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    Talvez mais do que o cdigo gentico, o crebro diz o que cada um de ns realmente , mostrando o que temos em comum e nossas diferenas. Esses cir-cuitos de neurnios e sua dinmica explicam porque escrevemos, como nos lembramos das coisas, o que sentimos, as tristezas, os medos e os amores.

    Quem oferece essa explicao o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, um pioneiro nas pes-quisas sobre o crebro e sobre a interface crebro- -m quina, que est, com suas equipes nos Estados Unidos, na Sua, na Alemanha e no Brasil, fazendo uma srie de descobertas importantssimas en-volvendo desde a possibilidade de um tetraplgico voltar a andar com o auxlio de um terno robtico

    comandado por seu crebro at a terapia eficaz de uma doena degenerativa como Parkinson.

    No h dvida: a neurocincia, que estuda o cre-bro, tende a dar uma segunda chance a diferentes segmentos da sociedade. O mais bvio o grupo das pessoas que sofrem dos males pesquisados. Menos bvios, porm, e bastante relevantes, so os segmentos tratados neste Dossi: as empre-sas, que podem enfim humanizar sua gesto cons-cientes do que leva os seres humanos a agir desse ou daquele modo, e o Brasil, que pode tornar-se referncia em uma inovao de ponta a indstria neurotecnolgica e tambm fazer uma revolu-o empreendedora pela educao cientfica.

    A FISIOLOGIA DO GERENCIAMENTO Reportagem HSM Management

    62

    SE O CREBRO FALASSEEntrevista com David Rock 68

    O BRASIL E A ERA DO CREBROEntrevista com Miguel Nicolelis

    76

    CASOS REAISPor Jeffrey Schwartz, Pablo Gaito e Doug Lennick

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    NEUROBUSINESS

    NOSSA SEGUNDA ChANCE

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    as descobertas da neurocincia esto, cada vez mais, chegando s empresas. reportagem hsm management mostra como esse novo conhecimento tende a modificar, e a humanizar, a gesto, que por muitos anos pautou-se pela viso mecanicista desenvolvida na era industrial

    falta de reconhecimento no trabalho di tanto quanto uma pancada na cabea: o crebro sente a excluso e emite um impulso neural intenso que termina por prejudic-lo.

    Posso lhe dar um conselho? no uma pergunta simp-tica: para quem ouve o equivalente angstia de escutar passos desconhecidos durante a noite. O crebro entende que quem pergunta est impondo sua superioridade, fica na defensiva e envia a ordem para que as glndulas produzam hormnios do estresse.

    Um aperto de mos ou uma troca de olhares sobre algo engraado dilui a sensao de perigo que muitos lderes causam em seus subordinados, que, com medo deles, sen-tem como se sua vida estivesse ameaada. que o crebro libera o hormnio do amor diante de gestos simpticos, esti-mulando confiana, empatia e generosidade.

    Graas neurocincia, conjunto de disciplinas cientfi-cas que estudam o crebro para estabelecer a base org-nica do comportamento, hoje se sabe que a dor social descrita nas trs situaes acima um impulso prim-rio. Isso significa que, contrariando a crena comum, o sofrimento por motivos emocionais acontece em regies do crebro similares s que processam a dor fsica e no deve ser desconsiderado. O crebro humano um rgo social e sua luta para atenuar o sofrimento emocional uma batalha pela sobrevivncia.

    A reportagem de Florencia Lafuente, colaboradora de HSM MANAGEMENT.

    GERENCIAMENTO

    A FISIOLOGIADO

    A

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    CREBRO SOCIALEm menos de uma dcada, avanos tec-nolgicos como a ressonncia magn-tica tiraram a neu-

    rocincia dos limites do laboratrio. As re-

    centes descobertas sobre a flexibilidade do crebro,

    sua capacidade de criar no-vas conexes neurais em qualquer idade, sua receptivi-dade ao treinamento cogniti-vo e a confirmao de que a conduta humana tem origem fisiolgica so revelaes for-midveis para o mundo dos negcios e, sobretudo, para a rea de gesto.

    Sabemos que o trabalho uma transao econmica horas de dedicao em troca de salrio, mas para o crebro o ambiente profis-

    sional um sistema social. Da mesma forma que os pre-dadores esto programados para reagir diante da caa, o crebro humano est conectado de modo a responder s ameaas sociais como se sua existncia dependesse disso. Basicamente, para o crebro no h diferena entre ser condenado ao ostracismo e ter fome.

    As pessoas no podem ser criativas, trabalhar em harmo-nia com sua equipe ou tomar decises acertadas quando seu sistema de defesa est em alerta. Consideremos o seguinte exemplo: para lidar com o estresse, o crebro consome oxi-gnio e glicose destinados funo da memria recente, que processa novas informaes e ideias. Tal procedimento re-sulta em deteriorao do pensamento analtico, diminuio da capacidade de resolver problemas e queda de criatividade.

    Qualquer mudana, por menor que seja, em como perce-bemos uma situao ou realizamos uma tarefa tem efeitos drsticos em nosso desempenho e bem-estar pessoal, afir-ma Susan Greenfield, especialista em fisiologia do crebro e professora de farmacologia sinptica da Oxford University [veja quadro na pgina 65].

    David Rock, cofundador e CEO do NeuroLeadership Ins-titute, iniciativa global que busca criar uma cincia para o desenvolvimento de novos lderes, vai alm: No futuro, a capacidade de colocar o crebro social a servio do desem-penho ser um diferencial dos gestores. [Veja entrevista com David Rock na pgina 68.]

    Estudos do crebro tm demonstrado que a crtica melhora o fluxo

    de ideiasJonah Lehrer

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    NEUROMANAGEMENT Com o desenvolvimento da neurocincia, os modelos e as frmulas de gerenciamento construdos com base em teo-rias tm perdido espao para os novos conhecimentos sur-gidos de experincias cientficas empricas. Essas pesquisas so interdisciplinares e envolvem psicologia, sociologia, eco-nomia, psiquiatria, bioqumica e filosofia.

    Tais saberes formam a base do neuromanagement e suas subdivises, como a neuroliderana, o neuromarke-ting e o neurocoaching [veja quadro acima]. Seu objetivo explorar os mecanismos intelectuais e emocionais vin-culados tomada de deciso e ao gerenciamento organi-zacional para desenhar metodologias e ferramentas que, por meio do desenvolvimento das capacidades cerebrais, melhorem a eficincia dos lderes e potencializem o de-sempenho das pessoas.

    O neuromanagement se popularizou nos ltimos cinco anos graas reduo dos custos das tecnologias de an-lises de imagens. O uso desses recursos permite a observa-o direta da atividade cerebral e o entendimento completo sobre como funciona o crebro e qual a participao das emoes no sucesso ou no fracasso dos indivduos. E, dife-rentemente das tradicionais pesquisas de cincias sociais, a neurocincia traz o rigor das cincias biolgicas e exatas, o que possibilita criar metodologias efetivas para a mudana.

    OUTRO OLHARAs descobertas cientficas sobre o funcionamento do crebro esto jogando por terra muitas das ideias de gerenciamento concebidas nas ltimas dcadas. Um exemplo: os escrit-rios divididos em baias, sem espao privativo, favorecem a criatividade, certo? No exatamente, segundo as pesquisas de especialistas. Hlio Schwartsman, filsofo brasileiro e co-lunista do jornal Folha de S.Paulo, escreve em seu artigo A mitologia das ideias que a privacidade e o silncio tornam as pessoas mais produtivas.

    Schwartsman apoia-se no estudo Coding War Games, li-derado pelos consultores Tom DeMarco e Timothy Lister, que compararam o trabalho de mais de 600 programado-res de computadores, de 92 companhias. A pesquisa des-cobriu que a enorme diferena no desempenho entre as melhores e as piores organizaes no tinha relao com a experincia ou o salrio de seus funcionrios, e sim com a privacidade que estes desfrutavam e a quantidade de vezes em que eram interrompidos.

    Entre os programadores de melhor desempenho, 62% afirmaram que seu espao de trabalho era suficientemente privado para se concentrar e criar com tranquilidade e ape-nas 38% disseram ser interrompidos com frequncia.

    De outro lado, entre os programadores menos produ-tivos, s 19% garantiram ter a privacidade necessria e

    GLOSSRIO

    Neurocoaching sua proposta melhorar e ampliar as estratgias de desenvolvimento. indica quais as ferramentas e

    tcnicas necessrias para dominar e equilibrar as emoes e estabelecer

    novas conexes neurais que impulsionam pensamentos,

    crenas e sentimentos.

    interdisciplinar, a neurocincia engloba, alm da biologia, qumica, cincia da computao, engenharia, lingustica, matemtica, medicina, filosofia, fsica e psicologia. muitas vezes, o termo usado no plural, porque h as neurocincias molecular, celular, sistmica, comportamental e cognitiva.

    Neuroeconomia combina economia, biologia

    e psicologia, entre outras disciplinas. est centrada no estudo do comporta-

    mento, na confiana nas re-laes, na tomada de riscos irracionais, na avaliao re-lativa de custos e benefcios de curto e longo prazos e na

    conduta altrusta.

    Neuroliderana um campo interdisciplinar

    da cincia que estuda a base neural da liderana e das prticas de gerencia-mento. explora os proces-sos do crebro por trs das decises, os comportamen-tos e as interaes sociais

    no trabalho e fora dele. seu objetivo melhorar a

    eficincia dos lderes.

    Neuromarketing estuda como o crebro res-ponde aos anncios publi-

    citrios e comunicao de marcas por intermdio da

    pesquisa da atividade cere-bral e corporal. visa desco-brir os desejos secretos do consumidor para antecipar

    seu comportamento.

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    76% declararam ser interrompidos com frequncia. As dis-traes no trabalho reduzem a energia,

    diminuem a ateno, prejudicam a tomada

    de decises e impedem a formao da memria.

    Segundo estudos de 2009 reunidos por David Rock, uma pessoa perde 546 horas de traba-lho por ano devido a interrupes no escritrio e demora 25 minutos para recuperar a ateno depois de uma disperso.

    A convivncia criativa acontece de maneiras mais sutis que for-ando os funcionrios a conviver em espaos onde as nicas portas conduzem aos banheiros ou rua.

    Um exemplo clebre o Building 20, um prdio do campus do Massachusetts Institute of Technology (MIT) construdo durante a Segunda Guerra Mundial e destinado incubao de projetos inovadores.

