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verve 13 drogas-nocaute 1 edson passetti & acácio augusto Abertura Roberto e Erasmo Carlos: “Sentado à beira do caminho”. Andre (em off): Boxe em 12 rounds, com a possibilidade de um nocaute iminente. A luta é nossa! Soa o gongo! Edson Passetti é professor no Departamento de Política e no Programa de Estu- dos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Coordena o Nu-Sol. Acácio Augusto é doutorando em Ciências Sociais na PUC-SP, pesquisador no Nu-Sol/ PUC-SP, professor colaborador no Departamento de Política da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP e no Curso de Relações Internacionais da FASM.

drogas-nocaute 2010

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    drogas-nocaute1

    edson passetti & accio augusto

    Abertura

    Roberto e Erasmo Carlos: Sentado beira do caminho.

    Andre (em off): Boxe em 12 rounds, com a possibilidade de um nocaute

    iminente. A luta nossa!

    Soa o gongo!

    Edson Passetti professor no Departamento de Poltica e no Programa de Estu-dos Ps-Graduados em Cincias Sociais da PUC-SP. Coordena o Nu-Sol. Accio Augusto doutorando em Cincias Sociais na PUC-SP, pesquisador no Nu-Sol/PUC-SP, professor colaborador no Departamento de Poltica da Faculdade de Cincias Sociais da PUC-SP e no Curso de Relaes Internacionais da FASM.

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    Andre (em off): Primeiro Round: Conversao.

    Cena nica: Conversao.

    Bia: O controle das drogas fundamental para a sade da popu-

    lao.

    Aline: O uso de substncias que alteram a percepo e a conduta

    de um indivduo tem uma implicao coletiva que deve ser conhecida, regulada e utilizada.

    Salete: De fato, as pesquisas cientficas recentes aproximam o fun-

    cionamento do crebro ao vcio.

    Accio: O investimento moderno da cincia sempre esteve direcio-

    nado para extrair uma positividade dessa relao e dar utili-dade ao uso de drogas.

    Gus: Hoje em dia os cientistas associam o vcio aos efeitos produ-

    tivos das drogas.

    Salete: A dopamina, substncia responsvel pela ativao da sensa-

    o de prazer no crebro, tambm responsvel por intensi-ficar a reteno de informaes na memria.

    Accio: O que vcio? Voc responder que uma conduta conden-

    vel moralmente mas, diante das constataes mais recentes da cincia, o vcio, mais uma vez, se transformar em virtude.

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    Bia: Vcio virtude quando o que se convencionou chamar de

    droga vira medicamento.

    Accio: Com uma diferena, agora no mais para a cura. para in-

    tensificar produtividades. Vale a pena dopar-se para produ-zir mais na empresa, na universidade, nos laboratrios, nos institutos, enfim, o castigo permanece para quem desafia a conformao da moral.

    Cabelo: Estamos num tempo em que h mais dopados do que dro-

    gados.

    Gus: Parece que estamos num eterno retorno do que num mo-

    mento vcio e, em outro, virtude, cura, utilidade, lucro, prazer moderado... e um tanto de coisas que muda para conservar o conformismo.

    Alexis: ... e um tanto de coisas que muda para conservar o confor-

    mismo.

    Cabelo: Nunca vivemos, como hoje em dia, sob tantas regulamentaes

    de condutas condenveis e prescries para a boa conduta.

    Accio: Eu s sei uma coisa, em todas as culturas h evidncias de

    usos de substncias que levam a estados alterados. Experi-menta-se para lidar com o sobrenatural e o real, a partir do que a natureza oferece.

    Sofia: ... a partir do que a natureza oferece.

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    Mauricio: Somos curiosos.

    Accio: Olha-se para o mundo a partir de um ponto de vista. O

    mundo no uma explicao a partir do enunciado socr-tico conhece-te a ti mesmo. O mundo existe a partir de perspectivas e no enquanto vontade e representao.

    Salete: O mundo existe antes e depois da filosofia. Est alm e aqum

    das explicaes, prescries, conservaes e representaes.

    Bia: At mesmo o que chamam de mundo no deve ser visto a

    partir da Terra, da eloquncia da razo, dos efeitos do mo-notesmo ou do paganismo...

    Gus: A vida acontece quando provoca transformaes. E cada um

    pode atiar transformaes em si, em volta de si, contra si e contra todos. A vida muito mais do que o fato biolgico.

    Salete: S para falar de uma cultura que nos inventou, os gregos

    antes de pretenderem criar uma verdade que convencesse a todos, argumentando que era uma verdade desinteressada

    por no pertencer a um grupo especfico, mas destinada humanidade, pronunciavam verdades a partir de uma pers-pectiva que no desconhecia o combate entre as verdades. No pretendiam, ainda, serem os donos do mundo. Cuida-vam de si e inventavam maneiras livres de existir.

    Cabelo: Mas, minha cara, havia escravos, era uma existncia aristo-

    crtica...

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    Salete: Mas, meu caro, isso histria... o que eu disse que os livres

    se libertaram do monarca; o que estou dizendo que pre-cisamos inventar uma vida liberada dos monarcas, tenham eles o nome de rei, povo, lei, pai, ser superior, humano ou demasiado humano. No ser escravo dos outros, nem escra-vo de si mesmo!

