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Transformar água salobra em potável já é uma realidade, mas o processo não deve ser encarado como solução TEXTO Vanessa Sarzedas Preservar para não DESSALINIZAR 01 PLANETA ÁGUA Não é de hoje que se houve falar sobre a escassez de água potável no mundo inteiro e a possibilidade do recurso mais precioso do planeta acabar de vez. Segundo as teorias mais pessimistas, o líquido deixará de existir em um futuro próximo: 2050. Esse acontecimento provocaria uma catástrofe, impossibilitando a criação de gados e o culti- vo de grãos, já que essas atividades são as que mais consomem água, pelo menos no Brasil, com 70% de demanda. Há quem acredite que a dessalinização seria a solução para o problema, já que o planeta Terra tem um grande percentual de água salgada. Esse processo já é realidade em países de clima árido, onde quase não chove e não há lagos de superfície, como nos Emirados Árabes. Em Dubai, por exemplo, 95% da água utilizada para consumo é des- salinizada. No entanto, a técnica ainda é desenvolvida a partir de sistemas caros e artificiais, com impactos sobre o meio ambiente. ACIMA, AQUI, O MAR MORTO, NO ORIENTE MéDIO, QUE APRESENTA QUANTIDADE DE SAL DEZ VEZES MAIOR DO QUE A DOS DEMAIS OCEANOS. DIVERSOS PROJETOS FORAM APRESENTADOS NA TENTATIVA DE DESSALINIZAR A áGUA DOCOL17PLANETA AGUA.indd 2-3 1/15/13 3:21 PM

Docol17 planeta agua

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Page 1: Docol17 planeta agua

Transformar água salobra em potável já é uma realidade,

mas o processo não deve ser encarado como solução

TEXTO Vanessa Sarzedas

Preservar para nãoDESSALINIZAR

01 PLANETA ÁGUA

Não é de hoje que se houve falar sobre a escassez de água potável no mundo inteiro e a possibilidade do recurso

mais precioso do planeta acabar de vez. Segundo as teorias mais pessimistas, o líquido deixará de existir em um

futuro próximo: 2050. Esse acontecimento provocaria uma catástrofe, impossibilitando a criação de gados e o culti-

vo de grãos, já que essas atividades são as que mais consomem água, pelo menos no Brasil, com 70% de demanda.

Há quem acredite que a dessalinização seria a solução para o problema, já que o planeta Terra tem um grande

percentual de água salgada. Esse processo já é realidade em países de clima árido, onde quase não chove e não há

lagos de superfície, como nos Emirados Árabes. Em Dubai, por exemplo, 95% da água utilizada para consumo é des-

salinizada. No entanto, a técnica ainda é desenvolvida a partir de sistemas caros e artificiais, com impactos sobre o

meio ambiente.

acima, aqui, o mar morto, no oriente médio, que apresenta quantidade de sal dez vezes maior do que

a dos demais oceanos. diversos projetos já foram apresentados na tentativa de dessalinizar a água

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acima, vista aérea de dubai: 95% da água utilizada no país é dessalinizada. abaixo, o hotel cinco estrelas burj al arab e uma das usinas de dessalinização que abastecem os moradores locais

Atualmente, o processo de osmose reversa é utilizado em todo o mun-

do, com usinas de abastecimento de água potável que atendem cidades

dos Estados Unidos, México, Japão, China, Índia, países Árabes e até do

Brasil. Este sistema consiste no uso de membranas, em geral poliméricas,

que sofrem uma pressão e funcionam como barreiras, gerando um perme-

ado que é a água potável e um concentrado, que é a corrente. Esta contém

mais sais minerais, podendo ser aproveitada para fins de irrigação em sis-

temas hidropônicos e criação de peixes, entre outras coisas.

no brasil

Com pesquisas sobre técnicas de dessalinização há mais de quatro

décadas, o país também conta com usinas que transformam água salo-

bra em potável. Um exemplo é o trabalho realizado desde 1999 pelo

Laboratório de Referência em Dessalinização (LABDES), da Univer-

sidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba, que garante

o abastecimento de água no arquipélago de Fernando de Noronha,

permitindo a presença de turistas no local o ano inteiro.

Região em que a ocorrência de chuvas é escassa e irregular, o Nor-

deste recebe os maiores investimentos quando o assunto é dessaliniza-

ção. Os projetos Água Boa, realizado no governo de Fernando Hen-

rique Cardoso (1998-2000), e Água Doce, implantado no governo

Lula (2004-2010) – ambos conveniados com a Secretaria de Recursos

Hídricos, do Ministério do Meio Ambiente –, tiveram como objetivo

como tudo começou

Apesar de ter sido mencionado pelo filósofo grego Aristóteles, em

320 d.C., o procedimento para transformar água salobra ou salina em

água potável só passou a ser implementado em larga escala no século

20. No início, as técnicas mais usadas envolviam destilação – proces-

so que permite a separação da água e dos sais em razão dos diferentes

pontos de ebulição. No entanto, durante a Segunda Guerra Mundial os

estabelecimentos militares que operavam em áreas áridas precisaram de

um meio para suprir suas tropas com água potável, o que impulsionou as

pesquisas sobre métodos de dessalinização.

Prova disso é que no final dos anos 1960, unidades comerciais de des-

salinização que produziam até 8 mil metros cúbicos por dia (m³/d), o que

significa aproximadamente 2 milhões de galões diários, estavam começan-

do a ser instaladas em diversas partes do mundo e os cientistas estudavam

o uso de processos osmóticos para dessalinizar a a água. “Na década de

1970, procedimentos com membranas comerciais, como osmose reversa e

eletrodiálise, começaram a ser utilizados e foi descoberto que seria possível

dessalinizar água salobra mais economicamente do que usando a destilação.

