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World Psychiatry 5:2 - June 2006
ARTIGO ESPECIAL
A cincia do bem estar: uma abordagem integrada sade mental e seus transtornos C. ROBERT CLONINGER Department of Psychiatry, Washington University School of Medicine, 660 South Euclid, St. Louis, MO 63110, USA
A psiquiatria no tem conseguido melhorar os nveis mdios de felicidade e
bem-estar, apesar das volumosas somas gastas no desenvolvimento de
drogas psicotrpicas e em manuais de psicoterapia. O fracasso prtico da
psiquiatria em melhorar o bem-estar resultado de um enfoque excessivo
nos aspectos estigmatizantes dos transtornos mentais e do descaso por
mtodos para intensificar as emoes positivas, o desenvolvimento do
carter, a satisfao com a vida e a espiritualidade. Neste documento, uma
abordagem simples e prtica ao bem-estar descrita pela integrao de
mtodos biolgicos, psicolgicos, sociais e espirituais para incrementar a
sade mental. So apresentadas evidncias mostrando que as pessoas
podem ser ajudadas a desenvolver seu carter e felicidade por meio de
uma sequncia cataltica de mtodos clnicos prticos. As pessoas podem
apreender a desabrochar e ser mais auto-direcionadas, tornando-se mais
calmas, aceitando suas limitaes e liberando-se de medos e conflitos. As
pessoas podem aprender a ser mais cooperativas, crescendo em plenitude
mental e disponibilizando-se em benefcio do prximo. Adicionalmente, as
pessoas podem apreender a ser mais auto-transcendentes, por meio da
expanso de sua auto-percepo das perspectivas conducentes a crenas e
preconceitos acerca da vida, que produzem emoes negativas e limitam a
vivncia de emoes positivas. Os traos de personalidade de capacidade
de auto-direcionamento, de disposio de cooperao e de auto-
transcendncia so todos eles essenciais para o bem-estar. Tais condies
podem ser mensuradas com segurana, usando-se o Inventrio de
Temperamento e Carter. Um programa psicoeducacional para o bem-
estar foi desenvolvido e denominado A vida feliz: incurses rumo ao bem-estar. Trata-se de uma interveno de estilo universal com mltiplas etapas, por meio da qual quem quer que deseje ser mais feliz e mais
saudvel pode conseguir isso atravs de autoajuda e/ou terapia
profissional.
Palavras chave: Bem-estar, desenvolvimento do carter, espiritualidade, felicidade,
psicobiologia.
A despeito das fabulosas somas investidas em drogas psicotrpicas e
dos considerveis esforos para padronizar os mtodos de psicoterapia, no
tm havido at agora melhorias substanciais nos nveis mdios de
2
felicidade e de bem estar nas populaes em geral, conforme bem
documentado nas sociedades ocidentais como a dos EUA (1,2). O fracasso
prtico da psiquiatria em melhorar o bem estar no chega a ser surpresa por
diversas razes. Primeiro, o enfoque da psiquiatria tem se dirigido para os
transtornos mentais em si, e no no entendimento ou desenvolvimento de
sade mental positiva. A morbidade e a mortalidade so mais fortemente
relacionadas ausncia de emoes positivas do que presena de
emoes negativas (3). possvel cultivar-se o desenvolvimento de
emoes positivas, conforme demonstrado por recentes testes controlados
randomizados (4).
Segundo, avaliar psicopatologias atravs de categorias distintas de
doenas propicia um caminho fcil para rotular pacientes com transtornos,
mas a validade da classificao por categorias duvidosa. Alm de serem
de duvidosa validade, as distines por categorias so intrinsicamente
estigmatizantes: algumas pessoas so consideradas defeituosas, enquanto
que outras so avaliadas como normais. Como resultado, muitas pessoas
envergonham-se de serem mentalmente doentes e evitam tratamento.
Concentrar-se em intervenes universais para promover a sade mental
para todos pode revelar-se desestigmatizante, atravs do reconhecimento
que todas as pessoas possuem muitas coisas em comum umas com as
outras.
