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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR MOTIVADA PELA VIOLÊNCIA FÍSICA INFANTIL LAYLA MORGANA MOREIRA ENDERLE Porto Belo (SC), outubro de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR MOTIVADA PELA VIOLÊNCIA FÍSICA INFANTIL

LAYLA MORGANA MOREIRA ENDERLE

Porto Belo (SC), outubro de 2009.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR MOTIVADA PELA VIOLÊNCIA FÍSICA INFANTIL

LAYLA MORGANA MOREIRA ENDERLE

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Professora Mestre Grazielle Xavier.

Porto Belo (SC), outubro de 2009.

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AGRADECIMENTO

À minha querida orientadora e amiga, Grazielle Xavier, pelo incentivo, simpatia e presteza no

auxílio às atividades e discussões sobre o andamento e normatização desta Monografia de

Conclusão de Curso.

Ao meu amado Silvio Moratelli, por se constituir admirável em essência, pelos estímulos que me

impulsionaram a buscar vida nova a cada dia, meus agradecimentos por ter aceito se privar de minha companhia pelos estudos, concedendo a mim a oportunidade de me realizar ainda mais...

Aos queridos e eternos amigos Ana Cláudia Magalhães Lopes, Júlia de Castro Nascimento e Tiago Caetano Buzzi, pela companhia e amizade

sincera dispensada durante todo o curso.

Aos meus amados irmãos Marina e João pela paciência em tolerar a minha ausência.

A todos aqueles que foram companheiros desta jornada.

E, finalmente, a DEUS pela oportunidade e pelo privilégio que me foi dado em compartilhar

tamanha experiência e, ao freqüentar este curso, perceber e atentar para a relevância de temas

que não faziam parte, em profundidade, de minha vida.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Vera e Hülse, por me amarem de maneira incondicional, e terem sempre me

indicado a senda correta a ser trilhada, pela dedicação e paciência, pelo amor dispensado,

sou mui grata.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e a

Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Porto Belo (SC), outubro de 2009.

Layla Morgana Moreira Enderle Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Layla Morgana Moreira Enderle,

sob o título Destituição do Poder Familiar Motivada pela Violência Física Infantil,

foi submetida em 20 de novembro de 2009 à banca examinadora composta pelos

seguintes professores: Profª. Mestre Grazielle Xavier (Presidente), Profª. Mestre

Emanuela Cristina Andrade Lacerda (Examinadora), e aprovada com a nota 10

(dez).

Itajaí (SC), outubro de 2009.

Profª. Mestre Grazielle Xavier Orientadora e Presidente da Banca

Profª. Mestre Emanuela Cristina Andrade Lacerda Examinadora da Banca

Profº. Mestre Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................... VII

INTRODUÇÃO ................................................................................... 9

CAPÍTULO 1 .................................................................................... 12

PODER FAMILIAR ........................................................................... 12

1.1 PÁTRIO PODER X PODER FAMILIAR .......................................................... 12 1.1.1 LINEAMENTO HISTÓRICO .................................................................................. 12 1.2 SUJEITOS DO PODER FAMILIAR ................................................................ 16 1.2.1 TITULARIDADE DO PODER FAMILIAR .................................................................. 16 1.3 O PODER FAMILIAR E OS FILHOS .............................................................. 22 1.4 O PODER FAMILIAR QUANTO AO USUFRUTO E OS BENS DOS FILHOS .............................................................................................................................. 23 1.5 DAS CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DO PODER FAMILIAR .............. 27 1.6 DO EXERCÍCIO E DO CONTEÚDO DO PODER FAMILIAR ......................... 29

CAPÍTULO 2 .................................................................................... 34

VIOLÊNCIA FÍSICA INFANTIL ......................................................... 34

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA FÍSICA ............................................... 34 2.2 VIOLÊNCIA X EDUCAÇÃO ............................................................................ 39 2.2.1 BREVE LINEAMENTO HISTÓRICO ....................................................................... 39 2.2.2 CARGA CULTURAL: A VIOLÊNCIA FÍSICA COMO FORMA DE EDUCAR OS FILHOS ..... 45 2.3 CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA FÍSICA NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA ................................................................................................. 50

CAPÍTULO 3 .................................................................................... 54

DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR: VIOLÊNCIA FÍSICA INFANTIL ......................................................................................... 54

3.1 FORMAS DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR ................................... 54 3.2 OS MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA ............................................................... 57 3.3 O PROCEDIMENTO JURÍDICO RELATIVO À PERDA DO PODER FAMILIAR ............................................................................................................. 67 3.4 CAUSUÍSTICA ................................................................................................ 75

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 78

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .......................................... 81

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VII

RESUMO

Este trabalho se concentrou na investigação dos elementos

caracterizadores da violência física infantil, bem como os contornos jurídicos que

levam tal agressão a embasar a perda do poder familiar, bem como alertar para

os efeitos danosos desta conduta tão repugnante. Procurou-se demonstrar que a

ocorrência da violência física infantil nos lares brasileiros está em constante foco,

independentemente da camada social em que se encontre a família investigada.

Vez que, não raro, pode-se afirmar o crescimento da ocorrência da violência dos

pais para com seus filhos, tal atitude, por si só justifica a percussão teórica.

Assim, realizou-se inicialmente um breve relato, sobre as características do poder

familiar, haja vista, que tal instituto do Direito Civil Brasileiro é cercado de deveres

e obrigações inerentes aos pais ou responsáveis pela criança e/ou adolescente.

Adentra-se no segundo capítulo nos contornos específicos da violência física,

identificando suas características e ocorrências no ambiente familiar, ao final,

volta-se à análise das conseqüências, tanto para a família, como para a criança

e/ou adolescente, decorrentes desta conduta, inclusive com descrições de

conseqüências físicas e psíquicas. De tudo, considerou-se que sendo a violência

física infantil, caracterizada pela crueldade física praticada, através de constantes

atos de agressão, maus-tratos, castigos imoderados, abusos, hostilidades,

pressão e desprezo, por parte do ofensor, ora pai e/ou mãe, a ponto de interferir

de maneira trágica no desenvolvimento físico e mental da criança e/ou

adolescente, necessitando da intervenção do Estado para retirar a vítima do seio

de sua família. Tal tema depende de diversas outras ciências, em particular da

psicologia e da medicina, motivo pelo qual este trabalho monográfico possui

enfoque multidisciplinar. Ao final, ressaltou-se que o procedimento de destituição

do poder familiar é medida extrema, aplicada somente nos casos em que os

genitores não possuem a menor condição moral de exercer seu poder familiar.

Tais decisões judiciais, acima de tudo, visam sempre o melhor interesse e o bem

estar da criança. Haja vista que, em muitos casos, as crianças que sofrem maus-

tratos na infância acabam tornando-se adultos agressores.

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INTRODUÇÃO

Primeiramente, adianta-se que as categorias fundamentais

para a monografia, bem como os seus conceitos operacionais serão

apresentados no decorrer deste trabalho.

A presente Monografia tem como objeto elucidar acerca do

procedimento de destituição do poder familiar, em foco, aqueles que são

motivados pela violência física dos pais contra seus filhos. Os chamados maus-

tratos ou castigos imoderados.

O seu objetivo é identificar os elementos caracterizadores da

violência física infantil, bem como os contornos jurídicos, que dão causa a

destituição do poder familiar, demonstrando seu procedimento, desde o inicio dos

autos com a denúncia oferecida pelo Ministério Público ou terceiro interessado,

até a sentença final, seja ela decretando a destituição do poder familiar ou

mantendo tal instituto, incluindo alertar pra os efeitos danosos desta conduta no

desenvolvimento de crianças e adolescentes.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando de realizar o

levantamento histórico da mudança de nomenclatura deste instituto do Direito

Civil Brasileiro, bem como identificar os sujeitos do poder familiar, delimitando sua

titularidade e expondo suas características, seus deveres inerentes ao exercício e

seu conteúdo.

No Capítulo 2, tratando de realizar estudo específico ao

fenômeno da violência física, em particular quando a sua ocorrência se dá nas

relações familiares, mais especificamente de pais contra seus filhos, em um

enfoque sobre seus contornos jurídicos, buscando defini-la. Volta-se a análise

pormenorizada dos sujeitos dessa violência e de sua caracterização voltada a

convivência familiar, bem como expôs-se que, há muito na história da família

brasileira, a extrema violência física contra crianças e adolescentes vem sendo

usada como pretexto de educar a prole. Na seqüência abordou-se

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detalhadamente os efeitos e as conseqüências da violência física no

desenvolvimento físico e moral de crianças e adolescentes, dando enfoque aos

prejuízos à saúde, aqui compreendidos os físicos e psíquicos, vez que a saúde

mental, é muito abalada.

No Capítulo 3, tratando de discorrer especificamente acerca

do procedimento de destituição do poder familiar, passe-se a elucidar de maneira

explicativa sobre a ocorrência, não rara, de maus-tratos na infância, com total

enfoque nos casos em que figuram como autores os próprios pais, detentores do

poder familiar, ou seja, quem deveria amar e zelar pela saúde física e moral de

sua prole. Dando prosseguimento, conferiu-se atenção ao procedimento jurídico

de destituição do poder familiar, passo a passo e finalmente realizou-se análise

causuística na Comarca de Porto Belo/SC, escolhida por ser local de residência

desta graduanda.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre a destituição do poder familiar motivada pela violência física infantil.

Para a presente monografia foi levantada a seguinte

hipótese:

A violência física infantil é motivo relevante e freqüente para

embasar o procedimento de destituição do poder familiar.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase

de Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de

1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido[...]. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB-SC editora, 2007. p. 101.

2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 104.

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Dados o Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as

Técnicas do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa

Bibliográfica7.

3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,

Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 62.

5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 31.

6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 45.

7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Prática da Pesquisa jurídica e Metodologia da pesquisa jurídica. p. 239.

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CAPÍTULO 1

PODER FAMILIAR

1.1 PÁTRIO PODER X PODER FAMILIAR

1.1.1 Lineamento histórico

Poder familiar é a expressão que o Novo Código Civil utiliza

em substituição a pátrio poder, constante no antigo Código Civil de 1916 –

CC/1916. Este instituto do Direito Civil Brasileiro vem modificando-se ao longo da

história, acompanhando, por assim dizer, a evolução das conquistas e conflitos

pertinentes à família brasileira.

O primeiro ponto a tratar destina-se a uma pesquisa histórica

acerca da mudança de nomenclatura deste instituto, ou seja, a sua evolução a fim

de ajustar-se às necessidades da família moderna.

O que se entende, então, por poder familiar?

Assim como o CC/1916 não trazia a definição para Pátrio

Poder, o Código Civil Brasileiro de 2002 - CC/2002 também não define Poder

Familiar. O conceito resulta, então, da natureza histórica jurídica do instituto e é

devidamente consolidado pelas posições doutrinárias a seguir expostas.

Nas lições de Maria Helena Diniz8 acerca do poder familiar

tem-se:

Um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido, em igualdade de condições, por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho.

8 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 5. p.

514.

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Vale ressaltar que “a menoridade cessa aos dezoito anos

completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida

civil”. (Art. 5.º, caput, CC/2002).

No mesmo sentido, o doutrinador Silvio Rodrigues9 define a

expressão poder familiar da seguinte forma:

O conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes [...] É o múnus público, imposto pelo Estado, aos pais, a fim de que zelem pelo futuro de seus filhos.

Ainda, o jurista Sílvio de Salvo Venosa10 discorre sobre o

ponto de vista dos filhos e dos pais acerca de tal instituto:

Visto sob o prisma do menor, o pátrio poder ou poder familiar encerra, sem dúvida, um conteúdo de honra e respeito, sem traduzir modernamente simples ou franca subordinação. Do ponto de vista dos pais, o poder familiar contém muito mais do que singela regra moral trazida pelo Direito: o poder paternal, termo que também se adapta a ambos os pais, enfeixa um conjunto de deveres com relação aos filhos que muito se acentuam quando a doutrina conceitua o instituto como um pátrio dever.

A Professora Maria Berenice Dias11 discorre sobre o tema:

De objeto de direito, o filho passou a sujeito de direito. Essa inversão ensejou a modificação do conteúdo do poder familiar, em face do interesse social que envolve. Não se trata do exercício de uma autoridade, mas de um encargo imposto por lei aos pais. O poder familiar é sempre trazido como exemplo da noção de poder-função ou direito-dever, consagradora da teoria funcionalista das normas de direito das famílias: poder que é exercido pelos genitores, mas que serve ao interesse do filho.

9 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva. 2001. v. 6. p. 349. 10 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p.

365/366. 11 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.

2006. p. 344.

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Acerca da origem do termo pátrio poder explica a Promotora

de Justiça Titular da 11º Curadoria de Família da Comarca da Capital do Estado

do Rio de Janeiro, Dra. Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel12:

A expressão pater possuía diversos significados. Na religião aplicava-se a todos os deuses, na linguagem do foro, a todo homem que tivesse autoridade sobre uma família e sobre um domínio (pater famílias); para os escravos, a expressão era usada como seu senhor (dominica potestas). A palavra pater, portanto, não encerrava significado de paternidade, mas de poder, autoridade, de dignidade majestosa. Ao pai de família, pelas antigas leis gregas e romanas, foi conferido o poder (potestas) absoluto e ilimitado sobre os integrantes do grupo familiar. No que concerne ao filho (patria potestas), o pai podia repeli-lo ao nascer, vendê-lo e condená-lo até a morte.

A história evidencia que o pátrio poder deveria ser exercido

apenas pela figura paterna, como única autoridade familiar, corroborando com a

idéia, o CC/1916 adotou a expressão pátrio poder durante décadas, asseverando,

inclusive, no art. 380, parágrafo único, que “divergindo os progenitores, quanto ao

exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o

direito de recorrer ao juiz para solução da divergência”. Grifou-se.

A redação atual encontra-se no art. 1.631 do CC/2002, onde

se lê, no parágrafo único, que “divergindo os pais quanto ao exercício do poder

familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do

desacordo”. Grifou-se.

Ainda discorrendo sobre as modificações advindas com a

evolução familiar, explica Sílvio de Salvo Venosa13:

A modificação do entendimento dessa relação entre pais e filhos, porém, não é muito antiga. A redação originária do art. 264 do Código argentino, por exemplo, conceituava o pátrio poder como o conjunto de direitos dos pais com relação às pessoas e aos bens dos filhos menores. Essa noção traduzia a idéia imperante até o século XIX e início do século XX. Até então, o pátrio poder ainda

12 LEITE, Heloísa Maria Daltro. Coordenadora Geral. O Novo Código Civil. Do direito de Família.

1ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 2004. p. 283. 13 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p.

368/369.

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tinha a compreensão da patria potestas do Direito Romano. A sociedade rural, em nosso país, incentivava a manutenção do poder patriarcal de forma quase incontrastável. Com a urbanização, industrialização, a nova posição assumida pela mulher no mundo ocidental, o avanço das telecomunicações e a globalização da sociedade, modificou-se irremediavelmente esse comportamento, fazendo realçar no pátrio poder os deveres dos pais com relação aos filhos, bem como os interesses destes, colocando em plano secundário os respectivos direitos dos pais. O exercício desse poder pressupõe o cuidado do pai e da mãe em relação aos filhos, o dever de criá-los, alimentá-los e educá-los conforme a condição e fortuna da família.

