Dissertao Final Pedro Henrique Barbosa de Abreu - Saúde Coletiva.pdf

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    PEDRO HENRIQUE BARBOSA DE ABREU

    O AGRICULTOR FAMILIAR E O USO (IN)SEGURO DE

    AGROTXICOS NO MUNICPIO DE LAVRAS, MG

    CAMPINAS 2014

    UNICAMP

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CINCIAS MDICAS

    PEDRO HENRIQUE BARBOSA DE ABREU

    O AGRICULTOR FAMILIAR E O USO (IN)SEGURO DE

    AGROTXICOS NO MUNICPIO DE LAVRAS, MG

    Orientador: Prof. Dr. Herling Gregorio Aguilar Alonzo

    Dissertao de Mestrado apresentada

    Ps-Graduao em Sade Coletiva da Faculdade de Cincias Mdicas

    da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP para obteno do

    ttulo de Mestre em Sade Coletiva, rea de concentrao: Poltica,

    Planejamento e Gesto em Sade.

    ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE A VERSO FINAL DA DISSERTAO DEFENDIDA PELO ALUNO PEDRO HENRIQUE BARBOSA DE ABREU E ORIENTADA PELO PROF. DR. HERLING GREGORIO AGUILAR ALONZO

    Assinatura do orientador

    ________________________

    CAMPINAS 2014

    UNICAMP

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    Aos meus pais, Agostinho e Ana Eliza,

    aos meus irmos, Luciana e Daniel,

    minha v, Nathlia, e aos meus

    sobrinhos, Enrico Plico e Enzo Bolota.

    Cada um ao seu modo, vocs me

    enchem de coragem.

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    AGRADECIMENTOS

    Ao Orientador Herling Alonzo, pela confiana, amizade e parceira desenvolvidas

    juntamente com este trabalho. Este s o comeo, meu caro.

    Aos Agentes Comunitrios de Sade da zona rural Edmar (Paiol), Joo Batista

    (Funil), Gilcelena (Itirapuan), Jurandir (Fonseca e Tabues), Damiana (Serrinha e

    Cachoeirinha), Rosilda (Tomba e Faria), Vnia (Trs Barras), Reiziane (Boa Vista),

    Maria Clarete (Cajuru do Cervo), Lcia (Engenho de Serra), Letcia (Maranho e

    Rosas), Leandro (Pimentas) e Elaine (Salto das Trs Barras) e aos funcionrios

    das Unidades Bsicas de Sade Novo Horizonte e gua Limpa, pela disposio e

    dedicao com que me ajudaram a identificar as famlias e os caminhos da zona

    rural do nosso municpio. Vocs foram fundamentais para este trabalho.

    Aos funcionrios da Emater Local de Lavras Abelardes Figueiredo, Elter Vieira,

    Hely Rezende, Manoel Silva, Carla Vilas Boas e Marco Canestri (atualmente na

    Unidade Central, em Belo Horizonte), pelo grande apoio dado na fase de

    estruturao e articulao do projeto e tambm aos membros do Conselho

    Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentvel.

    Aos Secretrios Municipais de Sade Jos Mouro (2009 2012) e Gilza Helena

    de Carvalho (2013), pela prontido com que me atenderam e me deram

    autorizao para desenvolver os trabalhos em Lavras.

    equipe de Sade da Famlia que atende a zona rural de Lavras e Lilian de

    Oliveira, enfermeira desta equipe e coordenadora dos Agentes Comunitrios de

    Sade da zona rural, por me deixar atrapalhar algumas reunies dos agentes.

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    s Secretrias Municipais Andra Vieira (Meio Ambiente) e Patrcia Goulart

    (Assuntos Rurais) e aos funcionrios Edson Alves (Duti) e ngela Nogueira da

    Secretaria de Assuntos Rurais, pela ateno e apoio.

    professora Silvia Santiago e pesquisadora Kellen Junqueira, pelas sugestes

    e direcionamentos dados na qualificao deste trabalho.

    Ao professor Giovanni Rabello, da UFLA, e s Fernandas (Costa e Martins), suas

    monitoras, pelo trabalho de transcrio das entrevistas.

    Ao amigo Guaraci Diniz, do Stio Duas Cachoeiras (Amparo SP), por demonstrar

    e compartilhar os caminhos para a real (e totalmente possvel) independncia na

    produo de alimentos, no trabalho e na vida.

    s grandes amigas Ana Luiza Oliveira, Elizabeth Cabral, Mercs Santos, Ana

    Cludia Mor e Maria Renata Furlanetti e aos camaradas Hugo Paggiaro, Gustavo

    Leo, Celso Pires, Victor Soares e Willian Oguido. As risadas, perrengues,

    reflexes e indignaes que compartilhamos nos ltimos dois anos me ensinaram

    mais do que qualquer livro ou artigo cientfico.

    Ao irmo Lucas Bronzatto, pela constante inspirao que sua amizade, militncia

    e poemas me trazem. J te ligo, Cacaroto.

    Ao irmo Paulo Henrique Borges (Fusca), que me disse mi casa, su casa quando

    precisei de um canto e de tranquilidade para reorganizar a vida e para finalizar

    este trabalho com intensidade e carinho. Como amigos-irmos no costumam

    enxergar necessidade em agradecimentos, eu retribuo com a frase de sempre: o

    que a vida quer da gente coragem.

    Agradeo, por fim, Lgia, que foi parte importante deste trabalho.

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    Eu queria decifrar as coisas que so

    importantes. Queria entender do medo e

    da coragem, e da g que empurra a

    gente para fazer tantos atos, dar corpo

    ao suceder.

    Aqui digo: que se teme por amor; mas

    que, por amor, tambm, que a

    coragem se faz.

    Grande Serto: Veredas

    Joo Guimares Rosa

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    RESUMO

    Foco das polticas pblicas direcionadas aos trabalhadores rurais expostos aos

    agrotxicos nos pases em desenvolvimento, o uso seguro sustenta-se em uma

    srie de medidas de controle dos riscos envolvidos na manipulao destes

    produtos. Idealizado pelas indstrias qumicas, este paradigma de segurana foi

    adotado no Brasil como base conceitual da legislao que regulamenta a

    utilizao de agrotxicos. No entanto, estudos realizados em diversas regies do

    Pas revelam um quadro crescente de exposio e danos sade humana e de

    contaminao ambiental, entre outros impactos negativos, aqui entendidos como

    consequncia do incentivo pblico e privado utilizao destes produtos

    associado ineficcia da adoo deste paradigma de segurana. O objetivo deste

    trabalho foi analisar a viabilidade de cumprimento do uso seguro de agrotxicos

    no contexto da agricultura familiar do municpio de Lavras, MG. Em 2013, foram

    entrevistados trabalhadores de 81 unidades de produo familiar nas 19

    comunidades rurais existentes em Lavras. Os dados coletados foram registrados

    em gravador de udio e em questionrio semi-estruturado contendo blocos de

    perguntas sobre aspectos socioeconmicos e sobre as prticas de trabalho nas

    atividades de aquisio, transporte, armazenamento, preparo e aplicao, destino

    final de embalagens vazias e lavagem de roupas/EPIs contaminados. Como

    referncias, foram utilizados manuais de segurana elaborados pela associao

    das indstrias qumicas no Brasil e por instituies pblicas de sade, agricultura e

    trabalho. Os resultados apontaram que a aquisio de agrotxicos feita sem

    percia tcnica para indicar a real necessidade de utilizao destes produtos, que

    a receita agronmica predominantemente fornecida por funcionrios dos

    estabelecimentos comerciais, e que os agricultores no recebem informaes e

    instrues adequadas sobre medidas de segurana no momento da compra; que

    o transporte de agrotxicos realizado nos veculos disponveis

    (caminhonetes/caminhes no adaptados aos requerimentos de segurana, carros

    fechados, motos e/ou nibus) e que os agricultores familiares no recebem

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    documentos de segurana obrigatrios por parte dos estabelecimentos

    comerciais; que os agricultores familiares utilizam as construes que dispem

    para o armazenamento de agrotxicos, independente das condies estruturais e

    da proximidade das mesmas com residncias e/ou fontes de gua; que o tamanho

    das propriedades impossibilita que o preparo e a aplicao sejam realizados a

    uma distncia que impea que os agrotxicos atinjam residncias e reas de

    circulao de pessoas e que existe carncia de informao e de assistncia

    tcnica no que diz respeito aos EPIs e s outras medidas de segurana

    necessrias nestas atividades; que as dificuldades criadas pelos estabelecimentos

    comerciais assim como os custos envolvidos na atividade so os principais

    motivos para a no devoluo das embalagens vazias; e que, por carncia de

    informao, a lavagem das vestimentas e EPIs contaminados por agrotxicos

    entendida como atividade domstica comum, sendo, portanto, realizada sem a

    observao de medidas de segurana. Conclui-se que a tecnologia agroqumica

    no pode ser utilizada sob os conceitos de controle de riscos na estrutura geral

    das unidades produtivas de agricultura familiar visitadas em Lavras, no existindo,

    desta forma, viabilidade de cumprimento das inmeras e complexas medidas de

    uso seguro de agrotxicos no contexto socioeconmico destes trabalhadores

    rurais.

    PALAVRAS CHAVE: Agrotxicos, Risco, Vigilncia Sanitria Ambiental, Sade da

    Populao Rural, Fatores Socioeconmicos.

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    ABSTRACT

    Focus of public policies aimed to developing countries rural workers exposed to

    pesticides in developing countries, the safe use support oneself in a series of risk

    control measures involved on these products handling. Idealized by chemical

    industry, this safety paradigm was adopted in Brazil as the conceptual principle of

    the legislation that regulates the use of pesticides. However, studies carried out in

    several Countrys regions reveal a growing context of exposition and human health

    damage and environmental contamination, among other negative impacts,

    understood here as a consequence of public and private incentive to these

    products utilization combined with the ineffectiveness of these safety paradigm

    adoption. This work objective was to analyze the feasibility of safe use of

    pesticide fulfillment in the context of familiar agriculture in the city of Lavras (MG).