Terceiro, os mtodos psiquitricos de avaliao e tratamento
frequentemente exigem um treinamento prolongado, com um complexo
jargo para a psicoterapia, ou medicamentos e equipamentos onerosos para
as terapias biolgicas. Estas caractersticas de custo e distribuio dos
recursos limitam a disponibilidade de tratamentos eficazes em todo o
mundo. Os tratamentos psicobiolgicos integrativos podem ser altamente
eficazes e no dispendiosos, robustecendo a resilincia espontnea dos
seres humanos em um ambiente teraputico que possa ser proporcionado
por uma ampla gama de trabalhadores de sade mental, com variados
nveis de maestria profissional.
Quarto, os tratamentos que enfocam o corpo e/ou a mente, tem sido
geralmente antiespirituais em sua orientao. Este vis antiespiritual na
psiquiatria tem muitas razes, incluindo questionveis presunes da
psicanlise freudiana, o comportamentalismo, e o reducionismo demasiado
simplista dos materialistas. E, contudo, os seres humanos so seres
espirituais que passam mais tempo em orao e meditao do que fazendo
sexo (6). O cultivo da espiritualidade proporciona um meio poderoso e no
dispendioso para intensificar o bem-estar, conforme demonstrado por
recentes testes controlados randomizados de mtodos de tratamento
espiritual, os quais so relatados mais adiante neste artigo.
3
Estas consideraes me levaram a desenvolver uma abordagem
simples para auxiliar as pessoas a serem felizes, abordagem esta que pode
ser disponibilizada para todos. Minha abordagem integrativa,
combinando os enfoques biolgico, psicolgico, social e espiritual. A base
cientfica para esta cincia do bem estar foi resumida em livro recente (7).
Agora estou escrevendo um livro mais direcionado clnica, para explicar
como aplicar esta perspectiva na prtica clnica, e tambm estou
desenvolvendo uma srie de mdulos psicoeducacionais que podem ser
distribudos em grande escala.
Aqui, resumirei os dados disponveis sobre a necessidade de se reduzir
a incapacidade, sobre as necessidades espirituais das pessoas e sobre a
eficcia de terapias de bem-estar espiritualmente orientadas. Aps,
descreverei os conceitos clnicos chave acerca dos estgios da auto-
percepo. Por ltimo, descreverei a srie de mdulos de psicoterapia que
esto sendo elaborados para ilustrar uma eficiente sequncia cataltica de
intervenes que ajudam todos a se tornar mais maduros e felizes.
A NECESSIDADE DE REDUZIR A INCAPACIDADE MUNDO AFORA
Apesar dos modernos avanos na Psiquiatria, os transtornos mentais
permanecem as principais causas de incapacidade em todo o mundo (8). A
Depresso Maior por si s acarreta a perda mdia de mais de seis anos de
vida sadia em todo o planeta. Combinando a Depresso Maior com o uso
de lcool, o uso de drogas e outros transtornos mentais, temos o nus total
de mais de 20 anos das vidas de cada pessoa de cinco anos ou mais. Os
transtornos mentais so um nus atordoante para as sociedades em toda a
Terra, independente da diversidade tnica e econmica das naes.
O tratamento dos transtornos mentais tem sido aprimorado com a
introduo de muitos medicamentos e tcnicas de psicoterapia que mostram
acentuados benefcios em testes controlados randomizados. Inobstante, os
tratamentos disponveis so infelizmente associados frequentemente com o
abandono, a recidiva e a recorrncia da molstia. Por exemplo, no
tratamento da depresso maior, a resposta aguda aos antidepressivos ou
terapia cognitivo-comportamental apenas moderada. Uma melhora
substancial ocorre em cerca de 50% a 65% dos pacientes recebendo
tratamento ativo, comparados com 30% a 45% em sujeitos controle. A
recidiva rpida em sujeitos que abandonam ou interrompem o tratamento
prematuramente, em razo das intervenes serem dirigidas aos sintomas e
no corrigirem as causas subjacentes do transtorno. A maioria dos
pacientes com depresso maior que de fato melhora consideravelmente tem
recorrncias no decorrer dos trs anos seguintes, a despeito do uso de
medicamentos e da terapia cognitivo-comportamental (10). Os resultados
4
so igualmente inadequados em tratamentos disponveis para outros
transtornos, tais como esquizofrenia, transtorno bipolar, transtornos de
ansiedade e dependncia de lcool e drogas.
