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REALIZAÇÃO bookbrasil.com.br Copyright © 2003, Todos os direitos reservados ao Autor (a). Proibida a reprodução do conteúdo na sua integra ou em partes deste livro em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do mesmo.

DOMIT, J. - O Emissario - Inteiro

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DOMIT, J. - O Emissario - Inteiro

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Todos os direitos reservados ao Autor (a). Proibida a reprodução do conteúdo na sua integra ou em partes deste livro em qualquer

meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do mesmo.

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INTRODUÇÃO Tibete, terra natal do Dalai Lama. Em sua área de 2.600.000 km2* abriga segredos e mistérios; cidades, templos, monastérios budistas, alguns com mais de mil anos de existência; lugares ocultos, sagrados, desconhecidos até mesmo pelo povo tibetano. A natureza parece ter-se encarregado de preservá-los, escondendo-os por entre picos e montanhas. Shangrillá*, Yeti*, Lamas de Cura, Fraternidades Brancas, são apenas alguns dos muitos enigmas que envolvem aquela região. Estudiosos em assuntos do Tibete, inclusive, garantem ter conhecimento de um longínquo Monastério Budista com mais de dois mil anos de existência. Afirmam que os principais "Homens Santos" que o mundo conheceu vieram de lá, e que muitos ainda estão por vir, sob diversas formas, até que o bem vença o mal e o ser humano possa encontrar a paz. Verdades? Crendices? Quem pode saber ao certo? Einstein, dizia: “há duas formas para viver sua vida”: uma, é acreditar que não existe milagre, a outra, é acreditar que todas as coisas são um milagre".

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“ O EMISSÁRIO “ CAPÍTULO I

CORDILHEIRA DO HIMALAYA

A luz púrpura do sol poente já se refletia sobre o velho Monastério, fazendo dele apenas um ponto avermelhado brilhando em meio à majestosa cadeia de montanhas envolvidas pelos picos Lhotsé* e Nuptsé*. Havia uma aura de magia envolvendo o lugar, como se a vida não tivesse começo nem fim e os dias, os anos, a idéia da idade, fossem apenas fruto da imaginação dos homens.

Estava lá há muitos séculos, vigilante, resistindo a chuvas e borrascas, como tendo uma alma própria, guardião dos sábios Monges e Lamas que habitavam dentro daqueles muros por incontáveis gerações.

Em uma das janelas alguém apreciava absorto o entardecer: era Bruma, o monge, um dos vários em fase de aprimoramento naquela pequena e bem organizada fraternidade.

Os Lamas diziam que educar era como esculpir; ir eliminando aos poucos as rebarbas, a parte grosseira da personalidade, a fim de permitir o desabrochar da essência. Disso dependia a evolução dos jovens monges e não exatamente de uma educação voltada aos moldes ocidentais. Insistiam que o excesso de cultura acabava por embotar a intuição, já que alimentava exageradamente o intelecto. Por essa razão enfatizavam o que chamavam de "caminho do meio", e incluíam o lazer como atividade indispensável para esse equilíbrio.

Para o jovem Bruma, contudo, o lazer era enfadonho; preferia ler em vez de passear e participar dos jogos e divertimentos com os outros monges. Trocava aqueles momentos pela leitura e não eram poucas as vezes em que perdia a noção do tempo, lendo e pesquisando, na secular biblioteca do Monastério. Muitas vezes, durante as aulas, surpreendia a si mesmo tecendo julgamentos sobre as limitações dos seus colegas de turma. Até os mestres já haviam observado aquele comportamento e, nas conversas mensais que tinham com Lama Norbou, eram unânimes em demonstrar sua preocupação com a pequena, mas importante, "distorção de ego" do Monge.

O Lama procurava não se manifestar, mantendo uma postura de ouvinte, parecendo saber algo que os outros não sabiam, mas que saberiam quando chegasse a hora.

Bruma, por sua vez, admitia para si mesmo estar envolvido com a vaidade; sabia inclusive da ameaça que ela representava para a sua plenitude, mas achava que a tinha sob controle.

Para ele o verdadeiro lazer era apreciar o crepúsculo da janela do seu quarto, seu pequeno templo. Era um cômodo simples mas confortável, onde tinha tudo que precisava para se sentir feliz: uma cama com um bom colchão, uma mesinha de cabeceira , onde punha seus livros e um pequeno lampião, e um armário, para guardar cobertores, travesseiros e roupas. Havia ainda uma mesa com uma cadeira e, acima dela, um espelho pendurado na parede.

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Todos os dias no final da tarde, Bruma pegava a cadeira de junto à mesa, colocava-a bem perto da janela e acomodava-se, à espera do pôr-do-sol.

Algumas vezes o céu estava nublado e prejudicava a paisagem colorida do anoitecer, mas ele não se incomodava com isso. Sentava-se e olhava, procurando evitar pensamentos furtivos; desejava apenas ser parte daquele breve instante. Era o que fazia naquele momento, quando o som do gongo soou, avisando a todos que o jantar estava pronto. O sol já havia se recolhido e dera lugar a uma noite cheia de estrelas.

Atendendo ao chamado, Bruma saiu de seu quarto e seguiu pelo corredor de pedra em direção ao salão de refeições.

Como sempre, enquanto caminhava ouvia os estalos das suas sandálias, que se misturavam aos estalos das sandálias dos outros monges tocando o chão a cada passo que davam. Invariavelmente, sua mente o levava a tentar formar algum tipo de cadência com aqueles estalos, mas até então não conseguira e havia uma boa razão para isso: nenhum deles andava no mesmo ritmo. Andavam mais rápido ou mais devagar, dependendo do apetite que cada um sentia no momento. Isto sem contar a diferença de passadas, algumas longas, outras mais curtas. Aquela prática não só o divertia como também o ajudava a aplacar a fome, já grande àquela hora.

Tocheiros estrategicamente situados iluminavam o amplo salão de refeições. Haviam mesas espalhadas, algumas com quatro lugares, outras com seis, e a mesa principal com trinta e três lugares; dezesseis de um lado para os Lamas e dezesseis do outro para os monges, que se revezavam.

A cabeceira pertencia ao Lama responsável pelo Monastério, o Lama Norbou. O cardápio era composto de verduras cozidas, bifes de Iaque*, pão, água e chá,

misturado com gordura de Iaque. Antes de começarem o jantar, fizeram a prece de costume, agradecendo a Deus e ao animal cuja vida fora sacrificada para alimentá-los. Aquela rotina vinha acontecendo há muitos anos e todos concordavam que tinha um encanto incomum, como um momento sagrado, já que consideravam os alimentos um dos elos mais fortes de ligação entre Deus e os humanos. “Afinal, é como ele nos mantém vivos”, diziam. Naquela noite havia ansiedade no ar; todos já sabiam que o Lama iria abordar um assunto de grande relevância e ninguém duvidava da importância do que seria dito. Os mais velhos, experientes, evitavam deixar transparecer suas apreensões verbalmente, dando assim uma impressão de autocontrole aos mais jovens; mas as demonstravam franzindo a testa entre as sobrancelhas, um cacoete só usado em ocasiões como aquela. Já os mais jovens, observavam discretamente as reações daqueles, e procuravam imitá-los, a fim de parecerem também experientes, mas encontravam uma certa dificuldade pois as rugas quase não surgiam em razão de terem a pele ainda bastante lisa. Aquela atitude divertia o Lama, que a tudo observava em silêncio.

Após o jantar, o Lama pediu a atenção de todos e iniciou seu discurso. “ Irmãos, mais uma vez nossa fraternidade está sendo chamada a intervir, desta feita

em alguns dos chamados paises do primeiro mundo, me refiro aos situados na Europa, para ser mais exato. Sabemos que, em todos os cantos da Terra, pessoas de diferentes classes sociais convivem e se suportam em nome do que chamam de civilização. As mais bem sucedidas disfarçam seus sentimentos de indiferença e superioridade, enquanto as outras, dissimulam sua revolta impotente, até para si mesmas, conscientes de sua subserviência, como lavas queimando nas entranhas de um vulcão prestes a entrar em erupção..

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No Continente Europeu, países vizinhos guerrearam entre si, uns invadindo os outros em nome da ânsia de poder de alguns; famílias viram seus entes queridos e amigos sendo dizimados impiedosamente e, se por um lado essas experiências os amadureceram, por outro acabaram transformado-os em um povo céptico e excessivamente realista, mas ainda assim, humano e, portanto, frágil. Ironicamente, é lá que surge agora uma nova ameaça! Há séculos uma minoria atua nos bastidores e por muito tempo ainda atuará. Extremamente ambiciosos e sem qualquer noção de misericórdia, o que nos faz pensar que, consciente ou inconscientemente, representam os interesses do nosso inimigo tradicional..., são seres cujas atitudes só fazem por ampliar a distância entre os homens, a lacuna que causa tanta infelicidade e indiferença. As mudanças que se fazem necessárias não acontecem do dia para a noite; têm seu próprio compasso, lentas, inexoráveis, mas nem por isso devemos ficar de braços cruzados, apreciando a tudo passivamente.

Os monges ouviam atentos, fazendo sinais de aprovação ao Lama, alguns

cochichando palavras inaudíveis para o colega do lado, outros murmurando sons de aprovação, os mais velhos, apenas com seus cenhos franzidos.

“Nossa missão não é travar uma batalha armada ou impedir aquelas ações com

discursos em praça pública; os que assim fazem, normalmente são considerados desajustados ou alienados da sociedade. Temos que agir de forma diferente, tocar a sensibilidade embrutecida dessas pessoas, ajudá-las, já que também são vítimas, simples veículos, para que transformem seus valores e abram seus corações para o amor e a compaixão. Não é fácil; o amor e a compaixão tem sido associados à fragilidade e a fragilidade ao fracasso. Pessoalmente, penso justamente ao contrário, ou seja: é quando nos preocupamos com o próximo que adquirimos o verdadeiro poder.

Nossa estratégia de ação já está estabelecida: vamos infiltrar um dos nossos na área de conflito, um emissário consciente, que tenha a coragem de enfrentar as tentações do mundo e as vença. Alguém que ajudará a semear o bem, a dissemina-lo, como uma pequena pedra que quando atirada ao meio de um lago provoca ondas na água que se ampliam em círculos até atingirem suas margens.

A tarefa, porém, não é fácil, pois as forças contra as quais lutamos usam artimanhas das mais variadas para confundir as pessoas, iludindo-as através dos seus cinco sentidos, e não se esqueçam que também somos pessoas”...

Parou de falar por um momento e, num gesto mecânico, pegou seu copo e bebeu o resto da água que continha. No mesmo instante um dos monges encheu o copo; ele agradeceu com um gesto e, antes de recomeçar, pediu silêncio; os ouvintes haviam iniciado um burburinho, aproveitando a curta pausa para trocar impressões a respeito do assunto.

“ Preciso de um voluntário, alguém disposto a enfrentar o desafio das coisas mundanas e da luxúria, e mais, que não tema emaranhar o seu Carma* com o Carma daqueles com os quais vai se envolver”...

Aquela última frase abalou a todos. Trocaram olhares uns com os outros na expectativa de que alguém se manifestasse; os mais novos, bastante preocupados; não foram poucas as vezes em que ouviram os mais velhos contando histórias tristes a respeito desse

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emaranhamento. Eram unânimes em acreditar que, muitas vezes, um Carma ainda em purificação poderia ser tão envolvente que chegava até a absorver a individualidade daquele que se deixava envolver e a conseqüência era a perda da razão e o retorno à ignorância. Inquietos, continuavam a se entreolhar na esperança de que alguém tomasse a iniciativa de se oferecer, não que quisessem se ausentar da responsabilidade, mas pela dúvida de sua própria competência para um assunto de tal envergadura. O momento de inquietude foi atenuado quando um deles pediu licença para buscar um carrinho com bojudas garrafas térmicas de chá e copos de barro e passou a servir a todos, aliviando a tensão instalada no ambiente.

Naquela noite Bruma estava sentado na mesma mesa que o Lama. A expectativa de saber quem se ofereceria como voluntário fazia seu coração escoicear como um cavalo bravo, ainda assim, não entendia porque se sentia tão inquieto. Foi quando notou que o Lama o observava. Seus olhos se encontraram e ele sentiu cumplicidade naquele olhar; parecia que o outro conhecia suas aflições e inseguranças e que, pacientemente, esperava que ele se oferecesse para a missão.

Ficou perplexo e momentaneamente sem ação diante da perspectiva do que parecia estar para acontecer. Não era possível que fosse ele o escolhido, não se achava em condições para uma empreitada daquela envergadura. Virou-se e percebeu que todos estavam atentos à sua reação. Mas por que ele, conjeturava, enquanto seus pensamentos ziguezagueavam confusos, deixando-o indeciso e sem saber que atitude tomar. Deu-se conta, então, de que não adiantava ficar inerte, pois ninguém jamais contrariara a vontade do Lama e não seria ele a faze-lo, especialmente em um momento tão importante como aquele. Não tinha mesmo outra alternativa senão a de levantar o braço e oferecer-se como candidato.

O Lama sorriu agradecido e unindo as palmas das mãos em frente ao peito, curvou-se humildemente para demonstrar seu respeito por aquela decisão.

__ Parabéns Bruma, é uma belo gesto de coragem e determinação da sua parte. Apesar de sua pouca experiência, coloca o dever à frente do medo e esta é a essência da fé, qualidade indispensável neste caso. Estamos todos orgulhosos de sua atitude. Peço que venha encontrar-se comigo no Templo amanhã cedo, por volta das dez horas, e então conversaremos detalhadamente sobre os diversos aspectos da situação na qual você vai estar envolvido __.

Os monges bateram palmas para Bruma, ele agradeceu emocionado procurando dissimular seu verdadeiro temor, que não se resumia ao fato de partir, mas de não saber se voltaria. Assistira à partida de alguns de seus irmãos mais velhos para longas viagens a fim de aprender na prática as teorias ensinadas sobre o mundo, buscando aplicar os conhecimentos adquiridos no Monastério na realidade do dia-a-dia das cidades, convivendo com pessoas comuns e procurando ajudá-las a viver melhor. Observara com tristeza que parte deles jamais voltaram...

Encerrado o assunto, o Lama agradeceu a atenção de todos, levantou-se e foi para seus aposentos. Os que não estavam encarregados de cuidar da cozinha naquela noite também deixaram a sala. O Monge foi caminhar um pouco no pátio que ficava bem à entrada do Monastério. Naquela época do ano a noite costumava ser clara e fresca, muitas estrelas podiam ser vistas; era um convite para a introspecção. Outros monges também passeavam por ali, alguns em pares, conversando baixinho, ou mesmo sós, meditando, como ele.

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__ Como seria o mundo lá fora,__ perguntava-se curioso;__ aquelas pessoas..., será que elas mesmo tão ambiciosas? Ouvira falar da paixão pelo poder; como aquilo poderia ser verdade? Será que não seria apenas uma lenda?

No dia seguinte Bruma acordou às 5 horas e como de costume cuidou da sua higiene, fez suas orações e foi ao refeitório tomar seu café da manhã. Chegou ao Templo um pouco antes das dez e ficou aguardando o Lama na sala principal, onde, ao fundo, havia um altar colorido, cuja figura principal era a estátua de um grande Buda.

Exatamente às dez horas ouviu o plec plec das sandálias do Lama que se aproximava, alegre e bem-humorado como de costume. “ Está uma linda manhã, não é”? “ É verdade, realmente linda”. “Vamos passar à outra sala onde poderemos conversar mais à vontade”; sugeriu o Lama.

Seguiram em direção à porta que ficava à direita do altar do Buda e entraram. Era um cômodo pequeno e sem móveis, com apenas algumas almofadas coloridas no chão forrado com grosso tecido de algodão esverdeado. Haviam imagens pintadas nas paredes claras e um perfume de incenso adocicava o ar. Raios de sol promoviam reflexos dourados sobre todo o ambiente, entrando pela janela aberta que dava para uma praça interna, onde alguns monges caminhavam e se dedicavam às suas leituras.

“Por favor, sente-se e ouça com bastante atenção o que tenho a dizer: todo ser humano tem desejos e não importa a idade, a cor, o sexo, a cultura ou a classe social. Mesmo nós, isolados em uma montanha basicamente inacessível, temos os nossos. Buda, em sua segunda verdade, dizia que a origem do sofrimento estava no desejo. Não foram poucas as vezes em que nos dedicamos ao estudo das quatro verdades do “Iluminado”, estudos teóricos contudo. É bem diferente de quando nos encontramos frente a frente com o mal... Desde o início dos tempos, o homem vive em contato com as fontes inspiradoras do desejo, sempre que possível, utilizadas por Mãra* para exercer seu domínio. Aconteceu com Sidarta Gautama quando meditava embaixo de uma Figueira em busca da “iluminação”. Ao vê-lo naquele estado de graça, Mãra percebeu a ameaça que aquela atitude significava para o seu “reino”, e reagiu, apresentando-se ao jovem príncipe furtivamente, insinuante, na tentativa de dissuadi-lo daquela idéia. Para tanto, utilizou todos os recursos de que dispunha, as suas diversas faces: poder, dinheiro, paixões, chegando a oferecer-lhe até mesmo a eternidade. Em vão. Sidharta resistiu a todas as tentações, e tornou-se Buda, o iluminado.

Apesar de ter perdido aquela batalha, Mãra não se deu por vencido e prometeu a si mesmo que nunca desistiria, ou seja, se não fora com Buda, seria com a humanidade. Entende agora o que quero dizer?

Como já disse antes, a tentação entra pelos sentidos. Pela visão e pela audição, as pessoas absorvem uma enorme massa de mensagens e os meios de comunicação se encarregam disso. Como resultado, perdem a vontade própria, não sabem o que querem realmente, o que é certo ou errado, pensam e agem inconscientemente e de acordo com os interesses de uma minoria. Através da visão, olfato, tato e audição são envolvidas pelo sexo que , desvirtuado, tem sido a causa de tantas doenças físicas e mentais. Pelo paladar e olfato, são contaminadas pelos alimentos nocivos e pelas bebidas alcoólicas. Devo lembrar-lhe também das drogas tóxicas, que viciam e escravizam os que as usam em nome do prazer”.

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O Lama fez uma pausa, enchendo o peito com o ar fresco que entrava no aposento, e então continuou.

“Há algo mais que quero lhe dizer: sua missão, além daquela que você já sabe, será também a de salvar uma alma, alguém muito importante para nós, uma peça chave para o nosso movimento; alguém que, uma vez livre, estará pronto para este grande combate entre o Bem e o Mal ao qual já me referi ”.

Por um breve momento, Bruma se dispersou ante o encanto do lugar; a beleza das cores, o perfume do incenso, a brisa suave que entrava pela janela; sentia-se seguro ali, naquele monastério que era seu lar, junto ao seu mestre, sabendo ainda que bem perto estavam seus irmãos e, por que não dizer, o próprio Buda, em espírito. Perguntava-se por que teria que se afastar de toda aquela plenitude. Será que não bastava orar pelo bem do mundo, horas a fio, dia após dia, noite após noite, como vinha fazendo a tantos anos?

“Senhor, agradeço as informações que acabo de receber e posso notar a vossa preocupação por mim e pelo êxito da minha empreitada. Contudo, gostaria de esclarecer em nome da verdade que, se me ofereci, foi por ter percebido que era esse o vosso desejo e não exatamente o meu. Sinto-me lisonjeado pela escolha, mas ainda assim, me atrevo a perguntar por que eu fui o escolhido, senhor, entre tantos colegas tão mais vividos e experientes”?

O Lama olhou para fora pensativo. Apesar de não estar confuso com a pergunta precisava responder com as palavras certas, bem medidas, pois nem tudo poderia ser dito. Então, concluiu que a melhor solução seria responder com outra pergunta. __ E por que não? Bruma não retrucou; e nem saberia como. __ Agora vá e aproveite o dia para meditar sobre tudo o que conversamos.

Dando a conversa por encerrada levantou-se e abraçou o jovem monge carinhosamente. Este, emocionado, retribuiu o abraço, sem deixar de perceber duas lágrimas contidas nos olhos do velho mestre. Voltou à sua rotina diária e no fim da tarde foi para o quarto contemplar o anoitecer. Estava mais lindo do que jamais vira e, para completar, a lua estaria cheia naquela noite. Não demorou a surgir, inundando as montanhas com sua luz dourada. Que presente de despedida, pensou, enquanto se dirigia ao salão de refeições; o gongo já soara.

Após o jantar, foi caminhar um pouco. Uma brisa suave soprava leve, brincando com as chamas tremulantes dos tocheiros. Enquanto andava, o jovem monge repassava tudo que ouvira na reunião com o Lama, esforçando-se para aceitar todas aquelas informações como sendo verdades absolutas. Mas o quebra-cabeça não se completava. Como era possível que pessoas normais guardassem tanta tristeza no coração, mesmo tendo recebido de Deus a dádiva da vida? O que estava errado afinal? Será que o desejo agia mesmo de forma tão inebriante?

Subiu e deitou-se, sem encontrar as respostas. Adormeceu enquanto divagava sobre a misteriosa fragilidade do ser humano.

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CAPÍTULO II LONDRES Eram seis horas da manhã na capital londrina e o movimento nas ruas já começava a se intensificar. Como em todos os grandes centros urbanos, filas já se formavam nos pontos de ônibus e táxis, nas plataformas do metro, e um bom número de veículos já circulava pelas ruas da cidade.

No imponente Sheraton Park Tower, o porteiro, elegantemente vestido, esboçava um sorriso de agradecimento pelas gorjetas recebidas dos hóspedes que deixavam o hotel, guardando para os que retornavam das noitadas apenas um cumprimento seco e um olhar de desdém, exceção feita àqueles que lembravam de o recompensar pelo esforço de começar a trabalhar tão cedo. John estava hospedado lá, como de costume, e ainda dormia. Nunca acordava antes das sete, mas também não passava das oito, a não ser excepcionalmente, como naquele dia, quando seu sono foi interrompido por batidas à porta do quarto. Acendeu a luz do abajur e pegou o pequeno relógio de cabeceira; eram apenas seis e meia da manhã. Levantou-se devagar, sonolento, imaginando quem poderia ser àquela hora. A primeira pessoa que lhe veio à mente foi Otho, mas logo o descartou; certamente ele jamais viria sem antes telefonar. Algum mensageiro ou mesmo um garçom, também era pouco provável; dificilmente um hóspede seria despertado por engano em um hotel daquele nível, salvo em situações de emergência, o que não era o caso. Por uma questão de segurança olhou pelo minúsculo visor antes de abrir e constatou que era uma mulher. Tentou reconhecê-la mas não conseguiu; estava com a cabeça ligeiramente abaixada e o cabelo cobria parte do seu rosto. Na certa alguém que se enganara de quarto__ pensou. Abriu a porta e a primeira coisa que observou foram os lábios ligeiramente borrados de batom, sugerindo ter sido passado às pressas. Os cabelos escuros estavam um pouco desfeitos e seus olhos castanhos cheios de vida brilhavam maliciosamente.

John ficou momentaneamente sem ação; sem saber se a convidava a entrar ou falava com ela ali mesmo; até então não tinha idéia do por que daquela visita tão inesperada. Aos poucos, no entanto, começou a se lembrar de como tudo começou.