    Sua edificao bsica e incoerente tinha sido pen-sado como algo temporrio formava um labirinto de pequenas salas, corredores, escadas e reas de descan-so nas quais se encontravam cientistas de todo tipo. Em seus 55 anos de existncia, nele surgiram avanos to fundamentais como o radar, as micro-ondas, os primei-ros videogames e a lingustica chomskiana. Batizado na-quele tempo de santurio da cincia, hoje possvel explicar cientificamente a origem de tanta capacidade criativa: privacidade.

    Outro exemplo de uma teoria obsoleta? A que sustenta que o brainstorming um processo criativo por exceln-cia. Inventado na dcada de 1940 por Alex Osborn, um dos fundadores da agncia de publicidade BBDO, o mtodo conhecido: um grupo se rene e comea a propor ideias; nenhuma proposta pode ser criticada, e sim aproveitada como base para outras.

    sabemos que o crebro humano vai mudar, a pergunta se para o bem ou para o mal, diz a reconhecida cientista britnica susan greenfield, especializa-da em fisiologia do crebro e professora de farmacologia sinptica da oxford uni-versity, do reino unido. as novas gera-es esto se afastando da interao hu-mana, dos abraos, dos cheiros, e isso um exemplo do que ser a vida no sculo 21. a cultura da tela de computador estgerando uma mudana mental equipa-rvel mudana climtica.

    a pesquisadora acha que as conse-quncias da cultura da tela sero senti-das em trs aspectos principais:

    1. Informao versus conhecimento. aspessoas detectaro padres e processa-ro informao com rapidez. no entanto,informao no conhecimento. enten-der conceitos e estabelecer relaes,

    comparar e colocar os dados em pers-pectiva so habilidades que se aprendem interagindo com outros, lendo livros. o crebro humano adapta-se ao ambiente; se o ambiente indica que deve falar com um computador, ele far isso.

    2. Assumir e gerenciar riscos. a cultu-ra da tela ensina que os atos no tmconsequncias tudo pode ser apa-gado ou revertido e que recomear algo natural. no mundo real, porm,as aes causam efeitos. uma empre-sa quer que seus funcionrios se arris-quem, mas com conscincia.

    3. Identidade, empatia e socializao.como a identidade das pessoas serafetada pelo fato de a principal atividade de socializao acontecer nas redes so-ciais? vejamos o caso do twitter e no h aqui uma crtica tecnologia, e sima seu uso, onde as pessoas escrevemcoisas como: ol, eu me levantei, comi

    cereais, calcei minhas meias. quem se importa? parecem as crianas quando dizem: olha, mame, olha o que eu consigo fazer. se a mame no olha, elas no existem. hoje, o sentido da identidade est dado pelo outro. muito facebook e pouca interao.

    O PRXIMO PASSO

    Gregory Berns

    Os melhores programas

    organizacionais podem ser uma ameaa se no

    considerarem as reaes do crebro

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    No entanto, estudos do crebro comprovaram que os indivduos, quando esto em grupo, tendem a deixar que outros faam seu trabalho. Instintivamente imitam as opinies dos demais e perdem de vista as suas. Sucum-bem presso dos colegas.

    Em um artigo publicado na The New Yorker, Jonah Lehrer, especialista em neurocincia e autor de O Momen-to Decisivo (ed. Best Business) e Proust Era um Neurocien-tista (ed. Lua de Papel), relata que estudos do crebro tm demonstrado que a crtica melhora o fluxo de ideias. Ele cita uma experincia: formaram-se dois grupos de brains-torming; cada um recebeu uma recomendao: um podia criticar, o outro no. Terminada a sesso, o primeiro grupo teve 20% mais ideias e continuou inspirado muito depois de a reunio ter acabado.

    John Medina, bilogo molecular e autor de Aumente o Poder do Seu Crebro (ed. Sextante), desbanca um mito so-bre o desempenho: o multitasking. O crebro no pode focar mais de uma tarefa ao mesmo tempo, simplesmente

    porque um processador se-quencial. S pode passar de

    uma tarefa outra com mais ou menos rapidez.

    Os multitaskers pare-cem eficientes, mas a verdade que chegam a demo-rar 50% mais para completar um tra-balho e cometem quatro vezes mais

    erros que as pessoas que realizam uma tare-

    fa por vez.

    DOR DE CABEAO crebro humano complexo. A linha entre o que o estimula e o que o maltrata muito tnue.Gregory Berns, professor depsiquiatria, economia e neg-cios e diretor do departamentode neuroeconomia da EmoryUniversity, explica que at osmelhores programas organiza-cionais podem se tornar umaameaa se no levarem em con-ta as reaes do crebro diantede determinadas situaes.

    As anlises de desempenho so um exemplo. As pessoas que esto sendo examinadas costu-mam sentir que s por partici-par dessa atividade seu status

    dentro da compa-nhia afetado. Vivenciam a experincia como uma ameaa. Tal postura difi-culta o retor-no esperado: a mudana positiva do comportamento.

    Todas as situaes re-lacionadas com a dor so-cial experimentada pelo crebro diante da sensa-o de excluso acabam afetando a capacidade cognitiva. Quando al-gum adota uma postura diferente, uma pequena parte do crebro associa-da ao medo da rejeio ativada. Portanto, inicia--se uma reao emocio-nal que reduz os recur-sos disponveis para ocrebro pensante, nocrtex pr-frontal, o que,por sua vez, diminui odesempenho e a capaci-dade de criar e de tomardecises, explica Berns.Sendo assim, acrescentaele, os lderes devem entender a importncia de promoverambientes de aceitao e autonomia para oferecer seguran-a para sua equipe.

    Paul Zak, professor de economia da Claremont Graduate University e fundador e diretor do Center for Neuroecono-mic Studies, acredita que a neuroeconomia tem o potencial de substituir o enfoque mecanicista do gerenciamento por outro mais humanista. A cincia tem contribudo muito para a economia, afirma. Os cientistas contam com gran-des tcnicas de observao e enten dem o funcionamento do crebro, mas nem sempre formulam as perguntas adequa-das. Os economistas questionam-se sobre como as decises so tomadas ou o que motiva determinados comportamen-tos, porm, quando vo interpretar as possveis razes, sur-ge um grande enigma. Na verdade, eles assumem alguns pontos como certos por exemplo, acreditam que o indiv-duo toma decises com base em informaes. O crebro, no entanto, no est programado dessa maneira.

    Grande parte das decises que tomamos, aponta Zak, no fruto do estudo das alternativas possveis, e sim de motivaes inconscientes, ou seja, incentivada por intui-

    John Medina

    O crebro no pode focar mais de uma tarefa ao mesmo tempo, porque um processador

    sequencial

    Incentivada por intuies ou

    sentimentos, nossa mente chega a

    concluses rpidas Paul Zak

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    es ou sentimentos, nossa mente chega a concluses r-pidas. O hemisfrio esquerdo do crebro tenta dar sentido ao mundo e, em busca de significado, atribui um enorme peso s evidncias que apoiam nossas teses e ignora as que no interessam. O renomado psiclogo experimental e linguista Steven Pinker diz que h um mundo de dife-rena entre crer que se sabe a verdade e saber de fato que algo verdade.

    Um estudo realizado no California Institute of Technolo-gy analisou de que modo os preos de um produto influen-ciam as preferncias de gosto. Os participantes provaram dois vinhos: um de US$ 10 e outro de US$ 90. Na verdade, os vinhos eram o mesmo, mas as pessoas no sabiam dis-so. A bebida mais cara foi qualificada como a mais sabo-rosa. Contudo, segundo o estudo das imagens, as regies

    do crebro associadas ao gosto no sofreram alterao,

    enquanto as relaciona-das com o prazer da

    experincia foram modificadas.

    Pesquisadores em neuroecono-mia da Univer-sity of Pennsyl-vania, liderados pelo professor de

    psicologia Joseph Kable, identificaram

    uma parte especfica do crebro o crtex

    frontal ventromedial co- mo a responsvel por tomar decises sobre o valor. Esse estudo procura determinar as configuraes de produtos e preos que os consumido-res percebem como justas.

    De acordo com o neuro-marketing, a maioria das de-cises de consumo responde s emoes e no razo. Martin Lindstrom, um dos especialistas mais reconheci-dos na rea, diz que no futuro prximo o papel do especia-lista em marketing ficar ob-soleto para dar lugar prtica de psiclogos e cientistas.

    Dan Ariely, professor de psi-cologia e economia do compor-tamento da Duke Uni versity, acha que o uso da ressonncia magntica em marketing ser

    cada vez mais popular, por sua eficincia e porque os custos de aplicao con-tinuaro baixan-do. Ao revelar dados sobre as preferncias de compra que o pr-prio usurio incapaz de verbalizar, as companhias podero intervir na fase de de-senvolvimento de seus produ-tos, testar conceitos com rapi-dez e eliminar os que no so promissores.

    TREINAMENTO PARA A POSITIVIDADEO neurocoaching oferece fer-ramentas para intervir de ma-neira consciente em processos cerebrais automticos. A ado-o e prtica de novas condu-tas criam circuitos neurais e os reforam.

    Uma pesquisa de 2009 de-nominada Neuroleadership and the Productive Brain concluiu que quatro horas de treinamento cerebral on-line durante 30 dias melho-ram de modo significativo a produtividade e a capacida-de dos funcionrios de au-torregularem suas emoes, um fator-chave no controle cognitivo, uma vez que as emoes negativas absorvem a energia neural e disper-sam a ateno.

    Mudar um desafio. Dos 60 mil pensamentos dirios de uma pessoa, 80% so negativos. Segundo os especialistas, para manter o estado de bem-estar, so necessrios trs pensamentos positivos para cada pensamento negativo.

    possvel reverter a inclinao natural do ser huma-no ao pessimismo? Sim; tornando-se consciente da ten-dncia mental para libertar a negatividade. Se algum se apega aos pensamentos e sentimentos negativos, con-tinua revisando-os e persistindo em compreend-los e termina conseguindo o que deveria evitar: refora o pes-simismo. Ao desviar a energia e a ateno das conexes neurais negativas, estas se debilitam e desaparecem.

    Steven Pinker

    H um mundo de diferena entre crer

    que se sabe a verdade e saber de fato a

    verdade

    A ressonncia magntica revela

    preferncias de compra que o prprio usurio incapaz de verbalizar

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    Dan Ariely

  • David Rock um dos fundadores do NeuroLeadership Institute, iniciativa global que rene neurocientistas e es

    pecialistas em liderana com o objetivo de construir uma nova cincia para o desenvolvimento dos gestores. Tambm fundador e CEO da empresa de con

    sultoria NeuroLeadership Group. Entre os clientes que tm utilizado seus treinamen

    tos esto a Nasa (agncia espacial dos Estados Unidos), outros departamentos do gover

    no norteamericano, bancos de atuao global e empresas listadas entre as 500 maiores dos

    Estados Unidos pela revista Fortune.Um dos editores do NeuroLeadership Journal, autor

    de quatro livros, entre eles o bestseller Your Brain at Work: Strategies for Overcoming Distraction, Regaining Focus, and

    Working Smarter All Day Long (ed. HarperBusiness) e Coaching with the Brain in Mind: Foundations for

    Practice (ed. Wiley), nenhum lanado no Brasil ainda. David Rock Ph.D. em neuro

    cincia da liderana pela Middlesex University, de Londres,

    Reino Unido.

