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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA QUANDO A MÍDIA VIRA ESCÂNDALO: A COBERTURA DOS CASOS ALCENI GUERRA E IBSEN PINHEIRO (1991-1993) MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS SÃO PAULO 2013

EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS

EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA

QUANDO A MÍDIA VIRA ESCÂNDALO: A COBERTURA DOS CASOS ALCENI

GUERRA E IBSEN PINHEIRO (1991-1993)

MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

SÃO PAULO

2013

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EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGANCIA

QUANDO A MÍDIA VIRA ESCÂNDALO: A COBERTURA DOS CASOS ALCENI

GUERRA E IBSEN PINHEIRO (1991-1993)

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo,

como exigência para obtenção do grau de Mestre em

Ciências Sociais.

Orientadora: Profª. Vera Chaia

SÃO PAULO

2013

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3

Banca Examinadora

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4

AGRADECIMENTOS

Para desenvolver essa dissertação foi necessário um importante trabalho de pesquisa.

Desta forma não poderia deixar de fazer agradecimentos a quem contribuiu para que esse

trabalho fosse concluído. Começo pelos funcionários da Biblioteca do Centro Cultural de São

Paulo que disponibilizaram cópias das Revistas Veja e IstoÉ. Ao Arquivo do Estado. Foi por

meio deste órgão que todas as fotocópias dos Jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.

Paulo, sobre os casos Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro, foram adquiridas.

É importante também fazer agradecimento especial ao Arquivo da Câmara Federal, em

Brasília, que encaminhou por e-mail as páginas microfilmadas do Jornal Correio Braziliense.

A Capes pela bolsa de estudos e à PUC-SP por acreditar neste trabalho.

Considerando esta dissertação de mestrado como resultado de uma caminhada

importante em minha carreira acadêmica, agradeço, particularmente, minha orientadora

professora-doutora Vera Chaia - mulher de muita paciência - pela direta contribuição na

construção deste trabalho, os professores Carlos Melo e Carmen Junqueira pelas observações

feitas no exame de qualificação e que foram seguidas por este “escudeiro” no decorrer da

pesquisa.

Tenho de reconhecer também o apoio e incentivo de minha esposa, a experiente e

competente jornalista, Cristina Gomes, pela compreensão nos momentos em que tive de me

dedicar aos estudos, enquanto ela cuidava de nossos filhos Sofia e Tomas. Ao meu pai

Samuel de Souza Elegância (in memoriam), grande incentivador da carreira acadêmica, e a

minha mãe Francisca de Fátima Leite Elegância. Não poderia deixar de agradecer a jornalista

Gabriele Doro que me ajudou na revisão do texto. Estou muito agradecido a todos.

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RESUMO

Esta dissertação tem como objeto de estudo a cobertura dos jornais impressos Correio

Braziliense, Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, além da Revista Veja, sobre os

escândalos políticos ocorridos no início da década de 1990. O primeiro, em 1991, contra o

então ministro da Saúde, Alceni Guerra, na gestão do presidente Fernando Collor e o segundo

contra o deputado federal Ibsen Pinheiro, em 1993.

O trabalho busca verificar o comportamento destes meios de comunicação e qual a

tendência nas coberturas. Nesses episódios, os políticos em questão levaram, por parte da

imprensa, a classificação de corruptos e tiveram suas reputações abaladas.

Palavras-chave: grande imprensa, escândalo, manipulação e política.

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ABSTRACT

This dissertation has as object of study the coverage of printed newspapers Correio

Braziliense, Folha de S. Paulo and O Estado de S. Paulo, Veja magazine, about the political

scandals that occurred in the early 1990. The first, in 1991, against the then Health Minister,

Alceni Guerra, managing President Fernando Collor and the second against the federal

representative Ibsen Pinheiro, in 1993.

The work seeks to verify the behavior of these media and what the trend in toppings.

In these episodes, the politicians in question carried by the press the corrupt rating and had

their reputations shattered.

Keywords: mainstream press, scandal, manipulation and politic.

Page 7: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

7

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS .............................................................................................................4

RESUMO ..................................................................................................................................5

ABSTRACT...............................................................................................................................6

1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................10

1.1. BUSCA PELA IMPARCIALIDADE................................................................................13

1.2 .IMPERFEIÇÕES HISTÓRICAS.......................................................................................14

1.3. ASSIS CHATEAUBRIAND.............................................................................................16

1.4. PASQUINS........................................................................................................................18

1.5. A MÍDIA COMO APARELHO PRIVADO DE HEGEMONIA......................................24

1.6. OBJETOS DA ANÁLISE..................................................................................................26

2. ESTRUTURA METODOLÓGICA...................................................................................27

2.1 JUSTIFICATIVA PARA A ESCOLHA DAS FONTES ..................................................30

2.2. QUEM É QUEM NAS FONTES ESCOLHIDAS ........................................................... 33

2.3. PERÍODO DOS RECORTES........................................................................................... 36

3. DEFINIÇÃO DE ESCÂNDALO NA PERSPECTIVA DE JONH B.

THOMPSON...........................................................................................................................37

CAPÍTULO 1 – PERÍODO HISTÓRICO DOS ESCÂNDALOS......................................44

1.1. GOVERNO COLLOR E A CRISE POLÍTICA................................................................44

1.2. LUIS COSTA PINTO........................................................................................................54

CAPÍTULO 2 – CASO ALCENI GUERRA.........................................................................56

2.1. ALCENI GUERRA E O SONHO DE SER MINISTRO..................................................56

2.2. A SUPOSTA COMPRA SUPERFATURADA DE BICICLETAS POR ALCENI

GUERRA .................................................................................................................................57

2.3. FATOS POLÍTICOS E O PAPEL EXERCIDO PELA MÍDIA........................................64

2.4. APELIDOS, CHARGES E FOTOS...................................................................................67

Page 8: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

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2.5. SEM MEDO DE ACUSAR, A PROFECIA DA NOTÍCIA .............................................70

2.6. VEJA „EMBARCA‟ NAS ACUSAÇÕES DO CORREIO ..............................................72

2.7. COBERTURA MAIS MODERADA DO ESTADÃO, MAS NÃO MENOS

PREJUDICIAL ........................................................................................................................77

2.8. POR QUE A FOLHA NÃO POUPOU O MINISTRO DE COLLOR? ...........................82

2.9. AS REPORTAGENS ACUSATÓRIAS ...........................................................................86

2.10. A IMPRENSA FECHA OS OLHOS PARA AS EXPLICAÇÕES DE ALCENI

...................................................................................................................................................93

CAPÍTULO 3 – CASO IBSEN PINHEIRO ........................................................................96

3.1. IBSEN PINHEIRO E A MÁFIA DOS ANÕES DO ORÇAMENTO ..............................96

3.2. IBSEN: REVISTA VEJA .................................................................................................98

3.3. A VIDA „ESPARTANA‟ DE IBSEN .............................................................................105

3.4. IBSEN TEM POUCO ESPAÇO NA MÍDIA..................................................................107

3.5. CPI DO ORÇAMENTO VIRA A CPI DO IBSEN ........................................................108

3.6. A DESCOBERTA DE UM ERRO: A IMPRENSA „VIRA‟ ESCÂNDALO POLÍTICO

.................................................................................................................................................108

3.6.1. CINEMA ......................................................................................................................111

3.7. DENÚNCIAS QUE SE ENFRAQUECEM ....................................................................113

3.8. QUEM REPRESENTA A OPINIÃO PÚBLICA? .........................................................117

3.9. O TROFÉU DE „CORRUPTOLOGIA‟ .........................................................................119

3.10. A CASSAÇÃO DE IBSEN, TROFÉU DA MÍDIA......................................................120

3.11. A VERDADE APARECE 11 ANOS DEPOIS .............................................................120

3.12. PEDIDO DE DESCULPAS. MAS, TARDE... .............................................................122

3.13. UMA CARTA REVELADORA ...................................................................................124

3.14. DISPUTA EDITORIAL ENTRE AS REVISTAS........................................................133

3.15. PARA VEJA, ERRO NÃO FOI PROPOSITAL. FOI VIRTUDE DE CHECAGEM

RIGOROSA ...........................................................................................................................135

3.16. JORNALISTA CASSADO E CONDENADO ............................................................136

3.17. O QUE FALARAM ESTADÃO, FOLHA E CORREIO SOBRE IBSEN ...................139

3.18. A COBERTURA DO ESTADÃO CONTRA „OURIBSEN‟ .......................................141

3.19. A COBERTURA DA FOLHA NO CASO IBSEN PINHEIRO ...................................147

3.20. A COBERTURA DO CORREIO BRAZILIENSE NO CASO IBSEN

PINHEIRO..............................................................................................................................151

Page 9: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

9

3.21. NA COBERTURA DO CORREIO, CASO SAI DA ESFERA POLÍTICA PARA A

POLICIAL..............................................................................................................................158

3.22. A POLÍTICA É INSTÁVEL E SEMPRE TRÁGICA ..................................................161

CAPÍTULO 4 – “AGENDA OCULTA”: COMPORTAMENTO DA MÍDIA E AS

ALTERNATIVAS DE CONTROLE DEMOCRÁTICO..................................................165

4.1. CONSELHOS DE ÉTICA E 0800...................................................................................165

4.2. ACCOUNTABILITY PARA OS ÓRGÃOS DE IMPRENSA .......................................168

4.3. LIBERDADE DE IMPRENSA NÃO É LIBERDADE DA IMPRENSA ......................170

4.4. A IMPRENSA DE „RABO PRESO‟ COM QUEM? .....................................................173

4.5. A IMPRENSA ALTERNATIVA ...................................................................................173

4.6. A NECESSIDADE DE DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA .........................................177

4.7. A NECESSIDADE DE MUDAR TODO O SISTEMA .................................................181

4.8. SUGESTÕES DE DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA .................................................182

4.9. DIPLOMA E LEI DE IMPRENSA ................................................................................184

4.10. PORQUE REGULAMENTAR A MÍDIA? FATOS POLÍTICOS QUE ENVOLVEM A

IMPRENSA TRANSFORMANDO-A EM ESCÂNDALO POLÍTICO................................184

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................193

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................198

Page 10: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

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1. INTRODUÇÃO

―O que o povo quer, esta casa acaba querendo‖. Esta foi a ‗célebre‘ frase pronunciada

por Ibsen Pinheiro, deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados, em 1992.

Referia-se à abertura do processo de cassação contra o então presidente Fernando Collor de

Mello. Eleito em dezembro de 1989, Collor de Mello obteve cerca de 35 milhões de votos.

Era o primeiro presidente a conquistar o voto popular, com base na Constituição

democrática de 1988. Havia quase trinta anos que o eleitorado brasileiro elegera diretamente o

seu presidente pela última vez, em 1960. Parecia, enfim, efetivada a demanda central da

campanha Diretas Já e do movimento pela democratização do País.

Mas, em maio de 1992, Collor foi acusado por seu irmão Pedro Collor de associação

em esquema de corrupção gerenciado pelo tesoureiro de sua campanha eleitoral. Em seguida,

formou-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Em setembro daquele mesmo ano,

a Câmara dos Deputados autorizou, por ampla maioria, a abertura do processo de

impeachment em meio a uma onda de manifestações populares que demandavam do

Congresso. Foi diante de todo esse contexto que Ibsen pronunciou a frase acima.

Não seria tarefa fácil comandar um processo de cassação contra um presidente eleito

por voto democrático com qualidades e circunstâncias que o levaram ao posto mais alto do

País. Para Carlos Melo, autor do livro ―Collor – O Ator e Suas Circunstâncias‖, Collor tinha

um perfeito sentido do timing jornalístico e, portanto, político1.

Melo lembra também que Collor possuía habilidade de comunicação com o povo, ―o

tino para se apropriar do discurso da modernidade econômica‖ – que pedia há tempos por um

líder que o encampasse - e aquilo que o pensador florentino Maquiavel chamava de fortuna ou

simplesmente sorte.

Ele chama de ―Fenômeno Collor‖, o processo que levou Fernando Collor de Mello à

Presidência da República e ao impeachment. ―A trajetória meteórica e o balanço do processo

de transformações que promoveu têm dado ao ex-presidente aura de fenômeno particular e

excentricidade política‖2.

1 Jornal O Estado de S. Paulo, edição 29 de setembro de 2012.

2 MELO, Carlos Alberto Furtado de. Collor: O ator e suas circunstâncias. São Paulo: Editora Novo Conceito,

2007, p. 5.

Page 11: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

11

A explicação deste fenômeno é feita por Melo em sete capítulos de seu livro. No

primeiro, por exemplo, trata da questão do ―populismo‖ 3 exercido por Collor.

Para ele, a retórica populista e o aproveitamento das brechas do sistema político, de

modo a permitir a expressão de personalismos, voltam à cena com frequência.

O discurso anunciando soluções mágicas vinculadas à vontade política exclusiva do

governante – desvinculado da negociação e do acerto de contas entre os diferentes

interesses da sociedade – permanece ainda hoje. Mesmo a aparente sensação de

confronto com a elite é recorrente nos arroubos da retórica populista. Salvadores da

Pátria surgem afirmando que resolverão problemas com ―uma única bala‖, como

―um ippon‖, expulsando ―a corja que vilipendia o povo e o País‖, como se expressou

Fernando Collor em várias oportunidades. A vinculação do populismo à demagogia

não está incorreta. O fenômeno, porém, é mais complexo4.

E mais: Melo, em seu livro, afirma que

a ascensão de Fernando Collor à Presidência da República do Brasil foi resultado de

uma rara habilidade em compreender e aproveitar as circunstâncias gerais do País e

do mundo com a capacidade de enfrentar os desafios com que o ator político

normalmente se depara. Sua queda pode ser entendida como a falta da exata

compreensão sobre o modo e as características do funcionamento do sistema político

do Brasil, onde apenas os milhões de votos e a popularidade conquistada na eleição

– e na empolgação dos primeiros meses de mandato – não bastam. Esta habilidade

para o jogo eleitoral e esta falta de compreensão das regras do poder, simultâneas,

podem ser melhor avaliadas na análise da biografia do ator.5

Por toda a importância política da presidência de Fernando Collor, Ibsen Pinheiro teve

seu momento de glória ao presidir a sessão da Câmara dos Deputados que aprovou o

impeachment do ex-presidente, em 28 de agosto de 1992. Além disso, teve ampla exposição

na mídia.

O parlamentar do PMDB gaúcho, também jornalista e promotor aposentado, era tido

como reserva moral do Legislativo. Seu nome chegou a ser cogitado como potencial

candidato à Presidência da República nas eleições de 1994.

Mas, em setembro de 1993, a Revista Veja revelou um escândalo político que ficou

conhecido como "Máfia dos Anões do Orçamento" - congressistas se envolveram em fraudes

com recursos do Orçamento da União até serem descobertos e investigados.

3 O próprio autor diz que o conceito é controverso. Diz que há muita confusão a esse respeito. Afirma ainda que

o termo tem sido utilizado também como categoria científica nas ciências sociais, também como uma forma de

desqualificação de adversários nas disputas políticas. Além disso, afirma o autor, tem servido para designar

práticas de governo consideradas pouco responsáveis do ponto de vista da saúde das finanças públicas e do zelo

orçamentário. Mas, Melo esclarece que um político populista não significa, necessariamente, um governante

populista. 4 MELO, 2007, p. 30.

5 Ibid., p. 91.

Page 12: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

12

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instalada na Câmara e, depois de

dois meses de trabalho, as investigações associaram o nome de Ibsen Pinheiro. Uma foto do

presidente da Câmara em companhia de alguns dos "anões" investigados, considerada prova

de crime de formação de quadrilha, e uma movimentação financeira de mil dólares

transformou-se em uma megaoperação de 1 milhão de dólares. Descobriu-se depois que essa

contabilidade estava equivocada. Comprovou-se, muito mais tarde, que Ibsen era inocente.

Em 11 de novembro de 1993, a manchete de capa da Veja ―Até tu, Ibsen?" sustentava

as acusações. No ano seguinte, o deputado teve seu mandato cassado pela Câmara.

Terminava, pelo menos naquele momento, a imagem de ‗homem público honesto‘ que

acompanhava o deputado. Era mais um caso de escândalo político, no início dos anos de

1990, em pleno governo Collor.

Mas, esse não foi o único. Aliás, o primeiro aconteceu dois anos antes. Alceni Guerra

foi deputado federal e ministro da Saúde durante o governo Collor. Teve sua vida marcada

pelo ―escândalo das bicicletas‖. O motivo: teria comprado 500 bicicletas e muitos guarda-

chuvas que seriam distribuídos aos agentes de saúde em campanha contra a dengue no

nordeste. Foi o suficiente para ser acusado de superfaturamento na compra das bicicletas.

Reportagens e charges serviram para ridicularizá-lo e forçando-o para que pedisse demissão.

Na época, em 1991, o procurador-geral da República, Aristides Junqueira, refez as

investigações e informou ao ministro que nada foi encontrado que caracterizasse corrupção.

Guerra foi inocentado e voltou para a política, mas não conseguiu se recuperar dos danos

morais causados pelas notícias.

Os jornais Correio Braziliense, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, além da

Revista Veja, exploraram os escândalos nos seus noticiários. Aliás, Vera Chaia afirma que

―uma das características da comunicação midiática é a possibilidade de divulgar e de

circular informações referentes a um determinado escândalo numa esfera que

transcende o tempo e o espaço da sua ocorrência‖. O escândalo pode se espalhar

rapidamente e de maneira incontrolável, sendo difícil reverter o processo, tanto que

uma das consequências imediatas do escândalo político é o prejuízo que traz à

reputação dos indivíduos envolvidos, portanto esse é um risco que sempre está

presente quando um escândalo irrompe. Thompson considera que a reputação possui

um 'symbolic power', pois é um recurso que os indivíduos podem acumular, cultivar

e proteger6.

6 CHAIA, Vera; TEIXEIRA, Marco Antônio. Democracia e escândalos Políticos. Revista São Paulo em

Perspectiva. vol.15, nº.4. São Paulo: Fundação Seade, outubro - dezembro de 2001.

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Ibsen Pinheiro e Alceni Guerra foram injustiçados pela grande imprensa? Ou a mídia apenas

teve seu papel central: o de informar.

Esse interesse foi demonstrado na divulgação dos dois episódios, com os órgãos de

imprensa em questão, utilizando todas as suas ferramentas de divulgação: títulos-manchetes,

charges, chamadas de capa, etc. Ibsen e Alceni vão dizer no decorrer deste trabalho que o

comportamento da mídia foi exagerado e parcial. O certo é que, mesmo tarde, uma parte dos

meios de comunicação reconheceu, sobretudo, a Revista Veja, que houve ‗erro‘, um certo

exagero (essa „confissão‟ será vista no decorrer desse trabalho), mas nenhum veículo

acredita na suposta parcialidade nas coberturas.

1.1. Busca pela imparcialidade

A imparcialidade é perseguida por todas as principais publicações. Esse princípio

clássico do jornalismo tem como pressuposto o poder da verdade, dos fatos para esclarecer os

cidadãos, conforme Moretzsohn7.

No Brasil, nenhum jornal tem seu posicionamento ―político-partidário‖ declarado. É

em torno da suposta imparcialidade que se busca construir as coberturas jornalísticas.

A tese de mestrado ―A cobertura da Revista Veja no primeiro mandato do presidente

Lula‖ de Fábio Jammal Makhoul é importante para entender um pouco do posicionamento da

mídia. Ele diz que com a profissionalização dos jornalistas, ao longo dos séculos XIX e XX,

foram estabelecidos valores como a objetividade, a independência, a verdade, além de normas

que constroem os contornos de representações profissionais bem definidos do ―bom‖ ou

―mau‖ jornalista.

Makhoul utiliza o pensamento de Nelson Traquina para dizer que a ideologia

jornalística e a sociedade forneceram igualmente o ethos - que define membros da

comunidade jornalística - que o papel social é de informar os cidadãos e proteger a sociedade

de eventuais abusos de poder, ou seja, ser um contrapoder8.

7 MORETZSOHN, Sylvia. A velocidade como fetiche – o discurso jornalístico na era do "tempo real". Trabalho

de Mestrado. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2000. 8 MAKHOUL, Fábio Jammal. A cobertura da Revista Veja no primeiro mandato do presidente Lula. Trabalho

de Mestrado em Ciências Sociais (Política). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica - PUC, 2009.

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14

Mas, para Juremir Machado Silva, ―o pensamento do jornalista é humano e funciona a

partir de uma bagagem cultural e ideológica‖9. Ele diz que isenção nada mais é do que ―o

nome que se dá a opinião que recebe o apoio de um grupo em condição de fazer valer as suas

ideias em determinada situação‖10

. Assim, se Ibsen e Alceni vão reclamar da parcialidade da

mídia é possível entender que ―abusos‖ ocorram nas coberturas.

1.2. Imperfeições históricas

As ‗imperfeições‘ da mídia são históricas. A imprensa brasileira, segundo Nelson

Sodré, ―nasceu com o capitalismo e acompanhou o seu desenvolvimento‖11

. Ele, de antemão,

revela um enquadramento materialista à história da imprensa.

Para Sodré, a infraestrutura capitalista determinou e condicionou a gênese e evolução

dos jornais, no Brasil. Ele revela que o surgimento e o desenvolvimento da imprensa

resultaram da ―necessidade social‖ da burguesia mercantil em possuir dispositivos técnicos de

disseminação ideológica, crescentemente potentes e aprimorados, que facultassem a sua

―ascensão‖ à categoria de classe dominante e a prevalência indefinida do seu domínio12

.

Para Jorge Pedro Sousa, em ―As histórias da imprensa de Nelson Werneck Sodré e de

José Manuel Tangarrinha: uma comparação‖13

, o próprio conceito de liberdade de imprensa é

encarado por Sodré14

como um conceito burguês surgido para subtrair ao Estado e à

aristocracia, em benefício da burguesia mercantil, o controle sobre a imprensa, em um

contexto de luta de classes.

O livro de Sodré é dividido em seis capítulos - dedicados à imprensa colonial, à

imprensa da independência, ao pasquim, à imprensa, no Império, à grande imprensa e à crise

da imprensa - onde é possível verificar a imprensa de ontem e de hoje. Ele revela, por

exemplo, que a Independência do Brasil trouxe ao invés da liberdade de imprensa, a

continuação da censura e da repressão. ―É na medida em que compreendem a necessidade de

9 SILVA, Juremir Machado. A miséria do Jornalismo Brasileiro: as (in) certezas da mídia. Petrópolis: Vozes,

2000, p.24. 10

Silva, 2000, p.35. 11

SODRÉ, Nelson Werneck. A história da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. X. 12

Ibid, p. 2-3, 5-6 et passim. 13

SOUSA, Jorge Pedro. As histórias da imprensa de Nelson Werneck Sodré e José Manuel Tangarrinha: uma

comparação. Trabalho baseado numa comunicação ao XXXIII Congresso Brasileiro de Ciências da

Comunicação, Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2011. 14

SODRÉ, op. cit., p. 2.

Page 15: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

15

limitar a Independência que os representantes da classe dominante colonial opõem restrições à

liberdade de imprensa‖15

.

Em um dos capítulos do livro, Sodré fala dos pasquins. A situação política pós-

Independência vivia uma certa turbulência. São criticadas as reações conservadoras e os

subsequentes atentados contra a liberdade de imprensa. Aliás, o autor sugere que a própria

abdicação de D. Pedro I resultou mais da ―separação entre o imperador e largas camadas da

população‖16

do que de uma necessidade de regressar a Portugal para resolver os problemas

criados pelo seu irmão, D. Miguel, que tinha instituído um regime absolutista e despótico e

destronado a rainha legítima, Dona Maria, filha de D. Pedro.

De acordo com Jorge Pedro Sousa, são os períodos de avanço liberal que, segundo

Sodré, permitiram o surgimento do pasquim, ―imprensa peculiar, cujos traços de grandeza e

autenticidade são normalmente apresentados como impuros‖17

.

Sousa lembra que o autor realça o papel de periódicos doutrinários já anteriormente

referidos, como o Revérbero ou o Malagueta, mas também o surgimento de novos jornais

combativos, um pouco por todo o Brasil, como o Aurora Fluminense (1827), de Evaristo da

Veiga e José Apolinário, O Compilador Mineiro (1823), A Sentinela de Serro (1830), O Farol

Paulistano (1827) e O Observador Constitucional (1829).

É lembrado também por Sousa que formalmente os jornais panfletários de

periodicidade incerta tinham poucas páginas e viviam, principalmente, de artigos.

No quinto capítulo de seu livro, Sodré, por sua vez, fala sobre a ―grande imprensa‖, ou

imprensa industrial de massas, que surgiu no Brasil já no período republicano, se

beneficiando da revolução tecnológica (rotativas, zincografia, telefone, telégrafo,

fotografia...), do clima econômico e da ascensão da burguesia comercial e mercantil.

A imprensa industrial brasileira foi, porém, em vários casos, mais um produto da

reconversão de jornais existentes do que de novos projetos. Aliás, na primeira fase

da República, de acordo com Sodré, não surgiram muitos jornais novos. Só em 1891

apareceria o Jornal do Brasil, ―montado como uma empresa, com estrutura sólida.

Vinha para durar‖18

.

A imprensa da época também refletiu as tensões e o combate político.

Surgiu também o folhetinismo, aliás, não foi alheio à valorização dos escritores de

jornal. O próprio anúncio publicitário evoluiu e tornou-se mais literário, graças à colaboração

15

SODRÉ, 1999, p. 42 e p. 45. 16

Ibid., p. 86. 17

SOUSA, 2011, p. 85. 18

SODRÉ, op. cit., p. 257.

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16

de escritores famosos, ou até mais persuasivo, devido ao recurso aos testemunhos de

personalidades famosas que apregoavam as virtudes de um produto ou serviço.

As agências publicitárias fariam, aliás, na mesma época, a sua estreia no Brasil. No

entanto, a mistura entre jornalismo e literatura também teve consequências menos agradáveis.

―O noticiário era redigido de forma difícil, empolada‖19

.

Gradualmente, a grande imprensa tornou-se menos literária20

, até porque surgiu uma

imprensa especificamente literária, apesar dos folhetins, que eram uma mais-valia para os

periódicos generalistas se manterem em lugar de destaque nas páginas dos grandes jornais21

.

Ainda assim, conforme revela Sodré22

, jornalistas escritores como Lima Barreto ou mesmo

Monteiro Lobato (este de forma esporádica) e políticos jornalistas como Rui Barbosa, ao

mesmo tempo em que faziam análises e opinavam nas páginas dos jornais, sobre política

nacional, mas também sobre a situação internacional – por exemplo, sobre a I Guerra Mundial

– tinham liberdade para dotar os seus textos de elevação estilística.

De acordo com Sodré23

, na década de 20, o jornalismo brasileiro já era decididamente

um negócio industrial e a imprensa artesanal não era mais do que um arcaísmo. Mas isso não

evitou que, por vezes, a imprensa industrial não tivesse lançado sobre si mesma o opróbrio de

dar voz às campanhas difamatórias de determinados políticos, como a que afetou aquele que

viria ser o Presidente Artur Bernardes quando era candidato, devido à publicação de cartas

falsas por alguns jornais.

Aliás, embora industriais, vários dos grandes jornais tornaram-se vozes partidárias,

quase repetindo uma situação comum na fase da imprensa artesanal, pelo que, devido à

inconstância da turbulenta situação política, aos golpes e contragolpes, e mesmo às revoltas

militares, não raras vezes tornaram-se vítimas de censura, de julgamentos arbitrários por

abuso de liberdade de imprensa, de proibições de circulação, de ataques às instalações e de

variadíssimos outros constrangimentos.

1.3. Assis Chateaubriand

19

SODRÉ, 1999, p. 283. 20

Ibid., p. 323. 21

Ibid., 288-305. 22

Ibid., p. 341-342. 23

Ibid., p. 355-389.

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17

Entra também em cena outro personagem fundamental para a imprensa brasileira –

Assis Chateaubriand. Em 1924, com o controle de O Jornal, Chateaubriand começou a

construir aquele que viria a ser o maior grupo de comunicação do Brasil: Os Diários

Associados, também responsável pela introdução da televisão no País. O grupo reuniu

periódicos como o Diário de Pernambuco, o Jornal do Comércio e o Diário da Noite.

Controverso, inimigo de personagens como Rui Barbosa, acusado de chantagear

empresas para obter publicidade para os seus jornais, Chateaubriand também manteve,

segundo Sodré24

, uma polêmica, mas lucrativa, amizade com o presidente Getúlio Vargas, que

transbordou, aliás, para as páginas dos seus jornais, em benefício mútuo.

Chateaubriand é considerado o magnata das comunicações como o personagem Kane

do filme ―Citizen Kane‖. O filme do diretor e ator norte-americano Orson Wells (1941) foi

baseado em fatos reais, pois conta a vida do magnata norte-americano da comunicação

Willian Randolph Hearst, herdeiro de um grande jornal.

Ele foi comandante das comunicações no período de trinta anos (1930 a 1960). Em

1950, Chateaubriand inaugurou a primeira emissora de TV intitulada TV Tupi. Na política,

foi senador da República num período de cinco anos, homem que causou muita emoção, tanto

negativa como positiva, foi, portanto, amado e odiado. É também responsável pela fundação

do Museu de Arte de São Paulo, o Masp (1947) da Avenida Paulista.

