, em uma situação de equilíbrio, um método de aplicação deve ser bem
delineado para que se determine a plausibilidade de concretização aos casos práticos.
GICO JR (2010, p. 27), ao comentar acerca das escolhas racionais das pessoas
frente as situações da vida, salienta que as pessoas não são a todo momento racionais,
mas que em algumas situações específicas decidem agir com racionalidade, ainda que
de forma inconsciente: É importante salientar que a hipótese é que os indivíduos se comportam como se fossem racionais e não que eles efetivamente são racionais. A teoria econômica não pressupõe que internamente cada
37 Tradução livre a partir do trecho original: La mayoría de los análisis económicos consiste em esbozar las consecuencias de asumir que la gente es más o menos racional en sus interacciones sociales, lo cual quiere decir que la gente prefiere más a menos o, en otras palabras, eligen medios eficientes para sus fines (racinalidad instrumental), cualesquiera que puedan ser estos.
97
agente esteja conscientemente realizando contas o tempo todo e ponderando custos e benefícios de cada ato de suas vidas, apenas que na média eles se comportam como se estivem. Para uma parcela substancial de problemas, estes pressupostos não apenas são adequados, mas extremamente úteis. A racionalidade no dia a dia da vida está em todos os lugares. No entanto, em uma série de situações, principalmente aquelas envolvendo risco e incerteza, às vezes os agentes não se comportam da forma esperada.
A assunção de que o comportamento humano é racional pode ser alvo de críticas
em seus mais diversos aspectos, uma vez que o que pode parecer racional para um, pode
soar totalmente irracional e desprovido de lógica para outro. Tal contradição, no aspecto
da utilização de critérios econômicos, contudo, pode ser refutada no sentido de que a
racionalidade econômica é objetiva, e não subjetiva, ou seja, utiliza-se de critérios
instrumentais científicos externos à subjetividade humana para analisar as relações
sociais. (POSNER, 2007, p. 15)
No tocante as escolhas racionais, parametrizando isso com o ordenamento
jurídico que deve ser observado, para se fazer boas escolhas de política legislativa é
necessário ter informações consistentes acerca do custo referente as diferentes opções.
MACKAAY (2015, p. 216) menciona, neste sentido, que nos casos de custos de
transação são enfrentadas duas fontes de custos: De um lado, o custo da ineficiência resultante de má alocação dos direitos e, de outro, o custo de gerar e recolher informações necessárias para determinar a melhor atribuição de direitos e escapar de tal ineficiência. Estes custos variam em sentido oposto em função da amplitude das informações que devem ser obtidas. A opção teoricamente melhor é minimizar os dois custos.
Muito embora a opção melhor seja minimizar tais custos, não é tarefa simples se
quantificar o valor posto em discussão no caso concreto. Isso pode gerar uma barreira
para a aplicação desta metodologia, a qual CALABRESI (1970, p. 143ss), mencionado
por MACKAAY (2015, p. 216) manifesta um caminho possível na elucidação da
questão:
Nada obstante, Calabresi oferece a regra simplificadora para a busca da melhor relação entre custos de prevenção e custos administrativos. Sendo custoso identificar a pessoa que melhor possa minimizar os custos de certo tipo de acidentes, contentemo-nos com tornar responsável, se pudermos identificar com facilidade, uma classe de pessoas que podem influenciar, profundamente, tais custos sem que seja, necessariamente, as mais bem colocadas para evita-los.
98
Além disso, interessa escolher a forma dos direitos de modo a diminuir ao
máximo as perdas provenientes da má alocação de recursos e aumentar
exponencialmente as possibilidades de se fazer os devidos ajustes. Neste sentido,
MACKAAY (2015, p. 217) descreve que o direito de uma pessoa sobre um determinado
bem pode ser protegido de várias formas: O direito de uma pessoa sobre um bem pode ser protegido de diferentes formas. Numa primeira hipótese, o recurso por violação se limita ao direito de demandar uma indenização. Alternativamente, o recurso pode se estender ao direito de requerer ordem judicial (injunção, no direito de Quebéc) intimado o ofensor para que cesse toda violação e impor sanções como a l´outrage ou tribunal em Quebéc ou a abstenção, em direito francês, visando a garantir o respectivo efeito.
As opções na aplicação do direito utilizando tais critérios distintos, na literatura
estadunidense, denominam-se como regra de indenização (ou responsabilidade) e regra
de exclusividade (“liability rule” e “property rule”). A regra de indenização permite o
uso do objeto do Direito ainda que sem a autorização expressa do titular, violando, em
tese, direito próprio deste, mediante um valor a ser fixado pelo magistrado. Já na regra
de exclusividade, não se admite o uso do objeto do Direito sem assentimento do titular e
ao preço que ele concorde. (MACKAAY, 2015, p. 217)
Tais modalidades de proteção incidem, portanto, sobre a formulação dos direitos
de acordo com os chamados “custos de transação”, quando baixos ou elevados. No caso
dos custos mais baixos, devem-se proteger os direitos através de regras de
exclusividade, ou seja, apenas com a concordância do titular do direito, o que facilita o
trabalho dos tribunais neste sentido. Situação de simplicidade não se verifica, contudo,
se os custos da transação forem elevados e um acordo entre as partes não for possível,
devendo o magistrado analisar o uso feito pelas duas partes do objeto da controvérsia,
aplicando regras de indenização (ou responsabilidade). (MACKAAY, 2015, p. 217)
Importante destacar que a interação entre os seres humanos na resolução de
controvérsias é objeto evidente da análise econômica do direito. O ordenamento jurídico
articula soluções aos conflitos com base nas relações sociais, e uma das ferramentas
para a reflexão desta interação é a denominada “Teoria dos Jogos”.
Batizada como “game theory” em sua língua original, o desenvolvimento da
teoria dos jogos ocorreu no século XX, no período entre a primeira e a segunda guerra
mundial. Tem a função precípua de estudar conflitos que surgem à partir de atividades
incompatíveis, tanto entre pessoas, grupos ou nações. O precursor da teoria dos jogos é
99
John von NEUMANN, através de obra lançada em 1944 com o título “Theory of Games
and Economic Behavior” (Teoria dos Jogos e Comportamento Econômico).
(ALMEIDA, 2003)
Outro nome relevante da teoria dos jogos foi John NASH, que trouxe conceitos
inovadores e alterou paradigmas econômicos. Enquanto NEUMANN entendia que na
regra básica do mundo, tendo com referência Adam SMITH, apenas os competidores
mais qualificados obteriam êxito, e que para a vitória de um, implica haver a derrota do
outro, NASH inovou introduzindo o elemento cooperativo na teoria dos jogos.
(ALMEIDA, 2003)
NASH provou a existência de ao menos um ponto de equilíbrio em jogos de
estratégias para múltiplos jogadores, mas para que ocorra o equilíbrio é necessário que
os jogadores se comportem racionalmente e não se comuniquem antes do jogo para
evitar acordos. (ALMEIDA, 2003)
NASH relata dois tipos de jogos, os Cooperativos e os não cooperativos, este
último desenvolvido por NEUMANN. Os jogos cooperativos são aqueles onde os
indivíduos se comunicam visando apenas encontrar uma solução, sem infringir as
regras, e no caso dos jogos não cooperativos, os indivíduos não possuem qualquer tipo
de comunicação, devendo cada um tomar a sua decisão, sem conhecer a escolha do
adversário. (NASH, 1950, p. 1)
Para se identificar os resultados prováveis, utiliza-se o conceito de “equilíbrio de
Nash”, que determina que cada jogador escolhe uma estratégia que dá o maior resultado
possível esperado, dadas as estratégias escolhidas pelos outros jogadores. Na
circunstância de “equilíbrio de Nash”, cada jogador está satisfeito com sua escolha
estratégica, levando-se em conta as escolhas dos adversários. Nenhum jogador,
portanto, muda sua estratégia quando souber o planejamento utilizado pelos outros
adversários. (HILBRECHT, 2014, p. 121)
Mais adiante, NASH trata do problema de “barganha”, ou como também é
conhecido o Problema da Negociação, no qual existiria fundamento para negociação
entre os indivíduos quando estes pudessem aumentar o seu benefício, caso estes
chegassem a um acordo entre si. Para solucionar tal circunstância, NASH apresenta uma
extensa e complexa formulação matemática, ignorando efeitos casuísticos do resultado
da referida negociação. Uma solução diferente ao caso, portanto, é perseguida,
defendendo um grau de racionalidade elevado aos indivíduos envolvidos, tendo como
100
pressuposto de que estes buscarão encontrar uma solução que satisfaça ambas as partes,
com a finalidade de atingir um ponto de equilíbrio. (NASH, 1950, p. 2/3)
Ao discorrer sobre a noção de equilíbrio que demonstra em seu trabalho, NASH
(1950, p. 2) descreve: A noção de um ponto de equilíbrio é o ingrediente básico em nossa teoria. Essa noção produz uma generalização do conceito da solução acerca do jogo entre duas pessoas, e é simplesmente o conjunto de todos os pares de opostos que resultam em "boas estratégias".38
Dentro desta perspectiva, podem ser caracterizadas três modalidades de “jogos”,
que são os de puro conflito, jogos de simples coordenação e os mistos. A primeira
classificação representa situações de completa oposição de interesses, com as partes
litigando em um alto grau de animosidade, não havendo, desta forma, qualquer espaço
para uma correlação com o Direito. (MACKAAY, 2015, p. 45)
A segunda espécie, por sua vez, representada pelos jogos de simples
coordenação, cada participante possui interesse em adotar comportamento compatível
com o do outro, na tentativa de se evitar um conflito. Por fim, a terceira espécie é
representada pelos jogos mistos ou de coordenação, conforme classificação de NASH,
onde a cooperação é vantajosa para as partes envolvidas, sendo o Direito útil para
explicitar as soluções viáveis. (MACKAAY, 2015, p. 45)
Outra modalidade amplamente difundida dentro da teoria dos jogos é conhecida
como “dilema dos prisioneiros”. A principal característica é o conflito entre interesses
coletivos e o interesse individual de cada um dos jogadores. (HILBRECHT, 2014, p.
119)
Nesta situação problema, o exemplo clássico é aquele em que, dois suspeitos
pela prática de um determinado crime são capturados e colocados em salas separadas,
sem qualquer comunicação um com o outro. A polícia não possui qualquer evidência
concreta de que qualquer um deles tenha cometido o delito, contudo, oferece a cada um
em separado a oportunidade de confessar e acusar o indivíduo que está na sala ao lado.
Caso nenhum confesse, ambos serão condenados por uma pena mais branda; caso
ambos confessem, serão condenados em uma reprimenda mais grave, com uma redução
de pena pela confissão; caso um confesse e o outro não, o que confessou será condenado
38 Tradução livre a partir do trecho original: The notion of an equilibrium point is the basic ingredient in our theory. This notion yields a generalization of the concept of the solution of a two-person zero-gum game is simply the set of all pairs of opposing “good strategies”.
101
a pena de um ano de reclusão e o outro será condenado a dez anos de reclusão.
(HILBRECHT, 20014, p. 120)
A conclusão nesta situação-problema é a de que os dois prisioneiros não
deveriam confessar, pois pegariam apenas dois anos de reclusão cada, sem qualquer
risco, em atitude de cooperação com o outro, ainda que não pudessem se comunicar.
Desta forma, a teoria dos jogos tem sido amplamente utilizada nas ciências
sociais, se destacando na aplicação de conceitos em áreas como política (processo
decisório), estratégias de mercado e, sobretudo, no Direito. (ALMEIDA, 2003)
Cumpre ressaltar que a “Teoria dos Jogos” não é uma premissa, mas sim um
instrumento utilizado pela Análise Econômica do Direito de modo a auxiliar a
compreender, ou prevenir, acerca de possíveis comportamentos dos agentes em
conflitos de interesses. (MACKAAY, 2015, p. 43)
RIBEIRO (2009, p. 109) retrata a importância da chamada “teoria dos jogos”
para a análise econômica do direito, ao mencionar que “essa teoria é um instrumento
utilizado pela Análise Econômica do Direito para ajudar a entender ou mesmo prever os
comportamentos das pessoas quando há interesses em conflito.”
POSNER (2007, p. 19) retrata o comportamento racional que visa refletir
estrategicamente acerca do comportamento alheio, antecipando-se à conduta do outro
mediante a aplicação da teoria dos jogos: Em algumas situações, entretanto, uma pessoa racional ao decidir como agir considera a provável reação dos outros; ele irá, em outras palavras, agir estrategicamente. Este é o domínio da teoria dos jogos, que contrasta frontalmente com comportamentos econômicos porque assume, ao menos em sua forma mais pura, um grau de racionalidade ainda maior que o assumido nas teorias econômicas ortodoxas.39
A partir do momento em que se verifica que a decisão de um agente é
influenciada pela atitude que se espera de outro agente ao qual se relaciona, forma-se o
comportamento estratégico, tendo em vista que se conhecem as regras do jogo.
De acordo com a Teoria dos Jogos, portanto, a norma é vista apenas como
subsídio para que se trace o comportamento do indivíduo, pois este ao saber as regras
do jogo, decide qual a forma mais interessante de atuar, cumprindo ou não a lei. A lei
induz os comportamentos. (PIMENTA, 2010, p. 113)
39 Tradução livre a partir do trecho original: In some situations, however, a rational person in deciding how to act will consider the probable reactions of others; he will, in other words, act strategically. This is the domains of game theory, which contrasts strikingly with behavioral economics because it assumes, at least in its purest form, a degree of rationality even higher than that assumed in orthodox economics.
102
A teoria dos jogos, neste sentido, possui grande potencial na aplicação à
interpretação do ordenamento jurídico ao caso concreto, uma vez que o comportamento
dos litigantes, em grande parte dos casos, se dá através de movimentos estrategicamente
pensados com relação ao comportamento da parte adversa.
A probabilidade é estimada a partir do comportamento dos denominados
“jogadores”, com base na estratégia que se pretende levar a efeito. A teoria dos jogos,
portanto, busca maximizar a interação entre tais participantes (jogadores), mediante o
uso da racionalidade, partindo do pressuposto que as atitudes (jogadas) são decididas
com base informações precárias e com a alteração de circunstâncias durante o decorrer
do “jogo”. O raciocínio estratégico apenas se faz necessário, por consequência, em
razão das informações deficientes que se tem no tocante ao comportamento dos demais
coautores, na busca de um equilíbrio. (ROSA, 2011, p. 83)
Dois são os motivos principais pelos quais a teoria dos jogos vem sendo cada
vez mais aplicada ao Direito. A primeira razão é pela utilidade da estrutura de análise na
prevenção de impactos de leis e normas sociais, uma vez que estas representam uma
evidente restrição ao comportamento dos indivíduos. Escolher, dentre as opções
possíveis, a ação mais adequada no caso concreto através de critérios racionais podem
ajudar juristas e aplicadores do Direito a compreender o impacto das legislações postas
em análise. (HILBRECHT, 2014, p. 115)
O segundo motivo vem atrelado a uma regra de planejamento, em que os
profissionais do direito poderão, através dos mesmos critérios racionais emprestados das
ciências econômicas, desenvolverem sistemas legais que permitam atingir os objetivos
almejados de maneira mais eficiente. (HILBRECHT, 2014, p. 116)
O Direito pretende viabilizar soluções não violentas aos conflitos existentes
entre as pessoas, e determina as instituições que deverão concretizar tais soluções. O
estudo da interação entre as pessoas, portanto, deve ser conjugada com as circunstâncias
e soluções encaminhadas pelas instituições jurídicas, pois estão intimamente ligadas.
(MACKAAY, 2015, p. 83)
Conforme GICO JR (2010, p. 28), a interdisciplinaridade entre economia,
psicologia, neurologia e direito acabam por focar na análise comportamental do
indivíduo, contribuindo para, em conjunto com a racionalidade econômica, incluir
elementos subjetivos que visem maximizar os benefícios para todas as partes envolvidas
na situação colocada em análise:
103
De qualquer forma, a investigação das circunstâncias em que o indivíduo diverge do comportamento racional é uma das áreas mais interessantes da fronteira do conhecimento econômico, uma mistura de economia, psicologia e neurologia chamada de neuroeconomia. Quando se inclui o direito nessa grande salada de saberes tem-se a Análise Econômica do Direito Comportamental, cuja bibliografia vem incorporando os insights providos por essas descobertas e vem crescendo dia a dia. Certamente essa é uma das áreas que mais promete contribuir para o desenvolvimento do direito, principalmente em áreas nas quais o elemento volitivo é relevante, desde contratos até defesa do consumidor.
A legislação tem função primordial neste aspecto, sendo que regras e
mecanismos eficientes de combate à corrupção possuem o condão de alterar
comportamentos dos agentes do mercado, uma vez que estes pesarão os riscos de se
atuar de maneira ilegal, até se chegar ao ponto de não valer a pena, economicamente,
correr o risco da sanção prevista.
Fundamental a convergência, destarte, destas ciências do conhecimento, que no
tocante à análise de atos de corrupção também buscarão, além de estimar os custos
perniciosos ocasionados à sociedade, também irão trabalhar em conjunto para
estabelecer mecanismos de controle e combate mais eficientes e eficazes, no sentido de
se prevenir e, após a prática, se trazer uma resposta adequada.
O caráter utilitarista que visa maximizar os benefícios, conforme postulados da
análise econômica do direito são verificados na Lei 12.846/2013, uma vez que
mecanismos efetivos de combate à corrupção, bem como estatutos de “compliance”
empresarial que objetivem uma postura de prevenção tendem a maximizar os
benefícios, e os custos no desenvolvimento destes programas serão menores do que o
desequilíbrio de mercado ocasionado por atitudes antiéticas.
As regras de “compliance” empresarial impostas pela Lei nº 12.846/2013,
portanto, podem ser entendidas como uma providência educativa aos colaboradores de
maneira geral dentro das empresas, que através da educação ética com a incorporação
paulatina de valores passarão a incidir com menos frequência em atitudes corruptoras,
tanto de agentes públicos quanto no próprio meio empresarial, em relações entre
particulares, contribuindo para um ambiente sadio e proporcionando o desenvolvimento
adequado das relações sociais.
104
2.3.2 Correntes “Positiva” e “Normativa” de Interpretação do Direito à Luz
da Análise Econômica
A Economia é uma ciência que estuda as relações sociais, e procura explicar os
fatos ocorridos na realidade. Em virtude disso, delimita circunstâncias “como elas são”,
e “como elas devem ser”, sendo, os primeiros, argumentos positivos, e os segundos,
normativos. (VASCONCELLOS, 2015, p. 11)
Neste sentido, SHAVELL (1994, p. 1 apud CARVALHO, 2012, p. 31)
menciona como a análise econômica pretende responder dois tipos essenciais de
questionamentos acerca do Direito, remetendo especificamente às correntes positiva e
normativa: A primeira pergunta é descritiva, referindo-se aos efeitos das normas jurídicas no comportamento e seus respectivos resultados. Por exemplo: um aumento na alíquota do Imposto sobre operações de câmbio (IOF) sobre investimentos estrangeiros em mercados de capitais terá efeito sobre o ingresso de dólares no país? A segunda pergunta é normativa, ou seja, refere-se ao quão socialmente desejável são determinadas regras em vista dos fins que a sociedade valora como importantes. Por exemplo: vale a pena obter uma eventual valorização do real perante o dólar ao custo de possivelmente afugentar investimentos estrangeiros?
Uma análise feita à partir de argumentos positivos, portanto, consubstancia-se
em um juízo isento de qualquer valor, feito com bases exatas que se assemelham à física
e a química, por exemplo. (VASCONCELLOS, 2015, p. 12)
GICO JR (2010, p. 20), ao comentar acerca deste caráter exato do ramo positivo
da análise econômica do direito, destaca a ausência de qualquer juízo de valor, sendo
realizada um prognóstico de caráter essencialmente instrumental:
Nesse sentido, quando um praticante da AED está utilizando seu instrumental para realizar uma análise positiva (e.g. um exercício de prognose, uma aferição de eficiência), dizemos que ele está praticando ciência econômica aplicada ao direito. Aqui, o juseconomista qua juseconomista não é capaz de oferecer quaisquer sugestões de políticas públicas ou de como certa decisão deve ser tomada.
Portanto, o máximo que o analista pode fazer é identificar as possíveis
alternativas normativas, aplicando-se técnicas hermenêuticas, e investigar as prováveis
consequências de cada uma, bem como confrontar a eficiência de cada solução possível,
auxiliando em uma análise de custo-benefício. (GICO JR, 2010, p. 20)
105
Todavia, nem a Economia, tampouco o Direito, trata de situações exatas, mas
sim de relacionamentos humanos, com diversos contornos sociais que se alteram
conforme a evolução cultural da sociedade.
Uma análise eminentemente positiva não se mostra, de maneira isolada,
suficiente para dar resposta às situações colocadas ao intérprete da norma, tendo em
vista o caráter humano envolvido, que foge à precisão das ciências exatas.
A análise econômica do direito considera, em virtude disso, o Direito como
pertencente ao domínio da razão prática, uma vez que as normas visam uma certa
finalidade. Por este motivo, sem se desprezar a forma da análise positiva, deve-se, em
conjunto, investigar o caráter do “dever ser” da norma, qual a sua pretensão e se atingiu
os fins pretendidos. (CARVALHO, 2012, p. 32)
Portanto, argumentos normativos impõe um juízo de valor à análise a ser feita,
tentando responder acerca da utilidade de determinada regra. Neste sentido, vale
destacar os argumentos de GICO JR (2010, p. 21) ao comentar acerca do critério
normativo de análise econômica emprestado ao Direito: Já quando o praticante de AED está utilizando o seu instrumental para realizar uma análise normativa (e.g. afirmar que uma política pública X deve ser adotada em detrimento de política Y, ou que um caso A deve ser resolvido de forma W), ele está apto a fazê-lo enquanto juseconomista se, e somente se, o critério normativo com base no qual as referidas alternativas devem ser ponderadas estiver previamente estipulado (e.g. por uma escolha política prévia consubstanciada em uma lei).
Critérios como a análise da utilidade e eficácia da ação a ser desenvolvida – aqui
também podendo ser entendido como a vigência de determinada Lei, decisão judicial a
ser proferida – são preocupações a serem observadas pela Economia normativa, através
de um juízo valorativo de como a ação estudada deveria produzir seus efeitos.
Ao conceituar a Economia normativa, POSNER (2010, p. 59) classifica como: ...para a economia normativa, uma ação deve ser julgada por sua eficácia na promoção do bem-estar social, termo não raro definido de forma tão abrangente que se transforma em sinônimo do conceito utilitarista de felicidade, exceto pelo fato de que geralmente não se inclui, no conceito de bem-estar social, a satisfação de outros seres que não os humanos.
Economia normativa e utilitarismo, por vezes, são confundidos pela proximidade
de seus conceitos. Ao conceituar a teoria utilitarista, POSNER (2010, p. 59) menciona: O utilitarismo, no sentido mais comum do termo e também o que usarei aqui, sustenta que o valor moral de uma ação, conduta,
106
instituição ou lei deve ser julgado por sua eficácia na promoção da felicidade (“o superávit do prazer comparativamente à dor”), acumulada por todos os habitantes (todos os seres sencientes, em algumas versões do utilitarismo) da “sociedade”, a qual pode representar uma única nação ou mundo inteiro.
A teoria utilitarista, que primeiro desenvolveu conceitos de maximização do
prazer e diminuição da dor mediante critérios racionais, foi concebida por Jeremy
Bentham, em meados do século XVIII. Trata-se de uma tradição de investigação, que
reflete o esforço de tratar o mundo à partir de um certo encantamento com a
racionalidade humana. (PELUSO, 1998, p. 9)
Neste sentido, a aproximação entre Direito e Economia não é algo inovador,
tendo Adam Smith e Jeremy Bentham se debruçado sobre o tema. SMITH estudou os
efeitos econômicos decorrentes da formulação de normas jurídicas, e BENTHAM tratou
de associar legislação ao utilitarismo, demonstrando ambos a importância de análise
multidisciplinar de fatos sociais. (SZTAJN, 2005, p. 74)
De acordo com PELUSO (1998, p. 13/14) BENTHAM “defendeu a idéia de que
o princípio que re3ge tanto as ações individuais quanto as sociais é: a busca da maior
felicidade para o maior número de pessoas.”
