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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
DISTOPIA E UTOPIA NA NARRATIVA MARAVILHOSA DE MARINA COLASANTI –
UM DIÁLOGO COM A ECOCRÍTICA FEMINISTA
Edilane Ferreira da Silva1
Resumo: A origem dos contos maravilhosos é remota e incerta. Sem autoria legitimada, eles foram apropriados e
publicados por homens como Perrault e os Irmãos Grimm, que atribuíram a essas produções ideais patriarcalistas e
sexistas, “naturalizados” pelo contexto da época. Nos últimos anos, tais narrativas vêm sendo contestadas e revistas por
escritoras contemporâneas, que reescrevem, ironicamente, cenários distópicos para as mulheres, consagrados nos contos
tradicionais, e inscrevem utopias para as personagens femininas, historicamente oprimidas. Nesse sentido, este trabalho
pretende analisar o caráter alegórico dos cenários distópicos, nos quais se situam as personagens femininas dos contos
de fadas “Debaixo da pele, a lua” e “Poça de sangue em campo de neve”, de Marina Colasanti – escritora que se insere
no viés crítico do revisionismo e da crítica feminista –, bem como a configuração das utopias, que se apresentam como
possibilidades de liberdade. Além disso, por, nesses contos, mulheres e natureza serem representadas enquanto
igualmente oprimidas, a ecocrítica feminista será utilizada como perspectiva teórico-crítica que se relacionará às
discussões acerca da distopia e da utopia, a partir, sobretudo, dos escritos de Mies e Shiva (1993), Alaimo (2008) e
Gaard (2016). Sobre utopia e distopia, fundamentarão o trabalho, especialmente, Levitas (2001) e Moylan (2006; 2016),
assim como Cavalcanti (2003), a respeito da distopia feminista contemporânea.
Palavras-chave: Contos de fadas. Marina Colasanti. Distopia. Utopia. Ecocrítica feminista.
Alguma coisa aconteceu. Mas como? Foi da noite para o dia,
ou estava aqui nos rondando e só percebemos agora? São as
garotas, as garotas jovens e lindas. Elas costumavam cantar
como ninfas, como sereias, de um jeito suave e doce, melodias
alegres, melodias ondulantes, mas agora elas estão despojadas
de melodia, embora suas bocas abram e fechem como antes.
Será que suas línguas foram arrancadas?
(Margaret Atwood, “Alguma coisa aconteceu”, em A Tenda)
A epígrafe, com a qual inicio este trabalho, pode servir de metáfora à problemática que
abordarei: a distopia – e utopia – nos contos de fadas contemporâneos. A pergunta formulada por
Margaret Atwood, para encerrar o parágrafo, dialoga com a ação de obras de autoria masculina,
especialmente na modernidade, em relação às personagens femininas: arrancar a “língua” das
mulheres, ou melhor, impedir o seu agenciamento. A aproximação pode parecer equivocada, mas
basta visitar contos de fadas contemporâneos, de autoria feminina, para entender que “alguma coisa
aconteceu” nos contos tradicionais e, até mesmo, na própria tradição dos contos de fadas, e que é
totalmente coerente considerar essa “coisa” como o patriarcado instaurado e representado nas
produções simbólicas. Maria Cristina Martins (2015, p. 270) conclui que
[...] as releituras de Atwood [de contos de fadas] rejeitam, de formas diversas, o
determinismo segundo o qual ‘porque você é mulher, você deve ser ‘x’’, ou seja,
1 Doutoranda em Letras (Estudos Literários) pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Maceió-AL, Brasil.
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refutam a existência de uma maneira ‘natural’ de ser para meninas, meninos,
mulheres e homens, como é típico ocorrer nos contos de fadas consagrados pela
tradição.
Por que subverter e transgredir senão para reivindicar ou, talvez, recuperar uma voz
abafada? A escritora canadense Margaret Atwood escreve ensaios, poesias e ficções, também do
gênero contos de fadas, como é o caso das obras Bluebeard´s Egg (1983), Lady Oracle (1985) e The
Robber Bride (1993). O conto, cujo trecho foi citado como epígrafe, não é classificado como
maravilhoso, contudo, apresenta uma mesma problemática contida nos contos de fadas da autora:
um cenário opressivo imposto às mulheres, mas, igualmente, contrariado pela resistência dessas
personagens.
