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0 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE LETRAS DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERÁRIA E LITERATURAS MONOGRAFIA DE FINAL DE CURSO O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca envelhece Luana Signorelli Faria da Costa Ana Laura Côrrea dos Reis Brasília 2/2013

O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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Page 1: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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UNIVERSIDADE DE BRASIacuteLIA

INSTITUTO DE LETRAS

DEPARTAMENTO DE TEORIA LITERAacuteRIA E LITERATURAS

MONOGRAFIA DE FINAL DE CURSO

O retrato de Oscar Wilde paradigmas de um autor que nunca envelhece

Luana Signorelli Faria da Costa

Ana Laura Cocircrrea dos Reis

Brasiacutelia

22013

1

DEDICATOacuteRIA

Agrave minha professora orientadora e amiga Ana Laura dos Reis Cocircrrea que

manteve vivo dentro de mim o sonho

2

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos particulares

Ao meu namorado Wilson Pontes Maziero pelo carinho pelo companheirismo

e pela dedicaccedilatildeo para comigo

Agrave minha prima Gisela Signorelli Faria Coelho que me deu natildeo somente um

livro mas uma ideia

Agrave minha matildee Serei feliz se um dia eu for pelo menos metade de quem vocecirc eacute

Agradecimentos gerais

Agradeccedilo o apoio e a compreensatildeo de todos que participaram comigo deste

momento da minha vida natildeo somente de produccedilatildeo da monografia mas como tambeacutem

ao longo da minha graduaccedilatildeo Agradeccedilo agrave minha professora orientadora Ana Laura agrave

minha famiacutelia e aos amigos ndash principalmente agravequeles que entenderam de coraccedilatildeo

sinceramente e desde o iniacutecio o sonho que eu queria seguir

3

ldquoAcross the years you seem to come

In vainmdashin vain The years dividerdquo

Henry Austin Dobson (1840 ndash 1921)

To a Greek girl

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RESUMO

Esta monografia pretende tratar a obra O Retrato de Dorian Grey do irlandecircs Oscar

Wilde como uma forma de expressatildeo aberta e em diaacutelogo constante tanto com a arte

quanto com a realidade A arte eacute o espelho do homem no momento em que pela teacutecnica

e somente por ela faz-se vivo e perpeacutetuo o trabalho humano Eacute estabelecida uma

relaccedilatildeo entre arte e vida e a arte torna-se essencial necessaacuteria Esta monografia tambeacutem

visa a uma breve representaccedilatildeo a fim de explicaccedilatildeo histoacuterica sobre o que foi a

decadecircncia aristocraacutetica ndash a crise da aristocracia capitalista ndash que natildeo deixa de ser

tambeacutem uma crise da arte representativa O realismo entatildeo eacute uma ponte literaacuteria que

culmina no modernismo O periacuteodo literaacuterio do realismo teve repercussotildees diferentes ao

redor do mundo O objetivo do trabalho foi compor um fio de forma tal que a literatura

natildeo se restringisse somente agrave produccedilatildeo realizada no Brasil No entanto eacute de interesse

tambeacutem aqui uma breve comparaccedilatildeo com o realismo brasileiro em uma tentativa de

contemplar a totalidade literaacuteria que correspondesse ao periacuteodo realista

Palavras-chave arte realismo criacutetica espelho vida

5

ABSTRACT

This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar

Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art

is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and

perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art

becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the

historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of

the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art

The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period

of realism had different repercussions around the world The objective was to compose

a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production

However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an

attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic

Keywords art realism critic mirror life

6

SUMAacuteRIO

Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7

Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA

DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA

42

Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53

CONCLUSAtildeO 62

Referecircncias bibliograacuteficas 63

7

CAPIacuteTULO 1

RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR

Introduccedilatildeo do capiacutetulo

Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise

literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar

Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas

tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo

seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria

vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas

tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da

realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o

quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer

algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute

o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista

O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria

norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890

Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida

para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner

Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por

Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar

pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a

Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas

8

fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo

introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a

trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado

da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi

republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida

posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi

importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca

de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram

adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na

sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz

respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute

produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees

biliacutengues

A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a

realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se

dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro

manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute

funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o

modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo

A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave

Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas

belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a

comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz

menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo

de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa

9

forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio

de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem

de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees

vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra

realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi

litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX

pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p

11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte

ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os

instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte

O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a

praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos

etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa

aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi

o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para

representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer

artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)

Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra

retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)

o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura

etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a

literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-

se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica

aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees

etimoloacutegicas

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retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

11

Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

14

mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

15

teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

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CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

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BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

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GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

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LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

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PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

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Alegre LampPM 1996

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 2: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

1

DEDICATOacuteRIA

Agrave minha professora orientadora e amiga Ana Laura dos Reis Cocircrrea que

manteve vivo dentro de mim o sonho

2

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos particulares

Ao meu namorado Wilson Pontes Maziero pelo carinho pelo companheirismo

e pela dedicaccedilatildeo para comigo

Agrave minha prima Gisela Signorelli Faria Coelho que me deu natildeo somente um

livro mas uma ideia

Agrave minha matildee Serei feliz se um dia eu for pelo menos metade de quem vocecirc eacute

Agradecimentos gerais

Agradeccedilo o apoio e a compreensatildeo de todos que participaram comigo deste

momento da minha vida natildeo somente de produccedilatildeo da monografia mas como tambeacutem

ao longo da minha graduaccedilatildeo Agradeccedilo agrave minha professora orientadora Ana Laura agrave

minha famiacutelia e aos amigos ndash principalmente agravequeles que entenderam de coraccedilatildeo

sinceramente e desde o iniacutecio o sonho que eu queria seguir

3

ldquoAcross the years you seem to come

In vainmdashin vain The years dividerdquo

Henry Austin Dobson (1840 ndash 1921)

To a Greek girl

4

RESUMO

Esta monografia pretende tratar a obra O Retrato de Dorian Grey do irlandecircs Oscar

Wilde como uma forma de expressatildeo aberta e em diaacutelogo constante tanto com a arte

quanto com a realidade A arte eacute o espelho do homem no momento em que pela teacutecnica

e somente por ela faz-se vivo e perpeacutetuo o trabalho humano Eacute estabelecida uma

relaccedilatildeo entre arte e vida e a arte torna-se essencial necessaacuteria Esta monografia tambeacutem

visa a uma breve representaccedilatildeo a fim de explicaccedilatildeo histoacuterica sobre o que foi a

decadecircncia aristocraacutetica ndash a crise da aristocracia capitalista ndash que natildeo deixa de ser

tambeacutem uma crise da arte representativa O realismo entatildeo eacute uma ponte literaacuteria que

culmina no modernismo O periacuteodo literaacuterio do realismo teve repercussotildees diferentes ao

redor do mundo O objetivo do trabalho foi compor um fio de forma tal que a literatura

natildeo se restringisse somente agrave produccedilatildeo realizada no Brasil No entanto eacute de interesse

tambeacutem aqui uma breve comparaccedilatildeo com o realismo brasileiro em uma tentativa de

contemplar a totalidade literaacuteria que correspondesse ao periacuteodo realista

Palavras-chave arte realismo criacutetica espelho vida

5

ABSTRACT

This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar

Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art

is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and

perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art

becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the

historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of

the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art

The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period

of realism had different repercussions around the world The objective was to compose

a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production

However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an

attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic

Keywords art realism critic mirror life

6

SUMAacuteRIO

Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7

Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA

DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA

42

Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53

CONCLUSAtildeO 62

Referecircncias bibliograacuteficas 63

7

CAPIacuteTULO 1

RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR

Introduccedilatildeo do capiacutetulo

Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise

literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar

Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas

tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo

seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria

vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas

tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da

realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o

quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer

algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute

o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista

O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria

norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890

Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida

para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner

Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por

Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar

pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a

Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas

8

fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo

introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a

trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado

da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi

republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida

posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi

importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca

de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram

adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na

sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz

respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute

produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees

biliacutengues

A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a

realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se

dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro

manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute

funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o

modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo

A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave

Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas

belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a

comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz

menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo

de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa

9

forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio

de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem

de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees

vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra

realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi

litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX

pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p

11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte

ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os

instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte

O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a

praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos

etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa

aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi

o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para

representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer

artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)

Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra

retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)

o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura

etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a

literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-

se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica

aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees

etimoloacutegicas

10

retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

11

Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

13

morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

14

mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

15

teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

19

A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 3: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

2

AGRADECIMENTOS

Agradecimentos particulares

Ao meu namorado Wilson Pontes Maziero pelo carinho pelo companheirismo

e pela dedicaccedilatildeo para comigo

Agrave minha prima Gisela Signorelli Faria Coelho que me deu natildeo somente um

livro mas uma ideia

Agrave minha matildee Serei feliz se um dia eu for pelo menos metade de quem vocecirc eacute

Agradecimentos gerais

Agradeccedilo o apoio e a compreensatildeo de todos que participaram comigo deste

momento da minha vida natildeo somente de produccedilatildeo da monografia mas como tambeacutem

ao longo da minha graduaccedilatildeo Agradeccedilo agrave minha professora orientadora Ana Laura agrave

minha famiacutelia e aos amigos ndash principalmente agravequeles que entenderam de coraccedilatildeo

sinceramente e desde o iniacutecio o sonho que eu queria seguir

3

ldquoAcross the years you seem to come

In vainmdashin vain The years dividerdquo

Henry Austin Dobson (1840 ndash 1921)

To a Greek girl

4

RESUMO

Esta monografia pretende tratar a obra O Retrato de Dorian Grey do irlandecircs Oscar

Wilde como uma forma de expressatildeo aberta e em diaacutelogo constante tanto com a arte

quanto com a realidade A arte eacute o espelho do homem no momento em que pela teacutecnica

e somente por ela faz-se vivo e perpeacutetuo o trabalho humano Eacute estabelecida uma

relaccedilatildeo entre arte e vida e a arte torna-se essencial necessaacuteria Esta monografia tambeacutem

visa a uma breve representaccedilatildeo a fim de explicaccedilatildeo histoacuterica sobre o que foi a

decadecircncia aristocraacutetica ndash a crise da aristocracia capitalista ndash que natildeo deixa de ser

tambeacutem uma crise da arte representativa O realismo entatildeo eacute uma ponte literaacuteria que

culmina no modernismo O periacuteodo literaacuterio do realismo teve repercussotildees diferentes ao

redor do mundo O objetivo do trabalho foi compor um fio de forma tal que a literatura

natildeo se restringisse somente agrave produccedilatildeo realizada no Brasil No entanto eacute de interesse

tambeacutem aqui uma breve comparaccedilatildeo com o realismo brasileiro em uma tentativa de

contemplar a totalidade literaacuteria que correspondesse ao periacuteodo realista

Palavras-chave arte realismo criacutetica espelho vida

5

ABSTRACT

This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar

Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art

is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and

perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art

becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the

historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of

the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art

The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period

of realism had different repercussions around the world The objective was to compose

a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production

However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an

attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic

Keywords art realism critic mirror life

6

SUMAacuteRIO

Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7

Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA

DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA

42

Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53

CONCLUSAtildeO 62

Referecircncias bibliograacuteficas 63

7

CAPIacuteTULO 1

RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR

Introduccedilatildeo do capiacutetulo

Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise

literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar

Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas

tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo

seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria

vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas

tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da

realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o

quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer

algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute

o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista

O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria

norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890

Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida

para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner

Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por

Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar

pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a

Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas

8

fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo

introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a

trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado

da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi

republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida

posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi

importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca

de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram

adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na

sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz

respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute

produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees

biliacutengues

A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a

realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se

dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro

manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute

funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o

modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo

A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave

Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas

belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a

comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz

menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo

de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa

9

forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio

de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem

de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees

vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra

realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi

litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX

pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p

11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte

ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os

instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte

O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a

praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos

etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa

aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi

o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para

representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer

artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)

Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra

retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)

o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura

etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a

literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-

se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica

aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees

etimoloacutegicas

10

retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

11

Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

13

morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

14

mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

15

teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

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Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

32

De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

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CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 4: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

3

ldquoAcross the years you seem to come

In vainmdashin vain The years dividerdquo

Henry Austin Dobson (1840 ndash 1921)

To a Greek girl

4

RESUMO

Esta monografia pretende tratar a obra O Retrato de Dorian Grey do irlandecircs Oscar

Wilde como uma forma de expressatildeo aberta e em diaacutelogo constante tanto com a arte

quanto com a realidade A arte eacute o espelho do homem no momento em que pela teacutecnica

e somente por ela faz-se vivo e perpeacutetuo o trabalho humano Eacute estabelecida uma

relaccedilatildeo entre arte e vida e a arte torna-se essencial necessaacuteria Esta monografia tambeacutem

visa a uma breve representaccedilatildeo a fim de explicaccedilatildeo histoacuterica sobre o que foi a

decadecircncia aristocraacutetica ndash a crise da aristocracia capitalista ndash que natildeo deixa de ser

tambeacutem uma crise da arte representativa O realismo entatildeo eacute uma ponte literaacuteria que

culmina no modernismo O periacuteodo literaacuterio do realismo teve repercussotildees diferentes ao

redor do mundo O objetivo do trabalho foi compor um fio de forma tal que a literatura

natildeo se restringisse somente agrave produccedilatildeo realizada no Brasil No entanto eacute de interesse

tambeacutem aqui uma breve comparaccedilatildeo com o realismo brasileiro em uma tentativa de

contemplar a totalidade literaacuteria que correspondesse ao periacuteodo realista

Palavras-chave arte realismo criacutetica espelho vida

5

ABSTRACT

This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar

Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art

is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and

perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art

becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the

historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of

the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art

The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period

of realism had different repercussions around the world The objective was to compose

a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production

However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an

attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic

Keywords art realism critic mirror life

6

SUMAacuteRIO

Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7

Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA

DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA

42

Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53

CONCLUSAtildeO 62

Referecircncias bibliograacuteficas 63

7

CAPIacuteTULO 1

RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR

Introduccedilatildeo do capiacutetulo

Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise

literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar

Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas

tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo

seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria

vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas

tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da

realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o

quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer

algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute

o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista

O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria

norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890

Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida

para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner

Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por

Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar

pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a

Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas

8

fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo

introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a

trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado

da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi

republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida

posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi

importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca

de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram

adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na

sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz

respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute

produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees

biliacutengues

A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a

realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se

dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro

manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute

funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o

modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo

A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave

Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas

belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a

comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz

menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo

de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa

9

forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio

de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem

de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees

vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra

realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi

litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX

pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p

11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte

ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os

instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte

O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a

praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos

etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa

aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi

o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para

representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer

artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)

Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra

retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)

o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura

etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a

literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-

se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica

aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees

etimoloacutegicas

10

retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

11

Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

13

morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

14

mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

15

teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

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Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

32

De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

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CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 5: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

4

RESUMO

Esta monografia pretende tratar a obra O Retrato de Dorian Grey do irlandecircs Oscar

Wilde como uma forma de expressatildeo aberta e em diaacutelogo constante tanto com a arte

quanto com a realidade A arte eacute o espelho do homem no momento em que pela teacutecnica

e somente por ela faz-se vivo e perpeacutetuo o trabalho humano Eacute estabelecida uma

relaccedilatildeo entre arte e vida e a arte torna-se essencial necessaacuteria Esta monografia tambeacutem

visa a uma breve representaccedilatildeo a fim de explicaccedilatildeo histoacuterica sobre o que foi a

decadecircncia aristocraacutetica ndash a crise da aristocracia capitalista ndash que natildeo deixa de ser

tambeacutem uma crise da arte representativa O realismo entatildeo eacute uma ponte literaacuteria que

culmina no modernismo O periacuteodo literaacuterio do realismo teve repercussotildees diferentes ao

redor do mundo O objetivo do trabalho foi compor um fio de forma tal que a literatura

natildeo se restringisse somente agrave produccedilatildeo realizada no Brasil No entanto eacute de interesse

tambeacutem aqui uma breve comparaccedilatildeo com o realismo brasileiro em uma tentativa de

contemplar a totalidade literaacuteria que correspondesse ao periacuteodo realista

Palavras-chave arte realismo criacutetica espelho vida

5

ABSTRACT

This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar

Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art

is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and

perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art

becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the

historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of

the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art

The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period

of realism had different repercussions around the world The objective was to compose

a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production

However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an

attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic

Keywords art realism critic mirror life

6

SUMAacuteRIO

Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7

Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA

DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA

42

Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53

CONCLUSAtildeO 62

Referecircncias bibliograacuteficas 63

7

CAPIacuteTULO 1

RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR

Introduccedilatildeo do capiacutetulo

Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise

literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar

Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas

tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo

seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria

vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas

tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da

realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o

quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer

algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute

o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista

O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria

norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890

Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida

para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner

Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por

Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar

pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a

Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas

8

fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo

introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a

trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado

da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi

republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida

posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi

importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca

de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram

adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na

sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz

respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute

produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees

biliacutengues

A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a

realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se

dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro

manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute

funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o

modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo

A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave

Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas

belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a

comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz

menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo

de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa

9

forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio

de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem

de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees

vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra

realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi

litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX

pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p

11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte

ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os

instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte

O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a

praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos

etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa

aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi

o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para

representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer

artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)

Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra

retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)

o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura

etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a

literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-

se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica

aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees

etimoloacutegicas

10

retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

11

Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

13

morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

14

mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

15

teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

19

A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

22

beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

27

Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

30

comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

32

De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

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CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 6: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

5

ABSTRACT

This monograph aims to treat the book The Portrait of Dorian Gray of the Irish Oscar

Wilde as a form of open expression and constant dialogue with both art and reality Art

is the mirror of a man and through his technique it makes the human labor alive and

perpetual In this work itrsquos established a relationship between art and life and art

becomes essential necessary This monograph also aims to a brief representation of the

historical panorama explaining about what was the aristocratic decadence ndash the crisis of

the capitalist aristocracy ndash which is nevertheless also the crisis of the representative art

The realism is then a literary bridge that culminates in modernism The literary period

of realism had different repercussions around the world The objective was to compose

a wire such that the literature is not restricted only to the Brazilian production