    Saiba mais sobre David Rock

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    s lderes bem-sucedidos do futuro se caracterizaro pela capacidade de adaptao, uma habilidade que vai exigir muita flexibilidade cognitiva. A boa notcia, porm, que o crebro um rgo com plasticidade e aprende. A afirmao de David Rock, criador do conceito de neu-roliderana e diretor do NeuroLeadership Institute, rede de especialistas e organizaes que fazem pesquisas no campo da neurocincia.

    H muitos anos, Rock explora as consequncias dos resultados cientficos que derivam de estudos na rea de gesto e vida organizacional. Desde 2007, compartilha suas descobertas com o pblico no NeuroLeadership Summit, evento que a cada ano acontece em uma cidade diferente dos Estados Unidos e tem por objetivo explorar novos para-digmas para o desenvolvimento dos lderes de amanh. O prximo ocorrer entre 15 e 17 de outubro em Nova York.

    Nesta entrevista exclusiva a HSM Management, Rock conta por que acredita que a chave para o desenvolvimento dos melhores gestores est definitivamente na cincia.

    O sr. poderia definir o que neuroliderana?Neuroliderana a cincia que estuda a arte de liderar. No tentamos responder pergunta o que liderana porque achamos que depende muito do contexto: ser l-der nas Foras Armadas muito diferente de ser lder em uma pequena organizao criativa ou o lder de um pas. Agora, tentar definir o que liderana perigoso. J fo-ram escritos muitos livros sobre o tema e seus autores coincidiram em poucas coisas.

    Quais so os campos de estudo da neuroliderana?Em primeiro lugar, queremos entender a base lgica das ta-refas comuns a todo lder por exemplo, tomar decises e solucionar problemas. Ento, observamos quais so os pro-cessos que interferem em cada trabalho e como funcionam os nveis do consciente e do inconsciente em relao a isso.

    Nosso segundo campo de estudo o da autorregulao, ou seja, da capacidade das pessoas de regular as prprias emo-es. Acreditamos que todo lder deve controlar emoes, an-siedade, ateno; em outras palavras, ele tem de controlar a si mesmo, a ponto de poder executar tarefas difceis, como con-duzir um exrcito, pensar nos outros, gerenciar a incerteza.

    Nosso terceiro domnio o da colaborao. Os lderes pre-cisam se conectar com os outros e ajud-los a se conectar, assegurar-se de que a informao compartilhada e incen-tivar o trabalho em equipe.

    Finalmente, os lderes devem facilitar a mudana: influen-ciar os outros, inspirar.

    O que fazemos na neuroliderana estudar a base lgica de cada um desses quatro domnios.

    O que so os fundamentos biolgicos da neuroliderana? muito difcil explicar brevemente! como contar a histria do mundo em cinco minutos. Entretanto, na essncia, o que fazemos observar o crebro de uma perspectiva sistmica.

    O crebro muito diferente em cada pessoa. Isso sur-preendente, e tambm um grande desafio. Os circuitos atravs dos quais a informao flui so distintos em cada um e mudam constantemente. Um dia a informao pode fluir em uma direo e no dia seguinte em outra. O que tentamos fazer compreender o funcionamento desses cir-cuitos, detectar os processos mentais que podem ser vistos e identificar a linguagem mais precisa para descrev-los.

    EM ENTREvISTA ExCLUSIvA, DAvID ROCk, UM DOS FUNDADORES DO NEUROLEADERSHIP INSTITUTE, FALA SOBRE A NEUROLIDERANA, qUE PRETENDE FORNECER UM qUADRO CIENTFICO PARA COMPREENDER DE ONDE vEM A MAESTRIA DOS GRANDES LDERES, POR qUE ELES ERRAM, COMO MUDAM E COMO INFLUENCIAM OS OUTROS

    A entrevista de Francisca Pouiller, colaboradora de HSM MANAGEMENT.

    Se o crebrofalasse

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    A neuroliderana serve para aumentar a cons-cincia de si mesmo e a conscincia da so-ciedade, para enten-der como pensamos e como pensam os outros, como faze-mos as coisas e como colaboramos. Depen-dendo de qual for seu tra-balho, talvez seja muito til saber que costuma tomar decises ruins sem se dar conta. Ao conhecer os processos envolvidos na tomada de deci-ses, voc pode evitar que isso acontea. Por essa razo, importante criar uma linguagem cientfi-ca; eleva a conscincia.

    possvel dizer quais funes cerebrais um lder deve priorizar desenvolver? O clice sagrado para um lder o sistema de freios que existe no crebro, uma rede que inibe funes. utilizado para controlar a ansiedade, impedir que se grite com um colega, evitar que se fale demais em uma reunio. Cada vez que voc contm determinado comportamento, est usando esse sistema. Um lder deve ter a capacidade de se adaptar a ambientes e pessoas que mudam, a circunstncias que se modificam. Precisa ser capaz de transformar seus com-portamentos. s vezes, voc tem de inspirar; em outras, ser duro ou contido; e, em outras, estar muito focado em algo.

    H ocasies em que voc no deve se importar com o que os outros dizem, mas apenas se concentrar em suas metas. um trabalho que exige muita flexibilidade cognitiva, e isso se consegue freando comportamentos errados para desenvolver comportamentos novos e mais seguros.

    A boa notcia que temos um sistema de freios cerebrais, e a m que est

    alojado na parte do crebro que se sobrecarrega mais facilmente: o crtex pr-frontal. difcil us-lo e no pode ser usado em exces-so, pois deixa de funcionar.

    O sr. menciona a importncia do crebro social de um lder. Fale sobre isso, por favor.

    No crebro h uma rede social que no tem a ver com o Facebook

    nem com o Twitter, embora o xito das redes sociais realce a importncia de

    partes semelhantes do crebro. Quando uma pessoa se concentra em

    objetivos, a rede social do crebro se desconecta. Essa rede de modo predeterminado fundamental. Os seres humanos so impulsionados pelas necessida-

    des sociais. Por exemplo, se algum nos insulta, nos senti-mos ofendidos, porm, se nos insulta na frente de trs pes-soas, o efeito mais ameaador. E o oposto tambm vale: as recompensas sociais so mais importantes do que as no so-ciais. Isso significa que nos sentimos mais motivados para o bem ou para o mal por temas sociais do que no sociais.O problema que os lderes, por natureza, tendem a focardemais os objetivos; ento o circuito social se desconecta eperde-se a oportunidade de desenvolv-lo. Por isso, tambm se perde contato com as necessidades dos demais.

    Por que o autoconhecimento to crucial para um lder?O autoconhecimento crtico em certos tipos de liderana, no em todos. Se voc o lder de um pas subdesenvolvido e est conduzindo seu povo pela fora, talvez no necessite se conhecer. No entanto, se dirige uma empresa com pes-

    A boa notcia que temosum sistema de freios cerebrais,

    e a m que est alojado naparte do crebro que se

    sobrecarrega mais facilmente. difcil us-la e no pode

    ser usada em excesso

    O modelo ScarfEm sua edio n 79 (pgina 60), HSM Management publicou um artigo de David Rock sobre neuroliderana em que ele descrevia o modelo Scarf como eventual substituto da pirmide de necessidades de Abraham Maslow para os gestores que querem aumentar a motivao da equipe. Durante esta entrevista, ele voltou a explicar a ideia:

    As ameaas e recompensas sociais so to importantes quanto as ameaas e recompensas primrias, porque ativam o mesmo centro cerebral: a rea dos impulsos primrios. Essas so as motivaes intrnsecas e as resumi na

    sigla Scarf, que corresponde a status, certainty [segurana ou certeza], autonomy [autonomia], relatedness [relacionamentos ou conexes] e fairness [justia].

    O ser humano tende a minimizar o perigo e a maximizar a recompensa, nessa ordem. E, por mais que existam diferenas individuais para algumas pessoas, ter status mais importante do que sentir segurana, por exemplo, o desejo de querer mudar algo gera respostas ameaadoras a algum dos cinco domnios que mencionei.

    quando vrios domnios reagem a uma suposta ameaa, o perigo se torna irresistvel e bloqueia completamente opensamento racional. O Scarf uma ferramenta para lero ambiente social, predizer o efeito de possveis aes e estar mais sintonizado com as necessidades alheias.

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    soas que escolheram trabalhar para voc e so da rea do conhecimento ou fazem um trabalho criativo, seu nvel de autoconhecimento deve ser muito alto.

    O autoconhecimento , simplesmente, a capacidade de ver a si mesmo como os demais no veem, conhecer-se. Isso importante porque o lder algum que atrai a ateno, seu comportamento e emoes so copiados de modo autom-tico. Se quer que as pessoas que trabalham para voc sejam criativas, tenham bom desempenho ou sejam disciplinadas, tem de encontrar essas qualidades primeiro em si mesmo. Quando somos capazes de nos enxergar e pensar sobre nos-so prprio pensamento, conseguimos nos adaptar melhor.

    O sr. fala de dois tipos de padres mentais: um fixo e outro de crescimento. possvel mudar um padro mental?Sim, h um trabalho de Carol Dweck [professora de psicolo-gia da Stanford University, dos EUA], apresentado no ltimo NeuroLeadership Summit, de novembro de 2011, que mos-tra ser possvel mudar. Porm, ainda mais importante, ela demonstrou que o padro mental de uma pessoa tem um grande impacto sobre sua capacidade de aprender.

    Os indivduos que pensam que tudo fixo e inabalvel tendem a evitar o feedback. Os que acreditam que suas ha-bilidades e inteligncia mudam lidam muito melhor com o feedback e aprendem. As pessoas que pensam que no po-dem mudar tendem a enganar, a ter uma tica diferente e a apresentar pior desempenho, se comparadas com aquelas que acreditam que podem se transformar e crescer.

    Organizaes tambm possuem padro mental? As organizaes desenvolvem as pessoas nesses padres assim que falamos em neuroliderana. Mesmo sem sa-ber, as empresas desenvolvem as pessoas em um desses dois padres: as que usam o padro fixo separam as pessoas entre as que tm talento e as que no o tm; as que operam no padro de crescimento favorecem quem pode crescer.

