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DORIAN GRAY CALDAS: A TRAJETÓRIA BIOGRÁFICA DE UM ARTISTA
PRECURSOR DE UMA IDENTIDADE POTIGUAR (1950-1989)
ARILENE LUCENA DE MEDEIROS
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA: CULTURA, PODER E REPRESENTAÇÕES ESPACIAIS
DORIAN GRAY CALDAS: A TRAJETÓRIA BIOGRÁFICA DE UM ARTISTA
PRECURSOR DE UMA IDENTIDADE POTIGUAR (1950-1989)
ARILENE LUCENA DE MEDEIROS
NATAL/RN, 2017.
ARILENE LUCENA DE MEDEIROS
DORIAN GRAY CALDAS: A TRAJETÓRIA BIOGRÁFICA DE UM ARTISTA
PRECURSOR DE UMA IDENTIDADE POTIGUAR (1950-1989)
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de
Mestre no Curso de Pós-Graduação em
História, Área de Concentração em
História e Espaços, Linha de Pesquisa
Cultura, Poder e Representações
Espaciais, da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, sob a orientação
do Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo
da Rocha.
NATAL/RN, 2017.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras
e Artes - CCHLA
Medeiros, Arilene Lucena de.
Dorian Gray Caldas: a trajetória biográfica de um artista precursor de uma identidade potiguar (1950-1989) / Arilene Lucena de Medeiros. - 2017.
174f.: il.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em
História, 2017.
Orientador: Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha.
1. Gray, Dorian, 1930. 2. Biografia. 3. Arte moderna. 4. Espaço. 5.
Arte potiguar. I. Rocha, Raimundo Nonato Araújo da. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 929
ARILENE LUCENA DE MEDEIROS
DORIAN GRAY CALDAS: A TRAJETÓRIA BIOGRÁFICA DE UM ARTISTA
PRECURSOR DE UMA IDENTIDADE POTIGUAR (1950-1989)
Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso
de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela
comissão formada pelos professores:
Prof. Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha (UFRN)
_______________________________________________
Orientador
Prof.ª Dr.ª. Márcia de Almeida Gonçalves (UERJ)
_______________________________________________
Avaliador Externo
Prof. Dr. Helder Viana do Nascimento (UFRN)
________________________________________
Avaliador Interno
Natal/RN, 25 de setembro de 2017.
Agradecimentos
Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, a Deus, e reiterar a frase que me
sustentou ao longo dessa jornada: “Às vezes, a gente acha que não consegue. Sozinhos,
não podemos mesmo, mas com Deus tudo é possível!". Por isso, agradeço, também, a
uma pessoa cuja vocação é ser instrumento nas mãos de Deus, que compreende as dores
e os desafios dos homens do seu tempo, e que derrama palavras de conforto aos fiéis de
sua Igreja: o pároco da Paróquia de Cristo Rei, em Pirangi, padre Alfredo de Oliveira.
Ao meu orientador, professor Raimundo Nonato, pelas constantes palavras de
apoio e incentivo, pela paciência, confiança, generosidade, pelo companheirismo, e,
sobretudo, por ter acreditado em mim e em minha capacidade de concluir este trabalho.
Ao artista e amigo Dorian Gray Caldas, com quem tive a honra de conviver,
ainda que por pouco tempo, como também à sua família – Wanda, Dione e Adriano, aos
quais tenho grande apreço, por compartilharem comigo de suas vidas, seus sonhos,
tristezas e alegrias.
À minha família – meus pais, Ari e Helena, irmãos, cunhados, sobrinhos, por me
apoiarem e compreenderem minhas ausências.
Aos meus colegas de trabalho do IFRN/Campus Natal-Central, aos quais sou
imensamente agradecida, por tudo: Tânia, Cláudia, Romana, Cláudio, professor
Arnóbio, e aos nossos eternos estagiários, que, de perto ou de longe, torceram por mim.
Sou grata, ainda, a todos os professores da graduação e da pós-graduação em
História da UFRN, por haver despertado em mim a paixão por esse campo do saber,
pela qualidade do ensino ministrado, pelo carinho com que atuam na área, e por me
inspirarem, cada um deles, de um jeito ou de outro.
Aos funcionários do Arquivo Estadual do Rio Grande do Norte, da Biblioteca
Central Zila Mamede e da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro, cujo trabalho me
permitiu a obtenção de boa parte das fontes para execução desta pesquisa.
Aos professores que, atendendo ao convite de Nonato, trouxeram valiosas
contribuições para esta dissertação e trabalhos futuros - Paula Rejane Fernandes,
Raimundo Pereira Alencar Arrais e Helder Viana do Nascimento – na banca de
qualificação; Márcia de Almeida Gonçalves e Helder Viana, da banca de defesa.
Por fim, aos colegas do Programa e aos membros da Base de Pesquisa Espaços
da Modernidade, pelo companheirismo e por todas as palavras de apoio.
RESUMO
O presente trabalho analisa a trajetória biográfica do artista plástico e escritor natalense
Dorian Gray Caldas (1930-2017), tido como um dos precursores da modernidade
artística no Rio Grande do Norte. Sua produção pictórica incluiu desenho, pintura de
cavalete, pintura mural, mosaico, escultura, cerâmica, gravura e tapeçaria. O objetivo
principal da dissertação é investigar como Dorian Gray construiu uma identidade
pessoal alicerçada na arte moderna e de que forma seu protagonismo interferiu na
constituição de uma arte potiguar. Prioriza um recorte temporal que vai de 1950, ano
que marca o início de sua atividade profissional, com o I Salão de Arte Moderna de
Natal, em parceria com os artistas Newton Navarro e Ivon Rodrigues, até 1989, com a
publicação do livro “Artes Plásticas do Rio Grande do Norte (1920-1989)”, obra de sua
autoria que consolida a ideia de uma identidade artística potiguar. O primeiro capítulo
analisa de que forma a arte se tornou uma opção de vida para Dorian Gray e como ele
construiu a ideia de uma tradição artística para sua família. O segundo capítulo investiga
sua produção cultural no período demarcado, as redes de sociabilidade construídas por
ele e sua participação na construção de uma modernidade artística natalense. O terceiro
capítulo examina, de um lado, as imagens que Dorian construiu sobre si e sobre o que
considerava ter feito para o mundo cultural e intelectual do Rio Grande do Norte, e, de
outro, como os seus contemporâneos representavam o artista e sua obra. Recuperam-se
alguns discursos produzidos após sua morte e os mecanismos mobilizados pela família e
instituições culturais para promover a manutenção da memória do artista. Como aportes
teóricos, utiliza as noções de biografia (DOSSE, 2009; LORIGA, 2011), configuração
social (ELIAS, 1994), modernidade (BERMAN, 1986) e enquadramento da memória
(Pollack, 1989, 1992) e o referencial teórico-metodológico da história oral de vida
(PORTELLI, 1997). A relação entre história e espaço é discutida na perspectiva do
geógrafo Yi-Fu Tuan (2013), para quem o espaço é o lugar que constrói identidade. As
principais fontes utilizadas são entrevistas fundamentadas na história oral de vida,
notícias publicadas nos jornais A República, O Poti e Diário de Natal, discursos e textos
de memorialistas.
Palavras-chave: Dorian Gray Caldas; Biografia; Arte moderna; Espaço; Arte potiguar.
ABSTRACT
This current essay analyzes biographical trajectory of the plastic artist and natalense
writer Dorian Gray, well known as one of the artistic modernity precursors in Rio
Grande do Norte. His pictorial production included drawing, easel painting, mural
painting, mosaic, sculpture, ceramics, picture and tapestry. The main goal of this
dissertation is to explore how Dorian Gray made a personal identity based on modern
art and in what way his protagonism interfered in the formation of Potiguar art. It
prioritizes a temporal cut, from 1950, the year which he started his professional career,
in the I Salão de Arte Moderna de Natal in partnership with the artists Newton Navarro
and Ivon Rodrigues, to 1989, when was published the book “Artes Plásticas do Rio
Grande do Norte (1920-1989)”, work of his own which consolidates an idea of the
potiguar artistic identity. Its first chapter analyzes how art became an option of life to
Dorian Gray and how he created the idea of an artistic tradition to his family. Its second
chapter investigates his cultural production in the delimited period, sociability networks
made by him and his participation in the formation of the Natalense artistic modernity.
The third chapter examines, from a point, the pictures that Dorian created about him and
about what considered to have done to the cultural and intellectual areas of Rio Grande
do Norte, and to another point, how his contemporaries represented the artist and his
work. Some speeches made after his death and strategies used by his family and cultural
institutions to preserve the artist‟s memory were recovered. As theoretical contribution,
uses the perception of biography (DOSSE, 2009; LORIGA, 2011), social setting
(ELIAS, 1994), modernity (BERMAN, 1986) and memory framing (POLLACK, 1989,
1992) and the theoretical-methodological referential of Oral History of life
(PORTELLI, 1997). The relation between History and space is discussed in the
perspective of the geographer Yi-Fu Tuan (2013), to whom the space is a place which
creates identity. The main sources used are interviews based on Oral History, news
published in the newspapers A República, O Poti e Diário de Natal, speeches and
memorialist texts.
Keywords: Dorian Gray Caldas, Biography, Modern Art, Space, Potiguar Art.
LISTA DE IMAGENS
INTRODUÇÃO
Imagem 1: Fotografia de Dorian Gray Caldas em sua casa-atelier, Glácio Menezes, 2014 ...................... 11
CAPÍTULO 1
Imagem 2: Fotografia de Elói Caldas, o governador Juvenal Lamartine de Faria, Djalma Petit e Plínio
Saraiva, Aeroclube de Natal, [1930?] ........................................................................................................ 34
Imagem 3: Quadro “Padre João Maria entre os humildes”, Moura Rabello, 1928 .................................... 42
Imagem 4: Moura Rabello e os quadros “General Varella” e “Maestro Carlos Gomes”, 1971 ................ 46
Imagem 5: Fotografia dos irmãos Dorian Gray e Zaíra Caldas, 1936 ....................................................... 48
Imagem 6: Fotografia de Dorian Gray Caldas na adolescência [1940?] ................................................... 48
CAPÍTULO 2
Imagem 7: Quadro “Lunares” (têmpera sobre cartão, 38cmx56cm), Dorian Gray, 1950 ......................... 62
Imagem 8: Quadro “Marinha” (óleo, 121cmx84cm), Dorian Gray, 1994 ................................................. 68
Imagem 9: Fotografia de Dorian Gray e Câmara Cascudo ao lado da pintura O Cangaceiro, 1955 ......... 70
Imagem 10: Fotografia de Câmara Cascudo, Dorian Gray e Djalma Maranhão em Exposição de 1956 ... 73
Imagem 11: Painel-mosaico na fachada do prédio do IPASE, Newton Navarro e Dorian Gray, 1956 ...... 74
Imagem 12: Ilustração de Dorian Gray na capa de edição comemorativa do jornal A República, 1957 .... 80
Imagem 13: Dorian Gray, Nympha Rabelo, Elói Caldas e a escultura Mater Potens, 1960. .................... 82
Imagem 14: Quadro “Sobradões” (óleo, 96cmx66cm), Dorian Gray, 1964 ............................................... 87
Imagem 15: Detalhe do Mural “Motivos Folclóricos”, Dorian Gray, 1967............................................... 93
Imagem 16: Gravura do álbum “Congos”, Dorian Gray, 1972 .................................................................. 94
Imagem 17: Tapeçaria “Barcos” (135cmx165cm), Dorian Gray, 1978 .................................................. 104
Imagem 18: Tapeçaria “Apanhadoras de algodão”, Dorian Gray, 1977 .................................................. 110
Imagem 19: Tapeçaria “Bumba meu boi” (2,73mx3,96m), Dorian Gray, 1972 ....................................... 112
CAPÍTULO 3
Imagem 20: Quadro “Casario entre verdes” (óleo, 47cmx32cm), Dorian Gray, 1977 ............................. 117
Imagem 21 – Quadro em homenagem a Câmara Cascudo (óleo, 3mx2m), Dorian Gray, 2008 ............... 143
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10
1. A FAMÍLIA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO ARTISTA ............... 30
1.1 Dorian Gray Caldas e seus “instrumentos do sonho” ............................................... 30
1.2 O alicerce da “casa-atelier”: Caldas, Moura, Rabello .............................................. 31
1.3 As paredes da “casa-atelier”: a cidade vivida na infância ........................................ 46
1.4 Criação, experimentação e trabalho: o corpo e a alma da casa-atelier ..................... 52
2. A ARTE DE DORIAN GRAY: ENTRE A TRADIÇÃO E O MODERNO ........ 56
2.1 A inserção na modernidade e o “grupo dos novos” ................................................ 57
2.2 Da arte despretensiosa ao compromisso com a formação da identidade regional .... 65
2.3 Entre a figuração regional e a incorporação de referenciais locais .......................... 84
3. IMAGENS PARA UM “RETRATO” DE DORIAN GRAY ..............................114
3.1 Um possível “autorretrato” de Dorian Gray ........................................................... 115
3.2 “Eu e Navarro”: os outros, discípulos .................................................................... 123
3.3 “Retratos” do artista: traços de um quadro eternizado ........................................... 131
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................148
FONTES E BIBLIOGRAFIA ................................................................................... 155
ANEXOS.......................................................................................................................165
10
INTRODUÇÃO
Apresentação da problemática
Em março de 2005, tendo como cenário os painéis-murais instalados no hall da
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, que apresentam cenas sobre personagens da
narrativa historiográfica norte-rio-grandense, como Clara Camarão, André de Albuquerque e
Frei Miguelinho, o entrevistado do programa Gente que acontece, que, naquele ano,
completava 55 anos de arte, justificava sua escolha pelos temas de suas pinturas afirmando
tratar-se de obras que “resgatam a história heroica do nosso Estado”1.
Naquele mesmo ano, ao receber uma equipe do programa Mundo da Arte, produzido
pela Rede de TV Sesc/Senac, de São Paulo, o mesmo convidado declarava ter uma dívida
para com a cidade do Natal e o seu povo, razão pela qual havia se doado a ela como seu
pintor, ao registrar seu cotidiano, seus autos folclóricos e figurantes2.
Em 2007, interpelado por uma plateia de graduandos em Jornalismo, que atuavam na
condição de entrevistadores do programa televisivo Xeque-Mate, o ilustre personagem dizia
ter feito muito por seu Estado, por sua cidade e por seu povo, supondo ser este o motivo que
lhe rendera o reconhecimento público3.
Todas as cenas descritas, protagonizadas por Dorian Gray Caldas, revelam algumas das
preocupações frisadas pelo artista nos últimos anos de sua vida: a necessidade de afirmar a
imagem de si como o representante máximo da arte produzida no Rio Grande do Norte, cuja
obra expressaria uma relação de identidade com a cidade de Natal e seu Estado, lugares
assumidos por ele como lócus e inspiração de sua produção artística. Uma relação que ele já
construía na década de 1980 num depoimento ao programa Memória Viva:
Estamos aí com esses trinta e tantos anos de pintura devotada à terra. Eu sou um
telúrico, eu jamais traí as minhas origens, faço sempre aquilo que eu sinto, que me
emociona, que me toca e sensibiliza. Jamais consegui ser um abstrato, embora tenha
começado a pintar, em 1950, com uma arte abstrata, com um trabalho abstrato. Mas
1 GENTE que acontece. Direção: Diógenes Dantas. Apresentação: Georgia Nery. Produção: Rosa Medeiros.
Realização: TV Assembleia de Natal. Natal, 18 mar. 2005. 1DVD (31min). 2 DORIAN Gray: modernidade e tradição potiguar. Programa Mundo da Arte. Direção do programa: Zezo
Cintra. Direção geral: Sandra Regina Cacetari. Produção: STV Rede Sesc/Senac de Televisão. Natal, 2005.
1DVD (22min). 3 XEQUE-Mate. Apresentação: Ruy Costa. Produção: TV Universitária de Natal. Natal, 23 nov. 2007. 1DVD
(59min).
11
fui tomando conhecimento de todas as coisas que eu amava, de todas as coisas que
eu sentia e que precisavam ser transmitidas através da arte4.
Mas, afinal de contas, quem era esse indivíduo? O que se sabe, previamente, sobre ele?
Dorian Gray Caldas (Imagem 1) nasceu em 16 de fevereiro de 1930, em Natal, cidade onde
sempre morou, vindo a falecer em 23 de janeiro de 2017. Casado durante 56 anos com Wanda
Dione Barros Caldas, pai da artista plástica Dione Caldas e do poeta Adriano Caldas,
nascidos, respectivamente, em 1964 e 1971, avô de duas netas, Dorian Gray morou por quase
60 anos numa espécie de casa-atelier, situada na rua Ana Nery, no bairro Petrópolis, adquirida
como herança dos pais – Elói Caldas e Nympha Rabelo.
Imagem 1: Dorian Gray Caldas em sua casa-atelier, 2014.
Foto: Glácio Menezes
Dorian emergiu como artista em 1950, no I Salão de Arte Moderna de Natal, ao lado de
Newton Navarro5 e Ivon Rodrigues de Albuquerque
6. Naquele momento, Newton acabava de
4 LYRA, Carlos (Coord.). MEMÓRIA Viva de Dorian Gray Caldas, Newton Navarro, Leopoldo Nelson. Natal:
EDUFRN, 1998. 5 (Natal, 1928-1992), Desenhista, pintor, dramaturgo, poeta, contista e cronista. In: CARDOSO, Rejane (Coord.).
400 nomes de Natal. Natal: Prefeitura Municipal, 2000. p.577-578. 6 Não se sabe muito sobre ele, a não ser que não era natalense e trabalhava no IPASE (Instituto de Pensão e
Aposentadoria dos Servidores do Estado), tendo sido transferido de Natal pouco tempo depois dessa exposição.
12
retornar do Recife, onde frequentou cursos de pintura no atelier do artista Lula Cardoso Ayres
e participou de exposições de arte moderna com diversos outros artistas “novos” de
Pernambuco, como Aloízio Magalhães, Reinaldo Fonseca, Abelardo Rodrigues, Hélio Feijó e
Cícero Dias, ligados ao movimento regionalista-tradicionalista, que surgiu nos anos vinte,
liderado pelo sociólogo Gilberto Freyre. A partir daquele Salão de Arte Moderna de 1950,
Navarro e Dorian se tornaram parceiros, seguindo uma trajetória, ora em paralelo, ora em
conjunto, tornando-se as principais referências no campo das artes plásticas potiguares.
Dorian Gray expressou sua arte em diversas formas e linguagens: do desenho passou
para a pintura de cavalete e a pintura mural, praticou a gravura, experimentou a cerâmica e a
escultura, e ganhou notoriedade com a tapeçaria, que resultou na sua principal fonte de renda.
Além de artista plástico, foi poeta e ensaísta.
Na década de 1960, realizou suas primeiras exposições fora de Natal, ao passo em que
ocupou cargos de gestão cultural no Governo do Rio Grande do Norte, como diretor do Teatro
Alberto Maranhão e do Museu de Arte e História, além de ter atuado como membro do
Conselho Estadual de Cultura e assessor da Fundação José Augusto.
Dorian Gray realizou exposições em várias cidades brasileiras, o que explica a difusão
de suas obras em todo o território nacional. Todavia, é em Natal que se concentra a maior
parte de sua produção. Nessa cidade, existe um vasto acervo de obras nas coleções de arte de
diversas repartições públicas federais e estaduais, em entidades privadas, em unidades
bancárias, em praças públicas e edifícios residenciais. No estrangeiro, inseriu obras suas na
sede do Banco do Brasil, em Zurique, na Suíça; no Departamento de Segurança da Casa
Branca e no Banco Interamericano de Desenvolvimento, nos Estados Unidos; em Revin, na
França, e no Museu de Artes Decorativas de Buenos Aires, Argentina, entre outros lugares.
Como escritor, publicou mais de 40 livros, entre poesia, álbuns de desenho e gravura,
dicionários biográficos e ensaios. Integrou a Academia Norte-rio-grandense de Letras, o
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e a União Brasileira de
Escritores/Seção RN, tendo sido agraciado, em 2008, com o título de Doutor Honoris Causa
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Como se pode perceber a partir desses breves traços biográficos, Dorian Gray Caldas foi
um personagem que manteve uma intensa relação com a arte, a qual se dedicou por mais de
60 anos, conquistando um espaço para inserção de sua obra que poucos artistas conseguiram
obter. Além disso, sua presença em órgãos do governo e nas instituições culturais citadas
indica que se tratava de um sujeito bem relacionado na cidade.
13
Pelos relatos com os quais iniciei este texto, nota-se que Dorian se via como um artista
que já havia obtido a consagração pública em sua terra, fato que ele próprio atribuía à sua
sensibilidade estética voltada para a história desse lugar, sua gente, suas festas populares e seu
cotidiano. Mas o que levou o artista a se interessar por essas temáticas? Como ele construiu
sua relação com a cidade? De que forma a arte ganhou centralidade na vida dele?
Seu envolvimento com a atividade artística na capital potiguar, mal terminada a
Segunda Guerra Mundial, conflito que produziu profundas transformações em Natal,
decorrentes da presença de uma base militar norte-americana e da chegada de inúmeros
migrantes, que fez duplicar sua população7, me permitiu associar o fazer cultural desse artista
à confluência de “novos” valores em circulação e “novas” ações de modernização na cidade.
Morador do bairro Cidade Alta, vizinho ao bairro da Ribeira, que, na época, ainda
constituíam o centro da vida política, comercial e cultural da cidade, entre a fase da
adolescência e da juventude Dorian Gray vivenciou muitas mudanças na moda, nos hábitos,
no linguajar e nas formas de sociabilidade da população. Foi impactado pelo aumento do
fluxo de sons e imagens que chegavam à cidade, seja pelo rádio, que ampliava sua presença
na capital, pelos discos de vinil, revistas, jornais, e, sobretudo, pelo cinema, principal lazer
dos jovens de sua geração, em cujas salas predominavam filmes estadunidenses.
Muitos de seus contemporâneos, que mantinham espaços fixos na imprensa, se
manifestavam a respeito dessas “novidades” e seus paradoxos. Enquanto uns comemoravam a
chegada da “cenotécnica moderna”, que permitia a “renovação da arte do tablado” pelos
grupos teatrais locais8, outros criticavam “as influências alienígenas e niveladoras” da mídia,
que contaminavam os cartões de boas festas do Natal com “paisagens de pinheiros e flocos de
neve” 9; enquanto alguns festejavam o soerguimento da Escola Técnica de Aviação Civil
10 e a
“intensa fase de construções em grande estilo” no bairro da Ribeira, de “linhas arquitetônicas
e feições novas” 11
, outros faziam campanha pela “revivescência dos folguedos tradicionais do
folclore regional” 12
.
É a partir desse momento de transformações, que iriam repercutir tanto na materialidade
do espaço urbano, quanto na vida social, política, cultural e econômica citadina, que Dorian
7 TORQUATO, Arthur Luís de Oliveira. O plantador de cidades e a criação do espaço moderno: a construção
de uma Natal moderna na administração Sylvio Pedroza (1946-1950). Dissertação (Mestrado em História –
UFRN). Natal, 2011. 8 CHAGAS, Francisco das. À guisa de comentário. A República, 22 abr. 1950.
9 MELO, Veríssimo de. Cartões de boas festas. A República, 05 jan. 1950.
10 FESTIVIDADE Escola Técnica de Aviação. A República, 03 maio 1950.
11 “REVISTA da Cidade”. A República, 28 mar. 1950.
12 PROTEÇÃO aos Folguedos. A República, 07 maio 1950.
14
Gray se inscreve como artista em Natal. Para inserir-se na ordem estética da modernidade foi
buscar seus modelos no abstracionismo, expondo, primeiramente, quadros abstratos.
Mas o que o faria mudar essa concepção inicial e passar a conceber sua arte como forma
de expressão telúrica? Essa é uma das questões que este trabalho se propõe a responder a
partir do estudo da sua trajetória de vida, que tem como objetivo central investigar como
Dorian Gray Caldas construiu uma identidade pessoal alicerçada na arte moderna e de que
forma seu protagonismo interferiu na constituição de uma arte potiguar.
Nas décadas que se seguiram à sua estreia pública, Dorian exerceu múltiplas atividades
na capital potiguar: participou de exposições, ornamentou festas e clubes, produziu vitrines,
cenários e figurinos para peças de teatro, ilustrou capas, livros, revistas e jornais, desenhou
medalhas e troféus, pintou retratos e murais, fundou galerias de arte, instalou monumentos e
painéis em espaços públicos urbanos. No entanto, como se produziu a imagem de Dorian
Gray como artista? De que forma ele construiu uma modernidade artística para Natal?
A trajetória de vida de Dorian Gray Caldas também mostrou sua implicação com as
atividades de gestão cultural, ao assumir cargos públicos entre o final dos anos 60 e meados
dos anos 70, num momento em que o Estado e o município de Natal modernizavam sua
máquina administrativa, criando órgãos, como a Fundação José Augusto, ou funções
específicas13
, que passaram a ser ocupadas por intelectuais e artistas da cidade, atraídos para
exercerem atividades relacionadas às suas “especialidades” profissionais.
Afastado do funcionalismo público, no princípio da década de 1970, Dorian se tornaria
empresário de sua própria arte, montando, em casa, uma oficina de produção de tapeçaria,
com a qual se tornou conhecido fora das fronteiras do Estado e do país. Nessa perspectiva,
quais as estratégias usadas por ele para ser reconhecido pela elite intelectual e política de
Natal como um artista de qualidade?
Do ponto de vista temporal é possível afirmar que foi no período de 1950 a 2008 que o
artista consolidou uma variada produção artística no seio da sociedade natalense. Entretanto,
optei por priorizar minha análise sobre a sua trajetória de vida ao período compreendido entre
os anos de 1950, quando ele foi apresentado como um artista moderno para a cidade do Natal,
e 1989, momento em que Dorian consolidou a ideia de uma arte potiguar com a publicação do
livro Artes Plásticas do Rio Grande do Norte.
13
APROVADO o projeto que cria o cargo de diretor da Diretoria de Documentação e Cultura. A República, 05
maio 1950.
15
A despeito do fato de Dorian Gray reivindicar seu papel de precursor de uma
modernidade artística natalense, no final da década de vinte a cidade já havia vivenciado
algumas experiências artísticas modernas, protagonizadas pelos desenhistas e caricaturistas
Adriel Lopes14
e Erasmo Xavier15
, que, entre outros trabalhos, produziam capas e ilustrações
para a revista Cigarra (1928-1929), editada pelo cronista social Aderbal de França, que
assinava com o pseudônimo de Danilo16
.
Por ocasião dos 70 anos da Semana de Arte Moderna de 1922, a UFRN produziu um
seminário, que resultou em livro, e que visava, entre seus objetivos, “resgatar as
manifestações locais e regionais”17 daquele movimento no Rio Grande do Norte. Num dos
artigos, o professor de Arte, Antônio Marques de Carvalho, que utilizou como uma de suas
fontes o citado livro de autoria de Dorian Gray, garantia que Erasmo Xavier teria sido, “entre
nós, o precursor inquestionável, no campo das artes visuais, da estética modernista” e que, “só
não criou um movimento artístico local porque morreu prematuramente” 18
.
Para Antônio Marques, a morte prematura de Erasmo o impossibilitara de constituir
“discípulos”, o que justificava, na sua visão, a descontinuidade da arte moderna em Natal,
verificada até 1948, quando emergiria o artista Newton Navarro, tendo predominado, dos anos
trinta até o final dos anos quarenta, uma estética acadêmica, praticada pelos pintores Moura
Rabello19
, Murilo La Greca20
, Hostílio Dantas21
e Cícero Vieira22
.
Quando Dorian Gray fez sua estreia em Natal, apenas Cícero Vieira exercia atividade
artística na cidade, e, mesmo assim, com exposições esporádicas23
; Murilo La Greca morava
em Recife; Hostílio Dantas e Moura Rabello haviam se mudado para a então capital da
República - Rio de Janeiro, este último, em 1935.
Moura Rabello era tio materno de Dorian Gray, e foi à atuação desse parente que ele
associou seu interesse e ligação com a arte, justificando sua decisão de fazer a exposição dos
anos cinquenta pela “necessidade de retomar o processo artístico do Rio Grande do Norte” 24
.
14
Natal-RN (1900-1930), poeta, desenhista e caricaturista. 15
Natal-RN (1904-1930), desenhista, caricaturista, cenógrafo e fotógrafo. 16
CARVALHO, Isabel Cristine Machado de. Revista Cigarra: cenário social de Natal nos anos de 1920. Quipus,
Natal, ano 1, n.2, jun./nov. 2012, p.81-98. 17
______. Op. cit. Apresentação, p.5. 18
CARVALHO JUNIOR, Antonio Marques de. O modernismo nas artes plásticas (p.71-73). In: DUARTE,
Eduardo de Assis (Org.). 70 anos de Modernismo: coletânea de ensaios. (Coleção Humanas Letras). Natal:
UFRN-CCHLA, 1994. 19
Natal/RN (1895-1979), poeta, pintor e retratista. 20
Palmares/PE (1899-1985), pintor. 21
São José de Mipibu/RN (1894-1975), desenhista, pintor e escultor. 22
Natal/RN (1898-1957), pintor, professor, tabelião. 23
INAUGURADA a exposição do pintor Cícero Vieira. A República, 17 jan. 1950. 24
Entrevista concedida à autora em 12 nov. 2015.
16
Desde o momento em que começou a se envolver na vida cultural de Natal, no final dos
anos quarenta, Dorian Gray se inseriu em meio a uma intelectualidade, formada, sobretudo,
por poetas, jornalistas e escritores, e, mais tarde, por outros artistas, que tinham por referência
maior, na cidade, a figura do folclorista Luís da Câmara Cascudo.
Esse intelectual teve um papel ativo na construção intelectual do Rio Grande do Norte
como identidade espacial. O próprio vocábulo “potiguar” se afirmou como gentílico atribuído
aos norte-rio-grandenses a partir da argumentação construída por Cascudo, ainda na década de
trinta, como a autoridade escolhida pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Norte para produzir parecer a esse respeito25
. Cascudo foi o autor da primeira “História da
Cidade do Natal” (1947) e de “História do Rio Grande do Norte” (1955), para citar apenas
dois exemplos do seu papel na produção historiográfica dessa espacialidade potiguar.
Como parte desse trabalho de construção identitária, Cascudo teve participação ativa na
condição de fundador ou sócio fundador de diversas entidades culturais no Rio Grande do
Norte, entre elas, a Sociedade de Cultura Musical (1932)26
, a Academia Norte-rio-grandense
de Letras (1936)27
, o Teatro Cultura de Natal (1955), a Sociedade Araruna de Danças
Semidesaparecidas (1956)28
e o Clube dos Trovadores Potiguares (1965)29
.
Da mesma forma que Cascudo se envolveu na promoção das mais diversas
manifestações culturais locais, a produção da arte moderna também interessaria a esse
folclorista e pesquisador. Por essa razão, Dorian Gray passou a integrar seu círculo de
sociabilidade, pelo menos, desde 1955, quando pintou uma obra, em sua biblioteca particular,
supostamente, atendendo a uma encomenda do próprio Cascudo. As ligações afetivas e
intelectuais entre o pesquisador e a família do artista plástico remontavam aos tios maternos
de Dorian - o pintor Moura Rabello e seu irmão, Luiz Rabelo. Nesse sentido, ao longo desta
dissertação procuro demonstrar como Dorian Gray participou da constituição de uma arte
potiguar a partir da associação de sua obra pictórica com um universo cultural inspirado no
repertório de pesquisa de Câmara Cascudo.
Essa linha de investigação adotada não implicará, no entanto, em análise formal das
obras do artista, mas na análise das suas escolhas pessoais, das estratégias de promover uma
25
CASCUDO, Luís da Câmara. O nome “Potiguar”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande
do Norte. vol. XXXII-XXXIV, 1935-1937. Natal: Tipografia Santo Antônio, 1940. p.37-46. 26
GALVÃO, Cláudio Augusto Pinto. Alguns compassos: Câmara Cascudo e a música (1920-1960). Tese
(Doutorado em História Social da USP). São Paulo, 2010. 27
GUERRA, Cecil. Academia Norte-rio-grandense de Letras: um esboço prosopográfico dos patronos e
primeiros ocupantes. In: COLÓQUIO NACIONAL HISTÓRIA CULTURAL E SENSIBILIDADES – Sertões:
Histórias e Memórias, 06, nov. 2016, Caicó/RN, p.854-860. Anais... Caicó: UFRN/CERES, 2016. 28
ARARUNA. Sociedade de Danças Antigas e Populares. A República, 25 jul. 1956. 29
CASCUDO falou sobre trovas e recebe placa. Diário de Natal, Natal, 28 mar. 1966, p.6.
17
melhor aceitação do seu trabalho, dos condicionantes sociais do seu percurso artístico, das
relações estabelecidas com Cascudo e outros intelectuais potiguares e da incorporação de
demandas e expectativas do público e da crítica, que foram conduzindo Dorian em direção a
uma arte identificada à representação de uma dada espacialidade regional e local.
Nessa perspectiva, para pensar a relação entre história e espaço tomei como critério de
escolha conceitual o fato de meu objeto estar centrado numa trajetória de vida, portanto, na
experiência de um indivíduo. Dessa forma, me proponho a pensar o espaço como o lugar
significado por Dorian Gray Caldas por meio de sua arte.
Elaborada pelo geógrafo sino-americano, Yi-Fu Tuan, essa concepção se baseia numa
geografia humanista centrada no sujeito, no seu comportamento, nas percepções e valores que
ele desenvolve em relação ao espaço percebido, sentido ou racionalizado a partir da
perspectiva experiencial, que, por sua vez, “implica a capacidade de aprender a partir da
própria vivência”, de “atuar sobre o dado e criar a partir dele” 30
.
Segundo Yi-Fu Tuan, o lugar pode nascer da intimidade das relações pessoais ou da
intensidade com que vivenciamos certos acontecimentos. De acordo com o autor, o lugar pode
ser qualquer espaço tomado como centro de significado para um indivíduo: a casa, a cidade, a
região, a nação, uma rede de lugares, uma meta ou até mesmo uma pessoa. No entanto, para
esse geógrafo, o sentido do lugar depende da vivência humana, exige permanência e envolve
relações de afeto, intimidade e pertencimento. Ao contrário do espaço, que remete à
amplitude, à ausência de um sentido de pertença, é o lugar que constrói identidade ou que
representa a face identitária construída a partir da experiência dos sujeitos.
Nessa perspectiva, tentarei mostrar, nesta dissertação, que Dorian Gray procurou
construir uma imagem pictórica para Natal e o Estado a partir de suas experiências na cidade,
representando, em sua obra, os lugares de seus afetos, de seus desejos, de seus sonhos.
Aspectos teórico-metodológicos
Esta dissertação está fundamentada em uma escrita biográfica. Assim, a fim de permitir
a fluidez da narrativa, optei por apresentar a base conceitual que fundamenta a maior parte do
texto nesta seção introdutória, embora ciente de que o referencial teórico-metodológico
adotado deve perpassar o conjunto do texto da dissertação, ainda que de forma implícita.
30
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Tradução Lívia de Oliveira. Londrina: Eduel,
2013. p.18.
18
Para empreender o estudo, o caminho escolhido foi o da elaboração de uma biografia
histórica, expressão usada pela historiadora italiana Sabina Loriga31 para definir um gênero
historiográfico que enfatiza a dimensão individual nos processos históricos, marcando uma
atitude distinta da impessoalidade que caracterizou boa parte da historiografia moderna e
contemporânea. Preocupada com o fenômeno que chamou de desertificação da história, a
autora propõe povoá-la de rostos e nomes, restituindo a legitimidade da biografia ao discurso
histórico, que, durante muito tempo, ao se embasar no modelo da busca das regularidades e da
construção de leis gerais, ocultou os sujeitos em categorias impessoais, desprezou a
diversidade e a pluralidade das vozes do passado.
Portanto, produzir uma biografia histórica, na perspectiva da autora, significa partir do
pressuposto de que todo ser humano contribui para o curso geral da história com sua parcela
pessoal, sua singularidade, seu “pequeno X”. Implica compreender que os fenômenos
históricos resultam da ação recíproca dos indivíduos, com todos os componentes racionais e
subjetivos que esta envolve – estratégias, escolhas, paixões e intenções, bem como os dilemas
da angústia, da incerteza, do acaso e até mesmo a fatalidade32
.
Dessa forma, para analisar a trajetória de vida de Dorian Gray e sua participação na
construção de uma modernidade artística será necessário reconstituir, em múltiplos espaços e
temporalidades, a rede de relações na qual esse indivíduo inscreveu suas práticas sociais.
A propósito da noção de modernidade, neste trabalho ela é compreendida nos termos
das reflexões propostas por Marshall Bermann, para quem o fenômeno comporta duas
dimensões indissociáveis: espiritual e material. Na sua concepção, a modernidade pode ser
pensada em inúmeros e fragmentários caminhos, comporta paradoxos e contradições. Para
este autor, no entanto, os modernismos são inseparáveis dos processos de modernização33
.
A polêmica em torno da desconfiança na possibilidade de se escrever uma vida foi
levantada, em meados dos anos 80, pelo sociólogo Pierre Bourdieu, em artigo intitulado “A
ilusão biográfica”, no qual alertou sobre os riscos de pressupor a existência humana como um
caminho de sequências ordenadas, orientado a um determinado fim, quando, na prática, a
31
LORIGA, Sabina. O pequeno X: da biografia à História. Tradução de Fernando Scheibe. (Coleção História e
Historiografia). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. 32
SCHMIDT, Benito Bisso. Entrevista com Sabina Lorina: a biografia histórica. MÉTIS: história & cultura,
Caxias do Sul, v. 2, n. 3, p. 11-22, jan./jun. 2003. Disponível em:
<http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/metis/article/viewArticle/1038>. Acesso em: 29 abr. 2016. 33
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Tradução de Carlos
Felipe Moisés e Ana Maria I. Ioriatti. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
19
suposta linearidade subjacente aos relatos da trajetória de um sujeito é fruto da construção do
historiador34
.
Em vista disso, esclareço que a noção de trajetória, adotada neste trabalho, está em
consonância com a adoção do método onomástico, presente na microhistória italiana, que
consiste na utilização do nome próprio como fio condutor da investigação de fenômenos
circunscritos. Segundo Ginzburg (1989), que propôs a nominação como bússola das suas
microanálises historiográficas, seguindo “as linhas que convergem para o nome e que dele
partem” o observador verá que “pouco a pouco emerge uma biografia, embora seja
inevitavelmente fragmentária, e a rede das relações que a circunscrevem” 35
.
A opção pelo gênero da biografia histórica exige uma concepção clara da relação entre o
sujeito singular e o coletivo. Nesse sentido, para os propósitos deste estudo utilizo a noção de
configuração social, elaborada por Norbert Elias (1994). De acordo com o sociólogo,
indivíduo e sociedade não existem de forma antagônica, tampouco constituem entidades
distintas. Para ele, assim como a sociedade não pode ser compreendida como o resultado da
soma de indivíduos isolados, cada indivíduo só se constitui enquanto tal dentro de um
processo relacional, no interior de uma sociedade específica.
Esse processo de individualização, conforme o autor, ocorre na medida em que, ao
longo da nossa existência, estamos constantemente inseridos numa trama social, que ele
chama de estrutura ou configuração, que se modifica de acordo com a mudança de função ou
posição ocupada pelos indivíduos na rede de relações sociais de interdependência, na qual se
está implicado. Essa trama social, segundo Elias, está sujeita a leis próprias, muitas das quais
invisíveis, mas que permitem, a cada pessoa singular, dentro de um limite de possibilidades –
aquelas permitidas pela configuração na qual se inscreve -, ser capaz de modificar os
processos históricos, ainda que de forma não planejada.
A tarefa de acompanhar a trajetória de uma vida implica também tomar a experiência
como noção central para entender o caráter distinto e único das práticas e comportamentos
sociais do sujeito, tendo em vista que “a experiência é do campo do individual, do particular e
do inimitável”36
. Como reforça a historiadora Adriana Barreto, a concretude da experiência se
situa no interior de uma estrutura de rede, na qual cada sujeito ocupa uma posição. Assim,
34
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes. Usos e
abusos da História Oral. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2006. p.183-191. 35
GINZBURG, Carlo; CASTELNUEVO, Enrico; PONI, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado
historiográfico. In: ______. A micro-história e outros ensaios. Tradução de Antonio Narino. (Coleção Memória e
Sociedade). Rio de Janeiro: Difel, 1989. p.169-178. 36
SOUZA, Adriana Barreto de. Biografia e escrita da história: reflexões preliminares sobre relações sociais e de
poder. Revista Universidade Rural, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 27-36, jan./jul. 2007. p.33
20
“estudar relações sociais” – marcadas sempre, segundo ela, por relações de poder – “é analisar
a interação entre pessoas, o modo como agem, as decisões tomadas (ou forçadas a tomar) e
como elaboram essas experiências”37
.
Cabe esclarecer que a proposta desta dissertação não é produzir uma biografia do tipo
modal, qualificação atribuída pelo historiador italiano Giovanni Levi aos estudos nos quais os
indivíduos biografados apenas ilustram um contexto histórico, uma ação coletiva, um
comportamento ou normas comuns a um grupo ou categoria social. Os produtores dessa
abordagem do tipo representativa, que, segundo François Dosse, teria marcado o retorno da
biografia à escrita historiográfica no final da década de 1980, optaram por um modelo que
lhes permitisse tomar certos indivíduos por uma categoria inteira, insistindo na busca das
regularidades, dos traços comuns, em detrimento do sujeito singular.
Nesse sentido, Dosse lamenta, tal como Giovanni Levi, que, nesses trabalhos, “o
contexto seja frequentemente descrito como rígido, coerente, e sirva de pano de fundo imóvel
para explicar a biografia”, ou seja, “os destinos individuais inserem-se num contexto, mas não
atuam sobre ele nem o modificam” 38
. Para não incorrer nesse equívoco, nesta dissertação,
Dorian Gray Caldas não será pensado apenas como representante do grupo de artistas que
mobilizaram a vida cultural natalense no recorte temporal demarcado, mas também naquilo
que o particularizou, como sugerem, por exemplo, sua duradoura e quase exclusiva dedicação
à arte, a multiplicidade de linguagens artísticas que experimentou, a amplitude da inserção da
sua obra no Estado e o papel que assumiu no meio cultural norte-rio-grandense como produtor
da memória da arte em seu Estado de origem39
.
A noção de lugares de sociabilidade40
, tal como pensada por Sirinelli em seu estudo
sobre os intelectuais, também será muito importante para este trabalho, pois me permitirá
perceber como os indivíduos reunidos em torno da produção cultural natalense se
organizavam e se relacionavam social e profissionalmente, construindo uma ambiência
sociocultural e política favorável ao seu engajamento e produção.
Nessa perspectiva, além dos salões de exposição e galerias de arte, a imprensa
constituiu um desses lugares de sociabilidade e de inserção dos trabalhos de Dorian Gray na
37
Id. Ibid., p.33. 38
DOSSE, François. O desafio biográfico: escrever uma vida. Tradução de Gilson César Cardoso de Souza. São
Paulo: EDUSP, 2009. p.222. 39
A obra Artes Plásticas no Rio grande do Norte (1920-1989) denominada por Dorian Gray “Dicionário
Biográfico” dos artistas que atuaram nesse período no estado, tornou-se referência entre os estudos sobre uma
memória da arte no Estado. 40
SIRINELLI, Jean-François. Os Intelectuais. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma história política. 2. ed. Rio
de Janeiro: FGV, 2003, p.231-269.
21
capital potiguar. Muitos dos seus colaboradores transitavam por várias revistas e jornais
simultaneamente. Dorian Gray era um deles, por meio dos quais daria visibilidade aos seus
poemas e ilustrações. Além da Revista de Letras, colaborou como ilustrador das revistas
Cactus, editada pela Secretaria Estadual de Educação e Cultura, e Rumos, pertencente ao
Diretório Acadêmico Amaro Cavalcanti, da Faculdade de Direito de Natal, além dos jornais
de maior circulação da cidade, como A República, O Poti e o Diário de Natal.
No tocante às fontes e metodologia adotadas nesta dissertação, cabe mencionar que a
intenção inicial era priorizar as fontes orais. No entanto, no decorrer das entrevistas de
história oral de vida, e a partir do contato com parte do acervo particular do biografado,
percebi a penetração que ele alcançou na mídia local, como colaborador ou personagem da
notícia. Assim, como argumenta o oralista Alessandro Portelli (2007), principal referência
teórica adotada neste trabalho no tocante à história oral, as fontes orais e escritas não são
mutuamente excludentes. Ambas possuem características autônomas e funções específicas,
que apenas uma ou outra pode preencher ou um conjunto delas preenche melhor que a outra.
Por essa razão, decidi trabalhar com ambas. Entre a documentação escrita, predominam
fontes jornalísticas, produzidas a partir de pesquisa nas edições impressas do jornal A
República (1950-51/1955-1960), pertencentes ao Arquivo Estadual do Rio Grande do Norte, e
nas versões digitais dos jornais O Poti e Diário de Natal (1957-1989), disponibilizadas pela
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. A opção pelas fontes periódicas visa perscrutar as
redes de sociabilidade, formas de organização e ação de Dorian Gray e dos sujeitos ligados ao
meio artístico e intelectual de Natal.
Entendendo que a imprensa possui historicidade e peculiaridades próprias, Heloísa Cruz
e Maria do Rosário Peixoto41
alertam para o reducionismo de tomar o jornal como mera fonte
de informação, sem considerar que sua produção representa uma prática instituidora da
realidade social, além de estar sujeita a regras e interesses mercadológicos. É com base nessas
premissas que analiso as fontes jornalísticas, atentando para os diversos elementos envolvidos
nessa prática social.
A propósito da história oral de vida, o historiador José Carlos Sebe Bom Meihy42
a
distingue da história oral temática por tomar como objeto a vivência pessoal, as “verdades
individuais” do sujeito, enquanto esta última se dedicaria à análise de algum assunto
41
CRUZ, Heloísa de Faria; PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. Na oficina do historiador: conversas sobre
história e imprensa. Projeto História, São Paulo, n.35, p.253-270, dez. 2007. Disponível em:
<http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/2221/1322>. Acesso em 29 maio 2016. 42
MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Definindo história oral e memória. Cadernos CERU, São Paulo, n.5, série 2,
p.52-60, 1994. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/cerusp/article/view/83299>. Acesso em 07 abr. 2016.
22
específico a partir das experiências compartilhadas por um grupo. Dentre as tendências
contemporâneas dessa abordagem teórico-metodológica, decidi adotar a inspirada na prática
de Alessandro Portelli, cuja lição principal é mostrar que o que torna a história oral diferente é
que ela “nos conta menos sobre eventos que sobre significados” 43
. Mesmo admitindo a
memória como fenômeno social, constitutiva da identidade dos sujeitos, sua proposta é tomá-
la não apenas por seu conteúdo, como depositária de informações do passado, mas visando
sondar os processos subjetivos que envolvem sua produção e interpretação, sua capacidade de
operar múltiplos significados.
Segundo este autor, no esforço de conferir um sentido ao seu passado, o depoente lança
mão de recursos que cumprem distintas funções narrativas, desde o ritmo que imprime à
história contada, conforme a relevância pessoal do tema; os eixos narrativos predominantes ou
secundários; o uso da periodização, ao demarcar e diferenciar os eventos-chave, que foram
determinantes na sua história de vida, dos eventos simultâneos ou deles decorrentes; além do
destaque conferido aos acontecimentos da esfera da vida pública ou da vida privada.
Para ele, a importância dos relatos orais “repousa não tanto em suas habilidades de
preservar o passado quanto nas muitas mudanças forjadas pela memória”, que “revelam o
esforço dos narradores em buscar sentido no passado” e situar “a narração em seu contexto
histórico”44
. A ênfase de Portelli ao analisar as narrativas orais de vida está centrada, portanto,
na organização formal dos relatos45
, sobretudo, no modo como os sujeitos organizam o tempo
da sua história contada, o que, para ele, pode nos dizer muito acerca do sentido de uma vida:
onde o depoente principia seu relato? Onde ele situa o antes e o depois? Que significados
atribui aos marcos temporais evocados pela memória? E, por fim, como o depoente
hierarquiza suas experiências pessoais associando-as a referentes espaciais mais ou menos
dominantes, como família, trabalho e instituição.
Além de Dorian Gray, que constitui a principal das fontes orais utilizadas nesta
pesquisa, produzi ainda entrevista com dois artistas plásticos que integraram o seu círculo
social mais próximo: Túlio Fernandes de Oliveira Filho e Iaperi Soares de Araújo. Nessas
entrevistas, busquei captar as imagens que eles produziram acerca de Dorian Gray.
43
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Projeto História: Cultura e Representação, São
Paulo, n.14, p.25-39, fev. 1997. p.31. Disponível em:
<revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/viewFile/11233
/8240>. Acesso em 17 maio 2016. 44
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Op. cit., 1997, p.33. 45
GATTAZ, André Castanheira. Metahistória. In: ______. Braços da Resistência: uma história oral da
imigração espanhola. São Paulo: Xamã, 1996. p.233-270.
23
A produção das entrevistas em história oral
Em razão do uso de fontes orais, reservei esta seção para discorrer sobre o processo de
condução das entrevistas produzidas com Dorian Gray Caldas, etapa que constitui uma
exigência metodológica essencial para o historiador que trabalha com esse tipo de fonte46
. O
objetivo é expor algumas das condições de produção e as formas pelas quais o depoente
elaborou as lembranças do seu passado, ainda que essas questões sejam melhor exploradas
nos capítulos 1 e 3, que privilegiam mais o uso dessas narrativas.
Para o oralista italiano, Alessandro Portelli, a importância desses esclarecimentos reside
no fato de que a memória e o relato oral são fruto de relações que estão em constante
movimento e que interferem na produção do sentido de uma vida: a relação entre o presente
em que se narra e o passado do qual se fala, entre o entrevistado e o entrevistador, entre o
“eu” enunciador (o da história vivida) e o “eu” enunciado (o da história contada). Sendo
assim, é de vital importância que o historiador, através de seu texto, aproxime, ao máximo, o
leitor da experiência do encontro que o trabalho de campo lhe proporcionou.
Outro aspecto a ser ressaltado diz respeito à montagem da narrativa historiográfica
fundada na história oral. Segundo Portelli, é legítimo ao historiador recortar, montar e
interpretar, no seu texto, fragmentos do relato do depoente, desde que mantenha a ética de não
lhe atribuir palavras que não foram ditas. Para ele, embora os relatos de história oral se
originem de uma entrevista na qual há sempre dois autores envolvidos, a produção
historiográfica que deles resulta é fruto da construção narrativa do historiador47
.
Meu primeiro contato com Dorian Gray ocorreu em julho de 2014, depois que a editora
do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), instituição com a qual tenho vínculo
profissional, deu parecer favorável à publicação da sua coletânea de poesias - “Do outro lado
da sombra”-, para a qual o autor havia pedido patrocínio. A fim de executar o projeto, a
editora da instituição me incumbiu da tarefa de mediar a relação entre o autor e o IFRN, bem
como de produzir um documentário audiovisual sobre ele. Na época, realizei cinco
entrevistas, seguindo um roteiro semiaberto, explorando temas como: família, vivência em
Natal, percurso artístico e literário. Um ano depois, com a anuência de Dorian, de sua esposa
e de seus filhos, retomei o contato, desta feita, já no âmbito do Programa de Pós-graduação
em História, com a proposta de investigar sua trajetória artística, utilizando, entre outros 46
Esse mesmo procedimento será feito em relação aos outros dois entrevistados, Túlio e Iaperi, no último
capítulo da dissertação, quando eles aparecem na narrativa do trabalho. 47
PORTELLI, Alessandro. História oral como gênero. Traduções. Projeto História, São Paulo (22), jun. 2001.
Disponível em: < http://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/10728>. Acesso em: 11 dez. 2016.
24
recursos metodológicos, a história oral de vida, oportunidade na qual as entrevistas
produzidas anteriormente foram textualizadas e legitimadas por Dorian Gray, sendo
incorporadas à presente pesquisa. Entre setembro e dezembro de 2015 foram produzidas mais
cinco entrevistas, além de três encontros nos quais Dorian me apresentou documentos e
objetos do seu acervo pessoal, atendendo ao meu pedido de consulta ao seu arquivo particular.
Embora lúcido, Dorian Gray já apresentava um quadro de saúde instável, devido a
complicações do diabetes. Assim, restringi a produção das fontes orais a mais três encontros,
ocorridos entre abril e agosto de 2016. Exceto por uma entrevista, todas as outras foram feitas
em sua residência, a fim de evitar maiores deslocamentos do artista.
No tocante às entrevistas de 2014, observei que a proposta do vídeo foi recebida por ele
com naturalidade, afinal de contas o artista já havia consolidado uma versão de sua história de
vida tantas vezes narrada para documentários, trabalhos escolares ou programas de televisão,
como verifiquei no ano seguinte, ao ter acesso a uma parte dos seus arquivos audiovisuais48
.
Sua preocupação, naquele momento, era garantir a publicação da obra que reuniria sua
produção poética desde os anos sessenta. Além do desejo de reafirmar, entre seus pares, seu
lugar de escritor, com o projeto inadiável da coletânea de poesia, outra inquietação absorvia
os pensamentos daquele senhor de 84 anos, cuja saúde oscilava a olhos vistos: a ansiedade em
torno do que chamou de „viagem definitiva‟: “Eu tenho ainda muita coisa pra escrever e o
tempo está indo embora. Essa é que é a verdade”, desabafou, após reconhecer o suporte
recebido de Wanda, Dione e Adriano, sem os quais afirmou que “nada faria” 49
.
Dorian tinha pressa de viver. Queria criar o Instituto Dorian Gray Caldas para preservar
seu acervo: “Antes de viajar, se não houver nenhuma precipitação na minha saúde, eu já deixo
o Instituto pronto, pra funcionar como o Ludovicus, de Câmara Cascudo, porque como
Fundação a gente perde. Eu tenho que conservar o meu patrimônio, não posso ter prejuízo”50
.
Essa atenção conferida à memória, aliada à constituição de arquivos pessoais,
constituem práticas que a historiadora Ângela de Castro Gomes identifica como atos
biográficos. Tais atitudes podem se traduzir, por exemplo, na escrita de cartas, diários,
biografias e autobiografias, mas também na reunião e guarda de objetos que testemunham a
passagem do indivíduo no mundo. Segundo a autora, essas ações representam modalidades de
48
Programa Memória Viva, TV Universitária (1982; 2007); Programa Gente que Acontece, TV Assembleia do
RN (2005); Programa O Mundo da Arte, TV SESC/SP, (2005), Programa Xeque Mate, TV Universitária de
Natal (2007), Os tapetes de Dorian Gray, da professora Elizete Arantes (2009), Programa Cores e Nomes, Inter
TV Cabugi (2010) e Natal por Dorian Gray, dos alunos do Curso de Rádio e TV da UFRN (2011). 49
Entrevista concedida à autora em 05 ago. 2014. 50
Idem.
25
“escrita de si” que se consolidaram com a emergência do sujeito ocidental moderno, aquele
que “postula uma identidade singular para si no interior do todo social, afirmando-se como
valor distinto e constitutivo desse mesmo todo” 51
.
A propósito dessa prática cultural, as narrativas de Dorian Gray fornecem pistas que
apontam para uma atitude, por vezes, deliberada de “produção de si”, manifestada pelo apego
e preocupação com o registro e guarda de sua obra plástica:
Eu tenho mais de trezentas obras de Navarro, quer dizer, fotografias
52. Newton,
como sempre foi uma pessoa desprendida de qualquer bem material, não guardou,
como eu guardei, muita coisa que eu fiz e que eu achei que devia guardar. Ele fazia,
improvisava, às vezes, até num bar, e doava o trabalho; quem pedia, ele dava. Ele
sempre foi assim53
.
As visitas à sua residência me permitiram o acesso a uma pequena parcela do seu acervo
particular, selecionada por ele, na medida em que assim o decidia. Seu conjunto documental
estava organizado segundo uma lógica própria do seu produtor, constituído,
predominantemente, por recortes de jornais, cartas, ofícios, diplomas, croquis e arquivos
audiovisuais. Em termos de objetos, Dorian guardou medalhas, troféus, livros, slides
fotográficos com registros da tapeçaria e um acervo de pintura estimado em mais de mil
quadros, datados desde os anos cinquenta.
