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55 – Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, Vol. 6, n° 13, 2° sem., nov. 2014 ABRIL DO IRREAL AO POÉTICO: AZARIAS, PEQUENO E ÓRFÃO, NAS ASAS DO NDLATI Elizabeth da Silva Mendonça (Universidade Estadual Paulista) RESUMO A amplitude do conceito de pós-colonialismo abriga algumas críticas lite- rárias feitas a partir das produções das nações anteriormente colonizadas pelas metrópoles ocidentais. Pensando nas formulações de Appiah (2007) sobre a contestação que o pós-colonial faz das narrativas legitimadoras ante- riores, em nome de um universalismo ético-humanista, podemos observar a literatura de Mia Couto, no conto “O dia em que explodiu o Mabata-bata”, do livro Vozes anoitecidas, como um projeto literário que consegue unir o estético ao político. Toda a tradição cultural do moçambicano é apresentada para narrar a história de uma criança órfã, abandonada pelos seus parentes e resgatada, pela sua própria imaginação, de uma morte brutal. PALAVRAS-CHAVE: Mia Couto, pós-colonialismo, oralidade. ABSTRACT e breadth of the concept of post-colonialism welcome some literary crit- icism made from the productions of Nations previously colonized by West- ern metropolises. inking in the formulations of Appiah (2007), on the plea that the post-colonial narratives earlier, in name of an ethical-human- ist universalism, we can observe the literature of Mia Couto, in the story “O dia em que explodiu Mabata-bata” from the book Vozes Anoitecidas, as a literary project that can unite the aesthetic and the politician. e entire southern Mozambican cultural tradition is presented to narrate the story of an orphaned child, abandoned by his relative and rescued by their own imagination, a brutal death. KEYWORDS: Mia Couto, post-colonialism, orality.

Do Irreal Ao Poético

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Sobre pós colonialidade

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  • 55 Revista do Ncleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, Vol. 6, n 13, 2 sem., nov. 2014ABRIL

    DO IRREAL AO POTICO:AZARIAS, PEQUENO E RFO,

    NAS ASAS DO NDLATI

    Elizabeth da Silva Mendona (Universidade Estadual Paulista)

    RESUMO

    A amplitude do conceito de ps-colonialismo abriga algumas crticas lite-rrias feitas a partir das produes das naes anteriormente colonizadas pelas metrpoles ocidentais. Pensando nas formulaes de Appiah (2007) sobre a contestao que o ps-colonial faz das narrativas legitimadoras ante-riores, em nome de um universalismo tico-humanista, podemos observar a literatura de Mia Couto, no conto O dia em que explodiu o Mabata-bata, do livro Vozes anoitecidas, como um projeto literrio que consegue unir o esttico ao poltico. Toda a tradio cultural do moambicano apresentada para narrar a histria de uma criana rf, abandonada pelos seus parentes e resgatada, pela sua prpria imaginao, de uma morte brutal.

    PALAVRAS-CHAVE: Mia Couto, ps-colonialismo, oralidade.

    ABSTRACT

    The breadth of the concept of post-colonialism welcome some literary crit-icism made from the productions of Nations previously colonized by West-ern metropolises. Thinking in the formulations of Appiah (2007), on the plea that the post-colonial narratives earlier, in name of an ethical-human-ist universalism, we can observe the literature of Mia Couto, in the story O dia em que explodiu Mabata-bata from the book Vozes Anoitecidas, as a literary project that can unite the aesthetic and the politician. The entire southern Mozambican cultural tradition is presented to narrate the story of an orphaned child, abandoned by his relative and rescued by their own imagination, a brutal death.

    KEYWORDS: Mia Couto, post-colonialism, orality.

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    Kwame A. Appiah, no captulo O ps-colonial e o ps-moder-no, do seu livro Na casa de meu pai: a frica na filosofia da cultura, afirma que o pior de todos os erros consiste em julgar o Outro segundo nossos prprios termos (APPIAH, 2007, p. 195). Partindo dessa afirmao, ao voltarmos o nosso olhar para a frica, temos que levar em conta que, nas primeiras produes africanas, aps a independncia de seus pases, o ob-jetivo principal era construir uma frica imaginada. Appiah expe que os escritores dessa poca inicial, ps-independncia, eram no Ocidente co-nhecidos pela frica que oferecem; seus compatriotas os conhecem pelo Ocidente que eles apresentam frica e por uma frica que eles inven-taram para o mundo (APPIAH, 2007, p. 208). A literatura estava ligada a vontades scio-polticas num constante jogo de representaes. A tradio era escavada e trazida luz da cena para construir uma frica que havia, para esses escritores, sido enterrada pela colonizao.