However it is also of interest here a brief comparison with the Brazilian realism in an

attempt to cover the entire literary period that corresponded to the realistic

Keywords art realism critic mirror life

6

SUMAacuteRIO

Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7

Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA

DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA

42

Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53

CONCLUSAtildeO 62

Referecircncias bibliograacuteficas 63

7

CAPIacuteTULO 1

RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR

Introduccedilatildeo do capiacutetulo

Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise

literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar

Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas

tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo

seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria

vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas

tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da

realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o

quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer

algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute

o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista

O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria

norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890

Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida

para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner

Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por

Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar

pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a

Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas

8

fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo

introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a

trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado

da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi

republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida

posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi

importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca

de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram

adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na

sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz

respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute

produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees

biliacutengues

A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a

realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se

dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro

manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute

funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o

modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo

A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave

Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas

belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a

comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz

menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo

de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa

9

forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio

de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem

de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees

vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra

realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi

litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX

pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p

11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte

ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os

instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte

O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a

praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos

etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa

aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi

o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para

representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer

artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)

Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra

retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)

o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura

etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a

literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-

se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica

aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees

etimoloacutegicas

10

retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

11

Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

13

morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

14

mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

15

teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

19

A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

27

Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

32

De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 7: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

6

SUMAacuteRIO

Capiacutetulo 1 RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR 7

Capiacutetulo 2 O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA

DECADEcircNCIA IDEOLOacuteGICO BURGUESA

42

Capiacutetulo 3 O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE 53

CONCLUSAtildeO 62

Referecircncias bibliograacuteficas 63

7

CAPIacuteTULO 1

RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR

Introduccedilatildeo do capiacutetulo

Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise

literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar

Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas

tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo

seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria

vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas

tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da

realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o

quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer

algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute

o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista

O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria

norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890

Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida

para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner

Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por

Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar

pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a

Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas

8

fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo

introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a

trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado

da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi

republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida

posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi

importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca

de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram

adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na

sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz

respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute

produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees

biliacutengues

A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a

realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se

dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro

manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute

funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o

modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo

A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave

Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas

belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a

comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz

menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo

de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa

9

forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio

de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem

de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees

vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra

realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi

litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX

pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p

11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte

ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os

instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte

O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a

praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos

etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa

aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi

o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para

representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer

artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)

Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra

retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)

o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura

etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a

literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-

se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica

aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees

etimoloacutegicas

10

retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

11

Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

13

morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

14

mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

15

teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

19

A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

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______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

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Dezembro de 2013

Page 8: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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CAPIacuteTULO 1

RETRATAR A PRAacuteTICA DO ESCRITOR

Introduccedilatildeo do capiacutetulo

Este primeiro capiacutetulo desta monografia tem por objetivo fazer uma anaacutelise

literaacuteria e independente da obra O retrato de Dorian Gray (1890) do irlandecircs Oscar

Wilde Eacute fundamental para a pesquisa considerar o escritor ndash Wilde ele proacuteprio mas

tambeacutem o escritor tomado no sentido geral ndash como um artista e destacar qual entatildeo

seria a sua praacutetica social que no caso seria representar o reflexo objetivo da proacutepria

vida e lidar com a realidade tentando abarcar uma totalidade que natildeo eacute soacute objetiva mas

tambeacutem subjetiva Este reflexo corresponde literariamente a uma representaccedilatildeo da

realidade Dada a tarefa do escritor tambeacutem eacute tentativa deste capiacutetulo demonstrar o

quatildeo grande eacute a importacircncia da Arte como tema para Wilde e tentar estabelecer

algumas de suas funccedilotildees na sociedade burguesa da eacutepoca O meacutetodo aqui utilizado seraacute

o da criacutetica literaacuteria dialeacutetica e marxista

O retrato de Dorian Gray foi inicialmente publicado por uma revista literaacuteria

norte-americana designada Lippincottrsquos Monthly Magazine em julho de 1890

Originada na Filadeacutelfia perdurou laacute entre o intervalo de 1868 a 1915 ateacute ser transferida

para Nova York e se transformar na revista McBride depois fundida agrave Scribner

Ironicamente eacute seu uacutenico romance Wilde eacute encontrado em Londres em 1889 por

Stoddart um dos soacutecios da Lippincottrsquos que laacute estava justamente para contratar

pequenos romances e contos O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada a

Os termos aqui destacados estatildeo passiacuteveis a maiores pesquisas

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fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo

introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a

trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado

da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi

republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida

posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi

importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca

de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram

adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na

sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz

respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute

produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees

biliacutengues

A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a

realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se

dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro

manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute

funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o

modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo

A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave

Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas

belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a

comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz

menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo

de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa

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forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio

de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem

de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees

vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra

realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi

litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX

pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p

11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte

ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os

instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte

O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a

praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos

etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa

aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi

o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para

representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer

artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)

Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra

retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)

o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura

etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a

literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-

se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica

aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees

etimoloacutegicas

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retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

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Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

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reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

22

beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

27

Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 9: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

8

fim de explicar o que seria na eacutepoca considerado como movimento do Esteticismo

introduzido pelo professor de Oxford Walter Pater Situando-se nesta mesma eacutepoca a

trama do livro se encaixa na Inglaterra da Era Vitoriana que correspondeu ao reinado

da Rainha Victoria estendendo-se de 1837 ateacute 1901 Jaacute em 1891 o romance foi

republicado pela casa editorial inglesa Ward Lock and Bowden Company absorvida

posteriormente pela Orion Publishing Group que existe ateacute hoje Esta publicaccedilatildeo foi

importante pois passou pelo rigoroso crivo inglecircs que vigorava pela poliacutetica da eacutepoca

de modo que a versatildeo original foi ampliada de 13 capiacutetulos originais para 20 (foram

adicionados os capiacutetulos 3 5 15 e 18 e o 13 foi dividido) a fim de amenizar a trama na

sociedade vitoriana na qual a funccedilatildeo da arte era moralizante principalmente no que diz

respeito agrave influecircncia de Lorde Henry para Dorian Gray A ediccedilatildeo aqui estudada eacute

produzida pela editora brasileira e paulista Landmark especializada em ediccedilotildees

biliacutengues

A dialeacutetica se faz necessaacuteria pois soacute assim a realidade eacute captada uma vez que a

realidade eacute que somos seres dialeacuteticos por natureza O proacuteprio Dorian Gray vecirc-se

dividido uma vida dupla de um lado eacute adepto do hedonismo e do crime e do outro

manteacutem-se conservador perfeccionista e esteta diante da sociedade vitoriana E eacute

funccedilatildeo maior da arte ser contraditoacuteria dialeacutetica Em O retrato de Dorian Gray tanto o

modelo quanto a proacutepria arte sofrem as intempeacuteries do tempo

A versatildeo de 1891 inclui um prefaacutecio mais considerado como Manifesto agrave

Esteacutetica Prova disto jaacute eacute o seu comeccedilo com o aforismo ldquoO artista eacute o criador de coisas

belasrdquo (Wilde 2009 p 11) Jaacute aqui haacute um problema central na discussatildeo sobre arte a

comparaccedilatildeo do artista a um Deus Ainda no primeiro paraacutegrafo do prefaacutecio Wilde faz

menccedilatildeo agrave funccedilatildeo do criacutetico (da arte) ndash aquele que traduz suas impressotildees sobre o belo

de um outro modo em um outro material com outras palavras O criacutetico de certa

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forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio

de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem

de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees

vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra

realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi

litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX

pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p

11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte

ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os

instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte

O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a

praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos

etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa

aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi

o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para

representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer

artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)

Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra

retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)

o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura

etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a

literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-

se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica

aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees

etimoloacutegicas

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retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

11

Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

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reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

39

seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 10: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

9

forma eacute aquele que se apropria do mundo para transvecirc-lo isto eacute ver o mundo por meio

de outros olhos com outro olhar e sob outras perspectivas Eacute por isso que o criacutetico tem

de se arriscar sobretudo a ser mal compreendido pois vaacuterias e divergentes opiniotildees

vatildeo haver uma vez que o artista lanccedila a sua arte Neste prefaacutecio eacute que a palavra

realismo natildeo enquanto periacuteodo literaacuterio mas como forma de representaccedilatildeo aparece ipsi

litteris como tambeacutem no mesmo aforismo a palavra espelho ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX

pelo realismo eacute a raiva de Calibatilde ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (op cit p

11) O prefaacutecio tambeacutem traz de importante que a literatura eacute um meio primeiro de arte

ldquoO artista pode expressar todas as coisas O pensamento e a linguagem satildeo os

instrumentos artiacutesticos de uma arterdquo (Wilde 2009 p 12) O siacutembolo permeia toda arte

O trabalho artiacutestico eacute novo complexo e vital assim deve ser da mesma forma a

praacutetica do escritor Este capiacutetulo tentaraacute provar ndash ateacute mesmo embasado em quesitos

etimoloacutegicos ndash que esta praacutetica do escritor se assemelha agrave praacutetica de retratar A tentativa

aqui eacute propor que a palavra ldquoretratordquo natildeo eacute acidental pois ela setaacute no proacuteprio tiacutetulo da obra Foi

o retrato enquanto forma artiacutestica que Wilde escolhe como tema no seu romance para

representar a Arte de forma no geral ndash logo ela estaria intimamente associada tambeacutem ao fazer

artiacutestico pois natildeo soacute o retrato eacute tema no livro como o retratista (Basil)

Eacute relevante apontar que na proacutepria etimologia haacute duas concepccedilotildees para a palavra

retratar i) dar um novo tratamento a algo que jaacute foi dito isto eacute retirar algo jaacute dito e ii)

o retrato propriamente dito restringido agraves artes plaacutesticas do desenho pintura gravura

etc mas sendo que neste etcetera algo de dimensatildeo muito mais ampla ndash como a

literatura sendo ela a arte de lidar com signos e metaacuteforas ndash poderia ser incluiacuteda Pode-

se dizer ainda que em O retrato de Dorian Gray o retrato enquanto instacircncia artiacutestica

aparece como metaacutefora do proacuteprio fazer artiacutestico Segue abaixo as consideraccedilotildees

etimoloacutegicas

10

retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

11

Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

39

seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

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Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 11: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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retratar1 vb lsquoretirar o que dissersquo lsquodar como natildeo ditorsquo 1813 Do lat

retractāre

retrato sm lsquorepresentaccedilatildeo da imagem de uma pessoa real pelo

desenho pintura gravura etc ou pela fotografiarsquo XV Do it Ritratto

retratar2 (CUNHA 2007 p 562)

Tambeacutem eacute consideraacutevel tratar aqui que o fazer artiacutestico ndash tambeacutem aquele que eacute

do escritor ndash envolve na sua essecircncia uma praacutetica isto eacute uma praacutexis sendo que esta

palavra do Grego Claacutessico possui tambeacutem dois significados essenciais Segue uma

anaacutelise do verbete

πρἅξις εως s f (πράσσω) I || acccedilatildeo acto || actividade

exerciacutecio || execuccedilatildeo realizaccedilatildeo || empresa empresa puacuteblica

(poliacutetica de guerra) || comeacutercio negoacutecio || reivindicaccedilatildeo manejo

intriga II || maneira de obrar conduta || maneira de ser

situaccedilatildeo sorte fortuna destino || resultado consequecircncia

πράσσω ndash άττω v Atravessar percorrer || ir ateacute o fim

terminar acabar || obrar trabalhar ocupar-se negociar || fazer

executar realizar lograr (PEREIRA p 477)

E por fim deste Aristoacuteteles com a sua poeacutetica arte e teacutecnica satildeo considerados

como sinocircnimos sendo que techneacute tem sentido de originar (pro)criar

Anaacutelise da obra

O primeiro capiacutetulo de O retrato de Dorian Gray jaacute comeccedila com a imagem

sensorial ndash o estuacutedio artiacutestico era invadido pelo perfume das flores tatildeo trabalhosamente

descritas a fim de expor sua beleza que se assemelha agrave visualidade das artes plaacutesticas A

primeira personagem que aparece eacute Lorde Henry Wotton acrocircnimo da personagem

histoacuterica natildeo ficcional Sir Henry Wotton (1568-1639) poliacutetico inglecircs e membro da

11

Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

13

morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

14

mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

15

teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

26

discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

27

Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

28

longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

29

recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

30

comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

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CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 12: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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Casa dos Comuns Depois o jovem eacute apresentado (sem seu nome ser revelado) e depois

seu artista Basil Hallward Basil fora relacionado agrave uma desapariccedilatildeo o que tornou na

eacutepoca sua reputaccedilatildeo de artista duvidosa e escandalosa O ambiente era de um silecircncio

opressivo ndash exceto o zumbido das abelhas e os ruiacutedos londrinos longiacutenquos ndash e uma

comparaccedilatildeo a uma nota grave de um oacutergatildeo eacute feita A interconexatildeo entre as artes se faz

presente e eacute um topos no romance No plano da composiccedilatildeo o escritor eacute contraposto

diretamente com o pintor o ator e o muacutesico

A situaccedilatildeo eacute que Basil havia terminado o quadro de Dorian Gray ndash o livro

comeccedila quando o quadro termina Basil estava sorridente satisfeito consigo mesmo e

com a sua arte ateacute perceber que a temia Pintar Dorian Gray eacute mais do que estetizaacute-lo

em uma forma esteacutetica conferindo-lhe uma dimensatildeo artiacutestica e talvez por isso imortal

mas sim estatizaacute-lo em uma forma imoacutevel captar o nervo vivo da vida e fixaacute-lo A

relaccedilatildeo do artista com o seu modeloobjeto significa uma accedilatildeo reciacuteproca entre participar

e observar implicando um posicionamento frente ao movimento artiacutestico Basil sente

que seu sentimento natildeo eacute correspondido sente ter revelado sua alma por inteiro a

algueacutem que a trata como se fosse uma flor para colocar na lapela por simples vaidade

Aleacutem do mais fica claro no comeccedilo que Basil tinha amigos em Oxford assim

como o proacuteprio Oscar Wilde era amigo de Walter Pater (professor de Esteacutetica em

Oxford) Tambeacutem haacute a alusatildeo agrave droga do oacutepio Lorde Henry contrapotildee o intelecto de

Basil agrave beleza de Dorian Gray Jaacute Basil tem um pensamento mais inclusivo ndash ao inveacutes

de exclusivo ndash o que eacute proacuteprio do artista um modo de compreender a realidade

enquanto uma forma de totalidade tanto que Basil comenta que os feios e os estuacutepidos

tecircm o melhor deste mundo porque se eles natildeo conhecem a vitoacuteria tambeacutem natildeo

conhecem a derrota ldquoVivem como todos noacutes deveriacuteamos viver sem perturbaccedilotildees

indiferentes e sem inquietaccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 17) Poreacutem seja pelo que for Basil

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

13

morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

14

mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

19

A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

27

Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Page 13: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

12

reconhece que o destino humano eacute o sofrimento Tambeacutem mais adiante eacute comentado

pelo proacuteprio Wilde ldquoEle ficou como Paacuteris em delicada armadura e como Adocircnis com

tuacutenica de caccedilador e uma polida lanccedila para javalisrdquo (Wilde 2009 p 27)

Lorde Henry diz que era o melhor trabalho de Basil e que ele deveria submetecirc-

lo a Grosvenor uma instituiccedilatildeo que existe ateacute hoje especializada em propriedade

Henry acrescenta que uma arte daquela faria dele Basil o artista atemporal uma vez

que o colocaria acima dos jovens e faria os velhos sentirem ciuacutemes Basil retruca que

quer manter a sua arte para si natildeo mandaacute-la a lugar nenhum uma vez que natildeo quer

exibi-la ou expocirc-la pois ele se vecirc demais nela ldquoUm artista deve criar coisas belas mas

natildeo deveria colocar nada de sua proacutepria vida nelasrdquo (Wilde 2009 p 29)

O jovem Dorian Gray eacute comparado primeiramente a Adocircnis Dorian Gray para

Basil eacute entatildeo elevado a categoria de um semideus Basil o venera o idolatra A

presenccedila visiacutevel de Dorian para Basil eacute a sua fonte de inspiraccedilatildeo A questatildeo eacute teria esta

inspiraccedilatildeo a mesma duraccedilatildeo da beleza O mito de Adocircnis poreacutem eacute traacutegico Ele foi um

jovem pelo qual Vecircnus (ou Afrodite) se apaixonara viacutetima de uma das setas de seu

filho Cupido Ela faz ao seu amado algumas restriccedilotildees como ter cuidado com os

animais perigosos da floresta Adocircnis que foi altivo e natildeo seguiu seus conselhos eacute

ferido e morto por um javali Afrodite o transforma em flor de cor vermelha como

sangue muito bonita embora viva pouco Esta flor eacute hoje conhecida como anecircmona

(Bulfinch 2006 p 73-74)

Posteriormente Dorian Gray eacute comparado a Narciso outra personagem

mitoloacutegica cujo fim eacute traacutegico Eco era uma bela ninfa que um dia ludibriara Juno e por

isso foi condenada a dizer sempre sua uacuteltima palavra respondendo a si mesma Outrora

a ninfa viu o belo e jovem narciso e se apaixonou Desentendendo-se os dois ela

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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

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natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 14: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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morreu sem ser correspondida Numa fonte de aacuteguas claras perto dali Narciso

repousara-se cansado viu seu proacuteprio reflexo na aacutegua e apaixonou-se por si mesmo

ldquoBaixou os laacutebios para dar um beijo e mergulhou os braccedilos na aacutegua para abraccedilar a

proacutepria imagem () O jovem depauperado afogou-se e morreurdquo (Bulfinch 2006 p

108-109)

Basil tambeacutem eacute jovem e representa por natureza uma mente subversiva uma

vez que foi obrigado pelo pai a ir agrave escola de advocacia Middle Temple somente para

depois largaacute-la e dedicar-se agrave arte da pintura na qual foi autodidata Encontrar Dorian

Gray foi para ele uma crise ldquoMas natildeo sei como lhe explicar isso Algo pareceu me

dizer que eu estava agrave beira de uma crise terriacutevel em minha vidardquo (Wilde 2009 p 21)

Talvez encontrar Dorian Gray seja encontrar a si mesmo ndash ou perder-se A ideia do

espelho natildeo remete somente ao reflexo mas tambeacutem agrave projeccedilatildeo A praacutetica do escritor

deve ser acometer a realidade objetiva ou seja aderir ao modo de representaccedilatildeo

literaacuteria realista Um reflexo pode refletir o mesmo na sua essecircncia ou algo que escapa a

essa mesmidade Mas o que isto significa Qual eacute o lugar do realismo na arte Onde ele

se posiciona

Basil natildeo revela o nome de Dorian Gray a priori pois parecia-lhe que revelar o

nome de algueacutem querido era entregar parte dele proacuteprio Segundo Lukaacutecs ldquoa obra de

arte revela ndash em virtude da sua essecircncia objetiva ndash uma qualidade interna em si

significativa da vida humana terrenardquo Basil natildeo queria exibir seu retrato assim como

natildeo queria revelar a priori o nome de Dorian Gray Basil conhece Dorian Gray em uma

festa da alta sociedade mais especificamente de Lady Brandon e a primeira coisa que