Embora a preservação dessas telas em seu poder evidenciasse um desejo de memória,
Dorian esperava também que sua obra adquirisse maior valor de mercado, o que poderia lhe
conferir maior consagração pública, o que explica o fato de ele ter dedicado algumas horas
diárias, nos últimos anos de vida, a fazer pequenos restauros nos quadros:
Eu digo sempre aqui em casa: vocês, que me sobreviverem, vão ficar ricos (risos).
Adriano acha graça. Ficar rico coisa nenhuma! Essa foi uma opção! Eu estou
fazendo uma opção pela arte! Então, a gente vê na história da arte universal, como
eles são bem sucedidos como artistas. Tem artista que ficou rico em vida, tem outros
que não ficaram ricos em vida, mas depois da morte, um quadro vale um edifício,
não é? Então, é isso. É preciso você acreditar que vai sobreviver com o que você
está fazendo!54
Em seus depoimentos, ao longo da pesquisa, a preocupação de Dorian Gray com sua
imagem pessoal também era evidente. Ao ler a textualização das suas narrativas orais, o
artista me pediu para suprimir expressões ou comentários relativos a eventos ou personagens
que pudessem sugerir ofensas, julgamentos ou estados de humor negativos. Manifestava
51
GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: ______. Escrita de si,
escrita da História. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2004, p.11-12. 52
Entrevista concedida à autora em 15 out. 2015. 53
Entrevista concedida à autora em 03 dez. 2015. 54
Idem.
26
grande apreensão em garantir a grafia correta dos nomes de escritores ou artistas citados,
provavelmente, pensando no lugar de circulação deste trabalho de pesquisa.
Essa atenção com a imagem de si também se refletiu na preparação prévia em algumas
ocasiões, especialmente, para com a seleção do acervo que me foi apresentado e comentado
por ele: “Hoje eu tirei a manhã pra fazer esse levantamento jornalístico pra você”; “Olhe, eu
separei muita coisa, aí você escolhe aquilo que for conveniente pra você!” 55
.
Outro aspecto percebido em suas entrevistas era a necessidade de Dorian de se
autorrepresentar como a figura de um intelectual. Seus relatos estão repletos de referências de
leitura e diálogos com outros escritores e interlocutores. A propósito dessa percepção, Portelli
adverte que os “narradores orais têm dentro de sua cultura certas ajudas para a memória.
Muitas histórias são contadas repetidas vezes ou discutidas com membros da comunidade”56
,
o que explica a estreita relação entre a oralidade e a escrita na produção de relatos orais:
“[...] muitos informantes leem livros e jornais, ouvem rádio e TV, escutam sermões
e discursos políticos e guardam diários, cartas, recortes e álbuns de fotografias. A
fala e a escrita, por muitos séculos, não existiram separadamente: se muitas fontes
escritas são baseadas na oralidade, a oralidade moderna, por si só, está saturada de
escrita”57
.
Em todas as ocasiões das entrevistas, Dorian se apresentou como um homem discreto,
sensível, gentil, amável, entusiasmado pela arte e a poesia, cauteloso e sutil nas críticas ou
colocações. Demonstrou, porém, uma vaidade contida e, ao mesmo tempo, um esforço por
manter-se como a figura central da narrativa, centralidade concedida apenas a personagens
que, ao longo da sua trajetória de vida, lhe despertaram profundo afeto, interesse e admiração,
a exemplo do tio materno, Luiz Rabelo, do amigo e artista, Newton Navarro, do pintor
Cândido Portinari e do pesquisador Câmara Cascudo.
Além das entrevistas com Dorian Gray, tentei investir na produção de um depoimento
com sua esposa Wanda, que teve papel ativo na construção da memória e da identidade social
do marido, com quem se casou em 09 de julho de 1961, na antiga Catedral de Natal, Nossa
Senhora da Apresentação58
, e com quem teve dois filhos, Dione e Adriano59
.
Um dos primeiros indícios do protagonismo de Wanda na produção da imagem do
artista Dorian é representado por um álbum de recortes de jornais, com notícias a respeito dele
55
Entrevista concedida à autora em 01 jul. 2016. 56
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Op. cit., 1997, p.33. 57
Id. Ibid., p.33. 58
MARUSKA. Diário de Natal, Reportagem social, Natal, p.4, 06 jul. 1961. 59
MACEDO, Paulo. Dione Maria Barros Caldas comemora seus 12 anos ao lado do seu pai Dorian Gray
(fotolegenda). Diário de Natal, Natal, p.16, 21 maio 1976. MACEDO, Paulo. Dorian Gray está muito feliz com a
chegada de seu filho Adriano Gray. Diário de Natal, Natal, p.2, 09 dez. 1971.
27
e ilustrações produzidas por esse artista, publicadas na imprensa de Natal nas décadas de 1950
e 1960, que ela mesma montou e encadernou quando ainda namoravam, a partir do material
que ambos haviam colecionado.
Em reportagem publicada no jornal Tribuna do Norte, em 1967, constante do acervo
pessoal citado, o repórter Manoel Onofre Junior, em visita ao atelier do artista, relatava:
Dorian dá os retoques finais a uma tela de pescadores, quase monocrômica. Assina e
chama Wanda. É sempre assim. Dona Wanda, a esposa, também faz as vezes de
secretária e conselheira. [...] Dorian quase sempre aceita suas ponderações. É ela
quem arruma o atelier do pintor, pondo em ordem a enorme quantidade de quadros,
seus e de outros artistas natalenses60
.
Wanda acompanhou todas as fases da produção das narrativas orais com Dorian Gray.
Ela representava a pessoa da casa-atelier que recebia e acolhia os visitantes, que controlava a
agenda de compromissos do marido e que oferecia apoio em todas as suas solicitações.
Durante a etapa das entrevistas gravadas em vídeo, sua permanência na sala se limitou a
alguns momentos de observação. Sua presença se tornou mais efetiva na etapa produzida em
2015 e 2016, quando fazia uma ou outra intervenção na narrativa de Dorian Gray, ora
auxiliando-o na lembrança de nomes ou datas, ora ligando fatos da vida privada do casal aos
eventos da vida pública narrados pelo esposo.
Depois de algumas tentativas, nas quais se esquivava, consegui produzir 10 minutos de
depoimento com Wanda, que, no entanto, decidi interromper, ao sentir seu desconforto com a
presença, inevitável, do marido no ambiente da casa-atelier. Dias depois, Wanda me pediu
para não utilizar sua entrevista neste trabalho de pesquisa.
A propósito da predominância temática das narrativas orais de Dorian Gray, o binômio
arte e poesia perpassou toda a sua história de vida contada, como fica expresso na frase:
“Minha vida como artista se dividiu entre a arte de fazer pintura e a arte de escrever”61
.
Também perpassou sua narrativa a relação com outras instituições culturais e com o espaço
citadino, lugar de intensas experiências na vida cultural da cidade, representado pela
frequência a cinemas, livrarias, galerias, bibliotecas, associações e entidades que abrigavam
exposições de artes plásticas na Natal de meados do século XX. Outras faces da vida de
Dorian foram menos evidenciadas em seus depoimentos. O espaço escolar, por exemplo, não
esteve de todo ausente, embora com bem menos destaque.
Seus relatos também disseram pouco sobre sua vida privada e afetiva, fazendo
sobressair a imagem do homem público. Foram raras as referências ao ambiente do lar e a 60
ONOFRE JUNIOR, Manoel. Em véspera de exposição. Tribuna do Norte, Natal, 05 abr. 1967. 61
Entrevista concedida à autora em 01 jul. 2016.
28
fatos que diziam respeito ao ritmo familiar envolvendo a esposa, os filhos e as netas, como
casamentos, nascimentos, aniversários ou comemorações.
As referências ao espaço doméstico remetiam, quase sempre, ao trabalho com a arte e a
poesia. Nele, a evocação dos pais, avós e tios surgiu com mais frequência na sua história oral
de vida, uma vez que Dorian Gray associou sua atividade artística e literária a uma certa
tradição familiar, assunto que será objeto do capítulo a seguir.
Estrutura do trabalho
Conforme indiquei na apresentação da problemática, Dorian Gray Caldas procedia de
uma família marcada pela presença de outros artistas, entre eles, o pintor Moura Rabello, que
exerceu sua arte em Natal nas décadas de 20 e 30, e que constituiu uma figura de fundamental
importância na construção identitária do sujeito desta pesquisa.
Portanto, para construir o primeiro capítulo da dissertação fez-se necessário recuar no
recorte temporal estabelecido a fim de reconstituir a ascendência familiar do artista e captar as
contingências envolvidas nas suas escolhas ou na impossibilidade de sua concretização.
Assim, o capítulo está centrado no interior da rede familiar e afetiva de Dorian Gray, norteado
pelas seguintes questões: como e por que a arte se tornou uma opção de vida para Dorian
Gray? Que indivíduos ele tomou como modelo para construir uma identidade artística? Quem
o orientava? Em quem se espelhava?
O segundo capítulo indaga acerca das relações sociais estabelecidas pelo artista no
espaço urbano de Natal, bem como a aquisição de lugares de sujeito a partir dessas redes,
acompanhando suas experiências afetivas, sensíveis e cognitivas que o capacitaram a criar
símbolos, a representar uma dada visibilidade do lugar através do poder evocativo da arte.
Nesse sentido, o capítulo será guiado pelas seguintes indagações: De que modo foi
produzida a imagem de Dorian como artista a partir do seu protagonismo na arte moderna?
Que relações sociais ele estabeleceu para que a arte se tornasse o centro de sua vida? Como
sua arte dialogava com os valores modernos em voga na cidade de Natal? Que relações
possibilitou a integração de sua arte a diferentes espaços citadinos? Como ele contribuiu para
a emergência de uma arte potiguar?
Dorian Gray Caldas foi um dos artistas mais longevos da sua geração, mantendo uma
atividade artística constante, até quase o final da sua existência. Considerando que as
identidades dos sujeitos estão sempre em construção, o foco de análise do terceiro capítulo
29
também extrapola o recorte temporal demarcado, a fim de investigar as imagens construídas
pelo personagem acerca da sua própria trajetória de vida, bem como o modo pelo qual seus
contemporâneos elaboraram representações sobre Dorian e sua produção plástica. Sendo
assim, discuto, de um lado, as imagens que Dorian formulou acerca do que ele construiu para
o mundo cultural e intelectual de Natal e, do outro, de que forma ele foi representado por seus
contemporâneos e quais os significados atribuídos por eles à sua obra pictórica.
A proposta do capítulo também foi pensada a partir da constatação de que, desde que
completou 25 anos de atividades profissionais (1975), o artista começou a organizar narrativas
a seu respeito, uma iniciativa que se repetiu nos chamados anos “redondos” - o cinquentenário
(2000) e o aniversário de 60 anos de arte (2010) -, fazendo com que tais discursos
participassem da constituição de memórias sobre Dorian Gray e sua obra ainda em vida.
Nesse sentido, as questões que norteiam a elaboração do último capítulo são as
seguintes: Como Dorian construiu suas lembranças? Quais os principais acontecimentos
recordados por ele? Que silenciamentos e esquecimentos perpassaram tais memórias? Que
traços foram usados por aqueles que conviveram com Dorian para compor o seu perfil? Como
Dorian se reconhece e se reconhecia nesses grupos? E, por fim, que mudanças ou
permanências se verificaram nessas elaborações do passado?
30
1 A FAMÍLIA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO ARTISTA
É preciso que a gente diga a você que todo esse meu
trajeto artístico foi inspirado justamente naqueles
sonhos que eu tinha de criança. Eu tinha um sonho que
começava uma história e no outro dia eu continuava a
história. Era assim. E disso começou, além das aptidões
naturais pra arte, eu comecei a fazer também a
poesia62
.
1.1 Dorian Gray Caldas e seus “instrumentos do sonho”
Autor de coluna diária no jornal A República, na década de 1950, o artista Newton
Navarro, que alimentou uma fama de boêmio no meio intelectual de Natal, escreveu, “numa
segunda-feira enfadonha” de 1957, como gostaria de aprender a lição de alguns dos seus
amigos que se contentavam em dedicar-se à rotina do trabalho diurno, abstraindo-se do ritmo
e do burburinho das ruas!
Dentre aqueles a quem desejava seguir o exemplo encontrava-se o pintor Dorian Gray
Caldas, que se isolava no seu “vasto atelier entre os seus quadros e livros”, “pintando,
esculpindo, trabalhando as suas cerâmicas”, franqueando a visita a “um ou dois amigos mais
chegados”, bastando-lhe, do “mundo lá fora”, as notícias dos jornais63
. Essa imagem,
construída por Navarro, além de demarcar uma posição de alteridade em relação ao
companheiro de exposições de arte moderna em Natal, evidenciando tratar-se de duas
personalidades distintas, apresentava o amigo como um sujeito disciplinado, focado somente
no seu fazer artístico e literário.
Tal representação parece ter constituído uma permanência associada a Dorian Gray
Caldas, passados mais de meio século de vivência como artista e escritor. Basta observar
algumas das alcunhas que lhe foram atribuídas no marco simbólico do cinquentenário de sua
arte. Nas reportagens, Dorian surge como o “artista em tempo integral”, o “operário da arte”64
ou como o “trabalhador incansável”65
, que, “mesmo aos 80 anos, trabalha todos os dias no seu
atelier da rua Ana Nery, ares de Petrópolis, com a mesma doação como se estivesse se
62
Entrevista concedida à autora em 18 de setembro de 2014. 63
NAVARRO, Newton. Os exemplos. A República, 12 fev. 1957. 64
OLIVEIRA, Jalmir. Artista em tempo integral. Novo Jornal, Cultura, p.12, Natal, 11 jun. 2010. 65
FREIRE, Annapaula. O artista infatigável. Novo Jornal, Cultura, Natal, 04 dez. 2010.
31
preparando para aquela primeira exposição de 1950, ao lado de Newton Navarro e Ivon
Rodrigues”66
.
Essas construções discursivas, além de afirmar a identidade de um sujeito dedicado
unicamente à arte, associam o artista e seu fazer cultural a um lugar específico, demarcado e
reconhecido, na cidade, onde ele exerceu seu ofício por mais de meio século: sua casa-atelier.
Esse espaço, evocado, direta ou indiretamente, nessas narrativas, remete, ao mesmo
tempo, ao lugar da atividade profissional de Dorian Gray - onde o artista materializou boa
parte de sua produção a partir dos anos cinquenta -, mas, também, do convívio familiar com
os pais, Elói Caldas e Nympha Rabelo.
Considerando-se esses elementos e o meu desejo de compreender a constituição da
identidade pessoal e artística de Dorian Gray, este capítulo está centrado no interior da sua
rede familiar e afetiva, norteado pelas seguintes questões: como e por que a arte se tornou
uma opção de vida para Dorian Gray? Que indivíduos ele tomou como modelo para construir
uma identidade artística? Quem o orientava? Em quem se espelhava?
A base empírica para a construção do capítulo provém de entrevistas de história oral de
vida, relatos memorialísticos e notícias de jornais locais.
1.2 O alicerce da “casa-atelier”: Caldas, Moura, Rabelo67
Como e por que se deu a escolha de Dorian Gray pela arte como uma opção de vida?
Para responder a essa questão, julguei conveniente investigar de que maneira o ambiente
familiar desse artista lhe proporcionou as condições para exercer o seu ofício, tanto do ponto
de vista material, quanto simbólico.
Poucos são os registros que permitem reconstituir a genealogia desse artista, embora
alguns membros da sua família tenham ocupado lugar de destaque na sociedade natalense,
como o tio materno, Manoel de Moura Rabello, que teve certa projeção em Natal como pintor
e retratista nas primeiras décadas do século XX.
Na narrativa de vida de Dorian Gray, a casa onde ele nasceu, em 16 de fevereiro de
1930, ainda existe, e está situada na Avenida Deodoro da Fonseca, no bairro Petrópolis, em
Natal. Seu nascimento resultou da união do casal Elói Lins Caldas (1905-1967) e Nympha de
66
MADRUGA, Woden. A arte de Dorian Gray. Tribuna do Norte, Jornal de WM, Natal, p.2, 15 set. 2010. 67
Ao longo do texto, o leitor vai perceber que alguns membros da família materna de Dorian Gray possuíam o
sobrenome Rabelo escrito com apenas uma letra “l”, enquanto outros, com um “l” duplo. Mantive a grafia
encontrada nas fontes.
32
Carvalho Rabelo (1909-1994), cujo primeiro filho foi uma menina, por nome Zaíra Caldas,
nascida em 1927.
Durante as entrevistas que realizei com Dorian Gray, o espaço doméstico não surgiu,
espontaneamente, como eixo narrativo nos seus relatos orais, embora as figuras da mãe, do
pai e de outros parentes perpassassem boa parte da trajetória de vida narrada pelo artista.
Observei, ao longo das entrevistas, que Dorian sempre evocava a presença dos parentes em
momentos-chave do seu percurso pessoal e artístico.
A partir dessas constatações, priorizei a busca inicial da gênese familiar de Dorian na
sua própria construção narrativa. Meu objetivo era perceber como ele expressava a memória
dos sentimentos que a família despertava nele e de que modo interpretava a interferência
desse grupo na construção de sua arte.
Na história de vida narrada por Dorian Gray, seu pai, Elói Caldas, é apresentado como
um homem de ação, mas de poucas palavras. Nympha Rabelo, ao contrário, é descrita como
uma mulher que gostava de contar a memória dos seus familiares (pais, irmãos, etc.). Assim, a
tradição familiar de Dorian está muito mais associada à sua linhagem materna do que à
paterna. Suas histórias herdadas do pai, em geral, se encerram na própria figura de Elói
Caldas; enquanto suas histórias herdadas da mãe são entrecruzadas de muitos antepassados, e
todos eles, de alguma forma, relacionados à cultura e à arte.
Dorian construiu poucas narrativas sobre sua origem paterna, embora atribuísse a seu
pai a iniciativa de batizá-lo com o nome do personagem famoso, atendendo à sugestão do
amigo Omar Fernandes, para quem o romance do escritor Oscar Wilde – “O retrato de Dorian
Gray”-, era livro de cabeceira da sua geração. Acerca dos antecedentes do pai, rememorou
apenas ser este procedente do município de Ipanguaçu, de onde saiu aos 14 anos de idade.
Nos relatos de Dorian, a imagem de Elói Caldas quase sempre esteve associada a ações
desenvolvidas no espaço público e ao papel de provedor no espaço privado da família.
No que se refere à atuação de Elói Caldas no espaço público, Dorian rememorou as
atividades remuneradas e as relações de amizade estabelecidas pelo pai. Seu genitor exercia a
função de escriturário-contador no comércio e em firmas de Natal, ocupação que, na narrativa
de Dorian, garantia ao pai uma boa renda. De acordo com Dorian:
[...] a minha lembrança não é de meu pai no tempo áureo dele. Ele era conquistador,
bonito, bem sucedido! Ele fazia a escrita de diversas entidades, não fazia um único
trabalho não, ele ganhava muito bem. Quando casou com minha mãe, usava uma
calça de flanela, uma camisa bordada à mão, usava abotoaduras. Minha mãe contou
uma vez 18 pares de meias! Ele era vaidoso, se vestia muito bem [...]. Gostava de ir
33
pra carnaval, alugava um carro da época, V8, e ia às festas do Aeroclube com minha
mãe. Ele tinha muita vontade de viver!68
Segundo a interpretação de Dorian, a vida profissional propriamente dita de Elói Caldas
começou na firma de Olympio Tavares69
, da qual seu pai teria saído depois que um incêndio
destruiu as instalações da empresa, razão pela qual o proprietário decidiu fechar o negócio e
transferir-se com toda a família para o Rio de Janeiro.
Em paralelo à trajetória profissional do pai, a narrativa de Dorian Gray mostrou também
que Elói Caldas estabeleceu relações de amizade com homens influentes da sociedade
natalense. Nesse sentido, frequentava o círculo social de Juvenal Lamartine de Faria,
governador do Rio Grande do Norte entre 1928 e 1930. Junto com o filho desse político,
Otávio Lamartine, de quem era amigo pessoal, Elói fez parte da primeira turma de aviadores
civis formados, em fevereiro de 1930, pela Escola de Aviação do Aeroclube de Natal
(Imagem 2), fundada por esse governador, em dezembro de 192870
.
De acordo com a interpretação de Dorian, no início da década de 1930, o próprio
Juvenal Lamartine intermediou a obtenção de um novo posto de trabalho para Elói Caldas, no
antigo povoado de São Romão, atual município de Fernando Pedroza, localizado no sertão
norte-rio-grandense. Com base nesse relato do depoente, empreendi uma pesquisa sobre o
povoado para onde Elói havia se mudado com a esposa Nympha, e os dois filhos pequenos.
Constatei que, em sua origem, tratava-se de uma extensa propriedade rural que pertencia,
entre outros donos, a Fernando Gomes Pedroza (1886-1936)71
, neto de Fabrício Gomes
Pedroza, proprietário da antiga Casa Comercial Guarapes, fundada às margens do rio Potengi,
no município de Macaíba.
68
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015. 69
Coronel, viúvo de Amélia Áurea, casou-se com D. Feliciana Maria de Albuquerque Maranhão, ambas irmãs
de Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Presidiu a Intendência de Natal entre 1897 e 1901. Em 1906, tornou-
se acionista-fundador e primeiro presidente do Banco do Natal, primeira instituição de crédito do Estado;
presidiu a Junta Comercial do Estado (1899-1901 e 1905-1908); Deputado Estadual em várias legislaturas e
dono da firma Tavares & Companhia. Cf. SANTOS, Renato Marinho Brandão dos. O Conselho de Intendência
do Natal na Primeira República. In: Natal, outra cidade! O papel da Intendência Municipal no desenvolvimento
de uma nova ordem urbana (1904-1929). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Natal, 2012. p.27-65. 70
A turma era composta por: Elói Caldas, Edgar Dantas, Plínio Saraiva, Otávio Lamartine, Aldo Cariello e
Fernando Pedroza. Cf. DUMARESQ, Paulo Jorge. Aqueles homens incríveis e suas máquinas maravilhosas.
Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte, Nós do RN, ano I, n.6, p. 6-7, maio 2005. 71
Nasceu no Guarapes, na então Vila de Macaíba, a 30.03.1886, filho de Fabrício Gomes Pedroza II e Isabel
Cândida de Albuquerque Pedroza. Da sua união com Branca Piza Pedroza, nasceriam quatro filhos, entre os
quais, Sílvio Piza Pedroza, que se destacaria como prefeito de Natal (1946-1950) e governador do Estado (1951-
1956). Cf. FUNDAÇÃO José Augusto. Figura de Destaque. Fernando Gomes Pedroza (verbete). Disponível em:
<http://www.adcon.rn.gov.br>. Acesso em: 10 dez. 2016.
34
Imagem 2: Elói Caldas, o governador Juvenal Lamartine de Faria, o capitão-tenente Djalma Petit, Plínio Saraiva
e Edgar Dantas, no Aeroclube de Natal. [1930?]
Fonte: Acervo de Dorian Gray Caldas
Formado em Liverpool, na Inglaterra, Fernando Pedroza instalou, na Fazenda São
Joaquim, em São Romão, uma usina de beneficiamento de algodão e produção de óleos
vegetais. Foi nesta usina que Elói Caldas prestou serviços de escriturário-contador,
trabalhando para Fernando Pedroza, ex-companheiro da Escola de Aviação do Aeroclube, do
qual esse industrial também era sócio fundador.
Na visão de Dorian Gray, a permanência de Elói Caldas na Usina São Joaquim não
durou muito tempo, porque, no sertão, seu pai contraiu a tifo, provavelmente, do tipo
abdominal, uma doença infectocontagiosa grave, que lhe impossibilitou de trabalhar por cerca
de dois anos, período no qual a família permaneceu sob a proteção e o sustento dos seus avós
maternos – Hercília de Carvalho e João Rabello.
Segundo Dorian, quando Elói Caldas se recuperou da doença foi trabalhar na
Companhia Força e Luz do Nordeste, sob a supervisão do cunhado, Clodoaldo Rabello, que
também era empregado dessa subsidiária da empresa norte-americana American & Foreign
Power Company. Posteriormente, Elói Caldas conseguiu uma vaga que lhe deu maior
estabilidade financeira, na firma Alves de Brito Tecidos, instalada em Natal, em 1933, pelo
português Manoel Gonçalves Ribeiro72
. Essa firma tinha matriz em Recife, e filiais em João
Pessoa, Campina Grande, Caruaru, Arcoverde, Mossoró e Natal, cidade em que possuía dois
estabelecimentos: um na rua Chile, e outro, o Armazém Caxias, na Avenida Duque de Caxias,
72
SOUZA, Ney Lopes. "Seu Ribeiro": o português potiguar. Natal de Ontem (blog), 27 jul. 2009. Disponível
em: <http://nataldeontem.blogspot.com.br/2009_07_01_archive.html>. Acesso em: 01 set. 2016.
35
no bairro da Ribeira73
. Dorian não soube precisar quanto tempo o pai permaneceu nesse
emprego, mas recordou que seu genitor deixou o posto por se recusar a ser transferido para a
matriz, no Recife.
Para Dorian, Elói Caldas deixou de trabalhar na firma Alves de Brito, mas manteve os
vínculos com Manoel Gonçalves Ribeiro. Nessa perspectiva, tornou-se diretor-secretário,
contador e sócio, com algumas ações, do Cotonifício Norte-Rio-Grandense74
, que havia sido
instalado no bairro do Tirol, em 1949, para produzir fios e tecidos para sacaria75
, e, no qual, o
mesmo Manoel Gonçalves exercia a função de diretor-gerente.
Na visão de Dorian Gray, Elói Caldas foi um homem razoavelmente bem sucedido,
financeiramente, a ponto de amparar alguns dos irmãos e cunhados, que, por algum tempo,
compartilharam o mesmo espaço da família nuclear.
No tocante à narrativa de Dorian sobre sua mãe, Nympha Rabelo, percebe-se uma
lógica diferenciada da apresentada sobre o seu pai. A construção da figura da mãe está
fortemente calcada nas suas descendências familiares e na tradição artística que possuíam. O
pai de Nympha, João Baptista Ferreira Rabello, casou-se duas vezes. Com a primeira esposa,
Maria Emília de Moura Rabello, teve dois filhos: Rodolfo e Manoel de Moura Rabello, que,
após a morte da mãe em trabalho de parto do terceiro filho, passaram parte da infância aos
cuidados da avó materna, Maria Joaquina de Moura Carneiro, “mãe Dindinha” (1838-1924)76
.
Como fruto do segundo casamento, com a mãe de Nympha, Hercília de Carvalho
Rabello, nasceram outros 12 filhos, dos quais, 10 sobreviveram, três mulheres e sete homens.
Segundo Dorian, como não podia sustentar todos em casa, sua avó, Hercília, costumava avisar
aos filhos que, tão logo completassem 18 anos, teriam que buscar trabalho, ainda que, para
isso, tivessem que ingressar nas Forças Armadas brasileiras.
Talvez por se tratar, em parte, de memória herdada, ou devido ao fato de se encontrar
em idade avançada no momento da concessão das entrevistas de história oral, o que sobressai
dos relatos de Dorian Gray sobre sua infância é uma imagem um tanto quanto conturbada. Os
personagens que povoam suas lembranças dessa fase são todos adultos, apresentam problemas
de saúde ou faleceram quando ele ainda era criança.
Na sua narrativa, a mãe representa a grande matriarca, sempre pronta para apoiar e
socorrer os familiares nos momentos de dificuldades. Dos relatos de Dorian é possível abstrair
73
ALVES de Brito Companhia - Tecidos S.A. (anúncio). A República, Natal, p.5, 01 jul. 1956. 74
COTONIFÍCIO Norte-Rio-grandense S.A. Relatório. Balanço Geral. A República, Natal, p.2, 12 abr. 1957. 75
SOUZA, Ney Lopes. Op. cit. 76
RABELLO, Genival. Vida e obra de Moura Rabello. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte, Natal, anos 1983-1984, v. 75-76, p.85-90, 1989.
36
que, no convívio com os filhos, Nympha Rabelo representou uma das figuras que contribuiu
para despertar o interesse deles pela arte, ainda que de modo involuntário, como se depreende
da narrativa a seguir, em que menciona momentos vividos na intimidade do lar:
Eu comecei a descobrir o desenho até por conta de minha mãe. Minha mãe pintava
também; ela fazia uns quadros a óleo. Ela tinha uma professora que a ensinou a
copiar quadros botando um vidro em cima da pintura original. Então, minha mãe
fazia algumas coisas assim, e eu via; e logo tive aquele impulso, aquela vocação de
começar a pintar. Também tinha a influência do meu tio – Moura Rabello – que era
pintor dos anos 30, quando eu nasci. E ele pintava retrato para comercial. Ele vendia
os retratos que pintava77
.
A associação feita por Dorian entre sua mãe e Manoel de Moura Rabello (1895-1979) é
extremamente ilustrativa da importância que ele atribuía à figura do tio. Segundo Dorian,
Moura Rabello foi pintor consagrado pela sociedade natalense dos anos 1920 e 1930, uma
vivência registrada pelo próprio Moura Rabello, em suas “Memórias de um homem de fé”
(1973), como também por seu filho, o advogado e jornalista Genival Rabello, em discurso
produzido para a sua posse como sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Norte, ocorrida por indicação do irmão, o poeta e trovador, Luiz Rabelo.
Mesmo morando no Rio de Janeiro, o jornalista veio a Natal, em janeiro de 1984,
acompanhado da irmã Marlene, esposa e dois netos, especialmente, para a sessão solene, sob
a presidência de Enélio Petrovich. Naquela ocasião, Genival quis homenagear Moura Rabello,
falecido seis anos antes, compondo um relato de sua vida e obra, claramente inspirado nas
narrativas autobiográficas escritas pelo pai.
Nesse livro, apresentado em orelha assinada pelo escritor Luís da Câmara Cascudo, e
prefaciado pelo amigo de infância, o desembargador Floriano Cavalcanti de Albuquerque,
Moura Rabello reuniu uma centena de casos “místicos, românticos, poéticos, muitos de
exaltação”78
, datados desde 1900. Ao apresentar a obra, Cascudo, cuja atividade erudita
incluiu a produção de biografias de figuras do meio político, empresarial e intelectual norte-
rio-grandense, sublinhou o caráter extraordinário das “coisas simples” descritas por Moura
Rabello, indivíduo que levava uma “vida normal, modesta, discreta, diferente das “existências
tumultuosas e ásperas dos Homens” que teriam deixado “vestígios maiores no Chão da
História”79
.
77
Entrevista concedida à autora em 30 jul. 2014. 78
RABELLO, Manoel de Moura. Memórias de um homem de fé. Rio de Janeiro: Mauro Familiar Editor, 1973.
p.351. 79
CASCUDO, Luís da Câmara. In: RABELLO, Manoel de Moura. Op. cit. [Orelha da contracapa].
37
Na visão do prefaciador, Floriano Cavalcanti de Albuquerque, as “Memórias” de Moura
Rabello constituíam o “retrospecto fiel da vida de um lutador, que venceu pela consciência de
seu valor e fé na própria vitória! Força de vontade e talento” 80.
Em linhas gerais, as narrativas autobiográficas de Moura Rabello falam de privações,
adversidades, desilusões, intransigências e divergências de um sujeito que, ao reconstruir seu
passado, se viu como um rebelde, temperamental, rude no trato das relações pessoais, avesso
às falsas modéstias, mas, ao mesmo tempo, obstinado na batalha pela sobrevivência, sagaz na
busca de ascensão social e reconhecimento, e confiante na força sobrenatural da fé.
Na apresentação do livro, ao se referir a Moura Rabello, Câmara Cascudo conferia uma
tradição artística ao pintor e sua família, ao mesmo tempo em que justificava o fazer artístico
e literário de seus membros numa suposta tendência natural para a arte.
Moura Rabello, menino de Natal, pobre, conta a história de sua viagem no tempo.
Pertence a uma família tradicional onde a riqueza está dentro da cabeça e não no
interior dos bolsos. Gente subindo a Vida na lenta escada de degraus estreitos, sem a
promoção ascensional dos elevadores imprevistos. Todos Poetas, Pintores,
Jornalistas, natos, espontâneos, vocacionais. Sem escolas, cursos, sistemáticas.
Trazem a predisposição fisiológica da ação subsequente, imediata, impulsiva.81
Nos seus relatos memorialísticos, Moura Rabello contou que depois da morte da mãe,
em 1902, ele e o irmão Rodolfo permaneceram com a avó materna, a quem chamavam “mãe
Dindinha”, em virtude do novo matrimônio contraído pelo pai, João Rabello, logo no ano
seguinte. Entre 1908 e 1911, ambos a acompanharam, por razões de sobrevivência, em suas
constantes mudanças pelo interior da Paraíba, sempre se dedicando à agricultura como meio
de subsistência. De volta à capital potiguar, na fase dos 15 aos 18 anos, Moura Rabello
exerceria diversos ofícios, desde empregado no comércio de um tio, vendedor na charutaria
do Cine Polytheama e até cambista de jogo do bicho, ingressando no funcionalismo público,
em 1914, como servente-contínuo da Intendência de Natal, emprego obtido por intercessão de
seu pai82
, junto ao vice-presidente do Conselho Municipal da Intendência, Dr. Alberto Roselli
(1886-1966)83. Depois de conseguir ascender aos postos de 3º Oficial, escrevente-datilógrafo,
80
ALBUQUERQUE, Floriano Cavalcanti de. In: RABELLO, Manoel de Moura. Op. cit., p.21. 81
CASCUDO, Luís da Câmara. In: RABELLO, Manoel de Moura. Op. cit. [Orelha da capa]. 82
Entre 1916 e 1920, pelo que pude constatar no documento citado a seguir, João Rabello exerceu o ofício de
porteiro na Intendência Municipal de Natal. Cf. ESTADO do Rio Grande do Norte. Intendência Municipal.
Almanak Laemmert (1891-1940), Rio de Janeiro, n.72, v.2, p.3796, 1916. 83
Filho do coronel Ângelo Roselli (ex-intendente), diplomou-se em Direito no Recife (1911), foi redator-
secretário do jornal A República (1912-1919), eleito, em 1914, vereador e vice-presidente do Conselho
Municipal da Intendência de Natal, até o final do mandato. Cf. ROSELLI, Ângelo (verbete biográfico).
Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/roselli-alberto>. Acesso em 02
fev. 2017.
38
2º Oficial e escrivão do Caixa, no final de 1922 Moura Rabello pediu dispensa do município
para assumir a função melhor remunerada de professor-adjunto de Desenho, na Escola de
Aprendizes Artífices de Natal84
. Segundo ele, essa conquista foi graças à indicação do
professor Luiz Correia Soares de Araújo, diretor do Grupo Escolar Frei Miguelinho, com a
anuência do Governador do Estado, Antonio José de Mello e Souza85
, que solicitou sua
nomeação junto ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Do período de sua passagem pela Intendência de Natal, Moura Rabello relatou outros
acontecimentos que marcaram sua vida privada, em particular, o fato de ter residido na casa
do pai, entre 1918 e 1923, o casamento com a prima, Salihê de Paiva Moura, em 1919, e o
nascimento do seu primogênito, Genival Rabello, no ano de 1920.
As construções memorialísticas desse artista apontam, ainda, que, em 1918, já eram
frequentes as encomendas de retratos feitas pela sociedade natalense. Segundo Moura
Rabello, quatro anos antes, já havia retratado o Padre João Maria; em 1915, fizera o retrato do
poeta Ferreira Itajubá, destinado à sede da Liga Artístico-Operária, uma aproximação que lhe
permitiu tornar-se sócio do Centro Operário Natalense, que nasceu do desmembramento da
anterior. Recordou que, como membro dessa entidade, se integrou a rodas de boemia, sempre
solicitado a fazer versos de improviso.
Dentre sua produção artística executada em Natal, a galeria de retratos de vultos
históricos do Palácio do Governo, inaugurada em 1921 pelo governador Antônio José de
Mello e Souza, foi a primeira encomenda oficial. Segundo Moura Rabello, que narrou as
circunstâncias desse encargo num capítulo intitulado “A Prata da Casa”, que dedicou ao
sobrinho poeta e pintor, Dorian Gray, o trabalho lhe foi confiado pelo coronel Pedro Soares de
Araújo (1855-1927)86
, em comum acordo com o governador.
Algumas das experiências artísticas de Moura Rabello no cotidiano da cidade do Natal
podem ser observadas, também, a partir do olhar da crônica oficial do Estado do Rio Grande
do Norte, representada nas páginas do jornal A República da década de 1920. No conjunto do
acervo documental desse veículo que foi possível recuperar dessa época, que contempla os
84
De fato, Moura Rabello aparece entre os funcionários nomeados, em 1923, pelo Ministério da Agricultura,
Indústria e Comércio, ao qual as Escolas de Aprendizes Artífices estavam subordinadas até a criação do
Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1931. Cf. ACTOS do Sr. Ministro da Agricultura. O Paiz, Rio de
Janeiro, ano 39, n. 14.093, p.3, 22 maio 1923. 85
Foi governador por duas vezes: 1907-1908 e 1920-1924; Procurador Geral do Estado (1900-1907), jornalista,
escritor, sob o pseudônimo de Policarpo Feitosa, e sócio fundador do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte. Disponível em: <http://www.mprn.mp.br/memorial/pgj05.asp>. Acesso em 25 jan. 2017. 86
Nascido em Assu, fez carreira política em Natal, onde exerceu sete legislaturas de Deputado Estadual, entre
1901 e 1923. Aposentou-se em 1925 como inspetor do Tesouro Estadual, cargo que assumiu em 1902. Cf.
SANTOS, Renato Marinho Brandão dos. O Conselho de Intendência do Natal na Primeira República. Op. cit.
39
anos de 1921 (2º semestre), 1923, 1926 (2º semestre) e 192987
, nota-se uma incipiente
atividade artística na capital potiguar daquele período, restrita aos nomes de Moura Rabello,
Hostílio Dantas, Murillo La Greca e Adriel Lopes.
Assim, em todo o segundo semestre de 1921, o único feito no campo das artes plásticas
foi noticiado como fruto da patriótica iniciativa do governador Antonio José de Mello e
Souza. Tratava-se da inauguração da galeria de retratos dos “próceres nacionais do antigo e
novo regime”, composta por 20 quadros, ampliados a crayon, pelo artista Manoel de Moura
Rabello88
. Inaugurada no Palácio do Governo, no dia 7 de Setembro, em “recepção solene e
concorrida”, com a presença do “mundo oficial”, a galeria visava ao propósito de inscrever a
participação do Governo do Rio Grande do Norte nas comemorações preparatórias ao
primeiro Centenário da Independência brasileira.
Nenhuma das notícias veiculadas forneceu detalhes acerca da encomenda do trabalho ou
da pesquisa documental que subsidiou a execução dos retratos pelo artista contratado,
tampouco dos responsáveis pela escolha dos vultos homenageados. Pode-se afirmar, no
entanto, que, naquele momento, a arte de Moura Rabello participava do projeto republicano
de constituição da memória de um panteão de heróis, habilitados ou reabilitados, como
formadores da identidade nacional89
.
Em seu discurso de inauguração da série de retratos, o chefe do Executivo Estadual,
Antonio José de Mello e Souza, não deixou dúvidas sobre o vínculo entre a contratação das
obras do artista e o propósito do projeto mencionado:
Bem poucos dos que mereceram aqui figuram, pois que, para honra do Brasil, as
paredes desta sala não os comportariam todos. Veremos apenas os fundadores da
nacionalidade, os guias na paz e na guerra, que souberam organizá-la pela política e
defendê-la pela força. [...] Ahi estão, bem vivos na reproducção cuidada e carinhosa
de um jovem artista norte-rio-grandense90
.
87
Agradeço ao colega do mestrado, Paulo Vitor Airaghi, pela gentileza da cessão desse material, disponibilizado
para os demais integrantes da base de pesquisa Espaços da Modernidade, coordenada entre outros, pelos
docentes Raimundo Nonato Araújo da Rocha e Raimundo Pereira Alencar Arrais. 88
VARIAS. A República, Natal, p.1, 06 set. 1921. SETE de Setembro. A República, Natal, p.1, 07 set. 1921.
SETE de Setembro - A data nacional teve este ano uma comemoração fora do comum. A República, Natal, p.1,
09 set. 1921. 89
Em 1917, o então governador, Joaquim Ferreira Chaves, que presidia, em âmbito local, o programa das
comemorações do Centenário da Revolução Pernambucana, empreendeu um programa semelhante ao contratar
os serviços do pintor fluminense, Antonio Parreiras, para executar a tela “Frei Miguelinho perante o Tribunal da
Bahia”, destinada ao mesmo salão nobre do Palácio do Governo. Sobre Antonio Parreiras e a pintura histórica na
constituição da nacionalidade, bem como na produção de uma visualidade para as histórias e os heróis regionais,
cf. SALGUEIRO, Valéria. A arte de construir a nação: pintura de história e a Primeira República. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, n.30, p.3-22, 2002. Disponível
em:<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2170>. Acesso em 10 fev. 2017. 90
ECHOS de 7 de Setembro. O Governo do Rio Grande do Norte presta uma homenagem aos grandes cultos
nacionaes. O Paiz, Rio de Janeiro, ano 37, n.13.492, p.8, 28 set. 1921.
40
Associado ao tema das comemorações da Independência, em junho de 1923, o jornal A
República reproduzia uma matéria extraída da Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, que me
permitiu pensar no estágio do desenvolvimento artístico potiguar naquele início da década de
1920. Tratava-se de uma entrevista do professor Amphilóquio Câmara91
, à época, inspetor
técnico do ensino no Rio Grande do Norte, que discorria acerca do momento intelectual de
sua terra, no que dizia respeito à imprensa, às letras e às artes92
. Amphilóquio Câmara fora
designado pelo governador Antonio de Souza como delegado do Estado na comissão
organizadora da Exposição Internacional do Centenário da Independência, inaugurada em 7
de setembro de 1922, prolongando-se até 24 de julho de 1923, na capital da República.
No relato do inspetor técnico, o progresso literário da província, destacado por ele
através da citação de diversas obras publicadas de autores potiguares, ocupou a maior parte da
entrevista de Amphilóquio Câmara, que não se esqueceu de mencionar os nomes daqueles
que, no seu entender, seriam as principais expressões locais nos campos do teatro, da música,
do canto e da pintura. No que tange a esta última, Amphilóquio Câmara ressaltou o
“adiantamento artístico dos trabalhos manuais das alunas da Escola Doméstica de Natal, do
Colégio Imaculada Conceição e da professora particular Neuza Guerra”; em seguida,
salientou a atuação dos “senhores Hostílio Dantas e Pedro Rabello”, por seus “gabados
trabalhos a óleo e a crayon”93
.
Imaginando que o Pedro a que o professor se referiu se tratasse de Manoel Rabello,
verifiquei, em datas posteriores à produção da galeria de retratos do Palácio do Governo, que
esse artista intensificara o trabalho de pintura de personagens da elite ou da vida intelectual
local. Dentre aqueles a quem retratou estavam o próprio governador Antonio de Souza, em
1923, numa tela a crayon encomendada pelos funcionários da Coletoria de Rendas do
município de Jardim do Seridó94
. Em 1929, viriam os retratos do professor João Tibúrcio da
Cunha Pinheiro, falecido dois anos antes, e do senador Joaquim Ferreira Chaves, obras que
Moura Rabello expôs na sede do jornal A República95
, provavelmente, para dar visibilidade ao
seu trabalho. Nesse mesmo ano, pintou o retrato do jornalista Manoel Dantas, morto em 1924,
oferecendo-o àquele veículo de comunicação96
, do qual este havia sido seu redator-chefe.
91
Como se trata de nome próprio, preferi manter a grafia original. 92
A VIDA mental do Rio Grande do Norte. A República, Natal, p.1, 23 jun. 1923. 93
Idem, p.1. 94
VARIAS. A República, Natal, p.2, 01 dez. 1923. 95
DOIS trabalhos de pintura expostos nesse jornal. A República, Natal, p.1, 09 jan. 1929. 96
UM RETRATO do Dr. Manoel Dantas. A República, Natal, p.1, 08 nov. 1929.
41
Essa espécie de “culto” aos homens de expressão local é bastante perceptível na época,
a julgar pelas notícias recorrentes sobre aposição de retratos de autoridades civis e religiosas97
em espaços públicos da cidade, o que demonstra uma demanda potencial para esse gênero
pictórico, que mal sentia a chegada dos primeiros estúdios fotográficos a Natal98
. No livro A
face pintada em pano de linho: moldura simbólica da identidade brasileira, o historiador da
arte Alberto Cipiniuk propõe pensar o retrato não apenas como um gênero de pintura, mas
como uma prática social resultante da sua utilização em experiências diversas. Segundo este
autor, até o século XIX, no Brasil, o espaço que demarcava o poder patriarcal pelo retrato era
o doméstico. Com o tempo, ele se tornou público, ao se deslocar para os consistórios das
igrejas, os paços municipais e os museus, garantindo a presença simbólica dos homens
ilustres nesses espaços públicos. Para o historiador, “tal como o museu de arte, a ideia da
„galeria de retratos‟ se associa às criações culturais do século XIX”99
.
Segundo as narrativas autobiográficas de Moura Rabello, os retratos conformaram a
maior parte do seu legado artístico, aos quais disse ter se dedicado não apenas por convicção
no valor de sua arte, mas também como forma de complementar o orçamento doméstico100
.
Acerca dessa produção artística, suas narrativas mostram que além das encomendas para o
espaço doméstico, a arte de Moura Rabello conseguiu certa inserção em espaços institucionais
no Rio Grande do Norte (Anexo I). Conforme seu relato biográfico, o artista participou
apenas de duas exposições de pintura na capital potiguar, nas quais apresentou seus dois
únicos trabalhos de concepção, ou seja, que não foram copiados de fotografias, mas pintados
de modelos-vivos: a primeira exposição aconteceu em 1928, para a qual concebeu o quadro
“Padre João Maria a caminho da caridade”, e a segunda, em 1933, que resultou de um
concurso de pintura, promovido pelo Governo do Estado. Nesse certame, em que Moura
Rabello apresentou 10 trabalhos, entre eles, as obras “Padre João Maria entre os humildes”
97
APOSIÇÃO de retrato (Desembargador Silvino Bezerra). A República, Natal, p.1, 30 out. 1926. NA
APOSIÇÃO do retrato do Presidente Lamartine na Prefeitura de São Thomé. A República, Natal, p.1, 23 jan.
1929. VAI ser aposto no Tribunal o retrato do seu presidente. A República, Natal, p.1, 29 jan. 1929. A
INAUGURAÇÃO do retrato do fundador do Atheneu. A República, Natal, p.1, 04 jul. 1929. O Photo-Arte expõe
o retrato de D. Marcolino Dantas. A República, Natal, p.2, 07 jul. 1929. 98
A ARTE fotográfica em Natal. foi inaugurado o atelier PHOTO-ARTE. A República, Natal, p.2, 14 abr. 1929. 99
CIPINIUK, Alberto apud SILVA, Caroline Fernandes. História em retratos. O moderno em aberto: o mundo
das artes em Belém do Pará e a pintura de Antonieta Santos Feio. Dissertação (Mestrado em História).
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009. p.91. 100
Quando ainda moravam em Natal, Manoel de Moura Rabello e Salihê de Paiva Moura tiveram sete filhos,
sendo um natimorto. Três morreram antes de completar um ano de vida (Aliete, Ivanete e Narbal). Sobreviveram
Genival (1920), Raymilson (1926) e Marlene (1933). De um segundo casamento no Rio de Janeiro, no final dos
anos 50, com Raimunda Rosa, Moura Rabello teve mais três filhos: Mourival (s/data), Marilene Emília (1960) e
Aparício (1965). Cf. RABELLO, Manoel de Moura. Op. cit.
42
(Imagem 3) e “O Baldo”, tomaram parte, também, os pintores Hostílio Dantas, potiguar, e
Murilo La Greca, pernambucano, que ganhou o primeiro prêmio.
De acordo com Moura Rabello, a despeito do segundo lugar no certame, ambos os
quadros citados foram adquiridos pelo Estado quando de sua saída de Natal para o Rio de
Janeiro: “Padre João Maria entre os humildes”, por influência de Câmara Cascudo, tela que,
posteriormente, seria exposta na sede da Legião Brasileira de Assistência (LBA)101
, e “O
Baldo”, pela mediação de Beraldina Câmara, esposa de Mário Leopoldo Pereira Câmara, na
época, interventor federal no Rio Grande do Norte.
Imagem 3: Quadro “Padre João Maria entre os humildes”, Moura Rabello, 1928
Fonte: RABELLO, Manoel de Moura. Memórias de um homem de fé. Rio de Janeiro: Mauro Familiar Editor,
1973, p.245.
No tocante às razões que envolveram a mudança definitiva de Moura Rabello para o Rio
de Janeiro, em 1935, suas narrativas autobiográficas dão a entender que essa decisão foi
motivada pela busca de melhores condições de vida e trabalho102
. Segundo o próprio Moura
101
Criada no Governo Getúlio Vargas pelo Decreto-lei n.º 4.830, de 15 de outubro de 1942. Não consegui obter
informações o ano de sua instalação em Natal. 102
Em consonância com o recuo que estou procedendo em relação ao recorte temporal inicial dessa pesquisa,
ainda me resta produzir a base empírica que me permita observar o cenário artístico local entre o ano de 1935,
43
Rabello, entre 1931 e 1933, as encomendas de retratos constituíram o seu sustento em Natal,
após a dispensa da Escola de Aprendizes Artífices, por razões atribuídas à redução do efetivo
de alunos na instituição. Mas a despeito de ter obtido uma colocação de auxiliar técnico junto
à Diretoria de Estatística do Rio Grande do Norte, em 1933, o convite feito pelo cunhado,
Severino de Moura Carneiro (1899-1952)103
, subinspetor da Polícia Municipal do Rio de
Janeiro, lhe pareceu mais atrativo. O irmão de Salihê, sua esposa, conseguiu que ele fosse
admitido como comissário da entidade na qual trabalhava, em virtude da amizade pessoal que
mantinha com o prefeito do Rio, Pedro Ernesto Batista (1884-1942)104
.
Foi, também, por orientação do cunhado, que Moura Rabello se submeteu ao concurso
de magistério para a Escola de Polícia do referido órgão, onde permaneceu até se aposentar,
assumindo, ali, as aulas de Instrução Moral e Cívica.
Acerca das suas experiências artísticas no Rio de Janeiro, Moura Rabello construiu
poucas narrativas, embora tenha mencionado a feitura de retratos, sob encomenda, e de duas
telas para o Centro Norte-rio-grandense105
- um retrato do Padre João Maria e o quadro
“Augusto Severo e Sachet”. A despeito de ter-se tornado membro da Sociedade Cultural e
Artística Brasileira106
, admitiu, no entanto, que nunca participou de exposições de pintura
que marcou a saída de Moura Rabello para a capital da República, e a primeira exposição de arte moderna de
Dorian Gray, em 1950. A produção dessas fontes está condicionada ao exame do acervo do jornal A República,
pertencente ao Arquivo Público Estadual do RN. 103
Filho de Joaquim Aprígio de Moura Carneiro e Celina de Paiva Moura Carneiro, nasceu em Floresta dos
Leões, atual Carpina, município da Zona da Mata pernambucana. Foi casado com Brazilina de Moura Carneiro.
Integrou o Partido Autonomista do Distrito Federal, ao lado do prefeito Pedro Ernesto Batista. Cf.
PREFEITURA do Districto Federal. Actos do Interventor Federal. Rio de Janeiro, Jornal do Brasil, 05 out.
1934. BOLETIM Eleitoral. Rio de Janeiro, ano III, n.80, 22 de agosto de 1934. Disponível em:
<http://www.tse.jus.br/institucional/biblioteca/biblioteca-digital>. Acesso em 14 fev. 2017. 104
Natural do Recife, iniciou o curso de Medicina na Bahia e concluiu no Rio de Janeiro, onde se envolveu com
os movimentos tenentistas da década de 20 e iniciou trajetória política, em 1922; participou da fundação do
Partido Autonomista do Distrito Federal e administrou a cidade como Interventor Federal e Prefeito (1933-
1935), criando, em 1934, a Polícia Municipal do Rio de Janeiro. Cf. BATISTA, Pedro Ernesto (verbete
biográfico). Disponível em:<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/pedro-ernesto-
batista>. Acesso em 13 fev. 2017. 105
Fundado em 1900, almejava abrigava norte-rio-grandenses que moravam no Rio para discutir os problemas
do Estado e divulgá-lo para todo o Brasil. Cf. ROCHA, Raimundo Nonato Araújo da. A construção de uma
identidade potiguar a partir do Rio de Janeiro (1934-1952). Disponível em:<
http://www.seminariodehistoria.ufop.br/ocs/index.php/snhh/2012/paper/view/1381>. Acesso em 12 jan. 2017.
Segundo a narrativa de Moura Rabello, ele esteve nessa entidade porque soube, casualmente, das comemorações
pelo centenário do Padre João Maria, momento em que pediu a palavra para falar dos quadros e retratos que
havia feito alusivos ao homenageado. Foi nessa ocasião que lhe encomendaram os dois trabalhos. Augusto
Severo de Albuquerque Maranhão foi o primeiro presidente da entidade. 106
A SCAB deve ter sido fundada no início dos anos 50, sob a presidência da poetisa Dylma Cunha de Oliveira,
porque em 1955 realizou sua primeira exposição de artes plásticas, na Câmara dos Vereadores do Rio. Sua sede
ficava na rua do Ouvidor, n.138, 1º andar, com filial em Petrópolis/RJ. Reunia poetas e pintores. Não tenho
fontes que mostrem a participação de outros artistas potiguares, mas, em 1954, a SCAB promoveu um jantar de
adesão em homenagem aos 40 anos da vida parlamentar do deputado federal potiguar, José Augusto Bezerra de
Medeiros, com fins de arrecadar fundos para a entidade. Além de vários conterrâneos, o jantar contou com a
presença do presidente do Centro Norte-rio-grandense, Marciano Alves Freire. Cf. SALÃO de Artes na Câmara
44
naquele Estado, porque, segundo ele, a diversidade de escolas artísticas que encontrou na
capital federal, aliada a obrigações do magistério, teriam retraído o seu impulso para a arte.
Toda essa narrativa acerca de Moura Rabello, embora longa, é relevante para
compreender como as relações estabelecidas pelo pintor em Natal, nas décadas de 20 e 30,
podem ter servido de capital simbólico, e, certamente, o fizeram, para que Dorian legitimasse
seu nome como artista e conquistasse espaços para sua arte na cidade.
Pelo que foi apresentado, Moura Rabello transitou por diferentes grupos sociais na
capital potiguar, tendo acesso a membros do mundo político e intelectual natalense. Recebeu
encomendas tanto de particulares, quanto do governo, de entidades de classe e operária.
Expôs seus trabalhos em espaços institucionais, que foram adquiridos pelo Estado e por
entidades privadas.
No capítulo seguinte, mostrarei que, na década de sessenta, Dorian Gray produziu
pinturas-murais para duas das instituições com as quais seu tio manteve vínculos: o Instituto
Educacional Padre Miguelinho, no Alecrim, e a Escola Industrial de Natal, na Cidade Alta,
que, na década de trinta, se chamavam, respectivamente, Grupo Escolar Frei Miguelinho e
Escola de Aprendizes Artífices de Natal.
Outro aspecto relevante das memórias produzidas por Moura Rabello foi o fato de
Cascudo ter enfatizado a tradição artística da família do pintor e retratista, que incluía, entre
outros membros, um de seus irmãos, Luiz Rabelo, poeta, e um de seus filhos, Raymilson de
Moura Rabello (1926-2010), pintor. Uma tradição na qual Dorian também se sentiria incluído.
A partir dessas memórias e de pesquisa realizada em outras fontes, foi possível constatar
três esforços protagonizados por seus familiares para reabilitar a poesia e a arte do retratista
como autênticos valores potiguares, um dos quais empreendido pelo próprio sobrinho, Dorian.
