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SINDIPEÇAS (997). O desempenho do setor de autopeças= 1996. São Paulo. SOUZA, D.; Santana, M.A. e Deluiz, N. (1999). Tra- balho e educação: centrais sindicais e reestruturação produtiva no Brasil. Rio de Janeiro: Quartet. STEWART, Paul et ai (2001) "Control for whorn? Work organisation automobile industry in the North América". Actes du GERPISA, n Q 30, Paris, October 2001. DOSSIÊ SANTANA, Marco A. (2000a). "Trabalho, trabalhado- res e sindicatos em meio ao vendaval contemporâ- neo". Dados, vaI. 43, n Q 2, Rio de Janeiro, IUPER]. ___ o (2000b). "As centrais sindicais brasileiras ea reestruturação produtiva". Sociologias. Porto Alegre, V. 4, p. 186-225, 2000 ___ o (2002). "O sindicalismo brasileiro nos anos 1980/2000: do ressurgimento à reorientação". Cader- nos Adenauer. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer. 18 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v.34 N. 1 2003

DOSSIÊ - Repositório Institucional UFC: Página inicial · 2014-11-19 · ganizadas no chão de fábrica. A liberalização econômica dos anos ... localizada em Resende (no Esta-do

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SINDIPEÇAS (997). O desempenho do setor deautopeças= 1996. São Paulo.

SOUZA, D.; Santana, M.A. e Deluiz, N. (1999). Tra-balho e educação: centrais sindicais e reestruturaçãoprodutiva no Brasil. Rio de Janeiro: Quartet.

STEWART, Paul et ai (2001) "Control for whorn?Work organisation automobile industry in theNorth América". Actes du GERPISA, nQ 30, Paris,October 2001.

DOSSIÊ

SANTANA, Marco A. (2000a). "Trabalho, trabalhado-res e sindicatos em meio ao vendaval contemporâ-neo". Dados, vaI. 43, nQ 2, Rio de Janeiro, IUPER].

___ o (2000b). "As centrais sindicais brasileiras e areestruturação produtiva". Sociologias.Porto Alegre, V.

4, p. 186-225, 2000

___ o (2002). "O sindicalismo brasileiro nos anos1980/2000: do ressurgimento à reorientação". Cader-nos Adenauer. Rio de Janeiro: Fundação KonradAdenauer.

18 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v.34 N. 1 2003

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TRABALHADORES, SINDICATOS E NOVAS ÁREASINDUSTRIAIS NO BRASIL *

Introdução

BCH-UFCPERiÓDICOS

e 1980 se desencadeoutodo um processo dereativação de um sindi-calismo que se encon-trava cerceado pelaação do Estado autori-tário e pela legislaçãocorporativista. A impor-tância e a hegemoniadesse chamado "novosindicalismo", aindaque não exclusivamen-te, se construiu no localde maior concentraçãode montadoras deveículos do país e nasexperiências de repre-sentação coletiva or-ganizadas no chão defábrica.

A liberalizaçãoeconômica dos anos1990, com a aberturado mercado para aconcorrência externaatingiu vários setoresindustriais, dentre osquais o setor automo-bilístico, colocando emquestão o acúmulo po-

lítico alcançado pelos trabalhadores. A necessi-dade de se adaptar aos novos tempos decompetição levou estes setores a um intensoprocesso de reestruturação, com mudanças aonível tecnológico, maior exigência com os for-necedores e reorganização do trabalho, em bus-ca de um aumento da produtividade. Apesar dasdificuldades, pode-se dizer que os sindicatos li-gados à indústria automobilística se articularam

JOSÉ RICARDO RAMALHO e MARCO AURÉLIO SANTANA * *

o objetivo desse artigo é analisar o envolvimento de trabalhadoresmetalúrgicos e de seus sindicatos locais nos processos de transforma-ção advindos da construção, nos anos 90, de novas fábricas de automó-veis em regiões brasileiras com pouca tradição industrial. O exemplo aser analisado tem como base a experiência dos metalúrgicos da fábricade ônibus e caminhões da Volkswagen, localizada em Resende (no Esta-do do Rio de Janeiro), e de seus órgãos de representação de classe.Neste sentido, estarão em tela as ações do Sindicato dos Metalúrgicosde Volta Redonda-RJ, principalmente através de sua sub-sede deResende, e da comissão de fábrica dos trabalhadores da empresa, dian-te dos desafios colocados pelo "consórcio modular", expressão cunha-da para descrever as inovações implantadas no processo produtivodaquela empresa.

ABSTRACT: WORKERS, LABOR UNIONS ANO NEW INDUSTRIALAREAS IN BRASIL

The article analyses the involvement of metallurgy workers and their 10-cal labor unions in transformations that originated by the construction ofnew automobile plants, in the 1990s, in Brazilian regions with little in-dustrial tradition. The case study is based on the experience of metallurgyworkers of the Volkswagen bus and truck plants, located in the Resende(Rio de Janeiro), and their entities of class representation. It focuses onthe actions of metallurgy workers of the Volta Redonda (Rio de Janeiro)through its branch in Resende, and factory commission of workers withinthe plants especially in regards to "modular consortium", a concept usedto describe innovations in the labor process in that company.* Versão anterior deste texto foi apresentada no X Congresso Brasileiro

de Sociologia (Fortaleza, 3-6 de setembro de 2001). Esta nova versãose beneficia de resultados parciais da pesquisa "O Global e o Local: osimpactos sociais da implantação do pólo automotivo do SulFluminense", apoiada pela FAPERJ (através do Programa "Cientistasdo Nosso Estado") e pelo CNPq. Ela incorpora também dados do surveyUnitrabalho/UFRJ "Um perfil dos Metalúrgicos da Volkswagen deResende-RJ", realizado em 2001.