Os medicamentos disponveis para a dependncia de lcool e drogas
tm fracos efeitos agudos e altos ndices de recidiva e recorrncia, mesmo
quando os subtipos clnicos so considerados parte (11,12). De forma
similar, 74% dos pacientes com esquizofrenia descontinuaram o anti-
psictico que lhes foi receitado antes de 18 meses, em um teste recente
comparando anti-psicticos de segunda gerao (atpicos) com a
perphenazina, (tpica) droga de primeira gerao (13). Todas as drogas
disponveis foram descontinuadas em razo de altas taxas de ausncia de
resposta, efeitos colaterais intolerveis e no-adeso. A inadequao dos
tratamentos disponveis para a maioria dos pacientes com transtornos
mentais resulta em sintomas residuais persistentes da molstia e do
sofrimento, da mesma forma que em baixos nveis de satisfao com a vida
e de bem estar.
O QUE REDUZ MESMO A INCAPACIDADE E AUMENTA O BEM ESTAR?
O bem estar no intensificado pela riqueza, poder ou fama, apesar de
muitas pessoas agirem como se tais conquistas pudessem trazer satisfao
duradoura. O desenvolvimento do carter traz de fato maior auto-percepo
e, consequentemente, maior felicidade. Afortunadamente, um trabalho
recente sobre o bem estar mostrou que possvel aprimorar o carter, e, por
este meio, aumentar o bem estar e reduzir a incapacidade na populao em
geral e na maior parte, seno de todos, dos transtornos mentais (4,7,10,14-
16). Os mais eficazes mtodos de interveno concentram-se todos no
desenvolvimento das emoes positivas e dos traos de carter que so
subjacentes ao bem estar.
Testes controlados randomizados de terapias para aumentar o bem-
estar em pacientes com transtornos mentais mostram progressos em graus
de felicidade e nas foras de carter que ampliam a adeso ao tratamento e
reduzem os ndices de recidiva e recorrncia, quando comparados aos da
terapia cognitivo-comportamental ou da medicao psicotrpicas por si ss
(10,14,15). Testes controlados randomizados revelaram que as intervenes
para aumentar o bem-estar so tambm eficazes em amostras de estudantes
e voluntrios entre a populao em geral (4,17).
Os mtodos de aumentar o bem-estar podem ser entendidos como
atuando nos trs ramos da autodeterminao mental, os quais podem ser
mensurados como traos de carter usando-se o Inventrio de
Temperamento e Carter (TCI em ingls) (6,18). Estes trs traos de carter
do TCI so chamados de auto-direcionamento (i.e. responsvel,
5
determinado e engenhoso), disposio de cooperao (i.e. tolerante, solcito
e compassivo) e auto-transcedncia (i.e., intuitivo, judicioso, espiritual). Na
essncia, os que pontuam alto em todos estes traos de carter tm com
frequncia emoes positivas (i.e., alegria, jbilo, satisfao, otimismo) e
raramente emoes negativas (i.e., ansiedade, tristeza, raiva, pessimismo).
Nossas descobertas so ilustradas na Figura 1. Usando o TCI, ns
separamos as pessoas que estavam no tero superior de auto-
direcionamento (S), da disposio de cooperao (C) e da auto
transcendncia (T), daquelas no tero inferior (s,c,t), ou daquelas no tero
do meio () em cada teste. Cerca de um tero das pessoas que foram baixas em auto-direcionamento estavam deprimidas. A percentagem
daquelas que eram felizes foi de 5%, se as pessoas tambm no fossem
nem cooperativas nem transcendentes, e aumentou para 26% se elas fossem
tanto cooperativas como transcendentes. Alm disso, se o auto-
direcionamento ou a disposio de cooperao fosse alto, mas no ambos,
ento as pessoas no diferiam muito em humor daquelas com perfis mdios
de carter. Se tanto o auto-direcionamento quanto a disposio de
cooperao fossem elevados, ento a felicidade era muito mais frequente
que a tristeza (19% versus 1%). Finalmente, as pessoas que foram elevadas
em todos os trs aspectos de carter tinham a maior percentagem de
felicidade (26%). Em outras palavras, o desenvolvimento de bem-estar
(i.e., a presena de felicidade e a ausncia de tristeza) depende de uma
combinao de todos os trs aspectos da conscincia auto-percebida. A
ausncia do desenvolvimento de qualquer um dos trs fatores deixa uma
pessoa vulnervel ao surgimento de conflitos que podem levar a uma
espiral descendente de pensamento at um estado de depresso.
