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A Vez do Mestre AVM PROVA TESTEMUNHAL NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO JACQUELINE MADUREIRA MAGALHÃES Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORALcom deslealdade e empregando artifícios fraudulentos, porque tal conduta não se ... A lealdade é hábito de quem é sincero e, naturalmente,

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A Vez do Mestre AVM

PROVA TESTEMUNHAL NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

JACQUELINE MADUREIRA MAGALHÃES

Rio de Janeiro 2013

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JACQUELINE MADUREIRA MAGALHÃES

PROVA TESTEMUNHAL NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

Monografia apresentada à Coordenação

do Metta Cursos Jurídicos A Vez do

Mestre - AVM.

Orientador: CLAUDIA DE ABREU

LIMA PISCO

Rio de Janeiro

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2013

Jacqueline Madureira Magalhães

Prova testemunhal no direito processual do trabalho

Monografia apresentada à coordenação do Metta Cursos Jurídicos A Vez do Mestre - AVM. Orientador: CLAUDIA DE ABREU LIMA PISCO

Aprovada em ____/____/_____.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ CLAUDIA DE ABREU LIMA PISCO

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DEDICATÓRIA Dedico este singelo trabalho primeiramente à Deus, que me deu o dom da vida, à minha Mãe Leila que me gerou em seu ventre, à minha Tia Maria Lúcia que propiciou que este sonho se realizasse, aos meus amigos que de alguma forma incentivaram o seguir adiante, à todos os professores que eu tive ao longo da minha vida estudantil aos quais tiveram participações em minha formação elementar, acadêmica e jurídica.

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AGRADECIMENTOS À minha mãe, Leila, pessoa mais importante da minha vida, quem me deu à luz, me ensinando a ser uma pessoa íntegra, justa, digna e a jamais desistir dos meus sonhos e objetivos. À minha avó, Clymene, eternamente presente na minha memória que com seu exemplo, ensinou-me a ter um coração puro, saudades eternas. À minha tia, Maria Lúcia, que sem ela esse sonho não seria possível, seu incentivo e carinho foram primordiais para que este sonho se realizasse. A todos os meus amigos, que sem seu auxílio, não seria possível a realização desse trabalho, em especial à Flávia Hilário, sempre ao meu lado me dando força para jamais desistir. Ao Juiz Titular da 26ª VT/RJ Marcelo Segal, a quem sempre me ensinou a ser uma pessoa a cada dia mais justa. À professora e Juíza Titular da 45ª VT/RJ Claudia Pisco, a quem estimo e agradeço com apreço e admiração pelo carinho com quem me orientou. À professora Mariusha François Wright, que exerce o Magistério do Processo do Trabalho com seriedade e excepcional didática. À professora Érika Vieira, que exerce o Magistério do Direito do Trabalho com dedicação e excepcional didática. Enfim, a todo o corpo docente do METTA, por tudo que me foi permitido conhecer, através dos estudos e, agradeço a Deus, que sem a sua permissão nada disso teria sido realizado.

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EPÍGRAFE

“Posto que o processo civil seja, de sua índole, eminentemente

dialético, é reprovável que as partes se sirvam dele, faltando ao dever da verdade, agindo com deslealdade e empregando artifícios fraudulentos, porque tal conduta não se compadece com a dignidade de um instrumento que o estado põe à disposição dos contendores para a atuação do direito e realização da justiça.” (Alfredo Buzaid, Exposição de motivos do CPC de 1973).

As noções de probidade e lealdade não são jurídicas, decorrendo do

dever moral de dignidade do Homem. A lealdade é hábito de quem é sincero e, naturalmente, abomina a má-fé e traição, e neste ponto A PROVA deve ser apresentada como alicerce único da verdade real.

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RESUMO O presente trata da prova e do ônus da prova em todos os seus aspectos, versando desde a prova de uma maneira geral, como sua historia, finalidade, natureza jurídica e conceito, até a prova processual do trabalho, mantendo o foco num problema central, que é o ônus probandi no processo laboral. Este ônus da prova não segue a teoria clássica (quem alega é que deve provar), mas é temperado. Ainda assim, na ultima etapa do presente, será verificado que correntes doutrinárias propugnam pela mudança completa do ônus da prova em matéria processual trabalhista, já que o empregado é claramente hipossuficiente e frágil diante do empregador. Assim, o presente trabalho discorre sobre um debate havido entre a aplicabilidade do artigo 333 do CPC, diante da aparente insuficiência do artigo 818, adicionando também as correntes que pretendem a inversão do ônus da prova, à guisa do ocorre com o direito do consumidor. Palavras chave: processo do trabalho, processo civil, provas, ônus probandi.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................... 9 1 A PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO .......................................................................................11

1.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A HISTÓRIA DA PROVA ...................................................11 1.2 NATUREZA JURÍDICA DA PROVA ..........................................................................................17 1.3 CONCEITO DE PROVA ..............................................................................................................18 1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PROVA ................................................................................20 1.5 OBJETO DA PROVA ...................................................................................................................23 1.6 DA PROVA DO DIREITO ...........................................................................................................24 1.7 DA PROVA DOS ACORDOS E CONVENÇÕES, DOS REGULAMENTOS DAS EMPRESAS E DOS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS........................................................................25 1.8 DA CLASSIFICAÇÃO E DO MOMENTO DE PRODUÇÃO DAS PROVAS ...............................25

2 DOS MEIOS DE PROVA ......................................................................................................................27 2.1 PROVA DOCUMENTAL .............................................................................................................28 2.2 DEPOIMENTO PESSOAL E CONFISSÃO ..................................................................................30 2.3 PROVA PERICIAL ......................................................................................................................31 2.4 INSPEÇÃO JUDICIAL .................................................................................................................32

3 A PROVA TESTEMUNHAL NO PROCESSO DO TRABALHO ..........................................................33 3.1 CONCEITO DE PROVA TESTEMUNHAL .................................................................................33 3.2 DE QUEM NÃO PODE DEPOR COMO TESTEMUNHA ............................................................34 3.3 ÔNUS DA PROVA .......................................................................................................................36 3.4 CONCEITO E SISTEMA LEGAL DE ÔNUS DA PROVA ...........................................................37 3.5 DISTRIBUIÇÃO DA CARGA PROBATÓRIA NO PROCESSO DO TRABALHO ......................39 3.6 FATOS POSITIVOS E NEGATIVOS, NEGATIVA DE FATOS E ÔNUS DA PROVA ................42 3.7 O ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO ............................................................43 3.8 DAS CRITICAS AO ARTIGO 818 DA CLT E DO ÔNUS DA PROVA .......................................47

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................................51 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................................................................53

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INTRODUÇÃO

No presente trabalho, pretende-se discutir a prova e o ônus de produzi-la no processo

do trabalho, iniciando-se por pautar num sumário estratificado que aduzirá os temas mais

importantes.

Num primeiro momento, pretende-se discutir a prova em si, de maneira ampla: partir-

se-á da prova historicamente – junto a um acompanhamento da evolução do direito

processual, onde o direito probatório repousa – fazendo a apreciação do direito processual

não-penal, ou seja, basicamente, para o que importa, direito processual civil e trabalhista.

Contextualizando historicamente, é preciso também conceituar e explanar a natureza

das provas, esta última um pouco debatida, mas sempre num consenso amplo e tendo como

norte os maiores doutrinadores da matéria.

Feito isto, é preciso iniciar o estudo da prova dentro do direito processual do trabalho,

onde haverá pontos específicos a serem estudados, e se a prova processual trabalhista difere

das demais.

Alguns conceitos concretos e jurídicos devem ser dados, como as provas em espécie,

os momentos das provas, sua forma de produção, para que então possam ser entendidos

pontos específicos, como a prova testemunhal, documental e pericial.

Embora a prova seja direito fundamental, a apreciação de nuances e circunstâncias

específicas poderão alterar seu peso no contexto processual.

Somente é possível entrar em ônus da prova com todos os conceitos sobre ela já

aduzidos, para que num último capítulo seja debatido a quem cabe produzi-las.

Será verificado no ultimo capítulo, além do ônus da prova, os debates a respeito de o

que é disposto no CPC e o que é disposto na CLT, já que o artigo 333 do processo civil é

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bastante aplicado na distribuição do ônus da prova em sede de processo do trabalho, pois não

raro o artigo 818 é considerado insuficiente.

Ao fim, a conclusão, aduzindo que tipo de soluções são dadas para os conflitos

havidos entre os dois artigos dos códigos processuais, com base nos mais renomados

doutrinadores e tendo por foco uma organização simplificada de pontos numa exposição

didática, útil ao operador e ao estudante de direito, conforme esperamos.

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1 A PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO

1.1 BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A HISTÓRIA DA PROVA

Provas são os meios pelos quais o direito, via ordenamento jurídico, define como

sendo idôneos e aptos a convencer o juiz de ocorrência ou não da existência de certos fatos.

Nascimento, com base em ensinamentos de Chiovenda, explica que provar algo é

demonstrar ao juiz a existência ou não de fatos relevantes no processo, de forma a atuar em

seu convencimento1. Através da prova, o que se busca é a constatação e demonstração da

veracidade ou inveracidade de certo fato.

Já Moreira de Paula faz um paralelo entre a prova matemática e das ciências exatas

com a prova jurídica: “As ciências experimentais necessitam de um procedimento apto a

demonstrar a eficácia de uma fórmula ou do próprio experimento como fator condicionante de

sua viabilidade. Diferente não é na ciência jurídica, porque influenciada pela filosofia

positivista, necessita de prova que atesta não só a existência de atos jurídicos como de sua

eficácia.” 2

Prova é vocábulo que tem mais de um significado, podendo ser entendida como meio

e como resultado, já que a palavra pode ser usada como o meio de demonstrar, para que o juiz

analise, os pedidos e bases que os litigantes formulam em juízo; mas também pode ser

entendida como resultado, quando obtida através de procedimento que tem por fim o 1 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. Saraiva, 2008, p. 252 2 PAULA, Jônatas Luiz Moreira. Teoria Geral do Processo. LED – Editora de Direito: 2ª Edição. 2010 p. 283

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convencimento do juiz de um fato, bem ou relação jurídica, e neste último é típica a prova

pericial.3

Poderá ainda ter mais de um significado, dependendo de como se entenda seu

emprego: como meio, a prova funciona para convencer o juiz e fazê-lo verificar determinado

fato, que é objeto de formulação dos litigantes; mas, como resultado, é o produto havido

mediante determinado procedimento que será realizado para convencer o juiz da existência de

fato. Tal é a prova pericial, onde o procedimento é a perícia e o resultado, a prova produzida.