* * Respectivamente, professores do Programa de Pós-graduação emSociologia e Antropologia (UFRJ) e do Mestrado em Memória So-cial e Documento (UNI RIO).

Na década de 1990,trabalhadores e sin-dicatos brasileiros

vivenciaram um perío-do de transformaçõessignificativas no merca-do de trabalho, na or-ganização do processoprodutivo e nas formasde negociação coletiva.O que se convencio-nou chamar de reestru-turação produtiva,além de re-configurar aprodução, buscou fle-xibilizar as relações detrabalho, fragilizando opoder de contestaçãodos trabalhadores.

Na verdade, essasituação colocou emxeque a constituiçãodo movimento sindicalbrasileiro como atorpolítico relevante,ocorrido no contextoeconômico e políticodos anos 1970 e 1980, e que resultou, inclusive,na criação da principal central sindical do país,a Central Única dos Trabalhadores CCUT).Nesseperíodo anterior, a base de atuação dos sindica-tos estava ligada aos setores mais internaciona-lizados da economia, principalmente na indústriaautomobilística da região do ABC paulista,cinturão industrial da cidade de São Paulo. Apartir das greves dos metalúrgicos de 1978, 1979

RESUMO

RAMALHO, JOSÉ RICARDO; SANTANA, MARCO AURÉLIO: TRABALHAOORES, SINDICATOS E NOVAS ÁREAS INOUSTRIAIS NO BRASIL. P. 7 A 18 7

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para enfrentar o processo de negociação das no-vas formas de gestão e suas conseqüências con-cretas, como o aumento do desemprego e daprecarização do trabalho.

A ação sindical, contudo, pareceu se de-frontar com dificuldades adicionais. As monta-doras de veículos, ao longo da década de 1990,inauguraram uma nova fase de investimentos,optando pela construção de novas fábricas emregiões com pouca tradição operária. As facili-dades oferecidas pelo "regime automotivo bra-sileiro", praticamente isentaram de risco ainversão das empresas, provocando uma inten-sa disputa política e econômica entre estados emunicípios. As facilidades oferecidas, na maiorparte das vezes, isentaram as empresas de im-postos municipais e obras de infra-estrutura, sen-do que uma boa parte dos recursos para a própriaconstrução das fábricas foi adiantada pelos ban-cos estatais ou mesmo pelos tesouros estaduais.

A implantação de novas montadoras mos-trou ainda uma mudança de estratégia com re-lação à força de trabalho. Houve um movimentoclaro de buscar alternativas fora da região doABC, embora continuem concentradas no su-deste e no sul do país. O elemento sindicalpode ser incluído, com relevo, dentre as ra-zões para essa tomada de decisão. Uma cons-tante nas novas localidades tem sido o fato deque ou tinham sindicatos inexperientes ou "de-veriam ter" sindicatos mais receptivos às inicia-tivas empresariais.

O objetivo desse artigo é analisar oenvolvimento dos trabalhadores metalúrgicos ede suas formas de representação nesse proces-so de transformações, a partir da implantaçãode novas fábricas e de novas iniciativas de orga-nização da produção em áreas geográficas compouca tradição no setor automobilístico. Parte-se da pressuposição segundo a qual diante doquadro de desafios colocados ao movimento sin-dical brasileiro na virada de século, o sindicatode base assume importância analítica central. Porexemplo, é sobre ele que recai a tarefa imediatada representação de interesses dos trabalhado-

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res face aos processos de reestruturação das em-presas. Em um cenário de parca organização nolocal de trabalho, o sindicato local assume foroprivilegiado de negociação (quando ela existe)destes processos. Cabe também ao sindicato li-dar com os impactos imediatos, políticos e fi-nanceiros, da redução do número de associados.Enfim, até que chegue aos organismos intersin-dicais de cúpula, de certa forma filtrada pelavariedade e peso diferenciado dos sindicatos quelhes dão suporte, a chamada crise do sindica-lismo, passa, necessária e primeiramente, pelosindicato local.

O exemplo a ser analisado tem como basea experiência dos metalúrgicos da fábrica de ôni-bus e caminhões da Volkswagen em Resende(no estado do Rio de Janeiro), e de seus órgãosde representação de classe. Neste sentido, esta-rão em tela as ações do Sindicato dos Metalúr-gicos de Volta Redonda, principalmente atravésde sua sub-sede de Resende, e da comissão defábrica dos trabalhadores da empresa.

Inaugurada no final de 1996, além de sig-nificar a instalação de um novo pólo industrialna região sul fluminense, a VW de Resende traztambém a novidade de ter sido anunciada comoum modelo de fábrica do século XXI, pela intro-dução do chamado "consórcio modular", pro-clamado como uma "revolução" organizacional.Esse elemento adicional confere à experiênciasindical da região uma interessante especifici-dade, que passamos a analisar.