    At a maneira como ocorre o feedback importante para isso. Se o lder oferece feedback sobre o desempenho, ten-de a desenvolver seus funcionrios em um padro fixo; ao faz-lo pelo esforo realizado, permite que encontrem um padro de crescimento, flexvel.

    Normalmente somos educados em um padro mental fixo. Foi o sistema educacional de muitos pases que nos fez crer que a inteligncia imutvel, o que no est certo. Isso explica o que os estudos concluem: os lderes costumam ser bons na obteno de resultados, o que tem a ver com o padro fixo, mas no no pensamento estratgico, ligado ao padro de crescimento e a desenvolver o talento das pessoas.

    Um lder no deveria ser menos racional e mais emotivo para poder comprometer-se com sua equipe? Reconheo que o lder precisa tomar conscincia dos temas humanos e sociais, mas eu no diria que tem de ser mais emotivo. Ao contrrio: ele deve aprender a controlar suas emoes, porque a liderana muito ameaadora e estres-sante. Controlar as emoes que sinnimo de controlar o estresse importante.

    Talvez o certo seja dizer que h momentos em que o lder deve ser emocional, como quando tem de mostrar sentimen-tos positivos para inspirar os outros. Voltamos capacidade de adaptao! Trata-se de entender quais so as necessida-des dos demais e de poder modificar comportamentos para adaptar-se a elas instantaneamente.

    O impacto das diferenas culturais significativo?Obviamente, a cultura muda de um lugar para outro e isso influencia nosso modo de pensar e interagir com os demais, embora os seres humanos tenham muito em comum, de onde quer que sejam. H culturas para as quais a autonomia chave, por exemplo, enquanto, em outras, as pessoas pre-ferem ser dirigidas e ter certezas maiores.

    Existem diferenas, e h todo um campo de investigao, chamado neurocincia cultural, que analisa as desigual-dades biolgicas e genticas das culturas.

    Como o sr. descreveria o lder do novo sculo?Como uma pessoa capaz de se adaptar, de mudar seu foco e seu comportamento para modificar o de outras pes soas ou da cultura em que trabalha. Acredito que os lderes bem-sucedidos no somente tero alta capacidade de adaptao, mas tambm ajudaro suas organizaes a faz-la com xito.

    A neurocincia da liderana ainda evoluir muito?Sim, estamos apenas comeando a compreend-la! Ainda h muito que fazer. Uma centena de pessoas pesquisa esse campo atualmente e haver muitas novidades ainda.

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    assim que fazemos as coisas aqui. Proferida no con-texto empresarial, a frase muito mais do que uma expli-cao. Em geral, incorpora crenas que se fortaleceram ao longo dos anos pela repetio de rotinas e de centenas de conversas sobre o que (no) deve ser feito.

    Essas crenas constituem prticas complexas e sutis to enraizadas na cultura corporativa que acabam moldando sua identidade. De fato, no so ruins em si; constituem muitas vezes a razo pela qual a empresa vai bem. Porm, quando as circunstncias se transformam ou a companhia se torna disfuncional, o que fazemos aqui precisa mudar.

    Modificar um hbito difcil; nas empresas, a com-plexidade da conduta coletiva faz com que o desafio seja ainda maior. Nos ltimos anos, as pesquisas no campo da neurocincia abriram espao para trilhar caminhos radicais. A chave implementar novos comportamen-tos que substituam essas atitudes fixas, quase gravadas nos circuitos neurais.

    Duas empresas que fizeram issoA Cargill, gigante dos setores agroindustrial e aliment-cio, e a Ameriprise Financial, empresa de assessoria fi-nanceira, utilizaram as descobertas sobre o crebro para dar incio a mudanas internas profundas.

    Em 1999, a Cargill se props ser uma organizao mais gil. Em 2006, a direo decidiu renovar seu com-promisso e elevar a aposta de colaborao e inovao em todas as unidades de negcios. Para isso, teve de modi-ficar alguns aspectos de sua cultura que a impediam de construir um ambiente verdadeiramente livre, no qual os funcionrios tivessem o poder de agir de maneira de-cisiva e assumir responsabilidades diante dos clientes.

    A companhia composta por mais de 70 unidades dis-tribudas em 66 pases; o desafio era complexo, porm a Cargill o abordou com base na definio de mudanas estruturais e comportamentais uma grande transfor-mao na maneira como fazemos as coisas aqui.

    A Ameriprise Financial entrou em ao em 2007. Os resultados de um estudo sobre o desempenho dos in-vestidores fizeram com que os lderes da empresa deci-dissem submeter a exame seus hbitos organizacionais. O estudo, realizado pela empresa de pesquisas Dalbar, mostrou que havia uma lacuna entre o xito individual dos investidores e o do mercado como um todo.

    A origem do problema era orgnica: o instinto de so-brevivncia levava os profissionais a evitar algumas das receitas caractersticas de um mercado voltil. Por exemplo, quando as aes caem subitamente, um inves-tidor que pensa de modo racional deveria se afastar da situao e esperar um sinal do que est por vir. No en-tanto, muitos se apressam em vender por temerem uma queda maior. Isso aumenta as perdas: frequentemente as aes logo voltam a subir. Tentando se garantir, os inves-tidores comprometem as prprias carteiras.

    A Ameriprise viu a oportunidade de melhorar suas prticas e evitar continuar caindo nessa armadilha. Im-plementou um programa de capacitao para todos os seus assessores destinado a aumentar a conscincia so-bre o processo de tomada de decises.

    princpios Da muDanaOs focos da mudana organizacional so baseados nas des-cobertas que a neurocincia considera em diversos fatores relacionados ao funcionamento do crebro, tais como:

    Hbitos so difceis de mudar. Muitos padres conven-cionais de pensamento nunca chegam ateno cons-ciente. Isso acontece com a informao processada por rgos como os gnglios basais tambm chamados de centro dos hbitos, que normalmente controlam ati-vidades semiautomticas (dirigir e andar, por exemplo), a amgdala, que d origem s emoes fortes (medo, irri-tao etc.), e o hipotlamo, que lida com instintos (fome, sede e desejo sexual, entre outros).

    Toda vez que os padres neurais dos gnglios basais so convocados, criam mais razes. Quando uma prtica organizacional ativa um rgo, torna-se extremamen-te difcil remov-la. Por isso, necessrio desenvolver novas condutas, que devem ser geradas nos gnglios basais. Aprender novos comportamentos costuma ser difcil e doloroso porque implica superar de maneira consciente um circuito neural profundamente cmodo.

    A CArgill e A AmeripriSe FinAnCiAl provAm que poSSvel modiFiCAr hbitoS de modo mAiS eFiCAz e durAdouro Com A AjudA dA neuroCinCiA, em SeiS pASSoS, Como eSCreve o pSiquiAtrA jeFFrey SChwArtz, em pArCeriA Com oS exeCutivoS que implAntArAm Seu mtodo

    O psiquiatra Jeffrey Schwartz, professor e pesquisador da faculdade de medicina da University of California em Los Angeles (UCLA), escreveu este artigo com Pablo Gaito, vice-presidente da Cargill Learning and Development, e Doug Lennick, assessor da Ameriprise Financial e de outras empresas.

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    Tambm envolve utilizar partes do crebro que exigem mais esforo e energia, como o crtex pr-frontal, asso-ciado a funes executivas como o planejamento.

    No trabalho, tentar algo novo pode gerar medo e irrita-o (o que se denomina sequestro da amgdala), desejo de fugir ou cansao desproporcional em relao ao real que o provocou. Diante do surgimento dessas emo-es, as pessoas resistem mudana e a capacidade de pensamento racional e criativo diminui.

    As conexes neurais so plsticas e at os pensamen-tos mais enraizados podem ser modificados. O tipo de ateno que faz essa mudana combina a metacognio (pensar sobre o que se est pensando) e a metaconscien-tizao (dar-se conta momento a momento daquilo a que se presta ateno). O filsofo Adam Smith chamou esse mtodo de espectador imparcial.

    Estudos neurocientficos confirmaram o poder do espectador imparcial. Se uma pes-soa observa o prprio processo de pensar enquanto reflete sobre determinada crena (como a de que precisa lavar as mos o tem-po todo), pode fazer com que o pensamen-to se desloque para regies do crebro mais conscientes, como o crtex pr-frontal, que permite atuar sobre sua compulso.

    Prestar ateno a novas formas de pensa-mento, no importa quo incmodas paream a princpio, pode gerar novos circuitos nos h-bitos mentais. Esse fenmeno denominado densidade de ateno. Quando uma pessoa presta ateno consciente aos pensamentos desejados e s metas relacionadas a isso, o processamento dessa informao se estabili-za e os padres neurais se solidificam.

    Ao focar a ateno, no se deve reforar o ne-gativo, mas o que se faz de bom. A maioria das atividades cerebrais no distingue a dife-rena entre realizar uma atividade e evit-la. Quando algum pensa repetidamente No devo violar esta regra, est ativando e refor-ando padres relacionados a violar a regra. Portanto, para engendrar uma mudana em uma empresa, importante focar a ateno no estado final desejado, no em evitar os problemas. Esse reforo positivo orientado para a meta deve ocorrer repetidas vezes.

    A capacidade do veto cognitivo permite con-siderar rapidamente provocaes externas e escolher deter os impulsos disfuncionais antes que entrem em ao. Muitas pessoas

    acreditam que o controle de seus impulsos limitado, especialmente em vista de emoes fortes como a irrita-o, a frustrao, o entusiasmo ou a pena, porm a neu-rocincia tem demonstrado que um indivduo sempre pode limitar ou impedir (escolher no fazer) determi-nado impulso. Tudo questo de praticar. Mesmo uma simples ao, como contar at dez, abre possibilidades de resposta mais funcionais.

    A capacidade de focar a ateno deve ser constantemente cultivada. Poucas empresas tm conseguido isso. Suge-rimos um mtodo para faz-lo: composto de seis passos, uma sntese de nosso trabalho em diversas reas da neurocincia [veja quadro acima].

    Passo 1: Reconhecer a necessidade de mudana. A chaveconsiste em se dar conta de quando uma pessoa est imer-

    O crculo virtuoso dos valores focados

    esse crculo mostra seis passos para produzir uma mudana profunda (crculo externo) e os novos valores organizacionais que produzem (cr-culo interno). o crculo virtuoso comea quando o primeiro passo ativa o foco deliberado na maneira como fazemos as coisas aqui. Conforme as etapas progridem, os participantes ganham um senso mais forte designificado compartilhado, levando a prticas especficas e, por fim, acontribuies mais tangveis e a um desempenho melhor.