Um dia antes, Otho havia telefonado logo cedo, pedindo-lhe que conseguisse a qualquer custo a reserva de uma mesa para aquela noite no Anabelles, um sofisticado clube londrino, onde pretendia oferecer um jantar para dois importantes empresários japoneses e suas respectivas esposas. Explicou que os amigos orientais haviam demonstrado muito interesse em conhecer o famoso restaurante, e não teriam outra oportunidade de faze-lo, pois deixariam Londres no dia seguinte.

Como era de se esperar o lugar estava completamente lotado, e John foi obrigado a usar todos os recursos de persuasão que conhecia, a fim de conseguir a confirmação das reservas. Otho ficou muito satisfeito quando soube e, após felicita-lo pela eficiência, combinou de se encontrarem na recepção do hotel para saírem juntos para o compromisso; também estava hospedado no Sheraton. A seguir, telefonou para os amigos, dizendo que fossem diretamente para o bar do restaurante, onde se encontrariam. John estava com trinta e cinco anos, e tinha uma aparência invejável: 1,85m., porte atlético, cabelos louros encaracolados, penteados para trás durante o expediente de trabalho, e uma pele sempre bronzeada que ajudava a realçar os olhos azuis da cor do céu. Seu passado,

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porém, era obscuro e até misterioso, pois não chegara a conhecer os pais nem qualquer parente. Havia uma lacuna em sua memória, como se tivesse sofrido uma lavagem cerebral, uma amnésia; incertezas que não deixava transparecer a ninguém, temendo ser considerado incapaz para as funções tão importantes que exercia. Muitas vezes sentia-se triste e confuso por isso, mas encontrava outras compensações, e considerava a mais importante ter sido contratado por Otho, empresário rico e poderoso, famoso no mundo dos negócios por seu dom de escolher as pessoas certas, para os lugares certos. John achava-o excepcional, dono de uma inteligência diferente, um homem capaz de se relacionar com o dinheiro, com os negócios, com as pessoas e inclusive com as mulheres, as belas mulheres com as quais se envolvia, de forma simples e descomplicada.

Relativamente alto, físico avantajado sem chegar a ser gordo, cabelos grisalhos, olhos castanho-claros, os quais, dependendo da situação se tornavam escuros, Otho não aparentava os seus 70 anos bem vividos, principalmente por sua incansável força de trabalho e vontade de viver. Colocava o dinheiro acima de tudo, mas apesar disso, nos negócios que participava com terceiros partilhava os ganhos generosamente, sempre levando em consideração os esforços envidados pelos parceiros.

John ocupava o cargo de diretor na empresa, um grande conglomerado de porte internacional com interesses em diversos setores da economia. Ainda não era um homem rico, mas desejava ser, principalmente porque convivia de perto com a imensa fortuna e os privilégios do chefe, e aquilo o fascinava. Seu maior objetivo, no entanto, era um dia ocupar a presidência do Grupo, sonho praticamente impossível, pois o cargo já estava reservado para Randolf, filho único e herdeiro de Otho. Um problema teoricamente sem solução...

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ANABELLES

No horário marcado, ambos se encontraram na recepção. __ Boa noite, Otho, deu para descansar um pouco? __Um pouco, John. __ Quer que eu providencie um carro?

__ Não há necessidade, uma amiga virá nos buscar e, por falar nisso, acaba de chegar. __ John olhou para a porta de entrada e viu que uma mulher caminhava na direção deles. Otho fez as apresentações, os olhos brilhando astuciosamente, parecendo divertir-se com a reação de John, que se esforçava para dissimular o quanto estava impressionado pela beleza daquela mulher. __ Muito prazer, Maya.

__ O prazer é meu, John. Ela foi dirigindo, com Otho sentado ao lado e John no banco de trás. Assim que

chegaram ao clube, um manobrista aproximou-se e abriu as portas do veículo, ajudando-os a sair e encaminhando-os para dentro. Entraram no aconchegante bar, onde, como de costume, os clientes tomavam alguns drinques antes de passarem para o restaurante. Otho logo avistou os convidados e dirigiu-se à mesa onde estavam sentados. Assim que o reconheceram, os dois casais imediatamente se levantaram para os cumprimentos de praxe, ao mesmo tempo em que procuravam ceder espaço para que todos pudessem se acomodar. Com algum esforço conseguiram sentar-se em três cadeiras ajeitadas entre a mesa e a parede. Maya, espremida entre os dois, não podia evitar que seu corpo colasse ao de John, e o mesmo se dava com ele. Aquilo o excitava, mas também o constrangia, ao contrário de Maya, que parecia não se importar e, coincidência ou não, toda vez que ela virava para falar com Otho seus cabelos roçavam no rosto de John deixando um rastro perfumado. Tomaram aperitivos conversando sobre banalidades, escolheram o jantar e, não demorou muito, passaram para a outra sala, desta vez, em mesas confortáveis e amplas.

Saito e Nomura, respectivamente presidente e diretor de um importante banco japonês, assim como suas esposas, eram bastante agradáveis e estavam sempre sorrindo. Otho, como de costume, era o centro das atenções. Animado, falava sobre a cultura japonesa, as tradições do Budô, a coragem dos Samurais e a importância dos seus descendentes, e fazia questão de salientar sua admiração pelo respeito hierárquico dos executivos e empresários japoneses, conversa que encantava os orientais.

John e Maya participavam animadamente, ambos procurando não superestimar o que houvera no bar. Durante o jantar, um mensageiro entregou a chave do carro a Maya, que, sem que ninguém na mesa notasse, pediu a John que a guardasse. Após a sobremesa pediram licor, fizeram um brinde de despedida e se foram.

Haviam bebido razoavelmente e Otho sugeriu que voltassem de táxi. No dia seguinte pegariam o carro.

De volta ao hotel, Otho pediu a Maya que fosse para o quarto, pois ainda tinha um assunto a tratar com John. Ela despediu-se e subiu.

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__ Diga-me John, já o apresentei a Lazlo?__ perguntou Oto, assim que ficaram a sós. __ Acredito que não, Otho, mas o nome não me é estranho.

__ Lazlo é um amigo antigo com quem já fiz bons negócios no passado. Há poucas semanas me procurou, propondo-me sociedade em um novo projeto e, como estará em Paris nos próximos dias, combinei de encontrá-lo lá para falarmos sobre o assunto. Minha idéia é viajarmos depois de amanhã, logo cedo.

__ Quer que eu providencie as passagens? __ perguntou John. __ Sim, para Maya inclusive.

__ Não se preocupe, é a primeira coisa que vou fazer amanhã. __ Então, boa noite. __ Boa noite, Otho. __ Ah, John, já ia me esquecendo; amanhã estarei fora da cidade por todo o dia. Sugiro que você aproveite para descansar um pouco. __ Obrigado, é o que farei.

Agora, Maya estava à sua frente e ele já sabia porque; viera buscar a chave do carro. __ Desculpe ter de acordá-lo John, mas esqueci a chave do carro com você __ Sou eu que me desculpo, deveria ter me lembrado de devolve-la; está no outro cômodo, na mesinha ao lado da cama; vou pegá-la imediatamente. __ Importa-se que eu entre? __ Ao contrário, fique à vontade; volto em um minuto.__ Ela entrou e sentou-se em uma das poltronas da pequena suíte.

John voltou com a chave na mão e ao entrega-la suas mãos se tocaram, fazendo com que estremecesse ao sentir aquele contato. __ Já que o acordei, não quer se sentar para conversarmos um pouco?__ sugeriu. __ Claro, por que não?__ Ele pegou um pequeno banco estofado e sentou-se ao lado dela. __ Sempre quis conhecê-lo, John, Otho fala de você com muito carinho e admiração. __ Obrigado por me contar, Maya, é muito bom ouvir isso. Eu também gosto muito dele, quase como se fosse meu pai e muitas vezes chego a me perguntar se pais e filhos se dão tão bem como nós.

__ Dificilmente, John. O próprio exemplo de Otho com Randolf serve para mostrar as dificuldades que existem nos relacionamentos familiares. Ele adora o filho, mas não consegue se fazer entender, e Randolf, por seu lado, sente as mesmas dificuldades de comunicação.__ Ela parou de falar e sorriu enigmaticamente, como se soubesse o que se passava na mente dele, e continuou; __ Acho que agora você já sabe que Otho e eu nos vemos já há alguns anos. Tem sido uma convivência rica de bons momentos, mas muitas vezes atribulada.

__ Posso imaginar__ comentou John, curioso para saber qual o intuito daquela conversa.

__ É um homem generoso, contudo, tem o hábito de compartimentar as suas relações; reserva para cada uma das pessoas com a quais convive um espaço definido. Não deixa que nada me falte, no entanto, nosso relacionamento jamais passará disso, ou seja, não devo ter a mínima esperança de um futuro com ele, como um casamento, por exemplo. É o que temos em comum, John, você e eu, pois apesar de todo o carinho que ele lhe

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dedica, jamais lhe dará a presidência da Companhia; esta já está reservada para o filho. __ Aquela afirmação remoeu-lhe as entranhas, pois apesar de tudo ainda guardava uma sombra de esperança e ouvir a dura verdade ser dita por alguém tão próximo a Otho, praticamente jogava por terra seu grande sonho. Pensou em pedir que ela se fosse, mas concluiu que não seria uma atitude inteligente; talvez ela pudesse ser uma boa aliada naquelas questões. __ Bom, Maya, não vou negar que sou ambicioso, acho que todos nós somos e é isso que move o mundo, entretanto, tenho consciência de que certas coisas não podem ser mudadas; são as ironias da vida, não é?__ Ela aquiesceu.

__ Vou pedir meu desjejum, quer que peça para você também?__ disse, procurando dissimular o constrangimento que o assunto lhe causava. Maya cruzou as pernas encostando-as nas dele, que apesar de embaraçado não se afastou, completamente envolvido pelo encanto daquela mulher. Deveria ter-lhe entregue a chave ainda no saguão do hotel, mas esqueceu-se de fazê-lo. Mas será mesmo que esqueceu?__ perguntava-se,__ será que não tapeou a si próprio, fingindo ter esquecido? __ Quero, John, obrigada, e sinto muito ter trazido à tona este assunto. Proponho recomeçar nosso dia e desta vez com um bom café da manhã, mas antes gostaria de lhe pedir um favor__ disse, demonstrando preocupação. __ E qual é este misterioso favor?__ perguntou sorrindo. __ Otho não deve saber que estive aqui, pois não sei como ele reagiria.__ John calou-se por um momento, sentindo o perigo daquela proposta, e de repente o que mais desejava era ter coragem de acabar com tudo aquilo que intuía estar começando, mas a vontade de estar perto dela era mais forte. __ Está bem, concordo. __ Levantou-se para pegar o cardápio, ao mesmo tempo em que ela para ajuda-lo a escolher e, surpresos, viram-se frente a frente, praticamente encostados um no outro e, naquele breve instante, anos fidelidade desmoronaram. Não conseguia mais pensar com lógica e mesmo tendo consciência de que estava sendo desleal, traidor e, de uma certa forma, ingrato, o instinto falou mais alto. Abraçou-a e beijou-a, e ela retribuiu apaixonadamente. Carregou-a para cama, exatamente como imaginara na noite anterior. Arrancaram as roupas e se entregaram à atração contida desde o primeiro encontro. John, parecia querer devorar aquele corpo, aquela pele macia, consciente de que jamais havia sentido algo parecido por nenhuma outra mulher; não duvidava de que naquela mesma noite, talvez alguns momentos antes, ela havia pertencido a Otho, havia feito sexo com seu chefe, mas nada mais importava.

Sentimentos estranhos e ambíguos o dominavam, pois se por um lado, seu ego o aplaudia por estar possuindo não somente ela, mas, de uma certa forma também Otho, sua personalidade e seu poder, o que no íntimo sempre desejou, por outro, via-se contentando apenas com as sobras deixadas por ele. Para completar o quadro de contradições, estava amando; acontecera desde o primeiro encontro e agora era um fato consumado. Ela parecia expressar seus desejos com sinceridade e entrega e se percebeu a confusão mental daquele homem, não demonstrou. John, excitado e sem defesa, esqueceu de si mesmo e abandonou-se, deixando que toda a paixão explodisse até deixá-lo completamente esvaziado e então, entregue aos braços de Maya, fechou os olhos e adormeceu.

Eram dez horas da manhã quando acordou e olhou para o lado procurando-a, mas ela já havia saído. Num gesto automático, pegou o travesseiro dela e colocou-o no rosto, para sentir o perfume ali impregnado.

Lembrou-se das reservas que precisava fazer e levantou rapidamente da cama, tomou uma ducha, vestiu-se e desceu.

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Foi tratar do assunto das passagens em uma agência de turismo próxima ao hotel, com a qual já estava habituado a trabalhar. Quando concluiu a operação estava faminto e resolveu comer. Conhecia um pequeno restaurante a alguns quarteirões de distância e resolveu ir a pé até lá, passeando e olhando as vitrines para se distrair. Não queria pensar no que sucedera, nem nos negócios, em nada, queria apenas espairecer, desfrutar daquele momento. Ao chegar, um garçom o encaminhou para uma mesa disponível onde se acomodou; a mesa era pequena, mas a cadeira confortável. Estava bem cheio àquela hora e isto não importava para ele, ao contrário, queria gente por perto, mas sem ter que conversar com ninguém. O cardápio estava à sua frente, mas não precisava dele, já sabia o que queria e foi logo pedindo ao garçom: uma salada, torradas, ovos mexidos com queijo e uma cerveja escura. Enquanto esperava a comida, seus pensamentos vagavam entre dois opostos: prisão e liberdade. Nunca estabelecera para si mesmo um conceito sobre liberdade e de uma certa forma, sempre se sentira prisioneiro; quando não das suas ambições e dos seus desejos; dos seus valores. Acreditava que só conseguiria ser livre quando atingisse suas metas de poder e dinheiro, e faria qualquer coisa para isso.

Seu pedido chegou e ele começou a comer vorazmente, sentindo uma estranha sensação de canibalismo. Estava devorando, não apenas comendo, e no fundo sabia que o motivo era Maya, os momentos que passaram juntos e tudo que conversaram. Conjeturava também sobre os sentimentos dela, perguntando-se se estaria tão envolvida quanto ele. Otho também não lhe saia da cabeça; será que perceberia alguma coisa? Como iria encará-lo no dia seguinte?

Assim que terminou, bebeu um café, pagou a conta, agradeceu e saiu. Na rua, encontrou um grupo de jovens da seita Hare-Krishna que cantavam e

ofereciam incensos e livros religiosos a todos que passavam. Por um breve instante, sem saber porque sentiu o coração apertado, uma sensação de saudades. Um dos rapazes, de cabelo raspado e vestido com trajes típicos de cor alaranjada aproximou-se, oferecendo seus produtos, mas John não aceitou; achava que incensos e livros religiosos não passavam de artifícios utilizados pelos mais espertos para tomarem o dinheiro dos ingênuos, considerava até mesmo a religião como uma indústria e das mais bem remuneradas. O jovem, no entanto, não se dando por vencido, insistiu e John, começando a ficar irritado, olhou-o diretamente nos olhos azuis, disposto a insultá-lo pela sua teimosia, mas algo na expressão do outro o inibiu. Meio sem graça, pegou um dos livrinhos oferecidos e perguntou: __ este, quanto custa? __ Para o senhor? Nada. Considere uma pequena lembrança do Sr. Krishna. __ Absolutamente, faço questão de pagar. __ Senhor, certas coisas não têm preço__ disse o jovem, e, ato contínuo, fechou as mãos em prece e curvou-se exclamando "Hare Krishna", para em seguida juntar-se aos companheiros. Aquela atitude sensibilizou John, como sensibilizaria a qualquer um, afinal, não sabia porque tinha ganhado aquele presente. Guardou o livrinho no bolso e continuou seu caminho.

Chegou de volta ao hotel por volta das nove da noite e foi direto à recepção. Pegou a chave do quarto, algumas mensagens e subiu. A primeira coisa que fez ao entrar foi servir-se de uma generosa dose de whisky; o hotel sempre mantinha os quartos bem abastecidos de bebidas e salgadinhos. Tomou um bom gole, acomodou-se em uma poltrona próxima ao telefone e começou a ler as mensagens.

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Dissimulava para si mesmo a expectativa de encontrar alguma de Maya, apesar de ser o que mais desejava naquele momento. Após ler e reler todas constatou que dela não havia nenhuma e ficou triste. Recostou-se na poltrona, estendeu as pernas, apoiando os pés sobre uma mesa baixa que havia bem à sua frente e seus olhos se fixaram no teto do quarto, expressando o vazio que de repente sentia. Não sabia o que estava lhe acontecendo ou talvez não quisesse admitir, aceitar sua vulnerabilidade perante aquela mulher. Até ontem, sua vida era normal, sem mentiras pessoais, nem expectativas emocionais frustradas, contudo, agora, algo começara a mudar dentro de si, talvez para pior, ainda não tinha certeza. Permaneceu naquele estado por algum tempo, até que, com muito esforço, resolveu reagir. Bebeu mais um gole e ligou para o quarto de Otho, respondendo à mensagem que o outro deixara pedindo que telefonasse ao chegar. __ Boa noite, Otho, passou bem o dia? __ Sim, obrigado, John. __As passagens já estão comigo e o avião parte às onze horas. __ Ótimo. Vamos nos encontrar diretamente no aeroporto. Até amanhã e boa noite. Eram dez horas quando os três se encontraram no balcão da Air France. Otho portava apenas uma pasta de couro carregada com alguns documentos e, como sempre, estava bem disposto e cheio de energia. A passagem e o passaporte levava sempre no bolso do paletó ou do blusão, por uma questão de precaução. Não carregava malas, pois tinha tudo o que precisava em seu apartamento de Paris. Maya, praticamente sem maquiagem e de óculos escuros, vestia calça jeans, camiseta branca de algodão, botas, casaco e sacola de couro marrons. O perfume era o mesmo de sempre, cujo nome não revelava a ninguém. Sua bagagem, uma mala de porte médio, seria despachada junto com a de John. Após o Check In, foram comprar revistas e em seguida, embarcaram. A classe executiva era bastante confortável, com poltronas largas e um ótimo serviço de bordo. Durante a viagem quase não conversaram; Otho e Maya dormiram desde o início e John aproveitou para colocar em dia suas leituras de revistas e jornais.

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CAPÍTULO III PARIS Aeroporto

Em Paris, Maya hospedou-se no amplo apartamento de Otho, localizado na Rive Droite e John, a poucos metros de distância, num pequeno mas confortável hotel com o qual já estava acostumado. Já havia sido informado que o encontro com Lazlo estava marcado para as quinze horas, na sala de café do Hotel George V, o que lhe dava tempo de sobra para instalar-se, dar alguns telefonemas, enviar alguns e-mails e almoçar no Champs Elisée.

Do hotel em que estava até lá, a distância era relativamente curta, apenas alguns quarteirões com lojas, restaurantes, farmácias, casas de câmbio, coisas suficientes para distrair qualquer pedestre que não estivesse com pressa. Em meio ao caminho, uma senhora ofereceu-se para ler sua mão, em troca de uma quantia em dinheiro. Acostumado com as coisas de Paris, passou reto, sem responder, pois sabia que se agradecesse e gentilmente dissesse não, ela entenderia aquela a atitude como fraqueza e o seguiria, insistindo, até conseguir seu intento. Mesmo assim ela insistiu, segurando-lhe a mão, e ele achou melhor ceder. Os olhos da velha cravaram-se nos de John, e ela então disse: __ “após vagar sem rumo pelo fogo da paixão, como nuvem ao vento, acabará seguindo seu coração”.__ Sem saber o que responder, perguntou:__ Devo me sentir feliz por isso?__ O tempo dirá, meu jovem. Agora me pague cinqüenta francos; ainda tenho muito trabalho pela frente.__ John pagou resignado e seguiu em frente. A Av.Champs Eliseé sempre atraiu turistas de todo o mundo. Repleta de lojas, cinemas, restaurantes, galerias e cafés, satisfaz tanto as necessidades dos que querem consumir, quanto daqueles que querem apenas passear e contemplar o movimento de pedestres das mais diversas raças, alguns vestidos com roupas extravagantes, outros, quase não podendo carregar as sacolas cheias de compras. É comum cantores, dançarinos e instrumentistas serem vistos nas calçadas, mostrando seus talentos a fim de arrecadar algum dinheiro.

Lá chegando, John escolheu um restaurante de esquina, com mesas disponíveis tanto do lado de dentro, como no terraço, do lado de fora. Optou por uma do lado de fora. Encomendou o almoço e, enquanto esperava, dedicou-se a apreciar as pessoas, tentando diferenciar, dentre elas, quais eram turistas. Na mesa ao lado, quatro monges budistas almoçavam, chamando a atenção de todos pela excentricidade de suas vestes vermelhas, típicas dos monges tibetanos.

Comiam e conversavam animadamente, até que um deles, olhando distraído ao redor, notou a presença de John. Comentaram qualquer coisa entre si e se voltaram para ele, curvando ligeiramente a cabeça cumprimentando-o. Ele devolveu o cumprimento amistosamente, esboçando um sorriso.

__ Perdoe a intromissão__ disse um dos monges inesperadamente,__ já não nos vimos antes?

__ Creio que não, senhor, sou bom fisionomista e não tenho dúvida de que me lembraria se já os tivesse visto.

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__ Neste caso, muito prazer__ disse o monge, e continuou;__ gostaria de se sentar conosco?__ John foi pego de surpresa e respondeu a primeira coisa que lhe veio à mente, mas com a mesma amabilidade que lhe fora oferecida... __ O prazer é meu, obrigado, mas hoje, especialmente, não é possível, vou almoçar rapidamente e sair às pressas para uma reunião de negócios. Sinto muito.

__ É uma pena. Podemos ao menos distraí-lo com uma pequena história que um garçom nos contou? __ John não entendeu bem aquela insistência por parte deles, mas sem saber como dizer não a tanta gentileza, acabou concordando.

__ Está bem, estou curioso para escutá-la.

__ Certa vez, um empresário muito rico ligado ao ramo de hotelaria, descansava no convés do seu iate particular sob o sol morno do outono, quando, não muito distante, avistou uma pequena ilha repleta de coqueiros, cujos ramos, balançavam ao sabor do vento. Na mesma hora, pediu ao comandante que se aproximasse da tal ilha, desejando conhecê-la de perto. Ao desembarcar, caminhou em direção a algumas cabanas localizadas em uma encosta, a cerca de duzentos metros da praia, onde via um grupo de pessoas reunidas. Chegando ao local, para sua surpresa, percebeu, chocado, que se tratava de uma colônia de leprosos. Uma freira aproximou-se dele, dando- lhe as boas vindas.

__ Seja bem vindo, Senhor, posso lhe oferecer uma água de coco ou algo para comer? __ Não, muito obrigado. Na verdade, desembarquei apenas para ver toda esta beleza de perto, mas já estou de saída. __ Seu estado de choque era visível e a freira procurou amenizá-lo. __ Senhor, não tenha tanta pressa nem receio, são inofensivos, apenas simples leprosos. Só necessitam de cuidados e amor. __ Não estou com receio __ respondeu disfarçando sua repulsa__ mas, para falar a verdade, quando vi esta ilha, pensei em tudo, menos nisto. A senhora é quem toma conta deles? Sozinha?__ perguntou incrédulo. __ Sou. __ Estou realmente impressionado. __ E posso saber o que o impressiona tanto? __ Para ser franco, devo dizer-lhe que eu não faria este trabalho por dinheiro nenhum,__ retrucou. __ Neste caso, acho que temos algo em comum, senhor: eu também não faria este trabalho por dinheiro nenhum __ respondeu ela . __ Então, gostou? Perguntou o monge, ansioso.