    Gus: Os gregos cuidavam do corpo e da mente no gymnasio, no

    banquete, nas guerras, nas convivncias, nos cuidados com a cidade, e provavam da natureza sabores surpreendentes. Acabaram experimentando o trgico.

    Accio: Se voc quiser chamar isso de sade, eu compreenderei, da

    mesma maneira que entendo a encenao grega em Roma e o surgimento das perverses, das depravaes. Note, meu caro, que agora a tal da verdade desinteressada encontra o territrio frtil para justificar proibies, corrupes, tira-nias, e a desinteressada busca pelo melhor governo. Criaram o drama.

    Aline: Idade das trevas anunciada, ora como Idade Mdia, ora

    como sada da caverna platnica para o equilbrio e a so-briedade do Renascimento e do Iluminismo.

    Lili: Que porra de aula de histria essa!

    Bia: Inconformados, alquimistas e feiticeiras abalavam o verda-

    deiro e o falso nos mostrando, mais uma vez, a diversidade em conhecer. As feiticeiras curavam e prognosticavam com suas poes, a partir do passado, o que seria o presente ime-diato. Os alquimistas buscavam pelo phrmakon, a partir do presente, a vida eterna.

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    Mauricio: Os historiadores remontavam o passado para justificar o

    presente e o futuro. Os filsofos arriscavam justificar o pre-sente e anunciar o futuro. A grande guerra contra os deuses se transformou em guerra permanente entre os homens.

    Salete: E agora voc perguntar: com quem estava a verdade?

    Accio: Qual o uso das drogas? O que droga? Quanto nisso tudo

    no houve uma droga de vida? Quanto de droga no est com quem comanda? O que estamos fazendo de ns mesmos?

    Gus: O que fizemos de ns mesmos?

    Lili: O que farei de mim mesma?

    Edson (em off): As pessoas inteligentes e desinteressadas poderiam pergun-

    tar-se: uma vez que as leis penais se mostram impotentes, por que no tentar, mesmo que a ttulo de experincia, o mtodo anarquista?2

    Todos: Que tal?

    Fim do primeiro round. Soa o gongo!

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    Andre (em off): Segundo Round: P de pirlimpimpim e crack.

    Cena 1: P de pirlimpimpim.

    Lili: No fcil lidar com o p de pirlimpimpim. Deu uma pi-

    tada a cada um e mandou que o cheirassem. Todos o cheira-ram sem espirrar, porque no era rap. S Emlia espirrou. A boneca espirrava com qualquer p que fosse desde o dia em que viu tia Nastcia tomar rap. Assim que cheiraram o p de pirlimpimpim, que o p mais mgico que as fadas inven-taram, sentiram-se leves como plumas, e tontos, com uma zoeira nos ouvidos. As rvores comearam a girar-lhes como danarinas de saiote de folhas e depois foram se apagando. Parecia sonho.3

    Cena 2: Crack.

    Gus: Eu devia para o cara. (...) Voc tem que zerar a conta. Ou

    paga direto com a vida. Dez anos no craque. J fiz cinco tratamentos. Minha me reza

    e chora. Se descabela, a infeliz. De joelho me pede. L vou eu para a clnica. Fico numa boa. Mas dou umas recadas. No bebo, no. S na bendita pedra. (...)

    Eu tava trs dias fumando horrores. Sem comer. Sem dormir. Fumo tudo que tiver. Se voc para a fissura te pega. (...)

    O craque. Voc no consegue largar. diferente porque ele voc ama.

    S dez segundinhos porra. Te bate no pulmo. O bruto soco na cabea. E o mgico tuimmm!

    A gente que fuma t sempre ligado. Voc fica o tal. Com uma fora maior. Olho de vidro, o polegar chamuscado (...).

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    Da o Buba veio com essa presso na minha cabea. (...) O

    traficante voc conhece logo. Tem sangue no olho. Sou pilantra. Mas no sou do crime. Veja, tirei cursinho e

    tudo. Com ofcio e registro na carteira. Mais de uma firma importante.

    Essa foi a ltima roubada que eu entrei fundo. Juro por meu Jesus Cristinho. (...)

    O Buba meteu a pea de guerra na minha mo. E passou a fita:

    Seguinte o lance, mano. Esse a vai pagar com a vida. Certo, soldado? (...)

    E bot a arma pro safado: A ordem veio do comando. Vamo at ali que a gente acerta.

    Sabe o que fez o merdinha? Encarou feio, sem piscar. Tive que dar nele. (...)

    Uai, nem raspou, de levinho, a nica bala. Da me apavorei. T fora. (...) Nem eu acredito. Desta vez era outra voz. (...) C t livre. T limpo com a zona! (...) Foi a me. Zerou direto a dvida com o Buba. Agora, vida nova. (...) Ei, voc a, cara? Tem um craquinho a?4

    Tuiiiimmmmm!!!

    Todos: Tuiiiimmmmm!!!

    Fim do segundo round. Soa o gongo!

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    Andre (em off): Terceiro Round: Ayuasca.

    Cena nica: Ayuasca.

    Accio: Imediatamente depois da cerimnia de posse, Roosevelt apa-

    receu na sacada da Casa Branca usando vestes cor de prpura dos imperadores romanos (...). Cuinchou para convocar os integrantes de seu gabinete e determinar a posio que cada um deles ocuparia. Os membros do gabinete chegaram apres-sados, grunhindo e guinchando como porcos que eram.