Sindicatos, trabalhadores e as mudançasna indústria automobilística dos anos 90

A reestruturação industrial produziu im-pactos no movimento sindical como um todo.Porém, no setor automobilístico, geralmente umlaboratório dos processos de transformação, asmudanças têm sido bastante significativas. O quese deu efetivamente foi que o pano de fundoque conjugava desemprego e precariedade notrabalho fez também com que os sindicatos mu-dassem formas de atuação e pautas de reivindi-

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cação. Nos anos de 1980, a questão econômico-salarial tinha prioridade; já nos anos de 1990(principalmente em sua segunda metade), atemática da garantia do emprego e as tentativasde combate ao desemprego assumem o primei-ro plano.' Além disso, os sindicatos buscaramoutras alternativas que ampliassem seu escopode ação, contribuindo para a consolidação denovas institucionalidades (CASTRO, 1997).

Isso ocorreu em uma lógica que foi desdeo sindicato de base até as estruturas intersindicais.

este sentido, as centrais sindicais de maior re-levo, bem como os sindicatos a elas ligados,acabaram por se envolver em projetos os maisvariados em termos de formação profissional,constituição de cooperativas de trabalho eintermediação entre trabalhador e emprego, atra-vés de agências e centros de solídariedade.? Emmuitos casos, este envolvimento se deu de for-ma defensiva, sem a necessária conjugação commovimentos de mobilização dos trabalhadores.

No caso das áreas mais tradicionais dosetor automobilístico, por exemplo, o sindicatodo ABC tem protagonizado iniciativas que,embasadas na força política acumulada pelosindicalismo da região, têm revelado um esfor-ço de buscar fórmulas alternativas frente à ne-cessidade de negociar a reorganização daprodução, preservando postos de trabalho e sa-lários e insistindo em uma maior participaçãooperária nas decisões das empresas.

Provavelmente o exemplo mais importan-te e controvertido> da busca de alternativas, emtermos de negociação pelo sindicalismo do se-tor automobilístico, tenha sido o dos acordosobtidos através da Câmara Setorial do comple-xo automotivo, ocorrido na metade dos anos1990. Segundo Castro (1996:42), esse períodorevela importantes dimensões da organização edas relações industriais, e do mercado de traba-lho que se tornam, pela primeira vez no país,objeto de negociação entre atores que se reco-nhecem como interlocutores legítimos, ao con-trário das décadas anteriores, marcadas pelaimposição de um regime fabril despótico quan-

to às metas e modos de organizar a produção.Nos acordos da Câmara Setorial, "se verificamas mais consistentes tentativas de negociaçãoexplícita, travada em espaços públicos, entreinstituições de representação".

Para Arbix (1997:471; e, 1996), ao distan-ciar-se dos padrões tradicionais de elaboração eimplementação de políticas públicas, tal experi-ência, "ao buscar saídas para a recuperação daindústria, revelou-se, de um lado, institucional-mente inclusiva e, de outro, economicamenteeficaz". Ela teria se mostrado "capaz de incorpo-rar os sindicatos de trabalhadores nos centrosde decisão de macro orientações industriais -ao lado de agências do Estado e de associaçõesempresariais -, assim como de implementar po-líticas consensuais que interfeririam positivamen-te no desempenho da economia".

A participação dos trabalhadores em umprocesso como esse acabou por reverberar nointerior do movimento sindical de forma maisampla. Rodrigues (1995:29), por exemplo, iden-tifica nos acordos das Câmaras Setoriais umamudança no interior do sindicalismo da CUT e,principalmente, em sua principal base, o sindi-cato dos metalúrgicos do ABC. De uma atua-ção mais de confronto, os sindicatos estariammudando para um comportamento de "coope-ração conflitiva", em que o conflito é explici-tado, mas há uma preocupação também com otema da cooperação.

Ao mesmo tempo em que os trabalhado-res e suas organizações buscavam lidar com oquadro de mudanças no cenário internacional enacional, Estado e empresas também faziam seusmovimentos. ° aumento dos investimentos di-retos externos, no país, na década de 1990, comdestaque para a indústria automobilística, e aestratégia de descentralização industrial aplica-da pelas empresas desse setor, se aliam aos in-centivos oferecidos pelo governo federal. Dedezembro de 1995, até setembro de 1998, asmontadoras multinacionais investiram US$ 10,683bilhões na reestruturação das plantas já existen-tes e na construção de novas (Rodríguez-Pose &

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dicou como esta tem se apresentado com ascaracterísticas de um setor antigo e decadente.(Abreu, Gitahy, Ramalho, Ruas, 2000). No en-tanto, nos últimos sete anos da região Sulfluminense pode-se constatar muitos planos,grandes expectativas, e novas políticas, no sen-tido de "vocacionar" a região para a constitui-ção de um pólo metal-mecânico, com base naindústria automobilística.

Independente dos resultados (positivos enegativos), pode-se dizer que o volume de re-cursos investídos.? a concretização de vários em-preendimentos? e as mudanças institucionais,políticas e sociais decorrentes desse processo,fornecem importantes elementos para um estu-do mais aprofundado dos efeitos da implanta-ção desse conjunto de indústrias sobre a políticalocal, as políticas sociais e de qualificação pro-fissional, as relações de trabalho e a ação dossindicatos.

A fábrica de ônibus e caminhões da VWem Resende foi inaugurada em 1996 e é a únicaplanta da empresa para esse tipo de veículo nomundo. Pode-se dizer que Resende passou aser uma marca em função da criação do "con-sórcio modular", apresentada como novidade emtermos de modelo de produção (Abreu, Beynone Ramalho, 2000 e Arbix e Zilbovicius, 1997). Aproposta implementada coloca dentro da em-presa os seus fornecedores, que passam a serresponsáveis diretos pela montagem dos veícu-los, repartindo investimentos, custos, responsa-bilidades e riscos.