No trecho da epígrafe, a escritora menciona um tempo em que as mulheres tinham liberdade
de ser quem eram. Isso pode ser relacionado ao que afirma Vladímir Propp, em seu As raízes
históricas do conto maravilhoso (1946): nas relações sociais antigas, a mãe era soberana. Porém,
segundo ele, “com a decadência do regime matriarcal, a mulher perde o poder, restando-lhe apenas
a maternidade enquanto função social” (PROPP, 2002, p. 79). Além disso, algumas pesquisadoras2
defendem que grande parte dos contos de fadas teria sido produzida por mulheres. Mas apenas
aqueles revisados por homens, a exemplo de Charles Perrault e dos Irmãos Grimm, foram
canonizados e continuam, até recentemente, exercendo forte influência. O que escritoras como
Atwood fazem é reescrever – e não reinscrever - esses cenários patriarcalistas, que negam à mulher
outros papéis além do de esposa e de mãe. Ademais, o objetivo deste trabalho não é fazer uma
defesa àquele matriarcalismo apontado por Propp, pois estaria apenas realizando uma inversão entre
dominador e dominado, mas que cabe para destacar que o patriarcado não é um fenômeno mundial
que sempre existiu. Ele é um constructo social, baseado em práticas opressoras e colonizantes.
Em certa medida, narrativas como a de Atwood – tanto as de romances, como é o caso de
The handmaid´s tale, quanto as de contos e de contos de fadas – podem ser consideradas distópicas,
ou seja, representativas da “pior das alternativas sociais”, conforme possibilita Moylan (2016, p.
80), em Distopia: fragmentos de um céu límpido. É também uma distopia que percebo na narrativa
dos contos de fadas da escritora, de língua portuguesa, Marina Colasanti. A autora possui uma
trajetória voltada às questões de gênero, em crônicas, ensaios, poesias, contos e contos de fadas. O
seu primeiro livro classificado como conto de fadas foi Uma ideia toda azul, publicado em 1979, e
2 Cf. Colasanti (2004, p. 221-241) e Martins (2015).
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já apresentava efabulações em que as mulheres estão no escopo da opressão masculina, mas sem
resignação.
Colasanti não reescreve contos específicos ou personagens canonizadas do gênero, como faz
Atwood, ao reescrever, por exemplo, o conto do Barba Azul e do Noivo Ladrão. Todavia, nem por
isso ela foge ao revisionismo, tendo em vista que reescreve elementos e motivos tradicionais desse
gênero. Atwood, portanto, figura como ilustração introdutória para as considerações acerca do
revisionismo e do caráter distópico dessas narrativas contemporâneas, enquanto Marina Colasanti
será a autora sobre a qual me debruçarei. Nesse sentido, dois contos de fadas da escritora foram
selecionados para análise, a saber, “Debaixo da pele, a lua” e “Poça de sangue em campo de neve”,
respectivamente, lançados nos livros Longe como o meu querer (1997) e Do seu coração partido
(2009). Isso porque, em ambos, as personagens femininas se deparam com um cenário claramente
distópico para elas, determinante para as suas ações na narrativa maravilhosa. A análise, pois, será
dirigida ao caráter alegórico dessas distopias, criticamente inseridas na diegese dos contos de fadas.
Entretanto, um aspecto particular desses contos colasantianos precisa ser considerado: essa
distopia não concerne apenas às mulheres, mas, também, a elementos e seres mais-que-humanos3 da
natureza. Além disso, os contos não se fecham à distopia - como não poderia deixar de ser, levando
em consideração o seu viés revisionista. A autora inscreve utopias que se configuram como
possibilidades de libertação, das personagens femininas, desse sistema capital-patriarcal mundial,
em outras palavras, distópico. Se não houvesse essa abertura à utopia, concordando com a lógica de
Moylan (2016), seria uma antiutopia e não uma distopia - termos que serão melhor trabalhados no
tópico seguinte. E assim como as mulheres sofrem opressões compartilhadas com a natureza,
também, com essa mesma natureza, buscam a superação, a conquista utópica. Especialmente por
essa razão, utilizo a ecocrítica feminista como perspectiva teórico-crítica que se relacionará às
considerações sobre distopia e utopia. Pelos contos problematizarem a relação ética entre humanos
e mais-que-humanos, além de colocarem mulheres, elementos naturais e animais como personagens
distópicos nessas ficções - principais vítimas dos infernos patriarcais -, vejo uma perspectiva
ecocrítica-feminista como não só possível na leitura desses textos, mas também urgente. Antes,
porém, de me ater a essa crítica que considera as relações do feminismo com a ecologia, pontuarei a
distopia mimetizada nos contos em questão.
3 Concordo e faço uso da expressão “mais-que-humano”, de Stacy Alaimo (2017), no lugar, por exemplo, de não
humanos, uma vez que essa última expressão mantém o humano no centro de tudo.
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O sistema capital-patriarcal distópico
Moylan argumenta que, atualmente, a humanidade vive num mundo distópico. E um dos
principais motivos disso é o capitalismo desenfreado. Em várias passagens de seu já mencionado
livro, faz questão de apontar as diversas consequências sociais e ambientais decorridas desse
sistema. O termo distopia, portanto, surge enquanto reação a essa busca por uma hegemonia global.