O primeiro desses esforços foi a inclusão do nome de Moura Rabello como verbete,
junto com 38 versos do seu mais famoso poema, intitulado “Célia”, no livro “Panorama da
Poesia do Rio Grande do Norte”, organizado em 1961 por Rômulo Wanderley, com prefácio
do escritor Câmara Cascudo107
, e publicado quatro anos mais tarde.
Municipal. Diário de Notícias, No lar e na sociedade, Rio de Janeiro, 2ª seção, p.3, 15 mar. 1955.
HOMENAGEM ao deputado José Augusto. 25 dez. 1954, 2ª seção, p.3, Diário de Notícias, No lar e na
sociedade, Rio de Janeiro. 107
De acordo com o organizador, a obra pretendia atualizar a coletânea "Poetas do Rio Grande do Norte",
publicada em 1922 pelo poeta Ezequiel Wanderley, da qual constaram 108 verbetes, incluindo o do próprio
Moura Rabello. "Célia" é o título do único livro de poemas publicado por Moura Rabello, em 1934, com os
favores da Lei n. 145, promulgada pelo Governo Alberto Maranhão. Foi escrito entre 1923 e 1925. Cf.
WANDERLEY, Rômulo Chaves. Panorama da poesia norte-rio-grandense. (Coleção Letras Natalenses).
Prefeitura de Natal, Natal, [2008?].
45
A segunda iniciativa teve lugar em 1970, ano em que Moura Rabello veio a Natal, 25
anos após sua última visita à cidade, especialmente, para doar três de seus quadros ao Museu
de Arte e História do Estado108
, dirigido, à época, pelo artista Dorian Gray Caldas109
, numa
homenagem a qual se associou a Academia de Trovas do Rio Grande do Norte110
,
representada pelos acadêmicos Luiz Rabelo, irmão do homenageado, e Jaime dos Guimarães
Wanderley, cuja amizade remontava à juventude. Os quadros doados por Moura Rabello ao
Museu foram: “Augusto Severo e Sachet na nacelle do Pax”, “Amaro Cavalcanti de Brito” e
“Padre Francisco de Brito Guerra”.
O terceiro e último esforço em prol da reabilitação de Moura Rabello na vida artística e
cultural do Estado transcorreu, no meu entender, com sua posse de membro-correspondente
do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, em 1971, mediada por seu irmão,
o poeta Luiz Rabelo.
Diante dos relatos expostos anteriormente, compreende-se por que as narrativas da
história oral de vida de Dorian Gray conferiram tanta ênfase ao seu tio materno, uma vez que
ele próprio foi protagonista de uma ação que consolidava o nome e a arte de Moura Rabello
na história do movimento artístico potiguar, ao mesmo tempo em que reafirmava seus
vínculos individuais com a ideia de uma tradição artística familiar.
108
Criado pelo mesmo decreto-lei n.º 2.885, de 08/04/1963, que instituiu a Fundação José Augusto, no Governo
Aluízio Alves, ao que tudo indica só foi instalado no final dos anos 60, conforme notícias encontradas no Diário
de Natal. Funcionava no sobrado da rua da Conceição, por esse motivo, o chamavam também Museu do
Sobradinho. Em 1968, Dorian Gray e Zaíra Caldas aparecem nesse jornal em apoio à campanha liderada pelo
prefeito Agnelo Alves e pelo diretor dos Diários Associados, Luiz Maria Alves, pela instalação do Museu de
Arte de Natal. Cf. CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUVENAL LAMARTINE. Fundação José
Augusto: 40 anos (1963-2003). Natal: Fundação José Augusto, 2004. MACEDO, Paulo. Pintores apoiam museu.
Diário de Natal, Reportagem, Natal, 06 mar. 1968, p.2. 109
MACEDO, Paulo. O Museu de Arte e História da Fundação José Augusto. Diário de Natal, Reportagem,
Natal, 20 jan. 1970. p. 4. 110
Fundada como Clube dos Trovadores Potiguares, em 1965, com 60 cadeiras, mudou para Academia em 1967,
reduzindo para 40 cadeiras, sendo a primeira ocupada por Luís da Câmara Cascudo, membro-fundador, ao lado
de outros poetas e escritores, como Enélio Petrovich, Rômulo Wanderley e Luiz Rabelo, tio de Dorian Gray e
irmão de Moura Rabello. Cf. BARROS, José Lucas de. Academia de Trovas do Rio Grande do Norte (criação,
atividades, importância). Disponível em: <http://www.falandodetrova.com.br/atrn>. Acesso em 18 fev. 2017.
46
Imagem 4: Fotografia de Moura Rabello entre os quadros “General Varella ao lado do busto de D. Pedro II” e
“Maestro Carlos Gomes”, doados ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1971.
Fonte: RABELLO, Manoel de Moura. Memórias de um homem de fé. Rio de Janeiro: Mauro Familiar Editor,
1973, p.422.
1.3 As paredes da “casa-atelier”: a cidade vivida na infância
Conforme mencionei no princípio deste capítulo, boa parte das memórias familiares de
Dorian Gray foi herdada de sua mãe, Nympha Rabelo. Nascida em 09 de outubro de 1909, ela
já tinha em torno de 16 anos quando seu irmão, Moura Rabello, se despediu de Natal para se
fixar no Rio de Janeiro, em 1935. Portanto, ainda que por um curto espaço de tempo, Nympha
compartilhou do seu convívio, e deve ter acompanhado parte do seu percurso artístico na
capital potiguar.
Embora eu disponha de poucos indícios para fazer tal afirmação, a narrativa enfática de
Dorian sobre sua mãe e sobre a tradição artística da família me permitiu pensar que Nympha
Rabelo pode ter exercido uma ação educativa sobre ele, no sentido de torná-lo um artista. De
fato, a partir dos anos 50 sua genitora desempenhou uma ação em prol da arte, na medida em
47
que participou, diretamente, de algumas das experiências estéticas de Dorian Gray,
materializadas no espaço da casa-atelier, conforme tratarei no capítulo seguinte.
Para dar sustentação à narrativa que o vincula à tradição acadêmica da família, e que
toma o pintor e retratista como o modelo seguido na infância, Dorian Gray relatou sucessivas
etapas individuais de um aprendizado informal que teria evoluído do desenho ao retrato, e
deste à pintura clássica, antecedendo e, ao mesmo tempo, fornecendo-lhe uma base técnica
para o domínio das formas e linguagens da arte moderna.
Nessa perspectiva, defendeu que quando tinha 10 anos, já desenhava nas calçadas da rua
Felipe Camarão, onde morava, usando carvão da cozinha de sua mãe. Advogou que, tendo
reconhecido seu talento, os pais o presentearam com caderno de desenho e lápis crayon,
passando a produzir retratos, de preferência, dos artistas de cinema, cujo glamour causava-lhe
muita fascinação na adolescência. Narrou, ainda, que, só mais tarde, na fase da juventude,
começou a se exercitar na pintura, fazendo cópias dos quadros clássicos mais rigorosos, como
as obras de Michelangelo, Leonardo da Vinci, Velásquez e El Greco.
Ainda a propósito desse processo de aprendizado artístico, suas narrativas introduziram
outra explicação para o seu estímulo na arte, a competição com a irmã Zaíra Caldas:
Quando éramos jovens, eu menino, ela já na puberdade, já mocinha, nós
desenhávamos. Ela tinha muito jeito para desenhar, era vocacionada, fazia um
desenho e mostrava a meus pais: „qual está melhor?‟, aí meu pai ou minha mãe tinha
que definir qual estava melhor. Ela fazia questão de competir comigo. Mostrava o
dela e eu mostrava o meu, o mesmo desenho, de um mesmo artista, a mesma figura.
A competição nossa era essa111
.
A propósito da infância de Dorian Gray, o trecho acima é uma das poucas narrativas
formuladas por ele que fazem referência a um convívio com outras crianças. Quando
rememorou as brincadeiras dessa fase, em sua história de vida, pareceu-me tratar-se de
distrações solitárias, embora inventivas, ambientadas nas ruas e casas nas quais morou, nos
anos 30 e 40, no bairro Cidade Alta, antes de a família se instalar na rua Ana Nery, em
Petrópolis, na década de 1950.
Além disso, a impressão que sobressai das suas narrativas quando ele se referia a Zaíra é
a de que, de certa forma, em alguns momentos de sua vida, Dorian Gray se sentiu preterido
em relação a ela, como se as atenções e os elogios dos pais sempre se voltassem para a irmã:
“Ela era muito bonita, linda! Tem um postal dela aqui, eu sou o patinho feio na fotografia
(risos). Depois eu me arrumei mais, me ajeitei mais, mas na época era muito carente”112
.
111
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015. 112
Idem.
48
Imagens 5 e 6: Os irmãos Dorian Gray e Zaíra Caldas, 1936; Dorian Gray, [1940?].
Fonte: Acervo de Dorian Gray Caldas
Os marcos temporais presentes nas narrativas da sua infância e adolescência se
associam às experiências iniciais com o desenho e a leitura, mas também a estímulos visuais e
auditivos, fornecidos pelo rádio, o cinema, as revistas, como o Globo Juvenil, bem como pelo
contato com estrangeiros, cuja presença mudou a paisagem urbana e as sensibilidades do povo
natalense, no período da Segunda Guerra Mundial.
Eu morava na rua Felipe Camarão, que era conhecida como o lugar dos russos, dos
judeus. Tinha judeu-russo, tinha judeu-polonês, tinha muita gente estrangeira
morando aqui no Brasil. E eles praticamente davam notícia da guerra, lamentando...
porque muitos deles perderam familiares. [...] a gente sentia o problema da Guerra
muito de perto! E como eu tinha 10 anos só... Mas eu não saía da minha linha de
trabalho. Eu já fazia cópias e passei a fazer fisionomias, rosto de pessoas...113
Outro ponto de apoio espacial da sua memória de infância, que revela o
desenvolvimento de uma sensibilidade e percepção visuais, pode ser constatado na referência
à casa onde morava o escultor Hostílio Dantas, vizinho à casa de seus pais, na rua Felipe
113
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015.
49
Camarão, Cidade Alta. Assim como seu tio Moura Rabello, Hostílio também foi professor de
desenho na Escola de Aprendizes Artífices de Natal.
[...] eu era muito criança, mas eu subia na janela - que era muito alta pra mim -, pra
ver Hostílio Dantas trabalhando no barro; ele trabalhava com um barro preto, escuro,
e naquela época já havia condições de transformar em bronze. Não sei se ele
mandava pra fora, porque depois, quando eu comecei a fazer escultura, encontrei
dificuldades de fazer [...]. Ele tem o bronze de Padre João Maria; tem o bronze de
Lamartine, o governador. Excelente! Fantástico!114
Dentre os tios maternos que compartilharam, por algum tempo, o espaço doméstico de
Dorian Gray, durante sua infância, encontrava-se o poeta Luiz Rabelo (1921-1996), nove anos
mais velho que o sobrinho. Rabelo parece ter sucumbido às pressões da mãe, Hercília de
Carvalho Rabello, e antes de concluir o Atheneu Norte-rio-grandense, onde cursou até o 4º
ano ginasial, entre 1934 e 1938, abandonou os estudos para ingressar na Polícia Militar do
Estado, sendo designado para a função de radiotelegrafista, servindo no município de
Caicó115
. Na administração do governador Dinarte Mariz (1956-1961), conseguiu
transferência para Natal, assumindo o mesmo posto no Palácio do Governo.
Do mesmo modo que elegeu o artista Moura Rabello como a principal referência dos
seus antepassados familiares no campo da arte, Dorian Gray apresentou o poeta e trovador
Luiz Rabelo, que foi membro das Academias Potiguar de Letras, Norte-rio-grandense de
Trovas e Norte-rio-grandense de Letras116
, como a figura responsável por parte da sua
formação literária, bem como por sua incursão na poesia.
Ao que tudo indica, após a morte de Elói Caldas, em 1967, Rabelo representou a figura
masculina mais próxima de Dorian, com quem estabeleceu intensos laços afetivos. O artista
admitiu ter requisitado a transferência de seu tio, do Palácio do Governo, para assessorá-lo
nas atividades de gestão cultural do Governo Aluízio Alves, quando assumiu a direção do
Museu de Arte e História no final da década de sessenta, tal era a afinidade entre eles.
Rabelo estreou na literatura como poeta parnasiano, tendo publicado, já em 1944, aos 23
anos de idade, o livro “Meditações”, impresso com recursos próprios na Tipografia Medeiros,
do município de Caicó117
. Segundo Dorian Gray, era ele quem lhe indicava as leituras,
sobretudo, as obras de autores clássicos, como Miguel de Cervantes, Luís de Camões e Dante
114
Entrevista concedida à autora em 03 dez. 2015. 115
WANDERLEY, Rômulo Chaves. Luiz Rabelo [verbete]. In: ______. Panorama da poesia norte-rio-
grandense. (Coleção Letras Natalenses). Prefeitura de Natal, Natal, [2008?]. 116
IMORTALIDADE. Diário de Natal, Natal, 15 mar. 1975, p.4. 117
CARDOSO, Rejane. Op. cit. p.499-500.
50
Alighieri. Em suas narrativas, Dorian justificou a admiração que mantinha por Rabelo
atribuindo-lhe um domínio do fazer poético e profundo conhecimento da rima e da métrica:
Ele me iniciou na poesia. Vou dizer por que. Porque eu não queria saber de poesia!
Eu sabia que desenhava bem, passava horas fazendo o fio do cabelo! Era importante
fazer o fio do jeito que ele era! Eu fazia a pessoa igual, igual! [...] Rabelo entendia
tanto de poesia que eu tinha vergonha de mostrar as coisas a ele. [...] O Nei Leandro
[de Castro] foi iniciado por ele, o Luís Carlos Guimarães... Quase todos os poetas
que conheço foram iniciados por ele, porque ele encontrava um meio termo, dizia:
„Não faça isso não, faça assim‟. E a gente ia por ali118
.
Muitos anos depois, na década de noventa, quando passou a se dedicar com mais afinco
à produção poética e ensaísta, Dorian se empenhou para enaltecer o nome de Luiz Rabelo
dentre o grupo dos poetas potiguares, reunindo poemas produzidos por seu tio numa coletânea
póstuma, em cujo prefácio sentenciou que Rabelo merecia “estudo apurado pela importância
que representa às novas gerações; e para a constatação de sua própria geração”119
.
Convidado para apresentar a coletânea, intitulada “Poemas em louvor a Deus”, o poeta
Luís Carlos Guimarães chamou a atenção para o fato de Luiz Rabelo ter se tornado conhecido
como trovador, tanto no Brasil como em outros países de Língua Portuguesa. Referindo-se ao
caráter místico e espiritual do primeiro livro dele - “Meditações”, afirmou que o falecido
poeta “adotava uma atitude reflexiva diante da vida, explorando os chamados grandes temas –
a solidão, o amor, a morte” 120
, assuntos que preocupavam os escritores da sua geração.
Sanderson Negreiros, também poeta e amigo de Rabelo, referindo-se à “Antologia
Poética” lançada por este em 1982, afirmou que ser poeta foi a única inspiração que ele
conservou durante toda sua vida e que todos, “da geração mais moça”, lhe deviam “uma
palavra de agradecimento pelo estímulo e a generosidade”121
.
Com a influência que Luiz Rabelo exercia sobre o sobrinho, não é de se estranhar que a
poesia também tivesse seduzido Dorian Gray, embora sua produção poética fosse posterior à
sua primeira exposição de pintura122
. Na infância, Dorian lia histórias em quadrinhos e
118
Entrevista concedida à autora em 04 abr. 2016. 119
CALDAS, Dorian Gray. Prefácio. In: RABELO, Luiz. Poemas em louvor a Deus. Natal: Departamento
Estadual de Imprensa, 1999. p.9. Nessa coletânea, Dorian incluiu a apresentação que Câmara Cascudo havia
feito do livro homônimo publicado por Rabelo em 1966, do qual constavam poemas inspirados na tradução, feita
por ele, de outros poetas de sua predileção. No texto, Cascudo dizia: “Luiz Rabelo tem os valores da inteligência
pura, transmitidos em linguagem precisa e clara de força emocional. Enfrentou idiomas estranhos para unificá-
los na identidade sentimental antológica: Novalis, James Weldom Johnson, São Francisco de Assis, Raíssa
Maritain, André Gide, Michel Quoist, Longston Hughes, Nicolás Guillén, Louis Borno, louvam a Deus na língua
brasileira”. p.13-14. 120
GUIMARÃES, Luís Carlos. In: RABELO, Luiz. Poemas em louvor a Deus. [Orelha do livro]. 121
NEGREIROS, Sanderson. In: RABELO, Luiz. Op. cit. p.475. 122
Seus primeiros poemas apareceram na imprensa em 1955, no entanto, seu primeiro livro - “Os instrumentos
do sonho” - só foi publicado em 1961, pela Coleção Jorge Fernandes, que constou de seis livros, todos com
51
literatura brasileira, apontando que sua mãe, Nympha Rabelo, dava o exemplo em casa, lendo
em voz alta, até mesmo para o marido ouvir.
Segundo Dorian, sua mãe possuía uma pequena biblioteca, com romances de Machado
de Assis, José de Alencar, Humberto de Campos, entre outros autores. Nos seus relatos sobre
leituras, contou que, na adolescência, tinha predileção por literatura francesa, inglesa e alemã,
e que esse interesse foi despertado por um colega do Ginásio 7 de Setembro, que, durante o
recreio das aulas, exibia livros volumosos, como “Judas, o Obscuro”, de Thomas Hardy, “A
Montanha Mágica”, de Thomas Mann, “O Vermelho e o Negro”, de Sthendal e “Jean-
Christophe”, de Romain Rolland, que, para ele, foram livros inesquecíveis, os quais lia com
muita avidez. Afirmou, ainda, que, mais tarde, passou a ler os romances dos escritores russos,
como Tolstoi, Máximo Gorki, Dostoiévski e Turgueniev, e do escritor norte-americano,
Ernest Hemingway123
.
[...] eu lia muito; lia de ficar com os pés dormentes; eu deitava numa rede e botava
uma pilha de livros nos meus pés. Lia, praticamente, um livro de 200 páginas por
dia. Foi a fase da adolescência; eu passei da fase do gibi para a literatura.124
A despeito das construções narrativas sobre suas influências de leitura, o espaço escolar
não foi muito enfatizado por Dorian Gray, a não ser quando se referiu a personagens que
tomava como referências intelectuais da cidade, docentes que atuavam em instituições como o
Ginásio Sete de Setembro e o Atheneu Norte-rio-grandense, em particular os professores de
português, José Saturnino de Paiva, de literatura, Antonio Pinto de Medeiros, e de história,
Alvamar Furtado de Mendonça.
Nas narrativas que formulou acerca das influências recebidas do cotidiano urbano em
Natal, contou que quando tinha por volta de 15 anos, e sua família já morava na rua João
Pessoa, montou um cinema artesanal em casa com uma coleção de películas descartadas pelas
salas cinematográficas da cidade, em função do desgaste natural com a exibição. Usando
lâmpadas queimadas, que enchia com água para servir de lente, projetava as películas num
lençol fixado à parede. A essa inventiva, ele atribuiu sua “vocação para a pintura mural”125
.
Foi naquele ambiente, a rua João Pessoa, do bairro Cidade Alta, considerado o centro
efervescente da vida cultural da cidade, nos anos 40 e 50, que Dorian espacializou a memória
prefácio único de Câmara Cascudo: “O aprendiz e a canção”, de Luís Carlos Guimarães; “Fábula, fábula”, de
Sanderson Negreiros; “Cais da ausência”, de Deífilo Gurgel; “Imagem virtual”, de Myriam Coeli e Celso da
Silveira; e “O pastor e a flauta”, de Nei Leandro de Castro. 123
Entrevista concedida à autora em 10 ago. 2016. 124
Entrevista concedida à autora em 01 jul. 2016. 125
Entrevista concedida à autora em 10 ago. 2016.
52
dos festejos pelo fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, relembrando as festas dos clubes
dos oficiais americanos: “Eu era adolescente, mas já andava nesses lugares todinhos (risos).
Era delicioso, eles não usavam bebida alcoólica, serviam ponche, chocolate...”126
.
1.4 Criação, experimentação e trabalho: o corpo e a alma da casa-atelier
Em meio às memórias sobre a repercussão do evento bélico no cotidiano da cidade, o
casamento de Zaíra, logo após o final da Guerra, com o dentista carioca Jarbas Freitas, oficial
do Exército, que se encontrava em Natal a serviço do corpo médico das Forças Armadas,
introduziu uma grande mudança na vida da família de Dorian Gray.
Com pouco mais de 18 anos, Zaíra se mudou com o esposo para o Rio de Janeiro,
dividindo um apartamento com os sogros, no bairro de Santa Tereza. A partir dali, Dorian
passaria a ser a companhia constante dos pais:
Minha mãe tinha crises e crises de nervo, chorava muito, sentiu muita falta dela,
porque Zaíra era a princesa da casa não é? Porque Zaíra era muito bonita e havia até
a pilhéria de alguns vizinhos de que minha mãe saía com Zaíra e dizia: „Minha filha
vai sozinha um pouquinho‟, enquanto ela ficava mais atrás pra ouvir os elogios à
minha irmã. E minha irmã realmente era uma miss! Ela era muito bonita! Eu sou um
patinho feio! [...] Ah, mamãe costurava pra ela! Tinha uma admiração por ela
enorme! E mamãe pensava que aquilo ali ia durar muito tempo, mas ela encontrou o
Jarbas [...]. Pediu ela em casamento e se casaram127
.
O casamento da filha resultaria em muitas idas e vindas de Nympha Rabelo entre Natal
e a então capital da República. Em determinada época, Nympha e Dorian, que sempre a
acompanhava, permaneceram tempo suficiente no Rio de Janeiro para que ele perdesse o ano
letivo escolar, recordação que foi narrada por Dorian com certo ressentimento.
No entanto, essa mudança na rotina da família possibilitou a ele conhecer e fazer
contatos num lugar que, até então, constituía um dos principais centros da vida cultural do
país, abrindo novos horizontes ao seu desenvolvimento artístico. “Fui diversas vezes lá com
minha mãe para ver Zaíra, e aí aproveitava, fazia minhas peripécias (risos)”128
.
Como Dorian, Zaíra também se envolveu com arte, no Rio de Janeiro, onde fez cursos
de cerâmica e tapeçaria, atuou com pintura, gravura e escultura. Tornou-se conhecida,
sobretudo, por seu pioneirismo no transfigurativismo, uma técnica de pintura expressionista
que utilizava, em sua composição, materiais orgânicos, como galhos, raízes e cascas de
126
Idem. 127
Entrevista concedida à autora em 03 dez. 2015. 128
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015.
53
árvores, tratados com ácido nítrico e resina129
. Além do Rio, morou em Brasília e Portugal e,
ao que tudo indica, retornou a Natal em meados dos anos 70, onde montou seu próprio atelier,
no bairro Capim Macio, participando de diversas exposições de arte na cidade130
.
A despeito do protagonismo que a artista também exerceu na capital potiguar, Dorian
silenciou em relação a esse assunto. Os elos afetivos que uniam Zaíra e Dorian constituíram
uma incógnita para a construção desta pesquisa, tendo em vista que, em seus depoimentos,
Dorian apresentou versões contraditórias da relação dos dois:
Zaíra me ajudou muito também, porque ela dependia de mim. Ela desenhava bem. E
ela casou nova. Casou no tempo da Guerra e eu sempre me comunicava com ela,
escrevia cartas, orientando-a, artisticamente. Eu concorri muito pra isso‟131
. Eu fui
muito responsável pela ascensão [de Zaíra] como artista, porque ela me escrevia
perguntando as coisas: “O que eu devo fazer?”; e eu ajudava muito ela nessas
coisas132
.
O tema da formação universitária constituiu outra pauta conflitante nas narrativas da
história oral de vida de Dorian Gray. Dois de seus maiores amigos tiveram a oportunidade de
estudar fora de Natal: os poetas Walflan de Queirós e Luís Carlos Guimarães cursaram a
Faculdade de Direito, respectivamente, em Recife e João Pessoa. A pretensão de Dorian Gray,
no entanto, era aperfeiçoar seu potencial artístico. Se por um lado, parece ter havido alguns
condicionantes que impossibilitaram o alcance desse objetivo, por outro, a universidade pode
não ter estado entre suas prioridades.
A única virtude que eu tenho é ter lido muito, porque eu fui muito relapso como
estudante. Eu não fiz o curso superior, mas, hoje, eu não sei se a culpa foi minha ou
se foi problema conjuntural. Meu pai perdeu o emprego, depois de 40 anos de
trabalho. Eles transferiram meu pai pra Recife, ele não tinha nenhum interesse de
ficar lá. Tinha negócios aqui. Aí eu fiquei sem condições de estudar fora de Natal.
Natal não tinha faculdade. Então essas coisas atrapalham133
. A verdade é que eu
queria ir pra Escola de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Mas minha mãe tinha
problemas de saúde e era muito ligada à minha irmã. E ela usava meu ombro pra
chorar. E ela me dava muito trabalho, nesse sentido, porque ficou muito carente
quando Zaíra casou. Porque minha mãe adorava Zaíra. E meu pai também134
.
129
CLEMENTE, David. Transfigurativismo: em busca da consciência mais profunda. Preá - Revista de Cultura
do Rio Grande do Norte, Natal, ano III, n.11, mar./abr. 2005, p.14-16. BENIGNO, Edson. Transfigurativismo
como o novo na arte potiguar. Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte, Nós do RN (Suplemento
Literário), Natal, ano I, n.8, p.13, jul. 2005. A ARTISTA do imponderável. Formas – Arquitetura Potiguar,
Natal, ano 10, n. 138, p.20-23, jun. 2012. Disponível em:
<https://issuu.com/revistaformas/docs/formas_138/22>. Acesso em 26 nov. 2016. 130
Pesquisa feita no acervo eletrônico do Diário de Natal (1957-1989) na Hemeroteca Digital da Biblioteca
Nacional. Disponível em: <http://memoria.bn.br/>. 131
Entrevista concedida à autora em 18 set. 2014. 132
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015. 133
Entrevista concedida à autora em 18 set. 2014. 134
Entrevista concedida à autora em 10 ago. 2016.
54
A propósito da ausência desse aprendizado formal na arte, Dorian Gray deixou
transparecer uma mágoa em relação ao ex-governador Dinarte Mariz, num episódio que
envolveu o sociólogo Gilberto Freyre, quando este veio a Natal lançar o livro “Ordem e
Progresso”. Segundo Dorian, o lançamento ocorreu na antiga Livraria Universitária, na
Avenida Rio Branco, no centro de Natal, pertencente ao livreiro Walter Pereira, e a saudação
ao autor foi feita por Câmara Cascudo. É possível que o evento narrado tenha acontecido no
início dos anos 60, uma vez que a obra de Gilberto Freyre foi publicada em 1957, e a referida
livraria, inaugurada em janeiro de 1959135
.
Conforme sua narrativa, em atenção ao livreiro, Dorian ornamentou a vitrine do ponto
comercial com um painel alusivo à obra “Casa Grande & Senzala”. Após o evento, na
recepção oferecida ao intelectual, Freyre teria intercedido por ele junto ao governador,
sugerindo enviá-lo à Itália para que ele desenvolvesse seu potencial de muralista,
recomendação ignorada pelo político. Dorian silenciou quanto à pessoa que intercedeu por ele
junto a Freyre, mas suponho que possa ter sido o próprio Cascudo: “Gilberto Freyre sempre
ajudou os artistas; no Recife mesmo, ele ajudou” 136
.
Se esses fatores conjunturais citados – primeiro, a dependência emocional de Nympha
Rabelo e, depois, a perda de status econômico de Elói Caldas, ainda que momentânea -,
afetaram intimamente Dorian Gray, num certo momento da vida dele, fazendo-o permanecer
ao lado dos pais, por outro lado, propiciaram um ambiente para que ele pudesse se lançar de
corpo e alma à criação artística.
Assim, no final dos anos quarenta, Elói Caldas construía sua primeira casa própria numa
área de intensa valorização fundiária, situada na rua Ana Nery, em Petrópolis, bairro que
surgiu em 1947 com o desmembramento de Cidade Nova, dividido em Petrópolis e Tirol.
“Papai era o contador da firma Alves de Brito, que dava gratificações de fim de ano aos seus
empregados; ele recebia essa gratificação e não tocava nela, porque já tinha a ideia de
construir uma casa dele”137
. O próprio Dorian Gray teria participado da fiscalização da obra, a
pedido do pai. “Essa casa precede os anos cinquenta. Quando eu fiz a primeira exposição de
arte nós já estávamos aqui”138
.
Vendido como lugar de “morar bem”, os anúncios de imóveis da época buscavam
conferir “marcas de distinção social ao bairro”, que vinha recebendo investimentos materiais e
135
WODEN Madruga informa e comenta em sociedade. Diário de Natal, Natal, p.5, 10 jan. 1959. 136
Entrevista concedida à autora em 15 out. 2015. 137
Idem. 138
Entrevista concedida à autora em 10 ago. 2016.
55
simbólicos, como a finalização da Avenida Circular, que visava desenvolver o turismo nas
praias próximas a Petrópolis e conferir visibilidade às praias do Meio e de Areia Preta139
.
Como se pode perceber por alguns relatos jornalísticos, o apoio de Elói Caldas e
Nympha Rabelo de fato implicou na transformação, paulatina, do ambiente familiar num
lugar de criação e de experimentação artística para Dorian Gray, numa casa-atelier, no sentido
concreto da expressão, espaço que passaria a ser visto como um importante referencial na
cidade.
Em 1952, um repórter da Revista de Letras, em visita a Dorian Gray, escreveria: “Uma
bela vivenda, com um mural e vários quadros pelas paredes e encostados no atelier do
artista”140
. Três anos depois, em 1955, ao fazer-lhe uma visita para sondar o que Dorian Gray
estaria preparando para uma exposição, o repórter d‟O Poti, encontrou-o em “plena atividade
[...] pintando na sala de jantar de sua casa, tendo no chão inúmeros de seus quadros”141
.
Em seus relatos de memória, Dorian silenciou quanto aos propósitos do pai ou da mãe
em relação ao seu futuro ou carreira profissional. Mas, pode-se imaginar que, dadas as
circunstâncias citadas, eles preferiram apoiá-lo em suas escolhas individuais. Isso devia
significar, por exemplo, dar-lhe o respaldo, até financeiro, para ele se dedicar à pintura, até
que esse ofício pudesse viabilizar sua independência econômica. Segundo ele próprio admitiu,
a conquista de mercado para sua arte demorou a chegar. “Acho que uns dez anos depois é que
as pessoas começaram a comprar minhas marinas. Elas despertaram muito interesse pela
beleza do trabalho”142
.
A partir dos anos cinquenta, portanto, depois da estreia no I Salão de Arte Moderna de
Natal, Dorian Gray tomaria a centralidade dessa casa-atelier, na qual iria materializar grande
parte de sua produção artística com a ajuda da família, como mostrarei adiante.
139
SILVA, Aldenise Regina Lira da. O bairro de Petrópolis e a disputas pelo espaço urbano. p46-64. In: ______.
Da Casa de Detenção à Colônia Penal “Doutor João Chaves”: O processo de afastamento da prisão em relação
ao espaço urbano da cidade de Natal (1940-1975). Dissertação (Mestrado em História – UFRN). Natal, 2015. 140
DORIAN fala à Revista de Letras. Revista de Letras, Natal, out. 1952. 141
MELO, Veríssimo de. Dorian Gray na próxima Exposição de Arte Moderna. O Poti, Natal, 16 jan. 1955. 142
Entrevista concedida à autora em 01 out. 2015.
56
2 A ARTE DE DORIAN GRAY: ENTRE A TRADIÇÃO E O MODERNO
A relação de Dorian Gray Caldas com a arte foi intensa e se expressou em diversas
modalidades, desde o desenho, a pintura de cavalete em variadas técnicas e estilos, a
cerâmica, a escultura, a pintura-mural, o painel, o mosaico, a gravura e a tapeçaria.
Do ponto de vista temporal é possível afirmar que foi no período de 1950 a 2008 que
Dorian Gray consolidou essa variada produção artística no seio da sociedade natalense.
Entretanto, optei por restringir minha análise sobre a sua trajetória de vida ao período
compreendido entre os anos de 1950, quando ele foi apresentado como artista para a cidade
do Natal, e 1989, momento em que consolidou a ideia de uma arte potiguar com a publicação
do livro “Artes Plásticas do Rio Grande do Norte”.
A inserção de Dorian Gray como artista respeitado pela sociedade natalense foi iniciada
com a sua participação no I Salão de Arte Moderna143
, em 1950, que se tratava de uma
exposição de desenho e pintura do próprio Dorian, de Newton Navarro e Ivon Rodrigues. Na
abertura deste Salão, realizado na sede da Cruz Vermelha, em Natal, com breve discurso do
jovem intelectual Lenine Pinto, Navarro avisou aos presentes que os trabalhos ali expostos
representavam “o melhor do esforço de três moços que entendiam, como Van Gogh, que
deveriam pintar o que viam, e não o que os outros veem. Daí não se preocupar, nenhum deles,
com o que iriam dizer dos quadros leigos e derrotistas”144
.
Partindo dessa informação é possível observar que a arte de Dorian Gray chegou à
sociedade a partir de parcerias com outros intelectuais145
. Newton Navarro e Lenine Pinto,
naquele período, eram muito jovens. Newton ingressara no mundo artístico havia pouco
tempo e Lenine começava a escrever os seus primeiros livros.
São poucas as informações sobre as repercussões específicas do Salão de Arte Moderna
de 1950. Entretanto, a partir desse evento percebe-se a inserção definitiva de Dorian Gray e de
suas produções nos noticiários da cidade, que se torna mais evidente quando se identifica uma
série de acontecimentos que contam com esse artista como personagem principal.
143
Posteriormente, Dorian informou que, na verdade, houve um equívoco na divulgação do evento ao denominá-
lo de II Salão. Isso porque se tratava do primeiro salão. Portanto, na realização do próximo evento similar, foi
mantida a denominação II Salão. Existiram dois eventos com o nome II Salão. O de 1950 foi o primeiro deles. 144
MELO, Veríssimo de. II Salão de Arte Moderna. A República, 12 mar. 1950 145
A propósito do ciclo intelectual em Natal, confira: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/nilson-
patriota/71489>.
57
Neste capítulo discutirei a produção artística de Dorian Gray no período já demarcado;
demonstrarei as redes de sociabilidade por ele construídas, destacando sua participação na
construção de uma modernidade artística natalense; analisarei sua condição de produtor
cultural, enfatizando, por um lado, as atividades desenvolvidas como proprietário de
galeria/atelier de arte e, por outro, as ações realizadas junto ao poder público, dentre as quais,
a direção do Museu de Arte e História, órgão vinculado à Fundação José Augusto.
2.1 A inserção na modernidade e o grupo dos “novos”
No capítulo precedente, discuti como Dorian Gray Caldas fundamentou a explicação do
seu envolvimento com a arte na ideia de uma tradição artística familiar de origem acadêmica,
representada pelas figuras da mãe, Nympha Rabelo, e do tio, Moura Rabello. Entretanto,
percebo que Dorian Gray não se limitou a reproduzir essa tradição, posto que ele próprio se
apresentou como um dos precursores de uma modernidade artística em Natal. Nesse sentido,
indago: o que seria essa modernidade artística reivindicada por Dorian? Que condições
favoreceram o seu ingresso na ordem estética dessa modernidade?
Em diversos momentos de suas narrativas, Dorian se referiu à sua condição de precursor
de uma modernidade artística em Natal, e todas as vezes que expressou sua vinculação à
modernidade, deixou claro que seus primeiros contatos com a arte moderna vieram a partir de
revistas ilustradas, produzidas na França, e que lhe eram cedidas pelo seu amigo Geraldo
Carvalho, um funcionário dos Correios e Telégrafos de Natal que escrevia contos e editava
uma revista literária. Segundo Dorian, Geraldo Carvalho foi um dos primeiros intelectuais a
estimulá-lo para que ele articulasse sua produção artística às ideias modernas vigentes nos
grandes centros europeus, fornecendo-lhe, para tanto, materiais ilustrados sobre as escolas
artísticas da modernidade e seus principais representantes. Segundo Dorian, esses materiais
lhe deram “acesso à parte figurativa de grandes pintores, como Monet, Manet, Cezanne,
Modigliani, e ao que havia de impressionismo e um pouco de abstração”146
.
Apesar de Dorian se referir a esses empréstimos feitos por Geraldo Carvalho, há
indícios de que na década de 1950, em Natal, também circulavam revistas de gerações de
modernistas que despontaram no Brasil, sobretudo, depois da Segunda Guerra. Esses indícios
podem ser encontrados na própria narrativa de Dorian, ao justificar o surgimento da Revista
de Letras, dirigida por Geraldo Carvalho, que abriu espaço para as suas ilustrações. Segundo
146
Entrevista concedida à autora em 30 jul. 2014.
58
Dorian, esse título surgiu em Natal numa época em que “muitas revistas apareceram no Brasil
trazendo a linguagem da modernidade, como „Joaquim‟, „Branca‟ e „Leitura‟”147
.
De acordo com o Dicionário da Imprensa Norte-rio-grandense (1908-1987), de autoria
do pesquisador Manoel Rodrigues de Melo, o primeiro número da Revista de Letras circulou
em agosto de 1951, com 20 páginas, e o segundo, em julho de 1952, com 24 páginas. Dorian
Gray foi citado como ilustrador da segunda edição, ao lado de Newton Navarro e José
Aurino148
. Além desses dois números, houve, pelo menos, mais uma edição – a de outubro de
1952, que publicou uma entrevista com Dorian Gray, cujo recorte ele conservou em seu
acervo pessoal.
Em 1953, a Revista Sul, editada pelo Círculo de Arte Moderna de Florianópolis, e que
tinha como correspondente, em Natal, o secretário da Revista de Letras, Aluízio Furtado de
Mendonça149
, se referiu a esta publicação como o “órgão dos novos do Rio Grande do Norte”,
anunciando, porém, o fim de suas atividades, em função da saída dos dois principais editores,
que estavam de mudança da cidade150
. A despeito dessa notícia, a publicação ressurgiu em
nova fase em 1956, sob a direção do escritor Deífilo Gurgel, apresentando os mesmos
colaboradores, aos quais se uniram os poetas Sanderson Negreiros e Augusto Severo Neto151
.
Assim, apesar da periodicidade instável, pode-se afirmar que a publicação conferiu a Dorian
Gray uma identidade de grupo, além de inseri-lo num extenso círculo de sociabilidade, com o
qual estabeleceu uma rede de alianças perene. Além de Geraldo Carvalho, Aluízio Furtado,
Deífilo Gurgel, Dorian e Navarro, a Revista de Letras recebia contribuições de diversos
intelectuais, a maioria, poetas, escritores e cronistas da imprensa local, entre eles: Zila
Mamede, Myriam Coeli de Araújo, Luís Carlos Guimarães, Luiz Rabelo, Wilson Jovino de
Oliveira, Nilson Patriota, Lenine Pinto e Veríssimo de Melo152
.
Dentre esses sujeitos, Newton Navarro representou uma figura-chave na constituição do
artista Dorian Gray e de sua trajetória artística, uma vez que ambos firmaram círculos sociais
147
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 148
MELO, Manoel Rodrigues de. Dicionário da Imprensa no Rio Grande do Norte: 1909-1987. (Coleção
Documentos Potiguares; 3). Natal: Fundação José Augusto; São Paulo: Cortez Editora, 1987. 149
Contista, estreou em 1951 com o livro “O silêncio das horas”. Era irmão do renomado intelectual natalense,
Alvamar Furtado de Mendonça. Cf. <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/alua-zio-furtado/342418>.
Acesso em: 01 ago. 2016. 150
CESSOU suas atividades a Revista de Letras. Revista Sul, Florianópolis, 20 ago. 1953. p.58. 151
REVISTA de Letra. O Poti, 16 maio 1956. Não consegui informações sobre periocidade, nem acerca do
período em que ela teria sido publicada. 152
Segundo o Dicionário da Imprensa citado, entre 1940 e 1960 circularam em Natal cerca de 130 publicações,
com periodicidade irregular, que afirmavam praticar um jornalismo noticioso, literário, estudantil, sindical,
partidário ou religioso. Nesse inventário, encontrei Dorian atuando como ilustrador do semanário lítero-cultural
“Expressão”, dirigido pelo estudante da Faculdade de Direito, Ticiano Duarte, que circularia com, pelo menos,
três números, entre 1948 e 1949.
59
comuns, compartilharam o meio artístico e literário natalense e circularam no mesmo
ambiente profissional. Por essa razão, Navarro esteve presente em muitas narrativas da
história oral de vida de Dorian Gray, de quem afirmou ter se aproximado153
após a
repercussão obtida por aquele pintor em sua primeira exposição de desenho e pintura
moderna, aberta em 28 de dezembro de 1948, na antiga Sorveteria Cruzeiro, no centro de
Natal. Naquela ocasião, o acadêmico de Direito, Grimaldi Ribeiro154
, que era primo de
Newton e seu colega na Faculdade de Direito do Recife, discursou sobre essa mostra de arte,
argumentando tratar-se do “acontecimento artístico de maior significação” do ano na cidade,
quando tudo indicava que Natal ainda estaria à espera de “sua fase modernista, enquanto na
maioria das regiões do país”, já se ia “superando 1922”, numa referência à Semana de Arte
Moderna de São Paulo155
.
Durante sua estada na capital pernambucana, Navarro frequentou cursos ministrados
pelo atelier de pintura de Lula Cardoso Ayres, integrando-se a um grupo de artistas que
incluía nomes como Cícero Dias, Aluízio Magalhães, Augusto Rodrigues e Hélio Feijó156
,
que eram ligados ao movimento modernista-regionalista-tradicionalista, liderado pelo
sociólogo Gilberto Freyre, e que, na década de 1920, buscou encontrar no passado as “raízes”
de uma cultura regional nordestina, do que resultaria a construção da ideia de Nordeste como
região dotada de uma identidade espacial157
.
Ao que tudo indica, até a exposição de Navarro, em 1948, não havia uma relação de
proximidade entre ele e Dorian. Apesar da pouca diferença de idade – Navarro era dois anos
mais velho, seus percursos escolares não se cruzaram nem no ensino secundário, a despeito de
ambos terem cursado o Atheneu Norte-rio-grandense. Antes disso, Dorian frequentara o
Ginásio Sete de Setembro e Newton, o Colégio Marista. Dorian Gray não esclareceu o modo
pelo qual eles estreitaram seus vínculos pessoais, mas seu contato inicial com o pintor teve
como propósito submeter à sua apreciação um quadro representando o poeta Murilo Mendes,
que pintou em tons de verde, de modo a se assemelhar muito “com as coisas da geração
153
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 154
Iniciou carreira política na militância estudantil. Foi secretário de Estado da Educação e Cultura nos governos
Dinarte Mariz e Aluízio Alves. Cf. NAVARRO, Jurandyr. Rio Grande do Norte: oradores (1889-2000):
biografia e antologia. 2 ed. Natal: Departamento Estadual de Imprensa, 2004. p.291-292. 155
PAIVA, Grimaldi Ribeiro de. Discurso em saudação ao pintor Newton Navarro, na sua primeira exposição de
pintura em Natal, ocorrida no dia 28 de dezembro de 1948, publicado no Jornal “O Estudante”. In: NAVARRO,
Jurandyr. Op. cit., p.293. 156
GARCIA, Wesley. A cidade de todo dia: relatos e percursos urbanos na capital potiguar de meados do século
XX. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2015. 157
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife: FJN, Ed.
Massangana; São Paulo: Cortez, 1999.
60
modernista”158
. Segundo Dorian, teria sido nesse momento que surgiu o convite de Navarro
para que eles fizessem sua primeira exposição conjunta.
Ao contrário da ênfase que conferiu às revistas ilustradas de procedência francesa, as
quais atribuiu seu contato com a modernidade artística, Dorian Gray secundarizou a estreia de
Newton Navarro em Natal. A referência à sua exposição de desenho e pintura moderna na
Sorveteria Cruzeiro apareceu de forma atenuada na história oral de vida de Dorian, ao
considerar o Salão de Arte Moderna de 1950, no qual ele próprio estreou, como o momento
inaugural da modernidade artística natalense, reivindicando seu lugar de precursor no
movimento modernista local. “Quando eu, Navarro e Ivon fizemos a exposição dos anos 50
despertou na mídia curiosidade, porque nunca se tinha visto trabalhos daquele estilo”159
.
O I Salão de Arte Moderna de Natal, inaugurado em 04 de março, na sede da Cruz
Vermelha, centro da capital potiguar, foi noticiado pelo jornal A República em nota publicada
na véspera da sua instalação, e em crônica assinada por Veríssimo de Melo, uma semana
depois da abertura, ambas na primeira página do periódico, o que demonstra a simpatia do
veículo e de seus editores para com a iniciativa, reputada, sobretudo, à pessoa de Newton,
que, à época, já colaborava como cronista desse veículo. Na nota, o redator afirmava que o
salão teria duas seções: óleo e carvão. Navarro apresentaria 3 quadros a óleo e 9 estudos a
carvão; Dorian, 14 trabalhos a carvão e dois a nanquim; e Ivon, 19 quadros. A exposição seria
aberta solenemente às 17h30, com a “presença de altas autoridades, intelectuais, jornalistas e
pessoas convidadas, sendo franqueada ao público durante toda a semana160
”. Na crônica
publicada no domingo seguinte, Veríssimo de Melo nomeava e comentava boa parte dos
quadros de Navarro em detrimento dos trabalhos dos demais. Sua apreciação acerca do
“novo” estilo trazido pelos pintores se assentava muito mais no elogio e encorajamento, do
que na crítica, na surpresa ou no assombro causados pela natureza dos quadros expostos.
Newton Navarro expôs dez quadros magníficos. “Mulher lendo”, “Girassóis” e
“Lua” são lindas composições, através das quais o artista mostra que sabe dominar
várias técnicas. Se no primeiro dá uma amostra do que pode fazer como pintura
abstrata, nos dois outros citados oferece duas telas de forte inspiração vangoguiana.
Dos estudos recentes de Newton, destacamos pela sua ternura e simplicidade
comovente “Tarde de chuva”, “Circo no interior” e “Pensão Noturna”. Os trabalhos
de Ivon Rodrigues, feitos a lápis comum e em papel visivelmente impróprio,
revelam todavia o artista poderoso que ele é, de estilo inconfundível. Uma
curiosidade na arte de Ivon é a semelhança de suas figuras, na maioria dos quadros,
parecendo que todas elas são irmãs, pela afinidade de traços e fisionomias. [...]
Dorian é o mais moço de todos eles e nos parece o mais avançado para o
158
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 159
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 160
INSTALAÇÃO do II Salão de Arte Moderna. A República, 03 mar. 1950.
61
abstracionismo. Olhando algumas de suas composições e comparando-as com
Portinari, temos a impressão que o famoso pintor moderno brasileiro, diante de
Dorian Gray, é o mais acadêmico dos artistas. Entretanto, algumas de suas telas são
impressionantes pelos motivos audaciosos que focaliza, como “O enforcado”, que
mereceu aplausos gerais, e também aquela esplêndida cópia de Van Gogh. [...] O
que é preciso é que o povo não se furte de apreciar uma pintura inteiramente nova,
que fala sempre mais ao espírito que aos olhos, mas que tem a virtude igualmente de
agradar, pelas suas linhas e colorido, a qualquer pessoa compreensiva e arejada161
.
Na condição de assíduo colaborador da imprensa diária natalense, repórter de campo,
cobrindo os diversos acontecimentos sociais da cidade, Veríssimo de Melo representou uma
espécie de mediador entre os artistas e o público apreciador das obras de arte exibidas nos
salões e nas exposições de Natal. No texto transcrito acima, percebe-se seu esforço em tentar
“traduzir” o jogo de formas, linhas e cores que compunha, a seu ver, uma “pintura
inteiramente nova”. Esse intelectual, que, nos anos 50, se afirmava como etnógrafo, se tornou
amigo e entusiasta da arte de Dorian Gray, e, nessa condição, um dos principais produtores
das imagens que circularam na imprensa local acerca do artista e sua obra, na década citada.
Ao noticiar o I Salão de Arte Moderna, Veríssimo acentuou a tendência de Dorian para
a pintura abstrata (não representacional), vertente que o pintor exploraria a vida toda em suas
marinhas, mas que, nos primeiros anos de sua vida artística, constituiu uma tensão frente ao
apelo da figuração (que representa figuras concretas e reconhecíveis). “Eu não tinha como
fazer uma pintura figurativa, que pudesse competir com Navarro ou com o que estava se
fazendo em pintura dos impressionistas. Eu tinha um know-how pra pintura clássica! Então,
na minha primeira exposição, eu fiz lunares. Totalmente abstrato!”162
(Imagem 7).
Em suas narrativas, Dorian Gray admitiu uma condição pessoal adversa, que, segundo
ele, residia na dificuldade em criar tipos humanos, além da necessidade de adaptar seu
desenho realista à linguagem moderna. “Uma coisa que eu percebi logo era que o desenho
modernista tinha deformações. E além disso, os artistas tinham livre arbítrio de fazer o que
quisessem, e na arte clássica não. Veio a arte moderna e começaram a se interessar só pelas
coisas do cotidiano”163
. Frente a esse desafio, sua escolha inicial se direcionou para o lado
extremo da figuração – o abstracionismo, inspirado, sobretudo, em Kandinsky, Paul Klee e
Mondrian, que pautavam suas composições artísticas na total liberdade de expressão, seja
produzindo obras abstratas com motivos geométricos, ou informais, ou seja, sem a
preocupação de representar formas definidas164
.
161
MELO, Veríssimo de. II Salão de Arte Moderna. A República, 12 mar. 1950. 162
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 163
Entrevista concedida à autora em 12 nov. 2015. 164
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015.
62
Imagem 7: Tela “Lunares” (têmpera sobre cartão, 38cmx56cm), Dorian Gray, 1950, acervo do artista
Fonte: CALDAS, Dorian Gray. Todos os planos. Natal: FIERN: Dois A Publicidade, 2000, p.13
Um indício da disposição do jovem Dorian Gray para a arte e de sua pretensão em se
tornar um artista foi o fato de que, em julho de 1952, ele já realizava sua primeira exposição
individual. Era a segunda vez que Dorian submetia suas obras à apreciação pública, que, nessa
oportunidade, ganhou uma parceria institucional: a Revista de Letras, cujo editor, Geraldo
Carvalho, fez o discurso inaugural da exposição, montada num espaço destinado a um
armazém da firma Alves de Brito Tecidos, recém-construído na rua João Pessoa, Cidade Alta,
e que foi cedido por intermédio do pai de Dorian, Elói Caldas. De acordo com as narrativas de
Dorian, naquela ocasião ele expôs dezenas de quadros e o painel “A Viagem”, de cerca de
dois metros de largura. “Foi um evento que levou a cidade de Natal todinha para estar
presente”165
, afirmou o artista, destacando a presença de seus pais, do prefeito, do juiz, de
cantores da Rádio Educadora de Natal e do intelectual Américo de Oliveira Costa.
Entretanto, o apoio da Revista de Letras à arte produzida por Dorian Gray não se
limitou a essa promoção. Três meses após a exposição, a pretexto de entrevistá-lo acerca do
movimento artístico local, o editor do periódico usou a edição de outubro de 1952 para
165
Entrevista concedida à autora em 01 out. 2015.
63
desqualificar uma tradição acadêmica em pintura que ainda persistiria em Natal, com suas
“indefectíveis naturezas mortas e paisagens mal acabadas dos principiantes”, ao mesmo
tempo em que exaltava um grupo de “novos” que estaria atuando “em todos os setores da vida
cultural” da cidade. No plano da arte, em particular, o redator lamentava que o Estado ainda
não houvesse celebrizado filho algum por meio da pintura, dando a entender que Navarro e
Dorian seriam os artistas melhor preparados para concretizar tal anseio. O editor também
criticava a má acolhida dos novos quadros expostos por Dorian Gray na exposição
patrocinada pela revista, “os quais, ainda pelo abstracionismo”, teriam produzido “uma onda
de suspeição contra o pintor”, oriunda “de uma maioria que alegava não entender sua pintura
abstrata”. Ainda segundo o cronista, na quase totalidade das obras apresentadas, “o desespero
e a angústia” se faziam presentes, “numa demonstração de que o artista não procurou fugir”
ao “mundo torturado do pós-Guerra”166
.
Essas considerações, que apontam para o distanciamento entre o público e a obra de
Dorian Gray, sinalizam para uma concepção de arte na qual forma e conteúdo se
subordinavam à subjetividade do seu criador. Nessa perspectiva, pode-se pensar que, no início
de sua carreira, Dorian exercia uma autonomia artística, produzindo uma arte despretensiosa,
com o intuito de satisfazer uma necessidade de ordem interior, um modo de expressão do
individualismo do homem moderno. Entretanto, para conciliar o povo com a pintura moderna,
ele argumentava ao editor da Revista de Letras a necessidade de um salão adequado para
exposições permanentes, ou, ao menos regulares, e uma pinacoteca, elementos que, na sua
visão, viriam “concorrer para uma melhor compreensão dos problemas atuais da pintura”167
.
Questionado acerca do panorama da arte local, Dorian admitia a falta de certo número
de artistas que pudesse consolidar um movimento modernista em Natal, embora se mostrasse
confiante: “O que eu, Ivon e Newton realizamos em 1950 não passou de uma tentativa. Valeu
o esforço, pois germinou a semente”168
.
A partir das informações dessa entrevista, concedida em 1952, foi possível constatar,
também, que, naquele momento, Dorian Gray já se lançara à experimentação de outras formas
de expressão artística, além do desenho e da pintura. Acabara de produzir uma pintura-mural
para a sede do Conjunto Teatral Potiguar, coordenado pelo teatrólogo Sandoval Wanderley;
estaria testando a arte xilográfica e pretendia incursionar no terreno da escultura, além de
cultivar seu potencial literário.
166
DORIAN GRAY fala à “Revista de Letras”. Revista de Letras, Natal, out./1952. Grifos da fonte. 167
Idem. 168
DORIAN GRAY fala à “Revista de Letras”. Revista de Letras, Natal, out. 1952.
64
Entre 1952 e 1954, as lacunas na documentação não permitiram acompanhar sua
produção artística, no entanto, há indícios de que, nesse intervalo, Dorian Gray fortalecia seus
laços com os demais membros do grupo dos “novos”, que compunham a referida Revista.
Assim, é provável que sua inserção nesse meio literário exerceu certa pressão ou incentivo
sobre o artista para que ele também viesse a desenvolver uma produção poética, como de fato
se observa em janeiro de 1955 com a publicação, no jornal O Poti, recém-fundado, de dois
poemas de sua autoria que iriam integrar o livro A Viagem169
, cujos originais haviam sido
entregues ao diretor do Departamento Estadual de Imprensa, Antonio Pinto de Medeiros. Esse
intelectual, que fora seu professor de literatura no Atheneu Norte-rio-grandense170
, havia
regressado, há pouco tempo, aos suplementos literários da cidade, assumindo, n‟O Poti, a
página “Domingo Literário” e sua famosa coluna “Santo Ofício”171
, na qual escrevia críticas
literárias e noticiava autores estrangeiros modernos, como Anatole France, Victor Hugo e
André Gide. Ele próprio estreara na poesia, em 1949, com o livro “Poeta à-toa”, publicado
pela Imprensa Oficial do Estado172
.
Diante desse quadro, é bastante significativa a emergência, na primeira metade da
década de 50, de uma nova geração de poetas, procedente do grupo da Revista de Letras, que
traziam uma “leve consonância” do ideário moderno em suas poesias, como Luiz Rabelo, em
seu Último Canto (1950), ou que “fincaram características modernas” nas suas produções, tal
era o caso de Zila Mamede, em Rosa de Pedra (1953), tida como o “maior nome da poesia
moderna local”, Newton Navarro, em Subúrbio do silêncio (1953) e O ABC do Cantador
Clarimundo (1955), e Sanderson Negreiros, com O Ritmo da Busca (1956)173
.