    Gus: Uma bicha velha conhecida pela polcia do Brooklyn como

    Ana Punheta foi nomeada para Chefe de Estado Maior, de modo que os oficiais mais jovens do departamento foram sujeitados a indignidades impronunciveis nos banheiros do Pentgono (...).

    Bia: Uma travesti gostosona recebeu o posto de bibliotecria do

    Congresso. Imediatamente mandou barrar o sexo mascu-lino das premissas um professor de filologia de renome mundial saiu com o maxilar quebrado por um sapato bru-tamontes quando tentou entrar na biblioteca. A biblioteca virou local de orgias lsbicas, que ela chamou de Rituais das Virgens Vestais. (...)

    Lili: O Magrinho do Metr, um trombadinha, assumiu o cargo

    de Subsecretrio de Estado e chefe do cerimonial e causou ruptura diplomtica com a Inglaterra quando o embaixador ingls deu em cima dele...

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    Accio: ... esse um termo de trombadinha para dizer que o assal-

    tado ficou de pau duro quando seus bolsos estavam sendo vasculhados (...).

    Cabelo: Lonnie, o Cafeto, tornou-se embaixador geral e saiu em

    viagem junto com 50 secretrios para exercer sua funo execrvel.

    Aline: Uma drag queen, conhecida como Eddie, a Dama, encabe-

    ou a Comisso de Energia Nuclear e convocou os fsicos para um coral masculino que se apresentava como Os Ga-rotos Atmicos.

    Bia: Em resumo, homens que tinham ficado de cabelos brancos

    e perdido os dentes no cumprimento do servio leal a seu pas foram demitidos, sumariamente nos termos mais de-pravados possveis, como:

    Cabelo: Est despedido, seu velho fodido.

    Lili: Tira essa bunda preguiosa daqui agora mesmo.

    Bia: (...) Arruaceiros e desqualificados do mais desprezvel cali-

    bre tomaram conta dos cargos mais altos (...).

    Mauricio: Secretrio do tesouro: Mike Tabana, um viciado em hero-

    na das antigas.

    Lili: Diretor do FBI: um empregado de uma sauna turca especia-

    lizado em massagens nada ticas. (...)

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    Cabelo: Secretrio da [Cultura]...

    Mulheres: [Agricultura!]

    Cabelo: ... Agricultura: Luke Bagre, um garoto de Rua de Buceta-

    villem no Alabama, que passara 20 anos bbado de tintura de pio e extrato de limo.

    Gus: Ministro para o Reino Unido: Wilson Banha, que conse-

    guiu seu dinheiro para comprar barbitricos fazendo chan-tagem com pessoas que tinham fetiche por ps e andavam em lojas de calados.

    Accio: Chefe dos Servios de Correio: Moleque P de pio, (...)

    trapaceiro das favelas. Atualmente trabalha em uma rotina chamada Tirando do olho planta-se uma catarata falsa no olho do selvagem...

    Salete: ... selvagem como os trapaceiros dizem trouxa. (...)

    Lili: Quando a Suprema Corte barrou algumas das legislaes

    perpetradas por essa corja, Roosevelt forou os integrantes do augusto tribunal, um por um, sob a ameaa de rebaixamento imediato ao posto de Atendente de Banheiro Congressional, a manter relaes com um babuno de bunda roxa, de modo que homens venerveis e honrados se submeteram aos cari-nhos de um smio lascivo e rosnento, enquanto Roosevelt, sua esposa biscate e o puxa-saco veterano Harry Hopkins, fumando um cachimbo coletivo de haxixe, assistiam cena lamentvel com arroubos de gargalhadas obscenas.

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    Aline: O ministro Blackstrap sucumbiu diante de uma hemorragia

    retal ali mesmo, mas Roosevelt s riu e disse, bem grosseiro:

    Mauricio: Tem muito mais no lugar de onde isso a veio.

    Bia: Hopkins, incapaz de se controlar, rolou no cho em convul-

    ses sicofnticas, repetindo sem parar:

    Cabelo: Voc est me matando chefe, voc est me matando. (...)

    Mauricio: A melhor coisa para a indisposio um pau de babuno no

    cu. Certo, Harry?

    Cabelo: Certo, chefe. Eu no uso outra coisa. (...)

    Accio: Roosevelt ento indicou o babuno para substituir o minis-

    tro Blackstrap, adoentado.

    Gus: Ento, dali em diante, os processos da Corte Suprema pas-

    saram a ser conduzidos com um smio aos berros que cagava e mijava e se masturbava em cima da mesa e que, com boa frequncia, pulava em cima de algum dos ministros e o dei-xava em frangalhos.

    Lili: As vagas assim criadas eram invariavelmente preenchidas por

    smios, de modo que, com o passar do tempo, a Suprema Corte veio a ser constituda por 9 babunos de bunda roxa; e Roosevelt, alegando ser o nico capaz de interpretar suas de- cises, assim ficou com o controle do mais alto tribunal do pas. (...)

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    Cabelo: E finalmente, [Roosevelt] mandou colocar uma escavadei-

    ra mecnica nos andares, de modo que os legisladores mais obstinados eram enterrados vivos. (...)

    Bia: Os sobreviventes tentaram dar continuidade a seu trabalho

    na rua, mas foram presos por vadiagem e mandados para o reformatrio como mendigos comuns. (...)

    Accio: Ento Roosevelt entregou-se a uma conduta to vil e desen-

    freada que d vergonha at de falar. Instituiu uma srie de concursos com o intuito de promulgar os atos e instintos mais baixos de que a espcie humana capaz.