Tal princípio utilitarista prevê que a busca do prazer pela fuga da dor é o
princípio motivador de toda a ação humana, tanto individual quanto coletiva, devendo a
eliminação do sofrimento alheio ser motivo da ação moral de cada indivíduo.
(PELUSO, 1998, p. 14)
Na formulação de BENTHAM, a utilidade implica na coincidência entre o
prazer particular e o bem público, sendo a felicidade alheia desejada pois estaria
atrelada com a felicidade do próprio indivíduo. (PELUSO, 1998, p. 18)
Ao definir o princípio da utilidade, BENTHAM (1958, apud BEMUDO ÁVILA,
1998, p. 90) destaca tal finalidade como missão para se alcançar a felicidade: Por princípio de utilidade se entende aquele princípio que aprova, ou desaprova, qualquer ação segundo a tendência que pareça ter a aumentar, ou diminuir, a felicidade do grupo, cujo interesse está em questão; ou, o que é o mesmo, em outras palavras, promover, ou dificultar, essa felicidade.
Em uma relação com o Direito, apenas os indivíduos seriam detentores de
determinadas prerrogativas se conduzissem suas ações para o bem da sociedade,
devendo os legisladores buscar a coincidência entre os interesses privados e públicos
sempre em suas proposições legislativas. (PELUSO, 1998, p. 19)
107
A noção de Direito, para BENTHAM, vem a ser uma ficção legítima derivada de
uma noção de obrigação, ou seja, ao se referir aos direitos de um indivíduo da
sociedade, automaticamente se referencia as obrigações ou deveres de outros
indivíduos, sendo tal ficção respaldada pelas sanções impostas pelo ordenamento
jurídico em casos de descumprimento de tais deveres. (MONTOYA, 1998, p. 101)
Cumpre destacar, contudo, que a comparação entre economia normativa e
utilitarismo é realizada por críticos (EPSTEIN, 1979, apud POSNER, 2010, p. 58) que
visam igualar as duas teorias e criticar a economia normativa como sendo uma vertente
do utilitarismo. (POSNER, 2010, p, 58)
POSNER (2010, p. 60) rechaça a comparação, porém explica as razões pelas
quais a identificação ocorre: A identificação de ciência econômica com utilitarismo foi fortalecida pela tendência a se usar, em economia, o termo “utilidade” como sinônimo de bem-estar, como na expressão “maximização de utilidade”, e também pelo fato de muitos teóricos utilitaristas famosos, como Bentham, Edgeworth e John Stuart Mill terem sido também importantes economistas. Além disso, muitos profissionais atuantes na área da “economia do bem-estar” (o termo mais comum para a economia normativa) descrevem sua atividade como utilitarismo aplicado.
Mais adiante, POSNER (2010, p. 77/78) detalha que riqueza não é sinônimo de
felicidade, não sendo os seres humanos meros maximizadores de riqueza: Portanto, riqueza não é sinônimo de felicidade. Mas, além disso, traduzindo em linguagem econômica essa mesma constatação, seres humanos não são meros maximizadores de riqueza. A riqueza é um aspecto importante das preferências dos indivíduos, e a maximização da riqueza lembra portanto o utilitarismo por dar força significativa às preferências; mas não representa a soma total destas. É por isso que a teoria econômica pressupõe os indivíduos como maximizadores de utilidade em um sentido abrangente e utilitarista. Esta é também uma das razões da frequente confusão entre economia e utilitarismo como sistemas éticos.
Desta forma, a diferença de cunho moral entre o utilitarismo e a economia
normativa pode ser destacada em razão de que pela lógica utilitarista, muito embora
profetize um compromisso com o bem-estar social, encontra-se compelida a atribuir
valor à várias características antissociais, como inveja e crueldade, por serem fontes de
satisfação pessoal para alguns, e, portanto, de utilidade. Ao contrário, a riqueza
percebida legalmente é oriunda de negócios, prestação de serviços prestados à outras
pessoas, em uma troca de vantagens econômicas. Na economia de mercado bem
108
equilibrada, até mesmo o indivíduo egoísta deve, para promover o próprio interesse,
beneficiar os demais, em uma regra de troca de benefícios. (POSNER, 2010, p. 99/100)
Concluindo, a análise econômica do direito “positiva” visa auxiliar a
compreender, especificamente, o que é a norma jurídica, qual a sua racionalidade e as
diferentes consequências prováveis decorrentes da adoção dessa ou daquela regra, ou
seja, a abordagem é eminentemente descritiva/explicativa com resultados preditivos. Já
a análise econômica do direito “normativa”, por sua vez, visa auxiliar a escolher, dentre
as alternativas possíveis, a mais eficiente, ou seja, eleger o melhor arranjo institucional
dado um “valor” previamente definido. (GICO JR, 2010, p. 21)
Utilizando os parâmetros positivos e normativos empregados pela análise
econômica do direito com relação a regra de “compliance” empresarial previsto na Lei
12.846/2013, pode-se fazer uma análise de prognose com as disposições elencadas na
regra, através de uma investigação instrumental e, à partir disso, verificar os efeitos no
plano prático com relação à mudança de comportamento das empresas na adoção de
práticas éticas com a instituição de estatutos de boa governança e constante
aprimoramento dos colaboradores no atendimento à tais determinações.
No Capítulo III serão analisadas as instituições de “compliance”, conforme
determinado pela Lei Anticorrupção, e os resultados verificados em práticas
referenciais, no intuito de combater, de maneira antecipada, mediante a educação ética
de todos os envolvidos, atos de corrupção que tanto obstaculizam a geração de riquezas
ao país.
2.3.3 “Ótimo de Pareto”, “Eficiência Kaldor-Hicks” e o Desequilíbrio
Econômico Gerado pela Corrupção
O efeito deletério da corrupção sobre a sociedade já foi tratado no Capítulo I,
contudo, cumpre destacar, neste momento, as consequências de atos desta natureza para
a economia e, com base nisso, uma reflexão acerca dos custos oriundos desta prática.
A corrupção política, gerada dentro da administração pública com a participação
de empresários, na maior parte das vezes, ocasiona o desvio de recursos públicos que
acabam por impactar negativamente na concretização de ações de saúde e educação, por
exemplo. (BOTELHO, 2010, p. 131)
De acordo com relatório acerca dos custos sociais e financeiros da corrupção no
Brasil, encomendado pela FIESP – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo no
109
ano de 2010, três são as principais visões da moderna economia política sobre os custos
econômicos que podem ser gerados pela corrupção. A primeira refere-se à teoria dos
caçadores-de-renda; a segunda à teoria econômica da propina; e a terceira ao
desempenho econômico, medido em eficiência e crescimento. (FIESP, 2010, p. 15)
De acordo com a primeira, os agentes econômicos aumentam seu bem-estar
através da maximização da renda, independentemente das regras de conduta econômicas
e sociais. (FIESP, 2010, p. 15)
Na chamada “teoria econômica da propina”, as relações impessoais entre os
agentes econômicos, consubstanciadas na forma de maximizar seu bem-estar ocorre por
meio da identificação dos preços, transformam-se em relações pessoais, através de uma
transferência ilegal de renda, representada pela figura da propina, da apropriação
indevida de recursos de terceiros ou da garantia de tratamento diferenciado. Da falta de
um sistema efetivo de prevenção, de punição ou controle do comportamento dos
agentes, surge a corrupção. (FIESP, 2010, p. 15)
A terceira teoria, mais recente, busca identificar a relação entre instituições e
corrupção e o impacto desta sobre crescimento econômico. (FIESP, 2010, p. 15)
Neste sentido, algumas teorias econômicas que visam maximizar os benefícios
dos envolvidos até o limite de se gerar prejuízo a qualquer das partes podem servir para,
dentro de uma realidade concorrencial, se refletir sobre métodos de se manter um
mercado sadio que não tolere atos de corrupção.
A Lei da eficiência de Pareto pode ser mencionada como uma destas
alternativas. Trata-se de uma teoria desenvolvida pelo engenheiro e economista franco-
italiano Vilfredo Frederico Damaso Pareto, publicada em 1897, em seu livro “Cours
d`Économie Politique”, e que passou a ser conhecido como o “ótimo de Pareto”, sendo
a formulação matemática do equilíbrio paretiano publicada em artigo da “Giornale degli
Economisti”, em 1906, e expandido no anexo do livro “Manuale di Economia Politica”.
De forma resumida, o conceito de “ótimo de Pareto” significa dizer que não há
como melhorar a situação de uma pessoa sem que isso gere uma piora para outra pessoa,
ou seja, nenhuma mudança pode ocorrer sem que isso faça com que uma pessoa
melhore sua situação sem piorar a situação de uma outra pessoa. (POSNER, 2005, p.
17)
Haverá negociação e avanço na concepção paretiana no momento em que os
agentes puderem negociar direitos de propriedade, por exemplo, que levem a uma
melhora das partes que negociam, ou se uma das partes tiver a possibilidade de
110
compensar a posição de desvantagem da outra, reequilibrando a relação. (SZTAJN,
2010, p. 108)
Determinado estado social atingiu um ótimo de Pareto se, e somente se, for
impossível aumentar a utilidade de uma pessoa sem reduzir a utilidade de alguma outra
pessoa. Entretanto, este pode ser considerado um tipo limitado, pois existe o risco de
haverem pessoas na miséria extrema e outras extremamente ricas, desde que os
miseráveis não possam melhorar suas condições sem reduzir o luxo dos ricos. (SEN,
1999, p. 47/48)
A vertente da pesquisa na área econômica tem o condão de demonstrar de que
maneira normas editadas com o escopo de impor valores podem acabar por distorcer o
equilíbrio das relações concorrenciais, afetando, por conseguinte, o mercado. Na
ausência da norma, o equilíbrio de mercado deve ter pressupostos do “ótimo de Pareto”,
sendo que caso contrário o impacto normativo afeta a geração de riquezas para toda a
sociedade, tornando-se negativo. (ARIDA, 2005, p. 63)
A edição de normas sem reflexões e estudos prévios acerca dos impactos
gerados, através de uma análise de prognose, pode acabar ocasionando efeitos diversos
do pretendido, desequilibrando as relações sociais. É possível, desta forma, que a
pesquisa em Direito e a historicidade da norma possui interação potencial com a
pesquisa em Economia, se entrelaçando em diversos aspectos. (ARIDA, 2005, p. 63)
Três fatores relevantes podem ser destacados, conforme ARIDA (2005, p.
67/68), ao descrever a propositura legislativa como sendo um evidente retrocesso para a
sociedade:
De particular interesse para a pesquisa econômica é o entendimento de retrocessos. Como pensar normas editadas na contramão do que se desejaria? A resposta que emerge da pesquisa econômica enfatiza três fatores: (i) a pressão dos grupos econômicos de interesse – no jargão dos economistas, a “captura” do Estado por interesses privados; (ii) distorções no processo de representação que fazem com que os parlamentares votem em desacordo com as preferências de seus eleitores; e (iii) a ignorância do legislador quanto aos efeitos econômicos das normas que promulga.
Tal conceito é importante para este estudo, pois a corrupção desequilibra o
mercado concorrencial, gerando benefícios para uma pessoa em detrimento de outras,
fugindo do que se pretende representar pelo estado de perfeita eficiência econômica.
Para se obter um mercado eficiente, todas as transações econômicas na sociedade
deveriam ocorrer de tal modo que nenhum concorrente melhore sua situação às custas
111
do desequilíbrio e do prejuízo alheio, especialmente quando esse desequilíbrio decorre
de um comportamento desleal, de uma trapaça do concorrente.
Essa é uma razão para se combater a corrupção nas relações concorrenciais entre
empresas privadas fornecedoras de bens e serviços para o Poder Público. Pelo “ótimo de
Pareto”, num quadro de corrupção endêmica, a empresa que empregar a corrupção em
seus negócios melhora permanentemente a sua situação enriquecendo-se ilicitamente,
em detrimento de suas concorrentes, por melhores que possam ser, porquanto o fator
corrupção, a rigor, elimina o jogo de mercado, suprime a leal disputa entre as empresas,
não passando uma licitação nessas condições de um “jogo de cartas marcadas”, cujo
vencedor é conhecido desde o início do certame.
Os ganhos ilegais da empresa corruptora representam o empobrecimento forçado
das concorrentes, gerando um desequilíbrio econômico, um desequilíbrio de mercado
que necessita ser enfrentado, de modo a permitir o resgate da livre concorrência e da
eficiência econômica. O balanço final deveria importar numa situação em que nenhuma
transação econômica poderia desobedecer a regra paretiana.
Se for possível originar um remanejamento da riqueza entre os concorrentes, de
modo que alguns fiquem em situação melhor, sem que haja piora na situação dos outros
atuantes, tem-se uma “melhoria de Pareto”. Pode-se relacionar a eficiência de Pareto à
unanimidade. Ao introduzir alguma política pública ou norma legal, se todos os agentes
que são afetados estão em situação melhor ou ao menos idêntica, considera-se que essa
introdução foi eficiente no sentido de Pareto (TABAK, 2015, p. 324).
A dificuldade dessa acepção é que, em geral, a introdução de normas jurídicas
leva a que existam potenciais ganhadores e perdedores. Nesse caso, um conceito mais
geral de eficiência precisa ser utilizado. Um dos mais experimentados é o de “Eficiência
de Kaldor-Hicks”, que é definido como a confrontação dos benefícios e custos sociais
de determinada norma. A introdução de uma norma jurídica gera benefícios para alguns
agentes e custos para outros agentes. Caso o benefício total seja maior que o custo total
da introdução de determinada norma, essa é eficiente no sentido de Kaldor-Hicks.
(TABAK, 2015, p. 325)
Desta maneira, a ideia de eficiência está ligada sobremaneira à maximização de
bem-estar da sociedade. Quando uma proposição legislativa é útil e eficiente, ela
consequentemente proporcionará um aumento de bem-estar para a sociedade. Por
exemplo, uma lei que pune a empresa por atos de corrupção é algo positivo, pois induz
que todas as concorrentes se alinhem a um mesmo regime concorrencial, de forma a
112
prestigiar o mérito e a eficiência econômica, reduzindo os custos do Estado no caso de
uma compra por ele realizada.
LANDES (1987, p. 18) destaca a importância em se refletir acerca de um
sistema judicial que leva em consideração o efeito Kaldor – Hicks ao aplicar as normas
mediante critérios de equilíbrio e eficiência: No entanto, um sistema judicial dedicado à eficiência Kaldor -Hicks pode ser um componente racional de todo um sistema de governo que tenta, da melhor maneira possível, promover o princípio do maior bem estar possível.40
No momento em que se busca o ponto de equilíbrio entre os litigantes, ou na
produção de determinada norma, no sentido de se maximizar a riqueza (aqui entendida
como bem-estar, felicidade, etc.), não se está fazendo menção especificamente a
questões puramente mercadológicas, mas sim a uma forma de se emprestar a eficiência
econômica aos problemas que o Direito enfrenta ao resolver situações da sociedade.
MALLOY (2007, p. 87), ao comentar acerca do efeito Kaldor-Hicks, deixa claro
que sob nenhuma circunstância se pode admitir que o benefício almejado por uma das
partes possa ser mediante a causa de prejuízo a outra, devendo haver um ponto de
equilíbrio em que cada um obtenha o que lhe faz jus, coadunando com os ideais de
justiça: A busca pelo benefício próprio não podia acontecer às expensas dos outros, ainda que sejam aplicados os princípios da eficiência de Kaldor-Hicks, ou seja, ainda que o ganhador ganhe mais do que perderia o perdedor. A busca do interesse próprio requer uma ética social de responsabilidade em que se deve respeitar os outros. Em outras palavras, os indivíduos e as comunidades necessitam trabalhar juntos para criar significados e valores; a cooperação e não a dominação deve ser a chave para se atingir a prosperidade social através do intercâmbio de mercado. O objetivo da organização social, em seu sentido smithiano, é proporcionar um valor superior ao da eficiência econômica e maximização da riqueza, sendo esta visão reconhecida por Milton Friedman quando escreveu: “prefiro uma sociedade, ainda que menos produtiva, que outras alternativas (por exemplo, uma sociedade escravocrata), porque meu valor fundamental é a liberdade.”41
40 Tradução livre a partir do trecho original: Nevertheless, a judicial system dedicates to Kaldor-Hicks efficiency could be a rational component of an overall government system trying as best it could to promote the greatest-happines principle. 41 Tradução libre a partir do trecho original: A búsqueda del beneficio propio no podía por lo tanto hacerse a expensas de otros aunque fuera en términos de la eficiencia de Kaldor-Hicks, esto es, aunque el ganador ganara más de lo que perdía el perdedor. La búsqueda del interés propio requería una ética social de la responsabilidad en la que no respetara a los otros. En otras palabras, los individuos y las comunidades necessitan trabajar juntos para crear significados y valores; la cooperación y no la dominación ha de ser la clave para progresar hacia la prosperidad social a través del intercambio de
113
Nessa perspectiva, a Lei 12.846/2013 piora a situação de empresas corruptoras e
de agentes públicos corruptos. O benefício total, no entanto, é significativo, posto que
para além do resgate da livre concorrência, princípio fundamental da ordem econômica
capitalista, adotada pela Constituição de 1988, ela tem potencial para gerar eficiência
econômica nos negócios em geral, inclusive nos negócios públicos, garantindo que os
recursos públicos não serão desviados para o enriquecimento ilícito ou desperdiçados,
mas aplicados adequadamente a seus fins de interesse público primário.
JUSTEN FILHO (2002, p. 37) comenta sobre as crises cíclicas do capitalismo e
da importância da atuação do Estado no reequilíbrio da economia, para induzir o
desenvolvimento econômico e proteger a sociedade. Na ausência de elementos externos reguladores, o processo capitalista tende a manter essa inevitável sucessão de períodos mais favoráveis e outros desvantajosos para a comunidade. A alternância de ciclos é inerente ao capitalismo e não deriva de elementos externos marcantes. Os fatos que desencadeiam imediatamente a crise ou o desaparecimento da crise são irrelevantes, sob certo aspecto. São as condições e circunstâncias do mercado que tornam possível que o evento produza a crise ou o desenvolvimento. Isso conduz à concepção de que o Estado deve adotar as providências necessárias a eliminar o desequilíbrio, evitando as causas que conduzem à crise e propiciando fatores para o desenvolvimento.
Partindo deste raciocínio, é possível utilizar a teoria econômica para analisar
proposições legislativas e políticas públicas. Caso essas aumentem o bem-estar e
promovam a eficiência, então devem ser adotadas pela sociedade.
No tocante à corrupção, pressupõe-se que o legislador tenha o diagnóstico de
que a corrupção em determinados setores do governo e da iniciativa privada se encontre
em níveis elevados. Nesse caso, seria necessário aumentar o controle social sobre
práticas de corrupção para coibi-las.
O objetivo de uma proposição legislativa pode ser o de reduzir a corrupção, e um
dos elementos essenciais para coibir essa prática seria o de aumentar a participação da
sociedade por meio de denúncias. O diagnóstico inicial é o de que o número de
denúncias é baixo e poderia ser incentivado.
mercado. El objetivo de la organización social, en su sentido smithiano, es proporcionar un valor superior al de la eficiencia económica o maximización de riqueza, y esta visión fue recogida en las palabras de Milton Friedman cuando escribó: preferiría una sociedad libre aunque fora menos productiva que otras alternativas (por ejemplo una sociedad esclavista), porque mi valor fundamental es la libertad misma.”
114
Uma lei que traga benefícios a quem denuncie atos de corrupção, bem como que
forneça mecanismos de funcionamento para a realização de acordo de leniência que
efetivamente garanta vantagens ao denunciante, pode aumentar os benefícios privados,
induzindo os agentes a denunciarem sempre que tiverem conhecimento de casos de
corrupção. Com uma lei desse tipo, as pessoas são induzidas a denunciar casos de
corrupção, aumentando a chance de recuperação de recursos públicos desviados,
salvaguardando os interesses públicos e privados envolvidos, na perspectiva do “ótimo
de Pareto”. Perdem os agentes públicos corruptos e as empresas corruptoras; ganham a
sociedade e as empresas que agem informadas pela legalidade e pelo mérito.
HASSEMER (2007, p. 97/98) ao comentar acerca dos métodos efetivos de
prevenção da corrupção para que os mecanismos de combate se antecipem ao
cometimento de tais atos já em seu início e não se necessite utilizar regras penais, mas
sim administrativas e civis, diminuindo o custo e beneficiando-se benefícios, manifesta
que:
As propostas foram apresentadas, experimentar-se-ia então o que significa uma prevenção apta: nova ordem da prática das atribuições, princípio dos quatro ou dos seis olhos, linhas telefônicas diretas com a cúpula das autoridades administrativas, sistema de controle profissional, transferências direcionadas e muito mais para que os processo corruptíveis sejam impelidos já em seu começo.
A norma penal portanto, apenas interviria quando a prevenção com meios
extrajurídicos fosse ineficiente, em um critério de aplicabilidade do Direito Penal
subsidiário, porém efetivo caso regras mais brandas não lograssem êxito dada a
extensão do dano financeiro verificado e a gravidade da conduta praticada.
(HASSEMER, 2007, p. 98)
A lei, desta forma, deve ser vista como um instrumento para viabilizar a
cooperação entre os indivíduos de uma sociedade, conforme a “eficiência de Kaldor-
Hicks”. As sanções legais alteram a estrutura de incentivos de modo a que os agentes
entrem em arranjos que sejam ótimos, no sentido de Pareto. Outra função substancial, é
que a lei facilite a coordenação entre os agentes e as expectativas do Estado no
momento em que entra em vigor. Dessa forma, já começa a ocorrer alguma
conformidade com a lei, independentemente da ameaça de sanções que possam advir da
nova lei. A lei tem o potencial de influenciar o comportamento dos agentes construindo
um ponto focal (TABAK, 2015, p. 327).
115
No estudo da análise econômica do direito, portanto, preconiza-se que a lei ou
sua aplicação leva à melhoria da eficiência e bem-estar dos envolvidos. A escolha, neste
mote, deverá ser feita pelo Judiciário, que definirá o contrato ideal ou sua aplicação
mediante custo zero, passando o objetivo a ser a motivação dos agentes a cooperar
transformando problemas aparentemente insolúveis em situações de elementar
resolução voluntária. (SZTAJN, 2005, p. 109)
Além da moralidade, a Lei 12.846/2013 objetiva induzir o respeito aos demais
princípios da Administração Pública, e, em especial, à proteção da Constituição
Econômica, preservando a livre concorrência entre empresas fornecedoras de bens e
produtos para a Administração Pública, nas relações comerciais internas e
internacionais por elas celebradas com o Estado nacional – no caso, a República
Federativa do Brasil – ou com Estados estrangeiros, sob pena de punição baseada em
responsabilidade objetiva, tudo indicando inverter a lógica econômica até então vigente
no Brasil, de que a corrupção seria um “bom negócio” nas relações público-privadas.
O “ótimo de Pareto” e a eficiência de “Kaldor-Hicks” podem ser referenciados
como parâmetros que fundamentem, através de um raciocínio lógico e racional
emprestado das ciências econômicas, como fontes geradoras de condições minimamente
necessárias para uma economia informada por um menor grau de corrupção, capaz de
promover “o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inc. III do art. 3º da CF). Apenas o tempo
dirá, por intermédio de uma pesquisa de campo, se a Lei 12.846/2013 efetivamente
desenvolverá ou não o seu potencial econômico que de reduzir a corrupção e elevar os
níveis de eficiência e moralidade das relações público-privadas.
116
CAPÍTULO III – EFEITOS DA LEI 12.846/2013 NOS PROGRAMAS DE
“COMPLIANCE” ADOTADAS PELAS EMPRESAS
3.1 – Cultura de “Compliance” nas Organizações Empresariais – Evolução
Histórica
O termo “compliance” é originário do verbo inglês “to comply”, que significa
cumprir, executar, satisfazer, desempenhar o que lhe foi instituído (DAL POZZO, 2014,
p. 106).