E continua no mesmo contexto, todavia abrangendo a parte

histórica brasileira:

Na Idade Média, é confrontada a noção romana de pátrio poder com a compreensão mais branda de autoridade paterna trazida pelos povos estrangeiros. De qualquer modo, a noção romana, ainda que mitigada, chega até a Idade Moderna. O patriarcalismo vem até nós pelo Direito português e encontra exemplos nos senhores de engenho e barões do café, que deixaram marcas indeléveis em nossa história. Na noção contemporânea, o conceito transfere-se totalmente para os princípios da mútua compreensão, a proteção dos menores e os deveres inerentes, irrenunciáveis e inafastáveis da paternidade e maternidade. O pátrio poder, poder familiar ou pátrio dever, nesse sentido, tem em vista primordialmente a proteção dos filhos menores. A convivência de todos os membros do grupo familiar deve ser lastreada não em supremacia, mas em diálogo, compreensão e entendimento.

O fator de maior importância para a mudança foi à vinda da

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CF/88, a começar pelo

art. 5, inciso I, que estabeleceu que “homens e mulheres são iguais em direitos e

obrigações”, artigo este que trouxe à baila o Princípio da Dignidade da Pessoa

Humana, neste norte também o art. 226, § 4º, asseverando que “os direitos e

deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e

pela mulher”, expulsando, por completo, a idéia de superioridade paterna no

âmbito familiar.

Vale ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente,

Lei nº. 8.069 de 13 de julho de 1990 - ECA, também prevê igualdade entre

homens e mulheres na convivência familiar, conforme reza o seu art. 21, in verbis:

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Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Neste diapasão é o entendimento do Deputado Federal, Dr.

Ricardo Fiúza14, em seu Relatório da Emenda Modificativa nº. 26:

Se antes já era condenável, agora é insustentável. Diante da posição legal de igualdade entre o homem e a mulher na sociedade conjugal, não deve manter-se designação que tradicionalmente indica superioridade do pai. Mais do que a denominação autoridade parental, porém, parece preferível, por sua amplitude e identificação com a entidade formada por pais e filhos, a locução poder familiar, constante das ponderações do professor Miguel Reale. É, também, de mais fácil compreensão pelas pessoas em geral.

Segundo Luiz Edson Fachin15, a nova lei civil conferiu o

nome de poder familiar “tentando superar a idéia de que tal obrigação recaía

apenas sobre o genitor, estipulando que ambos os pais preencham a moldura

legal já que a orientação constitucional prevê a igualdade entre marido e mulher”.

Desta forma, apesar da manutenção da palavra poder na

nomenclatura do instituto, atualmente entende-se ultrapassada a noção de que o

poder familiar é a subordinação dos filhos aos pais, do contrário, trata-se do poder

de proteção dos pais aos filhos.

1.2 SUJEITOS DO PODER FAMILIAR

1.2.1 Titularidade do poder familiar

Ponderando sobre a titularidade do poder familiar, versa o

art. 1.631 do CC/2002:

14 FIÚZA, Ricardo. Relatório geral. Comissão Especial do Código Civil. p. 76. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/Internet/comissao/index/esp/CEPL634_parecer%20do%20relator.pdf> Acesso em: 20/07/2009.

15 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao novo Código Civil. Forense. 2003. p. 240

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Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro exercerá com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

Como já explicitado o poder familiar decorre da paternidade

e da filiação, desta forma, independente é a forma que se constitui a família.

A propósito, o art. 226, parágrafos 1º a 5º, da CF/88, versa

acerca de família da seguinte forma:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º. O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º. O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

[...].

O ECA afirma em seu art. 19 que “toda criança ou

adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e,

excepcionalmente, em família substituta [...]”. Grifou-se.

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Posteriormente, define família natural, bem como menciona

as formas de colocação do menor em família substituta em seus arts. 25 e 28,

respectivamente, in verbis:

Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.

Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.

Giovane Serra Azul Guimarães16, discorrendo sobre a

família substituta menciona que:

A família substituta, como o próprio nome diz, substitui a família natural que é aquela na qual a criança ou adolescente tem o direito de, prioritariamente, ser criada, educada e, a princípio, mantida, mesmo que apresentem carências financeiras. Assim, a alternativa da família substituta surgirá somente quando todas as possibilidades de manutenção na família natural estiverem afastadas. [...] A família substituta assim, suprirá a falta da família natural, evitará que a medida de abrigo em entidade, prevista no art. 10117 do ECA, seja aplicada por prazo muito longo, o que prejudica sobremaneira o desenvolvimento psico-social do abrigado, devendo ainda, a família substituta, apresentar os mesmos requisitos da família natural no que tange aos princípios morais.

Acerca da abrangência do poder familiar, Maria Helena

Diniz18 elucida que:

A hipótese-padrão é a da família na qual o pai e a mãe estão vivos e unidos pelo enlace matrimonial ou pela união estável, sendo ambos plenamente capazes. Nesta circunstância o poder familiar é simultâneo, o exercício é de ambos os cônjuges ou conviventes; havendo divergência entre eles, qualquer deles tem direito de

16 GUIMARÃES, Giovane Serra Azul. Adoção, tutela e guarda: conforme o Estatuto da Criança e

do Adolescente e o Novo Código Civil. 3 ed. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2005. p. 12. 17 Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses no art. 98, a autoridade competente poderá

determinar, dentre outras, as seguintes medidas: [...] VII – abrigo em entidade [...]. 18 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 5. p.

516.

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19

recorrer ao juiz, para a solução do problema, evitando-se que a decisão seja inexorável.

Na lição de Sílvio Salvo de Venosa19 “nenhum dos pais

perde o exercício do poder familiar com a separação judicial ou divórcio. O pátrio

poder ou poder familiar decorre da paternidade e da filiação e não do casamento,

tanto que o mais recente Código se reporta também à união estável”.

Desta forma, pai e mãe desempenham o poder familiar de

maneira conjunta, ou seja, em idêntica condição, enquanto casados ou durante a

união estável. No impedimento ou na falta de um deles, em caráter excepcional, o

outro poderá exercer o poder familiar de maneira exclusiva.

Exclusividade, porém, não quer dizer tirania, do contrário, o

poder familiar em determinadas situações poderá ser exclusivo do pai ou da mãe,

entretanto não será absoluto, uma vez que o enfoque sempre deverá ser o bem

estar da criança.

Segundo Marcus Cláudio Acquaviva20, a expressão “bem”

procede do latim bene e significa “virtude, felicidade, utilidade, riqueza”. Por

conseguinte, bem estar é o conjunto de condições, ou direitos, previstos no ECA,

com os quais a convivência familiar da criança torna-se benéfica, prazerosa e

produtiva para o seu desenvolvimento.

Neste diapasão versa o Egrégio Tribunal de Justiça

Catarinense:

CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA. MENOR NA COMPANHIA DO PAI HÁ VÁRIOS ANOS. BOM RELACIONAMENTO E ROTINA ESTABELECIDA. IMPERATIVIDADE DA PRESERVAÇÃO DOS INTERESSES DA CRIANÇA. MANUTENÇÃO DA GUARDA AO GENITOR. INTELIGÊNCIA DA NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 11.698 DE 2008 AOS ARTIGOS 1.583 E 1.584 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. RECURSO DESPROVIDO. A guarda de filho menor deve amoldar-se às peculiaridades do caso concreto, visando, sempre, ao bem-estar

19 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p. 369. 20 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro. 12 ed. São Paulo: Jurídica

Brasileira. 2004. p. 238.

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20

da criança. Logo, inexistindo provas desabonadoras do comportamento do pai, e não demonstrados prejuízos à criança, mantém-se a situação de fato, ou seja, a guarda paterna. (Apelação Cível n. 2008.038374-0, de Santa Cecília. Datada de 13/02/2009. Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben). Grifou-se.

ECA. AÇÃO DE VERIFICAÇÃO DE SITUAÇÃO DE RISCO DE CRIANÇA. DEFERIMENTO DE GUARDA PROVISÓRIA EM FAVOR DOS GUARDIÕES DE FATO. PEDIDO DE GUARDA FEITO POR AVÔ MATERNO. INTERESSE DA INFANTE A SER PRESERVADO. APLICAÇÃO DA DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. MANUTENÇÃO DA DECISÃO IMPUGNADA. “Em ações envolvendo a guarda de criança deve o Poder Judiciário priorizar os interesses do menor, em detrimento de qualquer outro, para o fim de resguardar seu bem-estar, evitando a prolação de decisões que gerem insegurança e instabilidade ao infante. Em respeito ao princípio da proteção integral do menor que rege todos os atos que permeiam os interesses existentes no Estatuto da Criança e do Adolescente, apresenta-se aconselhável o deferimento da guarda provisória à família que acolhe a criança desde tenra idade, mesmo que para isso haja a sobreposição da norma, porquanto a interpretação, em casos tais, deve ser feita em prol do bem-estar do menor" (Desembargador Fernando Carioni). (Agravo de Instrumento n. 2006.012375-3, de Imbituba. Datado de 05/03/2008. Relator: Des. Luiz Carlos Freyesleben).

Temos, então, que mesmo após a separação ou o divórcio,

os pais não perderão o poder familiar sobre os filhos, sendo certo que a guarda,

nestes casos, permanecerá com um deles, normalmente com aquele que

continuar a residir com a criança.

Desta feita, poder familiar não se confunde com guarda, uma

vez que a titularidade do poder familiar continua sendo dos genitores, ainda que

separados ou divorciados e a guarda, será atribuída a um dos genitores ou, ainda,

a terceira pessoa, que possuir melhor condições de exercê-la a fim de assegurar

ao menor afeto, saúde, segurança e educação21.

Neste norte, reza o art. 1.632 do CC/2002 que “a separação

judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre

pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua

companhia os segundos”.

21 Art. 1.583 do CC/2002.

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21

A titularidade, assim, não compete privativamente aos pais

que constituíram a família legítima, a própria mãe poderá exercê-lo não sendo

casada, ou pais de filhos havidos fora do casamento, sendo necessário fazer uma

distinção, dentre as várias hipóteses para uma definição mais clara da sua

titularidade.

Senão vejamos, nos dizeres de Silvio Salvo de Venosa22:

A guarda normalmente ficará com um deles, assegurando ao outro o direito de visitas. Atualmente, não é afastada a possibilidade concomitantemente, ambos os cônjuges a exercem. Tal, porém, não suprime ou suspende o pátrio poder do pai ou da mãe. Essa, aliás, a noção do art. 1.632 (antigo, art. 381).

E continua dizendo:

É certo que o cônjuge que não detém a guarda tem, na prática, os poderes do pátrio familiar enfraquecidos. O cônjuge, no entanto, nessa situação, pode recorrer ao Judiciário quando entender que o exercício direto do pátrio poder pelo guardião não está sendo conveniente. Aplica-se mesma conclusão à separação de fato e às uniões sem casamento. Também permanece para os pais o pátrio poder na anulação de casamento, pouco importante se putativo ou não. Com a morte de um dos pais, o sobrevivente exercerá isoladamente, é evidente, o pátrio poder.

Ainda, quanto à titularidade do poder familiar, assevera o art.

1.633 do CC/2002 que “o filho, não reconhecido pelo pai, fica sob poder familiar

exclusivo da mãe, se a mãe não for conhecida ou capaz de exercê-lo, dar-se-á

tutor ao menor”.

Conforme assevera Maria Berenice Dias23:

O poder familiar é exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma que dispuser a legislação civil (ECA 21). A referência à lei civil é mera superfetação. Ainda que o estatuto menorista ressalte os deveres dos pais, o Código Civil limita-se a afirmar que os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto

22 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p. 369. 23 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.

2006. p. 346.

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menores (CC1.630). O filho não reconhecido pelo pai, fica sob a autoridade da mãe (CC 1-633). Regra, aliás, de todo inútil, pois, desconhecido o pai, é evidente que ele não pode concorrer no exercício do poder familiar. Se a mãe também for desconhecida, o menor ficará sob a autoridade de tutor. O ECA é mais abrangente, admitindo a colocação do menor em família substituta, mediante guarda, tutela ou adoção (ECA 28).

Portanto, se houver, por parte do genitor omisso, posterior

reconhecimento ou declaração judicial quanto à filiação, este deverá partilhar o

poder familiar. Outrossim, desconhecida a mãe, ou caso esta não possua

condições de exercer o poder familiar, será dada a tutela da criança à terceiro.

1.3 O PODER FAMILIAR E OS FILHOS

Todos os filhos, enquanto não alcançarem a maioridade civil

ou enquanto menores e não emancipados, estão sujeitos ao poder familiar (art.

1.630 CC/200224). A CF/88 não faz qualquer distinção entre filhos, sejam eles

adotivos, legítimos ou ilegítimos.

Assevera o art. 227, § 6º da CF/88 que “os filhos, havidos ou

não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e

qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à

filiação”.

Ipsis litteris, versa o art. 20 do ECA e o art. 1.596 do

CC/2002.

Cabe ressaltar, que o ECA, conjunto de normas aplicáveis a

todas as crianças e adolescentes, trouxe verdadeira melhoria na garantia dos

direitos das crianças e adolescentes estabelecidos na CF/88, conforme se

observa no art. 3º do Estatuto supracitado:

Art. 3.º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim

24 Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

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de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Desta forma, restou afastada a idéia de que os menores

estão sujeitos a qualquer intervenção do mundo adulto, os infantes e os jovens

são, também, titulares de todos os direitos humanos.

Conforme expresso em lei, a maioridade civil tem início aos

18 anos completos (art. 5º, caput, do CC/200225), momento em que, apesar de

continuar mantido o vínculo do parentesco, os filhos deixam de ser representados

e sujeitos à autoridade familiar.

Pode-se concluir desta feita que o poder familiar possua

duração limitada no tempo, extinguido-se naturalmente, conforme versa o art.

1.635, inciso III, do CC/200226, nesta hipótese, cessa o múnus automaticamente.

1.4 O PODER FAMILIAR QUANTO AO USUFRUTO E OS BENS DOS

FILHOS

Quanto à administração e usufruto dos bens dos filhos

menores, o CC/2002 trata do tema nos arts. 1.689 a 1.693, in verbis:

Art. 1.689. O pai e a mãe, enquanto no exercício do poder familiar:

I – são usufrutuários dos bens dos filhos;

II- têm a administração dos bens dos filhos menores sob sua autoridade.

Art. 1.690. Compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados.

25 Art. 5º. A menoridade cessa aos dezoitos anos completos, quando a pessoa fica habilitada à

prática de todos os atos da vida civil. 26 Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: [...] III – pela maioridade [...]”.

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24

Parágrafo único. Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária.

Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.

Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo:

I - os filhos;

II - os herdeiros;

III - o representante legal.

Art. 1.692. Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial.

Art. 1.693. Excluem-se do usufruto e da administração dos pais:

I - os bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento;

II - os valores auferidos pelo filho maior de dezesseis anos, no exercício de atividade profissional e os bens com tais recursos adquiridos;

III - os bens deixados ou doados ao filho, sob a condição de não serem usufruídos, ou administrados, pelos pais;

IV - os bens que aos filhos couberem na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão.

