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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós Graduação em Direito Luana Mathias Souto DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do poder Belo Horizonte 2017

DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

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Page 1: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós Graduação em Direito

Luana Mathias Souto

DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT:

as formas de destituição do poder

Belo Horizonte

2017

Page 2: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

Luana Mathias Souto

DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT:

as formas de destituição do poder

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. José Adércio Leite Sampaio Área de concentração: Direito Público

Belo Horizonte

2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Souto, Luana Mathias

S726t Do tiranicídio ao impeachment: as formas de destituição do poder /

Luana Mathias Souto. Belo Horizonte, 2017.

126 f.

Orientador: José Adércio Leite Sampaio

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito

1. Poder (Ciências sociais). 2. Estado democrático de direito. 3. Poder

constituinte. 4. Impedimentos. 5. Brasil - Política e governo. 6. História

constitucional. I. Sampaio, José Adércio Leite. II. Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 321.64

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Luana Mathias Souto

DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT:

as formas de destituição do poder

Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Área de Concentração: Direito Público Linha de pesquisa: Estado, Constituição e sociedade no paradigma do Estado Democrático de Direito

_______________________________________________________________

Prof. Dr. José Adércio Leite Sampaio – PUC Minas (Orientador)

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Márcio Luís de Oliveira – Dom Helder Câmara (Banca Examinadora)

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Edimur Ferreira de Faria – PUC Minas (Banca Examinadora)

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Leonardo Goulart Pimenta – PUC Minas (Suplente)

Belo Horizonte, 12 de dezembro de 2017.

Page 5: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

Dedico incondicional e integralmente a você, minha mãe querida.

Sem você nenhuma destas páginas teria existido.

Page 6: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof. José Adércio, pela oportunidade e confiança.

A todos os professores que ao longo da minha trajetória acadêmica e

investigativa, iniciada ainda na graduação, me revelaram as trilhas que perpassam a

este caminho. Em especial, aos Professores Bruno Torquato de Oliveira Naves,

Bruno Wanderley Júnior e Bárbara Lobo.

Às professoras das famílias Mathias de Almeida e Menezes Souto meus

berços acadêmico e docente. Dos quais a genética e a convivência me trouxeram

até aqui. Sendo filha, neta, sobrinha e afilhada de professoras meu caminho não

poderia ser outro.

Aos amigos de vida, que permaneceram mesmo após minhas longas

ausências e aos amigos do PPGD/PUC Minas, obrigada por todo apoio, carinho,

paciência, risadas, compreensão e incentivos.

À minha mãe querida a quem não me cansarei de agradecer e serei

eternamente grata, por mais uma vez sonhar junto comigo e não me deixar

esmorecer, nem diante dos grandes desafios.

A todos que, de alguma forma, contribuíram para esta construção.

Page 7: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

Afirmar que en el siglo XXI ya no existen despotismos ni tiranías sería una postura ingenua e inexacta; tanto más errada como tampoco es honestamente aceptable designar indistintamente como ―dictaduras‖ a todos los regímenes opresivos del planeta, que concurren en modo alucinante a violar los derechos humanos más imprescriptibles. (TURCHETTI, 2007, p. 106).

Page 8: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

RESUMO

Remover um sujeito do poder no século XXI ainda guarda relações com os mesmos

institutos da Antiguidade Clássica, do Medievo e do Absolutismo. Trata-se de prática

que envolve aspectos políticos e econômicos, de forma que a presente dissertação

tem como objeto geral de estudo o tiranicídio e o instituto constitucional do

impeachment, enquanto formas de destituição do poder. Os objetivos específicos

foram dissertar sobre a tênue relação entre os mesmos, de forma a conceituar o

tiranicídio, seus pressupostos e origem histórica; abordar os questionamentos e

motivações históricas que o permeiam; em seguida, conceituar o impeachment, seus

pressupostos e origem histórica, bem como sua evolução desde o Direito Inglês até

a sua vigência no Direito Constitucional Brasileiro; para, enfim, evidenciar a relação

entre tiranicídio e impeachment e o impacto que essa imbricada relação provoca nas

democracias latino-americanas. A pesquisa centrou-se, a partir dos métodos de

crítica e abstração e análise e síntese, na investigação de documentos doutrinários,

históricos, jurídicos e legislações pertinentes à temática. Os resultados obtidos

demonstram que, inevitavelmente, a partir da construção do Estado de Direito, em

algum momento, a Política sobrepuja-se ao Direito, no intuito de auferir vantagens

aos seus protagonistas. O impeachment, portanto, a partir de sua matriz tiranicida,

seria o instrumento constitucional utilizado para promover a retirada abrupta do

poder do denominado tirano, provocando-se, assim, sua morte política. Para tanto,

previamente, seria necessária a caracterização do tirano, aspecto esse que,

conforme evidenciado nos tópicos finais, seria seletivo e arbitrário, impulsionado,

principalmente, por interesses econômicos e políticos. Tal fato é permitido pela

presença de reminiscências pré-constitucionais no arcabouço jurídico e que, por

conseguinte, estaria causando aparente distorção na ordem democrática nacional e

latino-americana. Dessa feita, a presente dissertação se coaduna perfeitamente à

linha de pesquisa Estado, Constituição e Sociedade no Paradigma do Estado

Democrático de Direito, desenvolvida no Programa de Pós Graduação em Direito da

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Palavras-chave: Tirano. Tiranicídio. Estado Constitucional. Poder Constituinte.

Impeachment.

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ABSTRACT

Removing a subject from power in the 21st century still has relations with the same

institutes of Classical Antiquity, the Middle Ages and Absolutism. It is a practice that

involves political and economic aspects, so that the present dissertation has as a

general object of study the tyrannicide and the constitutional institute of

impeachment, as forms of destitution of power. The specific objectives were to

discuss the tenuous relationship between them, in order to conceptualize tyrannicide,

its assumptions and historical origin; to address the historical questions and motives

that permeate it; then to conceptualize the impeachment, its assumptions and

historical origin, as well as its evolution from the English Law until its validity in the

Brazilian Constitutional Law; to show, finally, the relation between tyrannicide and

impeachment and the impact that this imbricated relationship provokes in the Latin

American democracies. The research focused, from the methods of criticism and

abstraction and analysis and synthesis, in the investigation of doctrinal, historical,

juridical documents and laws pertinent to the theme. The results show that, inevitably,

from the construction of the Rule of Law, at some point, the Politics surpasses the

Law, in order to gain advantages to its protagonists. Impeachment, therefore, from its

tyrannical matrix, would be the constitutional instrument used to promote the abrupt

withdrawal of the power of the so-called tyrant, thus provoking his political death. For

this, previously, it would be necessary to characterize the tyrant, an aspect that, as

evidenced in the final topics, would be selective and arbitrary, driven mainly by

economic and political interests. This fact is allowed by the presence of pre-

constitutional reminiscences in the legal framework and, therefore, would be causing

apparent distortion in the national and Latin American democratic order. Thus, this

dissertation is perfectly in line with the research line State, Constitution and Society in

the Paradigm of the Democratic State of Law, developed in the Law Pos Graduate

Program of the Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Keywords: Tyrant. Tyrannicide. Rule of Law. Constituent Power. Impeachment.

Page 10: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito

CRFB/88 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

DCR – Denúncia por Crime de Responsabilidade

EUA – Estados Unidos da América

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

ONU – Organização das Nações Unidas

PC do B – Partido Comunista do Brasil

PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PRN – Partido da Reconstrução Nacional

PSD – Partido Social Democrático

PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

TCU – Tribunal de Contas da União

PUC Minas – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

STF – Supremo Tribunal Federal

TPI – Tribunal Penal Internacional

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 19 2 A ORIGEM DO PODER POLÍTICO ....................................................................... 23 3 SOBRE A TIRANIA E O TIRANICÍDIO.................................................................. 29 3.1 Antiguidade Clássica e a tirania ...................................................................... 31 3.2 A tirania e o tiranicídio entre os medievais ..................................................... 37 3.2.1 John of Salisbury e a doutrina do tiranicídio ..................................................... 38 3.2.2 As contribuições do direito de resistência desenvolvido por São Tomás de Aquino ....................................................................................................................... 40 3.2.3 De Tyranno, de Bártolo de Sassoferrato .......................................................... 41

3.3 Tirania e tiranicídio na Alta Modernidade ....................................................... 43 3.3.1 O pensamento monarcômaco e o dever cristão ao tiranicídio .......................... 44 3.3.2 Escola de Salamanca ....................................................................................... 46

3.3.2.1 Juan de Mariana e a doutrina escolástica do tiranicídio ................................ 48

3.3.2.2 Francisco Suárez e o tiranicídio como ato de legítima defesa comunitária . 49 3.3.2.3 Luis de Molina e a reinterpretação tomista .................................................... 50

3.4 Tiranicídio e as Revoluções Modernas: o início do exercício do direito de resistir ...................................................................................................................... 51 4 A TIRANIA EM TEMPOS DE CONSTITUIÇÃO ..................................................... 57 4.1 Estado constitucional e tirania ........................................................................ 59

4.2 A superlegalidade como código binário do governo justo e do tirano: o tirano constitucionalizado ...................................................................................... 62 4.3 O tiranicídio constitucionalizado ..................................................................... 63

5 IMPEACHMENT – A ENCENAÇÃO CONSTITUCIONAL DO TIRANICÍDIO ........ 67 5.1 O invólucro constitucional ............................................................................... 70 5.2 Origem histórica: Reino Unido ......................................................................... 72

5.3 Impeachment no constitucionalismo norte americano .................................. 74 5.4 Impeachment no contexto constitucional brasileiro ...................................... 76 5.4.1 A definição dos crimes de responsabilidade e a regulamentação do julgamento do processo de impeachment pela Lei n. 1079, de 10 de abril de 1950 ................... 79 5.4.2 Caso Collor ....................................................................................................... 83

5.4.3 Caso Dilma ....................................................................................................... 87

5.5 Breve Análise da relação entre o instituto do impeachment e as recentes democracias latino-americanas ............................................................................. 95 5.5.1 O não impedimento de Temer ........................................................................ 103

6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 107

REFERÊNCIAS…………………………………………………………………………111

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19

1 INTRODUÇÃO

Nas primeiras aulas do curso de Direito de qualquer universidade de qualquer

lugar do País é afirmado aos recém ingressos no ensino jurídico que o Brasil é

Estado Democrático de Direito e, portanto, diante dessa denominação, trata-se de

circunscrição territorial organizada mediante texto constitucional, fruto da emanação

da soberania popular. Dessa forma, ao longo de toda a carreira jurídica, os

bacharéis reproduzirão mecanicamente que, por ser Estado Democrático de Direito,

o Brasil salvaguarda direitos fundamentais e garantias individuais, é democrático,

não autoritário, representativo, plural e respeita a separação de poderes.

Toda noção de Estado Democrático de Direito articula-se como o atual estágio

da evolução do Constitucionalismo, uma vez que já se avançou desde o Estado

Liberal de Direito e o Estado Social de Direito. O Constitucionalismo é, assim, o

movimento desencadeado no final do século XVIII, influenciado pelas revoluções

burguesas, que dará origem às primeiras Constituições. Trata-se de marco na

história moderna, na qual se pretende sepultar o Antigo Regime e suas ideologias e

implantar nova forma de organização social, tendo a Constituição como limite ao

povo e aos seus governantes.

Esta pesquisa, entretanto, dirige-se em sentido oposto ao que grande parte da

academia jurídica se propõe, pois não haverá, aqui, a exaltação ao Estado

Democrático de Direito ou a crítica construtiva sobre si, mas a desconstrução, em

parte, quanto à fundação mal alicerçada, sob a qual esse Estado foi erguido.

Trata-se da desconstrução em parte, porque diante da delimitação temática

exigida pela pesquisa jurídica, a presente dissertação se aterá apenas à análise do

instituto constitucional do impeachment, mesmo que o desejo seja de refletir sobre

questões além das visualizadas no estudo desse único instituto.

Dessa feita, a presente pesquisa se coaduna perfeitamente aos estudos

propostos na linha de pesquisa Estado, Constituição e Sociedade no Paradigma do

Estado Democrático de Direito, ofertada e desenvolvida no âmbito do Programa de

Pós Graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas),

pois debate justamente a estreita relação entre estes três elementos centrais:

Estado, Constituição e sociedade, na perspectiva do Estado Democrático de Direito.

Assim, o que se tem após o advento do Estado Constitucional, que surge em

oposição ao Antigo Regime, é a exaltação pelos modernos de que estavam a

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construir nova forma de viver em sociedade, que não mais seria pautada no direito

divino, mas na Constituição. Juraram romper com tudo aquilo que abominavam: os

desmandos, a tirania e os privilégios. A cartilha distribuída pelos grandes pensadores

modernos à sociedade pregava que, a partir daquele momento inaugural, apoteótico

e revolucionário, todos os homens seriam iguais e até mesmo os governantes

deveriam obedecer à lei dos homens. E essa é a fundação sob a qual o atual Estado

Democrático de Direito foi alicerçado.

Entretanto, considera-se que há falhas na estruturação do referido pilar, pois a

crítica que permeia o plano de fundo deste estudo é a de que os modernos, ao

construir o novo modelo de Estado, se esqueceram de considerar um fator, imutável

desde o Absolutismo: o fator humano, uma vez que o ser humano que coordenava a

vida em sociedade no Absolutismo é o mesmo da pré-história e da atualidade.

Os evolucionistas protestarão que não se trata do mesmo homem, pois esse

evoluiu; não mais caça seus alimentos nem açoita seus escravos e servos. Pois

bem, o Direito também não é mais o mesmo, as leis também não são mais as

mesmas, mas certas coisas não mudam; apenas se adaptam, se reconstroem, mas

não desaparecem, de modo que todo o discurso moderno de sobreposição e

extermínio do Antigo Regime possui rupturas das quais emanam brechas inalteradas

ou adaptadas, remodeladas.

Apenas com estas linhas introdutórias não é possível explanar sobre as

evidências que confirmam tamanha pretensão. Portanto, a presente pesquisa se

estrutura em duas grandes divisões, que são conexas e indissociáveis. A primeira

parte comporta os dois primeiros capítulos, em que se discutirá sobre o poder, a

tirania e o tiranicídio, traçando-se recorte metodológico a partir das principais teorias

sobre o tema, sem o intuito de esgotá-lo. Tema esse enfrentado de maneira

incipiente desde a Antiguidade Clássica, por gregos e romanos, perpassando a

Idade Média, com as teorias de John of Salisbury, São Tomás de Aquino e Bártolo de

Sassoferrato. Em seguida, serão apresentadas as contribuições modernas do

pensamento monarcômaco, da Escola de Salamanca, por intermédio das doutrinas

de Juan de Mariana, Francisco Suárez e Luis de Molina, findando com as

Revoluções Modernas e sua inauguração do direito de resistir.

Em seguida, no terceiro capítulo, antes que haja a incursão para a segunda

grande parte, disserta-se sobre a paradoxal convivência da tirania em tempos de

Constituição, sobre a existência do tirano e, consequentemente, do tiranicídio

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constitucionalizado. Esse capítulo é denominado de capítulo de transição, pois

conecta os dois institutos, sendo, portanto, imprescindível para a compreensão dos

objetivos desta dissertação, que, em sua segunda grande parte, abordará o instituto

constitucional do impeachment, desde sua origem histórica até os recentes

acontecimentos nacionais.

Porém, se a pretensão é tratar do instituto do impeachment, então, por que

tratar da tirania e do tiranicídio? Onde esses pontos se convergem? Esse é,

portanto, o objetivo principal do presente trabalho: dissertar sobre a tênue relação

entre o processo constitucional de impeachment e a prática milenar do tiranicídio,

sob o viés de que ambos são mecanismos ou modalidades de destituição do poder

que beberam na mesma fonte.

No dia 31 de agosto de 2016, o Brasil teve seu segundo presidente, após a

redemocratização do País, destituído do poder via impeachment presidencial. A

despeito de qualquer posição ideológica, o momento para refletir sobre o instituto do

impeachment não poderia ser outro. Tornou-se impraticável adiar tais constatações,

pois o calor do momento torna a análise mais factível e importante.

De antemão, entende-se que na presente dissertação não há opinião político

partidária, de forma que, toda a análise aqui feita deve ser interpretada sem o

revestimento de ideologias e investida de total imparcialidade. A doutrina e os fatos

falarão por si só.

Em conclusão, ocorre que, diante de qualquer momento de crise, toda a

estrutura que organiza o Estado e o poder precisa ser questionada, debatida e, se

possível, reestruturada. Pois quando legalidade, legitimidade e realidade se chocam,

todo o arcabouço jurídico, teórico e político que alicerça esse Estado começa a ruir,

necessitando, portanto, de ser repensado, rediscutido e enfrentado. Nesse sentido,

manifesta-se a pretensão do presente estudo.

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23

2 A ORIGEM DO PODER POLÍTICO

Ao estudar acerca da tirania e das formas de resistência a essa opressão, é

imprescindível uma compreensão inicial do fenômeno humano que leva à criação do

poder e como este rege toda a existência humana, tanto daquele que detém o poder

e, em algumas circunstâncias, comete abusos, quanto daquele submetido a esse

poder e que, mesmo não o exercendo, insurge-se contra o mesmo.

Diversos estudos que vão da filosofia à antropologia e sociologia procuram

revelar a natureza intrinsecamente social – ou política – do ser humano

(ARISTÓTELES, 1984, p. 37; RUNCIMAN, 2000), indicando que lhe é inerente a

necessidade de se inserir ao ambiente em que se encontra, seja esse físico, político

ou social. Em consonância, a psicanálise freudiana traz elementos que confirmam

essa premissa, ao considerar que ―o destino do indivíduo e o da comunidade

formam um todo solidário, em que as diferentes instâncias individuais e coletivas se

interpenetram, de modo que é impossível estudar uma dimensão separada da outra‖

(MARANHÃO, 2008, p. 125).

Quando a espécie humana, ainda na pré-história, chegou a este mundo,

valeu-se dos mais diversos mecanismos para se enquadrar ao meio, e por este se

mostrar hostil à sua presença, por ser repleto de perigos que a ameaçavam, o

homem, enquanto animal evolutivamente superior aos demais que aqui habitavam,

desenvolveu ferramentas que pudessem otimizar sua integração ao meio e,

indubitavelmente, sua dominação.

A humanidade surge, então, desse embate, primeiramente, por sobrevivência

no meio ambiente que é inóspito e que, por isso, precisa ser moldado a atender

aquilo que os homens precisam e desejam. Para que houvesse certa vantagem

quanto a esse todo que cerca o ser humano e, consequentemente, para preservação

de sua espécie, foram formados os primeiros agrupamentos, caracterizados por

bandos, hordas ou, em síntese, grupos de indivíduos que, em conjunto, tinham o

objetivo de se manterem vivos e derrotarem o inimigo comum.

Esses agrupamentos primitivos mantinham organizações simplórias com

divisão de tarefas básicas de sobrevivência, dentre as quais, caçar, pescar, coletar

frutos e defender seu habitat. Nesse contexto, subsistem relações pré-políticas de

poder, como as que os vencedores exercem sobre os vencidos, tornando-os

escravos de guerra, a que o pater exerce sobre os membros de sua família, e a que

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o senhor exerce sobre seus servos.

As relações de poder inscrevem-se, então, nas relações bio-culturais, na medida em que os dados biológicos (género ou idade) são tratados culturalmente, produzindo comportamentos de liderança ou de submissão (Balandier, 1974). No entanto, se bem que as relações de poder constituam o centro das relações políticas, elas destinam-se a definir e organizar a cooperação no seio dos grupos, de acordo com critérios por vezes totalmente arbitrários ou, pelo menos, distantes da relação bio-cultural. (DA SILVA BARACHO, 2007, p. 11).

Não há ainda, nesse período pré-político, o aparato capaz de coordenar e

organizar as relações. A linguagem, quando existente, ainda é rudimentar, e,

portanto, a lei vigente é a do mais forte, de forma que o atendimento às

necessidades iniciais de sobrevivência ao meio não bastaram ao homem, que, por

meio de sua racionalidade aliada à força física, vislumbrou a possibilidade de além

de se impor ao meio, se impor também perante os seus iguais. Passaram, então, a

serem estabelecidas relações de dominação e subserviência1, já que os mais fortes

gozavam de prestígio entre os demais, inaugurando mecanismos também pré-

políticos de poder.

Esse modo de viver foi interpretado por Hobbes (1588-1679) de forma

alegórica, a partir da qual sedimentou sua teoria do contrato social, mediante a

simbologia do estado de natureza2, o qual precisaria ser superado, criando, então, o

mito fundador do estado civil, construído por meio do pacto social. Por meio dessa

teoria contratual, mais tarde, seguida por Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-

1778), esses pensadores formularam a construção da sociedade civil organizada,

advinda da entrega de parte do poder a um ou alguns, que fossem capazes de

nortear a vida em sociedade e impedir que o homem continuasse a viver na

barbárie, na qual a lei do mais forte prevalecia.

Se considerasse tão somente a força e o efeito que dela deriva, eu diria: ―Enquanto um povo é obrigado a obedecer e obedece, faz bem; tão logo possa sacudir o jugo e o sacode, faz ainda melhor porque, recuperando sua liberdade por meio do mesmo direito com o qual foi arrebatada dele, ou esse lhe serve de base para retomá-la ou não se prestava em absoluto para tirá-la dele‖. Mas a ordem social é um direito sagrado que serve de base a

1 ―A força é um poder físico; não imagino que moralidade pode resultar de seus efeitos. Ceder à força é um ato de necessidade, não de vontade; no máximo, é um ato de prudência.‖ (ROUSSEAU, 2005, p. 18).

2 ―No state of nature os homens convivem sem autoridade política, razão por que disputam livremente todas as coisas sem qualquer limitação, à exceção da força física e da astúcia racional que cada um possui para subjugar, ferir ou eliminar o seu semelhante.‖ (MATOS, 2007, p. 72).

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todos os outros. Esse direito, contudo, não vem da natureza; está, pois, fundado sobre convenções. (ROUSSEAU, 2005, p. 14).

Nesse momento, surge, portanto, a abstração do poder que é político e

originário decorrente da transmissão de parte da liberdade que o ser humano possui

para a representação, que conduzirá a vida em comum, limitando-a por direitos e

deveres.

Entretanto, o alerta aqui feito é de que esta guerra simbólica e pré-política

hobbesiana de todos contra todos, vivenciada no estado de natureza, não foi

superada pelo estado civil, pois a condição de que o mais forte se impõe sobre os

demais, e que caracteriza o estado de natureza como tal, é perene e proveniente da

natureza humana, tendo em vista que, após pactuado o contrato social,

Para governar o Estado foram escolhidas pessoas das comunidades sociais. Esses dirigentes, com o tempo, foram-se afastando dos princípios que presidiram a criação do Estado levando-o à condição de autoritário, despótico e opressor, em vez de perseguir o fim precípuo idealizado. (FARIA, 2015, p. 56).

Dessa forma, esse estado de dominação e opressão não cessa; apenas,

quando muito, se molda às circunstâncias. Nas palavras de Schimitt, ―Bonand

tampouco se engana sobre os instintos fundamentalmente maus do homem e

reconheceu tão bem, assim como qualquer psicologia moderna, a inextinguível

‗vontade de poder‘‖ (SCHIMITT, 2006, p. 53).

Se há essa incessante vontade, e se todas as relações humanas importam

em si, relações de poder, não se pode afirmar que só porque o poder se diz agora

político, não envolve opressão e dominação. Esse poder é o mesmo, do início até a

atualidade.

Para entender esse salto histórico entre a existência de formas pré-políticas

de poder ao poder político propriamente dito, empresta-se de Hannah Arendt (1995)

a reflexão de que, para a natureza humana e seu viver em comunidade, a política é

dispensável, não lhe sendo necessária como dormir e comer, longe disso, a política

só surge quando não há mais força física nem disposições materiais para alicerçar

as relações de poder, pois a partir do ganho de certa maturidade intelectual, e com a

diferenciação dos papeis sociais, formulou-se pretenso discurso de inevitabilidade da

construção de uma sociedade mais ideal e justa. Assim, algumas mentes, não

interessadas na manutenção da sociedade em que o poder se impõe mediante a

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força física, passaram a buscar na política novas formas de dominação. Sob esta

roupagem progressista, articularam a noção de que pode o todo, em favor de alguns

poucos, dispor do poder para que esses poucos administrem a vida de todos.

Isso porque, da mesma forma que há esta entrega voluntária de poder,

sempre se manterão preservados, nas mãos do corpo social, os meios mais diversos

e hábeis a promover a retirada do poder daqueles que, por algum motivo, tornaram-

se indesejáveis (HOBBES, 2003; LOCKE, 1973).

Um povo, diz Grotius, pode entregar-se a um rei. Segundo Grotius, um povo é, pois, um povo antes de se entregar a um rei. Essa própria entrega é um ato civil e a supõe como uma deliberação pública. Antes, portanto, de examinar o ato pelo qual o povo elege um rei, seria bom examinar o ato pelo qual o povo é povo porque esse ato, sendo necessariamente anterior ao outro, constitui o verdadeiro fundamento da sociedade. (ROUSSEAU, 2005, p. 24).

Assim, por ser o povo quem entrega o poder, cabe apenas a si, diante de

insatisfações legítimas ou não reconfigurar a titularidade do poder. Entretanto, essa

estrutura que legitima e entrega o poder a alguém é mais complexa do que apenas a

elaboração do pacto social. A história registra a existência das mais variadas

conformações políticas, desde a existência de regimes aristocráticos, oligárquicos e

democráticos, até regimes políticos tirânicos. Não há unanimidade, ao se

estabelecer qual desses é o mais adequado, já que suas configurações são

moldadas a partir dos mais variados critérios, que abrangem do clima e da topografia

do Estado à cultura e aos costumes dos povos (TOCQUEVILLE, 1973).

Embora, não haja unanimidade ao se definir qual seja o melhor regime, é

uníssono que a tirania seja compreendida como o pior modelo (BIGNOTTO, 1998).

E, por ser o mais nefasto, caberá entender como o corpo social que entrega o poder

a outrem agirá diante da instalação do regime tirânico, uma vez que mantém, para

si, a prerrogativa, advinda da própria entrega, de reavê-lo sempre que seu

mandatário se demonstrar inapto a possuí-lo? (LOCKE, 1973).

Desde já, precisa ser deixado claro que:

O espaço político nunca é ―puro‖, mas sempre implica algum tipo de confiança na violência pré-política. Por certo, a relação entre poder político e violência pré-política é de implicação mútua. A violência não é apenas o complemento necessário do poder, mas o próprio poder já está sempre na raiz de toda relação aparentemente ―apolítica‖ de violência. A violência aceita e a relação direta de subordinação no interior do Exército, da Igreja,

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da família e de outras formas sociais ―apolíticas‖ são, em si mesmas, a reificação de certa luta ético-política. (ZIZEK, 2010, p. 22-23).

Dessa mesma forma, agem, os selvagens timmes oriundos de Serra Leoa,

descritos por Frazer (1911), parafraseado por Sigmund Freud, os quais, quando:

[...] elegem seu rei reservam-se o direito de espancá-lo na véspera da coroação e valem-se desse privilégio constitucional com tão boa disposição que, às vezes, o infeliz monarca não sobrevive muito à sua elevação ao trono. Daí, quando acontece de os principais chefes terem rancor de um homem e desejarem livrar-se dele, elegerem-no rei.‖ Mesmo em exemplos manifestos como este, entretanto, a hostilidade não é admitida como tal, mas disfarçada em cerimonial. (FREUD, 1999, p. 58).

Assim também agem, tanto os antigos, quanto os modernos e

contemporâneos quando estabelecem, em seus sistemas de poder, regras e

diretrizes que permitem o uso da violência, explícita ou não, sempre que o usuário

do poder ousar afrontar o bem estar de todos. Essa prerrogativa, ainda que violenta,

encontra sua legitimidade na própria entrega do poder.

Isso posto, nos capítulos que se seguem, apresentar-se-ão as diversas

formas pelas quais se retira o tirano do poder, metodologicamente, dando-se

destaque ao tiranicídio e ao instituto constitucional do impeachment.

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3 SOBRE A TIRANIA E O TIRANICÍDIO3

A tirania é definida, genericamente, como a degeneração do poder político,

principalmente, pelo estabelecimento do estado severo de injustiça e de escravidão

humana, tendo-se manifestado na história em suas mais diversas formas, passando

pelo autoritarismo, a autocracia, o despotismo, o absolutismo e a ditadura

(TURCHETTI, 2001).

Segundo Bignotto,

A tirania não é, portanto, um regime como os outros. Ela é o ideal negativo da vida política. Ela marca a fronteira na qual o animal político converte-se em besta, ao acreditar ter-se feito deus. Seu papel, assim, é semelhante ao regime ideal, mas invertido. Enquanto neste a sabedoria mostra-se como a fonte da vida melhor, na tirania é a própria possibilidade da felicidade dos homens que é posta em questão. (BIGNOTTO, 1998, p. 131).

É inegável, portanto, o aspecto negativo da tirania, pelo qual se dá ênfase ao

seu caráter primitivo, quando se destacam os termos animal político e escravidão do

homem pelo homem, tornando necessário o questionamento do porquê esse tipo de

subversão política se manteve no curso da história e, ainda, da importância que

esse fenômeno possui na estruturação político-social (BIGNOTTO, 1998, p. 131).

Cada momento histórico criou a sua imagem de tirano, que não se manteve

por completo no momento posterior, apesar de todos reservarem pontos em comum.

Para Pavón (1992), três características estariam sempre presentes nos regimes

tirânicos:

a) a primazia do arbítrio: o governante age sob império da força, valendo-se das

leis como instrumentos de validação de seus intentos e caprichos;

b) a instituição do regime de servidão: governante e governados sempre estarão

imbuídos do temor recíproco dos governados ao governante e do governante

aos governados, e;

c) o epílogo pela tragédia ou violência: o governante, por inadmitir qualquer

razão que contrarie seus caprichos, acabará sendo afastado por formas

3 Capítulo adaptado do artigo: SAMPAIO, José Adércio Leite; SOUTO, Luana Mathias. Sobre tirania e tiranicídio. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI MONTEVIDÉU – URUGUAI, 3., 2016, Florianópolis. Teoria Constitucional. Florianópolis: CONPEDI, 2016. 239-258. Em especial, ao conteúdo de introdução ao próprio capítulo e os tópicos 3.1; 3.2; 3.2.1; 3.3 e 3.4.O tópico 3.3.1, entretanto, manteve-se o mesmo conteúdo.