Em termos gerais, para a região Sulfluminense, o anúncio da instalação da fábricada VW foi considerado também um marco. Éverdade que as expectativas estimuladas peloanúncio da vinda da empresa não se confirma-ram totalmente; mas houve uma intensa utiliza-ção política do fato por parte dos governosestadual e local, estimulou-se a criação de no-vos empreendimentos (principalmente na áreade serviços) para atender às novas demandas, emuitos novos empregos diretos foram anuncia-dos sem a devida concretização.

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Arbix,1999). O "novo regime automotivo" pre-tendeu ser um instrumento para consolidar eatrair investimentos para o setor. Na avaliaçãode Rodríguez-Pose e Arbix (idem), os principaisobjetivos fixados foram manter em funcionamen-to as grandes montadoras e as indústrias deautopeças já instaladas no país; reestruturar asempresas brasileiras do setor; atrair novas com-panhias e estimular a construção de novas plan-tas e marcas; consolidar o Mercosul e reforçar aposição do Brasil como seu ator chave, atraindoempresas que poderiam alocar seus investimen-tos em outras regiões.

A experiência de Resende - RJ 4

Entre as características marcantes dareestruturação da cadeia automotiva brasileirana última década, destaca-se a questão da re-espacialização dos novos investimentos e dasnovas fábricas. Deve-se ressaltar que, embora adesconcentração industrial já viesse atingindo osprincipais estados do sudeste desde a décadade 1970 (Pacheco, 1999), a abertura comercialdos anos de 1990, revelou especificidades, es-pecialmente no que se refere ao setor automo-bilístico. O movimento de saída das áreas deprodução mais tradicionais na produção de veí-culos, como o ABC paulista, e a acirrada disputapelos novos investimentos provocaram uma ver-dadeira "guerra" de vantagens e renúncias fis-cais oferecidas às montadoras. Em alguns lugares,inclusive, o Estado participou como investidorou enquanto avalista do investimento, sem quepossuísse controle sobre as operações.

Entre os estados que entraram na disputapor esses novos investimentos, o Estado do Riode Janeiro foi um dos mais destacados. Com apresença da fábrica da VW e a construção dafábrica da PSA - Peugeot/Citroen nosmunicípios contíguos de Resende e Porto Real,no Vale do Paraíba, o estado vem tentando re-verter uma participação secundária nesse se-tor. Uma avaliação recente da indústria deautopeças no Rio de Janeiro, por exemplo, in-

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Deve-se dizer também que inicialmente are a chegou a pensar em trazer para a re-

_ o o eus fornecedores, o que não se confir-. reduzindo bastante a perspectiva de mais

pregos. o entanto, todo esse processo de-r ação e o atual funcionamento da empresa_ a consorciadas) já permitem afirmar queve mudanças no perfil sócio-econômico da

zíão. As alterações atingiram principalmentemercado de trabalho local; os níveis decolarização e qualificação dos novos trabalha-res, incrementando a ação do SENAI, respon-

. 'el pelo recrutamento de parte dos operáriosontratados até o momento; e, as atividades sin-cais.?

cão sindical em um contexto de novasáreas industriais - o sindicato dosmetalúrgicos em Resende

A vinda das empresas da indústria auto-mobilística para o Sul flurninense impôs umaadequação de práticas ao sindicalismo regional.I o se deu não só pela necessidade de ter quelidar com um setor industrial bastante particularem termos de relações de trabalho, como pelofato da VW ter optado por contratar a maior partedos seus empregados na própria região, a maio-ria deles jovem, com pouca experiência de tra-balho industrial e de militância sindical.

A estratégia da empresa pode ser confir-mada ao constatar-se que 51% dos operários porela recrutados situam-se na faixa entre 25 e 34anos. O somatório destes com os que estão nafaixa entre 20 e 24 anos (19%), revela uma basede cerca de 70% de trabalhadores entre 20 e 34anos. Além disso, há um número expressivo detrabalhadores nascidos no estado do Rio de Ja-neiro (86%), sendo 60% naturais do municípiode Resende.

A experiência do "consórcio modular",além de recrutar uma força de trabalho diferen-ciada, agregou novos elementos à relação capi-tal/trabalho, forçando o sindicato a lidar comnovas realidades e a aprender novas práticas. O

tratamento do processo de trabalho e das rela-ções de trabalho pela empresa visaria o afasta-mento do sindicato e dos trabalhadores dequalquer discussão sobre a configuração e o fun-cionamento da fábrica o que conjugado à pró-pria estrutura do consórcio, tenderia a dificultarao máximo ações sindicais, já supostamenteminimizadas pelo que seria a docilidade das di-reções sindicais locais. Porém, não foi o que seviu, ao menos de forma tão completa e definitiva.

Desde os planos para a sua instalação, aVW deixava explícita sua vontade de estabele-cer relações de trabalho diferentes daquelas doABC paulista. Conforme indicado por Abreu,Beynon e Ramalho (2000), a empresa fez umapesquisa na região para adaptar os salários aosde outras empresas do distrito industrial deResende. Nas palavras de sua diretoria à época,não se queria "inflacionar o mercado" em ter-mos salariais, nem mesmo repetir "os maus há-bitos de São Bernardo" em termos sindicais. Aidéia de uma "fuga do ABC" era uma constantenos discursos que identificavam a possibilidadeda construção de uma "harmonia perfeita" como sindicato da região Sul fluminense que, dife-rentemente do ABC, que é miado à CUT, é filiadoà Força Sindical, considerada pela própria VWcomo mais "afável" aos interesses da empresa.