    Lili: Houve o concurso do Ato mais Ofensivo, o concurso do

    Truque mais Baixo, a Semana do Abuso Sexual Infantil, a Semana de Entregar seu Melhor Amigo dedos-duros profissionais no podiam se inscrever.

    Bia: Exemplos de inscritos: o capito do navio que vestiu roupas

    de mulher e correu para o primeiro bote salva-vidas;

    Lili: o drogado que roubou um supositrio de pio da bunda da

    av; (...)

    Aline: Alis, Roosevelt fora acometido de dio tal pela espcie que

    desejava degrad-la a ponto de no mais ser reconhecida.5

    Fim do terceiro round. Soa o gongo!

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    Andre (em off): Quarto Round: Cocana, maconha, morfina, tabaco e herona.

    Cena 1: Cocana.

    Salete e Accio: No motel.

    Gus: Alex [Cabelo], Marquinhos [Mauricio], a Vendedora De

    Roupas Jovens Da Boutique De Roupas Jovens [Lili] e a Se-cretria Loura, Bronzeada Pelo Sol [Aline], entraram na su- te Escort do Motel Le Petit Palais.

    Mauricio: Alex tirou a roupa e mostrou o seu pau duro. (...) A Vendedora De Roupas Jovens Da Boutique De Roupas

    Jovens exclamou:

    Lili: Nossa!

    Gus: A Secretria Loura, Bronzeada Pelo Sol, riu.

    Aline: A Vendedora De Roupas Jovens Da Boutique De Roupas

    Jovens segurou o pau de Alex.

    Lili: Alex lambeu a orelha da Vendedora De Roupas Jovens Da

    Boutique De Roupas Jovens.

    Gus: Marquinhos tirou um saquinho de cocana do bolso. A Ven-

    dedora De Roupas Jovens Da Boutique De Roupas Jovens exclamou:

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    Lili: Oba!

    Cabelo: Alex tirou a blusa jovem da Vendedora De Roupas Jovens

    Da Boutique De Roupas Jovens.

    Gus: A Secretria Loura, Bronzeada Pelo Sol, apertou um inter-

    ruptor e as luzes estroboscpicas da sute Escort do Motel Le Petit Palais se acenderam. A Vendedora De Roupas Jovens Da Boutique De Roupas Jovens tirou a cala jovem, a calci-nha jovem e o suti jovem.

    Lili: Tirei!

    Cabelo: Marquinhos se ajoelhou no cho espelhado da sute Escort do

    Motel Le Petit Palais e desenhou um pnis usando a cocana.

    Gus: A Vendedora De Roupas Jovens Da Boutique De Roupas Jo-

    vens, Alex e a Secretria Loura, Bronzeada Pelo Sol, riram.

    Lili: Alex lambeu a lngua da Vendedora De Roupas Jovens Da

    Boutique De Roupas Jovens.

    Gus: A Secretria Loura, Bronzeada Pelo Sol, fez um strip-tease

    sob as luzes estroboscpicas da sute Escort do Motel Le Petit Palais.

    Cabelo: Marquinhos cheirou um dos escrotos do pnis de cocana

    desenhado no cho espelhado da sute Escort do Motel Le Petit Palais e tirou a roupa.

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    Gus: Alex agarrou a Secretria Loura, Bronzeada Pelo Sol por trs

    e esfregou seu pau duro na bunda dela (...). A Vendedora De Roupas Jovens Da Boutique De Roupas Jovens cheirou o outro escroto do pnis de cocana desenhado no cho espe-lhado da sute Escort do Motel Le Petit Palais e exclamou:

    Lili: Iurr!

    Cabelo: Marquinhos agarrou a Secretria Loura, Bronzeada Pelo Sol

    pela frente e esfregou seu pau duro nas coxas dela... Enquan-to Alex esfregava seu pau duro na bunda dela (...).

    Lili: A Vendedora De Roupas Jovens Da Boutique De Roupas

    Jovens agarrou Marquinhos, por trs, e esfregou sua boceta na bunda dele. (...)

    Gus: As caixas de som, no teto da sute Escort do Motel Le Petit

    Palais, emitiam a msica (...)6

    Serge Gainsburg e Jane Birkin Je taime... Moi non plus.

    Cena 2: Maconha.

    Salete e Accio: Na Praia.

    Gus: Extremamente tenso, O Adolescente Meio Hippie [Mauri-

    cio] escolheu um canto mais afastado, na praia de Trindade, para armar a barraca onde ele, O Adolescente Meio Hippie, faria sexo com A Adolescente Meio Hippie [Lili].

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    Lili: O Adolescente Meio Hippie estava to tenso, que se atra-

    palhou por completo com as cordas e pinos da barraca. O Adolescente Meio Hippie se sentiu um verdadeiro bundo quando A Adolescente Meio Hippie conseguiu armar a barra- ca sozinha. Para tentar aliviar a tenso, O Adolescente meio Hippie preparou um baseado.

    Gus: O Casal De Adolescentes Meio Hippies fumou o baseado.

    O Adolescente Meio Hippie se acalmou um pouco e entrou na barraca para trocar sua roupa suada por uma sunga. Mas, quando saiu da barraca, O Adolescente Meio Hippie voltou a ficar muito tenso. (...)