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violentas quando não sanguinárias.

Quanto ao termo tiranícidio, que é, em linhas gerais, todo movimento em prol

de punir a tirania, segundo Roldán Álvarez (2002), é classificado como direito de

resistência ativa, encontrando-se ao lado da insurreição, pois esse direito que os

cidadãos têm de se insurgir contra o governo injusto, que é justificado no direito

natural e reconhecido, modernamente, pelo direito positivo, se divide em

manifestações passivas, a exemplo do direito de desobediência, e em condutas

ativas, como o tiranicídio.

Necessita-se, assim, da existência de alguns elementos que, em conjunto,

implicam na prática do tiranicídio (JÁSZI, 1957). O primeiro é a existência de um

indivíduo ou de um grupo que detém o poder e o exerce de forma tirânica,

infringindo dissabores aos cidadãos. O segundo é a presença de um ou de um grupo

de indivíduos que decidem, assumindo as consequências desse encargo, por fim ao

governo tirânico, podendo essa ação advir da crença de que será suficiente para a

libertação da comunidade e restauração do status quo ante, ou de motivações

genuinamente desprovidas de interesses pessoais, nem mesmo pautadas em

dogmas religiosos ou políticos. Segundo Oscar Jászi (1957), só assim existiria a

prática do tiranicídio legítimo, do ponto de vista do direito de resistir à opressão, pois

o assassinato cometido por razões diversas das apresentadas seria tão somente a

prática de assassinato, seja cometido por pretensões religiosas, políticas ou

pessoais.

Em consonância, Mario Turchetti (2007), em sua análise que melhor se

adéqua às pretensões deste estudo, sobre o termo, expande a noção de tiranicídio

para além da literal - assassinar o tirano -, exposta pelos dicionários, e considera

que, desde a Idade Antiga4, já existiam hipóteses de por fim à tirania sem,

necessariamente, conferir pena de morte ao tirano, sendo o exílio uma dessas

possibilidades5. Assim, indica que existem três formas de se praticar o tiranicídio,

4 ―A defesa do tiranicídio remonta, para alguns, aos arquétipos do pensamento ocidental ou, pelo menos, à obra de Xenofontes (430-355 a.C.). Talvez seja um exagero etnocêntrico. Na China, teóricos da dinastia Zhou (1045-256 a.C.) valeram-se de um conceito parecido para justificar a derrubada da dinastia Shang (1766 a.C. – 1122 a.C.), o ‗Mandamento do Paraíso‘. Segundo esse mandamento, o paraíso abençoaria quem destronasse um governante injusto ou despótico, pois a base de todo poder seria o povo. A ideia floresceu mais (ou nos chegou de modo mais elaborado), no entanto, no Ocidente.‖ (SAMPAIO, 2013, p. 45-46).

5 O autor faz referência à condenação ao exílio ordenada por Lucius Iunies contra Taquino, o Soberbo. Encarando tal pena como um tiranicidio sem o cometimento de um assassinato, classificando esta ―como la primera forma romana ‗clásica‘ de tiranicidio fue la expulsión.‖ (TURCHETTI, 2007, p. 109).

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quais sejam, o assassinato e o exílio, já mencionados, e a possibilidade de ―abolição

da tirania, com o apoio dos Estados Gerais6‖ (TURCHETTI, 2007, p. 109, tradução

nossa), possível, a partir dos ensinamentos extraídos da obra monarcômaco

Vindiciae contra tyrannos, em que ―o tiranicídio se volta de ali em adiante como uma

doutrina consumada do direito de resistência que como tal se impõe em virtude de

seu fundamento de legitimidade‖7 (TURCHETTI, 2007, p. 109, tradução nossa).

É salutar dissertar que a doutrina entorno da legitimidade ao tiranicídio é

extremamente passível de críticas, pois, mesmo que sua prática vil de assassinato

seja pautada nos elementos de existência do governo opressor e do ato altruísta de

libertação da comunidade, ainda assim, é a consumação de um pecado capital e

crime perverso.

Ver-se-á, ao longo deste estudo, que a presença das teorias tiranicidas

deixou diversos governantes à mercê de fanáticos (políticos ou religiosos), além da

sensível dimensão moral relativa aos questionamentos: a quem compete delimitar

quem seja tirano? E como avaliar quem é ou não é tirano? Pois, invariavelmente,

essa definição encontra-se carregada de considerações subjetivas, uma vez que

quem é tirano para alguns não o é para os demais. E, ademais, quem é legítimo

para infligir morte ao tirano?

Durante os tópicos que se seguem, ver-se-á a tentativa dos mais renomados

autores tiranicidas de encontrar fundamentos que legitimem o ato em comento,

argumentando que se trata de ato de extrema necessidade e cuja pretensão é livrar

todos do jugo opressor. Assim, com atenção a estas ideias preliminares, encaminha-

se ao estudo da tirania e à evolução e desenvolvimento das teorias tiranicidas.

3.1 Antiguidade Clássica e a tirania

É impreciso na História o momento de surgimento do primeiro tirano ou do

discurso mais articulado sobre a sua figura8. Segundo Bignotto, entretanto, no século

6 La abolición de la tiranía, con el apoyo de los Estados Generales.

7 El tiranicidio se vuelve de ahí en adelante una doctrina consumada del derecho de resistencia que como tal se impone en virtud de su cimiento de legitimidad.

8 Segundo pesquisa bibliográfica levantada por Fernando Centenera Sánchez-Seco, para a elaboração de sua tese de doutorado, ―la tiranía griega comenzó en Corinto, pero se extendió por lugares muy diferentes, tanto en Occidente como en Oriente. Sicilia también la conocería en época temprana, a finales del siglo VII a. C. y en el siguiente, merced al proceder de Falaris. Éste, que ejerció el poder desde el año 571 hasta el 555 a. C., llegó a Agrigento en calidad de arquitecto de un templo, y con la ayuda de varios operarios que tenía a sueldo consiguió el gobierno.‖

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VII a. C., a tirania já era forma de governo conhecida pelos gregos e inscrita nas

possibilidades de solução das diversas crises pelas quais passavam as cidades

(BIGNOTTO, 1998).

Na exposição acima, salta aos olhos o fato de a tirania representar, entre os

gregos, a solução para os problemas da cidade. Bignotto esclarece esse fato:

O tirano, assim como a democracia, nasceu do confronto entre uma parcela considerável da população, que se sentia excluída e que pagava por isso, e as diversas famílias aristocráticas, que de formas muito diferentes, mas sempre baseadas no princípio da diferença, exerciam o poder nas mais importantes cidades. Não podemos falar de um processo único, ou mesmo de acontecimentos que guardam entre si um estrito nexo causal; o certo, no entanto, é que a tirania apareceu muitas vezes como uma solução, ou um desdobramento necessário de uma crise, que ameaçava a própria sobrevivência das cidades. (BIGNOTTO, 1998, p. 22).

Outro aspecto de destaque na configuração do tirano grego apresentada por

Bignotto, ao citar Andrews, era que "dizer de alguém que ele era tirano podia

significar simplesmente que detinha o poder, mas não necessariamente que era mau

governante, pelo menos nos primeiros tempos de uso da palavra" (ANDREWS apud

BIGNOTTO, 1998, p.16-17). Nesse mesmo sentido, Socolovsky (2002) também

assinala que, originariamente, o tirano era o título que se atribuía àquele que

chegava ao poder de forma ilegítima ou por meios diversos dos tradicionais,

contando, geralmente, com o apoio popular. A concepção do tirano enquanto aquele

governante violento e cruel somente surgirá posteriormente.

Ao tirano, era conferida a gradação de suas ações que se iniciam com rastro

de morte e crueldade dentro do seio familiar, para depois transpô-lo ao seu povo,

pois a usurpação do poder, em muitos casos, iniciava-se dentro do núcleo familiar,

quando, para ascender politicamente, era necessário o parricídio ou a morte do

primogênito. (BRANDÃO, 2008).

A descrição tradicional dos tiranos helenísticos aponta para uma riqueza proverbial, associada a sumptuosidade, rapacidade e uma felicidade decorrente do facto de poder fazer impunemente o que deseja. A fuga à norma manifesta-se na arrogância e aspirações a um culto divino, exagerada crueldade no castigo dos súbditos e na eliminação de possíveis rivais, parricídio e assassínio de familiares próximos, prepotência no domínio sexual, manifesta através do abuso de mulheres e homens livres. (BRANDÃO, 2008, p. 116).

(SÁNCHEZ-SECO, 2006, p. 133).

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De herói da salvação nacional à imagem e conceito de tirano, migra-se

gradativamente para o governo da violência, passando-se a identificar extenso e

diverso manual de práticas de tortura perpetradas que, em sua grande maioria, eram

realizadas em público e com a finalidade de afirmar seu poderio.

O conceito de tirania, entre os gregos, logo se oporá ao de democracia,

merecendo não apenas o repúdio, mas a virtude de aniquilá-la. Tirano, por exemplo,

em Platão (1961)9, é o falso e mau rei, e, em Aristóteles (1997)10, é o oposto às

formas do bom governo. Escreve Polo que "na Atenas democrática se fomentava o

tiranicídio"11 (POLO, 2006, p. 03, tradução nossa), concluindo que "era um dever

cívico, não só ser um anti-tirano, mas também ser um assassino de tiranos, embora

estes sejam concidadãos"12 (POLO, 2006, p. 03, tradução nossa). A noção tiranicida

povoava, inclusive, o imaginário grego, sendo atribuída a Luciano (2012)13 a obra O

tiranicida, na qual, a partir do relato fictício, exalta a coragem e o patriotismo daquele

que foi capaz de arriscar a própria vida em prol do bem comum ao assassinar o

tirano.

Em uma síntese de como os pensadores gregos caracterizavam os tiranos,

tem-se que:

9 Em sua obra Político, Platão assevera, em diálogo estabelecido entre Sócrates, o jovem e o estrangeiro que, deve ser feita a distinção entre rei e o tirano, de forma que estes são distintos em suas maneiras de governar, sendo o rei aquele ―aceito de boa vontade‖ e o tirano como aquele ―imposto pela força‖. Assim, aquele que exerce a ―arte do cuidado para com os homens‖ pela força é tirano, enquanto que, o rei e político é aquele que a oferece livremente e livremente são aceitos pelo rebanho (PLATÃO, 1961, p. 299-300).

10 Em sua obra ―Política‖, Aristóteles, ao elaborar sua teoria geral do governo, define que há ―três constituições puras: a realeza, a aristocracia, a república, e três outras que são um desvio dessas: a tirania para a realeza, a oligarquia em relação à aristocracia, e a democracia quanto à república. [...] É fácil compreender qual é o pior desses governos degenerados, e qual o que lhe segue; porque o pior deve ser, forçosamente, aquele que é uma corrupção do primeiro e do mais divino. É preciso que a realeza só exista no nome, ou que se funde na incontestável superioridade daquele que reina; segue-se a tirania que é o pior dos governos, é também aquele que mais se afasta da república. Em segundo lugar vem a oligarquia; porque a aristocracia difere bastante desta forma de república. Afinal a democracia é o mais tolerável desses governos degenerados.‖ (ARISTÓTELES, 1997, p. 227-228).

11 [E]n la Atenas democrática se fomentaba el tiranicidio.

12 Era un deber cívico, no sólo ser un antitirano, sino incluso ser un asesino de tiranos, aunque éstos fueran conciudadanos.

13 Extrato da obra de Luciano: ―Senhores jurados: Tendo eu matado dois tiranos num só dia — um já de avançada idade, e o outro na flor da juventude e pronto para suceder aquele nas suas iniquidades —, venho, porém, reclamar uma única recompensa pelos dois actos, pois fui o único dos tiranicidas de todos os tempos, que, de um só golpe, vos libertei de dois patifes, ao matar o filho com a espada, e o pai através do grande amor ao filho. O tirano recebeu uma punição bastante grande por aquilo que fez, pois, no fim dos seus dias, mas ainda vivo, viu o seu próprio filho morto prematuramente, e finalmente — facto tão paradoxal —, viu-se compelido a tornar-se tiranicida de si mesmo. O seu filho morreu, sim, por minha mão, mas, por seu lado, serviu-me, depois de morto, como causador de outra morte: enquanto vivo, foi cúmplice do pai, e após a morte foi assassino de seu pai... da forma possível.‖ (LUCIANO, 2012, p. 125).

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Sua guarda e escolta se compunham de estrangeiros (Aristóteles, Platão, Sócrates e Xenofontes), suas ações são contrárias às leis (Platão), é fadado à exploração infame (Sófocles), anula a todas aquelas pessoas importantes, melhores ou rentáveis (Aristóteles, Platão, Plutarco e Xenofontes), não desfruta garantindo valor ou dando armas aos cidadãos quer-los pobres (Xenofontes), todos o temem, é um déspota inexorável, um torturador cruel, um opressor violento (Luciano) e, finalmente, a destruição da cidade (Laercio). Além disso, vários autores relacionados ao contexto grego observaram que a figura em questão, padece de uma situação constante de medo e desconfiança (Platão, Sócrates e Xenofonte).

14 (SÁNCHEZ-SECO,

2006, p. 136, tradução nossa).

Essa correlação entre tirania e violência já predominava também na Roma

Antiga. Para os romanos, a tirania não era propriamente sistema de governo, mas

maneira de governar:

Se em Atenas um tirano era quem pretendia substituir a democracia por qualquer outra forma de governo (aristocracia, oligarquia ou tirania), Cícero considerava um tirano a quem pretendia alterar os princípios básicos pelos que se regia a res publica romana, um regime pelo qual, em sua opinião, não existia realmente uma alternativa possível. Em Roma, o triunfo sobre o tirano não devia significar a instauração de uma democracia, um sistema de governo ao qual Cícero abominava, mas a preservação da res publica aristocrática tradicional. Como lógica conseqüência, somente na aristocracia, e dentro dela aos boni, correspondia determinar quem devia ser considerado um tirano e qual devia ser o procedimento empregado para eliminá-lo.

15 (POLO, 2006, p. 04, tradução nossa).

A utilização pelos autores Plutarco (2001; 2010)16, Cícero (1980; 2008)17 e

14

Su guardia y escolta se compone de extranjeros (Aristóteles, Platón, Isócrates y Jenofonte), sus actuaciones son contrarias a las leyes (Platón), está dado a la infame explotación (Sófocles), anula a todas aquellas personas importantes, mejores o de provecho (Aristóteles, Platón, Plutarco y Jenofonte), no disfruta infundiendo valor ni dando armas a los ciudadanos, los quiere pobres (Jenofonte), todos le temen, es un déspota inexorable, un torturador cruel, un opresor violento (Luciano) y, en definitiva, la destrucción de la ciudad (Laercio). Además, varios autores relacionados con el contexto griego señalaron que la figura en cuestión, padece una situación de constante temor y desconfianza (Platón, Isócrates y Jenofonte).

15 Si en Atenas un tirano era quien pretendía sustituir la democracia por cualquier otra forma de gobierno (aristocracia, oligarquía o tiranía), Cicerón consideraba un tirano a quien pretendiera alterar los principios básicos por los que se regía la res publica romana, un régimen para el que, en su opinión, no existía realmente una alternativa posible. En Roma, el triunfo sobre el tirano no debía significar la instauración de una democracia, un sistema de gobierno del que Cicerón abominaba, sino la preservación de la res publica aristocrática tradicional. Como lógica consecuencia, sólo a la aristocracia, y dentro de ella a los boni, correspondía determinar quién debía ser considerado un tirano y cuál debía ser el procedimiento empleado para eliminarlo.

16 ―Mas o que fez aumentar o ódio contra César, e que foi a causa de sua morte, foi sobretudo o desejo que teve de se fazer declarar rei; nasceu daí a aversão que o povo teve por ele depois, ao passo que seus inimigos secretos encontravam nisso o pretexto mais especioso de que podiam servir-se.‖ (PLUTARCO, 2001, p. 237).

17 Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), comumente conhecido apenas por Cícero, foi um filósofo e cônsul romano que, ao escrever sobre o tiranicídio, bebeu nas fontes de Platão, como ele mesmo reconhece em sua obra De Res Publica, da qual se extrai o seguinte excerto: ―uma vez desenvolvida e exposta minha opinião a respeito da forma de governo que julgo preferível, ser-me-á preciso falar, com alguma circunspecção, dessas grandes comoções públicas, se bem que seja

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Sêneca (1979; 1990)18 do termo tirano era acompanhada quase sempre da incitação

popular a assassinarem-no. Tirano era aquele que deveria morrer. Essa reflexão

imprime o caráter de alerta ao seu uso político, pois nem sempre quem era chamado

de tirano, de fato, o era. Atente-se que, em Roma, a tirania encontrava-se adstrita à

forma de governar. Se alguém indica que determinado governante, em suas ações,

possuía traços de tirania, esse era, portanto, tirano e, por isso, deveria morrer; e

mais, aqueles que o matassem eram heróis da nação.

Nos diversos episódios da época da República Tardia, nos quais Cícero quis ver o tiranicídio preventivo como uma resposta adequada a uma situação de perigo para o Estado romano, se registrou uma série de constantes. Em todos os casos, os potenciais aspirantes à tirania - tanto os da República Tardia quanto seus correspondentes da época arcaica - se caracterizaram por promoverem medidas em benefício do povo, o que os convertia em personagens muito populares, mas também em inimigos da maioria senatorial. Este é obviamente o motivo para agir radicalmente contra eles, embora a razão aduzida "oficialmente" era a acusação de terem, uma atitude tirânica contrária ao espírito da res publica tradicional. A acusação não se concretizou legalmente, posto que, na prática, não havia existido um crime positivado suscetível de ser julgado, tratava-se tão somente de um crime de intenção.

19 (POLO, 2006, p. 06, tradução nossa).

este o perigo mais remoto no governo que me agrada. É, no que respeita à monarquia, seu principal escolho e a hipótese mais segura de sua ruína; desde o momento em que o rei comete a primeira injustiça, essa forma perece convertendo-se em despotismo, o mais vicioso de todos os sistemas e, não obstante, o mais próximo do melhor. Se sucumbe um tirano sob os esforços dos grandes, toma então o Estado a segunda das formas explicadas, e se estabelece uma espécie de autoridade real, ou antes, paternal, composta dos principais cidadãos que velam com zelo pelo bem comum. Se o povo, por si mesmo, expulsa ou mata o tirano, demonstra um pouco de moderação enquanto conserva o juízo sereno, e, satisfeito de sua obra, deseja conservar a ordem política que ele mesmo acaba de estabelecer. Mas, se, por desgraça, fere um rei justo ou o despoja do trono, ou chega a derramar o sangue dos grandes, — sendo mais comum este exemplo, — e prostitui o Estado ao furor dos seus caprichos, sabe que não há incêndios nem tempestades mais difíceis de apaziguar do que a insolência e o furor dessa desenfreada multidão.‖. (CÍCERO, 1980 p.151-152).

18 Em ―Tratado sobre a clemência‖, Sêneca estabelece a diferença entre reis e tiranos, de forma que os reis apenas matam ―quando o interesse público os persuade a fazê-lo‖ (SÊNECA, 1990, p. 62). Assim, ―como são opostos, agem de forma oposta. Porquanto, embora seja odiado porque é temido, o tirano deseja ser temido porque é odiado, servindo-se daquela abominável máxima, que precipitou a perdição de muitos: ‗Que me odeiem, contanto que me temam‘, tendo ignorado quanta fúria engendraria, quando os rancores crescessem além da medida. De fato, um temor moderado coíbe os espíritos, mas um temor permanente, não só agudo mas que leva a extremos, incita os prostrados à audácia e persuade-os a recorrer a tudo.‖ (SÊNECA, 1990, p. 63). Ademais, em sua obra Hercules Loco, Sêneca exalta que, para Deus, não há sacrifício mais aceitável do que a morte de um rei injusto, in verbis, ―HÉRCULES: - Ojalá pudiera yo libar a los dioses la sangre derramada por esa odiosa cabeza: ningún líquido más grato teñiría los altares. No puede sacrificarse a Júpiter una víctima mejor ni más opulenta que un rey inicuo.‖ (SÊNECA, 1979, p. 160).

19 En los diversos episodios de época tardorrepublicana en los que Cicerón quiso ver el tiranicidio preventivo como la respuesta adecuada a una situación de peligro para el Estado romano, se aprecian una serie de constantes. En todos los casos, los presuntos aspirantes a la tiranía - tanto los tardorrepublicanos como sus correspondientes de época arcaica - se caracterizaron por promover medidas en beneficio de la plebe, lo que les convirtió en personajes muy populares, pero también en enemigos de la mayoría senatorial. Éste es obviamente el motivo para actuar radicalmente contra ellos, aunque la razón aducida "oficialmente" fue la acusación de tener una actitud tiránica contraria al espíritu de la res publica tradicional. La acusación no se concretó

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Diversos registros históricos da Antiguidade relatam o assassinato de tiranos.

Hiparcos, que se autointitulava tirano, foi assassinado por Harmodius e Aristogeiton,

sendo um dos primeiros – senão o primeiro – casos de tiranicídio. O caso mais

memorável e que serviu de exemplo a estudos e prática do tiranicídio foi o

assassinato de Júlio César, em 44 a.C., acusado de conspirar contra a República.

Diversos sucessores de César tiveram o mesmo destino, a exemplo de Calígula, em

41 d.C., e Domitiano, em 96 d.C. (FITZGERALD, 1957).

O cidadão romano, cioso da sua libertas, abominava a dominatio: não aceitava submeter-se a um rex. O castigo para quem desejasse tomar para si o poder era a morte; e diversas declamationes tratavam o tema do praemium a conceder ao tiranicida. Entre as várias explicações para a travessia do Rubicão, vem a suspeita de que César acalentava o desejo calculado da dominatio; e, mais tarde, várias acções e ditos são, em consonância com os critérios biográficos de análise caracterológica, reveladores de abuso de poder, pelo que justificavam a morte do ditador: este tornara-se culpado de hybris ao aceitar, em vida, honras que ultrapassam a condição humana (Jul. 76.1). A mesma insolência se censura, sobretudo a Calígula, que se arroga atributos divinos (Cal. 22), e a Domiciano, por se declarar dominus et deus (Dom. 13.2). Tais comportamentos eram designados pela tradição como inpotentia ou arrogantia ou superbia, termos que definiam o comportamento tirânico. (BRANDÃO, 2008, p. 131-132).

Brandão (2008) ainda acrescenta que predominava, na caracterização do

tirano antigo, a postura irreverente, seja na forma de vestir, de se portar, na

promiscuidade de seus relacionamentos ou no seu apetite sexual, afirmando toda a

sua insistência em quebrar com as convenções sociais, que, aos olhos de seus

governados, lhe imprimiam características sobre-humanas, sempre no intuito de

justificar amá-lo ou odiá-lo. Uma vez que lhes era concedida a prerrogativa de tudo

fazer, a disseminação de rumores sobre seus comportamentos ganhavam espaço, e

pouco, o cidadão comum sabia, do que era real ou invenção. E isso pouco

importava, pois eram justamente esses boatos que alimentavam os brados de

―tiranos ao Tibre!‖20 (BRANDÃO, 2008, p. 133).

A Antiguidade, portanto, deixa o legado da palavra tirania, carregada de

legalmente, puesto que, en la práctica, no había existido un crimen codificado susceptible de ser juzgado, se trataba tan sólo de un crimen de intención.

20 Brandão explica que: ―a espontaneidade das reacções à morte dos imperadores é reveladora. Recorde-se o que Suetónio nos diz sobre o contentamento do povo, depois de Tibério morrer: ‗uma parte gritava 'Tibério ao Tibre!‘, outra parte rogava à Terra mãe e aos deuses Manes que lhe não concedessem assento senão entre os ímpios; outros ameaçavam o cadáver com o gancho e as Gemónias, exasperados pela recordação da antiga crueldade e da recente atrocidade (Tib. 75.1) — reclama-se o castigo reservado aos inimigos do Estado e aos piores tiranos.‖ (BRANDÃO, 2008, p. 133).

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conteúdo negativo, associado ao desejo de expurgá-la da vida sóciopolítica.

Entretanto, tratando-se da noção tiranicida, enquanto doutrina, nesse período, ainda

era incipiente, sendo mais explorada nos séculos que se seguem.

3.2 A tirania e o tiranicídio entre os medievais

Na Baixa Idade Média, haverá vasta e riquíssima reflexão sobre a tirania,

embora o apelo ao tiranicídio estivesse, em regra, num plano secundário. O dever

cívico de gregos e mesmo de romanos havia dado lugar à cultura da submissão aos

desígnios de Deus e dos homens:

Os medievais, em particular na trilha de Agostinho, consideravam a vida terrena o resultado da queda. Ela era o produto de uma decadência em relação à natureza original do homem, mas não implicava na existência de uma transformação na própria condição de pecadores. O mundo político era sempre olhado como o produto do pecado original e, por isso, havia pouco a se fazer com a história secular dos homens. (BIGNOTTO, 2001, p. 122).

Com a teoria da origem divina do poder político, os reis não poderiam ser

maus e ninguém lhes poderia contrariar as ordens, sob pena de duplo atentado: ao

reino de deus e ao reino dos homens. Eventuais injustiças praticadas decorreriam da

vontade superior, inclusive de punir os súditos, sendo incapazes de correção pelas

mãos humanas (BODIN, 199221; ROTERDAM, 2007; BOSSUET, 197622). Essa

doutrina trazia, porém, uma cláusula de proteção aos interesses da Igreja ou da

comunidade cristã. O rei haveria ser bom cristão e obediente à lei divina e natural (a

parte cognoscível aos humanos), tendo, ao menos tacitamente, celebrado pacto com

o povo de Deus de assim o ser e proceder. Tirano seria, então, aquele que agisse

contra as leis de Deus, abusando de sua autoridade terrena e perpetrando atos

contrários ao bem comum e à moral. Sendo assim, para os medievais, "era tirano

quem quebrasse as condições do pacto expresso ou tácito pelo qual lhe atribuía o

povo como posse da titularidade do poder. [...] era tirânico um governo que atuasse

21

―Dado que, después de Dios, nada hay de mayor sobre la tierra que los príncipes soberanos, instituidos por El como sus lugar tenientes para mandar a los demás hombres, es preciso prestar atención a su condición para, así, respetar y reverenciar su majestad con la sumisión debida, y pensar y hablar de ellos dignamente, ya que quien menosprecia a su príncipe soberano, menosprecia a Dios, del cual es su imagen sobre la tierra.‖ (BODIN, 2997, p. 72).

22 ―O trono real não é o trono de um homem, mas o trono do próprio Deus. Os reis são deuses e participam de alguma maneira da independência divina. O rei vê de mais longe e de mais alto; deve acreditar-se que ele vê melhor, e deve obedecer-lhe sem murmurar, pois o murmúrio é uma disposição para a sedição.‖ (BOSSUET, 1976, p. 201).

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contra a lei divina e contra a lei natural. [...]"23 (NEGRO PAVÓN, 1992, p. 691,

tradução nossa).

Nesse período histórico, mais que no anterior, tem-se o desenvolvimento das

teorias que buscam legitimar o tiranicídio. Essas teorias, no entanto, contrariavam as

exigências agostinianas, bem arraigadas no pensamento medieval, de submissão ao

castigo divino do mau rei. Com o progredir dos séculos e o ganho de complexidade

das relações sociais e, inicialmente, de conflitos crescentes entre reis e Igreja,

passou-se a advogar timidamente, em princípio, a legitimidade dos atos de revolta

contra as condições de injustiça infligidas ao povo pelo seu rei, injustiças essas

medidas pela ética cristã.

3.2.1 John of Salisbury e a doutrina do tiranicídio24

John of Salisbury (c. 1120-1180), por volta do século XII, tem sido apontado

como um dos primeiros pensadores medievais a contrariar a tese agostiniana da

submissão25 (ROUSE; ROUSE, 1967). Em sua obra Policraticus, traça as linhas

gerais sobre o que viria a ser definido por Estado de Direito, admitindo, em situações

limites, que houvesse o extermínio do governo tirânico26. Em sua incursão,

primeiramente, Salisbury traça as diferenças entre o príncipe e o tirano, de forma

que:

O príncipe luta pelas leis e pela liberdade do povo; o tirano supõe que nada deva ser feito a menos que as leis sejam canceladas e as pessoas sejam levadas à servidão. O principe é uma espécie de imagem da divindade e o tirano é a imagem da força do Adversário e da depravação de Lúcifer, pois suposto ele é imitado por quem desejava estabelecer seu trono ao norte e ser como o Altíssimo, ainda assim com sua bondade removida. Pois, se ele quisesse ser como Deus em sua bondade, ele nunca tentaria arrancar a glória de Seu poder e sabedoria. No entanto, talvez ele aspirasse ser recompensado por ser elevado ao mesmo nível. Como a imagem da deidade, o príncipe deve ser amado, venerado e respeitado o tirano, como a

23

Era tirano quien quebrantaba las condiciones del pacto expreso o tácito por el que le atribuía el pueblo como posesión la titularidad del poder. [...] era tiránico un gobierno que obrase contra la ley divina y la ley natural [...].

24 Em alusão à obra John of Salisbury and the Doctrine of Tyrannicide, escrita por Richard H. Rouse e Mary A. Rouse, publicada pela The University of Chicago Press, v. 42, n. 4, pp. 693-709, Oct., 1967.

25 ―As the great father Augustine has testified, kingdoms would be as clam and friendly in their enjoyment of peace as are different families in orderly cities or different persons in the same family. Or perhaps it is more believable that there would be absolutely no kingdoms, for as ins evident from the ancient historians, these were iniquitous in them selves; they either encroached upon or were extorted from God.‖ (SALISBURY, 1990, p. 191).

26 Dedicou toda a parte oitava de sua obra Policraticus para conclamar o tiranicídio.

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39

imagem da depravação, deve ser, na maioria das vezes, morto.27

(SALISBURY, 1990, p. 191, tradução nossa).