Amaral Santos dá ainda mais sentidos ao vocábulo, preconizando que a prova, mesmo

entendida no sentido estritamente jurídico, “significa a produção dos atos ou dos meios com

os quais as partes ou o juiz entendem afirmar a verdade dos fatos alegados (actus probandi);

significa ação de provar, de fazer a prova. Nessa acepção se diz: a quem alega cabe a prova do

alegado, isto é, cabe fornecer os meios afirmativos da sua alegação.” 4

Na definição de vocabulário jurídico5, quando entendida no sentido subjetivo e

objetivo, verifica-se que prova não é somente demonstração exclusivamente material que

surge através dos meios utilizados para demonstração de fatos (objetivo), é também a certeza

da convicção do juiz em favor daquela prova (sentido subjetivo).

Dentro do processo civil e trabalhista, a prova mostra a atividade do sujeito processual

no sentido de demonstrar a existência de certo fato, que é formador de seu direito, sobre os

quais estão embasadas as pretensões aduzidas, mas que também dão suporte à verificação

destas pretensões.

Amaral dos Santos6 menciona as duas vertentes quando explica adicionalmente que o

sentido subjetivo é a convicção do magistrado na direção do que é considerado o objeto da

3 PAULA, Jônatas Luiz Moreira. Teoria Geral do Processo. LED – Editora de Direito: 2ª Edição. 2010 p. 284 4 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e no Comercial. Vol I. Editora Saraiva: 5ªed. 1983. p. 02 5 SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico. Rio de janeiro, Forense 2011, p. 656 6 AMARAL DOS SANTOS, Moacyr. Primeiras Linhas de Direito processual Civil, Saraiva, 1990

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prova, sendo o sentido objetivo os elementos probatórios, que fornecerão após o exame a

verdade, que é esclarecida pela ponderação dos mesmos elementos.

Verdade é aquilo que surge da análise dos elementos de prova, de sua avaliação

judicial. Fato provado em processo é fato jurídico, donde surgem direitos e deveres, e a lei,

que regula a apresentação da prova, regula também o direito (fato) que deflui dessa prova.

A base disso é o livre convencimento do juiz, que é fato psicológico, e não o obriga a

decidir neste ou naquele sentido, como ocorreu no passado. Ele pode decidir a meio caminho

das alegações de autor e réu, enquanto eles buscam, quando apresentam as provas, o

convencimento na sua direção.

Prova, portanto, é, além do ato de provar, o próprio instrumento pelo qual se

apresenta, o meio, o caminho pelo qual se mostra, se traduz e é entendida.

Sua finalidade será o convencimento do juiz, para o qual se dirige, e não é fim em si

mesma, mas um instrumento, tal qual é o próprio processo que ela integra.

Pela prova não existe certeza absoluta, mas certeza relativa, e grande o suficiente para

convencer o juiz.

Historicamente, a prova nasceu das ordálias, que eram provas judiciárias que deveriam

ser interpretadas por um juízo divino. Algumas simples, como juramentos a determinado deus

(ordálias egípcias, gregas, hindus), e outras, cruéis e que brotaram da Santa Inquisição.

Porem, ali não havia o livre convencimento do juiz, nem a análise dos fatos aduzidos,

nem um estabelecimento ordenado destes fatos. Apenas com o tempo o exame das provas, a

análise do material, a oitiva de testemunhas e o convencimento livre, que se afina com o

conhecimento legal do magistrado, sua consciência e sua apreciação diante dos pedidos, teve

importância.

Hoje, o magistrado deve se aproximar da verossimilhança, mas é um exercício

psicológico, um juízo de probabilidade, sempre relativo e nunca de absoluta certeza.

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O resultado deste convencimento é a verdade formal, que se presume e transparece

pelas provas, e a verdade material nem sempre transparece na íntegra nos autos, embora deva

ser perseguida. Entre uma e outra realidade, apenas a sabedoria do magistrado poderá auxiliá-

lo. Justamente por isso o livre convencimento, comum nos sistemas processuais hodiernos,

embora ainda subsistam sistemas de presunções nestes mesmos sistemas, como a inversão de

ônus da prova, e há que se dizer que presunção é indício de prova, mas não a prova. Se nada

for feito para protestar contra esse indício de prova, o magistrado é obrigado a decidir no

sentido do livre convencimento.

Resta, num apanhando histórico, entender a evolução do direito probatório, dentro dos

mais diversos ramos do direito, mas procurando manter o foco do instituto em seara não penal

(ou seja, processual civil, processual trabalhista, entre outros).

Pode-se dividir a prova em cinco fases, nomeadamente: a prova étnica/primitiva, a

mística, a sentimental e a científica (que basicamente é o convencimento, pela razão, do

magistrado).

Prova étnica é assim denominada, pois variava entre os povos e culturas, de região

para região, a depender de cada sociedade, e por isso também chamada de prova primitiva. O

sistema de processo era bastante rudimentar, com enormes variações, e com isto, o direito

probatório também. No mais das vezes, a prova ficava a cargo de impressões pessoais do

julgador, como, por exemplo, entre os gregos, onde a prova era oral, por indução, associação e

silogismo. Ao mesmo tempo, Roma praticava o sistema tarifário, ou, melhor dizendo, de

valoração de provas. Mas havia no mesmo sistema um esboço de sistema de presunções legais

e direitos de contraditório, o que mostra alguma evolução. Mas a liberdade do juiz era

minorada por regras rígidas e limitação na conclusão da observação das provas disponíveis.

Já na fase religiosa-mística, a prova se escorava na crença de alguma intervenção

divina, e a justiça vinha inspirada por meios sobrenaturais. Vale dizer: havia a “justiça de

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Deus”. Este estado perdurou até a Idade Média, quando o direito romano-germânico foi

revigorado, e surge a idéia da verdade real, que é a busca, via regras gerais jurídico-

processuais, da convicção do magistrado. Abandona-se o direito canônico e as Inquisições, e

inicia-se o verdadeiro mister de julgador, onde a mera convicção pessoal e de representar um

ser divino não poderia ser maior que a devida apreciação das provas apresentadas. Neste

momento, há uma proliferação de normas reguladoras do processo, que se desenvolve até a

próxima fase: a de tarifa legal, ou simplesmente legal.

Nela, há o desenvolvimento da lógica processual, do momento inquisitório, das

liberdades inquisitivas correspondentes, dos seus limites e maior valoração da prova em si, da

sua apreciação, e, portanto, da busca da verdade material, mas que ao mesmo tempo

implicava que o juiz somente poderia proferir decisão adstrito às provas aduzidas7.

Em caminhada para o extremo oposto, surge a prova sentimental, onde a valoração do

magistrado e sua conseqüente sentença é moral, e da qual não cabe questionamento, e o

julgador dispensa critério e lógica para julgar.

Novamente (como é característico no Direito) ocorre movimentação social baseada em

modificação dos seus anseios, e muda a forma de encarar o direito probatório, e adentra ao

processo a fase cientifica, ou persuasão racional do juiz. Ele passa a poder valorar a prova em

conformidade com a lógica, a sociologia, e diante dos fatos relatados, havendo leis materiais a

limitar essa apreciação8.

Fácil entender então que, bem como o direito processual, o direito probatório é fruto

de evolução histórica, hoje também impulsionada pelo neoprocessualismo e

neoconstitucionalismo, mais fortemente quando se menciona o direito processual não penal.

7 ECHANDIA, Hernando Davies. Teoria General de La Prueba Judicial. Tomo I, Buenos Aires: Editor Victor P. de Zavalia, 1980, pp. 52 a 77 8 ZANETTI JR, Hermes. O problema da Verdade no Processo Civil: Modelos de Prova e de Procedimento

Probatório. In: Introdução ao Estudo do Processo Civil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2004, p. 44-60

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Faz parte, inclusive, de um entendimento de que pertença aos direitos fundamentais9, já que a

prova é a melhor expressão do direito de contraditório e ampla defesa, que sem ela, seriam

feridos de morte, senão inexistentes. É preciso mencionar ainda que o direito probatório faz

parte também do princípio da dignidade da pessoa humana, que não poderia existir se não

fosse possível, em processo, provar o alegado.

Aqui não se confunde direito fundamental com direito humano, posto que direitos

humanos não dependam nem de cultura e nem de civilização, e são internacionais, enquanto

os direitos fundamentais são estabelecidos nas cláusulas pétreas da constituição, constituindo,

os dois tipos de direito, as balizas pelas quais o Estado se pautará. E na atual Constituição, o

direito à prova se constitui um direito fundamental, sendo parte integrante e imprescindível do

direito processual. De mais a mais, não fosse isto, a Constituição integra uma série de tratados

internacionais, à vista do que dispõe no artigo 5º: “os direitos e garantias expressos nesta

Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou

dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. E, portanto, o

direito probatório é também, no entender constitucional, parte dos direitos humanos.

Transcende, desta forma, o próprio território nacional, a ideologia política, a cultura e

a história. É pilar dos direitos, não pode ser violado, e tudo mais no ordenamento jurídico não

o poderá obstar.

A prova é o diálogo das partes, entre elas e com o juiz; é a raiz da ponderação

processual; o fundamento do devido processo legal, a expressão da ampla defesa, do

contraditório. Não fosse sua existência e estaria o processo ao arbítrio do juiz, situação

medieval que não mais é cabível nos dias de hoje.

9 ARAUJO, Luis Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo:

Editora Saraiva 2008, p. 110

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1.2 NATUREZA JURÍDICA DA PROVA

Quando se menciona a natureza jurídica da prova, surgem opiniões controversas:

correntes consideram que a prova tem natureza material, e outras, natureza processual.

A maior parte do regramento sobre provas brota do Código de Processo Civil, que, em

termos mais abrangentes, considera a prova como de natureza material10.

É que a prova, embora ambas as vertentes (material e processual) residam nela seu

interesse, dificilmente pode ter sua natureza tão precisamente limitada. Senão, veja-se: se o

processo é direito instrumental, voltado a implementar a vontade expressa pelo direito

material, é o direito processual que regula e disciplina a atividade judicial. E se regula a

atividade judicial, regula também as provas em si, sua apresentação, seu critério de valoração

e sua forma, havendo a possibilidade de mais regulações vindas do direito material

(especialmente no que toca à forma). Assim, a prova pode atender aos dois campos, ou duas

naturezas, ao mesmo tempo11.

