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cargas commoditie portos por Diniz Junior - [email protected] Do mar para o espaço 08 conexão marítima Um mapa criado com imagens de satélite obtidas ao longo de sete anos flagrou um dos maiores poluidores ocultos do pla- neta: os milhares de navios que cruzam os oceanos, invisíveis para a maioria das pessoas. Foto: Divulgação D ois pesquisadores da empresa fran- cesa CLS usaram imagens de radar feitas pelo satélite europeu de monitora- mento do ambiente Envisat e produzi- ram uma imagem da densidade das rotas de navios em torno da Europa. A concentração de navios correspon- deu perfeitamente aos pontos críticos de poluição por óxidos de nitrogênio sobre o continente. Esses compostos lançados no ar, quando combinados com água, po- dem produzir chuva ácida. Julho de 2010 EQUIPE Reportagens Diniz Júnior Edição e fotos GuGa_VW Tradução Eloá Ribeiro Galante e Fabíola Germano Consultoria Ambiental Fábio Luiz Rodrigues Diniz Meteorologista Revisão Luis Henrique Drevnovicz Apoio e produção Paulo Cunha e Juliana Castello Realização Revista Conexão Marítima Reportagem I/ Ed 65 Julho Satélite flagra rotas de poluição de navios Reportagem II Emissões tóxicas de navios ma- tam milhares de pessoas na Eu- ropa Entrevista Carlos Padovezi Engenheiro Naval, Dir.do IPT Reportagem III/Ed 66 Agosto Empresas do mundo inteiro adotam medidas para reduzir as emissões dos navios Reportagem IV Ed.66 Long Beach: O porto verde dos EUA. O navio que funciona com ener- gia solar. Navios a vela diminuem poluição O biocombustível pode ser uma alternativa. Version in English at www.conexaomaritima.com.br O CAMINHO DOS NAVIOS: o primeiro mapa mostra as rotas dos navios na Europa; o segundo, a média anual de NO 2 em 2008. A conclusão é que as rotas correspondem aos pontos críticos de poluição. Fonte: CLS/ESA Relatórios apontam que a poluição provocada por navios é 50% maior do que se imaginava, e as previsões é que ela deve aumentar em 75%. Um veículo que percorreu 15.000 km em um ano emitiu 101 gramas de óxido de enxofre. Um navio movido a diesel que navega 280 dias por ano produz 5.200 toneladas de óxido de enxofre. Estima-se que os navios emitam entre 18% e 30% de todos os óxidos de enxofre e causem 4% das emissões de gases que provocam o aquecimento global. Cerca de 85% da poluição marítima acontece no hemisfério Norte. Em torno de 70% das emissões de poluição dos navios é feita no máximo a 400 km da terra.

Do mar para o espaço

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reportagem I / série especial cargas commoditie portospor Diniz Junior - [email protected]

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Um mapa criado com imagens de satélite obtidas ao longo de sete anos flagrou um dos maiores poluidores ocultos do pla-neta: os milhares de navios que cruzam os oceanos, invisíveis para a maioria das pessoas.

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Dois pesquisadores da empresa fran-cesa CLS usaram imagens de radar

feitas pelo satélite europeu de monitora-mento do ambiente Envisat e produzi-ram uma imagem da densidade das rotas de navios em torno da Europa.

A concentração de navios correspon-deu perfeitamente aos pontos críticos de poluição por óxidos de nitrogênio sobre o continente. Esses compostos lançados no ar, quando combinados com água, po-dem produzir chuva ácida.