Assim o interesse foi focado nesses procedimentos, a fim de fornecer água

para os municípios com poucos suprimentos de água doce e da disponibi-

lidade de fontes de água salobra”, diz a norte-americana Ann Seamonds,

porta-voz da International Desalination Association (IDA). Com todo esse

desenvolvimento, na década de 1990, o uso de técnicas de dessalinização

para o abastecimento de água tornou-se real em algumas cidades.

PLANETA ÁGUA01

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A dessalinização já é realidade em países de clima árido, onde quase não chove

acima, usina de dessalinização de lanzarote, nas ilhas canárias. abaixo, as famosas salinas de janubio, na espanha, que produzem sal a partir de um fenômeno natural

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O processo de osmose reversa é utilizado

em diferentes países do mundo e passou

a ser industrializado a partir da década

de 1960. O sistema é simples e desen-

volvido a partir de membranas (polimé-

ricas, em sua maioria), que realizam a

hiperfiltração. A água salobra passa por

cilindros equipados pelas membranas

citadas anteriormente. Elas funcionam

como barreiras – são capazes

de reter o sal e ainda

separar água corrente

e água potável.

principal atender comunidades da região com água potável. “As inicia-

tivas foram fundamentais em diferentes sentidos: além de contribuírem

para a qualidade de vida dos moradores, melhoraram a saúde deles,

que agora consomem água de excelente qualidade e sem a presença de

micro-organismos e excesso de sais dissolvidos”, destaca Kepler Borges

França, coordenador do LABDES e parceiro dos projetos.

Mais recente, o programa Água Doce extraía a água de poços, que

era imprópria para o consumo devido ao elevado teor de sal, e a trans-

formava em potável ao passar por máquinas dessalinizadoras. No en-

tanto, para criar um ciclo sustentável, foi preciso desenvolver um siste-

ma complementar ao tradicional, já que os dessalinizadores geram um

concentrado salino, resíduo que, ao cair no solo, deixa a terra improdu-

tiva e ainda contamina os lençóis freáticos.

Neste processo desenvolvido pela Embrapa Semiárido, parte da

água extraída do poço era transformada em potável e o restante perma-

necia com sal para então receber os resíduos da dessalinização. Foram

implantadas oito unidades demonstrativas, como são chamados esses

sistemas produtivos com reaproveitamento de rejeito, em seis estados:

Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte.

01 PLANETA ÁGUA

A International Desalination Association calcula que para obter um

litro de água dessalinizada são necessários 4 litros de água do mar, a um

custo de até US$ 0,90 o m³. Considerando isso, só para abastecer a região

da Grande São Paulo, que consome cerca de 90 bilhões de litros por mês,

o governo precisaria gastar mensalmente quase R$ 140 milhões em dessa-

linização. Desta forma, a água, que viria de Santos, custaria muito mais do

que os aproximados R$ 3 por m³ gastos hoje. Ou seja, ainda não é o ideal.

“O processo de dessalinização via membranas é uma das alternati-

vas de beneficiamento de água de boa qualidade, principalmente nas

grandes estiagens, como as que acontecem no Nordeste. Todavia, não é

a única solução. Acredito no potencial hídrico difuso das águas subter-

râneas, que podem ser mais exploradas durante os períodos chuvosos,

visando mapear os poços doces e de altas vazões, para abastecimento de

comunidades que não têm acesso à água potável”, destaca França.

Por mais desenvolvida que seja a técnica de dessalinizar a água, é

preciso ter em mente que esse procedimento consiste no último recurso

para garantir a sobrevivência do homem. Há outras possibilidades para

obter água potável e, como um país com abundância de água, o Brasil

ainda não precisa usar esse método. “Já que temos uma água destilada

naturalmente pelo ciclo hidrológico, é fundamental preservar para não

precisar recorrer a essa alternativa”, destaca Moruzzi.

Segundo França, os dois programas de dessalinização de água para

abastecimento do Nordeste tiveram fases áureas e criticas em termos de

manutenção e operação. “A gestão tem de estar vinculada às prefeituras

de cada cidade e às coordenações estaduais, o que não aconteceu como

o esperado. Existem vários fatores que contribuem para a boa gestão

dos sistemas de dessalinização, que vão desde a cobrança da água des-

salinizada para o consumidor até a capacitação de técnicos do sistema.

Além disso, é fundamental uma programação de manutenção periódica

para manter a sustentabilidade dos sistemas de dessalinização”, diz.

vale a pena?Uma das principais dificuldades em relação à dessalinização no

Brasil é a questão financeira. Segundo Rodrigo Braga Moruzzi, pro-

fessor de Engenharia Ambiental da Universidade do Estado de São

Paulo (Unesp) de Rio Claro, há 15 anos era economicamente inviável

lançar mão desse recurso. No entanto, ainda que hoje isso seja real,

não se trata de uma alternativa barata. “Além de o processo consumir

grande quantidade de energia, a tecnologia para a realização do pro-

cesso não é plenamente desenvolvida no país, já que importamos as

membranas, e há a questão operacional, pois a mão de obra ainda é

pouco qualificada no país”, conta. d

Sistema de purificação da água por osmose inversa

acima, poço artesiano: é importante preservar a água potável para não ter de recorrer à desssalinização. na página ao lado, detalhe do mar morto (à esquerda) e a seca tão característica do nordeste: contrastes

“A tecnologia ainda não é plenamente desenvolvida no Brasil”, diz Moruzzi

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