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EVANIA FREIRES GALINDO

- ' , Qt/AtiDAI>E DA .. ATENÇAO A SAUDE NO ,

DISTRITO .. SANITARIO .. V DA CIDADE DO - ,

RECIFE: A ... VISAQ DOS USUARIOS

Monografia apresentada como requisito

parcial à obtenção do título de

Especialista no Curso de Pós­

Graduação latu sensu pelo Programa de

Residência Multiprofissional em Saúde

Coletiva do Departamento de Saúde

Coletiva I CPqAM I FIOCRUZ I MS, sob

a orientação do Professor Carlos Antonio

Alves Pontes

Recife, 18 I 04 I 2001

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EVANIA FREIRES GALINDO

- ' , QttAtiDADE DA· A·TENÇAo- A SAUDE NO ,

DIS.TRITO __ SANLTARIQ V DA CIDADE DO - ,

RECIFE: A VISAO Dos- USUARIOS

Monografia aprovada como requisito parcial ~ obtenção do título de Especialista no

Curso de Pós-Graduação Jatu sensu pelo Programa de Residência Multiprofissional

em Saúde Coletiva do Departamento de Saúçl_e Coletiva I CPqAM I FIOCRUZ I MS,

pela Comissão formada pelos Professores:

Orientador: Carlos Antonio Alves Pontes Prof . . . . . . . . .. . . . . . .. .. . . . . .. ... .. . . . . ... .. . . . . .... .. . . I NESC- CPqAM

Examinador: MoabAcioli Prof ..................................................... I FAFIRE

Recife, 18 I 04 I 2001

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.,......,

''Diálogo supõe relacionamento de

igual, porque os dois lodos são

desiguais. Quer dizer, poro haver

diálogo é mister consciência crítico e

autocrítico do desigualdade, que não

será camuflado, mos tornado

transparente. Diálogo é uma fofo

contrário, um confronto dialético, no

unidade de contrários. Codo lodo

possui suo densidade próprio e por

isso pode colaborar" (Demo, 1995).

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AGRADECIMENTOS

A VIDA - dom maior de Deus - deve ser celebrada em toda sua plenitude e complexidade. Portanto, temos que agradecer a cada dia todas as oportunidades que Deus nos oferece, e a maior de todas é VIVER!

Acredito que a família constitui-se na base de estruturação da nossa existência. E por isto tenho muito que agradecer a MEU PAI (Etevaldo)- que não se encontra mais nesse plano, mas a quem devo muito pelo exemplo de vida que nos deixou; a MINHA MÃE (Elisabete)- amiga e companheira, sempre presente com conselhos, orientações, zelos e cuidados~ e a .MEUS IRMÃOS (Edmilson e Evandro), .pela força e pelo carinho.

AMIZADE - talvez este seja o sentido maior da vida, pois é o compartilhar que nos poss.ibilita-.crescer. E por .mais-esta. cor-~quista- tenho que agradecer em especial a três amigos, que me impulsionaram, incentivaram, estimularam para enfrentar este novo desafio que-se--apresentava em minha· vida: DANtEL.:A ROSAS, BRUNO LINS e LUCIANA SANTOS. Obrigada por terem acreditado e apostado em mim ...

Ao longo desses dois anos, muitos desafios enfrentamos juntas, mas acredito que conseg_uimos construir uma relação que ainda irá render muitos frutos. Obrigada a vocês -ADRIANA, ALESSANDRA, CLAUDIA, CRISTIANE, MAISA, NAÍDE e PATRÍCIA, pelos momentos que compartilhamos juntas ...

Às... colegas da ESPECIALIZAÇÃO,. meu.. muito obrigada pelas contribuições e pelo aprendizado. Do mesmo modo, tenho que agradecer à COORDENAÇÃO do NESC, aos seus-OOCENTES e FUNCIONÁRIOS, que tiveram-um papel fundamental no processo de construção do conhecimento, o qual vai além do embasamento teórico, mas configura-se na prática cotidiana.

À Coordenação do Programa de Residência, na pessoa de EDUARDA CESSE e de CARLOS PONTES, que contribuíram de maneira especial para o sucesso de todo o processo. Acredito que aprendemos muito juntos. Valeu a experiência!!!

Agradeço a SIDNEY FARIAS e SOCORRO MENDES pela colaboração e contribuiçi3o, enquanto supervisão e preceptqria da prática de estágio, que possibilitou estabelecer uma articulação entre teoria e prática.

CARLOS PONTES - professor, orientador,. amigo e companheiro - obrigada por tudo! Te sou muito grata pela disponibilidade, respeito, carinho, atenção, bem como pela contribuição teórica e prática que esta experiência e convivência me proporcionou.

Agradeço também a MOAS ACILOI pela disponibilidade em contribuir com o trabalho, enriquecendo-o com todo o seu embasam~'nto teórico e expe~ência prática.

Tenho que agradecer ainda aos amigos do DISTRITO SANITARIO V -Ana Aguiar, Socorro, Ver:ônica, Simoller Femanda,-Sbeila, . .Suz na, Andréa, Luzinete, Sandra, Maria da Paz, Rita, Marliane, Otoniel, Adelma, Eduardo, Jutemberg, ... - pelo apoio, incentivo, a_ittda:·:~Vivemes--momentos- inesqueoíveisH! · ·

GRAÇA MARINHO, GLÓRIA LOPES e W NIA MACHADO também foram pessoas fundamentais nesse processu:qEfas-· abriram··as-·p

1 rtas· do Centro de Saúde Agamenon

Mag_c~Jhães para que eu pudesse realizar este trabalho. Obrigada pela colaboração e pela amizade. I

Mas,_ as pessoas. m.ais__importantes_ de t~do este processo são os USUÁRIOS entrevistados, pois sem a sua contribuição este. tr~balho não poderia ser realizado. A eles dediGG-esta-cooquista!!! ..... l

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GALINDO, Evania Freiras. Qualidade da Atenção à Saúde no Distrito Sanitário V da Cidade do Recife: a visão dos usuários. Recife, 2001. Monografia (Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva). NESC I CPqAM I FIOCRUZ I MS.

RESUMO

O acompanhamento e avaliação sistemático do SUS, que tem por fundamento garantir e ampliar as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, vem sendo discutido desde a X Conferência Nacional de Saúde, cujo tema: "SUS- Construindo um modelo de atenção à saúde para a qualidade de vida", fundamentou-se na preocupação de avaliar a q_ualidade da atenção à saúde. A experiência vivenciada no município do Recife, especificamente no Distrito Sanitário V, no período de novl1999 a out/2000, nos proporcionou elaborar uma reflexão crítica sobre a qualidade da atenção à saúde na perspectiva da cidadania e da qualidade de vida, em consonância com o conceito ampliado de saúde, com o novo modelo de atenção e com as discussões que vem sendo elaboradas em torno da política pública de saúde. Nesse sentido, tomando por parâmetro os princípios e diretrizes que fundamentam a política pública de saúde, dentro do enfoque de cidadania e qualidade de vida, indagamos qual o nível da qualidade da atenção à saúde que vem sendo prestado no âmbito do SUS? Por considerarmos que o usuário constitui-se num sujeito primordial na avaliação da qualidade do sistema de saúde, nos interessa compreender como o usuário percebe e avalia a qualidade da atenção à saúde, visando estabelecer uma relação entre saúde, cidadania e qualidade de vida. Para tal, elegemos como sujeito da pesquisa o usuário do Centro de Saúde Agamenon Magalhães, unidade de saúde localizada no bairro de Afogados, gerenciada pelo Distrito Sanitário V. Nosso objetivo g_eral é analisar, na percepção dos usuários, a qualidade da atenção à saúde sob o prisma da cidadania e da qwalidade de vida, tendo como objetivos específicos: 1- Avaliar, segundo a perspectiva do usuário, a qualidade da assistência . à saúde no Centro de Saúde Agamenon Magalhães; 2- Apreender a percepção dos usuários do CSAM sobre sistema público de saúde, cidadania e qualidade de vida; 3-Avaliar a qualidade da atenção à saúde no OS V, visando subsidiar o trabalho desenvolvido pelo Distrito Sanitário. Para realizar o estudo em tela, lançamos mão da abordagem qualitativa, utilizando as técnicas da observação participante e da entrevista - com base num roteiro semi-estruturado - para realização do trabalho de campo; e a técnica da análise de conteúdo para tratamento e análise das informações.

PALA\LRAS-CHAVE: POLÍTICA--DE-SAÚDE; ClDADANIA; QUALIDADE DE VIDA .

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INTRODUÇÃO

No Brasil, a década de 1980 teve como característica fundamental a

efervescente luta pela redemocratização do país. Numa conjuntura marcada por

crises econômicas, políticas e sociais, a ação dos sujeitos coletivos direcionava-se

para a conquista da cidadania, expressa na garantia de direitos civis, políticos e

sociais, tendo como marco a promulgação da Constituição de 1988. A década de

1990, por sua vez, foi marcada pela luta para efetivar as conquistas, em meio ao

processo de reestruturação das políticas sociais fundado na lógica neoliberal, que

conforme aponta Laurell (1995) fundamenta-se em quatro estratégias de

implantação: corte dos gastos sociais, privatização, centralização dos gastos sociais

públicos em programas seletivos contra a pobreza, e descentralização das políticas

públicas.

No âmbito da política de saúde, a VIII Conferência Nacional de Saúde,

realizada em 1986, abordou questões fundamentais do projeto de mudança político­

institucional, subsidiando a inclusão dos princípios da Reforma Sanitária na Carta

Magna de 1988, bem como nos demais instrumentos legais que regulamentam essa

política pública. Nesse sentido, destacam-se as discussões em torno da construção

de um conceito mais abrangente de saúde e a afirmação da necessidade de

r.eestruturar.u.setor com.acr.iação-du.SUS..(Slstema Único de Saúde), representando

a construção de um novo arcabouço iLJrídico-institucional.

O SUS constitui-se num sistema público, integrado por uma rede

regionalizada e hierarquizada, fundamentado nas diretrizes da descentralização,

integralidade e participação da comunidade, assim como nos princípios da

universalidade, igualdade, eqüidade e resolutividade. Com a implantação do SUS

várias conquistas foram alcançadas, desde a redefinição do conceito de saúde, até a

garantia do atendimento universal. Contudo, nesse processo evidenciam-se avanços

e retrocessos, inerentes à dialética do contexto social, o que exige, por sua vez, um

processo de acompanhamento e avaliação sistemático do sistema, no sentido de

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garantir e ampliar as ações, tendo por fundamento a promoção, proteção e

recuperação dª saúde.

Na efetivação do processo de transformação do sistema público de saúde, a

mudança do arcabouço jurídico-institucional tem um papel fundamental, contudo sua

g_ªrantia não se restringe à reestruturaç.ªo das normas legais, mas se efetiva na

prática cotidiana, uma vez que "a saúde não é um conceito abstrato. Define-se no

contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu

desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas

cotidianas" (Bravo, 1996, p. 77).

Consideramos que ocorreram muitos avanços, várias lutas e conquistas

foram efetivadas, mas por constituir-se num processo que se insere no quadro mais

g_eral da sociedade, sendo influenciado por questões econômicas, ideológicas,

políticas, culturais e sociais, a reestruturação do setor saúde está permeada de

contradições. Se por um lado a universalizaç.ão do acesso garantiu o atendimento de

diversas parcelas da população, às quais anteriormente era excluído esse direito,

por outro lado a manutenção do modelo de financiamento perpetua um sistema que

prioriza o caráter curativo, em detrimento das ações preventivas. Essas questões

vem sendo discutidas desde a X Conferência Nacional de Saúde, em 1996, a qual

foi marcada pela "necessidade de avaliação do sistema implantado e a busca de seu

aprimoramento, em especial dos mecanismos de financiamento, principal empecilho

para a consolidação e fortalecimento do SUS em todo o Brasil" (Nascimento, 2000).

O. tema. centraLdesta...Conferência:- "SUS - Construindo um modelo de

atenção à saúde para a qualidade .O e vida", fundamentou-se na preocupação de

avaliar a qualidade da atenção à saúde, sendo trabalhado na perspectiva de analisar

"a identidade e a complementariedade entre saúde e qualidade de vida, as

dificuldades enfrentadas na implantação do SUS, os novos parâmetros

estabelecidos pelas experiências bem $UCedidas e as mudanças necessárias para a

construção do modelo de aten~o de$ejç:ldo" (Nascimento, 2000).

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Nesse sentido, tomando por parâmetro os princípios e diretrizes que

fundamentam a política pública de saúde, dentro do enfoque de cidadania e

qualidade de vida, indagamos qual o nível da qualidade da atenção à saúde que

vem sendo prestado no âmbito do SUS?

Num contexto mais específico, esta preocupação surge a partir da nossa

inserção no cotidiano das ações de saúde da cidade do Recife, enquanto residente

do Progrªma de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva, no qual tivemos a

oportunidade de participar, durante o período de um ano, das ações desenvolvidas

no âmbito municipal, especificamente no Distrito Sanitário V, no que concerne ao

planejamento, gerenciamento, acompanhamento e avaliação das ações de saúde.

Esta experiência nos proporcionou elaborar uma reflexão crítica sobre a

qualidade da atenção à saúde na perspectiva da cidadania e da qualidade de vida,

em consonância com o conceito ampliado de saúde, com o novo modelo de atenção

e com as discussões que vem sendo elaboradas em torno da política pública de

Por considerarmos que o usuário constitui-se num sujeito primordial na

avaliação da qualidade do sistema de saúde, nos interessa compreender como o

usuário percebe e avalia a qualidade da atenção à saúde, visando estabelecer uma

relação entre saúde, cidadania e qualidade de vida. Para tal, elegemos como sujeito

da pesq_l,lisa o usuário do Centro de Saúde Agamenon Magalhães, unidade de

saúde localizada no bairro de Afogados, gerenciada pelo Distrito Sanitário V.

Para realizar o estudo em tela, lançamos mão da abordagem qualitativa,

utilizando as técnicas da observação participante e da entrevista - com base num

roteiro semi-estruturado - para realização do trabalho de campo; e a técnica da

análise de conteúdo para tratamento e análise das informações.

O trabalho acadêmico foi estruturado em três capítulos. No primeiro

discutimos a política pública de saúde no Brasil nos anos 1980 /1990, enfocando os

aspectos da cidadania e qualidade de vida; no segundo apresentamos os

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pressupostos metodológicos do estudo (metodologia da pesquisa, técnicas e

instrumentos utilizados, caracterização da área de estudo, sujeitos da pesquisa); e

no terceiro capítulo analisamos saúde, cidadania e qualidade de vida na visão dos

usuários do Centro de Saúde Agarnenon Magalhães.

Por último, tecemos algumas considerações sobre o estudo, apontando

recomendaç_ões para o enfrentamento dos problemas levantados pelos usuários, na

perspectiva de construirmos um sistema pyblico de saúde de qualidade, garantindo

a concretização prática da cidadania e uma melhor qualidade de vida para a

sociedade brasileira.

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OBJETIVOS

GERAL;...Analisar, na per.cepção.dos. usuá!:i9S, a.qualidade da atenção à saúde sob

o prisma da cidadania e da qualidade de vida.

, ESPECIFICOS:

1- Avaliar, segwndo a perspectiva do usuário, a qualidade da

assistência à saúde. no Centro de Saúde Agamenon

MaÇ&lhães.

2- Apreender a percepção dos usuários do CSAM sobre

sistema público de saúde, cidadania e qualidade de vida.

3- Avaliar a q~aHdade da atenção à saúde no OS V, visando

subsidiar o trabalho desenvolvido pelo Distrito Sanitário.

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, CAPITULO I

(\

, , , A POLITICA PUBLICA DE SAUDE NO BRASIL NOS ANOS

1980/1990: discutindo cidadania e quo/idade de vida

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I.1 -CONJUNTURA DOS ANOS 1980- 1990

No Brasil, os anos de 1970 caracterizaram-se como um período de grande

repressão, marcado por profunda crise política e econômica. Entretanto, não

podemos desconsiderar o período do milagre econômico, no qual "o regime

autoritário sustenta o milagre brasileiro (de 1968 a 1975) e a inserção da economia

no mercado mundial" (Cohn, 1995, p. 231 ).

Mota (1995) aponta esse período como de expansão e crescimento

econômico, que produziu significativas mudanças na estrutura produtiva, na

formação do mercado de trabalho e na infra-estrutura urbana. Contudo, ressalta que

"o saldo dessa modernização conservadora foi o aumento da concentração de

renda, a pauperização da maioria da população e a precarização das condições de

vida e de trabalho da maioria dos trabalhadores" (Mota, 1995, p. 61 ).

Na efervescência dessa crise instaurou-se no país o início do processo de

transição democrática, fundado em ampla mobilização social, cujo objetivo centrava­

se na luta pela conquista da cidadania, expressa na garantia de direitos civis,

políticos e sociais.

A década de 1980 foi marcada por profundas transformações econômicas,

políticas e sociais, evidenciando a crise orgânica do Estado Desenvolvimentista,

assinalada pela estagnação econômica, inflação crônica e ingovernabilidade.