    Gus: (...) A Adolescente Meio Hippie beijou O Adolescente Meio

    Hippie e disse:

    Lili: Te amo.7

    Cena 3: Sexo.

    Cu, Cangote. Gus canta; Bia dana; os pares [Sofia e Alexis; Aline e Cabelo; Salete e Accio; Lili e Mauricio] com as mulheres no cangote dirigem-se plateia, danam e retornam ao palco.

    Cena 4: Bar, morfina e tabaco.

    Edson (em off): Haver ainda pequenos bares vagabundos

    Com carnes de Extremo Oriente Para abrigar o ano novo.

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    Accio: Pequenos bares com marinheiros lendrios

    Cujos cachimbos consumiro antigos venenos

    Edson (em off): Bares leves inflados de fumaa

    Pequenos bares evanescentes claridade da aurora.

    Accio: Bares onde o sol e seu trajeto brilham

    Na profunda laca avermelhada das taas;

    Edson (em off): Bares repletos da animao das mesas, e vidraas mortas

    Onde estudantes no metero o nariz.

    Accio: Pois haver outros venenos a corroer

    A rvore Viva de nossas fibras prestes a eclodir,

    Edson (em off): H vinhos no secretados por vinhas terrestres

    to violentos quanto catstrofes.

    Accio: Salve, bar que nos fornece venenos

    E misrias e dores e sustos

    Edson (em off): Lanando-nos na nudez de nossas almas

    Em cais inacessveis aos tormentos.

    Accio: Um silncio te guarda e nos protege

    Silncio onde no vem se perder a medicina,

    Edson (em off): Um silncio que nos cura na morfina

    Sem receitas, nem decretos.8

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    Accio: Acendo um cigarro ao pensar em escrever

    Edson (em off): E saboreio no cigarro a libertao de todos os pensamentos.

    Accio: Sigo o fumo como uma rota prpria,

    Edson (em off): E gozo, num momento sensitivo e competente,

    Accio: A libertao de todas as especulaes

    Edson (em off): E a conscincia de que a metafsica uma consequncia de

    estar mal disposto.9

    Cena 5: Cigarros.

    Bia: Vs?! Ningum assistiu ao formidvel

    Enterro da tua ltima quimera. Somente a Ingratido esta pantera Foi tua companheira inseparvel!

    Salete: Acostuma-te lama que te espera!

    O Homem, que, nesta terra miservel, Mora entre feras, sente inevitvel Necessidade de tambm ser fera

    Lili: Toma um fsforo. Acende teu cigarro!

    O beijo, amigo, a vspera do escarro. A mo que afaga a mesma que apedreja.

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    Salete: Se a algum causa ainda pena a tua chaga,

    Apedreja esta mo vil que te afaga, Escarra nessa boca que te beija!10

    Cena 6: Herona e jazz.

    Accio: Charlie Parker tocava pra caralho e sabia disso. Ele deveria estar

    muito feliz, afinal ganhava a vida fazendo o que gostava, tinha uma mulher bonita, inteligente e carinhosa, alm de ser o melhor de todos o Bird. Todo mundo amava o Bird.

    Mas, no. (...) Charlie Parker queria algo, um troo alm dos sentidos, alm da

    prpria vida. E todo dia Charlie Parker acordava j pensan-do em algo. E o modo mais simples de esquecer algo era fu-mando um cigarro. (...) Charlie Parker bebia lcool e, quando ficava bbado, era como se algo estivesse com ele. Mas para eliminar mesmo a nsia por algo, nem que fosse, por algumas horas, Charlie Parker se picava com herona. (...)

    Charlie Parker achava que Dizzy [Gillespie] tinha algo e, por isso, Dizzy no precisava beber, nem fumar, nem se picar com herona. (...) A msica bastava para Dizzy. (...)

    Charlie Parker parou de fumar, de beber, de se picar, e desceu ao inferno. E no inferno da abstinncia no havia algo, nem msica. (...)

    At que um dia desses, por a, Charlie Parker, abstmio, coitado, no aguentou, fumou um cigarro, encheu a cara, se picou e tocou pra caralho. (...)

    Charlie Parker voltou a ser o Bird de sempre, fumando, beben-do, se picando, ouvindo elogios, sendo bem cuidado pela sua mulher bonita, inteligente e carinhosa, morrendo, tocando pra caralho, naquela angstia, sentindo falta de algo.11

    Charlie Parker I love Paris (Take1)

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    Edson (em off): Frustra-me que se examine sempre o problema das drogas

    exclusivamente em termos de liberdade ou de proibio. Eu penso que as drogas deveriam tornar-se elemento de nossa cultura (...) Devemos estudar as drogas. Devemos experi-mentar as drogas. Devemos fabricar boas drogas susce-tveis de produzir um prazer muito intenso. (...) As drogas j fazem parte da nossa cultura. Da mesma forma que h boa msica e m msica, h boas e ms drogas. E, ento, da mesma forma que no podemos dizer somos contra a msica, no podemos dizer que somos contra as drogas.12

    Fim do quarto round. Soa o gongo!

    Andre (em off): Quinto Round: Os quatro elementos.

    Cena nica. Os quatro elementos.Na escurido.