O conceito é originário do Direito estadunidense, que foi a nação precursora a
comprometer-se com o combate a corrupção internacional, o que fez através do
“Foreing Corrupt Practice Act” – FCPA, com ampliação mais proeminente após a crise
financeira de 2008, tendo sido, também, impulsionado com o “Bribery Act” britânico –
UKBA, no ano de 2010.
No contexto do Direito, o “compliance” é utilizado como um programa eficaz de
prevenção de descumprimento pela empresa, de qualquer tipo normas vigentes. Já no
contexto empresarial, inclui-se a necessidade de regular mandamentos éticos e dar
cumprimento as normas internas da companhia, o que remete ao preceito de governança
corporativa (RODRIGUES, 2015, p. 13).
Tal conceito de governança corporativa pode ser traduzido, conforme a doutrina
alemã, por "Unternehmensverfassung" (Governança Corporativa) e, portanto, descreve
o quadro regulamentar para a gestão e supervisão de empresas. O tema é discutido tanto
na Alemanha quanto em outros países em que existam diferentes sistemas legais, como
instrumento de supervisão corporativa. O “compliance” é, precisamente, um desses
instrumentos, podendo ser classificado como o princípio elementar existente em cada
um dos sistemas jurídicos dos Estados em que as empresas e os seus órgãos devam
funcionar em harmonia com a lei vigente. (ROTSCH 2012, p. 2)
Com o intuito de se adequarem as demandas do mercado, as organizações
passaram a desenvolver um planejamento de ações que englobassem uma maior
circulação de informações, o que aumentou a transparência das condutas realizadas,
sobretudo relativas as condutas éticas. (SILVA, 2015, p. 2)
O conceito de governança corporativa foi concebido através destas demandas de
transparência, que não se preocupava apenas com o cumprimento da lei e a atuação
conforme o Direito, mas também com ações que atendessem princípios de equidade,
117
prestação de contas e responsabilidade, pautados na efetiva credibilidade dos
procedimentos, otimizando o desempenho das companhias, protegendo investidores,
empregados e credores, com o fim de facilitar o acesso ao capital. (SILVA, 2015, p. 2)
Originalmente, o “compliance” foi concebido no mercado financeiro, ainda que
não com este específico nome, mas com as características iniciais de atendimento a
prescrições éticas de condutas dentro do ambiente corporativo.
Dentro de uma linha histórica referencial, com menção a fatos ocorridos
internacionalmente e sua influência na realidade brasileira, pode-se mencionar a
seguinte sequência de acontecimentos: 1) criação da política intervencionista
denominada New Deal, em 1932, que implantou os conceitos keynesianos; 2)
Conferência Bretton Woods, em 1944, que ocasionou com a formulação do Acordo de
Bretton Woods, que estabeleceu uma série de medidas voltadas ao controle do capital
financeiro e do mercado; 3) o desenvolvimento do mercado de opções e a metodologia
de finanças corporativas (Corporate Finances), segregação de funções (Chinese Walls) e
informações privilegiadas (Insider Trading), em 1970; 4) a criação do Comitê de
Basiléia, em 1974, que estabeleceu as primeiras regras de supervisão bancária; 5) o
primeiro acordo de Basiléia, em 1988, que padronizou rotinas de controle em
instituições bancárias; 6) a divulgação dos “Treze Princípios para Avaliação de Sistema
de Controles Internos”, pelo Comitê de Basiléia em 1998; 7) a publicação da Resolução
nº 2.554, em setembro de 1998 pelo Banco Central do Brasil, que determina a
implantação de sistemas de controles internos nas instituições financeiras do país; 8)
Fraude nas empresas Enron e Arthur Andersen, nos Estados Unidos, em 2001/2002; 9)
Publicação da lei Sarbanes-Oxley, pelo Congresso Americano, em 2002, em
decorrência da concordata da Worldcom, assinada em 30 de julho do mesmo ano; 10)
Comitê da Basileia, em 2003, que divulgou práticas recomendáveis para gestão e
supervisão de riscos operacionais, bem como a publicação de documento consultivo
referente à função de “compliance” os bancos. (SILVA, 2015, p. 4)
Após este breve retrospecto, diversos países passaram a regulamentar regras de
“compliance”, não através de uma legislação específica sobre o tema, mas em conjunto
com dispositivos legais de combate a corrupção e lavagem de dinheiro, podendo ser
mencionado, como exemplo, as já referenciadas UKBA (United Kingdom Bribery Act),
do ano de 2010, a Lei Mexicana de Combate a Corrupção (Ley Federal Anticorrupción
em Contrataciones Publicas, de junho de 2012), bem como a Convenção de Combate à
Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais
118
Internacionais, da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico
(OCDE), de 1997.
No Brasil, a primeira legislação a positivar de maneira efetiva regras de
“compliance” foi a Lei nº 9613/1998 – Lei de Lavagem de Dinheiro (anexo I). Com o
intuito de se evitar a prática de crimes, a referida norma impôs a obrigação à
determinadas pessoas físicas e jurídicas, descritas no artigo 9º, a identificar clientes e
manter registros das operações realizadas, nos termos do artigo 10º, bem como
comunicar às autoridades competentes certas movimentações financeiras (art. 11º),
remetendo a um conceito de “compliance” criminal. (SILVEIRA, 2015, p. 180)
Diante de um rol extenso de medidas impostas visando a prevenção de infrações
e, consequentemente, a imediata exigência de pronta notificação de todas as
informações financeiras nos termos dos dispositivos legais mencionados acima, a Lei de
Lavagem de Dinheiro inaugurou um sistema de “compliance” no Brasil, levando em
conta um critério essencialmente criminal.
Este nominado “criminal compliance” tem o propósito de prevenção de delitos
econômicos empresariais, através de uma regulação pública e privada que denota uma
espécie de autorregulação regulada, uma vez que os procedimentos adotados são
oriundos da vontade estatal de compelir o particular a ter um maior controle das
atividades de seus colaboradores, com o fim de se evitar a prática de atos ilícitos.
No tocante ao “Criminal Compliance” e sua crescente aplicação junto ao
empresariado em razão da imposição estatal pela adoção de práticas de salvaguarda e
controles internos, tem-se a constatação de que há uma nova forma de intervenção e
atuação no âmbito do direito penal destinada a evitar o processo e a prevenir eventual
responsabilidade criminal, o que acarretará em custos para a atividade econômica.
(CASTRO, ANTONIETTO, 2015, p. 7)
Para TIEDMANN (2013, p. 33), trata-se de uma nova espécie de intervenção
estatal na esfera da imputação criminal, que irá atingir a atividade empresarial mesmo
antes do inicio de eventual persecução penal: Mais amplo do que o habitual: não apenas orientada para a defesa em processo penal, mas antes do processo e a toda decisão economicamente controvertida orientada a evitar o processo dado o custo, não só em dinheiro, mas sobre no termos de prestígio na opinião pública que o processo e a exposição pública que isso implica para a empresa e seus diretores pessoalmente.42
42 Tradução livre a partir do trecho original: Más amplia que la habitual: no solo orientada a la defensa en un proceso penal, sino previa al proceso y a toda decisión económica jurídicamente controvertida,
119
A complexidade do tema demonstra grande profundidade, uma vez que quando
se fala em criminalidade empresária, pode-se referir a delitos cometidos para a empresa,
ou seja, em benefício desta, e crimes dentro da empresa, por um de seus órgãos contra
os demais, gerando, assim, uma infinidade de circunstâncias que resultam em um difícil
controle e fiscalização.
Conforme JESCHECK (2002, p. 703 apud SILVEIRA, 2015, P. 129/130), não
se trata de buscar a autoria colateral dos responsáveis diretos pelos atos ilícitos quando
se trata de delitos econômicos cometidos através da pessoa jurídica, mas sim, de
responsabilidade do dirigente da empresa pela omissão em não adotar as práticas de
prevenção adequadas: Não se trata, aqui, de uma busca de responsabilidade colateral, cuja resposta poderia ser encontrada ainda que com objeções, em conceitos como o de coautoria ou de autoria mediata. A implicação aqui pretendida visa, especificamente, a busca de atribuição de responsabilidade através de um delito especial do dirigente da empresa, que muitas vezes, em sua atuação, acaba por não impedir condutas criminosas de seus subordinados.
Desta forma, estar-se-ia a falar da responsabilidade penal da pessoa do
empresário por omissão ao não instituir programas de “compliance”, estabelecendo que
a conduta omissiva do dirigente em não estabelecer estatutos eficientes de conduta ética
dentro da organização empresária. Ao contrário, nos casos em que os “compliance
programs” são adequadamente desenvolvidos retira-se do dirigente qualquer imputação
por omissão, uma vez que não há a violação de qualquer dever de cuidado.
Soma-se à Lei de Lavagem de Dinheiro a Lei nº 12.846/2013, que
expressamente previu em seu texto a questão do “compliance” como elemento de
redução da pena no processo administrativo instaurado contra a pessoa jurídica em caso
de prática de ato lesivo.
Portanto, tanto a Lei nº 9.613/1998 quanto a Lei nº 12.846/2013 se
complementam na instituição da chamada autorregulação regulada, compelindo que as
empresas instituam programas de integridade com a finalidade diminuir a incidência de
atos ilícitos, salvaguardando por consequência a pessoa jurídica que, em último caso
terá minimizados eventuais efeitos de uma condenação.
orientada, por lo tanto a evitar el proceso, dado el costo, no solo en dinero, sino sobre en términos de prestigio en la opinión publica, que el proceso e la exposición pública que este implica conllevan para La empresa y sus directivos personalmente.
120
Ao se mencionar uma autorregulação regulada como pressuposto dos programas
de “compliance”, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM (2015) destaca em suas
diretrizes a relevância em se repassar ao próprio empresário controlar suas atividades,
aumentando a repressão nos casos em que os programas de autorregulação não são
aplicados: Para aumentar a eficiência da atividade regulatória, a CVM adota o sistema de autorregulação para determinadas atividades no mercado de valores mobiliários, evitando, assim, a centralização excessiva do poder de editar normas e fiscalizar seu cumprimento. A autorregulação está fundamentada nos seguintes pressupostos: - A ação eficaz do órgão regulador sobre os participantes do mercado de valores mobiliários implica em custos excessivamente altos quando se busca aumentar a eficiência e abrangência dessa ação. - Uma entidade autorreguladora, pela sua proximidade das atividades de mercado e melhor conhecimento das mesmas, dispõe de maior sensibilidade para avaliá-las e normatizá-las, podendo agir com maior presteza e a custos moderados. - A elaboração e o estabelecimento, pela própria comunidade, das normas que disciplinam suas atividades fazem com que a aceitação dessas normas aumente e a comunidade se sinta mais responsável no seu cumprimento, diminuindo-se a necessidade de intervenção do órgão regulador.
A autorregulação regulada consiste, portanto, em transferir a responsabilidade de
fiscalização do órgão público regulador para o particular, e impor ao mesmo uma
penalidade mais severa nos casos de atos ilícitos cometidos através de estruturas que
não contem com esta fiscalização.
Tais pressupostos refletem a intenção do Estado a induzir o empresário a
cumprir regras de regulação como norma interna da empresa, além de buscar reduzir o
tamanho de seus organismos e tornar a atuação do ente regulador mais eficiente, pela
impossibilidade física e econômica de fiscalizar todos os atos sem a colaboração da
iniciativa privada. Na visão do BACEN (2007): A área de compliance é assistir os gestores no gerenciamento do risco de compliance, que pode ser definido como o risco de sanções legais ou regulamentares, perdas financeiras ou mesmo perdas reputacionais decorrentes da falta de cumprimento de disposições legais, regulamentares, códigos de conduta etc.
Como consequência, a observância das normas decorrente da participação em
sua elaboração e da consciência da importância de sua preservação por parte dos
particulares, implica menor custo nas funções de acompanhamento e constatação de seu
cumprimento.
121
Na realidade estadunidense, onde tais conceitos foram concebidos e aplicados
após o “Foreing Corrupt Practice Act”, a exigência de atitudes éticas por parte das
empresas acabou por instituir o conceito de Bom Cidadão Corporativo (“Good
Corporate Citizen”), principalmente à partir de 1990, que consistiu em compelir a
iniciativa privada à cultura de respeito ao Direito, através de controles internos,
externos, oportunidades de negócios, limitação e equilíbrio de poder. (SILVEIRA,
2015, P. 118)
Neste panorama, segundo SILVEIRA (2015, p. 119), a chamada autorregulação
regulada tem a função de estimular cada vez mais a implantação de critérios de controle,
fazendo com que as próprias empresas, detentoras do maior conhecimento acerca de
suas próprias atividades, tenham crescente participação nos mecanismos de fiscalização: Seu diagnóstico seria de que quanto mais se optar pela autorregulação, mais sobrevirá um estímulo à mesma, na forma de criação e implantação de mecanismos de autorregulação e de auto-organização em nítido detrimento de uma heterorregulação. Ela pode, assim, representar uma vantagem em relação à intervenção estatal, já que as próprias empresas, a princípio, conhecem mais adequadamente as particularidades das técnicas e especificidades da Economia moderna, potencializando as devidas regulações jurídico-penais necessárias.
Por outro lado, na delegação de poderes de normatização e fiscalização, o órgão
regulador conserva competências residuais que lhe permitem evitar possíveis
inconvenientes da autorregulação, como a complacência em relação a assuntos de
interesse público, a tendência à autoproteção dos regulados, a leniência na imposição de
sanções e atitudes tolerantes, decorrentes do desejo de evitar publicidade adversa aos
negócios.
De maneira estrutural programas de “compliance” já instituídos costumam ter
alguns pontos convergentes no que se refere aos seus elementos estruturais. Podem ser
destacados 6 (seis) elementos estruturais comuns: 1) finalidades a serem observadas
pela empresa e análise de riscos; 2) definição de procedimentos para a análise de
responsabilidade nos vários níveis hierárquicos dentro da empresa; 3) criação de um
sistema de informações e denúncias de atos que afrontem as normas internas da
organização; 4) controladores externos e internos que avaliem a efetividade do
programa de “compliance”; 5) penalidades bem definidas em caso de descumprimento
das normas internas; 6) estrutura de incentivo para o fiel cumprimento das regras de
integridade (SIEBER 2008, p. 451 apud SILVEIRA 2015, p. 256/257).
122
Interessante observar que no que se refere a análise de riscos para a elaboração
do programa de conformidade, o regramento interno deve contemplar de maneira
detalhada todas as advertências dos preceitos a serem observados, como também o
procedimento para as empresas e seus empregados, sem olvidar a exata fundamentação
da responsabilidade do plano de direção mais elevado em relação aos objetivos, valores
e procedimento para evitar a realização de atos ilícitos.
Para tanto, fundamental é a determinação das responsabilidades em relação ao
plano intermediário da direção com a criação de uma seção especializada na empresa,
responsável pelo “compliance”, assim como o esclarecimento e capacitação dos
empregados da empresa (SIEBER 2008, p. 451 apud SILVEIRA 2015, p. 256).
Entretanto, para que seja efetivo tais mecanismos de controle a informação dos
atos ilícitos devem atingir os responsáveis pelo monitoramento do respeito às regras
internas de conformidade, sendo essencial a criação de um sistema de denúncias para a
descoberta e esclarecimento de delitos, especialmente para o controle interno pessoal e
material, deveres de informação, o que SIEBER classifica como um ‘sistema de
informante’ (“Hinweisgebersystem”), que funcionaria para recepção de informações
anônimas, determinação do canal de denúncias para casos suspeitos a serem
esclarecidos (com inclusão da Seção de “compliance” e também das autoridades
estatais) e de adaptações em curso e desenvolvimento posterior dos estatutos de
integridade (SIEBER 2008, p. 451 apud SILVEIRA 2015, p. 257).
O “compliance”, portanto, pode ser definido como sendo um sistema
implementado na empresa, capaz de prevenir mediante orientação e fiscalização dos
colaboradores e diretores, o descumprimento de preceitos legais, garantindo que as
normas existentes efetivamente sejam respeitadas e cumpridas durante o
desenvolvimento da atividade empresarial, assim como as normas éticas e as regras
internas da companhia. (RODRIGUES, 2016, p. 14)
ROTSCH (2012, p. 9) destaca o desafio para a ciência jurídica em estudar o
“compliance”, suas circunstâncias de responsabilização e efetividade de tais programas
no âmbito empresarial: Na atual discussão sobre o conteúdo e a necessidade do Compliance se entrelaçam com frequência questões de responsabilidade com problemas específicos de Compliance. Não obstante, se distinguem uma circunstância da outra, se mostra evidente que o Compliance
123
representa por completo um novo objeto de trabalho da Ciência jurídica.43
Quando se destaca que o “compliance” vem a ser um programa ou sistema de
autorregulação ou autocontrole, é relevante partir da premissa de que o vocábulo
“controle” está intimamente relacionado a diminuição de riscos e incertezas em relação
a eventos futuros.
O grande desafio, contudo, reside no fato de que o cumprimento de programas
desta natureza podem gerar, em alguns casos específicos, custos de manutenção à
estrutura organizacional da empresa, frustrando a motivação no desenvolvimento de
estatutos éticos de conduta e controle das atividades.
Ao comentar acerca do investimento necessário para a implementação de um
programa de “compliance” e os retornos que a organização societária deve almejar em
razão da adoção dos procedimentos, SILVA (2015, p. 35) destaca, especificamente no
tocante à instituições de ensino, algumas circunstâncias a serem observadas: A chamada “gestão de conformidade” deve demonstrar como a recuperação do investimento se daria em um programa de compliance, ou seja, qual o retorno financeiro para a instituição se sua atuação no contexto educacional estiver em conformidade, e qual o preço para proteger a instituição de sanções (medidas cautelares administrativas, processos de supervisão ou processos administrativos) impostas pelo Ministério da Educação e pelas Secretarias Estaduais de Educação, além dos procedimentos administrativos e judiciais oriundos do Ministério Público e de órgãos de defesa do consumidor. Esse custo também inclui a análise dos danos à imagem e à reputação e os custos de assumir determinado risco.
A gestão dos custos de “compliance”, por conseguinte, deve ser levada em
consideração e será determinante no sucesso ou no fracasso da iniciativa. Podem ser
mencionados três grupos de custos a serem auferidos pelas empresas no momento da
implementação das medidas: a) custos de manutenção; b) custos de não conformidade;
c) custos de governança. (SILVA, 2015, p. 35)
Por custo de manutenção podem ser referenciados os investimentos realizados
para executar e promover a conformidade em todas as áreas da empresa, incluídos, neste
tópico, tanto os custos diretos (orçados como custos de conformidade, ou seja,
relacionados a profissionais de “compliance”), como também os custos indiretos (que
43 Tradução livre a partir do trecho original: En la actual discusión sobre el contenido y la necesidad del Compliance se entremezclan com frecuencia cuestiones de responsabilidade con problemas especificos del Compliance. No obstante, si se distinguen consecuentemente unas y otras, se pone en claro que el Compliance representa por completo un nuevo objeto de la Ciencia jurídica.
124
versam sobre o custo administrativo associado com o percentual de tempo despendido
pelo profissional de “compliance”, em comparação com a produtividade do negócio em
si). (SILVA, 2015, p. 35)
Os custos de não conformidade, por sua vez, podem ser conceituados como
aqueles em que a organização incorre em consequência das não conformidades
encontradas nas regras externas, regulamentações ou políticas internas. Os custos
gerados por uma fiscalização por parte da administração pública, por exemplo, em caso
de desconformidade com a legislação ou regulamentação administrativa, podem ser de
elevada monta, principalmente se deficiências rotineiras forem identificadas quando da
implementação do programa de conformidade. (SILVA, 2015, p. 36)
Por fim, o custo de governança representa os investimentos realizados pela
empresa no corpo diretivo e nas demais organizações internas pra estruturar uma
governança eficiente, como, por exemplo, a melhora dos canais de comunicação, custos
legais e relacionados a aspectos jurídicos, relação com investidores e clientes. O
resultado advindo do custo de governança tem reflexo significativo, portanto, no
controle e redução dos custos de não conformidade. (SILVA, 2015, p. 36)
Conforme mencionado por SILVEIRA (2015, p. 258), por mais que existam
custos na aplicação de programas de “compliance”, estes não ocorrem sem uma
evidente contrapartida positiva para a sociedade empresária, que obterá o retorno dos
esforços de formas variadas, como na previsibilidade das relações negociais, melhoria
da estrutura e otimização de procedimentos, entre outros: Esta instabilidade, todavia, não deixa de ser acompanhada de envolvente retorno dos esforços da organização técnico-científica das relações econômicas, cuja crescente demanda por valor agregado fez sentir, no mercado, amplo processo de institucionalização dos negócios em corporações. O comportamento decisório na Economia é marcado pela ideia de oportunidade, a qual advém de juízo de cálculo de probabilidades sobre o potencial e a disposição de recursos em níveis mais elevados de produtividade.
A previsibilidade e racionalidade resultantes da producente implantação de
programas de “compliance” na rotina das empresas coadunam com conceitos
econômicos de interpretação de riscos e antecipação de possíveis adversidades,
otimizando a relação de custo e benefício inerentes a toda atividade empresária.
Em um contexto geral, o custo avindo de não se estar com um programa de
“compliance” em eficiente funcionamento, acarreta em danos à imagem da organização
e de seus funcionários, sem contar a perda de valor da marca, má alocação de recursos e
125
redução da eficiência e inovação, penalidades de caráter administrativo, pecuniárias e
até mesmo criminais, decorrendo custos secundários com os dispêndios necessários com
contabilistas, advogados e consultores. (SILVA, 2015, p. 61)
Neste prisma, a prevenção contra condutas que importem em infrações a
legislação vigente e que desrespeitem as próprias normas de conduta das companhias,
tornou-se necessária para a manutenção da imagem, credibilidade e para a própria
sobrevivência da sociedade empresária, principalmente nos mercados mais
competitivos.
A deficiência no cumprimento de regras éticas podem causar reflexos negativos
inclusive em situações onde a direção da empresa deixou de ser diligente, ou seja, foi
omissa no controle dos atos de seus subordinados, dando margem à certas condutas sem
o efetivo acompanhamento e orientação. No Direito estadunidense, tal responsabilidade
pode ser conceituada como uma espécie de “autorização implícita”, que se entende pela
corrupção ocasionada na falta de controle e de estatutos de “compliance” efetivos e
atuantes. (JACOBSON, 2010, p. 81)
JACOBSON (2010, p. 82) menciona um caso prático onde a multinacional
Triton S/A foi condenada pelo pagamento de suborno comprovado a integrantes do
governo indonésio, através de sua subsidiária na localidade. A Comissão de Valores
Mobiliários dos Estados Unidos considerou que os mecanismos de controle
(“compliance”) da empresa eram falhos e ineficientes, razão pela qual, mesmo não
tendo a corporação diretamente ordenado o pagamento ilícito, foi responsabilizada pela
omissão, tendo inclusive os diretores sido responsabilizados:
Em uma ação de execução ilustrativa, a SEC (Securities and Exchange Commission) alegou que Triton Energy Corporation ("Triton") foi responsável, nos termos da FCPA, por pagamentos indevidos que foram realizados por sua empresa subsidiária na Indonésia ("Triton Indonésia") para agentes do governo indonésio. Enquanto a Triton alegou não ter aprovado qualquer pagamento indevido à agentes do governo daquele país, a SEC alegou que seus controles internos eram deficientes. Sem admitir ou negar as alegações contrárias, a Triton foi levada a julgamentodo na, tendo sido entendido que a empresa violou disposições contábeis da FCPA, e condenada a pagar uma multa de US$ 300.000,00. Além desta condenação, a SEC instaurou procedimento administrativo contra diversas pessoas envolvidas, incluindo dois diretores da Triton. Tais diretores tinham responsabilidade significativa nas operações tanto da Triton quanto da Triton Indonésia.44
44 Tradução livre a partir do trecho original: In one illustrative enforcement action, the SEC alleged that Triton Energy Corporation (“Triton”) was liable under the FCPA for improper payments that were made by its Indonesian subsidiary`s (“Triton Indonesia”) gente to Indonesian government officials. While
126
Na decisão do caso Triton mencionada acima, a omissão dos dirigentes foi
fundamental para considerar a responsabilidade da sociedade empresária, bem como de
seus dirigentes com poder de gestão sobre o fato específico, sendo esta uma das
principais preocupações no desenvolvimento de normas de conduta ética.