    In 2013, workers of 81 familiar production units in the 19 rural communities existing

    in Lavras were interviewed. The collected data were recorded in audio recorder

    and in semi-structured questionnaire containing blocks of questions about

    socioeconomic aspects and about work practices in activities of acquisition,

    transportation, storage, preparation and application, empty containers final

    destination and contaminated clothes/PPEs washing. As references, safety

    manuals made by the chemical industry association in Brazil and by health,

    agriculture and labour public institutions were used. Results shows that pesticides

    acquisition is done without technical inspection to indicate the real necessity of

    use of these products, that agronomic prescription is predominantly provided by

    pesticides market employees and that farmers do not receive adequate information

    and instructions about safety measures in the moment of purchase; that pesticides

    transportation is carried out in available vehicles (do not adapted to safety

    requirements trucks, ordinary cars, motorcycles and/or bus) and that familiar

    farmers do not receive mandatory safety documents by pesticides market

    employees; that familiar farmers use available buildings in their property to storage

    pesticides, independently of structural conditions and proximity to residences

    and/or water sources; that the production units size makes impossible that the

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    preparation and the application could be carried out in a distance that prevent

    pesticides to reach residences and people circulation areas and that there is lack

    of information and technical assistance regarding PPEs and other safety measures

    needed in this activity; that difficulties created by pesticides sellers as well as the

    costs involved in the activity are the main reasons to not return empty containers;

    and that, by lack of information, washing of vestments and PPEs contaminated

    by pesticides is understood as ordinary domestic activity, being, therefore, carried

    out without safety measures observation. One concluded that agrochemical

    technology cannot be used under the risk control concepts in the general structure

    of production units of familiar agriculture visited in Lavras, being, therefore,

    impossible the fulfillment of the countless and complex safe use of pesticides

    measures in the socioeconomic context of these rural workers.

    KEY WORDS: Pesticides, Risk, Environmental Health Surveillance, Rural Health,

    Socioeconomic Factors.

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    LISTA DE ILUSTRAES LISTA DE TABELAS

    Tabela 1. Estudos segundo medidas de segurana nas atividades de trabalho com agrotxicos. Brasil, 2000-2013..........................................................41

    Tabela 2. Distribuio das unidades produtivas de agricultura familiar segundo regio rural, percentual e nmero de entrevistas realizadas.

    Lavras, MG, 2013...................................................................................................66 Tabela 3. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo

    caractersticas socioeconmicas. Lavras, MG, 2013..............................................72 Tabela 4. Responsveis pelas unidades produtivas de agricultura

    familiar segundo caractersticas socioeconmicas. Lavras, MG, 2013..................73 Tabela 5. Proporo de unidades produtivas de agricultura familiar

    segundo renda mensal mdia familiar, nmero de agrotxicos utilizados e nmero de trabalhadores que os manipulam. Lavras, MG, 2013........................................................................................................................79

    Tabela 6. Agricultores familiares segundo prticas de aquisio de agrotxicos. Lavras, MG, 2013...............................................................................83

    Tabela 7. Agricultores familiares segundo forma de transporte de agrotxicos. Lavras, MG, 2013...............................................................................92

    Tabela 8. Agricultores familiares segundo caractersticas de transporte de agrotxicos em veculos com caamba. Lavras, MG, 2013................................................................................................................94

    Tabela 9. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo local de armazenamento dos agrotxicos e caractersticas

    estruturais das construes independentes de armazenamento utilizadas. Lavras, MG, 2013................................................................................100

    Tabela 10. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo forma de armazenamento dos agrotxicos nas construes independentes e outros itens armazenados no mesmo ambiente.

    Lavras, MG, 2013.................................................................................................104 Tabela 11. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo

    condies de acesso ao local independente de armazenamento de agrotxicos. Lavras, MG, 2013.............................................106

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    Tabela 12. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo distncias de segurana do local independente de armazenamento de agrotxicos. Lavras, MG, 2013........................................................................107

    Tabela 13. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas de preparo de agrotxicos pelos trabalhadores.

    Lavras, MG, 2013.................................................................................................111

    Tabela 14. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo

    utilizao de EPIs na atividade de preparo de agrotxicos pelos trabalhadores. Lavras, MG, 2013.........................................................................113

    Tabela 15. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas de aplicao de agrotxicos pelos trabalhadores. Lavras, MG, 2013.................................................................................................114

    Tabela 16. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo utilizao de EPIs na atividade de aplicao pelos trabalhadores.

    Lavras, MG, 2013.................................................................................................119 Tabela 17. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo

    frequncia e procedimentos de utilizao dos EPIs. Lavras, MG, 2013.................................................................................................121

    Tabela 18. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo conhecimento e verificao pelos trabalhadores do Certificado de Aprovao dos EPIs no momento da compra. Lavras, MG, 2013........................127

    Tabela 19. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo fontes de indicaes e informaes dos trabalhadores sobre EPIs.

    Lavras, MG, 2013.................................................................................................128 Tabela 20. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo

    conhecimento dos trabalhadores sobre o significado de Perodo de Reentrada e de Carncia. Lavras, MG, 2013..................................................133

    Tabela 21. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas de higiene pessoal dos trabalhadores que preparam e aplicam agrotxicos. Lavras, MG, 2013.............................................................135

    Tabela 22. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas relacionadas ao destino final das embalagens vazias

    realizadas. Lavras, MG, 2013...............................................................................138

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    Tabela 23. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas relacionadas lavagem de roupas/EPIs contaminados. Lavras, MG, 2013.................................................................................................143

    Tabela 24. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo caractersticas relacionadas estrutura de lavagem de

    roupas/EPIs contaminados. Lavras, MG, 2013....................................................144

    Tabela 25. Unidades produtivas de agricultura familiar segundo prticas relacionadas lavagem das roupas de proteo impermeveis. Lavras, MG, 2013.........................................................................147

    LISTA DE QUADROS Quadro 1. Resumo das medidas de uso seguro referentes s atividades de aquisio, transporte, armazenamento, preparo e aplicao, destino final das embalagens vazias e lavagem das roupas/EPIs contaminados por agrotxicos descritas nos

    manuais da ANDEF................................................................................................38 Quadro 2. Nmero de citaes dos grupos qumicos/princpios

    ativos por grupo qumico/princpios ativos e produtos comerciais utilizados nas unidades produtivas. Lavras, MG, 2013........................................................200

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1. Representao das regies e comunidades rurais de Lavras, MG, em mapa do sistema virio rural do municpio...................................67

    Figura 2. Velocidade do ar e caractersticas do vento a serem consideradas na deciso de aplicar agrotxicos..................................................117

    Figura 3. Ordem de vestir e retirar os equipamentos de proteo segundo uso seguro...........................................................................................120

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    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    ANDEF - Associao Nacional de Defesa Vegetal

    Abiquim Associao Brasileira da Indstria Qumica

    Anvisa - Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria

    C.A. - Certificado de Aprovao

    CEMIG - Companhia Energtica de Minas Gerais

    CEP - Comit de tica em Pesquisa

    CIPA - Comisso Interna de Preveno de Acidentes

    CNPJ - Cadastro Nacional de Pessoa Jurdica

    CPF - Cadastro de Pessoa Fsica

    DDT - Diclorodifeniltricloroetano

    Emater - Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria

    EPA - Agncia de Proteo Ambiental

    EPI - Equipamento de Proteo Individual

    ESF - Equipes de Sade da Famlia

    FAO - Food and Agriculture Organization

    FCM - Faculdade de Cincias Mdicas

    Fundacentro - Fundao Jorge Duprat Figueiredo de Segurana e Medicina do

    Trabalho

    GCPF - Global Crop Protection Federation

    GIFAP - International Group of National Associations of Agrochemical

    Manufacturers

    ha - Hectares

  • xxii

    ICP - Industry Cooperative Programme

    IMA - Instituto Mineiro de Agropecuria

    INPEV - Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias

    MAPA - Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    MMA - Ministrio do Meio Ambiente

    MS - Ministrio da Sade

    MSF - Programa Minas Sem Fome

    MTE - Ministrio do Trabalho e Emprego

    NR 31 - Norma Regulamentadora no 31

    ONU - Organizao das Naes Unidas

    PIB - Produto Interno Bruto

    PNAE - Programa Nacional de Alimentao Escolar

    Pronaf - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

    RG - Registro Geral

    SAMU - Servio de Atendimento Mvel de Urgncia

    SENAR - Servio Nacional de Aprendizagem Rural

    TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

    UBS - Unidades Bsicas de Sade

    UFLA - Universidade Federal de Lavras

    UNEP - United Nations Environment Programme

    Unicamp - Universidade Estadual de Campinas

    URPA - Unidade Regional de Pronto Atendimento

    USAID - United States Agency for International Development

    WHO - World Health Organization

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    SUMRIO

    1 INTRODUO ............................................................................................... 25

    2 JUSTIFICATIVA............................................................................................. 31

    3 OBJETIVOS ................................................................................................... 45

    3.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................. 45

    3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS .................................................................. 45

    4 MATERIAL E MTODOS .............................................................................. 47

    4.1 LOCAL DO ESTUDO.............................................................................. 47

    4.2 DESENHO DO ESTUDO ....................................................................... 49

    4.3 SUJEITOS ............................................................................................... 49

    4.4 POPULAO E AMOSTRA ................................................................... 50

    4.5 VARIVEIS E INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS ................... 53

    4.6 PILOTO DO QUESTIONRIO E COLETA DE DADOS ....................... 56

    4.7 ANLISE DE DADOS ............................................................................. 58

    4.8 COMIT DE TICA ................................................................................ 61

    5 RESULTADOS E DISCUSSO .................................................................... 63

    5.1 CONTEXTO GERAL DO TRABALHO DE CAMPO .............................. 63

    5.1.1 ARTICULAO PR-CAMPO ........................................................ 63

    5.1.2 TRABALHO DE CAMPO ................................................................. 65

    5.2 CARACTERSTICAS SOCIOECONMICAS ........................................ 69

    5.3 AQUISIO DOS AGROTXICOS....................................................... 81

    5.4 TRANSPORTE ....................................................................................... 91

    5.5 ARMAZENAMENTO ............................................................................... 99

    5.6 PREPARO E APLICAO ................................................................... 108

    5.7 DESTINO FINAL DAS EMBALAGENS VAZIAS ................................. 136

    5.8 LAVAGEM DE ROUPAS/EPIs CONTAMINADOS .............................. 141

    6 CONSIDERAES FINAIS E CONCLUSES .......................................... 149

    7 REFERNCIAS ........................................................................................... 159

    ANEXO I QUESTIONRIO ............................................................................. 169

    ANEXO II INSTRUMENTAL DE APOIO PARA COLETA DE DADOS ......... 193

  • xxiv

    ANEXO III TERMO DE COSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......... 198

    ANEXO IV AUTORIZAO SECRETARIA MUNICIPAL DE SADE DE LAVRAS

    (MG) PARA REALIZAO DA PESQUISA ...................................................... 199

    ANEXO V AGROTXICOS, PRINCPIOS ATIVOS E GRUPOS QUMICOS

    CITADOS ............................................................................................................ 200

  • 25

    1 INTRODUO

    Desde os primeiros anos do sculo XX, pesquisas realizadas pelo setor

    industrial qumico, principalmente alemo e estadunidense, buscavam o

    desenvolvimento de substncias biocidas capazes de eliminar insetos e outros

    organismos que proliferavam juntamente com as monoculturas agrrias dos

    pases hegemnicos. No entanto, as substncias inicialmente testadas, como o

    arsenato, se mostraram txicas a ponto de causar danos e mortes

    indiscriminadamente entre insetos, plantas e animais (inclusive seres humanos),

    dificultando a introduo desta tecnologia no cotidiano civil1.