Definido quem é o tirano, Salisbury conclama o seu extermínio:

A origem da tirania é a iniquidade e que brota da raiz venenosa e perniciosa do mal e sua árvore deve ser cortada por um machado em qualquer lugar que cresça. Pois, a menos que a iniquidade e a injustiça avancem para a tirania por meio do extermínio da caridade, da segurança, da paz e da calma perpétua que teriam habitado entre as pessoas durante toda a eternidade e que ninguém pensaria em avançar suas fronteiras. [...] E é claro que não somente reis praticam a tirania; muitos homens particulares são tiranos, na medida em que os poderes que possuem promovem objetivos proibidos. Um não deve ser destruído para que pareça que eu estou associando reis com a tirania, uma vez que, embora seja dito que o "rei" (rex) é derivado do "direito" (recte), que é apropriado para os príncipes, ainda assim este nome incorretamente refere-se a tiranos.

28 (SALISBURY,

1990, p. 191, tradução nossa).

Apesar da incitação à morte enquanto punição ao tirano, segundo Richard H.

Rouse e Mary A. Rouse (1967, p. 693), o pensamento exposto por John of Salisbury,

entretanto, é cercado de certa cautela, pois, mesmo diante de sua inegável defesa

ao tiranicídio, sua teoria possui certas reservas e contradições, incluindo a reiteração

da visão tradicional de que o cristão deve submissão aos poderes temporais, o que,

de acordo com Sánchez-Seco, decorre da ―incapacidade de escrever diretamente

sobre a política do rei que melhor conhecia (Henrique II, da Inglaterra)‖29

(SÁNCHEZ- SECO, 2006, p. 153, tradução nossa), visto que, quando Policraticus foi

escrito, Henrique ainda não era o tirano que se tornou mais tarde. John of Salisbury

(1990) também advogava que, na hipótese de manifestação desse direito a resistir à

27

The prince fights for the laws and liberty of the people; the tyrant supposes that nothing is done unless the laws are cancelled and the people are brought into servitude. The prince is a sort of image of divinity and the tyrant is an image of the strength of the Adversary and the depravity of Lucifer, for indeed he is imitated who desired to establish his throne to the north and to be like the Most High, yet with His goodness removed. For if he had wished to be like Him in goodness, he would never have endeavoured to snatch away the glory of His power and wisdom. Yet perhaps he aspired to be rewarded by being raised to the same level. As the image of the deity, the prince is to be loved, venerated and respected the tyrant, as the image of depravity, is for the most part even to be killed.

28 The origin of tyranny is iniquity and it sprouts forth from the poisonous and pernicious root of evil and its tree is to be cut down by an axe anywhere it grows. For unless iniquity and injustice had advanced tyranny through the extermination of charity, secure peace and perpetual calm would have dwelled among the people throughout eternity, and no one would think of advancing his borders. […] And of course not only kings practice tyranny; many private men are tyrants, in so far as the powers which they possess promote proihibited goals. One is not to be torubled that I am appearing to have associated kings with tyranny, since, although it is said that ‗king‘ (rex) is derived from the ‗right‘ (recte) which is fitting for princes, still this name incorrectly refers to tyrants.

29 La incapacidad de escribir directamente sobre la política del Rey que mejor conocía (Enrique II de Inglaterra).

Page 33: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

opressão, essa resistência era adstrita a alguns poucos.

Além das contribuições do pensamento desenvolvido por John of Salisbury,

nesse período, ocorreu significativa evolução do pensamento tiranicida, que iria,

posteriormente, influenciar os escritos, por exemplo, de São Tomás de Aquino e de

Bártolo de Sassoferrato.

3.2.2 As contribuições do direito de resistência desenvolvido por São Tomás de

Aquino

O pensamento desenvolvido por São Tomás de Aquino (1225-1274) aloca

suas ideias no período anterior à existência da teoria do direito divino dos reis, e, por

isso, os reis eram vistos enquanto representantes do povo, devotados ao bem

comum (AQUINO, 1995). Desse modo, havendo por parte do rei a violação do

preceito divino, caberia aos súditos resistir, no intuito de restituir a ordem violada

pelo monarca. Ademais, sob os ensinamentos de Aristóteles, São Tomás de Aquino

classificava a monarquia como o regime ideal, enquanto a tirania seria o pior

governo, pois alegadamente corrupto em suas ações (AQUINO, 1995).

Assim, o melhor governo deveria se espelhar naquele instituído por Moisés,

por meio da lei divina, em que se configura por ser o chefe único que governa a

todos com virtude (monarquia), mas também escolhe entre alguns poucos, setenta e

dois anciões, para consigo governar (aristocracia), embora não obste que esses

poucos sejam escolhidos pelo povo, mediante aquilo que estabelece a lei

(democracia) (AQUINO, 1995).

O regime tirânico não é justo porque não se ordena não ao bem comum, mas ao bem privado de quem detém o poder, como o mostra o Filósofo. Por isso a derrubada de tal regime não tem a razão de sedição; a não ser que o regime do tirânico seja derrubado de maneira tão desordenada que o povo a ele subjugado experimentasse um dano maior com a derrubada subsequente do que com o regime tirânico. No entanto, é muito mais sedicioso o tirano que nutre no povo as discórdias e as sedições para poder dominá-lo com mais segurança. Isto é tirânico; que algo seja ordenado ao bem próprio de quem preside com detrimento da multidão. (AQUINO, 2011, p. 532).

Então, como representante do povo e vigilante do bem comum, cabe ao

governante ser justo e agir em prol da coletividade, pois, ao conferir tirania ao seu

povo, o governo, mesmo que legítimo, perde esse caráter e, por essa ausência,

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41

precisa utilizar-se da força para se manter no poder. Configurada a presença destes

elementos: governo injusto e ausência de legitimidade, estaria, por São Tomás de

Aquino, reconhecido ao povo seu direito de resistência e a busca pela deposição do

mau governante (AQUINO, 1995).

Entretanto, São Tomás de Aquino, adverte que, se os desmandos do príncipe

não fossem excessivos e atentatórios às leis divinas expressas na Bíblia, caberia ao

povo resistir de forma passiva; ―mais conveniente é temporariamente tolerá-la

branda, do que, na oposição ao tirano, ficar-se emaranhado em muitos perigos mais

graves do que a própria tirania‖ (AQUINO, 1995, p. 139); e, apenas, em casos

extremos, poder-se-ia chegar à resistência violenta.

Nesse sentido, segundo Newton Sucupira, São Tomás de Aquino rumava à

doutrina que privilegiava a prática do tiranicídio, embora, em seus ―escritos da

maturidade‖ (SUCUPIRA, 1996, p. 76), tenha apontado o tiranicídio como ―a

possibilidade de ser o tirano punido com a pena de morte, desde que seja pela

autoridade pública‖ (SUCUPIRA, 1996, p. 76), pois, ―se, porém, pertence ao direito

de algum superior prover de rei a multidão, também dele se há de esperar remédio

contra a maldade do tirano‖ (AQUINO, 1995, p. 141). Tais proposições de Aquino

são interpretadas por Newton Sucupira (1996) enquanto emanações pretéritas do

porvir processo constitucional de impedimento:

Do que foi exposto, é licito concluir que em sua doutrina do direito de resistência ao regime tirânico, Santo Tomás antecipou-se à moderna teoria do ―impeachment‖. Não deixa de ser extraordinário que, em pleno século XIII, no auge do poder feudal, o Doutor Angélico tenha reconhecido soberania popular, como se depreende de sua concepção do regime misto, ad populum pertinet electio principum, e da ideia de uma monarquia limitada que a chamaríamos hoje de monarquia constitucional. (SUCUPIRA, 1996, p. 78).

Conforme se verá ao longo da exposição deste trabalho, as contribuições de

São Tomás de Aquino são e foram de extrema importância para a construção do

direito de resistência e, apesar, de serem inseridas em contexto diverso do atual,

ainda mantêm semelhanças com a realidade pós-constitucional.

3.2.3 De Tyranno, de Bártolo de Sassoferrato

Bártolo de Sassoferrato (1314-1357), por sua vez, se despontou como jurista

Page 35: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

italiano que, nos idos do século XIV, elaborou a primeira obra medieval de caráter

jurídico dedicada aos tiranos. De Tyranno, conforme foi denominado seu ensaio,

composto por doze questionamentos30, serviu para ratificar a luta contra a tirania e

obteve grande difusão entre os séculos XV e XVI quando se tornou fonte primária

contra a tirania instaurada na Florença republicana, governada de Coluccio Salutari

a Savonarola (KIRSHNER, 2006).

De Tyranno, apesar das influências recebidas de obras desenvolvidas por

Papa Gregório Magno, São Tomás de Aquino e Giles de Roma, diferencia-se dessas

e de outras anteriores, pois foi capaz de apresentar robusto quadro conceitual e de

força normativa que contribuiu para as teorias da tirania e do tiranicídio

desenvolvidas, posteriormente, por Bodin, Théodore de Bèze, Stephanus Junius

Brutus, Juan de Mariana e Joahannes Althusius (KIRSHNER, 2006).

A fim de exemplificar sua influência jurídico-normativa, Julius Kirshner (2006,

p. 305) cita a utilização da referida obra, após a queda do regime de Médici, em

1494, por juristas florentinos para justificar a busca dos Pazzi31 pela recuperação de

suas propriedades expropriadas, alegando que as expulsões provinham de atos de

tirania.

A teoria desenvolvida por Bártolo, de abordagem jurídica e argumentos

fundamentados pela ius commune, pelo direito romano medieval e pela lei feudal

(KIRSHNER, 2006),

Entendia que, em virtude da lex julia maiestatis, caía o tirano por defeito de título. Com respeito ao tirano de exercício, Bártolo pontua que este cai sob a lex julia de vi publica, pois oprime os súditos, promove facções na comunidade e impõe novas cargas e impostos. A pena de tal lei é a deportação. Deste modo, precisa o jurisconsulto, que o tirano entrega todos os direitos sob a lei civil e como uma pessoa infame, perde sua dignidade e ofícios. Ademais, Sassoferrato constata que a figura contemplada cai sob a lex julia de ambitu, e avalia que, talvez, pudera ser também merecedora da

30

Estes são os doze questionamentos que estruturaram toda a obra De Tyranno: ―First, I ask, by what source one is called a tyrant; I ask second in what way is tyrant defined; I ask third whether one may be called a tyrant in [only] one region (Vicinia); I ask fourth whether one can be a tyrant in a single home; I ask fifth how, regarding the tyrant of the city, many species of it exists; I ask sixth [whether] one is called a manifest tyrant in a city by defect of title; I ask seventh whether the deeds by such a manifest tyrants are valid, even during their reign (veleorum tempore); I ask eighth [whether] someone is called a manifest tyrant by reason of conduct (ex parte exercitii); I ask ninth, if some duke, marquis, count, or baron, who has a just title, is proved to be a tyrant by his action, what ought a superior do; I ask tenth what we ought to say about the things that it appears the highest pontiff, emperor, and legates have done; I ask eleventh whether the deeds by the abovesaid tyrants, who truly have a just title, are valid; I ask twelfth ask about the tacit and hidden tyrant.‖ (QUAGLIONI, 1983, p. 02).

31 Em decorrência da Conspiração dos Pazzi, alguns membros da família foram exilados politicamente e, em 1494, com o fim do regime dos Médici, retornaram a Florença.

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43

pena de morte. Não obstante, este autor não indica quem poderá acabar com o tirano, se o povo a ele submetido, o superior ou o cidadão privado.

32

(SÁNCHEZ-SECO, 2006, p. 167-168, tradução nossa).

Apesar do pensamento quase unânime da época de que a resistência que se

poderia fazer ao tirano haveria de ser passiva, sem sangue, pela qual as pessoas ou

os bons súditos haveriam de tentar levar suas vidas de trabalho, recorrendo às

orações e lágrimas que um dia serão ouvidas e vistas no tempo certo (BÈZE, 1979),

as ideias desenvolvidas, principalmente, por São Tomás de Aquino e Bártolo de

Sassoferrato, se projetaram no tempo, ganhando cada vez mais radicalidade em

algumas vozes.

3.3 Tirania e tiranicídio na Alta Modernidade

Com a queda do Império Romano e, consequente, o fim da Idade Média, com

a tomada de Constantinopla pelos turco-otomanos em 1453, grandes

transformações ocorreram na Europa e se alastraram pelo mundo. A mentalidade

medieval travada em seus dogmas deu lugar ao racionalismo; sai-se da ―Idade das

Trevas‖ e encontra-se o Iluminismo; rompe-se a estrutura feudal, e o poder

centraliza-se nos Estados nacionais; a burguesia passa a integrar a estrutura social

e a lucrar com esta; iniciam-se as grandes navegações, o projeto colonial, o

Renascimento, o Mercantilismo, o Humanismo e a Reforma Protestante. Essas e

outras mais características demarcam a diferença política, social e econômica que

caracteriza o Antigo Regime, assim denominado pela configuração das monarquias

absolutas que se assentavam na teoria do direito divino dos reis.

A partir desse momento, inspira-se no Ocidente cristão a ideia de que o

monarca reina por intermédio de Deus, apenas a este devendo obediência, de forma

que as vontades terrenas de seus súditos possam ser ignoradas, uma vez que o rei

só pode ser, por Deus, responsabilizado por seus atos. Partindo dessa legitimação

divina, o rei se infla, comete abusos, e seus súditos nada podem fazer, pois qualquer

32

Entiende que en virtud de la lex julia maiestatis, cae el tirano por defecto de título. Con respecto al tirano de ejercicio, Bartolo señala que éste cae bajo la lex julia de vi publica, pues oprime a los súbditos, promueve facciones en la comunidad e impone nuevas cargas e impuestos. La pena de dicha ley es la deportación. De este modo, precisa el jurisconsulto, el tirano rinde todos los derechos bajo la ley civil y como una persona infame, pierde sus dignidades y oficios. Además, Sassoferrato constata que la figura contemplada cae bajo la lex julia de ambitu, y reseña que quizá pudiera ser también merecedora de la pena de muerte. No obstante, este autor no señala quién puede acabar con el tirano, si el pueblo a él sometido, el superior o el ciudadano privado.

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ato contrário ao rei é considerado como ato contrário a Deus.

Assim, inevitavelmente, o século XVI assistiu ao rápido crescimento da

doutrina do tiranicídio. Jean Petit (1360-1411), por exemplo, valeu-se de excertos

bíblicos para justificar o assassinato de Luís I, duque de Orleans, por seu patrono

João, o Destemido, Duque da Borgonha. A sua tese foi amplamente discutida, tendo

recebido da Igreja resposta ambígua, uma vez que, durante o Concílio de Constança

(1414-1418), foi rechaçada e considerada herética a doutrina que considerava lícita

a morte do tirano por seus súditos, bem como condenava conspirações nesse

sentido, já que levavam ao incentivo da prática de traições contrárias à fé cristã

(SÁNCHEZ-SECO, 2006).

3.3.1 O pensamento monarcômaco e o dever cristão ao tiranicídio

Na Alta Modernidade, foram os reformadores quem mais contribuíram para

difundir a ideia militante contra o tirano. Os monarcômacos33, corrente mais radical,

principalmente, entre os huguenotes franceses Théodore de Bèze34 (1519-1605),

Hubert Languet35 (1518-1581), François Hotman36 (1524-1590), Nicolas Barnaud37

(1538-1604), Simon Goulart38 (1543-1628) e Philippe de Mornay39 (1549-1623), mas

que incluía juristas de outras partes da Europa, como o britânico George Buchanan40

(1506-1582), passaram a divulgar, por meio de panfletos, o dever cristão do

tiranicídio. Para esses autores, o tirano era todo príncipe que perseguisse a

33

Termo de origem francesa que surgiu no século XVI para designar o grupo de teóricos, em sua maioria calvinistas, que se opunham à monarquia absolutista. Muitos dos monarcômacos defendiam o tiranicídio como recurso legítimo.

34 Teólogo protestante francês, discípulo de Calvino e autor de Du droit des magistrats sur leurs subjets (1574), obra dedicada a dar licitude a práticas tiranicidas.

35 Diplomata e reformista francês.

36 Constitucionalista e escritor protestante francês.

37 Escritor protestante, físico e alquimista francês. A quem se atribui o codinome Nicolas de Montand ou Montant e as autorias de Le reveille-matin des François et de leurs voisins (1574), Le Cabinet du roy de France e Le miroir des Francois (1581).

38 Teólogo protestante e poeta francês. Autor de Recueil contenant les choses les plus mémorables advenues sous la Ligue (1590) e Recueil des choses mémorables sous le régne de Henri IV (1598).

39 Escritor protestante francês. Autor de Excellent discours de la vie et de la mort (1577), Traité de l'Église où l'on traite des principales questions qui ont été mues sur ce point en nostre temps (1578), Traité de la vérité de la religion chrétienne contre les athées, épicuriens, payens, juifs, mahométans et autres infidèles (1581), De L'institution, usage et doctrine du saint sacrement de l'eucharistie en l'église ancienne (1598), Le mystère d'iniquité, c'est à dire, l'histoire de la papauté (1611). Além de ser apontado como autor de Vindiciae contra tyrannos (1579).

40 Foi um dos preceptores do rei infante James VI, influenciando-o com o interesse pela cultura clássica e controvérsias filosóficas e teológicas, entretanto, ―não logrou infundir em Jaime o ideal do rei moderado e piedoso‖, apesar de ser o autor de De jure regni apud Scotos e teórico do movimento monarcômaco (ALENCAR, 2012, p. 107).

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45

verdadeira religião, violando o contrato celebrado entre Deus e o povo (POLO,

2006).

A distinção entre rei ou dominium regium e reino ou patrimonium regium era

importante para se contrapor ao absolutismo real, que a ambos confundia e a tudo

regulava, inclusive a consciência e a fé (HOTMAN, 1972). Cabia ao rei a condição

de usufrutuário ou de detentor condicional do poder. Condicional, porque haveria de

ser conforme a vontade do reino, sob pena de se tornar tirânico e merecer seu fim41.

Defendem a existência de duplo contrato, ao estilo do contrato verbis romano, ou

aliança, pacto ou convênio entre Deus, rei e povo. O primeiro é celebrado entre

Deus, o rei e o povo, por meio do qual, Deus investe no rei o poder para que

promova a utilitas populi ou a felicidade do povo, constituído em povo de Deus; o

segundo é estabelecido entre o rei e o povo, com deveres recíprocos de obediência,

governo justo e obediente a Deus (BRUTUS, 1689).

O ideal democrático da origem popular do poder, no entanto, fundamenta o

exercício aristocrático por meio dos magistrados no âmbito dos Estados Gerais para

escolha – no caso, por exemplo, dos pequenos reinos e do Sacro Império Romano

Germânico – e controle do rei (MESNARD, 1951). Tirano era aquele rei ou príncipe

que atentasse contra essa ordem das coisas. Poderia haver, portanto, o tirano sem

título (absque titulo), que chegava ao trono por meio da força e não do contrato; e o

tirano por exercício (ab exertitio), que, embora, com título legítimo de poder, exercia-

o contra o bem público e a vontade de Deus.

O direito de rebelião do povo - ou de parcela distinta, os magistrados - nascia

dessa violação; um direito mais que necessário: divino. Na verdade, essa corrente

do poder popular contra o tirano era minoritária entre luteranos e calvinistas. À

exceção dos anabatistas, prevalecia a tese da possibilidade ou, mais propriamente,

do dever de matar o tirano apenas pelos magistrados. Para o povo ou cidadãos

comuns, mantinha-se a ideia da resistência passiva, de consciência e oração, o

gládio do espírito. Somente aos magistrados era dado valer-se das armas para

abater o tirano; o povo era incauto, imprudente ou movido por emoções. Apenas os

mais preparados, os nobres, é que deveriam, com a sabedoria que Deus lhes deu,

41

Interessante notar que autores como Hotman faziam apelo a um retorno às origens ("ao tempo de nossos pais"), em que havia um acordo perfeito entre rei e reino, notadamente por meio da Assembleia Geral de toda a nação, denominada depois de Estados Gerais. Era a Assembleia que detinha soberania ou o monopólio das decisões mais graves sobre a coisa pública, controlando o rei (MORAES, 2015, p. 60).

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atuar contra o tirano. Em Vindiciae contra Tyrannos42, um dos principais textos do

período, esse pensamento é identificado:

O que [...] ocorrerá quando o populacho, esse animal que tem um milhão de cabeças, amotinar-se e correr em desordem para cumprir o que foi dito acima? Que caminho tomará a multidão desabrida; que cuidado, que prudência mostrará em seus atos? Quando falamos de todo povo, entendemos por esta palavra os que têm nas mãos a autoridade do povo, isto é, os Magistrados que o povo tenha delegado ou estabelecido de alguma maneira como participantes do poder, controladores dos Reis (Regnum Ephoros) e que representam todo o corpo do povo [...]. Tais eram os Setenta Anciãos no reino de Israel, dos quais o Soberano Sacrificador era Presidente, e que julgavam as coisas de maior importância [...] Depois, os chefes e governadores das províncias. Idem, os Juízes e Alcaides das cidades, os centuriões, e os outros que comandavam as famílias, os mais valentes, os nobres e outros personagens notáveis. (BRUTUS, 1689, p. 58-59).

Essas palavras refletiam o temor da revolta do populacho e os prejuízos para

os proprietários rurais, exemplificados na Guerra dos Camponeses, na Alemanha, e

nas experiências anarquistas dos Anabatistas (LASKI, 1973). Ao mesmo tempo,

influenciaram nos levantes e assassinatos de governantes. Culminaram, assim, no

movimento contra Carlos V, na liga de Smalkaden, e no assassinato do rei Henrique

III, em 1589, pelo frei Clément43, e do rei Henrique IV, em 1610, por Ravaillac.

A doutrina era imprecisa, pois tirano poderia ser o inimigo ou o rival, e

tiranicidas, os descontentes. Era a senha para os homens - ou uma classe -

poderem matar seus reis. Entretanto, antes que o tiranicídio fosse praticado, era

necessário chamá-lo de tirano, pois, se assim não o fizessem, seus autores

cometeriam o regicídio (matar o rei), punível com a pena capital; enquanto

assassinar o tirano era mais que um ato lícito, um dever cristão (BURGESS, 2008).

3.3.2 Escola de Salamanca

Escola de Salamanca é a denominação empregada ao grupo de teólogos,

juristas e catedráticos espanhóis, cujos trabalhos iniciam-se no século XIII por

42

Tratado monarcômaco de mais expressiva reputação, publicado em 1579 e cuja autoria pode ser atribuída a Philippe Du Plessis-Mornay, de pseudônimo Sthephanus Junius Brutus. A obra, na contramão do que se apregoava na época, defende a existência de uma teoria da representação, de forma que ao rei não cabia governar sozinho e que aos representantes do povo era outorgada a prerrogativa de atuar em nome do povo na insurgência contra o rei tirano.

43 O referido assassinato será o plano de fundo, segundo o qual, o jesuíta Juan de Mariana tecerá suas considerações acerca de sua teoria tiranicida, que será enfrentada no subtópico a seguir.

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47

iniciativa do Rei Fernando III. Historicamente, a Escola divide-se em dois momentos,

sendo o primeiro composto por dominicanos e ainda atrelado ao pensamento

medieval e sua segunda geração, considerada pela maioria dos doutrinadores44 a

verdadeira Escola de Salamanca, pois:

Tradicionalmente se tem entendido a ―Escola de Salamanca‖ como um grupo de teólogos salamantinos, principalmente dominicanos, que ao longo do século XVI, e tendo como máximo expoente Francisco de Vitória, realizaram significativa contribuição à teologia católica, com marcante posição sobre os aspectos sociais específicos que preocupavam o homem renascentista de seu tempo. Assim, entre os temas mais conhecidos se encontram a guerra justa em face dos nativos das Índias, a liberdade dos mesmos, a distinção de poderes – especialmente sobre a autoridade eclesiástica e civil – sem deixar de mencionar toda uma série de problemas teológicos concretos e com uma forte implicação na teologia sistemática.

45

(GONZÁLEZ, 2011, p. 282, tradução nossa).

Em parte, a Escola de Salamanca dedicou-se a reinterpretar os escritos de

São Tomás de Aquino e aplicá-los à realidade colonizadora espanhola. Como já

cediço, São Tomás de Aquino foi um dos principais precursores do direito a resistir à

opressão tirânica, razão pela qual o estudo desenvolvido por alguns dos membros

dessa Escola46 serão de suma importância para o desenvolvimento do pensamento

44

―Los sabios que trabajaron en Salamanca durante los siglos XV, XVI y XVII son quienes han sido considerados, en su conjunto, como ‗La Escuela de Salamanca‘, dejando fuera de esta designación a los profesores salmantinos que trabajaron en la universidad medieval, desde su fundación en 1218 hasta, digamos, los primeros años del siglo XV, por considerarse que sus enseñanzas y pensamiento caen nítidamente dentro del tradicional marco de referencia medieval (o si se prefiere, pre-renacentista), y que no hay nada de específicamente ‗salmantino‘ y distintivo en ellos. (Otra forma de enfocar esto sería decir que no hay todavía nada de específicamente humanista en su visión del mundo). Igualmente, se deja fuera del grupo a los profesores de Salamanca de los siglos XVIII y XIX, por suponerse que para entonces La Escuela de Salamanca ya había entrado en un período evidente de decadencia y ya no tenía nada más que ofrecer al mundo (y aquí, de nuevo, se podría decir igualmente que el impulso humanista ya se había perdido por completo em estos años, e incluso desde bastante antes). Así pues, tenemos entonces que la idea de ‗Escuela de Salamanca‘ hace referencia, por lo pronto, a la ciudad de Salamanca, y en ella, a los sabios vinculados con su universidad entre el siglo XV y el siglo XVII.‖ (ROARO, 2014, p. 200).

45 Tradicionalmente se ha entendido la ‗Escuela de Salamanca‘ como un grupo de teólogos salmantinos, fundamentalmente dominicos, que a lo largo del siglo xvi, y teniendo como máximo exponente a Francisco de Vitoria, hicieron una aportación significativa a la Teología católica, con un marcado acento hacia los aspectos sociales concretos que preocupaban al hombre renacentista de su tiempo. Así, entre los temas más conocidos se encuentra el de la guerra justa respecto a los naturales de las Indias, la libertad de los mismos, la distinción de poderes –especialmente respecto a la potestad eclesial y civil–, sin olvidar toda una serie de problemas teológicos concretos y con una fuerte implicación en la Teología sistemática.

46 Além dos doutrinadores expostos neste trabalho, a referida Escola contou com a contribuição de: Francisco de Vitoria (1485-1546), Roberto Belarmino (1542-1621), Johannes Goropius Becanus (1563-1624), Azpilcueta Navarro (1592-1586) e Domingo de Soto (1595-1560). Esclarece-se que o referido período legou ao discurso tiranicida muitos teóricos, entretanto, por uma delimitação metodológica, a referida pesquisa procurou destacar apenas aqueles cujos fundamentos de legitimação à prática tiranicida contribuíram significativamente para o percurso da História e que, de alguma forma, poderiam influenciar no direito brasileiro, como o fato de Molina e Suárez, mesmo

Page 41: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

tiranicida da época, dentre os quais, destacam-se Juan de Mariana, Francisco

Suárez e Luis Molina.

3.3.2.1 Juan de Mariana e a doutrina escolástica do tiranicídio

Juan de Mariana (1536-1624), já no final do século XVI, identificava os

monarcômacos como filósofos e teólogos que, radicalizando o projeto tiranicida,

defendiam o assassinato do príncipe que governasse com a força e com as armas,

sem direito ou aprovação pública e cívica por qualquer um do povo (BERES, 2003).

O clérigo espanhol, por sua vez, em seu Tratado Del Rey y de la institucion de la

dignidad real - De rege et regis institutione -, contemplava a existência de dois tipos

de tirano: o usurpador (que toma o trono por meio de armas e sem consentimento) e

o de exercício (aquele que obtém o poder de forma legítima, por direito hereditário

ou por vontade popular, mas que depois se converte em tirano). (MARIANA, 1845).

Assim, segundo Mariana, existia o movimento tiranicida que se orientava a

partir da ideia de que haveria a tirania suportável e a insuportável. Dessa forma,

perante o tirano de exercício, era implementada a tirania suportável, dado que, em

princípio, caberia ao povo suportar aos desmandos despóticos antes de chegar às

vias de fato. Entretanto, caminhando esse tirano para vias insuportáveis, seria lícito

retirá-lo do poder, mediante a justificativa de que provocará a ruptura do pacto47

estabelecido entre o povo e seu soberano. Para o tirano usurpador, não haveria

distinções, sendo considerado adversário do bem comum (MARIANA, 1845).

Juan de Mariana (1845) também estruturou sua teoria sob as bases daquilo

que os gregos preceituaram e, comparando-a ao reino de Deus48, via a monarquia

como a melhor forma de governo, enquanto a tirania seria seu oposto.

sendo espanhóis terem lecionado em universidades portuguesas.

47 No capítulo I do Tratado Del Rey y de la institucion de la dignidad real (1845), Mariana expõe a vida em um estado de natureza semelhante ao descrito por seu contemporâneo Thomas Hobbes, superado apenas com a criação daquilo que Mariana denominou de ―vinculo mutuo de sociedad‖ (MARIANA, 1845, p. 24).

48 ―Semejante forma de gobierno es uma imitacion de la direccion universal del mundo, muy conforme con la naturaleza de todas las cosas, y con el gobierno de los seres irracionales que constantemente siguen el instinto que lês Dio el autor de todo lo criado. Además, la forma de un gobierno, entanto se aproximará à su perfeccion, cuanto mas semejanza tuviste com Dios, que es la unidad por escelencia; pues que todos y cada uno de los hombres serán mas dichosos cuanto mas se asemejen à la divinidad, em todo lo que la condicion humana permita. La bondad y la unidad de tal modo se enlazan entre si en um gobierno, que no es posible considerarlas separadamente, porque la bondad está siempre en relacion con la unidad.‖ (MARIANA, 1845, p. 37).

Page 42: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

49

Explicadas as qualidades de um rei, mesmo que brevemente, fácil é conhecer quais serão as do tirano, que por diversa via e por via contrária, mancha com toda a feiúra dos vícios, dirige todos seus acidentes à destruição da república. Em primeiro lugar ocupa a suprema dignidade, ou pela força, ou sem nenhum mérito, ou por meio das riquezas e das armas; e sem receber dito poder pela vontade do povo, a exerce com violência e não usa dela para a utilidade pública, senão para suas comodidades, seus prazeres, e toda licenças de vício.

49 (MARIANA, 1845, p. 62, tradução

nossa).