    Gus: O combate de todas as coisas pai, de todas rei, e uns ele reve-

    lou deuses, outros, homens; de uns fez escravos, de outros li-vres. (...) Lembrar-se sempre do dito de Herclito, que morte de terra tornar-se gua, morte de gua tornar-se ar, de ar fogo, [de fogo ar, de ar gua, e de gua, tornar-se terra].13

    Elenco acende isqueiros e canta os versos: Terra! Por mais dis-tante/ o errante navegante/ quem jamais te esqueceria?, da cano Terra, de Caetano Veloso.

    Fim do quinto round. Soa o gongo!

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    Andre (em off): Sexto Round: Conversao 2.

    Cena nica: Conversao 2.

    Salete: Toda cincia temerria dos homens no superior ao conhe-

    cimento imediato que eu posso ter de meu ser. Eu sou o nico juiz do que est em mim. (...) No por amor humanidade que voc delira, pela tradio da imbecilidade. Sua igno- rncia do que um ser humano s igual tolice que te li- mita. Eu fao votos que sua lei recaia sobre seu pai, sua me, sua mulher, seus filhos e toda sua posteridade. E agora, engula tua lei.

    Lili: Deixemos que os perdidos se percam: temos mais o que fazer

    que tentar uma recuperao impossvel e ademais intil, odio-sa e prejudicial. Enquanto no conseguirmos suprimir qual- quer uma das causas do desespero humano, no teremos o direito de tentar a supresso dos meios pelos quais o homem tenta se livrar do desespero.

    Aline: O inferno j deste mundo e h homens que so desgraa-

    dos, fugitivos do inferno, foragidos destinados a recomear eternamente sua fuga. (...)

    Bia: H homens que sempre se perdero. Pouco importa os meios

    para perder-se: a sociedade nada tem a ver com isso. (...) Ela nada pode, ela perde seu tempo, ela apenas insiste em arrai-gar-se na sua estupidez. (...)

    Sofia: Por enquanto, no nos suicidaremos. Esperando que nos dei-

    xem em paz.14

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    Todos: Por enquanto, no nos suicidaremos. Esperando que nos dei-

    xem em paz.

    Fim do sexto round. Soa o gongo!

    Andre (em off): Stimo Round: Catadores.

    Cena nica: Catadores.

    Beethoven 9 sinfonia (Adagio, molto e cantbile). Os catadores reviram o lixo [Aline, Mauricio, Bia, Alexis, Sa-lete e Accio]. A sinfonia entra em fuso com Cu, Cordo da insnia. Cabelo, Lili, Sofia e Mauricio, alegremente, danam ao fundo do palco. Ao final, na escurido, todos acendem isqueiros, simulando fu-mar uma pedra de crack.

    Fim do stimo round. Soa o gongo!

    Andre (em off): Oitavo Round: A gente assim?

    Cena 1: A gente assim?

    Todos: Boa noite!

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    Coro de mulheres: Boa noite!

    Aline: Desde 4 de outubro de 1830, a Cmara Municipal do Rio

    de Janeiro, no pargrafo 7 da postura que regulamenta a ven-da de gneros e remdios pelos boticrios, estabelecia que:

    Mauricio: proibida a venda e uso do pito de pango, bem como a

    conservao dele em casas pblicas. Os contraventores sero multados em 20.000 ris e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em trs dias de cadeia.

    Alexis: Observe-se a coincidncia: a primeira lei mundial contra a

    maconha promulgada no mesmo ano da morte da mais fa-mosa maconheira da nossa histria: nossa ex-rainha Carlota Joaquina de Bourbon.15

    Accio: A legislao sobre comrcio de narcticos (Lei 4294/1921)

    foi assim recebida pela cronista Crisanthme, pseudnimo da escritora Ceclia Bandeira de Melo Rebelo de Vasconce-los, em uma de suas crnicas semanais publicadas no jornal O Pas do Rio de Janeiro e em So Paulo pelo Correio Pau-listano. [Diz a madame Crisanthme]:

    Gus: Uma lei benfazeja: raia sobre ns a esperana de vermos

    afastado de nosso cu o terrvel ciclone que ameaava truci-dar uma boa parte de nossa populao. O uso da morfina e da cocana entrara nos hbitos de nossa mocidade chic, que principiava a ingeri-las por simples curiosidade, por simples imitao aos tarados de outras terras e acabava avassalada pelo pavoroso vcio que a estiolava, maltratava e assassinava.16

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    Coro de mulheres canta: Bom dia! Cidade que amanhece trabalhando Cidade que no deve adormecer Torpor que vai pegar voc meu Brasil!

    Gus: Al, Steve Jobs? [Aqui ] Albert Hofmann, [grande Inventor do LSD, em

    meu aniversrio de 101 anos]. Eu tomei conhecimento por relatos da mdia que voc considera que o LSD te ajudou criativamente no desenvolvimento dos computadores da Apple e em tua busca espiritual. Estou interessado em saber mais sobre como o LSD foi til para voc.17

    Mauricio: Hassan Sab, introduziu o Cannabis em seu bando (...). A

    rapidez e o jbilo com que matavam seus inimigos cristos fizeram da seita o mais temido bando de degoladores na Prsia e na Sria. Como foi Hassan quem difundiu o Cannabis, este se tornou conhecido como haxixe, ou seja, ddiva de Hassan.

    Cabelo: E como os homens de Hassan geralmente estavam altos

    de haxixe, tornaram-se conhecidos como os homens sob a influncia do haxixe, ou em rabe, no singular hashashin. A palavra sobrevive at hoje em vrias formas e em vrias lnguas, inclusive o ingls assassin (ou o portugus assassino), com suas desagradveis conotaes.18

    Fim do oitavo round. Soa o gongo!