Porém, o autor destaca que, por vezes, a distopia foi confundida com a antiutopia. Cabe, aqui,
assinalar esse ponto, sobretudo, porque a diferenciação dessas duas antinomias é fundamental para
o objetivo deste trabalho. Para Moylan, enquanto a antiutopia se configura como uma rejeição à
utopia, a distopia - embora apresente uma visão negativa do lugar de ação das personagens na
narrativa - não tem seu elo com a utopia destronado, conforme demonstrarei na próxima seção. Na
realidade, a distopia impele a utopia. Essa distopia-utopia é bem demonstrada por Ildney
Cavalcanti, no artigo “Distopia feminista contemporânea: um mito e uma figura”, ao afirmar:
As distopias feministas desenham infernos patriarcais de opressão, discriminação e
violência contra mulheres, mapeando assim a sociedade contemporânea. Ao
mesmo tempo, e revelando sua natureza ambígua, essas ficções expressam de
forma importante desejos e esperanças utópicos pertinentes às mulheres
(CAVALCANTI, 2003, p. 338).
A pesquisadora analisa esses infernos patriarcais em produções de escritoras de língua
inglesa, como Angela Carter, Margaret Atwood, Sezette Elgin e Charnas. Mas eles também podem
ser visualizados nos contos de fadas contemporâneos da escritora Marina Colasanti4. Em Debaixo
da pele, a lua, uma narrativa em terceira pessoa, onisciente, é apresentada uma personagem
feminina inominada - como é frequente nos contos da autora -, descrita, já no primeiro parágrafo, da
seguinte maneira:
Chegado o tempo, uma moça se fez mulher. Mulher não como as outras, porém.
Tão clara a sua pele! E por baixo dessa pele, vinda da própria carne, uma
luminosidade que aflorava em certos dias, e nos seguintes se intensificava, dia a
dia, luz a luz, até alcançar o esplendor de tantas chamas frias, de tantas imóveis
estrelas. Então, os cabelos da mulher se faziam mais cheios, leite gotejava dos seus
seios, e as bacias e as tinas da sua casa transbordavam (COLASANTI, 1997, p. 46,
grifo meu).
4 É importante esclarecer que tanto os estudos de Cavalcanti quanto os de Moylan, sobre distopias, enfocam obras
especulativas. Neste trabalho, aproprio-me dessa teoria na abordagem de contos de fadas contemporâneos,
interseccionando a ecocrítica feminista e os estudos da utopia.
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No trecho, todo o rito, que, nos contos de fadas tradicionais, define a transição da moça à
mulher, é ocultado (ficar presa em um castelo e deixar os cabelos crescerem, como Rapunzel,
dormir por 100 anos, até que o príncipe encantado a beije, como a Bela Adormecida, ser presa em
um castelo sob a vigilância de um dragão etc.). Não há descrição desse processo. O conto é iniciado
apenas com a informação de que a moça já se tornara mulher. Mas uma mulher diferente das
demais. A personagem feminina desse conto metamorfoseia-se em lua. Nele, a escritora explora um
fenômeno pertinente ao sagrado feminino: a relação entre os ciclos da mulher e os ciclos da lua.
Todavia, embora tratarei, aqui, da perspectiva ecocrítica-feminista do conto, não me deterei nesse
aspecto espiritualista, uma vez que ele demanda um olhar mais atento e escrutínio. O que me
interessa, neste momento, é a peculiaridade da personagem, baseada na conexão que ela mantém
com um elemento da natureza: “Aquela mulher tinha a lua debaixo da pele” (COLASANTI, 1997,
p. 46). Além disso, independentemente das conotações, essa ligação envolvendo uma humana e um
elemento natural já é bastante significativa para os estudos ecocrítico-feministas, pois ela mimetiza
a não separabilidade do humano e do ambiental, discutida por Stacy Alaimo (2017), em seu artigo
“Feminismos trans-corpóreos e o espaço ético da natureza”.