Os escritos de Mariana, recheados de polêmica, visto que o clérigo abordava

explicitamente a possibilidade da licitude em se oprimir o tirano50, ensejaram a

confecção, por Pierre Mettayer, da obra Antimariana ou Refutation des propositions

de Mariana, publicada na França em 1610. Logo em seguida, Juan de Mariana foi

julgado herege pelo Parlamento , uma vez que relacionaram o tiranicídio de

Henrique IV, da França, aos seus escritos, em Tratado Del Rey y de la institucion de

la dignidad real, apesar de Ravaillac, executor de Henrique IV, afirmar nunca ter

ouvido falar na referida obra de Mariana.

Diversos autores antigos, medievais e contemporâneos a Mariana o

influenciaram, dentre os quais, Juan de Espinosa, que abominava a tirania e

considerava que o tirano deveria temer aos que o teme, sendo um dos teóricos mais

extremistas frente ao tiranicídio (SÁNCHEZ-SECO, 2006).

3.3.2.2 Francisco Suárez e o tiranicídio como ato de legítima defesa comunitária

Em 1613, Francisco Suárez (1548-1617), a pedido do Papa Paulo V, publica a

obra Defensio fidei catholicae, em resposta à apologia do juramento de fidelidade

elaborado por Jaime I, rei da Inglaterra. A referida obra trata-se de tratado de

49

Esplicadas las cualidades de un rey, aunque brevemente, fácil es conocer cuáles serán las del tirano, el que por diversa via y aun por contraria, manchado con toda la fealdad de los vícios, dirije todos sus conatos a la destruccion de la república. En primer lugar ocupa la suprema dignidad, ó por la fuerza, ó sin ningunos méritos, ó por médio de las riquezas y de las armas; y si recibe dicha potestad por la voluntad del pueblo, la ejerce com violência y no usa de ella para la utilidad pública, sino para sus comodidades, sus placeres, y toda licencia de vicio.

50 Em uma leitura atenta e contextualizada dos escritos de Juan de Mariana, em Tratado Del Rey y de la institucion de la dignidad real, não se pode afirmar que o clérigo tenha promovido incitação ao tiranicídio como depois haveria de ser condenado, pois o que sua obra propõe são questionamentos acerca do tiranicídio, confrontando-o com as práticas tiranicidas anteriores descritas na História, principalmente aquelas ocorridas entre os gregos. Assim, a proposta de Mariana beira à reflexão do tema.

Page 43: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

expressiva importância para a teoria política da época, pois aborda criticamente a

sensível teoria do direito divino dos reis. Francisco Suárez inaugura em seus

escritos a ruptura, ao definir que:

Assim, concluímos que nenhum rei ou monarca obtém ou obteve (segundo lei ordinária) o principado político imediatamente de Deus, mas mediante vontade e instituição humanas. É este um egrégio axioma da teologia, não como o proferiu o rei, à maneira de chiste, mas verdadeiramente: pois é maximamente verdadeiro se bem compreendido, e maximamente necessário para entender os fins e limites do poder civil. (SUÁREZ, 2015, p. 76).

Ao elaborar essa tese, Suárez se aproxima do que, séculos depois, será

consagrada como teoria do contrato social, uma vez que o padre católico já pregava

que o poder delegado ao governante vinha por meio do povo e de seu pacto político,

não imediatamente de Deus, como defendido por Jaime I, de forma que esse poder

poderia ser delegado não a apenas um homem, mas à unidade revestida de

autoridade. (SUÁREZ, 2015). Ao preconizar esse entendimento, Suárez reconhece

que ―o povo nunca transmite a ele [o rei] seu poder sem conservá-lo in habitu,

podendo, em caso de violação da ordem jurídica estabelecida entre o povo e o

governante ou a dinastia, retomar licitamente o poder in actu‖ (ALENCAR, 2012, p.

148).

Assim, o padre Francisco Suárez começou a ver no tiranicídio o ato de

legítima defesa comunitária contra os abusos de poder do tirano (CASTELLÓ, 1976),

de forma que:

Reconhece no povo o direito à defesa contra a tirania, fundado na razão natural, não deixa, porém de limitar esse direito a casos comprováveis de tirania, resguardando assim o poder régio, em teoria, de movimentos populares que não fossem capazes de provar a tirania do rei. Dá-se a primazia ao respeito da moral, à constituição política – escrita ou não - da comunidade política, a suas tradições e costumes considerados justos. Para Suárez, portanto, o povo não pode dispor do poder arbitrariamente, tomando-o do príncipe sem um grave motivo, de ordem moral ou constitucional. (ALENCAR, 2012, p. 148-149).

Suárez, portanto, impôs novo paradigma ao exercício do poder político da

época e suas ideias darão vazão à concepção tiranicida que, mais à frente, adotará

contornos mais extremistas.

3.3.2.3 Luis de Molina e a reinterpretação tomista

Page 44: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

51

Em conjunto a Juan de Mariana e Francisco Suárez, Luis de Molina (1535-

1600) também era jesuíta pertencente à Escola de Salamanca e, segundo Sánchez-

Seco, ―dentre os jesuítas espanhóis que trataram a questão do tiranicídio,

entendemos que a figura de Molina pode ser considerada uma das mais

significativas, ao menos no âmbito teórico‖51 (SÁNCHEZ- SECO, 2006, p.194,

tradução nossa).

Molina é um dos principais expoentes da Segunda Escolástica e, por meio de

sua obra De Iustitia et Iure, considerava que, em relação ao tirano usurpador,

caberia ao hierarquicamente abaixo destituí-lo do cargo, entretanto, não havendo

quem assumisse essa posição, qualquer membro da comunidade poderia retirar o

tirano e, caso acometesse a sua morte, ao tiranicida não seria guardada nenhuma

consequência, pois teria vencido a guerra provocada pela injustiça do tirano contra a

República. Quanto ao tirano de exercício, uma pessoa comum só poderia assassiná-

lo na hipótese de legítima defesa, cabendo aos líderes da comunidade a capacidade

para resistir, depondo-o e até mesmo castigando-o, caso seja merecido (SÁNCHEZ-

SECO, 2006).

3.4 Tiranicídio e as Revoluções Modernas: o início do exercício do direito de

resistir

As teorias tiranicidas articuladas pelos monarcômacos e pelos discípulos da

Escola de Salamanca influenciaram para que a teoria do direito divino dos reis

utilizada para legitimar a ascensão ao poder começasse a ser questionada, pois que

Deus é esse que envia rei opressor? Criou-se, assim, espaço para que toda a

estrutura do poder entrasse em declínio, abrindo-se margem para que os teóricos e

as classes politicamente menos privilegiadas se organizassem e deflagrassem, a

partir disso, diversas revoltas com o cunho de reprimir e limitar os contornos do

poder político existente à época (SAMPAIO, 2013).

O primeiro grande movimento de ruptura ocorreu na Inglaterra. Uma revolução em dois tempos se deu por lá. Uma tipicamente moderna e violenta, a guerra civil; outra, mais transicional e Whig, a Revolução

51

De entre los jesuitas españoles que trataron la cuestión del tiranicidio, entendemos que la figura de Molina puede considerarse una de las más significativas, al menos en el ámbito teórico.

Page 45: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

Glorisosa. Na França, as mudanças se fizeram de modo virulento, tanto em seu momento originário quanto com o Terror dos anos seguintes, para assumir formas mais graduais com a reação termidoriana e o 18 de Brumário. Nos Estados Unidos, os movimentos inaugurais de guerra frente ao colonizador inglês se encaminharam, depois, para institucionalização jurídica, por meio, inicialmente, dos Atos Confederados e, enfim, da Constituição. (SAMPAIO, 2013, p. 14).

Essas revoluções burguesas levaram à criação de nova organização política

amparada nas teorias contratualistas e no Estado Constitucional, inaugurando novo

paradigma, no qual as leis passaram a ser produto da vontade popular em prol da

construção do Estado, sob as balizas e limites constitucionais, e não mais como

meros atos de governo ou de poder. Assim, substitui-se a obediência ao querer e

agir do rei pela liberdade de viver perante a lei, instituindo-se o Estado de Direito,

que se compunha da subjugação do Estado às leis e, por consequência, da primazia

do texto constitucional; da elevação da soberania popular à condição de força

estruturante do Estado; da prefixação de direitos considerados fundamentais, cuja

finalidade, em princípio, era de proteger a liberdade, a propriedade e a igualdade

dos indivíduos frente ao poder estatal; e da separação do poder político em três

esferas de atuação que são independentes e harmônicas entre si, com vistas à sua

limitação, evitando-se a sua concentração nas mãos de um único indivíduo ou um

grupo de indivíduos (SAMPAIO, 2013; SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2016).

A partir da criação desse novo paradigma político e jurídico, as teses

jusnaturalistas e contratualistas precisavam encontrar formas de sustentar a

transição nem sempre expressa do direito ao tiranicídio, ao "direito de revolucionar"

ou, na linguagem do tempo, do direito de resistir à opressão enquanto direito natural.

De acordo com Hobbes, o mais antidemocrático dos contratualistas, o sujeito

haveria sempre de obedecer ao comando do soberano, exceção feita àquele que

punha em perigo a própria vida. É certo que o Leviatã se impunha contra esse

estado de coisa, negando, Hobbes, tal direito (HERNANDEZ, 2002). Uma

ambiguidade insolúvel, mas que deixa a digital da resistência (BOBBIO, 2001).

Será também a característica das ideias de Kant e Rousseau. Embora seja o

genebrino o grande crítico da opressão e defensor da democracia, não há em seu

texto referência expressa à resistência. A razão estaria na impossibilidade de a

vontade geral ser tirânica. Todavia, dizem alguns que, ao admitirem a revogabilidade

de toda lei fundamental, incluindo o próprio contrato social, estaria a admitir,

implicitamente, o direito do povo de resistir à opressão (ARAÚJO, 2007).

Page 46: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

53

Kant até critica a possibilidade de resistir, identificando-a como delito maior

contra o Estado. A razão é dada pela própria ideia de direito positivo e de

Constituição. A soberania, em decorrência do contrato social, é indivisível. Não pode

a Constituição ter dentro de si direito positivo que permita a sua própria revogação

(KANT, 1793). Ademais, contrariaria a máxima transcendental do direito público, de

que todas as ações relativas ao direito de outros homens devem gozar de

publicidade. Ora, como pode numa rebelião, notadamente, os atos que a preparam

gozarem de publicidade sem correr o risco de seu próprio fracasso? (KANT, 2003).

Há, em Rousseau (2005), o elemento normativo de governo constitucional. A

admissão do princípio da resistência retiraria do legislador seu poder soberano e

findaria com a própria soberania, confundida com a submissão. Todavia, também em

relação a Kant, os autores tentam encontrar elementos de apoio. Entende-se que a

ideia kantiana do homem como fim e não mero meio das ações de outro homem já

traz a noção de ruptura com o monarca, cuja vontade seja contrária à vontade do

corpo político (BOBBIO, 2000)52. Algo que também se apoiaria no entusiasmo de

Kant para a Revolução Francesa, embora se diga que esse entusiasmo era mais

baseado na sua concepção teleológica da história, enquanto progresso da

consciência da liberdade, do que no seu sistema filosófico moral formalista (BECK,

1971).

Em Locke, a resistência aparecerá mais claramente:

Quem quer que adquira o exercício de qualquer parte do poder por meios diferentes dos que as leis da comunidade prescreveram não tem direito a ser obedecido, embora a forma da comunidade ainda continue preservada, desde que não é a pessoa que as leis indicaram e, em conseqüência, não é a pessoa a que o povo dera assentimento. [...]. Onde quer que a lei termina, a tirania começa. (LOCKE, 1994, p. 118-120).

Os documentos constitucionais que se foram produzindo passaram a

incorporar a doutrina da resistência enquanto direito. A Declaração de

Independência dos Estados Unidos de 1776 afirmava como direito-dever dos

52

A tese de recepção do direito à resistência no pensamento moral de Kant é defendida por um dos seus principais discípulos, August Wilhelm Rehberg, que em "Berlinische Monatsschrift", critica o erro do próprio Kant sobre o kantianismo: "If a system of a priori demonstrated positive specifications of natural law is applied to the world of men, nothing less than a complete dissolution of present civil constitutions would follow. For according to such a system, only that constitution is valid which accords with the determination of the ideal of reason. In this case, no one of the existing constitutions could stand [...]. If these constitutions contradict [...] the first requirements of a rational constitution, the human race is not only permitted, it is required, to destroy these constitutions which are opposed to the original moral law." (BECK, 1971, p. 412).

Page 47: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

homens o rejeitar o despotismo absoluto, caracterizado pela extensa série de

desmandos e de usurpações. As Constituições dos Estados, então, passaram a

acolher o direito à resistência como direito inato ao homem. A Constituição de

Maryland, em seu artigo 6º, trazia quase um panfleto: "a doutrina da não resistência

ao poder arbitrário e à opressão é absurda, servil e destruidora do bem e da

felicidade da humanidade"53 (THORPE apud ADAMS, 2001, p. 136, tradução nossa).

Também na França, os textos constitucionais o reconheceram,

expressamente, desde a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789

(art. 2º) até a Constituição de 1793, cujo artigo 35 prescrevia que "quando o

governante viola os direitos do povo, a insurreição é, pelo povo ou por qualquer

parte dele, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensáveis dos deveres"54

(FRANÇA, 1793, tradução nossa). De 1795 em diante, se não houve a refutação a

esse direito, como no preâmbulo da Carta de 1814, operou-se pelo menos o silêncio

(MONNIER, 2003).

Dessa forma, o termo revolução passou a ser preferido à resistência ou

tiranicídio, por envolver sentido mais rico e mais profundo. Embora,

etimologicamente, remeta ao retorno, retomando o arquétipo do paraíso perdido, seu

emprego, sobretudo, pelos franceses, ganhou o significado de mudança

sociopolítica radical, de regra, movida pelo ideal de ética e justiça. O passado é visto

enquanto narrativa de opressão, levando os olhos dos revolucionários ao futuro, à

instauração do reino de justiça e correção (ARENDT, 2006).

Mas esse ideal de renovação e de superioridade ao direito de resistência que,

originalmente, foi o apelo dos próprios revolucionários modernos, ainda contou com

o extermínio físico do rei, a demonstrar sua paternidade tiranicida. Foi assim com

Carlos I e sua esposa, na Inglaterra, em 1648, e com Luís XVI e Maria Antonieta em

179355. Os Estados Unidos não precisaram apelar para o ato extremo de matar

Jorge III, então rei inglês, mas acabaram por registrar episódio que rememora a tese

tiranicida. Trata-se do assassinato de Abraham Lincoln, em 1865. O assassino, John

Wilkes Booth, compara-se a Brutus, um dos autores da morte de Júlio César,

53

The doctrine of non-resistance against arbitrary power and oppression is absurd, slavish and destructive of the good and happiness of mankind.

54 Quand le gouvernement viole les droits du peuple, l'insurrection est, pour le peuple et pour chaque portion du peuple, le plus sacré des droits et le plus indispensable des devoirs.

55 Durante a Revolução Francesa, Maximilien Robespierre, presidente da Convenção Nacional e líder do "reino de terror" entre 1793 e 1794, foi executado por decapitação decretada pela Convenção Nacional (SCOTT, 1974).

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55

justificando seu ato no legítimo direito de aniquilar o tirano, conforme definia Lincoln.

Na mesma linha, coloca-se o assassinato de James Garfield, por Charles Guiteau,

em 1881 (BERES, 2003).

O direito de resistência ou direito de rebelião, como já cediço, surge dessas

obrigações que, tanto os governantes, quanto os governados têm entre si, de forma

que ao Estado é conferido o poder de gerir o corpo social, desde que, em

contrapartida, seja habilmente capaz de proteger a vida, a liberdade e a propriedade

privada. Aos governados, por sua vez, cabe a prerrogativa de abdicar de parte do

poder e entregá-lo ao governante, além da obediência às leis e observância aos

direitos criados.

Essa composição de vontades permite que, se houver o descumprimento dos

termos acordados por qualquer uma das partes, caberá à outra parte utilizar dos

meios adequados para compeli-la a cumprir. Assim, da mesma forma que pode, o

Estado, compelir o cidadão a cumprir as leis, podem, os indivíduos, atuarem diante

da iminência de abuso do poder. ―O Jusnaturalismo Moderno [...] inverte o

fundamento do poder do ex parte principis para ex parte populi, e que passa a

depositar no indivíduo a verdadeira razão de ser do Estado e do direito‖ (LUCAS,

1999, p. 32).

Desse modo, pode-se concluir que o direito de resistência é o nomen juris

atribuído ao tiranicídio, a partir da construção da sociedade pautada pelo

contratualismo, a racionalidade e a legalidade, além de fruto do poder constituinte

que a legitima a resistir (SAMPAIO; SOUTO, 2017), pois esse:

Direito de desobedecer e de resistir que os muitos possuem resulta da primazia do sujeito constituinte sobre a ordem constituída. Porque o povo constitui seus governantes, ele tem o direito de resistir e de depô-los. (KALYVAS, 2013, p. 52).

Diversos episódios da história recente ilustram o exercício desse direito de

resistir. Walter Audisio, membro da resistência italiana, assumiu ter liderado o rapto e

a execução de Benito Mussolini em 1945 (PISANÒ, 2009). Assim também Rigoberto

López Pérez reconheceu que atirou no ditador nicaraguense Anastasio Somoza

García em 1956 (URBINA, 2004). Mengistu Hailé Sélassié, presidente da Etiópia, foi

assassinado, em 1975, pelos rebeldes que haviam tomado o poder

(D'ASPREMONT, 2010). Durante a Revolução Romena de 1989, um grupo de

Page 49: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

soldados desertores capturou e executou Nicolae Ceauşescu, o líder comunista do

País (BEHR, 1991); assim também se deu com o assassinato de Samuel Doe,

presidente da Libéria, pelo chefe rebelde Prince Johnson em nove de setembro de

1990 (D'ASPREMONT, 2010). A lista continua.

Em 1996, os soldados do Taleban capturam e arrastaram até a morte

Mohammad Najibullah, o Presidente da República Democrática do Afeganistão.

Durante a guerra civil da Líbia de 2011, Muammar Gaddafi, o autointitulado "Irmão

Líder e Guia da Revolução Líbia", foi morto na batalha de Sirte em circunstâncias

incertas, provavelmente, executado (MONTEFIORE, 2011). A morte de Saddam

Hussein também tem ingredientes do mesmo fenômeno (VANNINI, 2015).

A ditadura tornou-se o regime do tirano e abriu as portas para o tiranicídio

com todo o jogo simbólico das formas políticas e injustiças por arrastão. Exemplo

desse parodoxo e ambiguidade pode ser encontrado no linchamento do rei Faisal II

do Iraque em 1958. O rei, que mal contava 23 anos, foi assassinado juntamente com

seu tio, motivo do ódio dos supostos tiranicidas com requintes de crueldade, tendo

seus corpos sido esquartejados e empalados, e suas cabeças usadas como bolas

de futebol (MONTERIORE, 2011).

Muitos não tiveram sucesso em sua empreitada ou foram julgados pelo

assassinato. Entre os primeiros, talvez o mais famoso seja o complô fracassado

contra Hitler (GALANTE, 2002). Antonio de la Maza foi executado após atirar em

Rafael Trujillo, ditador da República Dominicana, em 1961 (DIEDERICH, 1990)56.

Kim Jaegyu teve a mesma sorte, por ter atirado no ditador sul-coreano Park Chung-

hee em 1979 (D'ASPREMONT, 2010). Khalid Islambouli foi um dos três membros da

Jihad islâmica egípcia executados pelo assassinato de Anwar Sadat, o presidente

autocrático do Egito, em 1981 (AJAMI, 1995).

56

Embora o assunto seja envolto em incertezas, considerando-se a confissão de De Maza como uma farsa, ligada aos serviços de inteligência (CHAPMANN, 2016).

Page 50: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

57

4 A TIRANIA EM TEMPOS DE CONSTITUIÇÃO57

57

Capítulo adaptado do artigo: SAMPAIO, José Adércio Leite; SOUTO, Luana Mathias. A ―constitucionalização‖ do tiranicídio. Trabalho apresentado no VII Encontro Internacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI), promovido pelo CONPEDI, realizado em 7 e 8 de setembro de 2017 em Braga, Portugal, ainda não publicado. Em especial, ao conteúdo de introdução ao próprio capítulo e os tópicos 4.1; 4.3, sendo que este primeiro também possui adaptações do artigo SAMPAIO, José Adércio Leite; SOUTO, Luana Mathias. Sobre tirania e tiranicídio. In: ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI MONTEVIDÉU – URUGUAI, 3., 2016, Florianópolis. Teoria Constitucional. Florianópolis: CONPEDI, 2016. 239-258.

Page 51: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

Superada a ordem absolutista, e instaurada a ordem constitucional, amparada

pela racionalidade e o estabelecimento de direitos e garantias míninas a todos,

ousou-se acreditar que a tirania e a opressão haviam sido deixadas no passado,

entretanto, toda a construção teórico, político, social e ideológica implementada na

Pós-Modernidade, apesar de todos os seus esforços, foi e é incapaz de superar a

própria natureza humana, sedenta de desejos e instintos quase animalescos de

violência e submissão de todos às vontades de alguns poucos privilegiados.

Afirmar que no século XXI já não existem despotismos nem tiranias seria uma postura ingênua e inexata; tanto mais errada como tampouco é honestamente aceitável designar indistintamente como ―ditaduras‖ a todos os regimes opressivos do planeta, que concorrem em modo alucinante a violar os mais imprescindíveis direitos humanos.

58 (TURCHETTI, 2007, p.

106, tradução nossa).

Constata-se que o que se deve ter sempre em mente, quando as relações de

poder precisam ser analisadas, é que é usual na vida política o ímpeto por aquele

que alcança o poder e a glória de estar à frente, liderando seus concidadãos pela

manutenção dessa posição. No entanto, o que difere o tirano, em sua acepção

clássica, de qualquer outro governante é a arma pela qual cada um se utiliza para

manter-se no poder. O tirano grego-absolutista59 opera pelo uso irrestrito da

violência física. Irrestrito, porque ameaça e mata qualquer indivíduo (amigo ou

inimigo) que ousar se insurgir contra si e seu amado poder (BIGNOTTO, 1998).

Por outro lado, ao final da Modernidade e a partir das primeiras Constituições,

a tirania passou a representar, além do governo autoritário, violento, abusivo e

degenerado em seus propósitos, aquele considerado violador contumaz de direitos

fundamentais, existentes a partir da instituição das Constituições (TURCHETTI,

2007; LOCKE, 197360). Mostra-se usual a prática por muitos governantes, mesmo

que não alegadamente tiranos, da proclamação, em seus discursos, de direitos

58

Afirmar que en el siglo XXI ya no existen despotismos ni tiranías sería una postura ingenua e inexacta; tanto más errada como tampoco es honestamente aceptable designar indistintamente como ―dictaduras‖ a todos los regímenes opresivos del planeta, que concurren en modo alucinante a violar los derechos humanos más imprescriptibles.

59 Em alusão às formas de tirania conhecidas por gregos e romanos, na Idade Antiga, e pela tirania contumaz em Estados Absolutistas, todas anteriores aos Estados Constitucionais.

60 ―É um engano supor que esta imperfeição é própria somente das monarquias; outras formas de governo estão a ela sujeitas tanto quanto aquela. Porque sempre que o poder que se põe em quaisquer mãos para o governo do povo e preservação da propriedade se aplicar para outros fins, e dela se faça uso para empobrecer, perseguir ou subjugar o povo às ordens arbitrárias e irregulares dos que o possuem, torna-se realmente tirania, sejam um ou muitos os que assim a utilizem.‖ (LOCKE, 1973, p.120).

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59

fundamentais que nunca serão por esses observados, instituídos apenas como

verniz para assegurar sua elevada posição. O ―tirano moderno‖ assume a forma

transitória de potestas factum, mas, não raras vezes, adota o feitio ―constitucional‖.

Vale-se do poder de fato para impor sua vontade, com requintes de violência e

arbítrio, em nada se diferenciando dos antigos. Essa é, porém, via transitória de

conquista pelo medo e terror até que se estabilize a posição de comando. Nesse

instante, avia-se a receita da Constituição de aparência (GEDDES, 2003;

MAGALONI, 2008; WRIGHT, 2008).

A partir desse momento, tem-se a dicotomia, em que a lei, que organiza e

direciona o homem moderno, é também o meio utilizado pelo soberano para ferir

seus concidadãos. Assim, o que se tem é a opressão por meio das leis, do direito e

de aparato jurídico moldado para atender a interesses vis.

4.1 Estado constitucional e tirania61

O contexto histórico que inspira a criação de Estados constitucionalmente

estruturados advém da insatisfação popular frente aos desmandos da monarquia

absoluta e intervencionista, que muito exigia de seus súditos e pouco fazia em

contrapartida. Oprimidos em seus direitos e sobrecarregados em deveres, as

classes politicamente menos privilegiadas se organizaram e deflagraram, a partir

disso, diversas revoltas com o cunho de reprimir e limitar os contornos do poder

político existente à época (SAMPAIO, 2013).

Esses movimentos revolucionários inauguraram ali novo paradigma jurídico e

político, pelo qual as leis passaram a ser produto da vontade popular em prol da

construção do Estado, sob as balizas e limites constitucionais, e não mais como

meros atos de governo ou de poder62. Assim, substituiu-se a obediência ao querer e

agir do rei pela liberdade de viver perante a lei, instituindo-se o Estado de Direito. O

61

Tópico integralmente extraído do artigo não publicado: SAMPAIO, José Adércio Leite; SOUTO, Luana Mathias. A ―constitucionalização‖ do tiranicídio. Trabalho apresentado no VII Encontro Internacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI), promovido pelo CONPEDI, realizado em 7 e 8 de setembro de 2017 em Braga, Portugal.

62 ―A tirania dos governantes, em quase todo o mundo, chegou ao cume por volta dos séculos XVI e XVII. A situação de instabilidade, insegurança e espoliação a que se submeteram as pessoas, inspirou o movimento cultural que floresceu no século XVII e frutificou com a Revolução Francesa de 1789 [...]. Os Estados do Continente Europeu, principalmente a França, participaram decisivamente do aludido movimento cultural. Os Estados Unidos também marcaram presença significativa nesse movimento. Referido movimento teve por finalidade substituir o então Estado absolutista pelo Estado de Direito.‖ (FARIA, 2015, p. 56).

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preâmbulo da Declaração Universal de Direitos Humanos iluminou essa concepção,

ao enumerar entre seus considerandos, a necessidade de "os direitos humanos

serem protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja forçado, como

último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão" (ORGANIZAÇÃO DAS

NAÇÕES UNIDAS, 1948).

Embora, inevitavelmente, tenham deixado de observar que a tirania, enquanto

regime político, é um dos elementos que compõem a teoria geral da política, pois ―o

tirano é, assim, parte integrante de nosso universo coletivo, mesmo sendo seu

personagem mais abjeto‖ (BIGNOTTO, 1998, p. 138), de forma que é ilusória, a

concepção de que esse regime político tenha ficado adstrito ao passado. Existe nas

franjas dos direitos oriundos dos movimentos constitucionalistas, pois, apesar de

venderem a alcunha de emanações da vontade geral, construídos em prol da paz,

da civilidade e do fim ao despotismo; deixam escondido que esse modelo de Estado

não conseguiu se desassociar de sua perene violência:

O que significa, em outros termos, que a soberania da lei não elimina o paradoxo; sem violência, ela carece de potência. E por isso, no pensamento de Hobbes, como sublinhou Strauss, o estado de natureza não é uma etapa que haja sido superada com a instauração do estado civil. A pessoa do soberano, de fato, conserva o direito de exercer a violência, o ius contra omnes (p. 39-42). O que mostrou Schmitt, por sua parte, é que a zona de indistinção entre violência e direito, entre nómos e phýsis, a que dá lugar o paradoxo da soberania, superou todos os confins espaçotemporais, tornando-se coextensiva ao estado de direito. (CASTRO, 2016, p. 62).

Perpetra, nesse âmbito, a ambiguidade latente, em que o modelo de Estado

construído pelos revolucionários para colocar fim à violência absolutista carrega em

si matiz igualmente violenta, apesar de não se revelar assim. O tirano moderno ou

constitucional, embora aqui pareça contradição, em termos, em nada se diferencia

dos antigos, pois, embora opere pelas fórmulas simbólicas e semânticas da

gramática constitucional, ainda se vale do cargo que ocupa para impor sua vontade.

São aqueles que se valem da proclamação solene da Constituição, garantidora

formal da separação de poderes e de direitos fundamentais, para manipular sua

efetuação, deixando-a válida e reverenciada, mas inefetiva. Não está ele a ela

submetido; mas ela, a ele, é mera serviçal, pretexto e verniz de poder e mando

(LOEWENTEIN, 1976, p. 218; BROWN, 2002; HUNTINGTON, 2006; POSNER;

YOUNG, 2007).

Nesse sentido, Alexis de Tocqueville já assinalava, em sua obra A democracia

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61

na América, quando se dedicou a estudar a sociedade norte-americana, em 1835,

sobre a modificação do uso da violência pelo governante, naquele Estado fruto das

revoluções do século XVIII, também responsável pela origem da primeira

Constituição escrita e por legar o atual modelo de impeachment:

Cadeias e carrascos, eis os instrumentos antigos de que se servia a tirania; mas, atualmente, a civilização aperfeiçoou até o despotismo, que, no entanto, parecia nada mais ter a aprender. Os príncipes tinham, por assim dizer, materializado a violência; as repúblicas democráticas atuais tornaram-na tão intelectual quanto a vontade humana, que almeja sujeitar. No regime absoluto de um só, o despotismo, para chegar à alma, violentava grosseiramente o corpo; e a alma, escapando aos golpes, eleva-se gloriosa acima dele; mas, nas repúblicas democráticas, não é assim que procede a tirania; deixa de lado o corpo e vai direto à alma. O mestre não diz mais: ‗Pensarás como eu ou morrerás‘; mas diz: ‗És livre de não pensar como eu; a vida, os bens, tudo te é assegurado, mas, deste dia em diante, és um estrangeiro entre nós. Os privilégios da cidadania são mantidos, mas tornar-se-ão inúteis; pois se buscas o voto de teus concidadãos, não o darão, se só pedes a estima, farão como se recusassem. Restarás entre os homens, perdendo o direito à humanidade. Quando te aproximares de um semelhante fugirá como de um impuro; e os que crêem em tua inocência também te abandonarão, porque seriam evitados por sua vez. Vai em paz, deixo-te a vida, mas torno-a pior do que a morte‘. As monarquias absolutas tinham desonrado o despotismo; evitemos que as democracias o reabilitem e que, tornando-o mais pesado para alguns, impeça a maioria de ver seu aspecto odioso e seu caráter envilecedor.‖ (TOCQUEVILLE, 1973, p. 243-244).

