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ECODESIGN, QUÍMICA VERDE E RASTREABILIDADE DO SETOR DE TINTAS NAS ARTES PLÁSTICAS: UMA ABORDAGEM CRONOLÓGICA E ATUAIS DESAFIOS DO SETOR Frederico Schoene, Suzana Gueiros Teixeira, Haroldo Mattos de Lemos (Universidade Federal do Rio de Janeiro; SESC; INSTITUTO PNUMA-BRASIL) Resumo: Este trabalho resulta de uma pesquisa sobre a trajetória do setor de tintas nas artes plásticas à luz da questão ambiental e social, trazendo ao cenário atual os desafios da rastreabilidade e transparência, e a necessidade de tornar os produtos utilizados menos impactantes ao longo da cadeia sob a ótica do ecodesign e química verde. Nosso objetivo foi mostrar um panorama do setor através de uma abordagem cronológica utilizando os conceitos de gestão ambiental - com ênfase no ecodesign e pensamento no ciclo de vida - para identificar os impactos e os ciclos de risco ao meio ou a saúde humana e olhar o produto quanto aos desafios das partes envolvidas em toda cadeia produtiva. Palavras-chaves: setor de tintas, artes plásticas, rastreabilidade, ciclo de vida, ecodesign, química verde ISSN 1984-9354

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ECODESIGN, QUÍMICA VERDE E RASTREABILIDADE DO SETOR DE TINTAS NAS ARTES PLÁSTICAS: UMA ABORDAGEM CRONOLÓGICA E ATUAIS DESAFIOS DO SETOR

Frederico Schoene, Suzana Gueiros Teixeira, Haroldo Mattos de Lemos

(Universidade Federal do Rio de Janeiro; SESC; INSTITUTO PNUMA-BRASIL)

Resumo: Este trabalho resulta de uma pesquisa sobre a trajetória do setor de tintas nas artes plásticas à luz da questão ambiental e social, trazendo ao cenário atual os desafios da rastreabilidade e transparência, e a necessidade de tornar os produtos utilizados menos impactantes ao longo da cadeia sob a ótica do ecodesign e química verde. Nosso objetivo foi mostrar um panorama do setor através de uma abordagem cronológica utilizando os conceitos de gestão ambiental - com ênfase no ecodesign e pensamento no ciclo de vida - para identificar os impactos e os ciclos de risco ao meio ou a saúde humana e olhar o produto quanto aos desafios das partes envolvidas em toda cadeia produtiva.

Palavras-chaves: setor de tintas, artes plásticas, rastreabilidade, ciclo de vida, ecodesign,

química verde

ISSN 1984-9354

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1. Introdução

A história da humanidade se entrelaça com a de sua expressividade, podemos vislumbrá-la

através de uma linha cronológica de manifestações nas artes plásticas. Nesta cronologia registram-

se desde as pinturas rupestres até os desafios mais recentes do setor envolvendo expressiva

quantidade de substâncias químicas, sua rastreabilidade e esforços do setor para esverdeamento de

sua cadeia produtiva. As primeiras substâncias utilizadas no registro de manifestações artísticas do

homem eram corantes naturais originados de plantas tais como pau-brasil e cúrcuma dentre outras

(Schenker, 2008). Um salto cronológico para revolução industrial registra a introdução dos

solventes orgânicos na composição das principais tintas artísticas, além dos polímeros acrílicos

(Fazenda, 2009). Na busca por cores mais vibrantes em suas técnicas, o homem se depara com a

evolução dos pigmentos enquanto substâncias químicas, o que elevou o preço da perfeição

externalizando custos a saúde e ao meio ambiente, contexto no qual a arte se tornou um desafio

maior do que as habilidades, havendo uma necessidade de gestão dos ciclos de riscos intrínsecos

ao produto.

Sob o olhar do pensamento no ciclo de vida, podemos ver que na fase de uso das tintas

encontramos uma grande lacuna na comunicação e entendimento dos riscos ao usuário, sendo

registrado que o setor de artes plásticas possui um vasto histórico de intoxicação levando até a

morte no meio artístico mundial. A elevada quantidade de substâncias químicas tóxicas

permanece, contudo, invisível aos usuários quanto a sua percepção de riscos diante da exposição

na fase de uso e no descarte. Contribui para este cenário a falta de informação e de ciência dos

riscos associados tanto às substâncias quanto aos métodos de trabalho, tendo como consequência

uma falta de cultura quanto ao risco químico tóxico no setor das artes plásticas. Em pesquisa

realizada pela Agência Sueca de Química, registrou-se que de 1992 até 2009, a quantidade de

substâncias químicas aumentou em média 9% (Fransson et al, 2013).