    A tradio e aquilo que veio pelas mos do colonizador, mesmo no seio da cultura popular africana, no causam nenhuma preocupao subs-tancial. Produtos culturais vindos do Ocidente so, a todo momento, usados e mesmo mesclados pela populao do continente africano. Essas preocupa-es dos escritores anticolonialistas no tm significado para tal populao que no est preocupada em situar-se no colonialismo ou fora dele.

    De acordo com o filsofo gans, tal recorrncia tradio foi ges-tada pelos ditames europeus sob o mote nao-literatura, pois parte do que era considerado bvio por esses escritores e pela cultura superior da Europa da poca era que as novas literaturas das novas naes deviam ser anticolonialistas e nacionalistas (APPIAH, 2007, p. 209). Portanto, a busca pela representao idealista da frica ficou relegada apenas ao plano ideo-lgico importado da Europa.

    O rompimento com essa receita Ocidental comea com o pen-samento antinativista e a literatura produzida no continente passa a ter o ser humano como tema. Com a superao desse projeto nacionalista de construir uma frica imaginria, a produo literria tem agora um apelo a um certo respeito simples pelo sofrimento humano, numa revolta fun-damental contra o sofrimento interminvel dos ltimos trinta anos (AP-PIAH, 2007, p. 213). Esses mesmos trinta anos, embora vividos aparen-temente independentes das metrpoles europeias, no foram capazes de mudar os efeitos brutais da colonizao.

    Com isso, o projeto literrio torna-se cada vez mais poltico e o livro de contos Vozes anoitecidas, de Mia Couto, escritor moambicano, publicado em 1987, um exemplo das produes que comearam a surgir, no continente, bem antes dos anos 80 do sculo passado. Esse livro est repleto de personagens sem voz, numa frica que era e ainda palco de disputas polticas e econmicas ocidentais.

    Essa nova literatura, voltada para o humanismo, pode ser teori-zada por aquilo que Appiah afirma sobre o ps-colonialismo: um ps que

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    contesta as narrativas legitimadoras anteriores. E as contesta em nome de vtimas sofredoras de mais de trinta repblicas. Mas contesta-as em nome do universal tico, em nome do humanismo (APPIAH, 2007, p. 216). Tal proposio se faz presente na literatura de Mia Couto e, em especial, no seu livro, anteriormente citado, Vozes anoitecidas, do qual extramos o conto O dia em que explodiu Mabata-bata para verificar como os traos do que a crtica literria denomina como ps-colonialismo podem ser identificados.

    Em Moambique, o projeto edificante das narrativas nativistas das literaturas anticoloniais africanas desaparece para dar lugar a uma srie de estrias que Venncio, a propsito do assunto, apresenta:

    Os regimes institudos na senda do nacionalismo, os proces-sos de modernizao ento despoletados, no correspondem s expectativas criadas no perodo de pr-independncia. E no seio das elites que haviam pugnado pela independncia dos seus pases que nasce a frustrao. Uns tantos, desiludi-dos com o uso que os seus ex-correligionrios fazem do po-der, afastam-se deles e criticam-nos. A literatura passa a ser a via privilegiada para a expresso desse descontentamento (VENNCIO, 1992, p. 9).

    a desiluso com as promessas no cumpridas, ocasionadas pela traio do governo, instalado aps a independncia moambicana, que passa a ocupar as temticas das literaturas produzidas em Moambique. A produo literria reflete todo o mal-estar gerado pela decepo com o novo regime e os escritores, como Mia Couto, abrem as portas de seus tex-tos para que entrem todos aqueles que foram esquecidos aps a liberao do pas, as vozes anoitecidas.

    1. O PS-COLONIALISMO E AS LITERATURAS AFRICANAS DE LNGUA PORTUGUESA

    Como o ps-colonialismo poderia ser uma forma de olhar para as literaturas africanas? O termo surgiu a partir dos anos 70 do sculo pas-sado para denominar a forma como a colonizao afetou, culturalmente, os povos que viveram tutelados pelos estados europeus, em especial, Frana, Inglaterra e Portugal. A crtica do ps-colonialista considera as formas e os temas imperiais caducos, esfora-se por combater e refutar as suas cate-gorias, e propor uma nova viso de um mundo, caracterizado pela coexis-tncia e negociao de lnguas e culturas (LEITE, 2003, p. 11). O que passa a ocupar a cena a crtica a traos do colonialismo, buscando, mesmo em textos do perodo, marcas das relaes de poder e subordinao entre o colonizado e o colonizador, trazendo-as para o palco e desnudando as re-presentaes de poder do estado colonial em seu processo civilizatrio.