Julho de 2010EQUIPEReportagensDiniz JúniorEdição e fotosGuGa_VWTraduçãoEloá Ribeiro Galante e Fabíola GermanoConsultoria AmbientalFábio Luiz Rodrigues Diniz MeteorologistaRevisãoLuis Henrique DrevnoviczApoio e produçãoPaulo Cunha e Juliana CastelloRealizaçãoRevista Conexão Marítima

Reportagem I/ Ed 65 JulhoSatélite flagra rotas de poluição de navios

Reportagem IIEmissões tóxicas de navios ma-tam milhares de pessoas na Eu-ropaEntrevista Carlos PadoveziEngenheiro Naval, Dir.do IPT

Reportagem III/Ed 66 AgostoEmpresas do mundo inteiro adotam medidas para reduzir as emissões dos navios

Reportagem IV Ed.66Long Beach: O porto verde dos EUA.O navio que funciona com ener-gia solar.Navios a vela diminuem poluiçãoO biocombustível pode ser uma alternativa.

Version in English atwww.conexaomaritima.com.br

O CAMINHO DOS NAVIOS: o primeiro mapa mostra as rotas dos navios na Europa; o segundo, a média anual de NO2 em 2008. A conclusão é que as rotas correspondem aos pontos críticos de poluição.Fonte: CLS/ESA

Relatórios apontam que a poluição provocada por navios é 50% maior do que se imaginava, e as previsões é que ela deve aumentar em 75%.Um veículo que percorreu 15.000 km em um ano emitiu 101 gramas de óxido de enxofre.Um navio movido a diesel que navega 280 dias por ano produz 5.200 toneladas de óxido de enxofre.

Estima-se que os navios emitam entre 18% e 30% de todos os óxidos de enxofre e causem 4% das emissões de gases que provocam o aquecimento global.Cerca de 85% da poluição marítima acontece no hemisfério Norte.

Em torno de 70% das emissões de poluição dos navios é feita no máximo a 400 km da terra.

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É a primeira vez que dados de de-tecção por satélite de navios por um período extenso são usados para criar uma visão global dos padrões de tráfego marítimo. CLS é a sigla para Coleta Lo-calização Satélites, nome da companhia subsidiária da agência espacial francesa CNES e do Instituto de Pesquisa Ocea-nográfica Ifremer.

Foram utilizadas imagens feitas pelo instrumento conhecido como Asar, o radar de abertura sintética do satélite. Esse tipo de radar usa o movimento da sua plataforma,no caso, um satélite, para criar uma antena virtual e produ-zir imagens detalhadas. O Envisat é o maior satélite de sensoriamento remo-to ambiental já lançado até agora.

O grande tráfego e a poluição foram elevadas em torno dos portos de maior atividade no norte do continente euro-peu como Calais (França), Antuérpia (Bélgica), Roterdã (Holanda), Bremen e Hamburgo (Alemanha).

Ironicamente, os navios são o meio de transporte mais eficiente em termos de uso de energia e de capacidade de carga. Mas, para serem ainda mais eco-nômicos, costumam usar combustíveis de pior qualidade que são grandes emis-sores de poluentes, como óxidos de en-xofre e nitrogênio.

A maioria dos navios usa óleo com-bustível residual, também conhecido como óleo bunker, para alimentar seus motores gigantes. Esse óleo é um re-síduo parecido com piche, que sobra

do refino do petróleo. Geralmente, ele contém metais pesados tóxicos como chumbo e vanádio e é coletado do fun-do das torres de destilação onde as re-finarias processam o petróleo. O óleo bunker cru e frio tem a composição e a consistência do asfalto. O combustí-vel de um navio cargueiro pode ter até 2.000 vezes mais enxofre do que o óleo diesel usado em automóveis na Euro-pa.

A poluição não afeta apenas peixes, pois a maior parte da emissão é feita perto da terra. Graças a isso, várias ci-dades portuárias sofrem mais com a poluição marítima do que com as emis-sões de seus carros e indústrias.

Um relatório divulgado pela agência americana Noaa (Administração Nacio-nal Oceânica e Atmosférica) denuncia

que os milhares de navios navegando em torno dos portos do sul da Flórida, muitos deles de cruzeiros, criam uma preocupação de saúde significativa para as comunidades costeiras.