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25

Sobre o assunto, ensina Sílvio de Salvo Venosa27:

Em princípio, salvo disposição em contrário, os pais são administradores naturais dos bens dos filhos menores, de acordo com o art. 1.689, II. Os atos de mera administração não autorizam, em princípio, a alienação. A administração a que se refere a lei abrange apenas os atos restritos de administração, como locação, aplicações financeiras, pagamento de impostos, defesa de direitos, por exemplo.

Neste norte versa o Egrégio Tribunal de Justiça Catarinense:

ALVARÁ JUDICIAL. AUTORIZAÇÃO PARA VENDA DE BENS IMÓVEIS PERTENCENTES A MENORES. INDEFERIMENTO. IMPOSSBILIDADE NA HIPÓTESE. NÃO COMPROVAÇÃO DE MANIFESTA VANTAGEM, NECESSIDADE OU EVIDENTE INTERESSE DOS INFANTES. OBSERVÂNCIA DOS ARTIGOS 1.750 E 1.691 DO CÓDIGO CIVIL. DECISÃO MANTIDA POR FUNDAMENTO DIVERSO. RECURSO DESPROVIDO. Para a expedição de alvará judicial, com o objetivo de autorizar a alienação de bem imóvel pertencente a menor, necessário que se comprove de forma inequívoca a necessidade da venda e sua manifesta vantagem em prol do menor. Ausentes os requisitos, a improcedência do pedido é medida que se impõe. (Apelação Cível n. 2008.061428-1, de Criciúma. Datada de 31/03/2009. Relatora: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta). Grifou-se.

Deste modo, havendo necessidade da prática de atos que

ultrapassem o limite da simples administração, a lei determina que tais atos se

realizem mediante autorização judicial.

Prosseguindo nas lições de Silvio de Salvo Venosa28:

O pedido de alienação ou gravame deve ser feito em juízo e somente podem esses atos ocorrer com autorização judicial. O parágrafo único do art. 1.691, descreve a legitimidade para a ação de nulidade nessas hipóteses. Sem autorização judicial, decorrente de procedimento no qual participa o Ministério Público, o ato é nulo por ausência de agente capaz. Em juízo deve ser provada a necessidade ou conveniência de alienação ou oneração do bem com relação ao menor. Os imóveis devem ser

27 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4. ed. São Paulo: Altas. 2004. p. 376. 28 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. P. 377.

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avaliados, não se admitindo alienação por venda inferior ao preço do mercado.

O art. 1.692 do CC/2002, acima transcrito, afirma que nas

hipóteses de colisão de interesses entre os pais e o filho menor, lhe será

nomeado curador especial, deste modo, “tal colisão de interesses deve ser vista

objetivamente, sempre que as vantagens colimadas ou os direitos na berlinda

possam afrontar ou ferir interesses do filho” 29.

A lei igualmente enumera no art. 1.693 do CC/2002, também

transcrito, os bens que são excluídos do usufruto e da administração dos pais.

Acerca do tema, ainda Silvio de Salvo Venosa30, ensina:

Quantos aos bens adquiridos pelo filho havido fora do casamento, antes do reconhecimento, a norma tem nítido caráter moral: pretende-se não transformar o ato de reconhecimento como incentivo à cupidez para o pai reconhecente. Ademais, enquanto não houver reconhecimento, não há poder familiar. Os valores e bens auferidos pelo filho menor, como produto de seu trabalho, são bens próprios e reservados. A lei menciona o trabalho do maior de 16 anos. Como regra, os valores adquiridos pelo menor dessa idade, embora não se lhe permita, em princípio, o trabalho regular, pertencerão à administração e usufruto dos pais. [...] Na terceira hipótese, o doador ou testador pode incluir cláusula vedando a administração ou usufruto dos bens. Há de ser obedecida a vontade do disponente, nesses negócios gratuitos. Se não for nomeado administrador, incumbe ao juiz fazê-lo, na hipótese de ambos os pais terem sidos vetados para o encargo. Também não podem ser administrados ou usufruídos pelos pais os bens que couberem aos filhos na herança, quando os pais forem excluídos da sucessão. A regra tem evidente cunho moral.

O doutrinador conclui esclarecendo que “uma vez alcançada

à maioridade, os bens são entregues aos filhos, com seus acréscimos, sem que

os pais tenham direito a qualquer remuneração” 31.

29 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p. 377. 30 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p.

378/379. 31 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p. 378.

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27

1.5 DAS CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DO PODER FAMILIAR

Pelo disposto até o momento, pode-se concluir que o poder

familiar possui características próprias, quais sejam: irrenunciabilidade,

inalienabilidade, imprescritividade, indivisibilidade e incompatibilidade com

a tutela32.

Sobre a irrenunciabilidade ensina Maria Helena Diniz33 que

“o poder familiar é irrenunciável, pois os pais não podem abrir mão dele”.

Acerca da inalienabilidade, Maria Berenice Dias34 versa

sobre o assunto, afirmando que “como os pais não podem renunciar aos filhos, e

tampouco vende-los, os encargos que derivam da paternidade também não

podem ser transferidos ou alienados”.

Ainda sobre a inalienabilidade ensina Maria Helena Diniz35:

É inalienável ou indisponível, no sentido de que não pode ser transferido pelos pais, a outrem, a título gratuito ou oneroso; a única exceção a essa regra, que foi permitida em nosso ordenamento jurídico, era a delegação (RT, 181:491; RF, 150:178) do poder familiar, desejada pelos pais ou responsáveis, para prevenir a concorrência de situação irregular do menor (Cód. de Menores, art. 21). Essa delegação era reduzida a termo, em livro próprio, assinado pelo juiz e pelas partes, dele constando advertência sobre os direitos e deveres decorrentes do instituto (Cód. de Menores, art. 23, parágrafo único).

Silvio de Salvo Venosa36 elucida sobre a indisponibilidade

que:

32 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 5. p.

515. 33 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 5. p.

515. 34 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.

2006. p. 345. 35 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 5. p.

517. 36 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Atlas. 2004. p. 372.

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O poder familiar é indisponível. Decorrente da paternidade natural ou legal, não pode ser transferido por iniciativa dos titulares, para terceiros. [...] Os pais que consentem com a adoção não transferem o pátrio poder, mas renunciam a ele. Também, indiretamente, renunciam o pátrio poder quando praticam atos incompatíveis com o poder parental.

Outra característica do poder familiar é a imprescritividade,

sendo que “ainda que, por qualquer circunstância, não possa ser exercido pelos

titulares, trata-se de estado imprescritível, não se extinguindo pelo desuso37”.

Maria Helena Diniz38 continua asseverando que “é

imprescritível, já que dele não decaem os genitores pelo simples fato de deixarem

de exercê-lo; somente poderão perdê-lo nos casos previstos em lei”.

Silvio de Salvo Venosa39 ainda versa acerca de outra

característica do instituto, a indivisibilidade:

O poder familiar é indivisível, porém não seu exercício. Quanto se trata de pais separados, cinde-se o exercício do poder familiar, dividindo-se as incumbências. O mesmo decorre, na prática, quando pai e mãe em harmonia orientam a vida dos filhos.

Neste norte é o entendimento da jurisprudência estadual:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO - LIMINAR DEFERIDA - FIXAÇÃO DE DIREITO DE VISITAS À PROLE - INSURGÊNCIAS CONTRA A FREQÜÊNCIA DAS VISITAS E O HORÁRIO - PRAZO EXÍGUO - COMPROMETIMENTO DO CONVÍVIO E DO LAÇO AFETIVO FAMILIAR - DECISÃO MODIFICADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Na fixação dos horários de visita, deve o magistrado primar pelos elementos relativos à necessidade de convivência mínima entre pais e filhos, estipulando tempo razoável para o fim de evitar-se a perda dos vínculos de identificação entre eles. "O direito dos pais não deve se sobrepor ao dos filhos, de modo que a visita deve promover à criança bem-estar e segurança, a fim de contribuir positivamente para o desenvolvimento sólido de seu caráter, sem

37 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Atlas. 2004. p. 373. 38 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 5.

p.516. 39 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Atlas. 2004. p. 372.

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que haja qualquer ofensa à sua individualidade e dignidade. Logo, o direito de visita deve atender, com máxima prioridade, os interesses do infante, sem restringir os laços afetivos e o convívio com o não-guardião" (TJSC, AC n. 2002.020843-0, de Itajaí, rel. Des. José Volpato de Souza, j. em 28-8-03). (Agravo de Instrumento n. 2006.014654-8, de São José. Datado de 10/08/2006. Relator: Des. Fernando Carioni).

E, por último, Maria Helena Diniz40 esclarece sobre o caráter

do poder familiar de incompatibilidade com a tutela, vez que “não se pode,

portanto, nomear tutor a menor, cujo pai e mãe não foi suspenso ou destituído do

poder familiar”.

Assim, a nomeação de tutor está intimamente ligada à

medida que suspende ou destitui o poder familiar.

1.6 DO EXERCÍCIO E DO CONTEÚDO DO PODER FAMILIAR

Acerca do exercício do poder familiar enuncia o art. 1.634 do

CC/2002:

Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:

I – dirigir-lhes a criação e educação;

II – tê-los em sua companhia e guarda;

III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

40 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 5.

p.516.

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30

V – representá-los, até dos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Inicialmente o texto da Lei trata da criação e educação dos

filhos, isto porque, a doutrina entende que tal responsabilidade dos pais está

intimamente relacionada com a sobrevivência dos filhos menores.

Neste norte, ensina Silvio Salvo de Venosa41:

Compete aos pais tornar seus filhos úteis à sociedade. A atitude dos pais é fundamental para a formação da criança. Faltando com este dever o progenitor faltoso submete-se a reprimendas de ordem civil de criminal, respondendo pelos crimes de abandono material, moral e intelectual (arts. 224 a 246 do Código Penal). Entre as responsabilidades de criação, temos que lembrar que cumpre também aos pais fornecer meios para tratamentos médicos que se fizerem necessários.

Ainda relativo à criação, discorre o Dr. Antônio Cezar Lima

da Fonseca42, Promotor de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

Criar é palavra ampla, que pode e deve ser compreendida extensivamente em relação aos filhos, porque engloba sua educação, a companhia, a guarda, a alimentação, o direito de autoridade, enfim, quem cria se responsabiliza, no mais amplo sentido, pela vida e sobrevivência da criatura.

Dando mais abrangência ao tema, ensina Maria Helena

Diniz43:

41 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p. 374. 42 DE AZAMBUJA, Maria Regina Fay. SILVEIRA, Maritana Viana. BRUNO, Denise Duarte.

Organizadoras. Infância em Família: um compromisso de todos. Porto Alegre: IBDFAM. 2004. p. 238

43 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Saraiva. v. 5. p. 519.

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31

Cabe-lhes ainda dirigir espiritual e moralmente os filhos, formando seu espírito e caráter, aconselhando-os e dando-lhes uma formação religiosa. Cumpre-lhes capacitar a prole física, moral, espiritual e socialmente em condições de igualdade e de dignidade.

E continua:

A norma jurídica prescreve que compete aos pais dirigir a criação e educação dos filhos, respeitando seus direitos da personalidade, garantindo sua dignidade como seres humanos em desenvolvimento físico-psíquico, mas nada dispõe sobre o modo como devem criá-los e muito menos como devem executar seus encargos parentais. Isto é assim porque a vida intima da família se desenvolve por si mesma e sua disciplina interna é ditada pelo bom senso, pelos laços afetivos que unem seus membros, pela convivência familiar (CF art. 227, 2 parte) e pela conveniência das decisões tomadas.

Já o inciso II refere-se à companhia e guarda, o que é,

segundo Silvio Rodrigues44, simultaneamente, direito e dever: “dever porque ao

pai, a quem incumbe criar, incumbe igualmente guardar e o direito de guarda é

indispensável para que possa, sobre o mesmo, exercer a necessária vigilância”.

Todavia, apesar do termo guarda consistir no poder de

manter o filho junto de si, em alguns casos esta poderá ser suprimida, conforme já

mencionado anteriormente, quando da separação dos pais, por exemplo. O

CC/2002 prevê expressamente que, nos casos de separação ou divórcio, deverá

o Magistrado atribuir à guarda a “quem revelar melhores condições para exercê-

la” (art. 1.584), procurando desta forma, priorizar o bem estar do menor.

Aos pais incumbe, também, o direito de conceder-lhes ou

negar-lhes o direito para casarem, nestes termos instrui o Dr. Antônio Cezar Lima

da Fonseca45:

Sem a ordem dos pais, os filhos que não atingirem a idade núbil, não devem casar-se. Aliás, exige-se a autorização por escrito dos

44 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. 26 ed. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 354. 45 DE AZAMBUJA, Maria Regina Fay. SILVEIRA, Maritana Viana. BRUNO, Denise Duarte.

Organizadoras. Infância em Família: um compromisso de todos. Porto Alegre: IBDFAM. 2004. p. 239.

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pais quando do processo de habilitação (art. 1.525, II, NCC). Se houver divergência a respeito, isso deve ser levado ao conhecimento do juiz, que decidirá, como faculta o art. 1.517, parágrafo único, NCC. São os pais que os representam até a idade de 16 anos; são quem os assistem nos atos civis em geral, quando possuem entre 16 e 18 anos de idade. (p. 239).

Outrossim, a capacidade de nomear tutor citada no inciso IV,

foi outra preocupação do legislador em proteger o menor quando, principalmente,

da morte dos genitores46.

Sobre o inciso V discorre Silvio Salvo de Venosa47: “a

representação dos filhos ocorrerá até que estes completem 16 anos. Dessa idade,

até os 18 anos, os menores serão assistidos”, e ainda esclarece que “ato

praticado por menor absolutamente incapaz, sem representação é nulo; ato

praticado por menor relativamente incapaz sem assistência, é anulável”.

Conforme já vimos, aos pais incumbe o dever e o direito de

ter sob sua guarda os filhos, sendo assim, devem reclamá-los de quem

ilegalmente os detenha (inciso VI), por meio de ação de busca e apreensão.

Todavia, em se tratando de pais separados, a solução menos traumática seria

tentar acordar acerca das possibilidades de guarda e visitas de cada um dos

genitores, evitando a medida judicial de busca e apreensão e conseqüentemente

o desgaste do menor48.

Finalmente, o direito dos pais de exigir obediência dos filhos

(inciso VII), decorre da parcela de autoridade inerente ao poder familiar. Nas

lições de Silvio de Salvo Venosa49:

Os pais devem exigir respeito e obediência dos filhos. Não há, contudo, uma subordinação hierárquica. O respeito deve ser recíproco. A desarmonia e a falta de respeito, em casos extremos, podem desaguar na suspensão ou perda do pátrio poder. Podem também os pais exigir serviços próprios da idade do menor.

46 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p. 374. 47 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p.

374/375. 48 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p. 375. 49 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Direito de Família. 4 ed. São Paulo: Altas. 2004. p. 375.

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Havemos de respeitar a legislação específica a respeito do trabalho do menor.