Por Lopes:

É polêmica a questão da natureza das leis relativas à Prova. Em nosso sistema jurídico, a prova é disciplinada tanto por leis de direito material quanto por leis de direito processual. O direito material ocupa-se precipuamente com a essência das Provas, indicando seu valor, sua admissibilidade, suas conseqüências etc. Já o direito processual procura disciplinar a forma de colheita das Provas, o momento e o lugar de sua produção, as regras sobre o ônus da Prova, os poderes do Juiz na produção da Prova etc12

Assim, o entendimento de sua natureza varia, entre os doutrinadores e também entre

os momentos que percorre a prova desde sua confecção até a apresentação ao juiz – poderá

estar regulada por direito material ou processual. A maioria dos entendimentos encontrados é

de que, fundamentalmente, a prova tenha natureza processual, à exceção de Alvim, que

10 GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2008. 1 v. , p. 427 11 MARCATO Antonio Carlos (Coord.). Código de processo civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.

1032-1033 12 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. P. 3

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entende que a prova pertença exclusivamente ao direito processual, a jamais ao material. É

que ela não se presta ao convencimento das partes, mas ao convencimento do magistrado, no

contexto do processo, o que caracteriza a natureza processual. Fosse material e as partes

deveriam ser também convencidas dos fatos que são aduzidos pelas provas. Alvim abre uma

única exceção, dentre as provas processuais: entende que as do artigo 366 do CPC são

exclusivamente materiais – as provas constituídas de instrumentos públicos, e que não possam

ser substituídas por quaisquer outros instrumentos probatórios ou documentos13.

De forma geral, portanto, a prova é de natureza processual, eventualmente (e

concomitantemente, à exceção da prova apontada por Alvim) material.

1.3 CONCEITO DE PROVA

Provas são os meios, definidos pelo direito, dentro de uma estrutura criada no

ordenamento jurídico, que sejam idôneos a convencer o juiz da ocorrência ou existência de

certos fatos.

Assim, prova será o meio ou modo pelo qual o magistrado conhece os fatos, entende a

pretensão da parte, pois é através dela, a prova, que serão demonstradas estas pretensões.

Portanto, prova é um instrumento processual, que se presta a demonstrar ao juiz da

causa os fatos, que demonstrará o laço jurídico que é objeto da lide, e sobre a qual se pretende

a prestação jurisdicional.

Há, por isso, dois sentidos em que se pode conceituar a prova no processo:

13 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. 2 v, p.

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Um objetivo, isto é, como o instrumento ou o meio hábil, para demonstrar a existência de um fato (documentos, testemunhas, perícia etc);14

Por outro turno, existe também o conceito subjetivo, que é causado por uma certeza

interior relativo ao acontecimento que provoca a produção da prova, e que deve afetar o

julgador. A parte tem a certeza, certeza essa que deve ser transmitida ao magistrado via

instrumento probatório, convencendo-o desta mesma certeza no mesmo grau.

Sobre o conceito subjetivo e objetivo, tem-se por Didier que:

Quando se utiliza o vocábulo para designar a atividade probatória ou os meios com que ela se desenvolve, diz-se que se está falando de prova num sentido objetivo. Quando ele é utilizado para designar a convicção que as Provas produzidas no processo geram no íntimo do julgador, isto é, o resultado que a atividade e os meios probatórios induzem no espírito do Juiz, diz-se que se está usando aí o termo Prova num sentido subjetivo15.

Uma segunda divisão didática é a prova direta ou indireta: direta quando “demonstra a

existência do próprio fato narrado nos autos. Indireta, a que evidencia um outro fato, do qual,

por raciocínio lógico se chega a uma conclusão a respeito dos fatos dos autos. É o que se

denomina também Prova indiciária ou por presunção” 16

E como conceito geral de prova:

Prova, portanto, é o modo pelo qual o magistrado forma convencimento sobre as alegações de fatos que embasam a pretensão das partes. É instituto tipicamente processual, pois sua produção ocorre dentro do processo e é regulado pelas normas processuais. [...] Assim, conceitua-se prova como o instrumento processual adequado a permitir que o Juiz forme convencimento sobre os fatos que envolvem a relação jurídica objeto da atuação jurisdicional17.

Meios idôneos são aqueles regulados pelo direito processual, e a Constituição de 1988

menciona que são "inadmissíveis no processo, as Provas obtidas por meio ilícitos” (art. 5º,

LVI), e afasta todas as provas obtidas por meio inidôneo, ou seja, não reguladas pelo direito

processual (ou material se for o caso).

14 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 135 15 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Bahia: Jus

Podivm. 2007. 2 v. , p. 20 16 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1 v. , p. 467 17 WAMBIER, Luiz Rodrigues, (Coord.). Curso Avançado de Processo Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2007, p. 408

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Em respaldo, o artigo 332 do CPC apóia a Constituição, explicitando “Todos os meios

legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são

hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa”.

Existe certa discussão em relação à escuta e interceptação telefônica, mas na verdade

há definição bem simples do que é possível e daquilo que não é (a prova será inidônea ou

ilícita): a mera gravação de conversa, por um dos participantes dela, não é ilícita, mas a

interceptação de conversa de terceiros é. No entanto, a conversa degravada de terceiros

(interceptação telefônica) pode ser aceita em sede de processo penal, desde que em defesa da

parte inocente ou para provar a lesão à bem.

Mas a conversa telefônica interceptada não é aceita em solo de processo cível ou

trabalhista. 18.

Portanto, prova será conceituada como meio idôneo com fim de convencimento do

juiz da ocorrência de fatos que envolvam as partes que estão demandando judicialmente.

1.4 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA PROVA

Como tudo no ordenamento jurídico, a prova também obedece a princípios legais,

norteadores da questão. Princípios possuem grande importância no ordenamento, são vigas

mestras, verdadeiros pilares onde é erigido o direito e as normas legais que compõem o

sistema jurídico. No caso, importam os princípios informadores ou norteadores da prova, que

brotam da constituição e permeiam todo o ramo cível do direito, material e processual, sendo

ligeiramente diferentes na seara penal.

18 Constituição Federal, art. 5°, XII, e Lei n° 9.296/96

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São premissas, das quais a prova, sua composição e apresentação, e mesmo sua

apreciação, não pode se afastar.

O primeiro é o princípio do devido processo legal, artigo 5º, LIV, constitucional:

ninguém será privado de sua liberdade ou bens sem o devido processo legal.

E por processo legal, aduz Theodoro19, entenda-se “processo justo”, e também a

razoável duração do processo. Não se pode falar em justiça sem processo justo e equilíbrio

das partes, sem a prestação legal no prazo adequado, sob pena de perecimento do direito e

perda da eficácia da sentença.

Existe ainda o princípio do contraditório e da ampla defesa, artigo 5º, LV da

constituição, que aduz que às partes é devido o direito de defender-se daquilo que é alegado

contra elas em juízo. Assim, cabe ao Estado por obrigação dar ciência ao réu para que se

defenda se desejar, e às partes, sempre, daquilo que é praticado no processo, os atos

processuais, para que se insurjam contra eles caso lhes sejam desfavoráveis.

Igualmente, insta que as partes sejam ouvidas, podem expor ao magistrado incumbido

de julgar a lide, seus motivos, suas alegações e suas acusações ou defesas, dentro das normas

processuais e materiais.

Novamente, acode Theodoro20, que lembra que as partes do processo devem estar em

condições de igualdade, e esta igualdade se expressa claramente pela faculdade do

contraditório, quando especialmente a pessoa contra a qual poderá ser proferida a sentença

condenatória deve ser ouvida. Somente o direito de pronunciamento ao longo do processo e

de recorrer naquilo que for possível garantirá a ampla defesa.

No caso de produção de prova este princípio é de importância fundamental, pois

cerceado o direito à prova haverá dano irreparável à parte, podendo eivar o processo de

19 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1 v. , p. 28 20 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1 v. , p. 29-30

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nulidades. É no momento da propositura da prova – caso o juiz não a admita – que ocorre a

maior quantidade de alegações de cerceamento de direito de defesa, e se a prova se faz

relevante pode o que se sente prejudicado se insurgir e interpor recurso.

Já o contraditório permite não somente defender-se do adversário processual, mas

provar coisa contrária ao alegado, já que o princípio do contraditório é escorado também no

de isonomia de partes: são iguais no direito de alegar e produzir prova em seu favor, de se

defender e de contestar21.

O contraditório só cederá quando medidas urgentes devam ser tomadas, como

cautelares e antecipações de tutela, em favor da proteção do processo e, acima de tudo, da

devida prestação jurisdicional. Ainda assim, e mesmo nestes casos, quando a medida deva ser

tomada sem ouvir o réu, ele deverá se manifestar no primeiro momento oportuno, para que

conteste a medida, apresentando sua defesa, e por sua vez o juiz o ouvirá com imparcialidade

e cautela, não se predispondo a qualquer decisão antes de findar a defesa do réu.

Dos princípios relativos ao magistrado, importante é lembrar o princípio da livre

convicção motivada, que significa que o juiz apreciará com liberdade as provas aduzidas,

enquanto se atenta a fatos e circunstâncias descritas nos autos mesmo que não alegados pelas

partes. Após isso, emanará sua convicção motivadamente, compondo o litígio com justiça e

baseado na verdade real/material – que não necessariamente é a presumida pelos padrões de

avaliação prévios havidos dos elementos probatórios22.

Isto significa que não haverá arbitrariedade nesse “livre convencimento”, mas uma

análise dos autos, das provas e elementos ali contidos, e motivadamente proferir a sentença. O

juiz não é obrigado a aceitar o resultado da prova, ela não tem um valor pré fixado, mas ele

deve esclarecer os motivos pelos quais aceita ou não. Não deve desprezar as provas e nem as

21 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1 v. , p. 31 22 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. 1 v. , p. 33

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regras legais imotivadamente, nem o convencimento havido pela chamada “persuasão

racional”, que é o outro nome pelo qual a livre convicção motivada é conhecido. Afasta-se a

arbitrariedade, a valoração prévia da prova, que deverá ser relativizada num contexto de

análise do processo como um todo. Então haverá o proferimento do resultado-sentença.

1.5 OBJETO DA PROVA

Objeto da prova é o fato, não o direito debatido no processo. Mas nem todos os fatos

precisam ser provados, mas apenas os relevantes e os pertinentes, sobre os quais deverá haver

manifestação do magistrado, seja sobre direito material ou processual.

Existem, evidentemente, fatos que prescindem de provas, como os fatos notórios

(conhecidos por todos); os fatos impertinentes (estranhos à causa) e irrelevantes (não influem

na decisão); os incontroversos (confessados ou admitidos por ambas às partes, como por

exemplo, a dívida paga e recibada); os fatos cobertos por presunção legal de existência ou

veracidade (CPC, art. 334); e fatos impossíveis (embora se admita a prova dos fatos

improváveis).

Ademais, devem ser conexos com a causa ou relevantes para com a pretensão

resistida, e alem disso, as provas devem ser adequadas àquilo que se deseja provar.