Assim, a partir da construção de Estados Constitucionais, legou-se a ideia de

que o governo tirânico é todo aquele que assume o poder em fragrante e contínuo

desrespeito aos direitos fundamentais e às obrigações processuais e substanciais da

democracia, em geral, previstas no texto constitucional. Evidenciando-se, assim, que

continua presente, às vezes, de modo disfarçado, a ideia de tirano, sendo este quem

governa contra a Constituição, seja a existente, seja a vindoura.

Em consonância, segundo Negro Pavón (1992), a tirania contemporânea se

utiliza de poderosas razões ideológicas para mascarar e dissimular o uso da força.

As formas e, principalmente, as práticas jurídicas e políticas acabam revelando,

nessas dissimulações, os caprichos e desmandos dos governantes:

Sempre resulta fácil discernir se um regime é tirânico, a causa da confusão de idéias em torno da natureza da democracia mesclada com o humanitarismo, o utopismo e em definitivo, com a ideologia: esta última justifica a possessão e o uso do poder sem maiores requisitos que estejam de acordo com ela, independentemente da natureza de suas ações, que

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são sempre um meio lícito quando se afirma que se pretendem alcançar fins ideológicos.

63 (NEGRO PAVÓN, 1992, p. 685, tradução nossa).

Dessa forma, em síntese, o que os Estados constitucionalmente estruturados

nos legaram foi a internalização da violência e, talvez, a pior face da tirania, que

assume traços de insuspeita, pois se diz obediente aos ditames

constitucionais/civilizados, enquanto, com o respaldo e por meio das leis, destila

domínio e sujeição e, aqui, não se está mais a pensar em seu extremo, regimes

totalitários ou ditatoriais, em que essas violações são visíveis e óbvias, mas em uma

perspectiva sempre presente, em que poucos homens se beneficiam em colocar sob

jugo a vida de muitos outros, por meio do aparato jurídico-legal que permite essa

façanha (ARENDT, 200764).

De forma paradoxal, a Constituição, que nasceu para combater a tirania,

deixou janelas abertas à sua introdução. O Constitucionalismo, embora tenha

tentado abrandar o domínio, dando-lhe limites, não deixou de possibilitar a violência

da própria dominação e a arquitetura do sistema que acaba gerando diferentes

classes de dominadores e dominados (BOURDIEU, 1986; DERRIDA, 1994;

AGAMBEN, 2007).

4.2 A superlegalidade como código binário do governo justo e do tirano: o

tirano constitucionalizado

Agora, já cientes e conscientes de que a tirania ainda reside atualmente e,

isso posto, considerando que o tirano ou o mau governante será todo aquele que,

em sua atuação, desrespeita os ditames constitucionais, caberá, portanto, à ordem

constitucional, após identificada a tirania, encontrar formas de ―desestabilizar um

sistema ‗indiscutivelmente‘ opressivo (ou totalitário), para substituí-lo por um sistema

legítimo, democrático, reconhecido a nível internacional‖65 (TURCHETTI, 2007, p.

63

Siempre resulta fácil discernir si un régimen es tiránico, a causa de la confusión de ideas en torno a la naturaleza de la democracia mezclada con el humanitarismo, el utopismo y en definitiva, con la ideologia: esta última justifica la posesión y uso del poder sin más requisito que estar de acuerdo con ella, independientemente de la naturaleza de sus acciones, que son siempre un medio lícito cuando se afirma que pretenden alcanzar fines ideológicos.

64 Mais precisamente: ―As soluções totalitárias podem bem sobreviver à queda dos regimes totalitários na forma de fortes tentações que surgirão sempre que parecer impossível aliviar a miséria política, social ou econômica de um modo digno do homem.‖ (ARENDT, 2007, p. 509).

65 Desestabilizar un sistema ―indiscutiblemente‖ opresivo (o totalitario), para remplazarlo por un sistema legítimo, democrático, reconocido a nivel internacional.

Page 56: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

63

110, tradução nossa). Entretanto, antes que tal operação argumentativa seja

iniciada, é necessário identificar que, dentro dessa lógica, existe um contrassenso,

qual seja: os textos constitucionais tratam de evitar e coibir a insurgência de

governantes inconstitucionais, entretanto, não se atentam ao fato de que existem

maus governantes, que agem conforme a Constituição e que, ainda assim, infringem

dissabores à população, embora não sejam inconstitucionais.

Tem-se, por exemplo, que, na Arábia Saudita, desde 1992, vigora a

Constituição do Rei da Arábia Saudita ou Lei Básica da Arábia Saudita, não se

podendo, por isso, afirmar que as práticas de perseguição religiosa e política

perpetradas por Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud66 contra seus opositores e súditos

sejam contrárias à Constituição vigente no País e, portanto, tirânicas sob a acepção

contemporânea, mesmo que, aos olhos civilizados, essas práticas sejam

consideradas totalitárias, despóticas e arbitrárias.

A lógica por detrás dessas constatações é bastante simples: enquanto, no

lado ocidental democrático, a tirania política é neutralizada por meio do aparato

jurídico, em que as Constituições legam a todos o mínimo de democracia e justiça, e

o tirano só pode ser aquele que viola as leis constitucionais, o que se tem, em

verdade, é que toda essa ordem constitucional e democrática é, em essência,

tirânica, havendo, em si mesma, constante ambiguidade. No lado não democrático

dessa vertente mundial, por sua vez, a ambiguidade não existe.

Dessa forma, de fato, a Constituição não acabou com o fenômeno tirânico,

possibilitando que assumisse outras roupagens e trouxe a possibilidade

institucionalizada de combatê-lo (CAREY, 2000; ALBERTUS; MENALDO, 2014).

Enquanto o tirano à antiga estava imerso na política, o tirano constitucional está

sujeito ao direito, o mesmo que lhe possibilita existência (WEINGAST, 1997;

MYERSON, 2008).

4.3 O tiranicídio constitucionalizado

Invariavelmente, nessa escala de dominação, poder e resistência, não apenas

a tirania, encontraram maneiras de se inserirem no contexto constitucional. Da

mesma forma, seu meio punitivo usual, o tiranicídio, forjou mecanismos para se

manter operante, mesmo diante do Estado de Direito, em que há a observância às 66

Governou a Arábia Saudita de 2005 a 2015, quando veio a falecer.

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leis e a preservação de direitos fundamentais, tais como a vida, pois, se diante da

tirania:

A parte prejudicada puder encontrar remédio e os seus danos reparados mediante apelação à lei, não haverá qualquer necessidade de recorrer à força, que somente se deverá usar quando alguém se vir impedido de recorrer à lei; porque só se deve considerar força hostil a que não permite recorrer-se ao remédio de semelhante apelação, e é tão-só essa força que põe em estado de guerra aquele que faz dela uso, e torna legítimo resistir-lhe. (LOCKE, 1973, p. 122).

Desse modo, urge a seguinte questão:

Existe, então, uma definição de tiranicídio ―moderno‖? Está claro que sim: por tiranicídio entendemos a neutralização da tirania (como todo o sistema ideológico, militar, econômico, religioso, social e tecnológico mediante o qual esta se opera), seja pela expulsão do tirano (seja um só ou um grupo) – pelo exílio voluntário, ou recorrendo a outras penas, in extremis para suprimi-lo fisicamente. O tiranicídio em sua versão ―moderna‖ exige o respeito às exigências de direito internacional, que representa entre outros aspectos excluir a pena de morte. Por meio do qual, a realização do tiranicídio consiste em denunciar ao suposto culpado de tirania (um ou vários) perante um tribunal penal internacional (veja o caso ―Milosevic‖

67).

68

(TURCHETTI, 2007, p. 110, tradução nossa).

Por meio dessas dimensões, a morte política é, portanto, relegitimada,

reconfigurada e inserida no ordenamento jurídico interno e externo, pois ainda

persiste, enquanto pressuposto da vida em sociedade, que o tirano deva ser vencido

e afugentado, retirado à força de seu poder, ainda que se viva no contexto social em

que se preservam garantias mínimas a todos; não sendo possível, mesmo perante o

Estado Constitucional, evitar que ao dito tirano lhe seja compelida alguma vergonha,

nem que esta seja o mais pública possível, como incentivo a coibir que outros sigam

67

Caso Milosevic, refere-se ao julgamento pelo Tribunal Penal Internacional, TPI, de Slobodan Milosevic, ex-Presidente da Iugoslávia acusado de na década de 90 realizar limpeza étnica e perseguições às pessoas de origem albanesa. Á época a OTAN realizou intervenção militar na região do Kosovo, sob a justificativa reestabilização da questão humanitária. Para este fim, acreditavam na necessidade de remoção de Milosevic do poder. Slobodan Milosevic foi, então, acusado de cometer genocídio e crimes contra a humanidade em Kosovo, Croácia e Bósnia. Trata-se do primeiro ex-chefe de Estado a ser levado a julgamento no TPI, entretanto, Milosevic faleceu, em sua cela, antes da prolatação da sentença.

68 ¿Existe, entonces, una definición del tiranicidio ―moderno‖? Claro está que sí: Por tiranicidio entendemos la neutralización de la tiranía (con todo el sistema ideológico, militar, económico, religioso, social y tecnológico mediante el cual ésta opera), ya sea por la expulsión del tirano (bien sea uno solo o un grupo) —por el exilio voluntario, o recurriendo a otras penas, in extremis hasta suprimirlo físicamente. El tiranicidio en su versión «moderna» exige el respeto a las exigencias del derecho internacional, que suponen entre otros excluir la pena de muerte. Por lo cual, la realización del tiranicidio consiste em denunciar al supuesto culpable de tiranía (uno o varios) ante un tribunal penal internacional (véase el caso ―Milosevic‖).

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65

seu caminho de mau69 governo e dominação. A diferença, contudo, é que o mundo,

a partir da Modernidade, não poderia conceber a realização de espoliações físicas e

públicas de pessoas. A pena de morte, como já cediço, é proibida pela maioria dos

Países civilizados, pois, se assim agirem, quem no final das contas é o tirano, o

violador de direitos fundamentais?

Contudo, ironicamente, no tiranicídio constitucional, nessa forma

constitucionalizada de matar o tirano, prefere-se a sacrificabilidade da biós. Violenta-

se apenas o eu político, numa biopolítica inversa70, enquanto a sacrificabilidade da

zoé - a simples vida dos seres vivos, biologicamente configurada - permanece para

os demais indivíduos (AGAMBEN, 2007).

Mas até mesmo o outro caráter que define a vida do homo sacer, ou seja, a sua insacrificabilidade nas formas previstas pelo rito ou pela lei reencontra-se minuciosamente relacionado com a pessoa do soberano. Michael Walzer observou que, aos olhos dos contemporâneos, a enormidade da ruptura representada pela decapitação de Luís XVI, a 21 de janeiro de 1793, não consistia tanto no fato de que um monarca tivesse sido morto, mas em que ele tivesse sido submetido a processo e tivesse sido justiçado numa execução de condenação à pena capital (Walzer, 1988, p. 184-185): Ainda nas constituições modernas, um traço secularizado da insacrificabilidade da vida do soberano sobrevive no princípio segundo o qual o chefe de Estado não pode ser submetido a um processo judiciário ordinário. Na constituição americana, por exemplo, o impeachment implica uma sentença especial do Senado presidido pelo Chief justice, que pode ser pronunciada somente por high crimes and misdemeanors e cuja consequência é apenas a deposição do ofício, e não uma pena judicial. Os jacobinos que, em 1792, durante as discussões na convenção, queriam que o rei fosse simplesmente morto sem processo, levaram ao extremo, ainda que provavelmente sem dar-se conta, a fidelidade ao princípio da insacrificabilidade da vida sacra, que qualquer um pode matar sem cometer homicídio, mas que não poder ser submetida às formas sancionadas de execução. (AGAMBEN, 2007, p. 109-110, grifo nosso).

O dilema e o paradoxo, portanto, se instalaram com o Constitucionalismo,

pois o que ensejou os movimentos revolucionários do século XVIII71 foi, justamente,

69

Quem será tido como tirano, infelizmente, é um critério que beira ao subjetivismo. Pois, quem para você é um mau governante, talvez, para os demais não o seja, e vice versa. O que era serve para definir este critério, a ponto de levar à destituição, são as ferramentas que quem o considera como mau têm à disposição.

70 Segundo as doutrinas cunhadas por Michel Foucault (1999), Hannah Arendt (2014) e Giorgio Agamben (2007), a partir da Modernidade teria se iniciado o fenômeno da biopolítica, em que a vida humana (zoé) é colocada à prova no jogo político, não se fazendo mais, como os gregos, em que a vida se distinguia em dois aspectos semânticos distintos zoé (vida biológica) e a biós (forma de vida política, própria aos indivíduos). ―O homem, durante milênios, permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivo e, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal, em cuja política, sua vida de ser vivo está em questão.‖ (FOUCAULT, 1999, p. 134).

71 Os textos das Declarações de Independência dos Estados Unidos e francesas de 1789 (artigo 2º) e 1793 (art. 29) continham expressamente em seus dispositivos o direito de resistência como um

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a legitimação do direito a resistir contra o governo tirânico; mas como se operará o

uso desse direito, uma vez estabelecido o Estado de Direito? Como satisfazer esse

propósito, de resistir ao tirano, quando a vida é, secularmente, sagrada e os ditames

constitucionais devem ser respeitados? As respostas encontradas alcançam níveis

diferentes de normatização e, por vezes, mais ou menos expostas. Sendo assim,

segue-se a essas.

direito natural do homem.

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67

5 IMPEACHMENT – A ENCENAÇÃO CONSTITUCIONAL DO TIRANICÍDIO72

A possibilidade apresentada de problema do presente estudo, de

transmutação de uma teoria a outra, não é nova. Carl Schmitt (2006), em Teologia

Política, já elucidava sobre essa questão, quando apresentou a fundamentação, sob

a qual se sustentava a afirmação de que o direito/política eram, em verdade, a

transposição do discurso teológico para o mundo jurídico:

Todos os conceitos concisos da teoria do Estado moderna são conceitos teológicos secularizados. Não somente de acordo com seu desenvolvimento histórico, porque ele foi transferido da teologia para a teoria do Estado, à medida que o Deus onipotente tornou-se o legislador onipotente, mas, também na estrutura sistemática, cujo conhecimento é necessário para uma análise sociológica desses conceitos. (SCHMITT, 2006, p. 35).

Sob esse prisma analógico apresentado por Schmitt e lastreado em sua

doutrina, reconhece-se, aqui, que o direito/política para suprir a sua necessidade de

depor a tirania domestica o discurso tiranicida e, por óbvio, como este não poderia

se manter puro, diante de sua colocação naquele universo, é convertido naquilo que

o direito e a política podem considerar por aceitável, legal e constitucional:

A doutrina da soberania do Direito‖, diz Krabbe, ―conforme a maneira como se queira aceitar, é a descrição de uma situação realmente existente ou um postulado que se deve almejar‖ (p. 39). A ideia moderna de Estado coloca, segundo Krabbe, um poder intelectual no lugar de um poder pessoal (do rei, da autoridade). ―Agora não vivemos mais sob o domínio de pessoas, sejam elas pessoas naturais ou (jurídicas) construídas, mas sob o domínio de normas, poderes intelectuais. Nisso se revela a ideia moderna de Estado. (SCHMITT, 2006, p. 22).

Dessa forma, a ideia apresentada de que o impeachment seja a reminiscência

do tiranicídio, ou antes, a ideia de transmutação de institutos e doutrinas, por si

própria, como cediço, não é inovadora, pois desde Schmitt, que bebeu das fontes de

Bonand, de Maistre, Donoso Cortés, Leibniz, Adolf Menzel73, já se falava nisto:

72

Capítulo adaptado do artigo: SAMPAIO, José Adércio Leite; SOUTO, Luana Mathias. A “constitucionalização” do tiranicídio. Trabalho apresentado no VII Encontro Internacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI), promovido pelo CONPEDI, realizado em 7 e 8 de setembro de 2017 em Braga, Portugal, ainda não publicado. Em especial, ao conteúdo de introdução ao próprio capítulo e os tópicos 5.2; 5.3; 5.4.

73 ―A valoração política mais interessante de tais analogias encontra-se nos filósofos católicos da contra-revolução, em Bonand, de Maistre e Donoso Cortés. Neles também se reconhece, à primeira vista, que se trata de uma analogia sistemática, conceitualmente clara, e não de quaisquer brincadeiras místicas, de filosofia natural ou até mesmo românticas que, assim como para todo o resto, encontram, tão espontaneamente, símbolos e imagens coloridas também para o Estado e

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A ―onipotência‖ do legislador moderno, sobre a qual se ouve em todo manual de Direito público, não provém da teologia somente de forma linguística. Mas, também, nos detalhes da argumentação surgem reminiscências teológicas. Em geral, obviamente, em intenção polêmica. (SCHMITT, 2006, p. 37).

Enquanto esses autores elaboraram a teologia política, a proposta aqui feita é

que o impeachment opera no discurso constitucional com reminiscências tiranicidas,

servindo-se, portanto, da mesma base metodológica utilizada por Schmitt (2006) e

autores anteriores, mudando-se apenas o conteúdo comparativo.

Assim, a fim de fornecer mais elementos que comprovem a comparação de

que impeachment e tiranicídio são filhos do mesmo útero, tem-se que, enquanto o

tiranicídio é ipsis litteris a morte do tirano, o impeachment, terminologicamente, é:

Impedir o avanço ou a continuação, reter, deter, obstruir. Daí, o substantivo impeachment, cujo significado é impedimento. Evoluindo desse sentido original, o verbo e o substantivo vieram a ser usados no sentido de fazer objeção a, impedir de continuar, denunciar, acusar, como também para designar a ação, o ato ou o efeito de fazer acusações de má conduta contra um agente estatal perante um tribunal ou órgão público que o processará e julgará. (BARROS, 2011, p.113).

Isso porque, conforme já tratado ao longo do capítulo anterior, não se pode

aqui querer que haja literalmente a morte do tirano, de modo que se esta não pode

ser física, precisa ser ideológica, política, legal e constitucional. É necessária, então,

a criação de arcabouço jurídico para este fim: impedir, reter, deter, obstruir aquele

agente estatal. E, por fazer parte da administração estatal, então, seu impedimento

obrigatoriamente deverá ser fundamentado, processado e julgado perante as

instâncias cabíveis.

Conforme elucidado ao final do último tópico do capítulo anterior, as respostas

encontradas para satisfazer o ímpeto de resistir ao tirano encontraram formas

diversas, para que, então, não se limitasse a apenas o impeachment. Ter-se-ia, no

contexto parlamentar, por exemplo, o voto de desconfiança, instrumento que permite

ao Parlamento, por meio de votação, manifestar sua satisfação ou insatisfação com

o governo e, assim, atingindo a maioria em desfavor, garante para si a possibilidade

de constranger o Primeiro-ministro a renunciar ao cargo. Diferentemente do

sociedade. Todavia a expressão mais clara daquela analogia está na Nova Methodus (§§ 4,5) de Leibniz. Ele recusa a comparação da jurisprudência com a medicina e a matemática, para acentuar o parentesco sistemático com a teologia [...] Adolf Menzel considero que, hoje, a sociologia assumiu funções exercidas, nos séculos XVII e XVIII, pelo Direito Natural, ou seja, prerrogativas de justiça, construções filosófico-históricas ou expressão de ideias.― (SCHMIT, 2006, p. 36).

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69

processo de impeachment, o voto de desconfiança não exige nenhum critério de

culpabilidade para com as ações do governante, dependendo apenas da

conformação de decisão estritamente política (SAMPAIO; SOUTO, 2017).

Nesse sentido, no direito norte-americano, tem-se o recall, por meio do qual a

legislação norte-americana retira, em apuração semântica do termo, aquilo que não

está operando da forma que deveria ou se esperaria que funcionasse e, desse

modo, materializa a sua noção de que ter governo responsável encontra-se na base

de seu sistema republicano e que, portanto, as razões para se retirar o

representante do Estado a qualquer tempo e antes do período fixado de seu

mandato devem advir do pedido popular (GILBERTSON, 1911).

Diferente do impeachment, que é um procedimento semi judicial normalmente usado para livrar o governo de um agente culpado por ato criminoso, o recall é um instrumento político estruturado para assegurar uma responsabilização mais rigorosa ao eleitorado. Permite ao povo expulsar qualquer agente que falhar no cumprimento daquilo que lhe foi confiado. Tornando a responsabilidade pública contínua e direta. Por outro lado, o recall é uma arma que pode ser facilmente transformada em um uso indevido. Se utilizada com frequência e sem a devida razão, poderia tornar o mandato público tão incerto quanto também impossibilitar que determinados homens e mulheres aceitem um cargo público.

74 (MUNRO,

1946, p. 672, tradução nossa).

O recall, assim como todos os demais instrumentos de destituição de poder

ora aludidos - impeachment e voto de desconfiança -, com sua natureza

essencialmente política e operada pelo povo, aproximam-no, mesmo que

brandamente, da prática tiranicida de outrora, pois possibilita a destituição do cargo

público sem fundamentações jurídicas e comprovação cabal dos motivos que

levaram tal retirada do poder. Talvez a diferença entre esse instituto e os demais

anteriormente mencionados seja apenas a manutenção da vida física do destituído

(SAMPAIO; SOUTO, 2017).

Novamente, o que o Estado de Direito, por sua natureza, não comporta é a

teoria que legitima a morte física de outrem. Contudo, precisa também conviver,

enquanto conditio sine qua non desse mesmo modelo de Estado, com o direito a

74

Unlike impeachment, which is a semijudicial proceeding normally used to rid the government of an official guilty of criminal acts, the recall is a political instrument designed to secure stricter official accountability to the electorate. It enables the people to oust any officeholder who fails to fulfill his trust. It makes official responsibility continuous and direct. On the other hand, the recall is a weapon which may easily be turned to wrongful use. If resorted to frequently and without good reason, it could make official tenure so uncertain as to deter the right sort of men and women from accepting public office at all.

Page 63: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

resistir. Assim, valendo-se da biopolítica reversa, mata apenas o eu político, pois o

impeachment, ao prever a inabilitação por oito anos e a destituição sumária do

cargo, nada mais faz do que isto: assassina o eu político do seu mandatário.

Entretanto, para que tais argumentações sejam factíveis, é imprescindível que

se compreenda o instituto do impeachment, desde o seu nascedouro e os

desdobramentos que a morte política que provoca causam na ordem democrática.

5.1 O invólucro constitucional

Sob o manto do Estado de Direito, passou-se a recusar a noção do direito a

rebelar-se contra a ordem constituída. Essa incompatibilidade tem se mostrado

como velamento do fenômeno que continua a ocorrer no presente: a sucessão

constitucional. A teoria do poder constituinte, nas franjas entre o direito e a política,

atualiza a doutrina do tiranicídio, pois os movimentos constitucionalistas são

tributários dos movimentos revolucionários que beberam na fonte do tiranicídio e a

História é enfática quanto a isso.

Assim, o regime do direito não poderia incluir a ideia de violência física e

capital enquanto resposta a atos do governo injusto. Todavia, o próprio sistema

jurídico deveria tratar de criar instrumentos para possibilitar a responsabilização

penal e política dos maus governantes, bem como para solucionar conflitos que se

operassem no curso do processo político. Nem a ruptura, nem a anomia caberiam

nesse universo de normas75.

Como legitimar, do ponto de vista do direito positivo estrito, o poder capaz de

romper com a ordem jurídica existente? Não se legitima, sob pena de ser admitido o

suicídio do direito. Toda revisão constitucional, inclusive aquela prescrita pelos textos

75

O drama também se apresenta ao direito internacional. As situações são moduladas, de acordo com a autoria: a) pelos órgãos do próprio Estado tirânico, b) pelos órgãos de um Estado estrangeiro ou c) pelos agentes de um governo no exílio; e da forma de governo adotado. A tese predominante é negativa a reconhecer um direito individual ou coletivo à rebelião contra o tirano. Todavia, em certas circunstâncias, o direito humanitário internacional parece legitimar algumas formas de resistência à ocupação armada (ONU. Convenção de Genebra IV, art.68). Durante as guerras de libertação nacional, defendia-se que os povos coloniais beneficiavam-se do "direito inerente a lutar por todos os meios necessários contra os poderes coloniais que suprimissem suas aspirações de liberdade e independência." (ONU. Assembleia Geral. Resolução 2621 (XXV) e Resolução 2625 (XXV)). Esse "direito" teria sido estendido para os povos oprimidos por um regime racista (ONU. Assembleia Geral. Resolução 1598 (XV), 1663 (XVI), 1791 (XVII)). Os povos, nessas circunstâncias, seriam protegidos pelo direito humanitário internacional relativo aos conflitos armados internacionais (ONU. I Protocolo Adicional às Convenções de Genebra; Convenção sobre mercenários de 1989), ao vedar expressamente a atuação dessas forças contra o legítimo e inalienável direito dos povos à autodeterminação. (D'ASPREMONT, 2010).

Page 64: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

71

constitucionais como total, deve respeitar certo grau de identidade da Constituição

caduca. A nova Constituição é sempre nova ordem jurídica, então, como explicar o

fenômeno de sucessão constitucional que chega aos dias atuais, em um suposto

direito originário do povo de se autodeterminar e revolucionar um poder que

constitui, constituinte? Note-se que constituinte é o poder que triunfa; subversivo,

terrorista ou similar, é o poder que fracassa em seu intento de dar origem a novo

Estado ou regime político. Um comutador linguístico que traz embutido o símbolo do

tiranicídio (SAMPAIO, 2003).

Uma segunda marca que circunda o direito de resistência e todas as suas variantes, refere-se ao papel desempenhado na reconstrução do poder opressor. No momento em que a comunidade promove um agir associativo em torno das condutas que desaprova, por considerá-las injustas, resgata a fonte formadora do poder, que nada mais é que o reconhecimento da ação conjunta de muitos. Desobedecer ou resistir uma lei injusta é não mais reconhecer sua autoridade, seu poder de vinculação. Mas é também reconstruir o próprio poder das instituições quando acusa seus vícios e injustiças, de forma que para se manterem vivas e legitimadas terão que proceder pela inclusão dos valores publicamente discutidos. Assim, colocar em dúvida a constitucionalidade de uma lei, pela desobediência civil, é incitar um debate, é começar a discussão em torno dos valores que devem estar presentes para a consideração desta constitucionalidade Neste sentido, a desobediência civil ajudaria na deflagração de opressões que põem em dúvida a legitimidade do sistema, na medida em que força uma reformulação ou reconhecimento de novas alternativas. Antes de acabar com o poder, age como locus de resgate do agir comunitário, gerando poder pela ação conjunta de muitos, ao passo que se coloca no âmbito do interesse público. (LUCAS, 1999, p. 50-51).

Entretanto, não é isso que ocorre, pois, mesmo sendo o poder constituinte

originário a expressão revolucionária contrária à ordem constitucional precedente e

que se insurge contra governos injustos e seus parâmetros de justiça, não escapa

que, após cada nova ordem constitucional criada, ainda há a perpetuidade do

instituto do impeachment nas Constituições que se sucedem.

A emanação do poder constituinte originário ainda permite que à nova ordem

constitucional estabelecida haja a incorporação da possibilidade de morte ao tirano –

mesmo que apenas política. E por que isso? Porque mesmo visando superar a

Constituição caduca, acredita não poder deixar de manter em si aquilo que

fundamenta a entrega do poder, efetuada durante a confecção do pacto social, que é

a própria prerrogativa de reavê-lo, mesmo que violentamente.

É, pois, o direito de resistência que legitima a violência física ao tirano, mas,

ao permitir isso, destila o mesmo veneno utilizado pelo próprio tirano. Entretanto,

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diante da hipótese de que nem todos os tiranos são fisicamente violentos, uma vez

que grande parte deles se moldou às circunstâncias e agora subvertem as leis sem

derramamento de sangue, seria também necessário prever meio punitivo que lhe

fosse compatível, de forma que aquele que pune não seja tão carrasco quanto

aquele que fere. Essa é a fórmula encontrada para distrair dessa incongruência que

não permite a renovação.

Assim, urge demonstrar quais elementos caracterizam o instituto do

impeachment, enquanto reminiscência do tiranicídio, moldado e esculpido pelo

constitucionalismo para justamente atender à função de promover a morte política e

não física do mau governante. Para tanto, realizar-se-á a exposição do contexto

histórico de sua criação, a forma de recepção pelo Constitucionalismo norte-

americano, a consequente importação para o contexto constitucional brasileiro, com

ênfase nos processos de impeachment dos ex-presidentes Collor e Dilma e a

análise da relação entre esse instituto e a instabilidade promovida na ordem

democrática latino-americana.

5.2 Origem histórica: Reino Unido76

Os primeiros relatos históricos a tratarem do instituto do impeachment

reportam que a sua origem remonta ao Reino Unido, no século XIV (BERGER,

1973). Entretanto, segundo Paulo Brossard (1992), é difícil precisar77 a data da

ocorrência do primeiro caso de impeachment no Reino Unido e a quem se destinou,

firmando, assim, que ―ele se desdobra do crepúsculo do século XIII, ou XIV, à

madrugada do século XIX‖ (BROSSARD, 1992, p. 26), com a absolvição de Lord

Melville, em 1805, sendo esse o último impeachment ocorrido em terras britânicas.

O instituto do impeachment surgido no contexto do direito medieval inglês

corresponde à espécie criminal e monárquica que ―desempenhou função estratégica

na implantação do sistema de governo parlamentarista inglês‖ (RICCITELLI, 2006, p. 76

Tópico extraído do artigo: SAMPAIO, José Adércio Leite; SOUTO, Luana Mathias. A ―constitucionalização‖ do tiranicídio. Trabalho apresentado no VII Encontro Internacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI), promovido pelo CONPEDI, realizado em 7 e 8 de setembro de 2017 em Braga, Portugal.

77 Segundo levantamento feito por Alex Simpson (1916, p.81), em sua obra A Treatise on Federal Impeachment, a partir de dados publicados por James Fitzjames Stephens (1883), na obra History of the Criminal Law of England, dada as devidas contextualizações o primeiro impeachment teria ocorrido em 1283, o impeachment de David, o irmão de Llewellyn, acusado de traição. O autor alerta que, alguns dos impeachments apontados na obra de James Fitzjames são abstratos e podem não condizer com a acepção que a Modernidade conferiu ao termo.