Esta realidade instigou ao desenvolvimento desta pesquisa: analisar a trajetória do setor de

tintas nas artes plásticas à luz da questão ambiental e social, trazendo ao cenário atual os desafios

da rastreabilidade e transparência, tornando produtos utilizados menos impactantes ao longo da

cadeia sob a ótica do ecodesign e química verde. Nosso objetivo foi mostrar um panorama do

setor através de uma abordagem cronológica utilizando os conceitos de gestão ambiental - com

ênfase no ecodesign e pensamento no ciclo de vida - para identificar os impactos e os ciclos de

risco ao meio ou a saúde humana e olhar o produto quanto aos desafios das partes envolvidas em

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toda cadeia produtiva. Considerando o ecodesign como uma abordagem metodológica no processo

de desenvolvimento de produto, que é definido segundo o Programa das Nações Unidas para o

Meio Ambiente (PNUMA, 2001) como: “a integração dos aspectos ambientais no processo de

desenvolvimento do produto, através do equilíbrio dos requisitos ecológicos e econômicos. O

Ecodesign considera os aspectos ambientais em todos os estágios do desenvolvimento do produto,

buscando por escolha de produtos que representem o menor impacto ambiental possível, ao longo

do ciclo de vida do produto.”

A metodologia foi conduzida através do levantamento de substâncias utilizadas para a

atividade artística através da pesquisa de informações na literatura técnico-científica da área de

química e de técnicas de artes plásticas. Foram realizados contatos com profissionais da área, tanto

quanto realizada uma busca sobre regulamentação do setor frente aos riscos de acidentes e

contaminação. Este estudo e seu desenvolvimento foram embasados em revisão bibliográfica de

dissertações, periódicos, livros, catálogos de produtos, manuais, apostilas e normas sobre tintas,

aplicações, cores e uso nas pinturas artísticas. A revisão de material conduziu a análise crítica com

parâmetros que concluem a necessidade de maior transparência e critérios de ecodesign voltados

para redução dos ciclos de risco ao longo do ciclo de vida do produto com particular ênfase na

fase de uso da utilização das tintas nas pinturas artísticas.

2. A Importância de uma abordagem cronológica ao tema

A história das tintas pode ser confundida com a história da própria civilização. De uma

maneira geral é possível dizer que as tintas começaram a ser utilizadas pelo seu aspecto estético. O

homem pré-histórico descobriu a possibilidade de retratar aspectos do cotidiano com as pinturas e

desenhos feitos em cavernas conhecidas como pinturas rupestres. A revolução industrial associada

à expansão de recursos e técnicas desenvolvidas pelo homem e respectivos impactos no meio,

trouxe a necessidade de recontextualização do tema, sobretudo após a introdução do Sistema de

Gestão Ambiental (SGA) ao final do século passado. Esta abordagem é proposta neste trabalho,

desenvolvida através da ótica da Gestão Ambiental.

No início do Século XXI, autores como Goleman (2009), passam a olhar para os produtos

industrializados de uma forma mais crítica, em seu trabalho o mesmo afirma que produtos

industrializados só poderão ter escolha de consumo se fabricantes se comprometerem com a

divulgação de informações relevantes tais como a composição, matéria-prima utilizada,

componentes e seus efeitos nos seres humanos e no meio ambiente, bem como os métodos de

fabricação que envolve mão de obra e processos. Esta abordagem, denominada pelo mesmo como

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“Transparência Radical”, revela um comportamento que a princípio, somente grandes

consumidores teriam a capacidade de mudar, pressionando o setor produtivo. Esta constatação nos

traz um alerta para o setor das artes plásticas em virtude da atual cultura de utilização do produto.

O setor de tintas, e em particular o setor de tintas nas artes plásticas a despeito de sua longa

e lucrativa trajetória no mercado_ que além da fabricação de tintas inclui a valorização de obras de

arte_ apresenta ainda uma grande lacuna do conhecimento dos riscos inerentes às substâncias até a

conscientização do mercado e do usuário com relação aos riscos ao longo da cadeia e na fase de

uso. Particularmente no Brasil, destacamos que o setor mantém um consumidor sem visibilidade

de aspectos de gestão ambiental e com isso os fabricantes possuem vulnerabilizada sua reputação

quanto à responsabilidade social, dado que não há transparência das informações: não há

informação clara e direcionada para público consumidor leigo, divulgação clara da

regulamentação e acesso a base de dados sobre substâncias que possam causar algum risco de

intoxicação para este usuário na fase de uso do produto.

3. Entendendo o Produto: a Tinta_Definições e Composição

3.1. A tinta pela ótica da química:

A compreensão do produto o qual é desenvolvida esta pesquisa, do ponto de vista da

química, tem sua origem a partir das substâncias que o compõem, cuja função é atender a proteção

e embelezamento de superfícies. Pode-se afirmar, portanto, que a constituição química que a tinta

representa: é uma mistura líquida, geralmente viscosa, constituída de um ou mais pigmentos

dispersos em um aglomerante líquido que, ao sofrer um processo de cura quando estendida em

película fina, forma um filme opaco e aderente ao substrato. Esse filme tem a finalidade de

proteger e embelezar as superfícies.

3.1.1. Composição Básica

Tinta é uma mistura que ao aplicada sobre um material ou superfície forma um filme, ou

seja, uma fina camada de material que adere e recobre a região onde foi depositada, conforme

ilustrado na Figura 1.