No próximo parágrafo, ainda compondo o início do conto, é apresentado o primeiro
personagem masculino – também inominado. Trata-se de um homem rico que, ao ver a mulher
luminosa, logo deseja tê-la como esposa, pois ela se igualava às pérolas, como revela o discurso
indireto e onisciente. Moylan (2016, p. 80-81) ressalta que, “na distopia, o texto normalmente
começa diretamente no terrível mundo novo [...]”. A entrada desse personagem faz, exatamente,
isso. Ele impõe, à personagem feminina, um mundo distópico pautado na exploração do Outro, em
função do acúmulo de riquezas e da aquisição de status, a partir da posse de algo valioso, tal qual
uma mulher que brilha como as pérolas. Porém, tendo em vista que o mundo distópico capital-
patriarcal se fundamenta na competitividade desmedida, logo o homem se vê obrigado a abandonar
a mulher. Ela se tornara ainda mais reluzente, e ele, assustado, pensou: “[...] vai acabar brilhando
mais com sua luz do que eu com meu dinheiro” (COLASANTI, 1997, p. 47). E, para se separar,
alegou “que ela só luzia para impedi-lo de dormir e que o levaria à morte [...]” (COLASANTI,
1997, p. 47). Em outras palavras, nesse inferno patriarcal, como sinalizou Cavalcanti (2003), a
mulher se assemelha a Pandora, é uma propagadora de males. Nada mais conveniente, para uma
sociedade sob essa égide, do que o homem abandoná-la.
Contudo, logo é inserido outro personagem masculino, agora, caracterizado como um
ladrão, que, ao ver o brilho da mulher, pensa, imediatamente: “Que belo dinheiro posso tirar dela
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exibindo-a nas feiras!” (COLASANTI, 1997, p. 47). A narrativa distópica se intensifica. A mulher é
igualada a um animal oprimido, explorado, mercantilizado. Ela é capturada e presa ao pé da mesa
da casa do homem, com uma corrente. E assim fica, enquanto ele se prepara para iniciar as
exibições, as quais não chegam a acontecer porque, dessa vez, a mulher tem a sua luminosidade
consideravelmente reduzida, o que faz com que o explorador desista dela: “Na feira, quem irá pagar
para ver uma mulher apenas pálida? Furioso, soltou a corrente e empurrou sua prisioneira porta
afora” (COLASANTI, 1997, p. 48).
Por certo, não há uma exploração direta da lua desempenhada pelo homem, mas a mulher é
violentada, justamente, por manter uma interconexão com esse satélite natural. No conto, é evidente
o distanciamento do personagem em relação à lua, e, igualmente, a mesma postura opressiva que,
na realidade histórica capital-patriarcal, foi dirigida a tudo que era considerado natureza – inclusive
as mulheres -, numa equivocada e binária ideia de que ela é diferente e, mais do que isso, inferior à
cultura – atrelada ao homem, pelo patriarcado. O ecofeminismo – ou ecocrítica feminista5 -,
conforme Maria Mies e Vandana Shiva (1993, p. 24), considera que “[...] o relacionamento do
domínio explorador entre o homem e a natureza [...] e o relacionamento explorador e opressivo
entre o homem e a mulher, que prevaleceu na maior parte das sociedades patriarcais [...] estavam
intimamente ligados” (MIES; SHIVA, 1993, p. 25). Karen Warren (2000) complementa essa linha
de pensamento ao nomear como “Outros humanos” as mulheres, as crianças, as pessoas negras e
pobres, e, como “Outros da Terra”, os animais, as plantas e a própria terra. Todas/os explorados,
injusta e semelhantemente6, pelo sistema capital-patriarcal mundial, cujas raízes, segundo as
ecofeministas, estão, sobretudo, na ciência moderna.
Retomando o conto, a narrativa dirige a onisciência apenas às personagens masculinas. O/a
leitor/a tem acesso aos seus pensamentos e desejos, inclusive, como foi mostrado anteriormente, no
discurso direto. Quanto à mulher, nada é revelado. Ela parece aceitar, passivamente, tudo que lhe é
imposto. A sua voz é, simplesmente, apagada da narrativa. Ela é uma “sem língua”, como as
mulheres do trecho-epílogo de Atwood. Marina parece concordar com o fato de que “[...] a língua é
uma arma para a estrutura distópica de poder reinante. Ao/à protagonista distópico/a, entretanto, é
geralmente proibido usar a língua [...]”. (MOYLAN, 2016, p. 82). Essas implicações em torno da
5 Neste artigo, utilizo a expressão ecocrítica feminista intercambiada ao termo ecofeminismo, tendo em vista a crítica
que Greta Gaard faz da marginalização e da apropriação inadequadas que a ecocrítica fez do feminismo e do
ecofeminismo, bem como das interpretações essencialistas em torno do ecofeminismo, num artigo que foi traduzido e
compõe a obra Traduções da cultura – perspectivas críticas feministas, organizado por Izabel Brandão et al. 6 É importante destacar que, embora se reconheça uma opressão similar dirigida aos “outros humanos”, admite-se que a
opressão vivida por mulheres não pode ser equiparada àquela que um homem branco – ou mesmo negro - e pobre
enfrenta, por exemplo.
