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Doenças Inflamatórias Intestinais Luiz Augusto de Moraes Pinheiro Filho 2014

Doenças Inflamatórias Intestinais - Liga de Gastro · Aspectos Históricos • A Doença de Crohn motivou diversos cirurgiões, patologistas e clínicos a publicar sobre a doença

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Doenças

Inflamatórias

Intestinais Luiz Augusto de Moraes Pinheiro Filho

2014

Aspectos Históricos

• São Doenças antigas com primeiros relatos datando de IV a.C por

Hipócrates para a RCUI e 170 a.C por Soranus de Éfeso para a Doença

de Crohn;

• Habershon, em 1862, descreveu em seu livro Doenças do Abdome os

clássicos pseudopólipos da RCUI:

“Essas ulcerações intestinais gradualmente tendem à coalescência até haver a

destruição de toda a superfície da mucosa, com exceção de isoladas porções aqui e

ali, que se tornam intensamente congestas e assemelham-se a crescimento

polipoide.”

• Mas, apenas, em 1961, Lockhart-Mummery e Morson confirmaram que

DC e RCUI eram entidades clínicas distintas através de minuciosa

descrição dos achados das duas doenças;

Aspectos Históricos

• A Doença de Crohn motivou diversos cirurgiões, patologistas e clínicos

a publicar sobre a doença entre 1913 e 1932, no entanto, apesar de essas

publicações terem levado ao reconhecimento da DC como uma nova

entidade, não tiveram tanto impacto no meio científico da época;

• Apenas com um grande estudo intitulado Regional Ileitis – A Pathologic

and Clinical Entity feito em 1932 por Burril B. Crohn, Leon Ginzburg e

Gordon D. Oppenheimer, médicos do Hospital Monte Sinai, a doença

passou a receber atenção;

• Apesar da doença ter sido caracterizada pelos três médicos em seus

diversos níveis, as revistas científicas da época acabaram por chama-la

de Doença de Crohn, tanto devido ao prestígio de Crohn junto às

revistas, como também pela ordem alfabética utilizada na autoria da

publicação.

Aspectos Históricos

Oppenheimer, Crohn e Ginzburg em congresso da AGA em 1969 Fonte: Acervo do Hospital Monte Sinai

Epidemiologia • As DII estão presentes em todo o mundo, mas com distribuição bastante

heterogênea, enquanto em alguns países a doença é bastante rara, em

outros é um problema de saúde pública;

• Tradicionalmente as DII são mais comuns em caucasianos que vivem em

zonas urbanas e industrializadas, sendo por esse motivo mais prevalentes

na Europa e América do Norte em comparação com África e América da

Sul;

• No entanto, a incidência de tais doenças vem aumentando mesmo em

países em desenvolvimento. Sugere-se que isso se deva às melhores

condições de saneamento, vacinação, diminuição da incidência de

parasitoses. Essa teoria é chamada de Teoria da Higiene;

Epidemiologia • No Brasil, não há tantos dados relacionados às DII, no entanto, com os

números atuais, sabe-se que a região Norte é a com menor número de

internações relacionadas às DII (1,16/100.000 hab/ano) e Centro-Oeste a

com maior número (3,32/100.000 hab/ano);

• No entanto, acredita-se que haja uma subestimação do número de casos

nas regiões Sul e Sudeste, uma vez que maior proporção da população é

atendida apenas pelo sistema privado de saúde;

• Além disso, importante ressaltar que nos últimos anos o crescimento das

DII no Brasil vem seguindo o mesmo padrão dos países desenvolvidos,

daí a importância das equipes de saúde estarem informadas quanto ao

encaminhamento da doença e de se fornecer mais informações a público

leigo.

Epidemiologia

Etiopatogênese

• Desde a descoberta das DII que muito se especula em relação à sua etiologia, no entanto, até hoje não está muito estabelecida, sendo sugerido que as DII tem como causa uma união complexa de fatores ambientais, genéticos, microbianos e imunológicos;

• Quanto aos fatores ambientais, como já dito, são mais comuns em regiões de maior desenvolvimento socioeconômico. Além disso, o prognóstico também é diferente em diferentes regiões – enquanto na América e na Europa há com frequência graves complicações, na Ásia onde a doença vem passando por um crescimento os quadros em geral são bem mais brandos;

• Em relação aos fatores de risco, o cigarro é o único com comprovada interferência na atividade das doenças, sendo fator de risco para DC e fator protetor para RCUI

• Atualmente, os estudos em relação aos fatores genéticos relacionados à DII são os que mais crescem com a descoberta de 70 mutações relacionadas à DC e 50 à RCUI, mostrando a complexidade de ambas;

