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DOCÊNCIA À PRIMEIRA VISTA Éverton de Moraes Kozenieski - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - [email protected] Paola Gomes Pereira - Universidade Federal do Rio Grande do Sul – [email protected] Sergio Zilberstein - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - [email protected] INTRODUÇÃO Lecionar em escolas públicas de ensino fundamental e médio em um país de proporções continentais como o Brasil é um grande desafio. Tão grande que, mesmo no microcosmo (o município de Porto Alegre, por exemplo) há questões relevantes a serem levantadas e fartamente debatidas. É indiscutível o enorme número de variáveis que influenciam na docência, desde a qualidade da formação dos novos professores até a diversidade cultural, regional, econômica e social dos alunos, que pode mudar sensivelmente de um bairro para o outro principalmente nas metrópoles. Uma docência responsável e interessada tem que ser a arte de não se repetir, de inventar e se reinventar a cada dia, cada aula, cada turma, cada situação, cada público. Um professor tem que ser mutável, eclético, interessado e gostar de desafios. Ensinar não é como aprender: não se pode ter uma atitude reativa ou passiva em uma relação professor/aluno. Um bom mestre tem que arrebanhar forças para ser combativo, proativo, interessado, inovador,

Docência à primeira vista

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Page 1: Docência à primeira vista

DOCÊNCIA À PRIMEIRA VISTA

Éverton de Moraes Kozenieski - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - [email protected] Gomes Pereira - Universidade Federal do Rio Grande do Sul – [email protected] Zilberstein - Universidade Federal do Rio Grande do Sul - [email protected]

INTRODUÇÃO

Lecionar em escolas públicas de ensino fundamental e médio em um país de

proporções continentais como o Brasil é um grande desafio. Tão grande que, mesmo no

microcosmo (o município de Porto Alegre, por exemplo) há questões relevantes a serem

levantadas e fartamente debatidas.

É indiscutível o enorme número de variáveis que influenciam na docência,

desde a qualidade da formação dos novos professores até a diversidade cultural,

regional, econômica e social dos alunos, que pode mudar sensivelmente de um bairro

para o outro principalmente nas metrópoles. Uma docência responsável e interessada

tem que ser a arte de não se repetir, de inventar e se reinventar a cada dia, cada aula,

cada turma, cada situação, cada público. Um professor tem que ser mutável, eclético,

interessado e gostar de desafios. Ensinar não é como aprender: não se pode ter uma

atitude reativa ou passiva em uma relação professor/aluno. Um bom mestre tem que

arrebanhar forças para ser combativo, proativo, interessado, inovador, cativante (ou se

não souber sê-lo, que seja ao menos criativo) e responsável. Em um mundo tão diverso

e inventivo, onde o novo de hoje é o velho de amanhã, não são mais aceitas aulas

pasteurizadas, pois os alunos são únicos e querem (devem, e o farão) manifestar suas

expectativas.

Essa trajetória retilínea da docência (de se “aprender” a ensinar) está fadada ao

fracasso. Esse aprendizado não mais é aceito como algo que chega às mentes e as

transforma de forma definitiva e positiva, credenciando um docente a fazer isto pelos

outros: ele é apenas uma parte importante para a construção de um ser pensante, que

precisa estar pronto espiritual e emocionalmente para ser um servo do conhecimento e

de sua disseminação. Um verdadeiro professor.

Page 2: Docência à primeira vista

Busca-se neste trabalho, de forma despretensiosa como se exige dos

pensamentos abertos sobre assuntos mutáveis, apresentar as observações de docências

praticadas em classes do ensino fundamental e médio feitas em três escolas diferentes e

refletir sobre essas práticas observadas. Os autores deste artigo fizeram às vezes de

observadores em sua passagem pela disciplina de Preparação à Docência em Geografia:

Estudo de Caso para Gestão Pedagógica, ministrada no primeiro semestre de 2009 pela

Professora Doutora Ivaine Maria Tonini, buscando-se enriquecimento através da

avaliação de metodologias utilizadas por professores de geografia já estabelecidos.

CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A pesquisa foi desenvolvida em três momentos distintos, que são:

Aproximação entre observadores e escola; observações das aulas e entrevistas e, por

fim, compilação e análise das informações obtidas. Cada uma dessas etapas se descrita a

seguir.