Basil sente ao vecirc-lo eacute terror e depois um saber de que aquela personalidade fascinante

com a qual se deparou ainda tomaria conta de sua arte Teve um instinto de que o

Destino se apoderaria deles Logo Dorian Gray torna-se para Basil mais do que um

14

mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

15

teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

19

A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 15: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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mero motivo para a arte Tanto Basil como Lorde Henry criticam a Lady Brenton por

apresentar demais as pessoas natildeo deixando margem para que as pessoas sejam

descobertas sozinhas ndash ela mata o misteacuterio envolvido no processo de se descobrir uma

pessoa

Ainda sobre uma possiacutevel funccedilatildeo do criacutetico sobre o conteuacutedo por ele proferido

ou sobre a veracidade de suas afirmaccedilotildees Lorde Henry opina ldquoO valor de uma ideia

natildeo tem absolutamente nada a ver com a sinceridade do homem que a expressardquo

(Wilde 2009 p 26) Por traacutes de cada princiacutepio haacute um homem por traacutes de cada obra de

arte haacute o seu artista fundador

Basil revela ldquoAgraves vezes acho Harry que haacute apenas duas eras de alguma

importacircncia na histoacuteria do mundo A primeira eacute a apariccedilatildeo de um novo meio para a arte

e a segunda eacute o surgimento de uma nova personalidaderdquo (Wilde 2009 p 26) A partir

daiacute Basil comenta sobre vaacuterias teacutecnicas artiacutesticas como a pintura em oacuteleo veneziana a

escultura grega Aqui faz-se importante reconhecer dois estudos do pensador alematildeo

Walter Benjamin o primeiro sobre a histoacuteria da fotografia e o segundo sobre a obra de

arte na eacutepoca da reprodutibilidade teacutecnica

Sobre o primeiro depois da invenccedilatildeo de Nieacutepce e Daguerre em 1829 novos

questionamentos satildeo colocados agrave arte a fotografia se justifica frente agrave pintura Ela tem

alcance para ser desdobrada como invenccedilatildeo Um fotoacutegrafo eacute menos artista Pintar um

quadro requer muito talento do artista mas ldquoA teacutecnica mais exata pode dar agraves suas

criaccedilotildees um valor maacutegico que um quadro nunca mais teraacute para noacutesrdquo (Benjamin 2012

p 100) Uma proacutepria obra de arte como um quadro por exemplo quando fotografada

pode ser melhor percebida do que na proacutepria realidade tal qual eacute o niacutevel da tecnologia

que hoje se alcanccedilou Em outros termos a fotografia mostra que a diferenccedila entre a

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teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

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romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

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Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

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Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 16: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

15

teacutecnica e a magia eacute uma variaacutevel totalmente histoacuterica Todavia a fotografia eacute uma arte

maquinal facilmente reprodutiacutevel eou massificada e o seu maior perigo eacute justamente a

sua comercializaccedilatildeo Os teacutecnicos na era moderna podem estar sim substituindo os

pintores mas ainda ldquotodas as possibilidades da arte do retrato fundam-se no fato de que

natildeo se estabelecera ainda um contato entre a atualidade e a fotografiardquo (p 102) O

retrato torna seu objeto sempre atual enquanto que a fotografia nem sempre eacute capaz de

fazer isto uma que vez que atemporaliza seu objeto Eacute possiacutevel traccedilar o paralelo com

Dorian Gray

O proacuteprio procedimento teacutecnico levava o modelo a viver natildeo ao sabor

do instante mas dentro dele durante a longa duraccedilatildeo da pose eles

cresciam por assim dizer dentro da imagem constituindo assim o

contraste mais definitivo do instantacircneo correspondente agravequele

mundo transformado (BENJAMIN 2012 p 102-103)

Sobre o segundo eacute presente uma discussatildeo muito atual tanto nos dias de hoje

como tambeacutem presente em Dorian Gray sobre a reificaccedilatildeo Este pensamento pode ser

indicado na fala jaacute citada de Lorde Henry quando ele sugere entregar a sua obra como

se ela fosse uma mera mercadoria ou uma coisa de arte ndash uma obra sem ser prima ndash a

Grosvenor Benjamin tambeacutem diria o seguinte

Esse capital estimula o culto do estrelato que natildeo visa conservar

apenas a magia da personalidade haacute muito reduzida ao claratildeo

putrefato que emana do seu caraacuteter de mercadoria mas tambeacutem o seu

complemento o culto do puacuteblico e estimula aleacutem disso a consciecircncia corrupta das massas que o fascismo tenta pocircr no lugar de

sua consciecircncia de classe (BENJAMIN 2012 p 195)

Basil estaacute consciente de que Dorian Gray lhe proporcionou sua melhor obra de

arte mas mais do que isso um novo meacutetodo artiacutestico lhe eacute fornecido Este meacutetodo para

ele eacute permeado da doutrina do Esteticismo que a seu ver combinava o espiacuterito

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

19

A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

22

beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

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CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

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democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 17: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

16

romacircntico com a o ideal de perfeiccedilatildeo grega Basil chega a criticar um entrave teoacuterico

moderno ldquoNoacutes em nossa loucura separamos os dois (corpo e alma) e inventamos um

realismo que eacute bestial um idealismo que eacute vaziordquo (Wilde 2009 p 28) A bestialidade

mencionada e uma possiacutevel vulgaridade podem ser atrelados ao baixo pensamento do

Naturalismo uma outra escola literaacuteria que tambeacutem existia agrave eacutepoca O Naturalismo

narrativo-literaacuterio apresenta tendecircncias descritivo-pictoacutericas e o cuidado de Basil com

seu novo meacutetodo deveria ser tal que aplicado agrave representaccedilatildeo do homem natildeo o

transformasse em mera natureza morta (Lukaacutecs 2010) Eis que o Basil sai renovado

de sua crise ldquoEu vejo as coisas diferentes penso nelas diferente Posso agora recriar a

vida de um modo que me havia sido ocultado antesrdquo (Wilde 2009 p 27)

Que trabalho seria o do escritor senatildeo este ndash sua praacutexis viva na essecircncia

Desvendar uma vida ocultada pela sociedade recriando esta realidade e expressando-a

artisticamente tambeacutem faz parte da praacutexis do escritor Tambeacutem eacute trabalho do escritor

redimensionar a vida por meio de linguagem O escritor transpotildee em palavras ndash sendo a

literatura uma arte necessariamente fixa imoacutevel ndash a velocidade e o movimento do

mundo ao seu redor O meacutetodo artiacutestico de Basil tambeacutem consistia em natildeo falar ndash nem

ouvir ndash enquanto pintava Se por um lado ele era devotado a Dorian tambeacutem o era agrave sua

arte Hallward ainda pintava com um toque que era tanto arrojado quanto maravilhoso

refinado e com uma delicadeza que soacute podia vir da forccedila E um escritor como um

artista tambeacutem entende que ldquoO verdadeiro misteacuterio do mundo eacute o visiacutevel natildeo o

invisiacutevelrdquo (Wilde 2009 p 45)

Olhar-se no espelho natildeo deixa de ser um meio de resgatar para si a sua

humanidade esquecida no momento em que o sujeito se depara consigo mesmo

refletido revela-se visualmente agrave sua frente ele proacuteprio que eacute o que a sociedade mais

lhe oculta ndash a sua existecircncia simples e verdadeira No movimento refletivo do espelho

17

o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

19

A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

32

De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

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CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 18: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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o sujeito torna-se consciente de de si mesmo e eacute isso o que eacute fundamental tanto na vida

quanto na arte Gray vecirc seu reflexo sendo produzido a arte no momento imediato de sua

produccedilatildeo Quando ele vecirc o resultado artiacutestico envelhece

Henry quando conheceu Dorian compartilhou da opiniatildeo de Basil ldquoNatildeo era de

surpreender que Basil Hallward o venerasse Ele fora feito para ser cultuadordquo (Wilde

2009 p 36) Basil levava isto tatildeo a seacuterio que considerava os meros caprichos de Dorian

como leis Dorian assim que conhece Henry insiste para que ele fique pois logo dele

se afeiccediloara (foi inexoraacutevel) apesar do desejo de Basil de se ver livre do amigo para

ficar sozinho com seu modelo Dorian no entanto alega que ser um modelo e prostrar-

se meramente eacute tedioso que desejava uma companhia para conversar Entatildeo Basil pede

para Lorde Henry ficar mas para que Dorian natildeo prestasse atenccedilatildeo agraves suas palavras

alegando o seguinte ldquoEle tem uma influecircncia bastante maacute sobre todos os seus amigosrdquo

(Wilde 2009 p 37) Dorian logo percebe a diferenccedila notoacuteria entre Basil e Lorde Henry

ldquoEles formavam um prazeroso contraste (Wilde 2009 p 37-38) Lorde Henry estaacute

consciente de que influenciar algueacutem eacute dar-lhe a sua proacutepria alma eacute tornar-se o eco da

muacutesica de outro algueacutem

Lorde Henry comeccedila por aticcedilar Dorian relembrando seus pecados suas

vergonhas fazendo-o sentir culpado por si mesmo Talvez seria Lorde Henry o melhor

artista pois causou em Dorian sensaccedilotildees jamais florescidas antes ndash e isto requer arte

Como satildeo terriacuteveis as palavras por serem capazes de causarem o caos e justamente por

isso satildeo igualmente maacutegicas E o que eacute a linguagem senatildeo experiecircncia com as palavras

dado um exerciacutecio artiacutestico ldquoPareciam ser capazes de dar forma plaacutestica a coisas sem

dimensatildeo e ter uma muacutesica proacutepria tatildeo doce quanto aquela da viola ou do alauacutede Meras

palavras Havia algo tatildeo real quanto as palavrasrdquo (Wilde 2009 p 41)

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

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A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

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Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 19: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

18

Lorde Henry foi capaz de causar intensa e repentina transformaccedilatildeo em Dorian

ldquoAgora ele compreendia A vida subitamente tornou-se ardentemente colorida para elerdquo

(Wilde 2009 p 41) E a trama estava lanccedilada ndash Lorde Henry havia desvendado o

misteacuterio de sua existecircncia

A pintura mais do que as outras artes requer um ideal de perfeiccedilatildeo ndash a captaccedilatildeo

de um efeito perfeito um momento uacutenico Esta momentaneidade singular eacute abordada

por Benjamin ldquoO que eacute de fato a aura Eacute uma trama singular de espaccedilo e tempo a

apariccedilatildeo uacutenica de uma distacircncia por mais proacutexima que estejardquo (Benjamin 2012 p

108) A aura na obra de arte eacute a essecircncia uacutenica captada e que natildeo pode ser reproduzida

Este efeito captado por Basil foi resultado das palavras de Lorde Henry em Dorian que

o fizeram atingir uma expressatildeo magniacutefica a uacutenica digna de ser captada artisticamente

Basil que natildeo ouvia enquanto pintava natildeo ouvira uma palavra do que Lorde Henry

dissera Basil ldquoEsta seraacute minha obra-prima Jaacute eacute minha obra-prima como estaacute agorardquo

(Wilde 2009 p 42)

Sobre o efeito esteacutetico que Basil conseguira captar

Mesmo reconhecendo em todo o seu valor a forccedila evocadora da forma

artiacutestica deve estar claro que qualquer sujeito receptivo coloca incessantemente em confronto a realidade refletida pela arte com as

experiecircncias que ele mesmo adquiriu Naturalmente tambeacutem aqui natildeo

se trata de cotejar por meio de um procedimento mecanicamente

fotograacutefico os detalhes singulares observados antes na vida e depois na arte Como jaacute foi dito em outro local a correspondecircncia se

estabelece entre duas totalidades entre a totalidade da representaccedilatildeo

concreta e aquela da experiecircncia adquirida (LUKAacuteCS ano p 271)

Quando Dorian se cansa de posar meio atordoado e vai para o jardim Lorde

Henry o acompanha e o influencia citando que soacute os sentidos salvam a alma Dorian

tinha um olhar amedrontado tiacutepico de quem eacute posto subitamente em estado de

consciecircncia ou eacute acordado Lorde Henry falava gesticulando de forma teatral

19

A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

22

beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

26

discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 20: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

19

A Arte e a Beleza deveriam retornar aos ideais do Helenismo e a valoraccedilatildeo dos

sentidos eacute uma praacutetica sensorial do Esteticismo A Beleza eacute inexplicaacutevel

inquestionaacutevel soberana O periacuteodo Heleniacutestico (338 a C-146 a C) para a civilizaccedilatildeo

grega consistiu o quinto e o uacuteltimo depois da invasatildeo macedocircnica por Alexandre O

Grande Nele houve a expansatildeo da cultura grega e a sua fusatildeo com elementos culturais

orientais Maior realismo na arte comeccedilava a ser prezado principalmente na escultura

(Marques 2006 p 34)

Eacute uma das teacutecnicas narrativas principais do texto suscitar a duacutevida por meio do

discurso indireto livre Um exemplo pode ser tomado facilmente pelas perguntas ldquoPor

que fora deixado a um estranho revelaacute-lo a si mesmordquo (Wilde 2009 p 43)

Lorde Henry eacute enfaacutetico ao aconselhar Dorian a compreender a juventude

enquanto se lha tem e para viver mas natildeo mediante o falso moralismo da eacutepoca Faz

uma verdadeira apologia agrave juventude e agrave sua brevidade ldquoUm novo hedonismo ndash isso eacute o

que o nosso seacuteculo desejardquo (Wilde 2009 p 45) Muito presente no livro tambeacutem estaacute o

Hedonismo ndash doutrina filosoacutefica-moral que afirmava o prazer como sendo o bem

supremo da vida humana Para Lorde Henry o traacutegico seria se Dorian fosse

desperdiccedilado

Basil termina seu trabalho com um sorriso de satisfaccedilatildeo e assina o quadro

escrevendo seu nome em pequenas letras vermelhas no canto esquerdo da tela O

segundo a olhar foi Lorde Henry que convida Dorian a olhar-se a si mesmo A

transformaccedilatildeo maior em Dorian foi ver-se representado ldquoA sensaccedilatildeo de sua proacutepria

beleza lhe viera como uma revelaccedilatildeo Ele nunca a sentira antesrdquo (Wilde 2009 p 49)

Poreacutem o discurso sobre a brevidade de sua juventude fizera-lhe triste perante a sua

representaccedilatildeo Representar a juventude para ele natildeo bastava era necessaacuterio conservaacute-la

mantecirc-la viva natildeo dentro da arte mas de si mesmo Eacute como se o retrato na verdade

20

fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

22

beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

26

discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Page 21: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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fosse a condenaccedilatildeo em si a comprovaccedilatildeo da morte Natildeo obstante envelhecer eacute a

natureza humana ndash contrariaacute-la seria divino ou condenador Tamanha foi a

transformaccedilatildeo em Dorian que ele comeccedilava a se virar contra Basil questionando-o

sobre a duraccedilatildeo natildeo mais de sua juventude mas da amizade entre eles O retrato

ensinara a Dorian a valorizar sua aparecircncia em detrimento de qualquer outra coisa Essa

vaidade eacute muito tiacutepica das personagens daquele meio burguecircs ndash ricos que tinham uma

vida de futilidade O retrato eacute de Dorian e a ele pertence mas Dorian natildeo o quer possuiacute-

lo pois agora acredita que a juventude eacute a uacutenica que se vale a pena ter ndash natildeo a

representada mas a real Dorian sentia ciuacutemes do seu proacuteprio retrato e da capacidade

de sua representaccedilatildeo natildeo envelhecer ndash ele invejava tudo cuja beleza era imortal Dorian

pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que era melhor que a dele Para ele

natildeo havia sentido guardar um quadro que representava algo que ele perderia E onde

estaria entatildeo o realismo na arte

Dorian que era bastante cultuado serviu para a arte Benjamin contrapotildee um

valor de culto a um valor de exposiccedilatildeo ndash ao passo que o primeiro deve ser escondido o

outro deve ser exibido ldquoO valor de culto como tal quase obriga a manter secretas as

obras de arterdquo (Benjamin 2012 p 187)

Perante o conflito das duas amizades Basil se encontra novamente em crise

querendo destruir o seu melhor trabalho chamando-o de apenas tela e cores Entretanto

quando Basil segue em direccedilatildeo agrave tela com uma faca para rasgaacute-la Dorian o impede

alegando que aquilo seria assassinato

Retratar Dorian seria reproduzi-lo isto eacute de disseminar artiacutestica e publicamente

a sua figura Reproduzir a vida humana requer vida ndash ou seria feito natural e

biologicamente ou por meio da arte Reproduccedilatildeo aqui distingue-se de

21

reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

22

beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 22: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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reprodutibilidade Eacute como se o verdadeiro o real Dorian Gray houvesse sido dividido

para atender agraves expectativas e agraves realidades tatildeo diferentes dos dois amigos

Jaacute logo na histoacuteria Lorde Henry conquista entatildeo a amizade de Dorian O

semblante de Basil muda para dor pois ele sabia da tragicidade envolvida na trama Na

aparecircncia o Dorian Gray representado no retrato nunca mudaraacute o mesmo poreacutem natildeo

pode ser dito de sua essecircncia Um jovem que anda com velhos parece querer mesmo

envelheceramadurecer Dorian reconhece a nova importacircncia de Henry acometida em

sua vida ldquoVocecirc tem uma influecircncia curiosa sobre mimrdquo (Wilde 2009 p 69)

Lorde Henry eacute uma figura que fugia agrave tipicidade inglesa chegava atrasado Haacute

grande discussatildeo musical Manon Lescaut (Puccini) e Lohengrin (Wagner) quando

Lady Victoria a esposa de Henry eacute apresentada Forte eacute a presenccedila da oacutepera enquanto

elemento dramaacutetico e traacutegico na obra As personagens femininas natildeo tecircm nenhuma

importacircncia na trama ndash Lady Victoria Henry eacute uma personagem secundaacuteria

Entatildeo eacute introduzida na trama a paixatildeo de Dorian Sybil Vane mistura de Sybil

(Sibila) e Vane = Vain Na mitologia Sibila era conhecida por ser sacerdotisa profetisa

de Apolo Deus-Sol e vidente Poreacutem a ela tambeacutem eacute atrelado um ideal de

Imortalidade uma vez que ela recusara o amor de Apolo decidindo permanecer mortal