Etiopatogênese

• Ainda em relação aos fatores genéticos, sabe-se que mutações no NOD2 estão estritamente relacionadas à Doença de Crohn, e mutações na IL-23 produzem efeitos tanto na Doença Crohn, como também na Retocolite Ulcerativa;

• A microbiota também parece ter papel importante na DII, sendo em diversos momentos pesquisadas bactérias como causadoras principais de todo o quadro como a Mycobacterim avium;

• Além disso, defende-se bastante que desregulações imunológicas podem causar um ataque indevido à microbiota normal, causando a doença;

• Fatores imunológicos por muito tempo foram os únicos realmente pesquisados, sendo comprovado que têm papel central na doença;

• Sabe-se hoje que a inflamação Doença de Crohn é predominantemente mediada pela via Th1, enquanto a da RCUI é mediada por resposta Th2.

DC x RCUI

• Apesar da visíveis diferenças epidemiológicas, genéticas e imunológicas entre as doenças inflamatórias intestinais, nem sempre é possível diferenciá-las claramente, uma vez que podem ter manifestações clínicas bastante parecidas e muitas vezes até ocorrerem juntas em um mesmo paciente;

• No entanto, em muitos casos há diferenças morfológicas e até de sintomas que permitem ao médico diferenciá-las, como mostram as figuras abaixo:

DC x RCUI

Classificação das DII

• Quanto à extensão do acometimento a RCUI pode ser classificada em proctite, quando afeta apenas o reto; colite esquerda quando atinge a flexura esplênica e pancolite, quando chega a acometer do cólon transverso até todo cólon;

• Já a DC pode ser classificada tanto quanto à sua localização, como também quanto ao seu comportamento clínico, como é mostrado na tabela:

Manifestações Clínicas

• Um dos maiores desafios no manejo do paciente com DII é o grande número de comorbidades que se associam à doença;

• Quanto às manifestações comuns às duas doenças estão a dor abdominal, diarreia, hematoquesia e massas abdominais;

• Na Doença de Crohn a queixa de dor abdominal ocorre sobretudo no QID sendo proeminente, a diarreia é sintoma frequente (podendo estar ausente em crianças), a hematoquesia ocorre em 20 a 30% dos pacientes e pode haver massa abdominal palpável no QID por inflamação do íleo terminal;

• Ainda na DC há ocasional insônia, frequente desnutrição e anemia, além de distensão abdominal e sintomas obstrutivos;

• Na RCUI, a dor, em geral, é em cólica, principalmente no QIE (no mesmo local podem ser palpadas massas decorrentes de sigmoidite), com diarreias frequentes, que podem alternar com constipação;

• Na RCUI, anemia ocorre apenas na doença grave e desnutrição não é um achado tão frequente;

Manifestações Clínicas da RCUI

• Ainda na retocolite ulcerativa distal, é comum apresentação de fezes muco-sanguinolentas, urgência evacuatória, alteração na frequência das evacuações (aumentada) e tenesmo;

• Já na forma extensa, pode haver também febre, anorexia, perda de peso e astenia;

• Na forma fulminante, a mais grave da doença, pode haver um comprometimento não só da mucosa e submucosa, mas também da camada muscular levando a uma dilatação do colon, o megacolon tóxico;

• Comumente também pode haver acometimento de outros órgãos, como fígado (hepatite) e articulações (artralgia/artrite).

Manifestações Clínicas da DC

• Os achados na DC também variam de acordo com a extensão do comprometimento. Na forma ileocolônica, há perda de peso, dor em QSD com ou sem diarreia e sem sangramentos. Pode haver também febre e envolvimento do ureter direito levando a queixas urinárias. Também pode haver deficiência da absorção de B12, levando a uma anemia megaloblástica;

• Na forma que acomete diversas partes do intestino delgado pode haver borborigmos aumentados, dor epigástrica do tipo cólica, anemia e esteatorreia;

• Na forma colônica possui sintomas parecidos com os já descritos da RCUI; • Comumente a DC atinge o ânus e o reto formando fístulas, abscessos e

estenoses;

Manifestações Dermatológicas

• Diversos são os achados dermatológicos que podem ser encontrados nas DII, conforme nas figuras abaixo:

Necrobiose Lipoídica Psoríase Eritema Nodoso

Outras Manifestações Extraintestinais • Além dos sintomas já demonstrados, diversos outros sistemas podem ser

acometido na Doença Inflamatória Intestinal; • A anemia está constantemente presente e pode decorrer tanto do sangramento

crônico levando a uma anemia ferropriva, como também aos defeitos absortivos, que podem levar a uma carência de B12 e mesmo de folato. Além disso, também existe uma relação entre as DII e autoimunidade, portanto, anemia hemolíticas também podem ser causa;

• Queixas reumatológicas também são bastante comuns com envolvimento assimétrico e migratório de grandes articulações;