    Ana Mafalda Leite expe que os estudos tericos do ps-colo-nialismo tentam enquadrar as condies de produo e os contextos socio-culturais em que se desenvolvem as novas literaturas (LEITE, 2003, p. 13).

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    Essas obras, surgidas nesses territrios at ento ocupados pelo Ocidente, so observadas sob uma perspectiva poltica, em que o local de fala do au-tor tem que ser compreendido quando se l o texto literrio ps-colonial. No possvel olhar para essa literatura, atravs de conceitos da crtica literria ocidental que se baseia no seu prprio cnone. Tal procedimento esvaziaria muito do potencial esttico da literatura africana. Essa produo literria tem, usando um termo da biologia, uma relao simbitica com o contexto sociocultural de onde emerge. Conforme Bhabha, muda-se a posio da enunciao e as relaes de discurso dentro dela, no s o que dito, mas donde dito; no apenas a lgica da articulao, mas o topos a enunciao (BHABHA, 2001, p. 560). Quem est enunciando, de onde enuncia e o que enuncia tm que ser observados na literatura ps-colonial. No possvel ler O dia em que explodiu o Mabata-taba sem observar a articulao do narrador com o contexto histrico.

    Stuart Hall, falando sobre o ps-colonialismo em seu ensaio Quando foi o ps-colonial? Pensando no limite, faz uma srie de questio-namentos importantes sobre a temporalidade do ps-colonial e os limites que o distinguem do colonialismo, do neocolonialismo, do Terceiro Mun-do e do imperialismo. Ora refutado, ora aclamado, ora visto com cautela, o ps-colonialismo tem despertado, por vezes, acirradas discusses tericas. Hall, nesse ensaio, vale-se de dois tericos, a iraquiana Ella Shohat e o his-toriador turco Arif Dirlik, para discutir a conceituao do termo.

    Shohat, de acordo com o terico jamaicano, define, em seus ar-gumentos, que o ps significa passado: algo definitivamente concludo e fechado (HALL, 2003, p. 102). Nessa viso, o colonialismo algo superado e suas marcas deixam de existir, como num passe de mgica, numa virada, apagando-se com isso a histria. Como se fosse possvel, no meio de uma narrativa, recome-la, desfazendo-se de todos os personagens anteriores. A histria no permite esse recomeo, pois esta uma postura ideolgica favorvel s metrpoles colonizadoras.

    Um exemplo desse apagamento que o ps pode suscitar leva a uma perspectiva perigosa quando se fala sobre a hibridez e o sincretismo atrelados identidade, pois a celebrao do sincretismo e hibridez de per si, se no articulada em conjugao com questes de hegemonia e relaes de poder neocoloniais, corre o risco de parecer santificar o fait accompli da violncia (SHOHAT, 1996, apud MATA, 2008, p. 5). Fora de seus contex-tos histricos e sociais, esses termos dissimulariam toda a brutalidade da colonizao e consumariam, como um fato normal, a violncia do processo colonial.

    Inocncia Mata oferece como exemplo desse fato, a propsito da presena de Portugal em Angola a inteno relativista na argumen-tao que suporta a teoria do neo-luso-tropicalismo, agora denominado crioulidade, formulao que se quer explicativa da presena portuguesa,

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    considerada substrato da angolanidade, equiparada a identidade nacional (MATA, 2008, p. 26). Essa celebrao disfarada, promotora do imperialis-mo lusitano, foi importada do Brasil pelo salazarismo portugus que veio buscar, no luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, uma perspectiva positiva da imagem da mestiagem brasileira. O propsito da colonizao portu-guesa de ocupao territorial por meio da violao de corpos escondido pelo advento positivo da mestiagem. Assim, sincretismo e hibridez operariam como construes ideolgicas, mscaras de aceitao pacfica posta nas faces dos colonizados pelos colonizadores.

    Ao voltarmo-nos para tais termos, citados acima, no devemos nos esquecer de que eles representaram estratgias outras de sobrevivn-cia cultural empreendidas pelos colonizados, como seja a reciclagem de lnguas culturais dentro da tradio (MATA, 2008, p. 27). Isso pode ser notado, na literatura de Mia Couto, em suas estratgias lingusticas de re-criao da lngua portuguesa em Moambique. O escritor desordena o sin-ttico, oralizando a escritura, povoando ou descolonizando o lxico com expresses das lnguas moambicanas locais. Tal estratgia pode ser obser-vada no conto de Mia Couto.