Page 66: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

73

04). Por muitos anos, foi o mecanismo utilizado pela Câmara dos Comuns para frear

os abusos praticados por componentes de altos cargos da Corte78. A acusação,

então, se iniciava na Câmara popular e, em seguida, era julgada pela Câmara dos

Lordes, que, por maioria simples, infligiam ―quaisquer penas, ainda as mais terríveis

– morte, exílio, desonra, prisão, confisco de bens‖ (BROSSARD, 1992, p. 23).

O impeachment não tinha, portanto, o condão de atingir o Rei, pois era este

fruto da emanação divina, não podendo ser destituído de seu poder monárquico.

Entretanto, Antonio Riccitelli alerta que ―a acusação, na realidade, era ao monarca,

entretanto, como este se posicionava acima dos homens e das coisas conforme a

teoria do direito divino, não poderia ser atingido pelo instituto‖ (RICCITELLI, 2006, p.

05).

Esse modelo inglês de impeachment caíra em desuso durante o período

Tudor, dando lugar à figura do Bill of Attainder, que ocorre quando ―o Rei se volta ao

Parlamento para legitimar suas sanguinárias destituições e represália por meio do

Bill of Attainder, uma condenação legislativa à morte sem um processo‖79 (BERGER,

1973, p. 01, tradução nossa). Contudo, dado o seu caráter extremamente pessoal,

não logrou êxito entre os britânicos e, poucos anos depois, fez com que ressurgisse

o instituto do impeachment, mas, dessa vez, com nova roupagem, pois ―passou a

ser admitido nos casos de ofensa à Constituição‖ (BROSSARD, 1992, p. 27),

conferindo-lhe, assim, caráter político e possível diante de atos que fossem

prejudiciais ao País, sem a necessidade de previsão legal específica. Com essas

modificações, o instituto, no entanto, foi perdendo suas características iniciais e,

progressivamente, foi substituído pelo voto de desconfiança:

O impeachment se encaminhava para o museu das antiguidades constitucionais, na medida em que novo estilo surgia nas relações entre os poderes, e para cujo advento ele fora instrumento poderoso; relegada a ideia de sanção criminal como solução ordinária de governo, o jogo da responsabilidade deixou de ser apurado através das delongas de um processo judicial, passando a operar-se em termos de confiança política. (BROSSARD, 1992, p. 30).

A partir desse momento, no Reino Unido, passou-se a adotar o voto de

78

De fato, ―a ele [o impeachment] estão sujeitos todos os súditos do reino, pares ou comuns, altas autoridades ou simples cidadãos, militares ou civis, investidos ou não em funções oficiais. Só a Coroa a ele não está sujeita‖ (BROSSARD, 1992, p. 24).

79 The King turned to Parliament to legitimate his sanguinary dismissals and reprisals by a bill of attainder, a legislative condemnation to death without a Trial.

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desconfiança, visto que era mais compatível à sua realidade parlamentar, já que, por

meio desse instituto, não é necessário demonstrar que existem irregularidades

jurídicas no modo de atuar do chefe de governo, basta apenas que, por maioria

simples, o Parlamento lhe confira desconfiança.

5.3 Impeachment no constitucionalismo norte americano

O desenvolvimento do impeachment no seio inglês influenciou, em parte80, na

construção desse instituto pelo direito norte-americano, que preferiu adotar espécie

política ou republicana, ―não sugerindo punições físicas ou patrimoniais, tornando-se

procedimento de características essencialmente políticas‖ (RICCITELLI, 2006, p. 04),

uma vez que, ―quando da codificação institucional de Filadélfia, na Inglaterra se

havia operado extensa evolução do instituto, ganhando relevo o aspecto político

sobre o criminal‖ (BROSSARD, 1992, p. 31).

Durante a Convenção da Filadélfia (1787), extensos documentos foram

publicados pelos pais fundadores, no intuito de delinearem quais fundamentos iriam

nortear a elaboração do texto constitucional. Nessas publicações, demonstravam

extensa preocupação em garantir à recém criada República mecanismos que

pudessem afastar pretensões tirânicas, por meio do levante de representantes do

Executivo, que, em dado momento, pretendessem se tornar reis com poderes

ilimitados. Vislumbraram, então, a incorporação do instituto do impeachment, visto

que ―tanto nesses Estados como na Grã Bretanha, a prática do impeachment parece

ter sido encarada como a rédea com que o corpo legislativo pode controlar os

servidores executivos‖ (MADISON; HAMILTON; JAY, 1993, p. 418).

Em seus artigos federalistas, expressavam também a necessidade de seu

presidente ser temerário a sofrer impeachment, em contraposição aos reis

monárquicos britânicos, cuja pessoa era sagrada e inviolável e ―não há tribunal

constitucional a que ele possa ser conduzido; não há punição a que possa ser

sujeito sem que acarrete a crise de uma revolução nacional‖ (MADISON;

HAMILTON; JAY, 1993, p. 435). Dessa forma, não poderiam conceber um Estado,

80

―Assim, ainda que o impeachment norte-americano derive de antecedentes britânicos, conforme a experiência das colônias e o modelo adotado pelos Estados – Bryce observa que ele resultou imediatamente das Constituições Estaduais e mediatamente do direito inglês -, embora conserve visíveis semelhanças com o instituto de origem, são nítidas as diferenças entre eles, a ponto de Pomeroy asseverar que ‗o vocábulo foi tomado de empréstimo, imitado o procedimento, e nada mais; pois muito diferentes são o objeto e o fim dos processos‘‖ (BROSSARD, 1992, p. 25).

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75

cujo representante maior não fosse devidamente responsabilizado por seus atos,

sem, contudo, que isso prejudicasse a base democrático-republicana pela qual

vinham lutando.

Consonante essa necessidade de limitação ao poder, motivados por seu

histórico colonial de subjugação aos ditames da Metrópole, ansiando pela

construção de novo País e inspirados pelo modelo de separação de poderes,

elaborado por Montesquieu, com base na experiência inglesa, elaboraram, no texto

constitucional, a previsão de rigorosa separação de poderes, que foi aperfeiçoada

com a adoção do sistema de freios e contrapesos (checks and balances), que

apesar de ―já esboçados por Montesquieu, só vieram a ser incrementados teórica e

praticamente nos Estados Unidos‖ (BARROS, 2011, p. 123).

Foi com a finalidade específica de aprimorar a separação de poderes que os constituintes norte-americanos retomaram dois institutos que há muito estavam em desuso na Inglaterra: o veto e o impeachment, que introduziram entre os checks and balances. Para esse fim, tiveram de descriminar ou descriminalizar o impeachment, dando-lhe uma finalidade exclusivamente política. Portanto, a descriminação ou descriminalização do impeachment nos Estados Unidos deveu-se ao seu aproveitamento e inclusão como uma das peças do mecanismo de checks and balances entre os Poderes. (BARROS, 2011, p. 124).

Os constituintes, em 1787, então, dispuseram na Constituição americana a

seguinte redação, inovando ao garantir ao instituto originalmente criminal, aspectos

políticos:

Artigo I [...] Seção 2: [...] A Câmara dos Representantes elegerá o seu Presidente e demais membros da Mesa e exercerá, com exclusividade, o poder de indiciar por crime de responsabilidade (impeachment). Seção 3: [...] Só o Senado poderá julgar os crimes de responsabilidade (impeachment). Reunidos para esse fim, os Senadores prestarão juramento ou compromisso. O julgamento do Presidente dos Estados Unidos será presidido pelo Presidente da Suprema Corte. E nenhuma pessoa será condenada a não ser pelo voto de dois terços dos membros presentes. A pena nos crimes de responsabilidade não excederá a destituição da função e a incapacidade para exercer qualquer função pública, honorífica ou remunerada, nos Estados Unidos. O condenado estará sujeito, no entanto, a ser processado e julgado, de acordo com a lei. (ESTADOS UNIDOS, 1994, grifo nosso).

A previsão, no texto constitucional, dos recém-criados Estados Unidos da

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América legitimou ao Legislativo limitar as ações do Executivo, sempre que

configurada a hipótese de crime de responsabilidade, sendo o instituto, portanto,

recepcionado ―como meio de controle do Parlamento aos funcionários da

Administração tanto da divisão executiva como da divisão judicial‖ (ACUÑA, 2012,

p.03, tradução nossa)81, atendendo aos anseios dos constituintes originários de

poder descentralizado e de controle mútuo, embora, em mais de dois séculos de

vigência constitucional, o instituto não tenha logrado êxito na destituição de algum

de seus presidentes, apesar de algumas tentativas82.

Aos olhos de Antonio Riccitelli, entretanto, há ―raro e obsoleto uso do

impeachment no Brasil‖ quando comparado aos Estados Unidos, onde seu emprego

é bem sucedido ―na qualidade de arma parlamentar‖ (RICCITELLI, 2006, p. 85, grifo

nosso), abrindo margem para se concluir que, talvez, o fato de nenhum de seus

processos de impeachment terem levado, mediante condenação, à destituição de

seus presidentes seja a forma correta de utilização, na ordem democrática, desse

instituto.

Paulo Brossard (1992), por sua vez, afirma que o impeachment norte-

americano, moldado e limitado pela Constituição, é apenas a fração daquilo que o

direito britânico elaborou, pois este continuou a evoluir na institucionalização desse

mecanismo e foi para além dos propósitos previstos anteriormente, uma vez que,

hoje, adota o voto de desconfiança.

Por fim, no que tange à mutação provocada pelo constitucionalismo norte

americano, o que se pode observar é que, por meio desse instituto, nos moldes ali

criados, o legado que se tem é que a morte tornou-se simbólica, pois visa atingir

apenas o eu político, mantendo afastada a possibilidade de morte física, conforme

um dia foi no contexto britânico. A evolução foi precisa e condizente aos novos

tempos que a ex-colônia e a Pós-Modernidade desejavam instituir.

5.4 Impeachment no contexto constitucional brasileiro

O modelo adotado no Brasil, por sua vez, é bastante semelhante ao existente

81

―Como medio de control del Parlamento a los funcionarios de la Administración tanto de la rama ejecutiva como la de la rama judicial‖.

82 Até o momento, das três acusações de impeachment ocorridas em solo norte americano, nenhuma delas foi capaz de condenar um Presidente, visto que, Andrew Jackson (1808-1875) foi absolvido pela diferença de um voto no Senado, Richard Nixon (1913-1944) renunciou antes e Bill Clinton teve seu processo aprovado na Câmara, mas rejeitado pelo Senado.

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77

na Constituição norte-americana, com os requisitos de competência exclusiva da

Câmara dos Deputados para indiciar por crime de responsabilidade; competência

exclusiva do Senado para julgar tais crimes; e a condenação diante da hipótese de

dois terços dos votos dos presentes serem a favor. Entretanto, nem sempre foi

assim; esses requisitos só foram mantidos a partir da Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88).

O contexto de surgimento do instituto do impeachment no Brasil também é

diverso do existente quando da confecção da Constituição norte americana de 1787,

pois, ao contrário do que ocorreu nos EUA, o impeachment brasileiro não nasceu

com a República, mas por meio da Constituição Imperial de 1824 (BROSSARD,

1992). Obstante a isso, diante da previsão, na Constituição Imperial de 1824, do

Poder Moderador, o impeachment estabelecido nessa Constituição não atingia à

pessoa do Imperador e, por esse motivo, se assemelhou, nesse aspecto, ao

impeachment primevo, estabelecido pelo direito inglês, punindo apenas os ministros

de Estado, apesar de, sob esse aspecto, não ser considerado por alguns autores83

como impeachment, mas como processo penal contra os Ministros de Estado.

Assim será com a Constituição Republicana de 1891, que o instituto passará

a prever a responsabilização do Presidente da República pelos crimes de

responsabilidade, o qual será ―submetido a processo e a julgamento, depois que a

Câmara declarar procedente a acusação, perante o Supremo Tribunal Federal

(STF), nos crimes comuns, e nos de responsabilidade perante o Senado‖ (BRASIL,

1891). Havendo a declaração de procedência da acusação pela Câmara, será o

Presidente suspenso de suas funções (art. 53, parágrafo único), para, em seguida,

ser julgado pelo Senado (art. 33, caput), que, para tanto, será presidido pelo

Presidente do STF (art. 33, §1º), devendo, por dois terços dos membros presentes,

proferir sentença condenatória (art. 33, §2º), cuja pena será tão somente de perda

do cargo e ―incapacidade de exercer qualquer outro sem prejuízo da ação da Justiça

ordinária contra o condenado‖ (BRASIL, 1891).

Apesar de bastante semelhante ao instituto recepcionado pela Constituição

de 1988, sua configuração sofreu algumas alterações nas Constituições seguintes.

83

―A primeira constituição brasileira, a do Império, de 25 de março de 1824, admitiu um processo penal – que não é propriamente impeachment – contra os Ministros de Estado, responsabilizando-os ‗por traição, por peita, suborno, ou concussão, por abuso do Poder, pela falta de observancia da Lei, pelo que obrarem contra a Liberdade, segurança, ou propriedade dos Cidadãos, por qualquer dissipação dos bens publicos‘ (art. 133)‖ (BARROS, 2011, p. 125-126).

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A Constituição de 1934, dispôs, em seu art. 58, que os crimes de responsabilidade

cometidos pelo Presidente seriam julgados por Tribunal Especial, presidido pela

Corte Suprema e composto de nove juízes: ―três Ministros da Corte Suprema, três

membros do Senado Federal e três membros da Câmara dos Deputados. O

Presidente terá apenas voto de qualidade‖ (BRASIL, 1934). A escolha dos juízes era

mediante sorteio (art. 58, §1º) (BRASIL, 1934).

O referido texto constitucional também estabeleceu que competia ao

Presidente da Corte Suprema o recebimento da denúncia, que, portanto, era

analisada e investigada por Junta Especial de Investigação, composta por um

Ministro, um Deputado Federal e um Senador (art. 58, §2º), que enviava relatório à

Câmara dos Deputados (art. 58, §3º), a qual, no prazo de 30 dias, decretava ou não

a acusação, confirmando-a. Todos os documentos eram encaminhados para o

julgamento pelo Tribunal Especial (art. 58, §4º), de forma que, decretada a

acusação, afastava-se, de imediato, o Presidente do exercício do cargo (art. 58,

§6º). Concluído o julgamento, competia ao Tribunal Especial ―aplicar somente a pena

de perda de cargo, com inabilitação até o máximo de cinco anos para o

exercício de qualquer função pública, sem prejuízo das ações civis e criminais

cabíveis na espécie‖ (BRASIL, 1934, grifo nosso). Observa-se que, pela primeira

vez, foi prevista a pena de inabilitação para o exercício de função pública e, nessa

feita, era faculdade conferida ao Tribunal Especial.

Com a Constituição de 1937, tem-se a reintrodução, no texto constitucional,

da titularidade do Senado para julgamento do Presidente por crimes de

responsabilidade, apenas com a alteração de nomenclatura, em que o Senado,

nesse momento, era designado por Conselho Federal, além do retorno da

procedência da acusação, por dois terços dos membros da Câmara dos Deputados,

conforme art. 86, caput (BRASIL, 1937), e a manutenção da previsão da pena de

inabilitação por, no máximo, cinco anos, conforme art. 86, §1º (BRASIL, 1937),

criada pela Constituição de 1934.

Além disso, a Constituição de 1937 passou a vincular a responsabilização do

Presidente a tão somente os atos praticados durante o exercício de suas funções,

não podendo ser ―responsabilizado por atos estranhos às mesmas‖, conforme art. 87

(BRASIL, 1937), além de prever a criação de lei especial para disciplinar os crimes

de responsabilidade, conforme art. 86, §2º (BRASIL, 1937).

Na Constituição de 1946, por sua vez, a única alteração significativa foi a

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79

previsão, em seu art. 88, caput, da competência da Câmara dos Deputados de

declarar a procedência da acusação de crimes de responsabilidade pela maioria dos

votos (BRASIL, 1946), e não por dois terços, quórum esse que foi retomado com a

Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969. Já essas disposições

constitucionais inovaram tão somente quanto à possibilidade de arquivamento do

processo, caso este não fosse julgado dentro do prazo de sessenta dias (art. 85,

§1º) (BRASIL, 1946), o que é compatível com o contexto histórico, com o Executivo

inflado pela Ditadura Militar, em que deveriam existir meios que, mesmo com a

aparência de democráticos, pudessem impedir a destituição do Presidente.

Atualmente, o processo de impeachment presidencial é disciplinado nos art.

51, I; 52, I; 85 e 86, da Constituição de 1988, que preveem, respectivamente, as

competências da Câmara dos Deputados para autorizar, por dois terços, a

instauração do processo; a competência do Senado para processar e julgar o

Presidente acusado de crimes de responsabilidade; a previsão genérica dos crimes

de responsabilidade, autorizando a criação de lei especial para estabelecer as

normas de processo e julgamento, que, no caso, é a Lei n. 1079/50; e a suspensão

das funções do Presidente após a instauração do processo pelo Senado, cujo prazo

para conclusão é de cento e oitenta dias, após o qual, permite-se o retorno do

Presidente às funções, sem prejuízo do prosseguimento regular do processo, além

da vinculação da condenação a atos praticados no exercício de suas funções

(BRASIL, 1988).

5.4.1 A definição dos crimes de responsabilidade e a regulamentação do julgamento

do processo de impeachment pela Lei n. 1079, de 10 de abril de 1950

A Lei n. 1079/50, que define os crimes de responsabilidade e regula o

respectivo processo de julgamento que tenha por autores o Presidente da

República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal ou o

Procurador Geral da República, foi criada em 10 de abril de 1950, sob a vigência da

Constituição de 1946, e foi recepcionada pelas Constituições de 1967 e 1988.

Apesar de ser uma lei da década de 1950 e ter sobrevivido à ditadura militar e ao

impeachment do ex-Presidente Fernando Collor sem alterações, a referida lei foi,

basicamente, preservada até que, em 19 de outubro de 2000, houve a introdução de

quinze dispositivos pela Lei n. 10028/00, dentre os quais, encontram-se oito

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especificações dos crimes contra a lei orçamentária. (BRASIL, 1950).

Composta por oitenta e dois artigos e dividida em quatro partes, essa lei

estipula quais são os crimes de responsabilidade cometidos por atos do Presidente

da República, classificando-os em (BRASIL, 1950):

a) crimes contra a existência da União;

b) crimes contra o livre exercício dos poderes constitucionais;

c) crimes contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

d) crimes contra a segurança interna do País;

e) crimes contra a probidade na administração;

f) crimes contra a lei orçamentária;

g) crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos e;

h) crimes contra o cumprimento das decisões judiciárias.

Disciplina também, em seus art. 14 a 38, desde a denúncia até o julgamento,

a forma pela qual se desenvolverá o processo dos crimes de responsabilidade

praticados por atos do Presidente da República, sendo subsidiada naquilo em que

lhes forem aplicáveis os regimentos internos da Câmara dos Deputados e do

Senado Federal, bem como o Código de Processo Penal, de forma que cabe a

qualquer cidadão a denúncia perante a Câmara dos Deputados (art. 14), contudo, só

pode ser recebida pelo órgão se o denunciado ainda estiver investido do cargo (art.

15), devendo ser assinada pelo denunciante e acompanhada de documentos

comprobatórios, bem como rol de testemunhas, caso haja, em número mínimo de

cinco, ou declaração de impossibilidade de apresentação dos mesmos (art. 16).

(BRASIL, 1950).

Recebida a denúncia, esta deverá ser apresentada na sessão seguinte e

encaminhada à comissão especial, composta, observada as proporções, por

representantes de todos os partidos políticos (art. 19); a referida comissão se reunirá

dentro do prazo de 48 horas para eleger presidente e relator, para, no prazo de dez

dias, emitir parecer sobre a procedência do objeto aduzido na denúncia (art. 20); o

referido parecer será lido no expediente da sessão da Câmara dos Deputados e

publicado no Diário do Congresso Nacional, além de sua distribuição a todos os

deputados (art. 20, §1º), após a publicação e, no prazo de quarenta e oito horas,

deverá ser incluído o parecer na ordem do dia da Câmara dos Deputados para

discussão única (art. 20, §2º). (BRASIL, 1950).

Durante a comissão especial, cinco representantes de cada partido poderão,

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81

durante uma hora, falar sobre o parecer, conferindo ao relator da comissão o direito

de resposta a cada um (art. 21). Após esse debate, a denúncia será votada,

podendo ser arquivada se considerada imprópria ou remetida por cópia ao

denunciado, para que, no prazo de vinte dias, conteste-a e indique os meios

probatórios para tanto (art. 22). A comissão especial, findo o prazo de contestação e

independentemente desta, realizará as diligências necessárias para a oitiva das

testemunhas, que serão interpeladas pelo denunciante e denunciado ou seus

respectivos procuradores (art. 22, §1º). Após as oitivas, caberá à comissão proferir,

no prazo de dez dias, parecer quanto à procedência ou não da denúncia (art. 22,

§2º), que será publicado e distribuído nos mesmos moldes do parecer anterior e

―incluído na ordem do dia da sessão imediata para ser submetido a duas

discussões, com o interregno de 48 horas entre uma e outra‖ (BRASIL, 1950).

Durante essas duas discussões, cada representante de partido terá, se

desejar, uma hora para falar (art. 22, §4º). Finda essa etapa, o parecer será

submetido à votação nominal e, sendo aprovado pela procedência da denúncia, será

decretada a acusação pela Câmara dos Deputados (art. 23, §1º), com a intimação

do denunciado pela Mesa da Câmara dos Deputados (art. 23, §2º), que, diante da

sua ausência no Distrito Federal, será intimado pelo Presidente do Tribunal de

Justiça do Estado em que se encontrar (art. 23, §3º). (BRASIL, 1950).

Intimado o Presidente, de imediato, ocorrerá a suspensão do exercício de

suas funções, bem como o pagamento de apenas metade de seu subsídio ou

vencimento até o final da sentença (art. 23, §5º). Além disso, a Câmara dos

Deputados elegerá comissão composta por três membros para acompanhar o

julgamento (art. 23, §4º) e encaminhará a acusação para o respectivo órgão

julgador, a depender da natureza do delito (art. 23, §6º). (BRASIL, 1950).

Como a análise se restringe a crimes de responsabilidade, a acusação será

remetida ao Senado, que, recebendo-a, a encaminhará ao Presidente do Senado,

para que o mesmo envie cópia ao acusado com notificação para se apresentar, no

dia agendado, perante o Senado (art. 24) e ao Presidente do Supremo Tribunal

Federal. Será enviado, o original do processo, com a data designada do julgamento,

uma vez que é esse Presidente quem irá presidi-lo (art. 24, parágrafo único)

(BRASIL, 1950).

Na data prevista para o julgamento, poderá, o acusado ou seus advogados,

apresentarem novos meios de prova (art. 25), entretanto, não comparecendo nem

Page 75: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

sendo representados, caberá ao Presidente do Senado agendar novo dia de

julgamento e designar advogado de defesa (art. 26). Durante o julgamento, serão

apresentados e lidos todos os documentos de acusação e de defesa, bem como

ouvidas as testemunhas que deverão depor publicamente e em separado (art. 27),

podendo serem interpeladas, tanto pelos membros da Comissão acusadora, do

Senado ou pelo acusado e seus representantes, sem, contudo, interrompê-las ou

requerer a acareação (art. 28). Em seguida e pelo prazo máximo de duas horas,

será realizado o debate verbal entre comissão, acusador e acusado (art. 29), findo o

qual, abrir-se-á discussão sobre o objeto da acusação (art. 30). O Presidente do

Supremo Tribunal Federal procederá, então, à confecção de resumido relatório da

denúncia e das provas apresentadas pela acusação e defesa, que será submetido à

votação nominal dos senadores (art. 31). Excepcionalmente, o Congresso Nacional

poderá ser convocado pelo terço de uma de suas câmaras, caso a sessão se

encerre antes do fim do julgamento do Presidente da República, bem como no caso

de ser necessário o início imediato do processo (art. 37). (BRASIL, 1950).

Mediante votação, caberá aos senadores absolverem ou condenarem o

presidente acusado, que, no caso de condenação, terá, por iniciativa do presidente,

fixado o prazo de inabilitação para o exercício de qualquer função pública, bem

como deliberar, no caso de haver crime comum, sobre a submissão ou não à justiça

ordinária (art. 33). A sentença, assim que proferida, por via de consequência, destitui

o Presidente da República de seu cargo (art. 34). Encontram-se impedidos (art. 36)

de participar de qualquer fase do processo, deputado ou senador ―que tiver

parentesco consangüíneo ou afim, com o acusado, em linha reta; em linha colateral,

os irmãos cunhados, enquanto durar o cunhado, e os primos co-irmãos‖ (BRASIL,

1950) e/ou ―que, como testemunha do processo, tiver deposto de ciência própria‖

(BRASIL, 1950).

Assim, hoje, o instituto do impeachment se constitui dos seguintes elementos:

a) denúncia perante a Câmara dos Deputados, por qualquer cidadão;

b) autorização, por dois terços, dos membros da Câmara dos Deputados para a

instauração do processo;

c) vinculação da condenação a atos praticados no exercício de suas funções;

d) processamento e julgamento pelo Senado Federal para os crimes de

responsabilidade, sendo o julgamento presidido pelo Presidente do STF;

e) suspensão das funções do Presidente após a instauração do processo pelo

Page 76: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

83

Senado, que se não concluído no prazo de cento e oitenta dias permite o

retorno do Presidente às funções, sem prejuízo do prosseguimento regular do

processo;

f) sentença condenatória com efeito imediato de destituição do Presidente da

República de seu cargo;

g) e, ainda que tentados, os crimes de responsabilidade expressos na Lei n.

1079/50, podem ensejar além da perda do cargo, a inabilitação de até cinco

anos84, para o exercício de qualquer função pública. (BRASIL, 1950).

No que tange à experiência prática brasileira com esse instituto, tem-se, no

cenário nacional, desde a previsão pela Constituição de 1891 até o presente

momento, o processamento e julgamento por impeachment de apenas dois

presidentes: o ex-Presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou ao mandato

antes do início do julgamento, e a ex-Presidente Dilma Rousseff, que foi,

recentemente, condenada pela prática de crimes de responsabilidade.

Contudo, os dados que se tem apresentam realidade que poderia ser diversa

da atual, uma vez que:

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, todos os Presidentes da República sofreram acusações formais que poderiam ter levado à remoção do cargo por crime de responsabilidade. (GALUPPO, 2016, p.27, grifo nosso).

Esse fato não foi ignorado, conforme se verá adiante, pelo hoje Senador

Collor e nem pelos apoiadores e defensores da ex-Presidente Dilma Rousseff.

5.4.2 Caso Collor

Fim da Ditadura Militar, Diretas Já, primeiras eleições indiretas com vitória de

Tancredo Neves, mas sendo a presidência assumida por seu vice, José Sarney. .

Esses são os antecedentes políticos que resultaram, em 1989, na primeira eleição

84

A redação apresentada pelo artigo 2º da Lei 1079/50 é diversa da apresentada pelo art. 52, parágrafo único da CRFB/88. Enquanto o art. 2º da Lei 1079/50 prevê ―pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo Senado Federal nos processos contra o Presidente da República‖. (BRASIL, 1950), o artigo 52, parágrafo único da CRFB/88, dispõe que: ―nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.‖ (BRASIL, 1988).

Page 77: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

direta após a redemocratização do País, fato que não ocorria desde 1960, quando

Jânio Quadros venceu a última eleição direta antes do início da Ditadura Militar. É

nesse cenário, que Fernando Affonso Collor de Mello assume a presidência do Brasil

ao lado de seu vice, Itamar Franco. Representante do Partido da Reconstrução

Nacional (PRN), Fernando Collor, venceu em segundo turno, derrotando o candidato

Luís Inácio Lula da Silva que, anos mais tarde, viria a ser presidente por dois

mandatos consecutivos (2003 a 2007 - 2007 a 2011). (SOUZA, 2008).

Antes de chegar à Presidência, Fernando Collor foi proeminente político,

vindo de família tradicional alagoana, proprietárida da TV Gazeta, afiliada da TV

Globo no estado, foi ali eleito deputado federal, prefeito e governador. Em sua

campanha eleitoral, defendia a probridade, aliada à modernidade, e sustentava a

alcunha de Caçador de Marajás. A aposta em Fernando Collor era alta,

principalmente, pelo momento histórico-político vivido, angariando assim, 35 milhões

de votos (SOUZA, 2008; SALLUM JÚNIOR; CASARÕES, 2011).

Além dos antecendentes políticos sensíveis à época, Fernando Collor também

herdará um problema ecônomico que se impunha enquanto desafio ao presidente

recém eleito, já que a inflação tornou-se característica a marcar a década de 1990,

chegando a 80% ao mês. Para controlá-la, diversas medidas ecônomicas foram

tomadas pelo governo (privatizações, Planos Collor I e II, retorno da moeda

cruzeiro), e muitas delas se tornaram impopulares, por exemplo, a medida

provisória que permitiu o confisco das poupanças em valores superiores a US$

1.2000,00, por um período de 18 meses. (SOUZA, 2008).

A edição de medidas provisórias era outro engodo ao seu governo, uma vez

que, em poucos dias empossado, anunciou 22 medias provisórias, que,

posteriormente, junto a outras mais editadas, seriam convertidas em leis, criando

insatisfação entre os membros do Legislativo. Outro aspecto peculiar de seu

governo, que não tinha base política forte (sua coligação representava apenas

8,4%85), nem pretendia ter, preferindo, o Presidente, seu isolamento político no

controle do Executivo (SALLUM JÚNIOR; CASARÕES, 2011).

Além de antecedentes políticos conturbados, herança econômica crítica e

ineficiência do governo em contorná-la, bem como seu pouco apresso em formar

fortes alianças político-partidárias, o governo Collor, desde o início de seu segundo

ano de mandato, passou a enfrentar diversas denúncias de corrupção, sendo 85

COLLOR, Fernando. Relato para a História. Brasília: Senado Federal, 2007, p. 13.