40
35
30
25
20
15
10
5
0
sct scT sCT sCt Sct ScT SCt SCT
S tero superior de auto-direcionamento; s tero inferior de auto-direcionamento; T tero superior de auto-transcendncia; t tero inferior de auto-transcendncia; C tero superior de disposio de cooperao; c - tero inferior de disposio de cooperao; tero mdio em cada teste.
Tristeza
Felicidade
6
Estes traos de carter podem ser exercitados e desenvolvidos por
intervenes que estimulam um sentido de esperana e de maestria para o
auto-direcionamento, a bondade e a capacidade de perdoar, para o esprito
de cooperao, e a percepo e o significado superiores a si prprio para a
autotranscedncia.
Uma baixa capacidade de auto-direcionamento no TCI um forte
indicativo de vulnerabilidade a transtornos depressivos maiores (19). A
capacidade de auto-direcionamento no TCI um prognosticador de
resposta rpida e estvel, tanto a antidepressivos (20,21), quanto terapia
cognitivo-comportamental (CBT, em ingls) (22). O encorajamento da
soluo de problemas leva ao aumento da autonomia e do sentido de
domnio pessoal, os quais promovem maior esperana e bem-estar, de
formas que so comuns em psicoterapias eficazes, incluindo o CBT (23,25)
ou o CBT amplificado com mdulos para a conscincia das emoes
positivas (10,14,15), da plenitude mental (26,27), ou do significado
espiritual (15,16,23). O acrscimo de mdulos para o cultivo de emoes
positivas, da plenitude mental e/ou do significado espiritual reduz
substancialmente os ndices de abandono, recidiva e recorrncia. Por
exemplo, no tratamento de pacientes com depresso recorrente, um
trabalho adicional sobre as emoes positivas baixou os ndices de recidiva
e recorrncia de 80% para 25%, ao longo de dois anos em depressivos
recorrentes (15). De forma similar, o treinamento da plenitude mental
reduziu as recidivas de 78% para 36% em sessenta semanas, em
depressivos com trs ou mais episdios (26-28). A descoberta de
significado espiritual atravs de valores auto-transcendentes tambm
diminuiu a recidiva e elevou o bem-estar em testes controlados
randomizados de pacientes com depresso, esquizofrenia e doenas
terminais (16).
As melhoras em cada uma destas reas so benficas, mas a
consistncia e a resilincia emocionais dependem do desenvolvimento
equilibrado de todas as trs grandes dimenses do carter (6,7,18). Os
conceitos ocidentais de sade mental normalmente enfatizam as
capacidades de auto-direcionamento e de cooperao, mas negligenciam o
papel crucial da percepo e do significado espirituais baseados em valores
auto-transcendentes.
A NECESSIDADE DE SIGNIFICADO ESPIRITUAL
A maioria dos pacientes psiquitricos deseja que seus terapeutas
estejam conscientes dos seus valores e necessidades espirituais, porque a
7
espiritualidade humana exerce um papel fundamental no enfretamento de
desafios e no bom aproveitamento da vida (16). A conscincia humana
caracterizada por uma capacidade de auto-percepo e escolhas livres que
no so inteiramente determinadas por experincias pregressas (7). O
grande mistrio da neurocincia que a conscincia humana no pode ser
explicada ou reduzida aos processos da matria (29, 30).
Como resultado do fato da conscincia humana transcender
explicaes materialistas, a psiquiatria encontra-se agora diante de uma
importante encruzilhada. A estimulao da espiritualidade e do bem-estar
tem sido negligenciada em razo da tendncia ao reducionismo
materialista. A psiquiatria tem agora a oportunidade de promover um mais
amplo entendimento do que significa ser um ser humano. A natureza
humana no pode ser reduzida matria, como no comportamentalismo ou
na psiquiatria molecular. A natureza humana tampouco pode ser reduzida
ao dualismo do corpo e da mente, como nas abordagens cognitivo-
comportamentais.