Por seu turno, o sindicato dos metalúrgicos,diante das notícias e negociações acerca da insta-lação da fábrica da VW em Resende, tratou-a comouma oportunidade de criar mais empregos paraos trabalhadores da região, e de ter, dentro desua área de atuação, uma "empresa símbolo", se-gundo palavras do seu presidente, em 1997. Mas,não enfrentou o processo de forma maniqueísta,só percebendo suas positividades. O sindicatocompreendeu imediatamente o significado e asdificuldades de receber um novo e diferente con-tingente de operários.

Tudo isso porque este sindicato - com umabase de aproximadamente vinte e quatro miltrabalhadores - tem uma longa história de lutaassociada aos trabalhadores siderúrgicos da Com-panhia Siderúrgica acional (CSN), até recente-

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mente uma empresa estatal, criada por GetúlioVargas nos anos de 1940, que simbolizou a pre-sença brasileira em uma área estratégica de infra-estrutura industrial. Uma experiência vigorosaque não pode ser descartada de forma fácil.

O sindicato teve uma trajetória nos anos1980 marcada pelas orientações da CUT. Era co-nhecido como um dos bastiões da política maisaguerrida da Central. Foi ali que em fins daque-la década, durante uma greve de ocupação naCSN, três operários foram mortos por tropas doexército, em um episódio que transcendeu emmuito o universo sindical e local. Nos anos 90,setores até então ligados à CUT, migram para aForça Sindical, ganham a eleição e mudam oeixo de atuação do sindicato.ê

Não se tratava, portanto, de um sindicatocompletamente inexperiente, embora não tives-se sua prática associada à indústria automobilís-tica. As relações de trabalho, diferentemente dopadrão estatal, eram agora geridas por empresasmultinacionais privadas, com larga experiênciade negociação salarial e voltadas para obter osmaiores benefícios possíveis a partir dos baixossalários da região.

A satisfação explicitada pelo sindicatoquando da vinda da VW para Resende pode terpassado a idéia de que a entidade ficaria neutra-lizada pelo poder de convencimento da empre-sa, evitando uma atuação mais ativa frente à novasituação e ao desafio de negociar dentro dessenovo sistema produtivo, algo que ainda nãohavia sido experimentado nem mesmo pelos sin-dicatos mais antigos do setor. Mas, as primeirasobservações desses sete anos demonstram quena experiência de discussões com a VW e suasconsorciadas, o sindicato dos metalúrgicos doSul Fluminense, embora atuando defensivamen-te, tem revelado um efetivo movimento em proldos interesses dos operários da VW, engajando-se em discussões exaustivas para a obtenção devantagens salariais e de melhoria nas condiçõesde trabalho, bem como marcando presença emassembléias realizadas nos portões da fábrica. Aefetivação desse empenho ficou comprovada por

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uma primeira paralisação ocorrida em novembrode 1997, bem como pela greve de uma sema-na em agosto de 1999. Passava-se muito longeda "harmonia perfeita" e da sonhada "doei-!idade" sindical.

A primeira paralisação ocorreu, para sur-presa da direção da empresa, em setembro de1997, ao final do primeiro ano de funcionamen-to da mesma. Este movimento foi deflagrado porconta da discriminação sofrida por um grupo deoperários (montadores das empresas consorcia-das), sob o argumento de que o salário pagoaos mesmos correspondia à realidade de merca-do na região, no momento em que era concedi-do reajuste ao conjunto dos trabalhadores. A issose agregou a recusa de implantação do "bancode horas". E não foi a única mobilização. Du-rante o ano de 1998, e principalmente em 1999,por ocasião de uma das crises de produção daindústria automobilística, a participação sindicalfoi ainda maior, culminando com a greve de 1999,a partir da qual a empresa aceitou a implanta-ção de uma comissão de fábrica.?

Uma constante destes movimentos foi odebate em torno dos salários. A questão salari-al tinha sido um dos elementos definidores noprocesso de escolha da região. Ela esteve, im-plícita ou explicitamente, no centro do debatetanto no período de atração de novos investi-mentos, como no da implantação da fábrica. Odiferencial de salários era, e ainda é, bastantegrande comparativamente com outras regiõesindustrializadas. Os dados sobre salários aferi-dos no suruey que realizamos em 2001 na VW(Ramalho e Santana, 2002d), confirmam a es-tratégia da empresa, já que a faixa salarial en-tre 3 e 5 salários mínimos aparece como a quecongrega a significativa maioria dos trabalha-dores - 65%. Aparecem ainda 18% na faixa en-tre 5 e 7 salários mínimos.

Comparando-se índices locais e nacionais,tem-se o seguinte. A faixa salarial no "consórciomodular" é superior àquela da região Sul doEstado do Rio de Janeiro, tomando-se todos ossetores econômicos. Porém, confirma-se a ale-

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Os trabalhadores avaliam seusrepresentantes

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_ ção constantemente repetida pelo sindicatoe que ela é inferior à recebida pelos metalúr-

=- os brasileiros em outras regiões. Conformedos do DIEESE-subseção CNM-CUT, a média. riaI dos metalúrgicos brasileiros, em geral,ria de 6,2 salários mínimos. No caso específi-do setor automotivo, ela se amplia para 8,1

~ . os. Por regiões, para o setor metalúrgicogeral, o que temos é: no Rio de Janeiro, a

édia seria 5,7 mínimos; já no ABC, seria de 9,3, imos. Vale assinalar ainda que, mesmo semparada ao salário médio dos metalúrgicos\olta Redonda (8,5 mínimos), representadoso mesmo sindicato, a média salarial dos tra-adores da VW-Resende seria inferior.