__ Muito, respondeu John sorrindo. __ Então não se importa de me dizer de que forma entendeu esta história.__ John estava começando a ficar aflito, conversando banalidades, ao invés de concentrar-se na reunião que teria pela frente, o fato é que não sabia como interromper aquela conversa sem causar constrangimentos. __ A princípio, eu gostaria de ter mais tempo para pensar a respeito, mas como isto não é possível, posso dizer que, a meu ver, o milionário imaginava que a ilha era um lugar com grande potencial para construir um hotel, ou mesmo um clube de turismo, algo que se

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traduzisse em lucro. Porém, ao deparar-se com os leprosos, viu suas expectativas serem frustradas; jamais poderia deslocar todas aquelas pessoas de lá sob pretexto nenhum. Ao mesmo tempo, acho que ele ficou compadecido pelo sofrimento dos doentes e impressionado pela coragem da freira. Em resumo, sentiu um misto de frustração, compaixão e admiração, ou sejam, três sentimentos diferentes, provocados por uma mesma situação. __ Muito bem, é uma conclusão abrangente__ respondeu o monge__ também pensei assim no começo, mas depois, incluí mais duas novas conclusões: a primeira, é que "algumas vezes, o que é bonito por fora, por dentro, pode nos reservar grandes decepções"; e a segunda, é que "certas coisas não têm preço". __John emudeceu, ante as palavras do monge. Já as tinha ouvido do jovem Hare Krishna que encontrara em Londres, e de repente lembrou-se do sentimento de saudosismo que tivera na ocasião e que agora novamente o envolvia. Não era exatamente tristeza, pois perto dos monges sentia uma inexplicável sensação de bem estar, era outra coisa, algo indefinível.

__ Agora, vamos deixá-lo terminar sua refeição tranqüilamente, temos amigos nos esperando e não podemos nos atrasar, mas esperamos um dia encontrá-lo outra vez, afinal, nunca se sabe, não é?__ disse o monge. __ É verdade, nunca se sabe, mas de qualquer forma, agradeço a atenção e espero que aproveitem a sua estada em Paris. Foram embora, e John novamente se viu só, um vazio invadindo-lhe a alma. Perguntava-se por que Maya surgiu de repente em sua vida, desmascarando um lado sombrio que mantivera escondido até então. Enquanto terminava o almoço pensava nas palavras finais do monge; "algumas vezes, o que é bonito por fora, por dentro, pode nos reservar grandes decepções”. HOTEL GEORGE V Às quinze horas, Otho, John e Lazlo já estavam acomodados em uma das mesinhas do café do Hotel George V, situado à avenida do mesmo nome. O hotel é famoso pela freqüência e pelos serviços que oferece. Costuma receber importantes personalidades do mundo político, empresarial, social e artístico. Quem se hospeda lá ou utiliza seus cafés, restaurantes e outros serviços, sem dúvida está sujeito a encontrar-se com artistas famosos, magnatas do petróleo, executivos de multinacionais, políticos importantes, enfim, gente da alta sociedade internacional. Otho, vez ou outra hospedava naquele hotel seus convidados especiais, às suas expensas e, em contrapartida, desfrutava de todos os serviços lá prestados e com prioridade; já se tornara amigo dos gerentes. Quando precisava fazer reservas de última hora nos restaurantes mais importantes de Paris, que exigiam pelo menos uma semana de antecedência, através do hotel as conseguia em algumas horas. Obtinha, também em poucos dias, ingressos para óperas e shows, que, dependendo da época e da procura, demandavam semanas, quando não meses, para serem obtidos. John e Lazlo já haviam sido apresentados; este, elegante e bem vestido, era uma presença inconfundível. Seus cabelos pretos e fartos, ligeiramente crespos, eram alisados para trás com fixador e pareciam estar sempre molhados. Os olhos negros, circundados abaixo por olheiras profundas e acima por grossas sobrancelhas, o nariz adunco, os lábios finos e estreitos, lembravam a John a figura de um lobo ou qualquer outro animal selvagem semelhante, algum tipo de predador. Inicialmente, sentiu-se incomodado com aquela presença, mas aos poucos foi se adaptando.

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Otho, como sempre cuidou das introduções; __ John, Lazlo é um dos negociantes autônomos mais bem-sucedidos da Europa. Tem conexões com grandes empresários, dos mais diversos setores da economia, com banqueiros importantes e com corretores das principais Bolsas de Valores do mundo e tenha certeza de que todos esses contatos, associados à sua excelente criatividade, sempre acabam resultando em grandes lucros! __ Lazlo sorriu para John e agradeceu a Otho pelos elogios. __ Agora, vou deixá-los à vontade para que se conheçam melhor e também porque prometi a Maya que sairíamos para fazer compras. Não quero me atrasar. __Apertou a mão de ambos e, antes de sair, pediu a John que telefonasse na manhã seguinte. Assim que Otho se afastou, Lazlo apanhou sua xícara de café e começou a bebericá-la lentamente, ao mesmo tempo em que analisava John. Este, por sua vez, fazia o mesmo, curioso para saber o que viria a seguir.

Um garçom se aproximou, discretamente, trazendo duas garrafas de água, copos e biscoitos amanteigados, e logo se afastou. Antes de começar a falar, Lazlo pegou um biscoito para si.

__ Gosto muito de Otho, John, e não foram poucas as vezes em que participamos juntos de transações envolvendo alguns milhões de dólares. Sempre em equipe, é claro, pois, como diz o ditado, "uma andorinha não faz verão".__ Fez uma pausa para beber água, e continuou.__Falou muito a seu respeito, dando as melhores referências sobre a sua competência e lealdade. Insistiu que o considera preparado para as mais difíceis e constrangedoras situações e é justamente por isso que estamos aqui conversando. Vou procurar ser objetivo: estou preparando um dos negócios mais ousados da minha carreira, um verdadeiro desafio. Caso tudo corra bem, ao menos é o que todos esperamos, a recompensa será de alguns milhões de dólares para cada associado. Convidei para este projeto pessoas do mais alto gabarito, muito bem conceituadas e importantes nos diversos setores em que atuam, inclusive Otho. Ele achou que você deveria integrar o grupo. __ O coração de John se acelerou. __ Isto significa que estou sendo formalmente convidado a participar do projeto em questão?__ perguntou, procurando conter a ansiedade. __ Esta é a idéia, contudo, quero saber um pouco mais sobre seus planos de futuro, suas ambições, seus desejos e até onde é capaz de chegar para atingi-los e, é claro, se você está interessado em se associar a nós.__ Ao ouvir aquela proposta, a vontade de John era gritar: "evidente que sim", dar um pulo em cima da mesa, abraçar aquele estranho agradecendo a grande oportunidade que lhe oferecia de tornar-se independente, livre, como sempre almejara ser. Mesmo sem a presidência da Companhia, seu sonho dourado, alguns milhões já seria excepcional, bom demais. Mais uma vez, Maya veio-lhe à mente; poder presenteá-la, tê-la só para ele, ser admirado por ela como um homem vencedor, independente... __ Lazlo, confesso que estou bastante interessado; do que depende meu ingresso no grupo?

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__ Você já está praticamente dentro, John, mas, como já disse, quero saber um pouco mais sobre você, por exemplo: onde nasceu, quem são seus pais, se você já foi casado, se tem alguém, e posso lhe explicar porque: negócios que envolvem ganhos tão elevados, nem sempre são ortodoxos. Não podem ser comentados e discutidos com pessoas que não façam parte da equipe; está entendendo a que me refiro? Assim, parentes, amigos, namoradas, em resumo ninguém deve ter a menor idéia dos nossos planos. __ Não somente entendo, como estou de pleno acordo, entretanto, acho que se você quiser saber sobre mim e a forma como me conduzo nos negócios, enfim, se sou digno de confiança, não sou eu a pessoa ideal para lhe responder, pois como interessado, poderia desvirtuar as informações; acredito que você deve dirigir-se a Otho, com quem trabalho há muito tempo e me conhece bastante bem. Quanto à minha vida privada e meu passado, prefiro manter-me reservado, não vejo como poderia influir negativamente em nosso projeto. __ John foi enfático, apesar de seu grande interesse naquela associação, estava consciente de que, se o haviam convidado, tinham boas razões para fazê-lo e mais, taticamente, não poderia deixar-se intimidar com qualquer tipo de pressão, caso contrário, perderia, não só poder de decisão, mas também, participação nos lucros. __ John, não tenho intenção de forçá-lo a falar sobre a sua vida particular, já que, como você diz, Otho o conhece tão bem. Mas será que ele o conhece mesmo?...

__ O sorriso irônico de Lazlo pegou John de surpresa; não sabia se ele se referia ao seu passado, seu ponto fraco, ou sobre sua relação com Maya, todavia, não era um jovem inexperiente brincando de fazer negócios pela primeira vez. __ Somente ele pode responder essa pergunta, Lazlo, além do mais, ninguém conhece alguém tão bem, nem mesmo nós nos conhecemos tão intimamente, concorda comigo?__ Lazlo ficou visivelmente satisfeito com aquela resposta; seu interlocutor era mesmo bem preparado e precisava mesmo ser. A missão requeria mais habilidades do que ser apenas o homem de confiança de Otho; seria imperioso uma boa dose de malícia e ousadia, e era exatamente isso que John demonstrava com aquela resposta. Assim, mesmo sem estar cem por cento convicto sobre John, Lazlo resolveu fechar a questão. __ Concordo e estou satisfeito com suas respostas, considere-se definitivamente engajado no projeto.

__ Exultante, ele agradeceu a oportunidade e ambos apertaram-se as mãos selando o compromisso.

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RIVE GAUCHE Maya e Otho caminhavam pelas ruas centrais da Rive Gauche, apreciando as butiques de roupas, calçados e bolsas; parando em algumas para fazer compras, principalmente para ela, apesar de ela preferir fazer compras sozinha. Gostava de as escolher com calma, prová-las e, com Otho era impossível, pois, como todo homem, não tinha paciência para esperar. Mas não podia ser indelicada com ele. Entraram em um café e se sentaram. Àquela hora ainda haviam várias mesas disponíveis. Pediram água, uma porção de queijos variados e dois aperitivos da casa. __ Está feliz, Maya? __ Como sempre, quando estou ao seu lado. Sei que parece um exagero da minha parte, mas sinto muito a sua falta, Otho; às vezes, quando você fica muito tempo afastado devido aos negócios, me sinto meio perdida, sem saber o que fazer da minha vida, do meu dia-a-dia. __ Quem a ouvisse, imaginaria tratar-se de uma jovem inexperiente, falando com o pai, contudo, ele a conhecia bem, sabia como ela pensava e quais eram seus sonhos mais íntimos. Desejava ser rica, independente, ter alguém que se importasse com ela. __ Minha querida, eu também sinto saudades suas, nem pense o contrário, mas você sabe que as coisas não são tão simples; lembre-se que, além de amantes, somos parceiros em alguns negócios e uma relação do tipo conjugal poderia nos atrapalhar, ao invés de ajudar. As compensações que temos devem ser colocadas na balança sempre que a dúvida nos assaltar. Não a proíbo de sair com outros homens, não deixo que nada lhe falte e mais: sempre que possível, a convido a participar de algum plano lucrativo, como este atual, que, se bem-sucedido, pode resultar na sua independência financeira definitiva. __ Concordo, Otho, como sempre a razão está do seu lado, mas isto não impede que eu tenha meus momentos de fraqueza, não é? __ Sem dúvida, Maya, afinal, somos humanos. __Ficaram calados por algum tempo, servindo-se e observando o movimento na rua, o vai e vem agitado do fim do dia. O bar aos poucos ia ficando lotado; ambos já haviam terminado seu segundo drinque e o prato de queijos já estava pela metade. Rompendo o silêncio, Otho resolveu falar sobre o Projeto. __ Como você está se saindo com John? __ Acredito que bem, mas ainda não posso ter certeza; é um homem ambicioso, inteligente, mas bastante reservado; fala pouco sobre seus planos de futuro e suas ambições. Preciso de tempo para conhecê-lo melhor, saber até onde ele é capaz de ir se for bem motivado. __ As coisas são assim mesmo, quanto menos precipitação da sua parte, melhor. E, o mais importante, ele não pode ter a mínima idéia de que estou a par do relacionamento de vocês; é um trunfo que devemos guardar para usar no momento certo. __ Fique tranqüilo, farei tudo que estiver ao meu alcance, mas tenho algo a lhe perguntar e quero uma resposta verdadeira; promete que responderá a verdade? __ Prometo. __ Você não sente nem um pouco de ciúmes por eu estar dormindo com John? __ Otho não respondeu prontamente e se ficou embaraçado, não demonstrou; bebeu mais um gole do seu drinque e então, afagando-lhe a mão carinhosamente, respondeu: __ Sim, Maya, sinto muito ciúme.

__ Obrigada, respondeu ela com uma ponta de emoção na voz.__ Ficaram ali por mais algum tempo, conversando, como dois bons e velhos amigos, até o momento em que Otho se deu conta das horas; se não voltassem rapidamente, ele perderia o noticiário das 19

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horas, para ele, um ritual sagrado. Pagou a conta e se foram. Lá chegando, ligou a televisão e sentou-se na poltrona em frente, como era de costume; ela foi tomar uma ducha rápida e aprontar-se; ia fazer uma visita a John. Ao sair, ainda olhou para Otho, talvez para ouvir uma palavra de encorajamento ou mesmo um gesto de cumplicidade, porém, em vão, ele não a notou.

Maya sempre soube bem o que queria da vida; saúde e dinheiro, para ela, sinônimo de independência. A natureza lhe dera recursos de sobra para atingir sua meta; beleza, sensualidade, inteligência e consciência suficientes para enxergar as boas oportunidades quando estas surgiam. Era paciente e evitava a precipitação, aprendera com Otho que a palavra certa na hora errada ou a palavra errada na hora certa podiam causar grandes prejuízos. Seus pais eram do interior; uma família burguesa que não faltava às missas de domingo e participava ativamente dos movimentos de defesa da moral e da cidadania da comunidade. A maior preocupação deles, assim como a de todos os moradores locais, era com as más línguas; os comentários dos vizinhos, dos freqüentadores do clube local e principalmente da Paróquia.

Com o tempo, no entanto, foram se tornando mais flexíveis, pois perceberam que a filha estava ficando cada dia mais bonita e atraente, além de inteligente, qualidades que deveriam ser exploradas para que ela conseguisse um bom casamento, coisa difícil de acontecer naquela pequena cidade.

Assim, após muita reflexão, decidiram enfrentar os preconceitos dos vizinhos e manda-la para uma universidade da capital, onde teria a oportunidade de fazer novas amizades e, talvez, até mesmo conhecer um bom “partido”.

No dia da despedida, entre risos e lágrimas, tiveram uma conversa prática e objetiva, no sentido de orienta-la a não carregar sentimentos de culpa ou mesmo preconceitos antigos, baseados em conceitos moralistas locais. Precisava esquecer tudo aquilo e só pensar em vencer...

Maya formou-se em Psicologia, carreira que escolheu por achar que seria uma forma de sair-se bem no relacionamento com as pessoas. Na noite da formatura, conheceu Otho, um dos paraninfos da universidade em que estudava. Estava sentada com os pais quando ele se aproximou, elegante e bem vestido, em um terno azul de tropical inglês, camisa amarela clara e gravata de seda azul com pequenos desenhos amarelos. Pediu licença e entregou a ela seu cartão, convidando-a para visitá-lo em seu escritório na semana seguinte, quando estaria selecionando uma psicóloga para o departamento de recursos humanos da Companhia. Os pais de Maya imediatamente se encantaram com ele e mais ainda com a empresa da qual era presidente, convidando-o a sentar-se para partilharem juntos aquele momento de felicidade. Ele recusou, educadamente, alegando outros afazeres importantes ainda durante a festa, mas acrescentou que aguardava ansiosamente o telefonema dela. Otho e Maya logo se tornaram íntimos e seus pais preferiram ignorar os detalhes, afinal, longe dos olhos, longe do coração e o que mais importava, para eles, era o visível progresso material da filha.

Já haviam se passado vários anos desde então. Maya conheceu outros homens intimamente, mas jamais sentira a presença do amor em sua vida.

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Enquanto caminhava em direção ao hotel de John, dava os últimos retoques na estratégia que utilizaria a partir de então. Usaria o elemento surpresa, aparecendo nos momentos mais inesperados, como aquele. Procuraria também mantê-lo sempre inseguro e disponível, o que não seria difícil, pois Otho sempre sabia onde ele estava. John, por sua vez, não poderia contatá-la por razões óbvias e, desta forma, ela teria o poder de decidir quando e onde encontra-lo. Entendia da psicologia humana, afinal, era sua especialidade e, como tinha uma meta a cumprir, usaria todo o seu conhecimento para este fim. Como prêmio receberia uma quantia considerável de dinheiro e uma vez rica, poderia até mesmo escolher o homem da sua vida, um verdadeiro amor.

John, voltou ao hotel logo após a reunião, tomou uma ducha e dormiu um pouco, hábito que adquirira em razão da vida atribulada que levava, sempre que possível, descansava um pouco. Deitado, assistia o noticiário e refletia sobre a conversa que tivera com Lazlo. Algo naquele homem causava-lhe arrepios, porém, as perspectivas superavam qualquer constrangimento. Sabia estar entrando em um novo ciclo de sua vida, e desejava partilha-lo com Maya. Precisava estar novamente a sós com ela, se abrir com ela, contar-lhe as boas novas, mas quando? Como entrar em contato com ela se estava sempre com Otho?

A campainha do quarto interrompeu suas divagações. Abriu a porta e ela entrou e sem qualquer cerimônia, colocou o casaco e a bolsa em cima da cadeira mais próxima e o beijou, sem deixar espaço para palavras. Foram em direção à cama, tirando as roupas como possível e se entregaram aos seus instintos mais ocultos, vivendo intensamente a volúpia contida.

Quando se sentiram saciados, relaxaram; ela aconchegada nos braços dele, e assim permaneceram, quietos, voltando aos poucos à realidade, dando lugar à razão, aos pensamentos lógicos e elaborados. John se perguntava até onde iria aquele relacionamento; pensava em Otho, mas também pensava na paixão que agora sentia por aquela mulher, uma verdadeira cilada, e ainda havia Lazlo e o novo negócio. Perguntava-se que negócio seria esse afinal e qual seria a sua função no esquema. Eram questões sem respostas, por enquanto. Contudo, nesse momento tão cheio de meandros, uma coisa era certa; estava decidido a lutar por tudo; Maya, o novo negócio e com sorte até a presidência do Grupo. Olhou para ela com carinho.

__ Senti muito a sua falta, Maya, precisamos encontrar um mecanismo que me permita entrar em contato com você, o que acha? __ Não vejo alternativa no momento, John, e isto me preocupa. Sei como você se sente, mas não consigo encontrar uma solução; por outro lado, é essencial para minha estabilidade emocional ter certeza que você aceita continuar nesta situação. __ A qual das situações você se refere? Carinhosamente, ela pegou seu rosto com as duas mãos e sussurrou, ao mesmo tempo em que o beijava suavemente:__ Esperar por mim, sem saber quando posso vê-lo, estar com você, em outras palavras, ficar à minha disposição sem tomar qualquer iniciativa...

John sentiu-se exasperado; aquela proposta, além de ser insuportável, apesar de excitante, era, de uma certa forma, humilhante. Afastou-a delicadamente, procurando ganhar tempo para pensar, e ela apenas sorriu, esperando. __ Não entendo como você tem coragem de me fazer uma proposta tão injusta? Afinal, o que eu significo nesta relação, nada?

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__ Absolutamente, John, você significa muito para mim, mas lembre-se, entre nós existe Otho, seu chefe, meu amante, e que, por acaso, pode, não só despedi-lo a qualquer tempo, mas também deixar de se relacionar comigo. É isso que você quer?__ Seu discurso era enfático e com uma ponta de ironia. __ É evidente que não, Maya, é que fica difícil conviver com uma relação tão desigual. __ John, sejamos adultos; quando você se envolveu comigo sabia quem eu era. Por favor, decida-se agora, pelo sim ou pelo não. __ Falava com uma falsa convicção, uma vez que não poderia deixá-lo escapar do jogo, afora o fato de que gostava dele agora, de estar com ele. Era a soma do útil ao agradável. __ Está bem, Maya, concordo, mas não sei por quanto tempo posso agüentar. __ Ela suspirou aliviada. __ Obrigada, fico feliz com sua decisão e proponho não falarmos mais desse assunto por um tempo. O que você acha? __ Acho uma boa idéia. E então, esteve com ele hoje? __ Sim, passamos a tarde juntos. Pareceu-me bastante animado com um novo negócio, mas não me disse exatamente o que era; você sabe do que se trata? __ Ainda não. __ Sei apenas que é algo ligado a Commodities, algo bem estimulante e que vai requerer de você uma boa dose de coragem e desapego, para não dizer, amoralidade__ disse ela. __ John ficou surpreso. Até então não sabia que Otho estava envolvido com o mercado de Commodities. __ E então, John, você se considera amoral? __ Às vezes não temos escolha, mas me arrisco a dizer que vou até um certo ponto e ainda não sei ao certo que ponto é este, mas acho que não chega à amoralidade.__

Maya ficou inquieta. Seu sexto sentido lhe dizia para ter calma, ir mais devagar com aquele homem que conhecia tão pouco. Procurou levar na brincadeira: ___ Sei que por mim você fará qualquer coisa, não vai perder uma chance como essa, de ter-me só para você. Estou certa? __ Sem esperar pela resposta, levantou-se e começou a vestir-se, para espanto dele, que pretendia ficar com ela por mais algum tempo. __ Já vai? Não quer ficar um pouco mais? Jantar comigo?__ Sem responder, Maya beijou-o e saiu.

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CAPÍTULO IV AS COISAS DE DEUS SÃO COM DEUS, AS COISAS DO HOMEM SÃO COM O HOMEM. No dia seguinte, John acordou inquieto. Não dormira bem àquela noite, os pensamentos enfocados na colocação de Maya quanto a "amoralidade". Não que fosse um puritano, ao contrário, já havia feito das suas e não conhecia nenhum empresário bem-sucedido que fosse incólume em sua conduta moral. Uma das primeiras lições de imoralidade que recebeu em sua carreira de executivo, e da qual jamais se esqueceu, foi quando negociou a venda de um imóvel de Otho com um senhor extremamente religioso que vivia apregoando a palavra de Deus. O homem parecia conhecer toda a bíblia de memória e a proclamava com tanta convicção, que John passou a considerá-lo um símbolo de honestidade e caráter. Na elaboração do contrato de compra e venda que assinaram e que definia os direitos e obrigações dos envolvidos, John achou desnecessário acrescentar algumas cláusulas que serviriam de proteção, em caso de descumprimento das partes. Sua decisão se baseava na confiança que sentia na palavra empenhada pelo outro, o qual afirmou que, a qualquer tempo, e se necessário fosse, assinaria um outro documento. Quando Otho leu o contrato, não concordou e pediu que fosse refeito nos moldes habituais. John redigiu um adendo ao contrato original com as modificações necessárias e o levou para que o outro assinasse. Para sua surpresa, porém, o "religioso" não aceitou o adendo. Chocado com aquela atitude, John lhe perguntou:__ mas não foi como havíamos combinado verbalmente e que só não acrescentei no documento por ter confiado na sua palavra? Afinal, não é o senhor que constantemente fala em Deus, diz ser contra a falsidade e é apologista da boa conduta?__ a reposta que ouviu e que ressoava até hoje em seus ouvidos foi:__ "meu jovem, não devemos misturar os assuntos; as coisas de Deus, são com Deus, as coisas do Homem, são com o Homem".