Segundo Mota (1995, p. 62), "a década de 80 caracteriza-se como um período em

que convivem traços de continuidade, saturação e alguns indícios de ruptura do

modelo implementado no pós-64".

A crise do capital, no âmbito mundial, provocou repercussões diretas na

economia brasileira, gerando uma política recessiva, marcada por planos de ajuste,

arrocho salarial e crescente desemprego,_ acirrando as tensões sociais. O processo

de abertura democrática redefiniu as práticas sócio-políticas das classes sociais,

instaurando um novo processo político, através da ação organizada de expressivos 14

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setores da sociedade civil, merecendo destaque a reforma partidária, o surgimento

de diversos movimentos populares e a forte atuação sindical.

O sistema de proteção social, pautado na lógica econômica e com molde

meritocrático, sobrepunha-se à dimensão de política social, enquanto conquista de

direitos ou compensação das desigualdades sociais. A luta democrática teve por

fundamento não apenas a conquista da democracia política, mas também da

democracia social.

Essa conjuntura, marcada por diversas contradições, exercia influência

direta na trajetória do processo de redemocratização, ao mesmo tempo em que era

determinada por um processo histórico. O movimento democrático consubstanciou­

se na "construção da vontade política como também dos próprios atores e suas

estratégjas, em um constante enfrentamento com as estruturas políticas e sociais

que atuavam no sentido de desmobilização cotidiana" (Fieury, 1992, p. 1 0).

O forte questionamento ao Estado Desenvolvimentista associado à

resistência ao Estado Autoritário, intensificaram as lutas sociais para instauração de

um novo padrão de proteção social, calcado em moldes democráticos, visando

garantir a efetivação de uma verdadeira cidadania.

Mesmo considerando todas as limitações impostas, as mudanças político­

sociais ocorridas evidenciam o avanço da democracia e o resgate da cidadania,

consubstanciadas na Carta Magna - "Constituição Cidadã", que contém as mais

amplas garantias democráticas e sociais já inscritas num texto constitucional

brasileiro. Esta representa um marco importante no redirecionamento da política de

saúde, ao passo que a compreende como de relevância pública, obrigando o Estado

a garantir as condições necessárias ao seu atendimento.

Mendes (1995) indica alguns aspectos centrais da política de saúde

contemplados na Constituição Federal, quais sejam:

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a) o conceito de saúde entendido numa perspectiva de uma articulação de políticas sociais e econômicas; b) o entendimento da saúde como direito social universal derivado do exercício de uma cidadania plena; c)_a caracterização das ações e serviços de saúde como de relevância pública; d) a criação de um SUS organizado seg_t.mdo as diretrizes de descentralização com mando único em cada esfera de governo, o atendimento integral e a participação da comunidade; e) a integração da saúde no espaço mais amplo da seguridade social (Mendes, 1995, p. 47).

A conquista da cidadania não se resume apenas na garantia desses direitos,

mas "representa mudanças na cultura política do país e indica transformações mais

profundas que estão se operando no seio da sociedade brasileira, qual seja, nas

formas de representar as lutas e as demandas da população" (Gohn, 1995, p. 202

apud Rosas & Galindo, 1997, p. 11 ).

Nos anos de 1990, o programa neoliberal, caracterizado pela negação da

regulação econômica via Estado, pelo abandono das políticas de pleno emprego e

pela redução dos mecanismos de segwridade social, ganha forte impulso,

"ultrapassando em larga medida os limites de um programa de ajuste econômico e

afirmando-se como instrumento formador de uma racionalidade política, cultural e

ética da ordem burguesa" (Mata, 1995, p. 80).

Referindo-se às repercussões da investida neoliberal no Brasil, Stotz (1995)

ressalta que este processo

afetou profundamente a capacidade do Estado de regular os conflitos sociais, na perspectiva da cidadanização; tornou a vigência ilimitada das leis do mercado o traço marcante do ingresso do país na 'modernidade'; e configurou, para a política pública na área social, um papel compensatório e de intervenção focalizada (Stotz, 1995, p. 119).

No cenário dos anos 1990, destaca-se também a intensificação do processo

de globalização - reorganização do espaço político e social, fundamentada numa

ordem ecor:1ômica e política de cunho internacional, que segundo Zaidan (1997, p. 4)

"implica em um processo de desterritorialização que provoca mudanças e subverte

as noções tradicionais de espaço e tempo".

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Toda essa lógica pauta-se num tripé básico constituído pela

desreg!-llamentação, privatização ... e abertura comercial, implicando numa

necessidade de reconstrução do Estado, ou redefinição do seu papel, e,

consequentemente, num novo modo de participação política da sociedade.

Enquanto nos anos 1980 a atuação da sociedade civil organizada pautou-se na luta

pela redemocratização do país e resg,ate çla cidadania, com a conquista de direitos

civis, políticos e sociais; nos anos 1990 a prioridade das prioridades, conforme indica

Luz (1994) é a luta pela manutenç_ão das conquistas, definindo políticas que

garantam a efetividade dos direitos, numa conjuntura totalmente adversa.

, , , I.2· --A--POUTICA-PtJBLIGA---DE-·SAVI)E- NO BRASIL

No bojo da luta_ política do processo de transição democrática, ainda na

década de 1970, organizou-se um movimento de mobilização pela conquista da

saúde como direito do .cidadão e dever. do Estado. Esse movimento, intitulado de

Reforma Sanitária, caracterizou-se como ur:n processo de transformação da norma

legÇ~I e do apQrelho institucional q!,,H3 reg_ulamentava e se responsabilizava pela

proteção à saúde dos cidadãos. O ideário da proposta tinha por fundamento a

criação de um sistema universal de saúde, com controle público, baseado em

princípios democráticos. Segundo Cohn (1995, p. 233), "o que estava em questão

era a universalidade da atenção à saúde, superando-se a histórica dicotomia entre

assistência individual e ações coletivas de saúde".

A mobilização social, quer seja por parte dos profissionais e acadêmicos da

área, quer por parte dos movimentos sociais, proporcionou algumas conquistas e

mudançÇJs fundamentais, que vão desde a participação popular em serviços de

saúde, até a tomada de consciência (por parte da sociedade civil) do papel da saúde

e das instituições médicas na vida coletiva.

O Movimento Sanitário alcançou avanços significativos, garantindo

conqwistas efetivas - assegucadas no texto constitucional, as quais repercutiram nas

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práticas dos serviços de saúde. Se esse processo não logrou o êxito esperado pelo

Movimento, deve-se ao fato de que "a luta pela Reforma Sanitária se insere no

quadro mais geral da luta de classes no país e só pode ser efetivada em um Estado

Democrático" (Bravo, 1996, P.· 16), o qual ainda encontra-se em construção no

Brasil.

Na década de 1980 evidenciamos significativos avanços no âmbito da

política pública de saúde, ressaltando-se a VIII Conferência Nacional de Saúde

(CNS), que abordou questões fundamentais do projeto de mudança político­

institucional - Reforma Sanitária, subsidiando a inclusão dos princípios que norteiam

essa proposta na nova Constituição Brasileira.

Essa Conferência, realizada em março de 1986 (início da Nova República),

em Brasília, teve como temário central: I - A saúde como direito inerente à

personalidade e à cidadania; 11 - Reformulação do Sistema Nacional de Saúde em

consonância com os princípios de integração orgânico-institucional,

descentralização, universalização e participação, redefinição dos papéis

institucionais das unidades políticas na prestação dos serviços de saúde; 111 -

Financiamento Setorial (Bravo, 1996).

Ainda com relação a VIII CNS, Bravo (1996) aponta alguns avanços

significativos que impulsionaram o processo de Reforma Sanitária, destacando a

construção de um conceito mais abrang_emte de saúde e a afirmação da necessidade

de reestruturar o setor com a criação do SUS (Sistema Único de Saúde),

representando a construção de um novo arcabouço jurídico-institucional.

A própria concepção de saúde sofreu modificações, ao passo que

compreender a saúde enquanto direito de cidadania e dever do Estado implica numa

visão desmedicalizada, na qual a saúde passa a ser vista não como ausência

relativa de doenças, mas como um "conjunto de condições coletivas de existência,

como expressão ativa - e participativa - do exercício de direitos de cidadania" (Luz,

1994, p. 137).

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A construção do novo conceito de saúde tem por fundamento ampliar e

aprofundar a concepção historicamente delineada, que a configura de forma restrita

- evidenciada na ausência de doenças, caracterizada pelo bem estar físico e mental,

trazendo para discussão outras variáveis que interferem diretamente no processo

saúde I doença. Nesse sentido, a saúde passa a ser entendida como

resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes. de-tudo, .. o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis·de·vida-(Bravcr,-1996, p. 77).

A criação do SUS- sistema público integrado por uma rede regionalizada e

hierarquizada, fundamentado nas diretrizes da descentralização, integralidade e

participªç-~o da comunidade, assim como nos princípios da universalidade,

igualdade, eqüidade e resolutividade - redefiniu a política pública de saúde e

subsidiou a efetivação de novas práticas no cotidiano dos serviços de saúde.

A década de 1990, no campo da política de saúde, foi marcada pela

consolidação do SUS, ressaltando-se qwe trata-se de um processo, portanto,

constituído por avanços e limitações. Dentre os avanços podemos enumerar a

implementação do processo de . descentralização político-administrativa; a

normatização da política de saúde, através de um arcabouço legal constituído pela

Lei Org~nica da Saúde (Lei n° 8.080/90 ~8.142/90) e pelas Normas Operacionais

Básicas - NOBs ( 1991, 1993, 1996); a realização da IX e X Conferência Nacional de

Saúde, ªm 1992 e 1996, respectivamente.

Estas conferências, além de exigirem o cumprimento das leis que sustentam

o SUS, reafirmaram a universalidade e descentralização dos serviços de saúde

como princípios básicos, defendendo, ainda, a efetivação de espaços de

participação popular e controle social no SUS. Entretanto, muitas limitações ainda se

apresentam, tornando imprescindível "reverter a lógica vigente de seu financiamento

e da sua seletividade, avançando ao mesmo tempo para a conquista da

universalidade e da eqüidade" (Cohn, 1995, p. 240).

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Stotz ( 1995) lembra que o entendimento de qualquer política pública

necessariamente deve remeter ao caráter das relações Estado I Sociedade. Num

contexto de efervescentes mudanças políticas, econômicas e sociais, estas relações

vão sofrendo modificações, fundando-se novos parâmetros para construção de

novas formas de gestão da coisa pública e estabelecimento de campos de

negociação entre os diferentes setores e atores sociais.

Dentro desta nova ótica, fundada na gestão democrática, os princípios da

p;:~rticipação e da descentralização tornam-se primordiais e imprescindíveis. Passos

(1995, p. 30) destaca participação e descentralização como "instrumentos de uma

prática democrática ao nível municipal,. aproximando cidadãos e instituições

públicas. O intuito principal é a incorporação dos interesses de grupos sociais nos

processos institucionais de decisão".

Nesse contexto, foram criados alg_uns canais institucionais de participação,

seja através de pressões políticas ou de uma forma democrática, que garantem o

direito à participação_ social nos espaços públicos. Luz (1994) indica que a

participação popular reivindicada pelo movimento social ligado à saúde visa garantir

a democratização das decisões nos níveis do planejamento, gestão, execução e

avaliação dos serviços e programas de saúde.

Na medida que o município é a "entidade político-administrativa que oferece

melhores condições para a prática da participação popular na gestão da vida

pública" (Jovchelovitch, 1998, p. 43), . o processo de municipalização - que

corresponde a uma articulação das forças do município para a prestação dos

serviços, ou seja, descentralização das ações político-administrativas- representa

um avanço na conquista dos espaços de participação social, possibilitando o

estabelecimento de novas forças sociais que redimensionarão a prática política dos

sujeitos coletivos.

A descentralização não implica apenas em transferir responsabilidades, mas

implantar e implementar os critérios práticos para efetivar um processo de gestão

20

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. ·~

descentralizada, tanto em termos políticos (poder), quanto no aspecto econômico­

financeiro. Jovchelovitch (1998, p. 37) d_E!fine descentralização como uma "efetiva

partilha de poder entre o Estado e as coletividades locais", acrescentando que este

processo

envolve uma redefinição da estrutura de poder no sistema governamental, que se realiza por meio do remanejamento de competências decisórias e executivas, assim como dos recursos necessários para financiá-las (Jovchelovitch, 1998, p. 37).

Gerschman (1995) destaca que a descentralização do sistema de saúde em

estados e municípios foi o eixo central da implementação da Reforma Sanitária, a

qual teve por princípio norteador a amplia~o da participação social e a constituição

da cidadania na construção da democracia. Ressalta, ainda, que a descentralização

não g~rante per se a ampliação .da participação dos cidadãos na tomada de

decisões e, consequentemente, a democratização da política de saúde.

Outrossim, a autora aponta que a efetivação político-administrativa do

processo de descentralização, contemplado pelo SUS, favoreceu indiscutivelmente a

democratização da política de saúde, na medida que criou "condições para viabilizar

instâncias locais de participação geradas pela própria população e/ou suas

entidades representativas" (Gerschman, 1995, p. 154) .

Analisando a descentralização do sistema de saúde, Cohn indica que esse

processo, resultante das lutas travadas pelos setores progressistas, objetiva a

"criação de novos espaços institucionais de participação com poder deliberativo,

como estratégia política de ampliar, no espectro social, as oportunidades de acesso

ao poder'' (Cohn, 1994, p. 5 apud Silva, 1997, p. 166).

O poder local - elo mais próximo das necessidades e reivindicações da

população - modifica sua forma de atuação, possibilitando redefinir "espaços de

formulação e operacionalização de políticas, onde novos atores aparecem e

identidades coletivas são construídas" (Bodstein, 1993, p. 8), ao mesmo tempo em

que se torna

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o espaço onde irão ocorrer articulações entre os diversos atores sociais, no sentido de construir um processo de interlocução que proporcionará estabelecer uma nova relação com as demais esferas governamentais (Rosas & Galindo, 1997, p. 21).

Em função das disparidades e peculiaridades locais, das deficiências dos

municípios e das resistências do poder central, o processo de municipalização deve

ocorrer de forma gradual, implementando estratégias que garantam a sua

efetividade, por constituir-se num elemento imprescindível para o avanço

democrático, na medida que o município representa o "espaço primordial para o

aprendizado, o exercício e o desenvolvimento da cidadania" (Ckagnazaroff, 1989, p.

104 apud Rosas & Galindo, 1997, p. 16).

I.3- CIDADANIA E QUALIDADE DE VIDA

Gueiros (1991) indica que a cidadania é um processo em construção, um

processo de luta originado da contradição - desigualdade no plano econômico I

igualdade no plano jurídico, no qual intervém diversas forças sociais, influenciadas

pela conjuntura político-econômica e ideológica. Portanto, a conquista da cidadania

não é algo estabelecido, pelo contrário, é processo, é movimento que visa a

incorporação de novos grupos ou classes ao gozo de direitos já reconhecidos e/ou a

incorporação de novos direitos aos já existentes.

A conquista da cidadania, enquanto processo de luta pela garantia de

direitos civis, políticos e sociais, perpassa as dimensões histórica, política e

ideológica da construção democrática. Não basta garantir a conquista dos direitos de

cidadania - afirmados como direitos naturais do indivíduo - no plano jurídico­

institucional, como um direito formal e abstrato, mas torna-se necessário assegurar

instrumentos que garantam o seu integral exercício, no sentido de constituir uma

cidadania real: econômica, política e social, com conquistas significativas que

contribuam para a construção de uma cidadania concreta, fundada em relações

justas e igualitárias (Gueiros, 1991 ).

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Justiça social - eis o cerne da discussão quando abordamos a categoria

cidadania. Conquanto, mesmo estando encravada na própria história da cidadania, a

concretização da justiça social requer profundas transformações ético-morais e

sócio-políticas, uma vez que "a cidadania pressupõe princípios e instituições de

justiça social também elaboradas histórica e socialmente" (Dâmaso, 1996, p. 268).

O modo de ordenamento ético-moral da sociedade ante o problema das

desigualdades é o que engendra toda a discussão sobre justiça social, pois "se a

cooperação pressupõe o concurso dos indivíduos, a distribuição pressupõe

princípios e regras, universais e legítimas, de repartição equânime" (Dâmaso, 1996,

p. 271 ), mas como concretizar isto numa sociedade historicamente marcada por

profundas desigualdades?

Cada sociedade, em meio a sing1...1laridade histórico-política, através da

intervenção estatal, deve encontrar formas para enfrentar tal dicotomia, tendo por

fundamento os princípios da igualdade e da diferença, afinal "os homens podem ser

desiguais, mas essas desigualdades devem ser justas" (Dâmaso, 1996, p. 272).

A participação - entendida enq_uanto "instrumento não apenas de ação

política, mas também de ação pedagógica" (Rosas & Galindo, 1997, p. 26),

representa a oportunidade do exercício da cidadania ativa, onde o cidadão pode

construir sua identidade enquanto sujeito social coletivo, estabelecendo em suas

práticas cotidianas novas formas de relação com o Estado, de modo a intervir na

implementação das políticas públicas (Cohn, 1996).