A auto-percepo exige um entendimento dos aspectos fsicos,
mentais e espirituais do ser humano. Para promover maior plenitude da
auto-percepo, o CBT pode ser ampliado com um enfoque adicional nas
questes existenciais, tais como a descoberta da auto-aceitao e do
significado do enfrentamento dos desafios da vida. O significado pode ser
descoberto pelo encontro de algum ou de algo que seja valorizado, pela
atitude generosa e determinada em fazer bem ao prximo, ou pelo
desenvolvimento de comportamentos como compaixo e humor, que deem
sentido ao sofrimento (16,31,32). A terapia enriquecida com a
espiritualidade mais eficaz do que o CBT no acionamento de sentimentos
de esperana e de satisfao com a vida (16,31,32). Isso demonstrado
tambm nos testes controlados randomizados para reduzir os ndices de
recidiva e aumentar a qualidade da recuperao funcional (16). A
diminuio dos ndices de recidiva sugere que a busca por significado pode
algumas vezes ajudar as pessoas a desenvolver seu carter em novos nveis,
nos quais elas conseguem reduzir sua vulnerabilidade diante de futuros
episdios.
A fim de incorporar uma compreenso mais completa do
desenvolvimento espiritual na prtica clnica em geral, necessrio
entender a maneira como as pessoas normalmente desenvolvem seu sentido
de bem-estar. Estimular o desenvolvimento de traos de carter, tais como
ser auto-direcionado, cooperativo e espiritual, automaticamente conduz a
uma boa qualidade de vida. Entender os meios de avivar o
desenvolvimento espiritual permite ao terapeuta tratar a extenso plena da
psicopatologia, conquanto ele conhea as formas apropriadas para lidar
8
com os muitos obstculos que os pacientes possam encontrar ao longo do
caminho rumo ao bem-estar.
ETAPAS NO CAMINHO PARA O BEM-ESTAR
Existem trs grandes etapas de auto-percepo ao longo do caminho
para o bem-estar, conforme resumido na Tabela 1, baseados em extenso
trabalho realizado por muitas pessoas, como descrevi em detalhe alhures
(7). A ausncia de auto-percepo ocorre em transtornos de personalidade e
psicoses graves, nos quais existe pouca ou nenhuma percepo criteriosa do
ponto de vista pr-verbal ou das crenas e interpretaes que conduzem
automaticamente a impulsos e atitudes emocionais. Desprovidas de auto-
percepo, as pessoas agem de imediato diante de gostos e desgostos, um
comportamento usualmente descrito como prprio de um estado de ego
imaturo ou infantil. A primeira etapa da auto-percepo tpica da maioria dos adultos, na maior parte do tempo. A cognio do adulto
comum envolve a capacidade de adiar gratificaes, a fim de atingir metas
pessoais, mas permanece egocntrica e defensiva. A cognio do adulto
comum est associada com frequente sofrimento, quando as conquistas e os
desejos so frustrados. Assim, a pessoa mdia talvez funcione bem sob
boas condies, mas pode frequentemente vivenciar problemas sob tenso.
A maioria das pessoas comumente pensa de maneiras que so defensivas,
da ocorrendo muitas vezes uma luta para justificar porque elas esto certas
e os outros esto errados. Contudo, neste estgio de auto-percepo, uma
pessoa capaz de fazer a escolha de relaxar e liberar-se de emoes
negativas, desta forma fixando-se na etapa da aceitao da realidade e da
mobilidade para superiores degraus de correspondente entendimento.
Tabela 1 Etapas da auto-percepo no caminho ao bem-estar
Etapa Descrio Caractersticas Psicolgicas
0 Desapercebido Imaturo, buscando gratificao imediata
(estado do ego infantil)
1 Adulto mdio Determinado, mas egocntrico; cognio suficiente para adiar
gratificao, mas ainda preso a frequentes emoes negativas
(ansiedade, raiva, averso) (estado do ego adulto).
2 Meta-cognio Maduro e alocntrico; percepo do prprio pensamento
subconsciente; calmo e paciente, de sorte a controlar conflitos e
relacionamentos (estado do ego paternal, plenitude da mente).