    Voltando, agora, para a discusso do termo ps-colonial e sua polmica definio, Stuart Hall coloca que para Dirlik o ps-colonial me-nospreza grosseiramente a estruturao capitalista do mundo moderno (HALL, 2003, p. 103). O crtico jamaicano avalia a reflexo de Dirlik como um certo saudosismo por posies binrias, que dividiam o mundo entre A e B, no campo poltico. Tal constatao feita a partir da observao de que hoje as relaes polticas internacionais no so mais possveis se-gundo uma viso binria do mundo, porque as posies polticas no so fixas, no se repetem de uma situao histrica a outra (HALL, 2003, p. 104). Tanto que o contexto histrico do qual emergem as vozes anoite-cidas de Mia Couto representa o Moambique ps-independncia, cujo projeto poltico colocou margem parte de seu povo.

    O uso inadequado do conceito, aplicado sem o devido cuidado por todos que se apropriam dele, sem levar em conta as distines a serem feitas, [...] tem causado o enfraquecimento do valor conceitual do termo (HALL, 2003, p. 106), e sugere lacunas que gerariam imensas crticas, tais como as propostas por Shohat e Dirlik. A generalizao um flanco peri-goso por onde a crtica ps-colonial descuidada sofre inmeros ataques.

    Diante dessa abordagem, onde fica a literatura africana de lngua portuguesa dentro do ps-colonialismo? Para Inocncia Mata,

    o autor em pleno domnio do que diz, ou faz as suas per-sonagens dizerem psicografa os anseios e demnios de sua poca, dando voz queles que se colocam, ou so colocados, margem da voz oficial: da pode pensar-se que o indizvel de uma poca s encontra lugar na literatura (MATA, 2008, p. 21).

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    O escritor das literaturas africanas de lngua portuguesa pode ser um porta-voz de sua poca, aquele atravs do qual se manifestam as vozes anoitecidas. O texto literrio passa a ser o local por onde escapam as repre-sentaes sociais. A literatura e a sociedade comeam a andar pelo mesmo caminho, possibilitando a releitura do colonialismo pela tica do narrador.

    Em prefcio ao livro Vozes anoitecidas, o poeta moambicano Luis Carlos Patraquim observa:

    fico-me pelo particular dos teus contos, por essa opo tua, minudente, de quereres iluminar o lado de sombra, s apa-rentemente comezinho, desta saga histrica que nos envolve. Vergados ao discurso grandloquo bom esta descoloniza-o da palavra, este experimentar de estruturas narrativas, este tambm sentencioso mais persuasivo do que impositi-vo modo de nos recordar as pequenas verdades dos peque-nos e esquecidos personagens de cuja soma total, derroga-dos do que no interessa do seu valor intrnseco, o Discurso da Histria se faz (PATRAQUIM, 2008, p.16-17).

    O narrador, neste livro, apresenta histrias daqueles que so ex-cludos do discurso oficial, os que ficaram margem da empreitada da in-dependncia do pas. A marca de sua narrativa envolve a descolonizao da palavra, como uma tomada de posicionamento poltico-lingustico. Mas como enunciar por intermdio de uma lngua que traz o nome do pas colonizador? Essa uma das grandes discusses em torno da produo literria ps-colonial.

    As literaturas africanas lusfonas, mesmo antes da fase ps-colo-nial, j se valiam do hibridismo lingustico, ou seja,

    escritores como Luandino Vieira, Uanhenga Xitu, Jos Cra-veirinha, [...] mostram que vrios modos de supresso da norma do portugus metropolitano, de que resultaram v-rias combinatrias exemplares do hibridismo lingustico, fo-ram uma das constantes mais significativas da textualidade africana de lngua portuguesa (LEITE, 2003, p. 15).

    Como j dissemos anteriormente, mesmo antes da independn-cia dos pases africanos tutelados por Portugal, a subverso da lngua, tanto no campo semntico quanto no sinttico e lexical, j era uma constante. Tal estratgia textual foi uma marca significativa de resistncia e afirmao da identidade das culturas africanas. No houve uma maneira de a lngua portuguesa ficar imune a esse processo.

    Segundo Ana Mafalda Leite, a enunciao dos legados culturais outros faz-se atravs do enunciado, que cumula e concentra, numa geo-logia estratificada que atinge a sintaxe, os ritmos hbridos da textualidade oral (LEITE, 2003, p. 21). Assim, tem-se o advento da oratura enquanto estratgia textual para representar a frica em contraste com a escritura europeia. Pode se observar tambm essa forma de posicionamento dos es-

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    critores e, nesse caso em questo, de Mia Couto como uma resistncia estratgica em que o esttico est ligado a valores tico-humanistas.