Infelizmente esqueci-me de pedir a juventude perene Tambeacutem isso

ele me teria concedido se eu tivesse aceitado o seu amor mas

ofendido com a minha recusa ele deixou que eu envelhecesse Minha juventude e a forccedila da juventude haacute muito passaram Vivi setecentos

anos e para igualar o nuacutemero de gratildeos de areia terei ainda de ver

trezentas primaveras e trezentos outonos Meu corpo enfeza-se agrave medida que os anos passam e com o tepo perderei a vista mas

minha voz permaneceraacute e as idades futuras respeitaratildeo minha palavra

(BULFINCH 2006 p 264)

Henry foi tambeacutem a causa de Dorian ter conhecido Sybil ldquoVocecirc me encheu de

um desejo selvagem de conhecer tudo sobre a vidardquo (Wilde 2009 p 64) A busca pela

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

26

discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

27

Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 23: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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beleza eacute o segredo venenoso da vida Eacute um judeu que intermedia o conhecimento entre

Dorian e Sybil A vantagem de namorar uma atriz eacute que de todos os papeis que ela

representa ela nunca representa o papel de si mesma Eacute como se ela fosse a proacutepria

fantasia em pessoa ldquoEla eacute todas as grandes heroiacutenas do mundo em uma pessoa Ela eacute

mais do que um indiviacuteduordquo (p 73) Haacute uma mudanccedila de foco Basil outrora cultuava

Dorian e este agora cultua Sybil Vane E ela era uma verdadeira personalidade tal qual

o proacuteprio Dorian Gray ndash e satildeo as personalidades e natildeo os princiacutepios que movem o

tempo

O retrato agora fora enviado a Dorian em uma moldura muito bonita desenhada

pelo proacuteprio Basil O tema da pintura de Basil foi pessoas ndash Dorian no caso Ele eacute um

artista que pinta retratos especificamente Independente da sua teacutecnica eacute um tema bem

universal Lorde Henry concorda que Basil eacute devoto agrave sua arte ndash diz que o artista coloca

tudo o que eacute de encantador no seu trabalho se o artista eacute prazeroso eacute porque eacute um mau

artista ldquoOs bons datildeo tudo agrave sua arte e consequentemente satildeo perfeitamente

desinteressantes em si mesmos Um grande poeta um verdadeiro grande poeta eacute a

criatura mais sem poesia de todasrdquo (Wilde 2009 p 75) O poeta eacute o que haacute de menos

poeacutetico porque ele natildeo tem identidade somente uma paixatildeo universal Uns escrevem a

poesia que natildeo vivem outros vivem a poesia que natildeo conseguem escrever Ao contraacuterio

de Basil Lorde Henry natildeo sentia ciuacuteme de Dorian Lorde Henry se interessava pelo

meacutetodo cientiacutefico mas natildeo pelos seus temas ldquoA vida humana ndash isso parecia a ele a

uacutenica coisa valiosa a se investigarrdquo (Wilde 2009 p 76)

Prazer eacute em que ponto se encontram e se tornam uno intelecto e emoccedilatildeo Lorde

Henry tinha pretensotildees ao admitir Dorian como criaccedilatildeo ndash de personalidade forjada para

a vida ndash sua e natildeo de Basil ldquoO rapaz era a proacutepria criaccedilatildeo dele em grande parte Ele o

fizera prematurordquo (Wilde 2009 p 77)

23

Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

26

discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

27

Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

28

longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 24: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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Discussatildeo acerca da arte

As pessoas comuns esperam ateacute que a vida lhes revele seus segredos

mas aos poucos aos eleitos os misteacuterios da vida eram revelados

antes que o veacuteu fosse retirado Agraves vezes este era o efeito da arte e

principalmente da arte da literatura que lidava imediatamente com

as paixotildees e o intelecto Mas de vez em quando uma personalidade

complexa ocupava o lugar e assumia o trabalho da arte claro de seu

modo um trabalho verdadeiro de arte a Vida tendo suas obras

primas elaboradas assim como a poesia ou a escultura ou a pintura

fazia (WILDE 2009 p 77)

Lorde Henry jaacute divagava sobre o fim de Dorian Gray ldquoA experiecircncia natildeo era de

valor eacuteticordquo (Wilde 2009 p 78) Experiecircncia eacute o nome que damos aos nossos erros A

experiecircncia eacute desprovida de forccedila motriz de consciecircncia mas ela garante que o futuro eacute

igual ao passado Benjamin diz sobre isto que o historiador deve constituir uma

ldquoexperiecircnciardquo (Erfahrung) com o passado (Benjamin 2012) Experimentar eacute pois a

praacutexis de todo artista ndash deve ser o meacutetodo por ele a ser recorrida afinal ldquoEstava claro

para ele (Lorde Henry) que o meacutetodo experimental era o uacutenico meio pelo qual se

poderia chegar a qualquer anaacutelise cientiacutefica da paixatildeordquo (Wilde 2009 p 79) Lorde

Henry considerava o mundo para aplicar suas teorias psicoloacutegicas E por fim

ldquoAcontecia frequentemente que quando pensamos que estamos fazendo experiecircncias

nos outros estamos na verdade experimentando em noacutes mesmosrdquo (Wilde 2009 p 79-

80) Pois a experiecircncia eacute tudo menos nossa Dorian havia mandado a Henry um bilhete

que dizia que ele havia se comprometido a se casar com Sybil Vane

ldquoO retrato que pintou dele apressou nele a apreciaccedilatildeo das aparecircncias pessoais de

toda a gente Teve este excelente efeito dentre outrosrdquo (Wilde 2009 p 83) Lorde

Henry condena o casamento pois acha que nele as pessoas perdem suas

individualidades Dorian ainda natildeo eacute maior de idade e era mantido por Guardiotildees Lorde

Radley

24

Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

26

discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

27

Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

29

recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

30

comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

32

De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

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CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

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democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 25: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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Sybil Vane eacute responsaacutevel por causar em Dorian uma outra perspectiva Dorian

estaacute consciente de que foi mudado por Lorde Henry mas agora considera suas teorias

equivocadas fascinantes ao mesmo tempo prazerosas mas venenosas e se lamenta de

tecirc-las aprendido Contudo Lorde Henry se vangloria triunfante ldquoSim Dorian vocecirc

sempre seraacute apaixonado por mim Eu represento a vocecirc todos os pecados que nunca

teria coragem de cometerrdquo (Wilde 2009 p 88)

O criacutetico da arte tem a funccedilatildeo de interpretar de desvendar nuances captadas pelo

artista ldquoAmo interpretaccedilatildeo Eacute muito mais real que a vidardquo (Wilde 2009 p 89) Basil

sombrio por ter pressentido um fim prematuro de Dorian alega com antecedecircncia

ldquoUma estranha sensaccedilatildeo de perda lhe veiordquo (Wilde 2009 p 89) Da ida do Bristol ateacute

o teatro ele sentira ter envelhecido anos Agraves vezes satildeo as pessoas que mais amamos

quem mais nos envelhece

Dorian cria que Sybil Vane tinha o poder de encantar a plateia ldquoEla as

espiritualiza e pode se sentir como se fossem da mesma carne e do mesmo sangue

quanto a si proacutepriordquo (Wilde 2009 p 91) Poreacutem o narrador adota outro ponto de vista

ldquoTomava toda a vida dos versos Tornava a paixatildeo irrealrdquo (Wilde 2009 p 93) e ainda

ldquoEra simplesmente maacute arte Ela era um fracasso completordquo (idem p 95) ndash a

teatralidade de sua interpretaccedilatildeo era insuportaacutevel Dorian percebe que a atuaccedilatildeo de

Sybil Vane eacute horriacutevel e tem seu coraccedilatildeo partido A proacutepria Sybil Vane admite ter

interpretado mal e que nunca interpretaraacute bem novamente Sybil Vane eacute quem agora

estaacute em crise de realidade ndash achava que antes soacute conhecia a realidade do teatro e

acreditava que ela era verdadeira ldquoEu natildeo conhecia nada aleacutem de sombras e acreditava

que fossem reais () Vocecirc me ensinou o que a realidade eacute de fatordquo (Wilde 2009 p

98)

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E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 26: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

25

E quando Basil fala que o amor eacute mais maravilhoso que a arte Lorde Henry diz

que ambos satildeo formas de imitaccedilatildeo ldquoVocecirc trouxe algo mais elevado algo do qual a arte

eacute apenas um reflexordquo (Wilde 2009 p 99) Lorde Henry com seus aforismos mais

parece mesmo um professor ldquoMinha nossa meu caro garoto natildeo seja tatildeo traacutegico O

segredo de permanecer jovem eacute nunca apresentar emoccedilotildees que satildeo inconvenientesrdquo

(Wilde 2009 p 96)

E se no quadro natildeo houvesse pintura alguma Fosse somente uma tela que

quando Dorian se aproximava enxergava nela ndash tal qual em um espelho ndash o que

quisesse o que no caso seria sua imagem deformada Dorian amava Sybil porque ela

tinha talento intelecto e dava forma agraves sombras da arte ldquoVocecirc arruinou o romance da

minha vidardquo (Wilde 2009 p 100) Sybil ao contraacuterio de Basil sem a sua arte natildeo era

nada E quando Dorian lhe fala estas verdades Sybil acha que quem estava

interpretando era ele Sybil concorda com ele ldquoEu deveria ter me mostrado mais como

uma artistardquo (Wilde 2009 p 101)

Dorian de coraccedilatildeo partido primeiro vagueia pela noite e volta para a casa ao

alvorecer soacute para reparar no seu retrato Curioso percebera que o rosto do retrato havia

mudado um pouco com um sorriso mais cruel Ateacute que ponto isto natildeo pode ser mera

desatenccedilatildeo ao primeiro olhar sobre o retrato Mas estava constatado se a expressatildeo do

rosto mudara tambeacutem poderia envelhecer sofrer ndash estava passiacutevel agraves mudanccedilas

humanas O quadro agora funcionava como um espelho que expunha natildeo mais a arte

mas a moral degradada de Dorian ndash a sua personalidade que perdia um pouco de seu

brilho ndash era Dorian Gray que se tornava estranho a si mesmo

Um importante episoacutedio Dorian pega um retrato oval seu que Lorde Henry lhe

dera soacute a fim de comparaccedilatildeo e natildeo achou nos seus laacutebios o mesmo traccedilo de crueldade

ldquoO que significava aquilordquo (Wilde 2009 p 103) ndash a duacutevida de Dorian em forma de

26

discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

27

Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Page 27: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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discurso indireto livre remete uma pergunta universal no campo da interpretaccedilatildeo da

arte ldquoNatildeo era uma fantasia dele A coisa estava terrivelmente aparenterdquo (Wilde 2009

p 104) O fato eacute que a possiacutevel mudanccedila na expressatildeo do rosto no quadro reavivou o

intelecto de Dorian Gray uma vez que o fez refletir sobre a justiccedila dos seus atos para

com Sybil Vane ldquoCertamente sua prece natildeo fora atendida Tais coisas eram

impossiacuteveisrdquo (Wilde 2009 p 104)

Lorde Henry outrora dissera que existiam dois tipos de mulheres as comuns e as

que se pintavam Talvez Dorian perdeu o gosto em imaginar Sybil Vane interpretando a

si mesma como uma mulher comum e natildeo mais aquela diva com a qual ele sonhara e

quem ele pensava que a tudo e a todos podia transfigurar e isso a tornava para ele

superficial mundana indigna Dorian chega a se arrepender contrito como se sua feacute

dependesse disto ldquoAleacutem disso as mulheres eram mais bem feitas para suportar maacutegoas

do que os homensrdquo (Wilde 2009 p 105) Poreacutem Dorian pende para o pensamento de

Lorde Henry que um romance era soacute uma atuaccedilatildeo

Dorian chega agrave conclusatildeo de que a mudanccedila no retrato era apenas ilusatildeo operada

em sentimentos perturbados E a noite deixaria fantasmas por traacutes dele Mas conclui

tambeacutem que satildeo os pecados ndash e natildeo o tempo ndash que embotariam sua expressatildeo ldquoPara

cada pecado que ele cometesse uma mancha embotaria e devastaria sua belezardquo

(Wilde 2009 p 106)

De fato era Dorian Gray e somente ele que sabia de seus proacuteprios atos ndash sendo

que o retrato era sua extensatildeo O retrato representaria a sua consciecircncia De tatildeo

atordoado termina o capiacutetulo amando novamente Sybil Vane desejando conciliaccedilatildeo

ldquoUm deacutebil eco de seu amor voltou a ele Ele repetia seu nome entatildeo e novamenterdquo

(Wilde 2009 p 106) Dorian coloca uma tela sobre o quadro encobrindo-o

27

Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

28

longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

29

recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

30

comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

32

De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

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Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

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MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

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______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 28: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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Dorian Gray se sentia feliz Dorian substitui iacutedolos ndash antes Sybil e agora era o

seu proacuteprio retrato que aticcedilava a sua imaginaccedilatildeo ldquoUm vago senso de ter tomado parte

em alguma estranha trageacutedia lhe ocorreu uma ou duas vezes mas era a irrealidade de

um sonho sobre aquilordquo (Wilde 2009 p 108) ldquoDe fato uma tela pintada natildeo poderia

mudar A coisa era absurda Serviria como histoacuteria para contarrdquo (Wilde 2009 p 109)

Examinar o retrato era uma atividade a se fazer sozinho ldquoEle estava com medo da

certezardquo (Wilde 2009 p 109) A duacutevida eacute um estado terriacutevel mas eacute o uacutenico possiacutevel

para o humano ldquoQual era o valor de saber Se a coisa era real era terriacutevelrdquo (Wilde

2009 p 110)

De certa forma soacute Dorian poderia ver o seu proacuteprio retrato e perceber nele a

mudanccedila ndash soacute noacutes que sabemos de fato se mudamos ou natildeo pois na teoria soacute noacutes

conhecemos a noacutes mesmo a nossa essecircncia Embora um olhar exterior pudesse ser a

perspectiva mais exata sobre noacutes mesmos O interesse com o qual Dorian agora

observava seu proacuteprio quadro requeria um meacutetodo cientiacutefico uma profunda

investigaccedilatildeo a mais sincera curiosidade Poderia a combinaccedilatildeo de aacutetomos quiacutemicos

com as cores artiacutesticas na tela captar a real essecircncia de sua alma Tudo o que agora o

retrato lhe causara era doentio terror

Em determinado momento tudo o que Dorian apresenta eacute a falta de reaccedilatildeo

perante a vida e a paixatildeo que ele sentia frente agrave sua juventude ldquoEle natildeo sabia o que

fazer nem o que pensarrdquo (Wilde 2009 p 111) A autoconfissatildeo de Dorian a uacutenica a

verdadeira foi escrever uma carta de arrependimento para Sybil Vane Ela representava

para ele seu autoconhecimento tambeacutem foi responsaacutevel por despertar nele mais

consciecircncia ndash a consciecircncia de que ele queria ser bom ao fundo

Lorde Henry vai visitaacute-lo dizer-lhe pessoalmente ndash pois a sua carta Dorian

rejeitara ndash que Sybil Vane estava morta Lorde Henry ainda alerta Dorian para ficar

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

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comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

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Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

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natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

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CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 29: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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longe dos inqueacuteritos ldquoAqui (em Londres) ningueacutem nunca deve fazer sua estreia como

um escacircndalordquo (Wilde 2009 p 114) Sybil Vane morrera instantaneamente bebendo

aacutecido pruacutessico (variaccedilatildeo de cianeto de hidrogecircnio) ldquoEacute muito traacutegico claro mas vocecirc

natildeo pode se envolver nissordquo (Wilde 2009 p 115) Dorian reconhece que a assassinara

Dorian ldquoComo a vida eacute extremamente dramaacutetica Se eu tivesse lido tudo isso em um

livro Harry acho que teria choradordquo (Wilde 2009 p 116)

As boas resoluccedilotildees satildeo sempre tomadas muito tarde mas tambeacutem satildeo inuacuteteis

tentativas de intervenccedilatildeo em leis cientiacuteficas ldquoMeu Deus Harry o que devo fazer Por

que natildeo consigo sentir esta trageacutedia tanto quanto querordquo (Wilde 2009 p 116-117)A

sociedade em que Dorian vivia era mesmo traacutegica sendo que de alguma forma ou de

outra era-se atravessado por um destino

As trageacutedias da vida acontecem sem arte e por isso nos machucam com sua crua

violecircncia e intensidade Se a trageacutedia apresenta elementos artiacutesticos de beleza

ldquoRepentinamente descobrimos que natildeo somos mais os atores mas os espectadores da

peccedila Ou melhor somos ambosrdquo (Wilde 2009 p 118) E de todas as mulheres que

Lorde Henry conhece nenhuma teria feito por ele o que Sybil Vane fez por Dorian ndash

sacrificar-se Haacute algo na morte de Sybil Vane que eacute muito bonito Sybil Vane natildeo

ressuscitaria ndash ela interpretara o seu uacuteltimo papel Sybil Vane na verdade nem fora

real ldquoA garota nunca vivera realmente e portanto nunca morreu de fatordquo (Wilde

2009 p 122)

Dorian para Henry ldquoVocecirc me conhece muito bemrdquo (Wilde 2009 p 122) E

depois ldquoVocecirc certamente eacute meu melhor amigo Ningueacutem me entendeu como vocecircrdquo

(idem p 123) Dorian considerava a Henry ndash e natildeo a Basil ndash como sendo o seu

descobridor O amor sempre seria agora para Dorian um sacramento ldquoO quadro

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

30

comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 30: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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recebera a notiacutecia da morte de Sybil Vane antes que ele mesmo a soubesserdquo (Wilde

2009 p 124)

Sybil Vane imortalizada em seu suiciacutedio ndash o que fora a sua maior arte

representava ldquouma traacutegica figura maravilhosa a mostrar que o Amor foi uma grande

realidaderdquo (Wilde 2009 p 125) O retrato era como deus Jano e suas duas caras ndash ora

Dorian queria beijar seus proacuteprios laacutebios crueacuteis como se fosse realmente Narciso e por

ora queria esconder o retrato pois ele se tornara repulsivo terriacutevel uma denuacutencia de

toda a tragicidade inevitaacutevel da vida

Imprevisibilidade do destino humano ldquoAleacutem do mais isso estava realmente

sob seu controlerdquo (Wilde 2009 p 126) Seria Basil ndash o artista ndash o uacutenico capaz de ditar

as leis sobre sua arte Ou depois de finalizada a obra de arte se tornaria tatildeo autocircnoma

que nem mais dependesse tanto de seu artista quanto de seu ser representado Seria o

pensamento capaz de influenciar o quadro tal qual as ideias de Lorde Henry

influenciaram o proacuteprio Dorian Gray

A funccedilatildeo do retrato ndash antes jaacute discutida ndash agora aqui tambeacutem se assemelha agrave do

espelho ldquoEste retrato lhe seria o mais maacutegico dos espelhosrdquo (Wilde 2009 p 126) A

curto prazo natildeo se percebe ningueacutem envelhecendo O quadro natildeo soacute envelhecia como

o fazia precocemente ldquoEle nunca mais tentaria por um pedido qualquer forccedila terriacutevel