A concentração, segundo Sodré25

, dá aos conglomerados mediáticos um grande poder,

mal usado: a época é das grandes corporações que manipulam a opinião, conduzem as

preferências, mobilizam os sentimentos. Campanhas gigantescas, preparadas

meticulosamente, arrasam reputações, impõem notoriedades, derrubam governos.

No livro de Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca ―História da Imprensa no

Brasil‖, Chateaubriand é lembrando também como o jornalista que chantageava empresários

para conseguir anúncios.

Fernando Moraes conta em seu livro ―Chatô, o Rei do Brasil‖, histórias envolvendo as

táticas de Chatô para conseguir anúncios e transpor os limites entre o Clero e o Estado, jargão

jornalístico para atingir a fronteira entre o editorial e o publicitário.

Num Brasil pré-isqueiro Bic, Chateaubriand, ao notar que os fabricantes de fósforos

não anunciavam nos Associados, mandou comprar várias caixas do produto e

obrigou a redação, do editor à telefonista, a contar os palitos das caixas que

anunciavam conter 50. Constatado que só havia 45, começou a calcular o rombo que

os fabricantes causavam ao bolso do consumidor, anunciando em manchete de

24

SODRÉ, 1999, p. 393. 25

Ibid., p. 388-389.

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18

primeira página: ―Fósforos sobem de 20 para 30 centavos‖. Prosseguiu com as

reportagens. Comparou que os fósforos subtraídos ao povo pelos fabricantes dariam

quatro voltas na Terra26

.

1.4. Pasquins

Tese de mestrado, de autoria de Rodrigo Cardoso Soares de Araújo, cujo título

―Pasquins: submundo da imprensa na Corte Imperial (1880 – 1883)‖27

, traz contribuição

sobre a história da imprensa, principalmente dos pasquins.

Já o estudo produzido por Leandro Marlon Barbosa Assis28

mostra a tendência dos

meios de comunicação em que ele conta episódios sofridos por D. Pedro I no século XIX.

Em sua tese ―O papel da imprensa na formação do ideário republicano‖ (1808-1889),

ele diz que nos finais dos anos de 1820 elevaram-se o número de periódicos (jornais) contra a

figura imperial de D. Pedro I.

Leandro Marlon e afirma que assumir uma opinião favorável pela defesa da República

era um tanto quanto complicado, visto que, era um crime previsto pelo Código Criminal, de

1830, e também pelo Código de Processo, de 183229

.

Percebe-se então, como forma de fugir da legislação que perseguia os defensores do

ideário republicano, a transcrição de artigos de outros períodos e o mais comum: o uso de

vocábulos ambíguos durante o período imperial – o que pode ser visto claramente com o

jornal O Repúblico que será tratado posteriormente.

Durante o Segundo Reinado de um modo específico, sendo potencializada pela doença

de D. Pedro II, multiplicavam-se charges e caricaturas que divulgavam o estado doentio do

imperador e as notícias de seu possível comportamento em reuniões. Segundo Assis, essa

nova forma de apresentação periódica fazia com que um maior número de pessoas tivesse

contato com os jornais, tirando, assim, o caráter sacro da figura real.

26

MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina (org.). A História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto,

2008. , p. 183. 27

ARAÚJO, Rodrigo Cardoso Soares de. Pasquins: submundo da imprensa na Corte Imperial (1880 – 1883).

Trabalho de Mestrado em História, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Rio de Janeiro: Universidade

Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 2009. 28

ASSIS, Leandro Marlon Barbosa. O papel da imprensa na formação do ideário republicano (1808-1889). CA

História – Caderno Acadêmico de História. Revista Discente de História. 2011. Vol. II, nº 2. 29

Interessante é notar o que diz a lei de 20 de setembro de 1830 sobre a ―liberdade da imprensa‖. ―Abusam do

direito de comunicar os seus pensamentos os que por impresso de qualquer natureza emitirem: 1°. Ataques

dirigidos a destruir o Sistema Monárquico Representativo, abraçado e jurado pela Nação e seu Chefe. 2°.

Provocações dirigidas a excitar rebelião contra a Pessoa do Imperador e seus direitos ao Trono (Coleção de leis

do Império do Brasil, 1830)‖.

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―Houve uma maior aproximação com uma linguagem cientificista, que levava a ideia

de República para o campo do progresso e do futuro. Porém, tamanhos avanços se deram por

uma reestruturação de todo o vocabulário, pensamento e tradição liberal‖30

. Assis

complementa o pensamento de Melo. ―Isso faz com que o espaço público possa puxar para si

essas ‗questões‘ políticas, onde o principal agente é o povo, perdendo um pouco sua

importância na década de 1880‖31

.

A dissertação de mestrado ―Pasquins: submundo da imprensa na Corte Imperial (1880

– 1883)‖ traz uma importante contribuição sobre o tema deste capítulo: mostrar as velhas

práticas da imprensa que não são de agora. Existem, no Brasil, desde a época do Império.

É um estudo aprofundado sobre os pasquins32

– os periódicos que difamavam. O termo

ainda pode ser empregado a alguma tipo de sátira. Assim, os pasquins ‗usaram e abusaram‘

das notícias tendenciosas na época imperial. Evidentemente, que aqui não se entra no mérito

sobre a inocência ou não da família real nos episódios.

O trabalho aponta que o grupo de periódicos classificados como pasquins, em

princípios da década de 1880, obviamente compartilhava semelhanças. O programa desses

periódicos – ainda que muitas vezes acabasse não sendo seguido, ou o fosse apenas de forma

parcial e deformada – enunciava o intuito de se combater os ―vícios‖ políticos e morais da

sociedade. Segundo ele, o alvo deles era bem variado; combatiam-se desde ―problemas‖

sociais como o jogo, a prostituição e similares perturbações públicas, até a política do governo

e de seus agentes.

Atuando na esfera pública esses pasquins invadiam a esfera privada, expondo

aspectos ou acontecimentos negativos da vida de indivíduos. Os pasquins não

poupavam ninguém de ofensas e exposições ao ridículo, mesmo D. Pedro II, o

Presidente do Conselho de Ministros, os ministros e o Chefe de Polícia da Corte –

todos eram atacados com vigor. Apresentavam a seus leitores uma linguagem

diferente da utilizada pelo resto da imprensa da época e carregada de ironia e sátira.

Eram publicados num pequeno formato com quatro páginas, sendo vendidos a 40

réis. Ainda que tivessem objetivos diferentes, a forma de atuação pouco variava. A

fórmula composta por intrigas e difamações, por via de linguagem virulenta,

agradava ao público leitor da Corte Imperial e, obviamente, viabilizava o

empreendimento econômico. Afinal de contas, apesar dos pasquins surgidos na

década de 1880 almejarem intervir politicamente na sociedade, também se tratava de

uma forma de ganhar dinheiro. E, para a maioria dos pasquins, este era o objetivo

primeiro. Quase todos os autores destes periódicos diziam ter surgido do povo, como

era de se esperar levando-se em conta a retórica da época. Além da noção de povo

ser muito fluida, ela não indica claramente quem eram estes pasquineiros. Membros

30

MELO, 2007, p. 11. 31

ASSIS, 2011. 32

A designação ―pasquim‖ dada a certo tipo específico de imprensa é objeto de ampla discussão entre esses

periódicos. Pasquim, na época, era um termo pejorativo: era aquele que difamava. A expressão ―imprensa

pequena‖, também utilizado à época, à primeira vista pode parecer mais adequada, pela aparente imparcialidade

que ela indica. (ARAÚJO, 2009, p. 12).

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20

da camada média urbana, tipógrafos e jornalistas pouco prestigiados estavam por

detrás destes periódicos publicados33

.

É interessante observar que já naquela época, ―no fio da balança entre a aceitação

pública ou seu repúdio, não raras vezes violentas, as discussões quanto à liberdade de

imprensa acompanham o surgimento dos pasquins‖.

Outros autores como Barbosa Lima Sobrinho trouxeram discussão sobre esse fato

histórico da época. No ensaio ―O problema da imprensa‖34

, ele traz informações sobre a

legislação referente à imprensa e suas limitações.

Só para se ter uma ideia, a imprensa, do começo da década de 1880, que cometia

abusos, respondia aos artigos dispostos no Código Criminal de 1830 e o desenvolvimento da

práxis judicial ficou determinado a partir do Código de Processo Criminal de 1832.

De acordo com a dissertação de Araújo, com uma lei aprovada em 3 de dezembro de

1841 extinguiu o júri de acusação, determinado por este Código, e relegou suas funções aos

juízes de direito.

Ainda segundo Araújo, Lima Sobrinho analisa alguns projetos não aprovados que

propuseram reformas na atuação da imprensa. E mais: em 1869, Manuel Pinto de Souza

Dantas, o senador Dantas, apresentou um projeto que previa a obrigação de assinar todas as

publicações da imprensa, com exceção daquelas que tivessem denúncias ou queixas contra as

autoridades do governo.

Já em 1871, o deputado Heráclito Gama pretendia a não aceitação de

responsabilidades que não a do autor signatário para qualquer escrito publicado na

imprensa, segundo Soares. Por fim, o deputado Morais e Silva, em 1875, propunha

que o impressor fosse indiciado como responsável, independente de qualquer

assinatura. Nesta mesma obra, Lima Sobrinho ainda fornece uma importante

contribuição para o entendimento dos meios pelos quais os pasquineiros tentavam

esquivar-se da Justiça. Analisando os ―testas de ferros‖ – homens de frente no

conflito entre pasquins e autoridades judiciais – vemos que a atuação destes

indivíduos na imprensa, facilitada pela extinção do júri de acusação em 1841, era

prática corrente, tanto nos pasquins quanto na ―grande imprensa‖35

.

Outro importante trabalho que também aborda com propriedade a imprensa da época

do império também foi citado na dissertação de Araújo. Trata-se da mais recente biografia

lançada sobre a vida de D. Pedro II, por José Murilo de Carvalho36

. Ele menciona os ataques

feitos pelo jornalista pasquineiro Apulco de Castro ao imperador. ―Para criticar o reinado de

33

ARAÚJO, 2009, p. 12. 34

SOBRINHO, Barbosa Lima. O problema da imprensa. São Paulo: EDUSP, 1997. 35

ARAÚJO, op. cit., p. 13. 36

CARVALHO, José Murilo de. D. Pedro II. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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21

D. Pedro II e a própria Monarquia, o pasquineiro não hesitava em fazer acusações à vida

privada do imperador e em ridicularizá-lo de todas as formas possíveis, chegando até mesmo

a acusá-lo de trair sua esposa com a Condessa de Barral‖37

.

Na época, entre todos os jornais pasquineiros mais sensacionalistas, na opinião de

Araújo, o Corsário era o mais ‗bandido‘.

No trabalho de dissertação sobre os pasquins, ele afirma que o Corsário surge em dois

de outubro de 1880, com uma linguagem mesclava ironia e sátira aos mais veementes ataques

ao governo, à polícia da Corte Imperial e ao próprio regime imperial.

O Corsário, sem dúvida, foi o pasquim que atingiu maior popularidade entre os anos

de 1880 e 1883. O mais famoso e o ―mais bandido‖ dos pasquins, segundo ele.

Só para dar um exemplo o pasquim trazia a seguinte chamada abaixo, conforme

trabalho de Araújo.

―A imprensa é a artilharia do pensamento‖, dizia o Corsário em sua quarta edição, a

13 de outubro de 1880. Vale acrescentar que para ele não faltava munição. Atacava

em suas colunas o imperador, o presidente do Conselho de Ministros, os Ministros e

o Chefe de Polícia com virulência poucas vezes vistas na imprensa do Brasil

Império. Sem deixar, por outro lado, de tratar de setores ―menos prestigiados‖ da

sociedade, tais como prostitutas, seus agenciadores – os ―cafténs‖ –, bêbados,

viciados em jogos e donos de casas de tavolagem, entre outros. Importante observar

que o tom usado pelo Corsário nos seus ataques a esses dois grupos sociais distintos

não variava muito de um para o outro. Já em seu número de lançamento, seu

programa anunciava essa característica, em meio a um texto rebuscado pela retórica

preponderante na imprensa da época: depois do descalabro enraizado que germina

assombrosamente na nossa sociedade, correndo a escala social sem distinção de

classes; depois do horror ao trabalho, causa mais poderosa para o enobrecimento do

homem e exaltação do País, depois que vimos uma multidão de indivíduos

constituídos em piratas, fazendo presas por todos os modos, no intuito de fazer

fortuna, ou de viver no ócio, ou mesmo levados por maus instintos – resolvemos de

alguma sorte concorrer para o extermínio de tão prejudiciais párias38

.

Ficções também eram criadas no pasquim Corsário. Araújo diz que merece atenção

especial a divertida coluna intitulada ―cartas ao vovô‖, publicada ao longo do ano de 1883.

Segundo ele, nela o Corsário apresentava-se em primeira pessoa, como sendo um indivíduo

de certo status: o neto do imperador D. Pedro II. Carregada de ironia, a narrativa empregada

na série tratava o imperador de forma jocosa, chamando-o de ―vovozinho‖ e se identificando

como seu ―netinho‖. De acordo com Araújo, o pretenso parentesco permitia uma maior

intimidade ao lidar com o imperador. Questionando a participação dele em uma exposição

pedagógica realizada naquele ano, seu ―neto‖ afirmava:

37

ARAÚJO, 2009, p. 18. 38

Ibid., p. 51.

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22

Vovô, você é um idiota, é um tolo, perdoe ao seu neto se usa desta linguagem tão

franca, você é um desfrutável porque sendo, como se diz um sábio, concorre com a

sua presença e o seu rico dinheiro para essas coisas. Vovô, das duas, três: ou você é

um sábio ou é um burro; nós, no entanto, vamos pela segunda hipótese. (...) Ora,

vovô, não continue a envergonhar seu neto, que lhe estima, como um verdadeiro

amigo das vísceras. Nesta mesma edição o Corsário apresentava uma pretensa,

obviamente falsa, carta em resposta de D. Pedro II, endereçada a seu netinho. Nela,

o imperador pondera abertamente, por se tratar de uma carta de foro íntimo, sobre as

dificuldades que vem encontrando em seu reinado. ―Acho-me bastante aborrecido

com o diabo desta coroa, que pesa-me mais do que a consciência de uma condenada.

Tenho tentado passar este trambolho para tua tia Isabel, mas ela, menina esperta, não

quer aceitar (...). As ―cartas ao vovô‖ tinham como principal artifício lúdico fazer

parecer ridícula a figura de D. Pedro II. Avacalhado três vezes por semana por um

neto bastardo, esse sujeito beirando a casa dos sessenta anos e exercendo o alto

cargo que lhe cabia, dava-se ao desesperado papel de desabafar com uma criança

que não lhe tinha o menor respeito39

.

Houve também na época do Império outras características exploradas pelo pasquim

Corsário: a exploração da intimidade de pessoas influentes da Corte, ou mesmo simplesmente

a difamação. De acordo com o trabalho de Araújo, essas características utilizadas rendiam

boas tiragens ao Corsário. De acordo com ele, é enorme a lista de pessoas públicas atacadas

nele pelas mais diferentes razões, mesmo por motivos falseados, esdrúxulos, ou até mesmo

sem motivo algum, apenas com o intuito de criar polêmica. São frequentes, por exemplo, os

ataques à personalidades públicas ligadas à literatura, como Machado de Assis e o historiador

Capistrano de Abreu. Este último foi ridicularizado pelo Corsário, sobretudo no ano de 1883,

quando teve seu nome estampado em praticamente todas as edições.

Araújo classifica a ―cultura da violência‖ que estaria presente no universo pasquineiro

pela palavra impressa.

(...) em ameaças ou injúrias, ou ainda, propagandeando a violência, construíam

simbolicamente um submundo das letras. Distante do prestígio que cercava os

jornalistas das redações da Rua do Ouvidor, frequentadores dos refinados cafés; os

pasquineiros, com suas redações sediadas nas ruas de menor importância do centro

da cidade, eram vistos como indivíduos que por meios escusos ―ganhavam‖ a vida.

Quando um pasquim tratava de si mesmo – era comum as narrativas aparecerem na

primeira pessoa do singular, sobretudo, os artigos mais importantes escritos pelos

proprietários – vimos que retoricamente apresentavam-se como um órgão do povo,

ou de moralização, crítica, censura, etc. Buscavam legitimação pública justificando-

se como um ―bem social‖. De fato, os pasquins exerciam pragmaticamente um

serviço à sociedade com a publicação de diversas denúncias de crimes ou

reclamações de indivíduos, muitas vezes, gratuitamente. A publicação de

reclamações ou denúncias da população manteve permanência como prática da

imprensa da cidade. Quase duas décadas depois, o Jornal do Brasil sistematizaria tal

prática com a criação da coluna ―queixas do povo‖ (...)40

.

39

ARAÚJO, 2009, p. 54. 40

Ibid., p. 133.

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23

Ele conta que alguns fatores, entretanto, depunham contra a construção desta imagem

positiva que os pasquins se imputavam.

Ao mesmo tempo em que elevavam uma pretensa importância a sua diferenciada

atividade jornalística, tinham no estabelecimento de polêmicas uma de suas

características mais marcantes. Nestes debates travados entre os pasquins, a imagem

forjada do ―outro‖ era sempre desfavorável. Assim, o público que acompanhasse

estas polêmicas vislumbrava outras imagens daqueles ―benfeitores‖. Além das

diversas críticas feitas com o intuito de se denegrir seus adversários, apelando para

fatores raciais ou morais, os pasquineiros acusavam-se mutuamente de praticarem a

chantagem e a extorsão como meios de obter benefícios pecuniários. Uma parcela

considerável das agressões de que os pasquineiros sofreram foram motivadas pela

―escandalosa chantagem‖ que alguns deles praticavam. Coletivamente, em debate

impresso, construíam um universo onde sua atividade social ou mesmo política era

ofuscada pela ambição econômica que os levava à prática de atos ilegais41

.

Segundo Araújo, ―no rastro das polêmicas travadas entre os diferentes pasquins foi

possível perceber esta outra maneira que os pasquineiros utilizavam para tornar suas empresas

lucrativas, além das vendas, anúncios e artigos publicados a pedidos: a extorsão42

sobre

indivíduos que eram ameaçados de difamação ou mesmo daqueles que eram surpreendidos já

com seus nomes estampados nos diferentes pasquins. Afinal de contas, não pretendiam apenas

tomar papel ativo na política pública, mas também almejavam a viabilidade econômica destes

empreendimentos‖.

De acordo com ele, duas eram as maneiras de executar o golpe.

Numa, os indivíduos atacados nas páginas dos diferentes pasquins eram procurados

e lhes era exigida certa quantia a fim de que não se publicasse mais artigos

difamando-os. Ou ainda, as vítimas poderiam ser procuradas antes da publicação de

qualquer artigo. Cabia a ela tomar a decisão de pagar ou não. Contudo, o preço

muitas vezes era caro, já que os pasquins não conheciam limites para a injúria e a

difamação. Obviamente, a prática da extorsão não era assumida por nenhum

pasquineiro, ainda que as acusações despontassem de todos os lados.

A fonte da qual nos valemos nesta investigação do submundo das letras na Corte

Imperial são os próprios pasquins. Mesmo sem possibilidades documentais de

completar, por inteiro, o quebra-cabeça complexo desta prática, uma certeza é

possível ter: a extorsão, ou a ―chantagem‖ como diziam, era prática comum no

submundo dos pasquins. Sendo mesmo notória como afirmava o Corsário: ―É sabido

que a chantagem é escandalosamente exercida no Rio de Janeiro, pelos donos de uns

jornais que por aí se publicam‖. Todos os pasquins que chegaram a atingir alguma

popularidade e regularidade em suas publicações costumavam exibir em sua

primeira página em letras destacadas dizeres que pretendiam alertar o público contra

a atuação desses chantagistas. Raimundo Magalhães Júnior, em seu estudo sobre a

vida de Apulco de Castro, recorrendo a análise dos pasquins que o Corsário debatia

com frequência já havia vislumbrado a prática da extorsão neste meio. Não

41

ARAÚJO, 2009, p. 133. 42

Aqui vale uma pequena referência ao jornalista Assis Chateaubriand. Sua biografia é sempre lembrada com

esse tipo de prática: o de chantagear empresários para conseguir anúncios e prestígio.

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24

prosseguindo sua investigação por este rumo, apenas apontava para esse fato,

também vendo nestes alertas indícios de que se praticava a extorsão43

.

A análise feita nesse trabalho dá uma pista de que, as práticas exercidas pela grande

imprensa nesse século XXI lembram muito – para não dizer que são iguais – as adotadas no

período imperial, sobretudo, pelos pasquins.

1.5. A mídia como aparelho privado de hegemonia

Abrindo aqui um parênteses, o escritor Antônio Gramsci44

destrinchou o papel da

imprensa como aparelho privado de hegemonia45

. Para ele, a grande mídia reproduz discursos

hegemônicos. Gramsci acredita que a infraestrutura (forças produtivas e de relações

econômicas) não é o único fator decisivo para manter o ‗pensamento dominante‘. O aparelho

ideológico também tem papel fundamental.

Gramsci entendia que a superestrutura ideológica é o principal fator de produção de

consenso das massas – o que faz com que todos pensem da mesma maneira – sem

questionamentos. Não é preciso utilizar a força, a violência, ‗matar‘ alguém para que uma

classe se mantenha no poder. Basta utilizar o consenso, que se fabrica por meio dos aparelhos

privados de hegemonia, como são os meios de comunicação de massa. São eles que dão

visibilidade para acontecimentos, interpretações e ideias que dão sustentação ideológica para

a classe dominante. Gramsci entende que o aparelho responsável por esse consenso engloba

escolas, além da mídia, igrejas e sindicatos.

Para aprofundar ainda mais o tema e tentar descobrir como funcionam os aparelhos

privados de hegemonia e a produção do consenso ‗forjado‘, é preciso, abordar, os conceitos

gramscinianos de Estado e sociedade civil sob a perspectiva de Álvaro Bianchi46

.

Gramsci fala de um Estado diferente dos jusnaturalistas – contratualistas que

propunham que o Estado existe para colocar ordem - desenvolvido por Thomas Hobbes e

Jonh Locke, o homem como inimigo do homem. Para os jusnaturalistas, não se pode viver em

sociedade, a menos que seja firmado um contrato social.

43

ARAÚJO, 2009, p. 133. 44

Antonio Gramsci, intelectual italiano e fundador do Partido Comunista Italiano, é ‗fundador‘ do conceito de

hegemonia. 45

Gramsci introduziu em suas obras o conceito de hegemonia - a capacidade que as classes dominantes têm de

manter o poder utilizando o poder ideológico e não somente a coerção. 46

BIANCHI, Álvaro. O laboratório de Gramsci-Filosofia, História e Política. São Paulo: Alameda, 2008, p.

173-198.

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Quando se rompe esse contrato, há castigos de toda ordem imprimidos pelo Leviatã –

um ser supremo com poderes para aplicar coerção – neste caso o Estado.

Para Marx, por exemplo, a divisão de classes era o motivo pelo qual existia a

necessidade de um Estado. Quando a sociedade se iguala, o Estado teria de desaparecer. Em

Marx percebe-se a separação entre Estado e sociedade.

É importante observar que desde Maquiavel até Hobbes, de Locke, Rousseau até

Marx, o Estado vem sendo interpretado das mais diversas maneiras. É, entretanto, em Marx,

que o Estado perde sua áurea de superioridade entre os homens. Marx também fala das

estruturas que são as relações econômicas de dominação do Estado.

Já Gramsci fala das superestruturas, aprofunda e amplia o conceito de Marx sobre o

Estado. Para Gramsci, além das relações econômicas, existem as relações político-ideológicas

(que vão formar o consenso). Portanto, ele desenvolve uma visão mais profunda e complexa

sobre a sociedade e o Estado.

Para Gramsci, o Estado não é apenas força. É força e consenso. Ou seja, apesar de

estar a serviço de uma classe dominante ele não se mantém apenas pela força e pela coerção

legal; sua dominação é bem mais sutil e eficaz. Não precisa de camisa de força ou de

aplicações punitivas para conseguir fazer com que todos tenham um mesmo comportamento e

uma maneira igual de pensar. Será por meio de diversos meios (inclusive os de

comunicações) e sistemas, de entidades que aparentemente estão fora da estrutura estatal

coercitiva, que o Estado se mantém e se reproduz como instrumento de uma classe, também

construindo o consenso no seio da sociedade. Tudo muito sutilmente.

Afinal é preciso parecer que as ações vão contemplar toda uma sociedade. Veja o que

diz Bianchi na perspectiva de Gramsci sobre o Estado hegemônico. ―O Estado é concebido

como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à máxima

expansão do próprio grupo‖47

. Mas atenção: ―essa expansão, para ser eficazmente levada a

cabo, não poderia aparecer como a realização dos interesses exclusivos dos grupos

diretamente beneficiados. Ela deve apresentar como uma expansão universal – expressão de

toda a sociedade – por meio da incorporação à vida estatal das reivindicações e interesses dos

grupos subalternos, subtraindo-os de sua lógica própria e enquadrando-os na ordem vigente.

Incorporação essa que é o resultado contraditório de lutas permanentes e da formação de

equilíbrios instáveis e de arranjos de força entre as classes‖48

. Quem já não ouviu

47

BIANCHI, 2007, p. 175-176. 48

BIANCHI, loc. cit..

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26

recentemente, um importante meio de comunicação reproduzir o seguinte slogan: ―a rádio que

briga por você!‖. Nesse caso, você quem?

É a pura reprodução de um consenso dominante. Gramsci, portanto, tem conceito

ampliado de Estado. Segundo Bianchi, é a expressão no terreno das superestruturas, de uma

determinada forma de organização social da produção. Articulação entre economia e política.

O Estado é concebido como organismo próprio de um grupo destinado a criar condições

favoráveis à máxima expansão do próprio grupo, como já foi enfatizado na página anterior.

Mas, essa tentativa deve ser ‗camuflada‘ como se fosse universal para expansão de toda a

sociedade. É a formação do consenso forjado. Então Estado, para Grasmci, é sociedade

política e sociedade civil porque cria condições para expandir um grupo dominante e, ao

mesmo tempo, se apresenta como aquele que atende a todos.

―O termo hegemonia, apesar de ter sido usado anteriormente por Lênin, traz uma

dupla interpretação: a primeira, teria o significado de dominação; a segunda, um

significado de liderança tendo implícita alguma noção de consentimento. É nesta

segunda definição que este termo assume um papel de destaque na elaboração de

todo o quadro teórico gramsciano. É interpretando como se dá a dominação da

burguesia na Itália, e utilizando Maquiavel e Pareto, sobre seus conceitos de Estado

como força e consentimento, que o conceito de hegemonia em Gramsci assume

papel fundamentador na sua concepção de Estado‖49

.

Segundo Rêgo, é em uma carta à sua cunhada Tatiana Schucht, de dezembro de 1931

que Gramsci expõe de forma resumida seu novo conceito de Estado ampliado.

―Eu amplio muito a noção de intelectual e não me limito à noção corrente que se

refere aos grandes intelectuais. Esse estudo leva também a certas determinações do

conceito de Estado, que habitualmente é entendido como sociedade política (ou

ditadura, ou aparelho coercitivo para adequar a massa popular a um tipo de produção

e a economia a um dado momento); e não como equilíbrio entre a sociedade política

e sociedade civil (ou hegemonia de um grupo social sobre a inteira sociedade

nacional, exercidas através de organizações ditas privadas, como a igreja, os

sindicatos, as escolas, etc.)‖50

.

1.6. Objetos de Análise

Essa dissertação tem como objetivo analisar a cobertura jornalística de escândalos

políticos por parte da Revista Veja, dos jornais Correio Braziliense, Folha de S. Paulo e O

49

RÊGO, João. Reflexões sobre a teoria ampliada do Estado em Gramsci. Site João Rego: Ditos & Escritos. 5

de abril de 1991. (http://www.joaorego.com/3-politica%20/%20reflexoes-sobre-a-teoria-ampliada-do-estado-em-

gramsci/), 2012. 50

Ibid.

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27

Estado de S.Paulo. Nesse caso, a análise será feita das reportagens publicadas da acusação de

corrupção contra o então ministro da Saúde, Alceni Guerra, em 1991, e contra o então

deputado Ibsen Pinheiro, em 1993. Aquele é um momento de redemocratização do País após

o fim do regime militar.

Como afirma Perseu Abramo e Eugenio Bucci, autores estudados nesse trabalho, a

imprensa faz a sua verdade. Essa verdade, muitas vezes, é irreal. Assim, com consciência de

que a manipulação existe, e que a grande imprensa toma posições políticas pode-se afirmar

que a influência da mídia pode alterar a ―história‖.