Desde então, nada mais o impressionava; ainda assim, no seu entender, existia uma diferença entre ser imoral e amoral. Aquele homem, por exemplo, descumpriu sua palavra, mas nem por isso poderia ser considerado um amoral; às vezes, uma pessoa pratica alguns atos considerados imorais por uma parte da sociedade, mas o faz conscientemente, com base nos padrões de valores morais recebidos em sua educação, ou mesmo, naqueles adquiridos através das suas experiências de vida e do segmento social no qual convive; e os utiliza para sua sobrevivência. Já o amoral é isento de quaisquer conceitos, morais ou imorais, não tem parâmetros e portanto, de uma certa forma, é quase um animal, refratário aos sentimentos comuns. Assim, a partir do momento em que Maya lhe perguntou se ele se considerava um amoral, não parou mais de pensar no assunto. Por tudo isso, era premente obter maiores informações sobre o Projeto. Pegou o telefone e ligou para Otho. Durante a conversa procurou descrever minuciosamente a reunião com Lazlo, mencionando, inclusive, que se recusou a responder as perguntas feitas pelo outro sobre a sua vida particular, mas que, apesar disso, fora aceito no grupo. Deixou claro que daria o melhor de si e agradeceu a Otho por tê-lo indicado. __ Fico realmente satisfeito por saber que tudo correu bem, mas, principalmente, por perceber seu entusiasmo, indispensável para que você consiga vencer os obstáculos que

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certamente surgirão __ disse Otho, e John aproveitou para encaixar sua pergunta mais importante. __ Nunca tive medo de enfrentar desafios, Otho, mas você não acha que, por uma questão de precaução, eu deveria estar mais bem informado a respeito do assunto? __ No momento e por telefone, é inviável, contudo, Lazlo marcou uma reunião conosco para depois de amanhã, quando então, tudo será esclarecido minuciosamente. O encontro será em Dresden, cidade situada na região da antiga República Democrática Alemã. A viagem, por si só, já vale a pena, pois o lugar, além de bonito, tem sua história. Ficaremos no Hotel Bellevue e nos reuniremos lá mesmo, por volta das três horas da tarde. Lazlo já cuidou das passagens e pediu para estarmos no aeroporto às nove horas, no balcão da Lufthanza.__ John não entendeu por que em Dresden, com tantos lugares em Paris onde poderiam conversar à vontade.

__ Mas por que lá, Otho ? __ Por razões culturais, John. Vamos aproveitar a oportunidade para ir à ópera, assistir a "O Barbeiro de Sevilha", um espetáculo imperdível, e saiba que Lazlo conseguiu os ingressos com muito esforço, pois a fila de espera, hoje, chega a duas semanas. Na sequência, poderemos visitar o Dresdner Zwinger, Gemaldegalerie, Katholische Hofkirche*, enfim, o que for possível em nosso curto espaço de tempo.__ John se conteve para não rir; não era a primeira que Otho armava as programações de forma a unir o útil ao agradável, só que, como sempre, não consultava seus companheiros sobre a escolha dos programas. __ Já entendi, Otho, e acho uma ótima idéia. __ Então, estamos combinados; sugiro que aproveite estes dois dias para descansar, pois, após Dresden, estaremos todos bastante ocupados por um bom tempo, pelo menos assim espero. Se eu não o procurar até a partida, nos encontramos no aeroporto. John dispunha de um dia e meio para fazer o que bem entendesse. Decidiu que almoçaria ali mesmo no hotel e, após, faria uma boa caminhada nas margens do Rio Senna. Por volta das 15 horas, de tênis e agasalho de ginástica, já caminhava em marcha acelerada pela margem esquerda do rio. Enquanto andava, distraia-se observando os pescadores, atentos ao menor movimento de suas varinhas de pesca. Estava tão absorto, que não notou alguém caminhando em sua direção, vindo no sentido oposto e quando se deu conta, já era tarde, a colisão foi inevitável. Ele conseguiu manter-se em pé, mas ela caiu sentada com uma expressão de espanto no rosto. Imediatamente, John ajudou-a a se levantar, pedindo desculpas e se explicando da melhor forma possível. __ Perdão, senhorita, estava distraído. Você se machucou?__ perguntou, mudando o tratamento para "você" ao perceber que ela deveria ter no máximo vinte e cinco anos. __ Não se preocupe, não foi nada; e, a culpa também foi minha; estava distraída. __ Era uma jovem parisiense comum, bonita em seu conjunto; feições meigas, pele clara, cabelos e olhos castanhos, semelhante a tantas outras que gostavam de caminhar ao ar livre. __ Deixe-me ao menos me apresentar: meu nome é John e o seu? __ Noelle. Você sempre caminha por aqui? Não me lembro de tê-lo visto antes.

__ Caminhava, alguns anos atrás. Hoje em dia é mais difícil, pois os negócios me tomam a maior parte do tempo __ respondeu, achando que causaria impacto.

__ É uma pena. A maior parte das pessoas tem tempo para dedicar-se a tudo, menos a si próprias; espero que isto nunca aconteça comigo__ disse com uma expressão de

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enfado, e continuou; __ bom, então, até qualquer dia.__ John ficou embaraçado com a resposta autêntica da moça e, de repente, sentiu que deveria conhece-la melhor.

__ Espere! O que você acha de caminharmos juntos? __Mas como, se estamos seguindo em direções opostas...?__ disse ela, parecendo dar um sentido duplo à pergunta. __ Por isso não, posso mudar de direção, afinal, até amanhã à noite estou por "minha própria conta", __argumentou John. __ Como assim? Você costuma estar "por conta dos outros"? Se é que entendi; está me dizendo que não tem vida própria? Não tem poder de escolha?__ disse, com um ar de espanto. __ Você não entenderia, ainda é jovem e não conhece as tramas da vida; um dia compreenderá esse mecanismo. __ Ela sorriu, complacente, enquanto murmurava;__ é, quem sabe...__ Permaneceu quieta por um momento, apenas olhando John nos olhos, pensativa, para em seguida dizer: aceito seu convite, mas somente se você aceitar o meu! __ Diga-me qual é, e se for possível, não vejo porque não aceitar __ retrucou bem humorado. __ Logo mais, vou assistir a uma palestra e gostaria que você fosse comigo, já que está disponível. O local onde será ministrada não fica muito longe e, a pé, em uma hora no máximo estaremos lá. __ John, sem saber por que, sentiu-se inquieto, mas não demonstrou. __ A que horas termina?__ perguntou ansioso. __ Por que, você tem hora marcada com alguém, mais tarde? __ Ele não tinha nenhum outro compromisso e, por instantes, ficou questionando-se por que fizera aquela pergunta, mas logo descobriu a razão: receava que Maya telefonasse e ele não estivesse lá para atendê-la. Mas e se ela não o fizesse,__ pensou,__ ficaria prostrado no quarto do hotel, como um tolo? Esperando em vão?

__ Na verdade, não, Noelle. Irei com prazer. __ Ela sorriu, contente com a decisão dele e, sem mais palavras, seguiram para o local onde se daria a reunião. Durante o trajeto, pararam para tomar um café e comer um sanduíche, por sugestão dela, pois não sabia até que horas ficariam lá.

Para ele era uma nova e gostosa experiência, andar por Paris na companhia de uma jovem agradável e bem-humorada como Noelle, participar de algo aparentemente diferente do que estava acostumado e sem horário marcado para voltar. Afora o fato de que a presença dela transmitia-lhe serenidade, coisa rara no meio em que vivia.

Entraram numa rua sem saída e caminharam até um pequeno prédio de três andares que apesar de antigo, estava bastante conservado.__ John não pode deixar de observar o piso de mármore antigo do hall de entrada; as pedras tinham o formato de losangos, pretos e brancos, perfeitamente encaixados. Procurava calcular mentalmente quanto custaria hoje o metro quadrado instalado daquele mármore; avaliar o preço das coisas que despertavam sua curiosidade não era tão somente um exercício mental, mas também um impulso, inerente a ele, difícil de evitar. __ À esquerda, havia um pequeno elevador e uma escada, e, à direita, uma porta de madeira marrom envernizada com uma campainha ao lado. Noelle pressionou o botão da campainha e logo a porta foi aberta por um jovem de aproximadamente trinta anos, descalço, vestido com roupas largas e de cor clara.

__ Namaste*__ exclamou, com as mãos junto ao peito curvando-se quase imperceptivelmente. Pediu que tirassem os calçados e deixassem ali mesmo, no pequeno

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vestíbulo de entrada e os encaminhou para a sala contígua, onde já se encontravam outras pessoas, sentadas em almofadas coloridas espalhadas pelo chão.

Havia um suave perfume de incenso no ar e, baixinho, podia-se ouvir o som de uma harmoniosa música indiana. John estava boquiaberto; não tinha a menor idéia do que acontecia ali e menos ainda de qual tipo de cerimônia iria participar. Preferiu não perguntar a Noelle e se manter em silêncio, seguindo o exemplo da maioria. Os dois ajeitaram-se em duas almofadas que estavam perto da parede, de modo que pudessem apoiar as costas. A seguir, o jovem que os recebeu começou a falar.

__ Sejam bem-vindos mais uma vez ao Centro de Dharma. Para os que vieram hoje

pela primeira vez, este é um espaço onde estudamos o budismo, praticamos Yoga* e promovemos palestras e vivências; como a que teremos a seguir sobre “Liberdade” e que será ministrada por um importante Lama Tibetano. Acho que devemos nos sentir privilegiados com a presença de um convidado tão ilustre que, apesar de estar de partida para o Tibete, gentilmente aceitou meu convite. Em instantes estará conosco. A espera durou quase dez minutos até que o Lama entrasse, vestido a caráter. Sorrindo, com as palmas das mãos unidas junto ao peito curvou-se, cumprimentando a pequena platéia. Olhava carinhosamente para todos, parecendo analisar cada qual individualmente, mas quando viu John, para surpresa geral, exclamou:__ mas que coincidência! Quem poderia imaginar que eu encontraria justamente aqui, meu amigo executivo do Champs Eliseé!__ Ato contínuo, foi sentar-se perto de John, que sorriu desconcertado sem saber o que dizer.

O Lama pediu que formassem um círculo e, atendendo à solicitação, as pessoas se deslocaram dos seus lugares, posicionando-se lado a lado, uns ajudando aos outros, alguns, olhando de soslaio e com curiosidade para John. Quando todos estavam acomodados, o Lama recomeçou. __ Vamos dividir o trabalho em três partes: primeiro, vamos conversar sobre liberdade, e aqueles que quiserem expressar sua opinião, por favor, fiquem à vontade. A seguir, faremos uma meditação, momento em que cada qual poderá elaborar suas idéias sobre o tema e, para finalizar, cada um vai contar para o grupo o que experimentou durante a meditação.

A primeira parte do trabalho transcorreu animadamente, sem surpresas, já que a maior parte dos presentes tinha a mesma opinião a respeito do assunto; até mesmo John, cujas idéias coincidiam com as da maioria.

O Lama pediu que, a seguir, todos ficassem em silêncio e procurassem uma posição confortável, fundamental para a segunda parte: a meditação. Noelle teve tempo de explicar a John o que significava meditar, sob o conceito budista, e enfatizou que ele não se preocupasse muito com fundamentos técnicos, como se sentar na posição de Lótus* ou equivalente, manter a coluna ereta etc., mas que poderia inclusive deitar-se de costas, relaxar e deixar que as coisas acontecessem...

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CAPÍTULO V LABORATÓRIO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LOCAL-DESCONHECIDO SALA DA DIRETORIA DE PESQUISA DE NOVOS PRODUTOS

A sala do diretor responsável pela pesquisa de novos produtos, onde Lazlo se encontrava naquele momento, não parecia em nada com as que tivera a oportunidade de conhecer. Nas Tradings*, as salas dos diretores eram amplas e muito bem decoradas, todas com computadores ligados durante todo o expediente; alguns fornecendo cotações das diversas ações e produtos que estavam sendo comprados e vendidos nas principais Bolsas de Valores e de Commodities do mundo, no exato momento da transação, e outros exibindo em suas telas as projeções de preços do Mercado Futuro, recursos que permitiam decisões precisas e bem acertadas. Já nos Bancos, as salas também eram bastante confortáveis e bem decoradas, porém, sem grandes aparatos eletrônicos, a não ser pelos computadores.

Aquele recinto, no entanto, à primeira vista, Lazlo achava simples demais para um executivo de cargo tão importante e em um Laboratório de renome internacional, na verdade, até uma incoerência. Enquanto aguardava o seu interlocutor voltar, aproveitou para analisar detalhadamente o lugar e concluiu que lá se dava prioridade à segurança... No canto direito do teto havia uma pequena câmera; a porta pela qual entrou era de ferro e com sistema eletrônico de trava, ou seja, ninguém conseguiria abri-la se não conhecesse o código de acesso. Na parede, que ficava em frente à mesa, havia um espelho grande afixado, sem dúvida com outra câmera atrás, de tal forma que o visitante pudesse ser observado pelas costas. __Precauções, em lugar de luxo e conforto; e não era para menos, pois a espionagem industrial estava cada vez mais sofisticada__ conjeturava.

O diretor voltou à sala. Carregava uma caixa quadrada de fibra de vidro, cuja tampa estava fechada por um pequeno cadeado. Sentou-se e, cuidadosamente, explicou como manipular o material ali contido. Preparara inclusive um disquete, no qual todo o procedimento de manipulação e reprodução estava ordenado de forma a não prejudicar a qualidade e, por conseqüência, a eficiência do produto.

Lazlo agradeceu e entregou ao outro um recibo de depósito bancário feito em dólares, em um banco com sede em Lichtenstein*. O diretor, um senhor baixo, magro, óculos de lentes grossas e cabelos brancos desordenados, analisou o recibo cuidadosamente, contou os seis zeros à direita do número e então acessou um determinado código em seu laptop, estrategicamente posicionado na mesa para que nenhuma informação pudesse ser captada pela câmara acima. Um extrato bancário surgiu na tela e seu último item confirmava que o depósito havia sido feito.

Lazlo procurou não demonstrar sua emoção ao despedir-se. Agora faltava muito pouco para a concretização do Projeto...

Sabia que Otho já havia acertado com duas grandes Tradings, um grande Banco e, ainda, com um importante grupo ligado à área de imprensa. Encarregar-se-ia também dos contatos e acordos com os políticos que fariam parte do esquema. Quanto à tarefa de maior risco, a tarefa de campo, esta, ficaria por conta de John.

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CENTRO DE DHARMA

Todos já se encontravam em suas posições preferidas: alguns, de joelhos, sentados sobre os calcanhares, mãos sobrepostas logo abaixo do umbigo descansando sobre as coxas; outros, na posição de Lótus ou meia Lótus, havendo ainda aqueles que preferiram se deitar de costas com os braços estirados ao longo do corpo, como John.

O Lama iniciou os trabalhos fazendo uma pequena oração ininteligível, provavelmente em tibetano, uma prece de preparação, talvez um pedido de autorização aos Deuses. Apesar de não entenderem o significado das palavras, todos sentiam a força que emanava delas.

A seguir, começou a entoar Mantras* acompanhado por alguns, dentre eles, Noelle. John, deitado, escutava aquelas melodias cada vez mais envolvido, em um estado que, mais tarde, classificaria como hipnótico. Procurava se concentrar no tema principal, Liberdade, mas sua mente escorregava para outros pensamentos, como Maya, cujo corpo nu surgiu de repente, envolvendo-o tal qual um manto, a ponto de deixá-lo tão excitado que, por um instante, achou que ela estivesse mesmo ali presente. Lutou bravamente para escapar dela, mas o que conseguiu foi substitui-la por outros visitantes. Primeiro, surgiram Otho e Lazlo; a seguir, Noelle, e aos poucos, todos esses personagens deram lugar às suas ambições que, uma a uma, começaram a desfilar desordenadamente.

O Lama continuava com os mantras, mas aos poucos, foi baixando o tom de sua voz, até que silenciou de todo. A partir de então, daquele momento de silêncio total, a mente de John se aquietou, entrando num estágio diferente, uma fenda entre a consciência e a inconsciência. Deu-se conta de estar olhando através de uma janela, visualizando, não muito longe, imponentes montanhas cobertas de neve que, aos poucos, iam se escondendo na noite enquanto o sol se punha. Ao seu redor, um quarto, seguro e aconchegante, exclusivamente seu, onde ninguém tinha o poder de interferir em seus pensamentos, na sua solidão serena. Caminhou até um pequeno espelho fixado em uma das paredes e como qualquer um faria, mirou-se, sem razão aparente. Para sua surpresa, a imagem ali refletida não era a dele, mas a de um monge budista, caracteristicamente vestido, calvo, olhos rasgados; um monge tibetano...

A estranha visão acelerou as batidas do seu coração, interferindo na sua quietude, aos poucos, trazendo-o de volta à realidade, seu corpo suando frio. Lentamente, foi se sentando, sem saber por quanto tempo permanecera naquele estado latente. Olhando em volta, deu-se conta de que todos já estavam sentados, e que Noelle o observava com curiosidade.

A voz do Lama se fez ouvir. __ Espero que a meditação tenha sido proveitosa; sempre nos traz flashes da nossa

essência. Agora, cada um de vocês vai contar para o resto do grupo as sensações que teve.__ Todos procuraram explicar suas percepções, invariavelmente, traduzindo liberdade como uma utopia, um estado de graça inatingível pelo ser humano, principalmente pela sua interdependência, não só com a sociedade, mas também com seu próprio corpo, por si só, cheio de limitações. Noelle contou que se sentiu voando como uma águia, livre nas alturas. John foi o último a falar e, ao narrar seu sonho, deixou todos bastante impressionados. O Lama esperou que os sussurros terminassem.

__ Gostei muito de tudo que ouvi hoje e não penso muito diferente de vocês; contudo, a mim me parece que o mais importante não é a conclusão a que cada um de nós chegou sobre o tema lançado, mas o exercício de auto-investigação que fizeram. É como

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partir para uma viagem de férias e perceber que o prazer pode ser encontrado, não apenas e tão-somente na chegada ao destino, mas em todo o percurso, em todos os momentos da viagem, seja ela para o Rio de Janeiro, para o Tibete, ou mesmo para o seu próprio interior. Como se diz hoje em dia, vivenciar as experiências do "aqui e agora". __ Neste ponto, virou-se para John sorrindo, e continuou:__ a nossa vida é uma rica viagem que fazemos em direção à maior de todas as descobertas, bem maior do que estabelecer qual o sentido de Liberdade: é saber quem nós somos, de onde viemos, e para onde vamos...

O Lama parou de falar e levantou-se, sinalizando que o encontro chegara ao fim. __ Agradeço pelo momento sublime que me proporcionaram e espero sinceramente que um dia possamos estar juntos novamente__ disse,__ retirando-se a seguir, não sem antes dar um último olhar de cumplicidade para John. Como resposta, o grupo bateu palmas e após tecerem alguns comentários de elogio e satisfação, despediram-se uns dos outros, agradeceram ao jovem responsável pelo evento e se foram.

Já anoitecera e John se ofereceu para levar Noelle para casa. __ Se você não se importar, já que vou mesmo de táxi, gostaria de deixá-la em casa.

__ Por que não, __ respondeu ela__ mas não vai ficar barato, pois moro na Places de Voges e você, na certa, bem distante de lá.

__ Não tem importância, na verdade, o que você me proporcionou vale bem mais do que uma tarifa de táxi e além disso, teremos uma boa oportunidade para trocarmos algumas idéias a respeito das experiências que vivenciamos na meditação. __ Mal acabara de falar e se surpreendeu utilizando palavras que nunca usara antes, como "vivenciar". __ Parecendo compreender o que se passava, Noelle sorriu.

John retribuiu o sorriso, sentindo-se feliz de poder ficar mais tempo com ela e, quem sabe, conhecer um pouco mais daquela moça, tão diferente de outras jovens da mesma idade Um táxi estava parado no Ponto, logo adiante, e isto, àquela hora, era o que se poderia chamar de um golpe de sorte. Não demorou e estavam a caminho da casa dela, porém em completo silêncio. John e Noelle haviam perdido a vontade de falar, queriam apenas sentir a presença um do outro naqueles últimos instantes, apesar das tentativas do motorista que, em vão, arriscara uma prosa.__ Depois de tantos anos na direção de um táxi, considerava maçante ter de levar passageiros, ora para um lugar, ora para outro e, como passatempo, adquirira o hábito de avaliá-los, tarefa somente possível, depois de uma boa troca de palavras; fora o fato de que queria falar mal do governo e dos times de futebol __.

O carro encostou à frente de um antigo prédio de cinco andares; John pediu ao motorista que aguardasse enquanto acompanhava Noelle até a entrada. Pararam em frente à porta e se olharam, invadidos por um sentimento verdadeiro; não aquele comum aos homens e às mulheres, mas algo fraterno e profundo, inexplicável, ao menos para John.

__ Acho que jamais vou esquecer esse dia, Noelle; algo novo, uma nova perspectiva surgiu em minha vida, ainda não sei bem qual, mas seja ela qual for, devo a você__disse, com uma expressão triste no semblante.__ Só que meu coração está apertado, pois tenho a sensação de que não vou mais vê-la.

__ Também passei momentos intensos ao seu lado, John; quanto a não nos vermos mais, como o Lama disse, nunca se sabe, não é? __ É verdade. Você tem telefone? __ Não, mas como você sabe onde moro e sabe chegar ao Centro de Dharma, não será difícil me localizar, caso você queira.__ Abraçaram-se calorosamente e ela entrou.

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Esperançoso, por perceber que John voltara para o carro meio cabisbaixo, sinal de que alguma coisa dera errado com o casal, o motorista mais uma vez tentou comunicar-se. Considerava-se um especialista em casos de amor frustrado. Falou das mulheres, das desilusões que causavam nos homens e da dificuldade de entendê-las. Contou o caso de um colega, cuja mulher o trocou por outro e, enquanto falava, acompanhava as reações de John pelo espelho retrovisor. Este, no entanto, não esboçava qualquer interesse pelo assunto; ao contrário, parecia não escutar nada, e mantinha-se calado. Após mais algumas tentativas frustradas, o motorista parou de monologar. Não obstante, fez a sua avaliação sobre aquele passageiro:__ não passava de um chato e não fora à toa que levara um fora da namorada,__ concluiu, satisfeito com seu veredicto.

Era tarde da noite quando John chegou ao hotel. Despiu-se e jogou-se na cama, absorto, usufruindo o silêncio do seu quarto. Paulatinamente foi recordando os acontecimentos do dia: o encontro com Noelle no Sena, a coincidência de ter reencontrado o Lama, e a estranha experiência que vivenciara durante a meditação, o que mais o intrigava. Lembrava-se da imagem do monge refletida no espelho daquele exótico quarto, provavelmente de um monastério, e tudo aquilo lhe parecia bastante familiar.