Se o quadro tivesse de mudar que mudasse Isso era tudo Por que pesquisar isso tatildeo a

fundordquo (Wilde 2009 p 126) Sobre a vaidade humana na mesma noite Dorian

estava na Oacutepera com Lorde Henry

Basil desinformado ainda na manhatilde seguinte ldquoPassei uma noite terriacutevel meio

temeroso que uma trageacutedia se seguisse agrave outrardquo (Wilde 2009 p 128) Dorian adota a

atitude de total encobrimento do fato aconselhado por Harry assumindo um

30

comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

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De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

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Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

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histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 31: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

30

comportamento de que ontem foi um passado ainda muito vivo e recente para ser

chamado de passado

Dorian quer um novo meacutetodo para a sua vida ndash natildeo mais ser bom mas dominar-

se a si mesmo Talvez isso incorra do imperativo da necessidade uma vez que a vida de

Dorian era controlada por tudo e por todos menos por ele mesmo

Um homem que eacute mestre de si mesmo pode liquidar facilmente uma maacutegoa tatildeo facilmente quanto pode inventar um prazer Natildeo quero

estar sob o jugo de minhas emoccedilotildees Quero usar apreciar e dominaacute-

las (WILDE 2009 p 130)

Dorian acha que tudo o que Basil lhe ensinara eacute ser vatildeo Poreacutem natildeo haacute motivos

vatildeos para a arte ndash tudo eacute digno de ser representado ldquoDorian isso eacute terriacutevel Algo o

transformou por completordquo (Wilde 2009 p 130) Soacute a arte seria capaz de consolar

Dorian da trageacutedia experienciada ldquoClaro que ela se matou Eacute uma das grandes trageacutedias

romacircnticas da nossa era Como Sybil era diferente Ela viveu sua melhor trageacutedia Ela

sempre foi uma heroiacutena Ela passou novamente para a esfera da arte Haacute algo de maacutertir

nelardquo (Wilde 2009 p 131) Escapa-se do sofrimento da vida quando se torna um

espectador alheio

Quando Basil pergunta sobre o retrato Dorian o esconde veementemente ldquoNatildeo

olhar meu proacuteprio trabalho Vocecirc natildeo fala seacuteriordquo (Wilde 2009 p 135) Basil tinha

planos de exibir seu trabalho em Paris no outono na galeria de Georges Petit na Rua

de Segravezes que realmente existiu

Dorian Gray natildeo soacute escondia o retrato se escondia nele atraacutes dele Poreacutem ele

queria saber por que Basil dissera uma vez que natildeo exibiria o retrato e porque agora

mudara de opiniatildeo E Basil confessa que temia que o mundo conhecesse seu segredo

sentia que falara demais Um autor sempre sabe sobre a sua arte mas saberia Basil

melhor sobre o quadro do que o proacuteprio Dorian cuja personalidade fora refletida

31

Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

32

De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

39

seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

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Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 32: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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Basil ldquoDe alguma forma nunca amei uma mulher Suponho que nunca tivesse

tempordquo (Wilde 2009 p 138) Basil insiste no seu meacutetodo

Ainda agora natildeo posso evitar achar que eacute um erro pensar que a paixatildeo

que algueacutem sente na criaccedilatildeo realmente eacute exibida no trabalho que se

cria A arte eacute mais abstrata do que fantasiamos A forma e a cor nos

dizem sobre a forma e a cor ndash isso eacute tudo Parece-me com frequecircncia

que a arte oculta o artista bem mais completamente do que o revela

(WILDE 2009 p 139)

Basil confessa que Dorian foi a uacutenica pessoa em sua vida por quem ele estivera

apaixonado Dorian despreza a confissatildeo de Basil e recusa posar novamente para Basil

ldquoVocecirc arruiacutena minha vida como artista por esta recusa Dorian Ningueacutem descobre duas

coisas ideais Poucos descobrem umardquo (Wilde 2009 p 141) Dorian forccedila Basil a se

confessar sem poder cumprir sua promessa de retribuiacute-lo tambeacutem revelando seu

segredo ldquoHavia algo traacutegico em uma amizade tatildeo colorida pelo romancerdquo (Wilde

2009 p 142)

Senhora Leaf eacute governanta de Dorian que a chama para pedir a ela a chave de

um quarto que natildeo eacute aberto por 5 anos para guardar o quadro Dorian brincara laacute

quando era crianccedila e posteriormente estudara ldquoCada momento de sua solitaacuteria infacircncia

voltava-se para si enquanto ele olhava ao redorrdquo (Wilde 2009 p 150) A proacutepria sala

escolhida por Dorian para esconder seu retrato jaacute era um espelho vivo do passado Os

piores pecados natildeo eram aqueles retratados mas sim o que ele ainda guardava no

acircmago da alma

Envelheceria ndash no futuro do preteacuterito para indicar somente possibilidade

Envelhecer natildeo eacute segredo nenhum ndash eacute o uacutenico destino humano possiacutevel Lorde Henry

havia enviado para Dorian um livro inesqueciacutevel ndash sobre pecados Na primeira versatildeo

de O Retrato de Dorian Gray de 1890 este livro eacute fictiacutecio mas tem nome Le Secret

32

De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

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No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

39

seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 33: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

32

De Raoull de Catulle Sarrazin Eacute uma ficccedilatildeo dentro da proacutepria ficccedilatildeo ndash nada mais justo

para representar um espelho ou a metalinguagem

Anos se passaram Preso a um retrato agora ele tambeacutem estava preso a um livro

Dorian se via como o protagonista do livro sem trama cujos temperamentos romacircntico

e cientiacutefico estavam mesclados Era um tipo imaginado de si mesmo ldquoE de fato todo o

livro parecia-lhe conter a histoacuteria de sua proacutepria vida escrita antes que ele a vivesserdquo

(Wilde 2009 p 157) O jovem parisiense protagonista do livro tinha medo de espelhos

Dorian a essa eacutepoca vivia uma vida de esbanjamentos e impressionismos

Dorian e o seu refinamento artiacutestico ldquoE certamente para ele a proacutepria vida era a

primeira a maior das artes e para ela todas as outras artes pareciam ser apenas a

preparaccedilatildeordquo (Wilde 2009 p 161) Queria ser adepto de uma filosofia racional que

espiritualizasse os sentidos Um instinto sofisticado para a beleza deveria ser

caracteriacutestica dominante ldquoOs cansados espelhos retornam agrave sua vida de imitaccedilatildeordquo

(Wilde 2009 p 164) ndash elementos e pathos eterno da trageacutedia humana que buscava

simbolizar Qual seria a verdadeira histoacuteria da vida de Dorian Gray Aquela vida

experienciada ou o tipo representado no retrato A obra de arte era uma trageacutedia de sua

proacutepria alma e neste momento a oacutepera Tannhaumluser (Wagner)

No capiacutetulo IX haacute uma pantomima de perfumes instrumentos pedras preciosas

Histoacuteria ndash capiacutetulo altamente descritivo Lukaacutecs diz que a descriccedilatildeo representa

exatidatildeo plasticidade e sensibilidade mas que tem realmente valor de quadro eacute

descrita somente do ponto de vista do espectador e pode ser suprimida da narraccedilatildeo pois

eacute uma digressatildeo ndash ela eacute inumana e um sucedacircneo da arte moderna que por este e por

outros motivos tem um destino traacutegico Neste sentido eacute importante para esta anaacutelise o

fato de como a descriccedilatildeo assumiu uma posiccedilatildeo central no romance que antes natildeo tinha

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

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Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 34: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

33

Benjamin tambeacutem disserta sobre isso em seu ensaio Sobre o conceito da

histoacuteria

O mesmo ocorre com a representaccedilatildeo do passado que a histoacuteria transforma em seu objeto O passado traz consigo um iacutendice secreto

que o impele agrave redenccedilatildeo Pois natildeo somos tocaodos por um sopro do ar

que envolveu nossos antepassados (Benjamin 2012 p 242)

O tempo lanccedila um reflexo de ruiacutena sobre as coisas belas e maravilhosas O

proacuteprio capiacutetulo representa o peso do conhecimento Havia algo em todo esse estudo

que acelerava a sua imaginaccedilatildeo e talvez a sua proacutepria vida ndash o curso da trama

caminhava ao longo da histoacuteria Na verdade tudo isso funcionava de distraccedilatildeo contra a

tentaccedilatildeo do quadro Dorian tornara-se obcecado ndash natildeo mais viajava odiava ser separado

do quadro sentia desconfianccedila de que apesar do elaborado sistema de seguranccedila que

trancava a sala algueacutem o descobriria

Dorian Gray jaacute passava dos 25 anos Algo permanecia e natildeo mudava diante do

tempo ldquoDe todos os seus amigos ou assim chamados Lorde Henry Wotton era o uacutenico

que permanecia leal a elerdquo (Wilde 2009 p 179)

Sobre os criacuteticos ldquoPois os cacircnones da boa sociedade satildeo ou deveriam ser os

mesmos da arterdquo (Wilde 2009 p 180) A insinceridade eacute terriacutevel mas tambeacutem eacute um

meacutetodo para se multiplicar as nossas personalidades ndash seria a arte por isso insincera A

funccedilatildeo da histoacuteria tambeacutem a da literatura ndash narrar seres imortais universais

Havia momentos em que parecia a Dorian Gray que toda a histoacuteria era

apenas o registro de sua proacutepria vida natildeo como ele a vivera em ato e circunstacircncia mas como a sua imaginaccedilatildeo as criara como teria sido

em seu ceacuterebro e em suas paixotildees Ele sentida que conhecia a todos

aquelas estranhas e terriacuteveis figuras que tinham passado pelo palco do mundo e feito o pecado tatildeo maravilhoso e o mau tatildeo cheio de

surpresas Parecia-lhe que de algum modo misterioso suas vidas

tinham sido a dele proacuteprio (WILDE 2009 p 182)

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 35: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

34

Dorian de certa forma entendia que faz parte da Histoacuteria humana tambeacutem

regredir e natildeo avanccedilar ndash ldquoA criacutetica da ideia desse andamento deve estar na base da

criacutetica da ideia do progresso em geralrdquo (Benjamin 2012 p 244) e tambeacutem concebia

uma afetividade que o ligava agraves grandes personalidades histoacutericas ldquoEsse meacutetodo eacute do

empatia (Einfuumlhlung)rdquo (Benjamin 2012 p 249) Na realidade era o pecado que movia

a histoacuteria humana ldquoDorian Gray fora envenenado por um livro Havia momentos em

que via o mau apenas como um modo atraveacutes do qual ele poderia realizar seu conceito

de belezardquo (Wilde 2009 p 185)

O aniversaacuterio de Dorian Gray era 8 de novembro Fazia 32 anos Cruza com

Basil na rua Ele pretendia ficar em Paris por 6 meses para trabalhar em outro retrato

Para Basil ldquoO pecado eacute algo que se inscreve no rosto de um homem Natildeo pode ser

ocultadordquo (Wilde 2009 p 190) Um homem secreto veio a Basil fazia um ano pedir

um retrato de Dorian Gray por uma quantia extravagante Ele recusara Agora Dorian

Gray eacute que se tornara peacutessima influecircncia para os outros Basil que queria ter certezas

sobre os boatos de Dorian pede para ver sua alma ldquoTenho um diaacuterio de minha vida dia

apoacutes dia e ele nunca sai da sala em que eacute escritordquo (Wilde 2009 p 195) A corrupccedilatildeo

comeccedilara na vida real

Basil ao ver o retrato acha que eacute uma paroacutedia de mau gosto A dialeacutetica nunca

esteve tatildeo viva ldquoEle nunca tinha feito aquilo Poreacutem era o seu proacuteprio quadrordquo (Wilde

2009 p 198) O retrato destruiacutea o proacuteprio Dorian e natildeo o contraacuterio ldquoCada um de noacutes

temos o Ceacuteu e o Inferno dentro de si Basilrdquo (Wilde 2009 p 200) Dorian assassinara

Basil deixara seu corpo no quarto e sentia-se calmo

ldquoO amigo que pintara o retrato fatal o retrato ao qual toda a sua miseacuteria se

devia saiacutera de sua vida Isso bastavardquo (Wilde 2009 p 203) Basil parecia uma imagem

de cera ndash talvez uma escultura para o museu britacircnico

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 36: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

35

No dia seguinte Dorian acordara sorrindo Basil eacute a segunda pessoa que Dorian

mata a primeira eacute Sybil ldquoHavia pecados cuja fascinaccedilatildeo estava mais na memoacuteria do

que em cometecirc-losrdquo (Wilde 2009 p 207) Poreacutem Dorian no cafeacute da manhatilde

desenhava rostos que pareciam Basil Dorian era agora o retratista de seu assassinato

Ele se entreteacutem com um livro de poemas de Gautier ldquoToda Veneza estava nestes

dois versosrdquo (Wilde 2009 p 211) Como fazer caber toda uma coisa ndash ou uma pessoa

ndash em uma obra de arte Como dar conta disso com uma representaccedilatildeo ldquoPobre Basil

Que modo horriacutevel para um homem morrerrdquo (Wilde 2009 p 211) Morto pelo proacuteprio

amigo Quando se eacute representado perde-se um pouco do proacuteprio objeto represetando ndash

uma parte de sua essecircncia passa a integrar a obra de arte

Alan Campbell personagem cuja paixatildeo intelectual era pela ciecircncia ndash era

quiacutemico Ele fora chamado por Dorian ndash com urgecircncia de vida ou morte ndash mesmo

depois que a amizade deles se dissipara Ele representa o destino traacutegico da arte na era

contemporacircnea quando ela natildeo eacute mais necessaacuteria ndash ou dispensaacutevel ndash e substituiacuteda pela

ciecircncia Soacute a ciecircncia seria capaz de explicar fenocircmenos sobrenaturais

Poreacutem a arte jamais estaraacute dissociada de ciecircncia principalmente porque arte

requer sobretudo meacutetodo Da mesma forma a ciecircncia tambeacutem eacute uma arte ndash ou uma

teacutecnica ldquoOs olhos dos dois homens se encontram Nos de Dorian havia uma infinita

tristeza Ele sabia que iria fazer algo terriacutevelrdquo (Wilde 2009 p 215) Como no retrato

dois pares iguais de olhos se encontram mas no olhar artiacutestico especula-se sobre o

destino humano

Sobre isso nos explica muito bem Lukaacutecs com seu texto A arte como

autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade O objetivo das ciecircncias naturais

seria algo extra-humano o que difere da arte Logicamente as formas de pensamento

satildeo comuns agrave humanidade Arte e ciecircncia promovem diferentes aprendizados e

36

representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Dezembro de 2013

Page 37: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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representam uma polarizaccedilatildeo mas que natildeo satildeo excludentes entre si mas sim

complementares A ciecircncia seria a consciecircncia enquanto a arte a autoconsciecircncia mas

de forma que ambos refletem a realidade objetiva

A ciecircncia descobre nas suas leis a realidade objetiva independente da

sua consciecircncia A arte opera diretamente sobre o sujeito humano o

reflexo da realidade objetiva o reflexo dos homens sociais em suas relaccedilotildees reciacuteprocas no seu intercacircmbio social com a natureza eacute um

elemento de mediaccedilatildeo ainda que indispensaacutevel eacute simplesmente um

meio para provocar esse crescimento do sujeito () O reflexo esteacutetico cria por um lado reproduccedilotildees da realidade nas quais o ser em-si da

objetividade eacute transformado em um ser para-noacutes do mundo

representado na individualidade da obra de arte por outro lado na

eficaacutecia exercida por tais obras desperta e se eleva a autoconsciecircncia humana (LUKAacuteCS ano p 274-275)

Dorian chamara o cientista Campbell para coatuar no seu crime destruindo

quimicamente o cadaacutever de Basil ndash Campbell fora chamado para transformaacute-lo Poreacutem

o cientista eacute irreverente ldquoPare Gray Recuso-me inteiramente a ser envolvido em sua

vidardquo (Wilde 2009 p 215) Dorian confessa a ele o assassinato

Dorian pede de Campbell a frieza do cientista em encarar sob o ponto de vista

de que eacute soacute um objeto natildeo se deixar envolver emocionalmente ldquoOlhe para a questatildeo

apenas do ponto de vista cientiacuteficordquo (Wilde 2009 p 218) Dorian sabia muito bem

manipular as pessoas (talvez mais uma das coisas que aprendera com Lorde Henry) ndash

natildeo chamou Campbell por acaso Manipula-o com cartas ndash Dorian jaacute tinha uma carta

escrita e a enviaria se ele natildeo o ajudasse Sobre o motivo jamais fica claro Mais vale o

crime cometido do que a sua real natureza Dorian sentindo-se semideus ldquoAgora eacute a

minha vez de determinar as condiccedilotildeesrdquo (Wilde 2009 p 219)

O retrato pela primeira vez natildeo mudara somente as feiccedilotildees ou a expressatildeo do

rosto de Dorian ndash agora havia sangue em suas matildeos Ou era somente o sangue de Basil

respingado na tela pintando-a com a vida e com a morte dando o toque final ndash o seu

sangue seria a proacutepria tinta e literalmente Basil dera seu sangue pela arte O cadaacutever

37

poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

39

seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

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CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

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natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Page 38: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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poreacutem em nada se alterara ndash estivera exatamente como Dorian o deixou ldquoMas o que

era aquela asquerosa umidade vermelha que brilhava molhada e resplandecente em uma

das matildeos como se a tela estivesse sangrandordquo (Wilde 2009 p 223) Era mais

importante esconder a pintura ndash representaccedilatildeo dos seus pecados de seus crimes ndash do

que o proacuteprio corpo do Basil naturalmente putrefato

O livro se encaminha para o final Termina como comeccedila o livro com uma

reuniatildeo entre Dorian e Lorde Henry sendo que este diz ldquoQualquer um pode ser bom no

campo Natildeo haacute tentaccedilotildees laacuterdquo e ldquoHaacute duas formas de se tornar civilizado Um eacute obter

cultura o outro eacute se tornar corruptordquo (Wilde 2009 p 226) O novo ideal de Dorian era

a mudanccedila (para ser finalmente bom) Oras este eacute o ideal da vida no geral O Retrato

de Dorian Gray eacute um livro de tentativas frustradas uma representaccedilatildeo de um espiacuterito

muito indeciso e controverso O fantasma de Sybil reaparece ldquoEla era muito bonita e

maravilhosamente como Sybil Vanerdquo (Wilde 2009 p 227)