Quanto à prestação de serviços por parte dos filhos

menores, ensina Maria Helena Diniz50:

Os menores deverão não só respeitar e obedecer aos seus pais, mas também prestar-lhes serviços compatíveis com sua situação, participando da matença da família, preparando-se para os embates da vida. A fim de proteger o menor a Consolidação das Leis do Trabalho proíbe que trabalhe fora do lar até os 16 anos (art. 403) salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos (CF, art. 7, XXXIII; Decreto n. 5.598/2005) e à noite até os 18 anos (art. 404). [...] Pode-se exigir do menor execução de pequenas tarefas domésticas ou remuneradas, desde que acatem as restrições da legislação trabalhista e não haja risco ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e educacional.

Nota-se que a legislação visa proteger o menor de situações

em que o trabalho ocupe a maior parte do tempo que deveria ser usada para os

estudos e o lazer. A lei prevê a possibilidade de trabalhos compatíveis com a

idade e a disponibilidade de tempo, somente com o propósito de preparar os

filhos para a vida futura.

50 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 22 ed. São Paulo: Saraiva. v. 5. p. 520.

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CAPÍTULO 2

VIOLÊNCIA FÍSICA INFANTIL

2.1 CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA FÍSICA

O fenômeno da violência doméstica é causado por múltiplos

e diversos fatores socioeconômicos, psicológicos, situacionais e culturais. As

inúmeras situações que indicam violência, nos leva à conclusão de que este

fenômeno manifesta-se de diversas formas: violência física, violência sexual,

violência psicológica e negligencia51.

A princípio define-se, brevemente, as formas de violência

que não serão abordadas a fundo neste trabalho, quais sejam: violência sexual,

psicológica e negligencia.

De acordo com Marisa Marques Ribeiro e Rosilda Baron

Martins52 violência sexual traduz-se por “abuso do poder no qual se usa a criança

e/ou adolescente para gratificação sexual de um adulto, sendo induzidos ou

forçados a práticas sexuais com ou sem violência física”, por outro lado, violência

psicológica é definida como “rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito da

criança e/ou adolescente”, finalmente limitam negligencia da seguinte forma: “pais

ou responsáveis falham, por exemplo, em termos de alimentar, de vestir

adequadamente seus filhos, quando tal falha não é resultado de condições de

vida que extrapolam seu controle”.

As doutrinadoras53 acima citadas, ainda esclarecem que:

51 RIBEIRO, Marisa Marques. MARTINS, Rosilda Baron. Violência Doméstica Contra a Criança e

o Adolescente. Curitiba: Juruá. 2006. p. 80. 52 RIBEIRO, Marisa Marques. MARTINS, Rosilda Baron. Violência Doméstica Contra a Criança e

o Adolescente. Curitiba: Juruá. 2006. p. 82 – 84. 53 RIBEIRO, Marisa Marques. MARTINS, Rosilda Baron. Violência Doméstica Contra a Criança e

o Adolescente. Curitiba: Juruá. 2006. p. 84

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As diferentes formas de manifestações da violência doméstica – agressão física, sexual, psicológica e negligência – estão entranhadas pelas pessoas, seja pelo fato do desconhecimento da prática da violência, seja simplesmente pela omissão frente à situação.

Já a violência física, segundo Gilberto Velho54 “é o uso

agressivo da força física de indivíduos ou grupos contra outros”. Posteriormente,

ele fortalece a idéia de que a “violência não se limita ao uso da força física, mas a

possibilidade ou ameaça de usá-la constitui dimensão fundamental de sua

natureza”.

O site de pesquisa Wikipédia55 define violência como:

Violência é um comportamento que causa dano a outra pessoa, ser vivo ou objeto. Nega-se autonomia, integridade física ou psicológica e mesmo a vida de outro. É o uso excessivo de força, além do necessário ou esperado. O termo deriva do latim violentia (que por sua vez o amplo, é qualquer comportamento ou conjunto de deriva de vis, força, vigor); aplicação de força, vigor, contra qualquer coisa ou ente. Assim, a violência diferencia-se de força, palavras que costuma estar próximas na língua e pensamento cotidiano. Enquanto que força designa, em sua acepção filosófica, a energia ou "firmeza" de algo, a violência caracteriza-se pela ação corrupta, impaciente e baseada na ira, que não convence ou busca convencer o outro, simplesmente o agride.

E ainda56, estabelece violência doméstica física como:

O emprego de força física no processo disciplinador de uma criança ou adolescente por parte de seus pais (ou quem exercer tal papel no âmbito familiar como, por exemplo, pais adotivos, padrastos, madrastas). A literatura é muito controvertida em termos de quais atos podem ser considerados violentos: desde a simples palmada no bumbum até agressões com armas brancas e de fogo, com instrumentos (pau, barra de ferro, taco de bilhar, tamancos etc.) e imposição de queimaduras, socos, pontapés. Cada pesquisador tem incluído, em seu estudo, os métodos que considera violentos no processo educacional pais-filhos, embora

54 VELHO, Gilberto. ALVITO, Marcos. Organizadores. Violência, Reciprocidade e Desigualdade:

uma pesquisa antropológica. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996. p. 22. 55 Wikipédia – a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Viol%C3%AAncia>

Acesso em: 01/09/2009. 56 Wikipédia – a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Abuso_infantil>

Acesso em: 01/09/2009.

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haja ponderações científicas mais recentes no sentido de que a violência deve se relacionar a qualquer ato disciplinar que atinja o corpo de uma criança ou de um adolescente. Prova desta tendência é o surgimento de legislações que proibiram o emprego de punição corporal, em todas as suas modalidades, na relação pais-filhos (Exemplo: as legislações da Suécia - 1979; Finlândia - 1983; Noruega - 1987; Áustria - 1989).

Vale acrescentar o exposto no art. 5º, caput, e art. 7º, caput

e inciso I, da Lei 11.340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha:

Art. 5.º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão ou sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

Art. 7.º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:

I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.

[...]

Cabe destacar que, assim como para a mulher, a violência

doméstica e familiar contra o menor também configura violação dos direitos

humanos.57

Neste diapasão a doutrina58 ensina o seguinte:

É importante lembrar ainda que a violência se opõe aos Direitos Humanos. Estes devem ser concebidos como um conjunto de princípios que garantem a dignidade da pessoa humana, princípios voltados para a não-agressão, a não-degradação do homem. Garantir esses direitos implica uma contínua resistência, perceptível na defesa dos direitos dos infantes, das mulheres, dos idosos, dos deficientes, etc.

57 Art. 6.º Lei 11.340, de 07/08/2006. 58 VERONESE, Josiane Rose Petry. COSTA, Marli Marlene Moraes. Violência Doméstica: Quando

a vítima é criança ou adolescente - uma leitura interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC. 2006. p. 103.

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Ainda, com foco na criança e no adolescente, o art. 136,

caput, do Código Penal Brasileiro - CPB, discorre acerca de maus-tratos, da

seguinte forma:

Art. 136. Expor a perigo a vida ou saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda e vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção e disciplina. Grifou-se.

Nota-se que a letra da lei sugere atos de violência como

meio de disciplinar o menor, desta forma, não raramente, costumamos utilizar

algumas expressões como sinônimos de violência, tais como: maus-tratos,

agressão, castigo, abuso e etc.

Segundo Maria Amélia Azevedo59 a violência dentro da

família, violência doméstica, define-se por:

Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicólogo à vítima – implica de um lado uma transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de serem tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.

Nos dizeres de Dalka Chaves de Almeida Ferrari60 acerca de

violência física, lemos que “do ponto de vista conceitual violência física representa

concretamente a utilização de força física excessiva e inapropriada [...]”.

Ainda, a ABRAPIA61 – Associação Brasileira Multiprofissional

de Proteção à Infância e à Adolescência – ao esclarecer sobre os diversos tipos

de violência contra crianças e adolescentes, assevera que a violência física contra

59 AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência doméstica na

infância e na adolescência. São Paulo: Robe Editorial. 1995. p. 36. 60 FERRARI, Dalka Chaves de Almeida. VECINA, Tereza Cristina Cruz. Organizadoras. O fim do

silêncio na violência intrafamiliar: teoria e prática. São Paulo: Ágora, 2002. p. 83. 61 Disponível em: <http://www.abrapia.org.br/homepage/tipos_de_violencia/tipos_de_violencia.html>

Acesso em: 08/09/09.

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o menor é “o uso da força ou atos de omissão praticados pelos pais ou

responsáveis, com o objetivo claro ou não de ferir, deixando ou não marcas

evidentes. São comuns murros e tapas, agressões com diversos objetos e

queimaduras causadas por objetos ou líquidos quentes”.

Sobre o tema Wilson Donizeti Liberati62 afirma que:

Todas as formas de violência deixam seqüelas; umas visíveis, como a física, outras, invisíveis, como a psíquica e moral. A materialização da violência física chama mais atenção das pessoas porque instiga a proteção da própria espécie. É trágica e repulsiva a forma como se apresenta a violência física, quando mostra os corpos dilacerados, feridos, sangrentos e deformados. Ainda mais chocante é o cenário quando essa manifestação recai sobre crianças e adolescentes. Quem não se emociona ou fica indignado contra a violência física em crianças? Quem não se revolta contra os agressores de crianças? O senso comum diz que aqueles mais fracos devem ser mais protegidos.

E continua:

E a vitimização de crianças e adolescentes acontece diariamente, nas escolas, nas ruas, nos locais de trabalho, nas famílias, como se ela não encontrasse barreiras ou não se importasse com os espectadores. A sensação de que o adulto “pode” agredir crianças e adolescentes decorre de uma falsa mentalidade de que estão punindo-os ou castigando-os como uma forma de carinho ou educação.

É importante destacar que vários dos agentes praticantes da

violência física como forma de correção/disciplina são aqueles que, quando

infantes, sofreram da mesma forma violenta de educação, trazendo consigo,

portanto, uma espécie de trauma agressivo63.

62 LIBERATI, Wilson Donizeti. Violência contra crianças e adolescentes. Revista Igualdade nº. 26.

Disponível em: <http://www.foncaij.org/dwnld/ac_apoio/artigos_doutrinarios/violencia_contra/violencia_contra.pdf> Acesso em: 08/09/09.

63 VERONESE, Josiane Rose Petry. COSTA, Marli Marlene Moraes. Violência Doméstica: Quando a vítima é criança ou adolescente - uma leitura interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC. 2006. p. 106.

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2.2 VIOLÊNCIA X EDUCAÇÃO

2.2.1 Breve lineamento histórico

A doutrina64 assevera que os Doutores Henry Kempe e Ruth

S. Kempe, médicos pediatras norte-americanos, autores da obra Niños

Maltratados, de 1985, da editora Morata, foram os primeiros profissionais a

identificar a violência intrafamiliar. Eles afirmam que desde o princípio dos anos

50 passaram a verificar que várias crianças eram trazidas para o hospital

apresentando ferimentos que pareciam incompatíveis com seu estado físico ou

com sua idade. Os ferimentos eram radiografados o que constatava, em muitos

casos, diferentes estágios de cicatrização óssea ocasionada por antigas lesões.

Com o passar do tempo, o que parecia ser algum tipo de

acontecimento em famílias de baixa renda ou com pais problemáticos por conta

de alto consumo de álcool e drogas, passou a ser mais freqüente e a atingir

famílias de todas as camadas sociais.

A doutrina65 continua relatando:

A este quadro Kempe e Kempe chamaram de “Síndrome da Criança Espancada”, dando início a uma campanha de esclarecimento para a população norte-americana e, em seguida, para a européia, conscientizando profissionais da necessidade de identificar e denunciar para proteger crianças e adolescentes. Campanhas em quase toda a Europa permitiram que alguns países viessem a promulgar leis que objetivam proteger a criança e o adolescente, assim como punir os abusadores. No Brasil, da mesma forma, em 13 de julho de 1990 foi promulgado um instrumento jurídico de grande relevância, a Lei nº. 8.069, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujo objetivo está determinado em seu art. 1º: “[...] dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”.

No mesmo norte Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira

de Azevedo Guerra66 asseveram:

64 FERRARI, Dalka Chaves de Almeida. VECINA, Tereza Cristina Cruz. Organizadoras. O fim do

silêncio na violência intrafamiliar: teoria e prática. São Paulo: Ágora, 2002. p. 74. 65 FERRARI, Dalka Chaves de Almeida. VECINA, Tereza Cristina Cruz. Organizadoras. O fim do

silêncio na violência intrafamiliar: teoria e prática. São Paulo: Ágora, 2002. p. 74.

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Na área da Medicina, a questão do abuso de ordem física se converteu na Síndrome da criança espancada - que se refere usualmente a crianças de baixa idade, que sofrem ferimentos inusitados, fraturas ósseas, queimaduras e etc., ocorridas em épocas diversas, bem como em diferentes etapas e sempre inadequada ou inconsistentemente explicadas pelos pais. O diagnóstico tem que se basear em evidências radiológicas dos ferimentos repetidos – assim cognominada pela primeira vez em 1961, em um simpósio realizado pela American Academy of Pediatrics e pelos Drs. Kempe e Silverman. Através deste nome, o Dr. Kempe chamou a atenção do público americano para este fenômeno.

As mesmas doutrinadoras67 sustentam que:

Todas as formas de violência doméstica são violentadoras do dever de proteção dos pais para com os filhos na infância e adolescência. Dever consagrado dentro da civilização ocidental a partir do século XX, pelas Declarações da Criança (1923/1959), pela Convenção dos Direitos da Criança (1989), pela Segunda Declaração do México sobre os Maus Tratos à Crianças (1992) e, no caso específico do Brasil, pela Constituição Federal (1988) e pelo ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).

A doutrina68 ainda ensina que um dos primeiros textos legais

brasileiros acerca da violência familiar contra a criança e o adolescente foi o

Projeto nº. 94, datado de julho de 1912. O mesmo trazia a proposta de uma

fiscalização maior para o infante e sua família. No ano anterior, porém, mais

precisamente entre 29 de junho a 1º de julho de 1911, aconteceu em Paris o

Primeiro Congresso Internacional de Tribunais de Menores, tal evento constituiu

um documento importante para a criação dos Tribunais de Menores no Brasil, o

que só ocorreu, de fato, em 1923.

66 AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo (orgs). Crianças Vitimizadas:

A Síndrome do Pequeno Poder. São Paulo: Iglu. 1989. p. 38. 67 AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Apostila: Infância e

Violência Fatal em Família. Laboratório de Estudos da Criança – LACRI. Instituto de Psicologia. Universidade de São Paulo. 199. p. 9.

68 VERONESE, Josiane Rose Petry. COSTA, Marli Marlene Moraes. Violência Doméstica: Quando a vítima é criança ou adolescente - uma leitura interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC. 2006. p. 40-42.

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Sobre os resultados do congresso realizado em Paris em

1911, a doutrinadora Irene Rizzini69 discorre:

A criança não é mais um adulto em miniatura, nem em corpo, nem em espírito: é uma criança. Possui uma anatomia, uma fisiologia e uma psicologia próprias. Seu universo não é mais o do adulto. Não é um anjo nem um demônio: é uma criança. O estudo da infância se converteu numa ramificação de uma ciência especial. A divulgação do resultado destas investigações produziu uma revolução nos métodos educativos. As escolas-reformatórios se converteram em verdadeiros laboratórios de ciências pedagógicas. Em todos os países civilizados, associações de caráter filantrópico lançaram iniciativas em favor das crianças abandonadas. Seus integrantes descobriram simultaneamente as necessidades da criança e os erros dos procedimentos legais.