Desse modo, a participação dos cidadãos na esfera pública - enquanto pilar

básico do exercício da cidadania, possibilita a concretização da construção do

Sujeito-Cidadão, por constituir-se numa "forma de intervenção na vida pública com

uma motivação social concreta, que se exerce de forma direta, e de um método de

governo baseado num certo nível de institucionalização das relações Estado I

Sociedade" (Jacobi, 1993, p. 24).

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Segundo Dâmaso (1996), a realização do Sujeito-Cidadão constitui-se numa

árdua conquista, porque deve-se "ascender ao simbólico-ético e ao simbólico­

político, ou seja, à linguagem, ao discurso e à fala. Chegamos a um tempo em que a

nossa melhor arma é o VERBO" (Dâmaso, 1996, p. 285).

Enquanto construção social, o termo qualidade de vida reflete

conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades em épocas,

espaços e histórias distintas.

Minayo et ai (2000) indica que a noção de qualidade de vida transita em um

campo semântico polissêmico, estando de um lado relacionada a modo, condições e

estilo de vida; de outro, às idéias de desenvolvimento sustentável e ecologia

humana; e, em síntese, ao campo da democracia, do desenvolvimento e dos direitos

numanos- e soci.pis.

Nesse contexto, conceituar qualid.ade de vida tem se mostrado um desafio

contínuo, pois qualidade de vida relaciona-se aos processos da estrutura da vida em

toda sua complexidade, o q1.,.1e induz a uma reflexão qualitativa acerca das condições

de vida individuais e coletivas (Rocha, 2000).

Um patamar material mínimo e universal para se falar em qualidade de vida,

diz respeito à "satisfação das necessidades mais elementares da vida humana:

alimentação,, acesso a ág_l.la p_otável, habitação, trabC3lho, educação, saúde e lazer;

elementos materiais que têm como referência noções relativas de conforto, bem­

estar e realização individual e coletiva " (Minayo et ai, 2000, p. 1 O).

Desse modo, qualidade de vida diz respeito ao "padrão que a própria

sociedade define e se mobiliza para conquistar, consciente ou inconscientemente, e

ao conjunto das políticas públicas e sociais que induzem e norteiam o

desenvolvimento humano, as mudanças positivas no modo, nas condições e estilos

de vida" (Minayo et ai, 2000, p. 1 0).

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Assim, qualidade de vida é fruto de um conjunto de componentes que

engendram uma complexa resultante social, proveniente do ambiente físico, social,

político, econômico e cultural.

Entender a vida como resultante de relações sociais implica que sua

qualidade depende da qualidade do resultado dessas relações. Isto, por sua vez,

exige um olhar diferenciado para as necessidades históricas de qualificar a

qualidade de vida, contemplando os problemas sócio-econômicos fundados na

acumulação de capital e nas condições reais de existência das classes sociais

(Augusto, 2000).

Este processo reqwer um enfoque político e técnico, que se materialize num

compromisso em perseguir melhores padrões de satisfação nos diferentes domínios

do viver cotidiano, contribuindo péira a potencialização da condição de cidadão em

uma sociedade excludente (Buss, 2000).

Portanto, faz-se necessário aperfeiçoar a democracia, fazendo com que os

diversos atores sociais compartilhem as decisões e criem instrumentos que

permitam aos cidadãos expressarem seu direito de ter direitos (Rocha, 2000), pois

"quanto mais aprimorada a democracia, mais ampla é a noção de qualidade de vida,

do 9f.élU de bem-estar da sociedade e da eqÇJidade ao acesso aos bens materiais e

culturais" (Minayo et ai, 2000, p. 1 O).

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, CAPITULOII

, PRESSUPOSTOS METODOLOGICOS DO ESTUDO: uma

abordagem qualitativa

~-· __________________________________ F3

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II. 1 -METODOLOGIA DA PESQUISA

Para empreender o estudo em questão, lançamos mão do enfoque

qualitativo, em função desta abordagem constituir-se numa metodologia apropriada

para apreender a complexidade do processo saúde I doença. A escolha dessa

metodologia pautou-se no fato da investigação qualitativa trabalhar com "valores,

crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões" (Minayo & Sanches, 1993

apud Serapioni, 2000, p. 188).

Do mesmo modo, a compreensão das ações práticas dos sujeitos sociais,

considerando a multiplicidade dos determinantes dos processos sociais, ocorre

quando se ultrapassa as aparências e se alcança a essência dos fenômenos, sendo

isto possível a partir do momento que compreendemos a "contradição dinâmica do

fato observado e a atividade criadora do sujeito que observa, as oposições

contraditórias entre o todo e a parte, e os vínculos do saber e do agir com a vida

social dos homens" (Chizzotti, 1998, p. 80).

Minayo (1999), quando se refere às Metodologias de Pesquisa Qualitativa,

as indica como "capazes de incorporar a questão do SIGNIFICADO e da

INTENCIONALIDADE como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais"

(Minay_o,_1999, p. 1 0).

Destacamos também as considerações de Chizzotti (1998, p. 79), quando

indica que a abordagem qualitativa "parte do fundamento de que há uma relação

dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e

o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do

suie_ito".

Na discussão estabelecida entre metodologias qualitativas e quantitativas, "a

pergunta fundamental sobre um método não é se e quanto ele é verdadeiro, mas se

e quanto ele é útil para arar o terreno empírico que temos em frente" (Perrone, 1977

apud Serapioni, 2000, p. 189). Ou seja, em que medida esse método nos dá 27

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condições de nos aproximar da realidade estudada, do nosso objeto de interesse, da

natureza do problema que queremos investigar.

Nesse sentido, "uma análise qualitativa completa interpreta o conteúdo dos

discursos ou dà fala cotidiana dentro de um quadro de referência, onde a ação e a

ação objetivada nas instituições permitem ultrapassar a mensagem manifesta e

atingir os significa_dos latentes" (Minayo & Sanches, 1993 apud Serapioni, 2000, p.

191 ).

Os métodos qualitativos possuem a "capacidade de fazer emergir aspectos

novos, de ir ao fundo do significado e de estar na perspectiva do sujeito, são aptos

para descobrir novos nexos e explicar significados" (Serapioni, 2000, p. 190), ou

como indica Minayo (1994, p. 22), a "abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo

dos significados das ações e relações humanas".

Na abordagem qualitativa, a preocupação maior não se dá em função da

generalização, mas no tocante ao aprofundamento e abrangência da compreensão

do fenômeno, pois "o limite à generalização está na historicidade (dos significados,

dos processos e das instituições sociais) e uma descrição aprofundada não pode

dar-se sem recorrer a conceitos gerais" (Agodi, 1996 apud Serapioni, 2000, p. 191 ).

Nesse sentido, "uma amostra ideal é aquela capaz de refletir a totalidade nas suas

múltiplas dimensões" (Minayo, 1999, p. 1 02).

No estudo em tela, utilizamos a divisão estabelecida por Minayo (1999) para

especificar as etapas da pesquisa, ressaltando a importância de cada fase no

processo de construção do conhecimento.

=> Fase Exploratória da Pesquisa

Esta fase da pesquisa compreende a escolha do tópico de investigação,

delimitação do problema, definição do objeto e objetivos, construção do marco

teórico conceitual, dos instrumentos de coleta de dados e a exploração do campo.

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Iniciamos nossa pesquisa em julhol2000, com o levantamento bibliográfico

para trabalhar as categorias teóricas que iriam nortear o estudo. Trabalhamos alguns

conceitos chaves para subsidiar a execução da pesquisa, quais sejam: SUS

(princípios e diretrizes), caracterização do município do Recife, processo de

municipalização I distritalização, metodologia de pesquisa qualitativa, visão I

percepçªo do usuário, avaliação da qualidade da atenção à saúde, cidadania e

qualidade de vida, dentre outros conceitos inerentes à compreensão do objeto de

estydo.

Esta aproximação com o referencial teórico que embasa a compreensão da

política pública de saúde nos forneceu subsídios para delimitar o problema a ser

estudado, definir o objeto e os objetivos da pesquisa, bem como construir o marco

teórico conceitual .

A etapa seguinte foi definir a área de estudo, ou seja, em que local iríamos

desenvolver a nossa pesquisa. Esta seleção teve por fundamento o grau de

complexidade da Unidade de Saúde dentro do âmbito do Distrito Sanitário V, bem

como a caracterização de sua área de influência I abrangência. Isto foi possível a

partir da estruturação do perfil da rede de saúde no âmbito municipal, tendo como

foco central o Distrito Sanitário V, especificando a estrutura da oferta dos serviços

públicos de saúde (quantificação, área de abrangência, grau de complexidade,

estrutura da demanda).

Após esta fase, quando j~Jínhamos definido a área do estudo, passamos

para a fase de elaboração do instrumento de pesquisa. Esta atividade baseou-se na

definição das questões que seriam abordadas na entrevista, as quais iriam compor

um roteiro semi-estruturado que tinha por fundamento nortear o trabalho de campo.

No roteiro abordamos diversos temas relacionados à política de saúde: conceito,

qualidade do atendimento, qualidade de vida x saúde, cidadania x saúde, conselhos

de saúde, dentre outros aspectos, no sentido de apreendermos a percepção do

usuário sobre a qualidade da atenção à saúde.

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Dando continuidade ao processo de exploração do campo, após a

elaboração do roteiro realizamos uma entrevista, objetivando apreender o nível de

aplicabilidade do mesmo, no intuito de efetuar as modificações necessárias para

desenvolver um trabalho mais próximo da realidade cotidiana, que nos permitisse

obter dados significativos para realizar uma análise mais aprofundada do objeto de

estudo.

=:> Fase de Trabalho de Campo

Esta fase da pesquisa é de fundamental importância, no sentido de que é

nesse momento que se estabelece o contato entre o pesquisador e os sujeitos da

pesquisa. Esse contato é marcado pelo estabelecimento de uma interação social,

tendo por base as relações de intersubjetividades que se desenvolvem no processo

de construção do conhecimento.

Desse modo, em outubrol2000 estabelecemos contato com a Diretora da

Divisão de Atenção à Saúde do Centro de Saúde Agamenon Magalhães (CSAM) -

Maria das Graças Marinho, no intuito de conhecermos melhor a dinâmica de trabalho

da Unidade, adquirindo subsídios para definir quem seria o usuário sujeito da nossa

pesquisa, de forma que pudéssemos atingir os objetivos propostos. Esse usuário

teria que freqüentar a Unidade há algum tempo, pois só assim teria condições de

avaliar a qualidade da atenção à saúde no CSAM e no OS V. Desse modo,

definimos que o sujeito da pesquisa seria: o usuário atendido no Grupo de

Atendimento Multiprofissional ao Idoso - GAMI e o usuário do Planejamento

Familiar, bem como do Atendimento Psicológico.

O segundo passo foi conversar com os profissionais dos referidos serviços:

Maria da Glória Lopes - Assistente Social I Coordenadora do GAMI e Wania

Machado da Silva - Psicóloga I Equipe do Planejamento Familiar e Atendimento

Psicológico. Posteriormente, num terceiro momento, após o contato com os

profissionais, assistimos uma palestra sobre Aleitamento Materno - Planejamento

Familiar e participamos da reunião de um Grupo de Idosos - GAMI, objetivando

estabelecer uma aproximação com os usuários, conhecer um pouco da dinâmica do

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trabalho, esclarecer os objetivos da pesquisa, enfim, criar um vínculo para facilitar o

processo de trabalho.

Ressaltamos que esse momento de aproximação, tanto com os profissionais

quanto com os usuários, foi de fundamental importância para o andamento da

pesquisa, pois pudemos mostrar qual a nossa proposta de trabalho, evidenciando

nosso objetivo e em que isso poderia contribuir para melhorar a qualidade do serviço

de saúde pública prestado tanto na Unidade quanto no Distrito.

Assim, após estabelecer o vínculo com os profissionais e com os usuários,

iniciamos a realização das entrevistas, as quais basearam-se num roteiro semi­

estruturado (anexo 1 ), dividido em quatro tópicos: 1- Identificação do usuário; li­

Informações sobre a rede de saúde; 111- Informações sobre o trabalho da US; IV­

Cidadania e qualidade de vida.

Realizamos 1 O entrevistas com os usuários, sendo 03 do GAMI, 02 do

Planejamento Familiar e OS do Atendimento Psicológico. A estruturação do roteiro

fundamentou-se no aporte teórico-conceitual que fundamenta e embasa a dimensão

empírica do processo de conhecimento.

=>. Fase de Análise ou Tr.a.t.amen.to do Material

Três objetivos norteiam esta fase __ da pesquisa: ultrapassar a incerteza,

enriq1,.1ecer a leitura e integrar as dE3scobertas. Nesse sentido, busca-se ampliar a

compreensão dos contextos sociais e de suas significações, no intuito de abordar a

totalidade social na qual o fenômeno estudado se insere, uma vez que no processo

de comunicação o mais importante não é o conteúdo manifesto da mensagem, mas

o que ela expressa em função do contexto e das circunstâncias em que ocorre.

Assim, nossa primeira atividade nesta fase da pesquisa foi definir as

categorias de análise - dentro do enfoque de cidadania e qualidade de vida - e

sistematizar os dados coletados - sistematização das informações das entrevistas,

tendo por fundamento as categorias de análise.

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A segunda etapa foi efetuar a análise dos dados, tendo por parâmetro o

referencial teórico-conceitual que embasa a construção do conhecimento, permitindo

elaborar considerações críticas sobre a problemática em questão.

O método de tratamento e análise das informações baseou-se na técnica da

Análise de Conteúdo, que objetiva "compreender criticamente o sentido das

comunicações, seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou

ocultas" (Chizzotti, 1998, p. 98).

Minayo (1999) aponta que a Análise de Conteúdo relaciona estruturas

semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos

enunciados. Noutros termos, esta técnica de análise de dados "articula a superfície

dos textos descrita e analisada com os fatores que determinam suas características:

variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto e processo de produção da

mensagem" (Minayo, 1999, p. 203).

Nesse sentido, nossa escolha por essa técnica de análise de dados

fundamentou-se na importância que a mesma assume no campo da pesquisa

q\.lalitativa, bem como em função de toda construção teórica e prática na área das

ciências sociais, e por considerarmos que a sua utilização proporciona

aprofundarmos as reflexões sobre nosso objeto de estudo.

No processo de análise do material, o primeiro passo foi efetuar uma leitura

flutuante - que nos permitiu ter uma visão geral; depois realizamos uma leitura

transversal - a partir da definição de núcleos temáticos; e por último procedemos

uma síntese-interpretação - com base na classificação dos núcleos temáticos em

categorias genéricas. Para compreender os significados e validar a interpretação,

observarmos certa recorrência no conteúdo dos discursos, analisando não em

termos de freqüência, mas dos significados atribuídos à realidade, pois nem sempre

o mais freqüente é o mais significante (Minayo, 1994).

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, II. 2- TECNICAS E INSTRUMENTOS DA PESQUISA

Minayo (1999) indica que na vida social existe uma série de fenômenos de

grande importância, os quais não podem ser registrados de forma direta e objetiva,

através de perguntas ou de documentos quantitativos, mas que precisam ser

apreendidos na realidade cotidiana, observando o "aspecto legal e o aspecto íntimo

das relações sociais; . . . as idéias, os motivos e os sentimentos do grupo na

compreensão da totalidade de sua vida" (Minayo, 1999, p. 137).

Para tanto, faz-se necessário estabelecer uma interação social com o grupo

pesquisado, tendo sensibilidade para compreender sua lógica e sua cultura;

construir uma relação onde os sujeitos possam partilhar saberes, a partir do que

Schutz denomina de encontro de "intersubjetividades"; bem como aplicar métodos

particulares para selecionar, coletar, manipular e estabelecer os dados. Desse

modo, "o observador precisa disting~ir a.s racionalidades científicas que usa para

ordenar sua teoria e seus resultados, das racionalidades do senso comum que

atribui aos atores estudados" (Cicourel, 1975, p. 11 O apud Minayo, 1999, p. 140).

Para nortear o trabalho de campo utilizamos a técnica da observação

participante. a qual fundamenta-se numa visão dialética do processo social, onde "o

observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo modificando e

sendo modificado por este contexto" (Schwartz & Schwartz, 1995, p. 355 apud

Minayo, 1999, p. 135).

Como constitui-se num processo construído duplamente pelo pesquisador e

pelos atores sociais envolvidos, a observação participante é um instrumento que

permite "investigar tanto o arcabouço estrutural como os 'imponderáveis da vida real'

e os 'aspectos íntimos das relações sociais"' (Minayo, 1999, p. 144), devendo todos

os acontecimentos ser analisados pelo pesquisador, na medida em que são

expressões das relações que ele tenta compreender para formular a construção do

conhecimento enquanto contribuição teórico-prática.