Fora um dia repleto de coisas boas, mas ainda assim John sentia-se acabrunhado, e sabia a razão; o trabalho que tinha pela frente. Provavelmente não veria mais Noelle e o Lama, a quem se afeiçoara, e muito menos visitaria o Centro de Dharma. Estava de volta ao seu mundo real.

Repentinamente, lembrou-se das últimas palavras dela ao se despedirem: "como o Lama disse, nunca se sabe"... e, no mesmo instante, ficou atônito. Aquilo não era possível, será que estava ficando louco? Lembrava-se muito bem que quando o Lama falou: "nunca se sabe", Noelle não estava junto; fora nos Champs Eliseé, na despedida do restaurante, então, como ela poderia saber deste detalhe?

O telefone tocou interrompendo seu devaneio, era Maya. John atendeu, deixando transparecer sua agitação na voz. __ Está tudo bem com você?__ perguntou Maya, observando algo diferente. __ Está, Maya, estava cochilando um pouco e o toque do telefone me assustou, só isso. Você vai bem? Senti sua falta. __ Otho viajou hoje cedo para Zurik e só volta amanhã ao meio-dia. Se você quiser, posso dormir aí esta noite. __ Venha já. Quer que eu vá encontrá-la no caminho? __ Não precisa se incomodar, logo estarei aí. __ Está bem, neste caso, vou tomar uma ducha rápida. A porta vai ficar destrancada; entre e fique à vontade.

John estava eufórico em pensar que a teria por toda a noite, e mais, com Otho viajando, no dia seguinte também estaria livre, não só para descansar, como também para se ocupar com os preparativos da viagem a Dresden.

Por todo aquele dia, foram poucos os momentos em que Maya lhe saíra do pensamento, mesmo apesar de Noelle, do Lama e das experiências que passou durante a meditação. Era seu corpo que necessitava do dela, quase como o de um animal faminto em busca de alimento.

Ela chegou trazendo consigo uma garrafa de champanhe e, aproveitando que John ainda estava no banho, abriu a pequena geladeira, encheu um balde com gelo e colocou o champanhe dentro. Telefonou para o serviço de quarto e pediu aperitivos, dois vidros de caviar e duas taças. John saiu do banho, enxugou-se rapidamente, vestiu um roupão e foi

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para a sala. Ao vê-la, mais uma vez admirou-se com sua beleza; não usava qualquer maquiagem naquele momento, no entanto, a pele de seu rosto estava rosada, talvez em função do vento frio que soprava lá fora. Abraçaram-se, mais com carinho do que com paixão, como se nada mais existisse no mundo, além deles.

John abriu a garrafa e encheu as duas taças, deixando que o líquido borbulhante transbordasse um pouco, como sinal de fartura...

__ A que vamos brindar?__ perguntou. __ Eu quero brindar ao futuro__ disse ela,__ às recompensas que se aproximam a

passos rápidos, após tanto tempo de espera. E você? __ Eu brindo a este momento com você e à realização dos meus sonhos mais ocultos__ disse ele. Beberam, comeram e conversaram alegres e descontraídos e em dado momento, inebriados pela bebida, se entregaram ao amor. Adormeceram abraçados.

Acordaram tarde na manhã seguinte e tomaram juntos o café da manhã; mas desde que ela chegara, nenhum dos dois falara sobre o Projeto e John continuava curioso para esclarecer o que Maya quisera dizer com "amoralidade".

__ John, infelizmente, só temos mais meia hora; ao meio-dia, quero estar no apartamento, pronta, esperando por Otho__ disse Maya, com uma ponta de tristeza na voz, uma tristeza real, pois chegara à conclusão de que algo não planejado acontecia, uma armadilha surpreendente: estava gostando realmente de John. Ele já não era mais apenas parte de um plano, passara a ser alguém importante em sua vida, que lhe proporcionava momentos de uma felicidade que jamais provara antes.

__ Entendo__ respondeu angustiado, mas respeitando as regras do jogo, e continuou,__ não sei se é o momento, mas preciso esclarecer uma dúvida antes da minha viagem a Dresden; presumo que Otho lhe falou sobre a reunião que faremos lá, com Lazlo.

__ Sim, falou__ respondeu apreensiva. __ Mas o que você gostaria de esclarecer exatamente, se é que posso ajudá-lo? __ Da última vez que estivemos juntos, você perguntou se eu me considerava "amoral", lembra-se? __ É, lembro-me de ter-lhe perguntado qualquer coisa assim__ respondeu, disfarçando a ansiedade. __ Diga-me; para que o Projeto de certo, eu preciso ser um amoral? Naquele exato momento, o telefone tocou e John atendeu. Era a oportunidade providencial que Maya precisava para não ter de responder àquela pergunta tão constrangedora. Preferia que ele encontrasse a resposta por si mesmo.

__ Bom dia, John, desculpe-me se o acordei. __ Absolutamente, Otho, estou acordado desde as oito. Posso ajudá-lo em alguma coisa? __ Liguei para o apartamento à procura de Maya e não a encontrei. Por acaso ela falou com você? __ Não, Otho, mas se quiser posso passar por lá e falar com o zelador, quem sabe ela deixou algum recado. Onde você está?__ John procurava dissimular seu nervosismo da melhor forma possível.

__ Estou no aeroporto, fui a Zurick ontem e passei a noite lá. Mas não se preocupe, John, na certa ela foi fazer algumas compras. __ Certo, mas, se você precisar de alguma coisa, não hesite em telefonar. Por falar nisso, nossa viagem está certa para amanhã?

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__ Está, às nove horas. Encontro-o no aeroporto. Até lá, aproveite seu tempo.__ disse Otho, em seguida desligando.

Enquanto falavam ao telefone, Maya aproveitara para se arrumar, esperando somente que eles terminassem para despedir-se de John.

__ Vou indo; tenho que terminar umas coisas que Otho me pediu que fizesse. Saiba que adorei esta noite ___ disse ela antes de sair, e desta vez falava a verdade.

__ Eu também__ respondeu John, resignado.

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CAPÍTULO VI Corruptor & Corrupto Na verdade Otho não viajara para Zurick; ficara em casa, assistindo à TV e organizando sua agenda dos próximos dias, e naquele momento lia os jornais no quarto, enquanto esperava por Maya. O telefonema que dera para John, dizendo estar no aeroporto, fora apenas com o objetivo de dar cobertura a ela. A qualquer momento receberia a visita de quatro políticos importantes, cada um deles representando seu respectivo país; eram imprescindíveis para a seqüência do Projeto. Já fizera negócios com eles antes e não tinha dúvidas de que o apoiariam novamente. Convidara-os e às respectivas esposas a se hospedarem por sua conta no Hotel George V, com todas as despesas pagas, inclusive as passagens de ida e volta na primeira classe. Maya tinha a chave do apartamento e assim que chegou foi ter com Otho. __ Bom dia, Otho, dormiu bem? __ Dormi, Maya, o sono dos injustos; dizem que os justos não conseguem dormir direito,__ brincou.__ E você, conseguiu dormir? __ O suficiente__ respondeu enquanto se curvava para beijá-lo. Sentia muito carinho por ele, quase o mesmo carinho que sentia pelo pai. Em outras épocas, confundira aquele sentimento com amor, mas com o tempo, percebeu que, na sua relação com Otho, faltava aquele algo mais, tão comum entre os casais tradicionais, uma sensação diferente que agora conhecia. Não podia mais negar para si mesma; no início, com John, tudo não passava de um jogo de interesses, mas em curto espaço de tempo se transformou e agora tinha certeza que o amava. __ Sente-se e ouça-me com atenção__ disse Otho, interrompendo seus pensamentos; achou que chegara o momento de explicar a ela que, a partir do que seria exposto em Dresden, nenhum dos envolvidos poderia mais retroceder, abdicar de continuar, não importando a razão, por mais forte que fosse.__ Tenho confiado em você todos estes anos, Maya, pois conheço seu senso de fidelidade e responsabilidade e estas qualidades, somadas à sua ambição, credenciam-na para fazer jus a esta confiança. Quero apenas alertá-la, já que sou mais velho e mais experiente, que, sob certas circunstâncias, as pessoas se tornam ingênuas, colocam de lado suas prioridades e acabam jogando por terra anos de sacrifício e contenção. Temos um cronograma e a fase de planejamento deste, em muito pouco tempo, dará lugar à fase de execução do Projeto e, a partir de então, desistências serão muito prejudiciais. __ Entendo seus receios, porém, no tocante a mim, estou convicta do que é melhor para minha segurança e meu futuro__ afirmou tacitamente, não somente para tranqüilizá-lo, mas porque de fato pensava assim.__ Não consigo imaginar que espécie de circunstância poderia desviar-me de meus objetivos__ questionou. __ Da espécie que, mais cedo ou mais tarde, atinge a todos nós: o amor__ ele pronunciou a palavra amor com um toque de romantismo, ao mesmo tempo em que sorria com conivência. Ela ficou desconcertada, suas faces ruborizam num misto de vergonha infantil e constrangimento, sentindo-se como que flagrada em uma travessura. __ Amar faz parte do jogo da vida, Maya; mesmo eu, que pareço imune aos sentimentos mais comuns, um dia

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amei__ falou com alguma emoção. Ela sabia que Otho se referia à esposa; esta falecera ao dar à luz Randolf. Amigos comuns ocasionalmente comentavam que eles eram um casal perfeito, unido por um sentimento de compreensão incomum; mas depois da morte dela, Otho nunca mais foi o mesmo. __ E nunca mais amou alguém?__ perguntou aflita, sem saber exatamente por que. __ Amei, Maya, e ainda amo. __ E posso saber quem é essa pessoa? __ Essa pessoa é você!___ respondeu baixinho, como se estivesse cometendo um pecado. Maya ficou atônita diante daquela declaração tão inesperada e num impulso, abraçou-o, traduzindo naquele abraço todo seu afeto. Suas faces, coladas, ficaram úmidas pelas lágrimas que escorriam dos olhos dela. Permaneceram quietos, apenas sentindo um ao outro, até que ele, pegando o rosto dela com as duas mãos, beijou-a carinhosamente. __ Mas então, por que, Otho?__ Ela procurava resumir naquela pergunta todas as suas dúvidas a respeito daquele amor tão inverossímil; queria saber por que ele não a assumiu e, pior, a entregou nos braços de outro homem. __ Maya, você tem idade para ser minha filha__ falou, parecendo adivinhar os pensamentos dela__ nossa relação tem sido leve, gostosa e duradoura, uma verdadeira aventura amorosa. Dizem que "o preço da liberdade é a solidão", mas não tem sido assim para nós; somos a exceção à regra: livres, sem sermos sós, quer mais do que isto? Por outro lado, venho observando em cada gesto, em cada sorriso, em cada palavra sua, até nas expressões de seu rosto, a gratidão que você tem por mim, a admiração pela minha inteligência e o sentimento de segurança que eu lhe inspiro. Mas isto não significa que você me ama do jeito comum; aquele amor__ enfatizou__ que uma mulher sente por um homem sem mesmo saber porque, sem medir qualidades e defeitos, apenas sente__ parou momentaneamente de falar e encarou-a, transmitindo em seu olhar uma pergunta calada: não é o que você sente por John? Ela entendeu as palavras não ditas e uma profunda tristeza invadiu-lhe a alma; sentia que era o início do fim daquela relação, daquela convivência que tanto a fizera crescer. Parecia ver lágrimas contidas nos olhos dele, mas não tinha certeza e nem queria ter. __ Muito bem, vamos ao que interessa__ disse ele, mais uma vez surpreendendo-a pela sua capacidade de auto-recuperação e objetividade.__ Indiquei John para o Projeto, primeiro, por acreditar em sua capacidade; segundo, por ele ser alguém de minha confiança; terceiro, por saber que é determinado e quando quer alguma coisa, vai até o fim, não se acovarda, pelo menos é o que tem demonstrado. Contudo, cada um tem seus limites; para certas pessoas, nem tudo se resume a dinheiro e elas só percebem isso quando encontram pela frente uma razão mais forte do que sua ganância. Não conheço os limites de John e foi justamente por isto que a coloquei junto dele, lembra-se? Pois bem, responda-me francamente: você acha que John é realmente o nosso homem? Sentiu-se encurralada com a pergunta; não sabia com certeza se John iria mesmo até o fim, estava indecisa e em sua mente ecoavam as palavras de Otho: "sob certas circunstâncias, as pessoas se tornam ingênuas e confundem suas prioridades". Era o que ela sentia naquele momento, talvez confundindo suas prioridades.

Mas, por outro lado, se não fosse John, quem seria? Um estranho? Justamente agora que estavam tão próximos um do outro, e ambos tão perto da independência financeira tão

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desejada? Se a vida era mesmo um jogo, iria jogar, sem importar-se com as "circunstâncias", e mais, com as "conseqüências" da decisão que tomava... __ Não tenho a menor dúvida quanto a isso, Otho, estou certa que ele não somente irá até o fim, como também será bem-sucedido. __ Assim espero.

Às 14 horas em ponto a campainha do apartamento tocou e Otho foi abrir a porta

para seus convidados especiais. Maya havia saído para o cabeleireiro e só voltaria no final da tarde.

Os visitantes eram quatro senhores muitos bem vestidos e de ótima aparência; todos de terno, bem barbeados e perfumados, coisa comum nas ruas de Paris. Quem os visse discursando em defesa de seu povo, jamais poderia imaginar em quantas falcatruas estavam envolvidos. Otho tinha prática com aqueles tipos; convivia com eles, usava-os, mas no fundo os desprezava. Para ele, existia uma grande diferença entre o corruptor e o corrupto. O primeiro era criativo, um aventureiro assumido, aquele que corria todos os riscos, um leão; já o segundo vivia camuflado, à espera de quem pagasse mais, dos restos da caçada, uma hiena. Sabia que havia exceções, políticos honestos, mas não era o caso naquele momento. Recepcionou-os amavelmente, indicando a sala e as poltronas para se sentarem; mostrou o bar, onde haviam bebidas, salgadinhos variados e chocolates, deixando-os a vontade para se servirem. Como tinham acabado de almoçar, serviram-se de licor e chocolate e só então se acomodaram para dar início à reunião. __ Antes de qualquer coisa, quero agradecer a gentileza de terem tido o trabalho de deslocar-se de tão longe para participar deste encontro. Espero, ao menos, que estejam aproveitando sua estada em Paris para descansar um pouco__ comentou sorrindo. Responderam cordialmente, ansiosos para conhecerem todos os detalhes da "operação".__ Como estamos entrando na fase de execução do Projeto__ continuou__ devo explicar detalhadamente, como cada um dos senhores deverá reagir publicamente, ante as

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informações que serão divulgadas pela Mídia internacional, e quais as medidas que deverão adotar como proteção aos interesses de seus respectivos países. Outro aspecto importante que decidiremos hoje é sobre a distribuição dos lucros a curto, médio e longo prazo, assim como os bancos selecionados. Ao ouvirem a palavra mágica “lucro”, todos se remexeram em suas poltronas. __ Cada país aqui representado tem grande importância política e econômica no continente em que se situa, portanto, a decisão de um influenciará na decisão dos outros, progressivamente. Por exemplo, no momento em que o bloqueio for anunciado...

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CAPÍTULO VII TIBETE Para a fraternidade do monastério, a coerência divina era a condição primeira da existência, sem a qual predominaria o caos, e essa premissa dava um conteúdo construtivo às vicissitudes da vida. Assim, se Bruma se perdesse no mundo dos homens, outro iria em seu lugar e, se este também não lograsse êxito, outros seriam enviados, e assim tantos quantos fossem necessários. Era uma questão de Dharma*.

Contudo, havia um clima de tensão no ar, pois acima de tudo eram humanos e lamentavam cada perda, não somente pelo vazio que deixava, mas pela perspectiva do sofrimento que viveria aquele que se desgarrara, já que, para retornar, teria de vagar novamente pela roda do Karma*.

O Lama agora acompanhava de perto cada movimento, tanto do "Emissário", como do "Opositor", pois sabia que o momento final se aproximava; só não tinha ainda a certeza absoluta do dia e da hora em que se travaria o confronto final.

Diferente das outras vezes, e nunca saberia o porque, resolveu discutir o assunto com o grupo. __ Acho que todos se recordam da nossa última reunião, ocasião em que expliquei a necessidade de enviarmos um dos nossos a uma área importante de conflito, no continente europeu__ disse o Lama.__ Gostaria que soubessem que estamos bastante perto do grande desfecho, que é quando o nosso Monge deverá fazer a sua opção. Apesar de nossa interferência ser basicamente inócua neste estágio dos acontecimentos, toda e qualquer ajuda que pudermos dar será válida e, assim sendo, estou aberto para ouvi-los, receber sugestões. Uma parte dos presentes manteve-se em silêncio; certamente por se sentirem despreparados para opinar; outros conversavam entre si, provavelmente arriscando idéias, até que um velho monge pediu a palavra. __ Tenho uma sugestão a fazer__ disse levantando o braço.

__ Sou todo ouvidos. __ As forças contrárias usarão de todas as artimanhas possíveis para iludir Bruma,

utilizando, inclusive, a mais persuasiva de suas armas: a paixão, travestida de amor. Se assistirmos a tudo passivamente, estaremos abandonando-o à própria sorte. Sugiro que, no tempo certo, entremos em meditação no templo, em uma cerimônia de Puja. Será um esforço conjunto que terá como objetivo o abandono das nossas identidades próprias, pessoais, em nome de uma identidade única, coletiva, resultante de todas as nossas juntas, possuidora de todas as nossas energias individuais, e esta, saberá como e até que ponto deverá interferir__ disse emocionado. O Lama concordou, satisfeito com as palavras daquele monge tão experiente e vivido, apesar de saber que para atingirem aquele estágio de desprendimento, necessitariam de grande concentração. Uma experiência como a sugerida nunca havia sido realizada antes.

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DRESDEN O avião para Dresden havia decolado e quinze minutos após um farto café completo estava sendo servido; omelete, bacon, queijo, manteiga, mel, geléias, pães e torradas, suco de frutas, frutas naturais, café e chá faziam parte do cardápio. Alguns passageiros, os menos habituados a tanta fartura, não se acanhavam em pedir mais comida e bebidas à Aeromoça. John já estava satisfeito e distraia-se observando de soslaio um passageiro que estava sentado bem ao lado; apenas um corredor os separava. Era gordo, alto e transmitia uma grande disposição física, talvez pela avidez com que saboreava seu segundo omelete com pão e bebia sua terceira xícara de chocolate com leite. Sentia até uma ponta de inveja, pois sabia que se comesse metade do que aquele senhor comia, na certa passaria mal.

O tempo passou tão rápido que, quando se deu conta, o avião já estava pousando. Desembarcaram, cada um com suas bagagens de mão, mas ao passarem pela porta de saída do avião, John quase foi atropelado pelo senhor gordo que sentara ao seu lado. Este resmungara qualquer coisa em alemão que, mais tarde, Otho, rindo, traduzira para John como: "em lugar de ficar olhando o que os outros comem, é melhor olhar por onde anda". O luxuoso Hotel Bellevue, inaugurado na primavera de 1985, excepcionalmente bem localizado, oferecia além da beleza de sua arquitetura, amplas acomodações; apartamentos específicos para não-fumantes, para deficientes, todos climatizados e bem equipados, um Fitness-Club, com médicos e fisioterapeutas disponíveis, massagem, piscina, sauna, entre outras coisas, e ainda, um serviço completo e impecável. Assim que entraram, John, mais uma vez, foi tomado pela energia do dinheiro, fazendo com que se sentisse naquele momento um Semideus; conjeturava sobre qual a percentagem de pessoas no mundo com a oportunidade de freqüentar um lugar como aquele, tão sofisticado. Já estivera em muitos hotéis de luxo nos países que visitara, igualmente bons, mas não sabia por que, naquele momento, a importância de "poder estar lá" o afetava tanto. Após os trâmites costumeiros, os três se instalaram nos seus respectivos apartamentos e em seguida, encontraram-se para almoçar no Weinrestaurant Wackerbarths Keller, um dos restaurantes do hotel.

Durante o almoço, a conversa se restringiu aos comentários sobre o hotel, a cidade, as conseqüências da queda do "muro da vergonha" que, segundo Lazlo, só poderiam ser julgadas no futuro... Otho pensava da mesma forma e achava que muitos países, principalmente os do "terceiro mundo", eram cercados por muros invisíveis, pois grande parte da população estava sitiada pela falta de dinheiro, alimentação inadequada, assistência médica insuficiente; e mais, considerava aqueles muros, barreiras indestrutíveis, visto como eram ignorados pelos seus governantes. John permanecia calado; pensava na reunião da tarde.

__ Diga-me, Otho, a reunião de hoje está confirmada?__ perguntou intrigado. __ Foi transferida para amanhã__ interveio Lazlo; __um dos participantes chegará

atrasado e não queremos iniciá-la sem ele. __ Neste caso, qual será a programação de hoje?__perguntou John. __ Cada um está livre para fazer o que bem entender. Eu vou descansar até a hora de

irmos à ópera__respondeu Otho. Sugiro que façam o mesmo. __ E amanhã?__ continuou John.

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__ Planejei um passeio pela cidade, antes do nosso encontro da tarde, e quem quiser se juntar a mim será bem-vindo.

John também foi descansar e no meio da tarde fez ginástica, nadou e tomou sauna. Lazlo passou quase todo o dia falando ao telefone, articulando a reunião do dia seguinte. À noite, os três foram assistir a "O Barbeiro de Sevilha".

O antigo teatro, apesar de conservado, guardava um aroma peculiar aos teatros dos países do antigo Bloco Socialista ; o odor dos velhos tempos impregnado na platéia, nas cortinas, nos tapetes, nas paredes, como se fizesse parte de uma tradição. Parecia uma mistura do cheiro de desinfetantes, com algum outro, talvez dos perfumes, alguns caros, outros baratos, tantas e tantas noites usados pelos espectadores. Mais tarde, Otho o classificaria como "o aroma da idade". Estava repleto, principalmente de moradores locais, vestidos sobriamente, com suas roupas antigas mas bem conservadas, guardadas especialmente para ocasiões como aquela.

Lazlo conseguira reservar os melhores lugares; poltronas confortáveis, centrais e a uma distância propícia para que tivessem uma visão completa do palco e do maestro. A ópera foi cantada em alemão e provocou muitos aplausos e gargalhadas na platéia, principalmente naqueles que entendiam a língua.

Terminaram a noite jantando em um restaurante local, Otho e Lazlo envolvidos em uma atmosfera de festa e despreocupação, diferentes de John, que achava aquele estado de relaxamento somente possível para os muito ricos, pois os outros, e nisto estava incluído, ao final do espetáculo certamente voltariam a pensar nos seus problemas pessoais.

No dia seguinte, os dois saíram cedo para uma excursão pela cidade. John não os acompanhou, preferiu ficar e aproveitar a piscina interna e depois almoçar no próprio apartamento; queria manter-se concentrado para o "o tão esperado encontro". Este, fora remarcado para as 16 horas, no Appartement Caspar David Friedrich, uma suíte especial para ocasiões como aquela, onde gozariam de toda a discrição necessária. As providências solicitadas por Lazlo haviam sido tomadas pela equipe do hotel; os hóspedes não deveriam ser incomodados sob nenhum pretexto, inclusive as chamadas telefônicas seriam interrompidas. Mesmo salgadinhos e bebidas já estariam disponíveis no local a fim de evitar a entrada e saída de garçons. Na volta do passeio, enquanto caminhavam de volta ao hotel, Otho percebeu que Lazlo estava um pouco taciturno e achou aquela atitude estranha para alguém que estava prestes a consolidar um negócio daquele vulto. __ Diga-me, Lazlo, algo o está preocupando?__Perguntou, ligeiramente incomodado.