Engajado no interior dessa rede de sociabilidade, Dorian Gray se associou a uma serie
de iniciativas protagonizadas por seus membros para renovar as letras potiguares174
, com
atuação destacada no campo da ilustração. Não por acaso, as primeiras publicações ilustradas
com “desenhos evocativos em arte nova”175
desse pintor foram o segundo livro de poemas de
seu tio Luiz Rabelo, Último Canto (1950), editado pela gráfica do Departamento Estadual de
169
DORIAN Gray. Poemas – “Rosto de estátua” e “Tempo do sono”. O Poti, 9 jan. 1955. 170
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 171
MEDEIROS, Antonio Pinto de. O regresso. O Poti, 27 nov. 1954. p.28. 172
CARDOSO, Rejane (Coord.). 400 nomes de Natal. Natal: Prefeitura Municipal, 2000. 173
ALVES. Alexandre. Poesia norte-rio-grandense 1950-2000: à esquina de um país. Revista Desenredos, ano
III, n.9, Teresina, abr.-maio-jun. 2011. Disponível em: < https://www.google.com.br/
desenredos.dominiotemporario.com-_Artigo_-_Alexandre_Alves.pdf > Acesso em: 27 fev. 2016. 174
Com destaque para o 1º Congresso de Poesia de Natal e a 1ª Feira de Livros de autores potiguares. Cf. EM
MAIO o 1º Congresso de Poesia do Natal. A República, 31 jan. 1958. ARAÚJO, Myriam Coeli de. 1ª Feira de
Livros. A República, 16 nov. 1957. 175
ÚLTIMO Canto. A República, Natal, 04 mar. 1950.
65
Imprensa, e o livro de estreia do contista Aluízio Furtado de Mendonça, O silêncio das horas
(1951), impresso numa edição da Revista de Letras, com capa de autoria de Dorian176
.
2.2 Da arte despretensiosa ao compromisso com a formação de uma identidade regional
A segunda metade dos anos cinquenta representou uma etapa muito importante para a
consolidação do nome de Dorian Gray como artista atuante em Natal. Isso porque, nessa
época, ele acolheu um número relativo de trabalhos e protagonizou inúmeras ações em
diferentes setores da vida social natalense, o que o tornou ainda mais conhecido: participou de
três exposições coletivas e realizou duas individuais; foi contratado para ornamentar festas em
clubes e em ruas do centro urbano; recebeu encomendas de pinturas e esculturas e começou a
produzir murais e painéis para edifícios públicos e privados (Anexo III).
Seu reaparecimento ao lado de Newton Navarro no II Salão de Arte Moderna, em março
de 1955, foi muito comemorado pela imprensa local, que criou expectativa em torno desta
exposição produzindo reportagens prévias com os artistas, ao mesmo tempo em que induzia
os meios artístico, intelectual e jornalístico a se fazerem presentes ao evento177
.
Dorian Gray foi personagem principal de duas notícias que antecederam aquela mostra
de arte. Após visitar sua casa-atelier para sondar seus trabalhos, Veríssimo de Melo relatava
que o artista havia feito duas exposições que “não puderam ter o êxito merecido”, frisando,
porém, que, “ultimamente”, ele executara “duas novas series de trabalhos de maior valor”,
que, “certamente” iriam “despertar o interesse do nosso público”178
. Tais obras eram
compostas por “10 quadros sobre marinhas e estudos de barco e outros 10 com temas
regionais e sentimentais”179
que o cronista dissera ter examinado pessoalmente, emitindo,
como se vê, acerca delas, uma valoração mais positiva que a dos trabalhos anteriores, um
modo de legitimar os motivos artísticos que, na sua visão, poderiam vir a constituir a obra
plástica desse artista.
O II Salão de Arte Moderna teve lugar no Centro Social Divina Providência, espaço
construído pela Arquidiocese de Natal numa das esquinas da imensa e ladrilhada Praça Pio X,
no bairro Petrópolis, inaugurada em 1944, em torno da qual circulava uma movimentada 176
LIVROS - O Silêncio das Horas. Sul – Revista do Círculo de Arte Moderna, Florianópolis, ano 5, n.16, jun.
1952. p.82-83. MADRUGA, Woden. Aluízio Furtado. Disponível em:
<http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/alua-zio-furtado/342418>. Acesso em: 01 ago. 2016. 177
MELO, Veríssimo de. Dorian Gray na próxima Exposição de Arte Moderna. O Poti, 16 jan. 1955.; ______.
“Em arte só existem plagiários e revolucionários”. Lembra Newton a frase de Gauguin. O Poti, 30 jan. 1955. 178
MELO, Veríssimo de. Novos quadros de Dorian Gray. O Poti, Natal, 12 jan. 1955. 179
______. Dorian Gray na próxima Exposição de Arte Moderna. O Poti, Natal, 16 jan. 1955.
66
vizinhança: as alunas do Colégio Imaculada Conceição e os frequentadores do Cinema Rio
Grande, o mais novo e tido como um dos mais modernos de Natal, naquela época. O local da
exposição tinha a vantagem, ainda, de se situar próximo à Avenida João Pessoa, que se
conectava ao Grande Ponto, zona de convergência de pessoas e transportes do bairro Cidade
Alta180
, no centro da capital.
De acordo com um folheto datilografado, que elencava os títulos das obras do II Salão,
Dorian Gray apresentou 06 Composições, 05 Marinhas, 03 Paisagens e um Tema de Carnaval,
totalizando 15 obras; Navarro expôs 17 quadros, cujos títulos remetiam tanto ao universo
rural, quanto ao citadino: Fazenda (02), Paisagem (03), Marujos, Barcos, Campo Noturno, De
um tema de Matisse, Pouso, Natureza Morta, No rio, Marinha, Praça (evocação) e Temas
japoneses (03)181
.
Para dar legitimidade ao evento, foram convidados dois dos principais expoentes da
intelectualidade potiguar, ambos ex-professores de Dorian Gray no Atheneu Norte-rio-
grandense: Alvamar Furtado de Mendonça, de História, e Antonio Pinto de Medeiros, de
Literatura. Coube ao primeiro a fala de abertura do Salão, discorrendo acerca da “significação
daquele movimento de arte que vinha enriquecer o patrimônio artístico e cultural de nossa
terra”182
. Antonio Pinto participaria do encerramento, proferindo palestra sobre arte moderna,
enquanto Navarro, “faria uma explanação, justificando sua arte”183
.
Segundo a cobertura midiática, a exposição “se coroou, desde a inauguração, do mais
completo brilhantismo”, atestado pelo livro de presença, no qual constavam as “impressões
das mais representativas figuras da vida cultural da cidade, de elementos de destaque na nossa
sociedade, estudantes” e, enfim, do que se considerava a “nossa mais distinta elite”184
. O
governador Sylvio Pedroza não apenas prestigiou o Salão, como adquiriu uma marinha de
Dorian, e uma aquarela de Navarro, “representando a praia de Areia Preta”185
. Segundo a
memória construída por Dorian Gray, essa mostra foi “uma espécie de constatação” de que
eles haviam “vencido as barreiras que ainda pudesse haver”186
, referindo-se, provavelmente, à
presença da elite e à repercussão midiática, que apontara para uma melhor receptividade de
sua pintura por parte dos visitantes do Salão.
180
A respeito das mudanças nos espaços e nas sociabilidades em Natal entre as décadas de 1940- 1960, ver:
TAVARES, Frederico Luna Augusto. No tempo dos brotos: juventude e diversão em Petrópolis e no Tirol
(1945-1960). Dissertação - UFRN (Mestrado em História). Natal, 2011. 181
Catálogo do II Salão de Arte Moderna. Natal, março de 1955. Pertencente ao acervo de Dorian Gray. 182
INAUGURADA, ontem, a exposição de Newton Navarro e Dorian Gray. O Poti, 10 mar. 1955. 183
HOJE, o encerramento da Semana de Arte Moderna. Diário de Natal, 15 mar. 1955. 184
VISITOU o Governador do Estado o Salão de Arte Moderna. Diário de Natal, 12 mar. 1955. 185
VISITOU o Governador do Estado o Salão de Arte Moderna. Diário de Natal, 12 mar. 1955. 186
Entrevista concedida à autora em 15 out. 2015.
67
A pintura de marinhas (Imagem 8) constituiu uma das principais vertentes do fazer
artístico de Dorian Gray ao longo da carreira. Sua emergência no II Salão de Arte Moderna é
reveladora do despertar da sensibilidade do artista para com a transformação da paisagem
litorânea de Natal, iniciada na gestão do ex-prefeito Sylvio Piza Pedroza (1946-1950), que
promoveu a urbanização das praias situadas próximas ao centro da cidade.
A construção da Avenida Circular constituiu uma das principais obras de modernização
espacial promovidas pelo prefeito, que foi transformada em símbolo da modernidade
natalense por uma série de representações produzidas, entre outros, por dois renomados
eruditos potiguares – Câmara Cascudo e Veríssimo de Melo, que associaram o nome de
Sylvio Pedroza à imagem do administrador jovem, moderno e empreendedor. Inaugurada na
véspera do aniversário da cidade, em 24 de dezembro de 1946, a Avenida contornava o bairro
de Petrópolis, ligando o litoral, desde a Praia do Meio, ao cais do Porto, no bairro das Rocas;
circundava o novo bairro de Santos Reis, e provia o acesso viário ao Forte dos Reis Magos,
ícone da fundação de Natal187
.
Inspirados na visibilidade do mar que a cidade passou a proporcionar aos seus
habitantes, ao abrir a perspectiva do natalense para o litoral, com a construção da Avenida
Circular, Dorian Gray e Newton Navarro passaram a produzir imagens que representavam
Natal com suas paisagens marinhas - dunas, falésias, arrecifes, barcos, peixes, jangadas,
jangadeiros e pescadores, praticando a pintura ao ar livre ao modo dos primeiros pintores
impressionistas europeus. Em depoimento concedido ao Programa Memória Viva188
, da
Televisão Universitária de Natal, em 1982, que, na ocasião, entrevistava o próprio Dorian,
Navarro testemunhou sobre essa prática: “Fomos os primeiros, talvez, a enfrentar beira de
praia em cavalete para procurar a autenticidade da cor marinha”189
. Em suas narrativas para
este trabalho, Dorian Gray, mais uma vez, reivindicou para si a posição de vanguarda: “Eu
pintei muito visitando as praias. De certa maneira, eu influenciei Navarro pra gente pintar um
187
TORQUATO, Arthur Luís de Oliveira. O plantador de cidades e a criação do espaço moderno: a construção
de uma Natal moderna na administração Sylvio Pedroza (1946-1950). Dissertação (Mestrado - História).
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2011. 188
Criado no final dos anos 70, o programa tinha como filosofia apresentar perfis biográficos de personagens que
compõem a “inteligência norte-rio-grandense, através da história contemporânea narrada pelos personagens que
nela tiveram uma participação eminente”. Cf. LYRA, Carlos (Coord.). Memória Viva de Dorian Gray Caldas,
Newton Navarro, Leopoldo Nelson. Natal: EDUFRN, 1998. p.8. 189
LYRA, Carlos (Coord.). Op. cit, 1998. No ano seguinte ao II Salão de Arte Moderna, Navarro realizou uma
exposição de marinhas na Loja Maçônica 21 de Março. Expôs 15 quadros a óleo “executados diretamente em
nossas praias”, entre eles, “Pedras”, “Morro baixo”, “Coqueiral, areia e mar”. Cf. NEWTON Navarro expõe suas
marinhas. A República. 10 jul. 1956.
68
pouco fora de casa, porque Newton criava aqueles personagens dele com muita facilidade, de
maneira muito cômoda, não precisava sair de casa pra pintar”190
.
Imagem 8: Quadro “Marinha” (óleo, 121cmx84cm), Dorian Gray, 1994, acervo do SENAC/RN
Fonte: CALDAS, Dorian Gray. A presença das Artes Plásticas no SESC, SENAC, Federação do Comércio do
Rio Grande do Norte. Natal: SENAC, 1995, p.49
Já me referi, anteriormente, à figura de Câmara Cascudo como um dos responsáveis
pela construção das imagens da Natal moderna do pós-Guerra associadas à administração do
prefeito Sylvio Pedroza. A seguir, apresento um breve relato das implicações trazidas pela
aproximação entre os dois, a fim de facilitar o entendimento da associação que farei, mais
adiante, entre Cascudo e Dorian.
190
Entrevista concedida à autora em 12 nov. 2015. O curioso desse relato é que Navarro era conhecido por
desenhar seus trabalhos até em mesa de bar, dada sua conhecida fama de boêmio. Sua obra pictórica foi marcada
por um forte componente regionalista, destacando-se a presença do homem do sertão, em especial, o vaqueiro e
o cangaceiro. Mas havia também figurantes que representavam personagens de sua vivência nos subúrbios, nas
praias e na zona portuária de Natal, por isso, grande parte deles vivia próxima ao mar, como os pescadores, os
marinheiros, as rendeiras, os meninos, e os animais, como cavalos e cachorros. Cf. ALMEIDA, Ângela. Newton
Navarro: os frutos do amor amadurecem ao sol. Natal: EDUFRN, 2015.
69
A relação entre o político e o intelectual foi marcada por intensas trocas simbólicas, que
resultou na legitimação de Cascudo como historiador oficial da cidade, ao ser incumbido por
Sylvio Pedroza de escrever a “História da Cidade do Natal” (1947), patrocinada pelo poder
público, e produzida a partir da reunião de crônicas desse escritor, publicadas, desde 1939, na
imprensa local – as Actas Diurnas. De sua parte, no livro citado, Cascudo produziu uma
narrativa de modo a legitimar as reformas urbanas empreendidas pelo prefeito – com ênfase
na Avenida Circular, que visava integrar os bairros Ribeira e Cidade Alta às praias e bairros
isolados da capital. Para isso, o pesquisador construiu uma representação espacial da cidade
que opunha espaços tidos por ele como de tradição, e, por isso, entendidos como sinônimo de
organização, a espaços do progresso, associados à desordem e ao crescimento desequilibrado.
Desse modo, os núcleos iniciais de povoação da cidade, Ribeira e Cidade Alta, foram tomados
por Câmara Cascudo como bairros centrais, lugares da memória natalense; Quintas, Rocas e
Alecrim, de idade precoce, e condição social periférica, segundo a cartografia criada por ele,
justificariam, assim, as intervenções modernizantes em curso na cidade. Em resumo, a aliança
consolidada nesse livro cumpriria dois propósitos: instituir a memória do prefeito e sua gestão
na história oficial da cidade e afirmar o nome de Cascudo como a principal referência letrada
do círculo cultural potiguar191
.
Alguns anos depois, quando no exercício do cargo de governador, Sylvio Pedroza
envidou esforços junto ao Ministério da Educação e Cultura (MEC) para possibilitar a
publicação do segundo livro de conteúdo histórico de Cascudo, “História do Rio Grande do
Norte” (1955), embora seus escritos nesse campo, publicados, sobretudo, por meio de artigos
na imprensa diária local, remontassem, pelo menos, à década de 1930192
.
Além desse reconhecimento na esfera local, Cascudo lançou, em 1954, a obra que o
consagraria fora das fronteiras do Estado e que passaria a personificar a própria figura do seu
autor – o Dicionário Brasileiro de Folclore, que reunia as diversas manifestações culturais
(festas, lendas, mitos, rituais, costumes, etc.) que, na sua interpretação, definiriam a
identidade nacional, embora pensando essas expressões da cultura a partir de bases localistas,
fragmentadas em múltiplos recortes espaciais, como os Estados, o sertão e o litoral193
.
191
TORQUATO, Arthur Luís de Oliveira. O plantador de cidades, 2011. 192
LIMA, Bruna Rafaela de. Câmara Cascudo: um historiador. In: ______. Da rede ao altar: vida, ofício e fé de
um historiador potiguar. Dissertação (Mestrado em História) – Unisinos. São Leopoldo, 2009. p.80-126. 193
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz de. Consultando o Cascudo: gêneros textuais, escrita de si e
interpretação do Brasil no Dicionário do Folclore Brasileiro de Luís da Câmara Cascudo. Revista Escrita da
História, ano II, v.2, n.3, ago. 2015. p.17.
70
Em meados da década de 50, portanto, Cascudo já era reconhecido como pesquisador
do passado e das tradições populares194
. Foi nesse momento que o escritor abriu o espaço
privado da sua residência, mais precisamente, a porta da sua biblioteca, para abrigar um
trabalho artístico de Dorian Gray, poucos meses depois do II Salão de Arte Moderna de 1955.
De acordo com a crônica de Veríssimo de Melo sobre o acontecimento, seria a “primeira vez
que uma porta comum” receberia “as atenções de um brilhante pintor moderno”. Segundo ele,
atendendo ao convite do “ilustre historiador da cidade”, o artista escolheria um “tema regional
ao gosto do maior folclorista do Brasil, como vaqueiros e cangaceiros”195
. No final de junho,
o cronista noticiava a inauguração da pintura, que representava a figura de Lampião, como
uma das “maiores obras de arte moderna no Estado” (Imagem 9). Em seu discurso, Cascudo
teceu elogios ao “talento artístico do jovem pintor”, garantindo que o cangaceiro pintado por
ele permaneceria “como uma sentinela de sua biblioteca, mesmo depois de sua morte”196
.
Imagem 9: Fotografia de Dorian Gray e Luís da Câmara Cascudo com a pintura “ O Cangaceiro” ao fundo, na
biblioteca particular do pesquisador, 1955.
Fonte: Acervo de Dorian Gray Caldas
194
Seus primeiros livros ligados ao folclore foram Vaqueiros e Cantadores (1939), Antologia do Folclore
Brasileiro (1944) e Contos tradicionais do Brasil (1946). Cascudo também se dedicou à pesquisa etnográfica,
cujas obras trazem estudos de folclore ou recolhimento de histórias orais, estando marcadas, portanto, pela
interpenetração de temas, como Geografia dos Mitos (1947), Jangada (1957), Jangadeiros (1957) e Rede de
dormir (1959), conforme defende o sociólogo Matheus Silveira Lima. Cf. Percurso intelectual de Luís da
Câmara Cascudo: modernismo, folclore e antropologia. Perspectivas, São Paulo, v.34, p.173-192, jul./dez.2008. 195
MELO, Veríssimo de. Dorian Gray pintará uma porta da casa de Câmara Cascudo. O Poti, 10 jun. 1955. 196
______. Notável realização artística de Dorian Gray. O Poti, Natal, 28 jun. 1955.
71
Ao atentar para as narrativas de Dorian, é possível imaginar a dimensão que o evento
representou para um artista em início de carreira, não só pela visibilidade propiciada pela
mídia, como pelo significado simbólico que aquela encomenda lhe trouxe, no sentido da sua
admissão pública ao círculo social de um indivíduo que constituía, naquele momento, a maior
referência intelectual local. “Eu tinha 25 anos! E Cascudo me fez a maior homenagem
juntando a geração dele todinha para inaugurar essa porta. Ele pediu que eu fizesse um
cangaceiro, que podia ser Lampião ou qualquer um, para guardar a porta da casa dele”197
.
Segundo Dorian, a imagem dessa figura do cangaço como sentinela da biblioteca do
pesquisador guardava uma intenção sarcástica de Cascudo: protegê-la dos amigos a quem
emprestava livros, mas não os devolvia. Essa leitura apresentada pelo artista refletia a ideia de
valentia, defesa da honra e da moral como os traços principais atribuídos ao cangaceiro,
representações que haviam sido analisadas por Cascudo em estudo publicado num dos
capítulos de seu livro, “Vaqueiros e cantadores”, de 1927198
.
Essa encomenda da pintura constituiu, assim, um dos primeiros indícios da influência
que a obra intelectual de Cascudo exerceria sobre as futuras escolhas temáticas do pintor,
embora, numa de suas várias contradições narrativas, Dorian também admitiu ter representado
o personagem por influência de Portinari e de outros pintores que elegeram o tema do
“homem brasileiro” em sua pintura199
.
Ainda a propósito dessa encomenda, de acordo com as narrativas de Dorian, o convite
para pintar a porta da biblioteca, composta por dois lados que se abriam para dentro do
ambiente, fora extensivo ao artista Newton Navarro. A proposta inicial seria representar
Lampião e Maria Bonita. Porém, a tarefa que coube a Navarro – que seria Maria Bonita,
nunca foi concluída, porque o pintor teria preferido fazer a figura de Lampião.
A propósito dessa disputa, não tive como confirmá-la, uma vez que, se houve, de fato,
algum desentendimento nesse sentido, o assunto foi silenciado pela imprensa da época, que
também não mencionou a presença de Navarro na inauguração da porta, tampouco justificou
sua ausência. O que se pode constatar, no entanto, numa visita à antiga residência de Cascudo,
197
Entrevista concedida à autora em 03 dez. 2015. 198
Cf. POTIER, Robson William. O cangaço em verso: Cangaceiros, violência, valentia e honra nas
representações do espaço sertanejo. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26, jul. 2011, São Paulo.
Anais... São Paulo: ANPUH, 2011. 199
Entrevista concedida à autora em 03 dez. 2015.
72
transformada em Instituto Ludovicus200
, é a presença de alguns traços inacabados no lado da
porta que teria correspondido à pintura de Newton Navarro.
Voltando à década de 50, outra evidência da simpatia demonstrada por Cascudo em
relação à arte moderna se verifica ao constatar sua presença na inauguração da segunda
exposição individual de Dorian Gray, da qual participou na condição de orador, ao lado de
outro renomado intelectual da cidade, Antonio Pinto de Medeiros, como também do prefeito
de Natal, Djalma Maranhão (Imagem 10).
Nessa exposição, realizada na Loja Maçônica 21 de Março, Cidade Alta, no final de
1956, além de 14 quadros com “motivos marinhos”, Dorian Gray apresentou os primeiros
resultados de suas experiências estéticas com cerâmica, mostrando 18 peças, e com escultura,
exibindo três peças201
, todas produzidas em sua casa-atelier. Nas palavras entusiásticas do
jornalista Aderbal de França, em sua crônica social sobre o evento, as obras que Dorian
expunha constituíam “sua afeição à terra”, que lhe acompanhava “os passos firmes na estrada
infinita da perfeição e do espírito”. Cascudo e Antonio Pinto, “homens de cultura, talento e
sensibilidade”, também exaltaram o valor dos trabalhos, segundo o cronista, e o fizeram com
“entusiasmo, sentimento e crítica”202
.
O interesse de Dorian Gray em desenvolver a arte cerâmica e escultórica em meados
dos anos 50 pode ser associado a outro momento modernizante em Natal, que se manifestava
na apropriação do ideário modernista pela arquitetura e sua integração com outras formas de
expressão artística, bem como na emergência das sensibilidades de uma elite disposta a
consumir a arte como forma de distinção social.
Nesse sentido, a retomada da parceria entre Dorian Gray e Newton Navarro renderia
frutos para ambos e para a cidade, que veria sua arte se inserir em distintos espaços urbanos.
Dessa forma, coube aos dois pintores a autoria do primeiro painel artístico203
em edifício
público de Natal, num dos mais representativos exemplares da arquitetura moderna
construídos na cidade na década de 1950 - o prédio do Instituto de Pensão e Aposentadoria
dos Servidores do Estado (IPASE), inaugurado em 1955, pelo então presidente da República,
200
Cf. http://www.cascudo.org.br/. 201
MELO, Veríssimo de. Exposição de cerâmica, escultura e pintura de Dorian Gray. O Poti, 27 nov. 1956. 202
DANILO. Exposição Dorian Gray. O Poti, Crônica Social, 17 dez. 1956. 203
Designa qualquer pintura feita sobre tela (tapeçaria), tábua ou parede (mural e mosaico). Na arquitetura, no
entanto, é usado para designar a grande superfície decorada, que pode ser de pastilhas, mosaicos, porcelana ou
cerâmica. In: Dicionário de Arquitetura Brasileira, Lemos e Corona, 1972, apud RIBEIRO, Isaías da Silva.
Murais modernos de Newton Navarro e Dorian Gray. Dissertação (Arquitetura e Urbanismo – UFRN). Natal,
2011. p.61.
73
o potiguar João Café Filho, situado na Avenida Esplanada Silva Jardim, no bairro da
Ribeira204
.
Imagem 10: Cascudo, Dorian e o prefeito Djalma Maranhão na segunda exposição individual do artista, 1956
Fonte: Acervo de Dorian Gray Caldas
O painel-mosaico, produzido com peças em cerâmica, e que ainda se mantém,
relativamente bem conservado, na fachada do edifício, mede 2,25m por 1,90m, e abrange
quase dois terços da parede a ele destinada (Imagem 11). A obra de arte ficou pronta em
março de 1956, portanto, no ano seguinte à inauguração do prédio, cujo conteúdo
simbolizava, segundo a imprensa, a função exercida pelo IPASE no país, “aproveitando-se
cores e temas regionais”205
. Por não dispor de fontes sobre a contratação do serviço, suponho
que a indicação de Dorian e Navarro para a execução desse trabalho tenha partido de Grimaldi
204
Os primeiros exemplares da arquitetura de linhas modernizantes em Natal foram construídos na Ribeira entre
1930/1955. O prédio do IPASE é de autoria do arquiteto carioca Raphael Galvão Júnior, com influência da
Escola Carioca, liderada por Lúcio Costa. Consultar: PEREIRA, Marizo Vitor et al. Edifício do IPASE, em
Natal/RN: o “mais moderno da cidade”, em 1955. 8º Seminário DOCOMOMO Brasil (Documentação e
Conservação do Movimento Moderno), Rio de Janeiro, 2009. Disponível em: <
http://www.docomomo.org.br/seminario%208%20pdfs/099.pdf>. Acesso 05 jun. 2016. 205
PAINEL de Newton Navarro e Dorian Gray para o IPASE já está pronto. O Poti, 14 mar. 1956.
74
Ribeiro de Paiva, primo de Newton, que, após chefiar o Serviço Parlamentar da Presidência
da República, e, em seguida, assessorar o Ministério da Educação e Cultura durante o
Governo Vargas (1951-54), tornou-se procurador do IPASE, em 1956.206
Imagem 11: Painel-mosaico na fachada do prédio do IPASE, na Ribeira, Navarro e Dorian, 1956
Fonte: Fotografia da autora, 2017.
Como pude verificar numa visita ao prédio do IPASE, do lado oposto às assinaturas dos
artistas, há duas iniciais registradas no painel – E.L e J.M.D – que poderiam ser dos nomes
dos artesãos ou das empresas que, efetivamente, produziram o mosaico, do que se deduz que
Navarro e Dorian podem ter atuado apenas na concepção artística desse trabalho, enquanto
sua execução fora terceirizada.
Embora eu não disponha de mais informações acerca das circunstâncias que levaram os
artistas à escolha do tema, da técnica e das condições concretas para confecção do mosaico,
imagino que Dorian Gray viu essa experiência como uma oportunidade a mais de obter
inserção para sua arte na cidade. Esta hipótese justificaria sua decisão de frequentar, no Rio de
Janeiro, em meados daquele mesmo ano, a oficina de cerâmica de um artista japonês por
206
Verificar verbete, em: <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/grimaldi-ribeiro-de-
paiva>. Acesso 07 fev. 2017.
75
nome Tanaka. Segundo suas narrativas, sua mãe, Nympha Rabelo, e sua irmã, Zaíra Caldas, já
haviam feito um curso no atelier do ceramista, fato que despertou seu interesse.
Ao retornar a Natal, Dorian estudou o processo de fabricação de cerâmica e montou
uma oficina própria, no quintal de casa, construindo um forno em duas plataformas com a
ajuda do ceramista Antônio Soares, que mantinha uma produção artesanal em Santo Antônio
do Potengi, então, distrito de São Gonçalo do Amarante/RN. Na década de 50, este destacado
artesão criou uma espécie de moringa, de barro branco e gargalo estreito, em forma de galo,
ornado com flores em baixo relevo, que foi escolhido como símbolo do folclore potiguar pela
gestão do prefeito Djalma Maranhão207
.
Depois de montar sua própria oficina de cerâmica, Dorian Gray começou a produzir
peças decorativas e conquistar um segmento social emergente em Natal.
Sempre que eu tinha uma conquista, eu aproveitava aquilo que havia de melhor para
poder criar uma situação, até, economicamente, razoável pra mim. [...] Eu vendi
muita coisa. Cheguei a trabalhar com o arquiteto Arialdo Pinho. [...] E ele era uma
pessoa interessante, porque conhecia bem a arte que se fazia no Recife, porque ele
comprava para decorar as casas, os palacetes que fazia; ele decorava com trabalhos
de Lula Cardoso Ayres208
.
Arialdo Pinho, projetista, ficou conhecido em Natal como um dos profissionais de
maior visibilidade na década de 1950, quando a arquitetura moderna se expandiu para os
bairros de Petrópolis e Tirol, penetrando tanto em edifícios públicos e privados, como na
arquitetura residencial, que constituiu sua principal área de atuação, projetando, por exemplo,
a mansão do empresário Osmundo Faria, na Avenida Hermes da Fonseca, e, pelo menos, mais
quatro exemplares na rua Açu e nas avenidas Deodoro da Fonseca e Prudente de Morais209
.
O espaço ocupado por esses bairros, concebidos, inicialmente, como Cidade Nova,
resultou de diversas intervenções urbanísticas de caráter modernizador, promovidas pelo
poder público, desde o início do século XX, tendo sido apropriado pela população mais
abastada da cidade. Nascidos como um espaço planejado, de natureza eminentemente
residencial, os bairros de Tirol e Petrópolis abrigaram os principais clubes privados de Natal,
erguidos entre 1950 e 1960, além do Aeroclube, que se instalara ali no final dos anos 20210
.
207
BEZERRA, Nilton Xavier. Cerâmica de Santo Antonio do Potengi: entre tradição e modernidade. Dissertação
(Mestrado em Antropologia Social – UFRN). Natal, 2007. 208
Entrevista concedida à autora em 03 dez. 2015. 209
MELO, Alexandra Consulin Seabra de. Yes, nós temos arquitetura moderna: reconstituição e análise da
arquitetura residencial moderna em Natal nas décadas de 50 e 60. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo - UFRN). Natal, 2004. 210
Sobre as distintas formas de sociabilidade da juventude natalense e a consolidação de um mercado de
diversão e entretenimento em Natal no período pós-Segunda Guerra, conferir: TAVARES, Frederico Luna
Augusto. No tempo dos brotos. Op. cit. Natal, 2011.
76
Nesse sentido, os salões de festa do América, Aeroclube, ABC e Santa Cruz Futebol Clube
aderiram à novidade do traço, do colorido, do ritmo e do movimento proporcionada pela arte
de Dorian Gray, um dos artistas mais requisitados para decorar as folias de carnaval, festas
temáticas e concursos de beleza promovidos por esses lugares de sociabilidade, frequentados
por um público seleto e exigente, que demandava, entre outros investimentos, a originalidade
da ornamentação211
.
No tocante à inserção da arquitetura moderna nos espaços domésticos, embora algumas
das luxuosas residências e requintadas mansões construídas na época tenham se reapropriado
de elementos característicos do período colonial, como o terraço e a varanda212
, essa
disseminação trouxe consigo novos valores, gostos e sensibilidades decorrentes das novas
maneiras de morar e receber os visitantes. Dessa forma, alguns proprietários também se
tornariam receptivos à estética da arte moderna. Em crônica escrita em 1959, depois de
comparecer a uma reunião social no palacete do casal Marilda O‟Grady e seu esposo, o “alto
comerciante, João Ferreira de Souza”, a poetisa Palmyra Wanderley213
exaltou as qualidades
da dona da casa e sua arte de recepcionar os convidados, apontando, entre os inúmeros
detalhes observados por ela na mansão da rua Nilo Peçanha, em Petrópolis, a presença de
“quadros modernos” que “assinavam o nome de Dorian Gray, pintor da terra”214
.
O artista Newton Navarro também se beneficiaria da emergência desse segmento de
mercado da arte em Natal, tendo sido contratado para produzir, pelo menos, duas pinturas-
murais em residências localizadas nos bairros Tirol e Petrópolis. Numa delas, na rua Açu, de
propriedade de Aldo Medeiros, genro do governador Dinarte Mariz, cuja inauguração foi
noticiada como “uma das mais modernas e elegantes residências da cidade”, Navarro pintou
“cenas da apanha do algodão”215
. Já na residência pertencente ao projetista Arialdo Pinho,
sobre uma parede de fundo cinza escuro, o artista traçou figuras em branco, representando um
“acampamento de cangaceiros”216
.
Reconhecido como arquiteto em Natal, Arialdo Pinho também se dedicou às artes
plásticas, particularmente, à escultura em cerâmica, com repertório artístico ligado ao
imaginário popular e regional. Além da inserção de seus trabalhos em círculos sociais
211
Dentre as festas ornamentadas por Dorian Gray tiveram destaque o Carnaval de 1955, o “Carnaval
surrealista” (1961) e o “Karnaval dos Kings” (1966), no América; o “Carnaval em Veneza” (1956), no
Aeroclube; a “Festa Cigana” e o “Carnaval das Mil e Uma Noites”, no ABC; além da festa “Sonho de uma noite
de verão”, temática do Concurso Miss Verão (1955), realizado pelo Santa Cruz Futebol Clube. 212
MELO, Alexandra Consulin Seabra de. Yes, nós temos arquitetura moderna. Op. cit., 2004. 213
Precursora do jornalismo feminino no Rio Grande do Norte, lançou a revista Via Láctea, em 1914. 214
WANDERLEY, Palmyra. A dona de casa. Diário de Natal, 25 nov. 1959. 215
MELO, Veríssimo de. Um dia em Natal, A República, Acontecimentos da Cidade, 19 nov. 1957, p.4. 216
______. Excelente painel de Newton Navarro, A República, Acontecimentos da Cidade, 11 jan. 1957, p.6.
77
sofisticados, ele e Dorian Gray tinham outra coisa em comum: a amizade com o escritor
Veríssimo de Melo, que se tornara discípulo de Cascudo nos estudos do folclore e da cultura
popular217
, chegando a presidir a Comissão de Folclore do Rio Grande do Norte218
. Por
ocasião do IV Congresso Médico do Nordeste, sediado por Natal, em 1957, Arialdo se uniu a
Veríssimo para promover uma Exposição de Arte Popular com as peças pertencentes à sua
coleção. Na abertura da mostra, que contara com a presença de Cascudo, Veríssimo dizia aos
visitantes que iriam apreciar “uma pequena mostra da arte popular nordestina do arquiteto que
transformou a paisagem urbana de Natal” e que nas “horas de lazer” produzia “singelas, mas
expressivas manifestações artísticas do povo”219
.
Esse esforço para elevar ao status de arte moderna formas de expressão artística que,
naquele momento, estavam sendo tomadas, nos estudos etnográficos, como representativas da
arte popular, também se configurou na prática de Dorian Gray, bem como sua inclinação pela
figuração regional nas peças decorativas em cerâmica, usadas como suporte para sua pintura.
Essa tendência do artista se depreende por meio de duas crônicas escritas por Newton Navarro
como colaborador do jornal A República. Numa delas, Navarro aludia à imaginação suscitada
pelos objetos dispostos ao seu redor, na obscuridade da casa, no momento em que escrevia o
texto, mencionando o galo de cerâmica que lhe fora presenteado por Dorian: “Penso que ele
vai cantar e acordar toda a sala silenciosa. Mas, felizmente, o Galo se comporta. Recolhe a
crista vermelha sob a asa flamejante de vermelhos e amarelos e adormece”220
. Em outra
ocasião, ao noticiar uma exposição individual de Dorian Gray, em 1958, Newton dizia que se
tratava de “telas fabulosas de mares cinza e azul e, além disso, peças de cerâmica, cheias de
motivos nossos, tão belos os motivos que adornam os jarros, que é indispensável o uso de
flores nos mesmos”221
.
A propósito da exposição de Dorian citada na crônica de Navarro, houve intensa
repercussão na mídia e parece ter sido uma das mais bem sucedidas realizadas pelo artista nos
anos cinquenta, pela receptividade e comercialização das obras. Teve lugar em Petrópolis, na 217
Ao conjunto das práticas e dos procedimentos usados pelos sujeitos dedicados a esses estudos, o historiador
Durval Muniz designou de “fabricação do folclore e da cultura popular” um processo histórico que se
desenvolveu entre as décadas de 1920-1940, e que participou da constituição da identidade regional que
conhecemos como Nordeste. Para ele, nessas práticas, “o elemento folclórico será definido como primitivo,
rústico, ingênuo, por isso mesmo tendo a capacidade de exprimir a verdade, a essência, o espírito de uma dada
cultura, de um dado povo, de uma dada região ou nação” (p.32). ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de.
“O morto vestido para um ato inaugural”: procedimentos e práticas dos estudos de folclore e de cultura popular.
São Paulo: Intermeios, 2013. 218
SOLENEMENTE instalada a Comissão Norte-rio-grandense de Folclore. A República, 04 set. 1956. 219
PROMOVIDA Exposição de Arte Popular pela Sociedade de Medicina e Cirurgia do RN. A República, 08
nov. 1957. MELO, Veríssimo de. Arte Popular (X). A República, 10 nov. 1957. 220
NAVARRO, Newton. Objetos. A República, 08 maio 1957. 221
Grifo nosso. Cf. NAVARRO, Newton. Notícias. A República, 06 jul. 1958.
78
sede da escola de inglês recém-fundada, Sociedade Cultural Brasil-Estados Unidos
(SCBEU)222
. Nessa ocasião, Dorian apresentou 10 telas e 06 peças de cerâmica “com motivos
regionais: peixes, barcos e barqueiros”, além de 03 esculturas, exposição que atraiu “grande
número de pessoas de sensibilidade” interessado em “enriquecer suas coleções” ou
simplesmente em conhecer os trabalhos expostos223
. Em meio às diversas autoridades
presentes, como o prefeito Djalma Maranhão, que inaugurou a mostra e foi o primeiro a
reservar telas para aquisição, “destacava-se o grupo de „novos‟, composto de Zila Mamede,
Newton Navarro, Afonso Laurentino Ramos, Berilo Wanderley, Luís Carlos Guimarães,
Sanderson Negreiros, Talis de Andrade e Celso da Silveira”, além do chefe de gabinete da
Prefeitura de Natal, Moacyr de Góis, e do jornalista Luiz Maranhão224
.
A presença desse grupo de literatos revela o prestígio obtido por Dorian desde que
passara a integrar, na condição de poeta e ilustrador, a equipe de colaboradores dos principais
suplementos literários criados ou retomados em 1957 na imprensa diária local, ao lado de
intelectuais que gravitavam em torno da política no âmbito do poder municipal e estadual. O
mais tradicional dos jornais do Estado, A República, renovara o maquinário obsoleto após a
posse do governador Dinarte Mariz (1956-1960), que retomou sua impressão, suspensa havia
quase dois anos225
, além de profissionalizar seus quadros funcionais com a incorporação da
primeira jornalista diplomada do Estado, Myriam Coeli de Araújo226
. O mercado empresarial
de comunicação também ganhara novos concorrentes com a entrada em circulação da Tribuna
do Norte, em 1950, de propriedade do então deputado, Aluízio Alves, que estreara em “ótima
feição material”, trazendo seções especializadas sobre política, literatura, esportes e
mundanismo”227
. Em 1954, surgia O Poti, 30º jornal da cadeia dos Diários Associados. Como
a maioria dos literatos, que circulavam em um ou outro suplemento, Dorian colaborou com O
Poti e A República, ora ilustrando seus próprios poemas, ora ilustrando poemas de outros
poetas, ou mesmo ilustrando as capas dos periódicos, em reportagens especiais (Imagem 12).
Essa aproximação com pessoas influentes do meio político e intelectual norte-rio-
grandense conferiu, aos poucos, mais visibilidade a Dorian Gray, além do respeito que
obtinha por sua contínua produção artística. Além disso, desde o final de 1957, Dorian
começou a exercer certa liderança entre os artistas mais jovens, ao dividir, com Newton
222
CONSTITUÍDA a diretoria da Sociedade Cultural Brasil-EUAA. A República, 18 jun. 1957. 223
ATRAI a atenção do público a Exposição de Dorian Gray. O Poti, 10 jul. 1958. 224
INSTALADA a Exposição de Pintura, Escultura e Cerâmica de Dorian Gray. A República, 09 jul. 1958. 225
ARAÚJO, Myriam Coeli de. Reaparecimento de A República. A República, 12 jul. 1956. 226
Frequentou a Faculdade de Jornalismo de Madri, Espanha, em 1954, como bolsista do Instituto de Cultura
Hispânica de Natal. 227
CIRCULOU ontem a “Tribuna do Norte”. A República, 25 mar. 1950.
79
Navarro, a condição de jurado em duas exposições coletivas realizadas na cidade: o concurso
de pintura (nas modalidades moderna ou clássica), que integrava os Jogos Olímpicos de
Verão, coordenados por Wilson Jovino de Oliveira228
, diretor social do Santa Cruz Futebol
Clube; e o 1º Salão de Artes Plásticas de Natal, idealizado pelo escritor Umberto Peregrino229
e pelo arquiteto Arialdo Pinho.
Com resultados ainda tímidos, o concurso de pintura dos Jogos Olímpicos, em 1957,
premiou três dos seis artistas inscritos, que tiveram que optar por um desses temas:
Fraternidade, Paz, Democracia, Ideal Olímpico ou Motivos Regionais. Os escolhidos foram
Túlio Fernandes de Oliveira Filho, com a obra Cais Tavares de Lira; Thomé Filgueira, com o
quadro Paz e Francisco Coelho, com o trabalho Boi de Reis230
. Em 1958, ao menos 13 artistas
das mais variadas tendências participaram do 1º Salão de Artes Plásticas, sendo premiados
Thomé, na modalidade de pintura moderna, Túlio Fernandes, em pintura clássica, Marilene
Lourdes, com escultura e Aguinaldo Muniz, com desenho231
.
Dorian e Navarro, que se tornavam as “vozes autorizadas” sobre arte moderna no
Estado, comemoraram a iniciativa do 1º Salão de Artes Plásticas e o número de artistas que se
apresentaram à convocação. “Esta mostra valeu mais pela quantidade e boa orientação do que
mesmo pelos quadros expostos, isso com exceções”232
, opinou Dorian Gray na ocasião,
justificando que a proposta não visava ao “rigorismo de escolas”, mas em persistir na ideia
das exposições e angariar o apoio das autoridades competentes.
Vale salientar, a propósito deste salão, que, apesar de não concorrer à premiação, foram
suas telas e as de Navarro que ocuparam a primeira página dos jornais. Segundo A República,
as obras expostas por Dorian Gray representavam “motivos folclóricos”233
, outro indício de
que este artista passou a se identificar com a produção intelectual de Cascudo, desde que
fizera a pintura do cangaceiro na biblioteca do escritor.
228
Dono da firma J. Oliveira & Cia, representante da Fiat Lux, no Estado, esportista e cronista no jornal Tribuna
do Norte, e muito amigo de Newton Navarro. Confira em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/no-bau-
do-tempo/253773>. Acesso em: 15 jul. 2016. 229
Natalense, diretor da Biblioteca do Exército, com sede no Rio de Janeiro, era irmão do presidente da
Academia Brasileira de Letras, Peregrino Junior. Em meados dos anos 50, se associou aos “novos” e ao prefeito
Djalma Maranhão na promoção de eventos culturais, como o congresso poético e os festivais folclóricos. No
início dos anos 60, passou a integrar a equipe do governador Aluízio Alves. 230
ABERTA, ontem, a Exposição de Pintura. A República, 12 nov. 1957. 231
SALÃO de Artes Plásticas. A República, 09 mar. 1958. 232
SALÃO de Artes Plásticas: opiniões e julgamentos. O Poti, 16 mar. 1958. 233
SALÃO de Artes Plásticas. A República, 09 mar. 1958.
80
Imagem 12: Capa do jornal A República, em edição comemorativa ao 2º ano do Governo Dinarte Mariz,
representando atividades e produtos econômicos impulsionados por sua administração, como as salinas, a
carnaúba e a pecuária, além de fazer alusão às linhas de transmissão de energia da Hidrelétrica de Paulo Afonso,
reivindicada por ele junto ao governo central. Ilustração e montagem de Dorian Gray, A República, 31 jan. 1958.
Fonte: Acervo de Dorian Gray Caldas
Outro elemento que concorreu para reforçar sua sensibilidade em relação a esse tema
diz respeito ao fato de Dorian ter vivenciado234
em Natal uma fase muito intensa de
valorização das manifestações artísticas populares por parte do poder público municipal, com
a posse do prefeito Djalma Maranhão, que administrou a cidade em duas gestões quase
consecutivas, na primeira (1956-jul./1959), nomeado pelo governador Dinarte Mariz, e na
segunda, como primeiro prefeito eleito da capital potiguar (jan./1960-mar./1964).
Com uma plataforma política que preconizava a defesa do nacionalismo e a
emancipação do povo, Djalma Maranhão adotou medidas para promover a educação popular,
como a “Campanha De pé no chão também se aprende a ler”, e democratizar a cultura,
transformando praças públicas em espaços culturais dinâmicos, com instalação de bibliotecas
234
Entrevistas concedidas à autora em 21/28 ago. 2014; 08 out. 2015 e 12 nov. 2015.
81
populares, museu e galeria de arte235
. Seu programa político acompanhava o Movimento de
Cultura Popular, iniciado na gestão do prefeito Miguel Arraes, no Recife, no qual se
engajaram artistas, como o escultor Abelardo da Hora, os dramaturgos Hermilo Borba Filho e
Ariano Suassuna, e o gravador Gilvan Samico, bem como educadores, do porte de Paulo
Freire, Germano Coelho e Anita Paes Barreto236
.
Em Natal, os Festivais de Folclore, com a apresentação de diversos grupos encenando
folguedos ou danças dramáticas em lugares públicos, como a lapinha, o bumba-meu-boi e o
fandango, ligados a uma tradição natalina237
, assim como a promoção dos festejos juninos nos
bairros e o carnaval de rua, constituíram algumas das ações do Governo Djalma Maranhão
que também se coadunavam com o Movimento de Cultura Popular.
Nesse sentido, em 1959, a arte de Dorian Gray integraria as festividades do ciclo
natalino no centro da cidade com a confecção de um vitral, alusivo, provavelmente, aos Três
Reis Magos238
, instalado na zona de confluência do Grande Ponto, palco principal dos
festejos organizados pela Diretoria Municipal de Documentação e Cultura, em parceria com
os comerciários e o Conselho Municipal de Turismo, numa iniciativa que procurava associar a
festa religiosa do Natal à data de fundação da cidade239
.
Para deixar sua marca no espaço público urbano, no curto intervalo de sua
administração, entre as duas gestões do prefeito Djalma Maranhão, tão logo assumiu a
Prefeitura o vereador José Pinto Freire tratou de contratar Dorian Gray para produzir uma
escultura destinada à Praça das Mães, na Cidade Alta, obra que foi inaugurada em 1960 com
banda de música, discursos do governador Dinarte Mariz e de Câmara Cascudo, que se valeu
de suas pesquisas para afirmar que se tratava da primeira estatuária em homenagem à mãe do
235
RIBEIRO, Isa Paula Zacarias. As Praças de Cultura no Governo Djalma Maranhão (1960-1964). Dissertação
(Mestrado em História - UFRN). Natal, 2008. 236
DIMITROV, Eduardo. Regional como opção, regional como prisão: trajetórias artísticas no modernismo
pernambucano. Tese (Doutorado em Antropologia Social – Universidade de São Paulo), São Paulo, 2013. 237
Os folguedos populares também são conhecidos por autos populares, que encenam danças dramáticas em
determinada época do ano. Desenvolvem um enredo com personagens hierarquizados, que usam indumentárias
específicas. O auto do bumba-meu-boi representa a morte e a ressurreição do boi, com posterior partilha. Os
personagens humanos, "animais" e fantásticos são em grande número e variam conforme a localidade. O
fandango se desenvolve numa viagem de navio e reproduz a luta de mouros e cristãos. A lapinha ou bailes
pastoris são constituídos de loas e danças diante do presépio natalino. Fonte:
<http://www.unicamp.br/folclore/Material/extra_dancas.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2016. 238
Seu protagonismo nessa área se repetiria em 1970, na gestão do prefeito Ernani Silveira, quando foi
contratado para ornamentar a cidade para os festejos natalinos (com presépio, estrela e Reis Magos), cuja
comissão organizadora incluía o secretário municipal de Turismo, Paulo Macedo, e o empresário do comércio,
Reginaldo Teófilo (NATAL vai ter Natal diferente e comércio à noite começa segunda. Diário de Natal, 04 dez.
1970). Em 1966, na gestão de Agnelo Alves, Ernani, que era o vice, coordenou os preparativos do carnaval de
rua, cuja ornamentação foi confiada a Dorian Gray e Newton Navarro (CIDADE começa a ganhar ares novos,
preparando-se, em grande estilo, para os três dias de folia. Diário de Natal, 16 fev. 1966.). 239
COMEÇA hoje a comemoração do 360° aniversário da cidade! Diário de Natal, 10 dez. 1959.
82
continente americano240
. Veríamos, uma vez mais, o intelectual legitimando a obra e seu
autor. Antecipando-se às críticas que a escultura pudesse suscitar, ao lançar mão da estética da
forma gorda para representar uma mãe com o filho no colo, Cascudo escreveu numa Acta
Diurna: “Não deveis procurar a Beleza clássica, rítmica, esguia, ágil e sedutora. Vereis a flor
sonora que brota da terra coletiva, sacudindo para o Céu o seu fruto, num esplendor de
sofrimento e de esperança”. O pesquisador faria ainda mais, nomeando a obra de arte e dando-
lhe uma chave de leitura: “Vereis a Mater Potens, Mãe Potente de amor, rude, maciça, de
braços robustos de lavradora incansável, estendendo pernas infatigáveis de caminho e de
esforços diários” 241 (Imagem 13).
Imagem 13: Dorian Gray posando para uma foto, junto à escultura Mater Potens, ao lado da mãe, Nympha
Rabelo, e do pai, Elói Caldas, 1960
Fonte: Acervo de Dorian Gray Caldas
240
“DIA das Mães” festivamente comemorado hoje. O Poti, Natal, 8 maio 1960. PREFEITURA homenageia a
Mãe Natalense. Jornal do Comércio, Natal, 8 maio 1960. 241
CASCUDO, Luís da Câmara. Mater Potens. A República, Acta Diurna, Natal, 30 de abril de 1960.
83
A paisagem urbana do bairro de Petrópolis também receberia um investimento material
e simbólico com a assinatura de Dorian Gray, dessa vez, por iniciativa da elite reunida em
torno do Rotary Clube de Natal. Para fincar a memória dos 25 anos da presença da entidade
no Estado, e coroar de êxito a Conferência Bidistrital, que reunia, na cidade, em março de
1961, cerca de 400 sócios do Norte e Nordeste do país, os rotarianos encomendaram ao artista
o “Monumento à Amizade”242
. Trabalhada em ferro, a escultura foi instalada em pedestal e
inaugurada junto com a Praça do Rotary, em sessão presidida pelo prefeito Djalma Maranhão
e discurso do rotariano, professor e jurista, Alvamar Furtado de Mendonça243
.
Segundo admitiu Dorian Gray, suas esculturas foram inspiradas nas obras do escultor
Bruno Giorgi (1905-1993)244
, que conheceu, pessoalmente, por intermédio do pintor
Domenico Lazzarini245
, durante uma exposição que visitou no Rio de Janeiro. Bruno Giorgi
produzia tanto composições abstratas, quanto figuras femininas, destacando-se pelas obras
instaladas em espaços públicos, como o “Monumento à Juventude Brasileira” (1947), exposto
nos jardins do antigo Ministério da Educação e Saúde, atual Palácio Gustavo Capanema, no
Rio de Janeiro, e “Os Guerreiros” (1958), popularizado pelo nome de “Candangos”, e que foi
produzido para a inauguração de Brasília, localizando-se na Praça dos Três Poderes.
A década de sessenta marcou o estreitamento dos laços de Dorian Gray com o poder
público estadual, aproximação que lhe trouxe boas oportunidades de desenvolver seu
potencial artístico em novos suportes – sobretudo, o painel e a pintura-mural246
, e de inserir
sua arte tanto no âmbito da administração pública, quanto além das fronteiras do Rio Grande
do Norte. No entanto, seu fazer cultural não se limitou à dependência em relação ao mecenato
estatal. Dorian empreendeu iniciativas particulares que tanto promoveram o nome e a arte de
diversos outros artistas potiguares, como proporcionaram a si próprio visibilidade e
autonomia financeira que lhe permitiram transformar a arte na base do seu sustento material.
No tocante às suas escolhas temáticas, os “motivos nossos”, associados aos seus trabalhos
pelos cronistas, sem muita precisão, se tornaram mais manifestos e passaram a ser vistos por
seus contemporâneos como representativos de uma visualidade regional ou de bases locais.
242
A escultura ainda se encontra bem conservada no mesmo local. 243
INAUGURADO, ontem, o Monumento da Amizade. Diário de Natal, Natal, 11 mar. 1961. 244
Cf. <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8920/bruno-giorgi>. Acesso em: 16 dez. 2016. 245
Cf. <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9426/domenico-lazzarini>. Acesso em: 16 dez. 2016. 246
Neste trabalho, a arte mural é usada para qualificar o trabalho artístico em grandes dimensões, quer seja
usando a parede como suporte, o tecido, o azulejo, a cerâmica ou o mosaico. O termo painel é usado no sentido
de grande superfície decorada com pintura, azulejos, cerâmica ou pastilhas. Já o vocábulo mural e a expressão
pintura-mural são empregados para se referir à pintura em grandes dimensões executada diretamente na parede.
Cf. Dicionário de Arquitetura Brasileira, Lemos e Corona, 1972, apud RIBEIRO, Isaías da Silva. Murais
modernos de Newton Navarro e Dorian Gray. Dissertação (Arquitetura e Urbanismo – UFRN). Natal, 2011.
84
2.3 Entre a figuração regional e a incorporação de referenciais locais
Conforme frisei anteriormente, a amizade entre Dorian Gray e Newton Navarro foi
essencial na construção da trajetória artística do primeiro. As relações sociais e familiares de
Newton, aliadas às suas posições políticas, seu papel na imprensa diária e sua militância em
favor do movimento cultural, o aproximaram das principais lideranças políticas atuantes no
Estado e no município de Natal, como o governador eleito em 1960, Aluízio Alves (1961-
1965), que nomeou a ele e a Dorian para o quadro do funcionalismo público estadual247
.
De acordo com as narrativas de Dorian, essa indicação partiu de Agnelo Alves, irmão de
Aluízio, com quem os artistas tinham maior proximidade248
. Embora nomeados para a
Secretaria de Tributação, ambos tiveram atuação mais destacada no âmbito da política cultural
do governo. Dorian Gray integrou a primeira composição do Conselho Estadual de Cultura249
,
instalado no final de 1961, numa cerimônia de assinatura de decretos que instituiu comissões
responsáveis pela instalação da Escolinha de Arte Infantil Cândido Portinari - cuja
incumbência coube a Newton Navarro -, e da Biblioteca Pública Estadual Câmara Cascudo,
presidida pelo escritor Umberto Peregrino250
.
Tais propostas integravam a minuta de um Plano Cultural, gestado por um grupo
coordenado pelo diretor da Divisão de Cultura da Secretaria de Educação251, jornalista Afonso
Laurentino Ramos, do qual participaram Newton Navarro, Wilson Jovino de Oliveira, Deífilo
Gurgel, Zila Mamede e Sanderson Negreiros (os mesmos intelectuais que ocupavam espaço
nos suplementos literários dos jornais e que transitavam em torno do prefeito de Natal,
Djalma Maranhão, que, nesse momento, cumpria um segundo mandato). O Plano de Cultura
propunha metas nas áreas de literatura, arte, e história e patrimônio, que se concretizaram, em
parte, durante o Governo Aluízio Alves, e, em parte, na administração do seu vice-
governador, e futuro sucessor, Monsenhor Walfredo Gurgel. 247
Para entender a construção da figura de Newton Navarro como artista influente no meio artístico, literário e
político potiguar, cf. GARCIA, Wesley. Artistas de Província: construção do campo artístico moderno na cidade
de Natal (1950-1960). 248
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 249
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015. 250
INSTALADO o Conselho Estadual de Cultura. Diário de Natal, 16 dez. 1961. Sobre a atuação de Navarro à
frente da Escolinha de Arte, da qual Dorian Gray também participou, confira: CARVALHO, Vicente Vitoriano
Marques. Newton Navarro: um flâneur na direção da arte e da pedagogia da arte no Rio Grande do Norte. Tese
(Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal, 2003. 251
Cabe mencionar que o primeiro titular da pasta de Educação do Governo Aluízio Alves foi o primo de
Navarro, Grimaldi Ribeiro de Paiva. CARVALHO, Vicente Vitoriano Marques. Um projeto cultural de criação
de instituições sociais e escolas de arte: (Rio Grande do Norte, 1961-1965). Disponível em:
<http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-e-co-autorais-eixo01.htm >. Acesso 06 mar. 2016.