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Minayo (1999) apresenta a classificação proposta por Raymond Gold sobre

a inserção do pesquisador no campo. Dentro das modalidades, a que indica o

Observador-como-Participante "é empregada freqüentemente como estratégia

complementar ao uso de entrevistas, nas relações com os 'atores'. Trata-se de uma

observação quase formal, em curto espaço de tempo" (Minayo, 1999, p. 142).

A técnica da entrevista, enq_uanto aspecto amplo de comunicação verbal e

restrito de colheita de informações, também constitui-se numa técnica utilizada na

realização do trabalho de campo, pois como afirma Spink (1999), devemos entender

a entrevista como "prática discursiva, ou seja, entendê-la como ação (interação)

situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constróem

versões da realidade" (Spink, 1999, p. 186).

Minayo (1999) coloca o roteiro de entrevista como um instrumento que serve

para orientar uma 'conversa com finalidade', devendo constituir-se no elemento

facilitador da abertura, ampliação e aprofundamento da comunicação. Seu objetivo

maior é apreender o ponto de vista dos atores sociais, constituindo-se num guia,

num instrumento para facilitar a interação entre o pesquisador e o pesquisado, cujo

pressuposto maior centra-se no marco teórico desenhado para a construção do

objeto e dos objetivos da pesquisa.

A entrevista semi-estruturada pode ser entendida como aquela onde os

temas são estruturados de modo a servir de roteiro para o entrevistador, facilitando a

expressão - de forma mais espontânea e profunda possível - do informante, na

perspectiva de que a "inter-relação no ato da entrevista contempla o afetivo, o

existencial, o contexto do dia-a-dia, as experiências e a linguagem do senso comum,

e é condição 'sine qua non' do êxito da pesquisa qualitativa" (Minayo, 1999, p. 124).

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... , II. 3 - CARACTERIZAÇAO DA AREA DE ESTUDO

=> O Município do Recife

A cidade do Recife constitui-se no núcleo central de uma das três Regiões

Metropolitanas do Nordeste, situando-se eqüidistante de Salvador e Fortaleza, no

trecho norte-oriental do litoral nordestino. Possui uma extensão territorial de

aproximadamente 220 Km2, distribuída em 94 bairros (Região Centro - 11; Região

Norte - 18; Região Noroeste - 29; Região Oeste - 12; Região Sudeste - 16; Região

Sul- 08), com uma grande diversidade ambiental, caracterizada principalmente pela

planície litorânea. O município é recortado por três grandes rios: Capibaribe,

Beberibe e Tejipió, limitando-se ~eograficamente ao norte com Paulista; ao sul com

Jaboatão dos Guararapes e Oceano Atlântico; a oeste com Camaragibe e a leste

com.Oifda.

Seg_undo dados do IBGE, a população residente no Recife em 1996 era de

1.346.045 habitantes, sendo 44% do sexo masculino e 56% do sexo feminino. O

total da poplJiação do Recife eqüivale a 18% da população do Estado de

Pernambuco e representa 43% da população da Região Metropolitana do Recife1. A

distribuição populacional, em termos percentuais, segundo a faixa etária era a

seguinte: 28% na faixa de O - 14 anos; 65,7% na faixa de 15 - 64 anos; 6% na faixa

de 65 anos e mais2. O município possuía uma densidade demográfica média em

1996 de 61 hab/ha, apresentando grandes diferenças entre bairros, com alguns

bairros extremamente populosos e outros com uma baixa distribuição populacional.

Além disso, temos que considerar que por ser a capital do Estado e a principal

cidade da Região Metropolitana, há um grande fluxo de pessoas circulando no

município, o que aumenta a densidade demográfica, pois à população residente

temos que acrescentar a população flutuant~.

1 A RMR é composta por 14 municípios: Abreu e Lima, Araçoiaba, Cabo, Camaragibe, lgarassu, lpojuca, Itamaracá, ltapissuma; Jaboatão··dos Guararapes, Moreno, Olinda, Paulista, Recife e São Lourenço da Mata. -2 0s 0,30%-·restante para completar-1{){)%··referet1'1-'se-a-população com idade ignorada.

35

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~,

No processo de urbanização do município prevaleceu a reprodução da

distinção geográfica (terrenos molhados x terrenos secos) na distinção social

(população pobre x população rica). O Plano Municipal de Saúde - gestão

1998/2001 - indica que este processo teve como característica fundamental a

ocupação desordenada, com a construção de habitações em áreas inadequadas,

marcada pela falta de infra-estrutura ( esgQtamento sanitário, abastecimento d'água,

coleta domiciliar de lixo, drenagem e rede viária), que se reflete na deficiente

quÇllidade de vida da população. Contudo, Çl segregação geográfica não se efetivou

de forma completa, abrigando no mesmo espaço grupos socialmente diferenciados,

que reúnem realidades distintas, revelando a complexidade social do processo de

urbanização.

Quanto aos aspectos sócio-econômicos, o Recife, juntamente com os

municípios do Cabo, Jaboatão dos Guararapes e Paulista, está inserido num parque

industrial diversificado e descentralizado, com predominância nos gêneros alimentar,

têxtil, químico, metalúrgico, material elétrico e de comunicação. Contudo, segundo

dados do IBGE (1996),40% de suas famílias percebem rendimento médio mensal

per capita inferior ou igual a % salário mínimo, sendo reconhecida como a cidade do

sub-emprego, do desernpreg_o e dos alagç;ldos. Este quadro vem referendar a

elevada desigualdade social existente no país, que abriga realidades distintas e

contraditórias, com sing_wlaridades e particularidades próprias, as quais exigem

ações diferenciadas em todos os âmbitos das políticas públicas.

Assim, trabalhando na perspectiva de facilitar e agilizar o gerenciamento das

ações municipais, foi institucionalizada uma distribuição político-regional que dividiu

o município em seis Regiões Político-Administrativas (RPA), cada uma delas

subdividida em três micro-regiões (conforme mapa abaixo). Esta divisão permite

vislumbrar a diferenciação de carências e necessidades de infra-estrutura básica e

social de cada área, possibilitando uma melhoria na organização e viabilização das

ações a serem desenvolvidas.

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MAPA DO MUNICÍPIO DO RECIFE, COM A RESPECTIVA DISTRIBUIÇÃO

PÓLÍTICO-REGIONAL- REGIÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS (RPA'S)

37

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=> A Região Político-adminstrativa 5

A RPA 5 compreende a região sudoeste do município do Recife, limitando­

se ao norte com a RPA IV (Caxangá), ao sul com a RPA VI (lbura), a leste com a

RPA I (Centro) e a oeste com o município de Jaboatão dos Guararapes. Possui uma

área de 3.049 ha e população total de 237.045 habitantes (IBGE, 1996), com uma

densidade demográfica de 77,68 habitantes/ha. Sua população total representa

17,6% da população total da cidade, a qual está distribuída nos 16 bairros que

compõem a RPA, conforme mapa abaixo.

Em termos físico-ambientais, a RPA 5 caracteriza-se pela presença de água

em rios, canais e alagados, além das áreas vegetadas da Mata Atlântica. Possui

solos pantanosos nas regiões mais baixas, arenosos e argilosos nas áreas de

planície, sendo recortada pelos rios Capibaribe, Tejipió e Jiquiá.

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A região apresenta um perfil sócio-econômico com uma certa uniformidade,

não existindo nenhum agrupamento significativo de população de renda alta, apesar

de haver algumas diferenças entre bairros e intra bairros.

Quanto aos equipamentos públicos, na RPA 5 existem: 13 unidades de

saúde municipais e 02 estaduais; 03 centros sociais urbanos; 23 escolas municipais

(compreendendo pré-escolar, 1° grau e profissionalizante); 05 creches municipais

(com atendimento de crianças de 0-4 anos); 02 mercados públicos e 05 feiras livres;

além de aproximadamente 80 entidades sociais.

Do ponto de vista das condições sanitárias, no seu conjunto a Região pode

ser avaliada como a terceira pior do Recife. A maior parte de seus bairros apresenta

deficiências no serviço de abastecimento d'água e quase ausência da coleta de

esgoto. Apenas 54% do.s domicílios que possuem instalações sanitárias encontram­

se ligados à rede de coleta de esgoto ou fossas sépticas. Com relação à coleta de

lixo, em 1991, 80,9% dos domicílios tinha coleta, sendo 69,6% diretamente e 11,3%

indiretamente.

Todo esse quadro configura. o baixo padrão de vida da população residente

na região, que interfere diretamente sobre as condições de saúde, exigindo ações

concretas e específicas em todos os âmbitos do poder público.

~ O Distrito Sanitário V

O município do Recife possui uma gestão descentralizada das ações e

serviços de saúde, executada por seis Distritos Sanitários3, distribuídos

geograficamente nas seis Regiões Político Administrativas (RPA's).

Em 16/11/94, conforme Portaria n° 207, consubstanciada na Norma

Operacional Básica 01/93, o município do Recife enquadrou-se no modelo de

3 "representações descentralizadas da Secretaria de Saúde, possibilitando um contato direto com os problemas de saúde, promovendo o enfrentamento articulado com outros setores do governo para o desenvolvimento de ações efetivas" (Guia de Saúde; 1996, p. 08).

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Gestão Semi-plena do Sistema Municipal de Saúde. Nesse mesmo ano foram

criados dois Distritos Sanitários (OS 111 e OS VI). No ano seguinte, em 1995, foram

criados mais três DS (OS 11, DS IV e OS V) e em 1997 implantou-se o OS I.

A Gestão Plena do Sistema Municipal de Saúde, que credencia o município

a avançar no processo de municipalização das ações e serviços, através da

ampliação de responsabilidades e competências, foi alcançada em 14/05/1998,

conforme Portaria n° 2801 do Ministério da Saúde, de acordo com a Norma

Operacional Básica 01/96.

O OS V foi oficialmente implantado em 08/02/1995, através do Decreto

Municipal no 16.894. Sua sede localiza-se à Rua Prof. Augusto Wanderley Filho,

1 01, no bairro de Afogados. Sob sua gerência encontram-se 13 Unidades de Saúde:

• 1 Maternidade (Bandeira Filho);

• 1 Hospital Pediátrico (Maria Cravo Gama);

• 1 Núcleo de Atendimento Psicossocial (NAPS);

• 8 Centros de Saúde (Agamenom Magalhães, Barro, Bido Krause, Ceasa,

Fernandes Figueira, lpiranga, Planeta dos Macacos, San Martin);

• 2 núcleos do Programa Saúde da Família (Chico Mendes e Jardim

Uchôa), cada um funcionando com duas equipes.

Estas Unidades de Saúde estão distribuídas geograficamente na área que

compreende a Região Político Administrativa 5, a qual estende-se desde o braço

morto do Capibaribe - que separa a Ilha Joana Bezerra (RPA I) do bairro de

Afogados - até os morros que fazem limite com o município de Jaboatão dos

Guararapes, desenvolvendo ações e serviçqs em diferentes graus de complexidade

-desde o nível I (mais básico) até o nívellll (mais complexo).

40

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=? O Centro de Saúde Agamenom Magalhães

O Centro de Saúde Agamenom Magalhães (CSAM), fundado em 25 de

janeiro de 1954, Unidade de Saúde gerenciada pelo Distrito Sanitário V, localiza-se

à Praça da Paz, s/n, no bairro de Afogados. Sua área de abrangência, em função

da localização geográfica e do nível de complexidade, vai além da área do Distrito e

do próprio município de Recife, atendendo a população de municípios vizinhos

como: Jaboatão dos Guararapes, Moreno, Olinda, Cabo, dentre outros.

Em termos de estrutura física, a Unidade dispõe de uma grande área - parte

administrativa no primeiro andar e 48 salas (ambulatórios e consultórios) no piso

inferior - que comporta as diversas especialidades médicas e serviços oferecidos.

Quanto aos recursos humanos, tanto na parte administrativa quanto aos demais

profissionais, há um déficit grande de pessoal, que muitas vezes dificulta a qualidade

do atendimento, inclusive em função da gnmde demanda de usuários que procuram

este Centro de Saúde.

Conforme sua hierarquia e estrutura, o CSAM enquadra-se no nível 11 de

complexidade na rede de saúde, atendendo em média 1.200 pessoas por dia nas

segwin.tes áreas: Clínica Geral, Ginecologia-Obstetrícia, Pediatria, Cardiologia,

Dermatologia, Endocrinologia, Enfermagem, Fisioterapia, Fonoaudiologia,

Gastroenterologia, Geriatria, Medicina do Trabalho, Nutrição, Odontologia,

Psicologia, Psiquiatria, Reumatologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional, além

de desenvolver ações no Programa de Controle e Tratamento de Hanseníase e

Tuberculose, Controle de DST I AIDS, Planejamento Familiar, Programa de Saúde

do Adolescente, Grupo de Atendimento Multiprofissional ao Idoso. A unidade

também realiza serviços de curativos, imunização, terapia de re-hidratação oral

(TRO), coleta de exames citológicos e patologia clínica, anti-rábica, filariose,

farmácia, dentre outros.

No tocante à acessibilidade, ou seja, a facilidade que os usuários têm para

utilizar os serviços oferecidos pela Unidade de Saúde, podemos inferir que em

termos geográficos, a sua boa localização - situada numa área comercial e com

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grande disponibilidade de transporte coletivo - facilita o acesso dos usuários, mas

ao mesmo tempo gera uma grande demanda, que em função do déficit profissional

muitas vezes traz transtornos para o bom andamento do serviço, além de influenciar

na qualidade do atendimento.

VISTA FRONTAL DO CSAM

PÁ-llOJNIERNO 00-CSAM

43

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II. 4 - SUJEITOS DA PESQUISA

O SUS, enquanto política pública de saúde que tem como princípios a

universalidade, integralidade e eqüidade, atende uma gama variada de usuários,

provenientes de diversas classes sociais e com um nível sócio-econômico e cultural

também diversificado.

No atual contexto não podemos definir de forma objetiva quem é o usuário

do SUS, em virtude da crise econômica que o país vem enfrentando- expressa na

redução de postos de trabalho, nos baixos salários, no crescimento do mercado

informal - que tem contribuído para impulsionar o ingresso da classe média no

sistema público de saúde. Ao mesmo tempo, o recrudescimento de doenças infecto­

contagiosas (tuberculose, hanseníase, dentre outras), as quais só são tratadas a

nível público, também tem contribuído para aumentar o quantitativo de usuários e

diversificar o perfil dessa clientela.

Mas um questionamento perpassa a lógica do sistema de saúde: quem é

este usuário? Qual o seu nível de escolaridade? Em que condições vive?

Essas são questões cruciais no momento de definir uma política pública,

uma vez que suas diretrizes de ação tem que estar pautadas nas necessidades do

seu público alvo. No caso da política de saúde, essa dinâmica é bem mais

complexa, pois a universalização do atendimento impõe uma política geral, mas que

na prática tem que atender demandas diversas e diferenciadas, de forma a garantir a

igualdade e a eqüidade.

Cohn (1996), discutindo as tradições do pensamento sanitário brasileiro,

ressalta a "lacuna de estudos de natureza mais micro, que desvelem o cotidiano da

relação da população com os serviços de saúde, sua representação sobre

necessidades de saúde, e como estas se traduzem em demandas" (Cohn, 1996, p.

319).

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~-

ENT N° 1

ENT N° 2

ENT N° 3

ENT N°4

ENT N° 5

ENT N°6

ENT N° 7

ENT N° 8

ENT N° 9

Trabalhando nesta perspectiva, optamos por analisar a visão do usuário do

sistema público de saúde, mais especificamente os usuários atendidos no Centro de

Saúde Agamenom Magalhães - Unidade de Saúde gerenciada pelo Distrito Sanitário

V do município do Recife.

O critério estabelecido para selecionar os sujeitos da pesquisa foi o usuário

freqüentar a Unidade há algum tempo, ou seja, já ter um vínculo estabelecido, o que

lhe dá mais condições de avaliar a qualidade da atenção à saúde, tanto a nível do

CSAM, quanto do OS V.

Realizamos 1 O entrevistas com os usuários, sendo 05 do Atendimento

Psicológico, 03 do GAMI e 02 do Planejamento Familiar.

./ PERFIL DO .USUÁRJO.ENrREVJSTADO

PROGRAMA SEXO IDADE BAIRRO-/ MUNICIPIO DE NIVEL DE RENDA RESIDÊNCIA ESCOLARIDADE FAMILIAR

PLANEJAMENTO F 23 DOIS CARNEIROS - JABOAT ÃO 1° GRAU R$151 ,00 FAMttiAR - ... Dos-GUARARAPES

ATENDIMENTO F 48 AFOGADOS- RECIFE 2° GRAU NÃO ... PSfCOLÓGfCO -··· INFORMADA PLANEJAMENTO F 25 CAVALEIRO- JABOATAO DOS 1° GRAU R$ 250,00

FAMiliAR-- ..