    Com o incio da Primeira Guerra Mundial uma sinergia de interesses se

    firmou entre indstrias qumicas, academia e governos em conflito, uma vez que

    estes governos buscavam formas de ampliar, a qualquer custo, o suprimento de

    alimentos, vesturio e equipamentos para as tropas e de controlar a proliferao

    de insetos transmissores de doenas entre os soldados (principalmente a tifo,

    transmitida por piolhos). Apesar de permitir a insero das indstrias qumicas nos

    governos e nas academias dos pases dominantes do cenrio internacional, esta

    sinergia aprofundou a dificuldade, desde os primeiros anos da Primeira Guerra at

    os ltimos anos da Segunda Guerra Mundial, de formao de um mercado

    consumidor civil para essas substncias biocidas. Isto porque utilizao das

    mesmas como armas qumicas, a partir de 1915, pelo governo alemo (deixando,

    no primeiro ataque, cerca de 5.000 mortos e 10.000 incapacitados em Ypres,

    Frana) e a campanha ideolgica estadunidense, fundamentada na divulgao

  • 26

    dos ataques qumicos alemes, para justificar o investimento de dinheiro pblico

    na produo blica das indstrias qumicas, criaram uma atmosfera de pnico e

    medo em relao aos gases da morte1.

    Ao fim da Segunda Guerra Mundial, as indstrias qumicas, fortalecidas

    econmica e politicamente pelos anos de fornecimento de pesticidas e armas

    qumicas para os pases envolvidos nos conflitos, passaram a utilizar as estruturas

    governamentais, acadmicas e miditicas, assim como o momento de fragilidade

    e tenso social, para influenciar a opinio pblica e dar forma retrica do uso de

    tecnologia qumica para o controle de pragas em culturas de alimentos. Atravs de

    maante campanha publicitria, baseada em metforas militares, foi divulgada a

    existncia de uma guerra entre a humanidade e os insetos e os agrotxicos

    foram promovidos como defensivos agrcolas indispensveis para o combate

    desta classe de inimigos. As indstrias qumicas se auto-elegeram salvadoras da

    humanidade afirmando seu compromisso com o combate global da fome e com o

    aumento da produtividade e competitividade do agricultor. Consolidou-se, assim, a

    crena geral de que o uso de agrotxicos essencial para o desenvolvimento

    econmico e inevitvel para garantir a quantidade necessria de alimentos para a

    crescente populao mundial1,2.

    Na dcada de 1960, surgiram, nos Estados Unidos, as primeiras crticas

    e contestaes cientficas a respeito da tecnologia agroqumica, concretizadas em

    informaes sobre os impactos causados pelo uso indiscriminado de agrotxicos

    ao meio ambiente e sade humana3. Apesar do lobby poltico e do

  • 27

    financiamento de pesquisas para desqualificar moral e cientificamente tais

    informaes4, as indstrias qumicas assistiram, pela primeira vez, a

    conscientizao pblica acerca dos danos envolvidos na utilizao de agrotxicos

    e nada puderam fazer para conter o banimento nos Estados Unidos, pela Agncia

    de Proteo Ambiental (EPA), de seu mais importante produto na poca, o DDT5.

    A possibilidade de difuso global desta conscientizao levou criao,

    em 1967, do International Group of National Associations of Agrochemical

    Manufacturers (GIFAP), associao das indstrias qumicas responsvel por

    garantir os interesses deste setor em mbito internacional. As aes de promoo

    dos agrotxicos e lobby da GIFAP dentro da Food and Agriculture Organization

    (FAO), rgo das Naes Unidas (ONU) para elaborao de polticas e diretrizes

    regulatrias em relao produo de alimentos, foram facilitadas pelo prvio

    comprometimento deste rgo com a utilizao de agrotxicos. Desde 1959,

    quando lanou seu primeiro programa de expanso do uso de agrotxicos, a FAO

    elegeu o controle qumico de pragas como a forma mais efetiva para prevenir as

    perdas na produo e buscar a segurana alimentar mundial, deixando de lado

    discusses em relao poltica econmica hegemnica e injusta distribuio

    de renda e terras produtivas. A imbricada relao da GIFAP com a FAO,

    evidenciada pela criao de um escritrio de cooperao das indstrias qumicas

    (Industry Cooperative Programme - ICP) dentro da FAO, possibilitou a realizao

    conjunta, a partir da dcada de 1970, de seminrios para promover o uso de

  • 28

    fertilizantes qumicos e agrotxicos nos pases em desenvolvimento e tambm de

    novas e melhores formas de utilizao dessas substncias6.

    Com o aumento dos casos de intoxicao por agrotxicos nos pases

    em desenvolvimento e da presso exercida pelos rgos de sade (WHO) e meio

    ambiente (UNEP) da ONU e por organizaes no governamentais, a FAO lanou,

    em 1986, o Cdigo Internacional de Conduta para Distribuio e Uso de

    Agrotxicos7,8. De carter voluntrio e com estreita participao da GIFAP (ento

    renomeada para Global Crop Protection Federation GCPF) em sua elaborao,

    o cdigo estabelece padres de conduta para o comrcio e para o uso eficiente e

    seguro dos agrotxicos, listando direcionamentos para governos (regular

    transaes comerciais e o uso; educar trabalhadores rurais para o uso correto;

    etc.) e indstrias (introduzir informaes tcnicas e de segurana nos rtulos dos

    agrotxicos; disponibilizar formulaes menos txicas; garantir o treinamento de

    distribuidores e comerciantes para transmisso de informaes sobre uso correto

    e eficiente; etc.). Em suma, o cdigo afirma a segurana dos agrotxicos desde

    que sejam utilizados de forma correta5,9.

    Representantes das indstrias qumicas, polticos ligados a elas e outros entusiastas do uso intensivo de substncias qumicas para o controle de pragas frequentemente argumentavam que os agrotxicos, quando utilizados de acordo com as instrues dos fabricantes, no eram mais perigosos do que as demais tecnologias com as quais estvamos em contato todos os dias. [...] Os problemas que eles geravam foram considerados resultado de uso imprprio ou indiscriminado, os quais eram vistos como consequncia de treinamentos e educao inadequada combinados com a falha em garantir controles regulatrios efetivos. [...] o paradigma do uso seguro se estabeleceu como a resposta mais vivel e imediata para resolver os problemas envolvidos no uso de agrotxicos. Aumentar o conhecimento dos usurios sobre os procedimentos corretos para mistura, aplicao e armazenamento de

  • 29

    substncias qumicas, assim como promover medidas de proteo pessoal e de higiene foram sobrepostas aos esforos de educar agricultores sobre controles alternativos de pragas e sobre a reduo do uso de agrotxicos como medidas para mitigar os problemas

    10.

    No incio da dcada de 1990, baseando-se no cdigo de conduta que

    ajudou a elaborar, a GCPF (hoje renomeada para CropLife International) lanou a

    Campanha de Uso Seguro de Agrotxicos, projeto piloto desenvolvido em trs

    pases em desenvolvimento (Guatemala, Qunia e Tailndia) com aes focadas

    em treinamentos de trabalhadores rurais e seus familiares, professores de escolas

    rurais e tcnicos de agricultura e sade dos respectivos governos. Apesar da

    divulgao pela GCPF de resultados supervalorizados, baseados em dados

    falaciosos, desde ento, os debates e aes pblicas destinadas a populaes

    expostas aos riscos e danos dos agrotxicos nos pases em desenvolvimento se

    concentram nas estratgias de uso seguro5.

  • 30

  • 31

    2 JUSTIFICATIVA

    Em 2013, a Associao Brasileira da Indstria Qumica (Abiquim)

    anunciou um aumento de 10,3% nas vendas de agrotxicos no Brasil, atingindo

    uma movimentao de US$ 9,4 bilhes em 2012, ante US$ 8,5 bilhes em 201111.

    Nos ltimos 10 anos, o mercado brasileiro de agrotxicos cresceu 190%, tornando

    o Pas, desde 2008, o maior consumidor dessas substncias no mundo12-14. O

    recorde de consumo de agrotxicos e o contexto atual qumico-dependente de

    produo de alimentos so reflexos da modernizao do campo, adotada pelo

    governo brasileiro a partir da dcada de 1960, que modificou as prticas agrcolas

    no Pas15.

    Essa modernizao, atravs de transferncia de tecnologia, foi

    financiada por instituies responsveis pela expanso internacional de empresas

    estadunidenses - como a USAID, Rockfeller e Ford Foundation e o Banco Mundial

    - e foi nomeada revoluo verde pelo diretor da USAID, em 196816. Dentro do

    pacote da revoluo verde duas prticas se contradiziam (ou se

    complementavam): a monocultura, que favorece a proliferao de pragas

    agrcolas17, e o uso intensivo de agrotxicos, soluo tecnolgica para o controle

    destas pragas18.

    Para que o modelo agroqumico de produo se estabelecesse, foram

    adotadas, no Brasil, entre as dcadas de 1960 e 1980, medidas governamentais

    que, articuladas, impulsionaram o acesso de produtores rurais aos agrotxicos.

    Entre as principais estavam o Sistema Nacional de Crdito Rural, que atrelava o

  • 32

    crdito rural obrigatoriedade de compra de insumos qumicos e o Programa

    Nacional de Defensivos Agrcolas, que financiava a criao de empresas

    nacionais e a instalao de empresas transnacionais do setor no Pas. Mesmo

    estabelecido este modelo recebe, at os dias de hoje, permanente apoio dos

    governos municipais, estaduais e federal, principalmente, atravs de isenes

    fiscais concedidas s indstrias qumicas produtoras de agrotxicos19.