2. ESTRUTURA METODOLÓGICA

Discute-se muito o papel da imprensa, como ela influencia, pauta a agenda política,

mantém relação de controle do poder e, em grande parte das vezes, atua distante do real

interesse público. Em determinados momentos fala em nome da democracia para estabelecer

suas posições e defender, na maioria das vezes, os seus próprios interesses. A grande mídia

pode ser a instituição capaz de intermediar relações sociais e políticas. Afinal ela quer

investigar. Às vezes, se intitula do lado da sociedade, a guardiã. Luiz Martins da Silva, entre

tantos outros autores, afirma que

com ou sem nova Lei de Imprensa, o jornalismo brasileiro terá de abandonar uma

certa Idade do Ouro, um estágio primitivo caracterizado pela boa preguiça, em troca

de novos hábitos, o principal deles, a apuração. Até recentemente, predominava a

impunidade e a certeza de que nada aconteceria aos detratores, mesmo porque não

havia uma cultura de reação e de proteção às vítimas, nem a atuação de mecanismos

de crítica, fiscalização e controle, a exemplo dos observatórios e institutos de

imprensa, duas das modalidades dos chamados ―cães-de-guarda‖ da imprensa, uma

cultura que começa a se formar no Brasil. (...) A pressa na investigação ou a total

ausência desse procedimento têm imposto à imprensa brasileira dois tipos de

prejuízo, que se alternam, ou se somam: perda de credibilidade e de recursos

financeiros. Mesmo que se valha de fontes de fé pública e mesmo que venha a

estabelecer uma rigorosa conduta na checagem das informações, mesmo assim, a

imprensa brasileira está fadada a uma grande vulnerabilidade, graças a dois fatores:

a inexistência de um teto para as penas pecuniárias em casos de prejuízo moral e a

facilidade com que este delito pode ser tipificado, dada a amplitude subjetiva com

que se pode caracterizá-lo51

.

51

SILVA, Luiz Martins. Imprensa, danos morais e indenizações. Trabalho Acadêmico. Compós, Porto Alegre:

Projeto SOS Imprensa, 2000.

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28

Para tentar abordar todas essas questões, é preciso buscar respostas. É a Ciência a

única capaz de dar a resposta aos anseios da pesquisa. Para isso, foi preciso buscar

paradigmas-modelos para se chegar perto ou até o resultado esperado. ―A ciência normal

implica tentativas detalhadas de articular um paradigma com objetivo de melhorar a

correspondência entre ele e a natureza‖.52

Thomas Kuhn dizia que a ciência normal é uma atividade de resolução de problemas

governada pelas regras de um paradigma.

Um problema de pesquisa supõe que informações suplementares podem ser obtidas a

fim de cercá-lo, compreendê-lo, resolvê-lo ou eventualmente contribuir para a sua

resolução53

.

A pesquisa é qualitativa54

. Também foi utilizada a técnica da análise do discurso55

analisando, no caso do discurso propriamente dito, formas de fala e textos dos personagens

estudados. Neste caso, o material utilizado são revistas e jornais como será descrito mais à

frente. Dentro da análise do discurso é feito então estudo de caso.

A análise documental são recortes de reportagens de jornais e revistas. Houve a

opção por fazer entrevistas com jornalistas. Pelo menos uma dezena delas foi feita. Os

documentos obtidos por meio do material documental também foram utilizados.

Com as revistas e os jornais foi preciso fazer uma análise de conteúdo das capas das

mídias já citadas (por serem a primeira e principal forma de atrair o leitor); avaliação de fotos,

títulos (palavras escolhidas) e ilustrações/artes, reportagens (toda a diagramação e

―distribuição‖ das informações) com títulos, linhas-finas (subtítulos), fotos (e suas respectivas

legendas), e ênfases das matérias com o espaço destinado às publicações das acusações e da

defesa.

52

CHALMERS, Alan F. O que é Ciência, Afinal?. Tradução Raul Fiker. Editora Brasiliense, 1993, p. 108. 53

LAVILLE, Christian; DIONNE, Jean. A Construção do Saber – Manual de metodologia da pesquisa em

ciências humanas. Porto Alegre: Editora UMFG,1999. 54

As investigações qualitativas, por sua diversidade e flexibilidade, não admitem regras precisas, aplicáveis a

uma ampla gama de casos. Além disso, as pesquisas qualitativas diferem bastante quanto ao grau de estruturação

prévia, isto é, quanto aos aspectos que podem ser definidos já no projeto (MAZZOTTI, Alda Judith Alves;

GEWANDSZNAJDER, Fernando; O Método nas Ciências Naturais e Sociais – Pesquisa Quantitativa e

Qualitativa. São Paulo: Editora Pioneira, 1999, p. 147). 55

Nome dado a uma variedade de diferentes enfoques no estudo de textos, desenvolvida a partir de diferentes

tradições teóricas e diversos tratamentos em diferentes disciplinas. (GILL, Rosalind. Análise do Discurso, em

Pesquisa Quantitativa com texto, imagem e som. Um Manuel prático. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. 2ª ed.

Petrópolis: Editora Vozes, 2003).

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29

Nessa dissertação, optou-se por não fazer análise dos editoriais56

de jornais e revistas

em estudo que trataram dos assuntos em questão, apesar de serem reconhecidamente

importantes para se entender a posição ideológica da grande mídia.

A razão principal é que editoriais divulgados foram – em número de publicação -

infinitamente inferiores em relação às reportagens, tanto pelos jornais como pelas revistas que

trataram do assunto. Não houve uma periodicidade de editoriais como as reportagens

publicadas todos os dias sobre os fatos desse estudo de caso em questão.

Por outro lado, as matérias publicadas tornam-se objetos com mais sustentabilidade

para as análises, uma vez que nos editoriais estão as opiniões – consideradas mais difíceis de

serem manipuladas por tratar-se de opiniões individuais, posições do veículo de comunicação.

Foi importante também fazer uma revisão da bibliografia para descobrir que, dentro

das Ciências Sociais/Políticas, o tema ‗controle da mídia‘ pouco ou quase não é estudado. Ou

se fala da política analisada em si. Ou se fala da mídia, mas sobre o comportamento de um

periódico em determinada cobertura política.

Para desenvolvimento da dissertação também foi preciso buscar trabalhos no

Departamento de História. A dissertação de mestrado de Rodrigo Cardoso Soares de Araújo,

em ―Pasquins: submundo da imprensa na Corte Imperial (1880-1883)‖ foi utilizada como

suporte para o contexto histórico do trabalho (já mostrado na introdução dessa pesquisa).

Diante do material teórico foi possível estruturar a pesquisa em quatro capítulos

(incluindo as considerações finais). Um dos capítulos traz discussões críticas sobre a

liberdade de imprensa e a falta de controle democrático sobre ela, além de sugestões para

‗democratizar‘ a informação. Também se trata da seguinte questão: a imprensa pode virar

escândalo, ser o próprio escândalo? Para isso, foi preciso buscar reportagem da Revista Carta

Capital que tenta mostrar a falta de transparência da Revista Veja em envolvimento com

bicheiro.

56

José Marcos de Melo diz que nas sociedades capitalistas, o editorial reflete não exatamente a opinião dos seus

proprietários nominais mas o consenso das opiniões que emanam dos diferentes núcleos que participam da

propriedade da organização. Além dos acionistas majoritários, há financiadores que subsidiam a operação das

empresas, existem anunciantes que carreiam recursos regulares para os cofres da organização através da compra

de espaço, além de braços do aparelho burocrático do Estado que exerce grande influência sobre o processo

jornalístico pelos controles que exerce no âmbito fiscal, previdenciário, financeiro. (...) o editorial afigura-se

como um espaço de contradições. Seu discurso constitui uma teia de articulações políticas e por isso representa

um exercício permanente de equilíbrio semântico. Sua vocação é a de apreender e conciliar os diferentes

interesses que perpassam sua operação cotidiana. Mas se o editorial expressa essa opinião das forças que mantêm

a instituição jornalística, torna-se necessário indagar para quem se dirige em sua argumentação. A resposta

poderia ser tranquila: a opinião contida no editorial constitui um indicador que pretende orientar a opinião

pública (...). (MELO, José Marcos. A Opinião do Jornalismo Brasileiro. 2ª ed. revisada. Petrópolis: Vozes, 1994,

p. 96).

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30

Havia uma possibilidade de se estudar, além dos escândalos de Alceni Guerra e Ibsen

Pinheiro (anos 90), mais dois episódios ocorridos em 2011, sobre o envolvimento de casos de

corrupção dos ex-ministros Antônio Palocci (Casa Civil) e Orlando Silva (Esportes). No

entanto, em função de o trabalho de mestrado ficar muito extenso optou-se por suprimir esses

dois escândalos que poderão ser estudados em uma futura tese de doutorado.

Pergunta problema: Qual foi o comportamento da grande imprensa na cobertura

dos escândalos políticos de Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro?

2.1. Justificativa para a escolha das fontes

Por que escolher os jornais Correio Braziliense, Folha de S. Paulo, O Estado de S.

Paulo e as Revistas Veja e IstoÉ (essa última só como suporte) para delinear as análises deste

trabalho abordando a cobertura política da imprensa escrita nos casos Alceni Guerra e Ibsen

Pinheiro?

O Correio Braziliense por ter sido o primeiro jornal a publicar a denúncia contra

Alceni. Veja por ter feito uma edição histórica e até hoje comentada nos bastidores políticos

de Brasília (Congresso Nacional) sobre o caso Ibsen. Além disso, todos os periódicos em

questão fazem parte da grande imprensa57

no Brasil.

E, sobretudo, mantém mesmo que de forma muitas vezes subliminar, posturas

ideológicas por serem empresas privadas. Para Bernardo Kucinski, Folha e O Estado, por

exemplo, são grandes jornais do País por causa de suas iniciativas de definir as agendas de

discussões58

.

Ele, no entanto, diz que a estrutura do mercado dos jornais brasileiros é imagem

reflexa da estrutura da propriedade agrária, na qual, em cada macrorregião, poder e prestígio

são disputados (...)59

.

Kucinski destaca mais:

57

Ana Lúcia Martins e Tânia Regina de Luca afirmam que a expressão ‗grande imprensa‘, apesar de consagrada,

é bastante vaga e imprecisa, além de adquirir sentidos e significados peculiares em função do momento histórico

em que é empregada. De forma genérica designa o conjunto de títulos que, num dado contexto, compõe a porção

mais significativa dos periódicos em termos de circulação, perenidade, aparelhamento técnico, organizacional e

financeiro (MARTINS; LUCA, 2008, p. 149). 58

KUCINSKI, Bernardo. A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro. São Paulo: Editora

Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 24. 59

Ibid., p. 25.

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31

Os jornais são geridos hedonisticamente como uma grande propriedade familiar, na

qual o gozo pelo exercício do poder é tão importante quanto o lucro capitalista.

Mantêm-se os métodos, valores e mentalidade dos mandatários iniciais da

colonização brasileira. (...) Na escala de valores do jornalista anglo-saxônico,

predominam os valores da verdade, imparcialidade e objetividade. Isso não significa

que sejam efetivamente fiéis à verdade, e sempre objetivos, mesmo porque essas

categorias são discutíveis no processo jornalístico, necessariamente subjetivo. Mas

significa que esses valores vão constituir a ideologia e o referencial do jornalismo

anglo-saxônico da verdade, omissão e parcialidade60

.

Jornais e revistas são empresas privadas e, como qualquer outra empresa privada,

buscam lucro. Ainda de acordo com Kucinski, no panorama da mídia brasileira, as revistas

semanais emergem como principais usinas ideológicas61

dos conceitos e preconceitos da

classe média. Essa tendência teria ocorrido com Veja na cobertura dos escândalos em

questão?

Em contraste com a debilidade relativa de nosso mercado jornalístico, em

comparação com os Estados Unidos e Europa, Veja está entre as maiores revistas

semanais do mundo. São três as condições que qualificam a importância dessas

revistas na esfera pública do Brasil, especialmente a líder delas, Veja: a circulação

relativamente alta e de caráter nacional – cerca de 1,1 milhão de exemplares no caso

de Veja -, sendo cada exemplar lido, em média, por quatro pessoas; IstoÉ tem mais

de 330 mil exemplares de circulação e Época, em poucos meses, já chegava aos 350

mil exemplares; b) a durabilidade desse tipo de mídia, que depois de lida vai para as

salas de estar dos médicos e dentistas, e para as bibliotecas das escolas, onde são

usadas por meses em trabalhos escolares; c) uma vitalidade econômica que torna

relativamente imunes às pressões dos governos. No processo de imposição do

consenso, essas revistas têm exercido um papel fundamentalmente ideológico,

captando, reprocessando e realimentando os temores das classes médias. São muito

ligadas a seu público, que nesse caso não é formado pelos próprios protagonistas das

notícias e sim por uma classe média em constante processo de mutação, ora

enriquecendo, ora empobrecendo, conforme o andar das crises econômicas.

Portanto, uma classe média mais sensível e nervosa do que a classe média norte-

americana. Veja foi fundamental na disseminação do medo da classe média ante

uma possível vitória de Lula. Foi também fundamental no processo de impeachment

de Collor, que cometeu o crime capital de ter confiscado as poupanças dessa mesma

classe média. Na queda de Collor, o processo foi conduzido mesmo pelas revistas

semanais Veja e IstoÉ. As histórias de Veja, fortemente editadas, já refletem todo

um exercício de compactação do eu a classe média pensa, ou do que seus editores

julgam que é o pensamento convencional da classe média. Eugênio Bucci relaciona

esta operação de Veja como uma usina ideológica, na forma de uma ―linha de

montagem‖62

.

Em relação aos jornais utilizados como base de estudos desse trabalho, o mesmo

autor traz em sua obra informações importantes a respeito das posições e trajetórias dos

60

KUCINSKI, 1998, p. 28-29. 61

Usinas ideológicas no sentido de formar opinião. De produzir conjunto de ideias ou pensamentos de uma

pessoa ou grupo. O autor, quando diz usina ideológicas, quer enfatizar a importância desses meios de

comunicação para a nossa sociedade e como pode trazer influências para o bem ou para o mal. 62

KUCINSKI, op. cit., p. 33-34.

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32

periódicos. O trabalho também optou por mostrar um pouco das tendências e posicionamentos

desse meios de comunicação com objetivo de verificar no final se houve ou não na prática

uma cobertura tendenciosa dos dois escândalos em estudo. A Folha de S. Paulo, por exemplo,

é hoje o jornal mais lido63

.

Completa-se assim a hegemonia desse diário que passou a substituir O Estado de S.

Paulo também no campo das relações afetivas entre a grande imprensa e seus leitores.

Na opinião de Francisco Fonseca, ao analisar os editoriais da Folha de S. Paulo, sobre

o Plano Cruzado na década de 90, por exemplo, descobre-se ou fica patente quais inspirações

político-ideológicas o jornal explicitamente se aproxima: o ―nacional desenvolvimentista‖,

inspirado, por sua vez, aparentemente na social-democracia européia64

. Além disso, há uma

preocupação da Folha de S. Paulo com a reprodução capitalista da sociedade65

.

Sobre o Jornal O Estado de S. Paulo, o mesmo autor afirma que o periódico se

caracteriza por defender posições liberal-conservadoras e tradicionalistas.

Sua existência secular fez que sua visão de mundo tenha-se tornado amálgama, uma

vez que seu perfilhamento à doutrina liberal convive com a defesa renitente da

ordem, da autoridade, da hierarquia social e também da reação à mobilização

popular e aos direitos sociais. (...) A transição para a democracia encontra em O

Estado de S. Paulo um jornal ambíguo – postura típica em sua atuação histórica -,

pois seu apoio à democracia possui vigoroso caráter conservador. Em outras

palavras, à demanda pelo retorno às liberdades clássicas, vinculadas ao

reordenamento jurídico do Estado de Direito, em que se destaca a liberdade de

expressão, corresponde uma forte ligação às Forças Armadas e uma certa aversão ao

conflito. Trata-se, portanto do apoio a uma democracia restrita66

.

63

A Folha lidera em número de leitores de jornal na Grande São Paulo, revela uma pesquisa realizada pelo

Instituto Ipsos Marplan. De acordo com a pesquisa, relativa ao primeiro semestre de 2012, a Folha conta com

1,567 milhão de leitores diários nesta área. O jornal O Estado de S. Paulo vem em segundo, com 1,277 milhão

de leitores. Os dados integram uma pesquisa domiciliar feita diariamente pelo instituto e que mede hábitos não

apenas de consumo de mídia, mas também de outros bens de consumo e serviços. As informações foram

colhidas no primeiro semestre, com 29 mil pessoas ouvidas em 13 mercados. Os 13 mercados incluem Brasília,

regiões metropolitanas de Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, Curitiba,

Florianópolis, Fortaleza, Vitória, Goiânia e São Paulo e mais o interior de São Paulo. De acordo com o instituto,

esses mercados recebem 86% dos investimentos publicitários. Em todo o País, a penetração dos jornais

corresponde a 43% da população com dez anos ou mais. As regiões metropolitanas onde o hábito de leitura de

jornais é mais difundido são Porto Alegre (74%) e Belo Horizonte (64%). Em São Paulo, a penetração dos

jornais é maior no interior (48%) do que na capital (37%) O número de leitores supera o da circulação dos

veículos uma vez que o jornal costuma ser compartilhado por diferentes pessoas em uma mesma residência. Pelo

IVC, instituto que mede a circulação dos veículos, a tiragem média diária da Folha em todo o País, em 2012, foi

de 297,2 mil exemplares. 64

FONSECA, Francisco. O Consenso Forjado: A grande imprensa e a formação da agenda ultraliberal no

Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, 2005, p. 154. 65

Ibid., p.165. 66

Ibid., p. 154.

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33

Há tendências também em Veja. Aliás, por ser a mais antiga e de maior tiragem (cerca

de 1 milhão de exemplares a cada semana – conforme já explicitado neste trabalho), a revista

é a principal publicação do Grupo Abril, conforme destaca Venceslau Alves de Souza:

Produzida pela Editora Abril, Veja não somente faz parte do Grupo Abril, um dos

maiores conglomerados de comunicação da América Latina que atua de forma

integrada em várias mídias, mas é ainda o semanário mais comprado no País e um

dos mais lidos no mundo. No Brasil, raramente um jornal ultrapassa a casa de 1

milhão de exemplares; só a semanal Veja consegue isso, com uma circulação paga

de 1,2 milhões (sic) – a quarta maior circulação do planeta e terceira maior em

páginas de publicidade (ênfases do autor)67

.

Desde sua criação, o grupo está presente nas principais transformações da sociedade

brasileira.

(...) O Grupo Abril manteve sempre relações umbilicais com o poder.

Personalidades políticas das mais variadas facções encontram em seus produtos –

estes entendidos aqui como aparição nas páginas de suas revistas, de Veja em

particular, TV, etc – grande oportunidade para manipulá-las como trampolim

político a cargos mais elevados ou à aquisição estratégica de status. Ao longo dos

anos, esta relação tem premiado o Grupo Abril, mais particularmente a revista Veja,

com um prestígio recíproco, raro na cena nacional. Aí reside um dos motivos (...) de

atribuirmos tanta erudição a este semanário. (ênfases do autor)‖68

.

Não há dúvida que a revista segue tendência de uma postura radical em defesa do livre

mercado e de grupos/partidos políticos alinhados à ideologia neoliberal.

2.2. Quem é quem nas fontes escolhidas

Veja: é uma revista semanal publicada pela Editora Abril. Sua primeira edição foi

publicada em 1968. Foi criada pelos jornalistas Victor Civita e Mino Carta. Com uma tiragem

superior a um milhão de exemplares, segundo a própria Editora Abril, Veja é a revista de

maior circulação no Brasil e se declara a quarta maior revista semanal do mundo, superada

apenas pelas americanas Time, Newsweek e U.S. News & Report.

Em 25 de abril de 1992 a revista publicou uma entrevista exclusiva com Pedro Collor

de Mello (irmão do então presidente Fernando Collor de Mello), em que o entrevistado

67

SOUZA, Venceslau Alves de. A defesa incondicional do liberalismo em VEJA: O que poderia representar tal

apologia para a modernidade brasileira?. Artigo científico. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica (PUC),

p. 64-65. 68

Ibid., p. 65-66.

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34

denunciava irregularidades de desvio de dinheiro público em uma suposta parceria com Paulo

César Farias. Essa entrevista desencadeou uma série de novas denúncias e investigações

culminando com o impeachment e a renúncia do presidente.

É notável, entretanto, a participação da revista na eleição de Collor, com reportagens

acusadas de parciais, como a que trazia à capa uma foto de Collor com a legenda "O Caçador

de Marajás". A posição de Veja foi alvo de críticas, entre os quais os jornalistas Luis Nassif,

em seção especial de seu blog e o próprio Mino Carta, em diversas edições de sua revista,

Carta Capital, concorrente da própria Veja. Ambos travam disputas judiciais com a revista e

seus colunistas em relação às acusações feitas, por ambas as partes.

IstoÉ: A revista é publicada pela Editora Três. É considerada uma das quatro

principais revistas semanais a circularem no Brasil, ao lado de Veja, Época e Carta Capital -

Veja (em 1968), IstoÉ (em 1976) e Carta Capital (em 1994) foram lançadas pelo jornalista

italiano Mino Carta.

Correio Braziliense: É um jornal de Brasília, fundado no dia 21 de abril de 1960 por

Assis Chateaubriand, juntamente com a inauguração da cidade e a da TV Brasília. O nome

veio do histórico Correio Braziliense ou Armazém Literário, editado em Londres a partir de

1808, por Hipólito José da Costa.

O Correio Braziliense ou Armazém Literário é considerado o primeiro jornal brasileiro

e circulou de 1 de junho de 1808 a 1 de dezembro de 1822, contando 175 números, agrupados

em 29 volumes, editados durante 14 anos e 7 meses, ininterruptamente, com marcante

pontualidade.

Folha de S.Paulo - É um jornal editado na cidade de São Paulo. É o jornal de maior

circulação do Brasil, segundo dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC). Ao lado de

O Estado de S.Paulo e o Globo, a Folha é um dos jornais mais influentes do País. Fundado

em 19 de fevereiro de 1921, com o nome original de Folha da Noite por Olival Costa e Pedro

Cunha, o jornal foi comprado na década de 60 pelos empresários Octavio Frias de Oliveira e

Carlos Caldeira Filho, quando o mesmo foi rebatizado.

Em 1930 apoiou a eleição de Júlio Prestes à presidência da República, sendo por isto

depredrada e fechada (na época se dizia empastelada) em 24 de outubro de 1930, quando a

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35

Revolução de 1930 saiu vitoriosa. Nesta época, a Folha contava com o consagrado

caricaturista Lelis Viana, o Juca Pato. personagem que sempre criticava a Aliança Liberal de

Getúlio Vargas. A Folha voltou a funcionar, em 1931, com novos donos e nova linha editorial

voltada para o apoio da agricultura.

A ascensão de uma redação renovada e engajada, com a presença de nomes

consagrados como os de Cláudio Abramo, Bóris Casoy, Clóvis Rossi e Jânio de Freitas

acabou mudando a linha editorial do jornal que na década de 1980 ficou marcado pelo apoio

imediato com constantes matérias cobrindo o movimento das Diretas Já. A reforma gráfica

em meados da década de 1990, o lançamento de brindes como o Atlas da Folha e dicionários

reforçaram a liderança.

O Estado de S.Paulo – Foi fundado, baseando-se nos ideais de um grupo de

republicanos, em 4 de janeiro de 1875. Nesta época, o jornal se chamava A Província de São

Paulo e foi o pioneiro em venda avulsa no País, fato pelo qual foi ridicularizado pela

concorrência (Correio Paulistano, O Ipiranga e Diário de S. Paulo). Curiosamente, a venda

avulsa foi impulsionada pelo imigrante francês Bernard Gregoire que saía às ruas montado

num cavalo e tocando uma corneta para chamar a atenção do público — e que, décadas

depois, viraria o próprio símbolo do jornal — aumentou a tiragem do jornal.

O termo "Província" foi conservado até 31 de dezembro de 1889, um mês após a

queda da Monarquia e instituição da República no Brasil. Embora tivesse apoiado a troca de

regime, o jornal se mostrou independente de qualquer partido político, recusando-se a servir

aos interesses do ascendente Partido Republicano Paulista.

Ao final do século XIX, o Estado já era o maior jornal de São Paulo, superando em

muito o Correio Paulistano. Propriedade exclusiva da família Mesquita a partir de 1902, o

Estado apoiou a causa aliada na Primeira Guerra Mundial, sofrendo represália da comunidade

alemã na cidade, que retira todos os anúncios do jornal. Mesmo assim, Mesquita mantém a

posição de seu diário.

Durante a guerra, passa a circular a edição vespertina do jornal, conhecida como

"Estadinho", dirigida pelo então jovem Júlio de Mesquita Filho. Em 1924, o Estado foi

impedido de circular pela primeira vez, após a derrota do levante tenentista que sacudiu a

cidade. Julio Mesquita, que tentara intermediar um diálogo entre os revoltosos e o governo,

foi preso e enviado ao Rio de Janeiro, sendo libertado pouco depois.

Com a morte do velho diretor em 1927, seu filho Julio de Mesquita Filho assumiu a

redação com o irmão Francisco, este à frente da parte financeira do jornal.

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36

Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Estado viu enorme progresso com o

aumento da tiragem e de seu prestígio nacional. Na década de 1950 foi construída uma nova

sede, o edifício da rua Major Quedinho, que ainda abrigaria o Hotel Jaraguá. Foi a fase em

que a editoria de Internacional, comandada pelo jornalista Giannino Carta e por Ruy

Mesquita, passou a ser considerada a mais completa do jornalismo brasileiro.

O Estado, desse período até a década de 1970, ostentou em sua primeira página quase

que exclusivamente o noticiário internacional. A partir da década de 1970, o jornal endividou-

se para a construção de sua nova sede na Marginal Tietê e passou por severa crise financeira,

disputando o mercado com o novo padrão de jornalismo representado pela Folha de S.Paulo.

Em 1986, o Estado contratou o jornalista Augusto Nunes para assumir o posto de

diretor de redação. Ele renovou o noticiário do jornal e empreendeu uma série de reformas

gráficas, que redundariam na adoção, em 1991, de cores no jornal e de edições diárias, até

então o Estado não circulava às segundas-feiras e dias seguintes a feriados. Em 1996, Julio de

Mesquita Neto morreu e o jornal passou a ser dirigido por seu irmão Ruy Mesquita até então

diretor do extinto Jornal da Tarde, pertencente ao Grupo Estado. Atualmente, o jornal é o

quarto em circulação no Brasil, com uma média diária de 250 mil exemplares em dezembro

de 2007, e o primeiro na Grande São Paulo, com média diária de 159,9 mil exemplares.

2.3. Período dos recortes

No caso da denúncia contra o então ministro Alceni Guerra, o período de estudo e

análise das reportagens vai de 4 de dezembro de 1991 a 23 de janeiro de 1992. Esse é o

período do surgimento das denúncias até elas serem praticamente esquecidas pela grande

mídia, após a renúncia de Alceni do cargo desaparecendo do noticiário diário.

A justificativa da escolha dos jornais Correio Braziliense, O Estado de S. Paulo,

Folha de S. Paulo e Revista Veja para objeto de estudo se dá por alguns motivos.

O jornal brasiliense foi o primeiro a estampar em sua capa a denúncia contra o

ministro. Os outros dois jornais paulistas são considerados os maiores do País e também

seguiram na cobertura após o ‗furo‘ do Correio. A Revista Veja também publicou reportagens

sobre o episódio e ‗massacrou‘ o ministro em suas páginas. É a maior revista do País.

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37

As denúncias contra Ibsen Pinheiro surgiram na mídia no dia 8 de novembro de

1993. Nos jornais paulistas foram publicadas primeiramente no Jornal O Estado de S. Paulo e

depois na Folha de S. Paulo.

O Correio Braziliense também trouxe a cobertura por semanas. No dia 17 de

novembro, a Revista Veja publicou reportagem que pode ter influenciado o Congresso

Nacional a cassar o mandato do parlamentar. O título ―Até tu Ibsen?‖, trazia a interrogação

associando Ibsen a um ato de corrupção inesperado, uma vez que ele tinha feito um

excepcional trabalho na CPI que cassou o mandato do presidente Fernando Collor de Mello à

época. E, por que o trabalho dá mais ênfase à reportagem de Veja, especificamente no caso

Ibsen, inserindo-se numa abordagem mais ampla? A resposta é básica. Veja, realmente, não

foi a única a publicar a denúncia e nem a primeira. Mas, a sua liderança69

impõe o ônus de ser

o caso mais exemplar, sobretudo nos erros – reconhecidamente cometidos e tornados públicos

por outra revista a IstoÉ, como veremos no transcorrer da análise.

No caso da denúncia contra Ibsen Pinheiro, torna-se imprescindível analisar também

a revista IstoÉ, como auxílio ao trabalho. Será ela, quem vai trazer a publicação de um artigo

do jornalista Luís Costa Pinto, que foi editor e chefe da sucursal de Veja no Recife e em

Brasília, repórter de jornais O Globo e da Folha de S. Paulo, editor da Revista Época e editor-

executivo do Correio Braziliense, apontando como ocorreu o erro publicado pela Veja contra

Ibsen.

O artigo foi descoberto pelo jornalista da IstoÉ, Weiller Diniz, e faz revelações

importantes sobre o que realmente aconteceu na redação de Veja para que a capa ―Até tu

Ibsen?‖ fosse publicada. Portanto, na edição do dia 18 de agosto, IstoÉ traz reportagem com o

seguinte título de capa ―Massacrado‖ e revela como o ―mau jornalismo transformou US$ 1

mil em US$ 1 milhão e levou à cassação de um forte candidato a presidente do Brasil‖70

.

