Ed. 21 - Perfil Irmaos Campana

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    Ter uma pea dos irmos Campana em casa sinnimo de exclusividade.Ao valorizar o trabalho manual, a dupla cria objetos e mobilirio com ca-ractersticas nicas e em pequena escala. A profisso mais um elo entreos dois, to opostos. Fernando mais alto que Humberto, extrovertido efalante. O irmo seu avesso, introspectivo e o bjetivo. J possvel ver nele

    algumas marcas da idade e o cabelo grisalho no o deixa esconder seus anos,ante do caula Fernando. Em comum eles guardam a sintonia de ideias e ideais.

    Conhecidos internacionalmente, os Campana cresceram em Brotas, no inte-rior de So Paulo. O estdio, que leva o sobrenome da dupla, surgiu h anos.

    Humberto, formado em Direito, criava peas, objetos e mobilirio. Fernando,arquiteto, decidiu trabalhar com o irmo. A primeira exposio aconteceu em e foi batizada de Des-Confortveis, mas no conseguiu repercusso. Depoisde passarem tempos difceis, veio a recompensa. Em participaram de umamostra no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa), com curadoria dePaola Antonelli, que lanou-os para o mundo. Mais do que talento, eles tiveramcoragem. Enquanto o design internacional caminhava para a industrializao, Fer-nando e Humberto seguiram em outra vertente. Resgataram o trabalho artesanal,teceram novas superfcies e valorizaram materiais muitas vezes considerados lixo.

    Por Gabriella de LuccaFotos/Divulgao

    A CORAGEM

    DOS INVENTIVOSIRMOS CAMPANANa contramo do design seriado, Fernando e Humberto Campana apostam no trabalhoautoral e na mistura de tendncias

    P ER FIL

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    Do interior de So Paulo para o mundoA profisso chegou at a gente,

    conta Humberto. Filhos de um enge-nheiro agrnomo e de uma professora,os Campana passaram a infncia e ado-lescncia no interior. A famlia moravaem um casaro com um quintal amplo,cortado por riachos. O av paterno viviaem Ja e tinha uma loja de ferragensbatizada de Irmos Campana. Foi lque Humberto entrou em contato commateriais que serviriam no futuro debase para as criaes da dupla. Aquilo

    me fascinava, lembra-se. A vivncia dacultura caipira misturada com o acesso cultura universal mais erudita deu onorte para seus trabalhos.

    A carreira dos dois comeou de for-ma inesperada. Humberto deixou Bro-tas aos anos e foi para So Paulo estu-dar Direito na Universidade de So Pau-lo. Depois de formado, decidiu largar aprofisso para fazer algo que realmentelhe interessasse. A primeira tentativa deencontrar o caminho certo foram as es-culturas. Comeou a esculpir em palhae bambu, alm de fazer cestas com essesmateriais. Nunca pensei em ser desig-ner, queria ser escultor, admite.

    Fernando chegou capital em ,onde cursou Arquitetura na primeira tur-ma da Faculdade de Belas Artes. Quando

    um perodo de monitoria na Bienal deArtes de So Paulo terminou, em ,decidiu ajudar o irmo a fazer as entre-gas do ateli. Acho engraado porqueno teve nenhum programa. Fui l parafazer entrega da parte de cermica paralojas de presente, preencher nota fiscal ecolar concha em espelhos [risos], conta.Segundo Fernando, at hoje acontece as-

    sim. A gente no programa vamos fazeruma cadeira assim ou assado.

    Entretanto, ainda no era bem issoque eles buscavam. At que Humbertoviajou para a Califrnia, fez um raftinge caiu do bote. Sugado por um rede-moinho, pensou nas espirais da gua etirou dali a inspirao para uma cadeira.Assim nasceu a primeira srie da dupla,Des-Confortveis, composta por cadeirascom encosto em espiral, feitas em ferro o material bruto foi trabalhado de formaa explorar suas imperfeies. As peas

    eram elaboradas sem acabamento, pro-positalmente, para que o processo de en-velhecimento acontecesse naturalmente.