85
Possivelmente, pelo fato de sua equipe de assessores ser constituída, em sua maioria, de
poetas e escritores, nos primeiros anos da administração de Aluízio Alves houve um
predomínio das ações voltadas para o campo literário. Em 1961, Dorian Gray participaria da
organização do I Festival de Escritores Potiguares252
, tendo sido contemplado, com a
publicação de seu primeiro livro na Coleção Jorge Fernandes, publicada pela Imprensa
Oficial, que privilegiou seis estreantes na prosa e poesia modernas (com prefácio único escrito
por Câmara Cascudo253
): Celso da Silveira e Myriam Coeli (Imagem virtual), Deífilo Gurgel
(Cais da ausência), Luís Carlos Guimarães (O aprendiz e a canção), Dorian Gray (Os
instrumentos do sonho) e Sanderson Negreiros (Fábula, fábula).
Em 1962, Dorian representaria a delegação potiguar, junto com Ney Leandro de Castro
e Wilson Jovino de Oliveira, no III Festival do Escritor Brasileiro, realizado no Rio de
Janeiro254
. Dois anos depois, seu nome iria figurar na coletânea “Panorama da poesia norte-
rio-grandense”, organizada por Rômulo Wanderley, com prefácio de Cascudo, que se
propunha a atualizar o inventário de escritores que vinham produzindo no Estado desde o
lançamento de “Poetas do Rio Grande do Norte”, em 1922, de autoria de Ezequiel Wanderley.
Vimos, assim, nesse início da década de 60, um Dorian Gray muito empenhado na
construção da sua identidade de poeta e na consolidação do seu nome no meio literário
potiguar, uma vez que, em 1964, ele já publicaria seu segundo livro, “Presença e poesia”. No
entanto, em paralelo à sua produção poética, Dorian Gray encontrou espaço, dentro da
plataforma política modernizadora do governo estadual, para desenvolver outras formas de
expressão artística.
A ascensão do advogado e jornalista Aluízio Alves à chefia do poder executivo no Rio
Grande do Norte resultou de uma articulada campanha eleitoral que construiu um discurso em
torno de um governo voltado para a identificação com o popular, e, ao mesmo tempo, para a
realização do progresso e do desenvolvimento potiguar em todas as suas dimensões255
.
Entretanto, essa pauta modernizadora, explorada, ao longo da sua administração, se
252
TRAÇADOS os planos gerais do primeiro Festival do Escritor. Diário de Natal, 08 nov. 1961. 253
Jorge Fernandes é considerado o precursor da poesia moderna no Rio Grande do Norte com seu “Livro de
Poemas” (1927), prefaciado por Cascudo e publicado por este na Tipografia da Imprensa, de propriedade do seu
pai, o Coronel Francisco Cascudo. A participação de Câmara Cascudo na disseminação do modernismo literário
dos anos 20 no Estado, e suas relações com Mário de Andrade e Joaquim Inojosa, foram analisadas por
HERMENEGILDO, Humberto. Uma introdução ao estudo do modernismo no Rio Grande do Norte. Dissertação
(Mestrado em Teoria e História Literária – Unicamp). Campinas, 1991. 254
POTIGUARES no Festival do Escritor. Tribuna do Norte, 02 jul. 1962. 255
Essa interpretação e as informações que seguem se baseiam na tese de Wesley Garcia, que analisou a
produção cultural e simbólica do espaço urbano de Natal, nos anos 50 e 60, a partir das práticas de quatro
sujeitos em suas relações com a cidade: Aluízio Alves e a política, Newton Navarro e a arte, Abel Vieira e a
imprensa, Jorge Wilheim e o urbanismo. Cf. GARCIA, Wesley. A cidade de todo dia. Op. cit., 2015.
86
sustentava, em nível regional, nas orientações e nos recursos procedentes da Superintendência
de Desenvolvimento Econômico do Nordeste (SUDENE), recém-criada, e, em âmbito federal,
no programa “Aliança para o Progresso”, que, oficialmente, consistia numa ajuda financeira e
técnica dos Estados Unidos para o desenvolvimento dos países membros da América Latina.
Tais recursos permitiram a Aluízio Alves implementar medidas voltadas à geração de
infraestrutura urbana, de transporte, energia, saneamento, habitação e telecomunicações.
O fomento ao turismo, como fator de desenvolvimento econômico, constituiu outra
vertente do programa, que teve duas consequências imediatas: a criação da Secretaria de
Turismo (1963) e a inauguração do Hotel Internacional Reis Magos (1965), empreendimento
projetado em arquitetura moderna, sendo o primeiro situado na faixa litorânea urbana, marco
inaugural do chamado “turismo sol e mar”, em Natal.
Mas a construção dessa visibilidade turística e atrativa para Natal também passaria pela
valorização do seu patrimônio arquitetônico, tendo em vista a instalação, na cidade, em 1961,
de uma representação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN)256
,
conquista atribuída pela imprensa aos esforços do então governador.
Esse olhar voltado à preservação da memória da cidade, aliado às perceptíveis
transformações urbanas dos últimos anos, podem ter despertado Dorian Gray para os motivos
artísticos apresentados em sua primeira exposição individual dos anos sessenta. Instalada em
dezembro de 1964, num dos salões do Palácio do Governo, a mostra de pintura expressionista
inaugurava um dos temas mais constantes de sua obra, presentes em quase todas as linguagens
visuais que experimentou: o casario da Ribeira e Cidade Alta (Imagem 14).
Nos 17 quadros expostos, exceto em “Momento azul do rio”, abstrato, percebe-se que
Dorian pretendeu representar desde exemplares da cidade colonial a construções do início do
período republicano, além de fazer uma homenagem explícita a duas figuras, cujos nomes
acompanharam os títulos das obras apresentadas: Frontão; Sobradinho da rua da Conceição;
Frontões e Velhos sobrados da Tavares de Lyra; Frontão (uma casa da rua da Conceição),
Sobrado antigo (residência de Veríssimo de Melo), Igreja de Santo Antonio, Frontão
(residência de Cascudo), Igreja de São Pedro (torre), casas (noturno), Igreja de Santo Antônio
256
Antes de contar com essa representação no Estado, o órgão já havia procedido ao tombamento da Fortaleza
dos Reis Magos, em 1949. Com a vinda do funcionário do Ministério da Educação e Cultura, Oswaldo de Souza,
em 61, o processo foi retomado, com o tombamento inicial de dois imóveis na capital - o edifício do Palácio do
Governo e uma casa na rua da Conceição, Cidade Alta, além de outros imóveis no interior. Cf. Bens tombados
pelo Governo do Estado e monumentos tombados pelo IPHAN. Disponível em:
<http://adcon.rn.gov.br/ACERVO/secretaria_extraordinaria_de_cultura/DOC/DOC000000000010572.PDF>.
Acesso em: 05 02 2017.
87
(lado oeste), Teatro Alberto Maranhão, Últimas casas da praia, Velhas casas e sombras, Casas
e dunas e Amanhecer.
Mais significativa, ainda, foi a escolha do intelectual convidado pelo artista para
apresentar sua exposição. Tratava-se de ninguém menos que o próprio “autor” da cidade, seu
historiador oficial, Luís da Câmara Cascudo, que teve um imprevisto de última hora com a
neta Daliana, envolvida num incidente doméstico, e acabou não comparecendo à abertura.
Essas escolhas de Dorian Gray mostram como sua arte procurou legitimar a narrativa
construída por Cascudo em sua História da Cidade do Natal, optando por representar não os
espaços que se modernizavam, mas aqueles tomados pelo escritor como os da “tradição”, com
seus elementos arquitetônicos mais permanentes, os “lugares da memória natalense”.
Provavelmente, não foi por acaso que o artista realizou essa exposição no mês em que se
comemorava um duplo aniversário: o de Cascudo e o da própria fundação da cidade.
Imagem 14: Quadro “Sobradões” (óleo, 96cmx66cm), Dorian Gray, 1964, acervo do artista
Fonte: CALDAS, Dorian Gray. Todos os planos. Natal: FIERN: Dois A Publicidade, 2000, p.29.
Ao mesmo tempo, a paisagem que inspirou Dorian era a mesma partilhada por Newton
Navarro, segundo palavras ditas por este, que substituiu o convidado ausente. Para Newton, a
88
exposição representava “uma amostra da nossa cidade que Dorian, o pintor, surpreendeu,
caminhando pelos becos de treva, na direção do rio”257
. Essa visualidade construída por sua
pintura também agradou a intelectuais e representantes do poder público presentes na ocasião,
quando seis quadros foram adquiridos para as coleções particulares do Governo do Estado, da
Diretoria de Documentação e Cultura do Município de Natal, do escritor Veríssimo de Melo,
do jornalista Agnelo Alves e do teatrólogo Meira Pires, diretor do Teatro Alberto Maranhão.
Porém, antes de se preocupar em registrar, por meio de sua pintura, uma representação
da memória da cidade colonial e republicana, o artista já havia atentado para as oportunidades
que surgiam de associar sua arte com o modernismo arquitetônico que começou por ameaçar
o patrimônio urbano da Ribeira e Cidade Alta. Em 1955, mesmo ano em que pintou a porta da
biblioteca de Cascudo, e que foi convidado, junto com Navarro, pelo senhor Cícero André, a
pintar um mural no interior do Café Globo258
, na Ribeira, Dorian produziu um mural,
retratando “uma cena tipicamente sertaneja”259
, numa das paredes internas da Rádio Nordeste,
de propriedade do então senador Dinarte Mariz. O prédio, situado na rua João Pessoa, centro
da capital, deu lugar ao Cine Nordeste, em 1958, uma das primeiras construções em
arquitetura moderna do bairro Cidade Alta260
.
Também me referi, anteriormente, à sua participação no painel-mosaico do edifício do
Instituto de Previdência dos Servidores do Estado (IPASE), inaugurado em 1956, na Ribeira.
No entanto, foi nos anos sessenta que se consolidou um ambiente ainda mais propício para a
produção da arte mural de Dorian Gray, proporcionada por sua integração à arquitetura em
várias edificações de uso público. Enquanto edifícios novos eram erguidos, construções
antigas recebiam reformas ou ampliações, que não se recusaram a abrigar um painel ou mural
de autoria deste artista (Anexo III).
Em 1960, ele produziu a pintura-mural Édipo Rei e Jovem Pastor (3m x 2,80m)261,
executada num salão contíguo à sala de espetáculos do Teatro Alberto Maranhão262
, que
acabara de ser restaurado, no ano anterior, pelo Governo Dinarte Mariz, sendo transferido do 257
MACEDO, Paulo. Dorian diz que ainda pintará a cidade na sua paisagem convencional e eclética. Diário de
Natal, Reportagem, 12 dez. 1964. 258
NEWTON Navarro e Dorian Gray pintarão murais no interior do Café Globo. O Poti, Natal, 23 set. 1955, p.7. 259
MELO, Veríssimo de. Um mural de Dorian Gray. O Poti, 02 ago. 1955. 260
TRIGUEIRO, Edja; CAPPI, Fernanda; NASCIMENTO, Maíra. Modernismo potiguar: vida, reprodução e
quase morte. Anais... DOCOMOMO Norte-Nordeste, n.3. João Pessoa, 2010. 261
CALDAS, Dorian Gray. Artes Plásticas do Rio Grande do Norte (1920-1989). Natal: Editora
Universitária/EDUFRN, FUNPEC/SESC, 1989. 262
Até 1957, o teatro se chamava Carlos Gomes e pertencia ao município de Natal; por sugestão de Meira Pires,
proposição do vereador Luiz de Barros, e concordância do prefeito, Djalma Maranhão, passou a denominar-se
Teatro Alberto Maranhão, ex-governador (1872-1944) considerado o mecenas da sua construção, inaugurada em
1904. Em janeiro de 1960, foi transferido ao patrimônio do Estado. Cf. PIRES, Meira. História do Teatro
Alberto Maranhão (1904-1952). Natal: Fundação José Augusto, 1980.
89
patrimônio municipal para o estadual. Na mesma época, o teatrólogo e diretor da Casa, Meira
Pires, também encomendou a Dorian Gray o desenho da Medalha do Mérito “Alberto
Maranhão” e a pintura do retrato do busto desse ex-governador263
, que ainda se mantém
conservado no Salão Nobre do teatro.
Dois anos depois, Dorian faria um painel, pintado em azulejos, “no seu estilo
modernista”264
, intitulado Ceia Larga (3m x 2,80m), instalado no novo refeitório da Escola
Industrial de Natal, situada no bairro Cidade Alta. O contratante foi o presidente do Conselho
de Representantes da Escola, Luís Carlos Abbot Galvão, industrial que, naquele ano, assumiu
a presidência do referido colegiado, instituído pelo Governo Juscelino Kubistchek em todas as
unidades da Rede Federal de Ensino Industrial, visando ajustar o ensino profissional às
demandas da política de industrialização do país265
. Havia dois nomes que ligavam Dorian
Gray à Escola Industrial de Natal: seu tio, Moura Rabello, ex-professor da antiga Escola de
Aprendizes Artífices; e Alvamar Furtado de Mendonça, que pertencia ao quadro docente
desde os anos quarenta, e que pode ter indicado seu nome para esse trabalho artístico.
O interesse de Dorian Gray por painéis em cerâmica ou azulejos e pela pintura-mural se
devia à sua filiação ao expressionismo do pintor paulista Cândido Portinari (1903-1962), de
quem se considerava discípulo266
. Portinari se tornou o principal representante do muralismo
moderno no Brasil, sobretudo, pela inserção privilegiada de sua obra em instituições oficiais.
Produzindo a partir da década de 1930, seus trabalhos absorveram o tema da identidade
nacional, herdeira da primeira fase do modernismo brasileiro, representando, de forma
predominante, a figura humana, sobretudo, personagens populares e o trabalhador rural em
suas atividades cotidianas. Do muralismo mexicano, Portinari assimilou a temática social,
direcionando sua arte, em algumas de suas séries, para a promoção da dignidade do
trabalhador e valorização das figuras populares267
.
Na tese em que analisou os diversos discursos literários e as linguagens estéticas que,
nas décadas de 30 e 40, construíram a identidade espacial que conhecemos como Nordeste, o
historiador Durval Muniz de Albuquerque Junior constatou que Portinari foi o artista
brasileiro que mais atuou no sentido de conferir uma visibilidade imagética ao Brasil e a suas
regiões, apoiado em categorias como povo e nação.
263
MADRUGA, Woden. De tudo um pouco. Diário de Natal, 28 out. 1960. 264
DANILO. Crônica Social. A escola industrial. Diário de Natal, 18 set. 1962. 265
MEDEIROS, Arilene Lucena de. A forja e a pena: técnica e humanismo na trajetória da Escola de Aprendizes
Artífices de Natal à Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte. Natal: Editora IFRN, 2011. 266
Entrevistas concedidas à autora em 22 out. 2015 e 10 ago. 2016. 267
ZILIO, Carlos. A querela do Brasil: a questão da identidade da arte brasileira: a obra de Tarsila, Di
Cavalcanti e Portinari: 1922-1945. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.
90
Segundo o historiador, sua pintura “é a expressão mais acabada da tentativa de
conciliação entre uma visibilidade tradicional, clássica, e uma visibilidade moderna”268
. Seus
trabalhos da primeira fase, nos anos 30, representavam um imaginário alusivo à memória da
infância, no universo rural do Oeste paulista, enquanto os da segunda fase, nos anos 40,
expressavam uma temática impregnada de regionalismos e figuras-símbolo, influenciados
pelo romance social da década anterior.
Essa produção pictórica moderna, de inspiração nacional ou regional, encantou Dorian
Gray, sobretudo, pelas figuras de formas arredondadas, aliada à representação do homem
integrado ao ambiente físico e social. Desejoso de conhecer e estudar as obras desse pintor,
nas viagens que fazia ao Rio de Janeiro, na década de 1950, Dorian Gray costumava visitar os
lugares de inserção dos trabalhos daquele artista: a Capela Mayrink, no Parque Nacional da
Tijuca, onde Portinari produziu painéis religiosos269
; a Rádio Tupi, com sua série Os Músicos,
retratando o negro e o carnaval270
, e, sobretudo, o prédio do Ministério da Educação e Saúde,
no qual Portinari fixou “Escola de Canto”, “Coro” e a série “Ciclos Econômicos”271
, numa
encomenda do então ministro do Governo Vargas, Gustavo Capanema. Nesse edifício,
segundo afirmou em palestra que proferiu em Natal sobre Portinari, e que reproduziu mais
tarde em livro de sua autoria, Dorian Gray voltaria “muitas vezes para sentir sua obra e
repensar o assunto de seus temas”272
.
Assim como aconteceu com Portinari, a obra mural de Dorian Gray também floresceu
graças ao mecenato do poder público, sobretudo, o estadual. Durante o Governo Aluízio
Alves, o artista produziu três pinturas-murais, todas em prédios recém-construídos – um deles
para abrigar um educandário e os outros dois para funcionar como sede de empresas públicas,
fundadas dentro do programa desenvolvimentista de sua administração. Os dados de que
disponho de dois desses murais do artista limitam-se aos encontrados no verbete de Dorian
Gray, publicado no livro Artes Plásticas do Rio Grande do Norte. Ambos datam de 1963: “A
escola e o mundo” (5m x 1,80m), pintado no Instituto Educacional Padre Miguelinho273
, no
268
A invenção do Nordeste. Op. cit., 1999, p. 248. 269
Cf. Portal do Instituto Brasileiro de Museus. Disponível em: <http://www.museus.gov.br/tag/capela-
mayrink/>. Acesso em: 07 jan. 2017. 270
HIRANO, Luis Felipe Kojima. A cor e o som: os músicos na pintura de Portinari. PROA: Revista de
antropologia e arte, n.1. 2009. IFCH-UNICAMP, Campinas. Disponível em: <
http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/proa/article/view/2396>. Acesso em: 07 jan. 2017. 271
Pau-Brasil, Cana, Gado, Garimpo, Fumo, Algodão, Erva-Mate, Café, Cacau, Ferro, Borracha e Carnaúba.
Esta última produzida em 1944 e as demais, em 1938. Cf. Palácio Gustavo Capanema [Ciclos Econômicos]:
<http://www.portinari.org.br/#/acervo/conjunto/4/detalhes>. Acesso 02 mar. 2017. 272
CALDAS, Dorian Gray. Discurso para Portinari ou o homem brasileiro na pintura de Cândido Portinari. In:
______. O traço, a cor e o mito. Natal: SESC/UFRN/FUNPEC, 1991. p.115. 273
INSTITUTO Padre Miguelinho em fase de acabamento. Diário de Natal, 28 jan. 1963.
91
bairro do Alecrim, e “Marinha” (2,80m x 1,80m), fixado numa Sala Especial da sede da
Companhia de Energia Elétrica do Rio Grande do Norte (COSERN).
O terceiro dos murais, e o de maior dimensão (10,20m x 3,30m), produzido na técnica
mista de giz de cera e acrílica fosca, em tons de cinza, foi inaugurado em 1966 no auditório
do Departamento Estadual de Estradas e Rodagem (DER), empresa instalada num dos
exemplares em arquitetura moderna projetados na década de sessenta, em Natal, pelos
arquitetos do escritório de Planejamento Geral em Arquitetura (PLANARQ), Moacyr Gomes
da Costa, João Maurício de Miranda e Daniel de Hollanda274
. A esse mural do DER Dorian
intitulou “Economias do Rio Grande do Norte”, no qual representou figurantes integrados a
paisagens rurais, exercendo as atividades produtivas mais tradicionais do Estado - o
extrativismo do sal e da carnaúba, a pecuária e as culturas do algodão e da cana de açúcar,
além da mineração275
, claramente inspirado na série “Ciclos Econômicos”, de Portinari. Esses
temas passariam a ser recorrentes no repertório artístico de Dorian Gray, sobretudo, em obras
produzidas nas modalidades de pintura e tapeçaria.
A encomenda do DER também teve a participação de Newton Navarro, que pintou um
mural na sala da superintendência do Departamento de Estradas e Rodagem, no qual
representou o sertão e o litoral por meio de três figuras: o vaqueiro, o canavieiro e o pescador.
A última das pinturas-murais feitas por Dorian Gray diretamente na parede data de
1967, e teve como cliente, mais uma vez, a Escola Industrial de Natal, motivada pela
inauguração de sua nova sede276
, no bairro do Tirol. Também nesse caso, Dorian e Newton
retomaram a parceria verificada em outros momentos de suas vidas profissionais. Enquanto
Navarro ficou responsável pela pintura dos três murais nas paredes do topo das rampas que
dão acesso às salas de aula, Dorian se incumbiu de pintar um mural no gabinete da Direção
Geral da instituição277
, revezando o que eles haviam feito no DER, quando um fixou seu
desenho em local de maior visibilidade e o outro, num lugar de acesso mais restrito. Os temas
escolhidos também se diferenciaram. Newton abordou aspectos da educação, do lazer e do
274
MELO, Alexandra Consulin Seabra de. Yes, nós temos arquitetura moderna. Op. cit. Natal, 2004. 275
RIBEIRO, Isaías da Silva. Murais modernos de Newton Navarro e Dorian Gray. Dissertação (Arquitetura e
Urbanismo – UFRN). Natal, 2011. 276
Essa construção estava parada há cerca de 20 anos, sendo retomada em 1965, pelo Conselho de
Representantes da Escola. Seu projeto arquitetônico foi readaptado pelos arquitetos associados do escritório da
PLANARQ (Planejamento Geral em Arquitetura) e a obra foi concluída pela Construtora Joaquim Victor de
Hollanda. Cf. MEDEIROS, Arilene Lucena de. A forja e a pena. Op. cit., 2011. 277
Em 2011, Dorian Gray Caldas restaurou esses murais pintados por ele e Navarro, em 1967, na antiga Escola
Industrial, atual Campus Natal-Central do IFRN (Instituto Federal do Rio Grande do Norte), embora, segundo
ele próprio admitiu, as pinturas constituem seus trabalhos melhor preservados dentre os que executou em
instituições públicas no Estado. Cf. DUARTE, Rafael. O restaurador de almas: Dorian Gray recupera obras
produzidas há 40 anos em colaboração com Newton Navarro. Novo Jornal, Natal, 26 jan. 2011, p.12.
92
trabalho; Dorian optou por “Motivos Folclóricos” (Imagem 15), produzindo um mural nas
dimensões 9,80m x 3,60m, usando giz de cera, com assombreados em acrílica fosca, em tons
de verde e cinza278
. Neste trabalho, o artista representou aspectos e figurantes dos folguedos
populares, como a coroação do Rei e Rainha de Congos, Bambelô, tocadores de Coco de
Roda e Bumba-meu-boi. Segundo suas narrativas, esse mural tratava dos “temas que a cidade
já aceitava muito bem por conta do Mestre Cascudo, que divulgava a cultura popular aqui no
Estado”279
.
A incorporação dessa temática em distintos suportes de expressão na arte de Dorian
Gray mostra como ele buscou captar os assuntos da preferência daquele intelectual para criar
um de seus principais “motivos” artísticos. Suas gravuras280
, reproduzidas através de álbuns
publicados desde meados dos anos 60, se tornaram o principal veículo disseminador de temas
ligados ao folclore, associando o nome do artista ao do folclorista, que, respaldando esse
suporte milenar de expressão artística, prefaciou, pelo menos, duas de suas publicações.
278
RIBEIRO, Isaías da Silva. Murais modernos de Newton Navarro e Dorian Gray. Op. cit., 2011. 279
Entrevista concedida à autora em 28 ago. 2014. 280
Designa, em geral, desenhos feitos em superfícies duras (madeira, pedra e metal), com base em incisões,
corrosões e talhos realizados com instrumentos e materiais especiais, procedimentos técnicos que permitem a
reprodução da imagem. Em função da técnica e do material empregados na confecção da matriz, recebe
nomenclatura específica: litografia, gravura em metal, xilogravura, serigrafia etc. A gravura se disseminou,
sobretudo, como capa dos folhetos da literatura de cordel. Cf. GRAVURA. ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de
Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em:
<http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo4626/gravura>. Acesso em: 16 02 2017.
93
Imagem 15: Detalhe do Mural “Motivos Folclóricos” (giz de cera e acrílica, 9,80mx3,60m,), Dorian Gray,
Escola Industrial de Natal (atual IFRN/Campus Natal-Central), 1967
Fonte: Fotografia da autora, 2017.
Sua estreia individual na gravura foi com o álbum Bambelô281
, impresso em 1966 pelo
Departamento Estadual de Imprensa, que, segundo informação da capa, pretendia ser o
“primeiro de uma série de cadernos dos Autos da Cidade do Natal”282
. Em seguida, vieram:
Bumba-meu-boi (1968), Congos (1972) e Autos do Natal (1973). No prefácio de Congos283
,
datado de 1969, Cascudo elogiava a escolha do tema pelo artista, que, com sua atitude, estaria
consagrando uma legítima manifestação artística popular: “Ponhamos o louvor para essa
nobre tarefa de ternura, onde a arte está em pleno serviço da veracidade folclórica. Um ato
281
Também conhecido no Rio Grande do Norte como “Zambelô” e “Coco de zambê”, possui diversas variantes,
mas consiste numa dança de roda, ou de fileiras mistas, de conjunto, de par ou de solo individual. Nela, há uma
linha melódica cantada em solo pelo “tirador” ou “coquista”, com refrão respondido pelos dançarinos e um
vigoroso sapateado denominado “tropel”, que produz um ritmo que se ajusta àquele executado pelos
instrumentos musicais. Cf. Danças folclóricas brasileiras. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/folclore/Material/extra_dancas.pdf>. Acesso em: 11 abr. 2016. 282
Esses álbuns eram impressos em folhas soltas, fáceis de se perder ou desmontar. Nos arquivos pessoais de
Dorian, encontrei apenas a capa deste primeiro álbum, e uma folha interna, que continha os verbetes Bambelô e
Coco de roda, extraídos do Dicionário Brasileiro do Folclore, de Luís da Câmara Cascudo; encontrei também
capas de alguns de seus outros álbuns e folhas avulsas. 283
Auto ou dança dramática de inspiração africana, tem como elementos de formação a coroação dos reis do
Congo, os préstitos e embaixadas, e reminiscências das lutas da Rainha Ginga, de Angola, contra os portugueses.
Cf. Danças folclóricas brasileiras. Op. cit.
94
emocional de solidarismo intelectual situando no nível da elevação estética uma motivação
dinâmica da preferência do povo”284
(Imagem 16).
Até quase o final da década de 1980, Dorian havia publicado 08 álbuns de gravura, 09
de desenho e 06 álbuns reunindo gravura e texto, ou desenho e poesia, cujos títulos remetem a
paisagens natalenses, figuras populares, mitos, lendas e assombrações (Anexo II).
Imagem 16: Gravura integrante do álbum “Congos”, Dorian Gray, 1972
Fonte: CALDAS, Dorian Gray. Congos. Natal: Fundação José Augusto, 1972.
A gravura se consolidou na arte de Dorian Gray num momento em que a arte popular ou
a apropriação de conteúdos e formas de expressão artísticas populares por parte de artistas que
emergiram em Natal na década de 1960 ganharam apoio e espaço para se desenvolver, tanto
em iniciativas particulares, quanto no âmbito do poder público.
A Galeria de Arte de Natal, primeira na cidade, criada, em 1963, na gestão do prefeito
Djalma Maranhão, e inaugurada com a presença do escultor Abelardo da Hora, membro do
284
CASCUDO, Luís da Câmara. Apresentação do Álbum Congos. Cidade do Natal, set. 1969. In: CALDAS,
Dorian Gray. As vertentes criativas da gravura brasileira (v.1). Natal: Fundação José Augusto, 2011, p.13.
95
Movimento de Cultura Popular implementado na Prefeitura do Recife, mantinha exposições
permanentes de artesanato e de obras do escultor popular potiguar Chico Santeiro285
.
Em 1965, um módulo de arte popular, ministrado pelo etnógrafo Veríssimo de Melo,
entraria no programa do I Curso Intensivo de Belas Artes, promovido por iniciativa de
Newton Navarro, junto à Diretoria Municipal de Documentação e Cultura, ao lado dos
módulos de cerâmica, ministrado por Dorian Gray, e de pintura e traço, a cargo do próprio
Newton286
. Nesse mesmo ano, a cidade ganhava a primeira galeria de arte de iniciativa
privada, Xaria - arte e decoração, de propriedade do pintor Iaponi Araújo e Paulo de Tarso,
ambos assessores culturais do município, que se propunham a expor e vender quadros de
pintores natalenses e de outros estados, bem como peças de arte popular287
.
Em 1966, o próprio Dorian Gray inaugurava sua Galeria L’Atelier, na qual expunha
trabalhos de pintura, escultura e artesanato288
, abrigando, entre outras exposições, a “primeira
coletiva de xilogravura norte-rio-grandense”, que apresentava tanto a matriz talhada em
madeira, como a reprodução gráfica da arte dos gravadores atuantes na cidade, como o
próprio Dorian, Iaperi Araújo, Leopoldo Nelson, Thomé Filgueira e Manxa (Ziltamir
Sebastião Soares de Maria)289
.
A abertura da Galeria L’Atelier resultou do desdobramento de uma ideia, inicialmente,
bem sucedida de Dorian Gray, acolhida em fevereiro de 1965, pelo proprietário do Vipinho
Whisky Bar, localizado na rua Princesa Isabel, Cidade Alta. Por sugestão e empenho do
artista, os corredores do bar se transformaram num espaço de exposições semanais, e o
estabelecimento, em ponto de recitais de poesia e representação de textos dramáticos290
.
Segundo informou Dorian Gray por ocasião da primeira mostra coletiva de arte do Vipinho, o
bar serviria para o encontro dos artistas, que, “até bem pouco tempo, estavam como que
desnorteados, vivendo no isolamento de seus próprios estudos”291
. Até maio de 1965, pelo
menos, Dorian Gray agregou 10 artistas em torno dessa iniciativa, que se inaugurava com
uma mostra coletiva, substituída, a cada semana, por uma exposição individual292
. Eram eles:
285
RIBEIRO, Isa Paula Zacarias. As Praças de Cultura no Governo Djalma Maranhão (1960-1964). Op. cit.,
2008. 286
MACEDO, Paulo. Belas Artes. Diário de Natal, 10 nov. 1965. 287
QUINTA-feira abertura da “Xaria – Arte e decoração”. Diário de Natal, 08 jun. 1965. 288
VISITE L‟Atelier. Pintura. Escultura. Artesanato. Rua Princesa Isabel, 584. Natal, 1966 [Cartaz]. Acervo
pessoal de Dorian Gray, que trazia como imagem a gravura de um galo, de autoria do artista Iaperi Araújo. 289
ARAÚJO, Iaperi. Artes plásticas. Diário de Natal, 17 set. 1966. 290
PINTORES exporão no corredor do “Vipinho”. Diário de Natal, 22 jan. 1965. 291
MOSTRA coletiva foi inaugurada no “Vipinho”, com bossa nova e calor. Diário de Natal, 03 fev. 1965. 292
MOSTRA coletiva de pintura no “Vipinho”. Diário de Natal, 11 maio 1965.
96
Newton Navarro, Carlos José, Leopoldo Nelson, Marco Antonio, Thomé Filgueira, Aécio
Emerenciano, Walter Varela, Eduardo Pinto e os irmãos Iaponi e Iaperi Araújo.
O Vipinho ficava ao lado de um pequeno ponto comercial administrado pela mãe de
Dorian, Nympha Rabelo. No ano seguinte ao funcionamento da galeria improvisada, sua mãe
cedeu o espaço de seu comércio à Galeria L’Atelier, onde Dorian manteve seu próprio atelier
de pintura293
. A mostra inaugural deste ambiente, em agosto de 1966, contou com 17 artistas,
e, ao que parece, de francês possuía apenas o nome, porque os pintores que nele expuseram
“mostraram-se preocupados com a valorização dos temas da terra, desde as barcaças e velas
do Potengi até as manifestações folclóricas que por aqui existem”294
.
Essas duas iniciativas de Dorian Gray, que, sem dúvida, contribuíram para dinamizar o
meio artístico natalense, se não duraram muito, ao menos serviram para dar visibilidade ao
seu nome, para que ele consolidasse novas redes de sociabilidade, e, sobretudo, para que ele
conquistasse posições de liderança no campo da gestão cultural do governo do Estado.
Com a posse do governador Walfredo Gurgel, em 1966, Ilma Melo Diniz - esposa do
sobrinho dele, José Daniel Diniz, Secretário de Finanças295
- passou a dirigir o Serviço de
Cultura da Secretaria de Educação do Estado, assim como a presidência da Fundação José
Augusto296
. Foi a partir desse momento que Dorian Gray e Newton Navarro, como integrantes
do quadro do funcionalismo estadual, vale lembrar, começaram a assessorar Ilma Melo, cuja
administração impulsionou o segmento artístico da cidade com a inauguração do Museu de
Arte e História, o Sobradinho297
, instalado num casarão colonial da rua da Conceição.
No mesmo ano da inauguração, o Sobradinho sediou a 1ª Feira de Artes Plásticas
promovida pelo Serviço de Cultura, que reuniu 28 artistas, cujos trabalhos foram selecionados
por Dorian, Navarro, Veríssimo de Melo e Iaponi Araújo, que também escolheram o melhor
pintor, cujo prêmio incluiria uma viagem ao sul do país e a aquisição de sua tela pelo Governo
293
Entrevista concedida à autora em 12 nov. 2015. 294
ELES veem a vida em cores. Diário de Natal, 20 ago. 1966. 295
RIBEIRO, Ramon. Os feitos do Monsenhor. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/os-
feitos-do-monsenhor/365255>. Acesso em: 17 08 2016. 296
Criada por decreto do governador Aluízio Alves, em 1963, como parte do plano de cultura do seu governo, a
qual caberia a gestão das faculdades de Filosofia e de Jornalismo, do Instituto Juvenal Lamartine, do Museu de
Arte e História e da Biblioteca Pública do Estado, esses dois últimos fundados posteriormente. Cf. FUNDAÇÃO
José Augusto: publicados os atos para seu funcionamento imediato. Diário de Natal, 30 maio 1963. 297
Construído entre 1816 e 1820, foi a primeira construção assobradada de propriedade particular em Natal.
Chamado de Sobradinho ou Véu de Noiva, pela forma em declive acentuado de seu telhado, foi residência, até o
início do século XX. Adquirido pelo governo do Estado em 1960, foi tombado e restaurado pelo Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, passando a abrigar o Museu de Arte e História do Rio Grande do Norte, de 1965
a 1978. No dia 12 de março de 1979 passou a sediar o Museu Café Filho, uma vez que, neste sobrado, o ex-
presidente João Café Filho fez militância política, criou e presidiu por dois anos o Sindicato dos Trabalhadores.
Cf. <http://www.memoriaviva.com.br/cafefilho/museu.htm>. Acesso em: 17 08 2016.
97
do Estado298
. Ao mesmo tempo, o Serviço de Cultura apareceria como parceiro ou promotor
de exposições de arte sediadas na Galeria L’Atelier, de propriedade de Dorian, e realizadas
sob a sua coordenação, como a 1ª mostra de xilogravura de artistas norte-rio-grandenses, já
referida, e a coletiva de arte sacra299
, realizada em março de 1967.
Essa aproximação entre Dorian Gray e Ilma Melo explica, muito provavelmente, a
nomeação deste artista, em 1967, para dirigir o Teatro Alberto Maranhão, em substituição ao
teatrólogo Meira Pires300
, pelo prazo de um ano, função que o colocava como membro nato do
Conselho Estadual de Cultura301
, no qual permaneceu por muitos anos, mesmo após deixar o
teatro. Além disso, em maio de 1968 Dorian foi designado para a direção do Museu de Arte e
História, cargo que exerceu até o final do mandato do Monsenhor Walfredo Gurgel, em 1971.
Ao tomar posse dessa função, Dorian traçou como planos promover uma exposição de
três novas séries de desenhos de Newton Navarro – vaqueiros, futebol e touros, esta última
executada em sua viagem a Madrid; ampliar o acervo museológico do Museu do Sobradinho,
com apoio dos prefeitos do interior do Estado; criar oficinas de talhas e gravuras e publicar
álbuns e livros de “valor histórico”302
.
Foi na condição de diretor da recém-criada instituição museológica do Estado, que
Dorian Gray começou a articular a constituição de um acervo de arte potiguar, adquirindo, por
doação, três quadros de autoria do seu tio, Moura Rabello, para integrar o Museu de Arte e
História: os retratos do aviador Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, ao lado do seu
auxiliar, Georges Sachet; e de outras duas figuras políticas do Estado, Amaro Cavalcanti de
Brito e o Padre Francisco de Brito Guerra.
Apesar das poucas fontes encontradas sobre sua gestão no Museu, identifiquei alguns
eventos coordenados por ele, como a citada mostra de Navarro, uma coletiva nacional de
gravuras e um salão de arte infantil, alusivo ao Dia da Criança303
. Sob o patrocínio do Serviço
de Cultura, Dorian também presidiu a delegação do Estado numa mostra coletiva de artistas
298
FEIRA de Artes Plásticas terá participação de 28 pintores. Diário de Natal, 26 out. 1966. 299
MACEDO, Paulo. Coletiva Sacra. Diário de Natal, 18 mar. 1967. 300
Ele havia sido designado para o Serviço Nacional do Teatro. Cf. TEATRO. Diário de Natal, 11 maio 1967. 301
Junto com ele, tomaram posse o historiador Câmara Cascudo, os professores Alvamar Furtado de Mendonça e
Américo de Oliveira Costa, Dom Nivaldo Monte, o jurista Ivan Maciel, o médico Jarbas Bezerra, secretário de
Educação e Cultura, Ilma Melo Diniz, do Serviço de Cultura e o economista João Batista Cascudo Rodrigues.
Cf. MACEDO, Paulo. Conselho Estadual de Cultura. Diário de Natal, 07 abr. 1967. 302
DORIAN expõe planos de trabalho do Sobradinho. Tribuna do Norte, 24 maio 1968. 303
NAVARRO vai expor. Diário de Natal, 30 maio 1968. MACEDO, Paulo. A coletiva de Dorian. Diário de
Natal, 15 set. 1969. ______. Semana da criança abre com salão. Diário de Natal, 06 out. 1969.
98
potiguares na Galeria Detalhe, em Recife, em 1969, representada por ele, Newton Navarro,
Iaperi e Irani Araújo, Jomar Jackson, Leopoldo Nelson, Rejane Cardoso e Zenaide Pessoa304
.
Após a entrada em funcionamento da Galeria de Arte da Biblioteca Pública Estadual
Câmara Cascudo, inaugurada em 1969, sob a direção da poetisa e bibliotecária Zila Mamede,
as exposições promovidas pelo Estado foram, paulatinamente, deslocadas do Museu do
Sobradinho para esse novo ambiente305
. Somente nessa galeria, entre 1970 e o final dos anos
oitenta, Dorian Gray fez a apresentação pública de, pelo menos, duas dezenas de artistas,
novatos ou veteranos, na abertura de suas exposições, uma prática que lhe conferia uma “voz
autorizada” para intervir na constituição de uma arte potiguar. Irmã Miriam, Jomar Jackson,
Franklin Jorge, Thomé Filgueira, Jordão, Zenaide Veras, Leopoldo Nelson, Jussier
Magalhães, Assis Marinho, Marcellus Bob, Carlos Sérgio, Avelino Araújo e Zaíra Caldas
foram alguns dos nomes apresentados por ele nesse espaço mantido pelo poder público306
.
O período de 1967 a 1973 correspondeu a um momento de grandes conquistas na
carreira artística de Dorian Gray. Sua proximidade com o Estado possibilitou que o artista
representasse o Rio Grande do Norte, com suas obras, em exposições de arte e feiras de
divulgação do potencial turístico potiguar, seja individualmente ou em grupo.
Além disso, nesse período, Dorian se beneficiou do patrocínio da Fundação José
Augusto na publicação de seis álbuns de gravuras e um de desenho, facilitado pelo progresso
alcançado nas técnicas gráficas do Departamento Estadual de Imprensa307
, fazendo com que
seus trabalhos circulassem pelo Brasil, como doação do próprio autor ou presenteados pelo
poder público. Em 1968, Peregrino Junior, escritor potiguar radicado no Rio de Janeiro, que
presidiu a Academia Brasileira de Letras no biênio 1956-1957, escrevia a Dorian, ao retornar
de uma visita ao Estado, sobre o álbum de gravuras que levara de Natal naquele ano: “O
gravador, dotado de extraordinário talento, e dominando sua técnica, com brilho e vigor, nos
dá as mais deliciosas imagens de nossa terra e da nossa gente, um panorama lírico do Rio
Grande do Norte, suas terras, suas praias, suas doces paisagens, seu povo admirável”308
.
304
MACEDO, Paulo. Potiguares no Recife. Diário de Natal, 28 out. 1969. 305
MUSEU do Forte está abandonado e artistas deixaram Sobradinho. Natal, 31 maio 1969. Trata-se de um
recorte de jornal do acervo de Dorian (título não identificado), em que o repórter constata a preferência dos
artistas por expor em outros locais da “moda” em vez destes, dirigidos por Augusto Severo Neto e Dorian Gray. 306
Levantamento feito no Diário de Natal (1957-1989), versão digital da Biblioteca Nacional. 307
IMPRENSA oficial dinamiza cultura. Diário de Natal, 23 jan. 1969. 308
PEREGRINO Junior, Rio, 31 de dezembro de 1968. Carta incluída na Fortuna Crítica da coletânea “Do outro
lado da sombra: poesia quase completa”, de Dorian Gray (Editora do IFRN, 2015). p.239
99
No terreno das exposições, foi o Serviço Estadual de Cultura que proporcionou sua
primeira mostra individual fora do Estado, em abril de 1967, na Galeria Sobrado 7, em
Olinda, quando Dorian apresentou 19 trabalhos da “sua fase dos rios e mangues”309
.
Depois dessa exposição, vieram muitas outras, de pintura e gravura, no Rio de Janeiro,
em São Paulo, Brasília, João Pessoa, Recife e Fortaleza (Anexo VI), dentre as quais se
destacam duas individuais pelo respaldo que tiveram de renomados críticos de arte e cujas
apreciações foram utilizadas diversas vezes por Dorian Gray em materiais de divulgação de
sua arte como “vozes autorizadas” de sua produção artística.
No início de 1967, o Serviço de Cultura do Estado trouxe a Natal, para ministrar um
curso de História e Crítica da Arte310
, o professor Clarival do Prado Valladares311
, um dos
mais respeitados críticos de arte no Brasil, na década de 1960, membro de júri de bienais de
arte nacionais e internacionais, além de colunista em jornais de grande circulação no país.
Suponho que ambos tenham se conhecido nessa visita a Natal, ocasião que resultou no
convite do crítico de arte para uma exposição individual de Dorian Gray na Galeria Goeldi,
de sua propriedade, que se realizou em novembro de 1967, no Rio de Janeiro. Uma nota sobre
a exposição foi divulgada no Diário de Notícias, daquela capital, informando que o pintor e
desenhista, nascido em Natal, tinha quadros no Brasil e em instituições culturais, na Holanda,
França e Estados Unidos, e, que, na Goeldi, mostraria seus últimos trabalhos: “cajus, laranjas,
peixes, gente, barcos, dunas, nesta sua „vocação pictórica pela realidade brasileira, incapaz de
deformá-la, mutilá-la, sob pretexto de interpretação pessoal‟, segundo palavras de Luís da
Câmara Cascudo”312
.
Essa citação de Cascudo certamente integrava o catálogo de divulgação da mostra, o
que revela o empréstimo do nome e da credibilidade do pesquisador para legitimar o artista
diante do público e da crítica carioca. A receptividade da mostra, no entanto, não foi unânime.
Enquanto em Natal o cronista Paulo Macedo noticiava que a mostra estaria “sendo muito
apreciada”313
, no Diário de Notícias, do Rio, um colunista da seção de Artes afirmava não ter
conseguido, mesmo “com a melhor boa vontade, descobrir uma razão para tal exposição”,
opinando tratar-se de “trabalho semiacadêmico, fraco”, que fugia “da constante (ou quase) da
309
ARAÚJO, Iaperi. Artes plásticas. Roteiro de cursos e mostras. Diário de Natal, 13 abr. 1967. 310
CURSO sobre arte com êxito. Diário de Natal, 19 abr. 1967. 311
Clarival do Prado (1918-1983) era baiano e médico, profissão que conciliou com a de escritor, professor,
historiador e crítico de arte. Publicou 24 livros; escreveu sobre Portinari (1965), Di Cavalcanti (1966), Lula
Cardoso Ayres (1978), etc. Cf. GASPAR, Lúcia. Clarival do Prado Valladares. Fundação Joaquim Nabuco,
Recife. Disponível em: <http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 13 abr. 2017. 312
DORIAN Gray expõe suas realidades. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 13 nov. 1967. 313
MACEDO, Paulo. Reportagem. Diário de Natal, 16 nov. 1967.
100
Galeria Goeldi”, que era “de estímulo à jovem pintura, a artistas inquietos em fase de
realização”314
. Para Dorian Gray, no entanto, a crítica que permaneceu foi a de Clarival do
Prado Valladares, que o apresentou no catálogo da exposição, para quem o artista usava dos
“recursos da técnica em grande parte do autodidatismo”, exercendo uma “criação artística
referencialmente do local”, embora “em termos da pintura universal do homem erudito”315
.
Foi também em Natal, no mês de abril de 1968, que Dorian entrou em contato, pela
primeira vez, com o crítico de arte Antonio Bento (1902-1988), radicado no Rio de Janeiro,
quando este veio ao Rio Grande do Norte em viagem de férias, oportunidade na qual desejou
conhecer Dorian Gray e o entalhador Manxa316
. Paraibano, nascido em Araruna, Antonio
Bento de Araújo Lima317
formou-se em Direito, mas se tornou uma das maiores
personalidades da crítica de arte nacional, assim como Clarival do Prado.
Do seu encontro com Dorian Gray, produziu um artigo para o Diário Carioca, no qual
mantinha coluna cativa, em que situava a arte deste artista potiguar num contexto de retorno à
figuração, de valorização dos motivos populares e de desaparecimento dos “preconceitos e
juízos de valor desfavoráveis às criações dos artistas regionais”. Nesse sentido, afirmava que
via com “muita simpatia” o trabalho de Dorian Gray, cuja pintura se voltava para uma
temática local: “Os seus quadros reproduzem a vida dos engenhos de açúcar, dos pescadores,
das praias nordestinas, dos trabalhadores rurais, dos velhos casarões do interior”318
.
Satisfeito com a apreciação feita pelo crítico, Dorian o convidou para apresentá-lo numa
exposição individual que realizaria em novembro daquele mesmo ano, na Azulão Galeria, em
São Paulo, de propriedade de Sophia Tassinari, mostra que ele conseguiu por mediação de um
amigo natalense que morava naquela capital, Manoel Araújo. No catálogo dessa exposição,
Antônio Bento reafirmava a filiação da arte de Dorian a um repertório artístico regionalista,
julgando-o “representativo da cultura plástica do Nordeste brasileiro”, uma vez que, segundo
ele, “tanto nas paisagens campestres como nas cenas das praias natalenses e em composições
314
ROTEIRO da próxima semana. Diário de Notícias, Artes Plásticas, Rio de Janeiro, 19 nov. 1967. 315
“Clarival do Prado Valladares, no catálogo de apresentação dos trabalhos da Galeria Goeldi, Rio, em
13.11.67”, trecho inserido no folder da exposição de tapeçaria do artista na Galeria Chris, em Fortaleza, em
1976. Acervo de Dorian Gray. 316
ANTÔNIO Bento: Um potiguar fala de Picasso e de bienais que viu. Diário de Natal, 25 abr. 1968. 317
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CRÍTICOS DE ARTE. Memória da Crítica. Jornal da Abca, São Paulo,
ano XII, n.30, maio 2014. Disponível em: <http://abca.art.br/n30/04memoria.html>. Acesso em: 13 abr. 2017. 318
BENTO, Antônio. Pinturas de Dorian Gray. Natal, abril de 1968 (recorte de jornal sem identificação). Acervo
de Dorian Gray.
101
diversas”, Dorian Gray fixava a “atmosfera e o caráter de sua terra através de formas e cores
de incontestável sabor telúrico ou nativo”319
.
Depois de experimentar a pintura, a cerâmica, a escultura, o mural e a gravura, Dorian
Gray inaugurava, no final de 1969, a tapeçaria como outra forma de expressão artística. Sua
aparição na mídia com esse suporte dava conta de que “a nova figuração dos tapetes”
expostos na coletiva potiguar da Galeria Detalhe, em Recife, “recebeu da crítica os melhores
elogios”320
.
Dorian parecia estar num bom momento da carreira. Em dezembro, foi agraciado com o
“Mérito Luís da Câmara Cascudo”321
, concedido pelo Governo do Estado, na Festa das
Personalidades do Ano, promovida pelo cronista social Paulo Macedo, então, diretor social do
América Futebol Clube e secretário de Turismo de Natal322
. Dentre as razões do prêmio, o
cronista apontava seu nome como um dos poucos representantes das artes, das letras e da
cultura do Nordeste conhecidos no país e até no exterior, sobretudo, por seus álbuns de
gravura e exposições realizadas em diversas capitais. Além disso, “apareceu com projeção nas
artes em várias modalidades e de muitos aspectos, concretizando num só ano o que ele
próprio não acreditava”323
, justificou Paulo Macedo, que, em sua coluna diária num periódico
natalense, seguiu os passos de Dorian Gray ao longo das décadas de 1970 e 1980.
As razões da investida de Dorian na confecção de tapetes foram apenas pontuadas em
sua história oral de vida. Para justificar essa guinada, associou seu nome a dois ícones da
tapeçaria moderna produzida na época: o francês Lurçat e o baiano Genaro de Carvalho,
principais representantes do gênero na Europa e no Brasil, respectivamente. Além disso,
Dorian se apropriou de uma opinião do crítico Clarival do Prado Valladares para legitimar seu
lugar de muralista, alegando ter vocação para produzir telas em grandes formatos324
.
319
“Antonio Bento, no catálogo da exposição da Azulão Galeria, São Paulo, em 13.11.68”. Folha avulsa de
catálogo de exposição, pertencente ao acervo de Dorian Gray. 320
MACEDO, Paulo. Natal e Alhures. Diário de Natal, 14 nov. 1969. 321
Concedida há 14 anos, ganhou essa denominação em 1968, por ocasião dos 50 anos de vida intelectual do
pesquisador. Cf. MACEDO, Paulo. Mérito Câmara Cascudo. Diário de Natal, 16 dez. 1968. 322
A criação da Secretaria Municipal de Turismo e Certames (SECTUR) na estrutura administrativa da
Prefeitura de Natal (Lei 1789/68), durante a gestão do prefeito Agnelo Alves, se inseria na política nacional de
desenvolvimento do turismo como potencial econômico dos municípios brasileiros, implementada após a criação
do Sistema Nacional de Turismo e da Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR), pelo decreto-lei 55/66, do
Governo Castello Branco. Cf. SÁ, Karen Ann Câmara Bezerra. Turismo em Natal: uma perspectiva histórica. In:
______. Urbanização turística em Ponta Negra: relações de força e processos sociais no período 1979-2009.
Dissertação (Mestrado em Turismo e Desenvolvimento Regional) – UFRN. Natal, 2010. p.73-112. 323
MACEDO, Paulo. Personalidade do Ano. Diário de Natal, 08 jan. 1970. 324
Entrevistas concedidas à autora em 30 jul./05 ago. 2014, 08 out./12 nov. 2015, 01 jul. 2016.
102
Segundo ele, seu primeiro contato com esse tipo de arte ocorreu numa exposição
internacional trazida ao Brasil por Lurçat325
, cujo atelier reproduzia pinturas feitas em cartão
dos principais artistas europeus da modernidade. No entanto, apenas em 1969, decidiu investir
nesse segmento artesanal depois de conhecer o trabalho do tapeceiro baiano326
, Genaro de
Carvalho, na Galeria Astréia, no Rio de Janeiro. Sua iniciação no conhecimento da técnica,
conforme admitiu, lhe foi dada pela mãe, Nympha Rabello327
, que, segundo ele, possuía dotes
artísticos. Ao menos um dos tapetes produzidos por ela, exposto na Galeria Vila Flor, em
Natal, de propriedade do poeta Augusto Severo Neto, chegou a ser comprado, em 1953328
, por
Aminadav, um dos irmãos do artista cinético Abraham Palatnik, provenientes de uma família
judia de comerciantes, que se fixou na capital potiguar desde a década de 10.
Em 1969, quando instalou seu atelier de tapeçaria, pode-se dizer que Dorian ainda não
dispunha de um mercado de arte suficiente para viver, exclusivamente, do seu trabalho. Com
a morte do pai, Elói Caldas, poucos anos antes, assumiu, sozinho, o sustento da casa, da mãe,
da esposa e da filha, recém-nascida. Portanto, é possível que esse cenário justificasse sua
mudança em relação a uma atividade até então secundarizada por ele, uma vez que, segundo
ele próprio admitiu, já conhecia o trabalho da tapeçaria desde o início dos anos 50.
Compreende-se, assim, por que as vendas iniciais o animaram a seguir adiante nesse
segmento de arte: “Eu era funcionário do Estado. Dois tapetes que eu fiz nessa época para os
irmãos Rique, uns banqueiros paraibanos, salvo engano, me garantiram um ano de
sobrevivência econômica!”329
.
A tapeçaria predominou na trajetória artística de Dorian Gray entre as décadas de 1970
e 1990. O artista estimou entre três a quatro mil tapetes o número de peças produzidas em seu
atelier, que, em períodos de maior demanda, contou com até 30 bordadeiras (Anexos IV e V).
A montagem da estrutura para a produção dos tapetes e o domínio da técnica da
tecelagem consumiram alguns meses de trabalho do artista, que, para isso, contou com o
325
Lurçat trouxe ao Brasil, em 1954, 80 tapeçarias, 41 pinturas a óleo, 38 guaches, 80 litografias, 50 cerâmicas e
20 livros ilustrados por ele, a serem expostos nos Museus de Arte Moderna do Rio e de São Paulo. Cf. BASTOS,
Clemente de Magalhães. A maior exposição de Jean Lurçat, até hoje feita no mundo. Diário de Notícias, Rio de
Janeiro, 14 mar. 1954. 326
Genaro de Carvalho (1926-1971) integrou a primeira geração de artistas modernos da Bahia. Estreou com
pintura, em 1944, e estudou tapeçaria na França. Produziu tapetes de 1955 a 1970. A fauna e a flora tropicais
brasileiras foram os temas mais profícuos da sua obra. Cf. SILVA, Simone Trindade Vicente da. Genaro de
Carvalho: o artista tapeceiro. Disponível
em:<http://www.revistaohun.ufba.br/pdf/Genaro_de_Carvalho_O_Artista_Tapeceiro_SimoneTrindade.pdf>.
Acesso em: 10 dez. 2016. 327
Entrevista concedida à autora em 30 jul. 2014. 328
CALDAS, Dorian Gray. Vila Flor. In: ______. A hora única: reunião de textos em prosa. Natal: EUFRN,
2012. p.185-187. 329
Entrevista concedida à autora em 05 ago. 2014.
103
apoio da mãe, Nympha Rabelo, e da esposa Wanda Caldas. O processo começava com o
desenho dos temas, com lápis-cera, diretamente na étamine, pendurada à parede, cortada na
dimensão média de 2m2 (1,40m x 1,60m); em seguida, Dorian marcava as cores nas figuras,
que, depois, eram preenchidas com fios de lã, a mão, por tecelãs contratadas para este fim330
.