Lorde Henry se divorciara (ateacute para Lorde Henry Dorian natildeo fora boa

influecircncia) e ndash surpresa ndash era Lady Victoria quem fugira com outro homem Alan

Campbell se suicidara Eacute como se Dorian Gray exercesse uma influecircncia tatildeo forte e

poderosa nas pessoas que natildeo as fizessem mais querer viver Basil embarcaria no trem

da meia-noite de 7 de novembro exatamente no aniversaacuterio de Dorian A Scotland Yard

sustentava que Basil estivera no trem e a poliacutecia francesa que Basil nunca chegara laacute

Dorian Gray agora incorporava Sybil Vane ndash mestre das interpretaccedilotildees ndash encobrindo a

morte de Basil

Lorde Henry fala que Basil natildeo poderia ser assassinado pois ele natildeo tinha

inimigos ldquoToque um noturno para mim Dorian e enquanto toca conte-me em voz

baixa como vocecirc manteve sua juventude Vocecirc deve ter algum segredordquo (Wilde 2009

p 231) Lorde Henry eacute 10 anos mais velho que Dorian Lorde Henry sobre a muacutesica

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ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

39

seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

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Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 39: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

38

ldquoEacute uma becircnccedilatildeo que nos seja deixada uma arte que natildeo seja imitativardquo (Wilde 2009 p

231)

Lorde Henry compara os dois Dorian a Apolo e ele mesmo a Maacutersias Eis a

versatildeo para o mito grego traacutegico de Maacutersias o Muacutesico

Minerva inventou a flauta e tocava o instrumento para deleite de todos

os ouvintes celestiais Tendo poreacutem o irreverente menino Cupido se

atrevido a rir da cara esquisita que a deusa fazia ao tocar Minerva furiosa jogou fora o instrumento que caiu na terra e foi encontrado

por Maacutersias Este experimentou a flauta e dela tirou sons tatildeo maviosos

que foi tentado a desafiar o proacuteprio Apolo para uma competiccedilatildeo musical Naturalmente o deus triunfou e castigou Maacutersias esfolando-

o vivo (BULFINCH 2006 p 190)

Na verdade a trageacutedia humana eacute a inveja a comparaccedilatildeo a equiparaccedilatildeo a

semelhanccedila ndash ou melhor a discrepacircncia ldquoA trageacutedia da velhice natildeo que algueacutem seja

velho mas que algueacutem seja jovemrdquo (Wilde 2009 p 232) Lorde Henry ldquoA vida eacute uma

questatildeo de nervos fibras e ceacutelulas lentamente formadas nas quais se escondem o

pensamento e a paixatildeo tem seus sonhosrdquo (Wilde 2009 p 232) Dorian ldquoEle se

lembrou de que costumava ficar orgulhoso quando ele era apontado ou encarado ou

comentado Agora ele estava cansado de ouvir seu nomerdquo (Wilde 2009 p 235)

Quando a pessoa cansa de si proacutepria natildeo haacute para ela melhor soluccedilatildeo que seu proacuteprio

fim Lorde Henry tinha um ideal de que natildeo se muda a essecircncia das pessoas ldquoEra

realmente verdade que natildeo se podia mudarrdquo (Wilde 2009 p 235) ndash novamente

discurso indireto livre ldquoMas seria tudo irrecuperaacutevel Natildeo haveria esperanccedila para elerdquo

(Wilde 2009 p 236) A culpa lhe corroia era um ser extremamente atordoado ldquoNem

de fato era a morte de Basil Hallward que mais lhe pesava a consciecircncia Era a morte

viva de sua proacutepria alma que o incomodavardquo (Wilde 2009 p 236)

Dorian culpava o retrato mas natildeo a si mesmo Ele lembrava de tudo menos do

seu assassinato Sobretudo Dorian lembrava de Hetty Merton uma pobre camponesa

39

seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 40: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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seu uacuteltimo amor Dorian acredita que ser bom bastava para impedir o quadro de mudar

Ironicamente o retrato natildeo envelhecera um dia ndash soacute mudara ldquoEle natildeo podia ver

alteraccedilotildees a menos nos olhos onde havia um olhar manhoso e na boca a ruga

encurvada do hipoacutecrita A coisa ainda era asquerosardquo (Wilde 2009 p 237 grifo meu)

A mancha tambeacutem se espalhara aumentando A vaidade parece ser a uacutenica que triunfa e

permeia todas as accedilotildees humanas poreacutem na realidade nos momentos cruciais ela pouco

importa A morte de Basil lhe parecia tatildeo pequena que ele natildeo a considerava um

pecado ldquoEra um espelho injusto este espelho de sua alma ao qual estava olhando

Vaidade Curiosidade Hipocrisiardquo (Wilde 2009 p 238)

A uacutenica prova contra ele era o retrato que deveria ser destruiacutedo Talvez se o

retrato tivesse sido destruiacutedo primeiro isto pouparia pessoas Ou talvez o crime natildeo eacute

algo que se instala na personalidade de algueacutem e simplesmente jaacute faz parte de sua

essecircncia ldquoFora a consciecircncia para ele Sim era a consciecircncia Ele o destruiriardquo (Wilde

2009 p 239) No fim ningueacutem quer estar consciente ndash quando a consciecircncia eacute

atingida logo quer esquecer-se dela

Dorian tinha uma vatilde pretensatildeo humana de matar o passado crendo que com isso

salvaria seu futuro ldquoComo tinha assassinado o pintor a faca mataria o trabalho do

pintor e tudo o que ele significavardquo (Wilde 2009 p 239) Dorian ateacute o final

permanece vatildeo Esfaquear o quadro foi a uacuteltima accedilatildeo (dramaacutetica) de Dorian O tio de

Sir Henry Ashton passava pela rua e contatara um policial

Natildeo fica claro que o Dorian morto estava velho Mas eacute como se quando os

empregados acharam o corpo estendido Dorian estivesse muito mais velho do que era

para estar absorvendo a essecircncia do quadro para fazecirc-lo durar em seu lugar O perfeito

substituto de si mesmo a arte Essa foi a sua verdadeira puniccedilatildeo Ele fora reconhecido

somente pelos aneacuteis como atualmente se reconheceria um corpo pelos ossos ndash tatildeo

40

superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 41: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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superficial cultuando a proacutepria beleza que no final soacute foi reconhecido pela sua

estrutura

Conclusatildeo do capiacutetulo

Conclui-se deste capiacutetulo que a praacutetica do escritor eacute um lanccedilar-se sobre o

destino humano as vidas particulares e nelas captar o que haacute de mais real O realismo eacute

a verdade dos detalhes a fiel reproduccedilatildeo de personagens tiacutepicos em situaccedilotildees tiacutepicas O

triunfo do realismo eacute quando o artista simultaneamente obedece e amplia as leis

universais dos gecircneros literaacuterios convenientemente de modo que torna a obra de arte

autecircntica A arte eacute realista quando ela eacute grande ou grandiosa

O artista confere ao seu modelo o sentimento de que o fim maacuteximo humano natildeo

eacute a morte mas sim a arte Retratado Dorian Gray eacute um modelo artiacutestica e

universalmente representado ndash um homem bonito segundo os padrotildees esteacuteticos na vida

social ele eacute somente Dorian Gray A arte pois torna-se capaz de imortalizar o homem

O artista produz para se ocultar na proacutepria arte ndash a arte eacute exposta ao passo que o

artista eacute escondido nela Eacute intenccedilatildeo do artista natildeo ser descoberto mas se ocultar Eacute

preciso deixar o retrato dominar-lhe por inteiro para entender seu verdadeiro efeito eacute

preciso deixar uma personalidade dominar sua alma para produzir arte

A literatura por si soacute eacute um meio de os homens perdurarem ao longo do tempo ndash

historicamente ndash e permanecerem no imaginaacuterio coletivo A literatura enquanto obra de

arte eacute como um quadro retratado sendo que no caso dela o homem se insere a fim de

durar mais do que sua proacutepria e mera existecircncia nela inserem-se a marca tanto do

artista quanto do objeto artiacutestico E eacute por isso que a arte acompanha o movimento

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 42: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

41

histoacuterico Afinal ldquoA vitalidade e a duraccedilatildeo de uma obra e dos tipos nela figurados

dependem em uacuteltima instacircncia da perfeiccedilatildeo da forma artiacutesticardquo (Lukaacutecs p 267)

Tambeacutem eacute objetivo da arte identificar aquilo que eacute pertencente ao gecircnero

humano no geral O papel do artista portanto deve ser o de redimensionar as formas de

arte O artista eficaz possui personalidade criadora e compromisso com a sua arte sendo

que sua arte ao provocar um efeito esteacutetico produz no sujeito receptivo uma ampliaccedilatildeo

um aprofundamento e uma elevaccedilatildeo de sua individualidade cotidiana (Lukaacutecs p 269)

Portanto a Arte eacute de extrema importacircncia pois enriquece a personalidade humana e tem

valor de forccedila evocadora

Um espelho serve para nos fazer lembrar A ironia maior da vaidade humana eacute

que soacute queremos nos lembrar de noacutes mesmos como autopreservados Daiacute entatildeo

valorizar o ideal esteacutetico claacutessico o qual superestima a juventude Mas captar somente a

juventude do sujeito natildeo eacute apreendecirc-lo em sua totalidade A arte que tambeacutem natildeo eacute

iacutentegra se degrada ao natildeo dar conta de sua totalidade O escritor que fizesse isso seria

vergonhosamente mentiroso Eacute da praacutetica do artista refletir as verdades da vida social e

tambeacutem desmascarar suas mentiras Eacute ainda desnudar plasticamente tendecircncias da

sociedade moderna Ser escritor eacute pois um ofiacutecio

42

CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 43: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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CAPIacuteTULO 2

O PROBLEMA DO REALISMO NA ARTE NA DECADEcircNCIA

IDEOLOacuteGICO-BURGUESA

Este capiacutetulo propor-se-aacute a fornecer um breve panorama do contexto histoacuterico-

social da eacutepoca em que O retrato de Dorian Gray foi composto considerando que o

mundo estava em iminecircncia de guerra Aqui seraacute destacado principalmente como estava

a questatildeo da arte na decadecircncia ideoloacutegico-burguesa Tambeacutem eacute objetivo deste capiacutetulo

tratar de algumas questotildees especiacuteficas dentro do romance de Oscar Wilde que ajudaratildeo

a um maior entendimento geral da obra

Historicamente a Insurreiccedilatildeo Parisiense de 1848 fez com que a burguesia

abandonasse na arte a perspectiva totalizante da abordagem do real Desta forma a arte

realista eacute desfavorecida sua criaccedilatildeo eacute dificultada As novas condiccedilotildees histoacutericas da

decadecircncia burguesa satildeo contraacuterias agrave arte Este periacuteodo eacute marcado pela passagem da

burguesia de uma classe revolucionaacuteria para uma decadente reacionaacuteria isto eacute

retroacutegrada que volta para traacutes e natildeo tem possibilidade de ir adiante A burguesia vai se

aderindo cada vez mais agrave aristocracia feudal que antes ela combatia

Na decadecircncia ideoloacutegica a realidade tende a se tornar evasiva e difiacutecil de ser

captada Para Lukaacutecs ldquoTambeacutem a decadecircncia burguesa apresenta em sua base esta

distorcida polarizaccedilatildeo do falso subjetivismo e do falso objetivismordquo (p 263) O contato

com a realidade eacute evitada pelos teoacutericos deste periacuteodo Ainda na decadecircncia ideoloacutegica

novas exigecircncias satildeo colocadas agrave personalidade intelectual e moral do escritor A arte

neste contexto vai se fechando em si mesma e se afastando cada vez mais da vida

Wilde fala com propriedade sobre as acusaccedilotildees pessoais sobre a forccedila assustadora da

nova autoridade preconceito estupidez hipocrisia e disparates Ser escritor na eacutepoca de

decadecircncia ideoloacutegica nas suas proacuteprias palavras

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 44: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

43

Eacute muito difiacutecil porque para satisfazer essas exigecircncias o artista teria

de escrever natildeo pelo prazer artiacutestico de escrever mas para o

entretenimento de pessoas semi-educadas e assim reprimir sua individualidade esquecer sua cultura destruir seu estilo e renunciar a

tudo que lhe seja precioso (WILDE 1996 p 30)

A arte possiacutevel soacute eacute realizada mediante a emoccedilatildeo frente a vida o que torna a arte

decadente contraditoacuteria uma vez que dominava na esfera da cultura uma ideologia do

teacutedio O decadentismo ideoloacutegico na sociedade burguesa faz surgir novas tendecircncias

literaacuterias contraacuterias agrave representaccedilatildeo do realismo em si que esta monografia pretende

defender Satildeo essas tendecircncias o Simbolismo e o Parnasianismo A sociedade

aristocraacutetica estava em decadecircncia pois ela torna-se tediosa a si mesma Sobre este

problema da decadecircncia ideoloacutegica - e tambeacutem acerca da contemplaccedilatildeo da arte neste

periacuteodo ndash explica bem Lukaacutecs

Somente as teorias idealistas e a praxis da arte contemporacircnea cada

vez mais destacadas da sociedade isolam ndash de acordo com o modelo oferecido pela vida da decadecircncia ndash a eficiecircncia esteacutetica do antes e do

depois para dizecirc-lo melhor elas concebem esta eficaacutecia como uma

embriaguez momentacircnea que no seu lsquodepoisrsquo (como tambeacutem no seu

lsquoantesrsquo) eacute rodeada por um mar de teacutedio infinito de abatimento depressivo (LUKAacuteCS ano p 273)

Eacute comum que houvesse certa degenerescecircncia moderna na arte agora

esmaecida jaacute pouco viva Esta crise sob a qual a arte estaacute submetida era periclitante e

foi fundamental para que fizesse Oscar Wilde pensar sobre e abordar em seu romance

possiacuteveis destinos da arte Wilde tambeacutem foi adepto da corrente do Esteticismo

primeiramente pensada por Walter Pater (professor de Esteacutetica em Oxford) Nela o belo

eacute a soluccedilatildeo contra tudo o que era decadente tudo o que denegria a sociedade da eacutepoca

Os valores esteacuteticos predominam na arte e para a elite em tudo na vida Este

pensamento influenciou toda uma nova de geraccedilatildeo de intelectuais e artistas britacircnicos

que pretendiam transformar o tradicionalismo vitoriano representando uma tendecircncia

44

de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 45: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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de vanguarda na arte O valor intriacutenseco da arte eacute o de cultuar a beleza ndash soacute haacute

esperanccedila pois naqueles que acham significados belos nas coisas belas Lorde Henry eacute

a personagem que encarna este pensamento ldquoVivemos em uma eacutepoca em que os

homens tratam arte como se fosse uma forma de autobiografia Perdemos o senso

abstrato de belezardquo (Wilde 2009 p 29)

No capitulo 1 foi mencionado o famoso prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo de O retrato

de Dorian Gray revisada pelo autor e publicada em abril de 1891 pela Ward Lock and

Bowden company Tambeacutem jaacute foi mencionado que este prefaacutecio funcionou como um

Manifesto ao Esteticismo Neste prefaacutecio diz Wilde - em uma bela frase que poderia

sintetizar seu romance ndash que ldquoO oacutedio do seacuteculo XIX pelo realismo eacute a raiva de Calibatildeo

ao ver o seu proacuteprio rosto em um espelhordquo (Wilde 2009 p 11) Em outros termos

muito se acusa na sociedade dos erros que natildeo se admitem ou se reconhecem em si

proacuteprios sendo que neste caso a feiura seria considerada um erro ou um defeito

Remontando um pouco a tradiccedilatildeo inglesa seraacute agora aqui tratada a relaccedilatildeo de

Shakespeare no seu drama A tempestade com o proacuteprio O retrato de Dorian Gray

Miranda era filha de Proacutespero (real duque de Milatildeo que fora trapaceado pelo proacuteprio

irmatildeo) e lamenta a pobre da humanidade que perece jaacute logo no iniacutecio da peccedila pois

todos naufragam e iratildeo parar em uma ilha Sicorax eacute uma bruxa argeliana que morreu e

aprisionou o espiacuterito de Ariel por 12 anos nesta ilha Calibatilde eacute seu filho ldquoum mostrengo

manchado ndash forma humana nenhuma a enobreciardquo (p 25) Discursos sobre destino

efemeridade e beleza estatildeo presentes nesta obra teatral escrita de 1610 para 1611

Calibatilde eacute um ser maligno terriacutevel e que soacute sabe praguejar ldquoA falar me ensinastes em

verdade Minha vantagem nisso eacute ter ficado sabendo como amaldiccediloarrdquo (p 29) Na

condiccedilatildeo ele eacute explorado por Proacutespero que o manda pegar lenha mesmo tendo em

casa Ningueacutem levava Calibatilde a seacuterio ndash o chamavam de peixe de monstro ingecircnuo

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 46: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

45

democircnio de monstro-criado bezerro da lua como um animal a ser domesticado ndash e

que depois de becircbado extremamente ridiacuteculo Calibatilde almadiccediloava mas era ele mesmo

o maior amaldiccediloado Nestes termos nada melhor do que Calibatilde para representar uma

sociedade degradada

A grande discussatildeo de O retrato de Dorian Gray eacute sobre a arte Na realidade ela

que acaba por ser a protagonista a personagem central da trama Quem permanece

eternamente bela eacute a Arte enquanto sua proacutepria produtora humana se degrada Em um

determinado momento do romance Dorian lecirc a obra do poeta francecircs Gautier Emaux et

cameacutees que traduzido significa Esmaltes e camafeus Jaacute logo no poema do prefaacutecio

Gautier estabelece diaacutelogo com um cacircnone ocidental Goethe Nisami Shakespeare

Weimar Hafiz ldquoMoi jrsquoai fait Eacutemaux et Cameacuteesrdquo1 (Gautier 1911 p 1) No poema

Affiniteacutes secregravetes fala-se da sociedade aacutetica que perdura por mais de trecircs mil anos

Temas como morte escultura mitologia juventude tempo e a proacutepria poesia satildeo

dominantes no livro como um todo No poema Contralto encontram-se os versos

ldquoOn voit dans le museacutee antique

Sur un lit de marbre sculpteacute

Une statue eacutenigmatique

Drsquoune inquieacutetante beauteacute

Est-ce un jeune homme Est-ce une femme

Une deacuteesse ou bien un dieu

Lrsquoamour ayant peur drsquoecirctre infacircme

Heacutesite et suspend son aveu

1 ldquoQuanto a mim eu faccedilo o Esmaltes e camafeusrdquo (traduccedilatildeo minha) Uma referecircncia agrave sua proacutepria obra e

se inserindo ele tambeacutem no cacircnone ocidental

46

(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 47: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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(hellip)