__ Posso dizer que sim, e é algo ligado a John; acho que ele vai nos dar trabalho. Não posso precisar como e nem quando, mas minha intuição me diz que fizemos a escolha errada.__ respondeu Lazlo, agora mais tranqüilo por poder dividir sua inquietação.

__ Também já pensei sobre isto, tanto que questionei Maya a respeito e ela me garantiu que não teríamos problemas com ele__ disse, mas dando a impressão de não estar totalmente convicto, e continuou:__ para tudo se dá um jeito, Lazlo. Lembre-se que fizemos vários negócios em parceria, a maior parte bem-sucedidos, e não me lembro de que tenhamos inibido a continuidade de algum em função de conflitos emocionais de associados. Caso ele desista na última hora, o que não acredito, ficará sob observação

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constante; lembre-se que estes custos eventuais sempre foram previstos em nossos orçamentos.

__ É reconfortante saber que pensamos da mesma forma, mas gostaria de insistir em um aspecto que considero decisivo para trazer de volta minha tranqüilidade; suponhamos que John desista, mas somente após ter tomado conhecimento de todo o plano, eu pergunto: você já está preparado para esta eventualidade? Tem consciência do perigo que corremos, caso nenhuma atitude seja tomada a tempo? Será que o carinho que você sente por ele não vai influir nas drásticas medidas que deverão ser adotadas?

__ Não, Lazlo, por ser uma questão de merecimento. Estou dando a ele a oportunidade de ter todas as coisas que sempre quis, ou seja, poder e muito dinheiro e, de quebra, o amor de uma mulher. Mesmo que ele desista, sei que guardará segredo, contudo, caso me decepcione, deixará de existir para mim, e ele sabe disso...__ Respondeu, deixando claro o duplo sentido de suas últimas palavras. Lazlo não mais retrucou; conhecia seu sócio o suficiente para saber quando falava a verdade ou apenas tagarelava.

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CAPÍTULO VIII TIBETE A CERIMÔNIA DE PUJA O CONFRONTO FINAL

Chegara o dia do confronto. O sol acabava de nascer e o salão principal do Templo já estava repleto. O Lama e os monges se preparavam para a cerimônia de Puja, prestes a começar. Estavam sentados sobre almofadas colocadas no chão, voltados para o altar onde ficava a estátua do Buda.

A imagem era toda esculpida em metal dourado e muitos comentavam que parecia ter vida própria, talvez por refletir, à noite, a luz das velas e dos tocheiros, e, durante o dia, as nuances da claridade. Expressava um tipo de serenidade vigilante, parecendo estar observando todos todo o tempo. Era voz corrente que aqueles que estavam em paz com a consciência, enxergavam nos lábios do Buda um sorriso; mas os que não estavam convictos da coerência de seus atos e pensamentos viam nele uma expressão severa, quase que uma espécie de reprimenda. Acontecia principalmente com os mais jovens. O Lama, o mais próximo do altar, já estava concentrado. Ele e os outros abaixaram as suas cabeças até quase encostá-las no chão, e com as palmas das mãos unidas junto ao peito reverenciaram o Buda, marcando o inicio da cerimônia. As primeiras orações agora eram proferidas, traduzindo um humilde pedido por bons auspícios e proteção para os trabalhos que começavam. Concluída a primeira etapa, iniciou-se o Mantra de saudação ao Lama. A melodia não era triste, nem alegre, mas traduzia uma pureza inequívoca, e, expressa pela voz dos monges palpitava magicamente; uma vibração que aos poucos invadia todo o monastério. Se compositores modernos tivessem a oportunidade de ouvir aqueles sons, certamente se postariam de joelhos diante de tanta beleza.

Todos permaneciam de olhos semicerrados, ainda conscientes, estado que poderia mudar no decorrer do dia, caso atingissem a transformação pretendida. Um a um os Mantras eram repetidos algumas vezes e então dava lugar a outro, cada qual transmitindo parte da mensagem do Dharma. Quando todos fossem "cantdos", a mensagem estaria completa e seria levada pelo vento até seu destino.

Do lado de fora o clima se alterava, com algumas nuvens ameaçando o sol morno que aquecia a brisa fria da manhã, enquanto os Iaques do monastério remexiam-se nervosos, como se pressentissem a chegada de uma tormenta. Já se passavam duas horas desde o início da cerimônia e, aos poucos, o céu azul ia sendo encoberto; a brisa, antes suave, ganhava corpo, dando lugar a um vento com aroma de sândalo.

A melodia ecoava pelas montanhas sob o céu cinzento, concorrendo com a ventania que se tornava mais forte a cada momento. Muitas horas haviam passado desde o começo da cerimônia e a coletânea de Mantras se completara, mas não os sons, a música, os versos; estes, haviam adquirido uma energia própria e já seguiam seu curso. Dentro do templo a grande experiência da supressão da individualidade começava a acontecer; algo novo criava corpo.

Auras brilhantes começaram a expandir de dentro para fora de cada um dos monges, ampliando-se até fundirem-se em um bloco de luz único que, refletido na estátua dourada, pouco a pouco foi se transformando em um grande Buda luminoso.

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Visto das alturas, o monastério era, naquele instante, apenas um ponto dourado brilhando na imensa cordilheira do Himalaia.

O processo de unificação das auras só se encerraria quando houvesse o desfecho, pelo sim ou pelo não. Já não estava mais nas mãos do Lama...

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DRESDEN

Eram 16 horas e tanto Otho como Lazlo já estavam na suíte recepcionando os convidados que aos poucos iam chegando. Procuravam deixá-los o mais a vontade possível, servindo aperitivos e contando piadinhas, algumas até medíocres se ditas em outros ambientes e situações, mas que naquele momento tenso ajudavam a criar um clima de descontração, importante para a fluência das negociações.

Os primeiros a chegar foram os políticos conhecidos de Otho. Suas esposas haviam permanecido em Paris, pois fora previamente combinado que só viajariam para Dresden aqueles que faziam parte do negócio. Para elas, aquela decisão não constituíra qualquer problema. Estavam no mesmo hotel e, como era de se esperar, os encontros constantes no saguão e no salão de beleza as tornaram mais íntimas. e ao saberem da viagem dos maridos, combinaram que aproveitariam a ocasião para saírem juntas. Iriam passear, fazer compras e quem sabe, à noite, assistiriam a um bom filme, coisas que não tinham tempo de fazer habitualmente. Em pouco tempo todos haviam chegado ao local do encontro e, por uma questão de bom senso, foi solicitado aos fumantes que poupassem os não-fumantes, deixando os cigarros e charutos para mais tarde. Parte da disposição da sala fora mudada; uma mesa grande, que fazia parte da decoração tradicional, fora substituída por uma mesa pequena e baixa, com cadeiras ao redor. O ar- condicionado estava mantido na temperatura ideal.

John, em um canto próximo à janela, conversava com alguém que acabara de conhecer; falavam sobre as razões do fracasso do Comecon*. Otho o observava e, de certa forma, se sentia orgulhoso pela desenvoltura daquele que considerava seu pupilo. Torcia para que ele não o decepcionasse...Lazlo tirou-o de seu devaneio. __ Acho que é hora de começarmos___ disse ansioso;__ quer que eu faça as introduções?

__ Não, obrigado, pode deixar que eu mesmo me encarrego disso__ respondeu Otho.

Forçando seu melhor sorriso, pegou um copo e bateu nele algumas vezes com uma faca, chamando as atenções para si, e então pediu que se sentassem.

__ Primeiramente quero agradecer aos senhores por se deslocarem de tão longe, a meu pedido, deixando de lado suas famílias e seus importantes afazeres, para participar desta reunião.__ A maioria respondeu com palavras de boa vontade. Lazlo conteve-se para não rir, pois tinha conhecimento de que Otho bancara as passagens e a estadia da maioria e se divertia com toda aquela hipocrisia.

__ Vamos dividir o trabalho em três partes__continuou.__ A primeira consistirá nas apresentações, das quais eu mesmo me encarregarei, e da exposição de Lazlo, que fará algumas considerações sobre o mercado a ser explorado, a matéria prima a ser utilizada e as conseqüências de sua utilização. A Segunda consistirá na análise e aprovação de um plano de ação inicial, que elaboraremos hoje, em conjunto, e que originará um outro definitivo dentro de um mês. Para concluir, apresentaremos um orçamento, no qual constam os valores a serem investidos, o prazo de retorno do investimento e as previsões de lucro, a curto, médio e longo prazo__ fez uma breve pausa para beber um pouco de água.__ Há ainda um segmento muito importante, que é o trabalho de campo e que também será

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abordado no tempo certo. __ Terminou a frase, endereçando um sorriso de simpatia e cumplicidade para John, o que não passou despercebido para os demais.

__ Peço que cada um pegue uma das pastas dispostas em cima da mesa__ disse Otho, apontando-as. Aguardou enquanto as abriam e olhavam seu conteúdo com curiosidade.__ Como vocês podem ver, é uma lista de nomes, cargos e funções dos que aqui estão e o orçamento sobre o qual me referi há pouco. Farei as apresentações, da esquerda para a direita, porém, por uma questão de bom senso, evitarei falar nomes__ fez uma pausa e bebeu mais água.__ Virou-se para a esquerda e com um sinal de mão, indicou:__ estes senhores são políticos de paises diferentes, mas com algo em comum: influência nos ministérios que envolvem nosso projeto, e ainda gozam do respeito absoluto da população e da mídia. Os cavalheiros ao lado são os maiores acionistas de três grandes companhias Tradings especializadas em commodities; atuam em diversos países, através de filiais e outras companhias associadas. O senhor, a seguir, é o presidente de um grande conglomerado financeiro, composto por bancos e fundos de investimento. Sentado ao seu lado, meu amigo pessoal, um jornalista que dispensa comentários por sua penetração na mídia internacional, através dos seus jornais, canais de TV., rádio, revistas e Internet__ parou de falar por um momento e, em seguida, apontou para John.__ Este jovem senhor é o principal executivo do nosso grupo empresarial e meu assessor particular.__ Gestos de cumprimento foram feitos com cordialidade. __ Finalmente, apresento a vocês o mentor intelectual do projeto: Lazlo, amigo de longa data e homem de muita sorte; sempre vitorioso em suas iniciativas__sorriu, levantando ambas as mãos em direção ao outro, que agradeceu com falsa humildade. __ Agora que já se conhecem, antes de passar a palavra, faço questão de lembrar a todos da importância de mantermos sigilo completo sobre o que será debatido de agora em diante__ calou-se fitando um a um, desta vez com seriedade; e naquele momento, toda a sua amabilidade e suavidade deram lugar a um lado hostil de sua personalidade até então desconhecida para John.

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O PLANO DE LAZLO __ Nosso tema central gira em torno das Proteínas, macro nutriente essencial para a vida do ser humano; sem elas, nossos corpos enrugariam como folhas secas__ começou Lazlo.__ Sei que todos nós temos consciência disso e como este não é um simpósio de Nutrição, não vou me aprofundar nos seus aspectos científicos, mas de consumo. Há séculos o homem vem ingerindo proteínas de origem animal, como as carnes de vaca, de carneiro, de ovelha, de cabrito, de frango, de peixe, de caça; ou mesmo seus derivados: leite e ovos. Hoje, no Ocidente, os naturalistas e os vegetarianos vêm dando preferência às proteínas de origem vegetal, como a soja, que há muito tempo é consumida em larga escala no Extremo Oriente. Contudo, vocês já viram alguém chegar em um restaurante, seja em Londres ou mesmo em qualquer outro país, e pedir: __ "garçom, traga-me um prato de leguminosas e um copo de leite, morno de preferência"__fez a piadinha sorrindo e todos o acompanharam, animados com o rumo que a conversa tomava.

__ Tenho certeza que não, pois uma boa carne, seja ela qual for, junto com um bom vinho ou uma saborosa cerveja, são costumes há séculos enraizados na sociedade__continuou Lazlo.__ Acho que todos temos noção da imensa quantidade de carne consumida por ano na Europa, boa parte proveniente de produtores locais. Algum dos senhores pode me responder o que aconteceria se a carne européia não pudesse mais ser consumida? __ Todos foram unânimes em perguntar qual seria a razão tão forte, capaz de inibir os consumidores; argumentaram que sem essa informação, a resposta ficava prejudicada. __Suponhamos que passasse a causar problemas de saúde__respondeu Lazlo, lacônico. O representante de uma das Tradings foi o primeiro a manifestar-se: __ grosso modo, eu diria que haveria uma substituição da mercadoria local por mercadoria importada de outros continentes. O representante de outra Trading concordou, e acrescentou;__ acredito que haveria também uma mudança temporária nos hábitos de alimentação. __ Suas premissas são verdadeiras__ disse Lazlo empolgado, antes de continuar pedindo uma pausa para um café, pausa esta que, tinha certeza, aumentaria a curiosidade da platéia. __ Senhor Lazlo, não vejo como isto possa nos interessar__ interveio o jornalista__ ao menos para minha organização. Sem querer ser grosseiro, gostaria que o senhor fosse direto ao âmago da questão. Lazlo não respondeu imediatamente; terminou seu café e calmamente recomeçou. __ Um conhecido meu, um bioquímico para ser mais exato, executivo de um laboratório de renome, do tipo que passa a maior parte do tempo em meio a tubos de ensaio, em uma de suas experiências esbarrou numa substância química que afeta o sistema neurológico dos mamíferos. A partir de então, e já se passaram dois anos, aprofundou-se em suas pesquisas e, após inúmeras tentativas, conseguiu separar esse elemento sem nome; ao menos até agora. Sempre sonhou ter seu próprio laboratório e como não contou a ninguém sua descoberta, nem mesmo na empresa onde trabalha, vendeu-me a fórmula. __ Se é que entendi, o senhor. está querendo contaminar o gado europeu? __ interropeu o banqueiro, parecendo chocado com a possibilidade. __ Exatamente__ respondeu Lazlo.__ O produto é à prova de soros e vacinas e é transmissível através das proteínas, ou seja, por ingestão... __ A revelação pareceu ter

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causado um choque nos ouvintes. Por um momento esqueceram-se de Lazlo e começaram a falar entre si. Davam a impressão de estar definitivamente contra toda aquela crueldade, mas não para Lazlo, profundo conhecedor da natureza humana. Sabia que todo aquele alvoroço tinha outra origem e confirmou sua suspeita com a pergunta que veio a seguir.

__ Por enquanto, achamos sua idéia impossível de ser concretizada e, para ser mais claro, inverossímil__disse um dos políticos, praticamente representando o pensamento comum, e continuou:__ pessoalmente, e peço que não me interprete mal, acho tudo isto um absurdo. Quando Otho se reunira com eles em Paris, não havia entrado nos pormenores do Projeto.

__Convença-nos do contrário__ sugeriu o banqueiro. __ O gado europeu__ continuou Lazlo, é alimentado com ração feita a partir de

ossos de origem animal, como de ovelhas e carneiros, e até mesmo de bovinos, ou seja: a base protéica de sua alimentação é de origem animal. Uma vez contaminada a matéria prima da ração, a mesma, por conseqüência, também estará, provocando uma disseminação que, a longo prazo, afetará a maior parte do rebanho bovino. O processo inicial se dará nos abatedouros e nas fábricas de ração; a continuidade se fará por si só.

__ Ainda não entendi de que forma participaremos do Projeto__ insistiu o jornalista. __ É fácil de compreender__ disse Lazlo.__ Um ano após a contaminação, o

resultado se fará presente em uma pequena parte dos rebanhos e, mais para frente, todo o resto estará afetado. Alguém é capaz de me responder o que acontecerá quando essa notícia vazar?__ Lazlo fez a pergunta dirigindo-se aos políticos. Os três conversaram um pouco entre si e um deles se manifestou: __ imediatamente, os responsáveis pela área de saúde do governo daquele país, ou mesmo da província envolvida, farão um alerta à população concomitantemente com a adoção de medidas urgentes, impedindo a continuidade da comercialização do produto. __ Vejo que estamos no caminho certo__ disse Lazlo,__ o que me permite fazer a seguir um breve resumo do que acontecerá com os mercados e como cada um dos senhores dará sua parcela de colaboração...

Pausadamente, Lazlo começou a esboçar o plano:

__ O Sr. Jornalista será responsável pela mídia e fará com que as agências de notícias, os jornais, a televisão, o rádio e a Internet façam a divulgação.

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__ Os Srs. Políticos ficarão responsáveis pela tomada de medidas de precaução na área da saúde pública; uma vez adotadas em seus países, os outros os seguirão. __ As Tradings, a partir de agora, começarão a firmar acordos de compra com os maiores produtores de soja, carne bovina, carne suína, caprina e de frango, de países distantes e não-contaminados. Os contratos devem ser bastante atrativos para aqueles, portanto, devem garantir a compra a preços atraentes, e ainda, oferecer antecipação de parte do pagamento a título de auxílio à produção. É imprescindível, porém, que sejam contratos de longo prazo__ parou de falar, bebeu água e continuou meio às pressas; queria terminar seu raciocínio sem ser interrompido. __ Toda a operação será financiada pelo Sr. banqueiro e por Otho, a taxas subsidiadas, já que também participarão do lucro de toda a operação. __ O trabalho de campo, ficará a cargo de John que, para ter acesso aos locais de interesse, receberá credenciais como diretor técnico de duas grandes empresas, fabricantes de equipamentos para a Indústria de Ração e Abatedouros. Os detalhes desta operação, por enquanto, serão mantidos em sigilo. Questão de segurança...

__ Gostaria de saber por que o senhor acha que haverá um aumento tão grande no consumo da soja__ perguntou o banqueiro, endossado por um menear de cabeça do jornalista, e continuou;__ será que as pessoas passarão a comer tanta soja? Eu, ao menos, garanto que não__completou sorrindo. A gargalhada foi geral e até mesmo Lazlo não se conteve ante aquela observação cômica. __ Não as pessoas__ respondeu Lazlo, mas o gado, uma vez que a única alternativa em termos nutritivos, tanto para os fabricantes de ração, como para os criadores, é a substituição da proteína animal pela proteína vegetal, ou seja, a soja... __ Devemos entender que no prazo de um ano, em uma ponta, seremos donos do mercado exportador, pois o mesmo se verá obrigado a vender somente através de nossas empresas e de nossas subsidiárias, e, na outra ponta, de um mercado cativo de consumidores?__ interrompeu um Trader. __ É exatamente essa a idéia. Por muito tempo, teremos um gigantesco mercado cativo. É importante lembrar que na fase inicial, não deveremos aumentar excessivamente os preços, mas nos concentrarmos nos ganhos quantitativos. Os preços mais altos virão em uma segunda etapa. __ Mas o senhor não acha que a longo prazo surgirão novos produtores, atraídos pela expansão do mercado, com isso aumentando a oferta e derrubando os preços?__ perguntou o jornalista. __ O senhor vai observar que existe um item de prevenção a estas questões no orçamento, denominado: “verbas dirigidas a eventualidades”. Dois subitens prevêem essa premissa: o primeiro, discorre sobre a verba e a estratégia destinada a estimular fazendeiros a não produzirem, e o segundo, discorre sobre a verba e a estratégia destinada a estimular conflitos de terra regionais de cunho político.

A argumentação de Lazlo havia terminado e parecia ser incontestável. Por instantes, todos permaneceram calados, introspectivos, pensando a respeito de tudo que fora dito. Sentiam uma nova energia tomando conta do ambiente, algo como uma mistura de ansiedade e ganância, palpitando, como se tivesse vida própria. O silêncio acabou sendo rompido quando todos se levantaram e começaram a bater palmas, traduzindo assim, a aprovação unânime do Projeto. John estava cabisbaixo, confuso e um tanto perplexo

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diante de toda aquela manifestação da qual não conseguia participar, talvez por nunca haver se defrontado antes com tamanha banalização da morte. Pela primeira vez, enxergava Otho como ele realmente era e se dava conta do enorme abismo moral que havia entre eles. De uma certa forma invejava a falta de piedade do outro. Sempre almejara ter muito dinheiro, poder, a presidência do grupo e agora, para completar, desejava Maya, com todas as suas forças. Estava prestes a realizar seus sonhos mas será que por aquele preço__ perguntava-se indeciso,__ valeria a pena matar tantos animais, e talvez até pessoas, causar tanto prejuízo aos criadores e às suas famílias?

__ E então, John, já está pensando em como vai gastar a sua parte?__ Sussurrou Otho, surpreendendo-o.

John sorriu, cordialmente, e acrescentou:__ antes de pensar em como gastar, devo refletir se estou pronto para um trabalho como esse, Otho.

___ Pois reflita, John, e encontre-se comigo às 21hs. no restaurante Canaletto, para jantarmos um bom Spaghetti al Dente e saborearmos um delicioso vinho tinto; apenas nós dois, temos muito que conversar.

Em seguida, Otho assumiu novamente os trabalhos, desta vez pedindo sugestões e fazendo considerações pertinentes ao aperfeiçoamento de detalhes importantes, como: desvínculo jurídico entre as Tradings e suas subsidiárias, os cuidados a serem tomados com referência às contas bancárias e conversas telefônicas, a importância do sigilo, mesmo entre os membros da família, principalmente as esposas, respeito ao orçamento e ao cronograma dos eventos, etc.

Foi sugerido por um dos políticos que, a partir daquela data, os participantes não mais falassem entre si; idéia imediatamente aceita por todos. As trocas de informações e prováveis dúvidas, ou as possíveis dificuldades de percurso, seriam comunicadas a Lazlo, o qual ficaria encarregado de administrá-las. Aquele gênero de precauções já se tornara obrigatório em negociatas, especialmente entre os grandes escroques; os aparentemente "cidadãos acima de qualquer suspeita". Em reuniões fechadas como aquela, não perdiam a oportunidade para queixar-se uns com os outros.__ "Os tempos haviam mudado”__ comentavam revoltados;__ até recentemente, os direitos de privacidade do cidadão e das empresas eram respeitados; não se escutavam conversas telefônicas, não se quebravam sigilos bancários, havia mais discrição entre os subalternos, e mesmo o chefe da família gozava de privilégios especiais no seio familiar. Hoje, contudo, os valores estavam desvirtuados, sem dúvida pela ação da "mídia de esquerda". Nestes novos tempos, era comum aparecerem manchetes em jornais com denúncias de corrupção e desvio de verbas públicas nos governos, sonegação fiscal em empresas, falsificação de remédios em laboratórios, e tantas outras falcatruas do gênero.. Vinham ao conhecimento da população e dos órgãos de fiscalização competentes, na maioria das vezes, através de "fitas gravadas", denúncias de assessores e secretárias, e até de familiares, revoltados por não terem ganho a sua parte "do bolo". Daí a importância que se dava atualmente à discrição.