3. DEFINIÇÃO DE ESCÂNDALO NA PERSPECTIVA DE JOHN B.

THOMPSON

69

Principal publicação do Grupo Editorial Abril, a Revista Veja é líder de mercado, com tiragem média semanal

de 1,117 milhão exemplares (1999), respondendo, sozinha, por 8,2% da tiragem dos 129 títulos de revistas em

circulação no Brasil – 13.607 mil. No segmento de revistas de ―interesse geral e atualidades‖, Veja amplia ainda

mais sua liderança, com tiragem superior a soma de suas principais concorrentes: Época, da Editora Globo, com

486 mil exemplares por semana, e IstoÉ, da Editora Três, 354 mil exemplares por semana. (Mídia Dados –

Grupo de Mídia de São Paulo: www.gm.org.br). Veja é distribuída através de assinaturas (83%) e venda em

bancas (17%). (Meio&Mensagem: www.mem.com.br) 70

IstoÉ. Massacrado. 18 de agosto de 1991.

Page 38: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

38

Trazer uma definição sobre escândalo será fundamental para a pesquisa. No

Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, por exemplo, escândalo é a causa ou resultado de

um erro ou pecado. Indignação provocada por mau exemplo. É um tumulto ou escarcéu. É um

caso em que, geralmente, personalidades conhecidas são criticadas ou acusadas pública e

persistentemente em razão de algum ato que fere as normas de conduta moral ou legalmente

vigentes. O vocábulo escândalo deriva do grego skandalon, que significa obstáculo.

John B. Thompson, elaborou uma teoria importante sobre escândalo. Em seu livro

―O escândalo político – poder e visibilidade na era da mídia‖ – ele trata o escândalo como

algo midiático que é revelado pela imprensa.

Escândalo é uma palavra que aparece frequentemente na imprensa e flui sem esforço

quando falamos, contudo, com muitas das palavras que usamos, suas origens são

obscuras e seu significado difícil de especificar. Como fariam muitos jornalistas, se

perguntados para apresentar uma definição de escândalo ou delinear as

características do fenômeno cuja existência eles afirmam revelar, eles que são tão

rápidos em apregoar um escândalo? Quantos leitores, ou espectadores, que são

bombardeados por um incessante fluxo de revelações escandalosas, poderiam, se

perguntados, explicar o que torna um acontecimento escândalo, ou o que distingue

revelações, que são escandalosas daquelas que não o são?71

O próprio Thompson reconhece que o conceito é de definição complicada. No

entanto, a palavra possui uma história longa, que pode se retraçada ao pensamento grego,

latino e judaico-cristão inicial72

. Em termos de suas origens etimológicas, a palavra significa

―queda moral ou uma pedra de tropeço‖.

No mundo político contemporâneo, diria que o escândalo surge quando se descobre

atos de corrupção (no sentido mais popular da palavra). Segundo Thompson, embora o

escândalo implique alguma forma de transgressão, fica evidente a qualquer observador que

existe grande diversidade e variabilidade cultural nos tipos de valores, normas e códigos

morais que são importantes: o que seria uma atividade escandalosa em um contexto –

digamos, aventuras extraconjugais entre membros da elite política73

.

Ele diz também que os escândalos são, muitas vezes, acontecimentos confusos não

apenas porque os valores e normas são comumente contestados, mas também porque no

desdobramento subsequente das ações e falas que forma um escândalo específico, uma

multiplicidade de valores e normas pode estar implicada74

.

71

THOMPSON, John B. O escândalo político – Poder e visibilidade na era da mídia. Petrópolis: Editora Vozes,

2002, p.38. 72

THOMPSON, loc. cit. 73

Ibid., p. 41. 74

Ibid., p. 43.

Page 39: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

39

Qual seria um dos motivos que leva a imprensa a se interessar por escândalos

políticos? As notícias ‗escandalosas‘, envolvendo políticos, trazem grande repercussão. O

problema maior é que muitas vezes a divulgação desmedida, sem critérios e sem apuração

profunda, pode provocar danos, muitas vezes, irreparáveis para os acusados em questão.

As acusações contra o então ministro da Saúde do governo Fernando Collor, Alceni

Guerra, e, na época, o deputado federal Ibsen Pinheiro, responsável pela CPI que cassou o

mandato do então presidente da República, podem reforçar essa hipótese. E o que é preciso

para que um fato político possa se tornar escândalo? ―Para se tornar um escândalo, uma ação

ou acontecimento devem ser tornar conhecidos de outros, ou outras pessoas, devem acreditar

firme e plausivelmente que existam (na prática, a maioria dos escândalos implica uma

miscelânea de atos e suposições com mais ou menos fundamentos)‖ 75

.

A cobertura dos escândalos torna-se ―espetáculos da mídia‖. Não se trata somente de

investigar como ‗papel de mero fiscal dos atos políticos‘, em busca de um denominador

comum, mas de transformar os acontecimentos em uma trama novelesca com começo, meio e

sem muita importância para o fim.

O escândalo passou para a imprensa como um produto vendável76

. A afirmação pode

soar como uma crítica ao trabalho de apuração das notícias políticas feita por alguns órgãos de

comunicação. Pode ser. Mas é importante analisar a postura da mídia. Tentar descobrir se ela

exagera, comete falta de critério para compor o enredo de uma notícia, que é distribuída ao

público/leitor como produto vendável, mas sem qualquer tipo de controle de qualidade. É a

falta de um ―Procon‖. ―Se a notícia é de fato, uma mercadoria, o de um tipo especial e como

tal necessita ser tratada de uma forma igualmente especial, tanto em vista as inúmeras

consequência que pode acarretar consequências que assumem cada mais dimensões

planetárias‖77

.

Esse interesse na divulgação dos escândalos políticos também foi observado por Vera

Chaia. ―(...) Também não se pode deixar de considerar que existe um interesse comercial na

divulgação dos escândalos, já que esse fenômeno vende‖78

.

75

THOMPSON, 2002, p. 45. 76

Produto vendável aqui no sentido de proporcionar interesse ao leitor ou ao expectador que acompanha os

noticiários. Nesse caso, não se trata de anúncios e sim do material jornalístico produzido. Os autores utilizados

nesse contexto (Vera Chaia e John B. Thompson) vão tratar de notícia como mercadoria no sentido de trazer

interesse. O contexto aqui é que quanto mais ‗sensacionalista‘ a notícia, mais interesse ela trará para o leitor. E,

conforme a perspectiva de Thompson, os escândalos políticos trazem grande interesse do público. 77

FONSECA, Francisco. Mídia e democracia: falsas confluências. Revista de Sociologia e Política. nº 22,

junho/2004, p. 15. 78

CHAIA, Vera; TEIXEIRA, Marco Antonio. Democracia e Escândalos Políticos. Revista São Paulo em

Perspectiva, vol. 15, nº 4, São Paulo: Fundação Seade, outubro - dezembro 2001.

Page 40: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

40

Vera Chaia, na verdade, estava se inspirando em Thompson que analisa a questão:

Como se deu essa conexão entre escândalo e mídia? Que há no escândalo que se

presta a uma exibição na/e através da mídia, e o que há nela que facilite a ocorrência

do escândalo? Há certamente, uma estreita afinidade entre escândalo e mídia que foi

explorado pelos provedores da palavra impressa desde a era dos panfletos e dos

libelos: o escândalo vende79

.

E qual seria o problema de a imprensa se interessar em divulgar esses escândalos?

Nenhum, se não fosse pelo ‗massacre‘ em algumas coberturas, a falta de critério de apuração,

a pré-condenação de atores políticos sem a presunção da inocência.

Muitas vezes deliberadamente pode existir ‗uma linha de montagem dos escândalos‘.

Mário Rosa diz que:

(...) um engenheiro que cometa um erro grave numa construção corre o risco de ver

seu nome estampado nos jornais e sua reputação arruinada. Um médico que

prejudique um paciente pode virar notícia e ter de fechar o consultório. Um

restaurante que desrespeite normas sanitárias será exposto à execração e ficará sem

clientes. Uma das lógicas que move a imprensa ao noticiar esses fatos é não apenas

denunciar o erro, mas, sobretudo, coibir outros no futuro. Entende-se que a

exposição pública de erros profissionais e falhas de conduta funciona como uma

espécie de punição, desestimulando futuras incorreções e beneficiando assim o

interesse público. Jornalistas que cometem erros, todavia, estão quase sempre

imunes a esse risco: não correm o risco de serem expostos publicamente. No

máximo são demitidos, num comportamento que se assemelha ao de outros grupos

muitas vezes acusados de corporativistas (... )‖80.

Veja o que diz outro importante jornalista acostumado a coberturas políticas. ―A

pressa em perseguir os furos, o receio de que a concorrência se antecipasse estimulou o estilo

de ‗atire primeiro, pergunte depois‖ 81

.

A última característica do escândalo tem a ver com as reputações dos indivíduos

implicados. Sendo que os escândalos envolvem a revelação de atividades até então

encobertas, transgridem determinados valores ou normas e cuja revelação provoca um

discurso infamante de vários tipos, eles podem prejudicar seriamente (e muitas vezes de fato

prejudicam) a reputação dos indivíduos cujas ações se colocam no centro do escândalo... Mas

o prejuízo ou a perda de reputação é um risco que está sempre presente quando um escândalo

surge e se desdobra82

.

79

THOMPSON, 2002, p. 59. 80

ROSA, Mario. A era do escândalo: lições, relatos e bastidores de que viveu as grandes crises de imagem. 4ª

edição. São Paulo: Geração Editorial, 2007, p. 451 - 452. 81

NASSIF, Luís. O jornalismo dos anos 90. Editora Futura, 2003, p.31. 82

THOMPSON, op. cit., p. 49.

Page 41: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

41

Quando um escândalo vem à luz, ele pode se espalhar rápido e incontrolavelmente

porque os atos de fala e as imagens que o sustentam podem ser transmitidos a longas

distâncias instantaneamente (ou de maneira praticamente instantânea) e porque as redes de

comunicação são tão ramificadas e complexas que é extremamente difícil conter revelações

prejudiciais83

.

Apesar de erros cometidos pela mídia, Thompson deixa clara sua posição de não

crucificar os jornalistas e os meios de comunicação em sua luta diária por tornar públicos os

escândalos políticos.

Para ele:

―as consequências de um escândalo político não são necessariamente deletérias.

Jornalistas sempre contribuem para a vida pública ao investigar e revelar casos de

corrupção e abuso de poder. Criticar isso é ignorar o importante papel que certos

escândalos tiveram para estimular o debate sobre os padrões de conduta na vida

pública‖84

.

Thompson lembra que a liberdade de imprensa deve ser contrabalançada com a

responsabilidade de não se expor a vida privada de uma pessoa à execração pública, se isso

nada vai acrescentar ao debate político.

Para ele, é importante distinguir a importância política de escândalos financeiros e de

poder da insignificância de escândalos sexuais, por exemplo. Enquanto os primeiros podem

oferecer uma valiosa contribuição para a discussão pública sobre o poder, é bem menos claro

se os segundos têm algo a oferecer. ―O tempo da mídia só existe na mídia: uma sucessão de

presentes, o ―presentismo‖... Essa voracidade pela última notícia cria grandes dificuldades

para quem está no olho do furacão‖85

.

Não há dúvida que na opinião pública já se instalou um clima de expectativa para

saber o desfecho dos escândalos. Os atores políticos envolvidos parecem estar, cada vez mais,

envolvidos ‗num mar de lamas‘. E novos fatos, referendados e divulgados pela imprensa,

complicam ainda mais a situação dos acusados. Transformam-se numa ―bola de neve‖. Ao

fim, tanto a imprensa como a população querem respostas para os escândalos: a punição. Para

garantir o sucesso da empreitada, capitaneada pelo poder midiático, os meios de comunicação

– responsáveis pela cobertura dos atos políticos - lançam mão de todos os recursos

83

THOMPSON, 2002, p. 49. 84

THOMPSON, loc. cit. 85

ROSA, 2007, p. 42.

Page 42: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

42

disponíveis no espectro da linguagem jornalística, desde os mais elementares até os mais

sofisticados elementos retóricos, estéticos e visuais, como charges e outros meios.

―Nesses casos mais complexos, o desdobramento do escândalo se torna um jogo de

gato e rato em que, depois de cada negação, as apostas vão ficando mais altas, e onde as

transgressões de segunda ordem podem assumir importância bem maior do que a ofensa

original‖86

.

No entanto, comprovadamente não existe um certo cuidado por parte da grande

imprensa em revelar esses episódios, o que se traduz muitas vezes em injustiças. Os acusados

passam a ser réus já condenados implacavelmente à luz da ―justiça da imprensa‖ – aquela que

condena, sem antes se certificar do que realmente ocorreu.

Ao contrário de um erro de um engenheiro, ou outra profissão qualquer, o erro de um

jornalista em uma cobertura política de escândalos pode acarretar muitos danos à imagem

pública. Os jornalistas acreditam que exercem, sobretudo, uma função de caráter público e

coletivo, de defesa do interesse público. Mas, que muitas vezes acaba sendo de interesse

particular.

Mas em maior ou menor grau, jornalistas sentem-se no exercício de uma missão

social, combatendo e corrigindo vícios (por intermédio da denúncia). Esse é um dos

aspectos do super-homem mais belo dessa profissão... Mas, como em tudo, há um

outro lado perigoso. Ter um superpoder pode levar, em certas situações, a uma falta

de percepção da intensidade desse poder. Muitas vezes os jornalistas não sabem o

poder que têm, nem as consequências de sua força. Um ataque da imprensa poderá

provocar a destruição de uma marca ou de um líder, mas os jornalistas atuam numa

faixa de poder tão especial que tendem a achar que o estrago que podem causar não

é tão devastador assim87

.

Francisco Fonseca ratifica o que diz a teoria de Thompson sobre os escândalos

políticos. Para ele, há um crescimento de coberturas da mídia e um interesse grande pela vida

privada política.

(...) a exposição da vida privada de personagens públicos vem, frequente e

crescentemente, ocasionando danos morais às suas imagens, levando inclusive à

interrupção de carreiras e ao estigma social: é por isso que a figura dos paparazzi é

emblemática tanto da invasão da privacidade quanto do advento de uma sociedade –

nesse sentido global – ávida pelo espetáculo, inclusive no âmbito político. Embora

não adotamos aqui pressupostos pós-modernos, que imaginam as sociedades

contemporâneas como ‗simulacros‘ a ideia de ―espetacularização‖ da política e da

sociedade – que se distingue do conceito de simulacro –, por meio da mídia, é um

elemento crucial ao poder dos meios de comunicação. Ocorre, assim, uma

combinação, muitas vezes propositada, entre o ―fato‖ e a versão, o ―real‖ e o

imaginário, o ―acontecimento‖ e a ficção, em prejuízo de algo e/ou alguém

86

THOMPSON, 2002, p. 41. 87

ROSA. 2007, p. 269-270.

Page 43: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

43

(indivíduo ou coletivo). Portanto, essa confusão da mídia é sob todos os aspectos,

perniciosa à sociedade democrática88

.

Mas, um jornalista pode cometer um erro involuntário? Ou dolosamente alterar em

linhas gerais uma notícia que está produzindo com algum propósito?

Como base os argumentos de Mário Rosa, não seria forçoso dizer que a mídia pode

atuar de forma ‗despretensiosa‘, sem temor do que pode ocorrer caso a notícia saía deturpada

no dia seguinte. Pode ―virar-se‖ o rosto para preceitos do Código de Ética dos Jornalistas

Brasileiros. ―A divulgação da informação precisa e correta é dever dos meios de comunicação

e deve ser cumprida independentemente da linha política de seus proprietários e diretores ou

da natureza econômica de suas empresas89

‖.

No entanto, apesar do Artigo 1º, o que pode predominar é a clara política-ideológica

do meio de comunicação pelo qual o jornalista trabalha. Afinal jornal é uma empresa

capitalista que visa lucro e, por isso, detém estratégias. Então a liberdade do jornalista para,

ou é podada, na ideologia da empresa para a qual trabalha. ―(...) a liberdade do jornalista,

enquanto indivíduo, de expressar suas próprias ideias ou relatar o fato objetivo como tal ele

presenciou encontra obstáculos nas individualidades situadas hierarquicamente acima dele na

empresa jornalística‖90

.

O jornalista então estaria fadado a perder sua liberdade de divulgar com sua

consciência o que se chamaria da objetividade jornalística? Ou seja, as notícias, por causa

dessa tendência ideológica, sempre serão abordadas com ‗manchas‘, com vícios de

manipulação.

De acordo com Luiz Martins da Silva, são poucas as empresas com instâncias

formais e sistemáticas de controle do rigor na apuração, codificação e editoração da notícia.

Segundo com ele, pouquíssimos jornais brasileiros adotam a instituição do

ombudsman ou de outros mecanismos de atendimento do leitor e de intermediação de queixas

e sugestões. Para Fonseca, é paradoxal observar que justamente as empresas de comunicação

sejam as menos controladas (em termos democráticos), em relação aos outros tipos de capital.

88

FONSECA, Francisco. Mídia e democracia: falsas confluências. Revista de Sociologia e Política. nº 22,

jun/2004, p. 15. 89

Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, art. 1º, I. 90

FILHO, Adelmo Genro. O segredo da pirâmide – para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre:

Tchê, 1987, p. 8.

Page 44: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

44

CAPÍTULO 1 – PERÍODO HISTÓRICO EM QUE OS ESCÂNDALOS SE

DERAM

1.1. Governo Collor e a crise política

Os escândalos (Alceni e Ibsen) ocorreram no início da década de 1990. Era um período

de redemocratização do País. Depois do regime militar, ocorreram em 1989 as primeiras

eleições diretas com a vitória de Fernando Collor de Mello.

Maria Antonieta P. Leopoldi defende que os anos 90 foram os que trouxeram maior

transformação no Brasil em todo o século XX91

.

Se no Brasil era período de redemocratização, fora dele a década de 90 começou com

o colapso da União Soviética e o fim da Guerra Fria, sendo esses seguidos pela consolidação

da democracia, globalização e capitalismo global. Fatos marcantes para a década foram a

Guerra do Golfo e a popularização do computador pessoal e a Internet.

Na verdade, essa década no Brasil ‗começa‘ a fermentar um ano antes com a eleições

de Fernando Collor de Mello ao posto de presidente.

O sucesso eleitoral de Collor se deve em grande parte à elaborada estratégia de

marketing e ao fundamental papel da televisão. Alguns comentaristas argumentam

que a vitória de Collor nas urnas não seria possível sem a interferência da Rede

Globo, com destaque para um resumo do principal debate entre Collor e Lula,

veiculado no Jornal Nacional, cuja edição beneficiaria Collor. A influência da Globo

nas eleições de 1989 foi tema do documentário "Beyond Citizen Kane" (Muito Além

do Cidadão Kane), produzido por Simon Hartog, em 1993 e tratada na biografia do

jornalista Roberto Marinho, escrita por Pedro Bial, em que o autor relata que o

patriarca das Organizações Globo fixou-se inicialmente em Jânio Quadros como o

candidato a presidente. Contudo, como o veterano político sul-mato-grossense

radicado no estado de São Paulo vivia o acaso de sua carreira política, Marinho fez

nova opção pelo então governador paulista Orestes Quércia, considerado um nome

mais palatável que os de Covas e de Ulisses Guimarães. Entretanto, como as

articulações em torno de Quércia malograram, e tanto Covas quanto Guimarães

lançaram suas candidaturas em um cenário já favorável a Lula (uma ameaça

socialista aos interesses da sociedade) e Brizola (rejeitado por Marinho devido a

possibilidade de revogar sua concessão de TV caso eleito), a alternativa de Marinho

foi apoiar Fernando Collor – opção que, com o concurso de funcionários do canal,

teria resultado na edição tendenciosa do último debate presidencial na TV Globo, de

acordo com o diretor de Jornalismo à época, Armando Nogueira, embora a emissora

e o próprio Collor neguem que tenha havido má-fé no caso92

.

É importante falarmos de Fernando Collor porque um dos ministros dele na época foi

alvo de escândalos retratados nesse trabalho. Collor candidatou-se à presidência da República,

91

LEOPOLDI, Maria Antonieta P. Dossiê Brasil: Anos 90. Revista de Sociologia e Política. nº 18, junho de

2002. (http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n18/10699.pdf) 92

Wikipedia (wikipedia.org). Acesso às 00h25, 20 de fevereiro de 2012.

Page 45: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

45

em 1989, pelo PRN (Partido da Renovação Nacional) e derrotou Luiz Inácio Lula da Silva, do

PT (Partido dos Trabalhadores), no segundo turno das primeiras eleições diretas para

presidente do Brasil. Levou o rótulo de ‗caçador de marajás‘ pela própria imprensa que

ajudou a elegê-lo. Assumiu o cargo adotando medidas econômicas drásticas e impopulares,

como o bloqueio dos saldos das contas bancárias de pessoas físicas e jurídicas. O "confisco",

como ficou conhecida a medida, foi uma sugestão da então ministra da economia, Zélia

Cardoso de Mello. No entanto, sua gestão foi marcada por escândalos. Um parente próximo,

seu irmão Pedro Collor, foi um principal denunciador e responsável para a sua queda.

As denúncias ganharam força, em abril de 1992, quando Pedro Collor revelou a

existência do "esquema PC" de tráfico de influência e irregularidades financeiras, organizado

por Paulo César Faria, ex-tesoureiro da campanha.

Em 2 de outubro de 1992, foi afastado temporariamente da presidência da República,

em decorrência da abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados.

Renunciou ao cargo de presidente em 29 de dezembro do mesmo ano - horas antes de ser

condenado pelo Senado por crime de responsabilidade. Teve seus direitos políticos cassados,

tornando-se inelegível por oito anos. Em seu lugar, assumiu o então vice-presidente, Itamar

Franco.

Carlos Melo que, faz um importante estudo sobre o governo Collor, diz que ele

ganhou as eleições no período da redemocratização porque ―demonstrou qualidades políticas,

porque soube aproveitar as oportunidades oferecidas pelas circunstâncias‖93

.

Mas, de certo Collor iniciou seu governo com uma autossuficiência que desafiava:

congresso, mídia, oposição, universidades, esquerda e direita. Collor chega ‗ferindo‘

interesses. Na verdade, ele se elegeu com um virulento discurso moralista ―o caçador de

marajás‖. Xingou políticos de corruptos com dedo em riste e desafiou até oligarquias – a que

ele também pertencia.

Na opinião de Carlos Melo,

o governo Fernando Collor de Mello demarca o início de um processo de

transformações profundas, sejam elas políticas, econômicas ou sociais. É um marco,

sem dúvida, pois seu governo desatou os nós que prendiam o desenvolvimento de

um processo inexorável. É forçoso admitir que seu ímpeto e disposição pessoal

foram importantes no embate de interesses que, resolvido, fez abrir a economia. A

relativa inconsequência de seus atos e a destemperança de seu gênio – a ―coragem

dos muitos ignorantes‖, como assinalou o ex-ministro Maílson da Nóbrega – deram

impulso ao processo de modernização da economia e da sociedade. Seu acaso

político, ironicamente, fortaleceu as instituições94

.

93

MELO, 2007, p. 2. 94

Ibid., p. 8.

Page 46: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

46

Carlos Melo analisa, com muita propriedade, a ascensão e queda de Fernando Collor

utilizando duas características idealizadas por Nicolau Maquiavel ―virtù e fortuna‖. Tudo

dentro de um ―reino‖ de instabilidade que é conferida à política.

Virtù (...) é a qualidade do homem que o capacita a realizar grandes feitos, é o poder

humano de efetuar mudanças e controlar eventos, enfim, pré-requisito de liderança

de um príncipe ou um governante.

(Fortuna é a) sorte (boa ou má), acaso, ocasião, oportunidade (propícia ou

desfavorável). Como palavra isolada nada tem a ver com virtù, mas, tomada como

qualidade do príncipe, é o complemento da virtù para o êxito deste95

.

Maquiavel reforça sua tese:

Todo príncipe (... ) conquista um altíssimo conceito e, contanto que sejam realmente

notória suas qualidades e a reverência com que lhe tratam seus súditos, um tal

conceito inibe quaisquer intentos conspirativos, como dificulta todo ataque vindo do

exterior; afinal um príncipe deve considerar ambas as ameaças: a interna, com

origem nos súditos, a externa, com origem nos potentados estrangeiros96

.

Ainda em ―O príncipe‖, Maquiavel sugere que todos aqueles ―governantes‖, que um

dia foram cidadãos e passaram à condição de príncipe, parecem ter mais sorte.

Aqueles que, mercê simplesmente da fortuna, passam de simples cidadãos à

condição de príncipes, é com pouca dificuldade que a alcançam, mas com muita que

a mantêm: não enfrentam obstáculos ao longo da estrada, visto que voam...97

Mas, mesmo diante da popularidade, Collor enfrentou, por parte de seus adversários

críticas ferozes, sobre sua forma de atuar. Na política há um constante equilíbrio e

desequilíbrio.

Shakespeare e Maquiavel se aproximam ao constatar que quanto mais as ações dos

homens se voltam ao poder político, ou são atraídas por este, mais perdem o controle

das suas ações, até penetrarem naquele âmbito no quais as paixões, ou a razão, podem

ser subjugadas irremediavelmente (...)

(...) Como sucessão de conjunturas que avançam em equilíbrio-desequilíbrio, a

política torna-se uma área na qual irrompe com frequência a tragédia, pela ocorrência

de acontecimentos contrários e porque aí convivem possibilidades e impossibilidades.

95

MEGALE, Francisco Januário. O Príncipe de Maquiavel: roteiro de leitura. São Paulo: Editora Ática, 1993,

p. 51-52. 96

MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Editora L&PM POCKET, 1998, p. 89. 97

Ibid., p. 29.

Page 47: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

47

A relação entre liberdade e poder, como já indicado anteriormente, serve para elucidar

parte desta tragédia que atinge os súditos, os governados98

...

Essa constante instabilidade é mostrada também por Thomas Hobbes de Malmesbury.

O autor sugere, no entanto, que essas tensões políticas existem por causa da própria natureza

do homem e mostra que o ‗estado de natureza‘ é ‗estado de guerra‘ em que os homens

competem entre si em difícil sociabilidade. É impensável a harmonização. Hobbes nos traz a

certeza de que a humanidade sempre ‗estará na beira do abismo‘, sempre em estado de guerra.

Para ele, portanto, não é possível confiar no homem.

Portanto tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, em que todo homem é

inimigo do todo homem, o mesmo é válido também para o tempo durante o qual os

homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida por sua

própria força e sua própria invenção. Desta guerra de todos os homens contra todos

os homens também isto é consequência: que nada pode ser injusto. As noções de

bem e de mal, de justiça e injustiça, não podem aí ter lugar. Onde não há poder

comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça. Na guerra, a força e a fraude

são as duas virtudes cardeais 99

.

Carlos Melo, por exemplo, afirma que o ―jogo de habilidade em duas frentes – da

moralidade à modernidade – garantiu a Fernando Collor a viabilidade eleitoral que sua

história política de até então talvez sequer imaginasse100

.

Diz também que,

desde Maquiavel, sabe-se que, pelo menos em política, não há predestinação.

Parafraseando Albert Einstein, dir-se-ia que também o político não joga dados. A

sorte é construída no compasso e descompasso das relações sociais. Cabe ao político

a refinada percepção e antever a direção dos ventos101

.

Para ele, inegavelmente, ―fez a roda da fortuna girar a seu favor, ainda que se possa

argumentar que, como todo homem, nem mesmo ele soubesse a história que efetivamente

fazia‖102

.

Bolivar Lamounier faz também uma análise do processo político ocorrido ao longo do

governo Collor103

. Ele identifica um período de "ditadura romana", no qual a legitimidade da

98

CHAIA, Miguel. A Natureza da Política em Shakespeare e Maquiavel. Revista Estudos Avançados. nº.23, São

Paulo: IEA-USP, 1995. 99

HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Abril Cultural, 1973. 100

MELO, 2007, p. 197. 101

Ibid., p. 198. 102

MELO, loc. cit. 103

LAMOUNIER, Bolívar. Antecedentes, riscos e possibilidades do governo Collor - De Geisel a Collor: O

balanço da transição. São Paulo: IDESP, 1990.

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eleição direta para a Presidência, a iminência da hiperinflação (a inflação corria a 80% ao

mês) e a catástrofe que ocorreria em caso de desaprovação das medidas anti-inflacionárias

propostas tornaram o Congresso Nacional refém do Executivo e "afrouxaram" os requisitos de

constitucionalidade das medidas apresentadas.

Isso teria ocorrido pelo menos no mês que inaugura o mandato presidencial. Já no

primeiro dia de governo, Collor anunciou 22 medidas provisórias, que incluíam uma

reforma administrativa, a extinção de entidades públicas "desnecessárias", a

privatização de empresas estatais, abertura externa da economia e uma redução de

80% da liquidez da economia. Esta última consistiu na transformação de aplicações

financeiras e de parte dos depósitos bancários e de poupança em depósitos no Banco

Central indisponíveis por um ano e meio, sendo depois liberados, com juros, em

doze parcelas mensais. Um mês depois, as medidas provisórias estavam convertidas

em lei104

.

Este sucesso inicial trazia, porém, um perigo inerente à dinâmica do sistema

presidencialista brasileiro. Afastado o risco da hiperinflação e aprovadas as medidas propostas

pelo governo, o Congresso saiu da condição de refém, o Judiciário ganhou mais liberdade

para avaliar a constitucionalidade das iniciativas governamentais e a capacidade de condução

da Presidência passou a depender do poder que a Constituição lhe conferia. O fracasso na luta

contra a inflação, a recessão prolongada, uma série de escândalos de corrupção envolvendo

membros do governo e o estilo pessoal de Collor exercer o poder produziram uma redução

drástica do prestígio do presidente junto à população.