No entanto, neste contexto, também é relevante questionar até que ponto é
possível considerar que a responsabilidade dos dirigentes e da organização empresária
como um todo pode ser caracterizada pela ausência de regulamentação de
procedimentos internos que visem a boa governança, a prevenção de condutas ilícitas,
além de outros fatores.
Ao comentar a questão, ROTSCH (2012, p. 7), trazendo a experiência alemã ao
referenciar o “Criminal Compliance”, manifesta: Na medida em que o Compliance Criminal se refere à tentativa de isentar os gestores de grandes empresas de responsabilidade penal, isso pode ser entendido como uma reação que vai de encontro com a jurisprudência do BGH sobre a imputação que ocorre de "cima para baixo". Bem, unicamente a partir da equiparação normativa entre responsabilidade corporativa ou mesmo apenas entre a responsabilidade de gestão e responsabilidade criminal se possibilitou o acesso direto aos cargos corporativos mais altos hierarquicamente, surgindo, a partir disso, a necessidade de se livrar dessa responsabilidade. Quem, de forma tradicional se pergunte acerca da responsabilidade criminal com base no dano realmente ocasionado, “de baixo para cima”, perde-se em algum ponto do caminho no ramo complexo das grandes corporações modernas. Estes efeitos específicos de irresponsabilidade organizada para o BGH representam precisamente sua "mudança de paradigma". Tanto a irresponsabilidade organizada, como a responsabilidade desorganizada, cabem à própria gestão da empresa. O Compliance Criminal representa uma reflexão específica do desenvolvimento atual.45
Triton was not alleged to have approved the payments and their subsequente bookings, the SEC alleged its internal controls were deficiente. Without admitting or denying the allegations against it, Triton consented to na entrey of final judgment enjoining it from violatinh the FCPA`s accounting provisions and ordering it to pay a $300,000 penalty. Separately, the SEC brought na administrative proceeding against several individuals, including two senior officers of Triton. The officers had significant responsability for both Triton`s and Triton Indonesia`s operations. 45 Tradução livre a partir do trecho original: En la medida en que el Criminal Compliance refiere el intento de exonerar de responsabilidad penal a los directivos de las (grandes) empresas, éste puede ser entendido como una reacción frontal a la jurisprudencia del BGH sobre la imputación “top down”. Pues, únicamente a partir de la equiparación normativa entre la responsabilidad societaria o incluso simplemente entre la responsabilidad por la gestión societaria con la responsabilidad penal se posibilitó el acceso directo a los altos cargos empresariales, surgiendo entonces la necesidad de librarse de dicha responsabilidad. Quien de forma tradicional se pregunte por la responsabilidad penal partiendo de los daños efectivamente acaecidos desde abajo hacia arriba se queda en algún momento a medio camino en la ramificación de las grandes corporaciones modernas. Estos efectos propios de la irresponsabilidad organizada representan para el BGH precisamente el pábulo de su “cambio de paradigma”. La
127
O “compliance” constitui, desta forma, o fundamento para a implantação de uma
cultura ética dentro da realidade estrutural empresária, cultura esta de importância
relevante à prevenção e redução de fraudes que representam perdas financeiras para as
organizações em razão do desequilíbrio do mercado. A cultura organizacional ligada à
ética exerce uma clara influência sobre a integralidade dos funcionários o que significa
concluir que quanto mais profunda a cultura de integridade organizacional, menor a
incidência de fraudes e outros comportamentos que representam desvios de recursos e
de finalidade (COIMBRA 2010, p.6).
Neste sentido destaca-se que o “compliance” não se resume exclusivamente a
prevenção de crimes para a limitação de responsabilidades, mas engloba um enorme
arcabouço de matérias dentro da realidade empresária, podendo ser citado o
“compliance” laboral, ambiental, social, que remetem ao conceito de auto-governança
corporativa, explicado por LAWLER (2016, p. 6)
Organizações inspiradas por um propósito e baseadas em valores, que são lideradas com autoridade moral e operam de acordo com um conjunto de princípios essenciais e imperativos sociais. Os empregados são inspirados por um desejo de fazer algo significativo e incentivados a agir como líderes independentemente de sua função. O foco destas organizações são um legado de longo prazo e o desempenho sustentável.
As organizações classificadas como auto-governadas atraem pessoas que são
inspiradas a dar o melhor de si e usar sua criatividade plenamente na busca de um
propósito compartilhado, e dão a elas liberdade para realizar seu pleno potencial. Como
resultado, essas organizações têm um desempenho superior em todas as medidas
relevantes. (LAWLER, 2016, p. 16)
Trabalhando em parceria e com transparência, os empregados da organização
empresária possibilitam um processo de tomada de decisões melhor e mais eficiente,
pois ao assumiremresponsabilidades, manifestam preocupações e denunciam más
condutas, gerando, por consequência, confiança, que permite que se arrisquem e façam
experiências que estimulam a inovação. (LAWLER, 2016, p. 16)
Contudo, um programa independente de governança corporativa, pautado na
ética (fazer o que é certo e conforme a lei), bem como pensando no bem-estar dos
irresponsabilidad organizada, al igual que la responsabilidad desorganizada, recae sobre la propia dirección empresarial. El Criminal Compliance representa un reflejo específico de dicho desarrollo actual.
128
colaboradores, meio ambiente e, não menos relevante, buscando a prevenção de
condutas prejudiciais à concorrência e a economia, é fundamental neste cenário, pois
apenas assim se produzirá um profundo compromisso com valores e propósitos
compartilhados, bem como comportamentos elevados (como, por exemplo, colaborar,
compartilhar informações, falar o que pensa) para equilibraras tensões entre os
objetivos individuais e os organizacionais.
LAWLER (2016, p. 26) destaca que a tendência das organizações societárias no
tocante a relações de hierarquia e cumprimento de normas internas vem sendo
repensada levando em consideração a moralidade e a educação de todos os participantes
a agirem em conjunto, para o bem coletivo:
Gerações de gestores desenvolveram práticas e hábitos para gerenciar com eficácia através da coerção e da motivação. A Economia Humana, no entanto, demanda uma liderança inspiradora. A autoridade formal está decaindo e se dissipando, ao passo de que a autoridade moral está ganhando potência e atualidade.
Um programa de “compliance” instituído com premissas de independência,
canais efetivos de denúncias e treinamentos constantes, em que valores éticos são
diariamente asseverados à todos os envolvidos na escala produtiva, tendem a melhorar
as condições dentro do ambiente de trabalho, fazendo com que além do aprimoramento
pessoal tanto de colaboradores quanto da alta direção (ABNT, 2005), estes passam a
participar de maneira mais efetiva, adquirindo maior autonomia funcional em razão do
maior entendimento de sua função tanto dentro da empresa quanto dentro da sociedade,
gerando satisfação e eficiência.
Todos os aspectos existentes dentro de um estatuto de conduta e organização
ética devem levar em conta aspectos laborais, ecológicos, organizacionais e
econômicos, atuando na melhoria constante da qualidade da equipe de trabalho e
diminuindo, assim, a incidência de atos ilícitos, o que refletirá em uma sociedade mais
justa e solidária.
O Fórum Econômico Mundial (“World Economic Forum”), em seu último
relatório (2016) sobre riscos globais, “The Global Risk Report” (2016, p. 34) constatou
a importância em se integrar a iniciativa privada com a Administração Pública no
sentido de se evitar quaisquer tipos de riscos, sejam eles ambientais, econômicos e
sociais, delimitando preceitos éticos de transparência dos atos, melhoria da qualidade de
129
vida da sociedade através da integração dos setores públicos e privados, incluindo,
também, prevenção a corrupção e redução do custo social:
Muitas empresas já estão lidando com as consequências da insegurança, direta ou indiretamente. De uma governança ineficiente à corrupção, degradação ambiental, desigualdade social e instabilidade em comunidades vizinhas, muitas empresas passaram a adotar políticas para proteger os seus interesses, enquanto abordam também esses vetores de insegurança dentro de suas principais áreas de operações. Por exemplo, uma empresa de mineração buscando minimizar os impactos ambientais sobre as comunidades locais, uma empresa de telecomunicações que trabalha na formação de trabalhadores locais nas habilidades de que necessitam e, assim, também capacitar os trabalhadores, e uma empresa de infra-estrutura de trabalho com o governo local para melhorar a qualidade e transparência em torno de serviços públicos podem todos contribuir para abordar os fatores de instabilidade geopolítica. Outra forma pela qual o setor privado pode contribuir é através de normas da empresa que proíbem envolvimento com práticas de corrupção; isto pode, com o tempo, estimular uma melhor governança e reduzir o ressentimento social.46
Cumpre salientar, contudo, que não se pode apenas considerar a instituição de
tais valores morais à iniciativa privada, tendo a Administração Pública fundamental
papel em orientar seus servidores a atuarem observando sempre o interesse público e o
estrito cumprimento legal.
A Lei nº 12.846/2013 alcança, neste sentido, além das pessoas jurídicas de
direito privado, empresas estatais, sujeitando estas às suas disposições, precipuamente
no tocante ao estabelecimento de programas de integridade que visem evitar a prática de
atos ilícitos, bem como maior eficiência de suas operações pelo constante treinamento
dos colaboradores internos e externos.
A política de gestão de integridade na realidade pública deve ser uma ferramenta
constante, pois no momento em que tais políticas de gestão são implantadas com
sucesso, os servidores passam a atuar pautados em critérios técnicos, deixando de lado
interesses pessoais, aumentando significativamente a qualidade das decisões.
46 Tradução livre a partir do trecho original: Many companies are already dealing with the root causes of insecurity, directly or indirectly. From inefcient governance to corruption, environmental degradation, social disparity and unrest in surrounding communities, many companies have policies in place to protect their interests while also addressing these drivers of insecurity within their core areas of operations. For example, a mining company seeking to minimize environmental impacts on local communities, a telecommunications company training local workers in the skills they require and thereby also empowering those workers, and an infrastructure company working with local government to improve quality and transparency around public tenders may all be contributing towards addressing the drivers of geopolitical instability. Another way the private sector can contribute is through company norms that forbid involvement with corrupt practices; this may, over time, spur better governance and reduce social resentment.
130
Outrossim, a confiança dos cidadãos no governo com a adoção de regras éticas,
por conseguinte, será aumentada, conforme cartilha de orientação da Controladoria
Geral da União – CGU (2015, p. 9): Cuidar da gestão da integridade também pode ajudar a melhorar a confiança dos cidadãos no governo. Embora não se possa assumir que a simples adoção de medidas de integridade repercuta automaticamente nos índices de confiança pública, é altamente improvável que cidadãos regularmente confrontados com violações de integridade confiem nas instituições e empresas em que ocorrem tais violações.
Assim como na iniciativa privada, a gestão de integridade em empresas estatais,
também podendo ser referenciada como “compliance”, envolve a coordenação de atores
e a utilização de instrumentos que perpassam diversas áreas de uma determinada
entidade, tais como Comissão de Ética, Auditoria Interna, Gestão de Riscos, Recursos
Humanos, Corregedoria, Jurídico, Área Contábil, Controles Internos, Gestão de
Documentos entre outros departamentos. (CGU, 2015, p. 13)
Assim, é imperativo que as empresas estatais, assim como empresas privadas,
adotem ações destinadas a implantar e aperfeiçoar o programa de integridade na
entidade, com objetivo de prevenir, detectar e remediar atos de fraudes e corrupção,
bem como otimizar procedimento e a eficiência. (CGU, 2015, p. 13)
O processo de mapeamento, nesta linha de raciocínio, deve ser revisto
periodicamente, pois identificar eventuais novos riscos relacionados a fraudes e
corrupção é condição para o andamento satisfatório e eficiente dos procedimentos
internos da empresa. Uma vez que tais riscos mencionados podem decorrer de
mudanças na legislação vigente ou de edição de novas regulamentações, ou de
mudanças internas à própria empresa, como ingresso em novos mercados, áreas de
negócios, abertura de filiais, aquisição de outras empresas, etc., faz-se relevante o
diagnóstico constante de quaisquer situações que possam vir a abalar a segurança nas
operações empresariais.
A grande celeuma existente na gestão do risco é justamente auferir o custo de
não conformidade, conceito inerente à governança corporativa e, como consequência,
ao “compliance”.
A teoria da conformidade, cuja concepção remete à teoria dos jogos estratégicos
aplicada à área corporativa, demonstra que a conformidade influencia o comportamento
institucional ao levar em consideração a reputação e as sanções originadas da violação
131
de leis e normas internas da empresa. (SILVA, 2015, p. 60)
O conflito de interesses existente dentro de uma organização, ainda no que tange
a teoria dos jogos, e os esforços institucionais que devem ser implementados no sentido
de solucionar tais controvérsias são objeto fundamental do “compliance”.
Reconhecidos os projetos do grupo como justos, a conduta dos outros ao
fazerem a sua parte é considerada como vantajosa para todos. Há evidente intenção em
honrar suas obrigações e deveres, vista como forma de boa vontade, cujo
reconhecimento desperta sentimentos de amizade e confiança.
Princípios de moralidade de grupo se aplicam ao papel de cidadão assumido por
todos, uma vez que todas as pessoas inseridas na sociedade, e não apenas aquelas que
abraçam a vida pública, devem ter compromisso com o bem comum. (CUNHA, 2014,
p. 19)
Muito embora se tenha em mente que situações de conflito devam ser evitadas,
em diversas oportunidades isso não se mostra possível, restando à resiliência
institucional solucionar a questão através de um tratamento justo e igualitário, que
poderá ser decidido pelo comitê de “compliance”. (SILVA, 2015, p. 157/158)
Quando se utiliza a palavra “resiliência”, a origem do termo vem da Física e da
Engenharia, para se referir à noção de flexibilidade, elasticidade ou ajuste às tensões,
tendo sido tais conceitos adaptados também nas áreas da Sociologia, Psicologia,
Medicina e Administração, até chegar ao âmbito corporativo. (SILVA, 2015, p. 158)
Resiliência, nesta perspectiva, pode ser entendida como a capacidade de uma
organização, uma equipe ou um profissional retornar ao equilíbrio natural após sofrer
grandes pressões ou estresse, sendo a experiência adquirida após o processo de
resiliência fundamental para se desenvolver mecanismos de prevenção de risco e gestão
de crises. (SILVA, 2015, p. 158)
Vale destacar a diferença entre a agilidade da organização societária em
responder a situações de risco e resiliência, e a conduta a ser adotada ante uma situação
e outra, com base em critérios racionais de avaliação acerca do problema visando a
eficiência. CHAMBERS (2016), realiza a distinção entre ambas as circunstâncias: De particular interesse para mim é como o estudo define a agilidade de risco e resiliência de risco. Agilidade risco é a capacidade de uma organização em "...responder rapidamente à evolução dos mercados, as preferências do cliente, ou dinâmica do mercado", de acordo com o estudo. Resiliência de risco é definida como de uma organização "...capacidade de resistir a interrupção por depender de processos sólidos, controles e ferramentas de gestão de risco e técnicas,
132
incluindo uma cultura corporativa bem definida e uma marca poderosa." Estas definições capturam bem duas abordagens para o risco. Um é ofensivo ou agressivo, enquanto o outro é defensivo ou protetor. Coloque nesses termos: fica claro porque as organizações que se destacam tanto são mais propensas a desfrutar de um sucesso duradouro.47
A relação entre resiliência e “compliance”, neste aspecto, é profunda e
indissociável, uma vez que o agir conforme regras éticas visa garantir que a instituição
seja resiliente para tornar a empresa sólida e garantir sua sadia e eficaz continuidade,
preparada para uma economia de mercado globalizada.
A economia moderna baseia-se, precipuamente, neste tipo de sociedade
globalizada, integrada e interdependente, havendo enorme interesse em se compreender
de que maneira o Direito perceberá os desvios e violações que ocorrem neste tipo social
tão complexo. SILVA-SANCHEZ (2011, p. 35) sintetiza tal pensamento: Com efeito, a sociedade atual aparece caracterizada, por um âmbito econômico rapidamente variante e pelo aparecimento de avanços tecnológicos sem paralelo em toda a história da humanidade. O extraordinário desenvolvimento da técnica teve, e continua tendo, obviamente, repercussões diretas em um incremento do bem estar individual. Como também as tem a dinâmica dos fenômenos econômicos. Sem embargo, convêm não ignorar suas consequências negativas.
Assim, como consequência da “Sociedade de Riscos” (BECK, 2011) tem-se a
antecipação da proteção e a tutela de novos bens, antes inexistentes se comparados ao
paradigma social anterior. A globalização, em tal contexto, surge para sobressair os
riscos, haja vista que as nações estão correlacionadas de uma forma tal que as atividades
de uma, em significativas vezes, impactam nas outras.
Em virtude da imposição do medo de novos riscos e pela inoperância do Estado
em regulamentar e prevenir tais anseios por suas vias administrativas, a autorregulação
regulada, representada por estatutos de “compliance” como uma forma de impingir as
empresas a desenvolverem programas internos de integridade visam, além de viabilizar
47 Tradução livre a partir do trecho original: Of particular interest to me is how the study defines risk agility and risk resiliency. Risk agility is an organization's ability to "...respond quickly to changing markets, customer preferences, or market dynamics," according to the study. Risk resiliency is defined as an organization's "...ability to withstand disruption by relying on solid processes, controls, and risk management tools and techniques, including a well-defined corporate culture and a powerful brand." These definitions capture well two approaches to risk. One is offensive or aggressive while the other is defensive or protective. Put in those terms, it is clear why organizations that excel at both are more likely to enjoy enduring success
133
o cumprimento da lei, à proteção dos chamados bens jurídicos supraindividuais, como a
proteção à concorrência, tutela do mercado e sistema financeiro.
Todos as consequências da instituição de eficientes programas de “compliance”
estão atrelados, desta forma, a objetivos de manutenção do equilíbrio de mercado,
através da preservação da concorrência sadia impulsionada pelo Estado que, ao impelir
às organizações societárias a adotarem regras de conduta ética e de fiscalização
eficientes, acaba por produzir um novo meio para que tais companhias passem
credibilidade à população, como também passam a cumprir importante função social
que vai além de auferir lucros e pagar tributos.
Portanto, exsurgem em importância as Leis 9613/1998 e 12.846/2013,
instituindo a relevância dos programas de integridade dentro das pessoas jurídicas para
além da diminuição dos custos de fiscalização por parte do Estado, mas também com o
intuito de buscar o bem estar de toda a comunidade com a diminuição de incidência de
atos ilícitos, preservando a concorrência e a economia de mercado.
3.2 – “Compliance” e Sustentabilidade Corporativa
Antes mesmo de adentrar no tema específico da relação entre “compliance” e
sustentabilidade, cumpre destacar a importância da função social da empresa dentro do
Estado Democrático de Direito.
A adoção de políticas públicas é um modo de intervenção estatal nas funções de
coordenação e fiscalização de agentes públicos e privados para a realização de certos
fins ligados a direitos sociais, sem excluir direitos econômicos. (SILVA, 2015, p. 89)
As organizações empresárias se deparam, frente a uma sociedade globalizada e
dinâmica, com a necessidade de atuar em prol do equilíbrio social e, ao mesmo tempo,
auferir lucro e atender as expectativas de seus acionistas/sócios.
Mais do que isso, todo o público que se relaciona com a empresa, denominados
de “stakeholders”, demandam transparência nas negociações como condição para
estabelecerem relações comerciais, pois a imagem e credibilidade a ser passada ao
mercado consumidor é um bem de valor, muitas vezes, inestimável. (MACÊDO, 2015,
p. 72)
O conceito “stakeholder” emergiu na obra de FREEMAN (1984) como sendo
qualquer indivíduo ou grupo que pode afetar ou ser afetado pela organização durante o
processo de busca de seus objetivos. (KAO, 2015, p. 2)
134
A necessidade de preocupação com tais relacionamentos é relevante, sendo os
“stakeholders” dos setores governamentais, comunidade/sociedade civil e academia
importantes pois devem fazer parte da estratégia dos negócios da empresa, na busca do
desenvolvimento sustentável. (VIANNA, 2016)
A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o mundo
passou a preocupar-se, de maneira mais efetiva, com uma responsabilidade social,
estimulando também empresas a participarem. (MACÊDO, 2015, p. 76)
Na visão de SROUR (2008, apud MACÊDO, 2015, p. 78), a responsabilidade
social representa “o conjunto de decisões empresariais informadas por meio de
instrumento que agregue os interesses dos stakeholders e consubstanciadas naquilo que
se denomina balanço social, ou sob qualquer outra ferramenta destinada a esse fim.”
A responsabilidade social, portanto, pode ser conceituada como uma prática
voluntária (não devendo ser confundida com demandas de caráter compulsório por parte
do Estado para com a iniciativa privada). Envolve o beneficio da coletividade, seja ela
concernente ao público interno (funcionários, acionistas, colaboradores, etc) ou
participantes externos (comunidade, parceiros, meio ambiente, consumidores, etc.), ou
seja, interesses dos “stakeholders”.
Partindo desta lógica, a base da responsabilidade social é a ética, ou seja, fazer o
que é certo, o que expressa a linha principiológica adotada pela organização. Não há
responsabilidade social sem ética nos negócios, uma vez que não há qualquer
fundamento em uma empresa que paga mal seus funcionários, corrompe a área de
compras de seus clientes, paga propinas a fiscais do governo e, ao mesmo tempo,
desenvolve programas voltados a entidades sociais da comunidade. Este comportamento
antagônico conflita com qualquer intenção de atendimento à responsabilidade social.
(INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL, 2016)
Em razão disso, não é coerente considerar que organizações que recebem
recursos públicos ou privados deixem de recolher seus tributos, remunerar dignamente
seus funcionários, honrar com compromissos firmados com fornecedores e parceiros
negociais e cometam agressões ao meio ambiente.
VIANNA (2016) ressalta a relação intrínseca que existe entre a gestão de
sustentabilidade e a responsabilidade social da empresa, através do gerenciamento de
diversas questões que envolvem riscos e demais fatores relevantes à toda a sociedade: Os novos conceitos de gestão de sustentabilidade e responsabilidade social empresarial exigem que as questões de inovação, tecnologia,
135
gerenciamento de riscos, gerenciamento ambiental, saúde e de segurança do trabalho e das populações ao redor das empresas, melhoria e cuidado com produtos e serviços do ponto de vista da saúde e segurança dos consumidores, qualidade e cuidados com os assuntos sociais devem ser parte integrante de todos os esforços e ações da direção da empresa e de todos os seus funcionários, não apenas como cumprimento das exigências legais, mas principalmente como uma questão de consciência e responsabilidade perante toda a sociedade, na busca do desenvolvimento sustentável, melhoria de eficiência e competitividade dos negócios no curto, médio e longo prazo.
Relevante ressaltar que um dos fatores primordiais no sucesso da gestão de
sustentabilidade e responsabilidade social, envolvendo as questões econômicas,
inovação, socioambientais, segurança do trabalho, saúde e sociais é o comprometimento
da alta gestão, o que, por sua vez, se alastrará a todos os níveis da empresa. (VIANNA,
2016)
Para que haja efetividade, contudo, este comprometimento deve ser expresso por
meio de uma política de sustentabilidade (envolvendo as questões hídrica, ambiental, de
segurança do trabalho, saúde e social), escrita de forma clara, para ser seguida,
implementada e obedecida por toda a organização empresária, seja ela pública ou
privada. O gerenciamento de linha é responsável por assegurar conformidade com esta
política, a começar pelos níveis mais altos da empresa e descendo a todos os níveis de
hierarquia. (VIANNA, 2016)
A Constituição e as leis não resolvem, imediatamente, os problemas da
sociedade. Não basta apenas a formalidade do Direito, sendo necessária, além das
disposições textuais positivadas, também a concretização institucional, cultural e social
de uma educação ética que busque a mudança de conduta de agentes de delitos
econômicos.