    Fontes: Gaito (crculo interno); Schwartz e Lennick (passos).

    CON

    TR

    IBUI

    O FOCO

    PRTICA SIGNIF

    ICAD

    O

    1Reconhecer a

    necessidade de mudana

    2Renomear as reaes

    3Refletir sobre expectativas e

    valores4

    Reorientar a conduta

    5Responder

    com repetio

    6Revalorizar as escolhas em tempo

    real

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    sa em uma rotina. Para evitar tal imerso, fundamental aumentar a conscincia sobre os pensamentos, emoes e aes e sua conexo com os resultados na vida real. De-pois de um episdio difcil, por exemplo, voc pode se dis-tanciar e perguntar: Em que eu estava pensando? Como me sinto agora? Meu comporta-mento estava alinhado com meu objetivo e com o quadro mais amplo que tenho?.

    Coletivamente, a eta-pa do reconhecimento significa falar sobre as possibilidades de mudana com a pre-missa de que a ma-neira como fazemos as coisas no pode continuar. A prtica des-sa etapa pode trazer grande carga emocional, porque significa recusar ou abandonar aes cmo-das, porm contraproducentes.

    Jim Cracchiolo, presidente-executivo da Ameriprise, por exemplo, reconheceu a necessi-dade de transformao no setor de assessoria finan-ceira e isso influenciou sua rejeio ao programa de apoio do governo dos Estados Unidos, aps a crise de 2008. Segundo ele, o financiamento do governo impediria a empresa de atingir todo o seu potencial. Essa explicao ressoou fortemente nos funcionrios.

    Passo 2: Renomear as reaes. Essa etapa foi inspiradana terapia de transtorno obsessivo-compulsivo, o conhe-cido TOC. Se uma pessoa com TOC d um novo nome aum comportamento inadaptado, ela pode superar pen-samentos disfuncionais (Tenho de lavar as mos parame assegurar de que esto limpas) e aprender que sosimplesmente pensamentos (Sinto que a urgncia volta, mas somente um pensamento que me produzido pela sndrome do TOC). O ato mental de renomear melhoraa capacidade de distinguir e, portanto, diminui o apegopessoal ao que se est pensando.

    Passo 3: Refletir sobre expectativas e valores. Nessaetapa, as expectativas antigas so suplantadas por umanova imagem do estado que se deseja alcanar. Tanto aCargill como a Ameriprise mantm sees internas detreinamento para fomentar a capacidade de reflexo co-letiva. Os participantes falam sobre o tipo de empresaque esto tentando criar, sobre a liderana que ser ge-rada e sobre as necessidades e valores de seus clientes.

    Nessa reflexo, a companhia emprega as expectativas de condies melhores como ferramenta para reforar padres neurais produtivos. Experimentos neurocient-

    ficos sugerem que dizer, por exemplo, As coisas sero melhores se mudarmos acalma as reaes como um placebo alivia a dor.

    Passo 4: Reorientar a conduta. Aqui necessrio ali-nhar hbitos e metas. As prticas a adotar

    so identificadas e colocadas em prtica. Nas empresas que navegam por guas

    turbulentas (como em uma crise econmica), reorientar-se talvez

    signifique perseguir prticas de-liberadas para ativar o especta-dor imparcial. Um lder pode comear falando abertamente sobre como se sente, pedir a sua equipe que faa o mesmo e ento ajud-la a encontrar uma perspectiva mais ampla. Ainda esto bem, tm traba-

    lho, suas famlias no sofre-ram. Logo trata de gerar um es-

    tado emocional mais calmo, levando as pessoas a um pensamento preme-

    ditado. Essa a etapa crucial da sequn-cia, por causa de seu poder de impacto no

    crtex pr-frontal, onde se processam novas condutas que, ao se repetirem, constroem circuitos nos gnglios

    basais e se convertem em um conjunto de novos hbitos.

    Passo 5: Responder com repetio. Significa ser respons-vel e tornar os demais responsveis pondo em prtica con-dutas apropriadas para a mudana de modo constante. Adisciplina necessria para criar novos hbitos. A Cargill,por exemplo, usa indicadores para estabelecer prioridadesde liderana e avaliar o comportamento dos gestores.

    Passo 6: Revalorizar as escolhas em tempo real. Essaetapa a da ateno plena. possvel reconhecer osprprios pensamentos no momento em que acontecem,resistir ao sequestro da amgdala e controlar a crise.Nas empresas, em vez de reverter automaticamente aideia da maneira como fazemos as coisas aqui, aspessoas pensam na maneira como fazamos as coisas,pois agora fazemos melhor. Quando as respostas auto-mticas mudam em um grande grupo de pessoas, surgeuma nova tica organizacional. A transformao deixade ser imposta e passa a ser escolhida, instalando-secomo um novo hbito.

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    A etapa do reconhecimento

    significa falar sobre as possibilidades de

    mudana com a premissa de que a maneira como fazemos as coisas no

    pode continuar

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  • m assunto de suma importncia quando um novo macaco chega ao laboratrio descobrir qual seu suco de fruta favorito, ensinou o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis durante esta entrevista, mostrando que mesmo as grandes inovaes tm detalhes prosaicos. A macaca Rhesus Aurora, por exemplo, adorava suco de laranja, e foi para be-ber litros dele que, entre 2002 e 2003, aprendeu a controlar um brao robtico, localizado em outra sala, apenas com a fora do pensamento como se fosse um terceiro brao seu.

    Em seu laboratrio na Duke University, na Carolina do Norte, Estados Unidos, Aurora aprendeu primeiro a con-trolar mentalmente o joystick de um videogame os mi-croeletrodos implantados em seu crebro transmitiam seus impulsos neurais e estes eram convertidos em comandos matemticos que podiam ser interpretados pelo computa-dor. Sem se mexer, Aurora acertava com o cursor os alvos que apareciam na tela do computador, fazendo a melhor e mais rpida trajetria possvel.

    Quando o joystick foi trocado por um brao mecnico, num intervalo curto, Aurora continuou a fazer a mesma coi-sa. Detalhe: ela acertava 98% das jogadas. Ento, Nicolelis e sua equipe entenderam: assim como a raquete se torna, para o crebro do tenista, uma extenso de seu brao ou o violopassa a ser uma extenso dos dedos do violonista, aquelebrao robtico virou uma extenso do corpo da macaca sque controlado apenas por sua vontade, sem exigir nenhumtrabalho muscular. Uma descoberta impressionante queos comandos motores para o brao mecnico no vinhams dos neurnios normalmente ativados para mover os bra-os, mas tambm de outras reas do crebro, comprovandouma incrvel capacidade cerebral de adaptao.

    Os estudos de Nicolelis nessa fronteira, batizada por ele e seus colegas de interface crebro-mquina, vm se desen-volvendo velozmente desde ento e os impactos potenciais so imensos. O menor deles que um brasileiro finalmente ganhe um Prmio Nobel e eleve a autoestima nacional. Ou-tros, sem a pretenso de esgotar a lista, incluem a terapia de doenas como epilepsia e Parkinson, a possibilidade de um tetraplgico voltar a andar, a revoluo da educao brasileira, a criao de uma plataforma de inovao im-portantssima para o Pas a indstria da neurotecnologia, j iniciada, de certa maneira, no Rio Grande do Norte, a recuperao da vocao cientfico-tecnolgica, que o Brasil perdeu de Alberto Santos Dumont para c, e, filosoficamen-te, a libertao do crebro em relao ao corpo, o que repre-senta a mudana de paradigma mundial.

    Assim, no limiar da substituio da era do corpo pela era do crebro, como define Nicolelis, com desdobra-mentos imprevistos, HSM Management foi discutir to-das essas questes com um de seus maiores protagonistas, professor de neurobiologia e engenharia biomdica, codi-retor do Center for Neuroengineering, da Duke University, e responsvel pelo Instituto Internacional de Neurocin-cias de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), para citar algumas de suas credenciais. Nesta entrevista exclusiva editora-executiva Adriana Salles Gomes, ele mostra oti-mismo em relao ao empresariado brasileiro esto mais preocupados com o assunto do que imaginamos, pede-lhe mais ambio e, ao mesmo tempo, externa seu temor de que se feche a janela de oportunidade que temos, calculada em mais dois anos.

    Nossas empresas se dizem ansiosas por inovar. Elas devem perseguir uma vocao cientfica brasileira? Isso existe?Tem de existir. Acho que precisamos ser capazes de expor-tar conhecimento tropical, fruto do que eu posso chamar de

    A entrevista de Adriana Salles Gomes, editora-executiva de HSM MANAGEMENT.

    O Brasil e a era do crebroAlm de revolucionAr o mundo, o neurocientistAmiguel nicolelis contA, em entrevistA exclusivA, comopode AjudAr A revolucionAr o pAs com suA especiAlidAde

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  • cincia tropical. Exemplo disso o que est acontecendo l no Fundo, no Rio de Janeiro, em que esto criando prova-velmente o maior parque tecnolgico industrial da inds-tria do petrleo e do gs em todo o mundo. Outras frentes? Bio logia marinha, doenas tropicais, fontes alternativas de energia, farmacologia, botnica e, claro, neurocincia.

    J fazemos pesquisas de ponta no Instituto Internacio-nal de Neurocincias de Natal Edmond e Lily Safra, no Rio Grande do Norte, relativas a doenas degenerativas, inter-face crebro-mquina e a uma educao revolucionria de

    crianas, coisas que o mundo inteiro est observando. Por exemplo, estamos avanando rapidamente no desenvolvi-mento de uma nova terapia da doena de Parkinson, j em teste com primatas. Temos outras pesquisas que vo ser pu-blicadas este ano tambm, completamente diferentes do que fizemos at agora: so na rea da interface crebro-mquina e descobertas sobre mecanismos fisiolgicos de funciona-mento do crebro, que no tm aplicao prtica imediata, mas tero no futuro. S que, seguindo o protocolo cientfico, ainda no posso falar sobre elas, que esto sendo revisadas.

    o neurocientista um astrnomo descobrindo um novo universo: o crebro. essa a potica definio que miguel ngelo laportanicolelis, de 51 anos de idade, d a sua profisso e que reposi-cionou o crebro imediatamente em meu imaginrio, muito maisdo que suas to impressionantes credenciais: foi o primeiro bra-sileiro a ter artigo de capa da revista science; integra a lista dos20 maiores cientistas do mundo da dcada de 2000 no ranking da scientific American; tem um ndice H (mtrica de quantas vezes o trabalho de um cientista citado por outros na literatura mundial) de 57, o que elevadssimo; j orientou 20 teses de doutorado e45 de ps-doutorado em 29 anos de carreira, 18 dos quais na duke university. mais que tudo, porm, a hbil analogia levou-me a que-rer enxerg-lo, e descrev-lo, da perspectiva de seu crebro.