O primeiro momento consistiu-se na aproximação das escolas que seriam

observadas no que se refere às autorizações para ingressarmos nas escolas, assim como

a coleta de informações básicas como número de alunos, infra-estruturas disponíveis e

professores, além do contato com os professores que ministram aulas de geografia nas

escolas.

Na segunda etapa foram realizadas as observações das aulas de geografia

totalizando 10 horas/aula por escola. Esta carga horária foi dividida em dois períodos

por cada série observada. Cabe ressaltar que foram analisadas aulas do ensino

fundamental (quinta, sexta, sétima e oitava séries) da mesma forma que no ensino

médio (uma turma conforme a grade curricular). Buscou-se analisar nessas observações

das aulas tanto as características dos alunos presentes nestas séries, assim como as

práticas e metodologia dos docentes. Foram observados elementos como: turno e

número de alunos na aula, faixa etária e média de renda dos alunos, a interação dos

alunos com colegas/professor/conteúdo da aula; recurso didático utilizado em aula;

procedimento metodológico da aula e o conteúdo programático trabalhado.

Nessa etapa também foram realizadas duas entrevistas (uma com um professor

de geografia e outra com um aluno das aulas de geografia) em cada escola. As referidas

entrevistas tinham como objetivo compreender as aspirações, formações do docente

entrevistado, da mesma forma compreender, sob a visão de um aluno, as práticas

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desenvolvidas nas aulas de geografia. Buscou-se compreender, em ambas as entrevistas,

não apenas a visão de um aluno e de um professor sobre as aulas de geografia, mas

também compreender a visão de mundo destes, assim como suas preferências culturais e

suas interações sociais.

Na última etapa foram compiladas e sistematizadas as informações obtidas das

etapas anteriores. Assim como foram realizadas as análises pertinentes a pesquisa,

culminando no presente artigo.

RECORTES ESPACIAIS

O município de Porto Alegre apresenta uma grande quantidade de alunos

regularmente matriculados em intuições de ensino. Segundo dados do Brasil (2008)1,

existem aproximadamente 250 mil alunos matriculados neste município, além de um

conjunto de aproximadamente 13 mil docentes. Em meio a este grande contexto,

escolher determinadas escolas para as observações não uma tarefa simples. Nesse

sentido, optamos por três instituições de ensino público estadual que apresentassem

tanto o ensino fundamental com o médio. A localização das escolas escolhidas está

ilustrada no Mapa 1.

1 BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. Ministério da Educação e do Desporto. Ensino - matrículas, docentes e rede escolar 2008. Brasilia: Inep/mec, 2008.

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MAPA 1 - Localização das Escolas

Fonte: Elaborado por Éverton de Moraes Kozenieski

Optou-se por não divulgar o nome das instituições que participaram da

pesquisa, dessa forma, os nomes das escolas foram substituídos. Cabe ressaltar ainda

Page 5: Docência à primeira vista

que as três escolas escolhidas localizam-se em bairros distintos e apresentam alunos

com diferentes realidades sociais.

Na seqüência segue a descrição geral de cada instituição.

Escola A: situada em região tradicional da cidade de Porto Alegre, com habitantes

predominantemente das classes média à alta (bairro Petrópolis), a referida escola

estadual apresenta um público que surpreende à primeira vista. Quando se pensa em

ensino gratuito, crê-se que, de modo geral, pessoas desprovidas de condições financeiras

minimamente privilegiadas compõem o grupo de estudantes predominante. Entretanto,

percebe-se nesta unidade de ensino exatamente o oposto. Uma grande quantidade de

jovens de famílias de boa renda, ou mesmo de classe A, freqüentam-na e confiam em

sua qualidade de ensino, contrariando as expectativas preliminares. Oferece aos seus

cerca de 1300 alunos 19 salas de aula, biblioteca, laboratório de informática, sala de

áudio-visual, quadra desportiva, EJA, preparação para o ENEM, três turnos de

funcionamento, ensinos fundamental e médio completos (todas séries) e oficina de

desenhos em quadrinhos. São três professores de geografia, sendo dois do quadro

efetivo do Estado e um contratado.