É fundamental que se transforme uma cultura de corrupção em uma cultura de
probidade, sob pena de não haver efetividade no cumprimento das normas de controle e
de instituição de estatutos de integridade.
A ética empresarial não deve se preocupar apenas ou fundamentalmente com a
crítica do comércio e da sua prática. O objeto de reflexão diz respeito a como deve o
lucro ser concebido no contexto mais amplo da produtividade e da responsabilidade
social, e como podem as grandes corporações, enquanto comunidades complexas, servir
tanto aos seus acionistas como à sociedade na qual estão inseridas. A ética empresarial
evoluiu de um ataque totalmente crítico ao capitalismo e ao denominado objetivo do
136
lucro, para um exame mais produtivo e construtivo das regras e práticas atinentes aos
negócios e às relações sociais deles advindos.
No final do século XX, JACKALL (1983, p. 178) constatou que muitos
empresários estavam convencidos de que os fins justificam os meios, e que o
pensamento era de que os que constantemente deixavam de atingir suas metas
numéricas não ascendiam na carreira. Se realmente os padrões éticos se deterioraram,
especificamente no âmbito empresarial, desde os primórdios do capitalismo, o certo é
que a tensão entre a busca do lucro e a responsabilidade social empresarial vem
crescendo paulatinamente (LEISINGER, 2001, p. 33).
Pertinente se faz tecer alguns comentários acerca da obra de JONAS (2006), no
ponto estrutural de sua teoria. JONAS empreende seu esforço argumentativo na busca
do significado do “princípio responsabilidade”, no sentido de que a responsabilidade
não deve ser compreendida como reciprocidade, como responsabilidade jurídica, mas,
sim, que a responsabilidade merece ser compreendida enquanto uma imputação causal
de atos produzidos por um indivíduo, analogicamente com o que ocorre na relação entre
pai e filho.
A responsabilidade pelas gerações futuras e pelo todo orgânico, neste sentido,
demanda profundidade em termos morais de uma determinação muito mais forte, ou
seja, no sentido da profunda preocupação com o poder que o indivíduo possui enquanto
responsável. A obra de Jonas remete à máxima existencialista sublinhando a
responsabilidade – as pessoas estão de certa forma condenadas a ser responsáveis. A
partir dessa responsabilidade, surge o amor pelo que ainda não existe, despontando uma
ética para o futuro, para as gerações que ainda estão por vir. (JONAS, 2006, p. 166)
Ao agir já existe a imposição de agir com moralidade, e atuar de forma
irresponsável representa a não observância do dever que cabe ao agente. Por isso, para
Hans Jonas a responsabilidade não pode ser uma relação recíproca, pois tal relação
move o agente apenas em um determinado momento, não incidindo numa ética
futurista, compromisso de todos. (JONAS, 2006, p. 166)
A teoria de JONAS mostra-se, de certa maneira, conservadora, indicando que, se
preciso for, se faz necessário diminuir a velocidade do progresso, pelo risco que este
representa à existência humana quando a ética da responsabilidade não é colocada em
prática em uma dimensão finalística. Cuidando da relação entre dever e poder – tema
pertinente à ética empresarial e ao tema deste estudo – JONAS (2006, p. 179) menciona
que “no caso do homem, e apenas nesse caso, o dever surge da vontade como
137
autocontrole do seu poder, exercido conscientemente: em primeiro lugar em relação ao
seu próprio ser”. Assim, em nome do princípio responsabilidade, o homem se torna o
primeiro objeto do seu dever, qual seja, não destruir aquilo que ele chegou a ser graças à
natureza e por seu modo de utilizá-la.
A ética empresarial é, desta maneira, a pedra de toque da atividade empresarial,
que deve reforçar o compromisso econômico, social e ambiental das corporações.
Diante disso, é possível concluir que o investimento em programas de “compliance” na
empresa é o ponto central para a concepção de uma nova economia de mercado,
baseada no princípio responsabilidade, que respeita a natureza humana e contribui para
o efetivo desenvolvimento econômico.
Entretanto, todos os esforços para elevar a qualidade ética do agir empresarial
com o auxílio de normas empresariais e estatutos de “compliance” estarão fadadas ao
fracasso, enquanto os colaboradores, sobretudo aqueles que ocupam posições de
comando, apresentarem desvios em sua ética individual.
O aprendizado ético é adquirido através do exercício de condutas virtuosas,
pautados no senso de justiça inerentes às regras morais presentes na sociedade. A
relevância da prática consubstanciada no que é certo foi destacada por SANDEL (2012,
p. 244):
Ninguém aprende a tocar um instrumento lendo um livro ou assistindo a aulas. É preciso praticar...O mesmo acontece com relação à virtude moral: tornamo-nos justos ao praticar ações justas, comedidos ao praticas ações comedidas, corajosos ao praticar ações corajosas.
Práticas corruptas devem ser execradas e abandonadas definitivamente, sob
pena, inclusive, de distorções no mercado violadoras dos princípios fundamentais da
ordem econômica capitalista – livre iniciativa e livre concorrência, colocando em risco a
própria existência da empresa e daqueles que dela dependem para a sua sobrevivência.
Neste sentido, a internalização de normas sociais através do hábito é muito mais
eficiente pelo fato de que reduz os custos do “compliance”, pela consequência de
otimização de procedimentos existentes no agir íntegro, conforme as normas
estabelecidas e preocupado com a comunidade que circunda a organização empresária,
tanto esta sendo privada, quanto sendo pública. (POSNER, 2007, p. 269)
A implementação de uma cultura de confiança é primordial para o sucesso de
um programa de compliance, conforme cartilha oficial do “The Institute of Company
Secretaries of India” (2011, p. 295/296):
138
Um programa de gerenciamento de conformidade ética garante que os mecanismos serão eficientes para fornecer uma advertência prévia para eventuais desvios de diretrizes e regulamentos. É essencial para criar ou expandir uma cultura de confiança, entusiasmo e integridade – atributos críticos que podem produzir resultados mensuráveis em termos de produtividade, satisfação dos funcionários, satisfação do cliente e, em última instância, o valor da marca.48
Segundo GUARAGNI (2014, p 73), a sustentabilidade na atividade empresária é
a tônica do atual modelo econômico e não compõe apenas um horizonte discursivo, mas
sim permeia a atividade econômica a pelo menos três décadas em oposição a um
modelo diverso de produção, que encarava como meras externalidades os impactos
negativos gerados pela atividade e suas eventuais consequências para aqueles que não
sejam os acionistas. Constituíam problemas alheios ao núcleo empresário produtor. O respectivo saneamento era atribuído a sujeitos diversos da empresa: o Estado, sobretudo. Tratava-se de um modelo insuportável de distribuição de papéis: quem produzia impactos negativos para terceiros, como consequência necessária para produzir e ganhar com o seu produto, não tinha compromissos com a neutralização destes impactos.
A noção de sustentabilidade decorreu da percepção dos riscos inerentes à
tecnologia na atuação empresarial que determinaram a tomada de decisões políticas,
sendo a governança corporativa reflexo desta tendência. (GUARAGNI, 2014, p. 73)
Além da sustentabilidade ecológica, que é a mais frequente em escritos acerca
do tema, também se preconizou conceitos de sustentabilidade social, econômica,
institucional entre tantas outras, que se referem a conservação de atitudes éticas e
preocupadas com todas as pessoas que circundam a atividade empresária, seja ela
pública ou privada. (MACÊDO, 2015, p. 122)
Em todos os conceitos de sustentabilidade existentes, o vetor comum é a
manutenção de condutas éticas na pluralidade de campos em que a empresa atua, que
deve preocupar-se não apenas a obter lucro para seus acionistas e pagar tributos, mas
também em respeitar o meio ambiente, que é de onde a matéria prima é retirada, com a
satisfação dos consumidores, com o equilíbrio de mercado e com o respeito à
48 Tradução livre a partir do trecho original: An ethical compliance management programme ensures that the mechanisms are in place to provide early warning of deviations from guidelines and regulations. It is essential to create or expand a culture of trust, enthusiasm, and integrity - critical attributes that can produce measurable results in terms of productivity, employee satisfaction, customer satisfaction, and, ultimately, brand equity.
139
concorrência sadia, pautada em atos lícitos que confrontam a possibilidade de vantagens
obtidas através da corrupção.
A busca por sustentabilidade indaga, nestes termos, o modelo de consumo da
sociedade, igualdade na oportunidade para todos e inclusão social. Neste último aspecto,
empresas são motivadas a desenvolverem produtos e serviços específicos para atender
novos consumidores, como é o caso do microcrédito para financiar empreendedores
individuais e pequenos negócios familiares. (MACÊDO, 2015, p. 156)
A chamada “sustentabilidade corporativa” vem a englobar estes vários conceitos
de sustentabilidade, e tem como desafio na sua concretização levar ao topo da hierarquia
das empresas projetos que sejam analisados à luz dos preceitos que compõe a
sustentabilidade (ecológica, social, econômica, etc.), por meio de práticas que se
difundam em toda a organização societária e garantam sua efetividade, atendendo,
também e principalmente, interesses dos “stakeholders”. (MACÊDO, 2015, p. 157)
A sustentabilidade da organização, desta forma, está intimamente ligada com um
modelo efetivo de processo de implementação de condutas éticas, garantindo a prática
de transparência, responsabilidade social para com o restante da sociedade e marcará o
nível de credibilidade da empresa perante o mercado.
O lucro é fundamental para a empresa, mas sua assunção não pode ser através da
afronta a condutas éticas, ou pior, ilícitas. A sustentabilidade corporativa,
especificamente em sua característica econômica, é garantida com o uso parcimonioso
dos recursos naturais, adaptação da contabilidade convencional para incluir dados
acerca do valor da marca e sua reputação frente à sociedade. (MACÊDO, 2015, p. 176)
Diante disso, a relação entre sustentabilidade e “compliance” é direta, devendo
este último estar alinhado aos objetivos estratégicos e integrado aos Sistemas de Gestão
da organização, devendo levar em conta o atendimento à legislação vigente, mas não se
limitar a isso, buscando algo ainda mais nobre: a integridade nos negócios, pelas
atitudes de seus funcionários e parceiros comerciais, pautados por elevados padrões
éticos e morais. O controle também tende a aumentar a eficácia da atividade empresarial,
chegando ao objetivo almejado, a exemplo da diminuição de custos ou de tempo, com a
adoção de procedimentos eficientes. É que os controles internos serão sempre mais
eficazes se a companhia tiver segurança de que os objetivos operacionais da entidade
estão sendo alcançados; as demonstrações financeiras estão sendo preparadas de
140
maneira confiável; e as leis e regulamentos aplicáveis estão sendo cumpridas.
(RODRIGUES, 2016, p. 15)
Nesta linha de perspectivas, é relevante destacar que o “compliance” visa
prevenir todos os tipos de irregularidades que possam ser praticadas no âmbito da
atividade empresarial, sejam relacionadas a desvio de conduta, valores ou bens por
colaboradores, ou diretores para proveito próprio ou para pagamento de propinas para
agentes políticos.
Na prática diária da atividade empresarial, o programa de conformidade deve ser
destacado como uma área da companhia criada para cuidar do cumprimento das leis,
dos regulamentos, das normas internas e dos padrões éticos de conduta, mediante a
prevenção de comportamentos que venham a trazer risco para a empresa, seus clientes,
empregados, quotistas, diretores, fornecedores e a sociedade de um modo geral, visando
garantir que a atividade empresarial se desenvolva de forma contínua, longe de perigos
e obedecendo preceitos éticos e legais.
O “compliance”, portanto, não representa unicamente uma garantia sobre
eventual responsabilidade da empresa acerca das condutas praticadas por seus
funcionários, mas sim constitui um elemento básico em todas as relações mercantis
nacionais e internacionais, sendo uma ferramenta de avaliação que poderá distinguir e
diferenciar empresas frente ao mercado no momento de firmar contratos.
A Lei 12.846/2013, neste sentido, veio impelir ao gestor o desenvolvimento de
tais programas de integridade, de maneira efetiva e com resultados concretos, para que
além de obter um abrandamento nas penalidades quando do reconhecimento da
responsabilidade objetiva da empresa frente a condutas ilícitas de seus funcionários e/ou
gestores, também leve em consideração a responsabilidade social da organização no
tocante aos aspectos econômicos, sociais e ambientais, no intuito de melhoras a
comunidade na qual encontra-se inserida.
3.3 – Parâmetros do “Compliance” Conforme a Lei 12.846/2013 –
Perspectivas da Norma a partir de uma Mudança de Comportamento do
Empresariado Brasileiro
O incentivo, ainda que implícito, de adoção de regras de conduta ética e de
autorregulação por parte das empresas, sejam elas públicas ou privadas, à partir da Lei
12.843/2013 é algo relevante, uma vez que pelas razões já expostas, não tem condições
141
estruturais o Estado de fiscalizar as atividades dos empresários e seus colaboradores de
maneira eficiente.
Além da prevenção a atos de corrupção, a melhora no funcionamento interno das
organizações societárias obtida pela adoção de estatutos de “compliance” é a
contrapartida a ser recebida pelas empresas que passam a adotar, com seriedade, o
compromisso de se adequarem a esta tendência do mundo globalizado em agir em
conformidade com o princípio responsabilidade, adotando uma postura sustentável e
preocupada com toda a sociedade.
Não há, contudo, qualquer regulamentação que informe uma cartilha específica
de procedimentos a serem seguidos. O Comité da Basiléia, que criou os mecanismos de
supervisão bancária e as práticas recomendáveis em um programa de “compliance”, não
se refere ao mesmo como uma estrutura fixa de diretoria ou departamento
uniformemente aplicado a todas as organizações, de maneira padronizada e rígida.
(SILVA, 2015, p. 167)
A Lei Sarbanes-Oxley, promulgada em 30/07/2002, nos Estados Unidos,
também serviu de parâmetro para a instituição de programas de integridade sem,
contudo, estabelecer um modelo estanque a ser seguido, mas sim implementando
diretrizes que devem ser observadas.
Referida legislação estadunidense é extensa, detalhada e estabeleceu diversas
regras que impuseram as empresas a implementação das medidas de controle já a partir
da sua promulgação. No entanto, seu principal objetivo é transformar os princípios de
uma boa governança corporativa em lei, buscando, assim, evitar o surgimento de novas
fraudes nas empresas. (SANTOS, 2007, p. 40)
SANTOS (2007, p. 40) destaca as razões de criação dos controles internos
previstos na Lei Sarbanes-Oxley, no que se refere a tentativa de isenção de
responsabilidade por atos ilícitos dos diretores das organizações empresárias:
Quando uma fraude é descoberta, alguns presidentes e seus diretores alegam que não tinham conhecimento sobre estes fatos. Esse foi um dos principais argumentos utilizados para criação das seções de números 302 e 404, referentes às certificações e divulgações respectivamente, para os controles internos. Em resumo, tais seções determinam que presidente e diretores estejam conscientes dos controles internos. A Lei está estruturada em 11 títulos e 69 seções, sendo que os títulos são compostos, cada um, em média, por seis seções que abordam temas específicos.
O Título III da mencionada lei, denominada como Responsabilidade Corporativa
142
(“Corporate Responsability”), compõe-se de 8 seções. A seção 301 determina a criação
do comitê de auditoria constituído por membros independentes, que deverão
supervisionar os processos de elaboração, divulgação e auditoria das demonstrações
contábeis. Já a seção 302, que trata da Responsabilidade Corporativa por Relatórios
Financeiros (“Corporate Responsibility for Financial Reports”), estabelece que o
presidente e o diretor financeiro devem assumir pessoalmente a responsabilidade pela
autenticidade das demonstrações contábeis. Além disso, eles são responsáveis pelo
estabelecimento e manutenção do controle interno da empresa. (SANTOS, 2007, p. 41)
Cumpre destacar, neste ponto, a diferença existente entre Compliance e
auditoria, pois por mais que ambos os mecanismos visem a lisura e a fiscalização,
atuam de forma diferente dentro de uma sociedade empresária, com funções distintas
desde sua natureza.
Conforme publicado pelo Instituto de Auditoria Interna - THE INSTITUTE OF
INTERNAL AUDITORS (2016), com sede nos Estados Unidos da América, auditoria
interna pode ser conceituada da seguinte maneira: Auditoria Interna é uma atividade independente, de avaliação objetiva e de consultoria, destinada a acrescentar valor e melhorar as operações de uma organização. A Auditoria Interna assiste a organização na consecução dos seus objetivos, através de uma abordagem sistemática e disciplinada, na avaliação da eficácia da gestão de risco, do controle e dos processos de governança.49
As atividades desenvolvidas por estas áreas são distintas, contudo,
complementam-se, uma vez que a auditoria interna efetua seus trabalhos de forma
aleatória e temporal, por meio de amostragens, a fim de certificar o cumprimento das
normas e processos instituídos pela gestão da organização empresária. (FEBRABAN,
2009, p. 14)
O “compliance”, por sua vez, realiza suas atividades de forma habitual, sendo
responsável por acompanhar e assegurar de maneira tempestiva que os diversos setores
da organização estejam respeitando as regras aplicáveis através dos estatutos de
integridade, por meio do cumprimento das normas, dos processos internos, da
prevenção e do controle de riscos envolvidos.
Profissionais de auditoria e de “compliance” devem atuar em comunicação e
49 Tradução livre a partir do trecho original: Internal auditing is an independent, objective assurance and consulting activity designed to add value and improve an organization's operations. It helps an organization accomplish its objectives by bringing a systematic, disciplined approach to evaluate and improve the effectiveness of risk management, control, and governance processes.
143
sincronia, pois para que o auditor execute sua função se faz necessário que esteja
inteirado sobre as atividades desenvolvidas pelo “compliance”, com o estabelecimento
de um trabalho coordenado onde, quando de suas averiguações, a auditoria possa munir-
se das informações relevantes, principalmente sobre o resultado da identificação e
avaliação dos controles e riscos. (FEBRABAN, 2009, p. 14)
No tocante a estas formas de controle interno, este vem a ser um dos itens
exigidos com bastante rigor pela legislação Sarbanes-Oxley, tendo em vista que
algumas das crises envolvendo as companhias norte-americanas ocorreram,
principalmente, devido à falta de um controle interno eficaz. Tal ineficácia possibilitou
que os relatórios contábeis fossem manipulados, apresentando uma situação irreal, com
falsos resultados, o que comprometeu a clara identificação da situação da empresa pelos
usuários das informações. (SANTOS, 2007, p. 41)
Em razão da diferença dos inúmeros campos de atuação das empresas dentro do
mercado, a ausência de fixação de procedimentos taxativos pelas legislações que versam
sobre o tema foi intencional, conforme manifesta SILVA (2015, p. 167) ao discorrer
sobre o assunto: “Essa falta de definição, no entanto, foi proposital, já que o compliance
deve levar em conta as diferenças entre as organizações em termos de setor de atuação,
natureza jurídica, jurisdição e porte, entre outras peculiaridades.”
Em março de 2015, contudo, foi publicado o Decreto nº 8.420/2015 (anexo III),
que regulamentou a Lei 12.846/2013 (anexo II), instituindo, dentre outras disposições,
regras acerca do Programa de Integridade, conforme capítulo IV, que é composto dos
artigos 41 e 42.
Em especial atenção ao artigo 42 do referido decreto, diversas disposições foram
estabelecidas no sentido de serem observadas pelas organizações societárias. Cumpre
destacar que não apenas pessoas jurídicas de direito privado devem estar atentas às
regras estabelecidas, como também empresas públicas e sociedades de economia mista,
conforme bem destacou a CGU ao publicar, em 2015, “Guia de Implantação de
Programa de Integridade nas Empresas Estatais: Orientações para a Gestão da
Integridade nas Empresas Estatais Federais”, com menção expressa à Lei 12.846/2013.
(CGU, 2015)
Em diversos aspectos a Lei 12.846/2013, ao instituir a exigência legal para a
adoção de programas de integridade, versa sobre tal circunstância para empresas
públicas e privadas, não podendo tal legislação, tampouco sua regulamentação trazida
pelo Decreto nº 8.420/2015, ser imposta apenas aos particulares.
144
Ajustes devem ser feitos no sentido de se adaptar a implementação de estatutos
de “compliance” em ambos os tipos de organização empresária, contudo, a conduta
ética, sustentável e o agir conforme a lei devem pautar todos os comportamentos,
independente do regime jurídico que tais empresas estejam inseridas.
Em razão disso, algumas circunstâncias devem ser ponderadas para que se
compreenda a relação de comportamento que empresas públicas e privadas devem
adotar estatutos de integridade, para que se compreenda a relevância em ambas as
realidades na adoção das práticas de conformidade.
3.3.1 – Recebimento e Oferecimento de Presentes
Quanto a circunstância relativa a presentes e brindes, tanto empresas públicas
quanto privadas devem possuir limites bem estabelecidos, para que não se de azo a
qualquer tipo de incentivo para realizar ou não determinada conduta, que pode ser
objeto de uma interpretação por parte de terceiros a obtenção de uma vantagem
indevida.
Presentes e vantagens dadas a agentes públicos ou particulares podem ser
entendidos como pagamento de suborno, conforme interpretação dada pela FCPA
(“Foreing Corrupt Practice Act”), a qual serviu como parâmetro para a instituição de
políticas anticorrupção em escala global, nas palavras de PALERMO (2012, p. 15) Um pagamento ou a oferta é ato de corrupção, caso seja feito intencionalmente e voluntariamente para o propósito de: Influenciar qualquer ato ou decisão de determinado dirigente estrangeiro, partido político, funcionário de partido ou candidato em razão de seu cargo oficial; Induzir tal dirigente estrangeiro, partido político, funcionário de partido ou candidato a fazer ou deixar de praticar qualquer ato em violação do dever legal que tal dirigente estrangeiro possui, também sendo aplicado à partidos políticos, funcionários de partido ou candidatos; Garantir qualquer vantagem indevida; Induzir determinado dirigente estrangeiro, partido político, funcionário de partido ou candidato a usar sua influência com um governo estrangeiro ou órgão afins para afetar ou influenciar qualquer ato ou decisão governamental, a fim de ajudar a obter ou manter negócios, ou direcionar negócios para qualquer pessoa.50
50 Tradução livre a partir do trecho original: A payment or offer is corrupt if it is made intentionally and voluntarily for the purpose of: Influencing any act or decision of such foreign official, political party, party official, or candidate in his or its official capacity; Inducing such foreign official, political party, party official, or candidate to do or omit to do any act in violation of the lawful duty of such foreign official, political party, party official, or candidate; Securing any improper advantage; Inducing such foreign official, political party, party official, or candidate to use his or its influence with a foreign government or instrumentality thereof to affect or influence any act or decision of such government or
145
O decreto regulamentador da Lei Anticorrupção, em seu artigo 42, inciso XVI,
trata da transparência quanto as doações para partidos políticos e candidatos, sendo
condição, contudo, que tais doações não sejam pautadas no pagamento de propinas com
a expectativa de receber vantagens indevidas, devendo os estatutos de integridade das
empresas documentarem tais transferências pecuniárias de maneira transparente.51
No caso das empresas estatais, a possibilidade de ocorrência de irregularidade
está ligada tanto ao oferecimento quanto ao recebimento de brindes, presentes e
hospitalidade. Desta maneira, é fundamental que a empresa pública desenvolva políticas
internas estabelecendo regras, normas e procedimentos para cada situação que
eventualmente ocorra. (CGU, 2015, p. 40)
A prevenção frente a ocorrência de situações em que o funcionário, seja da
empresa pública ou privada, esteja sujeito a presentear ou ser presenteado, deve ser bem
delineada por regras internas de comportamento, para que não ocorram quaisquer
dúvidas acerca da possibilidade de aceitar ou presentear pessoas, sempre levando-se em
conta a intenção com que a benesse é realizada, o que pode alterar substancialmente no
tocante à licitude da conduta tanto de quem a realiza, quanto para quem recebe a
vantagem.
3.3.2 – Resolução de Conflitos de Interesses
No que tange ao conflito de interesses, seu tratamento e prevenção, também faz
parte dos programas de “compliance” a preocupação com a solução de controvérsias
internas.