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1.6 DA PROVA DO DIREITO

A prova do direito se liga inequivocamente a outra questão: a quem cabe provar. Mas

à parte da questão de como, e em que momento é possível, inverter o ônus da prova, verificar-

se-á a forma geral.

Em primeiro lugar, não é possível às partes alegar ignorância da letra da lei. De outro

lado, ao juiz não é dado desconhecer o direito positivo nacional, ainda que eventualmente se

encontre frente à lei lacunosa ou obscura. A ele incumbe a inexorável obrigação da prestação

jurisdicional, pois representa o Estado.

Destes dois parâmetros, partes conhecendo a lei e juiz obrigado a aplicá-la, verifica-se

que não é necessário provar a lei em si. Mas poderá ser necessário provar sua vigência e ou

seu teor, quando não se tratar de lei federal, ou se tratar de direito estrangeiro ou

consuetudinário (CPC, art. 337). Neste ponto, prova-se a existência deste direito com

certidões daquelas entidades que emanaram a lei (estados e municípios) ou ainda, da própria

imprensa oficial. Para os demais, haverá que se apresentar pareceres.

Esta exceção à prova do direito se dá, pois o juiz é obrigado a conhecer a lei comum,

usual, federal, mas não a miríade de leis estaduais, municipais, estrangeiras e costumeiras que

se possam apresentar num dado processo. Assim, a prova do direito se dá, caso não seja lei

federal, pela mera comprovação da lei, norma, costume, e as demais leis, que não citadas pelo

artigo 337 do CPC, dispensam prova.

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1.7 DA PROVA DOS ACORDOS E CONVENÇÕES, DOS REGULAMENTOS DAS EMPRESAS E DOS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS

Estes possuirão importância para o processo cível em geral, mas para o laboral em

especial. E são provadas pelo teor e vigência. Da mesma forma, não é dado ao juiz conhecer

todo tipo de tratado, ajuste, convenção e normas que importem ao processo, e seria descabido

exigir do magistrado tal tarefa. Portanto, aduz-se a prova, que é na verdade simples.

Igualmente tratados e convenções, que não são lei estrangeira, mas por analogia serão trazidos

da mesma forma que insta no artigo 337, CPC. Quanto a regulamentos de empresa, internos

por suas características, deverão ser juntados aos autos por petição23.

1.8 DA CLASSIFICAÇÃO E DO MOMENTO DE PRODUÇÃO DAS PROVAS

Didaticamente, provas se classificam em se considerando o sujeito (quem ou o que

produz a prova), e, portanto, as provas serão pessoais (como uma declaração escrita feita a

alguém), ou reais, (como um exame de coisa). Teixeira Filho divide, além disso, quanto ao

objeto e forma: pode ser direta ou indireta quanto ao objeto, como quando tem relação com o

fato que se quer provar ou se tem relação lógica e reforça àquilo que se quer provar (provas

direta e indireta) e terá forma documental, material e testemunhal24. Para ele, indícios e

23 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 58-60 24 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 115-

116

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presunções não são prova, mas raciocínio lógico e aumento de probabilidades25, no que

Theodoro discorda26.

Podem também ser classificadas quanto à sua produção: se orais, se escritas, se por

outros meios.

Mas a classificação mais comum é quanto ao momento de produção da prova, isto é,

se é produzida antes ou durante a fase de instrução processual. Assim, uma prova é judicial

quando produzida no processo, e extrajudicial quando, por exemplo, vem do inquérito que o

precede. Almeida faz um panorama geral das provas, entendendo que devam ser produzidas

na sua maioria em audiência, colhidas diretamente pelo juiz, em atenção ao determinado no

CPC, artigos 336 e 446, e ainda, na CLT, artigos 818 a 830 e 843 a 851, com especial ênfase

na concentração e oralidade. A exceção é a prova que não pode ser produzida na audiência,

como a pericia, ou documentos formais que tenham de ser confeccionados antes.

Podem ainda se dividir em pré constituídas e constituídas, sendo a primeira obtida de

documento autêntico, legal e formal, ou ainda que não exija formalidade expressa.

Almeida exemplifica as provas pré constituídas: recibos, contratos, lançamentos

contábeis, cartões de ponto, cartões de visita, correspondências, cartas do departamento

pessoal (circulares, advertências, suspensões, etc), que acabem por constituir um vasto acervo

da relação laboral27. Quanto ao momento, Teixeira Filho traz que “o processo especializado,

adaptando-se a esse fracionamento, fixa três momentos para a produção das provas: 1) com a

inicial; 2) com a resposta do réu (na primeira audiência); 3) na audiência de instrução (que é a

segunda), valendo observar que, quanto à prova documental, a sua produção deve restringir-se

aos dois primeiros, momentos” 28

25 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 385 26 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 425 27 ALMEIDA, Lúcio Rodrigues de. Prova trabalhista. Rio de Janeiro: Aide, 2005, p. 115 28 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.73

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2 DOS MEIOS DE PROVA

Como já foi introduzido, "meios de prova” é termo que equivale tanto para o desígnio

de “atividade do Juiz ou das partes para a produção das provas, como também os instrumentos

ministrados ao Juiz no processo para formar o seu convencimento” 29.

Diz-se de maneira geral que meios de prova são aqueles pelos quais o juiz poderá

obter os elementos de prova de maneira que chegue à verdade formal.

A CLT não faz uma relação específica aos meios de prova admissíveis no processo

trabalhista, mas os menciona: no artigo 848, sobre interrogatório das partes; no art. 844,

falando sobre prova testemunhal, ficando a documental nos artigos 787 e 830, e a prova

testemunhal pulverizada em vários artigos, como 819, 820, 821 a 285, 829, 848).

A prova emprestada, que é a produzida em outro processo, guardando relevância para

com o atual, é aceita:

Excepcionalmente admite-se a chamada prova emprestada. Assim, havendo os requisitos: a) Identidade da relação fática; e, b) As mesmas partes, deve-se admitir, em princípio, a prova produzida em outro feito, ou seja, a prova emprestada, tanto mais admissível quanto mais difícil sua realização. A respectiva valoração, todavia, poderá, dependentemente do poder de convicção que carreguem, sofrer esta ou aquela restrição30.

E Almeida reforça que “em nenhum outro processo, como o Processo do Trabalho,

deve a prova emprestada incidir com tanta intensidade, em decorrência da economia e

celeridade processuais (...)” 31

29 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho. 16a .ed. São Paulo: Saraiva, 2006,

p. 249 30 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. 2 v,

p.165. 31 ALMEIDA, Lúcio Rodrigues de. Prova trabalhista. Rio de Janeiro: Aide, 2005, p.31

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Lembrando, ainda, que a CLT não determina ordem obrigatória de apresentação de

provas, pois fica a critério do juiz, sempre pautado pela economia processual. E ainda, se uma

prova puder dispensar a apresentação de outras, será solicitada ou aduzida primeiro.

2.1 PROVA DOCUMENTAL

Documento define-se como “objeto capaz de “cristalizar” um fato transeunte,

tornando-o, sob certo aspecto, permanente. Tanto é Documento o papel escrito como a

fotografia, um mapa ou uma simples pedra com inscrições ou símbolos. Pouco importa o

material que é utilizado – para caracterizar Documento basta existência de uma coisa que

traga em si caracteres suficientes para atestar que um fato ocorreu “32.

Portanto, entende-se como prova documental não apenas a escrita num papel, as forma

geral qualquer fonte que possa resguardar a prova e assim demonstrar um fato, ou declaração

de vontade, ou uma anuência de alguém, e assim em diante. É todo atestado de que existe

determinado fato, e, portanto, poderá ser foto, filme, gravação de som ou voz, e inclui o

documento em papel com escritos também.

Nery Jr. e Andrade Nery33 distinguem documento de instrumento, mas entendem que a

prova documental abrange os dois conceitos, desde que demonstrem certo fato dentro de um

processo.

A prova documental tem lugar de destaque no processo, em função da própria vida

moderna, onde se tende a demonstrar tudo de forma documentada e esmiuçada.

32 WAMBIER, Luiz Rodrigues, (Coord.). Curso Avançado de Processo Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2007, p. 439 33 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 8. ed. São Paulo: Editor a Revista dos Tribunais, 2004, p. 816

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Sua função, e ao mesmo tempo, sua classificação, são as de “da existência ou validade a alguns atos jurídicos que não são considerados existentes sem a correspectiva documentação, portanto, o documento funciona em alguns casos como requisito ad solemnitatem ou ad substantiam. Outras vezes, a sua função é meramente processual, independendo o ato da sua existência ou não” 34

A prova documental é regida pelo artigo 787 da CLT, no que toca a apresentação,

devendo ser original ou certidão autenticada do mesmo, em conformidade também com o

artigo 830. Documentos ulteriores, em razão de recurso, poderão ser mostrados no processo.

É evidente que, pela isonomia entre as partes, ambas terão acesso aos documentos

apresentados, cabendo, após a contestação as razões finais com eventual requerimento de

prazo para produção de prova em contrário. E isso, reservado o direito a impugnar

documento, que pode ocorrer se é apresentado intempestivamente ou com vicio de forma.

Ao juiz, no caso de documentos originados de repartições públicas, não haverá prazo,

podendo ele requisitar os documentos que sejam necessários a qualquer tempo e em qualquer

grau de jurisdição (art. 399, CPC).

Há também, em relação à prova documental, o direito à argüição de falsidade, se

houver, de cunho material ou ideológico. Em se tratando de assinatura de documento, o ônus

da prova é da parte que produziu o documento (diferentemente da falsidade material e

ideológica, onde o ônus é da parte que acusa). Em todas estas situações, havendo dúvida, o

magistrado pode determinar a perícia do documento contestado.

34 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho, 2008, p.262

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2.2 DEPOIMENTO PESSOAL E CONFISSÃO

Depoimento pessoal ou confissão difere de oitiva de testemunhas, pois é declaração da

parte (autor e réu/reclamante e reclamado) a respeito de fatos litigiosos que são o fundamento

do processo em pauta. A CLT determina o comparecimento das partes em audiência, para que

se proceda, se possível, à conciliação (artigo 820), e, na falha da conciliação, haverá oitiva de

testemunhas e das partes – e este é o depoimento pessoal.

Na ausência de uma das partes à primeira audiência, haverá a confissão, que é a

conseqüência legal que a parte faltosa sofre e deve arcar, onde se pressupõem verdadeiros os

fatos contrários ao interesse da faltosa e favoráveis à parte que compareceu. Isto dependerá, é

claro, do estrito cumprimento do prazo de intimação e que a mesma seja válida.

A confissão se dará também em mais dois casos: quando a parte, mesmo

comparecendo, se recusa a depor, ou, ainda se, quando depõe, confessa os fatos desfavoráveis

a si, no todo ou em parte, podendo ou não encerrar ali a lide.