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linguagem são ainda mais decisivas nas distopias críticas feministas, como observa Cavalcanti
(2003), ao mostrar que ela é utilizada tanto como instrumento de dominação, no caso dos homens,
quanto de liberação, no que se refere às mulheres. Contudo, essa proibição da linguagem, no conto
analisado, não é diretamente imposta pelas personagens opressoras, mas pela própria construção
narrativa, que não explora os pensamentos, os sentimentos e, menos ainda, a voz dessas mulheres.
Nesse âmbito, a narrativa se mostra mais tradicional do que revisionista.
Em outro conto, intitulado Poça de sangue em campo de neve, há uma moça – também
inominada - que, por ser gaga – e, devido a isso, solitária e esquiva -, é vista como um fardo para o
pai, já que, sendo assim, não teria chances para se casar. Mais uma vez, o dinheiro tem um valor de
destaque na representação das relações sociais: “Se lhe desse um bom dote, talvez. Dinheiro não
tinha, terras não possuía” (COLASANTI, 2009, p. 63). A solução que o homem encontra é
presentear a filha com o seu segundo bem (o primeiro era a moça): um urso amestrado que ele
exibia nas feiras. No entanto, a partir do momento em que recebe o animal, a forma como a mulher
o trata é totalmente diferente da praticada pelo homem:
Sempre ela havia visto o pai partir levando o urso atado pelo pescoço, prisioneiro
da focinheira. Chegada a sua vez, soltou a corda, tirou a focinheira e, afundando os
dedos no pelo duro, montou no dorso. Foi assim, ondulando aos passos da fera,
silhueta delicada pousada sobre a massa escura, que se afastou lentamente do olhar
do pai, até abandoná-lo por completo (COLASANTI, 2009, p. 63-64).
O animal é, também, um personagem distópico na narrativa. Ele é preso e explorado, assim
como a personagem mulher-lua do conto anterior. A personagem feminina desse segundo conto,
porém, além de ser a responsável pela abolição da violência dirigida ao urso, também é violentada,
haja vista que, por não se enquadrar nos padrões, sobretudo das princesas dos contos de fadas
tradicionais, não tem a chance de um “final feliz” por meio do casamento com o “príncipe
encantado”. Ela convive com um inferno patriarcal disfarçado dentro da própria casa, com um pai
que, por mais que diga amá-la, não concebe ter uma filha que foge à regra. Nesse aspecto, é ainda
mais evidente a mimetização das relações entre as opressões voltadas aos “Outros humanos” e aos
“Outros da terra”, denunciadas pela ecocrítica feminista. Talvez, por isso, a personagem não
titubeia ao partir com o urso, abandonando o pai.
A princípio, ela tentou abrigar-se em hospedarias, mas como os estalajadeiros
recusassem a presença do urso e ela não aceitasse deixá-lo, acostumou-se a
dormir com ele nos celeiros, aquecida pela palha e pelo corpanzil. Partilhavam a
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comida que ela conseguia, os peixes que debruçado sobre rio ou lago ele pescava
com as garras afiadas. E apresentavam-se nas feiras (COLASANTI, 2009, p. 64,
grifo meu).
É uma relação ética, de companheirismo entre espécies, fazendo uso de uma expressão de
Donna Haraway (2003). A mulher, como demonstra o trecho em destaque, depara-se com mais uma
opressão voltada ao animal, o qual não é aceito em espaços ditos humanos. Vale salientar que não é
por ser um urso que ele é rejeitado, uma vez que o texto é do gênero conto de fadas, o que dá outra
conotação à interação humanos-animais, mas por ser um animal, por ser o Outro que a realidade
histórica brutaliza. A linguagem, nesse último conto, tem, novamente, um sentido que não pode ser
ignorado. Ao estar em “liberdade” com o animal, por estradas, caminhos que não estão
subordinados à autoridade patriarcal, a mulher derruba o silêncio que a aprisionava: ela começa a
cantar, sendo essa uma estratégia que encontrou para vencer a gagueira. Outras interpretações, no
entanto, podem ser formuladas com base nessa ação. A voz, “de guiso e pássaro”, exibida nas feiras
e acompanhada por um urso que dançava, com “graça inesperada” (COLASANTI, 2009, p. 65),
sinaliza a libertação da mulher.
Mas a maior imposição patriarcal surge com a segunda personagem masculina do conto:
“Eis que uma tarde, um Senhor daquela comarca regressava ao castelo após uma caçada quando,
sobre uma ponte, seu cavalo assustado pelo atravessar de um esquilo empinou-se, derrubando-o”
(COLASANTI, 2009, p. 65). Esse Senhor, com inicial maiúscula - simbolizando um caráter
opressor, autoritário -, cai em um rio cuja correnteza o arrasta. “E teria certamente se afogado não
fossem afiadas garras de urso arrancá-lo dos rodamoinhos” (COLASANTI, 2009, p. 65). O urso o
salva e o Senhor vê a moça. Assim como no primeiro conto, a mulher, aqui, torna-se alvo do
interesse masculino por ser distinta e por ele, de alguma forma, tirar vantagem disso. Então, envia
emissários para encontrarem a moça, os quais, segundo a narração, não podiam falhar ou demorar-
se, ou seja, algo de muito ruim ocorreria a eles, caso não a encontrassem. Tal informação reforça a
postura totalitária desse Senhor.