GUARARAPES ATENDIMENTO F 55 AFOGADOS- RECIFE 2° GRAU NAO PSICOLÓGICO ·-·· INFORMADA

GAMI M 63 MUST ARDINHA- RECIFE 1° GRAU R$ 955,00

GAMI F 68 VILA RICA I COHAB 2- JABOATAO 2° GRAU R$151,00 DOS GUARARAPES

ATENDIMENTO F 54 BONGI -RECIFE 3° GRAU R$ 580,00 PSICOLÓGICO ATENDIMENTO F 47 DOIS CARNEIROS- JABOATÃO 1° GRAU R$ 151,00 PSICOLÓGICO DOS GUARARAPES

GAMI F 69 AFOGADOS- RECIFE 1° GRAU R$ 250,00

ENT N° 10 ATENDIMENTO F 43 AFOGADOS- RECIFE 1° GRAU R$ 400,00 PSICOLÓGICO

Analisando o quadro acima, podemos verificar que 90%, ou seja, 9 dos 1 O

entrevistados são do sexo feminino. Isto deve-se, em parte, ao fato dos homens

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participarem menos das atividades desenvolvidas na Unidade de Saúde - seja em

função da falta de tempo ou de interesse, bem como em função das mulheres

mostrarem-se bem mais receptivas para falar, se expressar- principalmente quando

trata-se de questões relacionadas à saúde.

No tocante à faixa etária, temos um quadro equilibrado, sendo 02 pessoas

na faixa dos 20 - 40 anos; 05 pessoas na faixa dos 41 - 60 anos e 03 pessoas na

faixa acima de 61 anos. Justamente na faixa adulta intermediária, quando começam

a aparecer os problemas de saúde ou quando as pessoas já começam a se

preocupar com esses aspectos, tivemos um número maior de entrevistados.

Com relação ao bairro I município de residência, entrevistamos 06 pessoas

de Recife e 04 de Jaboatão dos Guararapes. Os residentes em Recife são

moradores de bairros próximos à Unidade de Saúde, o que facilita o acesso. Já os

residentes no município de Jaboatão dos Guararapes procuram a Unidade em

função da baixa qualidade dos serviços de saúde daquele município, bem como em

função da disponibilidade de transporte coletivo (ônibus e metrô) para ter acesso ao

CE1AM.

No que se refere ao nível de escolaridade, a maioria das pessoas

entrevistadas (06) possuem apenas o 1 o grau - o que não significa que concluíram

esta etapa do processo de escolarização; 03 entrevistados incluem-se no 2° grau e

apenas 01 pessoa tem 3° grau. Saúde e educação estão intrinsecamente ligadas­

estabelecendo uma relaç&o de dependência, e se o quadro que se apresenta em

termos educacionais é tão caótico, a saúde da população também não pode

apresentar patamares satisfatórios.

Quanto à questão da renda familiar, entrevistamos 05 pessoas que recebem

na faixa de 1 - 2 salários mínimos, 02 que enquadram-se entre 3 - 4 salários, e

apenas 1 percebe na faixa de 6 salários mínimos (02 entrevistados não informaram

a renda familiar). Este quadro reflete a realidade econômica do nosso país, onde a

maioria da população não aufere uma renda capaz de garantir condições dignas de

existências nem para a própria pessoa, muito menos para manutenção da família.

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, CAPITULO III

, SAUDE, CIDADANIA E QUALIDADE DE VIDA: com a

palavra os usuários do Centro de Saúde Agamenon Magalhães

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, . ...--.,

, III.l INTERRELACIONANDO SAUDE, CIDADANIA E

QUALIDADE DE VIDA

Discutir saúde, cidadania e qualidade de vida implica enfocarmos os

diversos aspectos relacionados com essas temáticas, enquanto constructos da vida

social. Noutras palavras, significa abordar as dimensões histórica, política e

ideológica que integram a totalidade social e que exercem influência direta sobre

essas questões.

A intrínseca relação estabelecida entre condições I qualidade de vida e

saúde integra o campo conceitual da promoção da saúde, o qual é composto pelos

determinantes da saúde, quais sejam: 1- estilo de vida; 2- avanços da biologia

humana; 3- ambiente físico e social e 4- serviços de saúde (Minayo, 2000).

Promoção da saúde constitui-se num campo conceitual e de prática, que

"partindo de uma concepção ampla do processo saúde-doença e de seus

determinantes, propõe a articulação de saberes técnicos e populares, e a

mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, para seu

enfrentamento e resolução" (Buss, 2000, p. 165). Ou seja, impõe mudanças

estruturais na sociedade, através da redefinição de concepções político-ideológicas

e modificação das práticas dos sujeitos sociais coletivos, no intuito de efetivar a

construção desse novo modo de intervenção sobre a saúde - e a vida - da

população.

Nesse sentido, compreender a saúde enquanto política pública, fundada nos

princípios da universalidade e da equidade, numa sociedade marcada por profundas

desigualdades sociais -como é o caso do Brasil, nos remete a discussões teórico­

conceituais e práticas, visando contribuir para implantar ações que de fato exerçam

uma repercussão direta na vida da grande maioria da população.

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No processo de luta democrática, a cidadania - enquanto expressão maior

da conquista e consolidação da democracia - representa o foco central de análise,

pois é com base na garantia de direitos e deveres que regulem a dinâmica social,

que se instaura a possibilidade de construção de um novo projeto societal, fundado

nos princípios da igualdade e da justiça social. Contudo, como trata-se de um

processo de luta, essa conquista ultrapassa o aspecto legal, devendo se concretizar

na prática cotidiana.

Ter qualidade de vida indica a existência de um padrão social que garanta

aos indivíduos, de forma isolada ou coletiva, condições dignas de existência, ou

seja, que garanta a todos indistintamente condições de alcançar um nível de vida

satisfatório, tanto no aspecto econômico, quanto psicossocial. Entretanto, alçar este

patamar numa sociedade marcada pela desigualdade e exclusão impõe superar

processos históricos e sociais arraigados, o que por sua vez implica num

enfrentamento político-ideológico consistente e de base, que dê subsídios para

alcançar níveis satisfatórios de existência.

Considerando que "saúde é produto de um amplo espectro de fatores

relacionados com a qualidade de vida" (Buss, 2000, p. 167) e que constitui-se num

direito de cidadania garantido constitucionalmente, é mister estabelecer discussões

sobre as repercussões dessas dimensões na vida social e cotidiana.

Esse debate não deve se restringir à dimensão técnico-política, mas avançar

em direção à ordem prático-operacional, onde o cidadão comum enfrenta desafios e

dificuldades no exercício de sua cidadania, para ter garantido o direito fundamental

do ser humano - o direito à vida.

Para tanto, acesso à informação, participação na vida pública, garantia de

diretos e deveres, condições dignas de vida são alguns dos princípios fundamentais,

que expressos na vida cotidiana, fornecem parâmetros para analisar o nível de

desenvolvimento de uma sociedade.

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Em meio a toda essa discussão, centramos nossa análise na visão dos

usuários. do Sistema Único.. de Saúde,. mais .. especificamente dos usuários do Centro

de Saúde Agamenon Magalhães, tendo como referência a vivência que essas

pessoas possuem, que nos dá elementos para discutir e avaliar as categorias -

saúde, cidadania e qualidade de vida.

"Com base na análise da ling_uager.n dos entrevistados podem-se identificar

aquelas expressões quotidianas típicas que representam a experiência coletiva do

grupo" (Castro & Bronfman, 1997 apud Serapioni, 2000, p. 191 ). Contudo, nosso

intuito não é generalizar o ponto de vista desses usuários para todos os que

compõem o sistema, pois "no estudo de processos sociais de um reduzido grupo de

casos, busca-se obter informações que nos permitem teorizar sobre o processo que

nos interessa, sem pretender saber q1..1anto aqueles processos sociais são

freqüentes dentro da sociedade" (Castro & Bronfman, 1997 apud Serapioni, 2000, p.

190).

Assim, nos interessa saber como essas pessoas percebem, analisam,

avaliam todo esse processo- enquanto sujeitos sociais empíricos, o que nos dará

parâmetros para resgatar sua historicidade - enquanto sujeitos sociais genéricos.

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- , III.2- A VISAO DOS USUARIOS DO CSAM

A fala dos entrevistados - instrumento primordial para nosso estudo, servirá

de base para fundamentarmos nossas considerações, na medida que "torna-se

reveladora de condições estruturais, de sistema de valores, normas e símbolos e

reproduz as representações de grupos determinados em condições históricas, sócio­

econômicas e culturais específicas" (Minayo & Sanches, 1993 apud Serapioni, 2000,

p. 190).

Assim, consubstanciando nossa pesquisa com base neste referencial,

destacamos algumas falas dos usuários entrevistados, as quais constituem-se em

instrumentos fundamentais para o embasamento da análise crítica do nosso objeto

de estudo.

=> Informações sobre CL Rede.,de- Saúde

As questões básicas aqui abordadas referem-se à relação estabelecida

entre a comunidade e a rede de saúde. A fala dos usuários remete mais

especificamente à Unidade de Saúde escolhida para ser a área de estudo da

pesquisa, ou seja, o Centro de Saúde Agamenon Magalhães.

v' Há quanto tempo você vem à US?

Há dois meses (entrevistado n° 1) Mais ou menos 2 anos (entrevistado n° 2, 4, 6 e 7) Há 3 anos (entrevistado n° 5 e 9) Há 7anos (entrevistado n° 3 e 8) Mais ou menos 9 anos (entrevistado n° 1 O)

Dentre os usuários entrevistados, apenas uma freqüentava esta Unidade de

Saúde há pouco tempo (dois meses) - contudo ela era atendida há 3 anos na

Maternidade Bandeira Filho (também no OS V). Os demais entrevistados

freqüentavam o CSAM há bastante tempo - conforme evidenciam as respostas. Isto

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~.

f"'-,

possibilitou aprofundarmos algumas questões inerentes à dinâmica do SUS e da

própria U. S., uma vez que essas pessoas possuem algo fundamental para realizar

este tipo de análise I avaliação, qual seja: a vivência I experiência.

./ Em que especialidades você foi atendido?

Ginecologista e planejamento familiar (entrevistado n° 1 ) Psicóloga e nutricionista (entrevistado n° 2) Hanseníase, ginecologia, planejamento familiar, pré-natal e dentista (entrevistado n° 3) Psicóloga (entrevistado n° 4) Cardiologista, nutricionista, clínico, exames laboratoriais e GAMI (entrevistado n° 5) Geriatra, reumatologia, exames laboratoriais (entrevistado n° 6) Nutricionista, ginecologista, psicóloga, vacina (entrevistado n° 7) Endocrinologista, nutricionista, ginecologista, psicólogo (entrevistado n° 8) Geriatra, ginecologista, fisioterapeuta e exames laboratoriais (entrevistado n° 9) Clínico, ginecologista., psicóloga, psiquiatra e dentista (entrevistado n° 1 O)

No que se refere aos serviços I especialidades prestados na Unidade de

Saúde, os usuários sujeitos da pesquisa, mesmo sendo atendidos em programas I

serviços específicos - GAMI, Planejam~nto Familiar e Atendimento Psicológico,

também já foram atendidos nas diversas especialidades oferecidas (conforme

destacamos nas falas).

Por ser uma Unidade de Saúde de média complexidade, o CSAM presta

atendimento em diversas especialidades - além das clínicas básicas, o que

impulsiona uma grande demanda de usuários, inclusive de outros municípios. Mas

se por um lado a população dispõe de uma variada gama de serviços, por outro há

uma demanda excessiva que a unidade não tem condições de absorver. Isto por sua

vez causa transtornos à dinâmica de trabalho e interfere na qualidade do

atendimento.

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./ Quantas US tem na sua comunidade?

Lá tem posto, mas não tem ginecologista. (entrevistado n° 1 ) Lá tem, mas é muito difícil. (entrevistado n° 6) Nunca fui bem atendida, não tem médico, exames, é uma negação. (entrevistado n° 8)

Dos dez (10) usuários entrevistados, seis (06) residem no município de

Recife- em localidades próximas ao CSAM- e quatro (04) são provenientes do

município de Jaboatão dos Guararapes. As falas dos usuários que residem em

Jaboatão dos Guararapes evidenciam o porquê de procurarem uma unidade longe

de suas residências, além da facilidade de transporte (ônibus e metrô) para terem

acesso ao CSAM.

A descentralização do sistema de saúde ocorreu de forma diferenciada entre

os vários municípios brasileiros, inclusive em função de sua capacidade técnico­

financeira e política. Contudo, o usuário não fundamenta a sua necessidade e

apresenta a sua demanda com base na delimitação político-geográfica dos

municípios. O que este usuário quer - e tem o direito - é ter assegurado um

atendimento de qualidade, que atenda sua necessidade. E para isto ele encontra

diversas estratégias: seja procurando atendimento em outra unidade do próprio

município, ou em outro município, o que por sua vez onera o sistema e interfere na

qualidade do serviço .

./ Por que você procurou esta US?

A primeira vez que procurei o Centro de Saúde foi para fazer tratamento de Hanseníase, encaminhada pelo Hospital Oswaldo Cruz. (entrevistado n° 3) Vim para o Clínico com problemas de diabetes, de lá para cá eu não saí daqui. Todo tipo de médico eu tenho aqui. (entrevistado n° 8) Eu achei que o atendimento daqui é melhor que o da Bandeira Filho. Desde que casei, há três anos, que era atendida na Bandeira Filho (planejamento familiar), mas como ela está em reforma, fui encaminhada para cá para colocação do DIU e estou fazendo o tratamento. (entrevistado n° 1 ) Eu vim para o grupo - GAMI porque tem reunião, posso ser atendida nos médicos, tem jogos ... (entrevistado no 6)

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Por ser mais perto de casa. (entrevistado n° 5) Aqui eu encontrei mais receptividade e facilidade. Meu filho estava precisando de atendimento psicológico, procurei no HGVe no Posto de San Martin, mas não consegui, então recebi o encaminhamento para cá. (entrevistado n° 7) Descobri o Centro de Saúde através do ALANNON, aí meus filhos passaram a participar do PROSAD e a psicóloga do programa me encaminhou para o atendimento psicológico. (entrevistado n° 2)

Várias questões estão relacionadas à procura da Unidade de Saúde:

problemas sérios de saúde - hanseníase e diabetes; cuidados preventivos -

colocação do DIU; facilidade de atendimento- participação no GAMI, proximidade

de casa, boa receptividade; problemas familiares- encaminhada pelo ALLANON.

Analisando as falas, percebemos como existe uma gama variada de fatores

que levam as pessoas a procurarem o atendimento do Centro de Saúde e, por

conseq~ência, como este serviço deve estar capacitado para atender as

singularidades de cada caso, sem perder de vista a totalidade do indivíduo e do

processo de saúde .

r

./ Qual a importância da US para a comunidade?

É muoo importante por.que as pessoas precisam muito. Espero que melhore, tenha mais médicos, seja um trabalho mais organizado pelos diretores: (entrevistado n° 6) Se não tiver um posto aqui, as pessoas vão para onde? Mas eu acho que devia melhorar o atendimento, porque é muita gente, tive que vir de 5h para pegar a ficha de 13h. (entrevistado n° 1 O) Aquele posto não é assim como esse daqui. Lá não tem camisinha, não tem pílula. (entrevistado n° 1) É muito importante, é primordial. Está sempre cheio. E pelo que eu conversei as-pessoas-acham muito bom. (entrevistado n° 2) No posto de Cavaleiro é muita gente e o atendimento daqui é melhor. (entrevistado n° 3) Eu olhava assim e tinha um pouco de receio com relação à higiene. Pode ser preconceito social mesmo. Pra quem tem IPSEP e Plano de Saúde é difícil. (entrevistado n° 7)

A importância da Unidade de Saúde para a comunidade passa por duas

questões fundamentais: a necessidade dos serviços de saúde e a qualidade do

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atendimento prestado. Isto é evidenciado no discurso dos usuários, que

acrescentam a necessidade de reestruturar o trabalho, disponibilizando mais

profissionais, diminuindo o tempo de espera e melhorando a qualidade do

atendimento.

Com a universalização do SUS - conquistada na Constituição de 1988 - e o

crescente processo de empobrecimento da população, houve um acréscimo de

usuários - pessoas que não tinham esse direito garantido ou àquelas que migraram

do sistema privado. Isto exerceu influência direta sobre o sistema, visto que o

aumento da demanda na maioria das vezes veio desacompanhado do aumento no

teto financeiro, inviabilizando respostas mais efetivas e eficazes para os problemas

de saúde da população.

=> Informações sobre o Tr~~ahaMto. da Unidade de Saúde

O trabalho desenvolvido no Centro de Saúde Agamenon Magalhães - no que

se refere à marcação de consultas, qualidade do atendimento, sistema de referência

e contra-referência, dificuldades enfrentadas no atendimento e sugestões de

melhoramento, participação nos programas de saúde - será explicitado a partir da

visão dos usuários, conforme indica as falas em destaque .

./ Qual sua opinião com relação à marcação da consulta?