    A busca pela tradio, at ento silenciada no texto literrio, uma constante na produo literria que se vale da oralidade como forma textual, mas grande parte desses escritores sabe, contudo, da impossibi-lidade de as tradies poderem ser resgatadas em sua inteireza primeva (SECCO, 2008, p. 28). O que trazido para o texto uma engenhosidade esttica que com o domnio de modernas tcnicas de fingimento liter-rio, refletem sobre o prprio ato de criao e, muitas vezes, retrabalham provrbios, adivinhas, mximas, criando situaes simuladas de oratura na cena textual (SECCO, 2008, p. 28). Assim, o moderno, representado pela escrita, dialoga com o tradicional, representado pela oralidade.

    Em Mia Couto, temos o uso com maestria dessas tcnicas nar-rativas com as quais so construdos muitos de seus contos. A representa-o da oralidade e mesmo a inveno de palavras, o que Fernanda Cavacas (1999) chama de brincriao vocabular, so exemplos encontrados na literatura do moambicano.

    Tal representao um elemento pelo qual a crtica define a es-pecificidade e autonomizao destas literaturas em relao s suas origens coloniais (LEITE, 2003, p. 43). A busca pelas matrizes locais da cultura oral e a sua transposio para a escritura so uma forma nica pela qual a literatura se desprenderia da influncia colonial. pelo resgaste da tradio e pela sua constante renovao que autores como Mia Couto vo trilhando o caminho da escrita. Trazer para o texto os intertextos culturais, orais, indgenas (LEITE, 2003, p. 44) marca uma tentativa de colocar o carter libertrio de autores como Couto em suas fontes coloniais.

    No livro Vozes anoitecidas, publicado em 1987, o escritor, como um griot moderno, conta histrias e coloca em evidncia toda sorte de per-sonagens numa tessitura humano-social (cf. CRAVEIRINHA, 2008, p. 9) marcada, muitas vezes, pela recorrncia ao fantstico, ao absurdo, na tentativa de retratar uma forma pela qual as personagens vivem o real.

    2. O USO DE ELEMENTOS FABULOSOS COMO ESTRATGIA TEXTUAL

    Nessa direo, falando a propsito das literaturas africanas de lngua portuguesa, Inocncia Mata afirma que outra marca dessa trans-formao literria [...] componente da sua (nossa) ps-colonialidade, o recurso ao inslito, ao absurdo, ao fantstico como estratgia de enfren-tamento do real (MATA, 2000, p. 5). Couto usa esse recurso em muitos dos contos de Vozes anoitecidas. Os seus enredos trazem esse fantstico das situaes humanas cuja lgica se mede no poucas vezes pelo absurdo, por um irrealismo, conflitantes situaes (CRAVEIRINHA, 2008, p. 10) para apresentar a realidade moambicana ps-colonial.

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    O conto O dia em que explodiu Mabata-bata narra a estria de um garoto rfo, chamado Azarias, que vive, junto com sua av, sob a tutela de seu tio Raul desde a morte dos pais. Esse mesmo tio explora--o, fazendo com que cuide do rebanho durante todo o dia. Ento, um dos bois, o Mabata-bata, que seria destinado como uma prenda de casamento do tio para sua noiva, pisa numa mina terrestre e explode. Azarias, tendo a palavra azar representada no prprio nome, no entende o fato e passa a creditar ao ndlati, uma ave mitolgica que representa o relmpago, a causa da exploso do boi. Com medo de ser punido pelo tio, que no acreditaria em sua verso, Azarias se esconde, juntamente com os bois, no rio. Preo-cupado com seus bois, aps ter sido avisado por soldados sobre a exploso de uma mina que tinha matado uma pea de seu rebanho, o tio do menino sai a sua procura e seguido, contra a sua vontade, pela av Carolina. O ga-roto atende aos chamados afetivos de sua av, aps a falsa promessa de seu tio de que ele poderia frequentar a escola no ano vindouro. Para ter seus bois de volta, Raul se prontifica, falsamente, a atender esse desejo do rfo. Quando Azarias vai ao encontro de seus parentes, correndo pelo areal do rio, pisa numa mina e acaba morrendo. Nesse momento, cr estar sendo levado, nas asas do ndlati, para sua morada na montanha.

    Numa conferncia realizada em 2005, em Deza Traverse, na Su-a, por ocasio dos 30 anos da independncia de Moambique, o escritor moambicano falou:

    No meu pas o espectro do terrorismo no comeou com o Onze de Setembro. Milhares de crianas esto desde h mais de vinte anos espreitando com medo o cho que vo pisar. Mais de um milho de minas antipessoais foi semeada du-rante a guerra. Milhares desses engenhos mortais continuam semeando o terror no seio de cidados inocentes. Quantos dos pases ricos que se mobilizam contra terrorismo assina-ram a conveno para o banimento da produo de minas? (COUTO, 2005, p. 202)

    Pela cronologia, o texto foi pronunciado em 2005, enquanto Vozes anoitecidas publicado em 1987. Assim sendo, o autor j tinha dito antes, pela literatura, aquilo para que chama a ateno do mundo na conferncia na Sua: a realidade cruel do rescaldo da guerra civil que, quando no ti-rou a vida, deixou mutiladas muitas crianas moambicanas transforma-se em tema de conto. Como se d, portanto, essa construo?