    A neurocincia comprovou que a multidisciplinaridade chave para o crebro desenvolver-se, e esse mdico formado pela uni-versidade de so paulo tambm mltiplo: seguiu carreira aca-dmica (doutorado em fisiologia no instituto de cincias Biolgicas da usp, professor de medicina da mesma universidade, ps-dou-torado na Filadlfia, professor e pesquisador da duke university, de durham, carolina do norte), mas, ao mesmo tempo, foi em-preendendo (como no instituto internacional de neurocincias de natal edmond e lily safra, iinn-els), participando de comisses governamentais (preside a comisso do Futuro, do ministrio de cincia e tecnologia), escrevendo fico, sendo pintor autodidata, torcendo fanaticamente por futebol (Brasil e palmeiras) e, quando o twitter apareceu, participando ativamente desse microblog.

    se ensinar para aprender a lgica cerebral, nicolelis ensi-na s mais distintas plateias, seja de um programa de tv popular como o dominical Fantstico ou um talk show cool como o de jon stewart nos euA, seja no livro infantil que trabalha com a me es-critora, giselda laporta nicolelis uma verso de muito Alm do nosso eu (ed. companhia das letras), ou num evento para ges-tores como o Frum novas Fronteiras da gesto, organizado pela Hsm do Brasil, que ocorrer em agosto prximo em so paulo.

    Apesar de hoje dividir seu tempo igualmente entre Brasil, estados uni-dos e sua, nicolelis impregnado de suas memrias de infncia, aquelas que moldam o crebro. seu conheci-do radicalismo pode ser atribudo em grande parte ao convvio estreito com a av anarquista lygia laporta. esse neurocientista quer no apenas curar doenas consideradas incurveis, co- mo tambm ajudar a elaborar uma es-tratgia para um pas sem estratgia e cooperar para criar uma cultura cient-fica em um povo que no a tem, pondo o Brasil no mapa da inovao e da rele-vncia mundial. o radicalismo no o faz de fcil convvio: ele no perdoa quemcolaborou com o regime militar, recusa-se a pedir recursos aempresas que ganham dinheiro com produtos nocivos sade, como cigarros ou bebidas alcolicas deveriam, no mnimo,financiar pesquisas sobre a cura dos males que causam, no poupa de crticas os que chama de pseudocientistas e terro-ristas, que atemorizam as pessoas com as cincias. e provo-cou a ira de um grupo de neurocientistas ligados universidade Federal do rio grande do norte, que foi mdia contra ele [leiamais sobre isso no quadro da pgina 80].

    no entanto, suas memrias to profundamente brasileiras explicam a paixo pelo pas. As saudades que declara sentir de po de queijo, sanduche bauru, esfiha paulistana, bombom sonho de valsa, chocolate diamante negro, goiabada com quei-jo de minas fortalecem seu comprometimento com o Brasil.

    tudo me faz crer que o crebro de miguel nicolelis bas-tante complexo. como a histria mostra, contudo, no so c-rebros simples que mudam os pases ou o mundo.

    Saiba mais sobre o crebro de Miguel Nicolelis por Adriana Salles Gomes

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  • Queremos ampliar o instituto transformando-o no Cam-pus do Crebro. Seria um parque neurotecnolgico, que ins-talaria no Brasil uma cadeia produtiva de neurotecnologia, e futuramente isso se converteria na Cidade do Crebro um modelo a replicar em outras regies do Pas.

    O que vocs esto fazendo para que isso acontea?Para dar visibilidade a nosso objetivo, estamos buscando patrocnio para fazer uma demonstrao do nosso projeto Walk Again na abertura da Copa do Mundo de Futebol que ser sediada pelo Brasil em 2014. Nosso sonho que uma criana tetraplgica volte a andar utilizan-do um terno robtico comandado por seu crebro e d o chute inicial no jogo inaugural.

    Isso, alis, teria um efeito ex-tremamente benfico para a marca Brasil, ao tirar o es-tigma de que aqui s tem futebol e msica, conferin-do-nos uma imagem cien-tfica que ajuda a construir a cultura de cincia e inova-o de que tanto precisamos.

    O projeto Walk Again continuaria l fora ou seria transferido para c?Ele financiado por um consrcio interna-cional e continuaria entre Estados Unidos, Sua e Alemanha, mas a gente quer trazer toda essa tecnologia para Natal e eventualmente para So Paulo para servir tambm como alavanca do parque neurotecnolgico.

    E como anda o processo de viabilizao, tanto do pontap ini-cial como desse cluster de neurotecnologia no Brasil?O patrocnio ao chute inicial temos dois meses para viabili-zar e estamos conversando com muitas empresas o apoio do governo j possumos, mas preciso mais do que isso. Por exemplo, em So Paulo, procuramos um hospital par-ceiro, para fazer toda a parte clnica, algo bem difcil.

    Sobre a viabilizao do cluster, creio que temos uma jane-la de oportunidade de dois anos, no mais; outros pases tm se dedicado ao assunto tambm.

    O governo faz a figura de um planejador central na iniciativa? No no projeto do chute inicial, mas o governo o planeja-dor de um modelo de cincia para o Brasil. No sei se os lei-tores da sua revista conhecem a Comisso do Futuro. uma comisso de cientistas voluntrios e independentes, da qual fao parte, que foi convidada pelo Ministrio da Cincia e Tecnologia para criar esse modelo. Nos prximos dois a trs meses devemos terminar um primeiro relatrio que trar tona, creio eu, a gravidade da situao do Pas em relao a seus competidores.

    Como no estamos atrelados a ningum, podemos dizer a verdade, e ela chocante. O nico remdio : precisamos formar gente. E ns estamos tratando essa questo com uma dolorosa superficialidade.

    Uma parte do empresariado brasileiro parece que j se con-formou com o gap que o Brasil tem em relao aos pases mais inovadores em termos de cincia e tecnologia e desistiu de tentar diminu-lo. Outra parte, menor, quer avidamente ser tech. Se isso fosse um jogo, que time venceria?A diferena entre o Brasil e os Estados Unidos nas condi-

    es para fazer cincia realmente grande, a comear pelo fato de que l a cincia

    faz parte do dia a dia das pessoas e aqui no. Mas preciso entender

    que essa situao produto de um pensamento conformista

    como o desses empresrios do time nmero um, que dominou nossa vida du-rante 400 anos. De acordo com essa lgica atrasada, devemos continuar sendo uma colnia no mais de Portugal, mas de outros

    pases que desenvolvem cincia e tecnologia.

    Esse conformismo quase atico, porque nos condena a ser

    subservientes, seguidores eternos, obedecendo s normas cientficas

    ditadas por outra sociedade. Cincia, neste sculo, uma questo de soberania nacional.

    Por qu?Se um pas no investir em reas estratgicas, cientficas e tecnolgicas, ele fica completamente merc de quem de-tm o conhecimento. Hoje, se os fornecedores de micropro-cessadores decidirem boicotar o Brasil, o Pas para. Se os satlites internacionais no aceitarem fazer o servio de que o Brasil precisa, j era. No tenho muita dvida de que, sequiserem desligar a internet do Brasil fora daqui, desligam.

    Por exemplo, eu me orgulho muitssimo da Embraer, mas ela no faz turbina nem avionics no Brasil; compra fora e, se o fornecimento parar, no ter a quem pedir socorro.

    Em cenrios de guerra ou catstrofes, o fornecimento pode cessar, de fato. Mas parece impossvel reduzir a diferena...Outros pases a esto reduzindo, por que no o Brasil? Hoje os Estados Unidos enfrentam uma crise tremenda em seu financiamento cientfico e no grau de educao cientfica, e outras naes, que h dcadas ningum imaginaria compe-titivas na rea, aparecem com fora, como a Coreia do Sul ou a Finlndia, com o melhor ensino de cincia do mundo.

    De acordo com essa lgica atrasada [de parte do

    empresariado], devemos continuar sendo uma

    colnia, no de Portugal,mas dos pases que

    desenvolvem cincia

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    O que essa crise cientfica dos Estados Unidos?Essas universidades maravilhosas dos Estados Unidos s existem porque receberam subsdios gigantescos do governo federal. Harvard, para citar um exemplo, recebe centenas de milhes de dlares por ano em verba para pesquisa, e isso que faz com que possa funcionar. Na hora em que o dinheiro estatal for removido, elas vo de-saparecer; esto se dando conta de que esse um modelo absolutamente no sustentvel.

    A sociedade norte-americana, mais do que qualquer ou-tra, reconhecia a necessidade do desenvolvimento tecnol-gico e cientfico como parte essencial do desenvolvimento econmico do pas. Agora no h mais esse pacto social.

    Esse pacto nunca houve no Brasil...Nunca. Cincia e tecnologia aqui sempre foram feitas para uma minoria, de maneira artesanal; voc precisava ser fi-lho de famlia rica para entrar na USP [Universidade de So Paulo], fazer doutorado e virar cientista. Nos Estados Uni-dos, voc sempre pde ter origem humilde e conseguir uma bolsa de estudos para se dedicar pesquisa; h estmulo carreira cientfica e reconhecimento pela sociedade.

    Talvez o ponto de partida do Brasil seja uma cultura de cincia e um desafio que galvanize o pas inteiro, como o da Copa. Pense em quando os americanos decidiram ir para

    a Lua; no tinham a menor ideia de como chegar l, mas o desafio que eles se impuseram como nao galvanizou apopulao inteira, e eles encontraram uma forma de ir.

    Como podemos construir uma cultura da cincia no dia a dia?Como nos Estados Unidos, onde voc leva seu filho ao Air Space Museum, em Washington, e mostra a conquista do es-pao. A crianada vai l j aos 4 anos de idade e se emocio-na. Temos de contar histrias da cincia do mundo inteiro e do Brasil, como a de meu orientador, que conto em meu livro, dr. Csar Timo-Iaria foi uma pessoa fenomenal.

    H um pouco de culpa das nossas universidades na histria?Sim, as universidades brasileiras tm um modelo de fun-cionamento muito arcaico e corporativista, ainda no che-garam ao sculo 21. Impem dificuldades imensas a seus pesquisadores: eles tm de fazer mltiplas coisas ao mesmo tempo alm de pesquisar, como dar aulas, cuidar das ques-tes administrativas e agora ser empreendedores. Com tan-tas atribuies, difcil fazer bem alguma.