Chimegravere ardente effort suprecircme

De lrsquoart et de la volupteacute

Monstre charmant comme je trsquoaime

Avec ta multiple beauteacute (GAUTIER 1911 p 51-52 grifo meu)2

Outro poema importante seria o Le monde est meacutechant (Gautier 1911 p 91-93)

com um mote repetido ldquoLe monde est meacutechant ma petiterdquo3 soando como a voz de

Lorde Henry aconselhando uma geraccedilatildeo mais nova O poema mais importante desta

obra talvez seria aquele que a encerra intitulado ele proacuteprio LrsquoArt Dele retira-se estes

versos na iacutentegra

Oui lrsquooeuvre sort plus belle

Drsquoune forme au travail

Rebelle

Vers mabre onys eacutemail

Point de contraintes fausses

2 ldquoA gente vecirc no museu antigo

Sobre um leito de maacutermore esculpido

Uma estaacutetua enigmaacutetica

De uma beleza inquietante

Seraacute que eacute um homem ou uma fecircmea

Uma deusa ou bem um deus

O amor tiveram medo de secirc-lo infame

Hesita e suspende a sua confissatildeo

Quimera ardente esforccedilo supremo

Da arte e da voluacutepia

Monstro charmoso como eu te amo

Com a sua muacuteltipla beleza (traduccedilatildeo minha)

Temas como beleza e voluacutepia satildeo constantes em ambas as obras Dorian enquanto lia este livro se

apropriava dessa realidade tambeacutem 3 ldquoO mundo eacute perverso minha pequenardquo (traduccedilatildeo minha)

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Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

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Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

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Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

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Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

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natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

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Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

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CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

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No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 48: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

47

Mais que pour marcher droit

Tu chausses

Muse um cothurne eacutetroit

Fi du rhythme commode

Comme um soulier trop grand

Du mode

Que tout iper quitte et prend

Statuaire repousse

Lrsquoargile que peacutetrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs lrsquoesprit

Lutte avec le carrare

Avec le paros dur

Et rare

Gardiens du contour pur

Emprunte aacute Syracuse

Son bronze ougrave fermement

Srsquoaccuse

Le trait fier et charmant

Drsquoune main deacutelicate

Poursuis dans un filon

Drsquoagate

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 49: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

48

Le profil drsquoApollon

Peintre fuis lrsquoaquarelle

Et fixe la couleur

Trop frecircle

Au four de lrsquoeacutemailleur

Fais les siregravenes bleues

Tordant de cent faccedilons

Leur queues

Les monstres des blasons

Dans son nimble trilobe

La Vierge et son Jeacutesus

Le globe

Avec la croix dessus

Tout passe ndash Lrsquoart robuste

Seul a lrsquoeacuteterniteacute

Le buste

Survit agrave la citeacute

Et la meacutedaille austegravere

Que trouve um laboureur

Sous terre

Reacutevegravele um empereur

49

Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 50: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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Les dieux eux-mecircmes meurent

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains

Sculpt lime cisegravele

Que ton recircve flottant

Se scelle

Dans le bloc reacutesistant (GAUTIER 2011 p 220-226)

Se a traduccedilatildeo deste poema for feita perde-se a sua essecircncia Basta e cabe aqui

explicar que ele comeccedila falando que a obra de arte eacute um trabalho belo e rebelde natildeo

importando qual seja sua forma ndash verso maacutermore estaacutetua muacutesica (ritmo) argila

Infere-se da uacuteltima estrofe uma criacutetica feroz ao Parnasianismo jaacute mencionado neste

mesmo capiacutetulo que era uma vertente literaacuteria da decadecircncia ideoloacutegica que se

propunha a trabalhar o verso ardorosamente esculpindo-o como se fosse escultura

limando-o como se fosse limalha como se a verdadeira arte requisesse um aacuterduo e bruto

trabalho para se viabilizar

Tomando a proacutepria obra de O retrato de Dorian Gray como exemplo Dorian foi

tragado por uma sociedade corrompida Lorde Henry tem a responsabilidade de

mediatizar as relaccedilotildees de Dorian com esta sociedade Por fim Gray acaba visitando

bairros pobres e de classes baixas de Londres demonstrando as contradiccedilotildees citadinas

provenientes das transformaccedilotildees sociais Daiacute pois a importacircncia do tratamento

dialeacutetico aqui abordado uma vez que Dorian Gray eacute uma siacutentese de vaacuterias classes

sociais britacircnicas coexistentes

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

Page 51: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

50

Para Lukaacutecs uma arte que pretendesse desconsiderar a estrutura de classe de sua

sociedade seria destruiacuteda como tal Nesta perspectiva Wilde apresenta sim consciecircncia

da divisatildeo de classes dentro do acircmbito de conteuacutedo nacional no caso inglecircs Aleacutem do

mais curiosamente e O retrato de Dorian Gray personagens de classes menos

desfavorecidas que Dorian Gray se cruzassem seu destino pareciam sucumbir ndash Sybil

a camponesa Hetty Merton e ateacute mesmo seu amigo artista Basil Todos eles inclusive o

proacuteprio Dorian morrem de uma maneira que pode ser chamada de traacutegica Ironia maior

seria pensar que o proacuteprio Oscar Wilde tivera uma morte prematura e traacutegica agravada

pela crise de meningite sozinho em um quarto de hotel

Acerca do conceito do traacutegico na sociedade moderna usa-se aqui como

referencial teoacuterico Raymond Williams (2002) que destaca o seguinte ldquoa accedilatildeo traacutegica se

caracteriza por uma transformaccedilatildeo que ocorre em estados mundanos e eacute explicitamente

referida a uma alta posiccedilatildeo socialrdquo (p 41 grifos meus) e ainda ldquoA questatildeo da

influecircncia em literatura eacute imensamente intrincada mas o que importa para a ideia de

trageacutedia eacute essa ecircnfase sobre a queda de homens famosos num sentido geralrdquo (p 42

grifos meus) Ambos estes aspectos podem ser relacionados agrave vida de Dorian Gray

Talvez quando Dorian fora pintado fosse o seu objetivo querer eternizar a apreciaccedilatildeo

que a sociedade sentia por ele naquele momento Poreacutem ele mudara na vida natildeo seria

justo permanecer o mesmo na arte Dorian Gray era outrora um exemplo imaculado em

uma eacutepoca soacuterdida e sensual poreacutem tornara-se para a sociedade algo vil e degradado ndash

talvez seria Dorian o proacuteprio reflexo da sociedade

A trageacutedia na sua acepccedilatildeo claacutessica a trageacutedia eacute um ponto de intersecccedilatildeo entre a

tradiccedilatildeo e a experiecircncia e eacute siacutembolo da continuidade da tradiccedilatildeo Greco-cristatilde enquanto

uma atividade comum Da filosofia traacutegica grega ela estaacute atrelada ao Destino agrave

Necessidade agrave natureza dos Deuses ndash portanto aos mais profundos questionamentos e agrave

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 52: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

51

natureza do mito Contudo a trageacutedia eacute ressignificada e tambeacutem pode representar neste

sentido uma mudanccedila de curso da ecircnfase da felicidade para a infelicidade da

prosperidade para a adversidade Aleacutem do mais ela pode provocar arrependimento uma

vez que a moralidade humana natildeo eacute estaacutetica por mais que o cinismo de Lorde Henry

tente afirmar que a verdadeira natureza do homem eacute invariavelmente maacute Para ele

particularmente o homem moderno vivenciaria e suportaria tanto a maldade que

acabaria por se apropriar dela Para Lorde Henry seria o pecado a fonte de salvaccedilatildeo na

modernidade contra um massivo teacutedio da sociedade decadente Raymond teoriza que o

erro do heroi moderno eacute mesmo necessariamente moral mas que ndash sendo um erro ndash eacute

passiacutevel de contriccedilatildeo

E eacute aqui que Dorian Gray se encontra na sua crise de moralidade E assim a

funccedilatildeo da trageacutedia moderna pode tambeacutem ser considerada como uma identificaccedilatildeo ndash

uma trageacutedia que eacute individual torna-se tambeacutem coletiva pois um destino humano que eacute

tiacutepico eacute revivido por meio de emoccedilotildees e paixotildees humanas

Mas limitada a um modo particular de ver o sucesso e o insucesso no

mundo a ecircnfase moral tornou-se meramente dogmaacutetica e mesmo o arrependimento e a redenccedilatildeo assumem a caracteriacutestica de ajustamento

Como tal aquilo que foi intencionado como uma ecircnfase moral de um

tipo bastante tradicional tornou-se uma ideologia a ser imposta sobre a

experiecircncia e a mascarar os mais difiacuteceis reconhecimentos da vida real (WILLIAMS 2002 p 53)

O sentido da accedilatildeo traacutegica estaacute na morte e no renascimento ciacuteclicos e a morte do

antigo eacute o triunfo do novo Tudo isso corresponde a um sentido traacutegico que natildeo

representasse puro sofrimento e desespero mas uma renovaccedilatildeo de energia para

estabelecimento de uma nova ordem Desta forma O retrato de Dorian Gray pode ser

fonte de ricas reflexotildees artisticamente revolucionaacuterias

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out

2013

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de Janeiro Ediouro 2006

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2006

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WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 53: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

52

Dorian morre para renascer na arte morre para que ela pudesse triunfar A morte

natildeo eacute tida como finalidade mas como mediaccedilatildeo para uma possiacutevel transformaccedilatildeo ou

ateacute mesmo ressurreiccedilatildeo de Dorian que acaba por se transformar em um mito moderno

A vida dele se tornara traacutegica com accedilotildees e reaccedilotildees que afetavam todos ao seu redor Era

um caos absoluto e incontrolaacutevel que parecia se estabelecer na sua proacutepria vida O

desfecho eacute traacutegico inconcebiacutevel ateacute

Entatildeo haacute o questionamento depois da trageacutedia o que seraacute feito do quadro de

Dorian Ele seria leiloado Vai para o museu A pergunta maior estaacute por se formar ndash

qual eacute o destino da arte na sociedade burguesa senatildeo ser ostentada na parede de retratos

de famiacutelia Seraacute a arte esquecida ou recuperada Em termos de conservaccedilatildeo um quadro

poderia passar por vaacuterias situaccedilotildees que comprometeria sua estrutura como desastres

naturais roubos mal acondicionamento Dorian Gray foi retratado com um objetivo de

se tornar arte e por isso durar porque enquanto humano ele natildeo podia durar Se esse

quadro fosse capaz de permanecer ao longo do tempo esse objetivo seria alcanccedilado

Seu quadro foi fictiacutecio mas o livro foi publicado em 1890 e ateacute hoje estaacute em circulaccedilatildeo

E se no lugar do livro fosse um quadro efetivamente que tivesse sido feito No entanto

o que foi escrito foi um livro que natildeo soacute dura ateacute hoje como permanece extremamente

atual Enquanto que o livro eacute publicado em uma grande tiragem sendo que existem

vaacuterios exemplares enquanto que para o quadro soacute existe um tornando-o irreprodutiacutevel

de acordo com a visatildeo benjaminiana Uma vez que um quadro eacute perdido ele torna-se

irrecuperaacutevel ldquoPois um quadro e uma estaacutetua natildeo estatildeo em luta contra o Tempordquo

(Wilde 1996 p 37)

Agrave luz do que foi contemplado O retrato de Dorian Gray pode ser considerado

um apelo direto agrave humanidade em uma eacutepoca em que a sociedade tornara-se ela mesma

desumanizada em um meio social que homem e humanidade tornam-se estranhos a si

53

mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out

2013

BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

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Dezembro de 2013

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mesmos tornam-se desvinculados entre si Um pensamento certo de Lorde Henry seria

ldquoHoje em dia as pessoas sabem os preccedilos de tudo e o valor de nadardquo (Wilde 2009 p

61) pois era uma eacutepoca na qual soacute as coisas supeacuterfluas eram necessaacuterias

A arte autecircntica representa o desenvolvimento da humanidade do velho em

direccedilatildeo ao novo do tradicional ao moderno ldquoA eficaacutecia da grande arte consiste

precisamente no fato de que o novo o original o significativo obteacutem a vitoacuteria sobre as

velhas experiecircncias do sujeito receptivordquo (Lukaacutecs p 272) O proacuteprio Cromwell tomou

emprestada a linguagem do Velho Testamento para implantar na sua revoluccedilatildeo inglesa

Mesmo numa crise revolucionaacuteria quando eacute necessaacuterio criar algo que jamais existiu os

espiacuteritos do passado satildeo tomados pois ldquoOs homens fazem sua proacutepria histoacuteria mas natildeo

a fazem como querem natildeo a fazem sob circunstacircncias de sua escolhardquo (Marx 1997 p

21)

Neste ponto uma discussatildeo acerca do socialismo faz-se necessaacuteria Soacute com o

surgimento do socialismo e de uma sociedade que eacute objetiva e concretamente sem

classes eacute que esses problemas seriam resolvidos cuja soluccedilatildeo seria incentivada por essa

humanidade unitaacuteria Para Raymonds (2002) ldquoO inteiro pertencimento agrave sociedade eacute a

capacidade de conduzir uma determinada sociedade por meio de muacutetua e ativa

responsabilidade e cooperaccedilatildeo tendo como elemento baacutesico uma igualdade social

completardquo (p 106)

Somente a partir daiacute eacute que a sociedade cria o seu ponto de partida

revolucionaacuterio As revoluccedilotildees burguesas tecircm vida curta ldquoPor outro lado as revoluccedilotildees

proletaacuterias como as do seacuteculo XIX se criticam constantemente a si proacutepriasrdquo (Marx

1997 p 25)

O proacuteprio Wilde ensaia sobre o Socialismo e ele eacute contemporacircneo de Karl

Marx O panorama soacutecio-histoacuterico da eacutepoca natildeo tem como ser ignorado Na obra A

54

alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out

2013

BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

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Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

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alma do homem sob o socialismo (Wilde 1996) o autor disserta sobre vaacuterios assuntos

Critica homens ricos que iam agrave East End um polo na sociedade inglesa do seacuteculo XIX

que abrigava o excedente populacional pobre pois essa caridade forccedilada era simulacro

e por isso degradava e desmoralizava Com o socialismo ldquoCada cidadatildeo iraacute

compartilhar da prosperidade e felicidade geral da sociedaderdquo (Wilde 1996 p 16) e

tudo isso conduziria ao individualismo no sentido de substituir a competiccedilatildeo pela

cooperaccedilatildeo restituindo agrave sociedade sua condiccedilatildeo de organismo inteiramente sadio e de

bem-estar material Wilde expotildee claramente sua opiniatildeo ldquoUm homem natildeo deveria estar

pronto a mostrar-se capaz de viver como um animal mal alimentado Deveria recusar-

se a viver assimrdquo (Wilde 1996 p 18 grifo meu) O autor julgava que a exploraccedilatildeo era

lamentaacutevel inadmissiacutevel

A admissatildeo da propriedade privada de fato prejudicou o

Individualismo e o obscureceu ao confundir o homem com o que ele possui Desvirtuou por inteiro o Individualismo Fez do lucro e natildeo

do aperfeiccediloamento o seu objetivo De modo que o homem passou a

achar que o importante era ter e natildeo voiu que o importante era ser A

verdadeira perfeiccedilatildeo do homem reside natildeo no que o homem tem

mas no que o homem eacute A propriedade privada esmagou o

verdadeiro Individualismo e criou um Individualismo falso

(WILDE 1996 p 20 grifo meu)

Por fim na sociedade inglesa a propriedade privada representa o direito agrave

cidadania plena O objetivo do homem eacute o acuacutemulo de riqueza por isso ele eacute exaustivo

tedioso Neste sentido as personalidades inseguras viam-se obrigadas a se rebelar e

quando a verdadeira personalidade do homem for possiacutevel de ser vislumbrada bens

materiais natildeo mediratildeo seu valor A personalidade humana prescinde da propriedade

privada O homem eacute completo em si mesmo ndash e eacute isso o que Jesus tambeacutem pregava

Natildeo ser outro senatildeo si mesmo perfeita e integralmente sem uma imposiccedilatildeo soacuterdida de

viver para outrem O artista se aproxima de Cristo pois na sua missatildeo eleva o que haacute de

55

melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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2013

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histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

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Paulo Editora Landmark 2009

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65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 56: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

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melhor em si sem que a grosseira barbaacuterie fosse alimentada ldquoEacute portanto por meio do

Socialismo que atingiremos o Individualismo Como uma consequecircncia natural o

Estado deve abandonar toda ideia de governo () Todas as formas de governo estatildeo

destinadas ao fracassordquo (Wilde 1996 p 25 grifo meu) Se as maacutequinas fossem

propriedades de todos ningueacutem competiria por elas e todos se beneficiariam delas em

vez de serem escravizados por ela

O homem iraacute se matar por excesso de trabalho com o fim de garantir a

propriedade o que natildeo eacute de surpreender diante das enormes

vantagens que ela oferece Eacute de lamentar que a sociedade construiacuteda nessas bases force o homem a uma rotina que o impede de

desenvolver livremente o que nele haacute de maravilhoso fascinante e

agradaacutevel ndash rotina em que de fato perde o prazer verdadeiro e a

alegria de viver (WILDE 1996 p 20-21 grifo meu)

Concluindo ldquoUma obra de arte eacute o resulado singular de um temperamento

singular A Arte eacute a manifestaccedilatildeo mais intensa de Individualismo que o mundo

conhecerdquo (Wilde 1996 p 28) E tambeacutem estaacute eacute a grande funccedilatildeo da arte na decadecircncia

ideoloacutegica ldquoNisto reside seu grande valor pois o que procura subverter eacute a monotonia

do tipo a escravidatildeo do costumeiro a tirania do habitual e a reduccedilatildeo do homem ao niacutevel

da maacutequinardquo (Wilde 1996 p 30) O artista deveria cria a obra de arte para a sua

proacutepria satisfaccedilatildeo de mais ningueacutem e por isso dispensar qualquer governo Enfim o

novo Individualismo eacute o novo Helenismo

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CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

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Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

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Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out

2013

BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 57: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