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85

algumas encabeçadas por seu irmão Pedro Collor86 o que levou à extrema

insatisfação popular e ao levante dos Caras Pintadas, que exigiam seu

impeachment. (SOUZA, 2008)

Em primeiro de junho de 1992, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)

foi instaurada para averiguar o envolvimento de Fernando Collor nas denúncias

veiculadas pela mídia, confirmando sua participação, o que culminou, em seguida,

com seu afastamento da Presidência, em 29 de setembro de 1992, por decisão da

Câmara dos Deputados, com placar de 441 votos a 38, acatando, assim, o pedido

de impeachment de autoria dos presidentes Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho

e Marcello Lavenere Machado da Associação Brasileira de Imprensa e da Ordem

dos Advogados do Brasil, respectivamente. A denúncia então apresentada se

alicerçava sobre os eixos descritos abaixo, impondo-lhe sanção pela prática dos

crimes de responsabilidade elencados nos art. 85, IV e V, da Constituição de 1988, e

8º, item 7 e 9º, item 7, da Lei n. 1.079/50: (SENADO FEDERAL, 1992).

a) obtenção de vantagens indevidas mediante transferências de dinheiro e de

bens feitas reiteradamente, por meio de depósitos em contas bancárias de

pessoas próximas a Collor ou pagamentos diretos por empresas, como a

venda de um Fiat Elba;

b) tráfico de influência em prol do ex-tesoureiro de campanha Paulo César

Farias;

c) utilização de correntistas fantasmas para a realização de depósitos à sua

secretária particular e familiares;

d) falta de decoro e de dignidade para o exercício do cargo e sua ligação com

pessoas consideradas pelos denunciantes como desonestas;

e) omissão quanto às práticas de sonegação fiscal e falsidade ideológica diante

da existência de correntistas fantasmas. (SENADO FEDERAL, 1992).

A poucas horas de seu julgamento pelo Senado Federal e a fim de evitar a

perda dos direitos políticos pelo período de oito anos, Fernando Collor renuncia à

presidência. Entretanto, esse ato não foi capaz de impedir que, em 29 de dezembro

de 1992, em sessão presidida pelo Ministro do STF, Sydney Sanches, o Senado, por

76 votos a três, decidisse por sua deposição e consequente aplicação da pena de

perda dos direitos políticos. Por meio da Resolução n. 101, de 1992, o Presidente do

86

Em maio de 1992, Pedro Collor vai a imprensa acusar o irmão de associação ao seu ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias, o PC Farias para a prática de atos de corrupção.

Page 79: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

Senado, Mauro Benevides, declarou prejudicado o pedido de perda do cargo de

presidente, em virtude da renúncia de Collor; julgou procedente a denúncia pelos

crimes de responsabilidade disciplinados nos art. 85, IV (―crimes de

responsabilidade, atos do Presidente da República que atentem contra a segurança

interna do País‖) e V (―a probidade na administração‖) da Constituição de 1988, e

art. 8º, item 7 (―crime contra a segurança interna do País permitir, de forma expressa

ou tácita, a infração de lei federal de ordem pública‖) e 9º, item 7 (―crime de

responsabilidade contra a probidade na administração, proceder de modo

incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo‖) da Lei n. 1079/50, além

de condená-lo à inabilitação para o exercício de função pública, por oito anos, nos

termos do art. 52, parágrafo único, da Constituição de 1988 (BRASIL, 1950; BRASIL,

1988; SENADO FEDERAL, 1992).

Em 2007, quinze anos após esse fatídico momento na história brasileira e em

sua carreira política, Fernando Collor retornou ao cenário político, na qualidade de

Senador da República pelo estado de Alagoas e, na oportunidade, discursou na

tribuna e foi interpelado por seus novos colegas de posto sobre os fatos que, em

1992, culminaram com sua saída abrupta da Presidência da República. Ao falar

sobre a utilidade do processo de impeachment, o referido Senador indagou:

Porque até hoje, mais de 60 anos depois da Constituição de 1946, apenas contra meu governo se deu curso a essa espúria representação? Trata-se de um patético documento, aceito sem qualquer discussão, sem qualquer ponderação, sem qualquer cautela, sem qualquer isenção e com total ausência de equilíbrio e serenidade. Enfim, uma ―denúncia‖ articulada por dois cidadãos, cujas provas se resumiram a dois de meus pronunciamentos no rádio e na televisão e a duas cartas firmadas pelo chefe de meu Gabinete e por uma de minhas Secretárias, todos documentos públicos utilizados em minha defesa. A resposta pode não ser óbvia, mas os fatos e as circunstâncias que determinaram sua aceitação deixam claros os interesses e os propósitos que contra mim se moveram. (COLLOR, 2007, p. 12-13).

E ainda salientou a importância que o deputado federal Ibsen Pinheiro

(PMDB/RS), então Presidente da Câmara, teve para a sua deposição:

Não eu, Senhor Presidente, mas terceiros foram os que constataram o que na época já era público – a animosidade gratuita que aquele representante votava contra mim. Sua atuação terminou por transformar o instituto do impeachment, que é remédio jurídico e político contra graves crises institucionais, num instrumento de vingança política, de afirmação pessoal e desforra particular. Triste fim, Senhor Presidente, para um instituto

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87

destinado, em sua origem87

, à proteção das nobres causas de defesa da normalidade democrática e da preservação do Estado de Direito. (COLLOR, 2007, p. 15).

Por fim, o que se verá é que a história serepetiu e, ironicamente, em menos

de 10 anos após discursar, na tribuna, as palavras acima expostas, Fernando Collor,

na condição de Senador, será contrário às mesmas.

5.4.3 Caso Dilma

Duas décadas depois, trata-se do segundo processo de impeachment da

história do Brasil. Na cronologia dos fatos, o processo de impeachment foi

autorizado, em 02 de dezembro de 2015, pelo então Presidente da Câmara dos

Deputados, Eduardo Cunha, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro

(PMDB/RJ), mediante o recebimento da Denúncia por Crime de Responsabilidade

(DCR) n. 1/2015, de autoria de Hélio Pereira Bicudo, Janaína Conceição Paschoal e

Miguel Reale Júnior88 e subscrita pelo advogado Flávio Henrique Costa Pereira

contra a Presidente da República, Dilma Vana Rousseff, membro do Partido dos

Trabalhadores (PT). (BICUDO; REALE JÚNIOR; PASCHOAL, 2015).

Em síntese, o contexto que levou à apresentação da referida denúncia indica

como fatores a incipiente crise econômica, a compra pela Petrobrás da refinaria de

Pasadena, nos EUA, e sua substancial perda de valores superiores a R$ 700

milhões, tendo, à época, a Presidente da República ocupando o cargo de

presidente do Conselho Administrativo da Petrobrás; desdobramentos da operação

Lava Jato com a acusação a membros do PT, ao qual a acusada é filiada; existência

de suposto tráfico de influência entre a empresa Odebrecht e o ex-presidente Luís

Inácio Lula da Silva (PT) e ―a constante defesa que a denunciada faz da figura do

ex-presidente Lula‖ (BICUDO; REALE JÚNIOR; PASCHOAL, 2015, p. 18), indicando

que a Presidente faria parte do esquema; a existência das pedaladas fiscais, em que

o governo federal teria tomado empréstimos de instituições financeiras públicas para

financiar programas-chave de sua campanha de governo; abertura de créditos

87

Embora, tenhamos que discordar, pois o que se vislumbra é que desde a sua origem o referido instituto se presta a justamente aquilo que Collor acusa o Congresso Nacional, na pessoa de Ibsen Pinheiro de ter praticado.

88 Cuja autoria só foi incluída, em 15 de outubro de 2015, mediante pedido de aditamento feito por Hélio Pereira Bicudo e Janaína Conceição Paschoal, que, em 1º de setembro de 2015, apresentaram a denúncia por suposta prática de crime de responsabilidade.

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suplementares por meio de decreto presidencial; e rejeição pelo Tribunal de Contas

da União (TCU) das contas relativas ao ano-base de 2014. Apesar do pedido de

impeachment não se pautar em acusações que indiquem ações cometidas pela

Presidente da República, a explicação encontrada para, ainda assim, exigir sua

destituição é a de que:

Os escândalos que se sucedem, de há muito, passam próximos a ela, não sendo possível falar em mera coincidência, ou falta de sorte. A Presidente da República faz parte desse plano de poder. E os Poderes constituídos precisam, nos termos da Constituição Federal, agir. (BICUDO; REALE JUNIOR; PASCHOAL, 2015, p. 19).

Dessa forma, a DCR n. 1/2015 lhe imputava a prática dos crimes de

responsabilidade elencados nos art. 85, V, VI e VII, da CRFB/88, e art. 4º, V e VI; 9º,

itens 3 e 7; 10, itens 6 a 9 e 11, item 3, da Lei n. 1.079/50. Com o recebimento da

referida denúncia, no dia 03 de dezembro de 2015, por meio da Mensagem n.

45/2015, a então Presidente da República foi comunicada do oferecimento da DCR

e do prazo para manifestação quanto à mesma. Na oportunidade, o Presidente da

Câmara dos Deputados instituiu Comissão Especial, destinada a elaborar parecer

quanto à DCR (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016).

Nesse mesmo dia, foi proposta pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), a

Arguição de Descumprimento a Preceito Fundamental (ADPF) n. 378/15, perante o

STF. A referida ADPF n. 378 objetivava, em sede de liminar, o reconhecimento da

ilegitimidade constitucional de alguns dispositivos e interpretações aplicáveis à Lei n.

1.079/50, a fim de assim sanar lesões a preceitos fundamentais da Constituição,

pois entendia-se que nem mesmo após o processo de impeachment do ex-

presidente Collor, essas incongruências haviam sido sanadas, já que a Câmara dos

Deputados limitou-se a apenas promover algumas alterações em seu Regimento

Interno, além da revogação da Questão de Ordem n. 105/15, possibilitando ao

Presidente da Câmara aplicar além da Constituição, da Lei n. 1.079/50, também o

Regimento Interno da Câmara, criando cenário de insegurança quanto às regras que

poderiam efetivamente ser aplicadas (BRASIL, 2016b).

Nesse ínterim, no dia oito de dezembro, a Câmara, após conturbada votação,

elegeu a Chapa 2 – Unindo o Brasil89 para a composição da Comissão Especial.

89

Chapa formada, principalmente, por membros da oposição.

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89

Entretanto, no dia seguinte, recebeu ofício encaminhado pelo STF que, diante do

conteúdo da decisão liminar da ADPF n. 378/15, suspendia a formação da Comissão

Especial, revogando-a e suspendendo todos os eventuais prazos em curso, além de

solicitar informações à Câmara dos Deputados para instruir o processo.

(CONGRESSO NACIONAL, 2016)

Em 16 de dezembro de 2015, iniciou-se o julgamento da ADPF n. 378, que,

essencialmente, teve por finalidade definir qual rito seria utilizado no processo de

impeachment da ex-presidente Dilma, de forma que definiu-se que:

a) não há direito à defesa prévia ao ato do Presidente da Câmara;

b) há a aplicação subsidiária dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado

ao processo de impeachment, desde que sejam compatíveis com os preceitos

legais e constitucionais pertinentes;

c) o reconhecimento de que a proporcionalidade na formação da Comissão

Especial pode ser aferida em relação aos partidos e blocos partidários;

d) a recepção pela CRFB/88 dos art. 19 a 21 da Lei n. 1.079/50, para que se

entenda que as diligências e atividades ali previstas não se destinam a provar

a improcedência da acusação, mas apenas a esclarecer a denúncia e a não

recepção pela CRFB/88 dos art. 22, caput, segunda parte e §§ 1º, 2º, 3º e 4º

da Lei n. 1.079/50, que determinam dilação probatória e segunda deliberação

na Câmara dos Deputados, partindo do pressuposto de que caberia a essa

Casa pronunciar-se sobre o mérito da acusação;

e) o estabelecimento de que a defesa tem o direito de se manifestar após a

acusação e de que o interrogatório deve ser o ato final da instrução

probatória;

g) a definição de que, com o advento da CRFB/88, o recebimento da denúncia

no processo de impeachment ocorre apenas após a decisão do Plenário do

Senado Federal, e que a votação nominal deve ser por maioria simples, com

a presença da maioria absoluta de seus membros;

h) constitucionalidade da aplicação analógica dos art. 44, 45, 46, 47, 48 e 49 da

Lei n. 1.079/50 – os quais determinam o rito do processo de impeachment

contra Ministros do STF e o Procurador-Geral da República – ao

processamento no Senado Federal de crime de responsabilidade contra

Presidente da República;

i) não recepção pela CRFB/88 dos art. 23, §§ 1º, 4º e 5º; 80, primeira parte, e

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81, da n. Lei n. 1.079/50, porque estabelecem os papeis da Câmara e do

Senado Federal de modo incompatível com os art. 51, I; 52, I; e 86, § 1º, II, da

CRFB/88;

j) indeferimento do pedido para afirmar que os Senadores não precisam se

apartar da função acusatória;

k) indeferimento do pedido de reconhecimento da impossibilidade de aplicação

subsidiária das hipóteses de impedimento e suspeição do Código de

Processo Penal relativamente ao Presidente da Câmara dos Deputados;

l) impossibilidade da formação de Comissão Especial, a partir de candidaturas

avulsas;

m) reconhecimento de que a eleição da Comissão Especial somente pode se dar

por voto aberto;

n) reafirmação do quórum de maioria simples para deliberação do Senado,

quanto ao juízo de instauração do processo. (CONGRESSO NACIONAL,

2016)

Definido o rito pelo STF, somente em 17 de março de 2016, é que foi

realizada nova votação para a composição dos membros da Comissão Especial,

sendo, então, eleitos como Presidente, o Deputado Federal Rogério Rosso

(PSD/DF), e por relator, o Deputado Federal Jovair Arantes (PTB/GO). Em 06 de

abril, por 38 votos a 27, o parecer de autoria do relator Deputado Federal Jovair

Arantes foi aprovado pela admissibilidade jurídica e política da acusação e, pela

consequente, autorização para a instauração, pelo Senado Federal. (CÂMARA DOS

DEPUTADOS, 2016).

Conforme a Lei n. 1079/50, a Comissão Especial, criada para apresentar

parecer sobre o assunto à Câmara dos Deputados, em 11 de abril de 2016, se

pronunciou pela admissibilidade da acusação, diante da qual, em 17 de abril de

2016, o Plenário da Câmara dos Deputados procedeu, em sessão deliberativa

extraordinária, à votação, e por 367 votos a 137, com sete abstenções e duas

ausências, autorizando a abertura do processo de impeachment pelos atos aludidos

nos arts. 85, IV, e 167, V; art. 10, item 4 e 11, item 2 e 3. (CÂMARA DOS

DEPUTADOS, 2016).

Observa-se que houve significativa alteração entre os artigos ora elencados e

aqueles dispostos na DCR n. 1/2015. Isso porque o parecer realizado pela

Comissão Especial da Câmara dos Deputados, sob relatoria do Deputado Federal

Page 84: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

91

Jovair Arantes (PTB/GO), entendeu que a acusada cometerá os crimes de abertura

de créditos suplementares por decreto presidencial, sem autorização do Congresso

Nacional, elencado nos arts. 85, VI, 167, V; e Lei n. 1.079/50, arts. 10, item 4, e 11,

item 2, e o de contratação ilegal de operações de crédito (Lei n. 1.079/50, art. 11,

item 3). (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2016).

Porém, era inviável eventual processo de responsabilização em face do ―não

registro de valores no rol de passivos da dívida líquida do setor público‖ (ARANTES,

2016, p. 127). Advertiu, ainda, que existiam ―outras questões de elevada gravidade,

apresentadas na Denúncia‖ (ARANTES, 2016, p. 127), mas que deixaria a cargo do

Senado, quando este procedesse a novo juízo de admissibilidade para avaliá-las,

uma vez que, nos termos do julgamento da ADPF n. 378, firmou-se entendimento de

que a referida Casa era livre e independente para desempenhar tal função

(ARANTES, 2016).

Após a votação pela Câmara dos Deputados, a matéria foi encaminhada ao

Senado Federal e lida, em 19 de abril de 2016, instaurando-se, portanto, a

Comissão Especial do Processo de Impeachment para processar e emitir parecer

quanto à Denúncia n. 1/2016. Seus membros foram escolhidos, em 25 de abril de

2016, sendo o Senador Raimundo Lira (PMDB/PB), o presidente, e o Senador

Antonio Anastasia (PSDB/MG), o relator (SENADO FEDERAL, 2016d).

Para a apuração dos termos da acusação, a Comissão Especial, em 28 de

abril de 2016, ouviu os denunciantes Miguel Reale Júnior e Janaina Paschoal e, no

dia seguinte, o procurador de defesa, José Eduardo Martins Cardozo, o Ministro de

Estado da Fazenda, Nelson Barbosa, e a Ministra da Agricultura e Pecuária, Kátia

Abreu, seguindo-se, nos dias dois e três de maio, para a oitiva dos especialistas

indicados pela defesa e pela acusação (SENADO FEDERAL, 2016a).

O parecer preliminar pela admissibilidade do processo apresentado pela

relatoria da Comissão Especial foi, em seis de maio, aprovado, e, em 11 de maio, foi

confirmada a aprovação, por 55 votos a 22, pelo Plenário do Senado, abrindo-se o

prazo de resposta para a acusada. No dia seguinte, 12 de maio, a Presidente Dilma

foi citada e afastada de suas funções, em consonância ao disposto no art. 86, § 1º,

II, da CRFB/88, bem como procedeu-se a instauração formal do processo de

impeachment a ser julgado pelo Senado (SENADO FEDERAL, 2016a).

O julgamento passou, então, a ser presidido pelo Presidente do STF, Ministro

Ricardo Lewandowski. Em primeiro de junho, foi apresentada a defesa escrita, com

Page 85: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

o rol de testemunhas e o requerimento para produção de provas, pedidos que foram

deliberados pela Comissão Especial, que estabeleceu cronograma para a fase de

instrução. Assim, entre os dias oito a 29 de junho de 2016, procedeu-se a oitiva de

duas testemunhas de acusação, trinta e seis testemunhas de defesa, dois

informantes e quatro testemunhas do juízo. Além disso, foi apresentado laudo

pericial confeccionado por uma Junta Pericial, composta por três servidores efetivos

do Senado e laudos elaborados pelos assistentes técnicos da acusação e da defesa,

bem como a oitiva do perito coordenador e dos assistentes técnicos (SENADO

FEDERAL, 2016a).

Na data marcada para o interrogatório da acusada, seis de julho, foi lido por

seu advogado, depoimento escrito. Abriu-se prazo para as alegações finais da

acusação e da defesa. Nesse ínterim, foi aprovada, a emendatio libeli apresentada

pelo relator do parecer, que alterou o texto relativo à denúncia de ―realização de

operações de crédito com instituição financeira controlada pela União (pedaladas

fiscais)‖ para a inclusão da redação do art. 10, itens seis e sete da Lei n. 1.079/50

(SENADO FEDERAL, 2016a).

Em nove de agosto, o referido parecer foi aprovado, apresentando, a defesa,

discordância quanto ao mesmo, arguindo que não houve a abertura de crédito

suplementar sem autorização legislativa, e que o atraso no pagamento de

subvenções a banco oficial para a agricultura não pode ser tido como operação de

crédito com instituição financeira (CONGRESSO NACIONAL, 2016).

Após mais de três meses de tramitação no Senado, em 31 de agosto de 2016,

mediante votação em plenário, em sessão presidida pelo Ministro do STF, Ricardo

Lewandowski, de forma inédita90, foi feita a leitura do Requerimento n. 636, de 2016,

de autoria do PT, que solicitava o fracionamento das penas.

Assim, os Senadores, ao responderem ao quesito ―cometeu a acusada, os

crimes de responsabilidade correspondentes à tomada de empréstimos junto à

instituição financeira controlada pela União e à abertura de créditos sem autorização

do Congresso Nacional, que lhe são imputados, devendo ser condenada à perda do

seu cargo?‖, por 61 votos a 20, decidiram pelo afastamento da Presidente Dilma

Rousseff da Presidência pela prática dos crimes de responsabilidade consistentes

90

No caso Collor, mesmo diante da renúncia ao cargo de presidente, o Senado o condenou à inabilitação para o exercício de função pública pelo prazo de oito anos, que foi mantido pelo STF após indeferimento do mandado de segurança impetrado por Fernando Collor.

Page 86: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

93

na contratação de operações de crédito com instituição financeira controlada pela

União, além da edição de decretos de crédito suplementar sem autorização do

Congresso Nacional (CONGRESSO NACIONAL, 2016).

Em seguida, os Senadores votaram o seguinte quesito: ―ficando, em

consequência, inabilitada para o exercício de qualquer função pública pelo prazo de

oito anos?‖; e, por 42 votos a 36 e três abstenções, decidiram pela não inabilitação

dos direitos políticos de Dilma Rousseff, ocorrendo, portanto, o fracionamento do

julgamento das penas. No mesmo dia, foi dada posse definitiva como Presidente da

República, ao seu vice-presidente, Michel Temer. (CONGRESSO NACIONAL, 2016).

A Resolução n. 35, de 2016, do Senado Federal, então, dispôs pela

procedência da denúncia dos crimes de responsabilidade previstos nos arts. 85, VI

(―crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem

contra a lei orçamentária‖), e 167, V (―vedação expressa a abertura de crédito

suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos

recursos correspondentes‖), da CRFB/88 (BRASIL, 1988), art. 10, itens 4, (―crimes

de responsabilidade contra a lei orçamentária infringir , patentemente, e de qualquer

modo, dispositivo da lei orçamentária‖) 6 (―ordenar ou autorizar a abertura de crédito

em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento

na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição

legal‖) e 7 (―deixar de promover ou de ordenar na forma da lei, o cancelamento, a

amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de

crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido

em lei‖), e 11, itens 2 (―crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros

públicos abrir crédito sem fundamento em lei ou sem as formalidades legais‖) e 3

(―contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de

crédito sem autorização legal‖), da Lei n. 1.079/50 (BRASIL, 1950), e nos termos do

art. 52, parágrafo único, da CRFB/88, a sanção de perda do cargo de Presidente da

República, sem prejuízo das demais sanções judiciais, suprimindo do texto do

referido dispositivo constitucional a expressão ―com inabilitação, por oito anos‖, não

havendo, portanto, a aplicação dessa pena (BRASIL, 1950; BRASIL, 1988;

CONGRESSO NACIONAL, 2016).

Entretanto, não pode escapar evidenciar que o fracionamento da referida

pena desvirtua seu caráter punitivo e, indiretamente, deflagra desconfiança quanto à

decisão proferida pelo Senado Federal, visto que, se há a ocorrência de crime de

Page 87: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

responsabilidade, então as penas aplicáveis, pelo art. 52, parágrafo único, in verbis,

são ―perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função

pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis‖ (BRASIL, 1988), de

forma que a hermenêutica constitucional firmada desde o julgamento de

impeachment de Fernando Collor prima pela aplicação das penas de destituição do

cargo e inabilitação para o exercício de função pública pelo prazo de oito anos91.

Tanto assim o é que, em sede do Mandado de Segurança n. 21689-1 DF, o

Tribunal Pleno do STF, ao indeferir o referido mandado impetrado por Fernando

Collor de Mello, que pleiteava a anulação da Resolução n. 101 de 1992, que o

inabilitava pelo prazo de oito anos para o exercício de função pública, utiliza-se dos

ensinamentos do Professor Michel Temer, assim denominado pelo relator, para

esclarecer que:

A inabilitação para o exercício de função não decorre da perda do cargo, como a primeira leitura pode parecer. Decorre da própria responsabilidade. Não é pena acessória. É, ao lado da pena do cargo, pena principal. O objetivo foi o de impedir o prosseguimento no exercício das funções (perda do cargo) e o impedimento do exercício – já agora não daquele cargo que foi afastado - mas de qualquer função pública, por um prazo determinado. Essa a conseqüência [inabilitação para o exercício de função pública pelo prazo de oito anos] para quem descumpriu deveres constitucionalmente fixados. Assim, porque responsabilizado, o presidente não só perde o cargo, como deve afastar-se da vida pública durante oito anos para corrigir-se e, só então, poder a ela retornar. (BRASIL, 1993, p. 14, grifo nosso).

Ao inovar e fracionar a pena na condenação da Presidente Dilma Rousseff, o

Senado colocou em xeque se realmente ocorreram os crimes de responsabilidade

ou se o objetivo do processo era de tão somente provocar a destituição do cargo de

Presidente92. Pelos indícios apresentados, a pena que valeu para punir Fernando

91

Entretanto, não se pode ignorar que o artigo 68 caput e parágrafo único da Lei 1079/50, dispõem da seguinte redação: ―Art. 68. O julgamento será feito, em votação nominal pelos senadores desimpedidos que responderão ‗sim‘ ou ‗não‘ à seguinte pergunta enunciada pelo Presidente: ‗Cometeu o acusado o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo?‘. Parágrafo único. Se a resposta afirmativa obtiver, pelo menos, dois terços dos votos dos senadores presentes, o Presidente fará nova consulta ao plenário sobre o tempo não excedente de cinco anos, durante o qual o condenado deverá ficar inabilitado para o exercício de qualquer função, pública.‖ (BRASIL, 1950). Entretanto, o Senado Federal ao escolher as penas aplicáveis pela CRFB/88, deveria se ater àquilo que ela preceitua.

92 Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment, após a condenação da ex-Presidente Dilma, publicou, em sua página no Twitter, pedindo que não fossem feitos recursos contra a decisão, pois, por meio do julgamento dos recursos apresentados por PSDB, PMDB, DEM, PPS e Solidariedade, que desejavam a condenação in totum (perda do cargo e dos direitos políticos), abria-se margem para que, segundo Janaína, ocorresse a anulação de todo o processo

Page 88: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

95

Collor, mesmo após a renúncia, não sustentou seu caráter punitivo em relação à

Dilma Rousseff, e o uso sem critérios, mesmo com a existência de critérios pré-

estabelecidos pelo texto constitucional, indica que a previsão e manutenção do

referido instituto na ordem constitucional-democrática visa a provocar a retirada

abrupta do mau governante e/ou de puni-lo mesmo com sua retirada voluntária.

Ademais, uma vez que o presente estudo se presta a correlacionar o

fenômeno do tiranicídio e o instituto do impeachment, não se pode olvidar de

informar que, na folha inicial do pedido de impeachment, subscrito por Hélio Bicudo,

Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal (2015, p. 12), encontrava-se a seguinte

citação:

O princípio geral a se observar é que ―[...] não se deve proceder contra a perversidade do tirano por iniciativa privada, mas sim pela autoridade pública', dito isto, reitera-se a tese de que, cabendo à multidão prover-se de um rei, cabe-lhe também depô-lo, caso se torne tirano... (Santo Tomás de Aquino. Escritos Políticos. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 25).

Conforme já exposto no tópico 3.2.2, São Tomás de Aquino foi um dos

maiores teóricos medievais a dissertar e defender a prática do tiranicídio.

5.5 Breve análise da relação entre o instituto do impeachment e as recentes

democracias latino-americanas

Ao contrário dos vizinhos Estados Unidos da América, em que os mandatos

presidenciais são permanentes e rígidos (HOSCHTETLER, 2007) e que representou

a fonte de importação do instituto do impeachment93, na América Latina, ocorre seu

uso excessivo, tornando-se quase uma tendência94 nas jovens democracias

instituídas após os longos anos de intervenção militar. Essa instabilidade política que

de impeachment. Ainda alertou que, por um desejo revanchista, pudesse haver a reversão pelo STF de uma decisão considerada, por ela, histórica. (RAMALHO, 2016).

93 ―Nos Estados Unidos é generalizada a crítica ao impeachment no sentido de considerá-lo um procedimento tumultuado, favorecendo discussões paralelas e evasivas, incompatíveis com a linearidade e celeridade requeridas diante de fatos político-administrativos tão graves como a traição, o suborno e outros. Não obstante, não têm logrado êxito as tentativas de emendar a Constituição para reformar ou substituir o impeachment, por ser ele considerado um dos mais importantes checks and balances (freios e contrapesos) da separação de poderes no constitucionalismo norte-americano. De qualquer modo, os recentes episódios envolvendo os Presidentes Nixon e Clinton não permitem afirmar que o impeachment está esquecido nos Estados Unidos.‖ (BARROS, 2011, p. 125).

94 ―Within a few years, political crises without regime breakdown have become a common occurrence in Latin American politics – and presidential impeachment has become the main institutional expression of this trend.‖ (PÉREZ-LIÑÁN, 2007, p. 203).

Page 89: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

assola os Países latino americanos95 inicia-se, a partir do final da década de 1980,

com o fim de regimes antidemocráticos e o início do período de redemocratização na

região, chamada por Pérez-Liñán (2003a; 2003b; 2007) de terceira onda de

democratização, a qual, ao longo dos anos que se seguiram, provocou a criação de

novo modo de governar, fruto das novas demandas que buscam impedir o retorno

aos modelos ditatoriais.

Atrelado aos processos de redemocratização na região, foram também

instituídas reformas constitucionais ―que eliminaram os instrumentos jurídicos do

presidencialismo autoritário‖ (PÉREZ-LIÑÁN, 2003b, p. 159, tradução nossa96) e,

com isso, impulsionou o surgimento do novo presidencialismo, com ―um menor grau

de ingerência militar nos confrontos entre Executivo e Legislativo‖ (PÉREZ-LIÑÁN,

2003b, p. 161, tradução nossa97). Se antes, o Executivo latino-americano

predominava sob o Legislativo, promovendo a sua destituição arbitrária, após a

redemocratização, o Executivo perdeu essa capacidade de controle sobre o

Legislativo. Houve, durante as últimas décadas, o fortalecimento do Legislativo, por

meio da previsão de instrumentos institucionais que lhe permitem limitar as ações do

Executivo, promovendo, inclusive a remoção de seu representante (PÉREZ-LIÑÁN,

2003b).

Assim, na região, desde o fim da década de 1980 e início da década de 1990

até a atualidade, 1798 presidentes latino-americanos99 foram retirados do poder

involuntariamente100. Dentre esses, cinco foram destituídos via impeachment:

95

Utiliza-se a América Latina como demarcação geográfica para a análise proposta, pois há um expressivo número de presidentes retirados do poder após o período de redemocratização nesses países e não só na América do Sul, como também na América Central e no México, salvo algumas raras exceções, em que nenhum de seus presidentes democraticamente eleitos foram destituídos. Além disto, a região como um todo é fruto de um extenso período colonial, sendo as Nações que a formam, historicamente, jovens e, por isto, a constatação de tantas instabilidades político-organizacionais é de extrema preocupação.