Escola B: situa-se no centro da cidade de Porto Alegre. É uma escola de administração

estadual que oferece educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e curso

normal. Possui aproximadamente três mil alunos matriculados e funciona nos turnos da

manhã, tarde e noite. A forma de ingresso é através de sorteio o que proporciona a ela a

característica de atender alunos advindos das mais diversas partes da cidade, com

realidades diversas e plurais. Dentre os serviços ofertados pela escola B encontram-se:

biblioteca, centro de línguas, laboratórios, curso de preparação para o ENEM, feira de

ciências, festa junina, sábado da solidariedade, ginásio de esportes (em reforma), sala de

teatro e um projeto patrocinado que oferece oficinas de malabares, dança, grafite e

teatro. A escola possui seis professores de Geografia, dois são do quadro efetivo do

estado e os outros quatro contratados, todos com graduação na área.

Escola C: situa-se no bairro Vila Nova, município de Porto Alegre. Este bairro

apresenta algumas características relevantes que refletem as origens dos alunos que ali

estudam. Este bairro atualmente apresenta fortes características urbanas, com um grande

contingente de habitações em detrimento de outras formas de uso do solo, uma baixa

Page 6: Docência à primeira vista

densidade populacional e também por uma pequena, mas importante centralidade

comercial. Por estar situada neste bairro, a escola atende aos alunos do próprio bairro,

assim como outros vindo de bairros vizinhos como Belém Velho e Aberta dos Morros.

Atualmente a escola atende a aproximadamente 1400 alunos, funciona nos

turnos da manhã, tarde e noite. O ensino fundamental é contemplado em dois turnos

(manhã e tarde) e o ensino médio apenas no período noturno. A escola possui estruturas

como: biblioteca; duas quadras para atividades desportivas, sendo uma voltada para a

prática de voleibol e outra para o futebol; refeitório, em que são servidas as refeições

disponibilizadas pela escola; lancheria particular nas dependências da escola e uma sala

de informática em fase de instalação.

A escola possui dois professores com a incumbência das aulas de geografia.

Destes dois, apenas um possui graduação em Geografia, a outra professora realizou a

sua graduação em História, cabe ressaltar que, mesmo não sendo graduada em

geografia, tem habilitação para docência nesta disciplina.

RELATOS DAS OBSERVAÇÕES

A atividade de observação das aulas de geografia está intrinsecamente

relacionada às experiências e visões de mundo dos observadores, assim como da

disponibilidade e disposição dos observados. Nesta pesquisa, nós observadores, ex-

alunos do ensino básico e licenciandos em geografia, confrontamos nossas experiências

estudantis com o que observávamos nas escolas em que estivemos. Estas impressões

obtidas estão registradas a seguir, elas estão expostas de forma condensada por escola

visitada.

Escola A: Na Escola A, em meados de março de 2009, foram feitas observações de

classe nas turmas entre quinta série do fundamental e primeiro ano do ensino médio.

Foram duas horas aula em cada turma, divididas entre dois professores (chamados aqui

de I e II), havendo na verdade uma terceira que não foi observada. O ingresso no

colégio privilegia a proximidade geográfica dos discentes, e há uma predominância de

alunos de classe média à alta emergente.

Os temas das aulas nesses 10 períodos foram, em ordem (de quinta do

fundamental ao primeiro ano do ensino médio), “A Rosa dos Ventos”, “Os Quinze

Maiores Países do Mundo” (na sexta série como matéria nova e na sétima como revisão,

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curiosamente), “Países Desenvolvidos: a Escandinávia” e “Mapas e Projeções

Cartográficas”.

As aulas da quinta à sétima série foram com o professor I, e da oitava ao

primeiro do ensino médio com o professor II. Os estilos de atuação dos

professores, e também as reações gerais dos alunos, foram bastante semelhantes dentro

de cada um desses dois grupos, porém ambos têm estilos e técnicas diferentes, o que

enriqueceu a atividade de observação. Com o professor I, pessoa mais reservada,

percebe-se o uso de uma sistemática bastante tradicional, com utilização de recursos

didáticos simples e inteligentes, porém com um ritmo de aula monotônico e que

propiciava um distanciamento hierárquico mais evidente (e naturalmente um

afastamento da figura humana do docente para com os alunos, de certa forma proposital,

objetivando manter a disciplina para que a matéria pudesse ser aplicada no todo). Já o

professor II, de personalidade expansiva e com habilidades artísticas marcadas pelo uso

de instrumentos musicais em aula, interage com os alunos, que sugerem músicas, tocam

e cantam em breves momentos de descontração durante as aulas (para o que sempre

tinha adesão do grupo todo). Como nos diz Castrogiovanni (2007, p. 42):

A linguagem geográfica apresenta características que precisam

ser consideradas, tanto quanto possível, como fonte de explicação para as

dificuldades que os alunos possam vir a ter na sua compreensão. Como para

planejar movimentos pedagógicos que facilitem o processo interativo.