• Comuns também são as manifestações oftalmológicas, que são divididas em primárias, secundárias e coincidentes;

Episclerite

Complicações • A RCUI possui entre suas principais complicações o alta relação com câncer

colorretal, perfurações, megacolon tóxico, enterorragia grave e colite refratária ao uso de corticoesteroides (CGRCE);

• Em geral, o tratamento para a maioria dessas complicações é a ressecção parcial ou total do cólon. Em relação à CGRCE, o tratamento nem sempre é ressecção, podendo consistir no uso de imunossupressores;

• Já na Doença de Crohn, as principais complicações são as fístulas, estenoses, abscessos peritoniais, obstrução intestinal e perfuração em peritônio livre;

Complicações • A RCUI possui entre suas principais complicações o alta relação com câncer

colorretal, perfurações, megacolon tóxico, enterorragia grave e colite refratária ao uso de corticoesteroides (CGRCE);

• Em geral, o tratamento para a maioria dessas complicações é a ressecção parcial ou total do cólon. Em relação à CGRCE, o tratamento nem sempre é ressecção, podendo consistir no uso de imunossupressores;

• Já na Doença de Crohn, as principais complicações são as fístulas, estenoses, abscessos peritoniais, obstrução intestinal e perfuração em peritônio livre;

Diagnóstico Endoscópico • O diagnóstico das doenças inflamatórias intestinais deve ser dado a partir da

união de dados clínicos, endoscópicos, radiológicos e histopatlógicos. Apesar de todos esses meios para diagnosticar 10 a 20% dos pacientes não fecham o diagnóstico para DC ou RCUI, apresentando características de ambas;

• Em relação aos achados colonoscópicos da RCUI, temos o padrão de lesões, contínuas e difusas, enantema, edema da mucosa, em casos cronificados, a presença de pseudopólipos. Também é notável o gradiente de acometimento, com segmentos proximais menos lesados com o reto acometido em 95% dos casos;

• Na Doença de Crohn, as lesões são salteadas com úlceras lineares e aspecto de “pedra em calçamento”. Além disso, o acomentimento do reto menos comum (10%)

Diagnóstico Endoscópico • Aspectos encontrados na RCUI:

Diagnóstico Endoscópico • Aspectos encontrados na DC:

ATENÇÃO: CONTRAINDICAÇÃO NO MEGACOLON TÓXICO E EM CASO DE SUSPEITA DE PERFURAÇÃO!

Diagnóstico Radiológico • Nas DII os principais achados de imagem são ulceras aftosas, espessamento de

mucosa, perda de haustrações (RCUI), estenoses (Crohn), fístulas e padrão “cobblestone”;

Perda de haustrações

Estenose

Abscesso com gás e dreno

Diagnóstico Endoscópico • Presença de úlceras aftosas na DC:

Diagnóstico Histopatológico • Na retocolite ulcerativa poderão ser vistos ao exame histopatológico

pseudopólipos (causados pelos abscessos em criptas), comprometimento da mucosa e submucosa com preservação da camada muscular, como podemos ver abaixo:

Diagnóstico Histopatológico • Na Doença de Crohn, em 60% dos casos podem ser encontrados granulomas

não caseosos, conforme figura abaixo:

Tratamento das DII • O tratamento na DII é altamente dependente da extensão da doença, por isso,

esta deve ser avaliada antes de se iniciar qualquer terapêutica; • Certos fármacos, como antidiarreica e anticolinérgicos devem ser evitados e

usados com cautela, pois podem causar megacolon tóxico; • Compostos com 5-ASA são úteis na fase manutenção, agindo através da inibição

da produção leucotrienos e de anticorpos; • Os corticoesteroides são o tratamento de escolha em casos moderados a graves,

apresentando remissão de sintomas em até 70% dos pacientes com RCUI; • Na doença de Crohn, em um estudo clínico, o uso prednisona trouxe remissão

dos sintomas em 92% dos pacientes em 7 semanas; • Imunomoduladores também têm se mostrado eficazes e ensaios clínicos

sugerem ser benéfica a utilização de azatioprina na fase de manutenção da doença quando SSZ e 5-ASA não são eficazes;

• Na doença de Crohn, por sua modulação Th1, o anti-TNF-alfa é uma das terapias de maior sucesso, melhorando bastante o prognóstico dos pacientes;

• A utilização de probióticos para eliminação de cepas mais patogênicas do intestino vem se mostrando promissora em ambas DIIs;

Referências Bibliográficas • SOBRADO, Carlos Walter; CARDOZO, Wilton schimdt. Doença Inflamatória

Intestinal. 1ª edição. Rio de Janeiro: Manole, 2012, 486 páginas. • Kumar,V; Abbas, A. K; Fausto, N. Robbins & Cotran: Patologia - Bases

Patológicas das Doenças. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

Obrigado!