Ao tratar do tema, não se está referindo a meras indisposições ou divergências
dentro de determinada estrutura organizacional, mas sim de contrapontos entre
indivíduos que fazem parte da empresa como sócios/acionistas, associados,
funcionários, fornecedores, credores, consumidores e órgãos públicos.
instrumentality, in order to assist in obtaining or retaining business for or with, or directing business to, any person. 51 Cumpre destacar que a Lei nº 13.165/2015, que regulamentou as eleições do ano de 2016 e instituiu diversas mudanças na legislação eleitoral, proibiu o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas. Na prática, isso significa que as campanhas eleitorais de 2016 deverão ser financiadas exclusivamente por doações de pessoas físicas e pelos recursos do Fundo Partidário.
146
Para que haja um conflito relevante de interesses estes devem ser contrários aos
da própria organização societária, que através de critérios bastante objetivos e claros nos
estatutos éticos podem ser colimados já em sua origem.
No que se refere as empresas públicas, destaca a CGU (2015, p. 44): Um conflito de interesses é uma situação gerada pelo confronto entre interesses públicos e privados, que possa comprometer o interesse coletivo ou influenciar, de maneira imprópria, o desempenho da função pública. Este conceito é trazido pela Lei no 12.813, de 16 de maio de 2013, conhecida como Lei de Conflito de Interesses. Ela define as situações que configuram esse tipo de conflito durante e após o exercício de cargo ou emprego no Poder Executivo Federal.
Conforme mencionado pelo trecho descrito acima, a Lei de Conflito de
Interesses estabelece formas para que o agente público evite a ocorrência de tais
controvérsias, prevendo, por outro lado, punição severa àquele que se encontrar em
alguma dessas situações. Todos os agentes públicos estão sujeitos à legislação, que atua
no sentido de delimitar a ação dos dois órgãos de fiscalização e avaliação-
Controladoria-Geral da União e Comissão de Ética Pública - estabelecendo que cada
órgão atuará de acordo com o agente público potencialmente sujeito ao conflito. (CGU,
2015, p. 45)
A prevenção de riscos existente na razão de ser dos programas de “compliance”
também deverá desenvolver normas internas que solucionem e estabeleçam critérios
para o encaminhamento mais eficiente à empresa nos casos em que controvérsias
ocorram, uma vez que entendimentos dissonantes acerca das funções de cada
“stakeholder” acaba por afastar a empresa de sua função social, bem como da atuação
eficiente junto ao mercado.
Na esfera pública, de acordo com a Lei nº 12.813/2013, o ocupante de cargo ou
emprego no Poder Executivo federal deve sempre agir com o intuito de prevenir ou
impedir possível conflito de interesses, além de proteger informação confidencial. Caso
ocorra qualquer dúvida sobre determinada situação, cabe ao agente público consultar o
órgão competente para saná-la, seja a Controladoria-Geral da União ou a Comissão de
Ética Pública. (CGU, 2015, p. 45)
3.3.3 – “Due Diligence”
147
“Due Diligence” é o processo de informações jurídicas, financeiras e de demais
circunstâncias averiguadas pelas empresas para uma determinada transação comercial,
para resguardar as partes de responsabilidade, por meio do conhecimento de todos os
detalhes acerca da operação a ser celebrada.
Sobre a avaliação a ser realizada pelas organizações empresárias antes de
realizar determinada transação comercial, ou até mesmo a contratação de determinado
serviço ou colaborador, destaca-se a conceito de Due Diligence mencionado pelo “The
Institute of Company Secretaries of India”: (2011, p. 1): "Due diligence" é uma avaliação e análise de risco a ser realizada para uma transação comercial iminente. É a investigação cuidadosa e metodológica de uma empresa ou pessoa, ou a realização de um ato com um certo nível de cuidados para garantir que as informações sejam precisas, e para descobrir informações que podem afetar o resultado da transação. É basicamente uma "verificação de antecedentes", com a finalidade de se certificar de que as partes envolvidas na operação tem as informações necessárias que precisam, para prosseguir com a transação. “Due diligence” é usado para investigar e avaliar uma oportunidade de negócio. O termo diligência descreve um dever geral de diligência em qualquer transação. Como tal, ela se estende na investigação sobre todos os aspectos relevantes do passado, presente e futuro previsível da atividade de uma empresa – alvo.52
O conhecimento aprofundado acerca das relações a serem concretizadas é
fundamental para resguardar a empresa e diminuir riscos, sendo necessário o
aprofundamento no conhecimento das condutas dos contratados pela organização, seja
por meio de prestação de serviços, parcerias comerciais, representações comerciais,
fornecimentos e etc, essencialmente no momento em que o terceiro tiver poderes para
representar a empresa frente a outros interessados, ou quando ocorre a interação junto à
órgãos públicos. (CASCIONE, 2015, p. 116)
52 Tradução livre a partir do trecho original: “Due diligence” is an analysis and risk assessment of an impending business transaction. It is the careful and methodological investigation of a business or persons, or the performance of an act with a certain standard of care to ensure that information is accurate, and to uncover information that may affect the outcome of the transaction. It is basically a “background check” to make sure that the parties to the transaction have the required information they need, to proceed with the transaction. Due diligence is used to investigate and evaluate a business opportunity. The term due diligence describes a general duty to exercise care in any transaction. As such, it spans investigation into all relevant aspects of the past, present, and predictable future of the business of a target company.
148
Não basta, portanto, se conhecer os detalhes do negócio a ser concretizado, mas
também realizar o efetivo monitoramento de quem é a empresa e de quem a representa
perante o mercado, direta ou indiretamente. É disso que se trata o “due diligence”.
No caso de empresas estatais, quanto mais complexa a natureza da atividade
desenvolvida pela empresa, maior deverá ser a rede de fornecedores, prestadores de
serviços e agentes intermediários contratados para representá-la em diferentes situações.
Consequentemente, aumenta, também, o risco de que algum destes contratados se
envolva em situações ilegais ou antiéticas, podendo gerar danos à imagem da estatal ou
até mesmo sua responsabilização por tais atos, assemelhando-se em muito à precaução
diligente que deve ter se comparado ao gestor da iniciativa privada. (CGU, 2015, p. 61)
Tais medidas se prestam para que a estatal reúna informações sobre a empresa
que pretende ser contratada, seus representantes (incluindo sócios e administradores), de
modo a certificar-se de que não há situações impeditivas à assinatura do contrato, bem
como a determinar o grau de risco do contrato para realizar a supervisão adequada.
Conforme menciona a CGU (2015, p. 62), acerca da contratação mediante
licitação, alguns instrumentos de consulta podem ser utilizados para o levantamento de
informações sobre as licitantes: Com relação à verificação quanto à vigência de penalidades que impedem as empresas de licitar e contratar, ela pode ser feita por meiode diferentes instrumentos, especialmente do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS, do Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade Administrativa (CNIA) do CNJ e da Lista de Inidôneos do TCU.
Tais procedimentos são impostos ao administrador público por força do artigo
97 da Lei nº 8.666/93, que dispõe ser crime admitir à licitação ou celebrar contrato com
empresa ou profissional declarado inidôneo, o que enseja, por parte da Administração
Pública, a necessidade de adoção de procedimentos com vistas a evitar a participação
dessas empresas ou profissionais inidôneos no certame. (CGU, 2015, p. 62)
Quanto ao respeito aos programas de integridade, o Poder Público deve ainda
inserir no contrato administrativo cláusulas que exijam: a) comprometimento coma
integridade nas relações público-privadas e com as orientações e políticas da empresa
contratante, inclusive com a previsão de aplicação do seu Programa de Integridade, se
for o caso, principalmente com relação à vedação de práticas de fraude e corrupção; b)
previsão de rescisão contratual caso a contratada pratique atos lesivos à administração
pública, nacional ou estrangeira; e c) indenizações em casos de quebra contratual.
149
(CGU, 2015, p. 63)
Além de todas estas providências, tanto empresas públicas quanto privadas
devem estipular salvaguardas contratuais relativas à Lei Anticorrupção, impedindo
expressamente atos lesivos à administração pública e com demais parceiros negociais,
exigindo acesso a informações financeiras e contábeis transparentes para
monitoramento periódico das atividades.
O artigo 42, inciso XIII do Decreto nº 8.420/2015 impõe que a transparência na
realização de contratação de terceiros, bem como sua supervisão é medida que se
impõe, e são circunstâncias que fatalmente serão avaliadas em caso de uma penalização
por ato ilícito previsto na Lei nº 12.846/2013.
3.3.4 – Canais de Denúncia – Procedimentos Internos de Apuração
É indispensável que o procedimento de apuração contemple canais efetivos de
denúncia de atos lesivos às regras internas da empresa, com seus ritos previamente
delimitados, sob pena de serem cometidas decisões desproporcionais e aplicadas
penalidades injustas.
As pessoas encarregadas pela condução das investigações devem ter consciência
de suas atribuições para não excederem o poder que lhes foi conferido, não podendo ser
confundido com uma atuação policial de devassa da vida do colaborador sujeito à
apuração. (CASCIONE, 2015, p. 118)
Canais de denúncia, partindo desta premissa, são essenciais para o bom
andamento do programa de “compliance”, no entanto, a atuação deste setor deve ser
ampliada para uma atuação preventiva, buscando antecipar-se aos problemas.
Tal atuação proativa dos “compliance officers” deve buscar conscientizar as
pessoas que pretendem denunciar a agirem com mais responsabilidade, para que não
ocorram, ou se busque minimizar ao máximo, a existência de denúncias infundadas.
Como consequência desta aproximação do setor responsável pelo “compliance”
com os demais departamentos da corporação, tendo em vista ser uma das prerrogativas
dos programas de integridade a conscientização e educação ética dos colaboradores, as
chances de incidência de conflitos desnecessários tendem a diminuir, o que otimiza a
eficiência de toda a organização.
Um Programa de Integridade bem estruturado, tanto para empresas públicas
quanto privadas, deve contar com canais que permitam o recebimento de denúncias,
150
como importante instrumento para a detecção de eventuais irregularidades, tais como
falhas de controle, fraudes internas e externas, além de possíveis descumprimentos os
princípios éticos e políticas corporativas. (CGU, 2011, p. 73)
Buscando dar efetividade às denúncias e facilitar o acesso aos canais que as
possibilitam, a empresa deve avaliara necessidade de adotar diferentes meios para o
recebimento de denúncias, como telefone, e-mail, internet ou entrega de formulários em
papel. Em empresas com colaboradores que não têm acesso a computador com internet,
deve-se estar atento à necessidade de oferecimento de alternativas à denúncia online. É
importante também que os canais de denúncia sejam acessíveis a terceiros e ao público
externo, para que possam denunciar irregularidades, tanto nas organizações privadas
quanto na Administração Pública. (CGU, 2011, p. 73)
A empresa pode também estabelecer regras de confidencialidade que atuarão
para proteger aqueles que, apesar de se identificarem à empresa, não queiram se
identificar publicamente, garantindo assim que não ocorra qualquer possibilidade de
intimidação ao denunciante.
Tais circunstâncias devem servir como importante paradigma de reflexão e
estudo para a organização empresária, para que as denúncias e os procedimentos de
apuração originados à partir destas sirvam como experiência para o constante
aprimoramento dos estatutos de integridade, implementando correções que não seriam
possíveis sem a experiência prática.
151
CONCLUSÃO
A teoria econômica auxilia a entender o funcionamento do mercado e a natureza
da concorrência. Se o Direito se preocupa com a intervenção do Estado no domínio
econômico, bem como com a preservação sadia da concorrência dentro do mercado,
como não conciliar pressupostos econômicos de racionalidade na interpretação das
normas aos casos concretos? Como não utilizar raciocínios de equilíbrio e maximização
dos benefícios ao se decidir uma lide processual, ou na propositura de uma nova lei?
Parece impossível, atualmente, separar a economia do direito, e uma das
principais contribuições da análise econômica é concretizar a aplicação do Direito de
maneira eficiente, dando à cada um o que é efetivamente seu, conjugando as normas
jurídicas a critérios de equilíbrio do provimento jurisdicional, concretizando, assim, a
justiça almejada por todos.
A racionalidade dos agentes, como sendo um dos postulados econômicos, visa
maximizar a utilidade da norma, e a eficiência, ao contrário do entendimento crítico
acerca do tema, visa otimizar a geração de bem estar coletivo, uma vez que em nenhum
momento os teóricos da análise econômica do direito pregam a instituição de benefícios
para apenas um lado, ao custo da geração de prejuízos ao outro.
Neste sentido, partindo desta premissa, a teoria dos jogos como escolha racional
propõe uma estrutura de análise para se analisar os efeitos de normas legais sobre o
comportamento dos agentes econômicos e suas efetivas consequências. No Direito,
portanto, o uso da teoria dos jogos permite uma melhor compreensão dos efeitos das
regras ao permitir um planejamento de conduta, dentro da licitude, que melhor viabilize
alcançar os objetivos pretendidos.
Os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, bem como as
legislações internas relativas ao combate a delitos econômicos, além de buscarem coibir
atos de corrupção – por serem estes moral e eticamente reprováveis –, têm em sua
finalidade proteger o mercado contra a concorrência desleal, que tanto atinge
empresários idôneos, propulsores da geração de riquezas e de empregos, fatores
essenciais ao desenvolvimento econômico e social de qualquer nação.
Diante disso, implica em considerar que a harmonização do sistema
sancionatório, no quadro do espaço territorial de países unidos por uma eficaz
integração regional ou global, é uma forma de garantir aos povos a concretização de
uma justiça proba e uniformizada.
152
Ao Estado, portanto, caberá aplicar a legislação existente. Todas as concessões
possíveis que podem ser realizadas estão no corpo das mencionadas normas, e fora
disso, é vedada a celebração de acordos no sentido de não se aplicar as sanções
correspondentes, em sede administrativa ou penal.
A responsabilidade social não pode ser entendida como um fardo adicional sobre
a empresa, mas uma parte integrante das suas preocupações essenciais, para além dos
lucros dos acionistas. Deve servir às necessidades sociais e agir com probidade não
apenas para com os seus investidores ou proprietários, mas também para com aqueles
que trabalham, compram, vendem, vivem nas proximidades de suas sedes e filiais ou
são de qualquer outro modo atingidos e influenciados pelas atividades econômicas
desenvolvidas pela empresa.
A Lei 12.846/2013, em virtude de sua preocupação no sentido de estipular a
instituição de programas de integridade como possibilidade para a redução de pena nos
casos em que ocorram condutas ilícitas previstas em suas disposições, manifesta a
intenção do legislador em impelir as empresas a adotarem condutas mais éticas e a se
atentarem à uma autorregulação, protegendo o mercado e atuando em benefício de toda
a sociedade.
Essa iniciativa origina-se do entendimento de que, quando o assunto é
administração e aplicação de recursos públicos, prevenir é mais eficiente do que atuar
na correção de irregularidades. Contudo, quando os mecanismos de prevenção não são
suficientes para impedir a ocorrência da ilicitude, faz-se imprescindível que a empresa
tenha disponível mecanismos capazes de identificar o ato, interromper sua ocorrência,
remediar seus efeitos e punir os agentes infratores.
Na gestão dos processos, o setor empresarial (empresas e entidades financeiras)
deve considerar a necessidade de incorporar aos negócios das empresas as questões de
sustentabilidade e responsabilidade social, bem como as premissas e desafios não só nas
companhias, mas também em toda a comunidade onde atua e participa, envolvendo o
maior numero de partes interessadas, denominadas “stakeholders”, nesses processos de
conscientização em prol do desenvolvimento sustentável.
O decreto que regulamentou a Lei 12.846/2015, apesar de ter contemplado
algumas circunstâncias que devem ser seguidas nos programas de integridade, em seu
artigo 42, não estabeleceu um rol taxativo e não distinguiu os inúmeros ramos de
atividade existentes para a adaptação a cada realidade, devendo, através de critérios
racionais de interpretação da realidade interna e da subsunção da norma ao cotidiano,
153
desenvolverem estatutos de “compliance” que sejam úteis tanto à empresa quanto à toda
a sociedade.
Em que pese a relevância da função do “compliance” dentro das organizações
societárias, este não pode ser restringido a um departamento de punições à infratores
internos, mas sim ser proativo, eliminando, na medida do possível, situações e variáveis
que, mesmo potencialmente, dariam margem a algum dano que possa surgir, ou
minimizar os efeitos quando da constatação de sua ocorrência.
Estruturado o estatuto de integridade, resta saber como será a interpretação
acerca da efetividade destes pelos órgãos julgadores, seja perante a Administração
Pública, seja perante o Poder Judiciário. A dúvida existente frente a subjetividade que
permeia as decisões, sem base em critérios seguros e racionais, somado ao fato de que a
Lei Anticorrupção é vaga no sentido de orientar o aplicador da norma em como tratar
empresas que disponham de programas de “compliance”.
Muito embora tais circunstâncias de instabilidade interpretativa, há que se
reconhecer que houve importante evolução no ordenamento jurídico brasileiro ao
incentivar a implementação de regras éticas dentro das organizações. O Brasil não pode
deixar de acompanhar a tendência mundial em aproximar o direito da ética, e
estabelecer regras de tratamento diferenciadas para aqueles que se preocupam
efetivamente em melhorar tanto sua organização interna, quanto a sociedade na qual
estão inseridos.
O mais relevante é que o empresário/acionista e demais “stakeholders” se
conscientizem que a adoção de programas de “compliance”, aplicados de maneira
diligente e adequada, não representam um fardo à empresa, mas sim um investimento
em segurança e previsibilidade dos riscos e externalidades que ocorrem, além de
contribuírem para uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.
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ANEXO I – LEI Nº 9613/1998 – LEI DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Presidência da República Casa CivilSubchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 9.613, DE 3 DE MARÇO DE 1998.
Vide Decreto nº 2.799, de 1998 Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I Dos Crimes de "Lavagem" ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores
Art. 1o Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 1o Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
I - os converte em ativos lícitos; II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.
§ 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei. § 3º A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do art. 14 do Código Penal.
§ 4o A pena será aumentada de um a dois terços, se os crimes definidos nesta Lei forem cometidos de forma reiterada ou por intermédio de organização criminosa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 5o A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
CAPÍTULO II Disposições Processuais Especiais Art. 2º O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: I – obedecem às disposições relativas ao procedimento comum dos crimes punidos com reclusão, da competência do juiz singular; II - independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento; (Redação dada pela Lei
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nº 12.683, de 2012) III - são da competência da Justiça Federal: a) quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas; b) quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça Federal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 1o A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 2o No processo por crime previsto nesta Lei, não se aplica o disposto no art. 366 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), devendo o acusado que não comparecer nem constituir advogado ser citado por edital, prosseguindo o feito até o julgamento, com a nomeação de defensor dativo. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) Art. 3º (Revogado pela Lei nº 12.683, de 2012)
Art. 4o O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação do delegado de polícia, ouvido o Ministério Público em 24 (vinte e quatro) horas, havendo indícios suficientes de infração penal, poderá decretar medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas, que sejam instrumento, produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais antecedentes. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 1o Proceder-se-á à alienação antecipada para preservação do valor dos bens sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando houver dificuldade para sua manutenção. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 2o O juiz determinará a liberação total ou parcial dos bens, direitos e valores quando comprovada a licitude de sua origem, mantendo-se a constrição dos bens, direitos e valores necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 3o Nenhum pedido de liberação será conhecido sem o comparecimento pessoal do acusado ou de interposta pessoa a que se refere o caput deste artigo, podendo o juiz determinar a prática de atos necessários à conservação de bens, direitos ou valores, sem prejuízo do disposto no § 1o. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 4o Poderão ser decretadas medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores para reparação do dano decorrente da infração penal antecedente ou da prevista nesta Lei ou para pagamento de prestação pecuniária, multa e custas. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
Art. 4o-A. A alienação antecipada para preservação de valor de bens sob constrição será decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou por solicitação da parte interessada, mediante petição autônoma, que será autuada em apartado e cujos autos terão tramitação em separado em relação ao processo principal. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 1o O requerimento de alienação deverá conter a relação de todos os demais bens, com a descrição e a especificação de cada um deles, e informações sobre quem os detém e local onde se encontram. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 2o O juiz determinará a avaliação dos bens, nos autos apartados, e intimará o
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Ministério Público. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) § 3o Feita a avaliação e dirimidas eventuais divergências sobre o respectivo
laudo, o juiz, por sentença, homologará o valor atribuído aos bens e determinará sejam alienados em leilão ou pregão, preferencialmente eletrônico, por valor não inferior a 75% (setenta e cinco por cento) da avaliação. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 4o Realizado o leilão, a quantia apurada será depositada em conta judicial remunerada, adotando-se a seguinte disciplina: (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
I - nos processos de competência da Justiça Federal e da Justiça do Distrito Federal: (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
a) os depósitos serão efetuados na Caixa Econômica Federal ou em instituição financeira pública, mediante documento adequado para essa finalidade; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
b) os depósitos serão repassados pela Caixa Econômica Federal ou por outra instituição financeira pública para a Conta Única do Tesouro Nacional, independentemente de qualquer formalidade, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas; e (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
c) os valores devolvidos pela Caixa Econômica Federal ou por instituição financeira pública serão debitados à Conta Única do Tesouro Nacional, em subconta de restituição; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
II - nos processos de competência da Justiça dos Estados: (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
a) os depósitos serão efetuados em instituição financeira designada em lei, preferencialmente pública, de cada Estado ou, na sua ausência, em instituição financeira pública da União; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
b) os depósitos serão repassados para a conta única de cada Estado, na forma da respectiva legislação. (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 5o Mediante ordem da autoridade judicial, o valor do depósito, após o trânsito em julgado da sentença proferida na ação penal, será: (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
I - em caso de sentença condenatória, nos processos de competência da Justiça Federal e da Justiça do Distrito Federal, incorporado definitivamente ao patrimônio da União, e, nos processos de competência da Justiça Estadual, incorporado ao patrimônio do Estado respectivo; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
II - em caso de sentença absolutória extintiva de punibilidade, colocado à disposição do réu pela instituição financeira, acrescido da remuneração da conta judicial. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 6o A instituição financeira depositária manterá controle dos valores depositados ou devolvidos. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 7o Serão deduzidos da quantia apurada no leilão todos os tributos e multas incidentes sobre o bem alienado, sem prejuízo de iniciativas que, no âmbito da competência de cada ente da Federação, venham a desonerar bens sob constrição judicial daqueles ônus. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 8o Feito o depósito a que se refere o § 4o deste artigo, os autos da alienação serão apensados aos do processo principal. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 9o Terão apenas efeito devolutivo os recursos interpostos contra as decisões proferidas no curso do procedimento previsto neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 10. Sobrevindo o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, o juiz decretará, em favor, conforme o caso, da União ou do Estado: (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
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I - a perda dos valores depositados na conta remunerada e da fiança; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
II - a perda dos bens não alienados antecipadamente e daqueles aos quais não foi dada destinação prévia; e (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
III - a perda dos bens não reclamados no prazo de 90 (noventa) dias após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ressalvado o direito de lesado ou terceiro de boa-fé. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 11. Os bens a que se referem os incisos II e III do § 10 deste artigo serão adjudicados ou levados a leilão, depositando-se o saldo na conta única do respectivo ente. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 12. O juiz determinará ao registro público competente que emita documento de habilitação à circulação e utilização dos bens colocados sob o uso e custódia das entidades a que se refere o caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 13. Os recursos decorrentes da alienação antecipada de bens, direitos e valores oriundos do crime de tráfico ilícito de drogas e que tenham sido objeto de dissimulação e ocultação nos termos desta Lei permanecem submetidos à disciplina definida em lei específica. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
Art. 4o-B. A ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
Art. 5o Quando as circunstâncias o aconselharem, o juiz, ouvido o Ministério Público, nomeará pessoa física ou jurídica qualificada para a administração dos bens, direitos ou valores sujeitos a medidas assecuratórias, mediante termo de compromisso. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) Art. 6o A pessoa responsável pela administração dos bens: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) I - fará jus a uma remuneração, fixada pelo juiz, que será satisfeita com o produto dos bens objeto da administração; II - prestará, por determinação judicial, informações periódicas da situação dos bens sob sua administração, bem como explicações e detalhamentos sobre investimentos e reinvestimentos realizados. Parágrafo único. Os atos relativos à administração dos bens sujeitos a medidas assecuratórias serão levados ao conhecimento do Ministério Público, que requererá o que entender cabível. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) CAPÍTULO III Dos Efeitos da Condenação Art. 7º São efeitos da condenação, além dos previstos no Código Penal: I - a perda, em favor da União - e dos Estados, nos casos de competência da Justiça Estadual -, de todos os bens, direitos e valores relacionados, direta ou indiretamente, à prática dos crimes previstos nesta Lei, inclusive aqueles utilizados para prestar a fiança, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) II - a interdição do exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no art. 9º, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada.