Para Carlos Melo, Collor, como se fosse um jogo, aventurou-se com ímpeto e

disposição. Assumiu tão bem o papel de ―caçador de marajá‖, estadista, modernizador, que se

tornou o líder encarnado que se procurava havia tempos, de modo a agir sobre os entraves que

paralisavam o País105

.

Mas, o autor faz um alerta:

É verdade que o impeachment teve forte carga simbólica e, ao longo do tempo,

poderá vir a ser compreendido como um símbolo de mudança na política. Ainda

assim, o que se quer assinalar é que o estilo de liderança política de Collor não

representa nada de novo. Ao contrário, vincula-se a mais anacrônica tradição

nacional.106

Nesse jogo, o poder da grande imprensa toma ‗corpo‘ e ganhou força na hora de

104

Lamounier, 1990, p. 88-91. 105

MELO, 2007, p. 199. 106

Ibid., p. 9.

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decidir publicizar os atos de Fernando Collor que, por sinal, teve, primeiramente, uma relação

próxima e depois distante com a mídia.

Citando Mário Sérgio Conti, no Livro ―Notícias do Planalto‖, Melo afirma que Collor

fazia política, gerando notícia107

.

Mas, com base em Carlos Melo, há uma hipótese de que os meios de comunicação

atuaram, ainda que não articuladamente, as de forma deliberada na disposição de contribuir

com o impeachment de Fernando Collor de Mello.

Em depoimento lacônico a Mário Sérgio Conti, Paulo César Farias foi revelador ao

admitir a aventura e a alucinação em que aquele grupo se meteu: ―O ódio é a droga

mais pesada que existe, o poder enlouquece‖, disse. E explicou: ―Essa foi a loucura:

querer uma rede de televisão para enfrentar a Globo, uma companhia de aviação

para enfrentar a Varig, um partido maior do que o PMDB, o PFL e o PT‖108

.

Ou seja, é possível que Collor buscasse independência dos meios de comunicação.

O interesse de Paulo César Farias e do grupo de Collor (Paulo Octávio e José Carlos

Martinez) em adquirir empresas de comunicação (da Tribuna, de Alagoas, à Rede

Manchete, passando pelo Jornal do Brasil e pela Rede OM, de Martinez) permite

supor que, talvez, fosse esse o instrumento de poder, o perseguido para a devida

efetivação do projeto: um império de comunicações109

.

De acordo com Carlos Melo, a história do Brasil está repleta de casos e personagens

envolvendo os meios de comunicação110

.

Ele lembra, por exemplo, de Assis Chateaubriand.

O ―doutor Assis‖, uma espécie de ―rei do Brasil‖, desestabilizava governos, assim

como ajuda a erguê-los e a derrubá-los; leis foram feitas em seu interesse, a Lei

Teresoca; pelas mãos de Juscelino Kubitschek e de Tancredo Neves, conseguir

mudar o calendário eleitoral para que disputasse e vencesse eleições para o Senado.

Para o bem (MASP) ou para o mal, seu poder de coação era enorme111

.

Portanto, sem apoio popular, sem a maioria no Congresso e sem a mídia, Collor

acabou sucumbindo.

107

MELO, 2007, p. 112. 108

Ibid., p. 190. 109

Ibid., p. 191. 110

MELO, loc. cit. 111

Ibid. apud MORAIS, Fernando. Chatô: O rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 410, 565-

575.

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No início, é bom lembrar, que além de ter sua imagem atrelada a ideia de audacioso e

ousado, Fernando Collor contava com o apoio tácito da opinião pública brasileira que estava

descontente com o governo de José Sarney.

De acordo com Mário Sérgio Conti, o dono das Organizações Globo procurava na

época um presidente112

. Collor, por sua vez, construía sua imagem de político corajoso e

destemido.

No dia 4 de abril de 1989, é que Roberto Marinho decidiu por Collor. Ele assinou um

editorial em O Globo intitulado ―Convocação‖. Segundo Conti, nele advogou que os líderes

do PMDB e do PFL optassem por um nome de consenso, ―um candidato de renovação que

não se enrede em manhas e combinações inaceitáveis‖113

.

Um candidato que não fuja de temas controversos e não faça do subterfúgio a

suprema sabedoria política. Um candidato, final, com uma abordagem moderna e otimista dos

problemas brasileiros, que devolva à Nação o direito de sonhar com o futuro. Esse candidato,

prosseguiu, ofereceria à nação ―uma alternativa melhor que a de obrigá-la a escolher entre um

projeto caudilhesco-populista e um outro meramente contestatório‖114

, ou seja, Brizola e Lula.

De acordo com Conti, as famílias Collor e Marinho eram próximas. Leopoldo Collor

de Melo, o irmão mais velho de Collor, chegou a trabalhar como vendedor de anúncios do

Departamento Comercial das Organizações Globo e fez carreira até chegar ao comando da

Diretoria Regional mais poderosa da empresa. Era um cargo político, de representação, que

obrigava Leopoldo a falar ao menos uma vez por semana, pelo telefone, com Roberto

Marinho115

.

E desde sua ideia de sair candidato a presidente, em Hong Kong, no dia 27 de

dezembro de 1987, até a receber apoio oficial da Globo, dois anos depois, Collor reforçou a

construção de sua imagem de ‗salvador da pátria‘.

Mas, para isso, Collor contou com a ajuda de seu primo, Marcos Antonio Coimbra,

que se encarregou de organizar uma série de pesquisas de opinião sobre a imagem do futuro

presidente.

Naquela ocasião, lembra Conti, o problema social mais grave era a corrupção, da

qual o ‗marajaísmo‘ era um elemento importante.

112

CONTI, Mario Sérgio. Notícias do Planalto: A imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das

Letras, 1994, p.113. 113

Ibid., p. 154. 114

CONTI, loc. cit. 115

Ibid., p. 121.

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Como candidato à Presidência, dois terços dos eleitores queriam alguém indignado

com a roubalheira. Que tivesse ímpeto e energia para tirar o Brasil do

subdesenvolvimento. Que fosse corajoso e não entrasse no jogo tradicional da

política. Não pertencesse ao sistema de poder e tivesse passado limpo. Collor,

esclareceu Marcos Antônio Coimbra, era apenas um dos candidatos que poderia

preencher esses requisitos116

.

Desde o final de 1988, Collor estava decidido a deixar o governo de Alagoas para

disputar a Presidência. Na época, Marcos Coimbra achava que Collor deveria ter atingindo

mais de 10% da predileção do eleitorado para que sua candidatura fosse viável.

Mas, havia uma outra recomendação a Collor. Coimbra disse, na época, que embora

as pesquisas fossem favoráveis, havia um perigo: a candidatura de Silvio Santos. ―Você

praticamente está no segundo turno, Fernando, e só perde se o Silvio Santos concorrer‖117

.

Carlos Melo, ratifica essa tendência da época.

À parte dos discursos e das promessas de campanha, o maior perigo a que a

candidatura de Collor esteve exposta durante o primeiro turno foi a candidatura Silvio Santos,

considerada o ―fato novo‖ e a bomba daquela eleição118

.

Segundo Conti, tão logo recebeu a informação, Collor viajou a São Paulo e foi à casa

do empresário para conversar sobre o assunto e recebeu a negativa da candidatura de Silvio.

Durante a campanha, Collor não esteve em nenhum debate no primeiro turno. Era o

candidato que mais poderia perder se participasse deles. Por estar na liderança nas pesquisas,

seria questionado com maior agressividade.

Só concedeu entrevistas individuais nos programas de televisão voltados para as

eleições, como o Palanque Eletrônico, da Rede Globo. Collor não gostou da maneira como a

rede o tratou no programa. Enquanto Roberto Irineu Marinho recebeu Leonel Brizola na

chegada para a sua entrevista, quando Collor foi ao Palanque Eletrônico nenhum membro da

família proprietária apareceu para recepcioná-lo119

. A estratégia deu certo o levando a vitória

nas urnas.

Collor era mais um da família a ocupar um cargo político importante. Ele pertencia a

uma família com tradição na participação política. Seu pai, Arnon de Mello, fora senador pelo

estado de Alagoas e levou consigo, para o Senado, a violência típica da política nordestina.

Em 1960, por engano, baleou um ex-senador, que estava de visita ao plenário do Senado,

tentando acertar um senador que era seu desafeto. Essa era a política do coronelismo, que se

116

CONTI, 1994, p. 97. 117

Ibid., p. 122. 118

MELO, 2007, p.155. 119

CONTI, op. cit., p. 248.

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enraizou no Brasil com a Proclamação da República, em 1889, e que perdurou até meados da

década de 1945.

Na região Nordeste, ao contrário da região Sudeste, essa prática não pereceu com a

posse de Getúlio Vargas. No Nordeste brasileiro, o uso da coação como meio de

convencimento tornara-se prática habitual. Enquanto isso, na região Sudeste, a política

utilizava meios mais eficazes e mais ―politicamente corretos‖ para atingir esse mesmo fim. A

maneira mais forte e mais eficaz de atingir esse objetivo era a mídia.

Era como se Fernando Collor tivesse surgido como um elo entre duas visões. Passara

a maior parte de sua vida escolar longe de Alagoas. Sua juventude, em grande parte, foi

vivenciada tanto no Rio de Janeiro como em Brasília. Collor flertava, desde a juventude, com

a nova forma de fazer política. Essa aliança entre o ―velho‖ (representado pela forma

tradicional de fazer política das famílias nordestinas, entre elas a família Collor de Mello) e o

―novo‖ (marcado pela utilização da comunicação de massa para fazer política) é o que faz

surgir a figura de Fernando Collor de Mello120

. Esses fatores fazem surgir em Fernando

Collor uma dissociação de identidades que parecem incompatíveis, porém, com o passar do

tempo, essas duas vertentes ideológicas, que aparentemente são totalmente distintas,

convergem-se formando a imagem de um candidato perfeito121

.

Mas, segundo Carlos Melo, o grau de atrito que um projeto real de transformação

despertaria requereria mais do que uma base parlamentar casual e sujeita à pressão. Seria

necessários, segundo ele, adesão e comprometimento político com o projeto, o que não

poderia se esperar de setores parlamentares tão arcaicos como os interesses anacrônicos que

se pretendia extirpar122

.

No entanto, apoiado – já no primeiro turno, mas, sobretudo, no segundo – por forças

conservadoras, que contra Lula se aproximaram de sua candidatura, Collor viu-se

afastado de setores de centro e de centro-esquerda, com quem poderia estabelecer

acordos políticos menos suscetíveis a pressão fisiológica e oligárquica. Mas o

presidente não admitia negociar e nem fazer concessões. Ficava no meio do

caminho: sem acordos políticos e sem o ―é dando que se recebe‖, de Sarney. Muito

bem: de concreto, fica o fato de que Collor errou ao desprezar o Congresso

Nacional. No mínimo, pode-se dizer que faltou uma análise clara a respeito da

importância do Congresso na democracia em geral e no presidencialismo de

coalizão nacional, em particular. A falta de articulação nesta área, passada a fase da

popularidade, causou-se lhe enormes contratempos123

.

120

PEREIRA, Valter. A imprensa e Fernando Collor: A convergência entre o Moderno e o Arcaico. Site:

Klepsidra (www.klepsidra), 2012. 121

Ibid., p. 5. 122

MELO, 2007, p.178. 123

MELO, loc. cit.

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Quando surgiram escândalos em seu governo, Collor ficou sem apoio. Aliás, um

personagem importante no governo Collor foi responsável por questionamentos por parte da

imprensa e também do próprio Congresso: Paulo César Farias.

A ligação entre PC, como era conhecido, e Collor se fortalecera, afirma Conti, desde

a posse e funcionava como uma máquina. Sua energia eram os milhões de dólares que PC

conseguia de empresários para que o governo os beneficiasse. As correias de transmissão da

máquina eram a Empresa de Participação e Construções (EPC) e as companhias de aviação de

Farias124

.

Segundo Conti, com sede em Maceió, apenas doze funcionários, nenhum deles com

curso superior, a empresa faturou 55 milhões de dólares entre 1990 e 1992. A EPC não

prestava serviço algum. Apenas recebia dinheiro de grandes empresas, principalmente

empreiteiras.

Operava com notas fiscais fraudadas, sonegava impostos e usava cheques de

correntistas-fantasmas. Mais de trinta empresas fizeram pagamento à EPC. A

Norberto Odebrecht deu 3,2 milhões de dólares; a empreiteira Andrade Guitierrez,

1,7 milhão de dólares; as usinas de Lyra, 641 mil dólares; a Construtora Tratex, 293

mil dólares; a Votorantim, 250 mil dólares; a Cetenco Engenharia, 200 mil

dólares125

.

De acordo com Carlos Melo, somada a pouca importância que deu a formação de

uma base sólida, na raiz dos problemas responsáveis por sua queda, estão às relações

perigosas que manteve com o grupo de Alagoas. A mentalidade da província das Alagoas

acabaria por demarcar a índole do governo126

. Além de PC Farias, Melo cita, Cláudio Vieira –

secretário particular de Collor e amigo pessoal desde a época de A Gazeta de Alagoas – como

os dois responsáveis pela decomposição moral do governo.

De acordo com o noticiário da época, conta Melo, acostumados com a província de

Alagoas, seus auxiliares teriam se lançado com voracidade ímpar ao butim. Mesmo aqueles

que não eram do Estado teriam sentido o caminho livre para a pilhagem. Paralelamente, às

denúncias de corrupção ativa, descobria-se a megalomania do projeto pessoal. Isso é bastante

comum àqueles a quem tudo deu certo na vida e nunca conheceram reveses127

.

124

CONTI, 1994, p. 531. 125

CONTI, loc. cit.. 126

MELO, 2007, p.186. 127

Ibid., p. 188.

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O projeto de poder do grupo de Collor, que tivera início em 1986, que incluía a

formação de um império midiático128

, começou a ruir com o surgimento de escândalos.

Melo, em seu livro, cita alguns: contratação ilegal de agências de publicidade de

modo a favorecer as agências que haviam trabalhado em sua campanha; beneficiamento à

VASP (privatizada pelo governo paulista e adquirida por Vagner Canhedo) no financiamento

de dívidas junto ao Banco do Brasil; compras superfaturadas de cestas básicas pela LBA

envolveram Rosane Collor em mais um escândalo; fraudes na Previdência Social e a

confissão do ministro Antônio Rogério Magri de que aceitara receber propina; Alceni Guerra,

ministro da Saúde, acusado de beneficiar uma empresa do Paraná ao comprar bicicletas e

guarda-chuvas (este último é objeto de estudos dessa dissertação)129

.

Mais profundamente, a denúncia que mais o atingiu foi a do próprio irmão, Pedro

Collor, que abrangia toda forma de funcionamento do governo. No dia 23 de maio de 1992, o

irmão de Collor diz a Revista Veja que Paulo César Farias era o testa de ferro de Collor. A

capa ―Pedro Collor conta tudo‖ era o início da queda. A entrevista foi dada ao jornalista Luis

Costa Pinto, o Lula, um dos personagens desse trabalho.

1.2. Luis Costa Pinto

Luis Costa Pinto, mais conhecido como Lula, era persistente por natureza. Chegou a

editar o jornalzinho do Colégio Nóbrega, no Recife. A partir daí quis ser jornalista. Filho de

um engenheiro, com tios e primos também engenheiros, enfrentou a oposição da família. O

pai queria que fizesse o curso de administração junto com o de jornalismo, mas ele não quis.

Ao voltar da faculdade, Costa Pinto descia do ônibus dois pontos antes de sua casa, em

Olinda, para comprar, além de jornais locais, o Jornal do Brasil, a Folha de S. Paulo e a Veja.

Quando estava estudando conseguiu estágio no Jornal do Comércio, ganhando dois

salários mínimos por mês. Em junho de 1990, cobriu dois meses de férias do correspondente

da Folha de S. Paulo e seu salário dobrou. Terminou o estágio e recebeu convite do mineiro

Bruno Bittencourt para assumir o lugar dele, o de chefe da sucursal de Veja, pois fora

128

Melo conta em seu livro que o pai de Collor, Arnon de Mello, trabalhava com Assis Chateaubriand, mas

rompeu após ser dono da própria empresa. Era possuidor de boas relações sociais e de respeitabilidade. Arnon

fez fama na capital da República como jornalista de O Cruzeiro e de O Jornal. Também era advogado, criativo e

corajoso. Foi de Arnon de Mello, a determinação a Collor que ele iria representar politicamente a família. ―A

nossa TV tem que ter um candidato, e esse candidato tem que ser você‖, dizia o pai ao filho (MELO, 2007,

p.104). 129

Ibid., p. 188.

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transferido para Brasília. Bittencourt ensinou o que ele deveria fazer antes de visitar a

redação, em São Paulo: comprar terno e gravata130

.

O jornalista tinha um jeito tímido. Usava óculos, mas vivia sempre antenado às

notícias de política. De acordo com Conti, Lula tinha 23 anos, quando conheceu Pedro Collor,

o irmão do presidente. O jornalista foi fundamental no principal escândalo do governo Collor.

Ele foi o autor da entrevista dada por Pedro à Revista Veja contando tudo que sabia sobre a

influência de PC no governo Collor. Foi de Lula também a entrevista que contribuiria para a

cassação do presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro, em 1992, na mesma

Revista Veja.

Correspondente de Veja no Recife, segundo Conti, Lula estava cobrindo a disputa

entre Renan Calheiros e Geraldo Bulhões pelo governo e visitou o irmão do presidente em seu

escritório na Gazeta de Alagoas.

Tiveram empatia imediata, talvez porque o jornalista mencionou que uns primos

dele, usineiros em Pernambuco, eram amigos de Pedro e foram até convidados para a festa de

seu casamento com Thereza131

.

Ainda de acordo com Conti, o repórter passou a falar com Pedro a cada quinze dias.

Em março de 1991, ele foi transferido para a sucursal de Brasília e continuou, segundo Conti,

a ligar para o irmão do presidente Collor.

A entrevista de Pedro Collor contando os bastidores e influência de PC no governo

teve início quando, em uma viagem à Colômbia, Cláudio Humberto, secretário particular de

Collor, contou a Costa Pinto que, acreditando que Collor e Paulo César Farias haviam se

unido para o destruir. Pedro entrou em atrito com a família.

No início, Pedro não chegou a responder os telefonemas de Lula que continuou

fazendo outras reportagens. Até que em uma segunda-feira, dia 4 de maio de 1992, quando

estava de saída para entrevistar Itamar Franco, Pedro ligou dizendo que teria dois casos graves

para contar. Furo de reportagem.

De acordo com Conti, um emaranhado de contas, registros de aberturas de empresas,

procurações e contratos foram passados por fax para o repórter de Veja. A papelada mostrava

uma movimentação financeira da ordem de 50 milhões de dólares de PC Farias que, na época,

chegou a negar dizendo se tratar de invenção de Pedro Collor. Uma primeira matéria foi

publicada em cinco páginas sob o titulo ―Tentáculos de PC‖ e provocou pânico entre os

Collor de Mello.

130

CONTI, 1994, p. 543. 131

Ibid., p. 542.

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Depois dessa reportagem, Costa Pinto e Pedro ficaram cada vez mais próximos. De

acordo com Conti, Lula servira de pombo-correio entre Thereza e o marido, que se

reconciliaram e voltaram viver juntos132

.

A reportagem bombástica ―Pedro Collor conta tudo‖ dizia que PC era o testa de ferro

de Collor; que 70% do dinheiro que PC obtinha de empresários ia para o presidente e 30%

ficava com ele; que Collor era dono do apartamento que visitara em Paris; que ele dissera

várias vezes a seus irmãos, a Cláudio Vieira e Marcos Coimbra que Farias promovia

negociatas em nome do governo; que Collor tentara se insinuar junto a Thereza, e que o

presidente, assim como ele, usara drogas na juventude. A entrevista foi publicada com aval de

Roberto Civita. Foram impressos, segundo Mário Sérgio Conti, 836 mil exemplares da edição

de capa, 180 mil deles para as bancas e outros para os assinantes. No domingo, menos de 24

horas depois de terem sido distribuídos, todos os exemplares das bancas haviam sido

comprados. Na madrugada de segunda-feira a gráfica começou a imprimir mais 154 mil

exemplares. No total, foram vendidos 264 mil exemplares em bancas.

CAPÍTULO 2 – CASO ALCENI GUERRA

2.1. Alceni Guerra e o sonho de ser ministro

Carlos Melo afirma que o presidente Fernando Collor de Mello dividiu em três

categorias os nomes de seu ministério, assim que assumiu o cargo.

Primeiro convidou figuras de elevada visibilidade midiática, mas de expressão política

menor ou nula, como são os casos de Antônio Rogério Magri (―um trabalhador no ministério

do Trabalho‖), José Lutzenberger (um ecologista reconhecido internacionalmente na

Secretaria de Meio Ambiente), Artur Antunes Coimbra (o Zico, um craque do futebol, na

Secretaria do Desporto); Antônio Cabrera (um jovem líder ruralista na Agricultura)133

.

Segundo Melo, havia também os aliados de primeira hora que o apoiaram no primeiro

turno, mas não representavam partidos, tais como José Bernardo Cabral, Ozires Silva, Carlos

Chiarelli e Alceni Guerra (esse último o personagem de estudo desse trabalho).

Por último, haviam também os nomes que causaram absoluta estranheza. Segundo

Carlos Melo, foram os casos da Secretaria de Cultura e do Ministério das Relações Exteriores.

132

CONTI, 1994, p. 553. 133

MELO, 2007, p. 181.

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Na Cultura, a primeira opção de Collor era o diplomata José Guilherme Merquior, que

declinou do convite, pois teria uma redução substancial de salário. Collor acabou por nomear

Ipojuca Pontes.

Alceni era um dos braços direitos de Collor. Fez parte da transição e se encarregou de

montar o sistema de acompanhamento de votação. Segundo Conti, Alceni recebeu três

milhões de dólares para essa missão.

Mas, ser ministro da Saúde era o sonho do pediatra Alceni Guerra que foi realizado

aos 43 anos. No início sua gestão foi tranquila. Ele vivia uma lua de mel com a imprensa e

nem montou uma assessoria grande. Conti afirma que ele criou canais com os chefes de

sucursal em Brasília e com as direções dos principais órgãos de imprensa. Conversava

regularmente com Roberto Marinho e seus filhos Roberto Irineu e João Roberto, e eles nunca

lhe pediram nada. Sempre que viajava, uma equipe da Rede Globo o acompanhava e fazia

reportagens simpáticas. Segundo ele, Collor gostava de Alceni. E até o usava para líder com

parlamentares. Ex-deputado, Alceni negociava bem as solicitações de congressistas134

.

Meses depois, o ministro preferido de Collor estaria envolvido em denúncias de

corrupção e desvio de recursos de licitação do Ministério da Saúde.

2.2. A suposta compra superfaturada de bicicletas por Alceni Guerra

Brasília, quarta-feira, 4 de dezembro de 1991. Neste dia começava o calvário do então

ministro da Saúde e do presidente da época, Fernando Collor de Mello. O Jornal Correio

Braziliense trazia reportagem de capa, sob título ―Saúde compra 22 mil bicicletas

superfaturadas‖135

. O título de três linhas em uma coluna na parte superior do jornal ficava

em evidência. A chamada de 26 linhas, cerca de 1,2 mil caracteres, trazia os supostos indícios

de corrupção cometidos pelo ministro.

Por um preço quase 50 por cento acima do mercado, a Fundação Nacional de Saúde

(FNS), vinculada ao Ministério da Saúde, adquiriu 22 mil e 500 bicicletas para

agentes comunitários por Cr$ 3 bilhões, 307 milhões e4 500 mil. As bicicletas marca

CaloiPoti FM custaram à Fundação Cr$ 147 mil a unidade, enquanto que em

134

CONTI, 1994, p. 494. 135

O que é interessante reparar no título da chamada é o pré-julgamento, sem deixar o texto no condicional. O

jornal considera praticamente o fato consumado e diz que houve superfaturamento. Não utiliza a palavra ‗pode‘,

‗suspeita‘. Mas, se antecipa e prejulga o ministro acusando-o de ter cometido o crime – nesse caso de corrupção

como veremos mais à frente.

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Brasília as concessionárias Caloi estavam vendendo cada uma a Cr$ 99 mil, pelo

menos até segunda-feira136

.

Fig. 1

A reportagem assinada pela jornalista Isabel de Paula afirmava que "por um preço

quase 50% acima do mercado, a Fundação Nacional de Saúde (FNS), vinculada ao Ministério

da Saúde, havia adquirido 22.500 bicicletas para agentes comunitários por Cr$ 3 bilhões, 307

milhões e 500 mil.

As bicicletas, marca Caloi Poti FM, custaram à Fundação Cr$ 147 mil a unidade,

enquanto em Brasília as concessionárias Caloi estavam vendendo cada uma a Cr$ 99

mil. Pelos valores de mercado em Brasília, o governo poderia ter economizado mais

de Cr$ 1 bilhão na compra137

.

Nos dias que seguintes, o Correio continuou com as denúncias: "Saúde confessa

superfatura de 22 mil bicicletas"; "TCU investiga superfatura de bicicletas"; "Escândalo das

bicicletas derruba direção da FNS"; "Alceni culpa imprensa e sai de bicicleta".

Outros jornais e revistas fizeram publicações com acusações implacáveis e pouca

checagem. Era como se estivessem praticando a chamada ‗imprensa-tribunal‘. O Jornal Folha

de S. Paulo publicou na edição do dia 5 de dezembro, um dia após o ‗furo‘ do Correio

136

Correio Braziliense. Saúde compra 22 mil bicicletas superfaturadas. 4 de dezembro de 1991. Capa. 137

Correio Brasiliense. loc. cit.

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Braziliense, matéria sob o título ―Saúde paga 50% a mais por 23,5 mil bicicletas‖, na capa,

com o seguinte título na página interna138

―Saúde compra bicicletas superfaturadas‖. E

publicou outras matérias – com novos fatos, com novas acusações - nos dias subsequentes

com os títulos ―Sem licitação, Saúde paga preço alto por 60 mil filtros‖ (6 de dezembro de

1991), ―Alceni recua e susta compra de bicicletas‖ (7 de dezembro de 1991), ―Alceni chora

quatro vezes e diz que não pedirá demissão‖139

.

O Jornal O Estado de S. Paulo, que também abordou o caso, trouxe em suas manchetes

de página e chamadas de capas, títulos mais ponderados, mas não menos ‗prejudiciais‘ à

imagem pública. Vejamos: ―Compra de bicicletas deverá ser investigada‖ (5 de dezembro de

1991), ―Preço de guarda-chuvas também fica sob suspeita‖ (6 de dezembro de 1991),

―Ministro da Saúde afasta assessores e apura licitações‖ (7 de dezembro de 1991), ―Alceni

suspende licitações sob suspeita‖ (mesmo dia, página interna), ―Alceni reclama da imprensa,

chora e passeia de bicicleta‖ (8 de dezembro de 1991). Alceni suportou o bombardeiro de

acusações contra ele por pouco mais de um mês.

No dia 23 de janeiro de 1992, entregou sua carta de demissão ao presidente Fernando

Collor. No livro a Era do Escândalo, o ex-ministro diz que passou por situações jocosas e

vexatórias no período de denúncias desse escândalo por parte da imprensa:

Tive de me acostumar a ser chamado nos jornais de ministro ―Mary Poppins‖, numa

alusão jocosa à conhecida personagem do cinema imortalizada nas cenas em que

aparece de sombrinha e bicicleta. Até meu pedido de demissão em 23 de janeiro de

1992, 48 dias depois da primeira denúncia, os ataques da mídia aniquilaram minha

imagem pública140

.

A contabilidade do ‗massacre‘ foi feita pelo próprio ex-ministro: mais de 100 horas de

gravação de reportagens sobre escândalo das bicicletas na televisão. Se o escândalo das

bicicletas fosse uma novela daria mais de 200 capítulos, além disso, foram contabilizados

mais de 10 mil metros quadrados de notícias equivalente a cobrir a área de um hectare inteiro

somente com notícias acusatórias.

Analisando ainda o Correio Braziliense, nota-se que saindo da capa e seguindo para a

página interna, a jornalista Isabel de Paula afirmava em sua reportagem, cujo título já

138

Correio Braziliense. Saúde compra bicicletas superfaturadas. 5 de dezembro de 1991. Brasil, p. 10. 139

Aqui cabe uma observação interessante. Nesta matéria a Folha de S. Paulo traz Alceni Guerra, sentado numa

escadaria – muito parecida com uma sarjeta – ao lado do filho Guilherme, na época com 12 anos, e suas

bicicletas estacionadas. Uma cena lastimável para um importante ministro da época, uma depreciação de imagem

pública. 140

ROSA, 2007, p. 394.

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60

condenatório ―Saúde compra bicicletas superfaturadas‖, repete as informações da capa e diz

mais. ―Pelos valores de mercado em Brasília, o governo poderia ter economizado mais de Cr$

1 bilhão na compra".

A reportagem trazia ainda uma foto de um funcionário da Caloi descarregando as

bicicletas e a seguinte legenda: ―As primeiras bicicletas chegaram domingo à Fundação

Nacional de Saúde. No detalhe, a nota de empenho no valor de Cr$ 3.307.500,00‖.

Nas edições seguintes, o Correio continuou com as denúncias: "Saúde confessa

superfatura de 22 mil bicicletas"; "TCU investiga superfatura de bicicletas"; "Escândalo das

bicicletas derruba direção da FNS"; "Alceni culpa imprensa e sai de bicicleta".