    Alm desses subsdios, os custos sociais, sanitrios e ambientais de

    curto, mdio e longo prazo gerados pela utilizao intensiva de agrotxicos foram

    assumidos por toda a populao atravs de gastos pblicos com a recuperao de

    reas contaminadas, com o tratamento de intoxicaes agudas e crnicas,

    afastamentos e aposentadorias por invalidez de trabalhadores rurais, alm dos

    irreparveis danos familiares causados pelas mortes decorrentes da utilizao

    dessas substncias. Soares e Porto20-22 utilizam o conceito de externalidade

    negativa para definir a socializao destes custos de responsabilidade direta das

    indstrias qumicas, apontando que a no contabilizao dos impactos negativos

    sade humana e ao meio ambiente no preo final dos agrotxicos, associada ao

    apoio fiscal fornecido pelo Estado s indstrias qumicas e ao discurso da

    indissociabilidade do aumento da produtividade e do uso de agrotxicos

    (sustentado pela bancada ruralista no Congresso Nacional), acaba por maquiar o

    custo real decorrente da utilizao dessa tecnologia de controle de pragas e por

    subsidiar econmica e ideologicamente a deciso do agricultor em aderir ao

    modelo agroqumico de produo.

  • 33

    Paralelamente s externalidades negativas, a resposta do governo

    brasileiro aos questionamentos internacionais e internos sobre os impactos do uso

    intensivo de agrotxicos tambm atendeu aos interesses das indstrias qumicas

    e, consequentemente, incentivou o modelo de produo baseado no uso de

    agrotxicos. A Lei n 7.802/198924, conhecida como Lei dos Agrotxicos, o

    Decreto 4.074/200225 que a regulamenta, assim como a Norma Regulamentadora

    no 31 (NR 31)26 do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), assumiram as

    diretrizes do Cdigo Internacional de Conduta para a Distribuio e Uso de

    Agrotxicos7 como base conceitual, definindo as responsabilidades de

    empregadores rurais e entes federados para o cumprimento e fiscalizao de

    medidas de proteo ao invs de definir a priorizao do Estado brasileiro, atravs

    de polticas pblicas e incentivos econmicos, no desenvolvimento de tecnologias

    no-qumicas de controle de pragas como forma preventiva de mitigao dos

    danos provocados pela utilizao de agrotxicos. Desta forma, a efetividade do

    paradigma do uso seguro de agrotxicos, desenvolvido pelas indstrias

    qumicas, recai sobre a (in)capacidade do Estado brasileiro em fiscalizar e

    controlar as prticas de trabalho em todos os estabelecimentos rurais, assim como

    em garantir o treinamento de cada trabalhador rural que manipule essas

    substncias23,27.

    Alm disso, esse marco regulatrio exclui 12,3 milhes28 de

    trabalhadores autnomos rurais (agricultores familiares) que tm livre acesso aos

    agrotxicos, porm no tm definidas a fiscalizao e as garantias trabalhistas da

  • 34

    forma segura de utilizao destes produtos. Assim, durante esse longo e

    permanente processo de modernizao da produo agrcola, a agricultura

    familiar (categoria que corresponde a 84,4% dos estabelecimentos rurais do Pas,

    emprega 74,0% da mo de obra do campo e provm 70,0% dos alimentos

    consumidos pelos brasileiros28) foi mantida s margens das decises que

    afetaram e desconsideraram suas prticas de trabalho e formas de produo

    tradicionais. Arcando com todos os danos sociais, ambientais e sanitrios, diretos

    e indiretos, o agricultor familiar se viu obrigado a aderir ao pacote tecnolgico

    agroqumico de forma passiva, descontrolada e, ainda hoje,

    desregulamentada14,15,22,29-33.

    Todas essas decises e aes polticas de incentivo implementao e

    desenvolvimento do modelo agroqumico de produo de alimentos no Brasil,

    como os primeiros programas governamentais de estmulo ao uso de agrotxicos,

    os subsdios fiscais recebidos pelas indstrias qumicas, a socializao dos custos

    gerados pelos impactos sade humana e ao meio ambiente, a priorizao legal

    de medidas de proteo para minimizar os riscos envolvidos na utilizao de

    agrotxicos em detrimento de mecanismos preventivos de regulao (baseados

    no incentivo a modelos de produo no qumico-dependentes), fazem parte de

    um modelo de desenvolvimento econmico mais amplo assumido pelo Estado

    brasileiro. Componente do sistema capitalista globalizado como produtor e

    exportador de matrias-primas e produtos com baixo ou nenhum processamento34

    (entre eles as commodities agrcolas, altamente dependentes do modelo

  • 35

    tecnolgico de produo), o Brasil, ao adotar os princpios do neoliberalismo nos

    anos 1990, passou a intensificar a reduo do papel do Estado na garantia de

    direitos sociais35 e a ampliar a priorizao do atendimento aos compromissos

    internacionais, particularmente s exigncias do capital financeiro, postergando-se

    o enfrentamento dos graves problemas estruturais da nossa sociedade36.

    Uma soluo apontada pelo neoliberalismo para a crise fiscal foi a reduo gradativa da atuao do Estado para o exerccio de certas funes. Entre outras, nessa poca que, para efetivar essa mxima, o Estado produtor de bens e servios taxado de ineficiente. Alguns autores latino-americanos resumiram esta questo na seguinte expresso: Estado mnimo para os trabalhadores e para a soberania nacional, Estado mximo para o capital, principalmente para o capital financeiro (Pereira Jnior

    35 apud Novaes

    37).

    Nesse sentido, para manter o modelo tecnolgico de produo de

    alimentos, um dos pilares do modelo de desenvolvimento econmico que insere o

    Brasil no sistema capitalista globalizado, toda a composio institucional do

    Estado brasileiro suporta, em algum nvel, o agronegcio e, consequentemente, o

    modelo agroqumico de controle de pragas. Este amplo suporte institucional (que

    inclui os Ministrios do Trabalho e Emprego, da Cincia e Tecnologia, do

    Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior, da Agricultura, Pecuria e

    Abastecimento, da Sade, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrrio) com

    mnimo controle da comercializao e utilizao de agrotxicos e ineficiente

    fiscalizao e vigilncia da segurana e sade dos trabalhadores rurais gera

    distores prticas do que diz a Constituio Federal38 em relao ao dever do

    Estado de defender e preservar o meio ambiente (artigo 225) e a sade humana

    (artigo 196 e 200).

  • 36

    Vale ressaltar algumas dessas distores, como o registro e liberao

    do uso de agrotxicos pelos Ministrios da Agricultura, Pecuria e Abastecimento

    (MAPA), da Sade (MS) e do Meio Ambiente (MMA) baseados em testes e laudos

    produzidos pelas prprias indstrias qumicas39, o aumento da frequncia de uso

    de agrotxicos por agricultores familiares a partir da implantao do Programa

    Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)36 e a divulgao da

    Cartilha sobre Agrotxicos Srie Trilhas do Campo40 pela Agncia Nacional de

    Vigilncia Sanitria (Anvisa), que reproduz as diretrizes para o uso seguro de

    agrotxicos proposto pelas indstrias qumicas (seis das nove referncias usadas

    para elaborar esta cartilha so manuais da Associao Nacional de Defesa

    Vegetal - ANDEF).

    As indstrias qumicas por sua vez, amparadas pelas instituies e

    polticas pblicas e pela legislao referente aos agrotxicos, incentivam a

    expanso do uso de seus produtos no Brasil atravs de prticas de marketing e

    comercializao agressivas22,36 e, ao mesmo tempo, se desresponsabilizam pelos

    impactos sade dos agricultores promovendo as medidas de uso seguro. Os

    manuais de segurana elaborados pela ANDEF (Manual de Uso Correto e Seguro

    de Produtos Fitossanitrios41, Manual de Transporte de Produtos Fitossanitrios42,

    Manual de Armazenamento de Produtos Fitossanitrios43, Manual de Uso Correto

    de Equipamentos de Proteo Individual44, Manual segurana e sade do

    aplicador de produtos fitossanitrios45 e Boas prticas agrcolas no campo46)

    vinculam, inicialmente, bons resultados, alimentos saudveis e economia no

  • 37

    campo utilizao de agrotxicos. Em seguida, creditam os perigos e acidentes

    envolvidos na manipulao dos mesmos ao uso incorreto por parte do

    trabalhador e no toxicidade das formulaes e imposio generalizada do

    modelo agroqumico de produo no Pas sem que as diversas e distintas

    realidades sociais, econmicas, culturais e geogrficas da agricultura fossem

    consideradas47.

    Conforme a sistematizao feita e apresentada no Quadro 1, esses

    manuais descrevem diversas medidas a serem adotadas em cada uma das

    atividades de trabalho com risco potencial de intoxicao: aquisio, transporte,

    armazenamento, preparo e aplicao, destino final de embalagens vazias e

    lavagem de roupas/EPIs contaminados. Todas as medidas devem ser seguidas

    em todas as atividades para que o uso no seja considerado inadequado e traga

    a proteo pretendida sade dos trabalhadores rurais.

  • 38

    Quadro 1. Resumo das medidas de uso seguro referentes s atividades de aquisio, transporte, armazenamento, preparo e aplicao, destino final das embalagens vazias e lavagem das roupas/EPIs contaminados por agrotxicos descritas nos manuais da ANDEF.

