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FICHA TÉCNICA www.manuscrito.pt facebook.com/manuscritoeditora © 2015 Direitos reservados para Letras & Diálogos, uma empresa Editorial Presença Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo 2730-132 BARCARENA Título original: Rebooting Democracy — A Citizen’s Guide to Reinventing Politics Autor: Manuel Arriaga Copyright © Manuel Arriaga, 2014 Tradução © Letras & Diálogos, Lisboa, 2015 Tradução: Carlos Braga e Ana Maria Braga Capa: Sofia Ramos/Editorial Presença Fotografia do autor: Tiago Figueiredo Mapas: Pedro Afonso Silva Composição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda. ISBN: 978-989-8818-00-3 Depósito legal n. o 391 653/15 1. a edição, Lisboa, maio, 2015 O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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FICHA TÉCNICA

www.manuscrito.ptfacebook.com/manuscritoeditora

© 2015Direitos reservados para Letras & Diálogos,

uma empresa Editorial PresençaEstrada das Palmeiras, 59

Queluz de Baixo2730-132 BARCARENA

Título original:Rebooting Democracy — A Citizen’s Guide to

Reinventing PoliticsAutor: Manuel Arriaga

Copyright © Manuel Arriaga, 2014Tradução © Letras & Diálogos, Lisboa, 2015

Tradução: Carlos Braga e Ana Maria BragaCapa: Sofia Ramos/Editorial PresençaFotografia do autor: Tiago Figueiredo

Mapas: Pedro Afonso SilvaComposição, impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.

ISBN: 978-989-8818-00-3Depósito legal n.o 391 653/15

1.a edição, Lisboa, maio, 2015

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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ÍNDICE

Agradecimentos ......................................................................... 11

Introdução ............................................................................ 13

Um breve desvio: 10 razões pelas quais os políticos não nos representam (e nunca representarão) ................ 23

Delegação e irreflexão: a origem dos nossos problemas 46

#1 Descobrir a deliberação cívica no Noroeste do Pacífico ............................................................................ 60

#2 Votar como os Irlandeses e fazer campanha como os Franceses .............................................................. 79

#3 Manter um controlo apertado sobre a acção dos políticos: o freio suíço -oregoniano ........................... 95

#4 Aprender com a imprensa tablóide britânica ............ 102

#5 Recuperar a nossa visão à distância em São Petersburgo ............................................................ 109

Conclusão ............................................................................. 123

Post Scriptum .......................................................................... 154

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INTRODUÇÃO

«Sabermos que os nossos interesses vitais são afectados por factores que escapam ao nosso próprio controlo é

uma receita para gerar stress. Não era isso que se deveria passar em democracia, mas é essa a nova

normalidade.»

Joris Luyendijk, autor do blogue sobre a indústria financeira do jornal The Guardian, ao reflectir

sobre a recente crise.

Este livro parte de uma premissa muito simples: as nossas democracias não estão a funcionar e precisamos de recuperar o controlo sobre o nosso futuro. Vou pro-por cinco medidas concretas que poderiam contribuir para que isso acontecesse; contudo, o meu verdadeiro objectivo é ajudar a lançar um debate público sobre como podemos reformar os nossos sistemas políticos.

Quem é este «nós» a que me refiro?«Nós» somos os cidadãos que vivemos numa su-

posta democracia representativa e que questionamos, cada vez mais, qual é o verdadeiro significado disso. O leitor pode ser grego e estar a tentar travar um pro-grama de «austeridade» draconiano que está a destruir o seu país e a favor do qual nunca votou. Pode ser um cidadão americano que se opõe ao entusiasmo com que a sua administração embarca em mais uma aventura militar no Médio Oriente. Pode ser um dos milhões

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de brasileiros que saíram para as ruas, revoltados com uma classe política que tem dinheiro para investir em estádios desportivos, mas que descura serviços públicos essenciais. Pode ser um cidadão do Reino Unido a quem ainda custa acreditar que o seu governo tenha sido cúm-plice da construção secreta de uma máquina de vigilância global que regista tudo o que fazemos online. Pode ser um dos muitos milhares de manifestantes que — por diversas razões — se juntaram recentemente em luga-res tão diferentes como Istambul, Kiev, Madrid, Sófia ou mesmo na pequena vila de Balcombe, Sussex, em Inglaterra1. Ou pode, como muito provavelmente será o caso, ser português. Viver num país onde, todos os dias, somos confrontados com a espectacular promiscuidade entre a classe política e os seus amigos da banca, dos grandes escritórios de advogados e de outros interesses instalados. Assistir, em primeira mão, a quão diferentes são as regras para aqueles que têm poder. Basta ver o que (não) acontece quando, por exemplo, governantes se «esquecem» de declarar rendimentos ou fazer contri-buições para a segurança social; ou reparar como se vão sucedendo nas manchetes todas essas deprimentes siglas (BPN, PPP, etc.) que, letra a letra, oferecem um roteiro da podridão do nosso sistema político.

Este não é, no entanto, um livro sobre o caso portu-guês. Quando olhamos atentamente para outros países, descobrimos que a classe política local também já não responde perante a população. Trata -se, pois, de um problema generalizado.

1 Em 2013, Balcombe foi o cenário de numerosos protestos con-tra a extracção de gás através de fracking.

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O leitor pode designar -se a si próprio como sendo de esquerda, de centro ou de direita; como anarquista, libertário ou ambientalista; ou, simplesmente, como sendo alguém que já não acredita em política. Não interessa. Nem interessa o que é que o irrita mais: se são os políti-cos corruptos e que servem os seus próprios interesses; se é a inacção sobre o aquecimento global; se é a acumu-lação constante de dívida por parte dos nossos países; se é a erosão das nossas liberdades civis; ou se são as guerras injustas travadas em nosso nome. O que importa — independentemente da nossa nacionalidade, orientação política e principais reivindicações — é apercebermo -nos de que aqueles que nos governam não nos representam. Esta consciência partilhada une -nos e mostra -nos que podemos fazer alguma coisa em relação a isso.

* * *

Vivemos em sociedades dominadas por uma frustra-ção palpável e generalizada. Todos sabemos até que ponto são falsas as promessas essenciais do nosso sis tema polí-tico. Contudo, e sem realmente acreditarmos nisso por um segundo, agarramo -nos desesperadamente à ficção de que votar a cada quatro ou cinco anos garante que os políticos que elegemos representarão os nossos inte-resses. Tentamos ignorar os sinais em contrário, apesar de esta conclusão já remontar, pelo menos, a 250 anos atrás. Mesmo para Rousseau já era evidente que, numa democracia, «as (...) pessoas acreditam ser livres, mas estão seriamente enganadas. São livres apenas durante as eleições para o seu Parlamento. Quando as eleições acabam, voltam a ser escravas.»

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Nas sociedades actuais, onde a pobreza e escassez generalizadas deixaram há muito de ser um problema, muita da nossa frustração tem origem no sentimento de que, em grande parte, as nossas vidas são determinadas por factores externos sobre os quais não temos qual-quer controlo. Podemos opor -nos às medidas radicais do governo; mas nem mesmo as maiores manifestações podem travar uma classe política determinada.

A maioria da população pode ter grandes dúvidas quando os políticos arranjam uma desculpa para lançar uma operação militar contra um país distante; mas não há quantidade de tweets indignados que mantenha os bom bardeiros no solo.

Pode irritar -nos ver mais uma decisão do governo a favorecer um grande grupo económico à custa do inte-resse público; ou mais um político a comprar votos com pontes caras ou com outras obras públicas pelas quais as gerações futuras terão de pagar. No entanto, conti-nuamos a ler notícias destas, sentimos um sabor amargo na boca e... engolimos em seco, porque não há nada que possamos fazer.

Esta sensação de impotência é algo que a maior parte de nós conhece bem demais. Por todo o mundo, grande parte da população dá por si sem controlo sobre as deci-sões cruciais que a classe política toma, muitas das quais terão consequências sobre as gerações vindouras.

* * *

Contudo, sentir que temos controlo sobre as nossas vidas é uma necessidade humana fundamental. De facto,

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um número de estudos cada vez maior confirma que um forte sentido de autonomia é um dos elementos essen-ciais para o bem -estar mental. Para os psicólogos que tra-balham nesta área, «autonomia» tem um significado bem definido. Não significa ser independente dos outros. Ter autonomia significa, isso sim, que se tem controlo sobre as suas próprias actividades e que se aprova os valores que lhes estão implícitos. Por outras palavras, uma pessoa autónoma é um agente «razoavelmente livre» que tem algo a dizer sobre a maneira como as coisas são feitas.

Por exemplo, estudos realizados sobre a satisfação no local de trabalho concluíram de que uma das carac-terísticas de um emprego satisfatório é o sentimento de autonomia; isto é, sentirmos que temos algum controlo sobre a forma como fazemos o nosso trabalho. São pre-cisamente este espaço para a escolha e o «ter uma palavra a dizer» que dão significado ao termo, e juntos consti-tuem a razão pela qual a autonomia é importante para o nosso bem -estar mental e emocional.

Não constitui, pois, qualquer surpresa que se tenha chegado à conclusão de que a autonomia tem um papel importante em áreas tão diversas como o aproveitamento escolar das crianças, os resultados clínicos dos pacientes na saúde, o desempenho dos atletas e mesmo, em diversos países, os níveis médios de «felicidade» entre a população. Tendo isto em conta, dificilmente estaremos a exagerar se dissermos que sentirmo -nos impotentes no que respeita a decisões políticas cruciais é, provavelmente, um elemento importante do mal -estar presente na nossa sociedade.

* * *

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Se o mero sentimento de impotência está a causar frus-tração generalizada e, assim, a causar -nos dano, então a realidade dessa impotência ameaça lesar -nos de maneira bem mais directa. A nossa actual incapacidade para agir colecti-vamente e de forma significativa em assuntos como as alte-rações climáticas e a fragilidade do nosso sistema financeiro ameaça -nos de uma forma muito real e palpável. Um bom número de cidadãos nos países desenvolvidos manifesta preocupação relativamente a estes problemas. No entanto, os nossos dirigentes políticos parecem ser incapazes — ou não terem vontade — de lhes fazer face atempadamente.

Se existe realmente uma frustração generalizada e uma raiva surda contra o nosso sistema político, poderá ser im-portante saber o que é que explica a inexistência de maior agitação social. A resposta a esta pergunta tem duas partes.

A primeira está relacionada com a economia. Em algu-mas regiões do mundo ainda é, em parte, possível manter a ilusão de que continuamos a viver de acordo com um modelo de «prosperidade partilhada». É uma situação que talvez seja mais evidente em alguns países do Norte da Europa, onde o efeito combinado da riqueza acumulada, de padrões elevados de vida e de uma tradição de polí-ticas redistributivas oculta, com sucesso, o facto de os cidadãos já não estarem, na realidade, em controlo.

Olhemos agora para o que tem acontecido nos pon-tos do mundo em que esta máscara de prosperidade caiu. Basta um voo de duas horas num avião da EasyJet para fazer a ponte entre estes dois universos2. Em toda

2 O livro de Paul Mason Why It’s Kicking Off Everywhere: The New Global Revolutions oferece uma forma conveniente de explorar esta outra realidade.

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a Europa do Sul, as manifestações de grande dimensão e a agitação social têm -se tornado comuns. Em Atenas, Madrid e Lisboa, ouvirá os manifestantes a protestar contra os bancos, a UE e o FMI — mas ouvi-los-á, quase sempre, a acusar os seus políticos nacionais de não representarem verdadeiramente os cidadãos que os elegeram.

Claro que há riscos em ler e interpretar demasiados signi ficados nos slogans encontrados numa manifes tação de rua; mas parece existir uma consciência salutar de que o que nós, europeus, estamos a atravessar não é uma crise económica, mas sim uma crise da democracia. E é onde o véu da prosperidade está a cair que a verdadeira natureza das nossas «democracias» se torna mais visível.

A segunda razão, e provavelmente a mais importante, pela qual esta frustração ainda não se materializou numa ameaça séria ao sistema político é a nossa incapacidade continuada de propor alternativas claras e convincentes. Por exemplo, precisamos de explicar o paradoxo dos movimentos de protesto «Indignados» e «Occupy» que mobilizaram com grande sucesso enormes multidões na sequência da crise bancária de 2008 -2010 mas, com a excepção do «Podemos» em Espanha, não parecem ter, até agora, deixado uma marca duradoura nos nossos panoramas políticos. Ou consideremos fenómenos como o enorme êxito de Indignez ‑vous! de Stéphane Hessel, um livro que apela de forma brilhante ao sentimento de frustração política. Tal como os movimentos de protesto, este livro atraiu considerável atenção internacional, mas não deu origem a um movimento social sustentado com vista a reformar o sistema.

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Eu tenho a opinião, algo antiquada, de que muito do poder dos movimentos de protesto se perde sempre que estes não conseguem articular uma lista de exigências concretas3. A nossa repetida incapacidade de o fazer tem levado muitas pessoas a acreditar na ficção de que não há alternativas credíveis, de que estamos presos ao mundo--tal -como -ele -é e de que tudo aquilo a que podemos aspirar é a alcançar algum progresso ocasional num ou noutro domínio político que nos preocupe. O objectivo principal deste livro é ajudar a promover um debate que mude esta situação.

* * *

Todos nós temos as nossas queixas em matéria de política. Algumas das mais comuns já foram mencio-nadas; mas podemos citar ainda o declínio (ou, se tiver sorte, a estagnação) dos salários reais, o desmantelamento dos serviços sociais, a maneira como se lida com a imi-gração ou qualquer outro assunto importante. O meu propósito neste livro não é dedicar -me a nenhum destes assuntos de fundo.

Considero ser mais importante que, em primeiro lugar, compreendamos que o nosso sistema político é a raiz dos nossos problemas. Infelizmente, e ao contrário do que acontece com várias causas dignas de atenção, falar dos problemas de um sistema político parece algo de abstracto e profundamente aborrecido. Mas isso só

3 Para o argumento contrário, ver o livro de David Graeber The Democracy Project: A History, A Crisis, A Movement.

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acontece porque continuamos a tomar as árvores pela floresta. Independentemente de quais sejam os proble-mas políticos concretos que mais nos indignam, o verda-deiro problema, aquele que está por detrás de tudo, reside no facto de os nossos políticos — por uma variedade de razões que serão discutidas no capítulo seguinte — pura e simplesmente não nos representarem. De certo modo, a maior parte dos males sociais, económicos e ambien-tais são meros sintomas desta doença. Claro que devemos continuar a lutar contra estes sintomas; mas também já está na hora de atacarmos o que está na sua origem. E teremos de reconhecer, mais cedo ou mais tarde, que isso é a profunda fragilidade das nossas democracias.

* * *

Entre outras coisas, tal significa que retirar do poder um partido para eleger outro diferente dificilmente irá resolver os nossos problemas. O tempo, no seu decurso, tornou bem claro que não se trata apenas de um pro-blema de casting. Se a peça é má, substituir os actores não a tornará melhor.

* * *

Então, se o verdadeiro problema reside no nosso sis-tema político, o que é que se pode fazer?

Este livro defende cinco medidas específicas. As pri-meiras quatro dizem respeito à nossa preocupação central: nomeadamente, aumentar o controlo dos cidadãos sobre o seu governo e, consequentemente, garantir que este age

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de acordo com o interesse público. A quinta proposta preocupa -se em definir a própria noção de «interesse público» de uma forma adequadamente orientada para o longo prazo e não de uma forma míope. Nenhuma destas ideias tem qualquer ligação com as noções tradi-cionais de «esquerda» ou de «direita».

Este livro é definitivamente uma «versão 1.0». O seu objectivo, como já foi mencionado anteriormente, é cha-mar a atenção para o problema e gerar uma discussão sobre a forma de sair deste pântano.

Para participar nessa discussão e tomar conhecimento de iniciativas relacionadas, não se esqueça de se juntar a nós em http://rebootdemocracy.org.

No resto do livro, vou servir de guia ao leitor em duas breves excursões. A primeira combina ideias e resultados das ciências sociais com lugares comuns sobre a nossa realidade política. Nesta viagem, vou apresentar ao leitor a «teia» de mecanismos que impede que os políticos eleitos representem verdadeiramente o interesse público.

Na segunda excursão vou levar o leitor a dar uma volta ao mundo à procura de ideias para reformar as nossas democracias. Vamos conhecer toda uma gama de inicia-tivas, desde instituições bem-sucedidas e florescentes a tentativas de reforma bem -intencionadas, mas que aca-baram por fracassar, sem nos esquecermos de dar uma olhadela à arquitectura soviética e a acrimoniosas reu-niões nocturnas realizadas num velho palácio em Lisboa. Vamos tentar retirar alguns ensinamentos de todos estes exemplos.

Comecemos.

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UM BREVE DESVIO: 10 RAZÕES PELAS QUAIS OS POLÍTICOS NÃO NOS REPRESENTAM

(E NUNCA REPRESENTARÃO)

«Porque será mais fácil imaginarmos uma catástrofe que acabe com a vida neste planeta do que concebermos

a possibilidade de mudanças, ainda que pequenas, na nossa actual ordem económica?»

Slavoj Žižek, The Pervert’s Guide to Ideology

Apesar de a maioria das pessoas concordar com a ideia de que aqueles que estão no poder não represen-tam o interesse público, muitas vezes não conseguimos perceber bem por que razão isso acontece. Olhemos para algumas explicações possíveis.

Como se tornará evidente ao longo deste livro, recorro a fontes bastante diversas. Alguns dos factores discutidos em seguida são temas recorrentes nos meios de comuni-cação social e no discurso político em geral; outros têm origem em ideias e resultados da área das ciências sociais. Esta diversidade de perspectivas é positiva, uma vez que pode garantir uma compreensão mais rica das razões que levam o sistema de representação democrática a falhar.

No entanto, o que quase todas estas explicações têm em comum é apontarem no sentido de este falhanço ter causas estruturais. Por outras palavras, o problema está no próprio sistema político. Entender melhor as suas limita-ções será naturalmente útil quando estivermos a pensar sobre como o podemos reformar.

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Nota: O termo «interesse público» surgirá bastante neste

livro. Pode ser útil manter dois pontos em mente. Em

primeiro lugar, e de acordo com a influente politóloga

Jane Mansbridge, o facto de ser reconhecidamente difícil

chegar a acordo sobre o que este termo significa não dimi‑

nui a sua utilidade prática. Assim, não vou evitar usá ‑lo

— ainda que, neste livro, não tenha certamente tentado

resolver este velho debate filosófico. Em segundo lugar,

e por razões que serão discutidas em profundidade no

próximo capítulo, podemos, apesar de tudo, afirmar com

segurança que o interesse público nem sempre corres‑

ponde aos desejos expressos pela maioria da população

na última sondagem de opinião efectuada. Trata ‑se de

uma distinção importante que será útil em vários pontos

deste livro.

1. Corrupção

Quando se pergunta aos cidadãos por que razão é que os políticos não correspondem às suas expectativas, a corrupção ocupa um lugar de destaque entre as respos-tas. O conceito de corrupção pode, no entanto, referir--se a um número de fenómenos bastante diferentes, dos quais apenas alguns são claramente ilegais, na maior parte dos países.

Na sua forma mais descarada, a corrupção envolve a troca ilícita de dinheiro por favores políticos. No entanto, o conceito também pode abranger conflitos de interesse, como quando um político tem ligações profissionais

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ou financeiras com uma empresa que regula. Ou pode referir -se ao efeito de avultadas contribuições para uma campanha eleitoral, que — mesmo que sejam legais — provavelmente serão «recordadas» pelos políticos quando estes chegarem ao poder. Por fim, também podemos falar de corrupção ao discutir as consequências políticas do tão comum fenómeno de «porta giratória»: os gover-nantes sabem que, quando abandonarem os seus cargos políticos, muito provavelmente lhes serão oferecidas posições lucrativas (por exemplo, como consultores ou membros do conselho de administração) nas empresas que regulem com «gentileza» ou às quais ofereçam gene-rosos contratos públicos durante o desempenho das suas funções.

2. O jogo eleitoral dá aos políticos os incentivos errados

O simples facto de os políticos tentarem ser reeleitos também gera problemas. Apesar de as eleições serem o mecanismo principal através do qual nós (periodica-mente) controlamos os políticos, elas também lhes dão um conjunto de incentivos «errados». Um político que queira ser reeleito terá, muitas vezes, tendência para cair na demagogia, apelando, para mais facilmente ganhar votos, às emoções do eleitorado, e não à sua razão. Os candidatos políticos irão, pela mesma razão, afastar -se de reformas necessárias que podem ter custos eleitorais — especialmente se a lógica dessas reformas só se tor-nar evidente quando se adopta uma visão a longo prazo.

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A inacção política relativamente à questão das altera-ções climáticas é um dos mais claros exemplos deste problema.

3. O mundo da política atrai as pessoas erradas

No início do século xxI, parece tristemente plausível que a maioria das pessoas que decidem enveredar por uma carreira na política seja motivada mais por um desejo de poder — ou, o que é igualmente deprimente, por uma combinação de ambição e falta de alternativas pro fis-sionais com uma remuneração comparável — do que por uma dedicação genuína a um ideal de serviço público. Independentemente da verdadeira razão, a classe política tende a ser povoada por um grupo bastante peculiar de pessoas. Aliás, não há nisto nada de surpreendente, pois trata -se de um exemplo de um fenómeno conhecido nas ciências sociais como «auto-selecção»: quando a participação numa determinada actividade é voluntária, os praticantes dessa actividade acabam, com frequência, por ter em comum um conjunto de características que os distingue do resto da população.

Se aplicarmos esta ideia aos que escolhem uma car-reira na política, chegamos a duas hipóteses possíveis. A primeira é que aqueles que aderem, hoje em dia, a um grande partido — e que se dedicam a trepar habilmente a sua hierarquia — estão a fazê -lo porque sentem uma forte necessidade de servir os cidadãos. Esta hipótese não parece muito provável. Existe uma segunda explica-ção que parece mais plausível: que são o interesse próprio

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e o desejo de poder aquilo que os motiva a entrar na política. E, obviamente, estas são precisamente as duas piores características possíveis para alguém cuja função seja representar os cidadãos.

4. Os políticos sentem‑se imunes ao controlo dos cidadãos

Pode parecer paradoxal, mas o oposto do «eleito-ralismo» já discutido também representa um problema sério. No que diz respeito a muitas decisões importantes, os políticos não se sentem vulneráveis à oposição pública e, consequentemente, avançam com medidas às quais a maioria da população se opõe. Infelizmente para nós, isso parece ser o que acontece a maior parte das vezes com decisões importantes e controversas que nos afec-tarão durante muitas gerações.

Na maioria dos países, não há nenhum mecanismo que permita aos cidadãos impedirem que o Governo e o Par lamento avancem com uma determinada medida. Os políticos estão conscientes disso e exploram frequen-temente esta ausência de controlo popular apertado sobre as suas acções ao aplicarem, mal tomam posse, medidas controversas a que os cidadãos se opõem. Claramente, esperam que o assunto já tenha sido em grande medida esquecido quando chegar a altura de serem reeleitos.

A combinação destes dois factores — por um lado, os comportamentos eleitoralistas (razão número 2) e, por outro, o facto de a ameaça de não ser reeleito não desen-corajar comportamentos que se oponham ao interesse

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público — é inegavelmente perversa. A ameaça de não se-rem reeleitos parece fazer com que os nossos políticos es-tejam desejosos de nos agradar da maneira mais superficial (por exemplo, ao cederem a exigências populistas no que se refere ao escândalo do momento), ao mesmo tempo que se sentem imunes à nossa desaprovação em relação a escolhas políticas importantes (por exemplo, entrar numa guerra sob falsos pretextos, assinar tratados internacionais importantes que limitam seriamente a soberania nacional e/ou privatizar grande parte do sector público).

5. Os partidos e as eleições corrompem moralmente os nossos dirigentes políticos

Outra explicação possível é que os nossos dirigen tes eleitos entrem na política como indivíduos bem -inten-cionados, imbuídos de espírito cívico, mas que o processo através do qual são seleccionados os cor rompa moral-mente. A tarefa difícil de trepar na hierarquia dentro do próprio partido fá -los perder de vista o bem comum; antes pelo contrário, «ensina -os» a concentrarem -se na progressão mesquinha da sua car reira. Aprendem a agra-dar, custe o que custar, aos seus superiores hierárquicos — nas mãos de quem está o seu futuro. Nos países em que as campanhas políticas dependem grandemente de fundos privados, a procura de contribuições de dadores ricos e de empresas importantes para a campanha com-promete os seus ideais de serviço público. No fim de todo este processo, concorrer a eleições para um cargo político degrada ainda mais os seus valores morais. No

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final de contas, nos dias de hoje, conquistar a preferência dos eleitores não é fácil; e os pré -requisitos para o fazer parecem incluir aprender como manipular a verdade e ter uma atitude bem «flexível» em relação a lealdades pessoais ou ideológicas4.

6. As normas no mundo da política: um convite à conformidade e inacção

Para além do efeito corruptor do processo através do qual são seleccionados, também precisamos de con-siderar o papel daquilo que poderemos designar como a «cultura dominante» na política. Uma vez eleitos, os políticos não trabalham no vazio. Pelo contrário, pas-sam a fazer parte de uma área profissional com as suas próprias normas, tradições e hábitos. Como os soció-logos já documentaram abundantemente, alguém que entre numa profissão será, de diferentes maneiras, tanto conscientes como inconscientes, sujeito a pressões no sentido de se comportar de acordo com as normas dessa área.

Os recém -chegados à política profissional não são diferentes. Até os mais determinados e bem intencio-nados hão -de, depois de começarem a exercer funções, entrar num mundo em que todas as interacções sociais ou políticas os encorajam — de uma forma subtil ou não — a entrar no jogo e a não fazer demasiadas ondas.

4 Um bom exemplo das diferentes facetas deste processo pode ser visto no filme Nos Idos de Março de George Clooney, de 2011.

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