O que se percebe durante todas as reportagens acusatórias, que culminaram na

demissão de Alceni Guerra em 23 de janeiro de 1992, foi o pouco espaço destinado para a

defesa141

. O ministro chegou, inclusive, a ser ridicularizado em uma reportagem do dia 6 de

dezembro (p.8), cujo título trazia: ―Alceni: superfaturada é a mãe‖.

O que se percebe, além da falta de espaço adequado para a defesa e ainda o início da

‗ridicularização‘ da figura do ministro, é a proporção que a denúncia foi tomando – mesmo

com poucas declarações de Alceni, mas com novos fatos surgindo a cada edição do jornal.

Quando um escândalo vem à luz, ele pode se espalhar rápido e incontrolavelmente

porque os atos de fala e as imagens que sustentam o escândalo podem ser

transmitidos a longas distâncias instantaneamente (ou de maneira praticamente

instantânea) e, porque as redes de comunicação são tão ramificadas e complexas que

é extremamente difícil conter revelações prejudicais142

.

Ou seja, as ramificações desse caso ganharam contornos contra a figura do ministro da

Saúde, uma campanha difamatória da qual foi vítima, segundo ele. Para contextualizar essa

afirmação é preciso enfatizar a edição do Correio do dia 8 de dezembro de 1991 ―Alceni culpa

a imprensa e sai de bicicleta‖. Aquela edição trazia uma foto de Alceni Guerra, em um Park

Cicle de Brasília, em cima de uma bicicleta, com seu filho Guilherme, de 12 anos (fig. 2).

141

Nota-se aqui que o jornal praticamente já tem sua convicção de que Alceni é culpado, um atropelo sem

piedade da ética jornalística – deveria ocorrer uma apuração mais profunda nesse caso. O jornalista Luís Nassif,

em seu livro o Jornalismo dos Anos 90, diz que a pressa em perseguir os furos, o receio de que a concorrência se

antecipasse estimulou o estilo de ‗atire primeiro, pergunte depois‘. Assim fez o Correio nesse episódio. 142

THOMPSON, 2002, p. 49.

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61

Fig.2

A foto mostra um ministro constrangido pelo fato de ter seu filho sendo fotografado,

naquele sábado no parque, com a imprensa fazendo ilações a um simples passeio de bicicleta

com a compra dos objetos denunciados pelos jornais e revistas da época. Na edição de

domingo, o Correio – mais uma vez – lembrava seus leitores sobre toda a denúncia, mas na

página interna143

usou de um tom sarcástico para tentar ridicularizar a figura de Alceni. Em

um trecho da reportagem, desta vez não assinada pelo repórter que a produziu diz:

As denúncias não abalaram o humor do ministro. Tanto que, após a entrevista

coletiva, Guerra e seu filho foram até o Parque da Cidade e durante 1h25 minutos

andaram de bicicleta dupla. ―É uma Monark‖, explicou Plínio Pereira, proprietário

do Park Cicle, que aluga bicicletas aos frequentadores do Parque. O ministro, que

estava trajando um abrigo verde e camiseta branca, com a frase: ―Em primeiro lugar

as crianças‖, pagou Cr$ 2.500 pelo uso da bicicleta. Em menos de uma semana, esta

é a segunda vez que Guerra vai se exercitar numa Monark no Parque da Cidade.

Domingo passado, como lembra Pereira, Guerra alugou uma bicicleta e pedalou por

quase duas horas. Três dias depois, o veículo utilizado pelo ministro, para exercício,

era alvo de denúncia do Correio Braziliense, que apontava uma compra feita pelo

FNS, órgão vinculado ao Ministério da Saúde, de 22 mil e 500 bicicletas por um

preço superfaturado. Ao ver os jornalistas ontem no Parque, em Brasília, Guerra

teve um faniquito144

·. Encostou a bicicleta no meio-fio e enquanto os fotógrafos e

cinegrafistas não deixaram o local, o ministro não pedalou sua Monark145

.

143

Correio Braziliense, 8 de dezembro de 1991, p.9. 144

O termo ‗faniquito‘ para classificar um possível descontentamento do ministro sobre a presença dos

jornalistas em um passeio no parque com seu filho de 12 anos, ao que tudo indica, mostra o senso do ridículo

que o jornal quer levar Alceni Guerra. Segundo o dicionário Houaiss, faniquito é um ataque de nervos sem

importância, sem gravidade. Mostra também como o Correio vem tratando o caso com certo desdém em relação

ao ministro, já o prejulgando como se já soubesse o desfecho. 145

Correio Braziliense, op. cit., p.9.

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Na mesma página, o Correio revelava ‗novos fatos‘. Uma retranca (matéria menor que

continua uma reportagem principal que tem o mesmo tema) trazia o título ―Estão surgindo

mais suspeitas‖. Desta vez, o Correio falava em aquisição supostamente irregular de usinas de

oxigênio. A reportagem afirmava que em setembro daquele ano, o Ministério comprou 60 mil

filtros a preços que variavam de Cr$ 12 mil 450 a Cr$ 13 mil a unidade, quando os preços de

mercado eram de Cr$ 7 mil 500 a Cr$ 10 mil. Mais: em outubro, o Ministério da Saúde

contratou, sem licitação, a empresa Marters Engenharia por Cr$ 18,1 bilhões para

supervisionar as obras de construção de Centros Integrados de Apoio à Criança e ao

Adolescente (Ciacs), em todo o País. Foram adquiridos também 22 mil e 500 guarda-chuvas,

por meio de uma licitação cujo superfaturamento estimado é de Cr$ 112 milhões.

Ou seja, a essa altura qualquer compra feita no Ministério da Saúde de Alceni Guerra

era tido como superfaturada. Todos os fatos foram mostrados nesse caso pelo Correio como

realidade e a denúncia principal (a compra das bicicletas) foi fragmentada em novas outras,

que geraram novas outras, e assim por diante.

Essa característica da imprensa foi muito bem observada por Perseu Abramo. Vejamos

o que ele diz:

Eliminados os fatos definidos como não-jornalísticos, o "resto" da realidade é

apresentado pela imprensa ao leitor não como uma realidade, com suas estruturas e

interconexões, sua dinâmica e seus movimentos e processos próprios, suas causas,

suas condições e suas consequências. O todo real é estilhaçado, despedaçado,

fragmentado em milhões de minúsculos fatos particularizados, na maior parte dos

casos desconectados entre si, despojados de seus vínculos com o geral, desligados de

seus antecedentes e de seus consequentes no processo em que ocorrem, ou

reconectados e revinculados de forma arbitrária e que não corresponde aos vínculos

reais, mas a outros ficcionais, e artificialmente inventados. Esse padrão também se

operacionaliza no "momento" do planejamento da pauta, mas, principalmente no da

busca da informação, na elaboração do texto, das imagens e sons, e no de sua

apresentação, na edição146

.

A mesma reportagem trazia também Alceni Guerra desmoralizado. Chorando

enquanto dava entrevista. O Correio explorou a imagem, como se o ministro estivesse

sucumbindo diante das denúncias (fig. 3). O ministro seguia num calvário que o levaria à

crucificação. Suas explicações transformaram-se em novas provas. O Correio, nesse caso,

deixou de dar atenção revelando as justificativas do ministro.

146

ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. 1º edição. São Paulo: Editora Fundação

Perseu Abramo, 2003, p. 27.

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63

Fig.3

Em seu livro O Consenso Forjado, Francisco Fonseca, deixa clara sua posição sobre a

omissão de fatos e personagens, por parte da grande imprensa. Para ele, é uma maneira de

impor seu pensamento à opinião pública, com ausência do contraditório:

―(...) afinal, é usual aos periódicos a omissão de temas, questões e personagens,

sobretudo quando se trata de argumentos/interesses de adversários. Em outras

palavras, a omissão deliberada é uma forma de posicionamento, pois a ausência

implica presença do que se quer ocultar (sobretudo em termos políticos e tendo em

vista o papel da imprensa‖147

.

Milton José Pinto diz que a narrativa funciona como uma forma de sedução e, dessa

forma, seria uma maneira de impor pensamentos e induzir as conclusões que interessam ao

narrador.

(...) todo discurso é um simulacro interesseiro, produzido com o objetivo de se

conseguir ―dar a última palavra‖ na arena da comunicação, isto é, de ter reconhecida

pelos outros as representações, identidades e relações sociais construídas por seu

intermédio. Os textos narrativos são os exemplos mais espetaculares disso: a

narração é um dispositivo instrumental de distribuição de afetos a serviço da

sedução e cooptação ou, como diz o mesmo F. Lyotard (1973, 173) ―toda narrativa é

não somente o efeito de uma metamorfose de afetos, mas também produz um outro,

a história, a diégese‖, o referente enfim. Não à toa a narratio é considerada pelos

especialistas em retórica como uma parte decisiva da dispositio ―por suas virtudes

147

FONSECA, 2005, p. 28.

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64

explicativas‖, leia-se por sua capacidade de produzir uma ―realidade‖ alinhada com

os interesses do emissor. (itálicos do autor, grifos meus)148

.

Como já foi citado anteriormente, pode-se classificar esse ‗estilo‘ da imprensa,

definido por Perseu Abramo, como ―padrão ocultação‖ da grande imprensa.

Não se trata, evidentemente, de fruto do desconhecimento, e nem mesmo de mera

omissão diante do real. É, ao contrário, um deliberado silêncio militante sobre

determinados fatos da realidade. Esse é um padrão que opera nos antecedentes, nas

preliminares da busca pela informação, (...) naquilo que na imprensa geralmente se

chama de pauta. (ênfases minhas)149

.

2.3. Fatos políticos e o papel exercido pela mídia

Quais seriam as razões para o ataque da grande imprensa contra Alceni Guerra? Pode-

se dizer que são dois os principais motivos. O primeiro já foi detalhadamente estudado

anteriormente – na perspectiva de Thompson - que o escândalo político vende. O segundo

vamos chamar de o ―efeito ou o papel político‖ exercido pela mídia. A mídia exerce poder

político. E não é de agora.

Desde a época do Império política e imprensa se conjugam (como foi visto mais

detalhadamente no início desse estudo). No livro a ―História da Imprensa no Brasil‖, Ana

Luiza Martins e Tânia Regina de Luca afirmam que a mídia no período imperial estava

atrelada ao serviço de partidos, a seus interesses econômicos e a de grupos familiares150

.

Manuel Castells também fala sobre o assunto. Segundo ele, o papel político

desempenhado pela mídia desenvolveu-se consideravelmente nas últimas três décadas.

Castells relata bem esse papel político.

Afirmo que em virtude dos efeitos convergentes da crise dos sistemas políticos

tradicionais e do grau de penetrabilidade bem maior dos novos meios de

comunicação, a comunicação e as informações políticas são capturadas

essencialmente no espaço da mídia. Tudo o que fica de fora do alcance da mídia

assume a condição de marginalidade política151

.

148

PINTO, Milton José. Comunicação e Discurso. São Paulo: Hacker Editores, 1999, p. 88-89. 149

ABRAMO, Perseu, Padrões de Manipulação na Grande Imprensa, Fundação Perseu Abramo, 2003, p.25-26. 150

MARTINS; TUCA, 2008, p. 48. 151

CASTELLS, Manuel. A política informacional e a crise da democracia in O Poder da Identidade. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 368.

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65

No caso de Alceni, o papel político, ou o poder político, influenciou o modo de

atuação da grande imprensa, implacável contra sua imagem pública.

Apesar de não ser objeto de estudo principal desse trabalho e nem principal de análise,

será preciso recorrer às Organizações Globo como fonte para explicar melhor esse capítulo.

A TV Globo e jornal O Globo fizeram uma dobradinha para ―pegar Alceni no

contrapé‖. Segundo Conti152

, os ataques direcionados a Alceni foram motivados pela aliança

que o ministro tinha com o governador do Rio de Janeiro Leonel Brizola, do qual Roberto

Marinho, presidente das organizações Globo, era inimigo declarado.

Carolina Riguengo publicou um interessante artigo sobre o assunto: ―As pedaladas da

imprensa‖153

. Ela conta que, Alceni, aos 43 anos, foi nomeado ministro da Saúde, por manter

um bom relacionamento com Roberto Marinho e seus filhos. O ministro muitas vezes

aparecia como bom moço na emissora global. A vida do ministro estava como um ―mar de

rosas‖. O livro Notícias do Planalto deixa claro que Alceni Guerra foi incumbido, na época,

pouco antes do escândalo das bicicletas, de ser o intermediário, o elo de uma possível

aproximação, entre Collor e Leonel Brizola, então governador do Rio de Janeiro. O ano era

1990. Collor tinha interesse nessa aproximação porque, em 1992, o Rio seria a sede da Eco92,

organizado pelo governo brasileiro.

Então havia um interesse político de Collor em se aproximar de Brizolla. O problema

é que o governador fluminense era inimigo declarado e pessoal de Roberto Marinho, dono das

Organizações Globo. Ou seja, Alceni se aproximando de Brizola configuraria para os

Marinho, uma traição do ministro da Saúde – sempre bem conceituado nas reportagens das

organizações. Segundo Carolina Riguengo, em seu artigo, Fernando Collor até simpatizava

realmente com Alceni. Mas era mais conveniente manter um bom relacionamento com Leonel

Brizola.

Querendo unir as ―parcerias‖ e óbvio, para favorecer seus interesses políticos e

ideológicos praticamente, Collor jogou Alceni para cima de Brizola que, por sinal,

não gostava do até então colega do ministro, o poderoso Roberto Marinho. A

picuinha que havia entre Brizola e o imperador global, explica o medo de Alceni em

se encontrar e, pior ainda, tratar de negócios com o governador. Toda essa

desavença se deve ao fato de, em sua campanha presidencial, Leonel resolver atacar

as ―meninas dos olhos‖ de Roberto Marinho que na época eram o jornal O Globo e a

Rede Globo também. Por parte de sua união com Brizola, Alceni sofreu várias

pressões, inclusive de nomear João Mata Pires para cuidar das licitações da

Fundação Nacional da Saúde. Collor chamou Alcenir para uma conversa na qual ele

pediu a Alceni para não se candidatar a governador do Paraná e sim que procurasse

152

CONTI, 1994, p. 493. 153

RIGUENGO, Carolina. As pedaladas da imprensa. Site Canal da Imprensa (www.canaldaimprensa.com.br),

2012.

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66

manter boas relações com os ministros do Supremo Tribunal Federal e com os

ministros militares para ser bem quisto por Antônio Carlos Magalhães. O que Collor

pretendia era instituir o parlamentarismo em 1993 e Alceni imaginou que Collor o

quisesse como sucessor no Palácio do Planalto154

.

Pouco tempo mais tarde, Alceni acabou sendo deposto do cargo que tanto

almejava e ainda teve de ouvir Collor dizendo que os ataques da Globo poderiam ser apenas

mais uma manifestação da rixa entre Leonel Brizola e Roberto Marinho. E o ministro, por sua

vez, disse que o seu fracasso estaria completamente na teimosia de Collor em querer

promover o encontro e trâmites entre ele e Brizola.

No livro Notícias do Planalto, Conti relata com muita propriedade toda influência da

Globo na demissão de Alceni. Claro que a ‗campanha difamatória‘ contra o ministro teve

início após as denúncias do Correio Braziliense, mas caíram como uma luva para a empresa

de comunicação dos Marinho.

Tudo ia bem até a quarta-feira, 19 de dezembro de 1990, quando o presidente lhe

disse, num despacho no Palácio do Planalto:

- Tenho um compromisso internacional com data e local marcados: a Eco 92, no Rio

de Janeiro. Será o evento mais importante do meu mandato, e o governador eleito do

Rio só aceita dialogar com o governo através de você.

Alceni percebeu a enrascada em que podia se meter. A Conferência Internacional

das Nações Unidas para a Ecologia, reconhecida, poria o Brasil e Collor no

noticiário internacional. Mas ele não queria, de jeito nenhum, ser o elo do Planalto

com Leonel Brizola, recém-eleito governador do Rio. Não porque tivesse algo

contra o pedetista. E sim porque sabia que Roberto Marinho era inimigo de Brizola.

Ao se aproximar do governador, correria o risco de ser hostilizado pela Rede Globo.

- Acho melhor o senhor passar essa missão para o Chiarelli – disse Alceni, tentando

empurrar o abacaxi para o ministro da Educação.

- Não, tem que ser você, Alceni – insistiu o presidente. – Você sabe conversar com

políticos, tem bom trânsito com todos os partidos no Congresso.

- Mas o senhor sabe o que vai acontecer comigo?

- Não se preocupe: o doutor Roberto será informado da sua missão155

.

Por cumprir a missão imposta por Collor, de garantir uma aproximação entre Brizola e

154

RIGUENGO, 2012 // Canal da Imprensa. Em seu site o Canal da Imprensa intitula-se como uma revista

eletrônica de crítica de mídia do curso de Comunicação Social do Unasp - Centro Universitário Adventista de

São Paulo, Campus Engenheiro Coelho. Sua linha editorial orienta os articulistas a analisar e criticar o papel da

mídia brasileira e internacional. Suas abordagens não permitem o proselitismo religioso nem a propaganda

política. Em sua análise da mídia, Canal da Imprensa assume o compromisso de lutar pelos direitos de expressão

e consciência, assegurados pela Constituição Brasileira de 1988, sem esquecer-se, contudo, da responsabilidade

social e ética que deve reger a produção jornalística e editorial dos meios de comunicação. O Canal da Imprensa

acredita que a mídia deve prestar contas à sociedade de tudo aquilo que divulga, veicula ou publica, e que por

esse motivo o conteúdo desta revista eletrônica serve como um observatório que 1) critica o conteúdo e a

produção jornalística da mídia no Brasil e no exterior; 2) aponta investidas abusivas ou desrespeitosas da mídia

sobre a opinião pública e a manutenção da cidadania. 155

CONTI, 1994, p. 494.

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o governo, Alceni entrou em atrito com Roberto Marinho, Alberico Souza Cruz, diretor de

jornalismo da Globo, Antônio Carlos Magalhães e com as grandes empreiteiras.

Começaram os ataques contra o ministro. Segundo o livro Notícias do Planalto, no

domingo, 23 de junho, O Globo avaliou a gestão de Alceni no Ministério da Saúde. A

reportagem foi dividida em cinco matérias, cujos títulos resumem bem o enfoque do jornal:

―Ministro da Saúde foge da doença‖, ―Investimento de 4% do PIB é pouco‖, ―AZT chega

tarde e não atende a demanda‖, ―Cooptar deputados, uma ação prioritária‖, ―Apesar da

promessa, as filas continuam‖. Alceni, na época, creditou os ataques à sua aproximação com

Brizola.

O poder político e de influência da Globo156

ficam claros também em um diálogo que

o presidente Collor teve com Roberto Marinho. Ainda segundo o livro de Conti, Collor

visitou Marinho na casa dele em Angra dos Reis e falaram sobre Brizola. Marinho teria

mostrado seu desapontamento em relação à possível aliança entre Collor e Brizola. O

presidente tentava se justificar afirmando que Brizola ―tem votos e se elegeu porque o Rio foi

marginalizado pelos governos federais anteriores‖. ―Seu eu continuar a marginalizá-lo o Rio

ficará cada vez mais forte‖, disse Collor, segundo livro de Conti157

.

O próprio ministro Alceni Guerra reconhece que a interferência das Organizações

Globo pode ter contribuído para que o escândalo das bicicletas se alastrasse e culminasse na

sua demissão em 23 de janeiro de 1992.

Segundo Alceni, o mal-estar político entre ele e a Globo só fazia aumentar a cada ida

dele ao Rio ou a cada acontecimento político que unia Collor e Brizola. ―As bicicletas foram a

munição que faltava. Virei estrela – ou melhor, o cometa – do noticiário da Rede Globo, com

longas e esmagadoras reportagens no Jornal Nacional, o carro-chefe da emissora, visto por

mais de 50 milhões de espectadores todas as noites‖158

.

2.4. Apelidos, charges e fotos

Praticamente um mês depois de ter tido seu nome envolvido no escândalo das

bicicletas, o ministro Alceni Guerra ainda teve de dar muitas explicações. Como ele mesmo

156

Os números da Globo impressionam. São 113 emissoras, entre geradoras e afiliadas. A TV Globo pode ser

assistida em 99,84% dos 5.043 municípios brasileiros, com uma programação 24 horas por dia no ar, sendo a

maior parte criada e produzida em seus estúdios, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Além disso, a audiência no

horário nobre chega a 74%. Isso já justifica qualquer abordagem. Os dados são da própria empresa. 157

CONTI, 1994, p. 497. 158

ROSA. 2007, p. 401.

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afirma no livro ―A era do escândalo‖, seus dias se resumiam a contestar os escândalos de

ontem e explicar os escândalos de amanhã159

.

O objetivo da imprensa, na época, a partir da reportagem tida como ‗furo‘ jornalístico

do Correio Braziliense, de ‗derrubar‘ o superministro de Collor estava sendo atingido. Para

garantir o sucesso da empreitada, capitaneada pelo poder midiático, os meios de comunicação

– responsáveis pela cobertura dos atos políticos, sobretudo o próprio Correio e o Jornal O

Globo, os dois do Rio de Janeiro - lançaram mão de recursos retóricos, estéticos e visuais,

como charges e outros meios. As mais desmoralizantes partiram das Organizações Globo.

Na edição do dia 9 de dezembro, segunda-feira, o Globo publicou uma charge160

de

Chico Caruso (fig. 4). Ele mostrava Alceni e Guilherme, seu filho de 12 anos, numa bicicleta

dupla em um parque público em Brasília (como já mencionado no capítulo anterior), com

uma tarja preta cobrindo os olhos do menino, como se fosse um menor delinquente. O recurso

utilizado pela imprensa, neste caso O Globo, ‗de crucificação e calúnia‘ é abuso na condução

jornalística.

159

ROSA, 2007, p. 403. 160

Charge é um estilo de ilustração que tem por finalidade satirizar, por meio de uma caricatura, algum

acontecimento atual com um ou mais personagens envolvidos. Foi uma ferramenta utilizada pelos pasquins (cujo

contexto histórico já foi abordado no início deste trabalho). O Jornal da USP, número 831, de 2 a 6 de junho de

2008, Ano XXIII, traz um importante estudo sobre os pasquins. ―Em outubro de 1822, um mês depois da

Proclamação da Independência, a liberdade de imprensa voltou a ser cerceada. O clima agitado da época

provocou o aparecimento dos pasquins, com característica panfletária e linguagem violenta, que chegava à

calúnia e ao insulto pessoal. Seu conteúdo refletia o ardor das facções em divergência. Liberais e conservadores

travavam verdadeira guerra de palavras utilizando os pasquins, que, geralmente, tinham vida efêmera. Os

próprios títulos demonstram o que eram os jornais: O Enfermeiro dos Doudos, O Palhaço da Oposição, O Grito

dos Oprimidos, O Burro Magro, O Brasil Aflito, O Caolho, O Torto da Artilharia, O Soldado Aflito, O

Crioulinho e muitos outros. Pelos títulos, dá para perceber que, frequentemente, os pasquins recorriam ao

preconceito, à aliciação das forças armadas e aos apelidos. Em agosto de 1827, a censura volta a ser abolida. Isso

provocou o aparecimento de novos jornais pelas províncias. Nesse ano, surge o Farol Paulistano, primeiro jornal

da Província de São Paulo. Geralmente, os periódicos eram do tipo pasquim, que refletiam o interesse das

autoridades, de intelectuais ou de alguns grupos. Também tinham vida efêmera. Em 1829, começa a circular o

segundo jornal da Província de São Paulo: o Observador Constitucional. Em 20 de novembro de 1830, João

Batista Líbero Badaró, fundador do jornal, é assassinado. Antes de morrer, deixa uma frase que reforça sua

resistência ao governo português: Morre um liberal, mas não morre a liberdade. (...) A partir de 1837, a imprensa

começou a utilizar a caricatura e, três anos depois, passou a circular no Rio de Janeiro A Lanterna Mágica, que

marca o início das publicações ilustradas com caricaturas. A partir da metade do século 19, o Império se

consolida e a imprensa política, representada principalmente pelos pasquins, esmorece. Com a organização

urbana, que começa a se formar, a imprensa reflete as transformações da época. Em 1852, sai o Jornal das

Senhoras, com sonetos, cartas de amor e moda (LOPES, Dirceu Fernandes. Uma história marcada por censura e

resistência. Observatório da Imprensa, 03 de junho de 2008).

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Fig. 4

A tarja, escolhida por Caruso para ilustrar seu cartum, tinha nítido significado

pejorativo. O sentido era não expor menores delinquentes. No caso de Guilherme, filho de

Alceni, ele só não foi exposto, como comparado a um bandido. O crime dele era ser filho do

ministro Alceni Guerra, considerado corrupto pela imprensa que já o havia acusado, sem que

a Justiça desse seu parecer (nos próximos capítulos será explicado como se deu a decisão de

inocentar o ministro e quais os motivos).

Alceni Guerra conta como se sentiu ao ver a charge na segunda-feira, dia 9 de

dezembro:

Vi a charge quando estava saindo de casa na segunda-feira, logo cedo. Tive um

ataque de fúria, antevendo o que aquilo ia representar para Guilherme. Ponha-se no

meu lugar: mesmo se você fosse um corrupto, se tudo o que estivessem dizendo de

você fosse verdade e não uma sucessão de absurdos, você acha justo que seu filho

pagasse por isso, sendo exposto publicamente como um meliante? Imagine então se

você fosse inocente... 161.

A charge de O Globo não foi a única investida. Prosseguiu com uma reportagem na

mesma semana veiculada no Jornal Nacional, da Rede Globo. As reportagens do JN sobre as

irregularidades no Ministério da Saúde foram implacáveis, incriminatórias e irônicas.

Segundo Conti162

, as matérias que iam ao ar fugiram dos padrões. Numa delas, o repórter

Alexandre Garcia foi mostrado pedalando uma bicicleta enquanto segurava um guarda-chuva.

A partir daí, o ministro teve de se acostumar a ser chamado por um apelido incômodo: Mary

Poppins, numa alusão jocosa à conhecida personagem do cinema imortalizada nas cenas em

que aparece de sombrinha e bicicleta.

161

ROSA. 2007, p. 409. 162

CONTI, 1994, p. 502.

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70

Ciro Marcondes Filho já atentou para o uso de vários artifícios da imprensa, no

sentido, de tentar ‗vender‘ a notícia e torná-la como espetáculo, como fez primeiro o Correio

Braziliense e depois as Organizações Globo.

A notícia, como mercadoria, vai recebendo cada vez mais investimento para

melhorar sua aparência e sua vendabilidade: criam-se as manchetes, os destaques, as

reportagens, trabalha-se e investe-se muito mais na capa, no logotipo, nas chamadas

de primeira página 163

.

2.5. Sem medo de acusar, a profecia da notícia

Dentro do jornalismo, sobretudo, nas coberturas políticas em que as denúncias

aparecem como uma série novelesca – como foi o caso de Alceni Guerra – com capítulos cada

vez mais prejudiciais aos acusados, há também uma característica marcante dos jornalistas.

Eles sentem-se imunes, blindados e protegidos por uma camada impenetrável da liberdade de

imprensa. Por isso, mesmo errando lá na frente haverá a impunidade para o jornalista que

cometer o erro. Pelo menos, é assim que se sentem.

Partindo desse pressuposto, dentro de uma análise teórica, o Correio Braziliense logo

usou expressões/palavras em suas manchetes muito objetivas, acusatórias, sem meio termo,

no tempo presente, sem qualquer preocupação de que poderia sim haver apenas suspeitas. Isso

será visto nas manchetes principais: ―Saúde compra 22 mil bicicletas superfaturadas‖, ―Saúde

confessa superfatura de 22 mil bicicletas‖ – mesmo sem ter confessado o suposto crime; ou

seja, não há em qualquer parte da reportagem o Ministério da Saúde confessando o

superfaturamento.

Eugênio Bucci classifica a tentativa de antecipação dos jornalistas do que poderá

acontecer em uma determinada cobertura jornalística, como um ato ‗profético‘. Ou seja,

jornalistas, além de jornalistas, querem ser ―profetas da notícia‖164

.

Que efeitos produz no público a postura de auto-suficiência de um órgão de

imprensa que repete todo questionamento ético? O primeiro efeito é o da percepção

de arrogância, que é cada vez menos temida e cada vez mais reprovada pelas

pessoas comuns. Um outro efeito é a impressão de que o veículo arrogante acredita

163

FILHO, Ciro Marcondes. Comunicação e Jornalismo a saga dos cães perdidos. 2ª ed. Hacker Editores, 2000,

p. 24. 164

Eugênio Bucci não dá essa classificação em seu livro. Mas, deixa entender esse tipo de ‗classe‘ de jornalistas.

―Profetas da notícia‖ foi enfatizada nesse trabalho na tentativa de deixar claro que os jornalistas tentam prever

uma determinada situação, como foi o caso de Alceni Guerra, mesmo antes do processo final ser transitado e

julgado.

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71

(ou finge acreditar) que aquilo que publica é ―a‖ verdade: o que está publicado é o

que é. É como se esse veículo dissesse o seguinte: aí está, respeitável público, a

verdade dos fatos, e é só isso que lhe cabe – como essa ―verdade‖ foi apurada, que

critérios nós adotamos, bem, não é da sua conta. Ora, quem age assim não é

jornalista – talvez se imagine profeta165

.