Esse professor então demonstra o interesse em procurar instrumentos que

facilitem essa interação. A proximidade traz às suas aulas o mesmo nível de atenção do

professor I, porém com uma dose muito grande de satisfação generalizada.

Os resultados obtidos estavam diretamente vinculados à capacidade de prender

a atenção dos jovens, o que ambos exerciam de formas diferentes: tanto quanto ao

método quanto ao efeito adicional nas turmas. Enquanto um traz as pessoas para a aula

com simpatia e se identificando como “alguém do grupo”, o outro faz com que estas se

sintam, de certa forma, intimidadas pela forma mais objetiva e cartesiana de oferecer

conteúdo, fazendo com que pareçam mais preocupados com o aprender para uma prova

do que para a vida.

Curiosamente, as conversas laterais existiam em ambas as situações, bem

menos naturalmente com o professor I pela sua figura mais sisuda, porém o professor II

Page 8: Docência à primeira vista

tem uma capacidade maior de abstração desses ruídos. Em nenhum dos dois casos em

momento algum houve perda de paciência dos docentes, até porque não eram níveis

elevados de lateralidades verbais.

Os temas das aulas foram bem recebidos por serem bastante interessantes. O

professor I ofereceu em sua turma de quinta série o uso de alguns recursos: pequenos

mapas do Rio Grande do Sul recortados em papelão, os quais distribuídos aos alunos

para que pudessem fazer um mapa de tamanho e proporções adequados nos seus

cadernos (que eram posteriormente devolvidos e reutilizados em outras aulas), solicitou

que trouxessem previsões meteorológicas do jornal Zero Hora para que pudessem

estudar as condições climáticas e os pontos cardeais e colaterais, alguns atlas da

biblioteca eram distribuídos, ficando os livros didáticos para estudo em casa.

Na sexta e sétima séries a matéria era “Os Quinze Maiores Países do Mundo”.

O curioso foi a repetição de uma mesma aula em turma mais avançada, justificada como

sendo uma rememoração do visto no ano anterior (o que considerei perda de tempo e

estranho). Tanto numa como na outra série foram utilizados os mesmos atlas da quinta

série e o quadro verde para que fossem registradas as dimensões territoriais desses

países. A aula carecia (em ambas as situações) de um maior carisma por parte do

professor, ficando muitas vezes falando no vazio.

A mudança de professor na oitava série (o mesmo também para o primeiro ano

do ensino médio) trouxe boas e novas impressões, mostrando que há pessoas de vocação

e espírito empreendedor para o exercício da docência. Enquanto via-se uma monotonia

em classe com o professor I, apesar dos resultados relativamente bons para quem

aprecia uma aula tradicional, o professor II trazia os alunos para si com uma atitude

aberta, uma relação de troca, quase de cumplicidade. Com o fato de usar-se do artífice

musical, aproximava-se de tal forma dos jovens que eles mais o queriam como amigo,

gerando um sentimento de respeito, atenção e interesse verdadeiros, sinceros, como se

estivessem tratando com alguém que de fato os compreendia. Foi de fato entusiasmador,

pois a reciprocidade se deu de forma genuína, tendo-se obtido do público alvo os

melhores resultados em participação e atenção. Em linhas gerais, o uso de recursos

adicionais (além de um violão e duas flautas doces) se faz menos necessário. Com

desenvoltura e uma boa mão para desenhos, utiliza bem o quadro, além do que oferece

um blog com material adicional para cada uma de suas turmas (o blog é muito

descontraído e montado para agradar os jovens, aparentando ter muito a ver com a

personalidade do professor II). As aulas de oitava e primeiro ano foram respectivamente

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“Países Desenvolvidos: a Escandinávia” e “Mapas e Projeções Cartográficas”, e em

ambos foram usados os mesmos recursos (músicas, atlas e desenhos no quadro), além

de uma boa voz, alta, que se sobrepunha a algumas conversas dos alunos que,

curiosamente, falavam sobre a matéria e não sobre outros assuntos. De fato, carisma,

bons recursos e interesse demonstraram ser as melhores alternativas para uma boa

docência, além de uma boa dose de desprendimento e inibição. Como nos diz Kaercher

(2000, p. 136):

Muitas vezes, fazendo o “feijão com arroz”, o simples, mas de

forma organizada e consciente, chegamos a melhores resultados do que a

simples “novidade pela novidade”.