Já sobre o Código de Menores de 1927 as doutrinadoras

Josiane Rose Petry Veronese e Marli Marlene Moraes da Costa70 elucidam que:

O Código era extremamente detalhado, eis que sua redação dava à impressão de abarcar um amplo universo de situações envolvendo a população infantil e juvenil e tinha como objetivo central “resolver” o problema dos “menores”, através de um rigoroso exercício de controle que ocorria através de mecanismos determinados, tais como: tutela, guarda, vigilância, reeducação, reabilitação, preservação e reforma.

As mesmas doutrinadoras71 continuam esclarecendo acerca

da evolução dos textos legais a fim de proteger a criança e o adolescente, agora

sobre o Código de Menores de 1979, o seguinte:

A partir da década de 701, a questão do “menor” no Brasil passa a ser fruto de nova especulação política, principalmente após o golpe de 1964. A Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), introduzida através da Lei n. 4.513, de 1º de dezembro de 1964, é apresentada em setembro de 1965, nove meses após

69 RIZZINI, Irene. A arte de governar crianças: A história das Políticas Sociais, da Legislação e

da Assistência no Brasil. Rio de Janeiro: Amais. 1995. p. 43/44. 70 VERONESE, Josiane Rose Petry. COSTA, Marli Marlene Moraes. Violência Doméstica: Quando

a vítima é criança ou adolescente - uma leitura interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC. 2006. p. 45.

71 VERONESE, Josiane Rose Petry. COSTA, Marli Marlene Moraes. Violência Doméstica: Quando a vítima é criança ou adolescente - uma leitura interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC. 2006. p. 46/47.

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a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM). A lei invoca a participação das comunidades para que junto ao governo participem da “tarefa urgente” de procurar encontrar soluções para o “problema do menor” no Brasil. [...] Dentro deste contexto é sancionado o Código de Menores de 1979 – Lei n. 6.697, de 10 de outubro de 1979. O novo sistema normativo é inspirado na “Doutrina da Situação Irregular”, a qual considerava em situação irregular as crianças privadas de condições essenciais de sobrevivência, mesmo que eventuais; as vítimas de maus-tratos e de castigos imoderados; as que se encontrassem em perigo moral, entendidas como as que viviam em ambientes contrários aos bons costumes e as vítimas de exploração por parte de terceiros; as privadas de representação legal pela ausência dos pais; as que apresentassem desvio de conduta e as autoras de atos infracionais, conforme o art. 2º do referido Código.

E finalizam72, desta vez acerca da CF/88 e do ECA:

Nossa Constituição Federal trouxe à criança e ao adolescente o direito fundamental de ser ouvida, amada, protegida e cuidada, como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, com base no princípio da prioridade absoluta. Com a inclusão do artigo 227 na Carta Magna de 1988, toda a legislação infraconstitucional e, em especial, o Código de Menores de 1979 tornaram-se anacrônicos diante dos novos princípios estabelecidos pela Lei Maior. Dando continuidade aos grandes movimentos formados em torno da defesa dos direitos da criança e do adolescente, foi elaborado o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990.

A propósito, versa o art. 227 da CF/88:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de

72 VERONESE, Josiane Rose Petry. COSTA, Marli Marlene Moraes. Violência Doméstica: Quando

a vítima é criança ou adolescente - uma leitura interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC. 2006. p. 51/52.

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entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:

I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.

§ 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;

III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;

V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;

VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento,

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sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;

VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.

§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.

§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

§ 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.

Vale destacar o Decreto nº. 3.367 de 20 de outubro de 2000,

o qual tem como objetivo criar a Rede Nacional de Direitos Humanos – RNDH.

Publicado em 23/10/2000, seu art. 1º dispõe que a RNDH destina-se a

“sistematizar e difundir experiências voltadas para a proteção e promoção dos

direitos humanos, desenvolvidas por iniciativa do Poder Político ou de

organizações da sociedade, de monitorar, em âmbito nacional, a ocorrência de

violação desses direitos”.

O art. 2º, do referido instrumento legal, enumera os objetivos

da RNDH, dentre os quais destaca-se o inciso x que versa: “promover ações de

combate à violência, especialmente a violência intrafamiliar e a violência no

ambiente escolar”.

Nota-se, então, que com a evolução histórica da família, a

criança passou a ser vista como sujeito detentor de direitos constitucionais, desta

forma, a proteção à criança também passou por diversas evoluções desde o

primeiro texto legal em 1912 até a CF/88 e o ECA.

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2.2.2 Carga cultural: A violência física como forma de educar os filhos

Há quem acredite, que o incentivo à violência como forma de

educar os filhos, deriva de ensinamentos bíblicos, senão vejamos:

Provérbios 13:24 Aquele que poupa a vara, quer mal ao seu filho, mas o que o ama, corrige-o continuamente.

Provérbios 23:14 Castigando-o com a vara, salvarás sua vida da morada dos mortos.

Estes provérbios salomônicos espelham diversas crenças

acerca da necessidade de se disciplinar a criança e/ou adolescente fazendo uso

da punição corporal, partindo do pressuposto de que esta medida é eficaz para o

controle ou a modificação de um comportamento indesejado.

Todavia, a própria bíblia também alerta: “corrige teu filho

enquanto há esperanças, mas não te enfureças até fazê-lo parecer” (Provérbios

19:18).

Nos ensinamentos de Viviane Nogueira de Azevedo

Guerra73:

Na verdade, se por um lado havia uma assunção tácita da punição corporal como método disciplinar, por outro lado, ela não poderia levar ao desperdício da vida infantil.

O que não se pode negar é que, na grande maioria das

vezes, a desculpa para os atos de violência baseiam-se no fato de que tais atos

são disciplinares, ou seja, servem para dar o exemplo aos outros menores, para

corrigir uma atitude errada ou para instruí-los.

Neste norte, ensina o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado

de Santa Catarina:

73 GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Violência de pais contra filhos: a tragédia revisitada.

3º ed. São Paulo: Cortez. 1998. p. 52 e 53.

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MAUS-TRATOS CONTRA CRIANÇA - CRIME PREVISTO NO ART. 136 DO CP - PAI QUE ABUSA DO JUS CORRIGENDI, EMPREGANDO EXTREMA VIOLÊNCIA CONTRA A FILHA - MATERIALIDADE COMPROVADA PELO AUTO DE EXAME DE CORPO-DELITO - RÉU CONFESSO - DELITO CONFIGURADO - INADMISSIBILIDADE DA ABSOLVIÇÃO - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INVIÁVEL - SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA - RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO. (Apelação Criminal n. 2006.031653-0, de Videira. Datada de 08/05/2007. Relator: Des. Jorge Mussi). Grifou-se.

Conforme Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira de

Azevedo Guerra74:

As discussões teóricas podem enfatizar ora um ora outro elemento do contexto gerador da violência. O modelo é multicausal, assentando no pressuposto de que o fenômeno da violência, praticada contra crianças e/ou adolescentes decorre da interação de três abordagens geradoras dela: interpessoal, centrada na análise do comportamento do adulto/indivíduo; a abordagem socioeconômica que destaca os elementos do contexto, e uma terceira abordagem – a sociointeracionista, que procura visualizar esses fatores como interligados e interdependentes, não isolados.

Como podemos verificar, as doutrinadoras afirmam que a

violência praticada contra menores origina-se de três fatos geradores:

interpessoal, socioeconômico e sociointeracionista.

Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira de Azevedo

Guerra75 continuam, primeiramente acerca da abordagem interpessoal:

No enfoque interpessoal, a vitimização tem sua origem no poder do adulto, que aprisiona a vontade e o desejo da criança, submetendo-se a sua própria vontade.Age dessa forma a fim de coagi-la a satisfazer os interesses, as expectativas ou mesmo as suas paixões. [...] Pais que maltratam seus filhos, geralmente foram maltratados na infância.

74 AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Apostilas do VIII Telecurso

de Especialização em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente. São Paulo: LACRI/USP, 2001. p. 16.

75 AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Apostilas do VIII Telecurso de Especialização em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente. São Paulo: LACRI/USP, 2001. p.20.

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Sobre o assunto Marisa Marques Ribeiro e Rosilda Baron

Martins76 enfatizam que:

A violência manifesta-se, segundo essa concepção, pela imposição do adulto sobre a criança e/ou adolescente, em situações nas quais, a vítima da violência é sempre o indivíduo que reagiu de alguma forma, contrariando a vontade do adulto. Para que seja corrigido, de maneira que não repita a ação, esse indivíduo precisa ser punido pela imposição da autoridade “superior”. [...] No âmago dessa posição está a concepção do adulto, de que a criança não pensa, não tem sentimentos. Por conseguinte, reproduzir suas idéias, ordens e desejos, mesmo que seja pela força, é uma situação justificável. Não se considera que a criança e o adolescente são sujeitos com opiniões próprias e que estão interagindo em ambientes que influenciam seu comportamento. Além do mais, eles possuem seu livre-arbítrio, reagindo muitas vezes de maneira contrária àquela que o adulto “responsável” por eles gostaria que reagissem.

A respeito do enfoque socioeconômico Maria Amélia

Azevedo e Viviane Nogueira de Azevedo Guerra77 declaram:

Já o enfoque social é caracterizado pela violência estrutural, uma vez que a dominação de classes e as desigualdades sociais estão cada vez mais presentes numa sociedade de classes marcada pelo desemprego e consumo de drogas, na qual os direitos humanos elementares não são respeitados. Assim, a violência estrutural se reproduz nos espaços e nas relações familiares. [...] O que ocorre no sistema capitalista é que milhões de crianças são abandonadas, estão sem escolas, tornam-se usuárias de drogas e se prostituem para conseguirem o mínimo de satisfação que a vida possa lhes oferecer.

Quanto à terceira, das três abordagens da violência contra

criança e adolescentes, Marisa Marques Ribeiro e Rosilda Baron Martins78

entendem da seguinte forma:

76 RIBEIRO, Marisa Marques. MARTINS, Rosilda Baron. Violência Doméstica Contra a Criança e

o Adolescente. Curitiba: Juruá. 2006. p. 75/76. 77 AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Apostilas do VIII Telecurso

de Especialização em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente. São Paulo: LACRI/USP, 2001. p. 22.

78 RIBEIRO, Marisa Marques. MARTINS, Rosilda Baron. Violência Doméstica Contra a Criança e o Adolescente. Curitiba: Juruá. 2006. P. 77/78.

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Num enfoque sociointeracionista, estão envolvidos na violência os fatores individuais e sociais de uma sociedade politicamente marcada pela corrupção e descrédito de seus cidadãos. Quando falamos de violência doméstica que envolve crianças e/ou adolescentes e sua relação com o ambiente escolar, temos que ter clareza de que esses seres estão em fase de desenvolvimento e precisam de atenção e cuidados que nem sempre são percebidas pelos educadores. A abordagem sociointeracionista fortalece a noção de que o indivíduo aprende na interação com o outro, enfatizando a interação entre parceiros. Isso reforça a idéia de que a família tem um papel importante na formação da criança, e a escola poderá, dependendo dos procedimentos que utiliza, reforçar ou não a forma de prática educativa dos pais. As crianças não são natural e espontaneamente violentas, mas vão incorporando e interagindo com a violência institucionalizada que se enraíza nos lares e retorna para a sociedade no futuro.

E acentuam ainda:

A criança vítima da violência doméstica não é tratada como sujeito pleno, e tanto sua ação quanto sua reação são restringidas pelo medo e por ameaças. Só lhe resta permanecer calada frente ao poder disciplinador/repressor do adulto. Ela contará o fato a alguém quando perceber que esse comportamento do adulto não é normal, e sentir que esse alguém lhe inspira a confiança e a segurança que não tem nos seus adultos agressores.

O folheto educativo Viver sem Violência79, da Secretaria

Estadual do Desenvolvimento Social e da Família de Santa Catarina, elaborado

pelas psicólogas Sandra Mena Barreto e Sandra da Silveira, ensina que a

palmada é um método errôneo como forma de aprendizado, isto porque, apesar

de ela parecer o caminho mais fácil, vez que aparentemente tem o efeito

desejado pelos pais, a palmada tem um caráter apenas punitivo para a criança,

nunca educativo. Desta forma a criança acaba inibindo seu comportamento por

medo e não pela convicção de que agiu de maneira adequada.

Igualmente, o folheto também explica que a palmada não

ensina à criança o que ela pode fazer, mas sim o que não pode fazer, sem que

saiba ao menos o motivo. A criança necessita de explicações das causas, para

assimilar que aquilo que ela fez ou deixou de fazer está errado. O medo da

79 Prefeitura Municipal de Florianópolis. Secretaria de Saúde e Desenvolvimento Social.

Departamento de Desenvolvimento Social. Divisão da Criança e do Adolescente. Programa S.O.S Criança. Viver sem Violência. 1996. p. 10/11.

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palmada pode impedir o menor de agir errado, mas não faz com que o mesmo

tenha vontade de agir certo.

Sob o título Pense 20 vezes Antes de Bater, ainda o folheto

Viver sem Violência80, afirma que:

A palmada não resolve os conflitos comuns às relações pais e filhos: muitas crianças que apanham, mesmo sentindo-se magoadas e amedrontadas, enfrentam os pais dizendo que a palmada não doeu, e o que era apenas um tapinha leve no bumbum, acaba virando uma tremenda surra. A palmada, aos poucos, pode afastar severamente pais e filhos, pois a agressão física, ao invés de fazer a criança pensar no que fez, desperta-lhe raiva contra aquele que a agrediu.

E finaliza, fazendo o seguinte questionamento: “Agora

imagine: se umas simples palmadas podem trazer conseqüências tão danosas, o

que dizer daquelas surras que acabam virando uma verdadeira pancadaria?”.

Não raro as punições que começam levemente podem

evoluir para medidas mais severas, ou ainda, levar a criança e/ou adolescente a

óbito. É a chamada violência fatal.

Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira de Azevedo

Guerra81 salientam que “bater em crianças é fisicamente perigoso porque elas são

pequenas e frágeis. As chamadas punições corporais mais leves podem, muitas

vezes, causar sérios ferimentos. Sacudir bebês, por exemplo, pode levar a

concussões, danos cerebrais e até mesmo causar a morte”.

Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira de Azevedo

Guerra82 ainda elucidam que:

80 Prefeitura Municipal de Florianópolis. Secretaria de Saúde e Desenvolvimento Social.

Departamento de Desenvolvimento Social. Divisão da Criança e do Adolescente. Programa S.O.S Criança. Viver sem Violência. 1996. p. 06.

81 AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Apostilas do VIII Telecurso de Especialização em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente. São Paulo: LACRI/USP, 2001. p. 31.

82 AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Apostilas do VIII Telecurso de Especialização em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente. São Paulo: LACRI/USP, 2001. p. 30.