Assim, a confissão é uma prova que pesa sobre quem a faz e em favor da parte contrária, mera confirmação das alegações do adversário. Observa-se, em conseqüência, que depoimento pessoal e confissão não são a mesma coisa. Pode haver depoimento pessoal sem confissão. Como também pode haver confissão extrajudicial, esta admitida com muita reserva no processo trabalhista. Mas pode haver confissão, no processo trabalhista, fora do depoimento pessoal, na contestação, desde que haja o reconhecimento parcial ou total de fatos alegados pelo autor na contestação. Confissão é, portanto, aceitação dos fatos alegados pela parte, como verdadeiros, produzida quer no depoimento pessoal, como é mais comum, quer em atos processuais, quer em outros atos processuais e mesmo extrajudicialmente35

35 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho, 2008, p.255-256

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2.3 PROVA PERICIAL

A perícia tem dois aspectos: é a adução de determinada prova técnica a respeito de

certo fato ou na revelação deste, e ao mesmo tempo o depoimento de técnico profissional

sobre os fatos aduzidos, que serão um parecer ou laudo. O juiz fixará data de entrega do laudo

técnico pericial e será facultado às partes a nomeação de assistente, que deverá entregar seu

laudo na mesma data que o laudo do perito. Tanto um quanto outro, perito e assistente, caso

demonstrem não ter o conhecimento técnico-científico para produção de seus encargos, ou

não se mostrarem pontuais no cumprimento destes, poderão ser substituídos, em

conformidade com o artigo 424 do CPC.

São três as modalidades de perícia: exames sobre documentos, sobre pessoas ou sobre

contas; vistorias sobre moveis ou imóveis feitas por peritos, e avaliações técnicas sobre a

qualidade ou quantidade de coisa, serviço ou fato, com estimativa de valor36.

Theodoro ressalta que a perícia somente é cabível quando o exame do fato probando

não for possível pelo conhecimento comum e ordinário, e se faça necessário o conhecimento

técnico especializado e, ainda, a prova seja útil a desvendar a materialidade dos fatos e seja

útil diante dos elementos disponíveis37. A apreciação da prova pericial é a mais pura expressão

do princípio da persuasão racional, pois, como lembra Teixeira Filho, esta é “faculdade que ao

magistrado a lei defere de não ficar adstrito ao laudo pericial, podendo construir o seu

convencimento com outro elementos ou fatos provados nos autos (CPC, art. 436), desde que

indique, na sentença, os motivos que o levaram a assim decidir (CPC, art. 131). Correta, por

36 BATALHA. Wilson de Souza Campos. Tratado de Direito Judiciário do Trabalho, 2001, p.126 37 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil e

processo de conhecimento. 46ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 480

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isso, a difundida afirmação de que o parecer não transita em julgado (‘dictum expertorum

nunquam transit in ream iudcatam’)38.

É preciso frisar que a perícia pode ser requisitada em dois momentos: logo na inicial e

na contestação. No processo do trabalho, a perícia costuma tratar de questões de

insalubridade, horas extras, acidentes trabalhistas, comissões, desvios de função e equiparação

salarial e afins. Não se trata, contudo, de perícia técnica, ainda que possa ser realizada a

requerimento de uma das partes.

2.4 INSPEÇÃO JUDICIAL

A inspeção judicial está disposta nos artigos 440 até 443 do CPC e é atividade do juiz,

pessoal e podendo ser assistida por peritos.

Esta inspeção buscará esclarecer fatos que sejam importantes para a decisão da causa,

e por isto o exame do juiz, direta e pessoalmente, antes desta tomada de decisão39.

Difere da perícia, pois nesta o dever de exame é do perito, e na inspeção, é o juiz que

escolhe realizá-la e utiliza suas experiências sensoriais comuns. Será a pessoas e coisas, não

produzirá laudo técnico, mas o juiz exprimirá o que viu e percebeu, fundamentando sua

decisão.

38 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 373 39 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 380

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3 A PROVA TESTEMUNHAL NO PROCESSO DO TRABALHO

3.1 CONCEITO DE PROVA TESTEMUNHAL

A prova testemunhal é obtida com o depoimento oral de testemunhas, e versará sobre

fatos existentes na lide. A pessoa chamada a falar nos autos, e que não seja parte nem perito, é

testemunha, e narrará suas percepções sensoriais.

Será a prova produzida oralmente e no caso do processo do trabalho, nem sempre a lei

autorizará a oitiva de testemunhas, conforme o artigo 401 do CPC, provas testemunhais

admitidas em causas acima de dez salários mínimos, guardadas as exceções do artigo 402 do

mesmo diploma. Na verdade, o artigo 401 é pouco aplicado, pois raros são os contratos de

trabalho, na práxis processual, que excedem os dez salários mínimos, ou onde não haja prova

escrita.

Por “começo de prova por escrito”, um termo bastante abrangente, são aceitos

bilhetes, copias e fac-símiles, orçamentos, gráficos, e toda sorte de provas que por suas

características não expressam completamente a realidade factual, devendo haver

complementação testemunhal40.

São contemplados aqui os fatos como ruína, incêndios, naufrágios, enchentes, e toda

sorte de acidentes que impliquem a perda de documentação disponível; bem como a prova dos

contratos firmados por viajantes em albergues e outros41.

40 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.

150 41 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. (Testemunhas). Campinas: Bookseller, 1998.

cap. 4, p.136

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3.2 DE QUEM NÃO PODE DEPOR COMO TESTEMUNHA

Não poderá testemunhar o parente próximo (até 3º grau, cônjuge, pais, e filhos) e o

amigo e inimigo das partes, embora possam apenas prestar informação.

Há também um rol de impedidos e a proibição de testemunha de incapaz no CPC, no

artigo 405, regulando a regra geral de capacidade, estraneidade, suspeição e legitimação.

Assim, a regra geral é que todos possam ser testemunhas, exceto:

a) os incapazes (interditos por demência, os enfermos e débeis mentais, ou quem não

pode discernir os fatos ao tempo de sua ocorrência, ou ainda não os pode transmitir de forma

adequada; os de idade inferior a 16 anos, os cegos e surdos, sempre que suas deficiências

afetarem a percepção e relato dos fatos.

b) os impedidos, que são aqueles que possuem relação com alguma das partes, e

embora não tenham relação direta com o processo, possuem interesse pessoal e intimo no

ganho da causa. São os parentes, os cônjuges, os amigos, etc, exceto seja para prestar

declaração sobre o estado da pessoa, e não possa ser obtida esta declaração por outro meio, ou

a bem de interesse público/processual. E também estará impedida a parte na causa, aquela que

em seu nome intervém ou seus assistentes e representantes, e ainda, o juiz, o advogado e

assistentes técnicos, e estes últimos só falarão sobre a tarefa técnica que lhes foi incumbida.

c) os suspeitos, que serão os de moral duvidosa ou de declarações duvidosas, que são

os condenados por falso testemunho cuja sentença tenha transitado em julgado, aqueles que

por seus costumes pessoais não sejam dignos de confiança, inimigos capitais e amigos íntimos

das partes, pelo interesse subjetivo jacente, e aqueles que tiverem interesse no litígio.

Simplificadamente, incapazes serão aqueles cuja capacidade de depor é diminuída, em

função de doença física ou mental ou imaturidade. O incapaz não consegue perceber os fatos

e transmiti-los com segurança ou clareza, e por isto aí também estão os menores, dada a sua

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imaturidade emocional (a idade desta imaturidade varia conforme o código e conforme a

cultura e a legislação).

Decerto também a debilidade mental é fator importante, já que aos debilitados mentais

impede tanto a real percepção quanto a real transmissão dos fatos ao juízo. Igualmente os

fatos que devem ser percebidos por cegos e surdos, no que dependa dos sentidos faltantes, não

poderão ser corretamente transmitidos, embora estes não tenham dificuldade de expressão.

Por fim, a pessoa jurídica não possui memória e capacidade de reter fatos e narrá-los, e

não são testemunhas jamais.

Com isto a lei afasta os depoimentos inúteis e os profundamente limitados, que

dificilmente trarão fatos relevantes, embora essa incapacidade de testemunhar, como é o caso

de deficientes físicos, possa ser relativizada, e os mesmos possam testemunhar naquilo que

não dependa do sentido faltante.

Em relação aos impedidos as causas são objetivas de interesse, seja pessoal, seja junto

ao feito, o que turba dessas pessoas a isenção necessária para testemunhar.

Não é o mesmo que ocorre com os suspeitos, onde as causas são mais subjetivas, pois

há nelas um comprometimento da credibilidade. Se comparados com os impedidos, observa-

se que os últimos estão incluídos entre os suspeitos, pela provável impossibilidade de

transmitir opinião isenta.

A incapacidade da Testemunha deriva de um vício objetivo, que a impede de presenciar adequadamente fatos ou de retratá-los de maneira compreensível ou correta. [...] se relacionam com fatos biopsicológicos, que põem em dúvida a capacidade de alguém apreender fatos e de transmiti-los de maneira perfeita. O impedimento e a suspeição, ao contrário da incapacidade, dizem com a habilitação subjetiva da pessoa em depor. Derivam de causas que comprometem. A fidelidade do Depoimento, por se considerar que a testemunha não tem condições de ser imparcial na declaração que presta em juízo42

Há quem entenda que algumas suspeições são inconstitucionais, pois excessivamente

subjetivas, dando alvitre a preconceitos, como o “ser digno de fé”.

42 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 4. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais. 2005, p. 366

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3.3 ÔNUS DA PROVA

Ônus, como subentende-se da própria conotação, é a subordinação de um interesse

próprio, que difere de obrigação, que é a subordinação de interesse próprio a outra, ambos

dentro de um processo.

Assim, se a parte alega algo, não tem obrigação de produzir as testemunhas e provas;

mas se não o fizer, corre o risco (salvo raras exceções, como direito disposto) de ver cair por

terra suas pretensões43.

Assim, faz-se necessário distinguir ônus, obrigação e dever dentro de um processo.

a) Obrigação: é um cumprimento de algo que beneficiará a parte contrária do processo,

ou da relação jurídica. Assim, quando não cumprida, a obrigação dá azo a que seja

feita de forma coercitiva. No ônus, se a parte deixa de cumprir, será prejudicada, não

porque a parte oponente assim pode solicitar por coerção, mas porque deixa de

apresentar matéria de seu interesse44.

b) Dever: comparativamente ao ônus, o dever reside na conduta a adotar em relação ao

onerado, onde ele “poderá obter uma vantagem ou impedir uma situação que lhe seja

desfavorável” 45, enquanto no ônus ele se onera em proveito próprio. O mesmo

doutrinador explica que ônus e dever são figuras jurídicas que se distinguem por que

no dever há uma correlação de direito de terceiro (quem deve, deve a alguém), e no

ônus há interesse próprio, sendo que nos dois há obrigação legal, mas no primeiro há

coerção, no outro há perda de chance de alcançar uma situação melhor. Existe ainda o

dever strictu sensu, que não é conversível em pecúnia, e que é perpétuo, e diferirá dos

43 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. P. 38 44 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. 2 v, p.