    Mas o sr. teve de ser empreendedor nos Estados Unidos...Sim, mas l tenho equipe e fui treinado para isso. Reproduzi esse aprendizado aqui, no Instituto de Neurocincias de Na-tal. Conseguimos o terreno, em Macaba, como doao da

    miguel nicolelis levantou o equivalente a us$ 50 milhes para implementar a primeira fase de sua sonhada cidade do cre-bro no rio grande do norte: o instituto internacional de neu-rocincias edmond e lily safra (iinn-els). ele abarca o trip escola-hospital-centro de pesquisas:

    A escola Alfredo j. monteverde, com unidades em natal e em macaba, a 20 quilmetros da capital, atende mil alunos quecursam do 6 ao 9 ano do ciclo bsico em horrios alternati-vos, em nove oficinas (cincia e tecnologia; robtica; histria;qumica; biologia; fsica; cincia e arte; cincia e identidade; e cincia e movimento). os objetivos: (1) dar educao cientfica a alunos e segundo os preceitos da neurocincia, (2) formarcientistas e empreendedores futuros e (3) contribuir para aformao de profissionais de educao cientfica.

    o centro de sade Anita garibaldi oferece assistncia pr--natal, de carter multidisciplinar, a mulheres grvidas,especialmente em casos de alto risco, incluindo desnutri-o. so feitos 12 mil atendimentos por ano.

    dois centros de pesquisa, o de natal e o de macaba, in-cluem laboratrios de neurobiologia celular e molecular,

    de comportamento ani-mal e de eletrofisiologia, alm do criadouro cient-fico de primatas de lti-ma gerao.

    em 2011, comeou a fase 2 do projeto, o campus do crebro, que inclui mais es-colas, centros de pesquisas e a produo de tecnologias. porm, em julho, dez pesquisadores romperam com nicolelis, acusando-o de autocrtico, reclamando de seu comportamento imprevisvel e alegando que os recursos eram encaminhados mais aos alunos das escolas do que a eles, ps-doutorandos, que teriam maior chance de ser cientistas do futuro. A aparen-te priorizao de cientistas estrangeiros em vez de brasileiros tambm pode ter sido um motivador do conflito: no ano passa-do, dos 31 profissionais novos no iinn-els, 28 eram estrangei-ros. o grupo dissidente criou, em natal, o instituto do crebro e tentou puxar para si parte da verba de nicolelis, mas sem xito.

    Saiba mais sobre o Campus do Crebro

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  • Universidade Federal do Rio Grande do Norte; o governo es-tadual cuidou de gua, luz e estrada; o governo federal con-tribuiu com os recursos para a construo; e a sra. Lily Safra nos ajudou a equip-lo e sustent-lo, fazendo, creio, a maior doao privada para a cincia em toda a histria do Brasil.

    O que precisaria mudar na universidade brasileira?Criar a carreira de pesquisador e trein-lo para estruturar um negcio so bons comeos. Outro ponto de virada se-ria no ter tanto receio de reconhecer e privilegiar o que tem mrito. Como h muita dificuldade em dizer no no Brasil, quando surge um pool de recursos, eles so pulveri-zados para contentar todo mundo, em vez de concentrados em uma pesquisa que tenha mrito e possa realmente fazer diferena, que como se faz mundo afora.

    Alm disso, em cincia existe uma premncia de apoiar os jovens, que esto iniciando a carreira a cincia vive des-sa renovao contnua. S que, no Brasil, acontece o oposto: a gente concentra todo nosso apoio financeiro, estratgico e poltico em quem est no final da carreira. Essa casta do CNPq [Centro Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico] no existe em nenhum lugar do mundo.

    E foi assim que o Brasil exportou Miguel Nicolelis?No, quando fui embora fazer meu doutorado, no comeo de 1989, eu era muito jovem, nem sabia dessas coisas. Por ou-tro lado, quando terminei o doutorado, logo vi que no teria a menor chance de fazer aqui o que eu queria. S comecei a voltar, ainda parcialmente, em 2003.

    Houve um esforo do governo para repatriar cientistas, no foi? Bem, um modelo de cincia que atraia as empresas deve conter uma promessa de lucro. Como garantir isso?No parque neurotecnolgico, por exemplo, h essa promes-sa. Uma frao dessa atividade econmica tem de gerar os recursos para manter e ampliar as aes sociais que inicia-mos e o restante fica para o investidor. Se nosso empreen-dedorismo no fosse to primitivo em geral, essa promessa de lucro seria enxergada. No d para querer ter o mximo possvel de lucro daqui a 10 milissegundos.

    hora de as empresas brasileiras verem que o resto do mundo est fazendo coisas inovadoras e de longo prazo, aceitando o desafio do complexo, e ns no. Eu acredito no futuro do capitalismo brasileiro como ganha-ganha.

    S que o sr. fala em no registrar patente e doar tudo para a humanidade, la Santos Dumont... Isso provoca arrepios.Na Duke University, tambm sofro uma presso muito gran-de para patentear tudo o que eu fao. Em alguns casos, no tive alternativa e patenteei de fato.

    Veja: eu entendo essa discusso da propriedade intelec-tual, s que, como muitas coisas, ela usada de maneira indevida. Em algumas situaes, as patentes so aceitveis; em outras, no. Por exemplo, precisvamos desenvolver, no

    miguel nicolelis, com o cientista john chapin, ajudou a mudar o enfoque dos estudos da fisiologia do crebro. eles foram estudar como se comportava o crebro de animais como ratos quando estes faziam atividades inte-ressantes: em vez de olhar uma clula de cada vez, ana-lisamos grandes grupos que nos permitem chegar mais perto da dinmica de funcionamento dessa estrutura em termos operacionais, o como funciona. em 1995, eles comearam a medir os impulsos cerebrais (sinais eltri-cos) de 50 neurnios ao mesmo tempo, ouvindo o som do crebro em tempo real. j esto conseguindo faz-lo com mil neurnios ao mesmo tempo e, em cinco a dez anos, pretendem faz-lo com at 100 mil. A partir desse feito, vieram vrias descobertas, entre elas:

    O crebro funciona como uma demo-cracia neural, no como a ditadura de umneurnio especfico. cada funo exercida por vrios neurnios e cada neurnio tempotencial para exercer vrias funes.

    Os sinais eltricos emitidos pelos neu-rnios so caticos e devem s-lo, pois,se ficam muito sincrnicos e disciplinados,ocorre a crise de epilepsia. desorganizaresses sinais somando-lhes sinais eltricosartificiais no nervo da face faz cessar a crise.

    ComomaldeParkinson,ocrebrosecomporta como numa crise epilptica debaixa frequncia. ento, desorganizar ossinais com estmulos na medula espinhal,por exemplo, melhora sensivelmente ossintomas da doena, que, contudo, no

    tem cura. um rato com parkinson avanado, que j no se movia, conseguiu ir beber gua e uma macaca no mesmo estgio da doena escalou a jaula para pegar uma banana.

    Eseossinaiseltricosartificiais foremcomandados pelo crebro? talvez os te-traplgicos possam voltar a andar, com aajuda de uma interface crebro-mquina,o terno robtico do projeto Walk Again. oexperimento da macaca Aurora no videoga-

    Entenda o trabalho de Nicolelis

    me, descrito no incio deste texto, provou isso e somou-se a ele outro, igualmente bem-sucedido, em que a macaca idoya comandou, com o pensamento, um rob no Japo.

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    Brasil, vacinas para malria e dengue. Elas no teriam mui-ta utilidade no hemisfrio norte, mas seriam cruciais aqui, na frica e na sia, e, num caso desses, uma patente que no mereceria existir. Assim como foi com os remdios do coquetel da aids, cujas patentes o Brasil ignorou e assim se transformaram num modelo mundial. Se h milhes de pes-soas correndo risco de vida, patentes no se aplicam.

    O modelo da indstria farmacutica atual est fadado a desaparecer. No h como conseguir crescer 8% ao ano, que o que se tenta fazer, para dar o retorno a seus acionistas, quando se gastam bilhes de dlares para gerar uma nica droga. E os pipelines no so to ricos quanto eram h al-

    gumas dcadas. Em todas as reunies cientficas a que vou, fala-se que h muito poucas drogas sendo desenvolvidas com chance de virar algo comercialmente importante. Por outro lado, as pesquisas para tratar certas doenas so enga-vetadas por no terem interesse comercial. uma situao dramtica para o setor.

    Hoje o mundo se encaminha para um reequilbrio com a cooperao. Todos tm de ser remunerados, mas numa me-dida razovel. O capitalismo extrativista no se sustenta.

    Por que o Brasil no tem inovaes como uma vacina contra a malria ou outra coisa de alto impacto, como foi o avio? por pouca ambio, um problema cultural. No s do setor privado; do setor pblico tambm. As pessoas nem querem criar um negcio e, quando querem, para ficar ri-cas, no para mudar sua cidade, seu pas, o planeta. Quero ver ganhar dinheiro com algo que realmente seja bom para as pessoas e faa diferena para o mundo. Sempre falo para meus alunos: A gente atira para as estrelas; se acertar a Lua, j valeu a pena. Temos de querer fazer alguma coisa que ningum fez.

    Como seus alunos brasileiros l fora respondem a isso?A maioria deles tem optado por voltar para o Brasil e fazer essa ambio transformar-se em realidade aqui.

    Como o sr. sensibilizou o governo? Tinha contatos? Que nada! Comeamos nosso projeto-piloto com o centro de sade e, quando o presidente Lula visitou o projeto, ficou emocionado. Em 2007, vieram os apoios do Ministrio da Educao, depois do Ministrio da Cincia e Tecnologia e mais tarde do Ministrio da Sade.

    Ns trabalhamos com esse conceito bsico, derivado da neurocincia, de que a educao de uma pessoa comea com o pr-natal de sua me, uma vez que seu crebro est sendo formado no tero e deve ser capaz de usar o mximo de seu potencial. Muitas dessas crianas que esto nascendo vo ser nossos alunos e, mais tarde, neurocientistas.

    possvel perceber se essas crianas so mais inteligentes?Nossos resultados so explosivos. Um dos mais importan-tes, por exemplo, que, enquanto no Brasil o ndice de eva-so entre o ensino fundamental e o mdio de mais de 50% milhes de crianas desaparecem do sistema educacional todos os anos, em nosso sistema a evaso fica por volta de 1%. Ns mantemos 99% de nossos alunos interessados em aprender, sabe o que isso? E a explicao que eles sabem que so os protagonistas de seu ensino. Aprendem o que tm de aprender em cincia fazendo cincia.