Às 19:30hs., o assunto estava esgotado. Lazlo comunicou a data aproximada da reunião seguinte e eles se foram. John foi para o seu apartamento, tomou uma ducha e se deitou para descansar um pouco. Estava resolvido a participar do esquema, ainda que contra todos os seus princípios humanitários; um dia, certamente acharia um jeito de resgatar suas culpas, talvez ajudando crianças desamparadas ou albergues... Nunca se considerou a "palmatória do mundo" e não o faria justamente agora__ pensava. E para buscar apoio à sua decisão, associou seu novo desempenho, com o dos pilotos que soltaram as bombas em Hiroshima e Nagasaki:

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negócios, apenas negócios; as coisas se resumiam nisso. Remédios, medicina, armas, bebidas, drogas, política, religião, tudo não passava de negócios, então__ perguntava-se,__ por que com ele seria diferente; por que deveria andar na contra-mão da história? Adiantara para a humanidade o sacrifício pessoal de Gandhi? Teria sido por amor ao povo, ou por amor ao ego...? Pensava em quantas loucuras estava disposto a fazer em nome do amor e da ambição, quando o telefone tocou, tirando-o de suas reflexões. Não se surpreendeu ao ouvir a voz suave de Maya do outro lado da linha, afinal, ela permanecera em seu pensamento durante todo aquele dia.

__ Como vai, John, ainda se lembra de mim?__ perguntou rindo.

__ Que saudades, Maya, o tempo demora a passar quando estou longe de você. Como conseguiu me descobrir? __ Otho me ligou, contando-me as novidades, inclusive a mais importante de todas__ disse ela, propositadamente provocando suspense.__ Pedi a ele que me desse o número do seu apartamento. Disse que fazia questão de ser a primeira a dar os parabéns. __ Obrigado, Maya, mas não sei a que você se refere__ respondeu confuso. Não só não sabia a que se referia, como também estranhava o fato de ela ter dito a Otho que queria ser a primeira a dar os parabéns, como se ele soubesse da intimidade que havia entre os dois. Será que sabia?__ perguntava-se abismado. __ Então não sabe ainda? Otho resolveu deixar a presidência do grupo e você será o novo presidente__ disse Maya, quase gritando de alegria. John ficou sem ação, sem palavras para transmitir a surpresa, a euforia que sentia. Não sabia como responder, nem mesmo como reagir; não conseguia acreditar. As coisas estavam indo rápido demais. __ John, ainda está aí? __ Estou, Maya, me contendo insuportavelmente para não entrar nesse telefone e chegar até você. Nem sei como agradecer a notícia que acaba de me dar. __ Agradeça aos seus esforços e ao seu trabalho, e também a Otho, que soube reconhecer suas qualidades e seu desempenho. Agora vamos nos despedir, pois sei que daqui a pouco vocês vão se encontrar e não quero atrapalhar. Vejo-o em Paris. Cuide-se bem. __ Cuide-se também e até amanhã. John olhou para o relógio; estava quase na hora do jantar com Otho, mas ainda tinha algum tempo para se arrumar com calma antes de descer. Levantou-se e abriu a janela, disposto a respirar um pouco do ar fresco da noite.

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CAPÍTULO IX O VENTO

Olhou para fora e se surpreendeu com a cor das nuvens; estavam especialmente douradas, como se a lua estivesse cheia e escondida atrás delas, clareando a noite. Um vento soprou em seu rosto e, naquele momento, um sentimento de saudade o invadiu. Saudade de si mesmo, do que provavelmente sempre fora, mas que nunca aceitara ser. E seu pensamento viajou para longe. Lembrou-se do encontro com o jovem Hare Krishna e de seu olhar cristalino, dos seus momentos com o Lama e da serenidade que ele transmitia em cada gesto, em cada sorriso, em cada palavra; lembrou-se dos dizeres de ambos quando afirmaram que "certas coisas não tinham preço". Entendia agora o que significava aquilo; simplesmente, que a "consciência não tinha preço". O jeito simples e sincero de Noelle lhe veio à mente, assim como o questionamento dela sobre a vida dele; __ "como assim? Você costuma estar por conta dos outros? Se é que entendi, está me dizendo que não tem vida própria? Não tem poder de escolha"?__ A reunião no Centro de Dharma, tão diferente daquela que acabara de participar, e todas aquelas lembranças, somadas à brisa com perfume de sândalo que entrava em seu quarto, pareciam empurrá-lo para uma nova decisão; não poderia continuar traindo a sua essência, a sua verdade.

Começou a fazer auto-indagações e toda sua curta existência lhe veio à mente, curta, por não ter conhecido seu passado, mas intensa, pelas experiências que vivera ao lado de Otho e, nos últimos tempos, de Maya. De repente entendeu Buda, Sócrates, Jesus e Gandhi, que se recusaram a vender suas convicções e, por que não dizer, suas almas, em troca de uma volúpia passageira...

O vento parou de soprar, indo embora da mesma forma como chegara, sem aviso, levando consigo o medo que até então fizera parte da vida de John. Fechou a janela, vestiu uma roupa confortável e desceu.

Entrou no restaurante e mais uma vez constatou que, como de costume, Otho fizera a escolha certa; aquele era o lugar ideal para uma celebração discreta. O Canaletto proporcionava aos seus freqüentadores uma agradável sensação de bem-estar; sofisticado e aconchegante a um só tempo, talvez pela combinação de cores do ambiente. Paredes brancas, cortinas verdes, toalhas e guardanapos salmão, cadeiras estofadas de cor marrom-clara e madeira ligeiramente mais escura, contrastavam com o carpete macio da mesma tonalidade, tornando o ambiente bastante convidativo.

O Maitre acompanhou John à mesa de Otho. Este, havia chegado há pouco e saboreava um cálice de Grappa, uma espécie de aguardente bastante consumida na Itália; queria fazer jus ao Canaletto.

Ao vê-lo, Otho levantou-se e surpreendeu John com um abraço carinhoso, atitude rara em sua conduta, salvo quando estava interessado em agradar, ou mesmo persuadir alguém a alguma coisa. __ Sente-se, filho, temos muito que falar, não somente a respeito da reunião da qual participamos hoje à tarde, mas também sobre seu futuro profissional; mas, antes, quero que experimente esta bebida fantástica__ disse Otho, pedindo ao garçom que servisse uma dose a John. Na seqüência, pegou uma torrada, encheu-a com banha de porco e a comeu prazerosamente. A banha de porco era semelhante à manteiga, porém com uma coloração

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cinza, quase branca. John ficava admirado sempre que via Otho "devorar" um daqueles potes em questão de minutos. __Como estaria o colesterol dele,__ pensava. Após um brinde e alguns goles, Otho chamou o garçom e encomendou saladas, espaguete ao molho de tomate e vinho tinto. Costumava comentar que era impossível identificar um Spaghetti al Dente bem feito, se o molho fosse sofisticado demais... John sentia-se cada vez mais distante de toda aquela encenação; até mesmo da "gula" que presenciava à sua frente.. O espaguete chegou, acompanhado por uma garrafa de vinho italiano e, mais uma vez, Otho sugeriu um brinde, desta vez com o vinho; só então entrou no assunto desejado. Começou contando como iniciara a sua vida de empresário e as lutas que enfrentara no princípio, quando estudante.

__ Naquele tempo__ lembrava emocionado__ eu estudava de manhã e trabalhava à noite, servindo refrigerantes e sanduíches na cantina da escola. Meu salário era baixo, mas o emprego tinha suas compensações, pois me proporcionava um ganho marginal. __ Como assim?__ indagou John. __ A maior parte dos alunos que estudavam à noite, trabalhava durante o dia e nos intervalos entre as aulas, quando iam à cantina fazer um lanche, desabafavam comigo seus problemas de falta de tempo para estudar e fazer seus deveres de casa. Foi aí que tudo começou. Ofereci-me para ajudar um deles, no início, gratuitamente, apenas por uma questão de solidariedade, mas com o passar do tempo ele se acomodou àquela situação e passou a me pagar pelas horas de trabalho que eu lhe dedicava. Outros jovens fizeram o mesmo e com isso, alguns meses depois, já possuía uma carteira de clientes, assíduos e bons pagadores. Aquela renda marginal dava-me condições de pagar meus estudos e ainda sobrava um dinheirinho para o cinema no fim de semana.

Meu pai já havia falecido então, e deixara para minha mãe uma pensão vitalícia, suficiente para que ela não necessitasse pedir favores a terceiros, e ainda um pequeno apartamento de dois quartos e sala, no subúrbio. Era lá que morávamos, somente eu e ela. Durante muitos anos, vivemos uma vida tranqüila; cada um com seus afazeres, seus direitos e obrigações no lar, e, principalmente, com muito amor. Um dia, ela sentiu-se mal e eu a levei ao médico do bairro; ela tinha muita confiança nele, pois já o conhecia desde o tempo em que tratava do meu pai. Recordo-me até hoje da expressão de tristeza estampada no rosto dele, após examinar os exames de sangue que ela havia feito a seu pedido. Em seis meses ela faleceu, deixando para mim o apartamento, a pensão, um seguro saúde e a saudade. Aqueles bens, somados, eram suficientes para garantir minha independência financeira relativa. No entanto, a tristeza e a solidão invadiram minha vida e, por algum tempo, vi-me desorientado, sem saber se continuaria morando lá, sozinho, onde um dia fora tão feliz, ou se vendia ou alugava o apartamento e me mudava. Continuei trabalhando na cantina, até que, certo dia, o proprietário resolveu vendê-la e, como era de se esperar, ofereceu-a primeiro a mim. Aceitei sem pensar duas vezes; já conhecia o trabalho, a clientela, e o principal, tinha o dinheiro para comprá-la. Após regatearmos um pouco, chegamos a um meio termo e fechamos o negócio, só que, a partir de então, fui obrigado a interromper os deveres de casa que fazia para os outros. Um ano depois, já havia acumulado um bom dinheiro; não tinha ninguém para sustentar e ainda recebia a pensão e o rendimento do seguro. Consegui então outro tipo de clientela; estudantes que atravessavam dificuldades financeiras momentâneas. Passei a emprestar dinheiro a eles, a taxas de juros bem razoáveis e assim o tempo foi passando e minhas economias aumentando.

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Um dia, o pai de um deles, dono de uma construtora de porte médio, convidou-me para almoçar em sua casa no domingo. Aceitei o convite, sentia que algo especial estava para acontecer. Dito e feito; durante o almoço, ele alegou que estava cansado de trabalhar e queria que o filho assumisse os negócios, contudo, achava ser necessária a entrada de um novo sócio. Alguém disposto a "arregaçar as mangas" , mas, além disso, com disponibilidade financeira para investir na empresa. Fiquei de pensar no assunto e, nesse meio tempo, tive permissão para examinar os livros da empresa. Constatei, após uma boa averiguação, que o negócio era muito bom, uma oportunidade única. Aceitei e pedi a eles apenas o tempo suficiente para vender a cantina, já que administrar os dois negócios seria uma façanha impossível de ser realizada. Eles não só concordaram, como também, acharam que minha decisão era louvável.

Acabei vendendo a cantina para a própria escola, por um preço razoável, nem bom, nem ruim, e tornei-me sócio daquela sólida empresa de construção de imóveis habitacionais. A construtora cresceu, apesar dos constantes desentendimentos que haviam entre eu e meu sócio. Certo dia, ele me encostou na parede com uma proposta: ou ele compraria a minha parte e ficaria com a empresa, ou eu deveria comprar a parte dele. Fiquei com a segunda opção, coincidentemente a melhor para ambos. Ele queria mesmo mudar de ramo, e eu, pelo contrário, queria continuar; estava muito entusiasmado com as perspectivas daquele mercado em crescimento. Àquela altura, já me formara e conquistara uma sólida reputação de empresário bem-sucedido no setor. Passei a ser convidado para reuniões sociais, tornei-me membro do clube mais seletivo da cidade, até que um dia conheci a mulher com quem me casaria um dia. Foi amor à primeira vista. Coincidentemente, ela havia herdado uma grande companhia de administração de imóveis e, quando nos casamos, juntamos os negócios e montamos uma companhia holding, já de grande porte, cuja administração ficou por minha conta. Você sabe tão bem quanto eu que este tipo de empresa flexibiliza o investimento em outras empresas e negócios e, com tudo a nosso favor, fomos crescendo, tendo o céu como limite. A vida transcorria maravilhosamente bem; minha mãe passara a ser apenas uma doce lembrança, pois minha esposa preenchera aquela lacuna em meu coração. Vivíamos alegres e sem medo da felicidade; éramos respeitados no mundo dos negócios e na sociedade, só faltava uma coisa para completar nossos sonhos: um filho. Certo dia, em plena reunião da diretoria, meu telefone direto tocou e eu atendi. Qual não foi minha surpresa, quando ouvi, do outro lado, a voz de minha mulher, emocionada, dando-me a grata notícia de que estava grávida. No mesmo momento comecei a dar pulos de alegria; parecia uma criança que acabara de ganhar uma bicicleta de presente de aniversário. Lembro-me dos meus executivos e minha secretária batendo palmas, compartilhando da minha euforia, palmas que ressoam até hoje em meus ouvidos. Nove meses de felicidade se passaram, mas, por ironia do destino, quando nosso filho nasceu, por razões que agora não vem ao caso, ela não resistiu ao parto e acabou falecendo. Foi como se o mundo houvesse desabado sobre minha cabeça e, a partir de então, nunca mais fui o mesmo. Enfim, as coisas são como são. Acho que o resto você já conhece...__ Parou de falar, os olhos úmidos, resistindo às lágrimas. __ Sinto muito, Otho, posso imaginar o sofrimento pelo qual você passou e começo a entender agora o porque dos problemas de relacionamento com seu filho__ arriscou John, concluindo que Otho, injustamente, culpava o filho pela morte da mãe.

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__ Obrigado, mas isso já não importa mais; o que quero agora é garantir o futuro do Grupo e trabalhar para que o Projeto seja bem-sucedido; e é por isso que estamos aqui, John, para tratar destes assuntos__ disse Otho, já recomposto, e continuou.

__ Como já deu para perceber, meu filho e eu temos sérios desentendimentos; nossa convivência tem sido muito difícil, às vezes, insuportável. Para que uma empresa possa ser bem-sucedida, antes de tudo, deve haver harmonia em sua administração, e com Randolf na direção, isto seria praticamente impossível. Por essa razão, não posso colocá-lo na presidência do Grupo, ao menos enquanto eu estiver vivo não permitirei que isto aconteça.

A insensibilidade de Otho para com o filho impressionava John e o fazia pensar no tamanho do fardo que Randolf carregava nos ombros, tão grande era a rejeição que sofria. Sutilmente, procurou mudar o rumo da conversa.

__ Mas você está realmente pensando em se aposentar? __ Não exatamente, John, quero continuar trabalhando, mas na presidência do

conselho de administração, e não mais na presidência da diretoria executiva. Pensei muito a respeito e cheguei à conclusão de que você é a pessoa certa para ocupar o meu lugar. Sentiria-me muito feliz se aceitasse meu convite. __ Otho parou de falar por instantes e ambos aproveitaram a oportunidade para beber alguns goles de vinho e dar algumas garfadas no espaguete.

Observava John atentamente e a impassibilidade dele começava a incomodá-lo.__ A posição que lhe ofereço__ recomeçou entusiasticamente,__ somada à fortuna que ganhará no Projeto, fará de você um homem respeitado em toda comunidade financeira e, o mais importante, o tornará independente__ fez mais uma pausa e limpou a boca com o guardanapo, manchando-o com o molho vermelho de tomate.

__ Mais uma coisa, John __ confidenciou, jogando sua última cartada__ já soube o que aconteceu entre você e Maya e, acredite ou não, entre o sentimento de ter sido traído e a amizade, fiquei com a segunda. Sempre desejei que ela encontrasse um dia um bom homem, alguém que desse a ela amor e dedicação, o que jamais eu poderia oferecer, mas você, sim.

John estava realmente comovido, não exatamente pelas ofertas que recebia, mas por ver quão triste e patética era a vida daquele senhor sentado à sua frente. Não era mais Otho quem via ali, aquele que um dia considerara seu ídolo e guru, mas uma pessoa triste e sem alma, vazia de amor, incapaz de relacionar-se até com o próprio filho. De que adiantava poder e fortuna, sem afeto nem respeito pelos seus semelhantes e pela própria natureza? Apenas para satisfazer seus instintos primitivos? Havia uma contradição em toda aquela história__ pensava John. Era como se toda a dor que Otho sentiu com a perda da mãe, e mais tarde com a perda da esposa, só lhe tivesse ensinado a causar mais dor, desprezar seus semelhantes... Será que as mortes que causaria daqui por diante, pois na certa o que afetasse o gado, afetaria também as pessoas, fariam com que seus olhos marejassem, como haviam marejado há pouco?

Não, decididamente não aceitaria ser cúmplice daquele projeto indecente, nem de todo o resto em que Otho e seus parceiros estavam envolvidos, e isto incluía Maya, por mais que a amasse. __ E então, John, o que você me diz?__ Continuou Otho, agora ansioso por uma resposta.

__ Infelizmente, me vejo obrigado a decepcioná-lo__ disse John, cheio de uma coragem que até então desconhecia.___ Andei me questionando bastante nestas últimas horas e concluí que não me encaixo em seus planos e no seu modo de vida. Por muito

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tempo tentei dissimular, fingindo para mim mesmo, mas hoje, ao me ver frente a frente com o que considero meus reais valores, decidi não me enganar mais. Sinto muito não corresponder à sua confiança, contudo, esteja certo de que jamais falarei do Projeto a quem quer que seja, aconteça o que acontecer; você tem a minha palavra.

A reação de Otho foi completamente inesperada. Seu

rosto ficou lívido e seus olhos, avermelhados, esbugalhados, todo o seu ser transpirando revolta.

Pousou os talheres na mesa com força, respingando molho e pedaços de comida na toalha salmão, o barulho chamando inclusive a atenção do garçom e de outros freqüentadores. Em seguida, levantou-se e exclamou em alto e bom tom: __ Você não tem palavra; não passa de um traidor!

John ficou estupefato diante daquela atitude surpreendente e, ato contínuo, levantou-se também, na tentativa de justificar-se melhor, mas o outro não quis dar-lhe ouvidos e se retirou. O momento era de extremo constrangimento, mas já não se importava; pagou a conta e subiu para o seu quarto. Lá chegando, ligou para a companhia aérea e reservou um lugar de volta para Paris na primeira hora da manhã seguinte.

Antes do meio-dia, seu avião já pousava em Paris. Fez contas durante quase toda a viagem de volta. Como na certa seria despedido e ficaria temporariamente sem salário, precisaria rever seu orçamento pessoal. Outra coisa que o preocupava era a possibilidade de retaliações por parte de Otho e seu grupo, uma vez que, de uma certa forma, traíra a confiança deles. Precisava de ajuda, alguém com quem conversar e não deveria ser Maya, já que estava decidido a não reencontrá-la mais; caso contrário, correria o risco de voltar atrás em sua decisão. Ao chegar ao quarto, a primeira coisa que fez foi tomar uma ducha. Fez a barba, vestiu um agasalho e calçou um confortável par de tênis, propenso a dar uma boa caminhada às margens do Sena, sem hora para voltar; desejava respirar a liberdade que acabara de conquistar. Abriu a porta para sair e encontrou Maya à sua frente.

__ Bom dia, John, espero que tenha feito uma boa viagem__ disse ela, com uma ponta de mágoa na voz. __ O vôo de volta foi tranqüilo; mas não posso dizer o mesmo da viagem como um todo__ respondeu sem titubear,__ e acho que você sabe o porquê, certamente já está a par dos últimos acontecimentos. __ Sim, estou, e é por isso que gostaria de ter uma conversa franca com você. O que acha da idéia?

Por mais que desejasse, John sabia que não adiantava se esgueirar, escapulir daquela situação que, mais cedo ou mais tarde, deveria ser enfrentada. Ademais, jamais poderia negar a ela aquele pedido, não depois dos momentos de paixão e cumplicidade que viveram juntos.

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__ Com prazer, Maya, mas não aqui; se você não se importar, podemos ir a algum lugar por perto, comer alguma coisa e conversar à vontade.

__ Está bem, John, que tal o pequeno restaurante ao lado; é perto e a esta hora já não deve estar tão cheio__ sugeriu. __ De acordo__ respondeu aflito; queria sair logo do apartamento, evitar ficar a sós com ela ali dentro, com medo de ceder à tentação e acabar voltando ao ponto de partida.

Desceram em silêncio; o pequeno elevador permitindo que ela encostasse nele. O calor daquele corpo e o perfume que tantas vezes o encantara pareciam ter vida própria, como que trabalhando em conjunto com o objetivo de enfraquecer sua vontade, seus sentidos. A atração que sentia soprava mensagens em seu ouvido:__ deixe de bobagem, homem, agarre-a logo e leve para o seu quarto, faça amor com ela; a vida é muita curta, aproveite-a enquanto é tempo! __ Bem que eu gostaria__ respondia para si mesmo__ mas existem coisas mais importantes do que um curto momento de prazer, como por exemplo, o respeito próprio.

Na calçada, ela segurou no braço dele, enquanto caminhavam até o restaurante. Quem os visse, pensaria tratar-se de um casal normal, com uma vida comum, como tantos outros que caminhavam pelas ruas de Paris.

Conseguiram uma mesa bem localizada, por sorte, afastada das demais; encomendaram o almoço e começaram a conversar.

__ A verdade é que estou sofrendo muito, desta vez, por algo real, e em parte, você é responsável por esse sofrimento. __ Gostaria que fosse diferente__ disse John__ mas não dá para modificar o passado. Lembre-se que nos conhecemos há muito pouco tempo e sob circunstâncias suspeitas. Nossa relação vinha sendo mantida em segredo, em função de Otho e, se me lembro bem, a condição que me foi imposta para que continuássemos a nos encontrar, era que eu me sujeitasse a ficar à sua disposição, lembra-se? Não podia entrar em contato com você, deveria ficar a mercê dos seus rasgos de generosidade, das migalhas de tempo que me sobravam. Diga-me, Maya, o que mudou, de lá para cá?

Duas lágrimas escorreram dos olhos dela. Tirou um pequeno lenço da bolsa e as enxugou com cuidado, para não borrar a maquiagem leve que usava. __ Talvez seja complicado para um homem entender o que se passa na cabeça de uma mulher apaixonada; é isto que mudou: simplesmente me apaixonei.__ respondeu resignada.__ No começo, tudo não passava de um jogo, um quebra-cabeça montado por Otho, até que, com você, vislumbrei a possibilidade de viver algo real, poder formar um lar, ter filhos, uma árvore de natal cheia de presentes comuns, nada além do que vivi um dia com meus pais, nada além do que vivem tantas famílias burguesas. __ Entendo, Maya, sei exatamente onde quer chegar; seu desejo é igual ao que tive quando a conheci.__ John abria seu coração, ciente de que ela também o fazia.

__ Mas então, o que nos impede de ficarmos juntos e perseguirmos nossos sonhos? Até mesmo o maior obstáculo que tínhamos foi vencido, Otho, que aceitou docemente a nossa relação, e mais, nos deu todo apoio, oferecendo-nos condições inequívocas para ficarmos milionários e independentes__ enfatizou.

Aquele discurso mostrou a John a triste verdade. Ela estava ali não somente pelo amor, mas para completar sua missão: levar de volta ao ninho a ave desgarrada. Levá-lo de volta ao Projeto, às malhas de Otho.