    Aquisio Transporte Armazenamento

    Consultar Engenheiro Agrnomo

    Verificar com o comerciante se necessrio cuidado especial para

    transportar os agrotxicos adquiridos

    Depsito deve ser separado de outras

    construes e estar livre de inundaes

    Usar Receiturio Agronmico/ e guardar a segunda via

    Verificar se a nota fiscal est preenchida com as disposies

    exigidas no Regulamento de

    Transporte de Produtos Perigosos (RTTP)

    Depsito deve estar a uma distncia mnima de 30 metros de fontes de

    gua, residncias e instalaes para

    animais

    Exigir Nota Fiscal e guard-la para

    consultar o endereo da unidade de recebimento de embalagens vazias

    Verificar se a Ficha de Emergncia e o

    Envelope de Transporte acompanham a nota fiscal

    Construo de alvenaria, com piso

    cimentado e telhado resistente, sem goteiras

    Aproveitar para comprar EPIs

    Verificar se os agrotxicos esto dentro

    do limite de iseno para transporte (dependente da classificao do

    agrotxico)

    Construo com boa ventilao e

    iluminao natural. No permitir entrada de animais

    Conferir prazo de validade dos agrotxicos

    Se a quantidade estiver dentro do limite

    de iseno, usar veculo com caamba

    externa (caminhonete, caminho, etc.) em perfeitas condies de uso

    As instalaes eltricas devem estar em boas condies para evitar curto-

    circuito e incndios

    Verificar se existem danos e/ou vazamentos na embalagem

    No transportar embalagens danificadas e/ou com vazamentos

    Portas devem permanecer trancadas para evitar entrada de crianas e

    pessoas no autorizadas

    Verificar se informaes de rtulo e

    bula esto legveis

    No transportar dentro da cabine

    Embalagens devem ser colocadas em

    prateleiras de metal ou sobre estrados,

    sem contato com o piso e afastadas de paredes e teto

    Perguntar sobre como usar os EPIs

    No transportar na carroceria junto com pessoas, animais, alimentos,

    raes ou medicamentos

    No armazenar junto com alimentos, raes, sementes, medicamentos e

    produtos inflamveis

    Certificar se o comerciante forneceu informao sobre local de devoluo

    de embalagens vazias

    Usar cofre de carga para acondicionar

    os agrotxicos em caso de transporte com outro tipo de produto

    No fazer estoques alm das quantidades para uso em curto prazo

    Cobrir as embalagens com lona impermevel, presa carroceria

    Os agrotxicos devem ser mantidos nas embalagens originais, sempre

    fechadas

    Acondicionar de forma que as

    embalagens no ultrapassem a altura da carroceria

    No caso de rompimento das

    embalagens, estas devem receber uma sobrecapa de plstico transparente

    para evitar vazamento

    Em caso de acidente providenciar recolhimento seguro das pores

    vazadas

    O rtulo deve sempre permanecer visvel e legvel

    Se quantidade acima do limite de

    iseno, solicitar entrega por motorista e veculo preparados segundo RTTP

    Devem ser armazenados separadamente por tipo (herbicidas,

    inseticidas, fungicidas, etc.)

  • 39

    Quadro 1. continuao

    Preparo e Aplicao Destino final embalagens vazias Lavagem roupas/EPIs

    contaminados

    O manuseio deve ser feito por pessoas

    adultas (entre 18 e 60 anos) e bem informadas sobre os riscos (com

    treinamento de no mnimo 20 horas)

    Devolver todas as embalagens vazias

    dos agrotxicos na unidade de recebimento indicada pelo comerciante

    na nota fiscal

    Usar luvas de Nitrila ou Neoprene e

    avental impermevel

    Ler nos rtulos e bulas as informaes

    sobre manuseio, precaues, primeiros

    socorros, destinao de embalagens vazias, equipamentos de proteo, etc.

    Realizar trplice lavagem, lavagem sob

    presso ou acondicionamento de

    embalagens no lavveis. Cada uma seguindo procedimentos especficos

    Lavar as roupas/EPIs usados no

    preparo e aplicao separados das

    demais roupas da famlia e em tanque exclusivo para a atividade

    Utilizar EPIs para proteger a sade,

    reduzindo os riscos de intoxicao

    Inutilizar as embalagens (perfurar o

    fundo) para armazenamento pr-devoluo e para devoluo

    Enxaguar com bastante gua corrente

    para diluir e remover os resduos de agrotxico

    Os EPIs necessrios so: cala, jaleco,

    botas, avental, respirador (mscara), viseira, luvas, bon rabe. Cada um

    deve seguir disposies especficas

    Devolver as embalagens em at um ano

    e meio aps a compra

    Usar sabo neutro e no deixar de

    molho.

    Lavar as luvas ainda vestidas e seguir uma sequncia lgica para retirar os

    EPIs (bon, viseira, avental, jaleco,

    botas, cala, luvas, respirador)

    No usar alvejante nem esfregar as roupas hidrorrepelentes

    Preparar ao ar livre e longe de crianas, animais e pessoas desprotegidas. Usar

    gua limpa para evitar entupimento dos bicos do pulverizador

    Passar as roupas hidrorrepelentes para

    prolongar a vida til

    Utilizar balanas, copos graduados, baldes e funis especficos para preparar

    a calda. Lavar os utenslios ao trmino do preparo e secar ao sol

    No colocar os EPIs para secar ao sol

    Ler manual de instrues do

    equipamento de aplicao e calibrar corretamente

    Aps lavadas e secas, guardar as

    roupas/EPIs utilizados no preparo e aplicao separados das demais roupas

    da famlia

    No utilizar equipamentos de aplicao

    com defeitos ou vazamentos

    O esgotamento da gua de lavagem

    deve ser feito direto para fossa sptica para tratamento de resduos qumicos

    Verificar velocidade do vento e temperatura antes de aplicar (dar

    preferncia para horrios menos quentes do dia)

    No desentupir bicos com a boca, no beber, comer ou fumar durante

    aplicao. Lavar mos e rosto antes de

    comer, beber ou fumar

    Manter barba e unhas feitas. Tomar banho assim que terminar aplicao e colocar roupas limpas

    Respeitar perodo de reentrada (tempo em que ningum deve entrar sem EPIs

    nas reas tratadas) e o intervalo de segurana (tempo que deve ser

    respeitado entre aplicao e colheita)

  • 40

    Estudos realizados no Brasil tm mostrado que o contexto atual de

    utilizao intensiva e indiscriminada de agrotxicos, associado ao paradigma de

    proteo de trabalhadores atravs do uso seguro, no traz perspectivas de

    reduo dos casos intoxicaes agudas48-64 e dos agravos sade decorrentes da

    exposio de longo prazo65-68.

    Com intuito de identificar a frequncia e a abrangncia com que os

    estudos realizados no Brasil abordam essas medidas de segurana em cada uma

    das atividades de trabalho rural com risco de contaminao por agrotxicos, foi

    realizada reviso de 25 artigos com investigao baseada em dados empricos

    coletados em diversas regies e comunidades rurais brasileiras. Foram

    encontrados 10 estudos com resultados referentes s medidas de uso seguro na

    atividade de aquisio de agrotxicos; apenas um abordando prticas

    relacionadas ao transporte; seis apresentando resultados sobre prticas de

    armazenamento; 25 trazendo resultados sobre prticas relacionadas s medidas

    de segurana no preparo e aplicao de agrotxicos; 17 abordando prticas de

    segurana relacionadas ao destino final de embalagens vazias; nove com

    resultados referentes s prticas de lavagem de roupas/EPIs contaminados

    (Tabela 1).

  • 41

    Tabela 1. Estudos segundo medidas de segurana nas atividades de trabalho com agrotxicos.

    Brasil, 2000-2013

    Estudo Local do estudo AQ TR AR PeA DFE LRC Arajo ACP, Nogueira DP, Augusto LGS 2000

    Camocim de So Flix e permetro irrigado do Vale do So Francisco (PE)

    X

    X X X

    Faria NMX et al

    2000 Antnio Prado e Ip (RS)

    X X X

    Oliveira-Silva et al

    2001 Mag (RJ)

    X

    Moreira JC et al 2002

    Nova Friburgo (RJ)

    X

    Soares W, Almeida RM, Moro S 2003

    Tefilo Otoni, Gudoval, Guiricema, Montes Claros, Paracatu, Piraba, Tocantins, Ub, Uberlndia (MG)

    X

    X

    Delgado IF, Paumgartten FJR 2004

    Paty do Alferes (RJ)

    X

    X X X X

    Faria NMX et al 2004

    Antnio Prado e Ip (RS)

    X

    X

    Gomide M 2005

    So Joo da Costa e So Joo do Piau (PI)

    X X X

    Castro JSM, Confalonieri U 2005

    Cachoeiras de Macacu (RJ)

    X

    X X X X

    Soares WL, Freitas EAV, Coutinho JAG 2005

    Terespolis (RJ) X

    X X

    Shmidt MLG, Godinho PH 2006

    Interior do estado de SP (SP)

    X X X

    Fonseca MGU et al

    2007

    Barbacena (MG)

    X X

    Arajo AJ et al

    2007 Nova Friburgo (RJ)

    X

    Recena MCP e Caldas ED 2008

    Culturama (MS) X

    X X

    Legenda: AQ Aquisio; TR Transporte; AR Armazenamento; PeA Preparo e Aplicao; DFE Destino final de embalagens vazias; LRC Lavagem de roupas/EPIs contaminados.

  • 42

    Tabela 1. continuao

    Estudo Local do estudo AQ TR AR PeA DFE LRC

    Brito PF, Gomide M, Cmara VM 2009

    Serrinha do Mendanha municpio do Rio de Janeiro (RJ)

    X X X X

    Alves SMF, Fernandes PM, Reis EF 2009

    Bonfinpolis, Corumb de Gois, Goianpolis, Leopoldo de Bulhes, Pirenpolis e Silvnia (GO)

    X

    Jacobson LSV et al

    2009

    Santa Maria de Jetib (ES)

    X X X

    Bedor CNG et al

    2009

    Petrolina (PE) e Juazeiro (BA) X X X

    Faria NMX, Rosa JAR, Facchini LA 2009

    Bento Gonalves (RS) X

    X X

    Marques CRG, Neves PMOJ, Ventura MU 2010

    Londrina (PR)

    X X X

    Gregolis TBL, Pinto WJ, Peres F 2012

    Rio Branco (AC)

    X

    X

    Jnior EEF et al

    2012 Ponta Por (MS)

    X

    X

    Gonalves GMS et al

    2012

    Pesqueira (PE)

    X

    X X

    Preza DLC, Augusto LGS 2012

    Conceio do Jacupe (BA)

    X X X

    Silva JPL, Arajo MZ, Melo LCQ 2013

    So Jos de Princesa (PB) X X X

    Legenda: AQ Aquisio; TR Transporte; AR Armazenamento; PeA Preparo e Aplicao; DFE Destino final de embalagens vazias; LRC Lavagem de roupas/EPIs contaminados.

  • 43

    Apesar dos argumentos e concluses da maior parte desses trabalhos

    estarem voltados para a defesa da dignidade e do direito sade e para o

    respeito e equilbrio do meio ambiente de vida e trabalho dos agricultores

    brasileiros, os mesmos no apresentam, simultaneamente, dados sobre todas as

    atividades de trabalho que envolvem risco de contaminao (Tabela 1) e as

    anlises das medidas de uso seguro dentro de cada uma das seis atividades so

    realizadas de forma limitada frente ampla descrio de medidas descritas nos

    manuais de segurana (Quadro 1).