    Sem nenhum apelo comercial,os Campana exibiram a coleo emuma galeria na Vila Madalena, bairroda zona oeste de So Paulo, em .Era um lugar totalmente fora de cir-cuito para a poca. Tudo isso foi acon-tecendo e a gente viu que tinha umacoerncia com o que queramos criar.A carreira de designer veio ao nosso en-contro, mais do que ns a procuramos,comenta Fernando.

    A principal caracterstica da dupla a subverso de formas e materiais.Uma de suas mais famosas criaes, acadeira Vermelha, nasceu de um rolode cordas que Humberto viu em uma

    loja de materiais de construo. Hoje aobra que os projetou para o mundo aointegrar o Salo de Milo de estem exposio no MoMa os irmos soos nicos brasileiros que possuem umaobra no acervo do museu.

    Funcionalidade em segundo planoDo design aos materiais, todas as

    Discutimos e vosurgindo objetos,mas muitas vezes

    o que era paranascer cadeira

    nasce luminria ou

    cresce mesa... Isso que bacana,diz Fernando

    Hoje o design um instrumento de

    comunicao, porqueo objeto ir de uma

    forma mais rpidaque a obra de arte

    entrar na casa dealgum e dialogarcom seus moradores

    P ER FILP ER FIL

    Inspirada nas ocas indgenas, a cabana Shelvingfoi uma das criaes dos Campana a participar do Salo Internacional de Milo em 2010

    A dupla dos Campana esto agora redese-

    nhando o Caf des Hauteurs, do Museu dOrsay,em Paris, com inaugurao prevista para o pr-ximo ano . No Brasil, o caf-bar do Theatro Mu-nicipal de So Paulo est apenas esperando pa-

    trocnio para ser reprojetado pelos irmos. No ms que vem, ser lanado no paso livro Campana Brothers Complete Work (So Far), j publicado na Inglaterra eEstados Unidos, uma compilao de todos os trabalhos de Fernando e Humberto.

    Prximospassos

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    peas tm um ar transformador. Sar-rafos, cordas, bichinhos de pelcia ereciclados trazem novas interpretaespara mveis e objetos. O Humbertotem um hbito de pensar determinadonmero de materiais e comear a traba-lhar. Com isso, discutimos e vo surgin-do objetos, mas muitas vezes o que erapara nascer cadeira, nasce luminria oucresce mesa... Isso que bacana, dizFernando. Primeiro deixamos o mate-rial se revelar, para que depois a gentetenha condies de trabalhar um mvelou uma luminria ou uma escultura,arremata Humberto.

    Segundos eles, todas as criaes sodiscutidas em parceria, mas a forma sempre pensada antes da funo para

    no perder a poesia. Essa maneira depensar conquistou o mercado milans,principalmente as indstrias de mveisEdra e Alessi. Os Campana aprenderammuito com os italianos, que tm um pro-cesso de produo bem definido, em quecada um sabe exatamente a sua funo.

    Com isso, trouxeram ao Brasil oque chamam slow design. Em vez de

    apenas colocar uma mquina e umboto, colocamos dez pessoas traba-lhando. Isso resgata a auto estima demuita gente e valoriza o trabalho,acrescenta Fernando. Em seu estdio,no bairro de Santa Ceclia, o processo realizado com base nesse conceito.Eles consideram uma vantagem, vistoque muitos designers trabalham hojeapenas no computador, o que limita odilogo com as pessoas que participamda execuo da obra. Conversamoscom o tcnico, com o dono da empre-sa ou at com o cara que vai apertaro parafuso, porque a gente sabe comoapertar esse parafuso.

    Made in Brazil

    A br asilidade permeia toda a obrados designers. nas r iquezas das flores-tas brasileiras, nos camels de rua, noscasebres de taipa e nas mais variadasmanifestaes artsticas de nosso pasque a dupla busca inspirao para suascriaes. Nelas, h uma interface entreo design e a arte.