408 45 WAMBIER, Luiz Rodrigues, (Coord.). Curso Avançado de Processo Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2007, p. 418

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deveres e ônus que se esgotam com seu cumprimento46, como os deveres de lealdade

(art. 14, II, CPC).

c) Ônus: quando certo ato se impõe para produzir determinado resultado, dentro de uma

relação processual, e que gera beneficio ao interessado, ou, mesmo não gerando,

diminui a desvantagem. É típica a apresentação de defesa, que é ônus do acusado, ou a

apresentação de provas e de contestações, que são na verdade faculdades, e que

somente cabem ao interessado. Se quiser fazer uso destas faculdades, terá o ônus de

produzir os documentos e provas cabíveis.

Portanto, embora nem sempre fáceis de distinguir, ônus, dever e obrigação são coisas

diferentes, com conseqüências que variam em relação ao próprio ou a terceiros, e igualmente

em relação à coerção que pode ou não advir de seu descumprimento47. Assim, verificar-se-á

como se aplica o conceito de ônus em relação à prova.

3.4 CONCEITO E SISTEMA LEGAL DE ÔNUS DA PROVA

Ônus da prova, por Wambier48, é a atribuição, a uma das partes, de comprovar fatos

que lhes sejam favoráveis no processo, sendo atividade da parte que cabe em seu próprio

beneficio, e que não constitui obrigação, mas caso abra mão deste ônus, abrirão mão do

beneficio correlato, deixando de aproveitá-lo e sofrendo suas conseqüências.

Ônus probandi se vincula ao interesse da parte de ver provados os fatos narrados em juízo; daí porque a lei fixou, de maneira objetiva, e com base neste interesse, os critérios relativos à distribuição deste encargo processual49.

46 ALVIM, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. 2 v, p.

408 47 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.92 48 WAMBIER, Luiz Rodrigues, (Coord.). Curso Avançado de Processo Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2007, p. 418 49 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.93

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Didaticamente, a doutrina faz diferenciação entre ônus perfeito e imperfeito: no

primeiro, quando a parte não faz aquilo que lhe caberia, sofre conseqüências jurídicas que a

prejudicarão no processo, como por exemplo, quando deixa de interpor recurso que poderia

modificar sentença desfavorável; no segundo, nem sempre ocorrerá o dano, como por

exemplo, a prova não produzida, que a parte oposta, por acaso ou acidente, termina por

inadvertidamente produzir em favor da que não produziu50.

Há também o ônus subjetivo e objetivo, sendo o primeiro o encargo do ônus da prova

frustrada, e o segundo, que se volta para o magistrado.

Teixeira discorda desta diferenciação, especialmente no caso de ônus objetivo voltado

para o juiz, pois quando a prova é avaliada, sob o critério do livre convencimento motivado,

não se forma um ônus, ou não em consonância com a acepção legal do termo51, não devendo

considerar quem produz a prova, mas sim sua importância processual. O critério subjetivo, no

entanto, subsiste: o mesmo doutrinador exemplifica que a demissão sem justa causa

desastradamente confirmada ou provada pelas testemunhas do próprio réu dará, no caso, mais

certeza que a prova produzida pelo autor da pretensão. Quanto às partes, o mesmo Teixeira

Filho discorda da existência de ônus subjetivo, pois a elas cabe sempre ônus objetivo, já que

claramente disposto pelo direito positivo em disposição legal clara52.

50 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.93 51 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.94 52 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.94

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3.5 DISTRIBUIÇÃO DA CARGA PROBATÓRIA NO PROCESSO DO TRABALHO

O artigo 333 do CPC dispõe que a carga probatória é assim dividida: o ônus incumbe

ao autor quando for fato constitutivo do seu direito; ao réu, quando existe fato que extinga,

modifique ou impeça aquele direito. Teixeira chama atenção para a aplicação das ricas teorias

de Chiovenda e Carnelutti53, que aduzem que para ambos, e em especial para o ultimo, quando

a parte opõe pretensão em juízo, deve provar os fatos que sustentam tal pretensão, e aquele

que opõe a exceção, cabe a prova da mesma.

Esta é a distribuição genérica do ônus da prova no CPC, respaldo da igualdade formal

das partes, que estarão isonomicamente consideradas: autor provando aquilo que alega contra

o réu, e pedindo a incidência da lei sobre seu direito violado pelo réu, e este excetuando-se ao

demonstrar fato que obstaculiza ou impede a aplicação da pretensão do réu.

Mas esta regra genérica não se aplica sempre, há exceções. Há também dificuldades,

na prática de dizer quem demonstrará e quais são os fatos obstativos, impeditivos e

modificativos de direito, e a quem cabe o ônus probandi em cada momento.

Liebman, citado pelo jurista em comento, é lembrado em sua regra, que aduz que será

constitutivo o fato específico de que decorre o efeito jurídico invocado pela parte, “despidos

de todas aquelas circunstancias concomitantes que, embora sejam imprescindíveis para a

produção de conseqüências jurídicas, não necessitam de prova, pelo seu caráter de

normalidade, desde que para o fato especifico a prova foi produzida”54.

Wambier ensina também que “Fato constitutivo é aquele que tem a faculdade de gerar

o direito postulado pelo autor e que, se comprovado, leva à procedência do pedido. Fatos

impeditivos, modificativos ou extintivos são aqueles que levam ao não reconhecimento do

direito afirmado pelo autor. Impeditivo, porque obsta um ou alguns dos efeitos que 53 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.95 54 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.95

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naturalmente ocorreriam da relação jurídica. Modificativo, porque implica alteração

(diminuição ou mudança de natureza) do direito que derivaria do fato constitutivo. Extintivo

porque aniquila, isto é, reduz a nada, o direito invocado pelo autor, fazendo cessar a relação

jurídica original”55.

Quanto ao inciso II do artigo 333, que fala sobre o ônus do réu, Nery e Andrade Nery56

esclarecem que é do réu o ônus de provar que para o autor não reside o direito e dele não

decorrem as circunstâncias pretendidas, excepcionando o alegado pelo ex adverso e agindo,

na sua contestação, como se autor fosse, ou seja, demonstrando seu direito (de excepcionar).

Por Lopes:

Entende-se por fato constitutivo o acontecimento da vida que serve de fundamento ao pedido do autor (ex.: a locação e a mora do inquilino são fatos constitutivos na ação de despejo por falta de pagamento). Fato impeditivo é o que obsta as conseqüências jurídicas objetivadas pelo autor (ex.: incapacidade civil). Fato modificativo é o que opera alteração na relação jurídica (ex.: ocupação inicial do imóvel a título de comodato que, depois, se converte em locação). Fato extintivo é o que acarreta o fim da relação (ex.: o pagamento da dívida)57.

Assim, quando o réu simplesmente renega o alegado pelo autor, o ônus da prova é

inteiramente do autor, que se não demonstra a veracidade dos fatos alegados, o réu ganhará a

lide, já que não houve e prova do fato constitutivo.

Se o réu afirma uns fatos, denegando outros, deve, no entanto demonstrar onde se

baseia, produzindo a prova dos fatos denegados, em direção contrária ao afirmado pelo autor;

mas se o réu reconhece os fatos, eventualmente não é possível reconhecer a revelia quando se

trata de direito indisponível, e finalmente, é possível ainda reconhecer os fatos e o réu aduzir,

ainda assim, um impeditivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor, e neste ponto, o

ônus da prova é inteiramente do réu.

Assim, o ônus da prova, para o réu, vai variar de sua resposta, podendo ser integral ou

nenhum, enquanto que ao autor a regra geral sempre será o ônus de provar aquilo que alega. 55 WAMBIER, Luiz Rodrigues, (Coord.). Curso Avançado de Processo Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2007, p. 417 56 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 8. ed. São Paulo: Editor a Revista dos Tribunais, 2004, p. 816 57 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 43

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Nos casos de fato superveniente modificativo do direito do autor, que interfira na

presente, e nos fatos alegados, o ônus será daquele que alegar o fato.

Sobre a prescrição de direito, a maior parte da doutrina entende que seja fato

impeditivo – na verdade o direito material existe, mas a lei impede que tal direito seja ainda

pleiteado em juízo, o que se constituiria muito mais como fato impeditivo que quaisquer

outras das 3 opções58.

Exemplo claro de que não basta ao autor a mera alegação:

SANTA CATARINA – Tribunal de Justiça – EMENTA RESPONSABILIDADE CIVIL - ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO - DOENÇA DO TRABALHO - COSTUREIRA - HÉRNIA DE DISCO - LAUDO PERICIAL - AUSÊNCIA DE NEXO ETIOLÓGICO ENTRE A DOENÇA E A PRÁTICA LABORAL 1. Nas ações decorrentes de acidente de trabalho em que se busca a indenização pelo direito comum, há que estar devidamente comprovado o dolo ou a culpa do empregador no evento infortunístico. Não produzida essa prova, a pretensão indenizatória torna-se inviável. 2. A "relação de causa e efeito da incapacidade física que acomete o obreiro deve ser por este demonstrada, visto que é o autor quem carrega o ônus de provar o fato constitutivo do seu direito, conforme art. 333, I, do CPC, através dos meios de prova admitidos em Juízo" (AC n.º 46.927, Des. Carlos Prudêncio). (TJSC - Acórdão: Apelação Cível 2002.025738-4 - Relator: Marcus Túlio Sartorato - Data da Decisão 25/08/2003).

Santos resume toda a carga probatória num sistema simples:

a) O réu nega a totalidade das alegações do autor: cabe ao autor todo o ônus da prova,

fundamentando a pretensão, pois em não o fazendo, o juiz não terá elementos para

alcançar a verdade;

b) O réu não contesta a totalidade, mas aduz fatos que interferem na pretensão do autor:

ao autor cabe então provar o que alega, e ao réu, realizar a contraprova.

c) O réu não contesta o fato: presumem-se verdadeiras as alegações do autor, exceto nos

casos em que tal presunção não é admissível em lei.

d) O réu admite os fatos afirmados pelo autor: resta apenas a questão de direito, mas não

há provas a produzir59

58 MARCATO Antonio Carlos (Coord.). Código de processo civil interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.

1045 59 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e no Comercial. Vol I. Editora Saraiva: 5ªed. 1983. p.