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Figura 1 - Recobrimento de uma superfície (em cinza) com tinta (veículo em amarelo-claro e pigmentos como pontos

vermelhos) (Mello et al, 2012)

Geralmente identificam-se diferentes compostos na composição de uma tinta, os quais têm

funções específicas (Mayer, 2006). O primeiro e mais importante é o veículo ou binder, que é o

componente químico que irá gerar um filme sobre a superfície responsável por protegê-la, além de

ser responsável por manter dispersos e aglutinados os demais constituintes. Outros componentes

importantes são os pigmentos e os corantes, cujas finalidades são fornecer cor à tinta. A diferença

entre pigmentos e corantes se refere à solubilidade: enquanto os primeiros são sólidos insolúveis

dispersos no veículo, os segundos são compostos que permanecem dissolvidos nele.

Opcionalmente, as tintas podem conter outros elementos, tais como os solventes (anexo I), cargas

e aditivos. Os solventes são usados para diminuírem a viscosidade do material e facilitar a

aplicação da tinta. As cargas são materiais que conferem características específicas à tinta, como,

por exemplo, nanopartículas magnéticas que tornam aviões invisíveis a radares. Finalmente, os

aditivos são compostos usados para auxiliar desde o processo de armazenamento até a formação

do filme. Por exemplo, podem ser citados os biocidas, que auxiliam na preservação da tinta

durante a sua estocagem, ou catalisadores que reduzem o tempo de formação do filme.

Segundo consta no Guia Técnico Ambiental Tintas e Vernizes – Série P+L (CETESB,

2008), é possível resumir como sendo os principais produtos químicos envolvidos no processo de

pintura, de trabalho com as tintas, listados na tabela 1 a seguir:

Matérias-primas Definição

Resinas Formadores da película da tinta e responsáveis pelas

características físicas e químicas

Pigmentos Substâncias insolúveis no meio com finalidade de conferir cor ou

cobertura

Solventes Compostos orgânicos ou água, responsáveis pelo aspecto

líquido com determinada viscosidade

Aditivos Componentes de baixa concentração, menor do que 5% com

funções específicas

Tabela 1: Principais matérias-primas utilizadas na composição das tintas (Fonte: Guia Técnico Ambiental

Tintas e Vernizes – Série P+L, CETESB, 2008).

3.1.2. Tipos de tintas

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Os tipos de tintas utilizados no mercado são diversificados quanto a sua natureza, segundo

Gilberto Della Nina: “Atualmente, os produtos do comércio diferem tanto entre si, que escapam às

limitações de qualquer classificação, quer se baseiem na origem do pigmento, quer no veículo

usado ou na finalidade”: A partir do olhar aos componentes podemos ter a seguinte classificação,

ilustrada na figura 2:

Figura 2: Tipos de tintas quanto à classificação de componentes. (Fonte: Guia Técnico Ambiental Tintas e

Vernizes – Série P+L , CETESB, 2008 - Imagem: Schoene, Frederico e Gueiros, Suzana)

A escolha das tintas no mercado se dá através do olhar para a composição da base da tinta,

conforme ilustrado acima, seguido da cor. Contudo, as informações que lidam com a cadeia

produtiva e rastreabilidade de impactos, sobretudo na fase de uso, permanecem sem um olhar

atento na relação produto-consumidor do varejo.

3.2. A Tinta: Definição do Ponto de Vista da Arte

A tinta surge a partir da necessidade de expressividade do homem. O homem começa uma

história de familiaridade com pigmentos que o mesmo produz artesanalmente, para satisfazer ao

continuado e progressivo refinamento artístico de suas obras, as tintas, utilizadas como forma de

expressão de idéias ou sentimentos seja na impressão de um texto ou na criação de obras de arte,

recebem a denominação de tintas expressivas. A definição de tinta para um artista é tão abstrata

quanto sua própria arte. Ela se confunde com a possibilidade da expressão da arte, onde o material

artístico como a tinta possibilita a tradução de toda a criatividade, seja com o uso de tipos de tintas

e cores diferentes ou pela utilização de técnicas ou métodos diferentes.

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Segundo o Manual do Artista (Mayer, 2006), página 12.. “pintores, escultores ou artistas

gráficos que conhecem bem a propriedade de seus materiais podem frequentemente improvisar

materiais bem aceitáveis quando por alguma razão seus estoques normais não podem ser obtidos,

ou quando se vêem diante das inúmeras exigências que surgem ao longo do seu trabalho.” Nesta

constatação é possível identificar que na tinta: o veículo utilizado para a expressividade; muito

embora de conhecimento do artista quanto aos efeitos plásticos, estéticos e técnicas de pinturas

requeridas para sua obra, permanece oculta do mesmo, enquanto combinação de ingredientes

químicos associados aos impactos no meio e na fase de uso, que eventualmente possam oferecer

algum risco de contaminação, seja por conta de substâncias, quantidade e tempo de exposição dos

mesmos a estes agentes.