A mulher chega ao castelo, acompanhada do urso. É realizada uma festa para celebrar “[...] a
satisfação do Senhor” (COLASANTI, 2009, p. 66). Contrastando-se a isso, “[...] a moça pouco
cantou, pois falar não queria” (COLASANTI, 2009, p. 66). Outra vez, portanto, a recusa à
linguagem se associa à opressão. Ainda como um reforço à ideia de que aquele era um “mau lugar”,
isto é, um lugar distópico para a mulher, e que ela estava ali contra a sua vontade, o Senhor foi para
os seus aposentos, levando-a pela mão. A atitude hostil do homem se confirma no momento em que
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chegam ao quarto: o urso tem sua pele encontrada “[...] como um cobertor sobre a grande cama
carmesim [...], [...] o Senhor havia mandado arrancar” (COLASANTI, 2009, p. 66).
Tais narrativas, que, assim como as ficções científicas, parecem não ter relação imediata
com a realidade histórica, estão imbuídas de elementos que dizem muito sobre o cenário distópico
atual, mencionado por Moylan (2016). Um deles, como ficou evidente, é o capitalismo e,
interligado a ele, o patriarcado. Embora sejam contos com apenas uma personagem feminina,
possuidora de características não habituais – o maravilhoso, o mágico está, normalmente, associado
a ela -, e mais de um homem, atuando de forma opressora, não só em relação à mulher, mas à
natureza, a partir da representação da lua e do urso, é possível perceber um caráter alegórico nesses
contos. Eles são, na verdade, emblemáticos de uma coletividade. E algumas estratégias usadas pela
autora corroboram isso, como o fato de as personagens serem inominadas e possuírem
características não condizentes com o habitual. O não se referir a ninguém, especificamente, pode
se referir a qualquer um/a. É essa, afinal, a função semântica dos substantivos comuns: moça,
mulher, homem, Senhor. Por alegórico compreendo, em acordo com Carlos Ceia (1998, p. 1),
“aquilo que representa uma coisa para dar ideia de outra através de uma ilação moral”7, o que ficará
mais claro no tópico a seguir.
O horizonte utópico
Moylan defende (2016, p. 94) que “[...] o texto pode ser considerado antiutópico se falha em
desafiar (ou escolhe não fazê-lo) os limites ideológicos e epistemológicos da sociedade que
realmente existe”. Nos dois contos, a impressão, até certo ponto da narrativa, é de que as mulheres
oprimidas se recusam a militar contra as violências que lhes são impostas. Em Debaixo da pele, a
lua, depois de ter sido liberada pelo segundo homem - o ladrão -, a mulher, enfim, reage: “Trancou
a porta, fechou bem fechado os postigos das janelas, vedou cada frincha. Que ninguém a visse”
(COLASANTI, 1997, p. 48, grifo meu). O trecho em realce é o primeiro que expõe alguma posição
dela. Inclusive, todos os verbos relacionados à personagem, a partir desse momento, estão na voz
ativa, indicando ação, movimento – trancou, fechou, levantou-se, abriu, debruçou-se, montou. Mas
a luz, ainda assim, escapou por entre as telhas. Bateu em sua porta uma dama sob um cavalo negro.
Obviamente, explorando o cunho maravilhoso do gênero, a autora traça o reconhecimento da
personagem quanto à sua ligação com a dama: a lua reconhece a noite. Por isso, e por não sentir-se
7 Se há, de fato, uma ilação “moral” – ética, na verdade -, considero que ela está inserida na pergunta que formulo, no
final deste artigo.
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pertencente ao “mau lugar”, onde fora explorada, “sem voltar-se para olhar sua casa, a mulher
estendeu a mão, e montou no cavalo da noite” (COLASANTI, 1997, p. 49).