É difícilrtem.. que.c.b.ega.r. cedo, não estou gostando disso. O atendimento aqui é ótimo; mas para marcar ficha... (entrevistado n° 3) Antigamente a gente chegava às 4h, mas marcava para o outro dia e tinha médico. Hoje a gente chega às 7h, só sai à tarde e não tem médico. A marcação só começa às 13h. Eu vejo tanta coisa errada e não fazem nada. Só se for a mãe dele para ser atendida por telefone, eu não consegui. Semana passada cheguei às 6:20h e saí às 14:40h (com fome, sem dinheiro) e não consegui marcar, disse que iria chamar Jota Ferreira -Antes esse posto já fechou. Isso não era assim. Todos os outros estão em conserto e agora é que tem gente! (entrevistado n° 8) Não se precisa mais dormir nessa fila, está marcando à tarde. (entrevistado n° 4)

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Antes de ter o computador era muito difícil. Tinha filas enormes, tinha que chegar de madrugada para pegar a ficha. Depois do GAMI melhorou muito para os idosos, porque tem a Assistente Social que procura resolver as coisas pra gente. Antes tinha que ir para fila ... (entrevistado n° 5) Eu acho que devia ter uma pessoa dizendo quantas fichas tem para cada médico, para a gente não perder tempo. A pessoa que fica atendendo também deveria mudar, porque ele não atende direito, não dá atenção. Só a pessoa pega a ficha, se eu quiser pegar para o meu filho eu não posso. Eu tive que pagar particular para poder entregar os exames. Já aconteceu de não conseguir ficha, as vezes marco para outra especialidade para não perder a viagem ... (entrevistado n° 1 O) O pessoal diz que demora e tem que chegar de madrugada para pegar os melhores médicos. Os piores é que ficam para o final. (entrevistado n° 7)

Uma das maiores dificuldades enfrentada pelos usuários do SUS é a

marcação de consultas. A grande demanda de usuários, a insuficiência de

profissionais, a falta de investimento no setor são alguns fatores que agravam esse

problema. A saída encontrada por essas pessoas é chegar de madrugada -

correndo risco de vida, ou 'comprar' uma ficha - conforme mostra a reportagem do

Jornal do Commercio (anexo 2). Contudo, nenhuma dessas alternativas garante o

atendimento. O depoimento abaixo expressa bem a gravidade do problema.

"Hoje eu cheguei aqui às 7: 35h para pegar uma ficha e só agora (14h) disseram que não tinha. Já vim aqui 8 vezes e não consigo. Ontem foi a mesma coisa. Teve um senhor que se descontrolou e quebrou o vidro - ele queria uma ficha para o psiquiatra, aí num instante ele conseguiu. A gente sabe que o pessoal daqui tem arrumadinho com o pessoal/á fora. Eles vendem as fichas à R$ 5,00. Isso é antigo aqui. Uma senhora disse que é assim porque é de graça. De graça nada, minha senhora! Isso é do SUS. Tinha ficha para Dr. a . . . (ginecologista), mas nenhuma mulher quis. Deve ser porque ela manda: deita aí, olha e manda embora. É para uma amiga minha, porque ela é novata e não pode estar faltando o trabalho. Aí eu estou fazendo favor, perdendo o dia de serviço. Eu vou falar com Dr. a . . . (psicóloga), porque ela é paciente dela. Ela veio para essa outra Dr. a porque Dr. a ... (ginecologista) estava de férias, e ela disse que ia encaminhar para fazer esterectomia, mas não é assim ... " (Depoimento colhido em 25/10/00, às 14:30h, de um senhor que aguardava para falar com Wânia Machado - psicóloga).

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A relação estabelecida entre técnicos - funcionários - usuários é permeada

de contradições, ao passo que o profissional de saúde tem que intermediar os

conflitos estabelecidos entre funcionários e usuários, os quais muitas vezes são

gerados pela própria estrutura do sistema, em função da precariedade das

condições de trabalho e de atendimento ao usuário. Neste caso, para o profissional

desempenhar o seu papel - de forma a garantir ao cidadão o direito à saúde, faz-se

necessário estabelecer interelações entre os sujeitos envolvidos com sua prática

profissional, encontrando alternativas para superar as dificuldades.

Mudar o horário de marcação pode ser a alternativa, mas alguns usuários

não concordam (ver fala do entrevistado n° 8); participar de algum programa na

unidade é outra saída encontrada pelos usuários (como aponta o entrevistado n° 5);

pagar uma consulta particular muitas vezes acaba sendo a única opção ou ser

atendido em outra especialidade (entrevistado n° 1 0). A própria escolha I seleção

dos melhores profissionais pelos usuários também contribui para agravar o

problema, afinal "os piores é que ficam para o final".

O direito constituci.onaLde acesso e atendimento universal à saúde, em meio

ao caos instalado no sistema público, acaba não sendo efetivado no cotidiano.

Quando isto é associado ao crescente processo de desigualdade e exclusão social,

o quadro torna-se ainda mais grave, exigindo intervenções intersetoriais para

garantir os direitos de cidadania .

./ Qual sua opinião sobre o atendimento?

A única dificuldade é a demora para ser atendido, porque tem muita gente. (entrevistado n° 5) Eu achei estranho porque a outra Ora. (Bandeira Filho) nunca me examinou. Essa é mais atenciosa... Chegou um dia que eu perguntei se ela não examinava e ela disse que tinha muitos pacientes. Muitas mulheres reclamavam que ela não examinava, mas eu já era acompanhada por ela. Ela também não deixa a pessoa falar. (entrevistado n° 1 ) A gente já entra nervosa na sala de um médico, aí as vezes ele é fechado ... No geral o atendimento é bom ... Tem médico que você sente a mão pesada ... (entrevistado n° 1 O) A ginecologista atende, mas é fechada e não examina. Na

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Bandeira Filho eu fiquei horrorizada: eu não sei como um médico fez uma coisas dessas comigo, fiquei com uma cicatriz muito grande e saliente da cesárea ... (entrevistado n° 3) O atendimento é excelente, eu gosto do atendimento, mas na recepção eu não g_osto. Elas parecem que tem o rei na barriga, SÓ porque está atrás do birô. (entrevistado n° 8) O atendimento na recepção é razoável, não digo que são grosseiros, são disp/içentes. Como se não fosse uma pessoa, são números, são fichas. Com relação ao atendimento, eu até me admirei, porque aqui é um ambiente público e o empenho do pessoa/ é graode. Eles não trabalham pelo dinheiro. No meio desse caos tem profissionais honestos e com empenho. (entrevistado n° 7)

Quando abordamos a questão da qualidade do atendimento, a primeira

queixa é a grande demora para ser atendido, o que está intimamente ligado com a

marcação de consultas. Outro ponto levantado é a relação médico-paciente, que por

tratar-se de uma relação profissional e interpessoal é permeada por diversos

processos históricos e psicossociais. O atendimento na recepção também é

apontado como um aspecto negativo na qualidade do atendimento, "são grosseiros,

são displicentes. Como se não fosse uma pessoa, são números, são fichas".

De uma forma geral os usuários indicam que o atendimento é muito bom,

sendo isto expresso pela crescente demanda, que não indica apenas o agravamento

dos problemas de saúde da população, mas também uma boa qualidade do serviço,

afinal o usuário escolhe o melhor local para atender sua necessidade .

./ Quando você necessita de um atendimento mais especializado é encaminhado para outros serviços?

Fui encaminhada para o oftalmologista no Hospital de Santo Amaro. (entrevistado no 6) Já fiz mamografia. (entrevistado n° 9) Sim, já fiz ultra-sonografia duas vezes. (entrevistado n° 1 O) Sim, os exames nas clínicas é fácil, é só carimbar. (entrevistado n° 8)

A unidade presta o atendimento ambulatorial, com relação aos

procedimentos de maior complexidade é realizado o encaminhamento dos usuários

para outros serviços. Existe uma cota mensal de encaminhamentos para cada

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unidade de saúde do município, que muitas vezes não dá conta da grande

demanda.

./ Como é realizado o atendimento nos outros serviços?

Teve fila porque tem que enfrentar fila, mas não precisei chegar cedo. (entrevistado n° 6) Lá não tem muita gente e a menina atende direitinho, não sei se é por causa da idade ... (entrevistado n° 9) o atendimento é bom. (.entrevistado n° 8)

Um dos aspectos positivos levantados quanto ao atendimento nos serviços

especializados refere-se à rapidez no atendimento, pois não tem muita gente e,

portanto, não precisa chegar cedo. A espera, a demora no atendimento tem um

papel fundamental na análise da qualidade do serviço .

./ Após ser atendido nesse serviço é encaminhado de volta a US de origem?

Só a nútricionista marca a volta, os outros não. Eu passei quase seis meses para entregar o RX, porque eu vim e não tinha ficha. (entrevistado n° 8)

O sistema de referência e contra-referência fica prejudicado em função da

grande demanda de usuários e da insuficiência de profissionais, tornando inviável o

agendamento das consultas de retorno e interferindo no processo de cura .

./ Quando necessita de exames de laboratório consegue ser atendido?

Sim, aqui faz exames normais, de rotina. (entrevistado n° 9) Tem muita gente. É difícil pegar ficha. (entrevistado n° 3) Sim, eu cheguei cedinho (5h) e pronto. (entrevistado n° 10)

./ Onde e como é realizado esse atendimento?

Aqui mesmo, é só chegar de madrugada. (entrevistado n° 8) Eu não confio nos exames da Prefeitura. Acho que não fazem, se fazem não preciso. (entrevistado n° 7)

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Além do atendimento ambulatorial, a unidade realiza exames de rotina.

Contudo, o problema continua sendo a grande demanda, expressa na dificuldade

para conseguir a ficha, que acaba obrigando as pessoas a madrugarem na unidade.

A visão de que o serviço público não presta, de que os serviços oferecidos

não têm boa qualidade foi explicitada na fala de uma usuária, quando diz que não

confia nos exames da Prefeitura. Essa ideologia perpassa todo o sistema e

corrobora a idéia de privatização, defendida pela lógica neoliberal. O discurso dessa

corrente é que o Estado não tem condições de prestar determinados serviços e,

portanto, o mercado deve fazê-lo. Contudo, o mercado é regido pela lógica do lucro

e quem irá bancar isto? O usuário, que passa a ser cliente, consumidor?

./ Com relação à medicação, onde você consegue? Que dificuldades enfrenta?

É fácil, mas outr:o. dia.-teve discussão na fila para receber a medicação. (entrevistado-no 3) As vezes·niiutemmedicamento para hipertensão e a demora é grande. (entrevistado n° 5) Os postos não tem medicação, mas a gente compra baratinho nas farmácias do Estado. Eu não me dou com os remédios daqui, não controla minha pressão. (entrevistado n° 6)

Três questões foram levantadas neste ponto: mais uma vez o problema da

fila; a inexistência de medicamentos para determinadas doenças; e o mito de que a

medicação do sistema público não tem efeito .

r

./ Que dificuldades você enfrentou para ser atendido? (tanto na US como na UR)

A maior dificuldade é conseguir a ficha. Você fica desde cedo até 13h, em pé, as vezes tem confusão. (entrevistado n° 1 O) É muita. gente, cada dia. tá aumentando mais. Antes não era assim. Tem fila para pegar a ficha para consulta e para os exames de laboratório. Chego às 4h da manhã, venho cedo e fico até 11h. A gente sofre muito nas filas. (entrevistado n° 3) Eu via gente que vinha do lbura e não era atendida (eu não tiro o dinheiro do pão para .. .). O pessoa/ tem um empenho maior do que a demanda, tá faltando comunicação. O pessoal aqui enfrenta muita dificuldade porque é uma demanda grande. A

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fila é enorme. E logo aqui que é corredor de ônibus... Mas isso não é só aqui. Em outros postos também é assim. O pessoal não pode pagar um plano ou consulta, e agora que fechou o IPSEP está vindo todo mundo para cá. (entrevistado n° 7) É muita gente na área da saúde, a população está muito doente. (entrevistado n9 6) Demora para ser atendido pelo médico. (entrevistado n° 5) Não tive dificuldades, faço parte do GAMI e sou encaminhada diretamente. (entrevistado n° 9)

As principais dificuldades apontadas pelos usuários dizem respeito à

marcação da consulta, em função da grande demanda, que causa transtornos,

insatisfações, críticas, enfim, uma série de problemas cotidianos que perpassam

todo o sistema-de saúde.

Por uma lado, de fato "a populaçªo está muito doente", como indicou um

usuário, mas também tem o crescimento da demanda em função de outros serviços

não estarem funcionando, ou pelo fato das pessoas não terem condições de arcar

com o custo dos planos de saúde.

A demora no atendimento médico também foi apontada como uma

dificuldade, que pode ser explicada pela condição da profissão na atualidade, que

em função dos baixos salários impõe aos profissionais a necessidade de ter diversos

empregos para manter um determinado padrão social.

Participar de um programa da unidade, além de trazer benefícios para a

saúde, implica em facilidade no atendimento, representando uma saída para o

problema.

./ O que poderia ser feito para melhorar o atendimento?

Eu acho q_ue devia aumentar a ficha, é muito pouco. Eu já cheguei de 4h para dentista e não peguei ficha. (entrevistado n° 1) Aumentar o número de médicos e mudar a hora da marcação. (entrevistado n° 8) É porque é tanta-gente!. Acha que deveria ter mais médico. É tanta gente doente no mundo! Muita gente vai embora e não consegue. Deveria ter urrr controle, para quem fosse chegando ia entregando uma ficha. Podia só marcar de 1 h, mas não ficava

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perdendo tempo, no sol quente. (entrevistado n° 1 O) Ter mais médico, porqye haveria possibilidade de ter mais consultas. (entrevistado n° 5) Ampliar os profissionais especializados e melhorar o Posto de Saúde, porque aumenta as pessoas e o espaço físico? (entrevistado n° 7) Devia abrir outro posto por aqui, porque senão vai piorar o atendimento. É muita gente e está aumentando.(entrevistado n° 3) É melhorar-a-organizaç-ão-dos postos. Os diretores são muitos descansados, precisa de g_ente ativa. (entrevistado n° 6)

Na mesma linha dos problemas, as indicações para melhorar o atendimento

passam pela questão da marcação çlas consultas - aumentando o número de fichas

e mudando o horário; pela ampliação no número de profissionais- contratação de

médicos e demais profissionais especializados; pela melhoria na estrutura do Posto

de Saúde - reestruturação do espaço físico; pela ampliação do número de unidades

- abrindo outro Posto de Saúde; e pela melhoria na organização do serviço -

melhor atuação da direção.

As soluções apontadas envolvem três níveis de decisão: técnico-gerencial,

financeira e política. Algumas questões operacionais podem ser implantadas, como

a mudança no horário de marcaçªo e a reorg_anização do serviço. Contudo, não irão

solucionar os problemas, irão apenas amenizá-los ou dar uma nova roupagem. Para

resolver essas questões - que estão imbricadas no sistema de saúde - temos que

rever a lógica de financiamento do SUS e intensificar as ações de atenção básica

(Programa de Saúde da Família),_ ... a.s quais constituem-se em decisões

eminentemente políticas .

./ A equipe da US trabalha junto à comunidade? Que tipo de trabalho é realizado?

Nenhum dos usuários entrevistados soube responder esta questão. O

interessante é que eles participam de programas e atividades educativas na

unidade, mas não souberam opinar sobre o assunto, como se não se identificassem

com a comunidade, como se não fizessem parte dela.

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./ Você assiste palestras na US? Qual sua opinião sobre as palestras?

No planejamento familiar recebi informações sobre camisinha, injeção, colocação de 0/U, anticoncepcional. (entrevistado n° 3) É a terceira palestra- que assisto. É bem interessante, porque tem mulher que não entende disso. Eu acho bom a pessoa saber de tudo:· Esse- negócio da camisinha mesmo eu não sabia. (entrevistado n° 1) Ela fala assuntos que interessa a gente. (entrevistado n° 6) Assistia palestras quando meus filhos estavam no grupo do PROSAD sobre aborto, gravidez, prevenção. Muito bom, muito instrutivo. Quando meu filho passou por problemas eu peguei alguns panfletos. aqui para ele se instruir. (entrevistado n° 2) Sim. São boas, muito educativas, e objetiva, porque o idoso já está cansado. (entrevistado n° 5) É legal, a gente aprende muita coisa, mas eu esqueço ... (entrevistado n° 9)

lnformação - eis o caminho para construir o processo de transformação

social. Uma pessoa instruída, que conhece seus direitos e deveres, tem muito mais

condições de se colocar perante a sociedade, questionando o sistema e contribuindo

politicamente para a mudança. Daí porque a prática de educação em saúde assume

um péipeJ fundamental no cotidiano .. das ações de saúde. Todos os entrevistados

apontam os benefícios que a participação neste processo exerce sobre suas vidas .

r-··-··

I '--

./ Você particip;;t de alg_um programa específico na US? Qual o programa e que avalia.ção você faz?