56

CAPIacuteTULO 3

O REFLEXO OBJETIVO DA REALIDADE

Este capiacutetulo teraacute como objetivo fazer uma breve recapitulaccedilatildeo do que jaacute foi

abordado ateacute entatildeo nesta monografia e concluir apresentando um apanhado da vida do

autor do livro O retrato de Dorian Gray Oscar Wilde evidenciando o que contribuiu

para a formaccedilatildeo do seu pensamento esteacutetico Por isso Wilde eacute considerado parte do

cacircnone da literatura ocidental e a escolha aqui desta obra foi por designar tamanha

importacircncia Esta monografia serve para demonstrar a dialeacutetica que esta obra literaacuteria

propicia sobretudo no que tange agrave sua atualidade porque os problemas do passado

continuam sendo muito atuais

As implicaccedilotildees de Oscar Wilde ainda continuam muito atuais pelo fato de que

ele foi bem sucedido na sua praacutetica de escritor tendo a capacidade de se projetor para o

futuro Sua obra literaacuteria tem heranccedila operante no presente O autor apropria-se de uma

linguagem que ainda eacute comum hoje em dia ndash fluida e cheia de aforismos

O retrato de Dorian Gray eacute um livro que expotildee mais do que a relaccedilatildeo com a

vida com a morte com o medo de envelhecer ndash eacute um livro que aborda uma reflexatildeo

acerca do destino traacutegico da arte que na eacutepoca da decadecircncia ideoloacutegica estaacute

extremamente ameaccedilada O artista se vecirc em um contexto que para atingir alguma

mudanccedila efetiva na situaccedilatildeo era preciso passar agrave frente da proacutepria realidade e

convencecirc-la a se modificar senatildeo a humanidade caminharia em um sentido inverso e

retroacutegrado isto eacute reacionaacuterio

As opiniotildees de Wilde expotildeem golpes contra a hipocrisia artiacutestica inglesa A arte

inglesa era pretensiosa e tediosa a seu ver A obra de arte na Era Vitoriana parecia

repercutir no puacuteblico somente quando era imoral pois assim se fugia da realidade No

prefaacutecio agrave segunda ediccedilatildeo Wilde jaacute ressaltou ldquoNatildeo existem fatos morais ou imorais em

um livro Os livros satildeo apenas bem ou mal escritosrdquo (Wilde 2009 p 11) o que remete

a uma interpretaccedilatildeo que se um autor quer escrever um livro imoral em uma sociedade

massivamente moral basta somente que o talento esteja refletido na sua praacutetica de

escritor

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out

2013

BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 58: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

57

Em O retrato de Dorian Gray a obra eacute o que resta do homem ndash o quadro eacute a

permanecircncia tanto do artista quanto de seu modelo O iacutecone do realismo Gustave

Flaubert escreveu uma vez para Georges Sand ldquoLrsquohomme crsquoest rien Lrsquoouvre est tout4rdquo

Uma boa frase que tudo explicaria em Dorian Gray sendo que o romance de Wilde fala

de forma geral sobre a durabilidade das coisas natildeo soacute da arte quanto da proacutepria vida

humana e do medo que assola os indiviacuteduos perante a proacutepria efemeridade O realismo

enquanto periacuteodo literaacuterio reflete uma eacutepoca muito preocupada e atormentada pela ideia

da morte Na era do capitalismo as coisas satildeo valiosas justamente por natildeo serem

duraacuteveis ou duradouras Tudo era decadecircncia No fim o que resta do artista eacute sua arte

assim como o que resta do homem eacute sua humanidade isto eacute suas accedilotildees (ou praacuteticas)

realizadas em vida Ou tudo que resta eacute uma imagem ou um retrato ndash algo a ser fixado

na parede para ser lembrado menos como arte mais como ostentaccedilatildeo A verdadeira

trageacutedia moderna eacute a da arte e eacute natural que entre os artistas e os pensadores haja

devidas preocupaccedilotildees ou esperanccedilas em torno do destino da arte

O resto que nos eacute deixado serve como uma heranccedila histoacuterica que dependendo

do uso nas futuras geraccedilotildees podem significar progresso ou retrocesso O perigo que

recai sob a arte e os homens na decadecircncia ideoloacutegica eacute estarem fadados a morrerem

abandonar sua alma e sua aura e natildeo mais continuar natildeo mais disseminar conhecimento

entre as geraccedilotildees A arte neste sentido representa uma forma de receptaacuteculo de

salvaguardar o pensamento humano para que ele possa ser transmitido como o proacuteprio

Wilde alega ldquoNatildeo haacute nada que a arte natildeo possa expressarrdquo (Wilde 2009 p 27) A arte

pois torna-se capaz de imortalizar o homem

Ainda eacute tema em O retrato de Dorian Gray temas como ainda perdura o

classicismo na arte sobretudo na sociedade aristocraacutetica Por isso teve lugar de destaque

nesta monografia verificar como que a mitologia permeia tudo ainda hoje Concepccedilotildees

de trageacutedia fazem-se necessaacuterias Tomando por base a civilizaccedilatildeo grega acreditava-se

no conceito helecircnico e pessimista de trageacutedia instaurado pela Moira (Mοῑρα) Pois no

grego a mesma palavra para ldquofatordquo ou ldquoacontecimentordquo abarca em si uma noccedilatildeo de

fatalismo fatalidade ou destino O consenso literaacuterio eacute que o destino humano a ser

cumprido era sofrer e morrer

4 ldquoO homem natildeo eacute nada a obra eacute tudordquo Traduccedilatildeo minha

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out

2013

BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 59: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

58

No fatalismo poreacutem as nossas acccedilotildees natildeo estatildeo determinadas como

aneacuteis duma mesma cadeia relacionadas entre si como antecedente e

consequente Pode suceder que as nossas acccedilotildees sejam conformes

mas tambeacutem que sejam contraacuterias aos nossos desejos A necessidade

exterior que impende sobre noacutes eacute tatildeo forte que pode anular todos os

esforccedilos que fazemos para nos libertarmos (FREIRE 1969 p 21)

Dorian fora tatildeo influenciado por Henry a ponto de natildeo mais conseguir controlar

seu destino Sua vida escapara-lhe pelas suas proacuteprias matildeos Sua vida e sua morte foram

traacutegicas mas porque tambeacutem a sociedade eacute traacutegica Trageacutedia era o que melhor definia a

crise capitalista naquela eacutepoca miseacuteria nas ruas povo morrendo de fome Imunes a isto

a burguesia na qual Dorian se inseria vivia sua vida de futilidades Poreacutem Dorian

conhece Sybil Vane e outra realidade Sybil era escolhida para representar comeacutedias ou

trageacutedias de Shakespeare mas na vida real pouca escolha ela tinha Dorian conhece

antes Lorde Henry que acaba por contaminaacute-lo dentro de sua proacutepria classe social

A anaacutelise de Dorian Gray deve ser baseada no modo de representaccedilatildeo artiacutestico-

realista uma vez que a o artista para captar efeitos na sua arte serve-se da realidade ao

seu redor Dorian pecou porque invejou a proacutepria realidade do quadro que ele julgava

ser melhor que a dele Quando Dorian conhece Lorde Henry eacute facilmente influenciado

e manipulado por ele Agraves vezes quando olhava para o quadro e o via diferente era soacute

alucinaccedilatildeo produto da vida desregrada que Lorde Henry o proporcionava A vida que

ele levava o envelheceu mesmo precocemente Natildeo era necessaacuterio o retrato mudar para

Dorian ir lentamente apodrecendo por dentro Dorian entusiasmado por Lorde Henry

devotou uma vida ao prazer mas prazer natildeo eacute felicidade Prazer eacute fugaz como tinta em

uma tela se natildeo for conservada Na arte e na vida surge um imperativo de preservaccedilatildeo

frente agrave uma sociedade que natildeo valorizava isso ldquoO instinto mais forte do homem eacute o

instinto da conservaccedilatildeo o desejo de viverrdquo (Freire 1969 p 45) Em um mundo que

natildeo se importa importar-se eacute fundamental ndash eacute o diferencial Lorde Henry era uma

homenagem aos desejos de mocidade exagerada de Wilde

A proacutepria vida de Oscar Wilde foi considerada ldquouma das legendas traacutegicas de

nosso tempordquo (Broad 1970 p 11) O escacircndalo associado agrave sua vida pessoal era ter-se

relacionado com Sir Alfred Douglas ndash homossexualmente ou natildeo ndash filho do Marquecircs

de Queensberry quem o caccedilou judicialmente Fora O retrato de Dorian Gray que os

aproximara em vida em 1891 (apenas um ano depois da publicaccedilatildeo do livro) pois Sir

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out

2013

BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

Page 60: O retrato de Oscar Wilde: paradigmas de um autor que nunca ... · O retrato de Dorian Gray foi uma obra encomendada, a * Os termos aqui destacados estão passíveis a maiores pesquisas

59

Douglas leu e ficou impressioando com a obra Quando o livro fora publicado Wilde

respondeu a seacuterias criacuteticas dos grandes jornais da eacutepoca St James Gazette Daily

Chronicle e Scotrsquos Observer

Assim a trageacutedia que Wilde escrevia para o teatro fizeram do artista uma

proacutepria viacutetima Pensando assim Wilde uma fez proferira ldquoHaacute duas trageacutedias na vida

uma a de natildeo satisfazermos os nossos desejos a outra a de os satisfazermosrdquo Isto

evidencia que o autor em si tinha uma concepccedilatildeo de que a vida independente do

caminho escolhido continua-se por se mostrar traacutegica

O homem embriagado pelo espetaacuteculo de seu proacuteprio brilho eacute uma

figura por demais conhecida de todo o mundo mas as trilhas tortuosas

que tais homens geralmente seguem habitualmente apresentam um

precircmio opulento que os atrai Para Oscar Wilde natildeo havia nada senatildeo

o aceno da matildeo do destino decidida a esmagaacute-lo Que ele com suas

aberraccedilotildees tivesse se iludido ao ponto de enfrentar um pai enfurecido

perante um juacuteri britacircnico eacute um ato de loucura tatildeo incriacutevel como a

traiccedilatildeo de Lorde Scroop5 Todas as circunstacircncias daqueles quarenta

anos de vida devem ser analisadas para compreendermos como

quando o mundo parecia aos seus peacutes voluntariamente se envolveu na

cataacutestrofe de sua carreira colhido conforme a sua proacutepria expressatildeo

pela insidiosa trama do destino (BROAD 1970 p 23)

Ironicamente Wilde ele proacuteprio foi um estudioso do Helenismo ldquoWilde em

Portora de 1864 a 1871 estabeleceu as bases de sua formaccedilatildeo claacutessicardquo (Broad 1970

p 37) No coleacutegio Trinity em Dublin Wilde conhece o vice-reitor Reverendo John

Pentland Mahaffy o maior helenista da eacutepoca A amizade com Walter Pater jaacute

mencionado aqui nesta monografia tambeacutem foi essencial

Walter Pater foi a outra e mais decisiva influecircncia dos seus dias de

Oxford () Mas em 1870 saudavam o apoacutestolo de um novo

evangelho da beleza nesse homem pequeno com uma face de pedra

um chapeacuteu alto e luvas de couro de poro que Max (Beerbohm)

5 Scroope ou Scrope aleacutem de ter sido uma personagem histoacuterica aparece na obra Henry V de

Shakespeare cujo nome eacute muito significativo para este trabalho

60

considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out

2013

BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

65

Direitos autorais SIGNORELLI Luana 2013 reg

Tipografia utilizada Times New Roman (corpo do texto)

Tamanho 12

Dezembro de 2013

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considerava tatildeo discordantes Pater pregava a arte pela arte o dever de

aceitar o que a experiecircncia pudesse oferecer em sensaccedilotildees novas e

momentos de grande intensidade Vivia soturnamente num quarto com

uma austeridade de monge lamentando sua proacutepria falta de beleza

(BROAD 1970 p 48 grifo meu)

Walter Pater que ironicamente era um homem feio surgiu com uma nova

tendecircncia de pensamento que valorizava a beleza acima de tudo A beleza devia guiar os

caminhos da arte segundo o seu dogma Nestes termos era necessaacuterio que a arte natildeo

mais se vinculasse agrave moral vitoriana agrave qual ela estava tatildeo ferrenhamente ligada Oscar

Wilde tambeacutem fez carreira no Esteticismo foi professor

Uma outra importante amizade na vida de Oscar Wilde foi o pintor Whistler

ldquoSeu contato com o pintor dilatou-lhe o quadro de ideias fato essencial para o expoente

do Esteticismordquo (Broad 1970 p 80) Wilde era um rapaz de Oxford cuja companhia

Whistler apreciava enquanto pintava Depois da boemia parisiense o pintor se

estabelecera em Londres Whistler era a proacutepria arte Poreacutem eles brigaram e a amizade

natildeo acabou bem O primogecircnito de Wilde se chamava Cyril o que eacute muito proacuteximo de

Sybil personagem fictiacutecia criada pelo autor Pode ter servido de influecircncia tambeacutem a

Oscar Wilde a novela do escocecircs Robert Louis Stevenson publicada em 1886 e

intitulada Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde uma histoacuteria de um meacutedico que

acreditava que o bem e o mal habitavam coexistentemente todas as pessoas Tratava-se

tambeacutem de uma histoacuteria sobre dupla personalidade

Wilde falecera no Hotel drsquoAlsace Sua vida conturbada natildeo deixou soacute inimigos

mas sim amigos iacutentimos e fieis Um deles Robert Ross estivera com ele presente ateacute a

cerimocircnia de sua sepultura Fora em sua revista que fora publicado A alma do homem

sob o socialismo e os eu amigo dotava a seguinte opiniatildeo sobre esta obra

Eacute certo que Oscar natildeo tinha profundo conhecimento do socialkismo e

muito menos do fato de que uma bem equilibrada corporaccedilatildeo

socialista ou cooperativista regeria todas as ocusas de utilidade

puacuteblica e os serviccedilos puacuteblicos deixando ao mesmo tempo o indiviacuteduo

exercer todos os ramos de atividade que estivessem ao alcance de suas

forccedilas Mas o talento de Oscar era de tal natureza que apoacutes haver

apreciado um dos aspectos de um problema compreendia dever-se

igualmente ocupar do outro aspecto e desta forma obtemos dele se

61

natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

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REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out

2013

BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

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natildeo a ideia de um estado bem ordenado pelo menos noccedilotildees de

supreendente verdade e valor (HARRIS 1956 p 434)

Agrave luz dos tracircmites na vida social de Oscar Wilde eacute assim que a teoria que aqui

tentou ser comprovada foi de que a arte eacute o reflexo objetivo da realidade A praacutetica do

escritor como tal deve ser retratar a realidade objetiva Tanto o pintor ficctiacutecio Basil ou

um outro qualquer real quanto o escritor Oscar Wilde para produzirem a sua arte

primeiro colocam tudo em perspectiva A teoria da verdade objetiva na arte diz que a

arte eacute uma forma peculiar de reflexo da realidade objetiva A arte reflete a realidade

objetiva Toda praacutexis ndash ou praacutetica ndash entra em iacutentima conexatildeo com uma teoria que media

a consciecircncia humana Para que o realismo triunfe a relaccedilatildeo entre escritor e realidade

deve ser de fecunda dialeacutetica mesmo que a decadecircncia ideoloacutegica tenha imposto ao

escritor novos obstaacuteculos eacute necessaacuterio contornaacute-los

62

CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

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BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

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SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

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CONCLUSAtildeO

Oscar Wilde com a sua obra O retrato de Dorian Gray lanccedilada em 1890 em

pleno furor de mudanccedila de seacuteculo mas de crise capitalista faz parte da tradiccedilatildeo literaacuteria

de liacutengua inglesa e do cacircnone ocidental Esta sua obra em particular traduziada para o

portuguecircs soacute reforccedila a importacircncia de trabalhar com um autor deste niacutevel Aqui tentou

problematizar a arte e a praacutetica do artista como sendo um reflexo artiacutestico da

realidadetotalidade (objetiva mas tambeacutem subjetiva) Esta monografia tambeacutem fez

uma breve leitura de outra obra de Oscar Wilde A alma do homem sob o socialismo a

fim de casar ideias com a teoria literaacuteria aqui defendida a marxista mas sobretudo a

fim de abrir o leque de opccedilotildees das leituras do corpus de Wilde entendendo o que foi o

seu apogeu com Dorian Gray e um ensaio jaacute do final de sua carreira

A Arte eacute a grande protagonista em O retrato de Dorian Gray e todos outros

temas que a ela rodeiam ldquoArte supremo objetivo da vida ndash subetendia que o artista era

o expoente maacuteximo do saber viverrdquo (Broad 1970 p 48) Mais de um seacuteculo depois de

sua publicaccedilatildeo tanto a obra artiacutestica quanto o artista continuam sendo atuais Oscar

Wilde estabelece paradigmas a serem seguidos por geraccedilotildees e geraccedilotildees de pensadores

sua breve vida deixa como heranccedila uma obra tatildeo repecurtida que eacute Oscar Wilde ndash e natildeo

Dorian Gray ndash quem nunca envelheceraacute

63

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ABOUT Grosvenor Disponiacutevel em lthttpwwwgrosvenorcom gt Acesso em 31 out

2013

BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

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BASTOS Hermenegildo ARAUacuteJO Adriana de F B (Orgs) Teoria e praacutetica da

criacutetica literaacuteria dialeacutetica Brasiacutelia Editora UnB 2011

BENJAMIN Walter Magia e teacutecnica arte e poliacutetica ndash ensaios sobre literatura e

histoacuteria da cultura Obras escolhidas I 8 ed Satildeo Paulo Editora Brasiliense 2012

BROAD Lewis Amizades e loucuras de Oscar Wilde Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 1970

BULFINCH Thomas O livro de ouro da mitologia histoacuterias de deuses e heroacuteis Rio

de Janeiro Ediouro 2006

CUNHA Antocircnio Geraldo Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa 3ed Lexikon 2007

FREIRE Antocircnio Conceito de moira na trageacutedia grega Braga Livraria Cruz 1969

GAUTIER Theacuteophile Emaux et cameacutees Paris Bibliothegraveque Charpentier 1911

HARRIS Frank Oscar Wilde sua vida e confissotildees Satildeo Paulo Companhia Editora

Nacional 1956

LUKAacuteCS G Marxismo e teoria da literatura Satildeo Paulo Expressatildeo Popular 2010

______ A arte como autoconsciecircncia do desenvolvimento da humanidade

MARQUES Adhemar Pelos caminhos da histoacuteria ensino meacutedio Curitiba Positivo

2006

MARX Karl 18 Brumaacuterio e Cartas a Kugelmann Rio de Janeiro Terra e Paz 1997

PEREIRA Isidro S J Dicionaacuterio grego-portuguecircs amp portuguecircs e grego 8d Livraria

AI Braga

SHAKESPEARE William A tempestade Disponiacutevel em lthttpgooglKOZLiygt

WILDE Oscar A alma do homem sob o socialismo Escritos do caacutercere Porto

Alegre LampPM 1996

64

______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

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______ O retrato de Dorian Gray Ediccedilatildeo Biliacutengue ndash primeira versatildeo 1890 Satildeo

Paulo Editora Landmark 2009

WILLIAMS Raymond Trageacutedia e modernidade Satildeo Paulo Cosac amp Naify 2002

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