§ 1o A União e os Estados, no âmbito de suas competências, regulamentarão a forma de destinação dos bens, direitos e valores cuja perda houver sido declarada, assegurada, quanto aos processos de competência da Justiça Federal, a sua utilização
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pelos órgãos federais encarregados da prevenção, do combate, da ação penal e do julgamento dos crimes previstos nesta Lei, e, quanto aos processos de competência da Justiça Estadual, a preferência dos órgãos locais com idêntica função. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 2o Os instrumentos do crime sem valor econômico cuja perda em favor da União ou do Estado for decretada serão inutilizados ou doados a museu criminal ou a entidade pública, se houver interesse na sua conservação. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) CAPÍTULO IV Dos Bens, Direitos ou Valores Oriundos de Crimes Praticados no Estrangeiro Art. 8o O juiz determinará, na hipótese de existência de tratado ou convenção internacional e por solicitação de autoridade estrangeira competente, medidas assecuratórias sobre bens, direitos ou valores oriundos de crimes descritos no art. 1o praticados no estrangeiro. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) § 1º Aplica-se o disposto neste artigo, independentemente de tratado ou convenção internacional, quando o governo do país da autoridade solicitante prometer reciprocidade ao Brasil. § 2o Na falta de tratado ou convenção, os bens, direitos ou valores privados sujeitos a medidas assecuratórias por solicitação de autoridade estrangeira competente ou os recursos provenientes da sua alienação serão repartidos entre o Estado requerente e o Brasil, na proporção de metade, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) CAPÍTULO V(Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) DAS PESSOAS SUJEITAS AO MECANISMO DE CONTROLE(Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) Art. 9o Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) I - a captação, intermediação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira; II – a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial; III - a custódia, emissão, distribuição, liqüidação, negociação, intermediação ou administração de títulos ou valores mobiliários. Parágrafo único. Sujeitam-se às mesmas obrigações: I – as bolsas de valores, as bolsas de mercadorias ou futuros e os sistemas de negociação do mercado de balcão organizado; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) II - as seguradoras, as corretoras de seguros e as entidades de previdência complementar ou de capitalização; III - as administradoras de cartões de credenciamento ou cartões de crédito, bem como as administradoras de consórcios para aquisição de bens ou serviços; IV - as administradoras ou empresas que se utilizem de cartão ou qualquer outro meio eletrônico, magnético ou equivalente, que permita a transferência de fundos; V - as empresas de arrendamento mercantil (leasing) e as de fomento comercial (factoring); VI - as sociedades que efetuem distribuição de dinheiro ou quaisquer bens móveis, imóveis, mercadorias, serviços, ou, ainda, concedam descontos na sua aquisição, mediante sorteio ou método assemelhado; VII - as filiais ou representações de entes estrangeiros que exerçam no Brasil
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qualquer das atividades listadas neste artigo, ainda que de forma eventual; VIII - as demais entidades cujo funcionamento dependa de autorização de órgão regulador dos mercados financeiro, de câmbio, de capitais e de seguros; IX - as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, que operem no Brasil como agentes, dirigentes, procuradoras, comissionárias ou por qualquer forma representem interesses de ente estrangeiro que exerça qualquer das atividades referidas neste artigo; X - as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades de promoção imobiliária ou compra e venda de imóveis; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) XI - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem jóias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antigüidades.
XII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de luxo ou de alto valor, intermedeiem a sua comercialização ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
XIII - as juntas comerciais e os registros públicos; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012)
XV - pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
XVI - as empresas de transporte e guarda de valores; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
XVII - as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem bens de alto valor de origem rural ou animal ou intermedeiem a sua comercialização; e (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
XVIII - as dependências no exterior das entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) CAPÍTULO VI Da Identificação dos Clientes e Manutenção de Registros Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º: I - identificarão seus clientes e manterão cadastro atualizado, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes; II - manterão registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira,
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títulos e valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido em dinheiro, que ultrapassar limite fixado pela autoridade competente e nos termos de instruções por esta expedidas; III - deverão adotar políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com seu porte e volume de operações, que lhes permitam atender ao disposto neste artigo e no art. 11, na forma disciplinada pelos órgãos competentes; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
IV - deverão cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado no órgão regulador ou fiscalizador e, na falta deste, no Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), na forma e condições por eles estabelecidas; (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
V - deverão atender às requisições formuladas pelo Coaf na periodicidade, forma e condições por ele estabelecidas, cabendo-lhe preservar, nos termos da lei, o sigilo das informações prestadas. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 1º Na hipótese de o cliente constituir-se em pessoa jurídica, a identificação referida no inciso I deste artigo deverá abranger as pessoas físicas autorizadas a representá-la, bem como seus proprietários. § 2º Os cadastros e registros referidos nos incisos I e II deste artigo deverão ser conservados durante o período mínimo de cinco anos a partir do encerramento da conta ou da conclusão da transação, prazo este que poderá ser ampliado pela autoridade competente. § 3º O registro referido no inciso II deste artigo será efetuado também quando a pessoa física ou jurídica, seus entes ligados, houver realizado, em um mesmo mês-calendário, operações com uma mesma pessoa, conglomerado ou grupo que, em seu conjunto, ultrapassem o limite fixado pela autoridade competente. Art. 10A. O Banco Central manterá registro centralizado formando o cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores. (Incluído pela Lei nº 10.701, de 2003) CAPÍTULO VII Da Comunicação de Operações Financeiras Art. 11. As pessoas referidas no art. 9º: I - dispensarão especial atenção às operações que, nos termos de instruções emanadas das autoridades competentes, possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos nesta Lei, ou com eles relacionar-se;
II - deverão comunicar ao Coaf, abstendo-se de dar ciência de tal ato a qualquer pessoa, inclusive àquela à qual se refira a informação, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a proposta ou realização: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
a) de todas as transações referidas no inciso II do art. 10, acompanhadas da identificação de que trata o inciso I do mencionado artigo; e (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
b) das operações referidas no inciso I; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
III - deverão comunicar ao órgão regulador ou fiscalizador da sua atividade ou, na sua falta, ao Coaf, na periodicidade, forma e condições por eles estabelecidas, a não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de serem comunicadas nos termos do inciso II. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
§ 1º As autoridades competentes, nas instruções referidas no inciso I deste artigo, elaborarão relação de operações que, por suas características, no que se refere às partes envolvidas, valores, forma de realização, instrumentos utilizados, ou pela falta de fundamento econômico ou legal, possam configurar a hipótese nele prevista. § 2º As comunicações de boa-fé, feitas na forma prevista neste artigo, não
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acarretarão responsabilidade civil ou administrativa. § 3o O Coaf disponibilizará as comunicações recebidas com base no inciso II do caput aos respectivos órgãos responsáveis pela regulação ou fiscalização das pessoas a que se refere o art. 9o. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) Art. 11-A. As transferências internacionais e os saques em espécie deverão ser previamente comunicados à instituição financeira, nos termos, limites, prazos e condições fixados pelo Banco Central do Brasil. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) CAPÍTULO VIII Da Responsabilidade Administrativa Art. 12. Às pessoas referidas no art. 9º, bem como aos administradores das pessoas jurídicas, que deixem de cumprir as obrigações previstas nos arts. 10 e 11 serão aplicadas, cumulativamente ou não, pelas autoridades competentes, as seguintes sanções: I - advertência;
II - multa pecuniária variável não superior: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
a) ao dobro do valor da operação; (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012) b) ao dobro do lucro real obtido ou que presumivelmente seria obtido pela
realização da operação; ou (Incluída pela Lei nº 12.683, de 2012) c) ao valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); (Incluída pela Lei nº
12.683, de 2012) III - inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do
cargo de administrador das pessoas jurídicas referidas no art. 9º; IV - cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) § 1º A pena de advertência será aplicada por irregularidade no cumprimento das instruções referidas nos incisos I e II do art. 10. § 2o A multa será aplicada sempre que as pessoas referidas no art. 9o, por culpa ou dolo: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) I – deixarem de sanar as irregularidades objeto de advertência, no prazo assinalado pela autoridade competente;
II - não cumprirem o disposto nos incisos I a IV do art. 10; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
III - deixarem de atender, no prazo estabelecido, a requisição formulada nos termos do inciso V do art. 10; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
IV - descumprirem a vedação ou deixarem de fazer a comunicação a que se refere o art. 11. § 3º A inabilitação temporária será aplicada quando forem verificadas infrações graves quanto ao cumprimento das obrigações constantes desta Lei ou quando ocorrer reincidência específica, devidamente caracterizada em transgressões anteriormente punidas com multa. § 4º A cassação da autorização será aplicada nos casos de reincidência específica de infrações anteriormente punidas com a pena prevista no inciso III do caput deste artigo. Art. 13. O procedimento para a aplicação das sanções previstas neste Capítulo será regulado por decreto, assegurados o contraditório e a ampla defesa. CAPÍTULO IX Do Conselho de Controle de Atividades Financeiras Art. 14. É criado, no âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, com a finalidade de disciplinar, aplicar penas
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administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta Lei, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades. § 1º As instruções referidas no art. 10 destinadas às pessoas mencionadas no art. 9º, para as quais não exista órgão próprio fiscalizador ou regulador, serão expedidas pelo COAF, competindo-lhe, para esses casos, a definição das pessoas abrangidas e a aplicação das sanções enumeradas no art. 12. § 2º O COAF deverá, ainda, coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores. § 3o O COAF poderá requerer aos órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras de pessoas envolvidas em atividades suspeitas. (Incluído pela Lei nº 10.701, de 2003) Art. 15. O COAF comunicará às autoridades competentes para a instauração dos procedimentos cabíveis, quando concluir pela existência de crimes previstos nesta Lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito. Art. 16. O Coaf será composto por servidores públicos de reputação ilibada e reconhecida competência, designados em ato do Ministro de Estado da Fazenda, dentre os integrantes do quadro de pessoal efetivo do Banco Central do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários, da Superintendência de Seguros Privados, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, da Secretaria da Receita Federal do Brasil, da Agência Brasileira de Inteligência, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Justiça, do Departamento de Polícia Federal, do Ministério da Previdência Social e da Controladoria-Geral da União, atendendo à indicação dos respectivos Ministros de Estado. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012) § 1º O Presidente do Conselho será nomeado pelo Presidente da República, por indicação do Ministro de Estado da Fazenda. § 2º Das decisões do COAF relativas às aplicações de penas administrativas caberá recurso ao Ministro de Estado da Fazenda. Art. 17. O COAF terá organização e funcionamento definidos em estatuto aprovado por decreto do Poder Executivo. CAPÍTULO X(Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) DISPOSIÇÕES GERAIS (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012) Art. 17-A. Aplicam-se, subsidiariamente, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), no que não forem incompatíveis com esta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
Art. 17-B. A autoridade policial e o Ministério Público terão acesso, exclusivamente, aos dados cadastrais do investigado que informam qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, pelos provedores de internet e pelas administradoras de cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
Art. 17-C. Os encaminhamentos das instituições financeiras e tributárias em resposta às ordens judiciais de quebra ou transferência de sigilo deverão ser, sempre que determinado, em meio informático, e apresentados em arquivos que possibilitem a migração de informações para os autos do processo sem redigitação. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
Art. 17-D. Em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
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Art. 17-E. A Secretaria da Receita Federal do Brasil conservará os dados fiscais dos contribuintes pelo prazo mínimo de 5 (cinco) anos, contado a partir do início do exercício seguinte ao da declaração de renda respectiva ou ao do pagamento do tributo. (Incluído pela Lei nº 12.683, de 2012)
Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 3 de março de 1998; 177º da Independência e 110º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Iris Rezende Luiz Felipe Lampreia Pedro Malan
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ANEXO II – LEI Nº 12.846/2013 – LEI ANTICORRUPÇÃO
Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 12.846, DE 1º DE AGOSTO DE 2013. Mensagem de veto Vigência Regulamento
Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.
Art. 2o As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.
Art. 3o A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.
§ 1o A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput.
§ 2o Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade.
Art. 4o Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.
§ 1o Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados.
§ 2o As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado. CAPÍTULO II DOS ATOS LESIVOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NACIONAL OU ESTRANGEIRA
Art. 5o Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público
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nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;
III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento
licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de
vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de
licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações
ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
§ 1o Considera-se administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro.
§ 2o Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais.
§ 3o Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais. CAPÍTULO III DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Art. 6o Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções:
I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e
II - publicação extraordinária da decisão condenatória. § 1o As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou
cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade
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e natureza das infrações. § 2o A aplicação das sanções previstas neste artigo será precedida da
manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público.
§ 3o A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.
§ 4o Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).
§ 5o A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.
§ 6o (VETADO). Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I - a gravidade da infração; II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV - o grau de lesão ou perigo de lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica do infrator; VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade,
auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;
IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e
X - (VETADO). Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos
previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal. CAPÍTULO IV DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO
Art. 8o A instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa.
§ 1o A competência para a instauração e o julgamento do processo administrativo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica poderá ser delegada, vedada a subdelegação.
§ 2o No âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria-Geral da União - CGU terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com fundamento nesta Lei, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento.
Art. 9o Competem à Controladoria-Geral da União - CGU a apuração, o processo e o julgamento dos atos ilícitos previstos nesta Lei, praticados contra a
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administração pública estrangeira, observado o disposto no Artigo 4 da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto no 3.678, de 30 de novembro de 2000.
Art. 10. O processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por 2 (dois) ou mais servidores estáveis.
§ 1o O ente público, por meio do seu órgão de representação judicial, ou equivalente, a pedido da comissão a que se refere o caput, poderá requerer as medidas judiciais necessárias para a investigação e o processamento das infrações, inclusive de busca e apreensão.
§ 2o A comissão poderá, cautelarmente, propor à autoridade instauradora que suspenda os efeitos do ato ou processo objeto da investigação.
§ 3o A comissão deverá concluir o processo no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da publicação do ato que a instituir e, ao final, apresentar relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem aplicadas.
§ 4o O prazo previsto no § 3o poderá ser prorrogado, mediante ato fundamentado da autoridade instauradora.
Art. 11. No processo administrativo para apuração de responsabilidade, será concedido à pessoa jurídica prazo de 30 (trinta) dias para defesa, contados a partir da intimação.
Art. 12. O processo administrativo, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade instauradora, na forma do art. 10, para julgamento.
Art. 13. A instauração de processo administrativo específico de reparação integral do dano não prejudica a aplicação imediata das sanções estabelecidas nesta Lei.
Parágrafo único. Concluído o processo e não havendo pagamento, o crédito apurado será inscrito em dívida ativa da fazenda pública.
Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.
Art. 15. A comissão designada para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, após a conclusão do procedimento administrativo, dará conhecimento ao Ministério Público de sua existência, para apuração de eventuais delitos. CAPÍTULO V DO ACORDO DE LENIÊNCIA
Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito
sob apuração. § 1o O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se
preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em
cooperar para a apuração do ato ilícito; II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração
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investigada a partir da data de propositura do acordo; III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e
permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
§ 2o A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.
§ 3o O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.
§ 4o O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.
§ 5o Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.
§ 6o A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.
§ 7o Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.
§ 8o Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.
§ 9o A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.
§ 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira. (Vigência encerrada)
Art. 17. A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88. CAPÍTULO VI DA RESPONSABILIZAÇÃO JUDICIAL
Art. 18. Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial.
Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:
I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;
II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III - dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou
empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
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§ 1o A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:
I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou
II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.
§ 2o (VETADO). § 3o As sanções poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa. § 4o O Ministério Público ou a Advocacia Pública ou órgão de representação
judicial, ou equivalente, do ente público poderá requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado, conforme previsto no art. 7o, ressalvado o direito do terceiro de boa-fé.
Art. 20. Nas ações ajuizadas pelo Ministério Público, poderão ser aplicadas as sanções previstas no art. 6o, sem prejuízo daquelas previstas neste Capítulo, desde que constatada a omissão das autoridades competentes para promover a responsabilização administrativa.
Art. 21. Nas ações de responsabilização judicial, será adotado o rito previsto na Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985.
Parágrafo único. A condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença. CAPÍTULO VII DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 22. Fica criado no âmbito do Poder Executivo federal o Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nesta Lei.
§ 1o Os órgãos e entidades referidos no caput deverão informar e manter atualizados, no Cnep, os dados relativos às sanções por eles aplicadas.
§ 2o O Cnep conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das sanções aplicadas:
I - razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou entidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ;
II - tipo de sanção; e III - data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo
da sanção, quando for o caso. § 3o As autoridades competentes, para celebrarem acordos de leniência
previstos nesta Lei, também deverão prestar e manter atualizadas no Cnep, após a efetivação do respectivo acordo, as informações acerca do acordo de leniência celebrado, salvo se esse procedimento vier a causar prejuízo às investigações e ao processo administrativo.
§ 4o Caso a pessoa jurídica não cumpra os termos do acordo de leniência, além das informações previstas no § 3o, deverá ser incluída no Cnep referência ao respectivo descumprimento.
§ 5o Os registros das sanções e acordos de leniência serão excluídos depois de decorrido o prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento integral do acordo de leniência e da reparação do eventual dano causado, mediante solicitação do órgão ou entidade sancionadora.
Art. 23. Os órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
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de todas as esferas de governo deverão informar e manter atualizados, para fins de publicidade, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS, de caráter público, instituído no âmbito do Poder Executivo federal, os dados relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos arts. 87 e 88 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
Art. 24. A multa e o perdimento de bens, direitos ou valores aplicados com fundamento nesta Lei serão destinados preferencialmente aos órgãos ou entidades públicas lesadas.
Art. 25. Prescrevem em 5 (cinco) anos as infrações previstas nesta Lei, contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
Parágrafo único. Na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração.
Art. 26. A pessoa jurídica será representada no processo administrativo na forma do seu estatuto ou contrato social.
§ 1o As sociedades sem personalidade jurídica serão representadas pela pessoa a quem couber a administração de seus bens.
§ 2o A pessoa jurídica estrangeira será representada pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil.
Art. 27. A autoridade competente que, tendo conhecimento das infrações previstas nesta Lei, não adotar providências para a apuração dos fatos será responsabilizada penal, civil e administrativamente nos termos da legislação específica aplicável.
Art. 28. Esta Lei aplica-se aos atos lesivos praticados por pessoa jurídica brasileira contra a administração pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior.
Art. 29. O disposto nesta Lei não exclui as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica.
Art. 30. A aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de:
I - ato de improbidade administrativa nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e
II - atos ilícitos alcançados pela Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC instituído pela Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011.
Art. 31. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação.
Brasília, 1o de agosto de 2013; 192o da Independência e 125o da República. DILMA ROUSSEFF José Eduardo Cardozo Luís Inácio Lucena Adams Jorge Hage Sobrinho
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ANEXO III – DECRETO Nº 8.420/2015
Presidência da República Casa CivilSubchefia para Assuntos Jurídicos DECRETO Nº 8.420, DE 18 DE MARÇO DE 2015
Regulamenta a Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013, DECRETA:
Art. 1º Este Decreto regulamenta a responsabilização objetiva administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, de que trata a Lei no 12.846, de 1o de agosto de 2013. CAPÍTULO I DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
Art. 2º A apuração da responsabilidade administrativa de pessoa jurídica que possa resultar na aplicação das sanções previstas no art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013, será efetuada por meio de Processo Administrativo de Responsabilização - PAR.
Art. 3º A competência para a instauração e para o julgamento do PAR é da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou, em caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado.
Parágrafo único. A competência de que trata o caput será exercida de ofício ou mediante provocação e poderá ser delegada, sendo vedada a subdelegação.
Art. 4º A autoridade competente para instauração do PAR, ao tomar ciência da possível ocorrência de ato lesivo à administração pública federal, em sede de juízo de admissibilidade e mediante despacho fundamentado, decidirá:
I - pela abertura de investigação preliminar; II - pela instauração de PAR; ou III - pelo arquivamento da matéria. § 1º A investigação de que trata o inciso I do caput terá caráter sigiloso e não
punitivo e será destinada à apuração de indícios de autoria e materialidade de atos lesivos à administração pública federal.
§ 2º A investigação preliminar será conduzida por comissão composta por dois ou mais servidores efetivos.
§ 3º Em entidades da administração pública federal cujos quadros funcionais não sejam formados por servidores estatutários, a comissão a que se refere o § 2o será composta por dois ou mais empregados públicos.
§ 4º O prazo para conclusão da investigação preliminar não excederá sessenta dias e poderá ser prorrogado por igual período, mediante solicitação justificada do presidente da comissão à autoridade instauradora.
§ 5º Ao final da investigação preliminar, serão enviadas à autoridade competente as peças de informação obtidas, acompanhadas de relatório conclusivo acerca da existência de indícios de autoria e materialidade de atos lesivos à administração pública federal, para decisão sobre a instauração do PAR.
Art. 5º No ato de instauração do PAR, a autoridade designará comissão, composta por dois ou mais servidores estáveis, que avaliará fatos e circunstâncias conhecidos e intimará a pessoa jurídica para, no prazo de trinta dias, apresentar defesa
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escrita e especificar eventuais provas que pretende produzir. § 1º Em entidades da administração pública federal cujos quadros funcionais
não sejam formados por servidores estatutários, a comissão a que se refere o caput será composta por dois ou mais empregados públicos, preferencialmente com no mínimo três anos de tempo de serviço na entidade.
§ 2º Na hipótese de deferimento de pedido de produção de novas provas ou de juntada de provas julgadas indispensáveis pela comissão, a pessoa jurídica poderá apresentar alegações finais no prazo de dez dias, contado da data do deferimento ou da intimação de juntada das provas pela comissão.
§ 3º Serão recusadas, mediante decisão fundamentada, provas propostas pela pessoa jurídica que sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias, protelatórias ou intempestivas.
§ 4º Caso a pessoa jurídica apresente em sua defesa informações e documentos referentes à existência e ao funcionamento de programa de integridade, a comissão processante deverá examiná-lo segundo os parâmetros indicados no Capítulo IV, para a dosimetria das sanções a serem aplicadas.
Art. 6º A comissão a que se refere o art. 5º exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo, sempre que necessário à elucidação do fato e à preservação da imagem dos envolvidos, ou quando exigido pelo interesse da administração pública, garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório.
Art. 7º As intimações serão feitas por meio eletrônico, via postal ou por qualquer outro meio que assegure a certeza de ciência da pessoa jurídica acusada, cujo prazo para apresentação de defesa será contado a partir da data da cientificação oficial, observado o disposto no Capítulo XVI da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
§ 1º Caso não tenha êxito a intimação de que trata o caput, será feita nova intimação por meio de edital publicado na imprensa oficial, em jornal de grande circulação no Estado da federação em que a pessoa jurídica tenha sede, e no sítio eletrônico do órgão ou entidade pública responsável pela apuração do PAR, contando-se o prazo para apresentação da defesa a partir da última data de publicação do edital.
§ 2º Em se tratando de pessoa jurídica que não possua sede, filial ou representação no País e sendo desconhecida sua representação no exterior, frustrada a intimação nos termos do caput, será feita nova intimação por meio de edital publicado na imprensa oficial e no sítio eletrônico do órgão ou entidade público responsável pela apuração do PAR, contando-se o prazo para apresentação da defesa a partir da última data de publicação do edital.
Art. 8o A pessoa jurídica poderá acompanhar o PAR por meio de seus representantes legais ou procuradores, sendo-lhes assegurado amplo acesso aos autos.