Planejamenlo--Eamiliar_ É bom porque eu só queria ligar, aí assisti a palestra e ela falou sobre o DIU e aí eu disse se eu não ligar eu vou -usaru·DJU. (entrevistado n° 1) Meu filho participa cio PROSAD, que considero excelente. Critico o fato de só ter uma pessoa, que é coordenadora e psicóloga do programa. (entrevistado n° 7) Sim, do GAMI. É bom porque a gente marca médico sem dificuldade. A equipe é boa, escuta a gente, são pessoas alegres ... (entrevistado n° 6) GAMI. É bom, mas na hora do atendimento esbarra na demora, tanto na- marcação, como na espera para consulta. (entrevistado n° 5)

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.0

A participação nos programas de saúde é uma forma das pessoas se

inserirem na dinâmica de trabalho da unidade, enfocando não apenas o lado

curativo - das consultas médicas, mas priorizando o lado preventivo - ações

ed• 1ca~vas.

Estas exercem um papel fundamental na mudança de comportamento, a

partir do momento que contribuem para a formação crítica, a qual pode desencadear

mudançªs profundas nayida da p~ssoa. Além disso tem-se a vantagem da garantia

da consulta, mas não se está livre da demora na espera pelo atendimento.

=? Cidadania e Qual.ida.de. de Vida J

Neste tópico abordamos q!,Jatro questões gerais, onde discutimos o

conhecimento do usuário sobre o SUS e sobre participação social, assim como

abordamos aspectos relacionados às condições de saúde e de vida da população.

Elencamos algumas falas, que expressam bem o nível de informação e de

análise crítica dos entrevistados. Ressaltamos que das dez (1 O) pessoas que

entrevistamos, três (03) delas não sabiam o que era o SUS e oito (08) não sabiam

da existência do Conselho Municipal de Saúde .

./ O que você sabe sobre o SUS?

É do Estado, ajuda- muita. gente, em termos de médico, ajuda os pobres I carentes. Eu acho que é para todos, mas a maioria é mais pobre~ Gente·-- pobre sofre, rico tem dinheiro! (entrevistado n° 3) Já ouvi falar de bem e de mal. De bem principalmente aqui, e de mal porque não é o sistema, mas as vezes são as pessoas que acabam com o sistema. (. . .) Nós somos tratados nesse país pior do que animais. Os animais estão tendo mais prioridade do que nós~- É preservar a natureza e o ser humano? O ser humano está desprezado, nós estamos acabando, principalmente- ·os- pobres, porque os ricos se resolvem. Quem ganha salário mínimo como sobrevive nesse país? Essas pessoas não sobrevivem, elas vegetam! (entrevistado n° 2) Que é uma bomba que está a ponto de explodir. Eles falam que vai melhorar, mas não tem benefício nenhum para gente. A

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saúde não está na falência? (entrevistado n° 8) É o antigo INPS. Ele deve melhorar muito! Se a gente chega num hospital, passa 5 I 6 dias para fazer uma consulta e as vezes não consegue:-- Já fut···4 vezes e não consegui. Só na emergência é atendido na hora. (entrevistado n° 5) Não é o melhor, mas é o maior plano de saúde, pra onde eu vou ele atende. Não presta não, mas ... Fazem pesquisas e dizem que não concluem o tratamento. Por traz do número tem uma causa. (entrevistado n° 7)

Nas duas primeiras falas é dado um destaque à pobreza, enfocando que

mesmo sendo um direito universal - g_ç:~rantido para todos, as pessoas que têm um

menor . poder aquisitivo acabam sendo os beneficiários do direito à saúde. A

indignação por toda esta situação é explicitada num desabafo: "nós somos tratados

nesse país pior do que animais. Os animais estão tendo mais prioridade do que

nós".

A precária situaç~o do sistema de saúde está evidenciada na fala de um dos

entrevistados: "é uma bomba que está a ponto de explodir ... A saúde não está na

falência?". Outro acrescenta que "deve melhorar muito". De fato, ninguém melhor

que o usuário para medir o grau de eficácia das ações.

A universalidade do sistema foi a grande conquista da década de 1990, mas

agora precisamos lutar pela eqüidade e pela qualidade, afinal "por traz do número

tem uma causa", e é justamente sobre essa causa que devemos atuar.

!""

../ Você sabe da existência do Conselho Municipal de Saúde2 Qual.sua .. finalidad~?

De uma forma generalizada, mas a atuação deles não. (entrevistado n° 7) Não é aquelas agente qye vai na casa da gente? (entrevistado n° 8)

Apenas uma pessoa entrevistada expressou saber da existência do

Conselho Municipal de Saúde, mas mesmo assim não soube explicitar como se dá a

sua atuação. Outra pessoa confundiu com o PACS - Programa de Agentes

Comunitários de Saúde. Assim, no que se refere à participação social inexiste

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:\

qualquer tipo de conhecimento, bem como de atuação I intervenção por parte dos

entrevistados.

./ Você acha que houve melhorias na saúde da população?

Piorou. Antiga.mf?nte você chegava no posto e não tinha muita gente. Quanto mais abre posto ou hospital, mais gente. É muita gente-- doente---nesse--mundo. Onde você chega é assim. (entrevistado n° 1 O) Acho que não, porque para melhoria tem que ter um bom atendimento e isso não tem. (entrevistado n° 5) Eu acho qf.le m~lhorou porque a ACS vai lá, dá explicação. Eu acho que melhorou porque eles só olhavam o papel e hoje eles examinam. (entrevistado n° 1 ) Melhorou em termos, mas não o suficiente. Ainda morrem pessoas em filas, as mulheres tendo filhos na rua. As pessoas levam um tempo para marcar, quando chegam não são atendidas. E a saúde da população como fica? (entrevistado n° 2) Melhorou por causa do SUS. As pessoas recebem ajuda. Eu digo ajuda, ma$ é direito, porque nós pagamos impostos. Quando a gente faz uma denúncia melhora. Quanto mais exigimos nossos direitos vai melhorar. (entrevistado n° 3) Melhorou não. Tecnologia de ponta você encontra, mas é para um número limitado de p~ssoas (casos mais graves, estudos). Continua sendo uma elitização (medicina de ponta). Quando consegue, demora demais. Quanto mais sofisticada, mas demora. É no olhometro, quando olham para o paciente. O médico parlicular elha; mas- no serviço público ele não olha. Eu vou e não tenho nenhum receio. As·-vezes sou bem atendido e as vezes não, mas eu pago por isso e é meu direito. E a forma de controle é o voto,_porqye mesmo o voto branco ou nulo é um ato político de omissão. (entrevistado n° 7)

Alguns usuários_ apontam que a saúde da população piorou e que isto é

expresso pelo aumento no número de pessoas doentes, bem como pela inexistência

de um bom atendimento. Outros usuários acham que houve melhoria na saúde em

função de algumas ações que vem sendo desenvolvidas, como a atuação dos

Agentes Comunitários de Saúde e a própria intervenção médica. Contudo, ainda

questionam como fica a saúde da população, pois ainda existem muitos problemas a

serem enfrentados para construir um sistema universal, igualitário e eqüanime.

As mudanças ocorridas na sociedade brasileira nas duas últimas décadas,

em função da luta pela conquista e efetivação da cidadania, teve repercussões

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direta na ação dos sujeitos sociais, que passaram a reconhecer e cobrar seus

direitos, conforme indica esta fala: "as vezes sou bem atendido e as vezes não, mas

eu pago por isso e é meu direito. E a forma de controle é o voto, porque mesmo o

voto branco ou nulo é um ato político de omissão" .

( -

./ Na sua opmtao, o que deve ser feito para melhorar as condições de vida da população?

Eu acho que tem que ter emprego. Tem muita gente lá desempregado, que passam até fome. Nessa campanha política muita gente pe.gQI! m11ita coisa. (entrevistado n° 1) Piorou, a pobreza está aumentando, a população está aumentan.cla. .. É.muito..desemprego, muita gente passando fome. O cidadão não tá tendo mais valor, tá precária a situação. Não é sobre· nós; é-soi:Jrrrcrsistema. Quando eles ganham, eles não olham para a cara dã gente, eles fecham até o vidro. (entrevistado n° 3) As autoridades competentes (políticos) teriam que pensar mais no ser humano e não só em si. Deus! É roubalheira, desvio de verbas;.-UAntes--de-se eleger sabe como eles são, mas depois que se elegem eles somem. Não é regra, mas é a maioria. Tudo é o dinheiro. Matam, roubam, tudo em nome do dinheiro! Tem que ter verba, dinheiro para melhorar a educação (eles não sabem nada), o sistema de saúde, a habitação (esse negócio da CEF não está com nada, as pessoas vivem em baixo das pontes e viadutos). (entrevistado n° 2) Piorou muito. O governo não deu e não está dando condições para estudar. Hoje não tem estudo, emprego, nem trabalho. O saneamento é yrecário e a habitação. Eu gostaria que o governo olhasse para a e/asse pobre em geral e para isso é preciso ter bons g_Qvernantes. (entrevistado n° 5) Ninguém está satisfeito, precisa mudar as condições de vida da população (saúde,__ educação, moradia). Se a gente for criticar vai falar de FHC que manda nosso dinheiro para os EUA. Problema do Brasil não é a falta de dinheiro, é de competência dos governantes. (entrevistado n° 6) Alguma melhora houve , mas no meu meio eu não vejo. Melhora visível não tem. Não vejo melhora na educação. Você vai para o posto passa um mês para ser atendido e na porta de sua casa o esgoto está a céu aberto. (entrevistado n° 7) Não gosto nem de falar nisso, é muito lixo. Quem varre a rua é a gente. É tanto lixo, é um monte de lixo de um lado, do outro, e ainda colocam no canal. O carro passa 3 vezes por semana. O povo é o culpado ... O vereador disse que ia cobrir o esgoto, mas nada ... tem muita muriçoca. (entrevistado n° 9) Claro que piorou. O desemprego, o salário lá embaixo, educação. Tem tanta favela por aí. O país está péssimo. A cidade está

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um caos. (entrevistado n° 8) Eu acho que nesses últimos anos tudo piorou (educação, desemprego, violência). Você sai de casa e não sabe se volta, dentro de casa também. Tá num tempo da pessoa não ter mais nem filho, por causa da violência (policiais, assaltantes, pais com filhos, filhos com pai). Tá uma coisa! É fim de mundo! (entrevistado n° 10)

Analisando as falas dos entrevistados vemos o nível de gravidade dos

problemas enfrentados no Brasil, que perpassam todas as dimensões da vida social.

Quando falamos em condições de vida, estamos falando no direito básico inerente

ao ser humano, que é ter uma vida digna - dentro de determinados padrões - de

forma a g~rantir a sua existência. Mas como garantir isto numa sociedade marcada

pela desigualdade, exclusão, desrespeito aqs direitos humanos fundamentais?

O nível de insatisfação social é elevado, em função de diversos fatores:

desemprego, fome, miséria, insegurança, favelização, falta de saneamento e de

habitação, dentre tantos outros problemas. Quando o cidadão expressa que o "país

está péssimo. A cidade está um caos", nos suscita um questionamento fundamental:

qqe qualidade de vida essas pessoas têm? E a resposta também é dada pelo

mesmo sujeito social: "o cidadão não tá tendo mais valor, tá precária a situação".

Destacamos uma fala que expressa muito bem todo esse contexto:

"ninguém está satisfeito, precisa mudar as condições de vida da população (saúde,

educação, moradia). Se a gente for criticar vai falar de FHC que manda nosso

dinheiro para os EUA. Problema do Brasil não é a falta de dinheiro, é de

competência dos governantes". De fato,. como falar em direitos de cidadania, quando

a pessoa não tem sequer o que comer e onde morar, quando não tem respeitada a

sua dignidade enquanto ser humano?

O nível de organização da sociedade, expresso nos sentidos, definições e

ações construídas no cotidiano dos sujeitos sociais coletivos, tem sua determinação

no processo histórico-cultural, político-ideológico e sócio-econômico. Com isso, para

concretizar as transformações no sistema social faz-se necessário todo um processo

de sensibilização, conscientização e cidadanização.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a trajetória histórica e econômica do Brasil, constatamos um

permanente processo de exploração, expresso em diferentes níveis de exclusão,

que repercute diretamente na organização social e política do país.

Como o processo de transformação da realidade social não é linear, mas

configurado por um movimento histórico-dialético, evidenciamos momentos de

avanços e retrocessos, determinados pela conjuntura mundial e nacional, que se

expressam nas discussões políticas e ideológicas, bem como nas práticas

cotidianas.

Dentro do enfoque de uma concepção integral de saúde, onde se estabelece

um novo conceito e, portanto, exige-se novas práticas (ações de promoção, proteção

e recuperação), a atuação intersetorial - com enfoque multidisciplinar, torna-se

fundamental e imprescindível, no sentido de garantir a efetivação de uma política de

saúde universal e de qualidade.

O grande desafio que se apresenta aos dias atuais é garantir a permanência

das conquistas numa conjuntura adversa - marcada pelo crescimento da corrente

neoliberal, avançando no sentido de implementar uma política de saúde que de fato

se constitua num direito de cidadania e que melhore a qualidade de vida da

pop_ulaç_,ão.

Repensar conceitos e práticas constitui-se no principal fundamento para

construir um novo modelo social, na medida que o comportamento e as relações das

pessoas na sociedade não são ações isoladas entre si, mas fazem parte de uma

estrutura social complexamente construída que lhes dá sentido e unidade.

A avaliação de políticas públicas que inclua a participação e a perspectiva do

usuário é um elemento crítico de grande contribuição para superar as dificuldades e

apontar novas estratégias de ação. Mas, para tal faz-se necessário enfrentar os 69

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processos que desconsideram e desqualificam a existência de uma perspectiva

diferente, moldando-a ao discurso e à lógica dominante, no sentido de construir

novas formas de ação I intervenção.

Tecemos uma síntese das colocações dos usuários do CSAM, no intuito de

destacar a perspectiva desse sujeito social, bem como a sua contribuição para o

processo de mudança.

v" A unidade absorve uma grande demanda de usuários, inclusive de outros

municípios, que interfere no processo de trabalho e na qualidade do atendimento.

Por sua vez, há necessidade de trabalhar a singularidade dos casos, mas enfocando

a totalidade do indivíduo e do processo de saúde.

v" O principal problema enfrentado é a dificuldade na marcação de

consultas, que tem origem na falta de investimento no setor saúde, na insuficiência

de profissionais, bem como na grande demanda de usuários.

v" As alternativas encontradas para conseguir marcar a consulta são as

seguintes: chegar de madrugada - correndo risco de vida; comprar ficha de

atendimento - alimentando um sistema que fere o direito à universalidade; participar

de programas de saúde oferecidos na unidade .

../ As soluções indicadas passam pela aumento no número de fichas,

mudança no horário de marcação, ampliação do número de profissionais, melhoria

da estrutura física do centro de saúde, ampliação do número de unidades de saúde

e melhoria na organização do serviço.

v" Quanto à qualidade do atendimento, os usuários destacam que o serviço

é de boa qualidade, apesar da demora na espera pelo atendimento, do atendimento

na recepção não ser bom, bem como alguns profissionais médicos não

estabelecerem uma boa relação com o paciente.

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./ Existe um bom nível de informação I conhecimento sobre o SUS,

expresso na colocação de que é um direito universal, que pagam impostos e por isso

podem e devem exigir uma melhor qualidade. Contudo, destacam que a política

pública de saúde acaba sendo direcionada para os pobres, excluídos e

marginalizados, como expressão da nossa realidade social.

./ Mudar esta situação implica na participação do cidadão na vida social,

mas infelizmente ainda não é o caso dos usuários entrevistados, que sequer sabem

da existência do Conselho Municipal de Saúde .

./ As condições de saúde e de vida da população estão cada vez pior, em

função dos graves problemas sociais enfrentados no Brasil, que expressam a marca

histórica da desigualdade social e do descaso de nossos políticos.

A análise por eles formulada sobre sistema público de saúde, cidadania e

qualidade de vida suscita em nós um forte questionamento sobre a inter-relação

entre o discurso e a prática, uma vez que não basta garantir as conquistas em

termos legais, mas faz-se necessário efetivá-las na prática cotidiana.

Com base no estudo realizado, apresentamos as seguintes recomendações:

./ Estimular a produção de conhecimento utilizando a abordagem

qualitativa

./ Ampliar estudos e pesquisas que enfoquem a perspectiva do usuário

./ Desenvolver ações no nível local do sistema de saúde- Distrito Sanitário

e Unidade de Saúde -de forma a contemplar a visão do usuário

./ Intensificar as ações da atenção básica- PSF

./ Realizar mudanças na organização do serviço do CSAM - mudança no

horário de marcação, qualificação e sensibilização dos profissionais,

humanização do atendimento

./ Dar continuidade ao processo de implantação do Conselho Gestor

./ Sensibilizar o usuário para a importância de sua participação no processo

de mudança social, bem como no processo saúde-doença

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O SUS ainda precisa avançar muito para concretizar seus princípios e

diretrizes, de modo a garantir a efetivação do direto à saúde como direito de

cidadania, e contribuir para melhorar a qualidade de vida da sociedade. Contudo,

isto só poderá ser alcançado a partir da articulação de diversas políticas públicas

(saúde, educação, habitação, saneamento) e com a participação ativa do cidadão,

que através da construção de uma visão crítica da totalidade do processo social

poderá interferir no processo de mudança.