Na opinião do pesquisador da Noaa e da Universidade do Colorado, Daniel Lack, os cerca de 51 mil navios mercan-tes hoje navegando emitem um volume de poluentes particulados equivalente a 300 milhões de automóveis (metade da frota de veículos de todo o planeta). Es-tatísticas sobre navios em operação são pouco precisas, contando embarcações menores, o número atingiria 90 mil.

Esses particulados são levíssimos, por isso podem permanecer por dias na atmosfera e podem ser levados a dezenas de quilômetros de onde foram emitidos. E eles podem causar desde Portos europeus na mira do

satélite

Cerca de 12 mil navios trafegam anualmente no porto de Hamburgo na Alemanha

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uma irritação nos olhos e no nariz, até agravar problemas respiratórios como asma.

Um dos portos flagrados pelo saté-lite francês é o de Hamburgo, na Ale-manha. O porto nasceu na Idade Média, ganhou cada vez mais importância du-rante o século XIX, foi bombardeado durante a 2ª Guerra Mundial, e em pou-co tempo, reergueu-se e modernizou-se. Entre 1958 e 2009, o movimento anual passou de 30 milhões de tonela-das para 140 milhões de toneladas.

Uma média de 12 mil navios car-gueiros passam por Hamburgo todos os anos. É mais do que o dobro, por exemplo, do volume de navios que atracou no Porto de Santos, o maior do Brasil, em 2009.

Um estudo realizado em 2008 pela Organização das Nações Unidas (ONU), mostrou que a frota mercante mundial polui quase o dobro do que a aviação.

De acordo com a pesquisa, os na-vios são responsáveis pela emissão de 1,12 bilhão de toneladas de CO2 (dió-xido de carbono) na atmosfera, cerca de 4,5% do total de emissões globais desse gás. Ao mesmo tempo, os aviões emitem 650 milhões de toneladas de CO2 por ano.

A questão é polêmica: um relatório do bureau sueco NTM,ONG que se preocupa com o transporte e o meio ambiente, revelou que os navios mé-dios, que transportam até 8.000 tone-ladas, emitem 15,39 gramas, enquanto os aviões cargueiros 747, os jumbos, que comportam até 416 passageiros e apresentam grande autonomia de voo, lançam 570 gramas de CO2 na atmosfe-ra. Números que são contestados pela Organização Marítima Internacional, conforme gráfico nesta edição.

Os números não são precisos, mas estima-se que navegam pelos mares do planeta cerca de 44 mil navios, que podem ser divididos em petroleiros

(25%), carga geral (39%), grane-

leiros (13%), de contêineres (7%), de passageiros (12%) e outros (4%). Os petroleiros transportam 2 bilhões de toneladas de óleo anualmente e são os maiores poluidores. Como pelo menos dois terços desses navios estão com mais de dez anos de vida útil, é possível que poluam ainda mais os mares.

Índices maiores de poluição e com grandes consequências ambientais são verificados durante os acidentes que provocam derramamento de óleo. Em 19 de novembro de 2002, o navio Prestige, de bandeira das Bahamas, partiu-se ao meio provocando uma das maiores catástrofes ecológicas da história da navegação. Carregado com 77 mil toneladas de óleo, ele foi avariado quando se encontrava a 250 km da costa da Espanha. Estima-se que 63 mil toneladas de óleo tenham vazado e contaminado mais de 295 km e cem praias da região.

Na história de acidentes mais recen-te, a explosão da plataforma da British Petroleum no Golfo do México ocor-rido no dia 20 de abril deste ano, pro-vocou o derramamento entre 71 e 147 milhões de litros de petróleo no mar,

segundo especialistas. O impacto eco-nômico é tão incerto quanto os danos ambientais. Especialistas do Instituto de Pesquisa Harte para Estudos do Golfo do México estimam que 1,6 bilhão de dólares da economia anual, incluindo o turismo, a pesca e outros estão em risco.