Desde a instalação da empresa, os tra-hadores e a direção sindical começaram ae tionar essa política, fazendo com que o

ndicato entrasse decisivamente em negocia-visando melhorias salariais. Mesmo sain-

com uma diferença bastante considerável,m estado sempre em tela nas falas e açõese trabalhadores e seus representantes a bus-

da redução das desvantagens salariais fren-e a outras regiões.

O que já pode ser percebido é que, paratrabalhadores e o sindicato, a experiência- anos anteriores vai sendo incorporada, in-ando acúmulo e aprendizado sobre a novalidade. O maior exemplo disso foi a cons-ição de uma comissão de fábrica e o dis-

~ o recorrente do dirigente sindical local noido de ter uma atuação colada nas neces-

. des do chão-de-fábrica. Além disso, mais- entemente, os diretores do sindicato tive-

m que lidar com outro fato, de certa forma,irado: eles foram convidados por traba-

adores terceirizados no interior da empresa-:1 que negociassem por eles, usando o peso

indicato dos metalúrgicos na defesa dedireitos. Esse fato pode estar compondo

:1 peça a mais na superação da divisão en-trabalhadores de empresas diferentes no

aterior da planta, já iniciada pelas mobiliza-de 1997 e 1999.

O processo de re-espacialização da indús-tria automobilística no Brasil, articulado a outrosfatores da chamada reestruturação produtiva,ampliou a dificuldade do ator sindical na repre-sentação dos interesses dos trabalhadores. Tantoas áreas tradicionais, como as áreas no as, foramimpactadas, cada uma a sua maneira, levando amudanças nas práticas sindicais. Enquanto al-gumas áreas lutam para manter empresas e em-pregos, outras lutam para atraí-Ias; enquantoumas padecem o desemprego, outras vivenciamum certo surto de emprego. E por aí segue umsem número de possibilidades que demonstrama articulação e a assimetria deste processo.

Os sindicatos vêm sendo obrigados a en-frentar um mundo do trabalho bastante re-con-figurado. Se no caso das áreas tradicionais, ossindicalistas puderam de forma mais imediatalançar mão de seu acervo de experiência, inde-pendentemente dos resultados, o que dizer dasregiões nas quais, ainda que houvesse algumaexperiência prévia, ela se dava relacionada aoutro tipo de indústria? O papel jogado pelasformas de representação dos trabalhadores, emsituações como essas, ainda está por ser avalia-do mais ampla e detalhadamente em todo o país,conjugando esforços preciosos que têm sido fei-tos em diversas localidades'". Um ponto quedeve estar presente em uma tal empreita seria otipo de avaliação que os trabalhadores vêm fa-zendo da ação de seus representantes em con-textos como os descritos aqui, e das indicaçõesque os mesmos fazem em termos de movimen-tações futuras.

No caso dos metalúrgicos da VW-Resende,podemos avançar algumas indicações. Os da-dos sócio-políticos recolhidos pelo suruey mos-tram um número bastante significativo detrabalhadores sindicalizados na empresa - 63% -,sendo que 48% declararam participar das ativi-dades sindicais. Isto parece demonstrar que,embora a instalação da empresa em Resende seja

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recente, e que o sindicato dos metalúrgicos comsede no município ainda não acumuleexperiência de atuação no setor automobilísti-co, a ação sindical tem sido eficaz e convincentepara os funcionários, estimulando a participa-ção e a defesa dos interesses do trabalhador. Ostrês tipos de participação mais assinalados foram:assembléias (55%), churrascos 06%) e cursos03%), e indicam uma atuação, até o momento,mais voltada para resolver questões com a VW eas empresas do "consórcio modular", do quepara as atividades promovidas pelo próprio sin-dicato em termos de sociabilidade e formação.

De forma geral, pode-se dizer que o sin-dicato recebeu uma avaliação favorável da maio-ria dos entrevistados, na medida em que 49%classificaram sua atuação como razoável e ou-tros 32% a consideraram boa e ótima. No entanto,de certa forma servindo para relativizar estespercentuais, cerca de um quinto dos entrevista-dos fez uma avaliação negativa da atuação sin-dical, indicando o descontentamento de umaparcela dos trabalhadores com as formas pelasquais o sindicato vem conduzindo suas ações.

A avaliação do sindicato, subdividida emitens, revela que os trabalhadores têm uma ex-pectativa de que seu órgão de representaçãosindical se empenhe mais dentro da fábrica, nadefesa dos seus interesses. Por exemplo, quan-to ao empenho do sindicato em termos damelhoria da salubridade no interior da empre-sa, 39% dos trabalhadores indicaram que o sin-dicato estaria empenhado neste aspecto, mastambém um percentual semelhante - 38% - afir-mou que não haveria o empenho necessário.No quesito "pressionar a gerência para promo-ver alterações no processo de trabalho", 43%indicaram que o sindicato estaria empenhadoneste aspecto, enquanto outros 28% conside-ram que sua entidade não estaria apresentan-do o empenho necessário. No que diz respeitoao fornecimento de informações aos trabalha-dores quanto aos processos em curso no inte-rior da fábrica, 31% indicaram que o sindicatoestaria empenhado neste quesito; mas, nova-

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mente, um percentual próximo - 28% - consi-dera-o não empenhado a respeito.