Antes mesmo da exposição de estreia em Natal, em julho de 1970, na Galeria de Arte
da Biblioteca Pública Câmara Cascudo, o artista já contava com encomendas do Rio de
Janeiro, São Paulo e Brasília, além de ter vendido para um renomado cliente, o embaixador
norte-americano no Rio, Richard B. Palmer. Essa primeira mostra de tapeçaria de Dorian
Gray foi uma promoção conjunta da Fundação José Augusto, presidida por Ilma Melo, e da
Secretaria Municipal de Turismo, por meio do titular, Paulo Macedo, além de envolver duas
damas da sociedade na organização do cerimonial, tomadas pelo artista como patronesses, a
jornalista Ana Maria Cascudo Barreto, filha do pesquisador Câmara Cascudo, e a senhora
Lisieux Hans331
. Na abertura do evento, discursaram a diretora da Biblioteca, a poetisa Zila
Mamede, e o governador Monsenhor Walfredo Gurgel. Dentre os presentes: autoridades
militares, o cônsul honorário da França em Natal, o intelectual Américo de Oliveira Costa,
uma comitiva francesa, um grupo de rotarianos, e “muita gente importante da sociedade”332
.
A tapeçaria representou o ingresso definitivo de Dorian Gray no mercado nacional de
arte, o que demandou, a princípio, uma dedicação quase integral do artista, demonstrada por
seu afastamento da função de diretor do Museu do Sobradinho, em abril do ano seguinte333
. O
sucesso obtido com os tapetes se confirmava na medida em que a imprensa noticiava as peças
adquiridas por pessoas de renome social, entidades privadas ou pelo próprio Governo, com o
fim de presentear autoridades nacionais e estrangeiras em visita a Natal334
.
Tal acolhida certamente se devia, entre outros fatores, às temáticas exploradas pelo
artista que, aos olhos dos compradores, deveriam evocar uma dada visualidade local, como
sugere a própria explicação de Dorian Gray: “Quase todos os temas da minha tapeçaria são
figurativos: barcos e barqueiros é um tema recorrente; temas regionais, como plantadoras de
330
Entrevista concedida à autora em 18 set. 2014. 331
MACEDO, Paulo. Dorian mostra seus tapetes esta noite. Diário de Natal, 11 jul. 1970. ______. Tapete de
Dorian adquirido por Richard B. Palmer. Diário de Natal, 17 jun. 1970. 332
______. Mostra devidamente prestigiada. Diário de Natal, 13 jul. 1970. 333
______. Museu de História. Diário de Natal, 26 abr. 1971. 334
Seus tapetes chegaram às mãos, por exemplo, do ex-presidente João Batista de Oliveira Figueiredo, da esposa
do também ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, Scila Nogueira, da colunista social brasiliense, Consuelo
Badra, da americana Peggy Rockefeller, e da atriz brasileira, Márcia de Windsor.
104
algodão, temas com canavial, temas com engenho, e que ficam muito bonitos, porque é muito
telúrico, muito luminoso”335
(Imagem 17).
No Governo Cortez Pereira (1971-1975), quando as ações de fomento à atividade
turística ganharam novo impulso, com a criação da Empresa de Promoção e Desenvolvimento
do Turismo (EMPROTURN), a arte produzida no Estado passou a ser incorporada aos
produtos promocionais apresentados em feiras, congressos e exposições com participação do
poder público, eventos nos quais os tapetes de Dorian Gray constituíam uma das principais
atrações336
. O próprio artista chegou a se envolver na coordenação do “Seminário de Cultura
em função do Turismo”, realizado pela Fundação José Augusto, em 1971, que pretendia
debater as características culturais do Nordeste e seu potencial como atrativo turístico337
.
Imagem 17: Tapeçaria “Barcos” (135cmx165cm), Dorian Gray, 1978, acervo do SESC/RN
Fonte: CALDAS, Dorian Gray. A presença das Artes Plásticas no SESC, SENAC, Federação do Comércio do
Rio Grande do Norte. Natal: SENAC, 1995, p.28
335
Entrevista concedida à autora em 21 ago. 2014. 336
Foi o caso da Feira da Providência, no Rio de Janeiro, edições de 1971 e 1973; e do Congresso da Associação
Americana de Agentes de Viagem (Asta), no Rio, em 1975, que contaram com stand da EMPROTURN. 337
FUNDAÇÃO vai promover Seminário de Turismo. Diário de Natal, 19 maio 1971.
105
Esse empenho do governo potiguar em promover a imagem do Rio Grande do Norte
com vistas ao desenvolvimento do turismo local seguia as diretrizes traçadas pela União no
sentido da estruturação do mercado turístico nacional, tendo como agente catalisador, em
âmbito federal, a Empresa Brasileira de Turismo (EMBRATUR), criada em 1966. Dentro
dessa política, o presidente Emílio Garrastazu Médici instituiu 1970 como o primeiro Ano
Nacional do Turismo, e investiu numa campanha publicitária de divulgação de cidades e
regiões do país no exterior, que incluía a participação da EMBRATUR na Brasil Export -
Feira Brasileira de Exportação, que, em 1973, aconteceu em Bruxelas, na Bélgica338
.
Foi com base nessa ideia do governo federal, que, no mesmo período da Brasil Export
73, o Banco do Estado do Rio Grande do Norte (BANDERN), com o aval do Banco Central,
patrocinou uma exposição de três artistas potiguares na sede do Banco Interamericano de
Desenvolvimento Econômico (BIRD), em Washington, Estados Unidos, composta pela
tapeçaria de Dorian Gray e do também tapeceiro potiguar, Iraken Marques de Lima339
, além
de quadros de Newton Navarro.
Segundo o presidente do BANDERN, na época, o empresário Osmundo Faria, a mostra
no BIRD, idealizada por ele, fazia “parte da política do Governo Estadual de financiar
exposição visando estimular os artistas e difundir a arte potiguar”, enxergando, nessa
iniciativa, a criação de um “novo mercado de exportação” atrelado ao turismo340
. “Muitos
turistas visitam a Bahia para conhecer Jorge Amado e adquirir peças dos seus artistas
plásticos, famosos no Brasil e no exterior. Aqui temos o mestre Câmara Cascudo e artistas
plásticos e tapeceiros que farão sucesso em qualquer país do mundo”, justificava341
.
As obras dos três artistas seguiram para Washington uma semana antes da exposição.
No entanto, Dorian Gray não viajou aos Estados Unidos, conforme confidenciou em suas
narrativas de história oral. Alegou uma razão de ordem afetiva - o apego à filha Dione, que,
na época, tinha 9 anos, outra de ordem profissional – uma grande encomenda de tapetes para a
agência-centro do Banco do Brasil em Natal342
.
Inaugurada em 31 de outubro, a sede da agência, construída em cinco pavimentos, na
Avenida Rio Branco, Cidade Alta, recebeu obras de três artistas plásticos, acertadas com José
338
ALFONSO, Louise Prado. O cardápio em imagens. In: ______. EMBRATUR: formadora de imagens da
nação brasileira. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social – Universidade Estadual de Campinas).
Campinas, 2006. p.74-128. 339
Nascido em Ceará-Mirim (1937), é pintor, tapeceiro e entalhador. Fez suas primeiras exposições em Natal na
década de sessenta. Cf. CALDAS, Dorian Gray. Artes Plásticas do Rio Grande do Norte (1920-1989). Natal:
EDUFRN/ FUNPEC/SESC, 1989. 340
ARTISTAS potiguares vão expor nos EUA. Diário de Natal, 05 nov. 1973. 341
NOSSA arte no exterior. O Poti, 01 abr. 1973. 342
Entrevista concedida à autora em 01 jul. 2016.
106
Carlos Barbieri, um dos arquitetos responsáveis pela construção: uma escultura em concreto
do pernambucano Abelardo da Hora, que ornou a entrada do edifício; talhas em madeira, com
aplicações de cobre martelado, do entalhador potiguar Manxa, afixadas em paredes do 1º e 2º
pavimentos; e sete tapeçarias de Dorian Gray, com “motivos da economia do Rio Grande do
Norte”, medindo 1,5m x 3m, cada uma, destinadas à decoração do auditório343
.
O retorno econômico obtido por Dorian Gray com essa atividade chegou rápido e gerou
especulações sobre quanto ele faturava, com quantas bordadeiras trabalhava e quanto lhes
pagava, além dos boatos de que ele “só fazia bolar os desenhos dos tapetes e pronto” 344
. Em
entrevista concedida, em 1974, ao jornal O Poti, Dorian Gray admitia que, só a partir de 1970,
teve condições de sobreviver, profissionalmente, como artista; confirmou ter o mercado
nacional como maior comprador, já que o local não absorvia, sequer, dois tapetes por mês; e
informou manter em torno de 10 bordadeiras contratadas, que eram pessoas ligadas à sua
família, e remuneradas conforme a produtividade.
A desconfiança em relação ao campo criativo da tapeçaria, comparado ao da pintura,
também foi objeto de questionamento em sua primeira entrevista ao Programa Memória Viva,
levado ao ar pela TV Universitária de Natal, em 1982. Na ocasião, o professor Alvamar
Furtado de Mendonça, na condição de entrevistador, quis saber se a demanda do mercado não
poderia transformar o tapeceiro “num repetitivo de sua arte”. Mesmo admitindo conhecer
essas limitações, Dorian argumentou que, “em centenas de trabalhos, nunca havia repetido um
tema”, e que, por isso, não via “mal maior na tapeçaria”345
.
A despeito da maior parte de sua produção de tapetes ter se concentrado nas décadas de
setenta e oitenta, nesse período, Dorian Gray não deixou de exercer as outras modalidades
artísticas. Datam, sobretudo, dessa fase, as obras de sua autoria incorporadas, oficialmente, ao
acervo do Governo do Estado e do BANDERN e às coleções de entidades privadas, como a
Federação do Comércio do Rio Grande do Norte e as unidades regionais do Serviço Social do
Comércio (SESC) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) 346
.
343
NATAL ganha um novo BB. Diário de Natal, 31 out. 1973. 344
AUTORETRATO de Dorian Gray: entrevista a Jorge Batista. O Poti, 22 set. 1974. 345
LYRA, Carlos (Coord.). Memória Viva de Dorian Gray Caldas, Newton Navarro, Leopoldo Nelson. Natal:
EDUFRN, 1998. p.21. 346
Os Conselhos Regionais do SESC e do SENAC foram criados pela Federação do Comércio do RN em 1949,
apesar da presença de uma Delegacia do SESC, em Natal, desde 1947. Na capital, a sede mais antiga do
condomínio SESC-SENAC data de 1957, no bairro Cidade Alta; depois foram criadas unidades em Potilândia
(1966), em Ponta Negra (1970), na Avenida Rio Branco (Restaurante do Comerciário, 1979) e no Alecrim
(1981). Cf. SESC Rio Grande do Norte: uma história de 60 anos. Textos de Jacqueline Pinheiro Maia Cavalcanti,
Zaíra Atanázio Ferreira. Natal: SESC/RN, 2006.
107
Sua relação com o Sistema SESC/SENAC/Federação foi mediada pelo empresário
Reginaldo Teófilo, que presidiu esses órgãos ao longo de 30 anos (1965-1995)347
. O contato
inicial entre os dois parece remontar a 1970, quando ambos se envolveram na preparação do
centro da cidade para o Ciclo Natalino; Dorian, responsável pela ornamentação das ruas, e
Reginaldo, representando a participação do comércio348
. O fato é que, em 1975, foi a sede do
SESC/SENAC, na Cidade Alta, que abrigou a exposição retrospectiva dos 25 anos de
atividades profissionais de Dorian Gray349
. Em 1989, artista e entidades se uniram,
novamente, em comemoração conjunta pelos 40 anos de atuação do SESC no Rio Grande do
Norte, e os 20 anos da tapeçaria de Dorian Gray, que gerou outra mostra retrospectiva350
.
Confirmando o prestígio do artista junto a essas instituições privadas, de um total de
113 obras de arte que, até 1995, compunham o acervo de suas unidades regionais no Estado,
catalogadas no livro “A presença das Artes Plásticas no SESC/SENAC/Federação”, publicado
pelo próprio Dorian, 43 são de sua autoria; outros 44 trabalhos são de Newton Navarro, e os
demais, pertencentes à lavra de outros nove pintores. Na apresentação do livro, patrocinado
pelo próprio Sistema Fecomércio, Reginaldo Teófilo defendeu que todo esse acervo foi
adquirido ao longo de sua administração, em exposições artísticas, individuais, coletivas e
promocionais, “numa política de valorização das artes e da cultura em nosso Estado”351
. As
obras de autoria de Dorian Gray que compõem essa coleção foram produzidas entre 1972 e
1994, e constituem 23 tapetes, 9 quadros, 6 gravuras e 5 desenhos (Anexo IV).
O ingresso das obras de arte de Dorian Gray nos órgãos públicos da administração
estadual remonta ao início dos anos sessenta, com a pintura do retrato do ex-governador
Alberto Maranhão para o teatro que leva seu nome e as pinturas-murais produzidas no
Departamento de Estradas e Rodagem (DER) e no Instituto Padre Miguelinho. Essa presença
se ampliou a partir do processo de criação da Pinacoteca do Estado, que começou em 1983
por meio de uma campanha de doação de obras solicitada a artistas e críticos de arte, locais e
de outros Estados, pela Fundação José Augusto, numa iniciativa coordenada pelo escritor e
jornalista Franklin Jorge. Na época, Dorian Gray foi o primeiro a doar um trabalho para
347
Reginaldo Teófilo (1929-1999) era bacharel em Ciências Contábeis e em Direito; foi professor da Faculdade
de Ciências Econômicas de Natal, da Escola do Comércio e do SENAC; era dono da antiga Casa Régio S.A.
Comércio de móveis e eletrodomésticos. Cf. CARDOSO, Rejane (Org.). 400 Nomes de Natal, 2000. Op. cit. 348
NATAL vai ter Natal diferente e comércio à noite começa segunda. Diário de Natal, 04 dez. 1970. 349
MACEDO, Paulo. Dorian Gray no jubileu da pintura. Diário de Natal, 26 nov. 1975. 350
SESC festeja 40 anos com extenso programa. Diário de Natal, 14 set. 1989. 351
TEÓFILO, Reginaldo. Apresentação. In: CALDAS, Dorian Gray. A presença das Artes Plásticas no Sesc,
Senac, Federação do Comércio do RN. Natal: SENAC, 1995. p.3
108
compor o acervo da instituição352
, instalada, inicialmente, no Centro Cultural da Fundação
José Augusto, e onde, desde 1986, funciona o Memorial Câmara Cascudo, na Cidade Alta.
Segundo o mais recente inventário do acervo de artes visuais do Estado do Rio Grande
do Norte, feito pela Fundação José Augusto, que catalogou 874 obras de autoria de 345
artistas até 2006, Dorian Gray figura como o maior detentor de trabalhos, num total de 66,
seguido de Newton Navarro (38), Manxa (20), Fernando Gurgel (20), Clóvis Graciano (14),
Aécio Emerenciano (11), Assis Marinho (11) e Calazans Neto (10), para citar apenas os que
possuem acima de uma dezena de obras catalogadas em diversos órgãos estaduais353
.
No que se refere às obras de arte de autoria de Dorian Gray (Anexo V), produzidas entre
1960 e 2005, sua entrada no acervo estadual ocorreu de três formas: do total de 66, 14 foram
doações do artista, 29 aquisições e 23 procedentes da coleção do extinto BANDERN (Banco
do Estado do Rio Grande do Norte). Os quadros conformam a maior parte, em número de 36,
alguns deles de dimensões murais; em seguida, os tapetes (16), as xilogravuras (06), as
pinturas-murais (06) e os desenhos (03). Segundo Dorian Gray, depois que o referido banco
fechou as portas, em 1990, ele teria intermediado a transferência, em comodato, de inúmeras
obras de arte adquiridas pelo Banco para a Pinacoteca do Estado, em comum acordo com o
então presidente da Fundação José Augusto, Woden Madruga, que, para dar credibilidade à
negociação, o nomeou restaurador do acervo do órgão354
.
Quanto à temática desenvolvida no conjunto dos trabalhos dos acervos citados -
SESC/SENAC/Federação e Governo do Estado – a partir do catálogo do primeiro e do
inventário do segundo, que contém os títulos e as imagens das obras, é possível observar que
a arte de Dorian Gray foi marcada pela permanência dos temas, continuamente retomados, ao
longo dos anos e, em muitos casos, transpostos entre as diversas modalidades artísticas as
quais experimentou, repetindo-se, na pintura, na gravura ou na tapeçaria.
De um lado, Dorian incorporou, sobretudo, nos quadros e tapetes, alguns dos motivos
temáticos já cristalizados nas produções regionais dos artistas que, entre as décadas de 30 e
40, concorreram para instituir o Nordeste como um recorte espacial com identidade própria,
352
GALERIA da Fundação já conta com várias doações. Diário de Natal, 18 mar. 1983. Conferir também:
<http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/franklin-jorge-quando-sai-havia-cinco-gravuras-na-
pinacoteca/269765>. Acesso em: 25 maio 2017. 353
Segundo os organizadores do inventário, das 874 obras, 49 possuíam registro de entrada mas não foram
localizadas. Além disso, 19 órgãos do Governo não foram visitados, o que significa que o acervo pode ser ainda
maior. O nome de Dorian Gray aparece como consultor na ficha técnica do documento, assim como prefaciador,
embora seu texto não conste da versão consultada. Cf. FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO. Inventário - Catálogo
Geral do Acervo das Artes Visuais do Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Natal, dez. 2006. Disponível
em: <https://drive.google.com/file/d/0B0l1zZqtRglQZW9vQjhXSHZKWDA/edit>. Acesso em 10 out. 2016. 354
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015.
109
criando um repertório imagético que incluía paisagens, práticas sociais e tipos humanos vistos
como característicos ou “típicos” da região355
.
Nesse sentido, uma particularidade que permite associar a obra plástica de Dorian Gray
a essa espacialidade diz respeito à escolha de alguns dos personagens que povoam suas telas,
gravuras e tapeçarias, como pescadores, barqueiros, salineiros, vaqueiros, canavieiros e
apanhadores de algodão. Esses homens, que representavam personagens do universo rural, do
sertão ou ligados a atividades artesanais, e, que, portanto, antecedem o surgimento da
sociedade urbano-industrial, constituíam alguns dos “tipos humanos” que conformavam as
imagens tomadas como caracterizadoras do povo nordestino e da cultura nordestina, quando
da emergência da ideia de região Nordeste, a partir dos anos 10 do século XX356
.
Assim, segundo as próprias narrativas de Dorian Gray, as temáticas que tiveram maior
duração na sua obra artística foram “o homem brasileiro ou o homem nordestino”, “com todas
as suas implicações, tanto socialmente, como na antropologia das cores, nos ambientes do
Nordeste, na figuração dos personagens e brincantes que brincam nos autos da cidade”357
.
Com exceção das suas marinhas, que, no seu entender, procurou criá-las “totalmente
livres do aspecto regional, do aspecto local358
”, a maioria dos figurantes que habitam o espaço
das obras de suas obras é composta por feirantes, barqueiros, pescadores, catadores de
algodão, apanhadores de caju, salineiros e cortadores de cana, além dos “tipos baseados na
cultura popular”, influenciados pela obra de Câmara Cascudo, “no que diz respeito à
valorização das coisas do povo”359
.
Por outro lado, ao representar alguns desses figurantes envolvidos em seus ofícios
diários, em obras como Salinas (1978), Colheita (1982) e Apanhadores de Algodão (Imagem
18), o espaço pictórico produzido por Dorian Gray não estava de todo destituído de uma base
empírica local, considerando que, pelo menos, até a década de setenta, a pesca artesanal, a
cotonicultura, a extração do sal marinho e a cultura canavieira constituíam as atividades
produtivas de maior impacto na economia norte-rio-grandense360
. Percebe-se, nessas obras,
uma dupla influência da pintura de Portinari: a da primeira fase deste artista, marcada pela
memória visual da infância, na qual sobressaía o trabalhador rural dos cafezais do interior
355
ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval Muniz. A invenção do Nordeste. Op. cit., 1999. 356
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A Feira dos Mitos: a fabricação do folclore e da cultura
popular (Nordeste 1920-1950). São Paulo: Intermeios, 2013. 357
Entrevista concedida à autora em 18 set. 2014. 358
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015. 359
Entrevista concedida à autora em 21 ago. 2014. 360
SANTOS, Paulo Pereira dos. Desenvolvimento da economia no período de 1964-1989. In: ______. Evolução
econômica do Rio Grande do Norte (século XVI ao XXI). Natal: 2010. p.261-280.
110
paulista; e a pintura de temática social, sobretudo, a da fase mural, que coincidiu com a
cooptação de Portinari pelo Estado e que resultou em obras de exaltação ao trabalho.
Imagem 18: Tapeçaria “Apanhadoras de algodão”, Dorian Gray, 1977, acervo da Pinacoteca/RN
Fonte: Fotografia da autora, 2017.
Assim como o pintor paulista, Dorian Gray também elegeu a figura humana como
personagem principal dos seus trabalhos, sendo a figuração popular dominante em sua obra,
marcada pela prevalência de brincantes em folguedos folclóricos, de crianças em danças de
roda e em outros divertimentos de rua, de tipos populares urbanos em ofícios cotidianos,
além, é claro, de trabalhadores rurais, como já foi explicitado.
Nas suas criações artísticas, o espaço urbano foi representado de maneira recorrente nas
formas da cidade antiga, com torres das igrejas, casarios, janelas, becos, ruas e sobrados
coloniais (Imagem 19), como também nas paisagens beira-rio, onde repousam barcos cujas
águas refletem o colorido das margens, além das cenas de jangadas, pescadores, peixes e mar.
O interesse de Dorian Gray em fixar esses ambientes, objetos e figurantes do espaço
citadino foi constante nas décadas de setenta e oitenta, usando, para isso, múltiplos suportes
artísticos, uma prática que implicou na produção de um conjunto de referenciais iconográficos
associados à própria cidade de Natal, como explicitam os temas de alguns de seus álbuns de
gravura: “Um rio corta o mangue” (1968), “Canto breve à Cidade do Natal” (1970), “Roteiro
sentimental da cidade” (1970) e “Momento azul do rio” (1971).
No início dos anos oitenta, o artista retomou esse enfoque, já trabalhado nas gravuras,
em tapetes e na pintura, no formato de álbuns de desenho, numa iniciativa comemorada por
alguns intelectuais potiguares. Em “Barcos e barqueiros” (1980), o escritor Nilson Patriota,
111
amigo de Dorian Gray desde os anos cinquenta, ao apresentar o álbum, associou suas
ilustrações ao Canto do Mangue – um reduto de pescadores situado às margens do cais do
porto, onde o bairro da Ribeira se encontra com o das Rocas. Para Nilson Patriota, o trabalho
representava “páginas de lirismo de um dos últimos recantos poéticos e pitorescos de Natal”,
afirmando, ainda, que ninguém melhor do que Dorian traduzira, até aquele momento, “um
retrato mais firme e mais puro das manifestações populares e folclóricas de nossa cidade”,
tampouco alcançara “dimensões tão vastas ao fixar eventos, tradições, história; a ambiência
natural onde homens rudes e mulheres simples executam suas tarefas cotidianas de vida”361
.
No segundo álbum de desenhos publicado em 1980, “Canto à cidade do Natal”, seria a
vez do pesquisador Luís da Câmara Cascudo legitimar a escolha temática fixada pelo artista,
cuja apresentação nos permite constatar que Dorian Gray cuidara de representar, mais uma
vez, práticas e espaços tradicionais da urbe: “[...] Santos Reis, o guardião do Potengi verde e
lento, ladeando a cidade secular e menina; Rocas e Alecrim das heranças gesteiras, o casario
escalando as encostas, o movimento humano de figuras imortais que tornam humano e vivo o
cenário arquitetural. Dorian Gray saúda sua cidade na exaltação dos elementos
permanentes”362
, afirmava Cascudo.
Na página da ficha técnica deste álbum, ainda pude obter a informação de que os
desenhos desse álbum faziam parte dos originais produzidos para um mural homônimo, de
tamanho 8,20m x 2,0m, adquirido para as instalações do Aeroporto Internacional Augusto
Severo, inaugurado em 1980, em Natal, e desativado em 2014. Ao que tudo indica, porém, o
mural só foi de fato produzido quase 20 anos, cuja temática o artista dedicou a Cascudo, ao
escolher os autos da cidade do Natal363
.
Essas preferências temáticas pareciam denotar a preocupação de Dorian em tornar
perenes determinados elementos da geografia física e social natalense, forjando, assim, um
imaginário visual sobre Natal que sinaliza a construção de uma identidade espacial citadina.
Com uma produção artística tão extensa, constante e em múltiplas modalidades, não foi
difícil para Dorian Gray manter uma presença contínua no circuito das exposições de arte
(Anexo VI), que somaram, pelo menos, 96 participações, entre 1950 e 2016, sendo 31 mostras
individuais, a maior parte em Natal, configurando uma média de quase duas exposições por
ano, o que garantiu visibilidade frequente para o seu nome na imprensa natalense.
361
PATRIOTA, Nilson. Esses Barcos... Esses Barqueiros. In: CALDAS, Dorian Gray. Barcos e Barqueiros
(álbum de desenhos). Natal: Fundação José Augusto, 1980. 362
CASCUDO, Luís da Câmara. Prefácio. In: CALDAS, Dorian Gray. Canto à cidade do Natal (álbum de
desenhos). Natal: Editora Universitária, 1980. 363
Entrevista concedida à autora em 28 ago. 2014.
112
Imagem 19: Tapeçaria “Bumba meu boi” (2,73mx3,96m), Dorian Gray, 1972, acervo do SESC/RN
Fonte: A presença das Artes Plásticas no SESC, SENAC, Federação do Comércio do Rio Grande do Norte.
Natal: SENAC, 1995, p.11
No entanto, desde o início dos anos oitenta, o foco de interesse de Dorian Gray estava
dividido entre seu fazer artístico e a retomada da produção poética, da qual se viu alijado pela
dedicação quase exclusiva à tapeçaria. Com a morte do escritor Peregrino Junior, em outubro
de 1983, o artista foi incentivado pelo amigo e acadêmico Onofre Lopes a candidatar-se à
vaga da cadeira pertencente ao falecido. Depois de um processo eleitoral concorrido, que
durou um ano, em outubro de 1984, Dorian conquistou a vaga para o adversário, professor
Carlos Borges, por cinco votos de diferença364
. Seu empenho nessa disputa pode ser
constatado pela publicação, nesse mesmo ano, de dois livros de poesia: “Padre Miguelinho:
vida e morte” e “Poemas para Natal em festa” (Anexo II).
Depois que assumiu a condição social de acadêmico, em cerimônia de posse ocorrida
em setembro de 1986, Dorian passou a se dedicar com mais afinco à produção poética, ao
ensaio literário e à pesquisa de fatos relacionados à vida cultural do Estado, cuja consequência
364
Entrevista concedida à autora em 22 out. 2015. DISPUTA. Diário de Natal, Roda Viva, 02 nov. 1983.
MACEDO, Paulo. As eleições da Academia. Diário de Natal, 11 out. 1984.
113
imediata foi a publicação do livro “Artes Plásticas do Rio Grande do Norte” (1989), obra que
pode ser compreendida como um esforço do autor de conferir uma identidade para a produção
artística potiguar. Em formato de dicionário biográfico, precedido de um histórico sobre a
presença da arte no Estado entre as décadas de vinte e oitenta, o livro apresentava 104
verbetes de artistas, incluindo fragmentos de críticas de arte, exposições realizadas e
reprodução de um trabalho do repertório artístico de cada indivíduo.
O livro foi lançado pela editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com
apresentação do reitor, Daladier Pessoa da Cunha Lima, para quem a pesquisa representava “a
primeira realização nesse campo de que somos tão carentes: a guarda e valorização da
memória artística do Rio Grande do Norte”365
. A submissão dos originais da obra fez-se
acompanhar de parecer do presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Diógenes
da Cunha Lima, a pedido do próprio Dorian Gray, a fim de atestar o valor do trabalho.
A publicação também constitui uma espécie de “escrita de si” na medida em que
apresenta a tentativa de Dorian Gray de sistematizar uma narrativa inicial sobre sua trajetória
artística, a partir da reunião de fragmentos de notícias e catálogos acerca de suas primeiras
exposições e do seu protagonismo no meio cultural natalense, resultante da formação de um
acervo pessoal constituído desde os anos cinquenta.
Sua dificuldade em categorizar a diversidade de escolas ou tendências artísticas em
voga no período estudado por ele se refletiu no critério cronológico com que organizou o
histórico do desenvolvimento da arte no Estado, proclamando o I Salão realizado por ele,
Navarro e Ivon Rodrigues, em 1950, como a “exposição definidora da Arte Moderna” no Rio
Grande do Norte, a partir da qual “novas experiências, novas soluções” teriam sido
“procuradas e exercitadas pelos artistas seguidores deste impulso inicial”366
.
365
CALDAS, Dorian Gray. Artes Plásticas do Rio Grande do Norte (1920-1989). Op. cit., 1989. p.13 366
______. Idem, p.34.
114
3. IMAGENS PARA UM “RETRATO” DE DORIAN GRAY
No capítulo anterior, tratei de demonstrar os percursos individuais de Dorian Gray no
exercício da arte em Natal entre a década de cinquenta e o final dos anos oitenta, período que
representou a fase de maior produtividade do artista.
Sua constância nessa atividade, ao manter uma produção cultural ininterrupta até quase
o final de sua existência, aliada à sua própria longevidade, entre outras razões, deram ensejo à
elaboração de relatos orais, textos ou discursos que participaram da constituição de memórias
sobre Dorian Gray e sua obra ainda em vida, sendo ele mesmo um dos artífices desse
processo, embora menos na condição de memorialista do que de motivador dos eventos que
possibilitaram tais registros.
Nesta última parte do trabalho, discuto, de um lado, as imagens que Dorian formulou
acerca do que ele construiu para o mundo cultural e intelectual de Natal e, por outro, de que
forma ele foi representado por seus contemporâneos. Como Dorian construiu suas
lembranças? Quais os principais acontecimentos recordados por ele? Que silenciamentos e
esquecimentos perpassam tais memórias? Que traços foram usados por aqueles que
conviveram com Dorian para compor o seu perfil? E, por fim, que mudanças se verificam
nessas elaborações do passado?
Para isso, parto do pressuposto de que a construção identitária do artista resultou, em
parte, de um trabalho de enquadramento da memória367
, num processo que envolveu a
participação do próprio personagem, de outros atores, suportes e eventos mobilizados por ele.
Nesse sentido, o objetivo do capítulo é compreender como essa memória foi construída.
Pretende-se, ainda, acessar, na medida do possível, alguns aspectos das sensibilidades
da “geração moderna” que viveu em Natal, particularmente, entre os anos cinquenta e
sessenta.
Para o propósito deste estudo, cabe esclarecer o uso do termo geração, que foi
questionado como parâmetro de periodização de épocas ou sociedades por Jean-François
Sirinelli, no campo de estudos da Nova História Política. Na crítica deste autor, a noção de
geração não deve ser tomada apenas como um fato natural, no sentido da sucessão de faixas
etárias, mas como um fenômeno cultural, uma condição derivada da autorrepresentação ou da
367
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, Fundação Getúlio
Vargas, v. 2, n. 3, 1989. p.03-15
115
autoproclamação do indivíduo, manifestada no “sentimento de pertencer ou ter pertencido a
uma faixa etária com forte identidade diferencial”368
.
Nessa perspectiva, o autor adverte que as solidariedades de idade, embora importantes,
não explicam, por si só, as associações ou afinidades entre grupos de intelectuais. Sugere,
ainda, que, embora não se deva ignorar os fenômenos de geração, que, em certos casos,
podem determinar seu funcionamento a partir dos laços criados em torno de um
acontecimento fundador, é preferível atentar para o lugar do intelectual e seus deslocamentos
nesse meio.
3.1 Um possível “autorretrato” de Dorian Gray
Entre julho de 2014, quando estabeleci os primeiros contatos com Dorian Gray, e agosto
de 2016, ao fazer a última entrevista para esta pesquisa, o artista insistiu, reiteradas vezes, na
ideia do seu protagonismo na introdução da modernidade artística em Natal, vista por ele
como uma espécie de momento inaugural da sua própria história de vida.
Muitas das suas narrativas partiam do Salão de Arte Moderna de 1950, retornavam ou
remetiam a essa exposição, seja para reiterar a visão de si como precursor do movimento de
renovação da arte potiguar, seja para justificar sua trajetória posterior.
Nessa perspectiva, Dorian Gray escolheu narrar sua trajetória de vida pela visão do
artista e intelectual, priorizando a imagem da figura pública e secundarizando a condição de
pai, marido e avô. Ao optar por esse lugar de fala, Dorian manifestou um certo cuidado com o
controle da memória de si, de algum modo, já consolidada. Com isso, é possível inferir que
ele desestimulou a esposa, Wanda Caldas, a conceder seu depoimento para este trabalho de
pesquisa, descartando-a, assim, como testemunha autorizada para falar a seu respeito.
Essa preocupação com a imagem pessoal ficou evidente, ainda, na forma como
respondeu ao meu pedido de indicação de nomes para a produção de outros depoimentos,
sugerindo que os textos e citações publicados na sua Fortuna Crítica369
poderiam atender
minhas necessidades de pesquisa. “A minha Fortuna Crítica, que está nesse segundo livro,
tem já documentos muito importantes: Diógenes, que é o presidente da Academia de Letras,
Vicente Serejo, o próprio Nelson [Patriota], escritores de fora, do Rio, como Pedro Vicente,
368
SIRINELLI, François. A geração (p.129-137). In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína
(Orgs.). Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006, p.133. 369
A Fortuna Crítica de Dorian Gray foi inserida no volume II da coletânea “Do outro lado da sombra: poesia
quase completa”, publicada pela Editora do IFRN, em 2015.
116
Ivan Junqueira. Muita crítica. Você pode tirar”370
. O modo como se referiu ao conteúdo
desses textos selecionados por ele mostra, além disso, que a vaidade não estava ausente da
personalidade de Dorian, a ponto de autoproclamar sua consagração: “É muito elogioso
porque as pessoas me tomam assim como referência, como faziam com Cascudo”371
.
Como frisei na introdução deste trabalho, pela facilidade com que se dispersava nas
entrevistas de história oral, Dorian Gray produziu narrativas bastante fragmentadas e
descontínuas. Entretanto, considerando o conjunto das entrevistas e a escolha dos fatos
narrados por ele, pode-se afirmar que o artista construiu seus relatos como etapas ou estágios
das suas vivências em arte e literatura que, na sua percepção, conferiram um sentido à sua
existência e deram coerência às suas ações do passado. Dessa forma, o artista esforçou-se por
apresentar essas experiências como um caminho em linha reta, dirigido a um fim sobre o qual
já se conhecia o ponto de chegada. Todavia, como alerta Giovanni Levi, a vida de um
personagem não é unívoca. Desse modo, como demonstramos no corpo desse texto, Dorian
possui elementos de contradição, mesmo nos momentos em que narra sua trajetória.
No presente da memória, praticamente excluiu da narrativa os momentos de incerteza,
de recuos, os obstáculos, os conflitos interiores, mostrando-se como alguém que desde o
princípio tinha confiança no caminho a seguir e no sucesso a ser alcançado. Mesmo os
aspectos que poderiam ser entendidos como possíveis fatores limitadores de suas ações,
quando apresentados por ele, apareceram de modo positivado: “Eu me sentia bem pintando e
desenhando. Sentia que estava fazendo um trabalho que realmente tinha mérito, então eu não
me preocupei de fazer escola de belas artes”372
.
Ao longo dos seus depoimentos, foram várias as referências que apontaram para uma
visão linear da própria trajetória de vida, a começar pelo discurso da orientação vocacional.
Ao descrever a infância, procurou enfatizar qualidades que estariam presentes desde a mais
tenra idade, como o talento e o domínio da técnica de composição: “Eu tinha aquela vocação
pra o desenho muito cedo”373
, “eu fazia retratos de pessoas, fazia figuras históricas dos meus
livros escolares. Todas aquelas figuras da Pátria, como se diz, eu desenhava, reproduzia com
muita fidelidade”374
.
O mesmo se deu em relação à sua produção poética, atividade explicada por ele como
uma tendência, verificada desde a juventude, construindo a imagem do leitor compulsivo e
370
Entrevista concedida à autora em 18 set. 2014. 371
Entrevista concedida à autora em 21 ago. 2014. 372
Entrevista concedida à autora em 05 ago. 2014. 373
Entrevista concedida à autora em 05 ago. 2014. 374
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015.
117
seletivo: “Eu sempre li muito, mas sempre gostava de ler coisas boas, bons livros”, “e eu
sempre tive aquela vocação para conhecer poesia, para ler poesia, meus poetas prediletos,
tanto brasileiros como estrangeiros” 375
.
Na construção da figura do artista moderno, fez questão de me apresentar vários
quadros do seu acervo particular de pintura que, segundo ele, representavam diversas fases do
seu trabalho artístico. “Experiências com a arte abstrata, o impressionismo, o expressionismo,
as modalidades de arte todas eu exerci. Umas com mais intensidade, outras com menos”376
(Imagem 20). Do mesmo modo, procurou mostrar que não apenas inovava nos estilos, mas
nas formas de expressão artística: “Eu também fui sempre curioso, sempre experimentei
muito o trabalho de arte”377
.
Imagem 20: Quadro “Casario entre verdes” (óleo, 47cmx32cm), Dorian Gray, 1977
Fonte: CALDAS, Dorian Gray. Todos os planos. Natal: FIERN: Dois A Publicidade, 2000, p.39
375
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015. 376
Entrevista concedida à autora em 18 set. 2014. 377
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015.
118
Além disso, Dorian admitiu ter abandonado, muito cedo, por remeter à prática
acadêmica, o gênero da pintura de retrato, tendo feito poucas concessões ao longo da vida,
entre elas, os retratos do ex-governador Alberto Maranhão (a pedido do teatrólogo Meira
Pires, na década de 1960), para o teatro de mesmo nome, e do índio Felipe Camarão
(encomendado, em 1978, pela Prefeitura de Natal para decorar o Palácio Felipe Camarão).
Dorian, em seu depoimento, afirmou que, na sua produção clássica, pintou esses dois
quadros e, ainda, que: “E fiz minhas netas, Fernanda e Isabel. Lindas, todas duas! Mais
bonitas do que são”378
. Observe-se que, seguindo a tendência própria da pintura moderna,
Dorian considerava possível realizar obras mais perfeitas do que a própria natureza. As suas
netas eram bonitas, mas ele conseguiu pintá-las mais bonitas do que elas realmente eram.
Outro aspecto importante na citação é o fato de Dorian considerar, por um lado, o moderno
superior ao clássico, e por outro, que a sua obra teria qualidade.
Dorian Gray também produziu a imagem de um indivíduo que conquistou o
reconhecimento social desde a primeira aparição pública na vida cultural da cidade,
constatação que se evidencia quando se observa que ele narrou seu percurso como um
caminho sempre ascendente, ao fazer a escolha dos fatos, que, na sua visão, teriam sido
legitimadores da sua identidade de artista. “Quando eu fiz a exposição dos anos cinquenta
fiquei, assim, muito conhecido como um novo intelectual, um novo artista da cidade, eu e
Navarro”379
. A imagem dessa ascensão social também é perceptível na narrativa que
descreveu sobre sua nomeação para o cargo de professor de Desenho do Colégio Estadual
Atheneu Norte-rio-grandense e do Ginásio Municipal de Natal380
, função pleiteada por ele
junto ao então secretário municipal de Educação, Tarcísio Maia, exercida durante quatro anos,
ao que tudo indica, entre 1957 e 1960. “Essa exposição realmente abriu as portas. [...] Fui
precocemente professor. Eu acho que foi por conta de algum prestígio que eu consegui através
dessa exposição dos anos cinquenta”381
.
A despeito de reivindicar um protagonismo individual, ao usar quase sempre o pronome
na primeira pessoa do singular, Dorian Gray compreendeu suas experiências na vida artística
378
Entrevista concedida à autora em 05 ago. 2014. 379
Entrevista concedida à autora em 10 ago. 2016. 380
O Atheneu é o colégio mais tradicional do Estado, fundado em 1834, destinado à instrução secundária na
então província do Rio Grande do Norte. Cf. BARROS, Eva Cristine Arruda Câmara. Atheneu Norte-rio-
grandense: locus de desenvolvimento cultural da Natal Republicana. Disponível em: <
http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe1/anais/053_eva.pdf>. Já o Ginásio Municipal de Natal foi criado
pela Lei n.º 835, de 18/08/1958, como parte das políticas educacionais implementadas pelo prefeito Djalma
Maranhão (1956-1959; 1960-1964), direcionadas às classes populares e visando o combate ao analfabetismo. Cf.
BARBOSA JUNIOR, Walter Pereira. As políticas de educação popular em Natal (1957-1964). Holos, ano 32, v.
2, Natal, p.208-230, 2016. 381
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015.
119
e literária de Natal a partir da perspectiva geracional. Ao ressignificar suas vivências na arte e
poesia modernas, Dorian as atribuiu a um “projeto de modernidade” assumido por sua
geração382
, fruto de “uma simpatia pela obra que estava se realizando naquele momento”,
entendida por ele como “uma tomada nova de consciência”, na qual “a geração toda estava se
reposicionando em termos de fazer um trabalho novo”383
.
Nessa perspectiva, Dorian produziu seus relatos de história oral na condição de um dos
últimos remanescentes do grupo que ele identificou como pertencente à geração dos anos
cinquenta, que teria sido marcada por uma intensa participação na vida cultural da cidade, e
que incluía nomes como Antonio Pinto de Medeiros, Alvamar Furtado de Mendonça, Zila
Mamede, Myriam Coeli, Newton Navarro, Luís Carlos Guimarães, Geraldo Carvalho, Câmara
Cascudo, Veríssimo de Melo, Deífilo Gurgel, entre outros. Ao se referir ao grupo, Dorian
instituiu uma memória oficial sobre ele e sobre o grupo ao qual pertencia.
O engajamento desses sujeitos na imprensa escrita, sua condição de acadêmicos das
faculdades de Direito, Filosofia, Jornalismo e Sociologia de Natal ou de professores dos
principais colégios públicos da capital, somados ao convívio em lugares que possibilitaram
vínculos afetivos e profissionais - como o Grande Ponto, a Livraria Universitária, de Walter
Pereira, e o Conselho Estadual de Cultura -, definia, entre outros aspectos, os espaços de
sociabilidade frequentados pelos adeptos dessa geração384
.
A propósito desse termo, é importante assinalar que, em suas construções narrativas,
Dorian conferiu certa plasticidade ao seu uso, referindo-se a ele, em geral, para caracterizar
um determinado grupo unido por afinidades de ordem intelectual. Um exemplo pode ser visto
na tentativa dele de explicar os propósitos da Revista de Letras, editada em Natal, nos anos
cinquenta: “Era uma revista que recebia a colaboração dos escritores, dos poetas, de toda
aquela geração nossa, alguns já mais velhos do que a gente contribuíam com aquele espírito
de fazer uma coisa nova”385
. Nessa mesma lógica, Dorian se autoproclamou da geração de
Cascudo, estabelecendo uma relação de identidade com um indivíduo que, embora mais
velho, era portador de renomada reputação: “Eu sempre tive uma afetividade muito grande
por tudo que se produz em Natal; inclusive, Luís da Câmara Cascudo, eu, Navarro e outros da
geração, nos tornamos assíduos nas exposições de arte”386
.
382
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 383
Entrevista concedida à autora em 03 dez. 2015. 384
Conforme já explicado anteriormente, o conceito de Geração está associado a uma relação de pertencimento. 385
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 386
Entrevista concedida à autora em 12 nov. 2015.
120
Por outro lado, a fim de demarcar uma posição de ascendência sobre os artistas que
passaram a circular em torno dele após os primeiros salões de arte de que participou, Dorian
Gray nomeou uma geração subsequente à dele, ostentando o perfil de um sujeito que teria
exercido um papel catalisador no meio artístico do Rio Grande do Norte. Assim, como que
para legitimar o lugar social ocupado por ele, ao lado de Navarro, como pioneiros na arte
moderna no Estado, representou-se como uma espécie de tutor ou orientador, cuja liderança
resultara na formação de um certo número de discípulos: “Eu e Navarro inventamos cursos
para iniciantes. Então, nós estávamos preparando a geração que surgiu nos anos sessenta”387
.
O grupo que ele identificou como integrante dessa geração estava representado por
nomes como Wharton Cordeiro, Jussier Ribeiro Magalhães, Jomar Jackson e Leopoldo
Nelson, além dos irmãos Iaponi, Iaperi, Irani e Iramar Araújo e do primo destes, o entalhador
Manxa - originários de uma família de Currais Novos que se fixaram em Natal no início da
década de oitenta.
Dorian Gray conferiu muita ênfase à oferta dos cursos citados, que, segundo ele,
consistiam em aulas teóricas ministradas informalmente e ilustradas com interpretações e
cópias da pintura de Portinari, Gauguin, entre outros nomes, com o intuito de ensinar a técnica
usada por esses pintores e levar a “mensagem da arte moderna”388
para os novos adeptos.
“Nós tínhamos muitos alunos. Quer dizer, eram iniciantes, mas todos eles com pendores para
as artes, e nós ajudávamos um pouco a desenvolver”389
, afirmou, numa ocasião. Em outra
entrevista, completou: “Iaperi, Iaponi, Jomar Jackson, Jussier Magalhães eram assíduos. Eu
acho que eram uns 10 alunos que acompanhavam Navarro. Pela fama dele, não é? Depois eu
cheguei para ajudar”390
.
Nessas construções narrativas, nota-se a forma ambígua na qual Dorian se situava em
relação à figura de Navarro, ora colocando-se na mesma posição de liderança ocupada pelo
amigo, ora na qualidade de simples auxiliar, ao reconhecer no companheiro uma notoriedade
superior à sua. Essa constatação permite pensar que o próprio Dorian Gray era tão aprendiz de
Navarro quanto os jovens artistas que ele apontou como seguidores deste último, visão
confirmada por ele mesmo há pouco mais de 15 anos em depoimento concedido à poetisa
Marize Castro, como parte de uma serie de entrevistas realizadas com poetas potiguares,
reunidas, posteriormente, em livro:
387
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 388
Entrevista concedida à autora em 12 nov. 2015. 389
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 390
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015.
121
“Newton tinha o poder de descobrir talentos, descobrir pessoas. Mesmo já tendo
certa bagagem, certa autoridade sobre os demais da nossa geração, não por ser mais
velho, mas por ser muito bem dotado culturalmente, não fez nenhuma restrição, nem
a mim, nem a Ivon, que éramos, naquele momento, discípulos dele”391
.
O relato das experiências formativas citadas anteriormente, que teriam ocorrido em
parceria com o Serviço de Cultura da Secretaria Municipal de Educação de Natal, reforçado
pelo próprio depoimento acima, permite questionar o pretenso autodidatismo alegado por
Dorian Gray ao narrar, 50 anos após sua primeira exposição, seu processo de iniciação na arte
moderna: “Vindo de informações acadêmicas, sem escolaridade, certamente chegaria ao
moderno pelo mesmo caminho, pelo autodidatismo, adaptativo vocacional, intuitivo,
exercitado pela capacidade receptiva de sentir a arte e premiar as minhas prioridades
eletivas”392. Mesmo participando dessas vivências na condição de instrutor, Dorian também se
beneficiava dos contatos com Newton Navarro, que havia estudado em Recife, com Lula
Cardoso Ayres. O papel assumido por cada um nessas aulas, reforça, mais uma vez, o
aprendizado formal recebido: “Navarro era mais um teórico, porque ele falava muito. Embora
desenhasse muito bem, gostava de desenhar as criações dele, não gostava de copiar; e como a
cópia demora, ele preferia conversar com os alunos e muitas vezes eu copiava”393
.
A propósito das relações pessoais entre os dois companheiros de arte moderna, nas
poucas vezes em que apresentou traços psicológicos de sua autoimagem, Dorian deixou
transparecer o fascínio que Newton exercia sobre ele e o quanto, na sua percepção, eles
pareciam se diferenciar em termos de personalidade, carisma e talento. Admitindo sua própria
timidez, revelou que essa condição o fazia declinar dos discursos de abertura nas exposições
conjuntas, em prol da exímia oratória do companheiro. Enalteceu em Navarro uma condição
distintiva: “Não acredito que Newton tenha sido aluno de ninguém [referindo-se a Lula
Cardoso Ayres], porque ele tinha um traço próprio, um estilo definido”, “não precisava ser
patrocinado, porque tinha talento suficiente para aparecer na mídia”394
. Em outras
representações que formulou acerca do pintor, Dorian teceu inúmeros elogios a Navarro, à sua
criatividade, intuição, habilidade para o desenho e desenvoltura nas relações interpessoais,
391
CASTRO, Marize. Dorian Gray Caldas (Entrevista). In: ______. Além do Nome. Natal: Uma & Fundação
Cultural Capitania das Artes, 2008. p.62. (Texto publicado, originalmente, em 20 de maio de 2001 na Tribuna do
Norte). 392
CALDAS, Dorian Gray. O irresistível compromisso com o sonho. In: ______. Todos os planos. Natal:
FIERN: Dois A Publicidade, 2000. p.100-101. 393
Entrevista concedida à autora em 08 out. 2015. 394
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015.
122
apresentando-o como “uma pessoa muito carismática”, que mantinha “amizades afetivas com
toda a geração”395
.
Por outro lado, as tensões e os conflitos que envolveram o relacionamento dos dois
constituíram um dos temas sobre os quais Dorian Gray preferiu silenciar, embora o tenha
tocado, superficialmente, como deixou transparecer em enunciados do tipo: “Isso aqui é de
quando Newton Navarro era bem amigo meu”; “eu achei um desenho que eu fiz dele de perfil,
rindo. Está linda a ilustração! Mas ele era muito malcriado (risos)! Eu dei a ele o desenho. Ele
olhou assim, com desprezo, nem ligou mais”396
.
Iaperi Araújo, um dos artistas que acompanharam de perto a trajetória de Dorian e
Newton, desde os anos sessenta, ocupava a presidência da Fundação José Augusto quando da
morte deste último, em 1992, responsabilizando-se pela organização do seu funeral, no então
Palácio do Governo. Segundo ele, os artistas jovens da sua geração tinham muito respeito e
consideração pela história de Navarro, no entanto, na narrativa que construiu para este
trabalho de pesquisa, insinuou que a propalada parceria entre os dois pintores não estava
isenta de ofensas e desentendimentos:
Essa ligação que a gente sempre teve com Dorian fez sedimentar uma amizade
muito grande, porque ele sempre foi uma pessoa afável e atenciosa. Newton era
diferente; era uma personalidade estando sóbrio! Quando estava bêbado, quanto
mais íntimo da pessoa, mais ele era agressivo. Dizia: „Você não sabe de nada! Você
não pinta nada, você é um bosta! Você não é de nada!‟ Quem sabia que ele era assim
quando estava bêbado não se incomodava, mas as outras pessoas ficavam chocadas
com aquilo, principalmente, quando ele diminuía o trabalho de outro artista397
.
Num dos raros depoimentos que encontrei no qual Newton Navarro testemunhava
acerca de Dorian Gray, exibido no Programa Memória Viva, da TV Universitária de Natal em
1982, embora gravado em 1975, o pintor deu a entender que, de fato, houve divergências
entre eles, logo resolvidas, após tomarem o “antídoto da amizade”398
.
No mesmo programa, cuja produção inseriu depoimentos alusivos aos 25 anos de arte
de Dorian Gray, o poeta Nei Leandro de Castro decidiu se retratar, em público, por ter
apontado, sem provas, segundo ele, umas “mesquinharias” de Dorian, em artigo escrito
poucos anos antes, no qual reproduzia comentários de terceiros envolvendo o nome de um
conhecido entalhador da cidade. Para Castro, Dorian já havia sido caluniado em Natal por
muitas pessoas, “inclusive usaram contra ele um trocadilho de mau gosto e gratuito. Teve um
395
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 396
Entrevista concedida à autora em 15 out. 2015. 397
Entrevista concedida à autora em 11 jul. 2016. 398
LYRA, Carlos (Coord.). Memória Viva de Dorian Gray Caldas, Newton Navarro, Leopoldo Nelson. Natal:
EDUFRN, 1998.
123
tempo em que chamavam Dorian Gray de trapaceiro, em vez do tapeceiro bom que ele é” 399
.
Essa confissão revela um clima de hostilidades no meio artístico potiguar. No entanto, nos
depoimentos orais concedidos por Dorian para este trabalho, pude perceber que esses
conflitos ficaram circunscritos ao terreno dos não ditos.
Ao reinterpretar o episódio ocorrido, a narrativa de Nei Leandro mostra como certas
lembranças individuais, que, quando emergem, costumam “destoar” de uma memória coletiva
existente, esforça-se por “se enquadrar” na memória dominante.
3.2 “Eu e Navarro”: os outros, discípulos
Dentre os artistas com os quais Dorian Gray consolidou uma forte relação de amizade e
que integraram sua rede de sociabilidades nos primórdios de sua atividade artística, Túlio
Fernandes e Iaperi Araújo constituem os únicos remanescentes.
Além dos laços afetivos com Dorian e do fato de não exercerem a arte como ofício
principal, ambos têm em comum a profissão de médico, abraçada ainda na juventude, assim
como o desempenho da função de professores universitários, já aposentados, do Curso de
Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Túlio Fernandes de Oliveira Filho, desenhista e pintor, cursou a antiga Universidade do
Recife, de 1959 a 1964, tornou-se endocrinologista e ainda se mantém na ativa, atendendo os
pacientes em sua clínica particular. Procede de uma família de juízes, promotores e
desembargadores, cujos membros também se destacaram como jornalistas, poetas e
dramaturgos, como Sebastião Fernandes de Oliveira, Marcelo Fernandes de Oliveira e Jorge
Fernandes, este último considerado o precursor do modernismo literário potiguar, autor do
“Livro de Poemas” (1927), publicado por incentivo e patrocínio de Câmara Cascudo.
Iaperi Soares de Araújo foi aluno nas primeiras turmas da Faculdade de Medicina de
Natal, entre 1964 e 1969, optando, mais tarde, pela especialidade de ginecologia e obstetrícia.
Assim como Túlio, segue clinicando em seu consultório médico. Pintor, gravador, poeta,
contista, crítico de arte e autor de vários livros sobre história da medicina no Rio Grande do
Norte, práticas médicas e cultura popular, exerce cargos de gestor cultural desde a década
oitenta, tendo sido diretor do Teatro Alberto Maranhão, secretário de Cultura de Natal e
presidente da Fundação José Augusto.
399
LYRA, Carlos (Coord.). Memória Viva. Op. cit., 1998.
124
Evocados nas lembranças de Dorian, decidi produzir uma entrevista de história oral com
cada um deles, propondo-lhes que narrassem, livremente, suas histórias de vida, incluindo seu
envolvimento com a arte e sua relação com o artista citado.
Meu encontro com Túlio Fernandes de Oliveira Filho, nascido em 1938, ocorreu em sua
clínica particular, situada na rua Dr. Manoel Dantas, em Petrópolis, perpendicular à rua Ana
Nery, onde mora desde a década de 1940, numa casa situada em frente à de Dorian. Essa
proximidade geográfica foi um dos fatores que, na sua visão, teria unido os dois artistas e as
duas famílias - os pais de Dorian aos seus genitores - Túlio Fernandes de Oliveira
(desembargador) e Francisca Nolasco (professora), mais conhecida por Chicuta Nolasco, ex-
diretora da Escola Normal e da Escola Doméstica de Natal.
Sua saída de Natal em 1959 para cursar Medicina na capital pernambucana constituiu o
momento-chave da história oral de vida de Túlio Fernandes, decisão que tomou inspirado
num tio materno, Arnaldo Nolasco, médico e professor da então Universidade do Recife. A
despeito de evocar essa capital como um centro pulsante e cultural do Nordeste no início dos
anos sessenta, Túlio silenciou quanto à sua provável vivência artística no Recife, indicando
que naquele lugar, dedicou-se, prioritariamente, à formação acadêmica. “Quando terminei o
curso, vim exercer a profissão aqui e também ser artista plástico. [...] Foram 50 exposições
durante todos esses anos”.