Tratados internacionais da Organiza-ção Marítima Internacional contribuem para controlar a emissão de poluentes

Desde 1973, a entidade instituiu a Convenção Internacional para a Pre-venção da Poluição de Navios (Marpol), que estipula regras específicas para pre-venir e controlar a poluição do mar. Em 2008, dirigentes de mais de 50 portos de 35 países também comprometeram-se a cortar a emissão de gases do efeito estufa e assinaram a Declaração Climá-tica Mundial de Portos durante a Confe-rência Climática Mundial de Portos, em Roterdã.

Os participantes da Conferência disseram ainda que o nível de poluição dos navios deve aumentar na mesma proporção da frota mundial que, atu-almente, é responsável por 90% do comércio internacional do mundo. Os

O velho navio Prestige, construído no Japão em 1976, não aguentou o mau tempo e teve seu casco rachado naufragando na costa da Galícia, na Espanha

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representantes dos portos que assina-ram a declaração comprometeram-se a reduzir as emissões e vão criar um sistema de indicadores globais com o objetivo de premiar os navios mais limpos e de punir os mais poluentes.

Uma pesquisa da ONU apon-ta que os navios são responsáveis pela emissão de 1,12 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera. Essa questão está gerando polê-mica. Qual a sua posição em rela-ção a esse tema?

É um preço que se paga pelo transporte de mercadorias entre os países do mundo. Contudo, não há alternativas de transporte mais eco-nômicas e menos poluentes que os navios. Devem ser buscadas, cada vez mais, formas de aumentar a efi-ciência do transporte marítimo e reduzir as emissões. Essa prática é mantida na grande maioria dos na-vios da frota mundial.

Os portos brasileiros estão prepa-rados para contribuir com a redu-

Alguns portos do mundo também já estão fazendo restrições. Desde 2008 nos Estados Unidos, os car-gueiros só podem navegar a 38 km das praias da Califórnia e com com-bustíveis menos poluentes (tema da

nossa próxima edição). A restrição atinge os dois maiores portos nor-te-americanos, o de Los Angeles e o de Long Beach. Navios que des-cumprem as regras são multados ou aprendidos.

ção de emissões de poluentes?Ainda não há um esforço im-

portante no sentido de reduzir a emissão de poluentes nos portos. As operações nos portos são reali-zadas, principalmente, pelas embar-cações de apoio conhecidas como rebocadores portuários. Uma ação eficaz para minimizar a emissão de poluentes nos portos deve passar pelo controle de emissões dos mo-tores dos rebocadores.

Nos EUA, em algumas regiões, os cargueiros só podem navegar a 38 km das praias. Essa medida re-solve o problema?

Há preocupações em minimizar as emissões nas proximidades das regiões povoadas. Em muitos lo-cais, exige-se combustível mais lim-

po quando o navio está próximo à costa – existem, inclusive, motores que operam com dois combustíveis e que podem utilizar gás em áreas ambientalmente mais sensíveis.

A Marinha Mercante brasilei-ra, na sua opinião, está preparada para lidar com esse problema?

Há uma tendência dos armadores em obter a eficiência energética dos seus navios por conta do alto custo (que veio para ficar) dos combus-tíveis. O aumento da eficiência re-duzirá a quantidade de combustível e, consequentemente, a emissão de poluentes. Outra questão importan-te é a substituição do óleo pesado por combustíveis menos poluentes.

A indústria naval não deveria apostar em inovações de sistemas de propulsão para economizar energia?

Vivemos uma realidade de altos custos operacionais, resultantes, principalmente, dos preços dos combustíveis. Quem não investir em sistemas mais eficientes de pro-pulsão será, aos poucos, alijado do mercado de transporte marítimo. Os desafios de buscar soluções mais eficientes e menos poluidoras es-tão lançados – quem vencer terá as compensações de transportar com maior eficiência econômica e sofre-rá menos com a pressão crescente da sociedade por um menor volume de emissões de poluentes.

ENTREVISTACarlos Daher PadoveziEngenheiro Naval, Doutor Diretor do Centro de Engenharia Naval e Oceânica do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT)

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