    Eles apontam um problema de iden-

    tidade que a profisso tem no pas. Deum lado, as indstrias deixam de pro-duzir criaes de talentos por acreditarque o teor artstico encarece a pea.Do outro, as galerias e museus abrempouco espao para os objetos utilitrios.Fernando comenta sobre a banalizaodo ofcio: Hoje em dia, muitos desig-ners pensam que essa a profisso damoda. Voc sai, bota uma roupa bonitae uns culos [risos],tem um carro ba-cana e pronto.

    Entre as principais influncias deFernando e Humberto esto os arqui-tetos Lina Bo Bardi e Oscar Niemeyer.A italiana defendia que a arquitetura eo design deveriam beber na cultura bra-sileira, algo que os dois no esquecem

    jamais. Apesar disso, eles reclamamdo imediatismo do pas, que no temo costume de esperar a maturao doprojeto, como acontece na Europa.

    A dupla acredita que a funo do de-sign atingir o maior nmero de pesso-as. Diferentemente das artes plsticas,em h restrio a um tipo de pblico.Hoje acho que um instrumento de

    comunicao tambm, porque o designvai de uma forma muito mais rpidaque uma obra de arte entrar na casade algum e comear a falar e dialo-gar com aquela residncia, com aquelepblico diferente. Voc v, pelas exposi-es e mostras de design, como elas tmmuito mais pblico, afirma Fernando.

    A partir disso, a dupla rompe como dogma da funcionalidade. Durantemuito tempo, o design no pas este-ve enquadrado em moldes alemesde indstria, com forte influncia daBauhaus, o que resultou em um designlimpo, assptico e inspido. Os irmostrouxeram uma nova perspectiva noincio dos anos e hoje esto entreos representantes da vertente que une

    arte e utilidade.

    Moda e arquiteturaAlm de desenhar as conhecid as sa-

    patilhas para a marca Melissa, os Cam-pana se aventuraram pela moda noano passado. Em junho eles lanaramuma edio limitada para a Lacoste, naFrana, com trs tipos de camisas plo.

    A gente pensou na renda e fez umacamisa polo s com o logo do jacar.Voc olha e parece uma renda do Cea-r. Tem certas coisas que at valorizamo processo. Todo mundo que olhavaem Paris dizia nossa, isso parece rendabrasileira, contam. Todo o processofoi manual, as camisas foram costura-das uma a uma com o famoso logo damarca.

    De a , reprojetaramum hotel em Atenas. Criaram umworkshop com estudantes de arquite-tura da Grcia, para eles modificaremos mveis. Para preservar as caracters-ticas antigas do imvel, a dupla tentouno jogar nada fora. O dono do hotelqueria que o projeto fosse direcionado

    mais para o emocional. A gente queriaum hotel mais ecolgico, mas tivemosque mudar a proposta. Usamos plsti-co, por exigncia do cliente, lamentaHumberto.

    H anos, os irmos participaramdo tradicional Salo Internacional deMilo, na Itlia, considerado o maisimportante do segmento. A edio de

    aconteceu de a de abril. Umadas criaes apresentadas por eles foi acabana Shelving, misto de cabana in-dgena com uma estante de prateleirasarredondadas, organizada em torno deuma coluna central. A estrutura feitaem alumnio e a cabeleira pendurada composta por rfia prova de fogo. Oproduto foi desenhado para a marca demveis Edra.

    Na Maison Venini, localizada na ruaMontenapoleone, os Campana apre-sentaram uma linha de vasos e lustreschamada Esperana. As peas de vidrocolorido remetem a um estilo pop dedesign elegante e lembram as bonecasde barro do artesanato nordestino.

    Outras peas exclusivas, de fabri-

    cantes do mundo todo, tambm par-ticiparam da mostra. Entre as marcasque apresentaram objetos de Fernandoe Humberto esto a casa deo Champa-nhe Veuve Clicquot, alm das movelei-ras Rossana Orlandi, Nodus e Cosenti-no. De acordo com Humberto, esta foia edio em que eles apresentaram omaior nmero de novidades.

    A mesa Cotto, feita em terracota, foi lanada no ms passado em Milo pela Edra junto com as luminrias-escultura O sof Sushi inspirado no tradicional prato da culinria japonesa; a pea tambm remete as favelas, onde colches so feitos com todo o tipo de tecido

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