    Como j falamos anteriormente, o contador de histrias, Mia Couto, deixa reverberar pelas suas estratgias textuais, pelo modo vvido de contar, um griot comprometido com a verdade de seus personagens e do mundo trgico em que dado a habitar (SANTILLI, 2003, p. 170). Em seus contos, que ele prefere que sejam chamados de histrias, Mia Couto vai griotizando a cena e misturando realidade e fantasia numa histria cujo ttulo j remete ao universo da lenda, pois todos querem saber sobre o ocorrido em O dia em que explodiu o Mabata-bata.

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    Instaura-se, pois, todo o jogo narrativo que passa a ter duas ver-ses. Essas duas ticas contrrias correm paralelas at a cena final: aquela do menino, em cuja verso mtica as desgraas ligam-se ave ndlati, e a verso da outra faixa etria a dos adultos que se constri com infor-mantes histricos, sobre minas que explodem (SANTILLI, 2003, p. 169). Se Azarias titubeia, no incio, no tendo certeza se foi o ndlati que causou a exploso do boi, Mas quem podia acreditar? (COUTO, 2008, p. 44), no final do conto, a dvida j no existe, pois ele abraa a ave e segue com ela.

    No universo de Azarias, a existncia do ndlati faz parte do imagi-nrio cultural. No s ele mas todos, no universo do conto de Couto, esto ligados s crenas animistas de sua cultura, tal como podemos constatar no trecho: Uma vez foi preciso chamar as cincias do velho feiticeiro para escavar aquele ninho e retirar os cidos depsitos (COUTO, 2008, p. 44). Portanto, apesar da colocao da pesquisadora brasileira de que Azarias encontra-se inscrito numa faixa etria propicia a borrar os limites do real e o suposto (SANTILII, 1999, p. 104), no possvel afirmar que ele, por ser criana, no tenha certeza dos limites entre a realidade e o imaginrio, dado que vive em meio a um universo de crenas animistas em que o uso da magia, como o conto deixa entrever, na utilizao da expresso cincias do velho feiticeiro, uma constante cultural na qual esto inseridos os personagens da narrativa.

    Quando Inocncia Mata (2000) se refere ao uso do fantstico como uma estratgia textual pela qual Mia Couto tematiza o real, temos que pensar como se caracteriza esse recurso literrio no conto. Se levarmos em conta as proposies de Todorov, em sua obra Introduo literatura fantstica, a respeito do modo como acontece o fantstico, o estranho, o maravilhoso, nos textos literrios, devemos pensar que o crtico aplica as suas definies em textos do cnone ocidental. Quando se trata de textos de literatura africana, tais categorias descritas por Todorov revelam-se insu-ficientes para abarcar artisticamente a realidade sociocultural de povos que no abdicam de suas tradies de cunho animista, ao mesmo tempo em que se inserem no sistema capitalista moderno (SARAIVA, 2007, p. 12).

    Se o fantstico literrio implica quebrar as leis da racionalidade, as leis naturais, pode-se pensar no uso dessa categoria por Mia Couto:

    como meio de criticar o real opressor e de subverter os c-nones da racionalidade europeia. Seus textos fundam uma semiose libertadora, cuja ao, por intermdio de represen-taes onricas, faz aflorar o imaginrio cultural popular, que foi censurado tanto no perodo colonial, como nos pri-meiros anos aps a libertao, quando a orientao marxista ortodoxa do Governo da Revoluo proibia, de modo geral, as manifestaes religiosas. (SECCO, 2006, p. 72)

    O mundo racional europeu silenciou as crenas animistas africa-nas descaracterizando o animismo pela lgica racionalista. Nessa perspec-tiva etnocntrica, segundo a qual apenas no civilizados ou mesmo primi-

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    tivos no separam o mundo racional do universo de crenas ditas brbaras, a cultura que usava as cincias do velho feiticeiro foi calada. Como veri-ficar, ento, essa literatura, usando uma teoria ocidental fundamentada em textos cannicos da cultura europeia?

    Conforme o clebre texto do terico da literatura fantstica,

    o estranho no cumpre mais que uma das condies do fan-tstico: a descrio de certas reaes, em particular, a do medo. Relaciona-se unicamente com os sentimentos das pessoas e no com um acontecimento material que desafia a razo (TODOROV, 1981, p. 27).