Foi em Natal, portanto, que Túlio espacializou a memória de sua vivência artística,
associando sua inserção na vida cultural da cidade às figuras de Newton e Dorian, o que
revela que esses artistas impactaram, de algum modo, seu fazer artístico, e constituíram
referências importantes na vida dele. “Eu comecei logo depois que Dorian fez a primeira
exposição com Navarro. Seis anos depois que eles iniciaram o movimento modernista em
Natal, foi que eu fiz a minha primeira exposição”.
De fato, sua estreia com uma mostra individual ocorreu em junho de 1957, na Loja
Maçônica 21 de Março, evento seguido de uma recepção, na casa dos pais, na qual
discursaram sua mãe, amigos, poetas e, segundo o cronista Veríssimo de Melo, presente à
reunião familiar, “as pessoas que melhor poderiam julgar seus trabalhos nesta cidade, Dorian
Gray e Newton Navarro, pintores também e notáveis”400
. Constata-se, assim, como a
emergência de Túlio no cenário artístico da cidade serviu ao noticiário local da época para
reforçar a construção da imagem de Dorian Gray.
400
MELO, Veríssimo de. Um contemplativo. A República, 18 jun. 1957.
125
No presente da memória, Dorian evocou o nome do amigo para demonstrar o prestígio
pessoal alcançado naquele momento, escolhendo narrar justamente o salão de pintura dos
Jogos Olímpicos de Verão, que coordenou com Navarro, em novembro de 57, numa
promoção do Santa Cruz Futebol Clube. “Foi quando apareceu Thomé. Lindo, o trabalho! Eu
julguei e dei o primeiro prêmio a ele. O trabalho era o melhor. Túlio Fernandes, meu vizinho
aqui, meu médico, também estava na exposição, com Cais do Recife, o cais antigo. Tirou em
segundo lugar, parece”401
.
Nos depoimentos produzidos com Túlio e Iaperi ambos exploraram três aspectos: a
contribuição deles ao movimento modernista em Natal, o lugar ocupado por Newton e Dorian
nesse contexto e as tensões presentes no meio artístico da época.
Túlio Fernandes se julgou um participante parcial da modernidade artística natalense,
argumentando ter optado por não aderir completamente à estilização da forma nos objetos
representados, atributo moderno que ele enxergava na obra pictórica de Dorian: “Desde que
ele começou o movimento artístico aqui no Rio Grande do Norte, até hoje, Dorian continua
um modernista autêntico, completo, perfeito. Já eu, posso dizer que absorvi algumas coisas,
mas, outras, preferi ficar com a linha um pouco classicista” 402
.
Entretanto, reivindicou para si o feito de haver criado uma escola naturalista403
de
pintura em Natal. “Uma escola que se afirmou. Durante vinte ou trinta anos, eu pintei
folhagens, natureza viva”; “Folhas, frutos, caules, raízes. Pintei muito o caju, que é uma coisa
decorativa demais do Nordeste brasileiro”.
Para justificar a natureza da sua obra, evocou uma memória da infância, vivida em meio
a resquícios da Mata Atlântica, árvores frutíferas e pássaros que ainda podiam ser
contemplados no então bairro Cidade Nova, em processo de ocupação na época. O mar foi o
atrativo da juventude, pleiteando para si o pioneirismo na prática do surf em Natal.
Sua narrativa sugere, ainda, que a disseminação da estética moderna entre os artistas
potiguares resultou de um processo lento, gradual e de convencimento: “Muitas discussões
aconteceram naquela época, pela surpresa, pelo inesperado da arte moderna. Muitos meses ou
até anos depois de muitas exposições é que o movimento modernista começou a ser aceito,
admirado, cultivado, imitado e fabricado cada vez mais”.
401
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015. 402
A entrevista com Túlio Fernandes foi feita em 17 de outubro de 2016. Todas as citações dele se referem à
essa mesma data. 403
“Doutrina estética que busca inspiração direta na natureza e a reproduz com fidelidade. Não implica, porém,
em cópia fiel da natureza, mas a sua interpretação através da sensibilidade do artista". Cf. Enciclopédia Itaú
Cultural.
126
Como parte desse processo de “fabricação” da modernidade artística apontado por Túlio
Fernandes, identificamos, no próprio depoimento que formulou, a existência de uma memória
muito bem ordenada acerca da implementação desse movimento em Natal, que enfatiza,
sobretudo, um conjunto de atores, no qual ele mesmo se inclui:
[...] eu estou no segundo grupo dos artistas que surgiram em Natal naquela época.
Os três primeiros, Newton Navarro, Dorian Gray e Ivon Rodrigues, introduziram o
movimento modernista; só esses três, eu não conheci nenhum outro. [...] Em
seguida, vieram dois pintores, só dois: eu e Thomé Filgueira. Eu só conheço esses
dois. Então, esses dois continuaram, de forma paralela, andando com Newton e
Dorian, mas Thomé pintando os rios, o Potengi, os casarios e eu pintando as
folhagens, as crianças de Natal. [...] Aí depois, começaram a chegar os outros.
Iaperi, eu não posso dizer que foi um dos primeiros primitivistas, porque teve o
irmão dele, mais velho, Iaponi, que começou primeiro. [...] Depois vieram muitos
outros404
.
Vimos, assim, que sua narrativa legitima muitas das memórias produzidas por Dorian
Gray já discutidas no decorrer deste trabalho. Em suas lembranças, Túlio tanto reforça o
discurso da vanguarda, reivindicado por Dorian, como também reivindica um lugar para si no
rol dos artistas modernos que apareceram em seguida. Suas narrativas revelam, além disso,
como ele se preocupou em assegurar sua parcela de colaboração, bem como a de Thomé, na
constituição de uma arte associada à espacialidade local.
Nas lembranças de Iaperi Araújo, a presença das mesmas figuras evocadas por Túlio
Fernandes também evidencia seu pertencimento a um contexto de mobilização do meio
artístico em Natal. Seu depoimento oral para esta pesquisa foi produzido na sede da Fundação
José Augusto, órgão no qual ocupava, e ainda, ocupa, a função de diretor-administrativo,
acumulando, também, a presidência do Conselho Estadual de Cultura.
Numa narrativa linear e bem articulada de sua história de vida, focada na trajetória
familiar, afirmou-se descendente de uma “das mais tradicionais famílias do sertão do Seridó,
berço do primeiro presidente do Rio Grande do Norte após a Independência do Brasil, Tomás
de Araújo” 405
. Nascido em São Vicente, em 1945, era o 8º filho do casal Milka Soares
(professora) e Joaquim Araújo Filho (comerciante e político na região). A mudança para
Natal, no final dos anos cinquenta, seguiria o propósito da mãe de possibilitar formação
universitária aos filhos. Nessa cidade, a família se instalou em Petrópolis, o bairro planejado
que, à época, ainda se encontrava em plena expansão. A família Araújo ocupou um
sobradinho situado na rua Potengi, esquina com a Avenida Afonso Pena, em frente à sede
404
Entrevista concedida à autora em 17 out. 2016. 405
A entrevista com Iaperi Araújo foi feita em 11 de julho de 2016. Todas as suas citações posteriores se referem
à essa mesma data.
127
social do ABC Futebol Clube, inaugurada em 1959, que se somava aos demais espaços de
diversão da elite natalense.
Seguindo a lógica da narrativa fundada na família, Iaperi associou sua inserção no
ambiente artístico ao percurso individual do irmão Iaponi, três anos mais velho, que já
trabalhava no governo Djalma Maranhão, prestando serviços à Diretoria de Documentação e
Cultura do município na organização das jornadas de folclore e na gestão da Galeria de Arte
de Natal, junto com Newton Navarro.
Foi numa das promoções daquele órgão municipal que Iaperi, atendendo à sugestão do
irmão, fez sua estreia pública, no mesmo ano da inauguração da Galeria: “Comecei muito
cedo, vendo Iaponi pintar. A primeira vez que expus foi em 1963 numa exposição coletiva de
poesia ilustrada. Vários pintores ilustrando a poesia de autores sobre o Rio Grande do Norte”.
Dos 12 filhos de Quincas e Milka, quatro se tornaram artistas - Iaponi, Iaperi, Irani e
Iramar, que praticaram o desenho, a pintura, o entalhe e a xilogravura. Em suas narrativas,
porém, Iaperi enfatizou a figura de Iaponi, que, além de colecionador de antiguidades, como
baús e arte sacra, que a família adquiria nas feiras do interior do Seridó, pintava
representações dos autos populares e festas folclóricas que conheceu por meio do seu trabalho
na Prefeitura de Natal, chegando a fazer carreira artística no Rio de Janeiro, a partir de 1967,
levado pelo professor e crítico de arte Carlos Cavalcanti.
Esse crítico de arte, autor do Dicionário Brasileiro de Artistas Plásticos, publicado em
4 volumes, a partir de 1973, pelo Instituto Nacional do Livro, esteve em Natal no início da
década de sessenta para ministrar um curso de História e Crítica da Arte Moderna, a convite
de assessores do Governo Aluízio Alves406
.
Na interpretação de Dorian Gray, os irmãos Araújo constituíram uma linhagem de
artistas que optaram por expressar sua arte na vertente primitivista, tomando como referência
a pintora Maria do Santíssimo407
, conterrânea deles, com quem mantinham laços de
parentesco, e que também era avó de Manxa, artista que se tornou um dos entalhadores e
escultores mais conhecidos do Rio Grande do Norte408
. No seu depoimento, Iaperi reivindicou
para o irmão mais velho a responsabilidade pela projeção nacional obtida pela pintora: “A
gente conhecia dona Maria, mas não sabia que ela era artista. Iaponi foi quem a descobriu
com o forro de um velho baú”.
406
PEREGRINO, Umberto. Significação do Curso de História e Crítica da Arte Moderna. Tribuna do Norte, 30
set. 1962. 407
Natural de São Vicente/RN (1890-1974). 408
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015.
128
Com base no exposto, é possível inferir que Dorian considerava que os irmãos Araújo
retiraram do anonimato a obra de Maria do Santíssimo. Concepção essa que também é
partilhada pelo próprio Iaperi. Essa atuação dos irmãos Araújo pode ser interpretada como
uma prática própria dos mediadores culturais, na forma definida pelo historiador Albuquerque
Júnior, que considera a “fabricação do folclore e da cultura popular” um processo de
ressignificação de determinadas “matérias e formas de expressão ditas populares”, partindo da
ideia de que era necessário “resgatá-las” ou protegê-las do desaparecimento. Nessas práticas,
que, segundo o historiador, participam da constituição de uma identidade nacional ou
regional, “o elemento folclórico será definido como primitivo, rústico, ingênuo, por isso
mesmo tendo a capacidade de exprimir a verdade, a essência, o espírito de uma dada cultura,
de um dado povo, de uma dada região ou nação”409
.
Segundo os relatos de Iaperi, foi por intermédio das atividades exercidas por seu irmão
que ele entrou em contato e estabeleceu uma vivência de amizade com Dorian, Navarro e
vários outros artistas, como os pintores Thomé Filgueira e Leopoldo Nelson (que também
cursava Medicina), e com o tapeceiro Iraken Marques de Lima.
Dorian era como um consultor da gente. Ele tinha uma afinidade muito grande com
os “novos” e nos orientava. Ele tinha uma galeria chamada L’Atelier, onde eu expus;
teve outra, Vipinho, onde também expus. Newton era mais ciumento com a obra de
arte dele; tinha consciência do seu papel na arte moderna do Estado, não queria
concorrência. Se ele visse um artista bom, dificilmente tinha com ele uma
empatia410
.
Nessa passagem, nota-se como Iaperi constrói sua imagem de artista moderno,
incluindo-se numa geração que se seguiu a de Dorian Gray, a qual chamou de “novos”, ao
mesmo tempo em que produz um discurso que confere a este uma posição de ascendência
sobre os artistas iniciantes. Essa representação se conecta com a visão produzida pelo próprio
Dorian ao descrever sua relação com os artistas que emergiram alguns anos depois do salão de
pintura dos Jogos Olímpicos de Verão de 1957: “Eu transitava entre todos porque, sendo um
dos mais velhos, eu já tinha certo nome quando se fez a exposição na Aliança Francesa, que
era a Meson de France, naquela época”411
.
Ao referir-se a Navarro, no entanto, Iaperi o faz, mais uma vez, associando sua figura às
tensões que permeavam o relacionamento daqueles que se dedicavam à arte em Natal desde a
década de sessenta. Aliás, a estratégia narrativa usada por ele na construção da imagem de
409
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. “O morto vestido para um ato inaugural”: procedimentos e
práticas dos estudos de folclore e de cultura popular. São Paulo: Intermeios, 2013. p.32. 410
Entrevista concedida à autora em 11 jul. 2016. 411
Entrevista concedida à autora em 17 set. 2015.
129
Dorian Gray é marcada pela lógica do confronto, traçando um paralelo frequente entre a
personalidade e as atitudes daquele com as de Navarro, embora esforçando-se para que as
lembranças dissidentes não manchassem a imagem que pretendia apresentar do primeiro. Ao
que parece, tratava-se de uma tentativa de mostrar um certo distanciamento em relação ao
campo, e ao mesmo tempo, de expor os afetos, as disputas e concorrências de um ambiente no
qual ele próprio estava inserido:
Dorian era uma pessoa muito aberta, muito sensível à arte dos artistas. Ele tinha
segurança no mercado das obras de arte dele. Dorian tinha acesso ao mercado.
Governo do Estado, BANDERN, Fecomércio, depois a Federação da Indústria, só
compravam de Dorian e de Newton. Não compravam de outro artista. Quando vinha
autoridades visitar o Estado eram presenteadas com trabalhos de Dorian ou de
Newton; mais de Dorian do que de Newton, porque Dorian sempre acatava as
encomendas, fazia bem direitinho, cumpria os prazos; Newton prometia, demorava a
entregar ou não entregava412
.
Como se vê, o depoimento produzido por Iaperi Araújo também traz à tona uma
memória subterrânea que mostra o quanto o espaço ocupado pelos sujeitos tidos como
precursores da modernidade artística em Natal incomodava os artistas da sua geração. Nesse
relato, ele externaliza uma crítica sutil e indireta à sujeição do trabalho dos dois artistas às
demandas do Estado e das entidades privadas, assim como demonstra discernir perfeitamente
as estratégias de consagração postas em jogo, que ajudaram a construir a imagem de Newton
Navarro e Dorian Gray como os principais expoentes das artes plásticas potiguares.
Essas percepções talvez expliquem a forma como Iaperi reivindicou uma identidade
diferencial para o grupo a que se sentia pertencente, ao exaltar a atuação dos Novíssimos -
alcunha com a qual designou seus membros -, atribuindo a eles toda a dinâmica do
movimento artístico natalense do princípio da década de sessenta: “Quando nós entramos na
vida artística, começamos a fazer exposição, a ocupar espaço na mídia e nas galerias. Quem
movimentou, na verdade, o espaço cultural de Natal nas artes plásticas foi a nossa geração”.
Sem desconsiderar a dimensão espontânea da memória coletiva presente nas
rememorações individuais de Túlio e Iaperi, chamo a atenção para o fato de que, ao reelaborar
o passado dessas vivências artísticas, ambos apresentaram um quadro de referências comuns
àquele das narrativas de história oral de Dorian Gray relativas à instauração da modernidade
artística potiguar. Quadro este que já havia sido instituído pelo livro “Artes Plásticas do Rio
Grande do Norte”.
412
Entrevista concedida à autora em 11 jul. 2016.
130
No trecho a seguir, vemos como Iaperi Araújo reatualizou os marcos temporais
apresentados por esses indivíduos, reafirmou o protagonismo dos mesmos atores, conferiu um
papel central à figura de Dorian Gray e reivindicou parte da “herança” do movimento, além
de inscrever novos sujeitos nas redes circunscritas por aqueles:
A história da pintura moderna do Rio Grande do Norte começa em 1949, quando
apareceu Newton Navarro com Dorian. Newton Navarro tinha estudado no Rio de
Janeiro, onde demorou pouco. Depois, estudou no Recife. [...] Dorian ficou por aqui.
A família sempre pintou. Os dois se juntaram a Ivon Rodrigues e fizeram a primeira
exposição de pintura moderna. Essa foi a primeira geração. A segunda geração foi
em 1957, quando apareceu Túlio Fernandes, que é médico, Aécio, Leopoldo Nelson
e Thomé Figueira [...]. Depois apareceu Iaponi, em 1962-1963, com Iraken; e, logo
depois, a minha geração, em 1963-1964, chamada “Os Novíssimos”. Éramos eu,
Jussier Magalhães, Carlos José, Marcos Silva, Valter Varela e outras pessoas413
.
Publicado em 1989 pela editora da UFRN, o livro organizado por Dorian Gray Caldas
consolidou uma memória do desenvolvimento da arte no Estado, ao criar uma periodização,
nomear seus artistas, construir narrativas sobre suas produções e hierarquizar gerações. Na
primeira parte, o autor historiciza o movimento artístico no Estado numa sequência
cronológica, de 1920 a 1989, incluindo um pintor remanescente do final do século XIX. Na
segunda parte, apresenta 105 verbetes, contendo um texto de abertura sobre cada artista,
fragmentos de críticas de arte, relação das exposições realizadas e reprodução de um trabalho
do repertório artístico de cada indivíduo.
No presente da memória, ao atualizar a iniciativa que deu origem a essa obra, que é
citada em diversas pesquisas acadêmicas, por constituir uma das raras fontes de consulta
sobre a história da arte no Estado, Dorian Gray a justificou como uma estratégia de
autopromoção e valorização dos artistas potiguares: “Eu fiz esse livro por mim e pelos artistas
do Rio Grande do Norte”414
.
Ao explicar o modo como realizou a pesquisa que resultou nessa publicação, ele
atribuiu a si próprio o mérito pela dinamização do meio artístico local, reivindicando o
protagonismo da promoção e legitimação da arte e dos artistas iniciantes: “Eu ia a quase todas
as exposições, ficava com o catálogo e muitos já continham um trabalho meu apresentando o
artista. Então, a quantidade de artistas que surgiu pela minha iniciativa é muito grande: 80%
dos que estão lá já foram apresentados por mim”415
.
413
Entrevista concedida à autora em 11 jul. 2016. 414
Entrevista concedida à autora em 12 de nov. 2015. 415
Idem.
131
Constata-se, com base nessa narrativa, que Dorian Gray Caldas construiu a imagem de
um sujeito dotado da prerrogativa não apenas de patrocinar o surgimento de novos artistas,
mas também, e, sobretudo, de legitimar a criação de uma arte potiguar.
3.3 “Retratos” de Dorian Gray: traços de um quadro eternizado
Autor de mais de 40 livros publicados (Anexo II), incluindo poemas e ensaios em que
revelou sua faceta de memorialista, ao evocar personagens da vida artística e literária
natalense, Dorian Gray Caldas escreveu pouco sobre si mesmo e menos ainda acerca de sua
arte. Nessa perspectiva, o que quero dizer é que Dorian nunca sistematizou uma reflexão
profunda sobre sua produção pictórica num artigo ou livro.
Pode-se afirmar que praticamente todas as narrativas produzidas sobre Dorian partiram
dos seus amigos, sobretudo, dos poetas e escritores. No entanto, Dorian Gray exerceu um
papel fundamental no trabalho de constituição da memória de sua trajetória de vida. A
valorização de datas, ocasiões em que membros do seu círculo social eram mobilizados para
render-lhe homenagens, aponta na perspectiva de um trabalho de legitimação social.
Convidado a prestar um depoimento no sarau lítero-musical do mês de novembro de
2010 da Aliança Francesa de Natal, sediada na rua Potengi, em Petrópolis, o escritor e
acadêmico Manoel Onofre Junior decidiu apresentar alguns “traços para um retrato de Dorian
Gray”, que, naquele momento, era o ilustre homenageado da noite416
.
Na presença de outros escritores, artistas, músicos e produtores culturais, Manoel
Onofre afirmou, logo de início, não ter dúvidas de que Dorian Gray representava, a seu ver,
“uma das mais importantes personalidades culturais” do Estado, “senão a mais importante”,
afinal de contas, indagava: “Desaparecidos Câmara Cascudo e Newton Navarro, quem
poderia preencher a lacuna deixada por estas emblemáticas figuras?”417
.
Após listar cada uma das facetas alusivas aos diversos campos de experimentação do
artista e escritor, o acadêmico expôs um resumo da trajetória do homenageado, tomando como
referências a notícia do Salão de Arte Moderna de 1950, produzida por Veríssimo de Melo,
uma entrevista realizada pelo próprio Manoel Onofre com o artista, em 1967, na condição de
repórter da Tribuna do Norte, e uma crítica de arte emitida por Antonio Bento, extraída do
livro Artes Plásticas do Rio Grande do Norte, publicado pelo próprio Dorian. Por fim, 416
DORIAN Gray: 80 anos do mestre. Disponível em: <https://afrnatal.wordpress.com/2010/11/21/dorian-gray-
80-anos-do-mestre/>. Acesso em: 03 abr. 2017. 417
ONOFRE JUNIOR, Manoel. Traços para um retrato de Dorian Gray (palestra proferida na Aliança Francesa
em 24 de novembro de 2010). In: ______. Alguma Prata da Casa. Natal: 8 Editora, 2016. p.141
132
elencou a mais recente produção poética e ensaística do amigo, no intuito de compensar a
omissão que julgou ter cometido em livro de sua autoria (“Simplesmente humanos”), no qual
realçara, entre trinta perfis de intelectuais, a pessoa do Dorian Gray artista plástico, em
prejuízo da faceta do escritor.
O testemunho apresentado por Manoel Onofre Junior no sarau da Aliança Francesa
constituiu apenas um dos momentos que integraram o intenso programa de comemorações
levado a efeito em 2010 para celebrar os 60 anos de vida artística e os 80 anos de idade de
Dorian Gray Caldas.
Parto desse evento para mostrar como ciclos comemorativos dessa ordem deram origem
e, posteriormente, reforçaram certas narrativas sobre Dorian que resultaram na cristalização
de uma memória construída em torno do personagem, como é o caso, por exemplo, da
associação feita por Manoel Onofre entre as figuras de Cascudo e Dorian, relação que ele não
foi o único a estabelecer.
A exemplo da Aliança Francesa, o SESC, a Fundação José Augusto, a Assembleia
Legislativa, a Academia Norte-rio-grandense de Letras e a Universidade Federal do Rio
Grande do Norte também se somaram à agenda daquelas festividades418
.
A diretoria regional do SESC fez circular, nos municípios de Angicos e Caicó, depois
de passar por Natal e Mossoró, a exposição “Dorian Gray: O operário que ama”, organizada
no ano anterior em homenagem aos 60 anos da Federação do Comércio do Rio Grande do
Norte, sob a curadoria do professor e artista plástico, Vicente Vitoriano, com obras de Dorian
pertencentes à coleção da própria entidade419
.
O Museu Câmara Cascudo420
, que, na mesma época, completava 50 anos de fundação,
se associou à data, abrigando a exposição do artista intitulada “Caminhos da modernidade”421
,
encampada pela diretora dessa instituição museológica, pertencente à UFRN, professora
418
MONTEIRO, Maria Betânia. Acervo de um mestre. Disponível em:
<http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/acervo-de-um-mestre/147566>. Acesso em: 14 mar. 2016. 419
MOSSORÓ receberá exposição do artista plástico Dorian Gray. O Mossoroense, Mossoró, 03 set. 2009.
Disponível em: <http://www2.uol.com.br/omossoroense/030909/conteudo/universo_dia.htm>. DORIAN Gray.
Tribuna do Norte, Natal, 27 mar. 2009. Disponível em: <http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/talhe-
rupestre/104832>. MADRUGA, Woden. DORIAN em Angicos. Tribuna do Norte, Natal, 08 out. 2010.
Disponível em: <https://issuu.com/tribunadonorte/docs/dfea4ac5a5071152507f6202979897e8426e4c18>.
Acesso em: 14 mar. 2016. 420
Museu Universitário, vinculado à Reitoria da UFRN, sua criação, em 1973, é originária do extinto Instituto de
Antropologia Câmara Cascudo, primeiro centro de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
fundado em 22 de novembro de 1960, pelos intelectuais Luís da Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de
Carvalho, Veríssimo de Melo e Dom Nivaldo Monte, como centro de formação e prática de pesquisadores nas
áreas de Antropologia Física, Antropologia Cultural e Paleontologia. Cf. <http://mcc.ufrn.br/historico/>. 421
EXPOSIÇÃO de Dorian Gray Caldas. Diário de Natal, 11 set. 2010.
133
Sônia Othon, que, dois anos antes, havia sido a propositora do nome de Dorian Gray ao título
de Doutor Honoris Causa422
.
A relação profissional do artista com a Universidade Federal remontava aos primórdios
de sua criação. Em 1960, Dorian recebeu um convite para produzir a pintura-mural Paz, nas
dependências da antiga Faculdade de Direito423
; o trabalho seguinte, destinado à Faculdade de
Medicina, foi a escultura inaugurada em 1971 com o título de Monumento ao Cadáver
Desconhecido424
. Porém, foi na gestão do reitor Domingos Gomes de Lima (1975-1979) que
Dorian Gray executou, sob encomenda, no gênero da pintura religiosa425
a qual o artista
também se dedicou, uma das obras de maior vulto dentre as que possui no acervo de arte da
UFRN: os 14 quadros da “Via Sacra com Interpretação Nordestina” que decoram a Capela do
Campus Universitário de Natal426
, construída na época.
Embora não tenha sido possível confirmar se tais iniciativas partiram de proposição do
artista ou dos órgãos promotores, o fato é que essas exposições criaram um vínculo entre o
nome dele e a longa história dessas duas instituições culturais no Rio Grande do Norte,
passando, provavelmente, a imagem de permanência, constância e solidez da presença de
Dorian Gray Caldas e sua arte no seio da sociedade potiguar.
Abrindo o ciclo das comemorações, em 2010, a Fundação José Augusto realizou, na
Pinacoteca do Estado, a exposição “Dorian Gray: Acervo do Artista”427
, que teve curadoria do
artista plástico João Natal e, entre os discursos, uma fala do escritor e acadêmico, Paulo de
Tarso Correia de Melo.
Discursando na condição de ex-aluno de Dorian, amigo e confrade, na Academia de
Letras e no Conselho Estadual de Cultura, Paulo de Tarso evocou o ambiente laico e liberal
do Atheneu, segundo o qual reunia, entre o professorado, “o melhor da inteligência
estabelecida e os novos valores mentais da cidade”, para situar seu ingresso no curso colegial,
em 1959, e o primeiro contato com a modernidade representada pelo jovem professor de
desenho, cuja lição inicial teria sido a famosa frase do artista Van Gogh: “Eu pinto as coisas
como eu vejo, não como vocês veem”.
422
CALDAS, Dorian Gray. Discurso proferido na abertura da exposição “Caminhos da Modernidade”. Natal, 15
set. 2010. (documento digital pertencente ao acervo do artista) 423
RAMOS, Afonso Laurentino. Notícias literárias da província. Diário de Natal, 03 jun. 1960. 424
MEDICINA faz homenagem ao Cadáver Desconhecido. Diário de Natal, 28 jun. 1971. 425
Um dos temas mais representados por ele nesse gênero foi a cerimônia da Última Ceia; outro trabalho
relevante são os painéis-mosaicos dos Mártires de Cunhau e Uruaçu, produzidos para o Santuário de Uruaçu, no
município de São Gonçalo do Amarante/RN. 426
CÂMARA, Cassiano Arruda. Dorian Gray vai expor, na Biblioteca Pública, uma série de tapetes e estudos da
Via Sacra. Diário de Natal, 14 jul. 1976. 427
PATRIOTA, Nelson. Celebração da arte de Dorian Gray. Natal, 16 maio 2010. Disponível em:
http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/celebracao-da-arte-de-dorian-gray/148442. Acesso em: 14 mar. 2016.
134
Assegurando ter acompanhado a construção da trajetória artística e literária do
homenageado, Paulo de Tarso lembrou as primeiras tentativas de Dorian de se firmar no
mercado de arte do Estado e do país e o estabelecimento das primeiras galerias em Natal. Vale
lembrar que o próprio Paulo de Tarso participou desse momento ao inaugurar, em 1965, em
parceria com Iaponi Araújo, a Xaria – Arte & Decoração, anunciada pela imprensa da época
como a primeira galeria de propriedade privada local.
Na mesma linha dos relatos de Túlio Fernandes e Iaperi Araújo, a narrativa de Paulo de
Tarso enfatizou a “generosidade” com que Dorian Gray “acolhia, ao lado de Wanda, os
artistas que surgiam, todos eles”, dentre os quais lembrou os nomes dos falecidos Thomé
Filgueira, Iaponi Araújo e Jussier Magalhães. Uma postura adotada por Dorian que, segundo
Paulo, se estendia aos “jovens poetas”, que, como ele, foram apresentados à obra poética
Romancero Gitano (1928), do espanhol Federico García Lorca (1898-1936).
Dessa forma, Paulo de Tarso construía a imagem de um Dorian Gray altruísta, afetuoso
no convívio e destituído de competitividade, passando a impressão de um sujeito que não se
limitava a cuidar da própria carreira, mas atencioso com os artistas iniciantes, e, além disso,
uma espécie de orientador de leituras dos poetas estreantes.
Na tentativa de compor o perfil de Dorian, o escritor terminou por apresentar uma
imagem dos estereótipos mais comuns aos quais, supostamente, se costumavam associar os
indivíduos que atuavam no meio artístico em Natal no período em que ele estava envolvido
com esse movimento. Na sua visão, Dorian constituía um tipo de “criador cultural” de “feição
diversa do costumeiro”, “alguém que, rejeitando fazer o gênero maldito, marginal, perdulário
ou pobre-coitado”, seria um “exemplo de disciplina, operosidade e previdência”.
Negando qualquer vestígio de excentricidade no artista, Paulo de Tarso apontou a
paciência e a obstinação como traços marcantes da relação de Dorian para com sua arte, além
de realçar-lhe atitudes como “seriedade, trabalho constante e discreto”. Apesar da ênfase
conferida ao homem público, ressaltou ainda o “pai de família, amigo e irmão”.
Os predicados e as condutas com os quais o acadêmico caracterizou o perfil de Dorian
Gray, ao chamar a atenção para a perseverança do artista no exercício da mesma atividade, ao
longo de tantos anos, foram muito parecidos aos traços utilizados pelos jornalistas da
imprensa natalense ao noticiar os motivos das comemorações de 2010, como se depreende
dos títulos das matérias e comentários inseridos nesses textos, nos quais ele aparecia como “o
135
artista infatigável”, “o incansável Dorian Gray”428
, o “artista em tempo integral”, “um
operário da arte”429
e, ainda, a “sina de um veterano”430
.
Tais imagens, por sua vez, remetem a uma das representações mais recorrentes do
artista, que remonta, pelo menos, à década de setenta, e que teve como um dos artífices o
próprio Dorian Gray, que passou a ser retratado pelo epíteto de “trabalhador braçal da arte”. A
importância dessa imagem na construção da identidade de Dorian Gray, no meu entender,
deriva do fato de que ela tendeu a associar a arte e aquele que a praticava, “diuturnamente”, a
uma espécie de missão. E no caso de Dorian, esse exercício diário passou a ser visto como um
serviço prestado a Natal e seu Estado, que resultaria na elaboração de um discurso de
identificação tanto do artista quanto de sua arte com a espacialidade potiguar, o que nos faz
lembrar da construção discursiva da ideia de uma “Natal Cascudiana”431
, que se baseava no
vínculo identitário entre a biografia do pesquisador e sua escrita da história da cidade.
A ideia da arte como incumbência pessoal, tarefa a ser cumprida por determinado
sujeito, parece ter emergido nos discursos de e sobre Dorian Gray a partir do momento em
que a tapeçaria passou a ocupar uma posição central no seu fazer artístico. Vale lembrar que,
até 1971, ele estava inserido no quadro do funcionalismo público estadual, optando, desde
então, por afastar-se do emprego para dedicar-se, exclusivamente, ao seu atelier. Minha
suposição é que o qualificativo acima mencionado foi criado, ao menos, a princípio, como
forma de legitimar o artista-artesão, associando suas atividades, primeiramente, a uma
profissão, num contexto em que alguns críticos pareciam censurar-lhe a guinada.
Para embasar esse raciocínio, retomo a entrevista concedida por ele ao Poti, em
setembro de 1974, na qual o repórter lhe havia lançado perguntas provocativas, relativas
mesmo às lutas simbólicas no interior do campo artístico, indagando-lhe acerca do papel que
cabia a ele e às bordadeiras na produção dos tapetes, bem como sua relação com os demais
artistas da cidade. O assunto em torno da arte exercida como atividade produtiva regular
aflorou no comentário do próprio Dorian à pergunta sobre que artistas o haviam ajudado,
anteriormente, em Natal:
Mais de perto foi um companheiro meu de exposições com quem fiz muitas coisas,
cursos, exposições, escolinhas de arte. Newton Navarro. Eu e ele sempre
mantivemos coerência de pontos de vista, sempre fomos muito unidos, embora hoje,
ele esteja mais reservado, como eu também, mais para o seu trabalho, como eu para
428
FREIRE, Annapaula. O artista infatigável. Novo Jornal, Cultura, Natal, 04 dez. 2010. 429
OLIVEIRA, Jalmir. Artista em tempo integral. Novo Jornal, Cultura, p.12, Natal, 11 jun. 2010. 430
VILLAR, Sérgio. A sina de um veterano. Diário de Natal, 02 set. 2010. 431
SALES NETO, Francisco Firmino. Luís Natal ou Câmara Cascudo: o autor da cidade e o espaço como
autoria. Dissertação (Mestrado em História - UFRN). Natal, 2009.
136
o meu. Mas, emocionalmente, não há distância entre nós, eu creio. Só que a vivência
de Newton é uma, enquanto a minha é outra. Ele é um artista que participa mais,
assim, no sentido emocional. Eu sou um artista que trabalho talvez mais432
.
A propósito da maneira distinta com a qual Dorian e Navarro lidavam com a arte no
aspecto profissional, vale lembrar a narrativa de Iaperi Araújo acerca da falta de compromisso
de Newton para com os contratantes de sua obra plástica. Ele próprio admitia ter problemas
com o alcoolismo, associado à sua paixão pela boemia433
, prática que o acompanhou desde
cedo. Por isso, a despeito de seu reconhecido talento, vivia em dificuldades financeiras,
conforme me confidenciou, em conversa informal, o primo Jurandyr Navarro434
, que teve um
convívio muito próximo do artista.
Naquela mesma entrevista, Dorian atribuía o clima de intrigas, personalismo e falta de
unidade entre os artistas locais - quadro que lhe fora apresentado pelo repórter, ao fato de
esses não tomarem seu trabalho como atividade regular, defendendo que lhes faltava uma
“consciência profissional”, que, na sua visão, significava saber que “pode não haver
contradição entre ser profissional e ser criativo, ser autêntico”435
, argumento que usou para
justificar a tapeçaria como atividade artística: “Quando comecei na tapeçaria, passei a
trabalhar muito mais, porque tinha mercado e daí tive de criar mais. Há aqueles que fazem
dois ou três quadros e já se consideram gênios. Se acham espetaculares. Eu daria um
conselho: Faça mais um quadro”436
.
O fato é que as observações de Dorian, assumindo a arte como profissão e defendendo a
produtividade do artista, iria ser apropriada e ressignificada, dali em diante, por seus
principais interlocutores. Já no mês seguinte à veiculação da entrevista, em outubro de 1974,
ao elaborar um depoimento alusivo aos 25 anos do trabalho artístico de Dorian Gray, o
escritor e advogado Diógenes da Cunha Lima, escrevia:
Dorian Gray é um trabalhador. Faz de sua arte não só a profissão, mas a sua missão.
Exercida sobriamente, ajudando aos artistas jovens, pesquisando, elaborando novas
formas e técnicas. Há um quarto de século, reinventa belezas: cores e formas.
Sempre em Natal. Não lhe seduz a cidade grande, a não ser para exposições. Com
volta rápida. E, aqui, recolhe os motivos na mais pura fonte popular. [...] Muitos não
conseguem comprar os trabalhos de Dorian Gray, ainda que ele seja disciplinado,
infatigável437
.
432
BATISTA, Jorge. Autorretrato de Dorian Gray. O Poti, 22 set. 1974. 433
ENTREVISTA do artista plástico Newton Navarro concedida no Museu da Imagem e do Som, São Paulo
(25/06/92). Revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Natal, n.33, v.45, jan./jun. 2002. p.127-164 434
Encontrei o escritor na Academia Norte-rio-grandense de Letras, em 28 de junho de 2017, quando fazia
consulta às revistas publicadas pela instituição. 435
BATISTA, Jorge. Autorretrato de Dorian Gray. O Poti, 22 set. 1974. 436
Idem. 437
LIMA, Diógenes da Cunha. Natal, 17 out. 1974. In: CALDAS, Dorian Gray. Do outro lado da sombra (v.2).
Natal: Editora do IFRN, 2015. p.192.
137
Comparando o texto do escritor com a entrevista concedida pelo artista percebe-se como
alguns de seus elementos dialogavam, diretamente, com as colocações do próprio Dorian em
resposta ao repórter do jornal citado. O acadêmico ressaltou sua capacidade produtiva, a
existência de mercado para sua arte, o apoio aos artistas iniciantes e sua busca por novos
experimentos estéticos – temas contemplados na referida reportagem. Note-se, ainda, que
Diógenes da Cunha Lima estabeleceu uma conexão entre o lugar de trabalho do sujeito
(“Sempre em Natal”) e sua produção artística (“E, aqui, recolhe os motivos [de sua arte]”).
Essa ideia reforçava o discurso do apego telúrico apontado pelo próprio Dorian Gray ao
justificar sua opção por permanecer na capital potiguar ao ser indagado se, ao contrário dos
“novos” que desejavam sair para os grandes centros, ele se considerava um “provinciano
incurável, como Câmara Cascudo”:
Acontece que minha atividade é muito ligada ao meu trabalho, quer dizer, eu não
sou vedete, eu não quero aparecer só por aparecer. [...] Eu vivo da minha arte e
preciso de tempo para realizá-la. Se a gente começa a se preocupar com aquela coisa
exterior, que é a massificação das grandes cidades, então a gente perde muito até das
qualidades intrínsecas que estão com a gente. Perde emoção, vivência com a terra,
com as coisas que a gente ama e sente, participa. [...] Se eu sair daqui indo pra um
grande centro, imagino o quanto vou perder438
.
Essa associação entre o artista e sua arte com o espaço em que vivia e produzia
reapareceu pouco tempo depois nas palavras do poeta e jornalista Sanderson Negreiros, com
quem Dorian mantinha um vínculo afetivo muito intenso, e que completava, ao lado do
também poeta Luís Carlos Guimarães (1934-2001), o trio de amigos que compartilhou, de
modo mais íntimo, as vivências literárias da geração dos chamados poetas “novos”, que
emergiu em Natal nos anos cinquenta.
Dentre os três, Sanderson, natural de Ceará-Mirim, foi o primeiro a ter livro publicado
(Ritmo da busca, 1956), com apenas 16 anos de idade, estudante secundarista, visto, na época,
como uma promessa das letras potiguares439
. Sua amizade com Dorian, dez anos mais velho,
começou depois de um encontro numa livraria no bairro Cidade Alta, quando tinha em torno
de 13 anos, recém-saído do Seminário São Pedro, onde havia se recolhido desde os 9 anos440
.
Em 1975, quando o artista completou o jubileu de prata de atividade profissional,
publicou um álbum em que reuniu trechos de críticas de arte e depoimentos a seu respeito -
438
BATISTA, Jorge. Autorretrato de Dorian Gray. O Poti, 22 set. 1974. 439
CENTRO Estudantil Potiguar. A República, Vida Escolar, Natal, 04 jul. 1956. 440
NEGREIROS, Sanderson. Dom Adelino. Disponível em:
<http://montedogalo2009.blogspot.com.br/2010/03/dom-adelino-por-sanderson-negreiros.html>. Acesso em 10
abr. 2017.
138
“Dorian Gray: 25 anos de pintura”, impresso que circulou em Natal e fora do Estado, sendo
presenteado aos amigos e, possivelmente, aos seus principais clientes.
Nesse álbum, Sanderson atribuía a atividade artística do companheiro a uma
“apaixonada vocação”, sugerindo, em seguida, num tom enigmático, que Dorian elegera a arte
“como salvação e catarse”, motivo pelo qual pagava “incessantemente tributo à solução” que
o fazia poeta e “ao silêncio de ser” que o sustentava “como pintor, ceramista e tapeceiro”. Na
visão do poeta, Dorian constituía um “trabalhador incurável, em contínua pressão”,
produzindo sua obra plástica “com força nativa, com força da terra, com gosto e jeito do
caminho natalense” que ele pisava e surpreendia, “surpresa de saber-se escolhido para
comunicar o susto da arte”441
.
Em outras palavras, Sanderson realçava a ideia de Diógenes da Cunha Lima de que
Dorian exercia sua arte como se a tivesse tomado como uma missão, e que, ademais, construía
seu trabalho a partir de uma relação identitária estabelecida com a cidade de Natal.
Sete anos depois da exposição retrospectiva dos 25 anos de sua pintura, realizada no
SESC-RN, e da circulação do álbum comemorativo preparado pelo próprio Dorian, o artista
encontraria novo ensejo para dar continuidade ao trabalho de construção da memória de sua
trajetória de vida.
Em 1982, participou, pela primeira vez, como entrevistado, do Programa Memória
Viva, recém-criado na TV Universitária de Natal durante a gestão de Diógenes da Cunha
Lima como reitor da UFRN. Conduzido pelo jornalista Carlos Lyra, com mediação de
Alvamar Furtado de Mendonça, o programa assumiu uma feição comemorativa ao intercalar,
entre os blocos de entrevista com o convidado, cinco depoimentos de pessoas que
acompanharam seu percurso artístico. Dois deles – o do próprio Diógenes e o de Newton
Navarro – haviam sido gravados ainda em 1975, no jubileu de prata do pintor. Os outros
depoentes convidados foram os poetas Sanderson Negreiros, Luís Carlos Guimarães e Nei
Leandro de Castro442
.
Muitas das representações que Dorian produziu sobre si nas entrevistas de história oral
de vida realizadas para esta pesquisa já estavam presentes nas narrativas que apresentou
naquele início da década de oitenta, bem como a preocupação em preservar a memória de
suas realizações artísticas. Ao comentar sobre os desenhos produzidos na infância, Dorian
441
NEGREIROS, Sanderson. A busca incessante. In: CALDAS, Dorian Gray. Dorian Gray: 25 anos de pintura.
Natal, 1975. 442
O depoimento de Dorian foi gravado em 30 de agosto de 1982. No entanto, apenas em 1998, a UFRN
publicou a transcrição das entrevistas, numa edição impressa coordenada pelo próprio Carlos Lyra. Nessa
pesquisa, utilizo como fonte a versão transcrita.
139
Gray lamentava não ter conservado os registros dos primeiros traços: “Eu ainda hoje me
lembro com certa nostalgia muita coisa que não consegui fixar ou que se perdeu no tempo.
Aqueles trabalhos que eu fazia, e que por falta de uma certa orientação, sei lá [...], se
perderam, não ficaram, foram destruídos pelo tempo” 443
.
Nesse programa, Sanderson e Luís Carlos apontaram a figura de Dorian Gray como uma
referência intelectual para a geração mais moça aspirante à literatura nos anos cinquenta,
imagem reiterada anos mais tarde pelo escritor Paulo de Tarso.
Segundo as palavras de Luís Carlos: “Dorian foi além de companheiro, meu orientador
de leituras”, lembrando ter lido, na época, entre outras indicações suas, os romances Jean
Christopher, de Romain Rolland, e O Diário de Salavin, de Georges Duhamel. A leitura que
fez do personagem deste último autor dá uma ideia dos dilemas que pareciam atormentar os
jovens de sua geração: “Salavin era um estrangeiro, como o de [Albert] Camus, sendo que ele
era apenas um inadaptado com a vida, não tinha aquela dose de revolta, de rebelião do
estrangeiro de Camus”444
.
Natural de Currais Novos, Luís Carlos conheceu Dorian em Natal, no final dos anos
quarenta, no Ginásio Sete de Setembro, onde colaboravam com um jornalzinho literário445
.
Em 1957, incentivado por ele e por Newton, se inscreveu e conquistou o 1º lugar do Concurso
de Poesia dos Jogos Olímpicos de Verão446
. Dorian e Luís Carlos publicaram seu primeiro
livro de poesia em 1961, na Coleção Jorge Fernandes.
As recordações de Sanderson apresentaram a mesma visão sobre Dorian Gray,
salientando que “a sua maior experiência de leitura” lhe “serviu muito como roteiro, como
definições”, e acentuou que os poemas que faziam passavam sempre pelo crivo do artista, que
exercia quase que o papel de “crítico literário” de todos eles. Pode-se inferir, a partir dessa
narrativa de Sanderson, que Dorian influenciava a produção poética dos “novos”.
Pela intimidade com que privaram do convívio com o artista, as imagens produzidas
pelos poetas sobre Dorian, sempre num tom afetivo, assumiram um sentido laudatório, de
enaltecimento da sua dimensão humana. Na percepção de ambos, Dorian era visto como
“companheiro”, “generoso”, “afável”, “fiel” e “leal”447
.
443
Cf. LYRA, Carlos (Coord.). Memória Viva de Dorian Gray Caldas, Newton Navarro, Leopoldo Nelson.
Natal: EDUFRN, 1998. 444
Idem. 445
GUIMARÃES, Luís Carlos. Entrevista concedida em 2001. Imburana - revista do Núcleo Câmara Cascudo
de Estudos Norte-rio-grandenses, Natal, n.7, jan./jun. 2013. 446
NAVARRO, Newton. Prêmio. A República, 14 nov. 1957. 447
LYRA, Carlos (Coord.). Memória Viva . Op. cit., 1998.
140
O poeta Nei Leandro448
, por sua vez, evocou um depoimento que havia concedido
anteriormente para reforçar a alcunha que atribuíra ao artista na ocasião, ao qualificá-lo de
“trabalhador braçal a serviço de uma sensibilidade”. Desse modo, o escritor resgatava o
discurso da dedicação integral de Dorian Gray à arte, enfatizando, inclusive, o decurso do
tempo exercido nesse labor - 32 anos de trabalho diário em seu atelier.
Esse aspecto da vida de Dorian Gray, que para Nei Leandro, o tornava uma “espécie de
monge, que se debruça sobre o seu trabalho”, foi associado pelo poeta à vasta produção do
artista e seu valor cultural para o Estado, ao afirmar que ele estaria fazendo “talvez, a mais
importante obra artística, plástica do Rio Grande do Norte, em qualidade e quantidade”449
.
A despeito de todos os cinco depoentes que participaram daquela edição do Programa
Memória Viva compartilharem, com Dorian Gray, da experiência de produção poética,
nenhum deles - com exceção de Luís Carlos, que lembrou ser o “artista mais conhecido como
pintor”, embora fosse “um bom poeta” -, ressaltou ou sequer mencionou a faceta do Dorian
escritor. Em suas recordações, todos enfatizaram a figura do artista plástico, em detrimento da
identidade do poeta.
Em outubro de 1974, quando Diógenes da Cunha Lima produziu o depoimento para o
jubileu de prata do trabalho artístico de Dorian, apresentado nesse Programa, ele ocupava a
presidência da Fundação José Augusto, órgão com o qual o artista mantinha estreita relação,
desde que assessorava a ex-diretora, Ilma Melo Diniz.
Em 1986, coube também a Diógenes saudar Dorian Gray por ocasião de sua posse na
Academia Norte-rio-grandense de Letras, instituição que esse escritor preside desde
novembro de 1984, ano em que se deu a eleição do artista para a cadeira de número 9.
Em texto sucinto450
, para o padrão dos discursos de saudação aos novos acadêmicos, e
sem priorizar a análise de sua obra literária, o presidente da Academia Norte-rio-grandense de
Letras conferiu muita ênfase à figura do artista plástico, mais ainda que a do escritor, ao fazer
diversas referências à sua atividade pictórica: “Falo sobre e ao lado de quem vive a arte como
ofício”; “faz também poesia plástica em tapetes. É pintor, escultor, ceramista e gravador.
448
A aproximação entre Nei Leandro e Dorian Gray, provavelmente, se deu por intermédio do tio do artista, Luiz
Rabelo, poeta a quem o primeiro disse ter sido seu professor no exercício da poesia, quando o conheceu aos 16
anos de idade. Cf. CASTRO, Nei Leandro de. Luiz Rabelo, poeta. Natal, 31 jul. 2009. Disponível em:
<http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/luiz-rabelo-poeta/120963>. Acesso em: 12 jun. 2017. 449
LYRA, Carlos (Coord.). Op. cit., 1998. 450
A saudação foi publicada alguns dias depois no jornal O Poti. Cf. LIMA, Diógenes da Cunha. Dorian Gray:
marinhas e azuis. O Poti, 05 out. 1986.
141
Todos os dias Dorian inova, cria, recria, produz beleza, porque este é o seu ofício”; “não
posso ver Dorian sem me lembrar de azuis e marinhas”451
.
No tocante à sua obra poética, na percepção do escritor, demonstrada pela citação de
autores que analisaram os versos de Dorian, sua poesia não podia ser lida sem que se
associasse a imagem do poeta a do artista plástico, como se este precedesse a existência
daquele e sua poesia se pautasse por sua obra artística. Nesse sentido, Diógenes da Cunha
Lima citou o escritor Pedro Simões para afirmar que Dorian fazia “uma poesia plástica”; e
reforçou a observação notada por Américo de Oliveira Costa, no prefácio de “Poemas para
Natal em Festa”, segundo o qual, nesse livro de desenho e poemas, haveria “um sistema de
vasos comunicantes, entre o verso e o desenho, que os fizeram completar-se, naturalmente”.
A tônica do discurso, porém, foi de enaltecimento da prática artística de Dorian,
apresentado como um “natalense profissional” - numa provável alusão à imagem do
“trabalhador braçal da arte”-, cujas obras teriam presença garantida no mercado externo, além
de integrar coleções de arte de países como Suíça, Alemanha e Estados Unidos.
Poeta e escritor, Diógenes da Cunha Lima foi um dos primeiros biógrafos do
pesquisador Luís da Câmara Cascudo, seu ex-professor de Direito Internacional, de quem se
tornou amigo íntimo e a quem considerava seu mentor intelectual452
.
A amizade de Diógenes da Cunha Lima com Dorian Gray resultou em muitas trocas
simbólicas. O artista ilustrou seus livros, produziu capas, dedicou-lhe poemas, transpôs
poemas dele para a pintura, pintou e lhe presenteou trabalhos nos quais retratou os temas
preferidos do presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras: a chanana (ou xanana,
nos versos dos poetas), reconhecida como flor-símbolo de Natal453
, a casa onde Câmara
Cascudo viveu a maior parte da vida, o baobá centenário que Diógenes preservou numa área
urbana natalense, além de símbolos da cidade-natal do escritor, como o trem de Nova Cruz 454
.
Desde que produziu a provável primeira narrativa sobre Dorian, em 1974, o escritor já
antecipava a tarefa que ele próprio decidiu cumprir, na condição de biógrafo, após saber da
notícia da morte do amigo, em janeiro de 2017. Em 1986, ao concluir o discurso de saudação
ao novo acadêmico, e, repetindo a fórmula que associava o nome do artista ao do personagem
do romance de Oscar Wilde, renovou a previsão: “Dorian Gray reabilitou, valorizou o nome
451
LIMA, Diógenes da Cunha. Saudação de Diógenes da Cunha Lima ao acadêmico Dorian Gray, em 26 de
setembro de 1986. Revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Natal, n. 20, v.32, mar. 1988. p.97-100. 452
LIMA, Diógenes da Cunha. Prefácio desta 3ª edição. In: ______. Câmara Cascudo: um brasileiro feliz. Rio
de Janeiro: Lidador, 1998. 453
Lei Municipal 5350/2 de 17 de janeiro de 2002, de autoria do vereador Franklin Capistrano. 454
LIMA, Diógenes da Cunha. Além do retrato. Revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Natal,
n.50, jan./mar. 2017. p.23-24.
142
famoso. Que não é pseudônimo. Outros ainda lhe farão o Retrato. Verdadeiro, viril, criador,
que engrandece a nossa cidade”455
.
Diógenes da Cunha Lima foi quem indicou Dorian Gray para produzir os painéis que
ornamentavam o interior do monumento Presépio de Natal, espaço destinado a eventos
culturais e religiosos, inaugurado em 2006, pela Prefeitura Municipal, com projeto assinado
pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Naquele ano, quando recebeu a equipe do Programa “O
Mundo da Arte”, produzido pela TV SESC/SENAC de São Paulo, Dorian avisou a Diógenes
que daria ênfase à iniciativa e à pessoa do escritor: “Serei sempre grato ao caro amigo pela
escolha primeira do meu nome para esta alta realização, que põe em relevo nacional o meu
nome e a arte que realizamos”456
.
Em 2008, a amizade entre os dois conferiu ainda mais prestígio a Dorian Gray.
Atendendo a seu convite, o artista pintou um quadro de proporções murais (3mx2m) para a
Academia Norte-rio-grandense de Letras, em homenagem ao fundador da entidade, Câmara
Cascudo, obra na qual o pesquisador figura como tema central, doada pelo autor e fixada no
centro do salão nobre da entidade457
, onde adquiriu um lugar permanente (Imagem 21).
Conforme demonstrei no capítulo 2, a proximidade de Dorian Gray com Cascudo
remontava à década de cinquenta, quando intelectuais como Veríssimo de Melo promoveram
essa aproximação. Seguramente, foi a afinidade de Dorian com o pesquisador que determinou
a escolha do nome dele para produzir a escultura do pedestal, na forma da palma de uma mão
em concha, que ergue a estátua do “Mestre”, construída no ano de sua morte, em 1986, junto
com o Memorial Câmara Cascudo, numa iniciativa da Fundação José Augusto e do Conselho
Estadual de Cultura, presididos, à época, respectivamente, pelo jornalista Paulo Macedo e por
Veríssimo de Melo458
.
455
LIMA, Diógenes da Cunha. Apresentação. In: CALDAS, Dorian Gray. Assombração (desenhos-75). Natal,
17 out. 1974. 456
Carta a Diógenes da Cunha Lima. Natal, 02 de maio de 2005. Acervo do artista. 457
LIMA, Diógenes da Cunha. Além do retrato, op. cit., 2017. 458
MACEDO, Paulo. Radir inaugura memorial, hoje. Diário de Natal, 10 fev. 1987. A concepção do
monumento, em duas partes, foi do arquiteto Samy Elali, vencedor de concurso que teve 14 concorrentes.
Ouvido, na ocasião, sobre o significado da mão em concha, Dorian opinou que representava “a acolhida da
cidade, da terra e o carinho do povo humilde ao grande homem que foi Câmara Cascudo. Cf. MONUMENTO é
aberto para cada um ter sua interpretação. Diário de Natal, 30 dez. 1986.
143
Imagem 21: Tela em homenagem a Cascudo (óleo, 3mx2m), Dorian Gray, 2008, Academia Norte-rio-grandense
de Letras
Fonte: Fotografia da autora, 2017.
No entanto, as relações do artista com Diógenes da Cunha Lima certamente mediaram
ou ao menos reforçaram ainda mais seu interesse pela obra de Cascudo. Minha hipótese, no
entanto, é a de que essa amizade, se não inaugurou, ao menos alimentou uma associação entre
a imagem de Dorian Gray e a figura do pesquisador. O testemunho a seguir, produzido pelo
artista em 2006, no discurso de saudação de posse do magistrado Francisco Fausto Paula de
Medeiros, na Academia Norte-rio-grandense de Letras, traz alguns elementos que permitem
pensar tais afirmações:
Qual de nós não recebeu a influência do mestre? Sua cultura, sua simpatia, sua
afabilidade, cativou e uniu toda a nossa geração em torno do seu saber, da sua
liderança, do seu gênio. O mestre era a nossa referência maior. [...] Está aí o nosso
presidente Diógenes da Cunha Lima, um dos seus filhos espirituais, que o diga. [...]
Encantei-me com os primeiros livros que li dele, principalmente o verismo dos
vaqueiros e cantadores, os cordéis trágicos, das flores trágicas dos cangaceiros; das
rendeiras, dos jangadeiros, as fabulações de Canto de Muro, as lendas e os mitos,
registros que são a própria natureza da minha obra [...]459
.