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    Andre (em off): Nono Round: lcool.

    Cena nica: lcool.

    Accio: Acho que beber uma questo de quantidade, por isso no

    h equivalente com a comida. (...) A bebida uma ques-to... Entendo que no se bebe qualquer coisa. Quem bebe tem sua bebida favorita, mas nesse mbito que ele entende a quantidade.

    Gus: Zomba-se muito dos drogados, ou dos alcolatras, por-

    que eles, [meu caro Gilles Deleuze] sempre dizem: Eu controlo, paro de beber quando quiser. Zombam deles, porque no se entende o que querem dizer. (...)

    Accio: Quando se bebe, se quer chegar ao ltimo copo. Beber ,

    literalmente, fazer tudo para chegar ao ltimo copo. isso que interessa. (...) Eu tive a sensao de que isso me ajudava a fazer conceitos, estranho, a fazer conceitos filosficos. Ajudava, depois percebi que j no ajudava, que me punha em perigo, no tinha vontade de trabalhar se bebesse. Ento se deve parar. simples.19

    Edson (em off ): Um homem quando se embriaga levado por criana im-

    pbere, no sabendo por onde vai, porque mida tem a al- ma. (...) Lutar contra o corao difcil; pois o que ele quer compra-se a preo de alma.20

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    Accio: Lutar contra o corao difcil; pois o que ele quer com-

    pra-se a preo de alma.(...) Sou uma andorinha do mato, uma tetara.

    Cena extra:21

    Elenco simula o movimento e as sonoridades do trem: dode-sukaden-dodesukaden.

    Accio: Tudo que fazemos na vida, inclusive o amor, fazemos no

    trem expresso que corre at a morte. [...] Fumar pio abandonar o trem em marcha; ocupar-se de outra coisa que a vida ou a morte.22

    Gus: Agora acontece que as tartarugas so as grandes admirado-

    ras da velocidade, como natural. Os esperanas sabem disso e no ligam. Os famas sabem e caoam Os cronpios sabem e cada vez que encontram uma tarta-

    ruga, puxam a caixa de giz colorido e na lousa redonda da tartaruga desenham uma andorinha.23

    Sou uma andorinha do mato. Uma tetara!

    Salete: Os inquietos, os desassossegados, os mutveis, quando do

    vazo ao seu modo de vida instvel so chamados: espritos insatisfeitos. 24

    Laurie Anderson, From the Air.

    Fim do nono round. Soa o gongo!

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    Andre (em off):

    Dcimo Round: O eterno retorno.

    Cena nica: O eterno retorno.

    Bia: Diz o Corpus hipocrtico que so drogas as substncias

    que atuam esfriando, aquecendo, secando, umedecendo, contraindo, relaxando ou fazendo dormir. No entanto, para chegar a uma definio to secularizada os gregos per-correram um longo caminho. Na Odissia, quando Helena serviu o nepenths, diz o poeta que a mistura de alguns frmacos saudvel e a de outros, mortal.

    Lili: Phrmakon significa remdio e txico; no uma coisa ou ou-

    tra, mas as duas. (...) Ao mesmo tempo, drogas so tambm os filtros das feiticeiras, assim como o conjunto da matria mdica vegetal. Lendo com ateno a Teofrasto se nota que a origem deste conceito [de phrmakon] provm das insu-ficincias detectadas na ideia da planta toda-benfica (pa-nakia) e da planta toda-malfica (strychnos).

    Salete: O grego compreendeu que certas substncias participam de

    ambos os estatutos, de modo que no cabia consider-las s benignas ou s danosas. Da que em Homero a mesma pala-vra nomeie tanto as poes benficas de Helena e Agamede quanto as misturas malignas de Circe.

    Aline: A toxidade de um frmaco a proporo concreta entre do-

    se ativa e dose letal; por isso nenhuma propriamente dita pertence ao incuo ou apenas ao curativo. Como dir muito mais tarde Paracelso, sola dosis facit venenum [apenas a dose faz o veneno].25

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    Cabelo: Baudelaire praticamente encerrou qualquer debate sobre

    a imaginao estimulada ou no do artista sob o efeito de drogas ao alertar que elas s produzem estados de esprito interessantes em pessoas interessantes, porque imaginaes grosseiras produzem vises grosseiras.26

    Silncio.

    Edson (em off): Ces ladram contra o que eles no conhecem.27

    Edson (em off): Ces ladram contra o que eles no conhecem.

    Fim do dcimo round. Soa o gongo!

    Andre (em off): Dcimo-primeiro Round: Nocaute?!

    Cena nica: nocaute?!

    Gus: Porra meu, j no sei se esta primeira vez, a quarta... um

    quarto no quarto andar? Por que me deixam aqui sozinho, sem ao menos um quarto de LSD? (Pausa) Sem voc! (Pausa) Voc gostou quando eu trouxe felicidade no meio da ditadura? (Pau-sa) Eu tentei ser comum. Eu quero... arranjar emprego, sem LSD. Vou abandonar a construo de minha espaonave.

    Accio: Eu nem sei mais se aguentarei tanta solido. De que vale que-

    rer mudar o mundo, quando ele no muda? Devo permane-cer mudo gritando contra tudo? Derrubar hierarquias, muros, abrir o mar. Eles no entendem, me prendem, me medicam, me calam. No uso drogas, no bebo, em fumo. (Pausa) At quando ficarei neste falanstrio? Isso um falanstrio?