Escola B: Entre os dias cinco e quatorze de maio do ano de 2009 foram realizadas as

observações na Escola B. As turmas escolhidas foram de quinta, sexta, sétima e oitava

séries do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio. Foram observadas duas

horas aula por turma, totalizando dez horas aula de observação nessa escola. Três

professoras diferentes participaram das observações, para respeitar a identidade será

atribuído a elas os nomes de professora III, IV e V. A taxa de reprovação nessa

instituição é bastante baixa (menor que 5%) assim as turmas possuíam uma média de

idade adequada a série. Devido ao ingresso no colégio ser feito através de sorteio os

alunos possuem as mais diversas rendas e origens.

A atividade permitiu a percepção dos observadores da repetição de

determinados acontecimentos. Alguns conteúdos trabalhados em sala de aula como

origem do universo (quinta série), estudos de demografia (sexta série) e direitos

humanos (oitava série) realmente chamavam a atenção dos alunos, no entanto a

utilização majoritária do livro didático para explicar um conteúdo como a origem do

universo tornou a aula cansativa e os alunos dispersivos. Como nos diz

Kaecher (2003, p. 11):

Nosso problema não são os conteúdos (sua falta ou seu excesso). Nem eles trazem, portanto, as soluções. A forma como trabalhamos e construímos o conhecimento com os alunos é o cerne de uma educação mais democrática e comprometida na luta contra a repetência e a exclusão social.

Foi possível notar isso em vários momentos, o conteúdo inicialmente atraía o

aluno para a aula, entretanto o desenvolvimento deste acabava tornando-o

desinteressante e cansativo. Uma falta de planejamento por parte dos professores

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mostrou-se evidente e isso ocasionava um desperdício no tempo de sala de aula.

Segundo afirmação de Callai (2003, p. 62):

A seleção dos conteúdos a serem estudados deve considerar a

realidade dos alunos da escola, para que se alcance aqueles que são o motivo

primeiro do processo de educação: os estudantes. [...] a quantidade e a

extensão do que for trabalhado deverá servir como um instrumental capaz de

permitir que o aluno se situe no mundo, compreenda-o, e saiba como buscar

as demais informações que precisa. A questão é acima de tudo,

metodológica, oportunizando ao aluno um instrumental capaz de poder fazer

a análise geográfica.

Outra característica recorrente nessa escola foi que os professores acabavam

dispondo grande parte da sua energia na tentativa de acalmar os alunos mais barulhentos

e muitas vezes ignorando os alunos que demonstravam maior interesse no aprendizado.

Esse com certeza é um ponto importante para reflexão de futuros docentes, como lidar

com uma turma com realidades e comportamentos diversos? Simplesmente ignorar os

que falam mais e dar aula apenas para os mais atentos ou dedicar maior parte do tempo

aos alunos mais falantes na tentativa de uma aula tranqüila. É imprescindível para o

professor a busca de um equilíbrio nessas situações, todavia essa é uma tarefa difícil e

apresentada diariamente aos docentes.

A atividade proposta pela professora V para os alunos do terceiro ano do

ensino médio foi bastante interessante. Por ser uma turma pequena (21 alunos) ela disse

ser possível realizar atividades como essa. Ela propôs aos alunos uma atividade de

pesquisa sobre dados demográficos após explicá-los, instigando os alunos a

pesquisarem e a utilizarem a internet para fins diferentes dos quais estão acostumados.

No momento de trabalho no laboratório de informática os alunos foram bastante

participativos e dedicados e mesmo com a possibilidade de utilizarem o computador

para outras atividades ficaram focados na proposta da professora.

Nas semanas de observação a Escola B estava organizando trabalhos de campo

com todas as turmas no ônibus “Linha Turismo” (ônibus que faz um trajeto turístico

pelos principais pontos da cidade de Porto Alegre). Em muitas observações foi possível

ver as atividades que as professoras pediam relacionadas com a saída de campo. Foi

bastante frustrante observar que o passeio realizado pelos alunos seria aproveitado

Page 11: Docência à primeira vista

apenas com atividades como “Escolha os seus dois pontos favoritos do passeio de

descreva-os”. Como nos diz Gelpi e Schäffer (2003. p. 120):

Na verdade, é este o primeiro ponto: definir com clareza os objetivos que se pretende alcançar, sejam eles cognitivos, como a observação de determinados elementos, exercícios de descrição e representação espacial, etc., sejam comportamentais ou afetivos (entrosamento do grupo, cooperação, amizade).