96 Que eliminaron los instrumentos jurídicos del presidencialismo autoritário.

97 Un menor grado de injerencia militar en las confrontaciones entre el Ejecutivo y el Legislativo.

98 Raúl Alfonsín – Argentina (1989); Jean Bertrand Aristide – Haiti (1991); Collor – Brasil (1992); Jorge Serrano Elías – Guatemala (1993); Carlos Andrés Pérez – Venezuela (1993); Abdalá Bucaram - Equador (1997); Raúl Cubas – Paraguai (1999); Jamil Mahuad – Equador (2000); Alberto Fijumori – Peru (2000); Fernando de la Rúa – Argentina (2001); Hugo Chávez – Venezuela (2002); Gonzalo Sánchez de Lozada – Bolívia (2003); Carlos Mesa – Bolívia (2005); Lucio Gutierrez - Equador (2005); José Manuel Zelaya – Honduras (2009); Fernando Lugo – Paraguai (2012); Dilma Rousseff – Brasil (2016).

99 Entretanto, os dados apontados por Hoschtetler, em 2006, indicam que ―de 40 presidentes [...], cujos mandatos terminaram por volta de 2003, 16 deles (40%) enfrentaram contestações à sua permanência no cargo e 9 (23%) com seus mandatos ‗fixos‘ terminados prematuramente‖ (HOSCHTETLER, 2007, p. 11). Observa-se também que a pesquisa levantada por Hoschtetler se restringiu à América do Sul.

100 Seja mediante impeachment, renúncia promovida por pressão popular e/ou legislativa ou golpe de

Page 90: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

97

Fernando Collor – Brasil (1992); Carlos Andrés Pérez – Venezuela (1993); Raúl

Cubas – Paraguai (1999); Fernando Lugo – Paraguai (2012); Dilma Rousseff – Brasil

(2016). O cenário é preocupante, pois demonstra a extrema vulnerabilidade na

política praticada na região provocada, principalmente, por fatores identificados no

modelo presidencialista que vem sendo articulado, aliado ao desequilíbrio de forças

entre Legislativo e Executivo. (PÉREZ-LIÑÁN, 2007).

A destituição desses presidentes, portanto, ocorreu diante da incidência

(isolada ou em conjunto) de três fatores: diretrizes econômicas adotadas pelo

presidente eleito, seu envolvimento em escândalos de corrupção e presença

minoritária no Congresso Nacional (HOSCHTETLER, 2007; PÉREZ-LIÑÁN, 2003a).

Uma avaliação indutora dos atuais desafios a presidentes mostra que três temas motivaram virtualmente quase todas as campanhas para afastar presidentes prematuramente. Para os participantes da sociedade civil, a insatisfação com as diretrizes econômicas e seus resultados foi a razão mais comum para as contestações a presidentes. As acusações de corrupção, quando vinculadas à figura do próprio presidente, foram importantes para ambos os conjuntos de participantes. Os legisladores que se defrontavam com presidentes com minoria no Congresso também se utilizaram de contestações para resolver pela luta relações interpoderes, acompanhando as muitas mudanças formais das Constituições neste período. (HOSCHTETLER, 2007, p. 19-20, grifo nosso).

Em observação reflexiva, quanto aos processos de impeachment ocorridos no

Brasil, tem-se que Fernando Collor e Dilma Rousseff foram, direta ou indiretamente,

enquadrados nos três fatores acima descritos.

Além desses fatores, Hoschtetler101, em estudo realizado em 2006, dedicado

a repensar o presidencialismo nos Países sul-americanos, observa que, para que o

presidente, nessas condições, seja destituído, é necessária também a combinação

de dois elementos: mobilizações populares que vão às ruas exigir a sua saída e

ações legislativas nesse sentido. Juntos, esses elementos provocam aquilo que a

autora denomina de interação dialética, de forma que contestações legislativas

sozinhas não são capazes de destituir um presidente (HOSCHTETLER, 2007).

Assim, quando a insatisfação advém do Legislativo, este precisa encontrar

estado.

101 Apesar de a autora focalizar seus estudos, ―em todas as vezes em que presidentes eleitos deixaram o cargo antes de completar seus mandatos, quer tenham renunciado ou sofrido impeachment, ou tenham sido forçados, de alguma forma, a deixar o cargo‖ (HOSCHTETLER, 2007, p. 11), neste presente estudo, delimitar-se-á os casos de ―queda presidencial‖, de forma a abordar apenas os casos de destituição presidencial via impeachment, ou seja, mesmo havendo a renúncia pelo presidente, um processo de impeachment foi instaurado.

Page 91: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

meios de provocar a população a ir às ruas. Valendo-se, usualmente, de tumultos à

agenda de governo, de forma a gerar insatisfação popular com a política exercida

pelo representante eleito. ―Em contrapartida, quando o clamor popular em relação

aos presidentes não tinha apoio institucional, as contestações com base nos

protestos de rua poderiam prosseguir por si sós e muitas vezes o fizeram com

sucesso‖ (HOSCHTETLER, 2007, p. 31).

Nesse sentido, também assinala, Sérgio Resende de Barros:

Ao longo dessa prática secular, outro fato se vem tornando evidente: o termômetro do impeachment é a vox populi. Sem a voz do povo, o impeachment é um instituto mudo ou tartamudo. Ela o exige e o impulsiona e, até, em certos casos, o dispensa. Antes dos representantes eleitos pelo povo, é o próprio povo que admite ou rejeita o processo, condena ou inocenta o acusado. Assim é o impeachment republicano: uma função política em que o povo e a representação popular agem um em razão do outro: a representação reage na razão direta da pressão popular. (BARROS, 2011, p. 117).

Dessa forma, mesmo que se reconheça que o presidencialismo que vem

sendo estruturado na América Latina, ao exigir pressão popular para destituir seus

presidentes, mantém-se em consonância com a agenda democrática que apregoa,

também não se pode olvidar que, até o presente momento, esse novo

presidencialismo latino-americano não tem contribuído para a consecução de maior

estabilidade política que beneficie aos governos eleitos (PÉREZ-LIÑÁN, 2003b).

Necessário destacar que esse termômetro popular, não raras as vezes, é

aquecido pela mídia local, que faz a interface entre o que ocorre na conjuntura

política nacional e a população, sendo inegável que mais da metade da população

se informe sobre a vida política, por meio desses meios de comunicação, os quais,

mesmo devendo ser essencialmente imparciais, nem sempre o são, atuando como

guardiões da moralidade pública (PÉREZ-LIÑÁN, 2007).

A presença de jornalismo watchdog (WAISBORD, 2000; PÉREZ-LIÑÁN,

2007) garante aos meios de comunicação, geralmente controlados pela elite

econômica, poderes para acompanhar a vida dos presidentes eleitos, seus familiares

e membros de gabinete, ao ponto de expô-los a acusações e escândalos, capazes

de promover sua retirada do poder. Entretanto, adverte-se que escândalos, por si só,

não acarretam processos de impeachment. Apenas podem ser utilizados enquanto

instrumentos para sua instauração, pois ocasionam indignação pública e, assim, são

estrategicamente manuseados pelo Congresso, quando este não encontra razões

Page 92: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

99

ou desculpas constitucionais hábeis a promover a retirada do presidente (PÉREZ-

LIÑÁN, 2007).

Outro aspecto que demanda atenção, nesse quesito, é que as mobilizações

populares, antes da redemocratização, eram vistas enquanto indicadores de

polarização ideológica, dividindo a população em esquerda e direita. Já quando

instaurados os primeiros regimes presidencialistas, passaram a ser interpretadas,

quando presentes coalizões multiclasses, como indicador de isolamento político do

presidente. E, mediante essas interpretações, que nem sempre são fiéis ao cenário

de insatisfação popular, os legisladores somavam coro àquelas que se opunham ao

Executivo, desde que fossem provenientes de minorias do eleitorado ou quando o

presidente não apresentava mandato consistente (PÉREZ-LIÑÁN, 2007).

Além desses fatores de instabilidade ao presidencialismo latino-americano, o

perfil dos representantes do Executivo também é colocado em pauta, visto que

muitos possuem a crença de que, por ser representante escolhido por meio do voto

popular, encontram-se acima dos demais poderes, ignorando a lógica

presidencialista de ―coexistência de dois poderes eleitos com fontes de legitimidade

eleitoral e mandatos igualmente válidos‖102 (PÉREZ-LIÑÁN, 2003b, p. 150, tradução

nossa). Essa crença advém, principalmente, de sua representação direta e pessoal,

considerando que o povo escolhe aquele ser caricatural que lhes fala e o dota de

poder suficiente para governar, sozinho, o País. Nessa seara, os processos de

impeachment surgem, portanto, como novo padrão de instabilidade política em

substitutivo às intervenções militares, tornando-se instrumento capaz de remover

presidentes de seus cargos (PÉREZ-LIÑÁN, 2007).

Em consonância, Carey assinalou que:

As constituições ainda soletram sistemas presidencialistas. Mas, o contexto abaixo delas é diverso. Já que, os militares latino-americanos são, agora, incapazes, ou não querem, intervir na política. Agora, quando presidentes e legisladores encontram-se em um impasse, não necessariamente mantém a opção de bater na porta de um quartel para pedir ajuda. Outra mudança é a nível internacional, já que grandes democracias da América Latina estão agora dispostas a isolar, diplomática e economicamente, os governos vizinhos que violem o procedimento democrático. O efeito dessas mudanças está na forma como os governos resolvem as visiveis crises na região. Na última década, ocorreram treze mudanças de regime em que, um ou o outro segmento foi removido preventivamente. Em onze desses casos, o presidente saiu, e o cargo encontrou-se preenchido, mais frequentemente,

102

Coexistencia de dos poderes electos com fuentes de legitimidad electoral y mandatos igualmente válidos.

Page 93: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

por um sucessor escolhido pelo Congresso - precisamente a válvula de segurança embutido no parlamentarismo tornou-se atraente para os reformadores da América Latina.Embora, esta norma não se conforma com a letra das constituições da América Latina, que permanecem presidenciais. No entanto, a substituição presidencial pró-ativa pelo Legislativo não tem atraído a oposição dos governos vizinhos, assim como os golpes militares. Além disso, parece que esses movimentos vem sendo entendidos pelos políticos latino-americanos como as novas, informais regras do jogo.

103

(2002, p. 33-34, tradução nossa).

Essa tendência latino-americana visa, portanto, provocar o uso do instituto do

impeachment enquanto voto de desconfiança, assim como no sistema

parlamentarista, o que é impossível e altamente violador do texto constitucional,

além de fragilizar a democracia e perturbar o sistema republicano.

Primeiro, em democracias parlamentares, o líder do governo – que pode ter diferentes títulos oficiais, como primeiro ministro, premier, chanceler, ministro-presidente, e (na Irlanda) taoiseach – e seu gabinete é dependente da confiança do Legislativo e pode ser destituído do cargo por voto de não confiança do Legislativo ou por censura. Em sistemas presidenciais, o líder do governo – invariavelmente chamado de presidente – é eleito por um período fixo, constitucionalmente prescrito e em circunstâncias normais não pode ser forçado pelo Legislativo a renunciar (embora, é possível remover um presidente pelo altamente incomum e excepcional processo de impeachment). A segunda crucial diferença é que os líderes em um governo presidencial são popularmente eleitos, diretamente ou via colégio eleitoral, e o primeiro ministro é selecionado pelo Legislativo. Eu uso, aconselhadamente, o termo genérico ―selecionado‖ porque o processo de seleção pode variar amplamente de eleição formal para negociação interpartidária informal no Legislativo.

104 (LIJPHART, 1994, p. 92, tradução

103

So the constitutions still spell out presidential systems. But the ground underneath them has shifted. One change is that Latin American militaries are now unable, or unwilling, to intervene in politics for the long haul. Now, when presidents and legislatures find themselves at a stand-off, neither necessarily holds the option of knocking on the barracks door to as for help. Another change is at the international level. Latin America‘s major democracies are now willing to isolate, diplomatically and economically, neighboring governments that breach democratic procedure. The effect of these changes is visible in how government crises in the region are resolved. In the past decade, there have been thirteen regime changes in which one or the other branch has been removed preemptively. In eleven of those cases, the president has departed, and the office has been filled, most frequently, with a congressionally chosen successor – precisely the safety valve built into parliamentarism that made it attractive to Latin American reformers. This norm does not conform to the letter of Latin America‘s constitutions, which remain presidential. Nevertheless, the proactive of presidential replacement by legislatures has not attracted opposition from neighboring governments, as do military coups. Moreover, these moves appear to have come to be understood by the Latin American politicians as the new, informal rules of the game. 104

First, in parliamentary democracies, the head of the government – Who may have different official titles such as prime minister, premier, chancellor, minister-president, and (in Ireland) taoiseach – and his or her cabinet are dependent on the legislature‘s confidence and can be dismissed from office by a legislative vote of no confidence or censure. In presidential systems, the head of government – invariably called president – is elected for a fixed, constitutionally prescribed term and in normal circumstances cannot be forced by the legislature to resign (although it may be possible to remove a president by the highly unusual and exceptional process of impeachment). The second crucial difference is that presidential heads of government are popularly elected, either directly or via an electoral college, and that prime ministers are selected by the legislatures. I use the general term

Page 94: DO TIRANICÍDIO AO IMPEACHMENT: as formas de destituição do

101

nossa).

A doutrina latino-americana, ao optar por estudar, isoladamente, os episódios

de rupturas presidenciais e considerar que, uma vez superados os modelos militares

de tomada de poder na região, o que vem ocorrendo é fruto da profusão

democrática, deixa escapar o quanto a instabilidade política na América Latina é

preocupante, principalmente, porque mantém a região submissa a jogos de poder,

de classes que, inclusive, não se encontram diretamente no poder (PÉREZ-LIÑÁN,

2007).

Atinente a isso, Ricardo Sanín Restrepo (2016), ao analisar, especificamente,

o impeachment da ex-Presidente Dilma, em seu texto Desincriptando o golpe

constitucional de Estado no Brasil (tradução nossa)105, apontou outros motivos para

o recente impedimento:

Os membros dessa elite evitam interferir com as decisões dos principais atores globais, desde que possam exercer seu poder no mercado interno. Esta é a característica crucial da colonialidade. Nos últimos catorze anos, no entanto, o domínio da elite sobre a política brasileira foi perturbado pelo Partido dos Trabalhadores. Devemos entender que o que está em jogo na atual crise política no Brasil é muito mais do que uma briga doméstica; o que está em jogo é o futuro da colonialidade e as formas de libertação dele.

106 (RESTREPO, 2016, tradução nossa, grifo nosso).

Essa perspectiva sobre os fatos é intrigante e convidativa, pois apresenta o

elemento da colonialidade, em que se considera a América Latina como o local de

desenvolvimento do ―projeto de colonialidade global americana‖107 (RESTREPO;

HINCAPÍE, 2012, p. 10, tradução nossa), que opera sob a lógica de que não é mais

necessário o uso da força, como o foi na Europa imperialista, mas apenas da

utilização de instrumento de dominação muito mais sutil, que age em nome da lei.

Assim, a recente crise política brasileira não seria apenas assunto doméstico, o qual

os demais Países possam ignorar ou não interferir, pois ―o que está acontecendo no

Brasil é um evento global. Cabe a nós continuar sendo cidadãos de segunda mão de

―selected‖ advisedly because the process of selection can range widely from formal election to informal interparty bargaining in the legislature.

105 Decrypting the Constitutional Coup de d’état in Brazil.

106 The members of this elite avoid interfering with the decisions of key global players, as long as they can exercise their power domestically. This is the crucial feature of coloniality. In the last fourteen years, though, the elite stranglehold on Brazilian politics has been disturbed by the Workers Party. We must understand that what is at play in the current political crisis in Brazil is much more than a domestic scuffle; what is at play is the future of coloniality and the forms of liberation from it.

107 Project of American global coloniality.

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‗Monróvia‘108 ou, finalmente, criar uma imaginação que nos ajude a superar a

colonialidade‖109 (RESTREPO, 2016, tradução nossa).

As observações feitas por Restrepo (2016), nesse momento, visam

demonstrar a condição de submissão ao sistema econômico que as democracias

latino-americanas vivem:

A lei moderna como neo-evangelho do capitalismo é a doença crônica da democracia; é o catalisador de uma pandemia chamada neoliberalismo. A solução estava então à mão, tendo sido fermentada por séculos. A colonialidade está tão profundamente enraizada nas elites do país que os operadores do "Império" não têm nada a fazer senão fechar os olhos e deixar as coisas rolarem. Permite que as elites mobilizem a classe média como a primeira linha de fogo ideológico, abraçando com forquilhas legais e tochas ideológicas que nunca falham em pseudo-causas de moralidade e orgulho nacional, este último é outro nome para o racismo.

110 (RESTREPO,

2016, tradução nossa).

Assim, permitir que os problemas internos do Brasil e da América Latina não

sejam problemas de todos é viabilizar a manutenção do processo de colonialidade,

pois, enquanto em terras brasileiras, a política e a democracia forem instáveis,

suscetíveis a crises constantes e vulneráveis a sucessivos processos de

impeachment, o sistema econômico estará respirando aliviado e utilizando da

Constituição como arma para a manutenção do seu poder.

Em síntese, aliando os pensamentos de RESTREPO (2016) e PÉREZ-LIÑÁN

(2007), o que está a ocorrer na América Latina é que, por suas características de

contexto de baixa intervenção militar e de intensos protestos populares contra o

presidente, sua administração pode decair. Mas apenas a presença de escândalos

midiáticos, elitistas, econômicos e de Legislativo pró-ativo é que permitem que o

padrão institucional de remoção de poder, no caso, o impeachment presidencial, de

fato ocorra.

108

Alusão à capital da Libéria fundada em 1824. Foi habitada por escravos norte-americanos libertos e recebeu este nome em homenagem ao presidente dos Estados Unidos à época, James Monroe, teórico da Doutrina Monroe.

109 What is happening in Brazil is a global event. It is up to us to keep being secondhand citizens of ‗Monrovia,‘ or at last create an imagination that helps us to overcome coloniality.

110 Modern law as the neo-gospel of capitalism is the chronic disease of democracy; it is the catalyst of a pandemic called neoliberalism. The solution was then at hand, having been brewing for centuries. Coloniality is so deeply embedded in the country‘s elites that the operators of ‗Empire‘ have to do nothing but turn a blind eye and let things roll. Let the elites mobilize the middle class as the first line of ideological fire, embracing with legal pitchforks and ideological torches the never failing pseudo-causes of morality and national pride, the latter another name for racism.

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103

5.5.1 O não impedimento de Temer

A lógica perversa que anima o plano de fundo dos impeachments latino-

americanos, seja econômica, midiática ou política, sob o viés do jogo político,

provoca distorções significativas no sistema jurídico e político interno desses Países,

de forma que tornou possível o impeachment por crime de responsabilidade fiscal,

sustentado nas denominadas pedaladas fiscais, cujo liame ilícito dividiu opiniões no

País e que, após a condenação do referido impeachment, passou-se a autorizar a

abertura de créditos suplementares, por intermédio da Lei n. 13.332/16.

Ademais, a mesma Câmara dos Deputados que autorizou o impeachment da

ex-presidente Dilma permitiu por 263 votos a 227, que denúncias de corrupção

passiva do atual presidente Michel Miguel Elias Temer Lulia fossem arquivadas e,

portanto, negando-se autorização ao STF para que o investigasse. (CÂMARA DOS

DEPUTADOS, 2017a; CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2017c).

A discrepância na forma com a qual a classe política vota nesses dois

momentos materializa o alerta feito, em 2001, por Roberto Mangabeira Unger,

quando em seu livro A Segunda Via, expressando que há no Brasil, a possibilidade

de que ―um presidente comprometido com reformas de envergadura [...] encontre

entrincheirada no Congresso uma maioria criptoconservadora‖ (UNGER, 2001, p.

149), e acrescenta:

O presidencialismo americano, copiado no Brasil, como em toda a América Latina, foi desenhado por Madison para favorecer a perpetuação dos impasses entre os Poderes do Estado, sempre que a política gerasse propostas transformadoras. (UNGER, 2001, p. 123).

Seguindo os ensinamentos de Unger (2001), expõe-se que:

A previsão de coalizões no sistema jurídico pátrio ao mesmo tempo em que se presta a construir um pacto suprapartidário, em que a união de diversos partidos atua na implementação de uma agenda de governo capaz de atender aos anseios sociais e possibilitar ao Legislativo coibir o ressurgimento de um governo ditatorial no país, também, permite aos partidos políticos se aproveitarem desse modelo de presidencialismo para além de vencer eleições angariar Ministérios e outros cargos executivos. Entretanto, este modelo presidencialista [de coalizão] também promove a iminente possibilidade de desabrochar crises políticas entre Legislativo e Executivo, que quando em desacordo resultam em batalhas de forças, a fim de avaliar qual vontade deve prevalecer, instaurando, assim, grande instabilidade na ordem política, pois, um Presidente que não consegue implantar seus planos de governo por não obter a aprovação de

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determinadas leis ou projetos, por via de consequência, também não atende, apropriadamente, as vontades da população. Uma população insatisfeita protesta e ao fazer isto, confere ao Legislativo sua principal arma de contenção ao Executivo: a instauração de um processo de impedimento, cujo uso se tornou frequente em situações de repressão às crises políticas nacionais. Entretanto, este se trata de mecanismo excepcional que deve ser utilizado nas hipóteses de punição pessoal do Chefe do Executivo por crimes de responsabilidade e não como mecanismo de manobra para solucionar impasses políticos, o que desvirtua o propósito de criação deste instrumento. Diante disto, considera-se que, este não seja o instrumento apto a resolver crises provocadas pela dissonância entre Legislativo e Executivo, pois confere punições a apenas um lado, sem avaliar as reais implicações por detrás da instabilidade criada. (SOUTO, 2017, p. 46-47).

Os fatos recentes comprovam o que a teoria diz; esse é o cenário vivenciado

desde as primeiras manifestações de 2013, até a aprovação do conjunto de ajustes

e reformas promovidas pelo atual governo, que, mesmo após a veiculação televisiva

de áudios indicativos de corrupção passiva, ainda se mantém no cargo, sob a

justificativa de manutenção da estabilidade política e econômica do País,

apresentada pela maioria dos deputados durante votação televisionada no dia dois

de agosto de 2017.

Retorna-se, então, às constatações apresentadas no tópico 5.3.1 pelo Prof.

Galuppo (2016), de que, na história recente do País, todos os presidentes já

sofreram acusações formais passíveis de destituição do cargo via impeachment,

contudo, de todos, apenas dois foram destituídos de seu cargo. E, por quê? A quem

cabe escolher? Assim, retornamos, se é que saímos, ao passado, quando se

destituía do poder aqueles que recebiam a alcunha de tiranos. Entretanto, eram

mais justos do que agora, quando quem diz quem é o tirano são alguns poucos, tão

tiranos quanto.

Essa é, portanto, a armadilha promovida pela incorporação no contexto

democrático do tiranicídio constitucional, pois seu caráter ambíguo permite que a

decisão sobre quem seja o tirano fique à mercê de estratégias e manipulações

promovidas no seio do jogo político. Diante desse cenário, as potenciais

consequências são: a utilização do mesmo como a solução do compromisso -

escuso ou não – que permeia a própria política e, por via direta, o meio de

sobrevivência de políticos e/ou a prorrogação de um problema que pode arrebentar

em poder constituinte originário, instaurando, a partir de si, nova ordem

constitucional, que poderá ser mais progressista ou conservadora que a anterior, o

que, diante do cenário atual, é extremamente temerário, uma vez que não é possível

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105

prever qual posição seria adotada e; na melhor das hipóteses, a questão se

solucionaria via eleições, permitindo-se que o próprio sistema se

recomponha/regenere e encontre na via democrática e republicana a solução.

De toda forma, todas essas hipóteses possuem preço, seja jurídico, político,

econômico ou social, e quem arcará com esse, inevitavelmente, será o povo, que,

após os modernos, é o verdadeiro titular do poder. Por fim, vale constatar que - se

não restou por óbvio - as saúdes jurídica, política e constitucional do Estado

brasileiro caminham doentes, caducas e desacreditadas. Assim, expor, debater,

discutir, criticar e reconsiderar os institutos que orientam este Estado de Direito é o

legado a ser deixado neste momento.

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107

6 CONCLUSÃO

Todo o ímpeto de resistir à opressão, seja na Antiguidade, no medievo, na

Modernidade ou atualmente, é circunscrito pela incessante necessidade de legitimar

esse ato. Buscar justificativas que respaldem a violência infringida ao governante

sempre foi desafio para a vida em sociedade, quando não pelo ato em si –

solidamente legítimo em dada comunidade – ou quando da necessidade de se dizer

quem poderia cometê-lo. Neste momento, tanto passado quanto presente têm o

mesmo desafio, pois se, antes, matar o rei era ato contrário às leis de Deus e,

portanto, considerado pecado, após o advento do Estado Constitucional, seria ato

contrário à lei, à Constituição e, portanto, sem nenhum lastro de legitimidade.

Contudo, é da essência do Estado de Direito, a necessidade de base legal

que fundamente todos os aspectos da vida, é seu alimento e sua forma de viver.

Assim, resistir à opressão é ato-fato desse Estado, de forma que, ao ato vil de

assassinar o opressor é imprescindível dar-se nome e respaldo jurídico.

Sob esses aspectos, construiu-se instituto que fosse capaz de trazer ao

Constitucionalismo as mesmas premissas que sustentavam a possibilidade dos

súditos de se insurgirem contra seu opressor. Impedimento é forma de resistência e,

quanto a isso, não há discussões. Quanto ao impeachment ser a reminiscência

tiranicida, também não deveria haver dúvidas.

O impeachment é instituto medieval que, em sua origem, no berço inglês,

comportava a pena de morte. Somente no século XVIII, é que os pais fundadores o

resgatam e, diante da construção da nova nação, alicerçada sob o repúdio à

presença monárquica inglês, então, vencida é que modulam a sua pena. Criaram

novo Estado, mas mantiveram velhas práticas. O discurso de construção é

progressista, humanitário e vanguardista, mas sua forma de contenção ainda é

violenta, conservadora e arbitrária, e se perpetua a cada nova Constituição.

Evidencia-se que, mesmo havendo o desejo de mudança, neste habitat

constituído por humanos e regras, ao qual se dá o nome de sociedade, não há

mudanças, quando muito, adaptações. Pois, a partir do momento em que a ordem

constitucional, republicana e democrática foi construída e que cortar cabeças tornou-

se impraticável, não se deixou de permitir que essa violência apolítica fosse

adaptada às novas circunstâncias e, portanto, velada. O próprio direito e suas

instituições é que permitiram isso, de forma a instituir a guilhotina, por meio da via

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legal e de processo capaz de infringir a morte política.

Talvez, a principal inquietude aqui não seja apenas a possibilidade em si de

assassinar o tirano, visto que, no fundo, todos querem a sua retirada. O que ainda

não é democrático nem republicano é a quem cabe dizer quem é o tirano, pois há

controvérsias, e assim é desde a Antiguidade Clássica, sobre se quem se diz ser

legítimo a indicar quem é o tirano o faz por interesse de todos ou por interesse

próprio.

Então, se o problema apresentado por meio desta dissertação de mestrado foi

quanto à condição do instituto constitucional do impeachment, enquanto

reminiscência da obsoleta teoria tiranicida, e, se considerar que, ao final e ao cabo, a

resposta a essa questão foi a confirmação da relação intrínseca entre os referidos

instituto e doutrina, o que resta é saber o que poderá ser feito diante de tais

constatações.

Neste ponto, limita-se apenas a declarar que: mesmo diante do Estado de

Direito, ainda vigoram, de forma escamoteada, instrumentos capazes de promover a

morte – mesmo que apenas política – e que, assim como outrora, caberá aos

escolhidos para esse fim promovê-la. Deve-se sempre lembrar que muitos tiranicidas

na História se autoproclamaram libertadores da nação para legitimar seu ato,

enquanto, em seu íntimo, mantinham o desejo de se colocarem naquele poder.

Dessa forma, a possibilidade de destituição de governante, conforme vem

ocorrendo, sob a lógica valorativa de bom ou mau governo, cria perigoso

precedente, tornando o presidencialismo insustentável, na medida em que, se o

governante não se adéqua a pretensos anseios políticos, econômicos e eleitorais,

será destituído. Quando não destituído, em pior cenário, se manterá refém do

Legislativo, o que rompe com a divisão de poderes, visto que, diante da ausência de

apoio parlamentar, haverá dependência de uma função sobre a outra e, nesse

momento, o Executivo fará de tudo para não ser impedido de gerar governabilidade,

o que, via de consequência, quando ocorre, compromete a execução de políticas

públicas e o enfraquece perante seus eleitores.

Assim, todas as decisões emanariam de um único poder, evidenciando que o

controle parlamentar sob o Executivo, mediante votos de desconfianças, não se

comportam ao presidencialismo. Esses são exclusivos do sistema parlamentarista e,

fora dele, são inconstitucionais, ilegais e antidemocráticos.

Ademais, o que houve, a partir de 2016, e que vem ocorrendo é a banalização

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109

do Direito brasileiro, pois os argumentos utilizados para forçar a sucessão eleitoral,

via impeachment, enquanto em dado momento serviram de critérios de condenação,

no momento seguinte, tornaram-se legais. Essas são distorções que a presença de

resquícios tiranicidas provocam na ordem democrática.

Todo esse conjunto de constatações, lastreadas nas teorias apresentadas

neste estudo e, principalmente, naquela pretendida por Peréz-Liñan, alertam para

que essa seja a atual realidade das democracias latino-americanas, qual seja, de um

Executivo atado pelo Legislativo, sob a justificativa de temor ao retorno dos regimes

ditatoriais. Entretanto, o que não pode escapar aos olhos é que a tirania não é

operada por apenas um, pode ser operada por muitos e ainda assim será tirania.

Toda essa instabilidade impede de ver o futuro, pois não se sabe como o

Executivo reagirá, concluindo-se que toda a organização institucional deste país

encontra-se em estado de alerta. A reflexão aqui feita e pretendida implica que, para

o futuro, outros resultados políticos, sociais, econômicos e jurídicos precisam ser

gerados, fazendo necessário repensar toda a atual estrutura de poder, para assim,

rumarmos para caminho diverso do até então trilhado.

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