362-363

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Sobre o fato constitutivo de direito o ônus da prova é “do autor, como regra podendo

ser transferido ao réu na hipótese de alegar fato extintivo (prescrição, pagamento, novação,

por exemplo), modificativo (a compensação, por exemplo) ou impeditivo do direito do autor

(a alegação de domínio, por exemplo, como obstáculo para a procedência do pedido

possessório)”60.

3.6 FATOS POSITIVOS E NEGATIVOS, NEGATIVA DE FATOS E ÔNUS DA PROVA

A regra geral, como já foi mencionado, sobre o ônus da prova é que quem alega deve

provar o fato.

Aqui se fala em fato positivo, ou seja, aquele que aconteceu no mundo real e pode e

deve ser alegado no processo. Fatos que não aconteceram são fatos negativos.

Assim, supondo: autor alega que réu deve um valor. Em resposta, o réu tem duas

situações jurídicas em vista: ele não deve, ou ele deve e quitou a dívida.

Na segunda hipótese, há fato positivo, a quitação, muito embora esta prova negue o

direito do autor. A quitação pertence ao mundo real, então é fato positivo, e deve, de alguma

forma, ser provada.

Na primeira hipótese, a de não dever, nada há que ser provado, se a dívida não existe.

Não há fato a ser provado, nem quitação, pois não existe o reconhecimento da dívida. Este é

um fato negativo.

O art. 302 impõe ao réu o ônus da impugnação específica dos fatos articulados pelo autor. Ora, para impugnar os fatos, não se exige a afirmação de que ocorreram de outro modo, que não o expressado pelo autor. Pode-se, apenas, negá-los. É

60 MONTENEGRO FILHO, Misael. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de

conhecimento. (Das provas). São Paulo: Atlas. 2005. 1 vol. , p. 487

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perfeitamente possível que o réu simplesmente diga que o fato não aconteceu. Nesse caso, negativa dos fatos, pela regra do Ônus da Prova, o réu estará isento de qualquer atividade probatória, pois caberá ao autor provar que o fato existiu, e não ao réu que tal fato não se deu.61

Bastaria então, negar um fato para que toda a carga probatória recaísse sobre a outra

parte. Mas não é desta maneira que a moderna doutrina entende. Hoje, decaiu um pouco a

máxima de que a negativa não se prova (negativa non sunt probanda) e se ela “existir em

alegação cuja declaração negativa se pretende obter, impõe-se à parte que nega o Ônus da

Prova”62.

Supondo o caso de servidão, quando se deseje cancelá-la: o Código Civil obriga a

provar a sua não utilização por dez anos ou mais (art. 1389): há necessidade, portanto, da

prova de fato negativo (a não utilização) e disto conclui-se que a matéria onde reside o direito

do autor de cancelar tal servidão é um fato negativo63. No mesmo Código, a omissão culposa é

fato negativo, mas deve ser provado por quem exige a indenização.

Estes casos são suficientes a demonstrar que, na moderna acepção doutrinária, há fatos

negativos onde não impera a “negativa non sunt probanda”.

3.7 O ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO

Como foi visto até então, o ônus da prova no CPC é determinado basicamente pelo

artigo 333, que afeta o processo laboral e todos os ramos processuais que ele subsidie.

61 WAMBIER, Luiz Rodrigues, (Coord.). Curso Avançado de Processo Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2007, p. 417 62 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação

extravagante. 8. ed. São Paulo: Editor a Revista dos Tribunais, 2004, p. 799 63 WAMBIER, Luiz Rodrigues, (Coord.). Curso Avançado de Processo Civil. 9. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2007, p. 417

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Teixeira Filho, no entanto, discorda desta subsidiariedade, ao menos no que toca o

ônus de prova no processo do trabalho.

É que a CLT, no artigo 818, estatui que a prova das alegações incumbe à parte que as

fizer. Donde, conclui o doutrinador e jurista, o artigo 333 CPC e seus incisos estão

desautorizados de adentrar na matéria processual trabalhista neste ponto. Reforça ele que o

artigo 769 CLT reza que o CPC será usado em casos omissos, subsidiariamente, e o caso do

artigo 818 não é de omissão, ao contrário.

Por outra, à primeira vista, ambos os artigos, 333 do CPC e 818 da CLT expressam a

mesma coisa.

Teixeira chama atenção, pois é exatamente à primeira vista. A impressão de dizerem a

mesma coisa, em diferentes palavras, não resiste a um olhar mais atento. Na verdade, os

artigos 818 da CLT e 333 do CPC expressam comandos diferentes64.

Assim, supondo: empregado que faz em seu pedido a alegação de horas extras a

receber, mas não faz a comprovação destas horas, e o réu contesta. Por conseguinte, pelo

artigo 333, terá o autor seu pedido rejeitado, pois cabe a ele a prova “quanto ao fato

constitutivo do seu direito”. Se não faz a prova, então o autor tem o pedido rejeitado.

Transpondo-se para a leitura do artigo 818, o mesmo fato: no momento em que o réu

contesta a pretensão do autor (causa petendi mais o pedido), ele atrai para si o ônus de provar

que o empregado jamais esteve em jornada alem do horário normal, já que “a prova das

alegações incumbe à parte que as fizer”. Portanto, não bastará contestar, negando. Deverá a

parte ré demonstrar aquilo que nega, já que é uma “alegação relevante e substitutiva da

anterior”65, ou o juiz terá de admitir como verdadeiras as pretensões do autor.

Isto acontece porque o réu não opôs um pedido impeditivo ao direito (como ocorreria

se houvesse uma admissão da jornada extraordinária, mas também um acordo de

64 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.97 65 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.97

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compensação de horas extras num dia, com folgas a mais em outro), ou um fato extintivo

(aconteceria se admitisse, por exemplo, a jornada extra e ao mesmo tempo, demonstrasse-lhes

o pagamento), pois se o houvesse feito não haveria que declarar verdadeiras as pretensões do

autor.

Também não se pode falar, no caso em tela, de prova negativa (a comprovação da não

existência de jornada extra), mas sim de prova positiva, que é a jornada comum, conforme

determina a lei.

Assim, artigos 333 e 818 se estruturam de forma diferente a partir da resposta do réu.

Supondo outra situação, aduzida por Teixeira66, onde o réu alega demissão sem justa

causa, sendo, portanto, seu o ônus probandi; e o réu alega não ter despedido, sem, no entanto

alegar o abandono de emprego.

Pelo artigo 333, I, se o autor não prova o alegado (a demissão sem justa causa) não

fará jus às verbas de praxe (férias, 13º, aviso prévio, etc). Ora, à luz deste artigo, a demissão

sem justa causa é o fato constitutivo de seu direito, e se não fez a prova do fato, o pedido é

indeferido.

De outro lado o réu nega a despedida, mas não opôs nem provou fato constitutivo,

impeditivo, extintivo de direito do autor.

Pela ótica do artigo 818, o deslinde é diferente: o réu, inobstante o autor não fazer sua

comprovação, atraiu para si o ônus, no momento que negou a despedida. No entanto, não

comprovou aquilo que contestou, tendo como conseqüência admissão, como verdadeiros, os

fatos narrados pelo autor. Mesmo porque milita a presunção, para o autor, de que não

deserdaria de direitos adquiridos ao longo do contrato de trabalho, abandonando o emprego.

Aqui, sim, haveria o caso de prova negativa: a de que não houve a despedida injusta, mas é

prova possível, bastando trazer a juízo a pessoa que realizou a demissão para que preste

testemunho. 66 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.97

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Teixeira propugna, por fim a uma tendência cada vez mais universal de inversão do

ônus da prova em favor do trabalhador, dada a sua hipossuficiência e o fato de que, não raro, é

o empregador quem está de posse ou pode alcançar facilmente as provas.

De posição ligeiramente diferente de Teixeira é Lamarca, no que toca a interpretação e

utilização do artigo 333 do CPC:

Costuma-se afirmar que a CLT agasalhou uma fórmula excessivamente simplista sobre o ônus da prova. Com efeito, diz: 'a prova das alegações incumbe à parte que as fizer' (art. 818). O CPC não dispõe de regra tal, porém, melhor seria que a tivesse. Essa regra simplista e despretenciosa da CLT é, a nosso ver, a mais perfeita de todas e muito superior à do art. 333, do atual CPC. A parte deve provar aquilo que alega (pouco importa, aqui, que seja empregado ou empregador): se alega fato constitutivo, o que é próprio do autor, deve prová-lo; se alega fato impeditivo, modificativo ou extintivo, o que é próprio do réu, deve prová-lo. Conclusão: embora genérico, o art. 818 da CLT já contém no seu bojo a idéia consignada no art. 333 do CPC67

O inconformismo dos dois doutrinadores com o transplante da disposição do artigo

333 do CPC para o processo trabalhista, em detrimento do artigo 818 da CLT, é mais que

retórica e ausência de lacuna legal, referida no artigo 769 da CLT. É que a norma do processo

civil embute que as partes são isonômicas no processo, mas também isonômicas de fato e isso

não acontece no processo do trabalho: a discrepância entre o poderio do réu e da posição

hipossuficiente do autor é evidente. Há desigualdade real, por mais que a lei imponha

igualdade formal.

O artigo 333 do CPC dispõe o ônus da prova para o autor, em fato constitutivo de seu

direito, para o réu, nos restantes: modificativo, impeditivo ou extintivo. É justo para o

processo civil, mas insuficiente para o processo do trabalho.

Já a regra do artigo 818 é a semper ônus probandi ei incumbit quit dicit, ou seja:

sempre incumbe a quem diz o ônus de provar o que alega (e neste ponto, não importa o que

alegue).

A regra que impera no Processo trabalhista é a de quem alega deve prová-lo. O fato será constitutivo, impeditivo modificativo, extintivo, do direito, independentemente da posição das partes no processo. É que, para a doutrina moderna, valem as partes a mesma coisa perante o órgão julgador. Tanto quem afirma, como quem nega, deve

67 LAMARCA, Antônio. Processo do Trabalho Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.231

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provar de igual modo os pontos sobre os quais se baseiam os pedidos, a sua defesa direta ou a sua exceção. Não se vive mais nos tempos do individualismo jurídico romano, em que o réu era absolvido quando o autor não oferecia prova definitiva de sua demanda. Sempre que o empregador fizer uma alegação oposta à do empregado e destinada a elidi-la será daquele e não deste o ônus de provar a veracidade de sua afirmação, ainda que negativa. Se o empregador não se desincumbir do encargo probatório, presumir-se-á verdadeira a alegação do empregado.68

Portanto, o artigo 818 recebe duras críticas pela sua excessiva objetividade, ou por

outros, insuficiente simplicidade, como será visto.