3 Contemplao Espontaneamente calmo, percepo imparcial; judicioso,
criativo e afvel, capaz de acessar o que estava previamente
inconsciente, sempre que necessrio, sem esforo ou
sofrimento (estado do bem-estar, plenitude da alma)
9
A segunda etapa da conscincia auto-percebida tpica de adultos que
agem como um bom pai. Bons pais so alocntricos em perspectiva ou seja, eles so centrados nos outros e capazes de considerar calmamente a perspectiva e as necessidades de seus filhos e de outras
pessoas de uma maneira equilibrada, que conduza satisfao e
harmonia. Este estado vivenciado quando uma pessoa capaz de observar
seus prprios pensamentos subconscientes e considerar os processos de
pensamento alheios, de uma maneira similar sua observao dos seus
prprios pensamentos. Por isso, a segunda etapa descrita como percepo
meta-cognitiva, plenitude mental, ou mentalizao. A capacidade da mente de observar a si prpria resulta em mais flexibilidade na ao, pela
reduo do pensamento dicotmico (26). Neste estgio, uma pessoa capaz
de observar a si mesmo e aos outros em busca de entendimento, sem julgar
ou culpar. Entretanto, em um estado mental pleno, as pessoas ainda
experimentam as emoes que emergem de uma perspectiva dualstica e,
assim, devem lutar com muita garra para disciplinar e controlar suas
respostas emocionais. Tais esforos so cansativos e apenas parcialmente
bem sucedidos, o que faz com que a plenitude mental seja apenas
moderadamente eficaz no aumento do bem-estar (7).
A terceira etapa da auto-percepo chamada contemplao, porque
a percepo direta da perspectiva inicial do agente pensante ou seja, o ponto de vista pr-verbal ou esquemas que dirigem nossa ateno e
fornecem a estrutura que organiza nossas expectativas, atitudes e
interpretao dos eventos. A percepo direta do nosso ponto de vista
permite a expanso da conscincia pelo acesso prvio de material
inconsciente, assim liberando-nos do pensamento mgico e do
questionamento imparcial das presunes bsicas e crenas centrais sobre a
vida, tais como estou desamparado, ningum me ama, ou a f uma iluso. A terceira etapa da auto-percepo tambm pode ser descrita como plena de alma, porque neste estado o indivduo fica ciente de profundos sentimentos pr-verbais, que emergem espontaneamente a partir de uma
perspectiva unitria, tais como a esperana, a compaixo e a reverncia (7).
A plenitude da alma muito mais poderosa na transformao da
personalidade que a plenitude mental, que muitas vezes no consegue
reduzir os sentimentos de desamparo (33). Entretanto, a maioria das
pessoas nunca atinge um estado estvel de contemplao nas sociedades
contemporneas, que esto repletas de mensagens materialistas e
antiespirituais.
Um sem nmero de trabalhos empricos tem demonstrado que a
mobilidade atravs destas etapas de desenvolvimento pode ser descrita em
termos de degraus no desenvolvimento do carter, ou no desenvolvimento
10
psicossocial, como na obra de Vaillant (34) sobre os estgios do
desenvolvimento do ego, de Erikson. Tal desenvolvimento pode ser
visualizado como uma espiral em expanso, expanso esta tanto em altura e
largura quanto em profundidade, na medida em que o indivduo amadurece
ou incrementa a coerncia de sua personalidade. De forma similar, a
mobilidade de pensamento, de semana a semana ou ms a ms, tem a
mesma forma espiral, independente da escala de tempo. Esta auto-similaridade na forma, em qualquer escala de tempo, uma propriedade caracterstica de sistemas adaptativos complexos, os quais so tpicos de
processos psicossociais em geral (7). A utilidade clnica desta propriedade
que os terapeutas podem ensinar as pessoas a exercitar sua capacidade de
auto-percepo, movendo-se atravs das etapas de percepo antes
descritas. Seu grau de maestria em assim proceder e as dificuldades que
tiverem revelar a maneira como sero capazes de enfrentar os desafios da
vida.