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    Gus: preciso voar.

    Accio: Voar para o pssaro.

    Gus: Viajar.

    Accio: No me mascaro.

    Gus: Meu corpo trespassado.

    Accio: Dormir e no sonhar.

    Gus: Um lampio apagado.

    Accio: Andar sem parar.

    Gus: Voar. No serei seu prisioneiro.

    Fim do dcimo-primeiro round. Soa o gongo!

    Dcimo-segundo round.Andre no se pronuncia.

    Elenco canta com Mutantes, A balada do louco, e sai pela plateia.

    FIM

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    Notas

    1 Aula-teatro (tetara) 7. Pesquisa: Accio Augusto, Aline Passos, Anamaria Salles, Andre Degenszjan, Beatriz Scigliano Carneiro, Edson Passetti, Elia-ne Knorr, Gustavo Ramus, Gustavo Simes, Lcia Soares, Luza Uehara, Mauricio Freitas, Salete Oliveira, %iago Rodrigues. Apresentao em 16 e 17 de maio de 2010 no teatro Tucarena, na PUC-SP. Com: Accio Augusto, Alexis Milonopoulos, Aline Santana, Andre Degenszajn, Beatriz Scigliano Carneiro (Bia), Eliane Knorr (Lili), Edson Passetti, Gustavo Simes (Gus), Gustavo Ramus (Cabelo), Mauricio Freitas, Salete Oliveira e Sofia Osrio. Produo grfica: Andre Degenszajn. Operadoras de luz: Anamaria Salles e Luza Uehara. Adereos: Beatriz Scigliano Carneiro. Sonofonia: Vitor Osrio (convidado). Coordenao, ambientao e trilha musical: Edson Passetti.

    2 Errico Malatesta. Uma proposio que no ser aceita. Traduo de Do-rothea Voegeli Passetti in Edson Passetti. Das fumeries ao narcotrfico. So Paulo, Educ, 1991, pp. 145-146.

    3 Monteiro Lobato. Reinaes de Narizinho. So Paulo, Brasiliense, 1959, pp. 248-249.

    4 Dalton Trevisan. O manaco do olho verde. Rio de Janeiro, Record, 2008, pp. 7-11.

    5 William Burroughs. Cartas do yage. Traduo de Bettina Becker. Porto Alegre, LP&M, 2008, pp. 60-65.

    6 Andr Santanna. Sexo. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2001, pp. 75-76.

    7 Idem, pp. 131-132.

    8 Antonin Artaud. Bar. Traduo de Marta Gambini in Revista Libert-rias, n 2, 1997, p. 80.

    9 Fernando Pessoa. Tabacaria in Obra potica. Rio de Janeiro, Ed. Nova Aguilar, 1987, p. 300.

    10 Augusto dos Anjos. Versos ntimos in Eu e outras poesias. Rio de Janeiro, Bedeschi, s.d., p. 162.

    11 Andr Santanna. Bird e algo in Inverdades. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2009, pp. 35-36.

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    12 Michel Foucault. Michel Foucault, uma entrevista: sexo, poder e polti-ca. Traduo de Wanderson Flor do Nascimento in Verve, vol. 5. So Paulo, Nu-Sol/PUC-SP, 2004, pp. 264-65.

    13 Herclito de feso. Os pr-socrticos. So Paulo, Nova Cultural, Coleo Os Pesadores, 1999, pp. 93 e 95.

    14 Antonin Artaud. Segurana pblica a liquidao do pio in Escri-tos de Antonin Artaud. Traduo de Cludio Willer. Porto Alegre, L&PM, 1983, pp. 23-26.

    15 Luiz Mott. A maconha na Histria do Brasil in Anthony Henman e Oswaldo Pessoa Jnior. Diamba Sarabamba. So Paulo, Ground, 1986, p. 131.

    16 Idem, pp. 140-141.

    17 Albert Hofmann. Dear Steve. Disponvel em: http://www.tinyurl.com/mevv78 (acesso em: 12/03/2010). Traduo de Beatriz Scigliano Carneiro.

    18 John Cashman. LSD. Traduo de Miriam Schnaiderman. So Paulo, Editora Perspectiva, 1980.

    19 Gilles Deleuze. Letra B de beber in Abecedrio. Disponvel em: http://br. geo cities.com/polis_contemp/deleuze_abc.html#beber (acesso em: 12/03/2010).

    20 Herclito de feso, 1999, op. cit., pp. 96 e 100.

    21 Cena extra apresentada no dia 17 de maio.

    22 Jean Cocteau. pio: Dirio de una desintoxicacin. Traduo de Mauricio Wacques. Barcelona, Brughera, 1981, p. 44. (Adaptao de Edson Passetti)

    23 Julio Cortzar. Histria de cronpios e de famas. Traduo de Gloria Rodr-guez. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1977, p. 157.

    24 Max Stirner. O nico e sua propriedade. Traduo Joo Barrento. Lisboa, Antgona, 2004, p. 94. (Adaptao de Edson Passetti & Accio Augusto)

    25 Antonio Escohotado. Historia de las drogas, vol. 1. Madrid, Alianza Edi-torial, 1998, p. 137.

    26 Edson Passetti, 1991, op.cit., p. 89.

    27 Herclito de feso, 1999, op. cit., p. 98.

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