Talvez se os professores que tivessem organizado a atividade trabalhassem da

maneira proposta pelas autoras, ela teria sido melhor aproveitada. Acredita-se que a

oportunidade de os alunos participarem da saída de campo permitiria uma abordagem

maior desse trabalho com atividades mais significativas e completas.

Escola C: As observações das aulas aconteceram nos dias 30 e 31 de março de

2009 nos turnos da tarde e noite nas aulas sob orientação do único professor de

geografia com graduação em geografia de toda escola. No início das observações um

fato chamou muito a atenção, pois nesta escola existe uma forma diferenciada de

organização das salas de aulas. As salas são fixas por disciplinas, ou seja, o professor

durante seu turno não necessita transferir-se para outras salas, podendo manter seus

materiais e livros guardados em uma única. Neste sistema são os alunos que mudam de

salas conforme a disciplina.

Outro elemento marcante, que é importante ser mencionado, é o fato do

professor não ter ficado à vontade com a presença de outra pessoa em sala de aula.

Apesar de ele dizer inúmeras vezes que não havia nenhum problema com a observação,

foi possível perceber que ele tentava, a todo o momento, demonstrar seu conhecimento

para os alunos e também para o observador.

Do ponto de vista metodológico as aulas do professor eram idênticas, ou seja,

apresentavam os mesmos caminhos ao longo de distintas séries. Inicialmente, o

professor colocava algumas questões no quadro referentes ao conteúdo pertinente

àquela aula e solicitava aos alunos que buscassem as respostas no livro didático.

Posteriormente, havia uma exposição oral do professor sobre o conteúdo e a correção da

atividade.

Cada turma observada reagia a esta metodologia da aula de forma distinta.

Aquelas com alunos de faixa etária menor comportavam-se de forma muito agitada. Dar

aula nessas turmas (quinta e sexta séries) foi uma tarefa muito complicada para o

Page 12: Docência à primeira vista

professor, pois ele não conseguia desenvolver o conteúdo devido à agitação e às

conversas paralelas.

No ensino fundamental, é necessário que partamos das paisagens

visíveis e não de conceitos (isso cabe mais ao ensino médio). Ou seja, os

conceitos não devem anteceder aos conteúdos. Esses devem propiciar que os

alunos construam os conceitos. (KAERCHER, 2003, p.13)

Sem dúvida, eram turmas com alunos muito ansiosos. Em muitos momentos o

professor teve que ser enérgico com ações como a troca de lugar de uma aluna. Segundo

ele, para dar aula nestas turmas “tem que ter preparo físico”.

Nas outras turmas com alunos adolescentes percebia-se também a agitação dos

alunos. Houve durante todas as aulas muitas conversas paralelas. Entretanto, este fato

não comprometeu a autoridade do professor, pois os alunos apesar de conversarem entre

si cumpriam o que ele determinava. Em uma aula da 7ª série, o professor inovou nos

seus procedimentos levando um mapa do mundo para a sala de aula. Soa estranho

utilizar a palavra inovar, uma vez que os mapas deveriam estar muito mais presentes na

realidade da escola, como nos diz Castrogiovanni (2003, p. 31):

Os mapas devem fazer parte do cotidiano escolar e não apenas

serem incluídos nos dias específicos da geografia. A vivência com os mapas

deve ser vista como uma possibilidade admirável de comunicação.

O mapa causou uma grande curiosidade, e este simples recurso didático cativou

os alunos. Com os alunos “mais velhos” a metodologia das aulas do professor foi mais

efetiva, pois obteve maior participação. Apesar de tudo, ficou muito evidente o desgosto

pelas aulas e pelos conteúdos da geografia.

A falta de inovação da forma de dar aula do professor entrevistado pode ser

justificada através das informações obtidas na entrevista. O docente em questão tem 60

horas/aula por semana, dividida entre duas instituições (uma pública e outra privada).