Baseado em estudos dos estgios de desenvolvimento do carter e da
consistncia emocional, desenvolvi uma programa de psicoterapia que
envolve uma sequncia de quinze mdulos de interveno, no intuito de
guiar uma pessoa ao longo da rota para o bem-estar (Tabela 2). Tais
mdulos so descritos como roteiros de um dilogo com um paciente
submetendo-se terapia para tornar-se mais saudvel e feliz. Esta
sequncia teraputica corresponde sequncia natural pela qual uma
pessoa cresce em auto-percepo, adaptada para fornecer orientao
teraputica e exerccios de autoajuda, de sorte a lograr progressos
sistemticos rumo ao bem-estar. Cada mdulo tem a durao de cerca de 50
minutos, apropriado para a utilizao em um formato de autoajuda ou como
um adendo terapia individual ou de grupo. delineado como uma
interveno universal que pode ser aplicada a qualquer um, independente
do seu nvel de sade fsica e mental, conquanto tenha a compreenso de
leitura de um adolescente mdio de 14 anos de idade (i.e., na oitava srie
do primeiro grau). O terapeuta no tem que repetir instrues nem que
seguir material padronizado, mas livre para discutir questes
individualizadas com o paciente, bem como sugerir aplicaes e trabalho
de casa que sejam especialmente apropriados a sua situao particular. O
espaamento de intervalos entre os mdulos na srie pode ser estabelecido
pela motivao e situao do paciente, e orquestrado pelo terapeuta.
Tabela 2 Ttulos e tpicos dos 15 mdulos de Incurses ao Bem-Estar
Conjunto1 Mdulo 1: O que o faz feliz? Reconhecendo o que traz alegria de viver
Mdulo 2: O que o faz infeliz? Entendendo as armadilhas do pensamento
Mdulo 3: Vivenciando o bem-estar Aquietando o tumulto da mente
Mdulo 4: Unio com a natureza Despertando seus sentidos fsicos
11
Mdulo 5: Encontrando significado Despertando seus sentidos espirituais
Conjunto 2 Mdulo 6: Alm da plenitude da mente Cultivando a plenitude da alma
Mdulo 7: Observando e elevando seus pensamentos
Mdulo 8: Observando e elevando seus relacionamentos humanos
Mdulo 9: Mapeando sua maturidade e integrao
Mdulo 10: Contemplao do ser
Conjunto 3 Mdulo 11: Voc pode aprender a reduzir o estresse?
Mdulo 12: Acalmando seus medos
Mdulo 13: Observando os carreiristas em sua vida
Mdulo 14: Contemplao de mistrios
Mdulo 15: Percepo constante
Todas as tcnicas foram testadas em trabalho clnico (18) e a maior
parte delas foi tambm submetida a testes controlados randomizados,
descritos antes neste artigo. Est sendo planejado um teste controlado
randomizado de todas as intervenes, compondo um conjunto completo.
interessante notar que o primeiro conjunto de mdulos enfatiza mtodos
comportamentais focados em emoes positivas, juntamente com conceitos
bsicos de processamento cognitivo. O segundo conjunto de mdulos vai
alm da plenitude mental, a fim de estimular a percepo meta-cognitiva
mais profunda das perspectivas subjacentes aos pensamentos
subconscientes. O terceiro conjunto de mdulos envolve o acesso
contemplativo e o reconhecimento do significado de smbolos pr-verbais,
atravs dos quais as influncias internas e externas, que geralmente so
inconscientes, se comunicam pela estruturao de expectativas
subconscientes, como em sonhos, em algumas formas de propaganda, em
movimentos sociais e outras situaes poderosas. Estes estgios da terapia
correspondem aos estgios do desenvolvimento espiritual, mas so
baseados em princpios psicobiolgicos explcitos, conforme descrevei em
detalhe alhures (7).
minha esperana que o fornecimento de uma descrio explcita de
uma sequncia de intervenes auxiliar os terapeutas a superar sua
desafortunada relutncia em dar ateno s necessidades espirituais de seus
pacientes. Descobri ser possvel abster-me de julgamentos ao levantar
questes sobre valores espirituais com meus pacientes. Enfatizo que cada
pessoa deve questionar todas as autoridades, inclusive a mim, e concentrar-
se na proviso de exerccios pessoais pelos quais elas possam obter
respostas para si prprias. Esta postura permite ateno espiritualidade
com base em princpios da psicobiologia e razes na compaixo e na
tolerncia, e no com base em juzos dogmticos que esto enraizados no
medo e na intolerncia. Minha experincia mostrou-me que tais convices
tem tornado minha terapia mais eficaz e mais gratificante tanto para meus
12
pacientes como para mim. Somente atravs da abordagem da
espiritualidade de uma forma cientfica e despojada de julgamento
poderemos converter a psiquiatria numa cincia de bem-estar que seja
capaz de reduzir o estigma e a incapacidade do transtorno mental.
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