A personagem não se limita, pois, a uma estase. Ela reage, embora não por meio da
linguagem, que continua sendo tímida no conto. Marina Colasanti revisa a ação das personagens
femininas no gênero, mas não inova, como outras escritoras revisionistas, a exemplo de Angela
Carter, Antonia Susan Byatt e Margaret Atwood8, no aspecto narrativo, tendo em vista que
reinscreve o discurso onisciente, em terceira pessoa, negando a voz e o foco dessas personagens9. O
discurso indireto livre explora laconicamente a perspectiva delas. De todo modo, há a
contranarrativa mencionada por Moylan (2016) já próxima do desfecho do conto, ou seja, ocorre
uma ação de resistência da personagem, provocando uma reviravolta e desestabilizando a narrativa
distópica, que parecia seguir um curso ininterrupto de opressões. Porém, um olhar mais atento
permite inferir que, na realidade, a mulher já resistia, uma vez que ela tinha sua luz intensificada ou
reduzida, a depender da situação, o que gerava a liberação das prisões estabelecidas pelos homens.
Em Poça de sangue em campo de neve, a protagonista, ao encontrar o amigo urso morto,
aguarda o momento em que o Senhor se afasta para agir:
Rápida, levantou-se. Arrancou os lençóis da cama, tirou as fronhas, despiu sua
camisola, embolou os tecidos com as mãos, e com eles foi recheando a pele de
negro pelo. Depois procurou entre suas coisas, tirou uma agulha, e começou a
costurar a pele com pontos firmes.
Estava quase terminando, quando parou. Abriu com a mão um espaço entre
os tecidos, tirou a flor da trança e, como poça de sangue em campo de neve,
afundou-a na altura do peito, um pouco à esquerda. Em seguida deu os últimos
pontos, arrematou, cortou a linha com os dentes. E partiu a agulha, que ninguém
mais a usasse.
Só então, com sua voz de canto, chamou o amigo (COLASANTI, 2009, p.
66-67).
Todo esse processo de renascimento do animal é possível graças ao potencial maravilhoso
do conto, a partir do uso de objetos e elementos que se mostram “mágicos”, como a flor, comprada
com o primeiro dinheiro que ganharam nas apresentações nas feiras, e a voz da mulher, repleta de
simbologia. Ao ouvir essa voz, ele se pôs de pé e, mais uma vez, saíram daquele lugar e foram para
nenhures – ou para um “não-lugar” -, ganharam a estrada. Os espaços demarcados desempenham
uma função importante na ação da personagem, que está ligada à voz: nos ambientes patriarcais,
fechados, controlados pelo pai e pelo Senhor, a mulher se cala - no conto anterior, a opressão
8 Cf. o trabalho de Martins (2015). 9 Para a autora, a linguagem poética, comum aos contos, parece ser de maior interesse revisionista.
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também só ocorre nos espaços patriarcais; nos locais abertos, livres, naturais, ela canta. A voz
feminina está inteiramente relacionada à libertação. Ela fala/canta, apenas, nos momentos de
contranarrativa, dialogando com a constatação de Moylan (2003, p. 83): “apesar do silêncio inicial,
a contranarrativa é frequentemente realizada precisamente através da língua”. Assim, os contos
corroboram o que Cavalcanti (2003) já apontara – e que destaquei nas primeiras páginas deste
trabalho - em seus estudos sobre as distopias críticas feministas: essas ficções expressam desejos e
esperanças utópicos no que diz respeito às mulheres, e, acrescento, à natureza.
Esses desejos, nas narrativas, estão estritamente relacionados à liberdade, não só delas e,
consequentemente, dos seus corpos, mas da natureza a elas ligada. As opressões e violências,
protagonizadas por homens que representam a cultura capital-patriarcal, voltam-se, igualmente, às
mulheres e a essa natureza, num total alheamento ao ponto defendido por Alaimo (2017, p. 910): “a
substância corpórea do humano é fundamentalmente inseparável do ‘ambiente’”. Com efeito,
Colasanti explora essa inseparabilidade a partir de uma linguagem simbólica e do fenômeno
maravilhoso, com suas metamorfoses e objetos/elementos mágicos, priorizando a ligação entre
mulheres e natureza. Contrapondo-se a isso, destaca a pretensão de superioridade dos homens, em
relação a ambas. Não vejo essa questão como, simplesmente, uma reinscrição da visão essencialista
de que apenas as mulheres estão próximas da natureza, mas como uma metáfora crítica que reavive
o seguinte, assim como Mies (1993, p. 209) pontuou: “[...] as mulheres, devido à sua vivência
histórica da violência patriarcal e, apesar disso, ao conhecimento que têm da sobrevivência, têm
menos probabilidades do que os homens de esquecer isto” [que aquilo que fazemos à natureza é a
nós próprias/os que fazemos]. Ela se reconhece na violência dirigida ao Outro, que também é ela.
No entanto, a recorrência desse formato, no qual personagens masculinos assumem a posição de
opressor e femininas de oprimidas, sendo a mulher sempre ligada apenas à natureza e o homem à
cultura, reinscreve binarismos e, consequentemente, essencialismos.