Na visão dos trabalhadores, entre os te-mas mais importantes que deveriam orientar aação sindical destacam-se, em termos de suaincidência: a estabilidade no emprego (71%), apromoção de cursos de formação profissional(70%), a questão salarial (63%) e as condiçõesde trabalho (51%). Aqui aparece a preocupaçãoessencial dos trabalhadores da fábrica com seuemprego e a consciência de que a melhoria pro-fissional é essencial nesse mercado de trabalho.Por outro lado, continuam atentos às funçõesbásicas de representação dentro da fábrica, comos salários e condições de trabalho. Pode-seperceber também que há uma clara prevalênciade indicações de cunho mais específico, enquan-to as de corte mais geral, como a luta pela terra,em defesa das estatais, etc., ficaram claramenteem segundo plano.

Quando observamos os dados referentesà avaliação dos trabalhadores acerca de sua co-missão de fábrica, percebemos que a mesmamostrou-se ainda mais favorável do que aquelareferente ao sindicato. Talvez pela presença di-ária no chão-de-fábrica, o fato é que uma maio-ria de 54% considera a atuação da comissão comoboa e ótima e 32% a classificaram como razoá-vel. Apenas 13% dos entrevistados fizeram umaavaliação negativa.

Os funcionários opinaram também sobreas expectativas que têm com relação ao papeldo sindicato e da comissão de fábrica. Para osindicato, há uma clara preocupação de "diálo-go com a empresa" - 82% - o que confirma apreocupação com o emprego, mas também apa-rece, coerentemente, um pedido de atenção noque diz respeito à formação profissional - 81%.O que seria a função precípua do sindicato -organizar os trabalhadores - aparece apenas emterceiro lugar no rol das expectativas, com 62%.Já para a atuação da comissão de fábrica, ostemas sugeridos são, a rigor, as tarefas comunsdesse tipo de entidade: relação empresa/funcio-nários (85%), dirimir problemas cotidianos entre

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os funcionários (68%) e encaminhar problemasao sindicato (59%).

Neste sentido, verifica-se que os traba-lhadores da VW percebem suas formas repre-entativas como devendo estar voltadas para

questões mais diretamente relacionadas ao seucotidiano de vida e trabalho, tendo peso fortea representação frente à empresa e a preocupa-ção com o futuro, seja em termos da garantiado emprego, seja em termos da melhoria dedesempenho de suas funções, que poderiamse dar via formação profissional.

Em termos gerais, não deixa de ser sur-preendente o fato de que, mesmo tendo um tem-po relativamente curto de adequação ao novoprocesso produtivo, o sindicato já tenha conse-guido a avaliação da forma que recebeu. Nestamesma linha, a avaliação positiva obtida pelacomissão de fabrica parece indicar que a mes-ma vem cumprindo sua tarefa de atuar bem sin-tonizada com as demandas dos empregados, comuma proximidade maior dos problemas cotidia-nos dos trabalhadores, sem deixar de estar arti-culada com as ações do sindicato.

Conclusão

A experiência que analisamos está aindaem processo. Do ponto atual em que se encon-tra, podemos, no escopo deste artigo, indicaralguns elementos sobre a atuação do sindicatodos metalúrgicos na região. Acreditamos que taisindicações, partindo de um caso particular, po-dem ajudar na análise das novas experiênciasdo setor automobilístico no país.

O sindicato dos metalúrgicos de Resende,em que pese o pouco tempo de instalação dafábrica, conseguiu sensíveis avanços em termosda representação dos interesses dos trabalhado-res. Ainda que tenha sido considerado um sindi-cato mais dócil pela empresa, o que se tem vistosegue em outra direção. A atuação sindical podeser considerada bastante presente e ativa, man-tendo uma mobilização permanente dos operá-rios da fábrica, que foi possível de identificar

em pelo menos duas paralisações. Os resultadoconseguidos nas negociações salariais mostramum sindicato que se adequou rapidamente às neces-sidades dos trabalhadores do setor automobilístico.Isso fez com que tal atuação fosse percebida emtermos favoráveis pelos trabalhadores.

Apesar de um início avesso a participaçãoe organização dos trabalhadores, a empresa, apartir do questionamento dos trabalhadores, foise abrindo, tendo de aceitar até mesmo uma co-missão de fábrica em seu interior. A comissãotem tido um papel bastante importante comorepresentação imediata e cotidiana dos traba-lhadores e na articulação com o sindicato. Alémdisso, membros desta comissão têm participadode encontros com membros de comissões defábrica por todo o Brasil, o que tem ampliadosua experiência organizacional.

Uma rápida avaliação destes sete anos re-vela também o estabelecimento de uma com-plexa relação entre os diferentes níveis deorganização dos trabalhadores da região Sulf1uminense. Ao mesmo tempo em que se forta-lece contra as investidas de possíveis rivais (se-tores da CUT, por exemplo), a partir do empenhoda sub-sede de Resende e da comissão de fábrica,a diretoria do sindicato de Volta Redonda nãoconsegue evitar que surjam questionamentos àssuas práticas - vistas, às vezes, como muito com-placentes frente à empresa - vindas desse mes-mo grupo. Este tipo de tensão, na verdade, podeestar ref1etindo uma duplicidade de conduta daForça Sindical na localidade. O mais intere san-te é o fato de que a sub-sede de Resende perce-be o perigo da postura assumida pela direçãodo sindicato na disputa com os possívei rivaie defende que a perda do contato mai imedia-to com a demanda dos trabalhadore pode le-var também à perda da disputa política.