    No caso aqui analisado, Azarias cr na existncia que faz parte da sua cultura do ndlati, mesmo quando o narrador deixa claro que a exploso do boi foi ocasionada pelo fato de o animal ter pisado em uma mina: Vimos comunicar o acontecimento: rebentou uma mina esta tarde. Foi um boi que pisou. Agora, esse boi pertencia daqui (COUTO, 2008, p. 45). Dessa forma, o medo de Azarias no pela presena do ndalti, mas pela reao do tio que no acreditaria nele. Essa verso trazida de forma oficial, pela boca dos soldados, com o objetivo de retratar a racionalidade do fato. como se representasse a sua oficialidade, a narrativa do real, a sua racionalidade, ligada ao contexto da guerra, escondido do rfo pelo narrador, ou seja, no se permite que o pequeno rfo saiba da existncia de tal realidade.

    Se pensarmos nas proposies de Secco (2006), o estado aqui funciona como um censor das manifestaes religiosas animistas. Toda possvel dvida que o leitor possa ter lhe retirada pela fala do soldado sobre a existncia de minas terrestres. No caso de Moambique, esse silen-ciamento cultural, ainda conforme Secco (2006), foi realizado duplamen-te: primeiro pela colonizao portuguesa e depois pelo modelo comunista importado junto aos europeus no perodo da independncia. Tal modelo de orientao marxista, transplantado voluntariamente para Moambique, desprezou toda a tradio religiosa africana; procurou substitu-la pelo racionalismo europeu, at mesmo criminalizando-a. Nessa perspectiva, o uso do fantstico por Mia Couto passa a ter um carter de crtica social e de autonomia literria frente ao racionalismo europeu.

    No mundo do tio Raul, no h a possibilidade da crena animista, pois Azarias teria que prov-la. Essa afirmao encontra sua sustentao no trecho: Havia de querer ver o boi falecido, ao menos ser apresentado uma prova do desastre. J conhecia bois relampejados: ficavam corpos queima-dos, cinzas arrumadas a lembrar o corpo. O fogo mastiga, no engole de uma s vez, conforme sucedeu (COUTO, 2008, p. 44). Nesse mundo, que no acolhe a orfandade, Azarias explorado e mesmo animalizado pelo escrnio do tio, cujas palavras comprovam tal afirmao: Este, da maneira que vive misturado com a criao h-de se casar com uma vaca (COUTO, 2008, p. 45). Do personagem tudo retirado: primeiro os pais so mortos (observando o contexto do conto, podemos inferir que essa morte pode ter

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    sido ocasionada pela guerra); depois o tio no o acolhe, mas obriga-lhe a uma vida de trabalho rduo, tal como ilustra a seguinte passagem: O servi-o arrancava-o cedo da cama e devolvia-o ao sono quando dentro dele no havia resto de infncia (COUTO, 2008, p. 45). Ele no um ser, ningum quer saber de sua alma pequenina, dos sonhos maltratados (COUTO, 2008, p. 45). No universo do tio, o boi explodido tem mais valor que Aza-rias, o que pode ser sustentado a partir da metfora, os ossos eram moedas espalhadas (COUTO, 2008, p. 43), que ressalta o valor financeiro do boi em relao criana. Essa sustentao pode ser fortalecida na narrao de que, quando o tio informado pelos soldados sobre a morte do animal, sai pela noite, correndo o risco de pisar em uma mina ou encontrar bandidos. Ele se arrisca por seus animais, no pelo sobrinho, pois preciso juntar os bois enquanto cedo (COUTO, 2008, p. 46).

    Azarias totalmente espoliado pela vida e quem lhe restitui o direito ao sonho o narrador. Assim, Couto faz uso de uma grande varie-dade de fontes culturais em seu conto particularmente comovente que, em essncia, pretende restaurar o direito de Azarias sonhar no meio da terrvel guerra civil que vitimou crianas (ROTHWELL, 2004, p. 112).

    J que Azarias foi privado de tudo, resta-lhe viver em meio aos animais e, analogizando a situao de risco do animal e do homem (SAN-TILLI, 1999, p. 103), acaba como Mabata-bata. Cabe ao narrador permitir, a ele, o mundo onrico em que pode imaginar e acreditar nas palavras do tio, restaurando a confiana naquele que devia proteg-lo. Desta maneira, a criana morre acreditando falsamente que seu sonho de ir escola ser concedido a ele pelo tio e nunca sofrer uma desiluso ao descobrir que seu parente mentiu para ele (ROTHWELL, 2004, p. 112). Atravs da enge-nhosidade da construo das duas verses da matria narrada, o pequeno pastor no se decepcionar com a mentira do adulto, pois cr naquilo que lhe foi prometido, tanto que s saiu da sombra (COUTO, 2008, p. 48) para ir ao encontro de uma vida de criana normal.