Este professor tem pouco tempo para si e sua família, participa muito pouco ou menos

do que gostaria de atividades culturais e cursos de qualificação profissional. O tempo

escasso e a baixa remuneração são os principais argumentos para isso. Ficou evidente

também o desanimo com relação à profissão, apesar da afirmação dele que dar aula é

uma vocação.

Page 13: Docência à primeira vista

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A riqueza de informações obtidas com a conjugação das observações realizadas

nessas três diferentes escolas públicas localizadas no município de Porto Alegre, cada

uma delas com suas peculiaridades regionais, culturais, recortes sociais, entre outras

inúmeras características que ora as igualam, ora as diferenciam, permitiu uma

integração impar de informações que, ao serem aqui apresentadas e analisadas, permitiu

que alguns cenários mais gerais se abrissem, tornando frutífero um trabalho simples e de

fácil organização.

Algumas das conclusões alcançadas são listadas abaixo:

- não há uma aula ideal e definitiva;

- a melhor aula parece ser aquela na qual o professor interage abertamente com

os alunos;

- a aula deve ser sempre preparada e planejada;

- uma aula tem prazo de validade: não se pode aplicar as mesmas aulas em

tempos e lugares diferentes;

- o professor deve buscar permanentemente por alternativas aos métodos

expositivos tradicionais e entediantes;

- há necessidade de uma remuneração justa e adequada aos docentes a fim de

estarem motivados a desempenhar melhor suas funções e a se atualizarem;

- deve haver um número adequado de professores, evitando-se a sobrecarga e a

perda de qualidade docente;

- as escolas devem ser providas de infra-estrutura adequada para motivar os

professores e alunos na geração de um ambiente motivador para o pleno

desenvolvimento das suas potencialidades;

- os professores, assim como seus alunos, devem ser preparados para criar e

não apenas reproduzir;

- os diversos estilos de professores resultam em aulas diferentes, e isso deve ser

respeitado desde que apresentem qualidade na forma e no conteúdo oferecido;

- os alunos têm comportamentos e interesses diferentes de acordo com a faixa

etária;

- não é adequado aplicar-se a mesma metodologia de aula para diferentes

idades e séries;

Page 14: Docência à primeira vista

- a preparação do momento de sala de aula permite que as práticas sejam mais

significativas;

- os alunos têm a mesma curiosidade independente de onde estão, e uma aula

excelente pode ser aplicada em qualquer escola;

- entretanto, existem várias formas de se dar uma boa aula e a mais adequada

pode variar de lugar para lugar dentro de uma mesma série, principalmente quando os

públicos divergem;

- o professor preferido não é necessariamente bom, devendo-se também, e de

forma permanente, buscar atingir os objetivos de conteúdo;

- planejamento, competência, conteúdo atualizado, método e carisma são as

palavras chave na formação de um bom professor.

Outra importante observação é o número elevado de alunos frustrados

interessados em aprender e que não conseguem, muitas vezes porque o professor não

consegue dominar a turma e criar um ambiente propício, silencioso.

Convém salientar que uma boa aula pode ser aplicada em qualquer escola em

uma mesma série, porém adequações podem ser necessárias, seja pela variabilidade dos

recursos didáticos, seja pelas características próprias dos diferentes públicos. Isto se

deve ao fato das turmas serem únicas, tanto pelas diferenças de vivências e cotidianos

quanto pelas condições socioeconômicas locais. Ao professor é dada a atribuição de

mesclar sensibilidade ao seu talento e método.

Apesar da importância de uma aula metodologicamente adequada, ajustada

para o público a que se destina (série, lugar, características sociais e econômicas), tem

algo que parece ser universal: o desejo dos alunos (e dos bons professores) de verem

aulas que saiam da obviedade expositiva comum, da cansativa repetição conteudista

pura onde a apresentação da matéria não mais “se comunica” com os alunos. As aulas

precisam ser cativantes, encantadoras, inovadoras e instigadoras, bem como seus

professores. Ao mesmo tempo em que alimentam o saber, devem provocar a elevação

dos espíritos dos participantes (jamais ouvintes). Eles devem sair da classe querendo

dividir com os que os cercam o que ouviram e viram. Quando uma aula tiver atingido

este ponto, o professor pode considerar sua missão cumprida.

Page 15: Docência à primeira vista

REFERÊNCIAS

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In: CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos et al (Org.). Geografia em sala de aula:

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KAERCHER, Nestor André. Geografizando o jornal e outros cotidianos: práticas em

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