Com todo o avanço em termo organiza-cionais por parte dos trabalhadore não e de-vem esquecer as iniciativas tomadas pela empre ano sentido de cooptar seus funcionários parauma perspectiva mais colaborativa e distante doconf1ito. Em muitas situações, fica explicitada a

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enorme assimetria entre a empresa, com toda asua força de companhia multinacional, e osindicato, cuja fragilidade é visível na própriaestrutura física de sua sub-sede de Resende. Issoreverbera no fato de que os índices de aceitaçãodas formas de relação da empresa com seus tra-balhadores são bastante elevados, bem como osentimento de consulta em termos das mudan-ças empreendidas no interior da empresa. Damesma forma, os trabalhadores identificam aber-turas por parte das gerências na relação comeles.

o sindicato, que tanto já avançou no sen-tido da organização dos trabalhadores, paramanter essa prática, vai ter certamente que ficaratento a esses movimentos por parte da empresa.Uma perspectiva que se abre pode ser a ampli-ação da ainda tênue articulação entre os traba-lhadores da VW e aqueles da PSA - Peugeot/Citroen (inaugurada em 2001). Em um contextode constante mudança no mundo do trabalho, arepresentação dos trabalhadores na localidadeparece ter percebido que não pode ficar comomera espectadora de um jogo no qual deve serum dos protagonistas mais importantes.

Notas1 A mudança nas pautas se deu em vários setores.

Para o caso dos metalúrgicos do Rio de Janeiro,ver Ramalho e Santana (2001).

2 A esse respeito ver Souza, Santana e Deluiz (999).Os recursos para custeio de tais projetos são oriun-dos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) , oque gerou um intenso debate no interior do movi-mento sindical.Este foi um tema polêmico tanto no interior domovimento sindical, quanto nas análises acadêmi-cas. Para uma análise do tema, em suas experiên-cias nacional e regional, ver, entre outros, Castro(1997), Leite (2000) e Galvão (998).

-1 Em Ramalho e Santana C2002a), analisamos de for-ma mais detalhada o processo de atração das em-presas para a região, a forma de funcionamentodo "consórcio modular" e a ação dos trabalhado-res frente ao mesmo.Para que se tenha uma idéia, em números gerais,considerando o período de 1995 até 2001, os ór-

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gãos responsáveis pelo desenvolvimento indusdo Estado revelam que a região do Médio Pa(onde se encontram Resende e Porto Real) rbeu US$ 1 bilhão em investimentos privados, ca geração de 9,2 empregos diretos, ficando aapenas da capital, município do Rio de Jane(Gazeta Mercantil-Rio, 9/04/2001).

6 Por exemplo, as fábricas da VW e da PSA-PeugeCitroen (e de sua rede de fornecedores) em funo -namento, re-direcionamento da fábrica da Michepara a fabricação de pneus de automóveis, con tr -ção, além da Galvasud - associação da CompanSiderúrgica acional com a Thyssen para produ -ação para a produção automobilística - etc.

7 Digno de nota é o fato de 82% dos funcionáriosempresa haverem feito curso profissionalizan eChama a atenção a presença do SENAI, nessa áre:com 74% dos cursos tendo sido feitos nessa in -tuição e 12% em Escolas Técnicas. Isso demon _a importância decisiva para a região dos centrde formação que, tradicionalmente, vêm capac-tando os trabalhadores em todo o país. A avalio

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ção desses cursos é bastante favorável: 48% dtrabalhadores os qualificaram como bons, enquan:43% os consideraram ótimos. Os dados quantita -vos citados no texto são resultado do suruey "1;perfil dos Metalúrgicos da Volkswagen de Resen -- RJ" (Rama lho e Santana, 2002d), realizado juntaos funcionários da Volkswagen Caminhões e Ôni-bus e das empresas que compõem o "consórciomodular", em Resende, com o objetivo de traçarum primeiro perfil dos metalúrgicos dessas empre-sas, com ênfase nos aspectos relativos às condi-ções sócio-econômicas, às relações de trabalho eàs práticas político-sindicais. O processo contoucom o apoio do Sindicato dos Metalúrgicos de VoltaRedonda (sub-sede de Resende), da Comissão deFábrica do "consórcio modular" e do setor de Re-cursos Humanos da VW. Além disso, o suruey in-corpora questões de uma pesquisa de escopointernacional, coordenada pelo professor PaulStewart (2001), o que lhe tem garantido variadaspossibilidades comparativas.

8 Nos dias que correm, a entidade vem mantendouma prática sindical articulada e com bom padrãode organização, a despeito da privatização da CSNe da drástica redução no número de empregos nessaempresa. Para a trajetória dos trabalhadores em Vol-ta Redonda, ver, entre outros, Morei (2001) eMangabeira (1993).

9 O ano de 1999 foi "quente" para o sindicalismo daregião. Além dessa paralisação e da consolidação da

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comissão de fábrica, a vw- Resende foi também es-colhida para ser a primeira empresa a paralisar suasatividades por um dia no movimento que ficou co-nhecido como "festival de greves", um movimentoque uniu em uma mesma estratégia até forças sindi-cais que se opunham - a CUT e a Força Sindical.

IOUm passo nesta direção pode ser obtido emabuco, Neves e eto (2002).

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