Parágrafo único. É vedada a retirada dos autos da repartição pública, sendo autorizada a obtenção de cópias mediante requerimento.
Art. 9º O prazo para a conclusão do PAR não excederá cento e oitenta dias, admitida prorrogação por meio de solicitação do presidente da comissão à autoridade instauradora, que decidirá de forma fundamentada.
§ 1º O prazo previsto no caput será contado da data de publicação do ato de instauração do PAR.
§ 2º A comissão, para o devido e regular exercício de suas funções, poderá: I - propor à autoridade instauradora a suspensão cautelar dos efeitos do ato ou
do processo objeto da investigação; II - solicitar a atuação de especialistas com notório conhecimento, de órgãos e
entidades públicos ou de outras organizações, para auxiliar na análise da matéria sob exame; e
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III - solicitar ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou entidades lesados que requeira as medidas necessárias para a investigação e o processamento das infrações, inclusive de busca e apreensão, no País ou no exterior.
§ 3º Concluídos os trabalhos de apuração e análise, a comissão elaborará relatório a respeito dos fatos apurados e da eventual responsabilidade administrativa da pessoa jurídica, no qual sugerirá, de forma motivada, as sanções a serem aplicadas, a dosimetria da multa ou o arquivamento do processo.
§ 4º O relatório final do PAR será encaminhado à autoridade competente para julgamento, o qual será precedido de manifestação jurídica, elaborada pelo órgão de assistência jurídica competente.
§ 5º Caso seja verificada a ocorrência de eventuais ilícitos a serem apurados em outras instâncias, o relatório da comissão será encaminhado, pela autoridade julgadora:
I - ao Ministério Público; II - à Advocacia-Geral da União e seus órgãos vinculados, no caso de órgãos da
administração pública direta, autarquias e fundações públicas federais; ou III - ao órgão de representação judicial ou equivalente no caso de órgãos ou
entidades da administração pública não abrangidos pelo inciso II. § 6º Na hipótese de decisão contrária ao relatório da comissão, esta deverá ser
fundamentada com base nas provas produzidas no PAR. Art. 10. A decisão administrativa proferida pela autoridade julgadora ao final
do PAR será publicada no Diário Oficial da União e no sítio eletrônico do órgão ou entidade público responsável pela instauração do PAR.
Art. 11. Da decisão administrativa sancionadora cabe pedido de reconsideração com efeito suspensivo, no prazo de dez dias, contado da data de publicação da decisão.
§ 1o A pessoa jurídica contra a qual foram impostas sanções no PAR e que não apresentar pedido de reconsideração deverá cumpri-las no prazo de trinta dias, contado do fim do prazo para interposição do pedido de reconsideração.
§ 2o A autoridade julgadora terá o prazo de trinta dias para decidir sobre a matéria alegada no pedido de reconsideração e publicar nova decisão.
§ 3o Mantida a decisão administrativa sancionadora, será concedido à pessoa jurídica novo prazo de trinta dias para cumprimento das sanções que lhe foram impostas, contado da data de publicação da nova decisão.
Art. 12. Os atos previstos como infrações administrativas à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei nº 12.846, de 2013, serão apurados e julgados conjuntamente, nos mesmos autos, aplicando-se o rito procedimental previsto neste Capítulo.
§ 1º Concluída a apuração de que trata o caput e havendo autoridades distintas competentes para julgamento, o processo será encaminhado primeiramente àquela de nível mais elevado, para que julgue no âmbito de sua competência, tendo precedência o julgamento pelo Ministro de Estado competente.
§ 2º Para fins do disposto no caput, o chefe da unidade responsável no órgão ou entidade pela gestão de licitações e contratos deve comunicar à autoridade prevista no art. 3º sobre eventuais fatos que configurem atos lesivos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013.
Art. 13. A Controladoria-Geral da União possui, no âmbito do Poder Executivo federal, competência:
I - concorrente para instaurar e julgar PAR; e II - exclusiva para avocar os processos instaurados para exame de sua
regularidade ou para corrigir-lhes o andamento, inclusive promovendo a aplicação da
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penalidade administrativa cabível. § 1o A Controladoria-Geral da União poderá exercer, a qualquer tempo, a
competência prevista no caput, se presentes quaisquer das seguintes circunstâncias: I - caracterização de omissão da autoridade originariamente competente; II - inexistência de condições objetivas para sua realização no órgão ou entidade
de origem; III - complexidade, repercussão e relevância da matéria; IV - valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade
atingida; ou V - apuração que envolva atos e fatos relacionados a mais de um órgão ou
entidade da administração pública federal. §2º Ficam os órgãos e entidades da administração pública obrigados a
encaminhar à Controladoria-Geral da União todos os documentos e informações que lhes forem solicitados, incluídos os autos originais dos processos que eventualmente estejam em curso.
Art. 14. Compete à Controladoria-Geral da União instaurar, apurar e julgar PAR pela prática de atos lesivos à administração pública estrangeira, o qual seguirá, no que couber, o rito procedimental previsto neste Capítulo. CAPÍTULO II DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E DOS ENCAMINHAMENTOS JUDICIAIS Seção I Disposições gerais
Art. 15. As pessoas jurídicas estão sujeitas às seguintes sanções administrativas, nos termos do art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013:
I - multa; e II - publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora. Art. 16. Caso os atos lesivos apurados envolvam infrações administrativas à Lei
nº 8.666, de 1993, ou a outras normas de licitações e contratos da administração pública e tenha ocorrido a apuração conjunta prevista no art. 12, a pessoa jurídica também estará sujeita a sanções administrativas que tenham como efeito restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a administração pública, a serem aplicadas no PAR. Seção II Da Multa
Art. 17. O cálculo da multa se inicia com a soma dos valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos:
I - um por cento a dois e meio por cento havendo continuidade dos atos lesivos no tempo;
II - um por cento a dois e meio por cento para tolerância ou ciência de pessoas do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica;
III - um por cento a quatro por cento no caso de interrupção no fornecimento de serviço público ou na execução de obra contratada;
IV - um por cento para a situação econômica do infrator com base na apresentação de índice de Solvência Geral - SG e de Liquidez Geral - LG superiores a um e de lucro líquido no último exercício anterior ao da ocorrência do ato lesivo;
V - cinco por cento no caso de reincidência, assim definida a ocorrência de nova infração, idêntica ou não à anterior, tipificada como ato lesivo pelo art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013, em menos de cinco anos, contados da publicação do julgamento da infração anterior; e
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VI - no caso de os contratos mantidos ou pretendidos com o órgão ou entidade lesado, serão considerados, na data da prática do ato lesivo, os seguintes percentuais:
a) um por cento em contratos acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);
b) dois por cento em contratos acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais);
c) três por cento em contratos acima de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais);
d) quatro por cento em contratos acima de R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de reais); e
e) cinco por cento em contratos acima de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais).
Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos:
I - um por cento no caso de não consumação da infração; II - um e meio por cento no caso de comprovação de ressarcimento pela pessoa
jurídica dos danos a que tenha dado causa; III - um por cento a um e meio por cento para o grau de colaboração da pessoa
jurídica com a investigação ou a apuração do ato lesivo, independentemente do acordo de leniência;
IV - dois por cento no caso de comunicação espontânea pela pessoa jurídica antes da instauração do PAR acerca da ocorrência do ato lesivo; e
V - um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV.
Art. 19. Na ausência de todos os fatores previstos nos art. 17 e art. 18 ou de resultado das operações de soma e subtração ser igual ou menor a zero, o valor da multa corresponderá, conforme o caso, a:
I - um décimo por cento do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos; ou
II - R$ 6.000,00 (seis mil reais), na hipótese do art. 22. Art. 20. A existência e quantificação dos fatores previstos nos art. 17 e art. 18,
deverá ser apurada no PAR e evidenciada no relatório final da comissão, o qual também conterá a estimativa, sempre que possível, dos valores da vantagem auferida e da pretendida.
§ 1º Em qualquer hipótese, o valor final da multa terá como limite: I - mínimo, o maior valor entre o da vantagem auferida e o previsto no art. 19; e II - máximo, o menor valor entre: a) vinte por cento do faturamento bruto do último exercício anterior ao da
instauração do PAR, excluídos os tributos; ou b) três vezes o valor da vantagem pretendida ou auferida. § 2º O valor da vantagem auferida ou pretendida equivale aos ganhos obtidos ou
pretendidos pela pessoa jurídica que não ocorreriam sem a prática do ato lesivo, somado, quando for o caso, ao valor correspondente a qualquer vantagem indevida prometida ou dada a agente público ou a terceiros a ele relacionados.
§ 3º Para fins do cálculo do valor de que trata o § 2º, serão deduzidos custos e despesas legítimos comprovadamente executados ou que seriam devidos ou despendidos caso o ato lesivo não tivesse ocorrido.
Art. 21. Ato do Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União
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fixará metodologia para a apuração do faturamento bruto e dos tributos a serem excluídos para fins de cálculo da multa a que se refere o art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013.
Parágrafo único. Os valores de que trata o caput poderão ser apurados, entre outras formas, por meio de:
I - compartilhamento de informações tributárias, na forma do inciso II do § 1º do art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966; e
II - registros contábeis produzidos ou publicados pela pessoa jurídica acusada, no país ou no estrangeiro.
Art. 22. Caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica no ano anterior ao da instauração ao PAR, os percentuais dos fatores indicados nos art. 17 e art. 18 incidirão:
I - sobre o valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, excluídos os tributos, no ano em que ocorreu o ato lesivo, no caso de a pessoa jurídica não ter tido faturamento no ano anterior ao da instauração ao PAR;
II - sobre o montante total de recursos recebidos pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no ano em que ocorreu o ato lesivo; ou
III - nas demais hipóteses, sobre o faturamento anual estimável da pessoa jurídica, levando em consideração quaisquer informações sobre a sua situação econômica ou o estado de seus negócios, tais como patrimônio, capital social, número de empregados, contratos, dentre outras.
Parágrafo único. Nas hipóteses previstas no caput, o valor da multa será limitado entre R$ 6.000,00 (seis mil reais) e R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).
Art. 23. Com a assinatura do acordo de leniência, a multa aplicável será reduzida conforme a fração nele pactuada, observado o limite previsto no § 2o do art. 16 da Lei no 12.846, de 2013.
§ 1o O valor da multa previsto no caput poderá ser inferior ao limite mínimo previsto no art. 6o da Lei no 12.846, de 2013.
§ 2º No caso de a autoridade signatária declarar o descumprimento do acordo de leniência por falta imputável à pessoa jurídica colaboradora, o valor integral encontrado antes da redução de que trata o caput será cobrado na forma da Seção IV, descontando-se as frações da multa eventualmente já pagas. Seção III Da Publicação Extraordinária da Decisão Administrativa Sancionadora
Art. 24. A pessoa jurídica sancionada administrativamente pela prática de atos lesivos contra a administração pública, nos termos da Lei no 12.846, de 2013, publicará a decisão administrativa sancionadora na forma de extrato de sentença, cumulativamente:
I - em meio de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional;
II - em edital afixado no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, em localidade que permita a visibilidade pelo público, pelo prazo mínimo de trinta dias; e
III - em seu sítio eletrônico, pelo prazo de trinta dias e em destaque na página principal do referido sítio.
Parágrafo único. A publicação a que se refere o caput será feita a expensas da pessoa jurídica sancionada. Seção IV Da Cobrança da Multa Aplicada
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Art. 25. A multa aplicada ao final do PAR será integralmente recolhida pela pessoa jurídica sancionada no prazo de trinta dias, observado o disposto nos §§ 1o e 3o do art. 11.
§ 1º Feito o recolhimento, a pessoa jurídica sancionada apresentará ao órgão ou entidade que aplicou a sanção documento que ateste o pagamento integral do valor da multa imposta.
§ 2º Decorrido o prazo previsto no caput sem que a multa tenha sido recolhida ou não tendo ocorrido a comprovação de seu pagamento integral, o órgão ou entidade que a aplicou encaminhará o débito para inscrição em Dívida Ativa da União ou das autarquias e fundações públicas federais.
§ 3º Caso a entidade que aplicou a multa não possua Dívida Ativa, o valor será cobrado independentemente de prévia inscrição. Seção V Dos Encaminhamentos Judiciais
Art. 26. As medidas judiciais, no País ou no exterior, como a cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, a promoção da publicação extraordinária, a persecução das sanções referidas nos incisos I a IV do caput do art. 19 da Lei no 12.846, de 2013, a reparação integral dos danos e prejuízos, além de eventual atuação judicial para a finalidade de instrução ou garantia do processo judicial ou preservação do acordo de leniência, serão solicitadas ao órgão de representação judicial ou equivalente dos órgãos ou entidades lesados.
Art. 27. No âmbito da administração pública federal direta, a atuação judicial será exercida pela Procuradoria-Geral da União, com exceção da cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, que será promovida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Parágrafo único. No âmbito das autarquias e fundações públicas federais, a atuação judicial será exercida pela Procuradoria-Geral Federal, inclusive no que se refere à cobrança da multa administrativa aplicada no PAR, respeitadas as competências específicas da Procuradoria-Geral do Banco Central. CAPÍTULO III DO ACORDO DE LENIÊNCIA
Art. 28. O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos previstos na Lei no 12.846, de 2013, e dos ilícitos administrativos previstos na Lei no 8.666, de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração:
I - a identificação dos demais envolvidos na infração administrativa, quando couber; e
II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem a infração sob apuração.
Art. 29. Compete à Controladoria-Geral da União celebrar acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal e nos casos de atos lesivos contra a administração pública estrangeira.
Art. 30. A pessoa jurídica que pretenda celebrar acordo de leniência deverá: I - ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração de ato
lesivo específico, quando tal circunstância for relevante; II - ter cessado completamente seu envolvimento no ato lesivo a partir da data
da propositura do acordo; III - admitir sua participação na infração administrativa
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IV - cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo e comparecer, sob suas expensas e sempre que solicitada, aos atos processuais, até o seu encerramento; e
V - fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.
§ 1º O acordo de leniência de que trata o caput será proposto pela pessoa jurídica, por seus representantes, na forma de seu estatuto ou contrato social, ou por meio de procurador com poderes específicos para tal ato, observado o disposto no art. 26 da Lei no 12.846, de 2013.
§ 2º A proposta do acordo de leniência poderá ser feita até a conclusão do relatório a ser elaborado no PAR.
Art. 31. A proposta de celebração de acordo de leniência poderá ser feita de forma oral ou escrita, oportunidade em que a pessoa jurídica proponente declarará expressamente que foi orientada a respeito de seus direitos, garantias e deveres legais e de que o não atendimento às determinações e solicitações da Controladoria-Geral da União durante a etapa de negociação importará a desistência da proposta.
§ 1º A proposta apresentada receberá tratamento sigiloso e o acesso ao seu conteúdo será restrito aos servidores especificamente designados pela Controladoria-Geral da União para participar da negociação do acordo de leniência, ressalvada a possibilidade de a proponente autorizar a divulgação ou compartilhamento da existência da proposta ou de seu conteúdo, desde que haja anuência da Controladoria-Geral da União.
§ 2º Poderá ser firmado memorando de entendimentos entre a pessoa jurídica proponente e a Controladoria-Geral da União para formalizar a proposta e definir os parâmetros do acordo de leniência.
§ 3º Uma vez proposto o acordo de leniência, a Controladoria-Geral da União poderá requisitar os autos de processos administrativos em curso em outros órgãos ou entidades da administração pública federal relacionados aos fatos objeto do acordo.
Art. 32. A negociação a respeito da proposta do acordo de leniência deverá ser concluída no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de apresentação da proposta.
Parágrafo único. A critério da Controladoria-Geral da União, poderá ser prorrogado o prazo estabelecido no caput, caso presentes circunstâncias que o exijam.
Art. 33. Não importará em reconhecimento da prática do ato lesivo investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada, da qual não se fará qualquer divulgação, ressalvado o disposto no § 1º do art. 31.
Art. 34. A pessoa jurídica proponente poderá desistir da proposta de acordo de leniência a qualquer momento que anteceda a assinatura do referido acordo.
Art. 35. Caso o acordo não venha a ser celebrado, os documentos apresentados durante a negociação serão devolvidos, sem retenção de cópias, à pessoa jurídica proponente e será vedado seu uso para fins de responsabilização, exceto quando a administração pública federal tiver conhecimento deles independentemente da apresentação da proposta do acordo de leniência.
Art. 36. O acordo de leniência estipulará as condições para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo, do qual constarão cláusulas e obrigações que, diante das circunstâncias do caso concreto, reputem-se necessárias.
Art. 37. O acordo de leniência conterá, entre outras disposições, cláusulas que versem sobre:
I - o compromisso de cumprimento dos requisitos previstos nos incisos II a V do caput do art. 30;
II - a perda dos benefícios pactuados, em caso de descumprimento do acordo;
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III - a natureza de título executivo extrajudicial do instrumento do acordo, nos termos do inciso II do caput do art. 585 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973; e
IV - a adoção, aplicação ou aperfeiçoamento de programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV.
Art. 38. A Controladoria-Geral da União poderá conduzir e julgar os processos administrativos que apurem infrações administrativas previstas na Lei no 12.846, de 2013, na Lei nº 8.666, de 1993, e em outras normas de licitações e contratos, cujos fatos tenham sido noticiados por meio do acordo de leniência.
Art. 39. Até a celebração do acordo de leniência pelo Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União, a identidade da pessoa jurídica signatária do acordo não será divulgada ao público, ressalvado o disposto no § 1º do art. 31.
Parágrafo único. A Controladoria-Geral da União manterá restrito o acesso aos documentos e informações comercialmente sensíveis da pessoa jurídica signatária do acordo de leniência.
Art. 40. Uma vez cumprido o acordo de leniência pela pessoa jurídica colaboradora, serão declarados em favor da pessoa jurídica signatária, nos termos previamente firmados no acordo, um ou mais dos seguintes efeitos:
I - isenção da publicação extraordinária da decisão administrativa sancionadora; II - isenção da proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações
ou empréstimos de órgãos ou entidades públicos e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo Poder Público;
III - redução do valor final da multa aplicável, observado o disposto no art. 23; ou
IV - isenção ou atenuação das sanções administrativas previstas nos art. 86 a art. 88 da Lei no 8.666, de 1993, ou de outras normas de licitações e contratos.
Parágrafo único. Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integrarem o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que tenham firmado o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas. CAPITULO IV DO PROGRAMA DE INTEGRIDADE
Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.
Art. 42. Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros:
I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa;
II - padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos;
III - padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;
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IV - treinamentos periódicos sobre o programa de integridade; V - análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa
de integridade; VI - registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações
da pessoa jurídica; VII - controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de
relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica; VIII - procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de
processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões;
IX - independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento;
X - canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé;
XI - medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade; XII - procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou
infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados; XIII - diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão,
de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados;
XIV - verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas;
XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5o da Lei no 12.846, de 2013; e
XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos.
§ 1º Na avaliação dos parâmetros de que trata este artigo, serão considerados o porte e especificidades da pessoa jurídica, tais como:
I - a quantidade de funcionários, empregados e colaboradores; II - a complexidade da hierarquia interna e a quantidade de departamentos,
diretorias ou setores; III - a utilização de agentes intermediários como consultores ou representantes
comerciais; IV - o setor do mercado em que atua; V - os países em que atua, direta ou indiretamente; VI - o grau de interação com o setor público e a importância de autorizações,
licenças e permissões governamentais em suas operações; VII - a quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o grupo
econômico; e VIII - o fato de ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno
porte. § 2º A efetividade do programa de integridade em relação ao ato lesivo objeto
de apuração será considerada para fins da avaliação de que trata o caput. § 3º Na avaliação de microempresas e empresas de pequeno porte, serão
reduzidas as formalidades dos parâmetros previstos neste artigo, não se exigindo,
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especificamente, os incisos III, V, IX, X, XIII, XIV e XV do caput. § 4o Caberá ao Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União
expedir orientações, normas e procedimentos complementares referentes à avaliação do programa de integridade de que trata este Capítulo.
§ 5o A redução dos parâmetros de avaliação para as microempresas e empresas de pequeno porte de que trata o § 3o poderá ser objeto de regulamentação por ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa e do Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União. CAPÍTULO V DO CADASTRO NACIONAL DE EMPRESAS INIDÔNEAS E SUSPENSAS E DO CADASTRO NACIONAL DE EMPRESAS PUNIDAS
Art. 43. O Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS conterá informações referentes às sanções administrativas impostas a pessoas físicas ou jurídicas que impliquem restrição ao direito de participar de licitações ou de celebrar contratos com a administração pública de qualquer esfera federativa, entre as quais:
I - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração pública, conforme disposto no inciso III do caput do art. 87 da Lei no 8.666, de 1993;
II - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública, conforme disposto no inciso IV do caput do art. 87 da Lei no 8.666, de 1993;
III - impedimento de licitar e contratar com União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme disposto no art. 7o da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002;
IV - impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme disposto no art. 47 da Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011;
V - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a administração pública, conforme disposto no inciso IV do caput do art. 33 da Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011; e
VI - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública, conforme disposto no inciso V do caput do art. 33 da Lei no 12.527, de 2011.
Art. 44. Poderão ser registradas no CEIS outras sanções que impliquem restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a administração pública, ainda que não sejam de natureza administrativa.
Art. 45. O Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP conterá informações referentes:
I - às sanções impostas com fundamento na Lei no 12.846, de 2013; e II - ao descumprimento de acordo de leniência celebrado com fundamento na
Lei no 12.846, de 2013. Parágrafo único. As informações sobre os acordos de leniência celebrados com
fundamento na Lei no 12.846, de 2013, serão registradas no CNEP após a celebração do acordo, exceto se causar prejuízo às investigações ou ao processo administrativo.
Art. 46. Constarão do CEIS e do CNEP, sem prejuízo de outros a serem estabelecidos pela Controladoria-Geral da União, dados e informações referentes a:
I - nome ou razão social da pessoa física ou jurídica sancionada; II - número de inscrição da pessoa jurídica no Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica - CNPJ ou da pessoa física no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF; III - tipo de sanção; IV - fundamentação legal da sanção; V - número do processo no qual foi fundamentada a sanção; VI - data de início de vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção ou
data de aplicação da sanção;
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VII - data final do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando couber; VIII - nome do órgão ou entidade sancionador; e IX - valor da multa, quando couber. Art. 47. A exclusão dos dados e informações constantes do CEIS ou do CNEP
se dará: I - com fim do prazo do efeito limitador ou impeditivo da sanção; ou II -mediante requerimento da pessoa jurídica interessada, após cumpridos os
seguintes requisitos, quando aplicáveis: a) publicação da decisão de reabilitação da pessoa jurídica sancionada, nas
hipóteses dos incisos II e VI do caput do art. 43; b) cumprimento integral do acordo de leniência; c) reparação do dano causado; ou d) quitação da multa aplicada. Art. 48. O fornecimento dos dados e informações de que tratam os art. 43 a art.
46, pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de cada uma das esferas de governo, será disciplinado pela Controladoria-Geral da União. CAPÍTULO VI DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 49. As informações referentes ao PAR instaurado no âmbito dos órgãos e entidades do Poder Executivo federal serão registradas no sistema de gerenciamento eletrônico de processos administrativos sancionadores mantido pela Controladoria-Geral da União, conforme ato do Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União.
Art. 50. Os órgãos e as entidades da administração pública, no exercício de suas competências regulatórias, disporão sobre os efeitos da Lei nº 12.846, de 2013, no âmbito das atividades reguladas, inclusive no caso de proposta e celebração de acordo de leniência.
Art. 51. O processamento do PAR não interfere no seguimento regular dos processos administrativos específicos para apuração da ocorrência de danos e prejuízos à administração pública federal resultantes de ato lesivo cometido por pessoa jurídica, com ou sem a participação de agente público.
Art. 52. Caberá ao Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União expedir orientações e procedimentos complementares para a execução deste Decreto.
Art. 53. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 18 de março de 2015; 194o da Independência e 127o da República.
DILMA ROUSSEFF José Eduardo Cardozo Luís Inácio Lucena Adams Valdir Moysés Simão