A participação que falamos é participação política, como diversos usuários

destacaram tão bem: "o problema do Brasil não é a falta de dinheiro, é de

competência dos governantes"; "e a forma de controle é o voto, porque mesmo o

voto branco ou nulo é um ato político de omissão".

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ANEXOS

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ANEXO 1

,.. PReGR-AM-A DE- RESI-t>ENei-A· MUL TIPROFISSIONAL EM , - -

SAUDE COLET-IVA-~ FIOCR~?-i CPqAM I NESC

Residente: Evania Galindo

ROTEIRO DE ENTREVISTA COM USUÁRIOS DO CSAM- DS V

L.,. IDENTIF-ICAÇÃO DO-USUÁRIO NOME:

I

-------------------------------------------------------ENDERE(::O:·_----------------------IDADE: ESCOLARIDADE: RENDA: ----------- ----------

ll=INEORMAÇÕES SOBRKA.REDKDE SA~DE 1. Qual a importância da US para a comunidade? 2: Quantas·us- tem na sua comunidade?·· 3. Por q_uevocê procurou esta US? 4. Há quanto tempo você vem à US? 5. Em q11e especialidades você foi atendido,?

ID- INFORMAÇÕES SOBRE O TRABALHO DA US 6:· Qual-sua-opinião com rel~ãe·à-mareayão da-·eensult~? 7. Qual sua opinião sobre o atendimento? 8. Quando você necessita de um atendimento mais especializado é encaminhado para

outros serviços? 9. Como é realizado o atendimento nos outros serviços? 10. Após ser atendido nesse serviço é encaminhado de volta a US de origem? 11. Quando necessita de exames de laboratório consegue ser atendido? 12. Onde e como é realizado esse atendimento? 13. Com relação à medicação, onde você conseglJ~? Q1.1e dificuldades enfrenta? 14. Que dificuldades você enfrentou para ser atendido? (tanto naUS como na UR) 15. O q11e poderia ser feito para melhorar o atendimento? 16. A equipe da US trabalha junto à comunidade? Que tipo de trabalho é realizado? 17. Você assiste palestras naUS? Qual sua opinjão sobre as palestras? 18. Você participa de algum programa específico naUS? Qual o programa e que avaliação

\1:4z?

IV- CIDADANIA E QUALIDADE DE VIDA 19. O que você sabe sobre o SUS? 20. Você sabe da existência do CMS? Ql1al sua finalidade? 21. Você acha que houve melhorias na saúde da população? 22. Na sua opinião, o que deve ser feito para melllorar as condições de vida da população?

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ANEXO 2

JORNAL DO COMMERCIO- 20 I 08/2000- Caderno Cidades (p. 1- 3)

SAÚDE I EXEL.OR.A.ÇÃQ-NA LUTA P.OR.CONSIILTA.MÉDICA No Hospital de Areias, uma vaga na fila de fichas para atendimento chega a custar R$ 2o·· Um mercado inescrupuloso para conseguir ficha de atendimento está se formando em unidades públicas de saúde do Grande Recife. Não basta ter que enfrentar uma verdadeira via-crúcis contra a falta de vagas ªJilas quilométricas. Os usuários também se deparam com gente que comercializa lugares nas filas, tomando as já poucas vagas ainda mais escassas. O 'comércio' chegª a acontecer com o conhecimento dos diretores que, impotentes, dizem não ter poder para coibi-lo. O Jornal do Commercio foi acompanhar a difícil madrugada em algwns desses locais. No Hospital Geral de Areias, por volta qa meia-noite dezenas de pessoas j$ se acomodam na calçada, ao lado de gente q_qe tenta garantir o próprio atendimento. Ao amanhecer, terão um produto valioso para oferecer: a vaga que pode garantir, finalmente, a consulta de um médico. O negócio está se tornando meio de vida e o preço por uma ficha pode chegar a R$ 20. A reportagem é de Bruno Albertim

SAÚDE 11 'Ficheiros' tomam lugar de pacientes Hospital Geral de Areias (HGA), 5h50, segunda-feira. Uma multidão de aproximadamente 400 pessoas se agiQmera diante das portas da unidade, em busca de fichas para o atendimento médico. Em 1 O minutos, as senhas começam a ser distribuídas. Antônio Severino da Silva, 70 anos, chegou às 4h40 e depois de três horas de espera volta para casa, num trajeto que irá consumir mais uma hora de ônibus. "Não consegui um cardiologista. Amanhã, tento chegar mais cedo", planeja. Já a dona de casa Maria José da Silva, 59, chegou uma hora mais tarde que o paciente mal-sucedido pela segunda vez e, no entanto, conseguiu a disputada ficha para o especialista. O motivo: pagou R$ 1 O para ocupar o quarto lugar na fila a uma das diversas pessoas que vivem da atividade de gqardar vagªs para acesso a senhas no hospital. __ No HGA,unidade mantida pela rede estadual, onde até mil pessoas por dia procuram serviços só no ambulatório, desonestidade e desespero por atendimento se misturam, criando uma espécie de mercado da ficha médica. Por volta das 11 h da noite, mais de uma dezena de 'ficheiros profissionais' já estão alojados nas calçadas do prédio. Acomodam-se ao lado de pacientes que madrugam para garantir as próprias vagas, trazendo consigo mantas e garrafas de café para suportar o frio e a espera. Os 'ficheiros' ag!,.!ardam gente q~evai cheg_éir pOLJÇQ antes do amanhecer, disposta a pagar de R$ 5 a R$ 20 para ter acesso à cerca de urna dezena de especialidades clínicas. O preço pode. variar conforme. a- posição- na fila "Eu paguei porque não posso ficar esperando, vivo trêmula, sofro dos nervos. O dinheiro vai fazer falta", explica a dona de casa Maria-José' da Silva. ··· H

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"É um absurdo. Cheguei aqui às 2h da madrugada e já tinha gente dormindo ou fazendo-bar-ulho. Tenho que--ficar-a-noite-em elafo-para não perder o médico", reclama a dona da casa lvanilda Ferreira do Nascimento, 46. Depois de duas tentativas frustradas, ela conseguiu uma ficha para as únicas cinco vagas de oftalmologia oferecidas na última segunda-feira (14). "Quem não chega muito cedo, perde o médico ou é obrigado a pagar por uma vaga", reforça sua colega de fila, Aurenice Nogueira, 42, que não teve a mesma sorte. "Ninguém toma nenhuma providência para evitar a venda de vagas nas filas". A existência de vendedores de vagas para ficha no Hospital Geral de Areias é de conhecimento da administração da unidade, mas o diretor Frederico Rebêlo diz não ter poder suficiente para coibi-los. "Não podemos impedir. Eventualmente, solicitamos a presença da Polícia Militar, que faz com que eles sumam por alguns dias", diz. Para Rebêlo, 'o mercado da ficha' só existe porque há pessoas dispostas a alimentá-lo, pagando pelos 'serviços' que os ficheiros oferecem. A avidez dos ficheiros em vender as vagas éJanta que eles nem esperam as pessoas chegarem à porta do Hospital. Abordam qualquer veículo que se aproxime. "Estou desempregado. Não vou roubar, por isso 'cedo' o lugar na fila", justifica José Francisco de Lima Filho, 33, que chegou a oferecer 'seus _$erviços' ao carro da reportagem. Ele costuma passar a noite ao lado de mais de dez ficheiros. Com lençóis, dormem na calçada, conversam e brigam entre si pela ordem dos lugares na fila. Quase todos matam o tempo com aguardente. "Eles ficam bêbados e gritando ao lado de mulheres com filhos pequenos, na fila da pediatria. Os guardas daqui são coniventes", denuncia o paciente lvaldo do Nascimento, 52. Com os primeiros raios de sol, os ficheiros, de fato, ofereciam as vagas diante dos olhares dos seguranças que estavam no local. Um dos guardas, com naturalidade, comentou qpe "o pessoal da reportag__~m estava lá por causa do pessoal da ficha". Os 'vendedores' só começaram a abandonar o local, desconfiados, quando perceberam a câmera fotogri!fiça em atividade. "Costuma ter apenas dois guardas. Como é que eles vão orientar as pessoas e ainda reprimir quem vende vaga? Além do mais, eles podem ser p~rigQ$OS. São um problema de polícia", c;tiz o diretor da unidade, Frederico Rebêlo. "No Brasil é assim. Até por um serviço gratuito é preciso pagar'', reclama o paciente lvqldo.

SAODE 111 Há 1 ano, d~sempregado cQstuma beber e vender ficha na calçada Desempregado há três anos, José Francisco de Lima Filho, 33 anos, está morando há um deles, praticamente, na calçada do Hospital Geral de Areias. Diz que não concorda com a venda de vagas para pegar ficha, prática comum entre os outros companheiros de 'guarita'. Nega ser um deles, mas, ao longo de uma conversa e já bastante alcoolizado ao amanhecer, acaba confessando uma de suas fontes de renda. "Eu era ajudante de pedreiro. Hoje, procuro biscates, mas até isso está difícil. Não faço como os outros, que cobram até R$ 20 pela vaga. Eu aceito qualquer coisa", diz ele. De vez em quando, vai à casa da mãe, no bairro de Jardim São Paulo. Na manhã da segunda-feira (14), ele conseguiu menos de R$ 5 e uma banana, doada por uma paciente que levou a..fruta para amenizar a fome durante a espera até que o

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HGA abrisse as portas. "Preciso de um trocado para o café, o cigarro e a bebida, que não vou negar que preciso dela", explica. "Foi uma 'tia' legal que me deu a ajuda", diz. Ele é o único qi.Je admite o que faz na porta çlo hospital. Os outros, várias mulheres entre eles, procuram se esconder. Um deles, ao ver as fotografias sendo feitas, veio pergi.Jotar do que se tratava. Explicou que esperava o dentista. Em poucos minutos, descalço, já estava por entre os pacientes, oferecendo uma vaga privilegiada para a especialidade. Era o dono do segunqo lug_e3r na fila.

SAÚDE IV Dona de casa se recusa a comprar vaga A poucos quilômetros do HGA, no bairro de Afogados, às 6h, mais duas dezenas de pacientes tentam atendimento no Centro de Saúde Agamenon Magalhães, unidade da Prefeitura do Recife. O dia é segunda-feira, mas o cenário é comum em qyalqy~r período da semana e ig!Jal ao d~ outras unidades de saúde pública. Na fila, estão pessoas como Solancy RufinQ, 38 anos, que chegou às 4h para tentar um g_inecologista e às 8h ainda estava na espera. Assim como os outros, ela está em pé, na fila indiana que concentra todos os candidatos a paciente. Uma única funcionária recebe quf:!rn tenta qyalquer uma das especialidades. Eles são muitos: por dia, 1.200 pessoas, em média, buscam atendimento na unidade. "Tem Q.E!nte que vende o lug_ª._r. Mas eu não compro para não alimentar a safadeza", diz Solancy. Às 9h, ela voltou para casa, sem sucesso. "Vou embora antes--que-eu ofenda alguém~'-, fala;--já--estressadi!.- No outro dia, estará novamente na fila. A diretora da unidade, lva Barbosa VãiEmçá~diz que é natural que haja fila. "Eles chegªm ele madrugada porqJ,Je qy~rem. Os gJ.Jardas já são orientados a explicar, assim que o centro abre, pela manhã, que a~ pessoas cujas especialidades não têm vaga~tnQ dia voltem para casa. Mesmo assim, eles permanecem na fila até o guichê, para ouvir a confirmação", diz ela. "Se são tantas pessoas, é normal um pouco de fila", jyl_ga. Quanclo qy_~$tiom1da sobre o fato de haver apenas um guichê para atender os pacientes, ela explica que o serviço está informatizado e que logo as pessoas são atendidas. "Já às 9h, todo mundo está despachado", garante. Não é o que falam os pacientes. "Antes, eram cinco atendentes e era mais rápido. HoiQ, .. Jlªo tem ninguém para orgªnizar a fila, que dura horas. Os mais fortes passam na frente da gente que é idoso", diz Joana Maria de Souza, 59. A venda de lugares na fila também é de conhecimento da diretora. "Tomamos a providência de só atender a quem tem o cartão de cadastro. Desta forma, só vai ao guichê quem é paciente de fato",_ diz a diretora. De acordo com os pacientes veteranos, seis pessoas, na maioria menores de rua, costumam fazer alguns trocados 'vendendo' vagas na fila do posto. "Tenho mede de apontar quem são", diz uma aposenta, que, por cautela, recusa a identificar-se.

SAÚDE V Ação dos 'ficheiros' não se enquadra como crime Os 'ficheiros profissionais' que atuam nas unidades públicas de saúde estão acima da lei. Apesar de contribuírem para fraudar a garantia constitucional do acesso gratuito à

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saúde pública, impedindo que pacientes obtenham vagas, já pré-marcadas, eles não podem ser processados policial ou judicialmente. "Eles estão errados, mas não são estelionatários nem praticam extorsão. Não haveria como enquadrá-los", diz o delega.oo de repressão ao roubo e estelionato, Valdir Macedo. "Estelionatários eles seriam se vendessem uma mercadoria que não existe. E só haveria extorsão se eles obrig_a.ssem os pacientes a comprar as vag?s" ,_ ~xplica. A única maneira de impedi-los, portanto, é através de ações administrativas dos diretores das unidades. "Cabe aos diretores evitarem este tipo de coisa. Para isso, podem contar com o poder de repressão da polícia, que, quando solicitada, estaria contribuindo para.o bom funcionamento do hospital", diz o delegado. "Nesses casos, devem ser feitas denúncias à Polícia Militar ou à delegacia de Polícia Civil da localidaqe".

SAÚDE VI Clínicas p9pulares se tornam uma alternativ~ A difícil realidade dos hospitais e centros médicos públicos, aliado aos preços extorsivos dos planos de saúde particulares, fez surgir, na Região Metropolitana do Recife, uma realidade alternativa no atendimento médico. São as chamadas clínicas populares, nas qwais por uma consulta é cobrado entre R$ 5 e R$ 1 O e um exame de laboratório pode ficar por até R$ 2. Elas são d~enas e estão espalhadas-·pffia peftferia, como a Policlínica Rio Doce, por exemplo, onde os R$ 1 O da consulta dão direito·a uma volta. Longe da idéia comum de que esses estabelecimentos são 'espeluncas', a clínica possui sala de espera com poltronas alcochoadas, ventiladores, ágwa e cafezinho. A idéia, no entanto, surgiu há apenas seis anos, quando o administrador de três clínicas no lbura, José Antônio, resolveu baixar os preços das consultas para R$ 5. Hoje, 300 pessoas passam apenas durante uma manhã na Clínica do lbura, que se dá ao direito de fazer até concessões beneficentes. Idosos maiores de 70 anos não pagam se chegarem cedo. "Sempre trazem outros pacientes", calcula.

SA.ÚDE,VII Via-crúeis nos hospitais públicos Vaga. para uma consulta médica ao amanhecer. Atrás dessa possibilidade, milhares de pacientes transformam as calçadas de hospitais e centros médicos do Grande Recife em cenários de verdadeiras romarias durante a madrugada. São pessoas, muitas vindas do interior do Estado, que chegam a passar mais de 12 horas em pé, acomodadas no chão, ou de qwalquer forma, para encarar a via-crúcis de quem tem a esperança de que os primeiros raios de sol tragam a confirmação de um atendimento. Desesperada por um reumatologista, a dona de casa Maria José Gomes da Silva, 55 anos, chegou às 19h da terça-feira ao Hospital Osvaldo Cruz (HOC), um dos maiores da rede estadual. Seus planos: consegwir uma ficha às 6h do dia seguinte. "Já cheguei às 4h por várias vezes e voltei para casa sem atendimento. Tem que chegar esta hora, passar a noite, senão não tem médico" ,diz ela que, devido a problemas de coluna, não pode sequer sentar ou deitar durante a espera. "Pelo menos, os médicos são muito bons" ,.considera.

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Ao seu lado, quase duas centenas de candidatos a pacientes já se aglomeravam nas portas do HOC às 4h da madrugada. São cenas desoladoras. Velhos dormem no chão, enrolados por cobertores. Para a sorte deles, não é verificada a presença de vendedores de vaga. "A gente não permite que isto aconteça, procurando saber logo quem vai para qual médico", diz o paciente Torgentil Lins, 53. Situação pior costuma passar quem não tem o especialista que procura no próprio município e precisa se deslocar ao Recife. No bairro do Parnamirim, um dos metros quadrados mais caros da cidade, a faxineira Maria José da Silva, 48, chegou às 21 h30, vinda de Itamaracá Acompanhava o marido Raimundo, 51, que tentava um psiquiatra no Centro de Saúde Albert Sabin, unidade municipal. "Faz anos que a minha vida é assim. De outra forma, ele não consegue médico", diz, resignada. Sandro Oliveira, 24, precisou enfrentar uma maratona de 24 horas para tentar uma consulta com um urologista do HOC. Saiu de Glória do Goitá, a 63 quilômetros do Recife., ... às .. 5h daterça. Às 5h do .. dia. seguinte,. estava numa fila na porta do hospital. Ainda não era certa a consulta: