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E | ENTREVISTA • ANTONIO JOSÉ RODRIGUES PEREIRA · e a gestão dos hospitais públicos não melhorar, o sis-tema de saúde brasileiro vai sucumbir. Quem faz esse diagnóstico é

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| ENTREVISTA • ANTONIO JOSÉ RODRIGUES PEREIRA

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Se a gestão dos hospitais públicos não melhorar, o sis-tema de saúde brasileiro vai sucumbir. Quem faz esse diagnóstico é o engenheiro Antonio José Rodrigues Pereira, superintendente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

(HCFMUSP). Desde 2004 na função, ele acredita em uma quebra de paradig-

mas no maior complexo hospitalar da América Latina, diante do esforço seu e de seus colegas em integrar administração e medi-cina, por meio de planejamento, eventos focados na qualidade do serviço prestado, um novo sistema de informações e parcerias com empresas privadas.

Com relação à saúde no Brasil, Antonio acredita que o principal problema é a falta de tecnologia, informação e conhecimento, o que permitiria decisões mais estratégicas, principalmente no Siste-ma Único de Saúde (SUS). Segundo ele, saber as necessidades de cada hospital – desde o número de luvas utilizadas até a demanda por leitos – é fundamental para que o SUS seja de fato integrado e os pacientes possam ser distribuídos adequadamente.

Além disso, nesta entrevista exclusiva à GV-executivo, Antonio fala sobre sua trajetória profissional; ressalta a importância de o sis-tema público trabalhar em sincronia com o privado, interagindo e realizando parcerias com empresas; e fala sobre as perspectivas da saúde no Brasil para os próximos anos.

| POR ALINE LILIAN DOS SANTOS E ADRIANA WILNER

VAI QUEBRARSE NÃO MUDAR,

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ACHO O SUS PERFEITO, MAS PRECISAMOS DE INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO PARA TOMAR DECISÕES CORRETAS. É ISSO QUE FALTA.

GV-executivo: O que o moveu a acei-tar o desafio de gerenciar o Hospital das Clínicas (HC)?

Antonio: Vou para onde o vento está batendo, apenas ajeito a vela. As coi-sas foram acontecendo. Adoro o HC, é o melhor hospital da América Latina.

Quando entrei, muitos diretores exe-cutivos falavam: “Esse cara é engenhei-ro e está aqui para cuidar de médico?”. Mostrei que não estava ali para auditar, mas para colaborar. Comecei a circu-lar pelo hospital, as pessoas me viam e falavam: “O cara está aqui comigo”. Faço gestão in loco, não por e-mail.

Foi assim que começou a grande mu-dança no HC. Essa companhia sempre teve excelentes resultados, mas não tinha foco na cobrança de resultados. Eu queria que a instituição falasse de resultados do mesmo jeito que fala de uma sequência genética. Nos primeiros anos, tivemos ajuda de uma consulto-ria e fizemos muitos eventos voltados para a qualidade do trabalho. As pes-soas se engajaram e hoje colaboram muito com a gestão.

GV-executivo: Quais foram as princi-pais dificuldades que enfrentou des-de que assumiu o cargo de superin-tendente no HC?

Antonio: A cultura da organização não focada em resultados e esse abismo entre a administração e a assistência. As duas áreas não se falavam.

GV-executivo: Você atuou tanto no setor público como no privado, em empresas como PepsiCo e Philips. Como a experiência em ambos os

setores contribuiu para a sua expe-riência de gestor?

Antonio: Um grande aprendizado que tive quando trabalhei no Hospital do Câncer [A.C. Camargo Cancer Cen-ter] foi que certo é certo, errado é erra-do, ponto. Não tinha muito paternalis-mo. Com relação à experiência no setor privado, aprendi que quem não mede não faz gestão. Para você mostrar que é bom, tem que mostrar números e olhar além deles. Precisa lidar com os dife-rentes tentando ser igual e entender que, às vezes, o profissional que lhe entregou um resultado 10 fez mais esforço do que aquele que lhe entregou 15, pois esta-va num mercado muito mais arenoso.

GV-executivo: O HC tem 18 mil fun-cionários, realiza anualmente mais de 250 mil atendimentos emergen-ciais, 1,5 milhão de consultas ambu-latoriais e 40 mil cirurgias. Como é gerenciar números tão superlativos?

Antonio: Temos um grupo de alta performance, esse é o grande diferen-cial. Hoje, a diretoria clínica trabalha com a gestão. Começamos fazendo um workshop para 30 pessoas para planejar o ano seguinte: eram os diretores exe-cutivos, os de núcleo e seus segundos. Atualmente, já contamos com 150 pes-soas de tribos completamente diferen-tes. Tem gente da enfermagem, do as-sistencial, do administrativo, médicos.

Também instalamos um Sistema de Informação Hospitalar [Hospital Information System (HIS)] e fazemos uma reunião de análise crítica com os institutos, em que cada um mostra in-dicadores já cruzados com outros. Foi

uma quebra de paradigmas, com o mesmo orçamento. Nunca tive receio de tomar decisões por medo.

GV-executivo: Há um contexto de crise em hospitais como o Hospi-tal Universitário da Universidade de São Paulo (HU/USP) e o Hospital São Paulo. Em sua opinião, a que se deve esse cenário?

Antonio: Gestão. Não existe dinhei-ro para todo mundo. Assim, acho que os hospitais universitários devem se aproxi-mar das instituições privadas. Por exem-plo, criamos um centro de inovação e trouxemos as empresas para a universi-dade. Estamos trabalhando em projetos com o setor privado, em que todo mundo vai ganhar, principalmente os pacientes. Se os hospitais universitários não se asso-ciarem a empresas privadas, vão morrer.

GV-executivo: Qual é a situação do HC no cenário de crise que o Brasil enfrenta?

Antonio: Considerando a atual situ-ação do país, não temos problemas. O publicitário Nizan Guanaes diz: “Na crise eu não choro, vendo lenços”. Vejo a crise como uma alavanca para voltar-mos a crescer mais fortemente em 2019.

No workshop de planejamento de 2014, já falávamos em crise. Tivemos um eixo de sustentabilidade no qual discutimos o que poderíamos mudar em protocolos clínicos, em medica-mentos, em contratos com prestadores de serviços. Por exemplo, nos contratos para manutenção de equipamentos de diagnóstico de imagem, não estavam incluídas as peças, só a mão de obra.

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RAIO X Antonio José Rodrigues Pereira.

Nascido em 30/01/1962.

Graduado em Engenharia Civil pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).

Pós-graduado pelo Curso de Especialização em Administração Hospitalar e de Sistemas de Saúde (CEAHS), da FGV EAESP.

Possui MBA Executivo Internacional pela Faculdade de Engenharia e Arquitetura, da USP.

Possui MBA em Gestão de Projetos pela Fundação Instituto de Administração (FIA), da USP.

Foi diretor de engenharia do Hospital A. C. Camargo Cancer Center, gerente geral de engenharia da PepsiCo do Brasil e diretor da Philips do Brasil.

Foi chefe de gabinete do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Atual superintendente do Hospital das Clínicas da FMUSP.

Doutorando em Administração de Empresas pelo Doctorate in Business Administration (DBA), da FGV EAESP.

O equipamento poderia ficar parado por seis meses pela falta de uma peça. Demonstramos isso para o governo do estado e, hoje, esses contratos são full, incluem mão de obra e peças. Portanto, gestão é essencial, ainda mais na crise.

GV-executivo: O HC tem a área pú-blica e a particular. É a área privada que mantém o hospital?

Antonio: Hoje, 90% do HC é ocu-pado pelo SUS e 10% pela saúde su-plementar. Esses 10% representam 50% da receita. Saúde suplementar é superimportante. O público e o priva-do têm que andar juntos.

GV-executivo: O HC recebe pacien-tes do Brasil inteiro e há sobrecarga. Existe uma forma de distribuir melhor os pacientes no sistema de saúde?

Antonio: É necessário ter a regulação, que a Secretaria da Saúde já faz, e uma carteira única de saúde. O paciente não pode fazer uma tomografia de manhã no Ceará e outra à tarde em São Paulo. Para isso, é imprescindível ter uma informati-zação muito grande. Este é o maior pro-blema da saúde: a falta de tecnologia, in-formação e conhecimento. Necessitamos de um sistema único totalmente integra-do entre atenção primária, secundária e terciária. Ou seja, tenho que saber todo o histórico do paciente, e não começar do zero, como acontece hoje.

Para mudar a situação, é preciso ter vontade política e de gestão. Pessoas de diferentes partidos devem se unir e dizer: “Vamos criar o cartão único de saúde”. Isso resolveria muitos dos problemas e a saúde não entraria em colapso, como hoje.

GV-executivo: Como o HC faz para lidar com a sobrecarga atual?

Antonio: Procuramos melhorar a gestão. Por exemplo, o paciente onco-lógico não entra no ICESP [Instituto do

Câncer do Estado de São Paulo] para consulta. Antes, ele precisa passar por alguma Unidade Básica de Saúde (UBS) e já chegar com o anatomopatológico encaminhado. Se perguntarmos: “Quan-tos ICESPs deveriam ter em São Paulo, no Brasil?”. Muito mais, com certeza. Por outro lado, não adianta municípios terem uma UTI [Unidade de Terapia Intensiva] de dois leitos, porque uma UTI de dois e outra de dez custam o mesmo. O maior custo de um hospital é a mão de obra, com ou sem paciente. Por isso tem que ter informação para alguém olhar isso e falar: “Esses seis municípios necessitam de apenas um hospital”, por exemplo.

GV-executivo: Em 1965, o HC fez o primeiro transplante de rim na Amé-rica Latina. As inovações continuam?

Antonio: Sim. Foi criado um Cen-tro de Inovação Tecnológico, o ICT. O hospital sempre foi precursor nisso, principalmente com o Incor [Instituto do Coração]. Quando olhamos os nú-meros do HC, representamos de 3 a 5% da pesquisa como um todo no Bra-sil. O hospital é o maior formador de pós-graduados no país.

O que está mudando é que estamos trazendo as empresas para essa jornada. Temos eventos de startups e diversas outras iniciativas. Estamos em um pro-jeto gigante com a Escola Politécnica

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da USP, a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] e o PNUD [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] sobre rastreabilida-de do medicamento, para sabermos o protocolo a ser seguido do fabricante até o paciente.

GV-executivo: Muitas vezes, os hos-pitais privados investem em espe-cialidades que geram mais lucro, como a oncologia, e destinam me-nos verba a especialidades que não dão tanto retorno, como a psiquiatria. Isso não prejudica a população, em sua opinião?

Antonio: Concordo. No HC temos oito institutos: do Coração, de Ortope-dia, de Psiquiatria, da Criança, de Ra-diologia, de Reabilitação, do Câncer e o Central. O Instituto de Psiquiatria é puramente clínico, mas tem as mesmas condições dos outros.

Os hospitais devem parar de se pre-ocupar apenas com o ganho material e olhar para o desfecho. Ou seja, têm que pegar o paciente aqui e entregar ali, de forma global e integrada. O valor e a relevância do Instituto de Psiquiatria são iguais aos do Instituto do Coração ou aos do Instituto do Câncer. É preciso ver os diferentes e compará-los como iguais. Além disso, as doenças do século XXI são depressão, ansiedade... Exis-tem inúmeros estudos que mostram, por exemplo, a baixa performance de altos cargos nas empresas por causa dessas doenças. Alguém terá que cuidar disso.

GV-executivo: Fala-se muito que a gestão em saúde deve ser guiada

pela demanda dos pacientes e não pela oferta de serviços, medicamen-tos, procedimentos e tratamentos. Você concorda?

Antonio: Toda demanda deveria nas-cer na UBS e depois vir para cá. Algo interessante é, com os planos de saúde, tratar as pessoas com médicos de famí-lia, trabalhando na prevenção e na pro-moção da saúde. Assim, o paciente que precisa comer mais arroz e feijão, fazer o controle do diabetes ou ter cuidados paliativos não chega ao hospital no nível terciário, com problemas mais graves.

GV-executivo: O modelo e o tama-nho do sistema público de saúde são adequados?

Antonio: Acho o SUS perfeito, mas precisamos de informação para tomar as decisões corretas. É isso que falta. Temos coisas muito boas no país. As campanhas de vacinação, por exem-plo, todo mundo copia. Sabemos fazer o negócio. Não vamos criar um novo modelo; deve-se usar bem a estrutu-ra que já existe. Não vamos construir hospitais enquanto não utilizarmos essa capacidade. Leito vazio é prejuí-zo. Além disso, o HC tem que cuidar de uma demanda, o Hospital São Paulo de outra e assim sucessivamente. Os hospitais precisam se falar, e hoje não trocamos informação.

GV-executivo: Como você vê o setor de saúde daqui a 10 anos no Brasil?

Antonio: Se não mudar, vai quebrar. Os hospitais deveriam tratar das doen-ças com desfecho, com protocolo. A es-trutura tem que ser cada vez mais bem

utilizada. Entre construir um novo hos-pital e fazer uma rede de saneamento, talvez seja melhor fazer a rede de sa-neamento e utilizar melhor a estrutura.

Como é que aqui não faltam recur-sos? A enfermeira não pede mais cinco caixas de luvas, porque sabemos que ela usa uma por semana. Isso é gestão. Com essa crise, um monte de pacien-tes veio para cá. Tínhamos maca zero no pronto-atendimento, hoje temos 70. Isso não é correto. Esses pacientes pre-cisam ser divididos.

GV-executivo: Como você vê o HC daqui a 10 anos?

Antonio: Vejo o HC liderando a ca-deia hospitalar academicamente, como sempre fez, sendo protagonista em ges-tão, fazendo um trabalho cada dia mais humanizado e de alta performance em tecnologia. Eu brinco: da mesma for-ma que o Rio de Janeiro tem como pa-trimônio o Cristo Redentor, São Paulo terá o HC. O Brasil terá o HC. Ele tem que ser o protocolo assistencial e de gestão. O HC tem 70 anos e vai partir para a quebra de paradigma entre públi-co e privado; as empresas estarão cada dia mais aqui. Na academia, é preciso ter disciplina de gestão para os profis-sionais entenderem que esse antibióti-co custa 10 vezes mais do que aquele, que tal procedimento vai fazer com que o paciente fique três dias a menos no hospital. É um grande desafio colo-car a gestão no dia a dia do médico.

ALINE LILIAN DOS SANTOS > Jornalista da GV-executivo > [email protected] WILNER > Editora adjunta da GV-executivo > [email protected]

SE OS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS NÃO SE ASSOCIAREM A EMPRESAS PRIVADAS, VÃO MORRER.

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