Como já foi visto anteriormente, o poder político também exercido pela mídia

contribui para que ela se sinta imune e divulgue fatos ‗sem medo de ter problemas

posteriores‘. Segundo Luiz Martins da Silva, uma salvaguarda ainda protege as grandes redes

de televisão e os grandes jornais, como o Correio Braziliense, e revistas: o seu próprio poder

político e econômico, contra os quais poucos ousam o confronto.

Ainda segundo Silva, um político, por exemplo, pensará duas vezes em processar uma

poderosa cadeia de televisão166

. Mais: poderá até obter reparação, etc., mas pode amargar o

prejuízo de nunca mais ter seu nome no noticiário (da TV, das rádios, das revistas e dos

jornais), a não ser de forma negativa, ou, nem isto, mas tão somente por sentença judicial

(direito de resposta).

O próprio ministro Alceni Guerra não processou os veículos de comunicação que

cometeram exageros, abusos e erros na cobertura do escândalo das bicicletas. No entanto, ele

considerou o ato com um erro estratégico. Na época, Alceni foi orientado pelo advogado

Saulo Ramos. Veja o que diz o ministro da época sobre sua decisão:

Um dos erros do qual mais demorei a ter consciência foi o de não processar

jornalistas e veículos de comunicação que participaram ativamente do meu massacre

na mídia. Eu optei por não pedir nenhum tipo de reparação judicial, mas revi essa

posição. Acho que em casos como o meu a vítima deve processar sempre. Até as

eleições de 2002 eu sustentava o oposto: não processe nunca. A mudança de opinião

veio com amadurecimento da derrota. Até então prevalecia a minha alma igualitária

e liberal, que não me permitia processar um jornalista ou um veículo por entender

que a liberdade de imprensa é um bem maior. Esse foi outro grande equívoco: se eu

tivesse processado aqueles profissionais da mídia que me caluniaram eu teria

provocado a reparação. Percebi duramente se você não processa jornalistas ou

veículos os culpados saem impunes, enquanto a vítima paga o preço. Não estou

falando de reparação pecuniária, mas na reparação moral – no sentido de conquistar

espaço na mídia na mesma proporção dos ataques. (...) Até que constatei, depois de

uma década, que só um processo judicial tem a força de dar o acesso à mídia de que

a vítima precisa para obter algum tipo de reparação mais condizente com o tamanho

do ataque que sofreu167

.

O que ocorreu no caso do Correio, e também de outros meios de comunicação (como

será visto posteriormente), é que a conotação dada ao caso, tanto nas chamadas de capa, como

nas reportagens de página interna, pode ser considerada como suficiente para delinear um

165

BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 53. 166

SILVA, 2008. 167

ROSA, 2007, p. 419.

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72

juízo de valor. Nenhum cuidado é pouco, na análise feita por esse caso, no uso de ironias,

afirmações e prejulgamentos nas denúncias.

2.6. Veja „embarca‟ nas acusações do Correio

Uma das maiores e mais influentes revistas do País, a Veja, também embarcou nas

denúncias apresentadas pelo Correio Braziliense contra o ministro Alceni Guerra. Foram três

principais edições ‗detonando‘ o ministro com afirmações de que ele realmente teria cometido

atos de corrupção e superfaturamento.

As edições de Veja, nada acrescentaram – em termos de novidades do que já havia

sido publicadas pelos jornais diários, como Folha, Estadão e o próprio Correio – mas

contribuiu para engrossar as reportagens negativas contra o ministro. A revista fez as

publicações para não ‗perder o furo‘ de reportagem.

Aliás, um cacoete da imprensa brasileira teria necessariamente de ser revisto, na

opinião de Luiz Martins da Silva. ―A confiança com que um veículo embarca numa denúncia

já publicada, mas só posteriormente comprovada como falsa. Julgando-se furado e correndo

atrás do prejuízo, com frequência um noticiário dá prosseguimento ao anterior

inadivertidamente168

‖.

No caso de Veja, a primeira reportagem contra Alceni foi publicada na edição do dia

11 de dezembro de 1991, sete dias após ter surgido a primeira matéria no Correio Braziliese.

O ‗atraso‘ é explicado porque a revista é semanal.

―Enxoval completo‖ era o título da matéria. Na linha fina um resumo da reportagem

publicada na página 38: ―As irregularidades de Alceni com bicicletas, guarda-chuvas, filtros,

nebulizadores, mochilas, geladeiras, freezeres, etc‖. A foto da reportagem trazia Alceni

Guerra com os braços para trás com ar de preocupação olhando exatamente para a lente da

câmera fotográfica. A legenda da foto: Alceni: ―Se sair agora, meu moral fica na lama‖ – uma

referência à possibilidade de o ministro deixar o cargo.

Um trecho da reportagem:

O ministro Alceni Guerra, da Saúde, é um ministro de prestígio. Construiu a ponte

no namoro do governador Leonel Brizola com o presidente Fernando Collor, é o

único ministro a despachar no Congresso uma vez por semana e administra a parte

168

SILVA, 2008.

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73

mais polpuda do cofre federal – o projeto do Ciacs, que envolve 4 bilhões de

dólares. Na sexta-feira passada, o ministro conversou com o presidente e continuou

prestigiado. O que mudou na sua vida de ministro foi a espetacular enxurrada de

denúncias que desabou sobre o Ministério da Saúde. Em duas semanas, o ministro

foi acusado de contratar uma empresa sem licitação, comprar 23.500 bicicletas,

22.500 mochilas e 22.500 guarda-chuvas com preços acima dos praticados num

balcão de loja. Somadas as denúncias apontam um prejuízo de quase 20 bilhões de

cruzeiros aos cofres do governo. Acuado pelo barulho da avalanche, o ministro

resolveu apagar as luzes da vitrine para escapar das pedradas. Na sexta, depois de

conversar com o chefe, Alceni cancelou as setenta concorrências em andamento no

Ministério, suspendeu os pagamentos, abriu auditoria interna e afastou quinze

diretores de órgãos do Ministério, entre eles os quatro da Fundação Nacional de

Saúde, órgão responsável pela compra dos produtos169

.

O que é importante reparar no trecho desta reportagem são as duas referências

principais feitas por Veja. A revista diz que Alceni é um ministro de prestígio e um dos únicos

que despacha uma vez por semana com o presidente e ainda, o mais importante, que

administra a parte mais polpuda dos recursos federais, como se ele realmente tivesse controle

sobre os gastos, além da Saúde, de todo o Governo Federal.

Nesta mesma reportagem, Veja utiliza outra ferramenta para fazer denúncias: uma arte

‗espelhada‘ nas páginas 38 e 39 sob o título ―As irregularidades no ministério‖ e enumera as

acusações e supostas irregularidades que o titular da pasta de Saúde teria cometido nas

compras de: feijão com arroz, bicicletas, e contratação de empresa fantasma. Na página 39,

Veja traz a foto de uma bicicleta, cujo preço de varejo, seria menor do que o praticado na

contratação feita por Alceni.

Uma semana depois, a revista trouxe outra reportagem ―Os ministros-podres‖ citando,

além de Alceni Guerra, os então ministros Marcos Coimbra, Rogério Magri, Margarida

Procópio e Carlos Chiarelli que estariam envolvidos em outros casos de corrupção (nesse

momento não será tratado desses outros casos por não ser o objetivo de pesquisa desse

trabalho).

Na mesma página, Veja chama Alceni Guerra de ―Midas das irregularidades‖. A

revista – assim como os jornais diários que publicaram as acusações – se utiliza então de

recursos literários e de imagens para acusar e contextualizar todas as denúncias.

Bucci afirma que o jornalismo não se confunde com a literatura ou com a arte, mas

sempre se beneficiou de recursos literários e, mais tarde, no campo das imagens, das

influências que recebeu do cinema170

.

169

Veja. Enxoval completo, 11 de dezembro de 1991, p. 38. 170

BUCCI, 2000, p.141.

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74

Já na edição seguinte, do dia 29 de dezembro, com o ministro demitido, Veja traz

reportagem com o seguinte título ―Faxina em casa‖ – Collor demite Alceni e Chiarelli cria um

ministério para Bornhasen e convoca o PFL para dar um novo desenho político ao governo171

.

Na mesma edição outra reportagem sobre o ministro da Saúde – ―Alceni sabia de tudo‖172

. Na

foto, o ministro aparece pedalando, ao lado do filho, em uma bicicleta dupla e a legenda com

a seguinte frase: ―Alceni e o filho Guilherme... triste teatro familiar‖. A matéria faz referência

à possibilidade de o ministro já ter conhecimento de todas as supostas irregularidades

cometidas que mais tarde foram comprovadas como ‗enganosas‘.

Nota-se na cobertura de Veja, que a revista ‗pegou o bonde‘ andando. As matérias das

três edições contra Alceni foram praticamente baseadas em ‗pautas‘ dos grandes jornais que,

durante a semana, já haviam publicado informações contra o ministro.

Sem qualquer cuidado, ou sem a conduta de esperar um pouco mais, do que sair na

frente com um furo de reportagem que mais adiante revelaria-se autêntica inverdade. Veja e

os outros meios de comunicação pecaram pelo abuso, pela falta de equilíbrio nas reportagens

com denúncias publicadas.

O ministro não logrou espaço na mídia para se defender. Tanto para Veja, como para

os demais meios de comunicação, o caso Alceni Guerra transformou-se num bom enredo,

numa história novelesca, que como já foi visto vendeu muito. Foi uma boa trama, um bom

caso. Luiz Martins da Silva explica o fenômeno utilizado pela imprensa nesses casos. ―É

quando impera a força do mito, da estrutura literária, das narrativas próprias do gênero

fantástico, do conto maravilhoso, dos enredos ardilosos173

‖.

Na cobertura de Veja, especificamente, nota-se também uma ―tentação ardilosa de

conseguir pegar em flagrante ou julgar rapidamente um ministro que tem prestígio‖. Estava

fora de cogitação, por parte da revista, perder uma boa história, sem qualquer preocupação e

interesse em desmentir o fato. Ainda segundo o Luiz Martins da Silva, a grande mídia espelha

uma certa natureza intrínseca aos ‗fatos jornalísticos‘, que é a propriedade que eles têm de

fugir à ordem natural das coisas, no caso, uma situação absurda e, por isso mesmo,

sensacional.

Por exemplo: uma autoridade do combate ao tráfico de drogas a serviço do mesmo

será muito mais notícia. O caso de Alceni é emblemático. Um superministro de Collor pego

171

Veja. Faxina em casa. 29 de dezembro de 1991, p. 18. 172

Veja. Alceni sabia de tudo. 29 de dezembro de 1991. p. 20. 173

SILVA, 2008.

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75

em atos de corrupção dará mais visibilidade à reportagem. Para Silva, essa situação da

imprensa, em relação à falta de critérios, deve persistir.

Enquanto não advém uma nova disciplina, enquanto não sai do papel uma nova Lei

de Imprensa e enquanto não se criam no Brasil mecanismos de fiscalização da

imprensa, a única solução em vista é o rigor na apuração. (...) As escolas de

jornalismo, por sua vez, têm uma imensa responsabilidade para com a formação dos

futuros profissionais, não só na preparação ética dos mesmos, mas na transmissão de

conhecimentos acerca dos riscos pelos quais podem incorrer repórteres que

desconhecem legislação básica referente ao seu campo de trabalho. Poucos são os

cursos de Jornalismo que se preocupam em oferecer, além de uma disciplina

obrigatória sobre Ética, alguma outra sobre Direito, de preferência, Direito aplicado

à área de Comunicação174

.

Já Francisco Fonseca, acredita que, do ponto de vista da sociedade brasileira, as

iniciativas já consolidadas do Observatório da Imprensa e mesmo a Revista Imprensa

cumprem um importante papel fiscalizatório que, no entanto, representam ainda apenas uma

condição necessária, mas não suficiente: ―deve-se considerar, além do mais, a pequena

abrangência dessas iniciativas, seja para a denúncia dos oligopólios, seja para trazer à tona

visões alternativas às da grande imprensa, seja, especialmente, para o franqueamento ao

dissenso175

‖.

Mais detalhadamente será visto em capítulos posteriores alternativas para controlar

democraticamente a mídia. Os abusos nas coberturas podem existir.

Mário Rosa, em ―A era do escândalo‖ também tem esse reconhecimento.

A mídia exerce dois papéis fundamentais no mundo moderno: definir a pauta do

cotidiano e expor os personagens que a encarnam. A mídia funciona idealmente,

assim, como uma espécie de espelho do ambiente social. Um espelho seletivo, pois

se concentra não sobre todos os temas do universo social, mas apenas sobre aqueles

que são mais importantes ou surpreendentes. Nesse sentido, qualquer mídia, em

qualquer lugar do mundo, embute em seu âmago um certo grau de distorção, pois

não reflete a realidade como um todo, senão seus aspectos capitais. Mas, no caso

brasileiro, corre-se o risco de que esse grau de distorção esteja sendo muito mais

exposto do que outros, igualmente importantes. Essa distorção no espelho pode

trazer como resultado diversas consequências políticas e sociais 176

.

No caso específico da cobertura da Revista Veja, sobre o episódio, Fonseca tem uma

opinião muito particular sobre o assunto. Para ele, a revista abriu mão de ser revista é um

panfleto político-ideológico 177.

174

SILVA. 2008, p. 30. 175

FONSECA, Francisco. Mídia e democracia: falsas confluências. Revista de Sociologia e Política. nº 22,

jun/2004. p. 21. 176

ROSA. 2007, p. 494. 177

Portal da Revista Imprensa. 13 de maio de 2011, às 15h30.

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76

Fonseca, no entanto, apenas qualifica a revista, mas não detalha o que leva o

semanário a esse caminho: seus interesses, suas escolhas. Apesar de ter, como toda empresa

privada, interesses econômicos e políticos, a revista não deixa isso claro para o leitor em suas

publicações.

O estudo de Fábio Jammal Makhoul em ―A cobertura da Revista Veja no primeiro

mandato do presidente Lula‖ traz pistas. Ele lembra que a revista criada em 1968 atinge 5

milhões de leitores (os dados são da própria empresa). Segundo Kelma Jucá178

, o perfil do

leitor de Veja é de classes mais abastadas. Em 2005, 68% dos leitores eram das classes A e B;

47% tinham entre 20 e 39 anos; 55% tinham nível superior; 80% casa própria, e 51% tinham

TV a cabo.

Makhoul conta que, embora o escândalo do mensalão não tenha derrubado e nem

impedido a reeleição de Lula em 2006, foi justamente nos eleitores da classe média alta que o

presidente encontrou o maior índice de rejeição nas eleições. ―Desde que os escândalos no

interior do governo começaram, as pesquisas mostraram um crescente aumento na avaliação

negativa dos petistas entre os setores mais ricos da sociedade com maior grau de escolaridade.

São os potenciais leitores de Veja179

‖.

Desta forma, é possível desconfiar que o posicionamento da revista é ideológico com

aparência de neutralidade, como bem afirma Nélson Jahr Garcia, e de difícil identificação.

―Jornais e revistas, por informarem constantemente sobre os fatos regionais e

internacionais, contribuem em alto grau para fornecer aos determinados leitores uma

visão da realidade em que vivem. Dessa maneira transmitem aos leitores uma

determinada visão da realidade em que vivem. Dessa maneira transmitem os

elementos fundamentais para a formação de um conceito de sociedade e do papel

que cada um deve exercer nela. Por trabalhar com fenômenos apresentados de

maneira aparentemente objetiva, como se fosse a mera e simples apresentação dos

fatos puros, tais como realmente ocorreram, adquire uma aparência de neutralidade

que assegura a confiança da maioria dos leitores. Mas, essa neutralidade não é

real‖180

.

Fábio Jammal Makhoul em seu trabalho, chega a conclusão que a Revista Veja, apesar

de dizer que é parcial e de não revelar ao seu leitor a sua tendência política-ideológica, foi

tendenciosa contra o governo Lula e o PT.

A Revista Veja empreendeu uma verdadeira cruzada contra o governo para derrubar

o PT da Presidência da República e favorecer o PSDB, rasgando todas as regras e

178

JUCÁ, Kelma. Revolução gráfica da Revista Veja em três décadas de existência. Taubaté: Universidade de

Taubaté, 2005, p.85. 179

MAKHOUL, 2009, p. 15 180

GARCIA, Nélson Jahr. O que é propaganda Ideológica. São Paulo: Brasiliense,1982. p. 23.

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códigos de ética do jornalismo. O espírito preconceituoso, patrulheiro, intolerante e

arrogante do semanário carregou nos adjetivos contra o governo Lula, promovendo

um festival de grosseria patético e panfletário. Grosseria que só serviu para

aprofundar o preconceito social e oficializar o jornalismo de insulto181

.

Evidentemente, que ter um lado não é problema. Mas, é importante apresentar ao leitor

o lado em que o meio de comunicação está. É preciso também, ao meu ver, ter honestidade

nas coberturas, assim como seguir as regras básicas de ética do jornalismo.

2.7. Cobertura mais moderada do Estadão, mas não menos prejudicial

O Jornal O Estado de S.Paulo publicou a primeira reportagem sobre as denúncias

contra o ministro Alceni Guerra na edição do dia 5 de dezembro, portanto, um dia após o

‗furo‘ do Correio Braziliense. Como será visto a seguir, em comparação com a Veja e Correio

Braziliense, o jornal paulista foi mais moderado em suas alegações e acusações sobre o caso.

Mas, não deixou de divulgá-lo. Nota-se, portanto, que apesar de linhas editorais diferentes,

quando o caso vira uma ‗trama novelesca‘182

é imprescindível a publicação. A grande

imprensa prolongou o espetáculo – nesse caso as denúncias viraram de grande interesse do

público. Na primeira reportagem de O Estado, o título na página 9 era o seguinte: ―Compra de

bicicletas deverá ser investigada‖. Na linha fina: ―TCU e Câmara querem explicações sobre

os valores pagos‖. O jornal usa o verbo ―deverá‖ e não faz acusações diretas, apesar de deixar

nas entrelinhas de que houve caso de corrupção. Nesse dia, no entanto, não saiu chamada de

capa sobre a matéria.

Na edição seguinte, O Estado de S.Paulo trouxe reportagem apontando que o preço de

guarda-chuvas também estaria sob suspeita.

Os deputados petistas José Dirceu (SP) e Paulo Bernardo (PR) deverão entrar com

uma representação na Procuradoria-Geral da República contra uma licitação para

compra de 22.500 guarda-chuvas, feita pela Fundação Nacional de Saúde. De

acordo com denúncia recebida pelos deputados, os preços estariam superfaturados

em Cr$ 112 milhões em relação aos valores de mercado. Os guarda-chuvas seriam

destinados aos agentes comunitários de saúde, os mesmos destinatários das

181

MAKHOUL, 2009, p. 209. 182

A comparação aqui não retrata teorias de comunicação, mas simplesmente uma prática já habitual da

teledramaturgia. Uma novela tem abertura, quando são nos apresentados os personagens, seus perfis, e seus

valores. Há também o enredo (desenvolvimento) - quando o desenrolar da história dos personagens principais

em paralelo com os antagonistas, e também dos co-protagonistas. Há também a fase da novela em que intrigas,

paixões, emoções, etc, prendem a atenção do telespectador. Uma novela contém protagonistas (os mocinhos) e

antagonistas (vilões). A comparação feita nesse trabalho é para dizer que o ministro da Saúde praticamente viveu

uma enredo de novela com início, meio e fim do episódio.

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78

bicicletas compradas no Paraná também em concorrência suspeita de

irregularidades183.

A primeira manchete de capa dada pelo O Estado foi na edição do dia 7 de

dezembro: ―Ministro da Saúde afasta assessores e apura licitações‖ (fig. 5). Ainda utilizando

termos como ―apura‖. Na linha fina o jornal diz que ―Denúncias de superfaturamento levam

Alceni a convocar auditores para investigar concorrências‖.

Fig. 5

O próprio jornal reconhece que a grande quantidade de denúncias vinha partindo da

imprensa na época.

O ministro da Saúde, Alceni Guerra, depois de seguidas denúncias da imprensa

sobre licitações suspeitas, anunciou ontem o afastamento da diretoria da Fundação

Nacional de Saúde (FNS), de diretores do Instituto Nacional de Assistência da

Previdência Social (Inamps) e da Central de Medicamentos. Ele nomeou auditores

183

Estado de São Paulo, 5 de dezembro de 1991, p.5.

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79

para investigar todas as concorrências do Ministério. As denúncias que levaram

Alceni a agir são de superfaturamento na compra de bicicletas, de guarda-chuvas e

de mochilas para agentes sanitários. O porta-voz do Planalto defendeu o ministro: o

definiu como ―absolutamente correto e merecedor de confiança‖ 184.

Na edição seguinte, do dia 7 de dezembro, O Estado trouxe nova chamada de capa

em sua edição. Desta vez, sob o título ―Alceni reclama da imprensa, chora e passeia de

bicicleta‖. ―O ministro da Saúde, Alceni Guerra, acusou a imprensa de perseguí-lo com a

notícia de que comprou 23.500 bicicletas por preços superfaturados. Chorou e foi passear de

bicicleta185

‖.

A chamada só perdeu espaço para a manchete principal ―Governo negocia dívida dos

Estados em troca de apoio‖.

Na página interna O Estado mostrou a foto emblemática que foi divulgada em quase

todos os jornais do País (fig. 6): Alceni sentado no meio-fio de uma calçada com sua bicicleta

dupla estacionada, ao lado do filho, uma desmoralização pública ao superministro que

‗cometeu atos de corrupção‘.

184

Nota-se que O Estado foi um dos poucos meios de comunicação da grande imprensa a ter declarações de

alguém do governo partindo em defesa do ministro. O porta-voz do Planalto, que fala em nome de Collor,

definiu o ministro como absolutamente correto e merecedor de confiança. Essa confiança que não teria sido dada

a ele pela imprensa. 185

O Estado de S. Paulo. Alceni reclama da imprensa, chora e passeia de bicicleta. 7 de dezembro de 1991,

Capa.

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80

Fig. 6

Repetindo o que fizeram os demais meios de comunicação, O Estado seguiu nas

mesmas apurações. Veja o que diz Perseu Abramo sobre essa característica da imprensa:

Embora tenha sido escolhido como um fato jornalístico e, portanto, digno de

merecer estar na produção jornalística, o fato é decomposto, atomizado, dividido,

em particularidades, ou aspectos do fato, e a imprensa seleciona os que apresentará

ou não ao público. Novamente, os critérios para essa Seleção não residem

necessariamente na natureza ou nas características do fato decomposto, mas sim

nas decisões, na linha, no projeto do órgão de imprensa, e que são transmitidos,

impostos ou adotados pelos jornalistas desse órgão186

.

Trecho da reportagem:

Três dias depois da divulgação de uma série de denúncias sobre superfaturamento

de compras do Ministério da Saúde, o ministro Alceni Guerra teve ontem um dia

emblemático. Em entrevista coletiva, na sede do Ministério, ele se mostrou tão

magoado que interrompeu suas declarações com a voz presa e os olhos cheios de

lágrimas. Saiu apressado e foi ao Parque da Cidade para relaxar pedalando uma

Monark de dois lugares – uma das irregularidades foi registrada na aquisição de

bicicletas Caloi por preços acima -, em companhia de Guilherme um de seus quatro

186

ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa, 1º edição. São Paulo: Editora Fundação

Perseu Abramo, 2003, p. 29.

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filhos. Na entrevista, o ministro se queixou da imprensa, que denunciou as compras

superfaturadas de 23.500 bicicletas, e igual quantidade de mochilas e guarda-

chuvas. ―Há dez meses os veículos de comunicação fazem uma marcação

implacável sobre mim‖, afirmou Alceni. ―É uma campanha insidiosa‖, desabafou,

interrompendo a entrevista para chorar. Ao ver o pai se retirando apressado para

disfarçar as lágrimas, Guilherme, de 12 anos, também chorou187

.

Nesse caso, nota-se que o comportamento de O Estado de S. Paulo, assim como de

outros jornais, sobre a cobertura desse episódio, foi além dos fatos políticos. Ao contrário do

início da cobertura, O Estado de S. Paulo partiu para publicações de matérias com tons mais

agressivos. Partiu para o lado pessoal, atingindo agora, inclusive, familiares do ministro, seu

filho de 12 anos.

A mídia, que sempre busca investigar e debater questões públicas de outras

instituições, infelizmente cala-se quando o assunto é ela própria.

De acordo com Ricardo Noblat, citado no Livro ―A era do escândalo‖, ―por orgulho,

soberba, vaidade ou ignorância, jornais e jornalistas procuram fazer de conta que só acertam.

E quando são pilhados em erro custa-lhes admitir que erraram. Os jornalistas temem ser

punidos por seus chefes. Os jornais temem perder leitores‖188

.

Esse tipo de posição e postura da mídia já foi tratado também por autores

importantes. O livro ―Os elementos do jornalista‖189

, que traz análises profundas da imprensa

contemporânea, de autoria dos jornalistas americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel, defende

que os meios de comunicação devem primar pela transparência:

―Os jornalistas devem revelar ao seu público sempre que manipularam suas fontes

para conseguir a informação e explicar suas razões, incluindo porque a matéria

justifica a fraude e por que essa foi a única forma de conseguir a informação. Com

esse enfoque os cidadãos podem decidir por si mesmos se essa desonestidade

jornalística se justifica ou não. E os jornalistas, por sua vez, foram claros com a

população a quem devem sua lealdade maior‖190

.

Então se é o interesse é público que está em jogo, e a imprensa diz que prima por

esse interesse, e não há nada de impróprio na cobertura da imprensa porque esconder os

detalhes de certas apurações?

Nesse sentido, não somente O Estado de S. Paulo, analisado nesse capítulo, como os

demais meios de comunicação escrita, pecam. Escondem seus critérios de apuração, muitas

vezes questionáveis.

187

O Estado de S. Paulo. Ministro queixa-se da imprensa e chora. 11 de dezembro de 1991, p.8. 188

ROSA, 2007, p. 448. 189

ROSENSTIEL, Tom; KOVACH, Bill. Os elementos do jornalismo. Porto Editorial, 2005. 190

ROSA, op. cit., p. 450.

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82

Para encerrar esse capítulo, é bom lembrar também que muito embora o

conservadorismo191

de O Estado de S. Paulo – como visão de mundo – as coberturas tornam-

se indistintas quando os episódios são dados como escândalos. A preocupação com a venda

de jornais e a produção de títulos, fotos e chamadas de capas para chamar a atenção dos

leitores é comum a todos os órgãos de imprensa estudados.

Mesmo com menor grau de ‗abuso‘, O Estado publicou as difamações contra Alceni.

As diferenças de perfis ideológicos, inclusive, não foram suficientes para que o leitor

conseguisse observar uma cobertura diferente, mais aprofundada sobre o caso. O Estado e os

demais jornais trabalharam em uníssono.

Nesse sentido, a publicação uníssona trouxe graves prejuízos à imagem pública do

ministro da Saúde atingindo, inclusive, seus familiares, com requintes de crueldade no

episódio do parque.

Estava tentando manter a normalidade em um momento de minha vida em que nada

mais era normal quando envolvia a figura de Alceni Guerra, o ministro das

bicicletas. Na hora de ir para o parque eu agi como pai, não como político no meio

do tiroteio. Estava cumprindo a promessa de andar de bicicleta com meu filho no

parque, como sempre fazíamos. Foi um erro. Não adianta querer manter a

normalidade 192.

2.8. Por que a Folha não poupou o ministro de Collor?

O Jornal Folha de S. Paulo que tem a maior tiragem do País, desde 1984, também

não poupou o ministro Alceni Guerra em suas reportagens sobre o escândalo da compra de

bicicletas. Mas, antes da análise das reportagens é importante contextualizar o início dos anos

90 para mostrar a relação do presidente Collor com a direção do jornal na época.

A Folha, tida como um jornal brasileiro moderno, independente, liberal, avançado,

imparcial e que pratica um jornalismo independente, teve problemas com o presidente Collor.

No próprio site da empresa jornalística e também no livro de Mário Sérgio Conti, ex-

jornalista do periódico, é confirmada esta versão.

Segundo o site da Folha, seja como candidato, seja como presidente, Fernando Collor

de Mello sempre considerou a Folha um jornal inimigo193

.

191

FONSECA, 2005, p. 402. 192

ROSA, 2007, p. 410. 193

http:// www1.folha.uol.com.br/folha/80anos/tempos_cruciais-04.shtml.

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83

E teria agido de acordo com essa crença: menos de dez dias depois de tomar posse,

deu sinal verde para que a Receita e a Polícia Federal invadissem o jornal e quatro meses mais

tarde processou o seu diretor de Redação e outros três jornalistas.

Collor esteve duas vezes na sede do jornal durante a campanha presidencial de

1989. Em ambas, achou que foi mal recebido. Na primeira, por não ter encontrado

ninguém da diretoria da empresa ou do jornal. Na outra visita, por ter podido

conversar apenas poucos minutos com o diretor de Redação, Otavio Frias Filho.

O candidato do PRN também não gostou de reportagens de Elvira Lobato, Gilberto

Dimenstein e Clóvis Rossi publicadas durante a campanha. Nelas, o jornal revelava

detalhes do acordo de Collor com usineiros alagoanos; como ele contratou mais de

400 funcionários na véspera de deixar a Prefeitura de Maceió; e como o governo de

Alagoas assinara um contrato no valor de US$ 420 mil para contar com a assessoria

de Zélia Cardoso de Mello194

.