    Ns mesmos estamos comeando a contratar nossos ex--alunos, no s para funes tcnicas, mas para trabalharnos laboratrios como assistentes cientficos. E j percebe-mos que alguns deles, na faixa dos 13 anos, comeam a em-preender cientificamente. Um, por exemplo, resolveu medir

    eu no acredito em frmulas. dou asas imaginao e penso completamente vontade. no acredito em reu-nies tambm. eu me encontro com meus alunos, in-dividualmente ou com um grupo, e vamos caminhando pelo campus de maneira relaxada e trocando ideias. ou conversamos pela internet.

    inovao para mim pensar sem se ater ao que os ou-tros falam. Quando fui para os estados unidos, existiam e ainda existem vrios dogmas da neurocincia, que eram como cnones da igreja. e eu, por minha formao intelectual brasileira, no tinha aquilo como algo sagrado. eu precisava conseguir reproduzir para acreditar. ento, tentei reproduzir alguns dos cnones e nenhum deles funcionou. os resultados tinham sido obtidos em animais anestesiados e eu estava registrando animais despertos.

    dei muita sorte com meu orientador de ps-graduao sorte em encontrar um bom mentor algo que ajuda a inovar, porque ele me deu muita liberdade. ele brinca-va: nunca vamos conseguir publicar isso, porque estamos indo contra tudo e todos, mas, se assim que voc v, va-mos em frente. e trabalhava comigo. At que comeou a ver que eu tinha razo.

    inovar tambm implica uma briga de foice, j que se desafiam cnones. por outro lado, uma das mais agradveis recompensas da carreira de um cientista , quando a coisa funciona, o reconhecimento daquele que combatia sua ideia.

    eu nunca me dei bem com autoridades que se im-pem pela fora, at porque cresci nos anos da dita-dura brasileira, e reconheo isso em vrios cientistas, mesmo os que no viveram sob ditadura. talvez isso seja importante para a inovao.

    Uma frmula pessoal para inovar por Miguel Nicolelis

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    o contedo de gordura de uma semente do semirido nor-destino como possvel fonte de biodiesel e j est pensandona possibilidade de abrir um negcio de certificao de leovegetal do semirido, algo que no existe.

    Ou seja, mesmo que essas crianas no se tornem cientistas, elas se tornam empreendedores...Sim, medida que pegam o gosto por inovar. Esse o cami-nho: inovao se faz com gente que pensa diferente e que quer mudar o mundo. E, se essas crianas, apesar de se-rem de lugares to perifricos que quase ningum sabe que existem, hoje tm certeza de que podem mudar o mundo, h futuro para o Brasil, principal-mente se conseguirmos multiplicar essa experincia.

    Eu desconfio que Peter Drucker, que a maior len-da do pensamento de ges-to e gostava particular-mente do Brasil, vibraria com essa perspectiva. Em sua ltima entrevista em vida, que foi concedida a HSM Management, ele disse que nos-so real entrave era essa desigualdade Norte-Sul...Sem dvida. Ns precisamos de escala um conceito que qualquer empresrio entende para ter os grandes talentos necessrios inovao no Brasil; no pode haver escala s com o Sul e o Sudeste, ex-cluindo todo o resto.

    Como podemos extrair um Neymar da cincia se concen-tramos todo o esforo de recrutamento de cientistas em dois ou trs estados do Pas? Eu sou de So Paulo e adoro isso aqui, mas no tem nenhum cabimento voc concentrar 70% da produo cientfica em So Paulo. Do ponto de vista hu-mano, cincia que nem futebol ou arte: precisa de talentos, onde quer que estejam.

    D para incutir mentalidade cientfica nas escolas pblicas?Sim! Neste instante, minha ambio criar um currculo que possa ser espalhado por toda a rede federal e estamos conversando com o governo a esse respeito. E tambm es-tamos falando com empresas para que criem as prprias escolas baseadas nos princpios da neurocincia. Assim, contribuiro duplamente: para o Brasil, porque ajudaro a fazer essa revoluo educacional de que tanto precisamos; para si, porque vo garantir seu futuro estrategicamente com mo de obra qualificada as crianas vo ser to gra-tas e to vinculadas a sua filosofia que sero seus melhores e mais leais executivos, engenheiros e tcnicos. Seus CEOs sairo dessas escolas. um novo tipo de cadeia produtiva que inclui a educao.

    E que, ao faz-lo, inclui a inovao e o empreendedorismo. Com que empresas o sr. est conversando? Foram vrias nos ltimos meses e estou animado; tem mais gente preocupada com esse tipo de coisa do que imagina-mos. Esse dilogo da cincia com as empresas certamente ainda mais fcil fora do Brasil, mas comea a melhorar aqui tambm. Ainda no posso anunciar nada oficialmen-te, porm tenho a impresso de que nos prximos meses vamos fazer alguns anncios que chocaro o empresariado brasileiro que ainda no embarcou nessa filosofia.

    Esses princpios da neurocincia para a edu-cao so bem similares s ideias de

    educadores como Paulo Freire e Ru-bem Alves, no?

    Eu gosto de dizer que nosso cur-rculo produto de um matri-

    mnio de Paulo Freire com Santos Dumont. Porque importante ter contedo tambm e no apenas ins-tigar a pensar. Sabe o que impressionante? A autoes-tima dos nossos alunos elevadssima. Pode entrar

    a Lady Gaga l, ou qualquer outra celebridade, eles no se

    abalam. Continuam focados.

    Posso fazer uma provocao? Paulo Freire no era exatamente um f da

    cincia... E o sr. no acha que a sociedade atual tenta transformar a cincia num novo deus?

    Paulo Freire tinha um pr-conceito em relao cincia porque no a praticou, apenas a viu de fora. Mas fez um trabalho neurocientfico sem saber. Agora, no po-demos transformar cincia em religio. Ela tem limites metodolgicos, interpretaes, e a gente tem sempre de saber que toda descoberta precisa ser reproduzida antes de ser considerada um fato. E devemos tomar muito cui-dado com a pseudocincia.

    Qual o limite dessa popularizao da neurocincia? Por exemplo, no caso dos negcios, ela tem levado as empresas a repensar suas prticas, humanizando-as, o que bom...Estou entre os que defendem o entendimento de que tudo o que fazemos depende do tipo de crebro que temos. Mas a manipulao com argumentos neurocientficos grave.

    H terrorismo em relao a essa capacidade que a cincia teria de nos manipular ou nos dominar? Ou tudo verdade?A fico cientfica, hoje em dia, dominada pelos cen-rios aterradores de que a cincia vai nos conduzir ao fim da raa humana e isso cria uma imagem, no inconsciente

    Esse dilogo da cincia com as empresas

    certamente ainda mais fcil fora do Brasil, mas

    comea a melhorar aqui tambm

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    coletivo, de que cientistas so agentes do mal e da destruio. Ocorre que a vasta maioria dos cientistas est preocu-pada em fazer coisas que, se derem certo, podem mudar nossa vida para muito melhor. Uma das motivaes que tive para escrever meu livro, Muito Alm do Nosso Eu, foi tentar mostrar uma vi-so muito mais otimista do que pode acon-tecer em decorrncia de todas essas pesquisas atuais.

    E seu perfil no Twitter tambm tem esse objetivo?Sim. Os cientistas podem ajudar tanto a mostrar essa vi-so positiva como a aumentar nossa cultura cientfica. A cobertura de cincias no Brasil, com rarssimas excees, muito pobre e amadora; ela s copia o que sai l fora.

    Com os computadores cada vez mais inteligentes, a mquina no vai substituir o homem mesmo?Nunca! O crebro no pode ser reduzido a um algoritmo. Boa parte do que fazemos em nossa rotina diria at pas-svel de um tratamento computacional, como escrever um texto, entrar na internet, postar uma fotografia, mas escrever um soneto de Shakespeare nenhum computador escreve. E isso vai ser sempre necessrio.

    O computador no imitar o crebro a ponto de substitu-lo, que bom! Mas a sociedade imita o crebro?Essa uma das questes em que tenho pensado muito nos ltimos anos: ser que o modo de funcionamento do cre-bro ganha escala, tanto para baixo quanto para cima? Tra-duzindo: ser que influencia tanto uma unidade menor, como o gene, quanto uma unidade maior, como o grupo social? Ser que nossos padres de comportamento social em grupos refletem a maneira como a populao de neur-nios do crebro funciona?

    Mais e mais a biologia tem mostrado que o processamen-to distribudo por populaes pode, sim, vir a ser o algoritmo da biologia para tudo: para gene, para protena, para como uma membrana das clulas funciona, para como as clulas funcionam em cooperao etc. Ento, as evidncias dessa escalada para baixo tm aumentado muito. Agora, para cima, eu tenho a suspeita, sem nenhuma prova cientfica, de que existe uma relao entre as coisas de fato. E uma linha de pesquisa em que gostaria de embarcar: a neurocincia social. Descobrir algo assim seria uma revoluo.

    Quanto o crebro reproduz o passado e cria o futuro?O passado est totalmente registrado em nosso crebro e determina em grande parte como vamos reagir a um evento

    futuro. Alm disso, o crebro um sugador de estatsticas, de informaes e de padres do mundo. Quando voc vai ao cinema e v uma atriz que acha fenomenal fazendo um gesto, tende a incorporar aquilo tambm.

    Agora, pode-se dizer que ele tambm cria o futuro, na me-dida em que os neurnios se movimentam 200 milsimos de segundo antes de o corpo executar o comando corres-pondente. E ainda no h consenso, mas so fortes as supo-sies de que, durante o sonho, o crebro faz simulaes de cenrios futuros, como se estivesse planejando coisas com grande antecedncia.

    Para terminar: o sr. vai trazer o primeiro Prmio Nobel para o Brasil, de medicina ou fisiologia? O Prmio Nobel importante para a autoestima de um pascomo o Brasil. Seria uma afirmao da cincia brasileira,que o merece porque tem muita gente talentosa e algumbrasileiro vai acabar ganhando uma hora dessas. Mas eupessoalmente no posso pautar minha carreira cientficapor esse tipo de recompensa, porque quem faz isso tendea se frustrar e porque, comparativamente, no tem tantagraa: se a gente conseguir fazer 20 milhes de pessoas nomundo voltarem a andar, que diferena faz um prmio?

    Por outro lado, admito que o fato de eu ter sido o primeiro brasileiro a ir a um Simpsio Nobel fez valer meus quase 30 anos de trabalho duro. Acho que os suecos sentiram o ba-que do projeto Walk Again. Agora, permita-me compartilhar uma lio valiosa que aprendi com os americanos: voc tem de talk the talk e walk the walk. Falar necessrio, mas no basta; precisa correr atrs e fazer.

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    O Prmio Nobel importante para a autoestima

    de um pas como o Brasil, mas, se a gente fizer

    20 milhes de pessoas no mundo voltarem a andar,

    que diferena faz um prmio?

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