    Nesta perspectiva ilusria, no final do conto, o abrao final/fatal de Azarias uma alegoria da pulso pela liberdade (SANTILII, 1999, p. 104), j que nas asas da ave mitolgica que Azarias vai, qui, voando como os pssaros. A interveno do narrador, embaralhando a leitura do conto, faz com que o leitor se pergunte, ento, se a exploso de uma real segunda mina a aconteceu, ou tenha que se definir pela verso em que vai embarcar, desta vez (SANTILLI, 2003, p. 170).

    Nessa mistura de perspectivas narrativas, como j colocamos an-teriormente, o conto corre por duas vertentes que misturam o mundo da dura realidade com o mundo do fantstico, caracterizando, possivelmente, uma preferncia de Couto.

    Pode ser justificado, dessa maneira, o uso do fantstico, proposto por Inocncia Mata (2000) como uma maneira da literatura africana de lngua portuguesa colocar-se frente a uma realidade brutal.

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    CONSIDERAES FINAIS

    Por fim, podemos pensar que a utilizao, no conto, de um mito do povo tsonga do sul de Moambique, o ndlati,1 uma estratgia em que o narrador vale-se da funo de griot para trazer para o conto

    o fantstico, o mundo povoado de animais astutos e tambm monstros horrendos e onde ocorrem situaes mais inquie-tantes, transmissvel e enriquecido historicamente, a escola de valores e forma de desenvolver capacidades intelectuais e criativas (NAVARRO, 1998, apud SECCO, 2008).

    Ao narrador compete o papel de recuperar o imaginrio popular e valer-se dele para subverter o real e, qui, usando aquele humanismo tico do ps-colonialismo aludido por Appiah (2007), falar dos horrores provocados pelos monstros horrendos que so as minas terrestres.

    O escritor moambicano d a conhecer o mito do ndlati narran-do-o quase como um registro etnogrfico.

    Talvez o ndlati, a ave do relmpago, ainda rodasse os cus. Apontou os olhos na montanha em frente. A morada do ndlati era ali, onde se juntam os todos rios para nascerem da mesma vontade da gua. O ndlati vive nas suas quatro cores escondidas e s se destapa quando as nuvens rugem na rouquido do cu. ento que o ndlati sobe aos cus, enlouquecido. Nas alturas se veste de chamas, e lana o seu voo incendiado sobre os seres da terra. s vezes atira-se no cho, buracando-o. Fica na cova e a deita a sua urina (COU-TO, 2008, p. 44).

    sabido que parte significativa do material temtico fabuloso de Terra Sonmbula se fundamenta nas tradies dos povos do sul de Moam-bique (LEITE, 2003, p. 51). Assim sendo, o autor j experimentava, nesse conto, escrito antes mesmo de seu mais conhecido romance, Terra Sonm-bula, a estratgia de intertextualizao do gnero oral de entretenimento ritual dirio (LEITE, 2003, p. 52) com a sua matria narrativa e mostrava, para todos, a cultura de um pas, resgatando uma tradio.

    O elemento fabuloso trabalhado para contar histrias e usado como uma forma de abraar no invlucro o menino, talvez proteg-lo de um real absolutamente incompreensvel e brutal: O pequeno pastor engo-liu aquele vermelho, era o grito do fogo estourando. Nas migalhas da noite viu descer o ndlati, a ave do relmpago (COUTO, 2008, p. 48). O horrio aqui significativo, pois

    o imaginrio evocado normalmente noite, volta da fo-gueira, rearticulando o verossmil e o inverossmil, o ver-dadeiro e o falso, fazendo surgir situaes antes tidas como impossveis, numa dialtica que no explica o mundo, mas procura imbuir a sociedade de respeito [] pelos valores culturais que lhe so prprios (NAVARRO, 1998 apud SEC-CO, 2008).

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    E na noite que o griot Mia Couto, trazendo para a escritura a sa-bedoria oral ancestral, transmitida pelo ato de contar, mistura verses nar-rativas do real e do imaginrio sobre a histria de O dia em que explodiu o Mabata-bata. Toda a tradio cultural do moambicano apresentada para narrar a histria de uma criana rf, abandonada pelo seu parente e resgatada, pela sua prpria imaginao, de uma morte brutal.

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    Recebido para publicao em 15/05/2014Aprovado em 17/09/2014

    NOTAS1 De acordo com Junod (1996 apud SECCO, 2008), chamado o galo do cu, a ave do relmpago e do trovo