Alguns anos depois dessa cerimônia, ao prefaciar o livro de ensaios de Dorian Gray, A
hora única (2012), Diógenes da Cunha Lima, detendo-se, mais uma vez, na figura do artista
plástico, escreveu que sua arte se caracterizava por representar “Natal e seus habitantes”,
459
CALDAS, Dorian Gray. Memória e destinação. In: ______. A Hora Única. Natal: EDUFRN, 2012. p.29-30.
144
sendo também ele a própria “personificação” desse lugar, “uma indicação da Cidade”,
envaidecida pelo seu fazer múltiplo. O acadêmico ainda aproveitou o prefácio para reforçar a
ligação feita, anteriormente, por Dorian Gray, entre sua produção artística e o percurso
intelectual do folclorista, afirmando que Dorian transformava em “artes plásticas o que
Cascudo escreveu: o mar antigo e sempre novo, o homem e o seu chão, a cor estabelecendo o
que vem na alma”460
.
Cabe ressaltar, no entanto, que a construção dessas associações entre a figura e a obra
plástica do artista com a pessoa e a obra intelectual de Cascudo é posterior às comemorações
realizadas por ocasião de outro importante marco temporal da atividade artística de Dorian
Gray Caldas: o cinquentenário de sua arte, festejado no ano 2000.
Naquele momento da sua trajetória de vida, emergiram novas lembranças sobre o
artista, como também narrativas identitárias sobre sua produção pictórica com base em
concepções do que seus conterrâneos entendiam por “regionalidade”, “nossas tradições” e
“nossa cultura”, entre outras expressões utilizadas na ocasião. Seguindo o raciocínio dos
sujeitos que fizeram apreciações de seus trabalhos, o valor da obra plástica de Dorian Gray
decorria, sobretudo, da capacidade criativa do artista de fazer figurar uma certa “realidade”
regional e local.
Assim, em nova exposição retrospectiva, que teve lugar na Pinacoteca do Estado, numa
promoção da Fundação José Augusto, o poeta Luís Carlos Guimarães abriu o evento
apresentando Dorian Gray como o “artista de maior expressão do Estado no século que
passou”, cuja arte, de “fundas raízes na nossa realidade”, seria “a um só tempo nordestina e
universal”461
.
Na sequência das homenagens que recebeu, a Academia Norte-rio-grandense de Letras
e o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte realizaram sessões solenes, nas
quais se manifestaram acadêmicos, pesquisadores e outras personalidades das letras. Alguns
dos discursos proferidos na ocasião foram reunidos em edição especial da Revista da
Academia, dirigida pelo escritor Manoel Onofre Junior.
Dentre os autores desses textos memorialísticos, o advogado, político e escritor Valério
Mesquita constituía uma das figuras que acompanhava, há mais tempo, a trajetória do artista,
tendo, inclusive, prefaciado um de seus álbuns de desenho e poesia (Feiras e feirantes,
460
LIMA, Diógenes da Cunha. Prefácio. In: CALDAS, Dorian Gray. A Hora Única. Op. cit. p.11-13. 461
GUIMARÃES, Luís Carlos. Saudação a Dorian Gray (Discurso pronunciado por ocasião da abertura da
exposição do artista no Palácio da Cultura, Natal). In: Dorian Gray Caldas: 50 anos de sua arte – Revista da
Academia Norte-rio-grandense de Letras, n.31, v.43, p.14-16. Natal: EDUFRN, jan./jun. 2001.
145
1983)462
, na época em que presidiu a Fundação José Augusto (1979-1983). Em seu
depoimento, o escritor, falando na condição de membro da Academia de Letras e do Conselho
Estadual de Cultura, destacou a figura de Dorian Gray como o “mais importante expoente,
sem esquecer Newton Navarro, das artes plásticas” que o Estado já havia possuído463
.
Segundo ele, o talento e a arte de Dorian conferiram forma e cor aos sentimentos, à
história e às tradições do povo de Natal e do Rio Grande do Norte. O quadro sobre o martírio
de Frei Miguelinho, pintado para a Assembleia Legislativa do Estado, que apontou como uma
de suas mais importantes obras-murais, seria uma prova de que o artista não se afastou de
“suas origens”, lembrando ainda de seus álbuns, em cujos desenhos ele havia ilustrado “nosso
folclore, nossos brinquedos, nossa flora”.
Para legitimar suas afirmações, Valério Mesquita tomava de empréstimo a “voz
autorizada” de Cascudo, numa opinião emitida, provavelmente, nos anos sessenta:
“Compreende-se que Dorian Gray, pintor e desenhista enfrentando a composição, tenha a
vocação pictórica pela realidade brasileira, incapaz de deformá-la, mutilá-la, sob pretexto de
interpretação pessoal”464
.
Escolhido para falar em nome do Instituto Histórico e Geográfico na cerimônia em que
esta instituição saudou o sócio efetivo465
pelos 50 anos de arte, Iaperi Araújo recuperou uma
apreciação crítica da obra pictórica do homenageado que havia produzido 20 anos antes para
o jornal Diário de Natal.
Nela, o crítico de arte reiterava uma das imagens mais recorrentes de Dorian, que o
tomava por “artista completo”, valoração devida às múltiplas formas estéticas e aos materiais
que experimentou. Essa imagem está associada aos diversos tipos de produção artística de
Dorian, que contribuíram para colocar em circulação variadas representações a respeito dele:
pintor, desenhista, escultor, gravador, ceramista, muralista, poeta, escritor e tapeceiro.
Assim como fizeram seus colegas da Academia de Letras, em seu discurso para o
Instituto Histórico Iaperi Araújo enfatizou os símbolos telúricos da obra visual de Dorian
Gray, evidenciando, nas formas plásticas do seu trabalho, um universo cultural que ele
entendia como portador de uma identidade norte-rio-grandense:
462
MESQUITA, Valério. O figurativo e o textual. Natal, mar. 1983. In: CALDAS, Dorian Gray. Do outro lado
da sombra: (v.1). Op. cit., 2015. p.159. 463
______. Os 50 anos de arte de Dorian Gray Caldas. Revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras,
n.31, v.43. Natal: EUFRN, jan./jun. 2001. p.11-13. 464
Idem, p.12. 465
Dorian Gray se tornou sócio desta instituição em assembleia realizada em abril de 1987. Cf. MACEDO,
Paulo. Diário de Natal, 02 abr. 1987.
146
Na pintura, identificou-se com a marca e registro da paisagem potiguar. Seus
casebres da margem do rio Potengi, seus engenhos adormecidos e abandonados nos
verdes vales, sua história e suas brincadeiras nos autos e danças dramáticas que
marcam a regionalidade e a cultura do nosso povo466
.
Ainda segundo sua interpretação, as criações artísticas de Dorian evocavam uma
espacialidade citadina cujas figuras se movimentam entre o rio e o mar, seja nas “festas
religiosas de barracas e bandeiras”, nos “becos obscuros, de casas assobradadas” da “Ribeira-
mulher”, seja nas danças dramáticas populares, desde a “imponência dos congos” à “trágica
morte do boi-calemba numa obscura rua de Natal”.
Na visão de Iaperi Araújo, o artista “emprestou cor à sua cidade”, incorporando, em
suas obras, os mitos, as lendas, os frutos da terra e seus momentos históricos, entre outros
elementos de sua “tradição cultural”.
Conforme venho tentando mostrar no último tópico deste capítulo, essas significações
sobre a obra de Dorian Gray, construídas socialmente por seus conterrâneos, defendem uma
ligação entre as referências telúricas inscritas nas imagens produzidas por ele com o que havia
de mais concreto e enraizado no espaço em que o artista estava inserido, lugar de suas
experiências afetivas.
Nas suas narrativas de história de vida, há momentos em que o próprio Dorian Gray
parece negar a ruptura entre representação e realidade: “eu fiz muitos engenhos. Passei uns
dias em Ceará-Mirim, vendo os homens trabalhando no canavial, cortando, queimando”; “as
marinhas são muito semelhantes, porque pertencem a uma maneira de ver o mar. Quase todo
dia eu saía, num carro que eu tinha, e ia dar uma volta na praia pra ver como é que estava o
mar”467
.
Essa empiria na representação dos motivos pictóricos também se fez notar em relação às
manifestações festivas, inspiradas em fontes populares e folclóricas, que Dorian vivenciou no
espaço urbano de Natal. Em seu acervo pessoal de documentos há um vídeo em que o artista é
filmado fazendo uma espécie de registro etnográfico dos traços e movimentos dos brincantes
de um folguedo que se apresentava na ocasião.
O que interessa perceber, no entanto, é que todos esses discursos que contribuíram para
definir a arte de Dorian Gray como expressão de uma identidade potiguar resultaram de uma
série de eventos comemorativos que tiveram lugar num âmbito institucionalizado, o que
favoreceu a cristalização de uma memória em torno do artista e sua obra pictórica.
466
ARAÚJO, Iaperi. Artes Plásticas: A força criativa em Dorian Gray. In: CALDAS, Dorian Gray. Do Outro
Lado da Sombra: (v.2). Op. cit., 2015. p.221. 467
Entrevista concedida à autora em 18 set. 2014.
147
O cinquentenário de sua atividade artística constituiu o momento em que o próprio
Dorian Gray, em discurso de lançamento do livro Todos os planos, que reuniu o mais
representativo de sua pintura, gravura, mural e tapeçaria, assumiria o conjunto de sua obra
plástica como arte potiguar, ao dirigir-se aos patrocinadores da publicação para agradecer “a
maneira de ter sido escolhido” para representar, “em cor e traço”, a “Cidade do Natal e o Rio
Grande do Norte”468
.
Concluo reiterando que Dorian Gray construiu sua imagem associada ao espaço público,
sobretudo, o institucional, seja nas reuniões do Conselho Estadual de Cultura, nas sessões da
Academia de Letras e do Instituto Histórico, na colaboração com as instituições gestoras da
cultura potiguar. Esse convívio com outros artistas e a intelectualidade potiguar, durante todos
esses anos, favoreceu a instituição de marcos referenciais que contribuíram para a construção
e perpetuação de sua imagem, da qual ele próprio foi protagonista.
468
CALDAS, Dorian Gray. Discurso do acadêmico Dorian Gray, por ocasião do lançamento do livro “Todos os
planos”, na FIERN. Revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras, n.31, v.43, p.9-74. Natal: EUFRN,
jan./jun. 2001.
148
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dorian Gray faleceu quando esta pesquisa ainda estava em andamento, em 23 de janeiro
de 2017, perto de completar 87 anos. O medo da morte era um sentimento que lhe
acompanhava há tempos, manifestado publicamente, em algumas ocasiões. Wanda, sua
esposa, contou-me, de maneira informal, que, nos últimos meses de vida, bem antes da
internação, ele requeria sua atenção integral. Pedia que lhe segurasse a mão.
Por trás do medo, um desejo imenso de viver para seguir com sua obra criadora. Talvez
por esse motivo, em 1999, Dorian, que não professava religião, mas que admirava Jesus
Cristo469
, escreveu um poema, que a família reproduziu no folder da sua Missa de 7º Dia, que
começava assim: “Senhor, dá-me mais um verão e eu continuarei a parte que me cabe neste
ofício. Sei que um verão é pouco, mas se assim peço é para que possa erguer-me das minhas
fragilidades e sob a sua luz escrever teu nome”470
.
O próprio Dorian reconhecia a sua importância para a arte potiguar e, por isso, tanto
desejava viver. Nesse sentido, é bastante ilustrativa a sua interpretação acerca do I Salão
Dorian Gray de Arte Potiguar, realizado com a participação de mais de 100 obras e 300
artistas em abril de 2016, momento em que ele ainda estava em atividade: “A lembrança do
meu nome para este Salão revive o meu júbilo de ser útil à minha geração, ao Estado e às
artes potiguares. Resta-me dizer que o Salão Dorian Gray não é só o aplauso, é também a
minha consagração como fazedor de cultura”.471
A morte de Dorian Gray, em pleno verão natalense, causou comoção no meio
intelectual da cidade, que velou seu corpo num espaço que ele próprio ajudou a edificar como
lugar de memória de sua arte: a Pinacoteca do Estado. O noticiário da imprensa local se
referiu a ele com poucas variações, em geral, o apresentando como “o maior nome das artes
plásticas potiguares”472
ou “um dos maiores artistas plásticos do RN473
”. Aliás, as facetas
mais lembradas do personagem foram as do artista plástico, do poeta e do escritor.
Autoridades políticas enfatizaram o “homem de diversas artes” (Garibaldi Alves,
senador), o “artífice das artes” (Isaura Rosado, diretora da Fundação José Augusto), o
“orgulho potiguar” (Carlos Eduardo, prefeito). Os mais íntimos, como Iaperi Araújo e
469
Entrevista concedida à autora em 21 ago. 2014. 470
Poema “Da verdade”, do livro “Os dias lentos” (1999). 471
CALDAS, Dorian Gray. Salão Dorian Gray de Arte Potiguar. Natal, abril de 2016. 472
CARLOS, Conrado. Dorian Gray Caldas: morre o maior nome das artes plásticas potiguares. Substantivo
Plural [blog], Natal, 23 jan. 2017. 473
MORRE Dorian Gray Caldas, um dos maiores artistas plásticos do RN. Novo Jornal, 23 jan. 2017.
149
Sanderson Negreiros, recuperaram antigas alcunhas: o “artista múltiplo” e o “trabalhador
incansável”; Woden Madruga revelou o “seresteiro”, viés confirmado por Sanderson, que
também apontou uma relação identitária entre sua obra e seu lugar de produção: “Poucos
amaram tanto Natal como ele. Enquanto Newton Navarro se virou para o sertão potiguar,
Dorian se debruçou sobre a cidade onde viveu a vida toda”474
.
No âmbito institucional, foram várias as homenagens e os discursos produzidos nos
meses que se seguiram ao seu falecimento, destacando-se as ações da Câmara Municipal de
Natal, do Instituto Histórico e Geográfico, da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras e da
Fundação José Augusto.
A Câmara Municipal de Natal, instigada pela proposição do vereador Franklin
Capistrano, lembrou a figura do poeta, concedendo-lhe um diploma, in memoriam,
solenemente entregue à sua filha, Dione Caldas, “pelo transcurso do Dia da Poesia e pelos
serviços prestados à cidade do Natal”475
.
O Instituto Histórico e Geográfico, fechado para reforma havia mais de um ano, reabriu
as portas aos visitantes inaugurando suas “modernas estantes deslizantes” com a exposição de
pintura Presença Viva de Dorian Gray, com curadoria de Dione Caldas. No texto do folder-
convite, o jornalista Vicente Serejo destacou o artista plástico, poeta e ensaísta, que
“registrou e iluminou, com o traço das suas cores e das suas palavras, a história da sua terra e
de sua gente”. Referindo-se à iniciativa da exposição, disse que o Instituto “fez questão de
buscar na grandeza intelectual do seu nome, não apenas um sócio, mas um símbolo da
instituição maior e mais antiga do Estado”476
.
Três de seus confrades da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras - Diógenes da
Cunha Lima, Daladier da Cunha Lima e Sônia Faustino, escreveram em sua homenagem na
revista número 50, publicada após sua morte, relembrando os méritos de sua atuação. Essa
revista estampou a manchete “RN perde o seu artista maior” e o presidente da Academia,
Diógenes da Cunha Lima, escreveu: “Para a tristeza de muitos, o nosso artista maior partiu.
Não vamos esquecê-lo. Já dou início à sua biografia. A biografia prometida!”477
.
474
RIBEIRO, Ramon. LOPES, Cinthia. A completude de Dorian Gray. Tribuna do Norte, 24 jan. 2017. 475
CÂMARA MUNICIPAL DE NATAL. Homenagem. Natal, 19 de abril de 2017. A proposição foi do vereador
Franklin Capistrano. 476
SEREJO, Vicente. Dorian Gray: um retrato. In: IHGRN. Reabertura do Instituto Histórico e Geográfico do
RN e inauguração das modernas estantes deslizantes e dos pisos de madeira, 08 de junho de 2017. Exposição
Presença Viva de Dorian Gray, 08 de junho a 08 de julho de 2017. 477
LIMA, Diógenes da Cunha Lima. Além do retrato. Revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras,
Natal, n.50, jan./mar. 2017. p.24.
150
Também a Fundação José Augusto preservaria a memória do artista, ao realizar, por
meio da Sociedade Amigos da Pinacoteca478
, o II Salão Dorian Gray de Arte Potiguar, criado
em maio de 2017 por iniciativa de artistas como Iaperi Araújo e Dione Caldas, da gestora
Isaura Rosado e do marchand Antonio Marques de Carvalho. A proposta do Salão conferiu
legitimidade ao nome de Dorian como criador de uma arte identificada à espacialidade norte-
rio-grandense.
Todas essas iniciativas vão cumprindo, assim, um trabalho de manutenção da memória
do artista e do seu fazer cultural, reatualizando sua imagem junto ao público natalense,
fazendo circular as diversas representações construídas sobre ele.
Vale salientar o papel assumido por sua filha, Dione Caldas Xavier, que também é
artista plástica e escritora, na perpetuação da memória do pai. Esse papel foi assumido tanto a
partir de um lugar institucional, o de coordenadora de Museus da Fundação José Augusto479
,
quanto a partir de uma relação profundamente afetiva.
Nesta dissertação, investiguei a trajetória de vida de Dorian Gray Caldas, sua produção
artística e como ele construiu uma identidade potiguar associada à arte moderna. Investiguei
ainda como a memória do artista foi sendo gradativamente construída por ele, pelos seus
contemporâneos e, agora, pelos seus descendentes.
Discuti, ao longo do texto, vários aspectos da vida de Dorian em Natal, a saber: as
relações familiares, as atividades profissionais, o relacionamento com a mídia, os cargos
públicos que assumiu, seu esforço para associar sua obra com os aspectos culturais
valorizados por Câmara Cascudo, seu envolvimento com instituições e entidades culturais.
No que se refere à família, Dorian escolheu o tio, Moura Rabello, como referência
para mostrar que vinha de uma família ligada à arte, criando, portanto, uma tradição artística
para si. Apresentei de que forma as condições fornecidas por sua estrutura familiar
favoreceram o seu ingresso no mundo da arte. Seus pais, Nympha Rabelo e Elói Caldas,
mantinham boas relações com o meio político e intelectual da cidade, o que possibilitou o
estabelecimento de contatos de Dorian com esses grupos sociais. Além disso, os pais
garantiam as condições estruturais para a produção da sua arte, fornecendo, inclusive, o atelier
em que ele trabalhava. Sua mãe, especificamente, realizava viagens para o Rio de Janeiro e o
478
Fundada em janeiro de 2014 com o objetivo de fomentar, divulgar e preservar as artes visuais do Rio Grande
do Norte, através de exposições, leilões, mostras, fóruns, oficinas e atividades educacionais. 479
Nomeada em 13/05/2016, é a segunda participação de Dione no quadro de assessores da secretária
extraordinária de Cultura do Estado e diretora da Fundação José Augusto, Isaura Amélia de Sousa Rosado Maia.
Na primeira vez, dirigiu o Teatro Alberto Maranhão. Cf. <http://adconrn.gov.br>.
151
levava como acompanhante. Nessas viagens, Dorian tinha a oportunidade de visitar espaços
que abrigavam exposições, museus e galerias.
Esse conjunto de facilidades advindas das relações familiares favoreceu para que
Dorian, ainda muito jovem, pudesse se inserir profissionalmente, seja como ilustrador na
imprensa, ornamentador de festas e salões e até no exercício da docência, com a cadeira de
professor de desenho nas escolas Atheneu Norte-Rio-Grandense e Ginásio Municipal.
Paralelamente às suas atividades profissionais, desde o começo da carreira, no início da
década de cinquenta, a mídia promoveu uma recepção positiva dos trabalhos de Dorian Gray.
Nesse sentido, ele manteve uma rede de relações com intelectuais atuantes na imprensa, tais
como Veríssimo de Melo, Paulo Macedo, Myriam Coeli, Zila Mamede, Antônio Pinto de
Medeiros, entre outros. Sua presença nesse meio evidenciou o quanto ele era bem relacionado
e o quanto se esforçava para ser visto.
A criação da Galeria L’Atelier, a articulação com o Vipinho Bar e a montagem do
Atelier Dorian Gray, assim como sua presença quase sem interrupção nas diversas exposições
de arte organizadas em Natal, demonstram seu esforço para expor sua imagem e ser
constantemente lembrado na cidade.
Ao assumir cargos públicos ligados à gestão cultural, Dorian teve oportunidade de
organizar exposições, divulgar seu próprio trabalho e promover artistas, ocupando um espaço
institucional que dava a ele uma fala autorizada que permitia intervir na constituição de uma
arte potiguar. Suas obras expostas nas diversas repartições do Estado colocavam seu nome em
circulação e contribuíam para construir representações em torno da arte potiguar.
Seu esforço em associar sua obra às fontes da cultura popular valorizadas por Cascudo
foi de fato inegável, evidenciado pela preferência dada à figuração dos autos populares, das
danças folclóricas, como também, de personagens e eventos da história política do Rio
Grande do Norte. O apreço que mantinha por esse intelectual, demonstrado pela arte a que lhe
dedicou, tanto na representação de sua figura, quanto na criação de imagens alusivas ao seu
repertório de pesquisa, indica que Dorian se sentia influenciado pela obra do escritor potiguar,
que lhe proporcionou tantos motivos inspiradores.
Dorian Gray se relacionou com os principais expoentes da intelectualidade e da política
potiguar. Sua identidade foi construída nos espaços públicos e institucionais, a partir dos laços
afetivos e profissionais estabelecidos com pessoas que ocupavam postos nesses ambientes,
que, por sua vez, constituíram as instâncias consagradoras e legitimadoras da sua obra
artística, sobretudo, a Fundação José Augusto e a Academia Norte-rio-grandense de Letras.
152
Nesta dissertação, demonstrei, ainda, que a vida de Dorian estava muito circunscrita a
Natal. Entretanto, enfatizei que ele teve experiências exitosas nas oportunidades em que
mostrou sua obra fora do estado e até mesmo fora do Brasil. Sua circulação em outros espaços
lhe garantiu uma legitimidade desfrutada por poucos artistas potiguares. Isso possibilitou que
órgãos públicos e instituições privadas lhe encomendassem obras de arte, favorecendo o seu
acesso ao mercado de arte, garantindo-lhe notoriedade, sobretudo no Rio Grande do Norte, e
estabilidade financeira.
Em razão de não realizar incursões constantes fora de Natal, poucos críticos de arte se
dedicaram a apreciar sua obra. Todavia, dois desses críticos, Clarival do Prado Valladares
(1918-1983)480
e Antonio Bento (1902-1988), escreveram sobre sua produção, e esses escritos
tiveram influência marcante nos seus trabalhos posteriores.
Clarival do Prado e Antonio Bento eram ligados ao movimento modernista e
participavam como julgadores de seleções de artistas brasileiros para bienais. Clarival, por
ocasião da exposição de Dorian na Galeria Goeldi, em 1967, no Rio de Janeiro, afirmou que
este artista produzia sua arte usando o referencial local, mas realizando uma pintura universal.
Antonio Bento, ao apresentar o catálogo da exposição de Dorian Gray na Galeria Azulão, em
São Paulo, em 1968, escreveu que o artista potiguar conseguia, em suas obras, expressar a
cultura plástica do Nordeste brasileiro.
Postas essas considerações, posso afirmar que a produção de Dorian se vinculou a uma
arte moderna engajada com a construção de uma identidade potiguar. Seus vínculos com
Cascudo foram essenciais para que ele passasse a produzir levando em consideração, por um
lado, os temas próprios do que era considerado típico da cultura local pelo folclorista, e por
outro, os estilos e as formas estéticas inerentes ao Modernismo. Entretanto, não podemos
dizer que a vinculação de Dorian a Cascudo ocorreu de maneira mecânica. Esse processo foi
favorecido pelas decisões tomadas pelo próprio artista e pelos elementos que influenciaram
fortemente a sua trajetória, conforme está evidenciado no texto.
Além disso, é importante destacar que Dorian procurou se construir como artista de
múltiplas faces, almejando provavelmente construir sua memória como sendo a de um homem
que se fez livre das tutelas de qualquer outro homem. No conjunto de depoimentos coletados,
percebe-se nitidamente que Dorian desejava que fosse reconhecido o seu talento individual e
consagrado o seu nome. Entretanto, para que esse desejo fosse efetivado, um dilema esteve
480
Cf. https://ihgb.org.br/perfil/userprofile/CPValadares.html.
153
presente no decorrer da sua vida: como se libertar de outros personagens que, de alguma
maneira, haviam se cristalizado na memória local como indutores da sua arte.
154
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(Doutorado em História – Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Porto Alegre, 1996.
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TAVARES, Frederico Luna Augusto. No tempo dos brotos: juventude e diversão em
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moderna em manchete (p.24-65); O plantador de cidades e o Jardineiro Fiel (p.66-103). In:
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moderna na administração Sylvio Pedroza (1946-1950). 151 f. Dissertação (Mestrado em
História - Universidade Federal do Rio Grande do Norte). Natal, 2011.
TRIGUEIRO, Edja; CAPPI, Fernanda; NASCIMENTO, Maíra. Modernismo potiguar: vida,
reprodução e quase morte. Anais... DOCOMOMO Norte-Nordeste, n.3. João Pessoa, 2010.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar: a perspectiva da experiência. Tradução Lívia de Oliveira.
Londrina: Eduel, 2013.
ZILIO, Carlos. A querela do Brasil: a questão da identidade da arte brasileira: a obra de
Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari: 1922-1945. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.
164
ANEXOS
ANEXO I: Contratantes e quadros de autoria de Moura Rabello pintados entre 1915 e 1948.
Elaboração da autora.
Liga Artístico-Operária de Natal (1915)
Retrato de Ferreira Itajubá
Galeria de Retratos do Palácio do Governo do RN (1921)
Dom Pedro II
José Bonifácio de Andrada e Silva
José Clemente Pereira
Clemente Ferreira França
Evaristo da Veiga
Padre Diogo Antônio Feijó
Pedro de Araújo Lima (Marquês de Olinda)
Bernardo Pereira de Vasconcellos
Joaquim José Rodrigues Torres (Visconde de Itaborahy)
Duque de Caxias
Manoel Luiz Osório (Marquês do Herval)
Francisco Manoel Barroso (Barão do Amazonas)
Honório Hermeto Carneiro Leão (Marquês do Paraná)
José Maria da Silva Paranhos (Visconde do Rio Branco)
Irineu Evangelista de Souza (Visconde de Mauá)
Quintino Bocayuva (Marques de Tamandaré)
Zacarias de Góes e Vasconcellos (Barão de Cotegipe)
Afonso Celso de Assis Figueiredo (Visconde Ouro Preto)
Joaquim Nabuco
João Alfredo Correia de Oliveira
29º Batalhão de Caçadores de Natal [s/data]
Os 18 do Forte de Copacabana
Galeria de Retratos da Prefeitura de Ceará-Mirim (1924)
Arthur Bernardes
Antonio José de Mello e Souza
José Augusto Bezerra de Medeiros
Coronel Oliveira
Governo do Estado do RN (1928)
Padre João Maria a caminho da caridade
Prefeitura Municipal de Natal (1928)
O Baldo
Instituto Padre Miguelinho/Associação dos Escoteiros do Alecrim (1932)
General João Augusto Varela ao lado busto de D. Pedro II*
Centro Norte-Rio-grandense (Rio de Janeiro, 1948)
Augusto Severo e seu copiloto, Sachet
Retrato do Padre João Maria
Museu de Arte e História do RN (1970 – data de entrada no acervo)
Augusto Severo e Sachet na nacelle do Pax
Retrato de Amaro Cavalcanti de Brito
Retrato do Padre Francisco de Brito Guerra
Instituto Histórico e Geográfico/RN (1971 - – data de entrada no acervo)
Retrato do Maestro Carlos Gomes
Fontes: ECHOS de 7 de Setembro. O Governo do Rio Grande do Norte presta uma homenagem aos grandes
cultos nacionaes. O Paiz, Rio de Janeiro, ano 37, n.13.492, p.8, 28 set. 1921. RABELLO, Manoel de Moura.
Memórias de um homem de fé. Rio de Janeiro: Mauro Familiar Editor, 1973.
* Recuperado por Moura Rabello e transferido para o Instituto Histórico/RN em 1971.
165
ANEXO II: Tabela dos Livros publicados por Dorian Gray Caldas. Elaboração da autora.
Título Ano Editora
Os instrumentos do sonho (poesia) 1961 EDUFRN
Presença e poesia (poesia) 1964 Edição do autor
Campo Memória (poesia) 1966 Departamento Estadual de Imprensa
Bumba meu boi (gravura) 1968 Departamento Estadual de Imprensa
Um rio corta o mangue (gravura) 1968 Departamento Estadual de Imprensa
Canto breve à cidade do Natal (gravura) 1970 Imprensa Oficial
Roteiro sentimental da cidade (gravura) 1970 Imprensa Oficial
Momento azul do rio (gravura) 1971 Departamento Estadual de Imprensa
Congos (gravura) 1972 Fundação José Augusto
Autos do Natal (desenho) 1973 Fundação José Augusto
Assombração (desenho) 1975 Fundação José Augusto
Dorian Gray: 25 anos de pintura 1975 Fundação José Augusto
Bambelô (gravura) 1976 EDUFRN
Os signos e seu ângulo de pedra (poesia) 1976 EDUFRN
O beco (desenho) 1977 Edição do autor
Cactus (desenho) 1977 Edição do autor
Fruto, folha e flor (desenho) 1977 Edição do autor
Desenho 1978 Edição do autor
Autos do Natal (gravura e texto) 1978 Fundação José Augusto
Árvore, fruto, folha e flor 1979 EDUFRN
Estórias fantásticas (gravura) 1980 Edição Clima
Barcos e barqueiros (desenho) 1980 Edição do autor
Canto à cidade do Natal (poesia e desenho) 1980 EDUFRN
Lendas do Rio Grande do Norte (poesia e desenho) 1981 EDUFRN
Feiras e feirantes (desenho e poesia) 1982 Fundação José Augusto
Padre Miguelinho: vida e morte (poesia e pintura) 1984 Fundação José Augusto
Poemas para Natal em Festa (poesia) 1984 Nossa Editora
Beatos (gravura e texto) 1986 Fundação José Augusto
As catadeiras (gravura e texto) 1988 Fundação José Augusto
Artes Plásticas do RN (1920-1989) 1989 EDUFRN
O ataque de Lampião a Mossoró (poesia e desenho) 1990 Coleção Mossoroense
O traço, a cor e o mito (ensaio) 1993 EDUFRN
Almino Afonso: o poeta e outros depoimentos 1993 EDUFRN
Encantados: lendas e mitos do Brasil (poesia) 1995 EDUFRN
Cantar de amigos: lembranças e esperanças (poesia) 1995 SESC/SENAC/FECOMERCIO
A presença das artes plásticas no
SESC/SENAC/FECOMERCIO 1995 SENAC
Canto heroico: arte e texto 1999 EDUFRN
Os dias lentos (poesia) 1999 Departamento Estadual de Imprensa
Todos os planos: 50 anos de arte 2000 Editora 2A/FIERN
Geografia do medo (gravura e texto) 2001 Departamento Estadual de Imprensa
Carta aberta para a muito amada cidade do Natal (poesia) 2010 EDUFRN
As vertentes criativas da gravura brasileira: a gravura do
Rio Grande do Norte (v.1) (Coleção Cultura Potiguar) 2011 Fundação José Augusto
A hora única: reunião de textos em prosa
(Coleção Dorian Gray) 2012 EDUFRN
A necessidade do mito: ensaios (Coleção Dorian Gray) 2012 EDUFRN
Do outro lado da sombra: poesia quase completa 2015 IFRN
A margem: serigrafia s/data Edição do autor
Artes Plásticas do Rio Grande do Norte (1989-2015) prelo Gráfica do Senado
166
ANEXO III: Tabela de obras diversas de Dorian Gray Caldas contratadas por instituições
públicas e privadas de Natal, Grande Natal e Mossoró entre 1952 e 2008.
Elaboração da autora.
Fontes: Diário de Natal, O Poti e A República; CALDAS, Dorian Gray. Artes Plásticas do Rio Grande do Norte
(1920-1989). Natal: EDUFRN/ FUNPEC/SESC, 1989.
N. Ano Título Modalidade Localização Contratante
1 1952 - Pintura-mural Sede do Conjunto Teatral Potiguar Sandoval
Wanderley
2 1955 Cangaceiro Pintura Biblioteca da casa de Cascudo Câmara Cascudo
3 1955 Cena sertaneja Pintura-mural Rádio Nordeste – Cidade Alta Dinarte Mariz
(?)
4 1955 - Pintura-mural Café Globo - Ribeira Cícero André
5 1956 - Mosaico
(2,25m x 1,90m) IPASE (Edifício Café Filho) IPASE
6 1960 Édipo Rei e Jovem
Pastor
Murais
(3,0mx2,8m) Teatro Alberto Maranhão Meira Pires (?)
7 1960 Mater Potens Escultura
(cimento patinado) Praça das Mães – Cidade Alta José Pinto Freire
8 1960 Paz Pintura-mural Faculdade de Direito de Natal Direção da
Faculdade
9 1961 Monumento à
Amizade
Escultura
(ferro) Praça do Rotary – Petrópolis
Rotary Clube de
Natal
10 1962 Ceia Larga Mural em azulejo
(3,0mx2,80m)
Escola Industrial de Natal –
Cidade Alta
Luís Carlos
Abbott Galvão
11 1963 A escola e o mundo Pintura-mural
(5,0mx1,80m) Instituto Padre Miguelinho
Governo Aluízio
Alves
12 1963 Marinha Pintura-mural
(2,80m x1,80m) COSERN
Governo Aluízio
Alves
13 1964
Monumento à
Abolição dos
Escravos
Escultura
(ferro e cobre) Praça da Libertação em Mossoró -
14 1966 Economias do Rio
Grande do Norte
Mural
(3,30mx10,20m)
Departamento Nacional de Estradas
e Rodagem
Governo Aluízio
Alves
15 1967 Motivos
Folclóricos
Pintura-mural
(3,60m x 9,80m) Escola Industrial de Natal - Tirol
Luís Carlos
Abbott Galvão
16 1968 Homenagem às
Mães
Painel em cerâmica
(3,2m x 7,0m) Praça das Mães – Cidade Alta Agnelo Alves
17 1972
Monumento ao
Cadáver
Desaparecido
Escultura Faculdade de Medicina de Natal Direção da
Faculdade
18 1973 Economias do RN Tapeçarias (sete)
(3,0m x 1,50m) Banco do Brasil – Cidade Alta Banco do Brasil
19 1981 Padre Miguelinho:
vida e morte
Painéis (pintura)
(tríptico) Assembleia Legislativa do RN -
20 1985 André de
Albuquerque Painel (pintura)
(1,60m x 5,40m)
Assembleia Legislativa do RN -
21 1986
Pedestal da estátua
de Câmara
Cascudo Cimento
Em frente ao Memorial Câmara
Cascudo
Fundação José
Augusto
22 2000
[?]
Interpretação sobre
Freud
Painel (pintura)
(2,0mx2,0m) UNI-RN (Centro Universitário)
Daladier Pessoa
da Cunha Lima
167
23 1999 Motivos
Folclóricos
Painel (pintura)
(5,0mx10,0m)
Aeroporto Internacional Augusto
Severo
Infraero e
Governo do
Estado
24 2001
Monumento aos
Mártires de Cunhaú
e Uruaçu
Painel em cerâmica
(2,mx6,0m) São Gonçalo do Amarante/RN -
25 2006 Presépio de Natal
Painel - pintura
(tríptico)
(12,0mx2,0m)
Papódromo - Lagoa Nova
Secretaria de
Turismo de
Natal
26 2008 Câmara Cascudo Pintura
(3,0mx2,0m)
Academia Norte-rio-grandense de
Letras
Diógenes da
Cunha Lima
168
ANEXO IV: Obras de Dorian Gray Caldas pertencentes ao acervo do
SESC/SENAC/Federação do Comércio do Rio Grande do Norte. Elaboração da autora.
Fonte: CALDAS, Dorian Gray. A Presença das Artes Plásticas no SESC, SENAC, Federação do Comércio do
RN. Natal: SENAC, 1995.
N. Título Técnica Ano Dimensão
1. Bumba meu boi Tapeçaria 1972 2,73mx3,96m
2. Cajus Bico de pena 1974 -
3. Cajus Bico de pena 1974 -
4. Cajus Bico de pena 1974 -
5. Floral Tapeçaria 1975 2,35mx1,05m
6. Meninos – ilustração de “O Beco” Desenho a nanquim 1977 -
7. Últimas Casas – do álbum “O Beco” Desenho a nanquim 1977 -
8. Barcos Tapeçaria 1978 1,35mx1,65m
9. Engenho Tapeçaria 1978 1,32mx1,48m
10. Derrubada Tapeçaria 1979 -
11. Apanhadores de algodão Tapeçaria 1980 1,74mx1,34m
12. Salinas Tapeçaria 1985 1,50mx1,34m
13. Engenho Tapeçaria 1986 1,50mx68cm
14. Feirantes Pintura a óleo 1986 49cmx39xm
15. Marinha Pintura a óleo 1986 49cmx39cm
16. Feirantes Tapeçaria 1987 1,50mx1,35m
17. Apanhadores de algodão Tapeçaria 1988 1,85mx1,35m
18. O caminho da Lua Tapeçaria 1989 1,50mx1,36m
19. Feirantes Tapeçaria 1990 1,60mx1,40m
20. Sobrados Pintura a óleo 1993 88cmx67cm
21. Barcos no Rio Tapeçaria 1993 1,47mx1,36m
22. Marinha Pintura a óleo 1993 64cmx44cm
23. Pescador Tapeçaria 1994 -
24. Autos do Natal Tapeçaria s/data -
25. Moça Pintura a óleo 1994 1,91mx61cm
26. Sobrados Coloniais Pintura a óleo 1994 1,0mx79cm
27. Meninos no Barco Tapeçaria 1994 1,0mx1,04m
28. Cajus Tapeçaria s/data 77cmx66cm
29. Pescador Tapeçaria 1994 2,10mx1,0m
30. Casario Colonial Tapeçaria - 77cmx66cm
31. Feirantes Tapeçaria s/data 77cmx66cm
32. Três pássaros negros Tapeçaria 1994 1,40mx1,36m
33. Vendedor de cajus Tapeçaria 1994 -
34. Marinha Pintura a óleo 1994 1,21mx84cm
35. Engenho Pintura em cerâmica s/data 29cmx29cm
36. Favela Pintura em cerâmica s/data 29cmx29cm
37. Barraca do Canto do Mangue Gravura s/data -
38. Velhas Casas do Rio Gravura s/data -
39. Pescador com Tarrafa Gravura s/data -
40. Repouso do pescador Gravura s/data -
41. Barcos no Canto do Mangue Gravura s/data -
42. Retalhando peixe Gravura s/data -
43. Árvore Tapeçaria 1994 -
169
ANEXO V: Obras de Dorian Gray Caldas no acervo da Pinacoteca do Estado do Rio Grande
do Norte. Elaboração da autora. Fonte: FUNDAÇÃO JOSÉ AUGUSTO. Inventário - Catálogo Geral do Acervo das Artes Visuais do Governo
do Rio Grande do Norte. Natal, 2006.
N. Título Ano Modalidade Dimensões Localização Forma de
entrada
1 Retrato Alberto
Maranhão 1960 Pintura Óleo s/ tela 120 x 80 cm
Teatro Alberto
Maranhão Aquisição
2
Apanhando
algodão / cortando
cana
1966 Mural – acrílica fosca e
giz de cera
275 x 370
cm
Departamento de
Estradas e
Rodagem/DER
Aquisição
3 Salinas / Carnaúba 1966 Mural – acrílica fosca e
giz de cera
275 x 370
cm
Departamento de
Estradas e
Rodagem/DER
Aquisição
4 Boi de Reis /
Minério 1966
Mural – acrílica fosca e
giz de cera
275 x 373
cm
Departamento de
Estradas e
Rodagem/DER
Aquisição
5 Sem título (barcos
e casario) 1968
Reprodução em
Xilogravura 25 x 36 cm Pinacoteca
Doação do
artista
6 Homens
Trabalhando 1969 Xilogravura 72 x 46 cm Pinacoteca BANDERN
7 Casario 1972 Pintura acrílica sobre
tecido
150 x 160
cm Pinacoteca BANDERN
8 Casario branco 1972 Tapeçaria 148 x 130
cm Pinacoteca BANDERN
9 Folhagem 1972 Tapeçaria 150 x
127cm Não localizado BANDERN
10 Floral com
Pássaros 1973 Pintura ou tapeçaria (?)
135 x 177
cm Governadoria Aquisição
11 S/título 1974 Desenho Nanquim 32 x 22 cm Pinacoteca Doação do
artista
12 Marina 1975 Pintura acrílica s/
Eucatex 79 x 109 cm Pinacoteca BANDERN
13 Feirantes 1976 Tapeçaria 133 x 153
cm Governadoria Aquisição
14 Vaqueiro 1976 Tapeçaria 135 x 167
cm
Secretaria de
Agricultura,
Pecuária e Pesca
Aquisição
15 Jangadas 1976 Pintura Óleo s/ tela 80 x 157 cm Governadoria Aquisição
16 Sem título (Floral) 1976 Tapeçaria 130 x 150
cm
Secretaria de
Educação,
Cultura e
Esportes
Aquisição
17 Engenho 1977 Pintura 163 x 123
cm Pinacoteca
Doação do
artista
18 Caju Natal 1977 Tapeçaria 98 x 210 cm Pinacoteca BANDERN
19 Motivo regional 1977 Tapeçaria 117 x 260
cm Pinacoteca BANDERN
20 Bumba-meu-boi 1978 Tapeçaria 136 x 158
cm Pinacoteca BANDERN
21 Folclore I 1978 Mural 300 x 600
cm
Secretaria de
Tributação Aquisição
22 Folclore II 1978 Mural 300 x 600
cm
Secretaria de
Tributação Aquisição
23 Salina 1978 Pintura acrílica s/ tecido
colado em compensado 130 x 60 cm Pinacoteca BANDERN
24 Sem título
(vaqueiros) 1978
Pintura acrílica s/ tecido
colado em compensado 133 x 62 cm Pinacoteca BANDERN
170
25 Casario 1979 Xilogravura 48 x 60 cm Pinacoteca BANDERN
26 Salinas 1979 Xilogravura 73 x 84 cm Pinacoteca BANDERN
27 Impressionismo 1979 Pintura Óleo s/ tela 110 x 57 cm Governadoria Aquisição
28 Abstrato 1979 Pintura Óleo s/ Eucatex 75 x 102 cm Governadoria Aquisição
29 Cidade 1980 Tapeçaria 180 x 400
cm Pinacoteca BANDERN
30 Pássaro 1980 Tapeçaria 155 x 68 cm Pinacoteca BANDERN
31 Motivo Floral 1981 Tapeçaria 130 x 135
cm Pinacoteca BANDERN
32 Motivo Floral 1981 Tapeçaria 152 x 136
cm Pinacoteca BANDERN
33 Casario rio 1982 Pintura acrílica s/ tecido
colado em Eucatex 79 x 100 cm Pinacoteca BANDERN
34 Colheita 1982 Tapeçaria 135 x 143
cm
Instituto de
Assistência
Técnica e
Extensão Rural
Aquisição
35 Procissão dos
Navegantes 1983
Pintura acrílica s/
compensado
160 x 220
cm Pinacoteca BANDERN
36 Pescadores 1983 Pintura acrílica s/
compensado
160 x 220
cm Pinacoteca BANDERN
37 Marinha 1983 Pintura Óleo s/ tela 92 x 116cm Não localizado BANDERN
38 Praia 1985 Pintura Óleo s/ tela 78 x 98 cm Governadoria Aquisição
39 Marinha 1985 Pintura Óleo s/ tela 83 x 102 cm Governadoria Aquisição
40 Puxada de rede 1985 Pintura Óleo s/ tela 98 x 78 cm Governadoria Doação do
artista
41 Abstrato 1985 Pintura Óleo s/ Eucatex 76 x 102 cm Governadoria Aquisição
42 Casario II 1986 Xilogravura 70 x 60 cm Pinacoteca Doação do
artista
43 Casario I 1986 Xilogravura 70 x 70 cm Pinacoteca Doação do
artista
44 Estudo 1986 Pintura acrílica s/ tela 78 x 91 cm Governadoria Aquisição
45 Pescadores 1987 Pintura acrílica s/
Eucatex 80 x 100 cm Pinacoteca Aquisição
46 Marinha 1987 Pintura acrílica s/ tela 52 x 72 cm
Secretaria de
Planejamento e
Finanças
Aquisição
47 Sem título
(igreja/casario) 1988
Desenho Guache s/
papel 35 x 28 cm Pinacoteca
Doação do
artista
48 Rosto branco 1989 Tapeçaria 100 x 110
cm
Hotel Barreira
Roxa Doação do
artista
49 Vendedores 1990 Tapeçaria 80 x 100 cm Hotel Barreira
Roxa Aquisição
50 S/título 1990 Mural 300 x 600
cm
Secretaria de
Infraestrutura Aquisição
51 Rua 1992 Pintura Acrílica s/ tela 59 x 90 cm
Secretaria de
Planejamento e
Finanças
Aquisição
52 Marina 1992 Pintura Óleo sobre tela 29 x 88cm Não localizado Doação do
artista
53 Casarão 1993 Pintura Acrílica s/ tela 16 x 25 cm
Casa de Cultura
de Campo
Grande
Doação do
artista
54 Mar e Dunas 1993 Pintura Acrílica s/ tela 18 x 25cm
Casa de Cultura
de Campo
Grande
Doação do
artista
55 S/título 1994 Pintura Óleo s/ papelão 110 x 196
cm
Hotel Barreira
Roxa Aquisição
171
56 Janelas / Sobrados 1994 Pintura Óleo s/ tela 110 x 196
cm
Hotel Barreira
Roxa Aquisição
57 Dunas 1994 Pintura Óleo s/ tela 80 x 100 cm Hotel Barreira
Roxa Aquisição
58 Pescador 1994 Pintura Óleo s/ papel 210 x 100
cm
Hotel Barreira
Roxa Aquisição
59 Crianças nos
barcos 1994 Pintura Óleo s/ papel
100 x 110
cm
Hotel Barreira
Roxa
Doação do
artista
60 As Três Marias 2002 Pintura Óleo s/ eucatex 64 x 46 cm Casa de Cultura
de Martins
Doação do
artista
61 Arte no RN 2005 Pintura Acrílica s/ tela 150 x 160
cm
Fundação José
Augusto Aquisição
62 Folhagem I s/data Pintura Acrílica s/
carpete 190 x 87 cm Pinacoteca BANDERN
63 Folhagem II s/data Pintura Acrílica s/
carpete 190 x 87 cm Pinacoteca BANDERN
64 Casa vermelha s/data Tapeçaria 160 x 132
cm Pinacoteca BANDERN
65 S/título s/data Desenho 32 x 22 cm Pinacoteca Doação do
artista
66 Peixes s/data Pintura Óleo s/ tela 80 x 100 cm Governadoria Aquisição
172
ANEXO VI: Tabela de Exposições realizadas por Dorian Gray Caldas entre 1950 e 2016.
Elaboração da autora (não obtive dados do período 1990-2004).
Fontes: Diário de Natal, O Poti, A República, Tribuna do Norte; CALDAS, Dorian Gray. Artes Plásticas do Rio
Grande do Norte (1920-1989). Natal: EDUFRN/ FUNPEC/SESC, 1989.
N. Ano Exposição Local
1. 1950 I Salão de Arte Moderna de Natal
(com Newton Navarro) Cruz Vermelha – Cidade Alta
2. 1952 Exposição Individual Loja Alves de Brito Tecidos – Cidade Alta
3. 1955
II Salão de Arte Moderna de Natal
(com Newton Navarro) Salão da Divina Providência - Petrópolis
4. 1956 Exposição Individual Loja Maçônica 21 de Março – Cidade Alta
5. 1956 Exposição de Marinhas
(com Newton Navarro) Cidade Alta
6. 1957 Salão de Pintura dos Jogos Olímpicos de
Verão (Coletiva) Maison de France - Petrópolis
7. 1958 Exposição Individual SCBEU - Petrópolis
8. 1958 1º Salão de Artes Plásticas (Coletiva) Edifício 23 de Outubro – Cidade Alta
9. 1961 Exposição Coletiva Praça da Cultura – Cidade Alta
10. 1963 I Exposição Coletiva de Poesia Ilustrada Galeria de Arte de Natal – Cidade Alta
11. 1964 Exposição Individual Palácio do Governo – Cidade Alta
12. 1965 Mostra Coletiva de Pintura Vipinho Bar – Cidade Alta
13. 1965 Mostra Coletiva de Pintura Galeria Xaria – Cidade Alta
14. 1965 Exposição Individual Panorama Palace Hotel – Rio de Janeiro
15. 1966 Mostra Coletiva de Pintores Galeria L’Atelier - Cidade Alta
16. 1966 Mostra coletiva de Xilogravura Galeria L’Atelier - Cidade Alta
17. 1967 Coletiva de Arte Sacra Galeria L’Atelier - Cidade Alta
18. 1967 Exposição Individual Galeria Sobrado Sete - Olinda/PE
19. 1967 Exposição Individual Galeria Goeldi – Rio de Janeiro
20. 1967 Mostra Individual Livraria Universitária de Natal – Cidade Alta
21. 1967 Exposição Coletiva Galeria Berro D‟Água – Rio de Janeiro
22. 1968 Exposição Individual Azulão Galeria – São Paulo
23. 1968 Exposição Individual Hotel Internacional Reis Magos – Praia do Meio
24. 1968 Exposição Individual Galeria Villa Flor – Cidade Alta
25. 1969 Exposição Individual Galeria do Hotel Nacional - Brasília
26. 1969 Exposição Individual UFPB - João Pessoa
27. 1969 Mostra coletiva de arte potiguar Galeria Detalhe - Recife
28. 1969 Mostra coletiva Galeria de Arte da Biblioteca Câmara Cascudo
29. 1969 Exposição individual Museu de Arte Contemporânea – Recife
30. 1970 Exposição individual Galeria de Arte da Biblioteca Câmara Cascudo
31. 1970 Exposição coletiva Sociedade de Medicina e Cirurgia do RN -
Petrópolis
32. 1970 Mostra coletiva Galeria Baú – Cidade Alta
33. 1971 Exposição Coletiva Feira da Providência – Rio de Janeiro
34. 1971 Exposição Individual Ideal Clube - Fortaleza
35. 1972 Mostra coletiva de arte do Nordeste Biblioteca Pública do Recife
36. 1972 Exposição Coletiva Escolas Sebastião Fernandes, Churchill, Instituto
Presidente Kennedy e Padre Miguelinho - Natal
37. 1972 Expo-SESC Coletiva SESC – Cidade Alta
38. 1973 Exposição Coletiva Banco Mundial -Washington/USA
39. 1973 Exposição Coletiva Feira da Providência – Rio de Janeiro
40. 1973 Salão de Arte Universitário - Coletiva Escola Doméstica de Natal – Petrópolis
41. 1973 Exposição Individual UFPB – João Pessoa
42. 1973 Exposição Individual UFRN
173
43. 1975 Exposição Coletiva Congresso da Asta – Rio de Janeiro
44. 1975 Exposição retrospectiva 25 anos de pintura SESC - Cidade Alta
45. 1976 Exposição Individual Chris Galeria - Fortaleza
46. 1976 Exposição Individual Galeria de Arte da Biblioteca Câmara Cascudo
47. 1977 Exposição de Dorian e Navarro -
48. 1978 Exposição Coletiva Galeria de Arte do Centro de Turismo de Natal -
Petrópolis
49. 1979 Exposição Coletiva UFRN
50. 1980 Exposição Coletiva Museu de Arte Contemporânea - Buenos Aires
51. 1980 Exposição Coletiva Galeria de Arte do Centro de Turismo de Natal
52. 1981 Feira Cultural de Mossoró Mossoró
53. 1982 Exposição Individual Hotel Nacional - Brasília
54. 1982 Expo Coletiva -
55. 1983 Feira de Cultura Brasileira - Coletiva São Paulo
56. 1983 Exposição Coletiva Centro Cultural de Natal – Cidade Alta
57. 1983 1ª Mostra de Arte Norte-rio-grandense
Coletiva Cultura Inglesa - Petrópolis
58. 1983 I Circuito de Artes Plásticas do Nordeste -
Coletiva Teatro Alberto Maranhão
59. 1984 Exposição Individual Atelier Dorian Gray - Tirol
60. 1984 Expo Coletiva Galeria Xico Santeiro – Petrópolis
61. 1985 O RN visto por seus artistas - Coletiva Galeria Conviv‟art - UFRN
62. 1985 Coletiva Valores culturais da nossa terra Escola Doméstica de Natal - Petrópolis
63. 1985 Coletiva O folclore na visão do nosso artista Galeria Xico Santeiro – Petrópolis
64. 1985 Exposição Individual Galeria Archedi Picado - João Pessoa
65. 1986 Exposição Coletiva Salão Nobre da Prefeitura de Natal
66. 1986 Coletiva de pintores potiguares Galeria Conviv‟art - UFRN
67. 1986 Exposição Individual Clube Cobana da Marinha - Alecrim
68. 1986 Mostra da Solidariedade - Coletiva Galeria de Arte da Biblioteca Câmara Cascudo
69. 1986 Coletiva de arte sobre cultura popular Galeria Conviv‟art - UFRN
70. 1987 Exposição Coletiva – Caminhos atuais da
pintura norte-rio-grandense Galeria de Arte do Centro de Turismo de Natal
71. 1987 II Salão de Artes Plásticas - Coletiva SESC - Cidade Alta
72. 1987 I Circuito Nordeste/Sudeste de Arte -
Coletiva Loja dos Presentes - Cidade Alta
73. 1987 Pintores norte-rio-grandenses - Coletiva Academia Brasileira de Letras – Rio de Janeiro
74. 1987 I Coletiva de Pintores Norte-rio-grandenses Mossoró
75. 1988 Exposição Coletiva Centro de Convenções de Natal
76. 1988 Salão de Artes Plásticas do RN - Coletiva Centro de Convenções de Natal
77. 1988 Mostra de Artes Coletiva Agência da Caixa – Cidade Alta
78. 1988 Coletiva de Artes Plásticas do RN Centro de Convenções de Natal
79. 1989 Mostra Coletiva de Artes Galeria de Arte da Biblioteca Câmara Cascudo
80. 1989 Mostra de Artistas Plásticos Potiguares Galeria de Arte do Centro de Turismo de Natal
81. 1989 Exposição Individual Agência Publicitária Arte e Texto
82. 1989 Exposição de Estandartes sobre a Via Sacra -
Coletiva Catedral Metropolitana de Natal
83. 1989 Exposição Individual – Marinhas Base Naval Ary Parreiras – Alecrim
84. 1989 Exposição Coletiva sobre Paixão de Cristo Matriz de Santana – Caicó/RN
85. 1989 Exposição retrospectiva de tapeçaria SESC – Cidade Alta
86. 1989 Coletiva de Artistas Plásticos Potiguares Restaurante Nemésio
87. 1989 Coletiva – Salão de Arte Verão Centro de Convenções de Natal
88. 2005 Exposição Coletiva Brasil-Alemanha UFRN
89. 2008 A arte brasileira em dois tempos –
Dorian Gray e Dione Caldas Shopping Orla Sul – Porta Negra
90. 2008 Exposição Coletiva “A Arte que banha o
Nordeste” Palácio Bandeirantes – São Paulo
91. 2009 Exposição Individual “O operário que ama” Memorial da Resistência - Mossoró
92. 2010 Exposição Individual “Caminhos da Museu Câmara Cascudo - Tirol
174
modernidade”
93. 2011 Exposição individual “Dorian de Dorian” Galeria de Arte da Fundação José Augusto
94. 2013 Exposição Individual “Visões de Dorian
Gray” UFRN
95. 2014 Exposição Individual “Caminhos da
modernidade” IFRN – Cidade Alta
96. 2016 Salão Dorian Gray de Arte Potiguar -
Coletiva Pinacoteca do Estado – Cidade Alta