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De qualquer forma, há uma esperança no fim do túnel, uma vez que sentimos que se organiza um movimento mundial (especialmente na Europa) no sentido de se coibir a punição corporal nas relações pais-filhos. Há um processo de conscientização que vem se estabelecendo paulatinamente e que tem como objetivo demonstrar que há outras formas de se ensinar uma criança, não se precisando recorrer ao disciplinamento físico. Grifou-se.

E continuam:

As punições que começam levemente podem evoluir para medidas mais severas. As pesquisas têm mostrado que quando se investiga um quadro de violência física mais grave, os pais colocam que o incidente começou como uma punição comum. As pesquisas realizadas com pais que foram condenados por quadro de violência grave com seus filhos concluem que esta mesma violência ocorreu enquanto uma extensão de ações disciplinares que num certo momento e freqüentemente inadvertidamente atravessam a linha ambígua entre punição corporal sancionada e a violência física não sancionada.

Desta forma, é evidente que a melhor forma de educar a

criança e o adolescente para a vida é usando do bem maior: o amor! A criança

que aprende com amor, leva-o consigo para a vida adulta e, com certeza, passará

esta forma elevada de educar e disciplinar também para seus filhos.

2.3 CONSEQUÊNCIAS DA VIOLÊNCIA FÍSICA NA INFÂNCIA E NA

ADOLESCÊNCIA

Por acontecer no âmbito familiar à violência física infantil é

pouco discutida e, vez por outra, acaba não produzindo a devida atenção na

sociedade e na escola freqüentada pelo menor vitimizado. Tal omissão acaba

ocorrendo por ser a família encarada como entidade de cunho privado, ou seja, o

que acontece entre seus membros, diz respeito só aos mesmos83. Todavia, após

analisar as conseqüências que a violência física acarreta na vida da criança e/ou

adolescente, tal assunto deveria ser de primordial atenção.

83 RIBEIRO, Marisa Marques. MARTINS, Rosilda Baron. Violência Doméstica Contra a Criança e

o Adolescente. Curitiba: Juruá. 2006. p. 73.

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Maria Amélia de Souza e Silva84 discorre sobre a

personalidade da criança e do adolescente que convivem com severa violência no

âmbito familiar:

São crianças sem voz e sem vez, aprisionadas em uma relação assimétrica de poder, em que só lhes restam a submissão à vontade do outro e a renúncia ao próprio desejo. Vivem um drama que afeta seu desenvolvimento tanto físico como emocional, o que pode gerar indivíduos com graves dificuldades de vinculação. Além disso, como conseqüência surgem seqüelas imediatas ou tardias, físicas e emocionais, traduzidas em sintomas como dificuldades escolares, de relacionamento social, distúrbios psicossomáticos, até invalidez ou morte por homicídio ou suicídio.

Suely Ferreira Deslandes85 sugere quadro identificador da

violência física infantil:

INDICADORES FÍSICOS

DA CRIANÇA E/OU

ADOLESCENTE

COMPORTAMENTO DA

CRIANÇA E/OU

ADOLESCENTE

CARACTERÍSTICAS DA

FAMÍLIA

Lesões físicas, como queimaduras, feridas e fraturas que não se adéquam à causa alegada.

Ocultamento de lesões antigas e não explicadas.

Muito agressivo ou apático. Extremamente hiperativo ou depressivo; assustável ou temeroso; tendências autodestrutivas; teme aos pais; apresenta causas pouco viáveis para suas lesões; apresenta baixo conceito de si; foge constantemente de casa, apresenta problemas de aprendizagem.

Oculta lesões da criança ou as justifica de forma não convincente ou contraditória; descreve a criança como má ou desobediente; defende a disciplina severa; pode abusar de álcool ou drogas; tem expectativas irreais da criança; tem antecedente de violência na família.

84 FERRARI, Dalka Chaves de Almeida. VECINA, Tereza Cristina Cruz. Organizadoras. O fim do

silêncio na violência intrafamiliar: teoria e prática. São Paulo: Ágora, 2002. p. 73/74. 85 DESLANDES, Suely Ferreira. Prevenir a violência. Rio de Janeiro. 1994. In: RIBEIRO, Marisa

Marques. MARTINS, Rosilda Baron. Violência Doméstica Contra a Criança e o Adolescente. Curitiba: Juruá. 2006. p. 81.

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A doutrina86 afirma severamente que em todos os casos de

violência física na infância, bem como na adolescência surgem conseqüências a

curto e a longo prazo, são estes:

Conseqüências a curto prazo:

a) Problemas físicos;

b) Problemas no desenvolvimento das relações de apego e

afeto:

• Desenvolve reações de evitação e resistência ao

apego;

• Problemas de afeto como depressão e diminuição da

auto-estima;

• Distúrbios de conduta tanto por assumir um padrão

igual ao dos pais (tornando-se agressivos), como por

apresentar pouca habilidade social ou reação

inadequada ao estresse;

c) Alterações no desenvolvimento cognitivo, na linguagem e

no rendimento escolar. As alterações observadas na

cognição social, por exemplo, dizem respeito a:

• Rebaixamento da autopercepção sobre suas

capacidade;

• Má percepção de si próprio;

• Problemas na compreensão e na aceitação das

emoções do outro.

Conseqüências a longo prazo:

86 FERRARI, Dalka Chaves de Almeida. VECINA, Tereza Cristina Cruz. Organizadoras. O fim do

silêncio na violência intrafamiliar: teoria e prática. São Paulo: Ágora, 2002. p.85.

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a) Seqüelas físicas;

b) Pais abusadores mais tarde;

c) Conduta delinquencial e comportamentos suicidas na

adolescência que geram mais problemas emocionais,

como ansiedade e depressão, com diminuição da

capacidade de análise e síntese e baixa no rendimento

escolar;

d) Conduta criminal violenta mais tarde.

Neste diapasão são os ensinamentos de Maria Amélia

Azevedo e Viviane Nogueira de Azevedo Guerra87:

A punição física pode ser extremamente danosa para a criança no plano emocional. As pesquisas mostram que nesta forma de disciplinamento há mensagens onde se confunde amor com dor, cólera com submissão: eu te puno para o teu próprio bem – eu te machuco porque eu te amo. Outro grupo de pesquisas tem enfatizado que violência gera violência. As crianças submetidas a punições físicas estão mais propensas a demonstrar comportamentos de violência com seus irmãos, com colegas de escola, a ter condutas agressivas e anti-sociais na adolescência; a serem violentas quando adultas, em seus matrimônios e com seus próprios filhos, bem como a cometer crimes violentos.

Conforme todo o contido neste capítulo é salutar a idéia de

que a melhor maneira para se disciplinar os filhos é fazendo-os entender os

pontos certos e errados de suas atitudes, sempre utilizando de amor e paciência

para tal. Usar de métodos agressivos e tumultuosos fará a criança e/ou

adolescente desenvolver-se levando consigo a carga negativa de seus pais ou

responsáveis, o que o prejudicará pelo resto de suas vidas.

87 AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo. Apostilas do VIII Telecurso

de Especialização em Violência Doméstica contra Criança e Adolescente. São Paulo: LACRI/USP, 2001. p.32.

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CAPÍTULO 3

DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR: VIOLÊNCIA FÍSICA INFANTIL

3.1 FORMAS DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR

A partir de agora estudou-se as formas de destituição do

poder familiar, com ênfase na violência física como causa principal da medida.

Versa o art. 1.638 do CC/2002:

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I – castigar imoderadamente o filho;

II – deixar o filho em abandono;

III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV – incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Passa-se a transcorrer sobre cada um dos incisos acima

expostos.

Nota-se que a lei pune o exagero, desta forma, castigos sem

excessos, de maneira que incentive o aprendizado da criança, e adequados a

idade do menor, são lícitos. O abuso é que possuí a vedação.

Com referência ao inciso II, a CF/88, em seu art. 227, já

transcritos nos capítulos anteriores, afirma que toda a criança e adolescente tem

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direito à convivência familiar, assim o abandono, em suas diversas formas, além

de dar fundamento para o procedimento civil de destituição do poder familiar,

pode ser identificado como crime, exemplos: abandono material previsto no art.

244 do CPB, abandono intelectual previsto no art. 245 do CPB, abandono moral

previsto no art. 247 do CPB, abandono de incapaz previsto no art. 133 do CPB,

abandono de recém nascido previsto no art. 134 do CPB.

Muita discussão envolve a observância da moral e dos bons

costumes, sabe-se que ambos são aferidos objetivamente, segundo valores

predominantes na comunidade, no tempo e no espaço, incluindo condutas que o

Direito considera ilícitas, como as elencadas nos incisos I a IV do art. 247 do

CPB:

Art. 247. Permitir alguém que menor de 18 (dezoito) anos, sujeito à seu poder ou confiado à sua guarda ou vigilância:

I – freqüente casa de jogo ou mal afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida;

II – freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor, ou participe de representação de igual natureza;

III – resida ou trabalhe em casa de prostituição;

IV – mendigue ou sirva como mendigo para excitar a comiseração pública;

[...].

De outra banda, o inciso IV do art. 1.638 em estudo, se

reporta ao descumprimento injustificado dos deveres de sustento, guarda e

educação dos filhos descritos no art. 22 do ECA, ou seja: “aos pais incumbe o

dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhe ainda, no

interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações

judiciais”.

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Neste diapasão é entendimento do Egrégio Tribunal de

Justiça Catarinense:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR - ABANDONO MATERIAL E INTELECTUAL - INOBSERVÂNCIA DO ART. 22 DO ECA - COMPLETA DESATENÇÃO ÀS NECESSIDADES DA CRIANÇA OU INTERESSE NO ESTREITAMENTO DOS LAÇOS AFETIVOS - INCIDÊNCIA DO ARTS. 1638 DO NOVO CC E 24 DO ECA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. Demonstrado o desinteresse do genitor em prover à sua filha um ambiente propício ao seu desenvolvimento pleno, vez que jamais buscou manter qualquer contato ou preocupou-se em assumir as responsabilidades inerentes à paternidade, em completa desatenção aos deveres insertos no art. 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente, correta a sentença que decreta a destituição do pátrio poder. (Apelação Cível nº. 04.004155-1, da Papanduva. Datada de 14/06/2004. Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento).

Vale ressaltar a importância da avaliação técnica de cada

situação, com a colaboração de assistentes sociais, psicólogos psiquiatras e etc.

Não é demais lembrar que, antes da aplicação da suspensão ou destituição do

poder familiar, o ECA prevê, em seu art. 129, diversas medidas pertinentes aos

pais ou responsáveis e que deverão ser cuidadosamente contempladas antes que

se proponha a ruptura dos vínculos com a família.

Dessa formas, veja-se o art. 129 do ECA:

Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:

I – encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família;

II – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

III – encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;

IV – encaminhamento a cursos ou programas de orientação;

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V – obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar;

VI – obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado;

VII - advertência;

VIII – perda da guarda;

IX – suspensão ou destituição do pátrio poder.

Destarte, a perda do poder familiar, poderá atingir um ou

ambos os pais, portanto, deverá o magistrado analisar cada peculiaridade do caso

concreto.

3.2 OS MAUS-TRATOS NA INFÂNCIA

Nesta parte do estudo dar-se-á mais atenção aos maus-

tratos traduzidos na forma de abuso de meios de correção ou disciplina, ou seja, a

violência física propriamente dita. Cabe frisar que foram utilizados não só as

previsões legislativas, uma vez que estas, por si só, não aparam por completo o

tema, tendo-se que recorrer à outras ciências, como a psicologia e medicina

infantil.

O art. 136 do CPB, define maus-tratos como:

Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena – detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1.º Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

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Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

§ 2.º Se resulta morte:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

§ 3.º Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos. Grifou-se.

A propósito Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira de

Azevedo Guerra88 esclarecem:

É bem verdade que a literatura só é unânime em considerar como maus-tratos duas modalidades de castigos corporais: os castigos cruéis e pouco mais usuais e os castigos que resultam em ferimentos. No primeiro caso estão os castigos extremos e inapropriados à idade e compreensão da criança. No segundo caso estão o bater de forma descontrolada e com instrumentos contundentes.

A jurisprudência pátria também explica:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE MAUS-TRATOS CONTRA CRIANÇA, PRATICADO PELO PADRASTO. RECURSO DEFENSIVO PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. TESE RECHAÇADA. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS NO PROCESSADO, MÁXIME PELAS DECLARAÇÕES DO MENOR REPORTADAS A TESTEMUNHAS E PELAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DA AÇÃO CRIMINOSA. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECLAMO MINISTERIAL POSTULANDO A RECLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE TORTURA. INADMISSIBILIDADE. DOLO DE CAUSAR SOFRIMENTO INTENSO NÃO DEMONSTRADO. CONDUTA QUE MELHOR SE AMOLDA AO TIPO DESCRITO NO ART. 136 DO CÓDIGO PENAL. APELOS NÃO PROVIDOS. Ocorrem maus-tratos e não tortura quando a vontade do agente é apenas corrigir e disciplinar a vítima e não provocar intenso e angustiante sofrimento. Caracteriza a tortura, a vontade livre e consciente de castigar, visando o tormento, a dor, o padecimento para obter um fim imoral ou ilícito. Nos maus-tratos o fim não é o castigo, muito menos o padecimento ou qualquer objetivo imoral, é,

88 AZEVEDO, Maria Amélia. GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo (orgs). Crianças Vitimizadas:

A Síndrome do Pequeno Poder. São Paulo: Iglu. 1989. p. 36.

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apenas, a correção, a educação, praticados com excesso. (Apelação Criminal nº. 2009.005190-1, de Ibirama. Datada de 22/06/2009. Rel. Desembargador Substituto Tulio Pinheiro). Grifou-se.

Neste norte, Elisabeth Schreiber89 elucida que:

A violência física é a forma mais comum de maltrato e a mais facilmente diagnosticável, pois está geralmente associada a uma forma de punição ou disciplina. A agressão física costuma deixar marcar, de acordo com o instrumento utilizado (cintos, fivelas, cordas, correntes, dedos, dentes). A marca é geralmente repetitiva e tende a aumentar a cada investida. Especialmente no âmbito familiar, o maltrato físico ativo pode ser definido como ‘o uso do castigo corporal sob o pretexto de educar ou disciplinar a criança/adolescente’, através de ‘beliscão, espancamento, queimaduras.

Ainda John Garbarino90 explica acerca de maus-tratos como

sendo “atos de ação ou de omissão advindos dos pais ou do responsável,

julgados a partir de uma mistura de valores da comunidade e da experiência

profissional como sendo inapropriados e danificadores”.

Há que se ressaltar que, no crime de maus-tratos, o sujeito

ativo abusa de seu ius corrigendi para alcançar o objetivo: correção, disciplina,

ensino e etc.91

Conduto alerta o Dr. Wilson Donizeti Liberati92:

A manifestação da violência contra crianças e adolescentes pode ser difícil de ser identificada. Essa dificuldade decorre, na maioria das vezes, quando a violência é empregada no ambiente familiar e a criança é, ainda, muito pequena. Aliada à proposta de “educar”

89 SCHREIBER, Elisabeth. Os direitos fundamentais da criança na violência intrafamiliar. Porto

Alegre: Ricardo Lenz. 2001. p. 92. 90 GARBARINO, J. GILLIAM, G. Understanding abusive families. In: AZEVEDO, Maria Amélia.

GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo (orgs). Crianças Vitimizadas: A Síndrome do Pequeno Poder. São Paulo: Iglu. 1989. p.40.

91 VERONESE, Josiane Rose Petry. COSTA, Marli Marlene Moraes. Violência Doméstica: Quando a vítima é criança ou adolescente - uma leitura interdisciplinar. Florianópolis: OAB/SC. 2006. p. 144.

92 LIBERATI, Wilson Donizeti. Violência contra crianças e adolescentes. Disponível em: < http://www.abmp.org.br/textos/76.htm> Acesso em 20/08/2009.

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pelo castigo, essa identificação torna-se, ainda, mais difícil, pois os pais não reconhecem – ou não querem reconhecer – que usaram a violência contra seus filhos.

Sobre a manifestação dos maus-tratos nos lares brasileiros,

a doutrina93 ensina:

É questionável a concepção de que a família desestruturada seja o lócus “privilegiado” desses atos de violência, pois as denúncias dizem respeito, na maioria das vezes, às famílias estruturadas. As figuras do padrasto e da madrasta como violentadores, mesmo desconsiderando a situação marital legal, têm pequena incidência. O critério de renda tampouco é explicativo, porque muitas vezes a família possui rendimento superior ao que é considerado mínimo. Cai por terra, assim, a justificativa para as políticas sociais fundadas na falaciosa argumentação de que a família desestruturada é geralmente aquela que possui baixo nível de renda e se encontra em uma situação de pobreza próxima à marginalidade.

Nota-se, portanto, que os maus-tratos estão cada vez mais

freqüentes nos mais diversos lares brasileiros, prova disso é a crescente de sites

de organizações não governamentais – ONGS, criadas com o propósito de

identificação das vítimas e de prevenção de violência intrafamiliar. São alguns

exemplos:

a) Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à

Infância e à Adolescência – ABRAPIA. Site:

WWW.observatoriodainfancia.com.br

b) Sociedade Brasileira de Pediatria. Site:

WWW.sbp.com.br;

c) Dr. Eduardo Teixeira, estudioso sobre comportamentos

infantis, criador do site

WWW.comportamentoinfantil.com;

d) Campanha a favor dos direitos da criança e contra os

castigos físicos, site: WWW.naobataeduque.org.br;

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e) Guia infantil Criançola. Site: WWW.criancola.com.br;

f) ONG Criança Segura (promove a prevenção de

acidentes domésticos com crianças). Site:

WWW.criancasegura.org.br

g) Instituto Zero a Seis (visa proteção da integridade física

infantil). Site: WWW.zeroaseis.org;

É verdade chocante que a violência física atinge até mesmo

as crianças de tenra idade, a doutrinadora Elisabeth Schreiber94 discorre acerca

da síndrome do bebê sacudido, já comentada brevemente neste trabalho:

Algumas formas de agressão perpetradas contra a criança, por serem comuns, receberam nomes especiais. Assim é a denominada síndrome do bebê sacudido – shaken baby síndrome, tin ear syndrome -, uma forma de lesão abusiva de cabeça. Conforme ensina Joelza Pires, ocorre quando a criança é sacudida com raiva em reação ao choro contínuo ou comportamento irritável do bebê. Acomete sobretudo lactantes menores de 06 meses de idade. A criança sacudida apresenta sinais e sintomas vários, tais como: apatia, vômitos, crises convulsivas, irritabilidade persistente e falta de apetite. [...] A síndrome da criança sacudade provoca o efeito chicote, através dos movimentos desconformes entre o crânio e o cérebro, rompendo veias e causando lesões neurológicas graves, podendo, até mesmo, ocasionar a morte.

Conforme se observa nas figuras95 abaixo:

93 PASSETTI, Edson (org.). Violentados: crianças, adolescentes e justiça. São Paulo: Imaginário.

1999. p. 67/68. 94 SCHREIBER, Elisabeth. Os direitos fundamentais da criança na violência intrafamiliar. Porto

Alegre: Ricardo Lenz. 2001. p.93. 95 Ilustrações retiradas da ABRAPIA – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância

e à Adolescência. Disponível em: < http://www.observatoriodainfancia.com.br/rubrique.php3?id_rubrique=26> Acesso em: 10/10/2009.

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.

O portal da ABRAPIA - Associação Brasileira

Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência – alerta ainda que:

O local mais acometido pelos maus-tratos no corpo da criança e do adolescente é a pele. Tipos de lesão incluem desde vermelhidão, equimoses ou hematomas até queimaduras de 3º grau. É comum haver marcas do instrumento utilizado para espancar crianças ou adolescentes: elas podem apresentar forma de vara, de fios, de cinto ou até mesmo da mão do agressor. Nos quadros abaixo temos algumas marcas que sinalizam a violência:

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Inúmeras e deveras cruéis são as formas de violência

apresentadas pelos menores quando auxiliados por profissionais da saúde, da

educação e do direito, é o que revelam as imagens96 abaixo, retiradas do arquivo

pessoal do pediatra, Dr. Lauro Monteiro, responsável pela criação da ABRAPIA:

Recém nascido esfaqueado pelo próprio pai e abandonado em uma estação de metrô.

Queimadura por imersão da mão em água fervendo, praticada pela própria mãe.

96 As imagens e ilustrações foram retiradas do portal da ABRAPIA. Disponíveis em: <

http://www.observatoriodainfancia.com.br/rubrique.php3?id_rubrique=26> Acesso em: 10/10/2009.

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Criança colocada em bacia com água fervendo, propositadamente, pela família como castigo.

Ferimentos causados por descarga de fio elétrico, ambos pelo próprio pai.

As ilustrações a seguir também expressam maneiras de

violência física infantil:

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Puxão dos cabelos, com possibilidade de trauma no couro cabeludo.

Criança amarrada e amordaçada.

As queimaduras por cigarro são geralmente feitas nas palmas das mãos, solas dos pés e nádegas. Queimaduras em vários estágios de evolução indicam abusos freqüentes.

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As queimaduras por utensílios domésticos aquecidos como garfos, facas, colheres são freqüentes. Na ilustração, queimadura típica por ferro elétrico.

A cabeça é das regiões do corpo uma das que mais sofre agressões.

Como visto as agressões mais freqüentes são aquelas como

murros e tapas, agressões com diversos objetos e queimaduras causadas por

objetos ou líquidos quentes. As idades das vítimas são variadas, sendo que nem

os recém nascidos escapam da violência física causada por aqueles que

deveriam os proteger e amar.

Nestes termos, asseveram os jornalistas Laura Diniz e

Leonardo Coutinho97:

A família e a própria casa são a maior proteção que uma criança pode ter contra os perigos do mundo. É nesse ninho de amor, atenção e resguardo que ela ganha confiança para lançar-se sozinha, na idade adulta, à grande aventura da vida. Mas nem

97 DINIZ, Laura. COUTINHO, Leonardo. Violadas e feridas. Dentro de casa. Revista Veja. ed.

2105. Ano 42 – nº. 12. 25 de março de 2009. Editora Abril. p. 82.

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todas as crianças com família e quatro paredes sólidas em seu redor são felizes.

O que salta aos olhos é que o medo, a dor e a humilhação

provocada pelas surras e espancamentos, não é o que atinge mais

profundamente a criança e, sim, a consciência do total desamparo afetivo,

exatamente por quem deveria a amar incondicionalmente, tal sentimento de

abandono emocional irá refletir em todo o ambiente em que vive.

3.3 O PROCEDIMENTO JURÍDICO RELATIVO À PERDA DO PODER

FAMILIAR

Como já visto neste capítulo o art. 1.638 do CC/2002, prevê

os casos de destituição do poder familiar, todavia dar-se-á foco nos casos em que

a violência física fundamenta tal procedimento.

O ECA regulamenta o procedimento de perda do poder

familiar nos arts. 155 e seguintes, veja-se: “Art. 155. O procedimento para a perda

ou a suspensão do pátrio poder terá início por provocação do Ministério Público

ou de quem tenha legítimo interesse”.

A legitimidade ativa, então, é simultaneamente atribuída ao

Ministério Público e a quem tenha fundado interesse, seja ele, familiar, moral ou

jurídico. Podendo ser algum parente, ou até mesmo um terceiro que tem como

objetivo a adoção98.

Acerca da legitimidade do Ministério Público, afirma o art.

82, incisos I e II, do CPC:

Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:

I – nas causas em que há interesses de incapazes;

98 VERONESE, Josiane Rose Petry. GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem. SILVA, Marcelo Francisco

da. Poder familiar e tutela: À luz do novo código civil e do estatuto da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC. 2005. p. 193/194.

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II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;

[...]

A doutrina99 elucida:

Por ser procedimento de jurisdição contenciosa, envolvendo conflitos de interesses entre as partes opostas e bem definidas, o Estatuto veda o início do mesmo de ofício pelo Juiz. Conduto, naturalmente, nada o impede de, tomando conhecimento de maus tratos contra criança e adolescente, noticiar o fato ao Ministério Público, para que sejam tomadas as providências previstas pela lei. Da mesma forma, os Conselhos Tutelares, órgãos permanentes encarregados de fazer cumprir os direitos da criança e dos adolescentes (art. 131, ECA), ainda que não legitimados para a propositura da ação, têm a atribuição de representar o Ministério Público, pleiteando a instauração da mesma (art. 136, XI, ECA).

A petição inicial conterá a designação do Juízo (nesse caso

será a Vara da Infância e da Juventude ou na sua falta aquela que atribuir as

mesmas funções), a qualificação das partes (sendo esta dispensada no caso de

representação proposta pelo Ministério Público), narrar os fatos, o pedido e as

provas que serão produzidas, especificadamente, tudo em conformidade com o

art. 156 do ECA, in verbis:

Art. 156. A petição inicial indicará:

I – a autoridade judiciária a que for dirigida;

II – o nome, o estado civil, a profissão e a residência do requerente e do requeridos, dispensada a qualificação em se tratando de pedido formulado por representante do Ministério Público;

99 VERONESE, Josiane Rose Petry. GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem. SILVA, Marcelo Francisco

da. Poder familiar e tutela: À luz do novo código civil e do estatuto da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC. 2005. p. 194.

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III – a exposição sumária do fato e o pedido;

IV – as provas que serão produzidas, oferecendo, desde logo, o rol de testemunhas e documentos.

Prosseguindo-se com a análise dos artigos que fundamental

o procedimento para a perda do poder familiar, lê-se no art. 157 do ECA:

Art. 157. Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar a suspensão do pátrio poder, liminarmente ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade.

Nota-se que o artigo visa à proteção do menor, evitando que

no decorrer do processo o mesmo volte a sofrer agressões.

Igualmente é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça

Catarinense:

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – SITUAÇÃO DE RISCO – DECISÃO QUE DETERMINOU O ENCAMINHAMENTO DAS MENORES EM ABRIGO – INCONFORMISMO – INTEMPESTIVIDADE – PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SEGUNDO GRAU – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – PRELIMINAR REPELIDA – SITUAÇÃO DE RISCO NÃO EVIDENCIADA – ALEGAÇÃO AFASTADA – INDÍCIOS DE MAUS-TRATOS E ABUSO SEXUAL – PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA – ABRIGAMENTO MANTIDO – RECURSO IMPROVIDO. Ocorrendo conflito entre a norma processual da intempestividade com o direito material envolvendo ordem pública, prevalece o último, com análise do mérito recursal. Face aos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança, havendo indícios de maus-tratos e abuso sexual contra criança, deve ser mantido o afastamento provisório dos infantes do seio da família de sua origem. (Agravo de Instrumento n. 2008.045601-2, de Palhoça. Datada de 22/04/2009. Rel. Des. Monteiro Rocha). Grifou-se.

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O ECA, em seu art. 130100, prevê ainda, como medida

pertinente aos pais ou responsáveis, o afastamento do agressor do lar, pela

autoridade judiciária, na hipótese de maus-tratos ou abuso sexual imposto pelo

pai ou pelo responsável.

O art. 158 do ECA discorre acerca da citação do(s)

requerido(s):

Art. 158. O requerido será citado para, no prazo de dez dias, oferecer resposta escrita, indicando as provas a serem produzidas e oferecendo desde logo o rol de testemunhas e documentos.

Parágrafo único. Deverão ser esgotados todos os meios para a citação pessoal.

É sabido que a citação é o ato processual pelo qual a parte

passiva toma conhecimento da existência e do conteúdo da ação. Sobre o tema a

doutrina101 esclarece:

Por envolver direitos indisponíveis, a citação dos pais detentores do poder familiar assume fundamental importância no procedimento de destituição, devendo ser tentada, a qualquer custo, a citação pessoal dos mesmos. A citação é o ato processual que tem a finalidade de dar conhecimento ao requerido da existência da ação e do exato teor da lesão que lhe é imputada de cometer contra o(s) filho(s), bem como da cientificação da necessidade de providenciar sua defesa no prazo de 10 (dez) dias.

Relativo à citação o doutrinador Humberto Theodoro Júnior

afirma ser o elemento instaurador do contraditório, sendo que sem ela todo o

100 Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelo pai ou

responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.

101 VERONESE, Josiane Rose Petry. GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem. SILVA, Marcelo Francisco da. Poder familiar e tutela: À luz do novo código civil e do estatuto da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC. 2005. p. 202/203.

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processo está contaminado de nulidade, o que impede a sentença de fazer coisa

julgada102.

Cabe ressaltar que várias são as formas de citação: correio,

através de oficial de justiça, edital e por meio eletrônico, de acordo com o

regulado em lei própria (art. 221 do CPC).

Acerca da impossibilidade financeira do requerido para

constituir um advogado, o art. 159103 do ECA, prevê a condição do mesmo

requerer um advogado dativo, o qual será intimado para a apresentação da

resposta no prazo legal, que se iniciará com a intimação do despacho que

nomeou o defensor.

Na busca da verdade e da proteção integral ao menor, o art.

160 versa que “sendo necessário, a autoridade judiciária requisitará de qualquer

repartição ou órgão público a apresentação de documentos que interesse à

causa, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público”.

O art. 161 do ECA continua:

Art. 161. Não sendo contestado o pedido, a autoridade judiciária dará vista dos autos ao Ministério Público, por cinco dias, salvo quando este for o requerente, decidindo em igual prazo.

§ 1º Havendo necessidade, a autoridade judiciária poderá determinar a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional, bem como a oitiva de testemunhas.

§ 2º Se o pedido importa em modificação de guarda, será obrigatória, desde que possível e razoável, a oitiva da criança ou adolescente.

102 THEODORO JÚNIOR, Humberto.Curso de Direito Porcessual Civil. ed. 20. v. 2. Rio de

Janeiro:Forense. 1997. p. 253. 103 Art. 159. Se o requerido não tiver possibilidade de constituir advogado, sem prejuízo do próprio

sustento e de sua família, poderá requerer, em cartório, que lhe seja nomeado dativo, ao qual incumbirá a apresentação de resposta, contando-se o prazo a partir da intimação do despacho de nomeação.

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Como visto anteriormente o requerido terá o prazo de dez

dias para responder a acusação que lhe é feita, contados da data da juntada do

mandado cumprido de citação ou do término do prazo assinado pelo magistrado

quando a citação for por edital.