    Considerando-se, portanto, que a abordagem fragmentada e restrita do

    uso seguro de agrotxicos no suficiente para demonstrar a completa

    inviabilidade do cumprimento deste paradigma no contexto socioeconmico da

    agricultura familiar, este trabalho se prope a desconstruir como um todo este pilar

    de sustentao para a liberao, promoo e uso de agrotxicos no Brasil.

    A escolha da zona rural de Lavras, Minas Gerais, se justifica e se

    enquadra como local para o desenrolar e o esclarecimento do problema de estudo

    deste trabalho pela inexistncia de informaes no municpio sobre as prticas de

    uso de agrotxicos por seus agricultores familiares e tambm pela abertura,

    disponibilidade e receptividade das instituies pblicas municipais de sade,

    agricultura e meio ambiente realizao desta pesquisa.

    Pretende-se, por fim, que os resultados deste trabalho possam

    subsidiar o poder pblico, as instituies municipais de sade, agricultura e meio

    ambiente, o setor privado e a sociedade civil na tomada de decises que garantam

  • 44

    a sade desses trabalhadores e possam se tornar referncia para outras cidades

    e regies brasileiras que se encontram em situao semelhante.

  • 45

    3 OBJETIVOS

    3.1 OBJETIVO GERAL

    Analisar, atravs das prticas de trabalho, a viabilidade de cumprimento das

    medidas de uso seguro de agrotxicos no contexto socioeconmico da

    agricultura familiar de Lavras MG.

    3.2 OBJETIVOS ESPECFICOS

    1. Caracterizar social e economicamente os agricultores familiares do municpio

    de Lavras MG;

    2. Identificar as prticas de uso de agrotxicos nas atividades de aquisio,

    transporte, armazenamento, preparo e aplicao, destino final das embalagens

    vazias e lavagem de roupas/EPIs contaminados;

    3. Identificar a conformidade dessas prticas com as medidas de uso seguro de

    agrotxicos preconizadas em manuais relacionados ao tema.

  • 46

  • 47

    4 MATERIAL E MTODOS

    4.1 LOCAL DO ESTUDO

    Lavras um municpio com 92.200 habitantes localizado na regio do

    Campo das Vertentes, no sul do estado de Minas Gerais. O Produto Interno Bruto

    (PIB) municipal se concentra nos setores de servio (67,6%) e indstria (27,2%). A

    produo agropecuria responsvel por 5,2% do PIB, com destaque para

    grandes produtores de caf e gado leiteiro79. No entanto, a atividade agrcola

    familiar a principal fonte de abastecimento de supermercados, comrcio

    especializado, restaurantes e das cinco feiras livres existentes no municpio.

    A zona rural de Lavras dividida em 19 comunidades (subdivididas em

    31 ncleos comunitrios), onde reside, aproximadamente, 5,0% da populao79.

    Dentre o total de unidades produtivas que compe a zona rural desse municpio,

    aproximadamente 600 so consideradas de agricultura familiar, segundo a

    Empresa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural (Emater) local.

    Com relao a essa instituio, o municpio cede de uma das 32

    Unidades Regionais da Emater no Estado de Minas Gerais, sendo esta

    responsvel pela coordenao das unidades locais de 38 municpios da regio. O

    Escritrio Local de Lavras, responsvel pelas atividades de extenso nas 19

    comunidades rurais do municpio, incluindo assistncia tcnica s unidades

    produtivas de agricultura familiar, conta com cinco Extensionistas Agropecurios e

    um Auxiliar Administrativo. Alguns dos programas desenvolvidos pela Emater local

    no municpio so: Programa Minas Sem Fome (MSF), Programa de

  • 48

    Responsabilidade Ambiental, Programa Certifica Minas Caf, Programa de

    Multiplicao de Sementes de Feijo Carioca (parceria com a Universidade

    Federal de Lavras), Programa Nacional de Alimentao Escolar (PNAE)80.

    Quanto estrutura de sade, a ateno bsica estruturada em quatro

    Unidades Bsicas de Sade (UBS) e dezessete Equipes de Sade da Famlia

    (ESF), sendo dezesseis urbanas e uma que atende 17 das 19 comunidades rurais

    do municpio. O municpio dispe de dois hospitais filantrpicos credenciados pelo

    SUS, dois Ambulatrios Mdicos Especializados municipais, uma Unidade

    Regional de Pronto Atendimento (URPA), Vigilncia Sanitria, Vigilncia

    Epidemiolgica e o Servio de Atendimento Mvel de Urgncia (SAMU) est em

    fase de implantao. Recentemente foram implantadas as reas de Vigilncia em

    Sade Ambiental e em Sade do Trabalhador. Em decorrncia da abertura do

    curso de medicina na Universidade Federal de Lavras (UFLA) em 2014, Lavras

    ter seu primeiro hospital de alta complexidade totalmente pblico, uma vez que,

    com recursos do Programa Mais Mdicos do governo federal, a universidade

    adquiriu a estrutura desativada de um antigo hospital privado da cidade. Segundo

    a assessoria de comunicao da universidade, o Hospital Escola deve contar com

    120 leitos e capacidade para trs mil internaes e oito mil consultas anuais81.

  • 49

    4.2 DESENHO DO ESTUDO

    Trata-se de um estudo exploratrio-descritivo transversal de campo de

    base populacional, apresentando resgate histrico por meio de reviso

    bibliogrfica e estruturao por meio de anlise documental

    4.3 SUJEITOS

    Foram entrevistados agricultores familiares, maiores de 18 anos que

    trabalham, mesmo que no exclusivamente, na propriedade da famlia, sendo

    utilizada a definio de agricultura familiar descrita na Lei n 11.326/200682:

    Considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que

    pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos

    seguintes requisitos:

    I - no detenha, a qualquer ttulo, rea maior do que 4 (quatro) mdulos

    fiscais;

    II - utilize predominantemente mo de obra da prpria famlia nas

    atividades econmicas do seu estabelecimento ou empreendimento ou

    tenha, no mximo, dois empregados fixos;

    III - tenha percentual mnimo da renda familiar originada de atividades

    econmicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma

    definida pelo Poder Executivo;

    IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua famlia.

    O mdulo fiscal , segundo a Lei n 6.746/197983, varivel para cada

    municpio e corresponde rea mnima necessria a uma propriedade rural para

    que sua explorao seja economicamente vivel. Em Lavras, pode ser

  • 50

    considerada propriedade de agricultura familiar aquelas com rea de at 120

    hectares (ha), uma vez que, conforme a Instruo Especial n 20/198084, um

    mdulo fiscal no municpio corresponde a 30 ha.

    Para a caracterizao socioeconmica dos agricultores familiares foram

    entrevistados os trabalhadores responsveis pela propriedade, podendo ter sido o

    proprietrio ou qualquer outro integrante da famlia que compartilhe o mesmo nvel

    de responsabilidade e de deciso quanto produo. Para o levantamento dos

    dados relacionados s prticas de trabalho com agrotxicos foram entrevistados

    trabalhadores da propriedade que realizam funes com exposio direta26,

    sendo, neste trabalho, os que manipulam os agrotxicos, adjuvantes e produtos

    afins em quaisquer das atividades de aquisio, transporte, armazenamento,

    preparo e aplicao, destino final das embalagens vazias e lavagem de

    roupas/EPIs contaminados.

    O trabalho teve como critrio de excluso agricultores familiares que

    no utilizavam agrotxicos em suas propriedades e trabalhadores rurais menores

    de 18 anos.

    4.4 POPULAO E AMOSTRA

    A definio da populao de agricultores familiares do municpio de

    Lavras para a realizao deste trabalho se daria, inicialmente, utilizando-se um

    cadastro de agricultores familiares que a Emater local afirmava dispor. Identificou-

    se, porm, que esse cadastro se tratava de uma relao nominal de agricultores

  • 51

    familiares que buscaram atendimento nesta instituio em algum momento, no

    estando os nomes das pessoas agrupados por famlia, propriedade,

    comunidade ou qualquer outra forma de categorizao. Esta relao era

    composta por 1.613 nomes (incluindo, por exemplo, mais de um membro da

    mesma famlia, pessoas que se mudaram da zona rural e at que j faleceram) e

    o respectivo nmero de documento pessoal (CPF ou RG). Porm, tanto a

    Secretaria Municipal de Assuntos Rurais quanto a prpria Emater, estimam haver

    em torno de 600 unidades produtivas consideradas de agricultura familiar em

    Lavras.

    A soluo encontrada para definir com maior preciso a populao a

    ser estudada, bem como a distribuio proporcional das famlias de agricultores

    familiares nas comunidades da zona rural do municpio, foi a obteno da lista de

    famlias atendidas por cada um dos Agentes Comunitrios de Sade da Zona

    Rural e por duas Unidades Bsicas de Sade que atendem comunidades rurais

    localizadas em suas proximidades. Como estas listas no discriminam quais

    famlias caracterizam-se como agricultores familiares ou como mdios e grandes

    produtores, cruzou-se os nomes dos representantes das famlias com os nomes

    da relao nominal de agricultores familiares da Emater. Desta forma, foram

    identificadas 440 famlias distribudas nas 19 comunidades rurais do municpio,

    sendo este nmero definido como a populao alvo do estudo.

    Seguindo a distribuio das comunidades no entorno do municpio,

    foram definidas quatro regies rurais:

  • 52

    Norte: Funil e Paiol, totalizando 18% das famlias;

    Sul: Serrinha, Cachoeirinha, Tomba, Faria e Ponte Alta, totalizando 19%

    das famlias.

    Leste: Fonseca, Tabues e Itirapuan, totalizando 12% das famlias;

    Oeste: Queixada, Engenho de Serra, Pimentas, Maranho, Rosas, Trs

    Barras, Salto das Trs Barras, Cajuru e Boa Vista, totalizando 51% das

    famlias;

    Para estimar a amostra para o levantamento dos dados foi utilizado

    clculo de amostra aleatria simples, considerando erro amostral de 10%85.

    Obteve-se, ento, o nmero de 81 unidades produtivas e famlias a serem

    visitadas e entrevistadas, sendo as entrevistas distribudas proporcionalmente

    segundo o nmero de famlias em cada uma das quatro regies rurais.

    Para selecionar os entrevistados, distribuiu-se os nomes dos

    representantes das famlias de cada comunidade nas quatro regies rurais,

    mantendo, neste momento, os nomes que compunham cada comunidade

    separados e em ordem alfabtica. Na regio Norte, por exemplo, os primeiros 39

    nomes da lista referiam-se aos representantes das famlias da comunidade do

    Funil em ordem alfabtica e os prximos 40 nomes referiam-se aos

    representantes das famlias da comunidade do Paiol, tambm em ordem

    alfabtica. Aleatorizou-se, ento, a lista desta regio ao ordenar todos os 79

    nomes em ordem alfabtica, embaralhando as famlias da comunidade do Funil e

    do Paiol. O mesmo foi realizado para as demais regies rurais.