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Reorganizou suas forças, resolvido a desmascarar os subterfúgios. __ Sabe, Maya, acho que você sempre soube do que se tratava o negócio planejado por Lazlo e Otho, sempre fez parte dele, mas escondeu de mim, pois sua missão era manipular-me. Este é o verdadeiro obstáculo que existe entre nós: a mentira inicial. Nenhum relacionamento pode dar certo se nasceu da mentira, da mesma forma que nenhuma fortuna pode trazer a felicidade se nascida da infelicidade; e é isto que hoje alicerça minhas convicções. A árvore boa dá bons frutos, ao contrário da ruim. Seu amor por mim não é maior do que a sua ambição. Se ficássemos juntos, eu a estaria a dividindo com Otho, sempre, principalmente sendo presidente da empresa dele. Tanto o cargo, quanto o dinheiro e até mesmo você seriam apenas o veículo utilizado por ele para exercer seu domínio. Ficar com você, Maya, é tornar-me escravo, assim como você é hoje, e como eu já fui. Talvez um dia, as coisas lhe fiquem tão claras como hoje são para mim. A independência não está relacionada à conta bancária, mas à liberdade de pensamento, ao respeito às nossas convicções mais profundas. Maya ouvia tudo calada, com um aperto no coração. A lição estava sendo dolorida, mais do que imaginava possível. Ele escapava por entre seus dedos, se afastava para longe, para algum lugar distante, inatingível para ela. Como podia estar acontecendo se até há pouco estavam na cama, fazendo juras de amor? Que poder seria maior que o da paixão, do dinheiro, da realização profissional, a ponto de transformar um homem em tão pouco tempo? __ Uma última pergunta, John, diga-me ao menos o que deflagrou esse processo de transformação em sua vida; foi algo que eu disse, ou fiz, e me passou despercebido? __ Perguntou, conformada. __ Digamos que tudo começou no dia em que fui caminhar às margens do rio Sena. O resto ficou por conta do vento... Terminaram o almoço em silêncio; já não havia mais nada a ser dito, senão, adeus.

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CAPÍTULO X O REENCONTRO

John saiu do restaurante com a alma leve, sentindo que a verdade ajudaria aquela mulher tão desprovida de si mesma. Começava a entender os mecanismos do crescimento interior e até ter consciência de onde buscar a verdadeira felicidade.

Resolveu seguir para a caminhada que programara antes de encontrar Maya. A tarde estava agradável e, como não tinha pressa, distraia-se observando o jeito das

pessoas; os mais jovens e os mais idosos tinham a mesma característica, andavam aparentemente relaxados, passeando, diferentes dos de meia idade, agitados, como se o mundo fosse acabar naquele dia.

Ventava forte naquela tarde e salvo um ou outro mais teimoso, a maioria dos pescadores já haviam se retirado, ou talvez nem mesmo tivesse vindo, pois o vento provocava marolas nas águas do rio, o que, sem dúvida atrapalhava bastante a pescaria. Lembrou-se como aprendera aquilo; foi certa vez, quando em uma de suas caminhadas, viu um senhor que se afastava cabisbaixo do rio, com sua vara de pesca pousada no ombro. Ao cruzar com ele, não resistiu à curiosidade e perguntou:__ parece que o senhor não foi bem-sucedido hoje; os peixes não ajudaram? __ O problema não foi com os peixes__ respondeu zangado__ mas com o vento. __ Como assim?__ perguntou John, curioso. __ O senhor por acaso é algum tipo de fiscal, ou é simplesmente enxerido?__ resmungou o velho. __ Desculpe-me, é apenas curiosidade de amador___ respondeu John.__ Aquela argumentação encantou o pescador, pois o colocou numa posição de mestre em pescaria, diferente de John, apenas um humilde aprendiz em busca de conhecimento. __ Muito bem, moço, mas preste atenção para não esquecer__ disse, dando ares de entendido.__ É que o vento balança a linha e a ponta da vara, fazendo com que você perca a sensibilidade da fisgada. Com isso, o peixe leva a isca e você fica a ver marolas__ explicou o homem, rindo. __ E então, aprendeu a lição? John alternava sentimentos de tristeza com sentimentos de apatia, preferindo deixar os pensamentos correrem soltos, sem bloqueios. Subitamente divisou ao longe uma moça caminhando em sua direção e mais que depressa apressou o passo, imaginando ser Noelle. Mas quando estavam próximos, desapontado viu que não era, e foi então que lhe surgiu a idéia de ir até o Centro de Dharma.

Andava rápido, animado com a perspectiva de rever Noelle, aquelas pessoas e, talvez, se fosse seu dia de sorte, reencontrar o Lama. Já estava escurecendo. As luzes das ruas iam sendo acesas e as primeiras estrelas começavam a brilhar no céu azul anil. Seria uma noite fria, mas era o que menos o preocupava; havia planejado sair sem destino nem hora marcada para voltar, além do que, trouxera um blusão felpudo amarrado na cintura para aquela eventualidade. Seu corpo ainda estava quente e suado devido à caminhada, mas assim que parasse, na certa sentiria frio, e isto não demoraria a acontecer. Chegou rapidamente ao lugar no qual lanchara com Noelle, comeu um sanduíche, bebeu um café expresso, vestiu seu casaco e continuou. Logo se viu em frente ao prédio onde ficava o

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Centro. Entrou e tocou a campainha, o coração acelerado ante a expectativa da porta ser aberta. Do outro lado, alguém perguntou:

__ Quem é? __ Um amigo de Noelle; estivemos juntos aqui alguns dias atrás__ disse um pouco inseguro. A porta foi aberta pelo mesmo jovem e John entrou. Como já conhecia o ritual, foi logo tirando o tênis, para em seguida ir para a sala onde estivera da última vez. Para sua estranheza, não havia ninguém no recinto, mas o jovem pediu que ele sentasse e aguardasse. John concluiu que Noelle não estava, e muito menos o Lama; mas apesar disso resolveu permanecer lá e esperar os acontecimentos.

Já se passava meia-hora e nada... Um vazio se apoderava de John, crescia dentro dele; a dura realidade de não ter mais com quem falar quando saísse dali fazia-o duvidar da própria existência. Até há pouco, Otho vinha sendo sua referência de vida, mas esse cordão havia sido rompido e, apesar de convicto das decisões que tomara, sentia-se como um barco sem leme. Olhava em torno na esperança de encontrar alguém na sala fracamente iluminada, ao menos uma pessoa com quem pudesse compartilhar o sofrimento que o invadia, mas só havia sombras. Parecia que a razão lhe fugia aos poucos e já não sabia mais quem era.

A porta se abriu lentamente e alguém entrou na sala com suavidade e graça. John observava atento ao vulto que se aproximava, vestido com uma roupa avermelhada como a do Lama, mas frágil demais para ser ele. Era um monge__ concluiu__ e quando se levantou para cumprimentá-lo a surpresa e a alegria o invadiram; o monge era Noelle. Uma Monja, na verdade. __ Boa noite, John. __ Boa noite, Noelle

__ Já não está mais por conta dos outros? Não tem algum compromisso importante para mais tarde?__perguntou sorrindo amistosamente, sem ironia, como se soubesse o que se passava na vida dele.

__ Não, agora estou livre, mas ao contrário do que imaginava, sinto-me com um barco à deriva, sem um porto para ancorar a minha vida. Por isso decidi vir aqui hoje, imaginando que talvez pudesse descobrir um novo caminho, um recomeço.__ Mais uma vez calou-se, examinando-a agora com curiosidade, e assaltado pela suspeita de que algo novo estava para acontecer perguntou: __ diga-me, Noelle, por que você está vestida assim, justamente hoje?

__ Estava esperando por você, John, para leva-lo de volta para casa__ falou com ternura, os olhos cheios de compaixão. Vimos acompanhando de perto as suas lutas, seu sofrimento, suas incertezas; você nunca esteve só.

John, atônito, procurava entender aquelas palavras que pareciam não ter sentido; não conseguia atinar com o significado delas, mas preferiu calar-se, cansado de tantos questionamentos. Noelle pegou-o suavemente pelo braço e o encaminhou para o meio da sala, pedindo que se deitasse e procurasse relaxar. Ele obedeceu. Em seguida outros monges entraram na sala e sentaram-se ao redor dele formando um círculo. __ Vamos começar os mantras, John. Peço-lhe que somente ouça e relaxe, não ofereça qualquer resistência, apenas entregue-se ao som da música que irá transporta-lo ao seu verdadeiro lar.

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Os monges começaram a cantar e cantaram horas a fio, até que os sons aos poucos foram se distanciando levados pelo vento frio daquela noite estrelada, e, junto com eles, a consciência de John...

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TIBETE Eram mais ou menos 10 da manhã e o Lama Norbou já esperava por Bruma, sentado na aconchegante sala ao lado do altar do Buda. Raios mornos de sol entravam pela janela que dava para o pátio ao lado, onde alguns monges procediam às suas leituras matinais.

Ouviu os passos familiares se aproximando, e levantou-se para recebe-lo. Ele entrou, titubeante, a culpa e a desolação estampadas no rosto jovem, mas sofrido então.

Carinhosamente convidou-o a sentar-se à sua frente. __ Sente-se, filho, e conte-me tudo. Bruma não sabia por onde começar o relato do seu sonho, muito menos como justificar o que imaginava ter ocorrido. Conclui que o melhor era começar admitindo sua falha.

__ Falhei__ disse exasperado. __ Por que você acha que falhou? __ Senhor, esta noite fui invadido por um estranho sonho e, quando acordei, vi que

havia perdido a hora da partida. Não saí para minha missão. Humildemente peço que me perdoe e me instrua como agir para redimir meu erro! __ Primeiro fale-me sobre esse estranho sonho, Bruma. __ Sonhei que eu era uma outra personalidade, alguém de uma outra sociedade, de um mundo diferente do nosso. Nesse sonho, eu, ou melhor, aquela personalidade, atravessou um oceano de extraordinárias tentações, duvidou do Dharma, experimentou o sabor da paixão e da luxúria e por pouco não se entregou à dor, travestida de amor, poder e liberdade__ falava ansioso.

O Lama o interrompeu, pedindo-lhe que se mantivesse sereno e contasse tudo detalhadamente. Bruma começou a falar, desta vez calma e pausadamente. Descreveu a convivência com Otho e a forte influência que este exercera em sua curta existência virtual; uma relação mesclada de afeto e sujeição. Explicou que, juntos, formavam um grupo cuja finalidade era por em prática um projeto bastante lucrativo, que daria a todos, riqueza e poder, mas, em contrapartida, causaria a morte de milhares de animais e provavelmente de pessoas. Falou do forte sentimento que nutriu por uma mulher de nome Maya e de como se relacionou com ela, física e emocionalmente, das atrocidades que quase cometeu para tê-la somente para ele. Contou sobre o encontro com o jovem Hare Krishna, o Lama, a jovem Noelle e o acolhedor Centro de Dharma que freqüentou. Finalmente lastimou pelas pessoas, pelo sofrimento delas, sofrimento que igualmente sentiu e assistiu em seu sonho enquanto John. __ Foi tudo tão real que quando acordei e me vi deitado em minha cama, no meu aconchegante quarto, pensei: fiz uma visita ao inferno, mas graças a Deus, já estou de volta. Então, me dei conta de haver perdido a hora e aqui estou, disposto a pagar pelo meu erro. __ Bruma, agora sou eu quem lhe deve explicações. O que você viveu não foi um sonho mau, mas a sua missão. Lembra-se do que eu falei quando pedi um voluntário? Vou rememorá-lo: "Preciso de um voluntário, alguém disposto a enfrentar o desafio das coisas mundanas e da luxúria, e mais, que não tema emaranhar o seu Carma, com o Carma daqueles com os quais vai se envolver". __ Lembro-me muito bem!__ exclamou boquiaberto. __ Foi o que aconteceu, você viveu uma outra personalidade, um outro carma.

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__ Lembra-se do que lhe falei, aqui, nesta mesma sala, sobre Mãra e os subterfúgios que usou para tentar minar a resistência de Buda? Que até hoje utiliza os cinco sentidos do homem para escravizá-lo ? Pois bem, Bruma, você também experimentou estas tentações enquanto John, e as venceu.

__ Lembra-se quando expliquei que a missão do emissário seria a de salvar um dos nossos, alguém muito importante para nós? Esse alguém era você mesmo, pois, como tantos outros, não estava pronto, ainda lutava contra a supremacia do seu ego.__ Calou-se, observando Bruma demoradamente. Este, permanecia em silêncio; agora começava a entender o que se passara. __ Na verdade__ continuou,__ sua missão foi bem-sucedida, pois enfrentando e vencendo os desafios de John, você se salvou, e pôde voltar ao monastério, que é o seu lar.

__ Mas enquanto fui John, não me lembrava de mim mesmo, como foi possível isso acontecer? __ Tinha que ser assim, pois se consciente da verdade, você responderia às tentações com os conhecimentos da sua personalidade, ou seja, baseado nas teorias aprendidas no monastério; não teria valor. Ao passo que, como John, você respondeu através da sua essência primordial, inacessível pelo intelecto. Isto significa que agora você já está pronto para ajudar. Existem no mundo muitos “Brumas” vivenciando “Johns”, da nossa e de outras Ordens. Estão em missão de aperfeiçoamento, semeando o verdadeiro amor, vivendo coisas parecidas com as que você viveu. Alguns demoram mais tempo para voltar... __ Ainda tenho uma pergunta__ disse o monge__ Quanto tempo se passou entre a minha partida e o meu retorno? __ Nesta dimensão, o tempo não existe; é como quando sonhamos; minutos, parecem uma existência __ explicou pacientemente.

__ Algo ainda me preocupa; o projeto, que com certeza está em andamento e causará tanto desgosto. __ O ser humano passa por um vagaroso processo de evolução; nele, o bem e o mal, se confundem. Para ilustrar, vou lhe fazer uma pergunta; mas por favor, não me responda agora, apenas pense a respeito, está bem?

__ Está__ respondeu o Monge. __Quem é mais pecador: o grupo que planeja o massacre dos animais, o químico que descobriu a fórmula e a vendeu, o pecuarista, cujo meio de vida é criar e engordar o gado para depois enviá-lo ao matadouro, ou aqueles que se alimentam dos animais sacrificados?

No fim da tarde, Norbou foi ao seu quarto, colocou a

cadeira junto à janela e sentou-se, para assistir ao sol se pôr...

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FINAL EUROPA Certo dia, em uma pequena fazenda de criação de gado, situada em algum lugar da Europa, uma vaca, inesperadamente, caiu de joelhos em frente ao seu dono, parecendo pedir clemência; mas em seguida, tombou por completo, inconsciente. Outras seguiram o mesmo caminho, e logo, a imprensa internacional começava a noticiar o grande mal que assolava os rebanhos. A população foi alertada para não consumir mais a carne européia, e, por precaução, rebanhos foram sacrificados. Tomou-se conhecimento de que o grande mal contaminara pessoas, mas não se tinha certeza de quantas. Por um tempo os consumidores, assustados, substituíram a carne bovina por outros tipos de carne, mas logo, quando outros países passaram a fornecer o produto, com garantia de qualidade, o susto inicial foi sendo substituído pela normalização do consumo. A indústria de ração, substituiu a sua matéria prima básica, trocando a proteína de origem animal pela soja. Otho e seu grupo, mais uma vez foram bem-sucedidos, pois com o desaparecimento de John, outro foi contratado para ocupar o seu lugar no Projeto Maya, por ter cooperado, recebeu a sua parte do "bolo", tornando-se rica e independente, como sempre sonhou ser. Com o passar do tempo, foi-se desligando de Otho, até que o fez definitivamente, sem traumas para nenhum dos dois A partir daí, dedicou-se a uma organização não-governamental sem fins lucrativos, dedicada à defesa e preservação dos animais silvestres. Nunca mais foi a mesma, pois apesar de tudo, sua alegria de viver a abandonou, quando se deu conta de quanto John havia sido importante em sua vida. Ainda o procurava, mas em vão, ele nunca mais fora visto. Numa tarde ensolarada, teve uma vontade incontrolável de caminhar às margens do rio Sena, como John costumava fazer; não sabia bem porque, talvez, intimamente, na esperança de encontra-lo.

Vestiu um agasalho, um par de tênis e foi para lá. Caminhava distraída, olhando no céu algumas nuvens que se movimentavam lentamente, formando castelos imaginários. Não percebeu que uma moça, também distraída, caminhava em sua direção. A colisão foi inevitável e ambas caíram sentadas no chão, numa cena cômica. Rindo, ajudaram-se a levantar.

__ Desculpe-me, nem sei como aconteceu__ disse Maya sem graça. __ Ao contrário, sou eu quem lhe deve desculpas__ disse a outra, enquanto batia

com a mão no agasalho para tirar o pó. Por um instante ficaram entreolhando-se sem saber o que dizer, até que, por uma

questão de boas maneiras, Maya perguntou:__ você sempre caminha por aqui? __ Nem sempre. E você? __ Também não, costumo freqüentar uma academia de ginástica. Vim hoje,

excepcionalmente, na expectativa de rever um amigo que já não vejo a algum tempo. Sempre que em Paris, ele costumava vir passear por aqui.

__ E conseguiu encontrá-lo? __ Infelizmente não__ disse Maya, com uma expressão melancólica. __ Pelo jeito como você fala, ele era bastante importante para você__ sugeriu, e

continuou;__quando me acho em uma circunstância parecida com a sua, deixo de procurar o que está fora e passo a procurar o que está dentro de mim, a mim mesma, na verdade.

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Tento ir a fundo para saber se o motivo do meu sofrimento é real ou é apenas uma ilusão, ou ainda, se é um sentimento de culpa por algo que deixei de fazer ou fiz da maneira errada. Muitas vezes chego à conclusão que, se errei, é porque, naquele momento, não sabia fazer de outra forma e então me perdôo e tudo volta ao normal. É um processo difícil, mas quando consigo, sinto uma imensa sensação de plenitude, maior do que me proporcionaria qualquer outro tipo de encontro. Maya começava a se entusiasmar com a conversa daquela jovem.

__ Quem sabe um dia conseguirei agir assim__ disse entusiasmada. __ Bom, a conversa está boa mas tenho que ir___ disse a outra,__ ainda tenho uma

longa caminhada pela frente. __ Espere!__ exclamou Maya aflita. __ O que você acha de caminharmos juntas? __ Acho uma ótima idéia, mas você não está indo na direção oposta ?

__ Sim, mas isto não quer dizer que eu não possa mudar de direção, já que estou caminhando sem destino certo__ respondeu sorrindo.

__ Nesse caso, aceito, mas com uma condição__ impôs amigavelmente:__ você terá que me acompanhar a uma reunião da qual vou participar logo mais e certa Não tenho a menor dúvida de que você vai gostar, além do que, daqui até lá, dá para fazermos uma boa caminhada Ficaria muito contente se você aceitasse meu convite.

Maya ficou contente com aquela perspectiva. Sentia-se muito só nos últimos tempos e, novas amizades, nunca eram demais. ___É claro que aceito, mas antes, quero me apresentar: meu nome é Maya. ___ Muito prazer, Maya. A propósito, como não sei a que horas terminará a reunião, sugiro que a meio caminho paremos para fazer um lanche. ___ Para mim está ótimo. Como é mesmo o seu nome? ___ Meu nome é Noelle...

FIM

J.DOMIT

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GLOSSÁRIO Informações sobre o Tibete Enciclopédia da Folha Enciclopédia Conhecer- Abril Cultural Budô- O caminho espiritual do guerreiro(Samurai) Comecon- sigla da expressão inglesa Council for Mutual Economic Assistance (Conselho de Ajuda Mútua Econômica), organismo criado em 1949 e dissolvido em 1991. Agrupava a U.R.S.S., a maior parte dos Estados europeus de regime socialista, a Mongólia, Cuba (1972) e vietname (1978). Koogan Houaiss. Commodities-A palavra é sempre usada no plural e significa mercadoria. No mercado financeiro, é empregada para indicar investimentos dos mais variados tipos: produtos agrícolas, metais, minerais ou até diferentes moedas. São produtos amplamente negociados por importadores e exportadores, por investidores e principalmente por especuladores (no bom sentido) que gostam de viver perigosamente apostando nos preços futuros desses produtos. Mundialmente, há bolsas especializadas em commodities. No Brasil, a paulista Bolsa de Mercadorias e Futuros (www.bmf.com.br) é o principal centro de negociação desse tipo de contrato. Alguns produtos que estão incluídos na categoria de commodities são: petróleo, soja, café, algodão, cobre e até bacon de porco, só para você ter uma idéia da variedade dessas negociações. Fonte = www.terra.com.br/jornaldalilian Dharma-(pal. sânscrita.) No hinduísmo e no budismo, lei universal que rege os seres e as coisas.KH Dresdner Swinger- Suntuosa construção antiga em estilo barroco, antigo palácio, hoje, um museu. Fitness Club- Salão de ginástica, normalmente com equipamentos. Gemaldegalerie- Galeria de pinturas Guru- No hinduismo, aquele que é considerado um Guia espiritual e religioso no hinduísmo. Usa-se também referindo-se a um Mestre em uma matéria importante para uma pessoa. Iaque- Ruminante com pelame longo, semelhante ao boi, que habita o Tibete e a zona montanhosa do Nepal. É utilizado como meio de transporte, alimentação e matéria prima para vestuário. Sua carne é muito apreciada, mas só é abatido quando imprestável.Koogan Houaiss e Enciclopédia Conhecer- Abril Cultural. Karma- CARMA-Nas religiões da Índia, encadeamento de causa e efeito, tanto no plano físico quanto no moral. Katolische Hofkirche - Igreja Católica da antiga Corte Lhotsé- Pico situado na Cordilheira do Himaláia, com 8.501m. Enciclopédia Conhecer- Abril Cultural Lichtenstein- capital Vaduz. Paraíso fiscal situado a sudoeste da Suíça. Lótus- Postura Yogue usada para meditação e práticas de respiração. Padmâsana(Padma em Sanscrito = lótus). A postura tem esse nome, pois se trata de uma tentativa de imitar a flor de lótus. Asanas-Swami Kuvalayananda Maitre -(pal.francesa.) O garçom que, num restaurante, superintende o serviço dos outros garçons. Mantra-Para os budistas, sílaba ou frase sagrada à qual se atribui um poder espiritual. Mãra- Conjuga em si a Morte e o Diabo. Assedia Sãkyamuni com tentações e intimidações. Sãkyamuni resisti e torna-se Buda, em Sânscrito, “Iluminado”. Dicionário das religiões, Mircea Eliade/ Ioan P. Coutinho. Mercado Futuro- ver commodities.

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Namaste- Sânscrito. Forma popular de dizer: ëu te saúdo”. Prontuário de Yoga Antigo- Prof. De Rose. Nuptsé- Pico situado na Cordilheira do Himaláia, com 7.827m.Enciclopédia Conhecer-Abril Cultural. Ópera “O Barbeiro de Sevilha”- BARBEIRO DE SEVILHA (O), comédia em quatro atos, em prosa, de Beaumarchais (1775). Graças a Fígaro, o conde de Alma-Viva consegue retirar a jovem Rosina de seu velho tutor ciumento, Bártolo. Sobre os elementos dessa peça foi escrita uma ópera, com música de Rossini. Enciclopédia Koogan Houaiss. Puja- Cerimônia Budista utilizada para limpeza e crescimento espirituais e abertura de caminhos. Trading Company = Sociedade Comercial, companhias especializadas em comércio

internacional. Yeti – Humanóide. “O Abominável Homem das Neves”.