4. Abordagem Cronológica

4.1. Os Primeiros Registros

O primeiro testemunho da utilização de registros gráficos do homem ficou gravado nas

paredes das grutas, uma pintura rupestre que o homem do Período Paleolítico criou a partir de

têmperas feitas com terra, argila, ossos calcinados e carvão vegetal misturados com sangue,

gordura e excrementos, tal como registrado abaixo:

a) b)

Figura 3 – a) Cavalo selvagem, Arte Rupestre, Lascaux, França, Pintura do Período Paleolítico (Leroi-Gourhan, 1984) b) Pintura rupestre encontrada no Parque Nacional da Serra da Capivara (Pessis, 2003)

Em quase todos os lugares onde ocorreram ocupações humanas pré-históricas é possível

encontrar pinturas rupestres, embora nem sempre essas pinturas tenham encontrado condições que

permitiram a sua conservação até os tempos atuais. Nas mais antigas são representados animais e

hábitos corriqueiros, tais como cenas de caça, de pesca, de guerra e de sexo. Em registros

posteriores há 10 mil anos atrás, as pinturas começam a conter desenhos geométricos com maior

complexidade. No Brasil é possível encontrar arte rupestre de norte a sul do país, sendo as mais

antigas encontradas no Parque Nacional da Serra da Capivara (Pessis, 2003), foram tombadas pela

UNESCO como patrimônio histórico da humanidade, as quais são datadas em até 11.000 anos

vide Figura 3b acima.

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A identificação de quais materiais utilizados nestes trabalhos vem sendo pesquisada,

acredita-se na utilização de partículas inorgânicas minerais finamente moídas. Um dos exemplos é

a coloração vermelha, sendo usada a hematita (Fe2O3), para a coloração amarelo a Goethita

[FeO(OH)], para a coloração branca a caulinita [Al2Si2O5(OH)4] e para a coloração preta a

Pirolusita (MnO2) (Guidon et al, 2002). Para obtenção de cores intermediárias, eram usadas

misturas desses minerais, como a hematita e o caulim para atingir a cor cinza. Foram também

encontradas pinturas utilizando pigmentos orgânicos para coloração preta (carvão vegetal ou

mineral). Cabe ressaltar que pesquisadores não descartam o uso de corantes. No entanto, como

estes materiais se decompõem rapidamente, não seriam preservados até a presente data (Fazenda,

2009). Quanto ao veículo, não há consenso sobre material utilizado, acredita-se que possam ter

sido utilizadas seivas ou resinas de árvores ou arbustos; ceras, óleos ou gorduras de animais ou

vegetais; gemas e/ou clara de ovos; ou até mesmo sangue, fezes ou urina de animais. No entanto, a

natureza orgânica destes materiais não permitiu que chegassem aos nossos dias com integridade

suficiente para uma determinação precisa de sua composição (Guidon et al, 2009).

As informações a respeito de métodos e materiais utilizados nos períodos antigos antes de

Cristo são oriundas de ruínas, descobertas arqueológicas e textos de historiadores mais antigos

(Mayer, 2006). É importante citar que os textos destas épocas continham muitos componentes de

história anterior acrescidos de lendas e dados não tão precisos ou ainda incorretos. Os métodos de

pintura utilizados podem ser estimados através da reprodução experimental que permite definir

quando do conhecimento da tinta utilizada. Todo o material de pintura utilizado a partir de meados

do século XIII considerados inovações tecnológicas para época, datam de épocas anteriores sendo

bem conhecidos por nossos ancestrais. As principais fontes da literatura que mencionam materiais

e métodos da pintura do período clássico são dadas a partir de deduções oriundas de obras como

História Natural de Plínio, a obra de Vitrúvio ou em menores relatos nas obras de Teofrasto e

Dioscorides.

4.2. O Timeline das Tintas e Métodos de Pintura Diante de Aspectos da

Gestão Ambiental

Os aspectos cronológicos das tintas, primeiras utilizações e métodos apresentados na linha

do tempo representam valiosa contribuição para o entendimento do desenvolvimento das técnicas

e dos materiais utilizados na expressão artística da humanidade. Na medida em que são refinados

os ingredientes, são também registrados os aspectos nos quais os produtos podem vulnerabilizar o

meio ambiente e a saúde humana.

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As primeiras manifestações rupestres datam de 400 A.C. quando o homem faz uso de

pigmentos naturais, até a produção de seus primeiros recursos para formação de pigmentos, como

registrado no Séc. 20 A.C. – o primeiro pigmento sintético: o azul egípcio. As pinturas murais do

Médio Império são feitas a têmpera. Vários pigmentos são descobertos seguidos de diferentes

técnicas e locais do mundo, sendo que no Séc. 19 D.C.– consideramos como o século da química

orgânica que disponibiliza no mercado de tintas dezenas de novos pigmentos. São

industrializados, entre outros: amarelo de cromo, azul ultramar, óxido de zinco, amarelo de zinco,

amarelo de cádmio, violeta de Perkins, vermelho para, vermelho litol e índigo sintético. Nos

Estados Unidos, 1860, foi registrada a primeira patente de tinta pré-misturada, tendo como

principais componentes alvaiade, óleo de linhaça e água. Ciência, pesquisa e indústria começam a

caminhar juntas na conquista da cor. Nas imagens seguintes são resumidas as substâncias

utilizadas para composição de cores e seus principais destaques quanto à questão de impactos no

meio e na saúde até o presente século e na figura 5, a sucessão de eventos relevantes para

compreensão da evolução do setor e do consumidor, oferecendo um panorama de aspectos

históricos, métodos de pintura utilizados pela humanidade e o advento da química.

Figura 4: Cores e Substâncias no contexto cronológico –

Fonte: Edição Gueiros, Suzana e Schoene, Frederico, imagem apresentada em Poster da JIC2013 UFRJ.

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Figura 5: Timeline de técnicas e inovações no setor das tintas - Aspectos Históricos, tintas e métodos de

pintura utilizados pela Humanidade (Fonte: www.abrafati.com.br)

Ainda no que tange aos aspectos históricos tem-se o desenvolvimento de sistemas não

poluentes com o passar do tempo e da necessidade de se antecipar aos impactos ambientais que

materiais tóxicos podem promover na sociedade moderna. Esse estudo se faz presente na tabela 2

a seguir.

1865 Primeira patente solúvel em água EUA

1930 Tinta à base de caseína EUA

1948 Látex interior à base de estireno-butadieno EUA

1953 Incêndio na GM LIVÔNIA

1957 Látex acrílico estireno EUA

1960 Anódico - Patentes Ford EUA

1963/64 Tanques cataforéticos EUA/GRÃ-BRETANHA

1965 Produção do pó epóxi GRÃ-BRETANHA

1966 Rule 66 EUA

1968 Cura por radiação EUA/EUROPA

1970 Catiônico - Patentes EUA

1975 Tanques cataforéticos EUA/EUROPA/JAPÃO

1975 Sistemas híbridos de pó (epóxi-poliéster) EUROPA

1980 Alta camada/Low bake - KTL/high solids ─

1985 Microgéis −

1988 Substituição de pigmentos anticorrosivos (chumbo ,zinco, cromo e cádmio) EUROPA/EUA

1990 Polímeros para sistemas aquosos EUA/EUROPA

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1991 Aditivos para sistemas aquosos EUA/EUROPA

1992 Polímeros aquosos para manutenção EUA/EUROPA

Tabela 2 – Desenvolvimento histórico de sistemas não-poluentes (Fonte:Fazenda, 2009).

4.3. A Cronologia do Setor de Tintas no Brasil

A história da indústria brasileira de tintas dispõe de duas gêneses de igual significância

histórica: Uma no ano de 1886, na cidade de Blumenau, Santa Catarina, outra em 1904, no Rio de

Janeiro. Os pioneiros foram Paulo Hering, fundador das Tintas Hering, e Carlos Kuenerz,

fundador da usina São Cristóvão. Emigrantes alemães que traçaram seus caminhos na virada do

século XIX. Mais de cem anos após a fundação da pioneira Hering, um balanço histórico do

desenvolvimento da indústria de tintas no Brasil mostra a existência de alguns ciclos bastante

definidos.

A primeira fase pioneirista se dá com a fundação da Usina São Cristóvão, em 1904,

estendendo-se até a implantação no Brasil da Sherwin-Williams, em 1944. É o tempo do

autodidatismo e da criatividade. O artesanato se transforma em manufatura e atinge o estágio

industrial, fase esta dos imigrantes basicamente de origem alemã, que aportam alguma tecnologia

e muito trabalho. O segundo período engloba os eventos compreendidos entre a chegada da

Sherwin-Williams e a implantação da Glasurit. Significativamente são duas empresas

internacionais que, com diferença de mais de 20 anos, entrando no mercado através da aquisição

do controle acionário de indústrias brasileiras: a Superba, em 1944, e a Combilaca, em 1967.

Representam igualmente dois marcos mercadológicos bastante definidos. No Século XX

americanos da Sherwin-Williams trazem a realidade tecnológica ao cenário local. A entrada da

Glasurit, associação promovida pela Combilaca, vai iniciar um processo de concentração

industrial irreversível que passa a definir a terceira etapa deste mercado no país.

A terceira fase da história da indústria de tintas no Brasil está claramente marcada pelo

progresso de internacionalização que presidiu a economia do país. Antes disso, havia registros de

empresas internacionais, já estabelecidas, além da Sherwin-Williams, a Internacional e a Atlantis

(na década de 20), a American Marietta (nos anos 50) e outras de menor expressão. Foi a partir da

entrada da Glasurit que o processo de aquisições, fusões e associações se alavancou. Dentre as

grandes indústrias brasileiras, o crescimento marcante é da Renner Herrmann, que não só absorve

grande número de indústrias concorrentes (brasileiras e estrangeiras) como também se expande

para o exterior, instalando fábricas no Uruguai e Argentina.

Hoje, o mercado se encontra claramente definido, compreendendo três tipos de empresas

no setor de tintas: grandes conglomerados (nacionais e internacionais), empresas de porte médio,

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com administração de caráter familiar somadas a pequenas e médias indústrias voltadas ao

atendimento de segmentos específicos do mercado.

5. A Importância da Rastreabilidade do Produto “ Se conseguirmos informações melhores e mais completas sobre os verdadeiros

efeitos de um produto no momento da decisão de compra poderemos tomar decisões

mais inteligentes.” Daniel Golman 2009

5.1. Visibilidade Além da Plástica

A necessidade de rastreabilidade do produto de forma a permitir uma transparência, vem

sendo progressivamente introduzida no mercado, seja através do pensamento no ciclo de vida do

produto, ecodesign e posterior rotulagem, conforme especificações das séries de normas contidas

nas séries ISO 14.000, seja através do ecodesign em uma abordagem voltada para a química verde,

que tem como estratégia a substituição de ingredientes de forma a gerenciar impactos.

A definição de Ecodesign incorpora aspectos significativos relacionados ao presente tema;

segundo Karna, 1998 (Gueiros, 2012), podemos definir o ecodesign como sendo: “Um processo

que reduz a carga ambiental de um produto, considerando todo o seu ciclo de vida”. Temos ainda

definido pela Norma ISO 14006 (2002): Uma atividade que integra os aspectos ambientais no

processo de concepção e desenvolvimento do produto: a integração das atividades de melhoria

contínua no desempenho ambiental de um produto através de inovações tecnológicas.

Estes aspectos que surgem com o advento da gestão ambiental requerem uma atenção com

a presença de substâncias tóxicas e os ciclos de risco identificados na cadeia. A despeito de

grandes inovações geradas no setor de tintas para a construção civil (Meirelles, 2009), o setor de

tintas para as artes plásticas, contudo, permanece com uma invisibilidade nestes quesitos, a

despeito de uma poderosa cadeia produtiva e da geração de lucros, havendo uma lacuna de

insuficiência de dados para o artista consumidor e usuário destes produtos na fase de uso. O

pensamento no ciclo de vida para o setor das tintas é ilustrado na figura 5 a seguir. Nesta

abordagem, o produto de consumo vem com a devida atenção às entradas e saídas do sistema até

sua fase de fim de vida. Em particular, para esta proposta de trabalho teremos o foco na fase de

uso do produto.

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Figura 6: Pensamento no ciclo de vida no setor de tintas para artes plásticas (Fonte e edição da tabela: Schoene,

Frederico e Gueiros, Suzana (2013, JIC- UFRJ).

Um olhar para o ciclo de vida do produto, revela que os riscos associados à fase de uso

estão diretamente relacionados com: o volume utilizado, a frequência da utilização, a avaliação

qualitativa do risco e do grau de exposição de usuários e ainda da existência de ventilação

exaustora ou outras medidas de proteção individual e (ou) coletiva. A parte de comunicação e

educação do consumidor na utilização dos produtos é ausente no meio, expondo os consumidores

aos riscos à saúde, tanto quanto a contaminação do meio na fase de descarte de resíduos gerados

pelas atividades.

5.2. O olhar para o Perfil do Consumidor de Tintas nas Artes

Plásticas

Registraram-se sucessivos casos de acidentes de consumo nas artes plásticas, estes

descrevem os pigmentos com os quais os pintores manipulavam suas cores no século XVIII como

sendo a origem de doenças típicas desta atividade: vermelho de chumbo, cinábrio (mercúrio),

branco de prata (chumbo), e também descreve os vernizes, óleo de linhaça e de nozes, e diversos

pigmentos contendo substâncias minerais nocivas à saúde. Nos tempos atuais, pesquisadores

especulam sobre o fato de que algumas das doenças de artistas famosos teriam sido causadas por

intoxicação por materiais. Dr. Bertram Carnow, da Universidade de Saúde Pública de Illinois

sugeriu que a insanidade de Van Gogh teria sido causada por intoxicação por chumbo, que teria

afetado seus nervos óticos.

O comércio de tintas artísticas, como nos demais setores, é vulnerável de ocorrer alguma

substituição de materiais por outros de qualidade inferior com o mesmo nome. A responsabilidade

Disposição final 

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dos fabricantes na manutenção da alta qualidade é um comportamento necessário ao setor e,

sobretudo aos grandes fabricantes. Devido ao fato de não haver segredos ou mistérios na

tecnologia moderna de tintas, toda empresa mais cedo ou mais tarde pode competir com um novo

produto. Os artistas da atualidade estão buscando por maiores informações sobre os produtos e

nesta rota surge o conceito defendido por Goleman (2009) como sendo o da Transparência Radical

em seu livro a Inteligência Ecológica.

A continuada lacuna entre a responsabilidade do setor na divulgação de impactos na saúde

do usuário e as práticas de venda e de uso do produto são desafios do mercado, a despeito do

progressivo rigor e transparência de ingredientes de produtos de consumo no mercado global.

Desde o final do século passado que os conceitos de pensamento no ciclo de vida, química verde e

ecodesign emergem em vários setores da atividade produtiva, e, diante deste cenário, considera-se

mandatório que o setor de tintas, portanto, se alinhe ao atual contexto de gestão ambiental e

responsabilidade social com ênfase em produtos com melhor desempenho sustentável.

6. O Cenário de Consumo Local

O desempenho econômico do setor destaca o Brasil entre os cinco maiores consumidores

mundiais de tintas. A indústria de tintas no mundo ocidental fatura U$ 22 bilhões, só no Brasil em

2009 foram U$ 3,03 bilhões. O segmento imobiliário representa 76% do volume total produzido e

59% do faturamento do setor no País (ABRAFATI). Estes dados podem ser apreciados na tabela 5

a seguir:

ANO IMOBILIÁRIA REPINTURA IND. AUTOMOTIVA IND. GERAL TOTAL

2012 2.728 355 281 919 4.282

2011 2.865 355 309 965 4.503

2010 2.470 310 270 850 3.900

2009 1.936 246 204 648 3.033

2008* 1.983 262 221 727 3.193

2007 1.448 223 171 600 2.442

2006 1.206 191 152 501 2.050

2005 1.110 180 135 455 1.880

2004 888 139 107 366 1.500

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2003 792 119 79 330 1.320

2002 672 101 67 280 1.120

Tabela 5 – Faturamento em milhões de dólares da Indústria de Tintas no Brasil (Fonte: WWW.ABRAFATI.COM.BR)

7. Desafios Atuais Frente aos Ciclos de Riscos

7.1. A toxicidade de materiais artísticos

A gama dos materiais artísticos foi bastante ampliada em decorrência da criação de novos

materiais, derivados de plásticos, lacas, solventes, sprays aerossóis e outros que podem ser

altamente tóxicos em uso contínuo. Os artistas podem vir a desenvolver doenças semelhantes

àquelas encontradas em operários de indústrias, expostos aos materiais químicos, ignorando suas

propriedades. Alguns materiais apresentam elevada toxicidade a ponto de requerer demandam

precauções no manuseio, estes não deveriam ser empregados em materiais artísticos. Muitos

materiais tóxicos já foram descartados pela indústria, que busca produzir produtos mais seguros.

Até 1980, a toxicidade dos materiais artísticos era catalogada levando em conta a exposição única

a estes materiais, uma forma inadequada de classificação, visto que os artistas se expõem por

períodos longos, repetitivos, em longas jornadas de trabalho.

A cultura de trabalho do ambiente artístico desconhece a toxicidade dos materiais, não

havendo uma atitude prevencionista do setor no sentido de alertar estudantes nas escolas de arte.

Conceitos essenciais, como a circulação do ar, e programas de segurança e saúde são

negligenciados por falta de informação. Quando se estuda a composição química dos materiais,

percebe-se que cada área de atividade artística exige cuidados específicos, próprios da química à

que se expõe o artista. Dr. Michael McCann, em seu excelente livro Artists Beware, descreve

detalhadamente o que afeta os artistas, em cada área de atuação. É um dos mais completos livros

sobre toxicologia dos materiais artísticos. A figura seguinte oferece um panorama de riscos e

cuidados prevencionistas para o usuário de tintas.

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Figura 7: atividades artísticas e riscos.

Fonte: Michael McCann, edição de imagem: Schoene, Frederico e Gueiros, Suzana

7.2. Regulamentação e Tendências: Ecodesign e Pensamento no Ciclo de

Vida

No início de sua fabricação, a seleção de materiais artísticos baseava-se na experiência e

julgamento dos consumidores, apoiados em aspectos físicos, como a resistência ou a exposição à

luz diurna. Em 1942, nos Estados Unidos surgem especificações para as tintas a óleo acordadas

entre artistas consumidores e fabricantes, regulamentada em 1962, sob o controle do

Departamento de Comércio dos Estados Unidos, intitulada Commercial Standard CS98-62 e

conhecida de modo geral como Paint Standard, estabelecendo um padrão mínimo no qual as tintas

à óleo poderiam ser avaliadas e quais fabricantes que satisfaziam ou excediam as exigências. Em

seguida, a American Society for Testing and Materials (ASTM) desenvolveu um novo sistema de

especificações padronizadas, utilizadas até hoje que enumeram uma série de testes de desempenho

e de propriedades físicas com uma nomenclatura oficial, seguido atualmente por muitos

fabricantes beneficiando artistas. Apesar da normatização pela ASTM ainda existem rótulos

fabricados sem o referido padrão e que podem comprometer em muito a saúde dos usuários

frequentes tanto quanto a qualidade da arte produzida.

No Brasil, existem diversos desafios de regulamentação, sobretudo referente às emissões

atmosféricas. Na atmosfera, na grande maioria dos estados, só estão previstas regulamentações

para emissões veiculares além de fontes fixas relacionadas a processos de combustão. Existe uma

regulamentação genérica para odores. Na lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) o artigo 54

considera crime valores superiores aos pré-estabelecidos com base internacional, porém que não

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preveem os COV’s (Compostos Orgânicos Voláteis). No âmbito internacional, pode-se dizer que

na Comunidade Europeia, há uma regulamentação que é a Diretiva 1999/13/CE que limita as

emissões de COV’s resultantes da utilização de solventes orgânicos em atividades e instalações,

abrangendo atividades de manufatura e aplicação de tintas e produtos correlatos, estabelecendo

inclusive, a necessidade de planos de redução de emissões ocasionadas por aplicação de tintas em

níveis de até 60 % para aquelas instalações que consumam um mínimo de 500 kg/ano de COV’s.

Na produção de tintas em geral há um consenso na diminuição acima de 100 kg/ano (150 mg

COV/Nm3 , com valor limite de 5 % de entrada de solvente em unidades novas).

Na falta de um melhor conjunto de regulamentação específica e com a finalidade de

aumentar a segurança na produção e a transparência de utilização do produto final, a ABRAFATI

(Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas) adotou um conjunto de indicadores para avaliar

em parâmetros mensuráveis e comuns se a implementação da Gestão de Produto traz melhorias no

desempenho ambiental e ocupacional, o que já existe em países como Reino Unido, França e

Japão. Os indicadores adotados no Brasil são: consumo de energia por tonelada produzida,

consumo de água por tonelada produzida, resíduos sólidos perigosos dispostos por tonelada

produzida e acidentes por número de trabalhadores. Há uma previsão da inserção de práticas de

gestão relacionadas à Responsabilidade Social que demanda o cuidado com Meio Ambiente,

Saúde e Segurança (SMS). Também há uma discussão de uma nova versão complementar do

Coatigns Care incorporando os temas relacionados a produtos e processos, tais como os princípios

da Química Verde, uso de metais tóxicos, COV’s, Avaliação de Ciclo de Vida, Sustentabilidade,

Nanotecnologia e Produção Mais Limpa.

A partir da década de 1990 registrou-se uma tendência tanto na academia quanto na

indústria em se desenvolver processos tecnológicos utilizando recursos renováveis, principalmente

oriundos da biomassa. Essa busca por tecnologias que substituam as matérias-primas de origem

fóssil está acontecendo em todas as áreas da indústria, de combustíveis a polímeros. Assim, é

possível supor que o mercado de tintas, uma estratégia de ecodesign que substituía gradativamente

as substâncias por outras, menos impactantes.

A grande contribuição da indústria de petroquímica é sem dúvida alguma os polímeros à

base de ácidos acrílicos ou seus derivados acrilatos, conhecidas como Tintas Acrílicas. A grande

vantagem desta classe de tintas é manter as cores originais depois de seca, o que não acontece com

a aquarela ou a têmpera. Além disso, ela apresenta uma durabilidade similar à tinta a óleo, com a

vantagem de ter uma secagem muito mais rápida do que esta última e de usar água como solvente,

sendo de baixa toxicidade.

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Ainda no sentido da busca por formulações de menor impacto ambiental e com menor

índice de toxicidade, é possível encontrar na literatura relatos de contribuições tanto na academia

quanto na indústria visando o desenvolvimento de processos para produção de solventes e

veículos de tintas derivados de biomassa. Um exemplo são tintas para impressão feitas a base de

uma resina produzida por óleos vegetais virgens (Erhan & Bagby, 1991) ou residuais (Panizzi et

al, 2011) a qual já começam a ser usadas na impressão de jornais e revistas. Outro exemplo

promissor está relacionado com projetos de multinacionais para instalação no Brasil de unidades

para produção de acetato de etila, importante solvente na indústria de tintas, e outros insumos a

partir de álcool de cana de açúcar.

Conclusão

Pensar no setor de tintas das artes plásticas diante da sustentabilidade, nos traz um desafio

de envolver diferentes stakeholders e o entendimento de suas respectivas atribuições para o

esverdeamento da cadeia e ainda os respectivos cuidados com a segurança do usuário do produto.

Neste aspecto o pensamento no ciclo de vida nos mostra os ciclos de riscos da atividade e oferece

ao gestor ambiental a oportunidade de inovação e de melhoria da qualidade de seu produto através

da ferramenta do ecodesign - redesenhando a formulação e ingredientes - e da química verde. A

rastreabilidade no setor de materiais utilizados na fabricação das tintas artísticas disponibiliza

aplicações imediatas que beneficiarão tomadas de decisões na comparação de materiais genéricos,

produtos funcionalmente equivalentes, comparação de diferentes opções com relação a processos

objetivando a minimização de impactos ambientais, identificação de ingredientes e respectivos

cuidados para o usuário, fornecimento de informações para rotulagem, técnicas de gestão de

resíduos dentre outros benefícios para o setor.

A falta de informação clara e concisa, tanto para o consumidor final quanto para os outros

sujeitos da cadeia de produção e comércio em questão, leva a utilização ou ainda, aquisição e

manipulação indevida por ambas as partes. O conceito de transparência radical se torna premente

para os produtos da linha de tintas artísticas, podendo oferecer aos usuários subsídios de escolha

ou ainda, informações úteis ao manuseio, descarte e produção, favorecendo o meio ambiente como

um todo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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