  • 53

    Em seguida, apresentou-se a lista das regies aos agentes

    comunitrios de sade da zona rural e das UBS. Estes fizeram a identificao dos

    agricultores familiares que com certeza usavam ou provavelmente usavam

    agrotxicos e dos que com certeza no usavam. Aps este filtro, formou-se uma

    nova lista, mantendo a ordenao j citada, composta apenas pelos agricultores

    que com certeza ou provavelmente usavam agrotxicos.

    Considerando-se o tamanho da lista ps-filtro e o nmero de entrevistas

    necessrias em cada regio, realizou-se sorteio para definio das famlias a

    serem entrevistadas e das famlias suplentes, substitutas das famlias sorteadas

    para a amostra em caso de impossibilidade de realizao de alguma entrevista.

    Obteve-se, assim, uma amostra aleatria sistemtica de valor representativo para

    a populao de agricultores familiares do municpio.

    4.5 VARIVEIS E INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS

    Foi utilizado questionrio semi-estruturado para levantamento dos

    dados (Anexo I) e tambm gravador de udio para captar as falas durante as

    entrevistas, sendo essas usadas para a recuperao de informaes, para sanar

    dvidas sobre o preenchimento dos questionrios e tambm para reforar a

    compreenso dos resultados da anlise quantitativa.

    O questionrio foi construdo a partir de perguntas relacionadas s

    medidas de uso seguro de agrotxicos nas atividades de trabalho onde, segundo

    os idealizadores desse paradigma, diversas medidas so condicionantes para a

  • 54

    segurana ambiental e dos trabalhadores rurais. As perguntas foram elaboradas

    utilizando-se as publicaes da ANDEF41-46, da Anvisa40, da Embrapa (Empresa

    Brasileira de Pesquisa Agropecuria)86 e da Fundacentro (Fundao Jorge Duprat

    Figueiredo de Segurana e Medicina do Trabalho - MTE)87 como referncia.

    O questionrio foi composto por dois eixos de perguntas:

    1. Caracterizao Socioeconmica, contendo:

    perguntas pessoais e familiares, que buscaram identificar as

    caractersticas do informante e de sua famlia: nome; sexo; idade; estado

    civil; escolaridade; renda familiar mdia mensal; nmero de dependentes

    da renda familiar; principal fonte de renda;

    perguntas sobre a unidade produtiva, que buscaram levantar as

    caractersticas da(s) terra(s) onde mora e/ou trabalha a famlia:

    propriedade da(s) terra(s); rea total; mo de obra; o que produzido;

    uso de agrotxicos; quais so os agrotxicos utilizados; onde os

    agrotxicos so aplicados; quem so as pessoas que trabalham na

    propriedade e quem realiza as atividades com exposio direta aos

    agrotxicos.

    2. Prticas de trabalho relacionadas ao uso de agrotxicos, sendo as

    perguntas distribudas nos seguintes blocos:

    aquisio: onde compra os agrotxicos; procedimentos seguidos na hora

    da compra; conhecimento, uso e quem fornece a receita agronmica;

  • 55

    conferncia de aspectos de segurana relacionados embalagem;

    informaes dadas pelo vendedor na hora da compra; etc.;

    transporte: tipo de veculo usado para transportar os agrotxicos;

    procedimentos realizados para acondicionar no veculo e para transportar;

    informaes sobre transporte de agrotxicos dadas pelo vendedor;

    recebimento e utilizao do Envelope de Transporte e da Ficha de

    Emergncia; etc.;

    armazenamento: onde e como armazena os agrotxicos; caractersticas

    estruturais do local de armazenamento; distncia at residncias e

    cursos/fontes de gua; condies de acesso e segurana; outros

    produtos e equipamentos armazenados no mesmo local; etc.;

    preparo e aplicao: onde feito o preparo; condies e decises durante

    o preparo e a aplicao; tipos de equipamentos de aplicao utilizados;

    se roupas ou partes do corpo j se molharam com agrotxicos; uso, tipos

    usados, formas de uso, caractersticas e conhecimentos sobre

    equipamentos de proteo individual; conhecimento e atitudes quanto ao

    intervalo de segurana e ao perodo de reentrada; higiene pessoal

    durante e aps o preparo e aplicao de agrotxicos; etc.;

    destino final das embalagens vazias: como se d o descarte das

    embalagens; conhecimento e realizao dos procedimentos de descarte,

    trplice lavagem e inutilizao; exigncia por parte do vendedor da

    apresentao da nota fiscal na hora da devoluo, etc.;

  • 56

    lavagem das roupas usadas no trabalho com agrotxico: existncia de

    tanque destinado apenas s roupas contaminadas; uso de avental e luva;

    destino da gua usada na lavagem; procedimentos de lavagem das

    roupas de proteo hidrorrepelentes; etc..

    4.6 PILOTO DO QUESTIONRIO E COLETA DE DADOS

    Aps a construo do questionrio, realizou-se, no dia 14 de julho de

    2013, o piloto com uma famlia de agricultores familiares da regio rural Norte.

    Durante esta entrevista sentiu-se apenas a necessidade de correo na forma da

    escrita de algumas perguntas, para facilitar a dinmica da conversa, e a

    possibilidade de excluso de questes que se mostraram repetitivas.

    Devido ao bom resultado obtido aps o primeiro teste e correo do

    questionrio, optou-se por iniciar as entrevistas com as famlias sorteadas na

    Regio Rural Norte, sob a condio de excluso destas entrevistas caso o

    questionrio precisasse ser revisto e/ou refeito. O questionrio atendeu aos

    propsitos do trabalho durante a realizao das 14 entrevistas desta regio,

    podendo ser aplicado nas demais regies rurais sem necessidade de novas

    revises. Tanto o teste piloto quanto as 81 entrevistas foram realizados

    unicamente pelo pesquisador.

    Alm do questionrio, foi utilizado instrumental de apoio para a coleta

    de dados (Anexo II), composto pelo Carto de Renda Mensal Familiar e por

    exemplares do Envelope de Transporte e da Ficha de Emergncia (documentos

  • 57

    obrigatrios para o transporte de agrotxicos). O Carto de Renda foi apresentado

    aos agricultores familiares responsveis pelas unidades produtivas para que

    identificassem, pelos nmeros de um a cinco, a faixa de renda mensal da famlia

    sem a necessidade de revelar o valor exato da mesma, evitando-se, assim,

    constrangimentos. J para levantar os dados sobre a o Envelope de Transporte e

    a Ficha de Emergncia pelos agricultores familiares, primeiramente foi

    questionado se eles conheciam cada um destes documentos. Aps a resposta,

    independente se afirmativa ou negativa, era apresentado um exemplar de cada

    documento aos agricultores. Apenas ento era questionado se eles realizavam o

    transporte utilizando cada um dos documentos. A inteno desta sequncia foi

    identificar o conhecimento dos agricultores familiares sobre os documentos,

    esclarecer, ento, quais eram estes documentos - evitando que houvesse

    influncia nas respostas por confuso com outros documentos ou por no

    reconhecimento apenas pelos nomes dos mesmos - e, por fim, identificar o

    cumprimento ou no do fornecimento da Ficha e do Envelope por parte do

    estabelecimento comercial.

    A coleta de dados foi planejada para ser desenvolvida em seis semanas

    de trabalho de campo, sendo iniciada no dia 15 de julho de 2013. Superando as

    expectativas, at o dia 7 de agosto (24 dias de trabalho de campo) foram

    realizadas 67 das 81 entrevistas (82,7%), correspondendo a 18 das 19

    comunidades rurais a serem visitadas. Este bom rendimento foi possvel devido s

  • 58

    boas condies das estradas rurais do municpio, preservadas pelo baixo ndice

    pluviomtrico dos meses de julho e agosto, caracterstico do inverno lavrense.

    Entretanto, os agricultores familiares da comunidade Salto das Trs

    Barras no puderam ser entrevistados nesse perodo, pois, sendo o caf a base

    da produo agrcola desta comunidade, o trabalho manual familiar a forma

    predominante de manejo e estando as propriedades em poca de colheita,

    secagem e torrefao dos gros, os trabalhadores estavam integralmente

    dedicados s tarefas produtivas. Desta forma, para no comprometer suas

    atividades laborais nem a qualidade das entrevistas, estas foram realizadas em

    um segundo momento, entre os dias 10 e 12 de dezembro de 2013, sendo

    concludas as atividades de campo em um total de 27 dias de trabalho.

    4.7 ANLISE DE DADOS

    Inicialmente, as respostas obtidas atravs dos questionrios foram

    digitadas em um banco de dados elaborado no software EpiData (verso 3.1)88 e

    submetidas tcnica estatstica de frequncia, utilizando-se o software EpiData

    Analysis (verso 2.2.2.182)89. Foi, ento, realizada anlise descritiva das

    caractersticas socioeconmicas dos agricultores familiares, das caractersticas

    das unidades produtivas e do padro de uso de agrotxicos nas mesmas.

    Em seguida, foi realizada a anlise descritiva das prticas de trabalho

    com agrotxicos, identificando a conformidade destas com as medidas

    preconizadas pelo paradigma do uso seguro de agrotxicos. Para isso,

  • 59

    considerou-se a frequncia de respostas adequadas e inadequadas, segundo

    os manuais utilizados para a construo do questionrio, obtidas nas perguntas

    referentes s prticas de trabalho nas atividades de aquisio, transporte,

    armazenamento, preparo e aplicao, destino final de embalagens vazias e

    lavagem das roupas/EPIs contaminados (Anexo I).

    No que diz respeito s prticas no momento da aquisio foram

    descritos a prvia avaliao dos problemas da lavoura por Engenheiro Agrnomo

    para definio do agrotxico a ser comprado; o uso da receita agronmica como

    instrumento de segurana; a conferncia de aspectos de segurana da

    embalagem no momento da compra.

    Em relao s prticas de transporte dos agrotxicos analisou-se o

    modelo do veculo usado para transportar; a forma de transporte em caminhonetes

    ou caminhes; as prticas de segurana no transporte dependentes dos

    estabelecimentos que comercializam os agrotxicos.