3.8 DAS CRITICAS AO ARTIGO 818 DA CLT E DO ÔNUS DA PROVA

O dever da justiça do trabalho e do processo do trabalho é proteger o interesse social.

Dentre estes interesses, precipuamente, o dos trabalhadores, parte frágil da relação trabalhista,

hipossuficiente e que não pode ser deixada à mercê dos empregadores. Na lei, são isonômicos,

ma realidade, há um disparate de poderes entre as duas classes.

Desta observação é que surgem as críticas ao artigo 818 da CLT:

Absolutamente insuficiente o disposto no art. 818 da CLT, que a toda evidência não levou em conta a origem e finalidade do direito do trabalho, que é um direito protetor do trabalhador. Esta proteção ao trabalhador é a gênese do direito do trabalho, sob cuja perspectiva foi se desenvolvendo. Desta forma, a única disposição compatível com o direito do trabalho seria a redação do referido art. 818, com o seguinte teor: “O ônus da prova é sempre do empregador”69.

Este espírito protetor se revela em outros pontos da Consolidação, mas na prova e seu

ônus de produção e apresentação, ainda encontra falhas. É visível a situação economicamente

inferior e classicamente subordinada do empregado; ele tem mais dificuldade de ter advogado,

de realizar perícia, e sua prova testemunhal, crucial no processo do trabalho, é imensamente

dificultada, pois colhida dentre os demais trabalhadores, que por sua vez também são

68 ALMEIDA, Lúcio Rodrigues de. Prova trabalhista. Rio de Janeiro: Aide, 2005, p.43 69 ACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no processo do trabalho. 2.ed.São Paulo: LTr,

1996, p. 94.

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subordinados aos mesmos empregadores e temem dar seus depoimentos, pois é óbvio que por

mais isentos que sejam, seus empregos estarão em risco. Quanto à prova documental, não raro

está sob controle do empregador, longe do alcance do empregado, que não tem meios legais

de exigi-la. Contra o empregado, no entanto, existe farta documentação, mantida e guardada

por departamentos contábeis, de pessoal e de recursos humanos. Não é raro que o trabalhador

não tenha idéia de seus direitos, de como é calculado seu salário, suas férias e suas comissões,

seus descontos, suas horas extras, e assim por diante.

O direito do trabalho lida com alguns dos bens mais pessoais e com o ser humano

diretamente, e em muitos momentos a isonomia formal existente entre as partes não estanca a

inexistência de isonomia real. Sendo assim, não é raro que doutrinadores entendam que o a

justiça do trabalho e os direitos material e principalmente processual sejam protecionistas em

relação ao trabalhador. Giglio lembra que, comparativamente ás do processo civil as normas

do direito processual laboral, “ não têm como meta final o restabelecimento do stato quo ante,

mas almejam a transformação da realidade, para melhorar as condições de vida dos

trabalhadores”70.

Só isto é suficiente para distanciar processo do trabalho de processo civil comum, e os

encargos processuais se diferem bastante, comparativamente ao processo penal, onde o autor

à inocente até a sentença, a rigor o trabalhador deveria ser entendido como a vítima da

violação do bem até sentença que declare o contrário, quebrando a isonomia formal hoje

existente, mas colocando as partes em isonomia real.

Entendemos, igualmente, que na aplicação e análise dos institutos de direito processual do trabalho não se pode esquecer, em tempo algum, tais condições, já que isso também caracteriza e dá à disciplina processual sua independência e plena autonomia do processo civil. De outro modo, não teria qualquer sentido a existência do direito processual do trabalho. Bastaria a revogação de todas as normas processuais trabalhistas e a aplicação pura e simples do direito processual civil. O caráter historicamente injustificável da disposição do art. 818 da CLT pode ser facilmente demonstrado.71

70 GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho, São Paulo: Saraiva, 2002, p.189 71 MACHADO JÚNIOR, César Pereira da Silva. O ônus da prova no processo do trabalho. 2.ed.São Paulo: LTr,

1996, p.94

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Não à toa, pode ser visto em outro código a eficiência da norma protecionista ao

hipossuficiente: o Código de Defesa do Consumidor.

É o sentido desta proteção ao mais frágil da relação que têm sido abrandados os

ditames do artigo 818 da CLT e também o artigo 333 do CPC. Este ideário é cada vez mais

comum, alguns doutrinadores falando em reformas processuais, outros em valorações

escalonadas:

Assim, há que se ter imensa cautela ao valorar as manifestações de vontade do trabalhador relativas a renúncias, transações e mesmo em recibos de quitação. Por outro lado, ao empregador incumbirá, independente de quem alegue, a prova do cumprimento de suas obrigações legais e contratuais. Deve provar aquele que esta apto a fazê-lo72

E Giglio vai mais adiante:

A posição tradicional sustenta que o ônus da prova incumbe a quem efetua informações, e que somente cabe afastar-se desse critério básico nos caso em que o legislador estabeleceu presunções, que supõem uma inversão do ônus da prova. Porém, com um maior conhecimento prático da realidade discutida nos dissídios trabalhistas, começou a desenvolver-se, até se tornar predominante, a posição que se estende a regra in dubio, pro operario inclusive a esse campo. Apesar da vigência do sistema inquisitório continua importante o problema do ônus da prova, entendendo-se que, na medida em que se aborda esse problema, o trabalhador merece uma consideração especial.73

Se no processo penal o réu não tem de provar sua inocência, já que a mesma se

presume, é de se presumir ao menos que o empregado não tem acesso a todos os meios de

prova, e na dúvida, deverá ter tidas suas declarações como verdadeiras, já que acima da

isonomia, ou como corolário dela (uma vez que princípios não são superiores uns aos outros,

mas mais aplicáveis) está o princípio distributivo, que é tratar igual os iguais, e desigualmente

os desiguais.

É evidente que a defesa da proteção aos hipossuficientes e da inversão do ônus da

prova não é assente, mas é idéia cada vez mais encontradiça, em função da fragilidade e

subordinação do trabalhador.

72 GONÇALVES, Ione Salin. O processo do trabalho. In: LEDUR, Felipe (coord.) Modernização do direito processual do trabalho . São Paulo: LTr, 1999, p.16 73 GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho, São Paulo: Saraiva, 2002, p.49

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A inversão do ônus da prova cumpre, no Processo do trabalho, função de equilíbrio, restitutiva, como, de resto, toda a legislação trabalhista, que, sem prejuízo de garantir os direitos dos fatores ativos de produção, no processo tem como especial tudo que se refere ao trabalhador e à sua proteção.74

Teixeira vê saída sem modificar ou extinguir o artigo 818, e não o considera

excessivamente simplificado, adotando a seguinte posição:

A grande tarefa da doutrina trabalhista brasileira, que tanto se tem emprenhado em cristalizar o princípio da inversão do ônus da prova, em benefício do trabalhador – cuja preocupação, aliás, tem unido pensadores de diversos países – consistirá em encontrar, no próprio conteúdo do art. 818 da CLT, os fundamentos que até então vem procurando, abstratamente, para dar concreção ao princípio da inversão do encargo da prova em prol do trabalhador. Vale dizer o caminho sugerido é o da elaboração de uma precisa exegese daquele artigo, cujo verdadeiro sentido ainda não foi idealmente apreendido pela inteligência doutrinária.75

E para os casos em que a aplicação do artigo 333 do CPC seja absolutamente

necessária, do mesmo doutrinador vem a lição:

E em alguma hipótese for absolutamente necessária a adoção supletória de

determinada disposição pertencente ao processo civil, deverá o intérprete trabalhista ter em

mente que ‘as normas de processo comum devem adquirir o espírito do processo trabalhista

sempre que forem transportadas para o Direito Processual do Trabalho76’.

Assim, o ônus da prova no processo do trabalho é cada vez mais debatido e tende a se

tornar muito mais tarefa do empregador que do empregado. As vozes doutrinárias, no entanto

variam, entre a modificação ou complementação do dispositivo, a utilização de princípios

gerais do direito do trabalho e a quebra de isonomia formal, dando preferência à isonomia

material.

74 ALMEIDA, Lúcio Rodrigues de. Prova trabalhista. Rio de Janeiro: Aide, 2005, p.181 75 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.99 76 TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p.100

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prova no processo do trabalho é de fulcral importância, talvez mais que m outras

relações processuais. Muito se debate a respeito da prova no processo laboral, e sua

distribuição de carga probatória.

Mas para entender a carga probatória, é fundamental o completo entendimento do que

é prova, seus fundamentos, sua historia e sua natureza jurídica.

Sabe-se, por exemplo, que nos primórdios dos sistemas processuais a prova não

existia, ou não passava de uma avaliação bastante subjetiva. Hoje, ela estabelece a verdade

dos fatos e busca, ao demonstrá-los, o convencimento do juiz, podendo ser produzida em

vários momentos processuais e tendo um naipe de variedades: documental, pericial e

testemunhal.

Destas, certamente a mais delicada é a prova testemunhal, onde há uma série de

regramentos de quem pode e quem não pode testemunhar e em que limite.

Outra questão sobre a prova testemunhal (e no mais, na prova documental também) é a

dificuldade de obtê-la por parte do empregado, pois em geral quem presta testemunho é

também empregado, e teme, ao prestar testemunha em favor do autor, pela segurança de seu

emprego. Esta pressão é quase inevitável, como é a dificuldade que o autor tem de ter acesso a

prova documental, que em geral está retida pelo empregador.

Em relação ao ônus da prova, o presente demonstra que não é aplicável a teoria

clássica de que quem alega deve provar. Este ônus de prova se modifica fortemente no

processo do trabalho, embora ainda seja bastante debatido, em dois pontos: a aplicabilidade

do artigo 333 do CPC frente à simplicidade, bastante criticada, do artigo 818 da CLT.

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A rigor nenhum dos dois artigos leva de fato em consideração que o processo do

trabalho tem situação diferenciada e delicada, e é inteiramente ligado à proteção do

trabalhador.

Na verdade, o processo do trabalho – hoje é o que pede a doutrina – deveria apontar

regras de inversão do ônus da prova, senão no todo das provas, mas em grande parte, dada a

hipossuficiência do trabalhador frente ao poderio do empregador. Existem algumas correntes

que buscam soluções, mas o fato é que estas soluções não estão positivadas, faltando,

provavelmente, uma nova interpretação do artigo 818, ou, como quer parte da doutrina aqui

estudada, uma reforma no ônus da prova.

Sem a intenção de esgotar tão vasto e importante assunto, o presente faz um panorama

detalhado no máximo possível a respeito da prova processual trabalhista e a distribuição do

ônus probandi.

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