As distopias, portanto, envolvendo humanos – em especial, as mulheres, pela violência
patriarcal historicamente voltada a elas - e mais-que-humanos estão também no cerne das
discussões da ecocrítica feminista. Do mesmo modo, as utopias, uma vez que, sendo uma
perspectiva teórico-crítica, mas também ancorada na práxis, a ecocrítica feminista busca instaurar
mudanças significativas nas esferas socioambientais, como justiça ambiental e sexual,
relacionamentos culturais transfronteiriços, ecopsicologia interespécies – “escuta cuidadosa do
outro” -, economias locais sustentáveis, transportes sustentáveis, moradias populares, justiça na
agricultura, entre outras questões elencadas por Gaard (2017).
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O final de ambos os contos é apenas um horizonte aberto, como já identificara Moylan
(2016) em contos como “The machine stops”, de E. M. Forster. Não há um lugar, há uma busca, há
uma possibilidade utópica que movimenta as personagens, que faz com que elas saiam sem olhar
para trás: há estrada e céu. E a esse “outro lugar”, algo precisa ser levado: o mais-que-humano, que
é tão natureza quanto o próprio humano. Os contos podem parecer distopias não críticas por não
apresentarem, de forma explícita, alternativas de superação do sistema capital-patriarcal e por
recorrerem ao maravilhoso ao confrontá-lo, mas a (re)conexão com a natureza, a todo tempo
sugerida, não seria ela própria essa alternativa de superação?
Referências
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[online]. 2017, vol.25, n.2, pp.909-934.
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Izabel & Muzart, Zahidé orgs. Refazendo nós: ensaios sobre mulher e literatura. Florianópolis:
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______. E as fadas foram parar no quarto das crianças. In: Fragatas para terras distantes. Rio de
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GAARD, Greta. Novos rumos para o ecofeminismo: em busca de uma ecocrítica mais ecofeminista.
In: BRANDÃO, Izabel et al (Orgs.) Traduções da cultura - perspectivas críticas feministas.
Florianópolis e Maceió: Mulheres, Edufsc e Edufal, 2017. pp. 783-818
HARAWAY, Donna. The companion species manifesto – dogs, people, and significant otherness.
Chicago: Prickly Paradigm Press, 2003.
MARTINS, Maria Cristina. (Re)Escrituras: gênero revisionismo contemporâneo nos contos de
fadas. Jundiaí: Paco Editorial, 2015. 312 p.
MIES, Maria; SHIVA, Vandana. Introdução: porque escrevemos este livro juntas. In: ______.
Ecofeminismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1993. pp. 9-34.
MIES, Maria. O dilema do homem branco: a procura do que deve ser destruído. In: MIES, Maria;
SHIVA, Vandana. Ecofeminismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1993. pp. 175-212.
MOYLAN, Tom. Distopia: Fragmentos de um céu límpido. Maceió: Edufal, 2016.
PROPP, Vladímir. As raízes históricas do conto maravilhoso. Tradução de Rosemary Costhek
Abílio e Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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WARREN, Karen J. Ecofeminist Philosophy: A Western Perspective on What It Is and Why It
Matters. Ed. Rowman & Littlefield Publishers, 2000.
DYSTOPIA AND UTOPIA IN MARINA COLASANTI’S MARVELOUS NARRATIVE – A
DIALOGUE WITH FEMINIST ECOCRITICISM
Astract: The origin of marvelous tales is remote and uncertain. With no proven authorship, the tales
were appropriated and published by men such as Perrault and the Grimm Brothers, who lent these
writings patriarchal and sexist ideals which used to be “naturalized” in their time. In the past years,
these narratives have been challenged and revised by contemporary female writers, who now
rewrite, using irony, dystopic scenarios for women, such as those that became famous in traditional
tales, and insert utopias for the female characters who have been historically oppressed. Hereof, this
paper seeks to analyze the allegoric feature of the female characters’ dystopic scenarios in Marina
Colasanti’s – a writer who is both a revisionist and a feminist critic – tales “Debaixo da pele, a lua”
and “Poça de sangue em campo de neve”, as well as the construction of utopias, which appear to be
possibilities of freedom. Moreover, because women and nature are, in these tales, depicted as
equally oppressed, feminist ecocriticism will be a theoretical and critical framework that will
address the discussions concerning dystopia and utopia, mostly based on the works by Mies and
Shiva (1993), Alaimo (2017) and Gaard (2016). Specifically regarding utopia and dystopia, this
work will consider the writings of Levitas (2001) and Moylan (2006; 2016), as well as that of
Cavalcanti (2003) when it comes to contemporary feminist dystopia.
Keywords: Fairy tales. Marina Colasanti. Dystopia. Utopia. Feminist ecocriticism.