Esgotado tal lapso e inexistente a resposta do requerido

abrir-se-á vista dos autos ao Ministério Público, se este não for o requerente.

Caso o requerido, citado pessoalmente, deixar transcorrer o prazo sem reposta,

ser-lhe-á decretada à revelia, desta forma, todos os fatos afirmados pelo

requerente se vestem de veracidade. Caso o requerido, citado por hora certa ou

por edital, ser-lhe-á nomeado curador especial e este prosseguirá com a defesa,

tudo em conformidade com os art. 9º, inciso II, art. 319 e art. 322 do CPC, in

verbis:

Art. 9.º O juiz dará curador especial:

[...]

II – ao réu preso, bem como ao revel citado por edital ou com hora certa.

Art. 319. Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos narrados pelo autor.

Art. 322. Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório.

Após isso, entende a doutrina104 da seguinte forma:

Tem-se como fundamental para a validade do procedimento a realização da audiência de instrução e julgamento, para uma averiguação completa dos fatos objeto do litígio. [...] Por sinal a necessidade de se ouvir o menor de idade, também prevista nos

104 VERONESE, Josiane Rose Petry. GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem. SILVA, Marcelo Francisco

da. Poder familiar e tutela: À luz do novo código civil e do estatuto da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC. 2005. p. 209.

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arts. 28, § 1º (colocação em família substituta), 45, § 2º (adoação) e 53, inc. III (direito de contestar critérios avaliativos), deflui do Princípio da Prevalência dos Interesses da Criança e do Adolescente, expresso na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

Na hipótese de o requerido apresentar resposta, dar-se-á

vista dos autos ao Ministério Público, também, se este não for parte ativa no

procedimento, ao mesmo tempo em que designará audiência de instrução e

julgamento, assim veja-se:

Art. 162. Apresentada a resposta, a autoridade judiciária dará vista dos autos ao Ministério Público, por cinco dias, salvo quando este for o requerente, designando, desde logo, audiência de instrução e julgamento.

§ 1º A requerimento de qualquer das partes, do Ministério Público, ou de ofício, a autoridade judiciária poderá determinar a realização de estudo social ou, se possível, de perícia por equipe interprofissional.

§ 2º Na audiência, presentes as partes e o Ministério Público, serão ouvidas as testemunhas, colhendo-se oralmente o parecer técnico, salvo quando apresentado por escrito, manifestando-se sucessivamente o requerente, o requerido e o Ministério Público, pelo tempo de vinte minutos cada um, prorrogável por mais dez. A decisão será proferida na audiência, podendo a autoridade judiciária, excepcionalmente, designar data para sua leitura no prazo máximo de cinco dias.

Tendo em vista o ECA ser lei que evidencia a filosofia de

manutenção da criança ou adolescente na sua família de origem, e que de lá

somente deverá ser retirada havendo motivo ponderável, o estudo social mostra-

se indispensável.

Neste diapasão é o entendimento do Egrégio Tribunal de

Justiça Catarinense:

DIREITO CIVIL - FAMÍLIA - PERDA DO PODER FAMILIAR - PROCEDÊNCIA EM PRIMEIRO GRAU - NECESSIDADE DE ESTUDO SOCIAL E AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA - PROTEÇÃO DOS INTERESSES DOS MENORES - CONVERSÃO DO

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JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. Revelando-se indispensável à proteção dos menores, o julgamento deve ser convertido em diligência objetivando melhor apreciação da causa. (Apelação Cível n. 2007.052958-7, de Imbituba. Datada de 31/10/2008. Rel. Des. Monteiro Rocha) Grifou-se.

Na solenidade de instrução e julgamento, após ouvidas as

testemunhas arroladas pelas partes e os profissionais no caso de perícia e estudo

social, iniciará o debate oral, desta forma, serão ouvidos, na ordem, o requerente,

o requerido e o Ministério Público, caso este último for parte do processo, será

ouvido apenas uma vez, o prazo da manifestação oral é de vinte minutos para

casa um, prorrogáveis por mais dez minutos.

Na maioria dos casos, por ser ação de grande

complexidade, o juiz encerra a audiência e leva os autos a gabinete, a fim de

analisar minuciosamente os fatos ali expostos, sempre na busca da proteção

integral e do melhor interesse da criança.

Por fim o art. 163 versa que “a sentença que decretar a

perda ou a suspensão do pátrio poder será averbada à margem do registro de

nascimento da criança ou adolescente”.

Acerca da sentença de perda do poder familiar a doutrina105

afirma:

A sentença de destituição do poder familiar apresenta uma série de peculiaridades referentes aos seus pressupostos e efeitos, que fazem com que a mesma se diferencie sobremaneira das demais sentenças de mérito abrigadas pelo ordenamento. A sentença de destituição tem, ao mesmo tempo, cunho declaratório, referentemente à existência da hipóteses legal de perda do poder familiar: constitutivo, tendo em vista o efeito de encaminhar o infante ou adolescente a uma nova situação jurídica ou fática (tutela, adoção, abrigo, etc) e condenatório, eis que dela decorre para os pais a condenação à perda de um direito. [...] Pelo disposto no artigo em comento, será ela averbada à margem do registro de nascimento da criança (art. 102, § 6º, Lei 6.045/73), fazendo-se constar nele apenas o nome do progenitor destituído, no caso de subsistir o poder familiar com outro (art. 264, ECA).

105 VERONESE, Josiane Rose Petry. GOUVÊA, Lúcia Ferreira de Bem. SILVA, Marcelo Francisco

da. Poder familiar e tutela: À luz do novo código civil e do estatuto da criança e do adolescente. Florianópolis: OAB/SC. 2005. p. 214/215.

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José Luiz Mônaco da Silva106 ensina o seguinte:

A finalidade da averbação é impedir que os genitores, uma vez suspensos ou destituídos do pátrio poder (poder familiar), possuam usar de qualquer artimanha capaz de obstar a exeqüibilidade da sentença, que os despojou de tais direitos.

Vale dizer que em todo o procedimento de destituição do

poder familiar o juiz observa os fatores que permitam o melhor desenvolvimento

da criança e adolescente, considera os riscos de sua manutenção no lar de

origem, sempre visando à proteção ao direito à vida, saúde e dignidade da

pessoa humana. A sentença que destitui o poder familiar, assim, é a afirmação

dos direitos constitucionais da criança ou adolescente, retirando-a de um

ambiente de angustia e terror.

3.4 CAUSUÍSTICA

Pesquisou-se casos em que o procedimento de destituição

do poder familiar teve iniciativa por conta da violência física, nos últimos quatro

anos, ou seja, entre o dia 01/10/2005 e o dia 01/10/2009, junto à Comarca de

Porto Belo/SC, obtendo-se como resultado o total de 09 ações, sendo 2 ações no

ano de 2005, 1 ação no ano de 2006, 2 ações no ano de 2007, 3 ações no ano

de 2008 e 1 ação no corrente ano.

Em uma análise mais profunda de um dos casos já

sentenciados, a denúncia de maus tratos do menor E.E.F.M., de apenas 08 anos

à época (2005), partiu do Conselho Tutelar, após receber uma ligação da escola

onde o criança estudava.

Na oportunidade o menor chegou à escola apresentando um

hematoma grande no olho esquerdo, além de diversas outras pequenas lesões

pelo corpo, motivo pelo qual a direção telefonou imediatamente para a mãe do

menino, Sra. R.E.F., e avisou que iria entrar em contato com o Conselho Tutelar,

sendo que dali dirigiram-se até o Conselho Tutelar e de lá o menor, juntamente

106 SILVA, José Luiz Mônaco da. Estatuto da Criança e do Adolescente: comentários. São Paulo:

Revista dos Tribunais. 1994. p. 281.

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com a diretora escolar e as conselheiras tutelares, foi levado até a Delegacia de

Polícia a fim de registrar um boletim de ocorrência e após a clínica médica

próxima para realizar exames médicos.

O exame médico atestou lesões no olho esquerdo e no

braço direito.

O relatório do Conselho Tutelar afirmou que a criança era

vitima de constante agressão física por parte de sua mãe, a qual, agredia-o com

chutes e socos, agressões com cinturão e com fio de eletricidade, além de tratar o

filho com violência extrema, a genitora tratava-o com atitudes discriminatórias,

circunstâncias que estavam causando graves traumas para a sua formação, uma

vez que E. estava em fase de desenvolvimento.

O Conselho Tutelar enviou o relatório, via ofício, à

Promotoria de Justiça da Comarca de Porto Belo, a qual, verificando a gravidade

dos fatos, propôs de imediato, a ação de perda e suspensão do poder

familiar/infância e juventude, contra os genitores da criança, Sr. J.E.M.F. e Sra.

R.E.F.

O genitor foi acusado de negligência e a genitora foi

acusada de maus-tratos, sendo que a mesma castigava imoderadamente seu

filho, ofendendo sua integridade física e relegando-o a constante abandono,

entendendo o Ilustre Promotor de Justiça que desta forma os mesmos

apresentavam inaptidão para o exercício do poder familiar.

O Ministério Público requereu, liminarmente, a suspensão do

poder familiar, com o conseqüente encaminhamento do menino ao Abrigo Lar da

Criança, localizado na cidade de Itajaí/SC, bem como a realização do estudo

social do caso, o depoimento pessoal das pessoas envolvidas, inclusive do

menor, além da citação dos genitores da criança.

Em decisão inicial o magistrado salientou que a destituição

do poder familiar é medida extrema, sendo que a análise dos fatos e das provas

constantes dos autos deve atentar para o interesse e bem estar da criança,

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todavia entendeu que o menino E. encontrava-a em situação de risco, motivo pelo

qual, deferiu o pedido de liminar, pelo que, suspendeu o poder familiar, expedindo

de pleno o mandando de busca e apreensão do menino, determinando seu

encaminhamento para o abrigo Lar da Criança.

O mandando foi devidamente cumprido, e a família foi

encaminhada para tratamento psicológico e acompanhamento regular pela

Assistente Social forense.

O processo prosseguiu até a sentença, que determinou à

destituição do poder familiar, declarando inexistentes todas às relações de

parentescos advindas daí, por entender, no decorrer da instrução dos autos, que

os genitores não possuíam condições psicológicas e morais de exercer tal dever,

sendo que não apresentaram qualquer interesse de ter novamente consigo o

menino E., por fim, após o devido transito em julgado, determinou o envio da

sentença para o cartório de registro civil, bem como lançou o nome da criança

para o cadastro nacional de adoção.

Nos demais casos analisados, a violência física não foi a

única causa de destituição do poder familiar, todavia é a que ganha maior ênfase

no decorrer da instrução processual por conta do seu grau de crueldade.

Juntamente com a violência física, pode-se observar a

presença de fatos relacionados à negligência, abandono e atos considerados

atentatórios à moral e aos bons costumes.

Vale destacar que na grande maioria dos casos analisados

na Comarca de Porto Belo/SC, os genitores fazem uso de álcool e/ou alguma

substância entorpecente, o que leva os pais à tratamento para toxicômanos, a

criança à estudos psicológicos e a família à programas de incentivo familiar.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente Trabalho Monográfico teve como escopo discorrer

acerca da destituição do poder familiar motivada pela violência física infantil.

Dentre o objetivo que se lançou, qual seja, identificar os

elementos caracterizadores da violência física infantil, bem como seus contornos

jurídicos na destituição do poder familiar, dividiu-se o Trabalho em três capítulos:

Assim, no primeiro capítulo tratou-se de realizar

apontamentos históricos e explicativos acerca do poder familiar, passou-se a

defini-lo, distinguindo-a do antigo instituto do pátrio poder, apresentando os

elementos caracterizadores do poder familiar: a) deveres e obrigações exercido

em igual condições por ambos os pais em relação à pessoa e aos bens dos filhos

não emancipados, b) objetivando a proteção das crianças e/ou adolescentes; c)

múnus público, imposto pelo Estado, aos pais a fim de zelarem pelo futuro de

seus filhos. Passando-se ao fim a análise do poder familiar, com enfoque para o

exercício e o conteúdo, a fim de delimitar os deveres inerentes de tal instituto do

Direito Civil Brasileiro.

No segundo capítulo relatou-se com exclusividade a

violência física infantil, identificando sua existência no âmbito familiar. Na

seqüência tratou-se de definir os sujeitos desse fenômeno, aqui compreendidos, a

criança e/ou adolescente, ora vítima e os genitores, ora autores das agressões.

Também não deixou-se de discorrer, sobre os efeitos e conseqüências da

violência física infantil, tanto para o desenvolvimento físico, como o psíquico da

criança e/ou adolescente. Por fim, demonstra-se alguns fatores para a existência

de violência no âmbito familiar, eis que a carga cultural brasileira releva que tal

atitude por parte dos pais, ou seja, usar de castigos imoderados com seus filhos,

baseia-se na intenção de educar e corrigir, idéia, como já comprovado, totalmente

distorcida e abusiva.

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Finalizou-se o Trabalho com o terceiro capítulo voltando-se

ao cerne deste discurso: a destituição do poder familiar com base na violência

física infantil, identificando seus contornos jurídicos, assim, apresentou-se as

formas de perda do poder familiar, bem como, os elementos para sua

identificação e propositura. Ilustrou-se a visão dos maus-tratos por parte da

criança e/ou adolescente, e em seguida para a analise do tratamento da matéria

no ordenamento jurídico pátrio, apresentando aspectos legais e jurisprudenciais,

bem como relatos de procedimento, já sentenciado, ocorrido na Comarca de

Porto Belo (SC), escolhida por ser local de residência desta graduanda.

A hipótese levantada no início deste trabalho monográfico,

restou ao final confirmada:

A violência física infantil, cada vez mais, mostra-se motivo

mui relevante para dar causa ao procedimento de perda do poder familiar, eis que

as conseqüências para o desenvolvimento e formação da personalidade da

criança são catastróficas, prova disso é que as campanhas nacionais contra tal

atitude estão constantemente em foco na mídia. Outrossim, a violência física,

costumeiramente, resta acompanhada por outros motivos de igual repugnância,

tais como: uso de substâncias entorpecentes, abandono moral, prática de atos

contrários à moral e etc, tais fatores estão tornando-se, com freqüência, motivo

bastante para o Ministério Público ou terceiro interessado, propor ação de

destituição do poder familiar.

Desta forma, ao final, há de se evidenciar que a perda do

poder familiar motivada pela violência física configura-se como procedimento de

proteção à criança, a fim de retirá-la da companhia do agressor, visando seu bem

estar.

Neste ínterim, importante que sejam estabelecidos

mecanismos de fiscalização nas Comarcas em todo o país a fim de impedir a

ocorrência da conduta. Além do mais, as entidades escolares devem ser

mobilizadas para monitorarem seus alunos, visto que as marcas de tais

agressões são, na sua maioria, aparentes, e as atitudes das crianças tendem a

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mudar radicalmente quando são vítimas de tais abusos físicos por parte se seus

pais.

É preciso agir com antecedência, obrigando os Conselhos

Tutelares à fiscalizar com maior atenção às famílias não estruturadas, visto ser as

com maior incidência de violência familiar.

A prevenção ainda é a melhor maneira de proteger a

integridade física das crianças.

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