    Quanto s prticas de segurana no armazenamento foi feita a anlise

    da distribuio percentual do local utilizado para guardar os agrotxicos; da

    adequao estrutural da construo independente utilizada para o

    armazenamento; da localizao do local de armazenamento; da restrio de

    acesso a esse local; da forma de estocagem dos agrotxicos.

    A anlise das atividades de preparo e aplicao de agrotxicos

    envolveu as prticas de preparao; o contato dos agrotxicos com o corpo e a

    utilizao de EPIs no momento do preparo; as prticas de aplicao e os tipos de

  • 60

    aplicadores; as decises de aplicar com vento forte e do que fazer com restos de

    agrotxicos nos aplicadores aps a pulverizao de toda a rea de cultivo; o

    contato dos agrotxicos com o corpo durante a atividade de aplicao; a

    utilizao, ordem de vestir e retirar e procedimentos a serem observados em

    relao a cada equipamento de proteo obrigatrio; o conhecimento e a

    observao do Certificado de Aprovao (C.A.) dos EPIs no momento da compra;

    as fontes de indicao e informao sobre EPIs; o conhecimento e as prticas

    relacionadas ao Perodo de Reentrada e ao Perodo de Carncia; e, por fim,

    aspectos relacionados higiene pessoal dos agricultores familiares no que diz

    respeito manipulao de agrotxicos.

    Com relao ao destino final das embalagens vazias, foram analisadas

    a forma de descarte, considerando se estas so devolvidas ou no e a realizao

    dos procedimentos de preparao das embalagens vazias para devoluo, como

    a trplice lavagem e a perfurao das embalagens.

    Por fim, para a atividade de lavagem das roupas/EPIs contaminados,

    analisou-se a concentrao de mulheres na realizao da mesma; a utilizao dos

    EPIs recomendados pelos manuais de segurana (luva e avental) para a

    realizao da lavagem e o procedimento de no guardar as roupas utilizadas na

    manipulao de agrotxicos juntamente com as demais roupas da famlia;

    caractersticas estruturais das unidades produtivas como a existncia de tanque

    de lavar exclusivo para as roupas contaminadas e o esgotamento da gua de

  • 61

    lavagem e a observao de procedimentos de lavagem das roupas de proteo

    impermeveis.

    Para ilustrar o contexto geral apresentado atravs da anlise descritiva

    dos dados foram includas falas dos agricultores familiares, obtidas atravs da

    gravao e transcrio das entrevistas, que evidenciam as situaes analisadas e

    a realidade encontrada durante o trabalho de campo.

    4.8 COMIT DE TICA

    Foram seguidos os preceitos da Resoluo no 196/96 do Conselho

    Nacional de Sade, que dispe sobre pesquisas com seres humanos90. O projeto

    e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Anexo III) foram

    encaminhados ao Comit de tica em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Cincias

    Mdicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e obtiveram

    aprovao sob o parecer nmero 313.375 de 24 de junho de 2013.

    Solicitou-se, tambm, autorizao da Secretaria de Municipal de Sade

    de Lavras para o desenvolvimento e realizao do presente trabalho na zona rural

    do municpio (Anexo IV).

  • 62

  • 63

    5 RESULTADOS E DISCUSSO

    5.1 CONTEXTO GERAL DO TRABALHO DE CAMPO

    5.1.1 ARTICULAO PR-CAMPO

    Em novembro de 2012 foi realizada a primeira conversa sobre a

    realizao em Lavras do levantamento de dados sobre as prticas de utilizao de

    agrotxicos com o Agente Comunitrio de Sade da Comunidade do Paiol, recm-

    eleito vereador nas eleies municipais de outubro daquele ano. A ideia inicial era

    desenvolver o estudo tendo apenas os agricultores familiares desta comunidade

    como populao.

    No incio de dezembro, foi realizada reunio com o Secretrio Municipal

    de Sade (gesto 2009 2012) para explicao do projeto e foi emitida

    autorizao para realizao da pesquisa na Comunidade do Paiol. Nesta ocasio,

    o secretrio informou que no dispunha de dados sobre as prticas de uso nem

    sobre casos de intoxicao por agrotxicos no municpio. Ao final do mesmo ms,

    ocorreu a primeira reunio com os tcnicos da Emater local. Estes se mostraram

    interessados pelo projeto e expressaram preocupao com as situaes de uso de

    agrotxicos que costumam presenciar.

    Nessa mesma reunio, foi apresentada a diviso da zona rural do

    municpio em 19 comunidades onde residem em torno de 600 famlias

    pertencentes categoria de agricultura familiar. Definiu-se, ento, a realizao da

    coleta de dados em todas as comunidades rurais de Lavras e a apresentao do

  • 64

    projeto de pesquisa na Reunio Mensal do Conselho Municipal de

    Desenvolvimento Rural Sustentvel (formada por representantes das 19

    associaes comunitrias rurais do municpio, alm de representantes da

    Secretaria de Assuntos Rurais e da Emater local), que acontece na sede da

    Emater.

    Em abril de 2013, aps a estruturao do projeto, foi realizada reunio

    com a Secretria Municipal de Sade da gesto 2013 2016. Foi emitida

    autorizao para a coleta de dados em toda a zona rural do municpio (Anexo IV)

    e informado o desconhecimento sobre casos de intoxicao por agrotxico e sobre

    a falta de aes diretas em relao ao problema no municpio. Tambm foram

    realizadas reunies com as Secretrias Municipais do Meio Ambiente e de

    Assuntos Rurais, que se prontificaram a apoiar o trabalho, com a ESF que atende

    a zona rural, com os gestores das duas UBS cujas reas de cobertura dos

    Agentes Comunitrios abrangem duas comunidades rurais e com os Agentes

    Comunitrios de Sade da Zona Rural, que atendem as demais 17 comunidades

    rurais do municpio. Sendo estes Agentes de Sade moradores das comunidades,

    por exercerem seu trabalho visitando as famlias das respectivas reas de

    cobertura e por terem se disponibilizado a contribuir com a pesquisa, estes se

    tornaram fundamentais para a estruturao da estratgia de campo.

    Por fim, fechando a articulao prvia ao trabalho de campo, foi

    apresentado o projeto para os representantes das associaes comunitrias na

    Reunio Mensal do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentvel,

  • 65

    que ocorreu no ms de maio de 2013. Estes representantes no so,

    necessariamente, agricultores familiares (apesar dos pertencentes a essa

    categoria serem maioria no Conselho). Durante esta reunio, perguntas e

    comentrios sobre o contexto de utilizao dos agrotxicos e sobre a importncia

    da pesquisa foram feitos pelos participantes.

    importante ressaltar que, durante as reunies mencionadas foram

    percebidas falas que evidenciam a responsabilizao dos agricultores pelo uso

    inadequado de agrotxicos e tambm o modelo de produo priorizado e

    defendido, de forma geral, pelas instituies pblicas municipais citadas:

    Voc est propondo produzir sem usar agrotxicos? Tem que ter um

    equilbrio, n? No tem como produzir a mesma quantidade sem usar

    nada de agrotxico. Funcionrio da Secretaria Municipal de Assuntos

    Rurais.

    Por mais que se fale com o agricultor, ele no usa os EPI. Funcionrio da

    Emater.

    No deveramos chamar os agrotxicos por este nome, e sim de

    defensivos agrcolas, assim como no chamamos de droga, e sim de

    medicamentos, os produtos para a sade humana. Membro do Conselho

    Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentvel.

    Essa histria de orgnico no existe, isso coisa de petista contra

    grande produtor. Membro do Conselho Municipal de Desenvolvimento

    Rural Sustentvel.

    5.1.2 TRABALHO DE CAMPO

    Entre os dias 15 de julho e 7 agosto e entre os dias 10 e 12 de

    dezembro de 2013, foram realizadas 81 entrevistas nas 19 comunidades rurais de

    Lavras, totalizando 1.412 quilmetros percorridos e 184 horas de trabalho de

  • 66

    campo. A mdia diria de entrevistas realizadas foi de 3,86, com 8 horas e 45

    minutos de trabalho e 67,2 quilmetros percorridos.

    A distribuio das entrevistas nas regies rurais definidas neste estudo

    (Norte, Sul, Leste e Oeste) se deu conforme Tabela 2.

    Tabela 2. Distribuio das unidades produtivas de agricultura familiar segundo regio rural,

    percentual e nmero de entrevistas realizadas. Lavras, MG, 2013.

    Regio rural Percentual de unidades

    produtivas Nmero de entrevistas

    Norte 18 14

    Sul 19 16

    Leste 12 10

    Oeste 51 41

    Total 100 81

    Na Figura 1 apresentada imagem do mapa do sistema virio da zona

    rural de Lavras. Nela esto representadas as quatro regies rurais definidas para

    este estudo e a localizao aproximada de cada comunidade rural do municpio.

  • 67

    Figura 1. Representao das regies e comunidades rurais de Lavras, MG, em mapa do sistema virio rural do municpio.

    Legenda Comunidades: 1 = Funil; 2 = Paiol; 3 = Tabues; 4 = Fonseca; 5 = Itirapuan; 6 = Serrinha; 7 = Ponte Alta; 8 = Cachoeirinha; 9 = Tomba; 10 = Faria; 11 = Queixada; 12 = Pimentas; 13 = Maranho; 14 = Rosas; 15 = Trs Barras; 16 = Boa Vista; 17 = Salto das Trs Barras; 18 = Cajuru do Cervo; 19 = Engenho de Serra.

    N

    N = Regio Rural Norte L = Regio Rural Leste O = Regio Rural Oeste S = Regio Rural Sul

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    10

    11 12

    13

    14

    15 16

    17

    18

    19

    L

    S

    O

    UFLA

    L O

    S

    BR-381

    SP

    BH

    BR-381

  • 68

    No dia anterior ao incio dos trabalhos em cada uma das comunidades,

    foi feito contato por telefone com o Agente de Sade da comunidade e, no dia

    seguinte, realizado um encontro em sua residncia (ou UBS) para obter

    informaes sobre a melhor forma de se deslocar na regio e sobre como chegar

    casa de cada agricultor sorteado. Desta forma, as direes para a unidade

    produtiva de cada famlia sorteada e de cada famlia suplente, o melhor horrio

    para encontrar os agricultores e a melhor sequncia para as entrevistas foram

    anotadas e a estratgia para os dias de trabalho em cada regio definida.

    No total, 136 trabalhadores foram entrevistados nas 81 unidades

    produtivas visitadas. Isto porque, aos agricultores familiares entrevistados no eixo

    Caracterizao Socioeconmica (responsveis pela p