Ainda segundo site, por meio de reportagem de Mário Sérgio Conti, na época,

editorialmente, a Folha não tomou posição a favor de nenhum dos candidatos. Seguiu o seu

preceito de manter a independência em relação aos partidos. Houve um editorial, no entanto,

sugerido e escrito por Artur Ribeiro Neto, que criticou a espetacularização da política e as

ilusões televisivas disseminadas por Collor.

Logo em seguida à decretação do Plano Collor, no qual o presidente congelava contas

bancárias, cadernetas de poupança e aplicações financeiras acima de US$ 1.250, o jornal fez

um editorial sobre a medida.

Na tarde de sexta-feira, 23 de março de 1990, seis fiscais da Receita, dois agentes e

um delegado da PF invadiram o prédio da Folha. Zelia Cardoso de Mello, ministra

da Economia, disse a Collor que a PF faria uma diligência no jornal.

O objetivo da invasão era conferir se o jornal estava cobrando faturas publicitárias

em cruzados novos ou na moeda recém-criada, o cruzeiro. Conforme orientação da

Associação Nacional de Jornais, a Folha fazia as cobranças em cruzeiros.

Os policiais e agentes da Receita não se encaminharam ao local onde ficavam os

arquivos contábeis da empresa. Foram direto para o andar da diretoria e

perguntaram várias vezes: "Onde está o Frias?". Não o encontraram (ele estava

noutro andar) e levaram à Polícia Federal a sua secretária, Vera Lia Roberto, um

dos diretores da empresa na época, Pedro Pinciroli, e o diretor administrativo,

Renato Castanhari. Os três prestaram depoimento e foram liberados.

Na edição do dia seguinte, o jornal publicou uma reportagem relatando a invasão.

Estampou também na primeira página um editorial, escrito por Marcelo Coelho,

então coordenador dos editoriais, intitulado "A escalada fascista". O editorial

responsabilizava Collor diretamente pela invasão e o comparava a Ceaucescu, o

ditador comunista da Romênia que fora destituído do poder e fuzilado três meses

antes:

"A democracia brasileira não tolera aspirantes a Ceaucescu ou versões juvenis de

Mussolini. Aberta, como qualquer empresa, à fiscalização das autoridades, esta

Folha não aceita intimidações grosseiras nem ameaças policiais".

No domingo, o jornal publicou um artigo de Otavio Frias Filho em que a

comparação de Collor com Mussolini era aprofundada. Na segunda-feira, o

194

ROSA, 2007, p. 410.

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84

governo cancelou a medida provisória que dera embasamento à invasão. Com o

recuo do governo, não houve mais artigos e editoriais contra a invasão. Na

avaliação da Direção do jornal, havia sido cumprido o objetivo de mostrar aos

leitores, e ao governo, que a Folha não se atemorizaria.

Em julho, Gustavo Krieger e Josias de Souza, da Sucursal de Brasília, fizeram uma

série de reportagens mostrando que Cláudio Vieira, secretário particular do

presidente, contratara agências de publicidade sem realizar licitações, como

determinava a legislação criada pelo próprio governo recém-empossado. As

agências contratadas, Setembro e Giovanni, haviam participado da campanha

eleitoral de Collor.

Cláudio Vieira protestou. Enviou cartas à Folha, que as publicou, e veiculou textos

pagos em outros jornais contestando as reportagens. Argumentava que as

contratações em licitação foram feitas em "caráter excepcional". O jornal não

desmentiu as suas reportagens, todas elas baseadas em documentos oficiais.

No mês seguinte, o presidente abriu um processo contra Gustavo Krieger, Josias de

Souza, o repórter Nelson Blecher, que participara marginalmente da apuração sobre

as agências de publicidade, e o diretor de Redação, Otavio Frias Filho. Collor

acusou o jornal de caluniá-lo.

O mote do processo não eram as reportagens, e sim duas notas que saíram na

coluna "Painel Econômico", nas quais nem Cláudio Vieira nem Collor eram

citados. Nenhum dos quatro processados apurara ou escrevera as notas, e Frias

Filho nem sequer estava no jornal na época em que elas foram publicadas.

As notas faziam uma vinculação, indireta, entre eventuais dívidas restantes da

campanha de Collor, com agências de publicidade, e as contratações feitas pelo

Planalto sem licitação, em "caráter excepcional"195

.

De acordo com a Folha, um processo de Collor contra o jornal se arrastou durante

meses. Em abril de 1991, o diretor de Redação do jornal escreveu uma carta aberta ao

presidente. A intenção de Frias Filho, diretor do jornal, era chamar a atenção da opinião

pública para a dimensão política da ação do presidente: a de intimidar um órgão de imprensa.

O texto foi publicado na primeira página da edição de quinta-feira, 25 de abril de 1991, com o

título de "Carta aberta ao sr. Presidente da República":

No livro ―Notícias do Planalto‖, Conti reproduz a carta:

Que o sr. esqueça o processo contra os meus três colegas e concentre seus rancores

na minha pessoa, já que deseja atingir a Folha como instituição", afirmava o diretor

de Redação. "Processe-me pelo que de fato penso e afirmo em vez de se esconder

sob o pretexto de duas notas inócuas, perdidas sem assinatura numa edição

publicada, aliás, quando eu estava ausente, em licença profissional196

.

Frias Filho encerrou a carta comparando as razões de Collor com as suas, as

motivações da autoridade com as da imprensa.

Eu luto pela minha liberdade, o sr. por uma vaidade ferida; e, no entanto minhas

razões são públicas e de interesse geral, ao passo que as suas é que são particulares,

sombrias como a própria solidão; (...) eu advogo um direito, o sr. uma obrigação de

vassalagem; uma condenação lançará vergonha sobre o sr. e honra sobre mim; seu

governo será tragado pelo turbilhão do tempo até que dele só reste uma pálida

195

www.folha.com. br. 196

CONTI, 1994, p. 452.

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reminiscência, mas este jornal desde que cultive o seu compromisso com o direito

dos leitores à verdade continuará de pé: até mesmo o sr. é capaz de compreender

por que a minha causa é mais forte e mais justa que a sua"197

.

Em janeiro do ano seguinte, 1992, os jornalistas da Folha foram absolvidos. Na

sentença, o juiz Nelson Bernardes de Souza escreveu: "É irrecusável que o noticiário

publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, apontando irregularidades na contratação de agências

publicitárias sem licitação, circunscreveu-se aos estreitos limites da crítica inspirada pelo

interesse público". O presidente não recorreu da decisão.

De acordo com Conti, aquela altura Collor já estava desgastado e esse desgaste

continuou no início de 1992, com denúncias de corrupção e queda de ministros. Em março,

Collor tentou se reassenhorar da situação promovendo uma reforma ministerial. Encarregado

da articulação política, Jorge Bornhausen, do PFL, agendou encontros do presidente com

dirigentes de órgãos de imprensa, inclusive a Folha.

Nem por isso a situação do governo melhorou. Em maio, as acusações do irmão mais

novo do presidente, Pedro Collor, contra Paulo César Farias logo viraram um pesado bate-

boca. A escalada de Pedro Collor culminou numa longa entrevista a "Veja", na qual sustentou

que PC Farias era testa de ferro do presidente.

No final de junho, Eriberto França, motorista de Collor, deu uma entrevista a IstoÉ e

apresentou documentos comprovando que PC Farias pagava despesas de Rosane e Fernando

Collor.

Três dias depois, a Folha publicou um editorial cujo conteúdo vinha sendo discutido

internamente no jornal há vários dias. Escrito por Marcelo Coelho e publicado na primeira

página, o editorial defendia a renúncia de Fernando Collor. O Estado de S.Paulo também

publicou um editorial no mesmo sentido naquela terça-feira, 30 de junho.

Segundo a Folha, em 29 de dezembro, na iminência de ser considerado culpado pelo

Senado e definitivamente apeado do cargo, Fernando Collor renunciou à Presidência.

Portanto, o início do mandato de Collor (1990) foi turbulento no relacionamento com

a Folha. O que parte do princípio que no caso da denúncia contra um ministro do presidente

não haveria misericórdia. Todos os atos dele seriam publicados.

Francisco Fonseca, no livro ―O Consenso Forjado‖, escreve um capítulo para falar do

jornal intitulado ―A Folha de S. Paulo e a volatilidade ideológica‖.

Segundo ele, a Folha é volátil em termos ideológicos (ideologia tomada no sentido

―fraco‖, isto é, como corpus doutrinário), em razão de alteração de suas posições tendo em

197

CONTI, 1994, p. 452.

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vista a proximidade que procura estabelecer seus leitores e com a opinião média da sociedade,

à luz do Projeto Folha.

Tal característica é ambígua, dado ser igualmente objetivo do jornal influenciar

seus leitores e a sociedade como um todo. A facilidade com que se assume ―novas‖

posições lhe é, contudo, marcante, e pode ser apercebida nesta significativa

afirmação de Otavio Frias Filho de que ―é muito mais útil que a sociedade tenha um

jornal que é sensível às mudanças que ocorrem cada dia, muito mais útil que os

leitores tenham um jornal que se modifica à medida que a disposição deles, leitores,

vai se modificando do que ter um jornal fossilizado, que é uma ideologia incrustada

na sociedade, que não se modifica há décadas [ou seja, o Jornal O Estado de

S.Paulo]. 198

2.9. As reportagens acusatórias

Depois de explicarmos o porquê a Folha não poupou o ministro Alceni Guerra,

torna-se imprescindível analisar que, a exemplo dos demais jornais e da Revista Veja já

mencionados nesse trabalho, o jornal paulista também acompanhou passo a passo as

denúncias contra o ministro. A primeira reportagem foi publicada na edição de 5 de dezembro

de 1991. Por um período de uma semana ininterrupta, a Folha trouxe em suas páginas, ao

menos, uma reportagem sobre as acusações.

―Saúde paga 50% a mais por 23,5 mil bicicletas‖ foi a primeira matéria, de capa do

jornal. Nela, o periódico afirmava com ‗convicção‘199 que o Ministério da Saúde comprou

23,5 mil bicicletas pagando pelo menos 50% acima dos preços de mercado. ―Adquiridas por

Cr$ 3,3 bilhões de uma empresa paranaense, as bicicletas são destinadas a agentes de saúde da

região Nordeste e Norte. O Tribunal de Contas da União pediu investigação da transação. O

ministro da Saúde, Alceni Guerra, não quis comentar o caso‖200

.

O primeiro equívoco nessa chamada de capa pode ser considerado o fato de a Folha

ter afirmado que o ministro não quis comentar o caso. Não quis ou não foi procurado? Na

página interna do jornal, não é especificado ou explicado esse fato. Não houve defesa do

ministro sobre o episódio. De acordo com a mesma reportagem da Folha, o caso das bicicletas

seria a 2ª irregularidade em 15 dias.

198

FONSECA, 2005, p. 150-151. 199

Nota-se aqui os verbos utilizados pela Folha, sempre no presente, excluindo totalmente a possibilidade de

uma suspeita. 200

Folha de S. Paulo. Saúde paga 50% a mais por 23,5 mil bicicletas. 5 de dezembro de 1991, Capa.

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87

O superfaturamento de preços na compra de bicicletas é o segundo caso de suspeita

de irregularidade verificado no Ministério da Saúde, num prazo de 15 dias. No dia

23, a Folha revelou um contrato no valor de Cr$ 18 bilhões com a Maters

Consultores Associados, realizado sem licitação201

.

E, no caso da cobertura da Folha de S. Paulo, uma única denúncia – do caso da

compra das bicicletas – se transformara numa bola de neve. Já nas edições seguintes foram

publicadas mais denúncias. Na edição do dia 6, por exemplo, o ministro agora era acusado de

comprar, sem licitação, 60 mil filtros pagando um preço alto.

Na linha fina, abaixo do título ―Sem licitação, Saúde paga preço alto por 60 mil

filtros‖, o seguinte: Produtos foram comprados em setembro com custo superior ao de

mercado. A reportagem, de cerca de 2 mil caracteres, com abre de página, trazia uma defesa

de apenas 400 caracteres com o ministro tentando se defender. ―Ministro alega preço do

frete‖. O detalhe é que o jornal não deu qualquer espaço para que ele pudesse falar sobre os

filtros.

A defesa dele, de apenas 400 caracteres, era sobre as bicicletas. A essa altura as

denúncias ‗pipocaram‘ na imprensa. Num pequeno texto/espaço dado pelo jornal, Alceni

afirmava que não houve superfaturamento de preços na compra de 23,5 mil bicicletas.

―Superfaturamento é a mãe de quem está inventando isso. Provamos que os preços eram

inferiores aos da fábrica e que o acréscimo em relação ao varejo deve-se aos custos de frete e

armazenagem‖202

.

De acordo com Eugênio Bucci, em seu livro ―Sobre Ética e Imprensa‖, há um tábua

de pecados cometidos pela imprensa. Com base nas ideias de Ciro Marcondes Filho, no livro

―Comunicação e Jornalismo: A saga dos cães perdidos‖, são, ao todo, doze deslizes,

compilados pelo autor com base em livros e artigos.

No livro de Bucci são citados alguns deslizes que, ao serem analisados, podemos

chegar a conclusão que, a Folha de S. Paulo, e também todos os outros periódicos analisados

nesse trabalho cometeram203

.

1 – Apresentar um suspeito como culpado: Durante toda a cobertura, Alceni Guerra

foi apresentado como culpado condenado. Os meios de comunicação, nesse caso, foram

implacáveis. As denúncias, a cada dia, se avolumaram. O ministro faz declarações

importantes sobre essa característica da imprensa, a de o considerarem culpado e também o

201

Folha de S. Paulo, 5 de dezembro de 1991, p.10. 202

Folha de S. Paulo. Sem licitação, Saúde paga preço alto por 60 mil filtros, 6 de dezembro de 1991, p. 4. 203

Ao longo de estudo dos erros da imprensa nota-se que todos os jornais e a revista analisados publicaram

reportagens com abordagem muito semelhantes. O espaço dado ao investigado, quando dado, foi muito igual em

todos os espaços da mídia.

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fato de as acusações se transformarem em outras novas acusações. Ele chegou a abrir

auditorias na tentativa de dar uma resposta positiva à imprensa e cessar as acusações. Mas,

não adiantou.

Dentro do cenário de enormes pressões, eu não só não tinha controlado a crise

como produzira a maior fúria jornalística já vista no Brasil. Abrir o ministério para

auditorias foi um erro. A imprensa não queria a verdade, queria destruir o ministro

de maior evidência em um governo que ela detestava. Para cada explicação, uma

nova acusação. No carrossel de denúncias, era impossível se defender. Quando os

ataques passaram para a esfera pessoal eu me senti como os animais que são

linchados em praça pública no ritual conhecido como ―farra do boi‖, que acontece

na Semana Santa em várias comunidades de Santa Catarina. Os bois são soltos nas

ruas e passam a ser perseguidos implacavelmente pelos habitantes dos vilarejos,

armados de porretes, pedras, facas e lanças. A farra só acaba quando o animal está

morto204

.

Foi como se Alceni Guerra, abrindo uma auditoria para investigar as denúncias,

tentasse dar uma resposta para o que a imprensa gostaria de ouvir. Esse fato, aliás, já foi

observado por Manoel Castells.

(...) os atores políticos acabam tendo de obedecer às regras e sujeitar-se aos

recursos tecnológicos e interesses da mídia. A política passa a ser inserida na mídia.

E porque o governo depende de reeleições, ou eleições para um posto mais elevado,

o próprio governo fica também dependente de sua avaliação diária do impacto

potencial de suas decisões sobre a opinião pública, mensurado por meio de

pesquisas de opinião, grupo de teste e análises de imagens205

.

O efeito preterido por Alceni, no entanto, foi contrário. Apesar de tomar decisão de

abrir autoria, o caso ganhou mais repercussão com surgimento de novas denúncias. Citando

Sandra Moog, Castells diz que as afirmações de profissionais da mídia sobre política

transformam-se em acontecimentos políticos por si próprios, e a cada semana são

proclamados os vencedores e os vencidos na corrida política. É o que já foi denominado em

capítulos anteriores, da ‗trama novelesca‘ nas coberturas dos escândalos políticos.

Atualmente os eventos divulgados nas notícias tendem a diluir-se em meras

discussões sobre reações do público a mais recente cobertura da imprensa. Quem

são os vencedores e os vencidos, quais personalidades estão com os índices de

popularidade em alta ou em baixa, como consequência de eventos políticos do mês,

da semana ou do dia anterior. A realização frequente de pesquisas de opinião pelas

agências de noticias permitem esse tipo de hiperreflexividade ao fornecer uma base

supostamente objetiva para especulações dos jornalistas sobre os impactos das

204

ROSA, 2007, p.410. 205

CASTELLS, Manuel. A política informacional e a crise da democracia. Tradução Klauss Brandini Gerhardt.

São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 370.

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ações políticas e as respectivas reações da imprensa a tais ações, mediante a

avaliação popular de diversos políticos. 206

O que pode ser analisado, no caso Alceni Guerra, se confirma no que diz Sandra

Moog. Por parte da cobertura, tanto da Folha como dos demais jornais e a revista analisada,

foram, sem dúvida, especulações e mais especulações de assuntos no noticiário, com uma

espécie de termômetro para saber quando o ministro ia cair.

Voltando então aos deslizes, o segundo também é apontado no livro de Bucci.

2 – Vasculhar a vida privada das pessoas, publicar detalhes insignificantes de

personalidades e de autoridades para desacreditá-las – Esse deslize foi observado dentro do

estudo desse trabalho. Todos os jornais vasculharam a vida de Alceni, inclusive com

reportagens publicadas quando o ministro fazia um simples passeio em um parque da cidade.

Veja um trecho da reportagem da Folha na edição de 8 de dezembro de 1991. O título daquele

dia: ―Alceni chora quatro vezes e diz que não pedirá demissão‖.

O ministro da Saúde, Alceni Guerra, chorou ontem quatro vezes durante entrevista no

Ministério da Saúde. Ele afirmou que não pensa em pedir demissão. Estava

acompanhado do filho Guilherme, 12. As denúncias de supostas irregularidades

atingiram um dos ministros preferidos do presidente Fernando Collor de Melo.

Responsável pela principal obra social do governo, os Ciacs, Alceni foi o alvo da

semana207

.

A célebre foto de Alceni na sarjeta sentado, ao lado do filho, com uma bicicleta

também foi publicada nas edições da Folha (fig. 7).

206

CASTELLS, Manuel apud. MOOG, Sandra, p. 379. 207

Folha de S. Paulo. Alceni chora quatro vezes e diz que não pedirá demissão. 8 de dezembro de 1991, p.6.

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Fig. 7

A edição do dia 7 da Folha é mais curiosa. Nela, aparece a manchete sobre o

principal assunto: ―Alceni recua e susta compra de bicicletas‖.

Proposital ou não a foto principal da capa naquele dia não é de Alceni e sim do

presidente Fernando Collor, ao lado do então governador Luiz Antônio Fleury Filho.

A legenda da foto diz: ―Incomodado por uma coceira no olho, Collor acompanha

com o governador Luiz Antônio Fleury Filho formatura de cadetes da Academia da Força

Aérea de Pirassununga (SP)‖.

Mas observando a foto (fig. 8) nota-se que profundamente analisada, ela pode ou não

ter sido colocada ao lado da manchete sobre as denúncias de Alceni Guerra. É como se o

jornal quisesse dizer: ―Collor precisa abrir os olhos para os atos de corrupção de seu ministro

da Saúde‖. Mas, reparando analiticamente, percebe-se um Collor em atitude característica de

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uma pessoa que diz para a outra: ―Vou abrir o olho‖ e acima coincidentemente ou não a

manchete sobre as denúncias de Alceni.

Fig. 8

Esse tipo de instrumento ‗oculto e sub-liminar‘, utilizado pela mídia, como fez a

Folha nesse episódio, pode ser equiparado ao que o Perseu Abramo chamaria de ―Inversão da

relevância dos aspectos‖. ―O secundário é apresentado como o principal e vice-versa; o

particular pelo geral e vice-versa; o acessório e supérfluo no lugar do importante e decisivo; o

caráter adjetivo pelo substantivo; o pitoresco, o esdrúxulo, o detalhe, enfim, pelo

essencial208

‖.

O terceiro deslize apontado no livro de Eugenio Bucci também tem grande relevância.

3 – Construir uma história falsa, seja em apoio a versões oficiais, seja para justificar

uma suspeita – Aqui os jornais, como a Folha, cometeram esse erro ao publicarem denúncia

de corrupção que não existia e que foi comprovadamente desmentida, após reconhecido pela

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Justiça e pelos próprios meios de comunicação ou jornalistas que acompanharam o caso na

época.

O maior problema, como já revelamos anteriormente, é que a imprensa geralmente dá

muito mais importância para as notícias negativas, ainda mais quando se trata de escândalos.

Manuel Castells, em ―A política informacional e a crise da democracia‖, também identificou

essa característica.

A fim de compreender a inserção da política na lógica dos meios de comunicação,

devemos atentar para os princípios fundamentais que regem a mídia informativa: a

corrida em busca de maiores índices de audiência, em concorrência direta com o

entretenimento; e o necessário distanciamento da política, para conquistar

credibilidade. Isso se traduz nas tradicionais premissas para uma boa cobertura de

notícias, conforme Gitlin: ―As notícias devem estar voltadas ao evento, não às

condições a ele subjacentes; na pessoa, não no grupo; no conflito, não no consenso;

no fato que ―antecipa a história‖, não naquele que a explica‖. Somente as ―más

notícias‖, referentes a conflitos, cenas dramáticas, acordos ilícitos ou

comportamentos questionáveis são noticias interessantes. Considerando que as

notícias são cada vez mais submetidas à concorrência dos programas de

entretenimento ou de eventos esportivos, o mesmo acontece com sua lógica. Ela

exige cenas dramáticas, suspense conflito, rivalidades, ganância, decepções,

vencedores e vencidos e, se possível, sexo e violência‖209

.

Está aí um prato cheio para a grande imprensa brasileira. O caso Alceni Guerra teve

um pouco de tudo: cenas dramáticas (um passeio com o filho no parque, o choro do ministro),

ganância, suspense, conflito, rivalidade (vejamos então a missão de Alceni para tentar

emplacar uma aproximação entre Leonel Brizola e o empresário Roberto Marinho). Também

teve vencedores e vencidos. O vencido foi o ministro da Saúde, demitido pelo presidente

Collor após as denúncias de superfaturamento na compra de bicicletas e seu desgaste político.

4 – Publicar o provisório e o não-confirmado para obter o furo. Transformar rumor

em notícia – Foi outra característica, dentro dos deslizes da imprensa, citados por Bucci. Uma

falha inadmissível e cruel que pode trazer prejuízos inimagináveis à figura pública. Nesse

contexto praticamente só existe espaço para o negativo. No livro a Era do Escândalo, o

próprio Alceni conta que ―uma outra vertente da competição era no sentido de quem atirava

mais, que ia conseguir derrubar o ministro. Qual a manchete ia resultar na minha

demissão‖210

.

A característica citada por Bucci também é confirmada por Perseu Abramo. Ele diz

que não é o fato em si (nesse caso o verdadeiro) que passa a importar, mas a versão que dele

208

ABRAMO, 2003, p. 29. 209

CASTELLS, 2000, p. 379. 210

ROSA, 2007, p. 408.

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tem o órgão de imprensa, seja essa versão originada no próprio órgão de imprensa, seja

adotada ou aceita de alguém – da fonte das declarações e opiniões211

.

Ou seja, a posição da grande imprensa, como se pode observar na cobertura da Folha

de S. Paulo, e dos demais órgãos estudados nesse episódio foi clara. Os jornais abriram os

olhos para uma denúncia não comprovada e os fecharam para uma ‗investigação jornalística‘

mais profunda e cuidadosa no trato das análises políticas.

A meu ver, jornais e a Revista Veja, deram a notícia sem qualquer preocupação

assumindo conscientemente um possível erro posterior. É como veremos nos próximos

capítulos: jornalistas têm características intrínsecas dentro desse setor. Eles se apresentam

como representantes do que chamam de interesse público, que muitas vezes, na verdade, se

confunde com o interesse do público. No entanto, existe um argumento insofismável de que a

imprensa é uma atividade privada.

Ainda remetendo-se às opiniões de Abramo e Bucci, em que se publica fatos não

confirmados como sendo verdadeiros, há uma referência importante no livro Padrões de

Manipulação da Grande Imprensa, do primeiro autor.

O órgão de imprensa praticamente renuncia a observar e expor os fatos mais triviais

do mundo natural ou social, e prefere, em lugar dessa simples operação, apresentar

as declarações, suas ou alheias sobre esses fatos. Frequentemente, sustenta as

versões mesmo quando os fatos as contradizem. Muitas vezes, prefere engendrar

versões e explicações opiniáticas cada vez mais complicadas e nebulosas a render-

se à evidência dos fatos. Tudo se passa como se o órgão de imprensa agisse sob o

domínio de um princípio que dissesse: se o fato não corresponde à minha versão,

deve haver algo errado com o fato212

.

2.10. A imprensa fecha os olhos para as explicações de Alceni

Já vimos que a imprensa, que sempre debate as contradições de outras instituições

sociais, frequentemente deixa a desejar quando o assunto é o momento de discutir as suas

próprias. Na análise das reportagens dos meios de comunicação em estudo, em relação ao

caso Alceni Guerra, pode-se perfeitamente afirmar que é possível identificar excessos nas

coberturas com inverdades pontuais. As acusações foram implacáveis. No entanto, uma

observação é muito importante. Os meios de comunicação teriam dado o espaço devido para

que o ministro pudesse se explicar? A resposta, com certeza, é não.

211

ABRAMO. 2003, p.29. 212

ABRAMO, loc. cit.

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Ricardo Noblat revela uma característica comum dos jornalistas. Segundo ele, ―por

orgulho, soberba, vaidade ou ignorância, jornais e jornalistas procuram fazer de conta que só

acertam. E quando são pilhados em erro custa-lhes admitir que erraram213

.

No caso do ministro Alceni Guerra, a grande imprensa teria errado ao não dar o devido

espaço para a defesa. Durante todo o episódio em que foi acusado o ministro tentou dar

explicações para derrubar a denúncia de superfaturamento na compra de bicicletas. Depois

surgiram novas denúncias, de outras compras como guarda-chuvas.

O ministro relata, no livro ―A era do escândalo‖, que chegou a pedir para que um

funcionário do ministério fosse a uma grande loja de varejo de Brasília, uma das maiores

redes do País, onde se vendiam bicicletas a um preço inferior ao que seria pago pelo

ministério na compra das 23 mil unidades. A resposta foi de que era impossível manter o

preço do varejo, porque o valor na fábrica já era superior aquele praticado na loja e também

maior em relação ao vencedor da licitação. Era assim o Brasil da inflação, segundo o ministro.

Ele conta que pegou os dois orçamentos – o da fábrica, e já mais caro do que o pago pelo

ministério, e o da loja, mais barato – e viu que não havia superfaturamento, como noticiava a

imprensa. Esperava assim provar que o Ministério da Saúde realmente tinha razão em suas

explicações. Mas, ao contrário do que se esperava, as notícias negativas se evoluíram. A

imprensa já tinha se voltado contra o ministério.

Alceni conta também que somente muito tempo depois descobriu que a primeira

denúncia partira de um dos perdedores da licitação que forneceu dados equivocados ao

Correio Braziliense – jornal de onde partiu a denúncia.

As acusações eram infundadas e de má-fé. A denúncia era a seguinte: o ministério

iria pagar Cr$ 140 mil por cada bicicleta, quando o produto era vendido em uma

loja de varejo de Brasília por Cr$ 95 mil. Só que o preço praticado na indústria era

de Cr$ 180 mil. Vale lembrar que a inflação naquele período era de 30% ao mês.

Então, era muito difícil lidar com uma acusação de superfaturamento num cenário

inflacionário de majoramento de preços da ordem de 1% ao dia. Além disso, no

caso das contas do governo, não se pode ignorar que os pagamentos eram feitos

com prazos que variavam de 30 a 60 dias. Era óbvio que quem fosse avaliar os

valores de qualquer licitação com os praticados no mercado iria encontrar

discrepâncias. Afinal, os parâmetros de preços mudavam diariamente. Quem paga

uma bicicleta com 30% de inflação mensal em 60 dias de prazo não pode

desembolsar o mesmo que quando compra a mesma mercadoria à vista. Existe algo

mais elementar, cristalino, óbvio? 214

Dentre os jornais analisados, pouco ou quase nada, se falou sobre isso. O Correio

Braziliense, por exemplo, em uma semana maciça de acusações não publicou qualquer

213

ROSA, 2007, p. 448.

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95

reportagem específica com essas explicações. A ênfase foi dada na possibilidade de abertura

de uma auditoria para investigar o caso.

O Jornal Folha de S. Paulo trouxe duas notas – nas edições dos dias 5 e 6 de

dezembro-, respectivamente, onde o ministro explica que a diferença de valores teria sido

ocasionada pelo preço do frete.

A presidente da Funasa, Izabel Stefano, admitiu que os preços das bicicletas estão

elevados. Justificou que os preços se devem aos custos do frete de transporte e

armazenagem. Alceni Guerra não falou da compra. Disse que Izabel Stefano

esclarecia a compra. A Comissão de Finanças da Câmara convocou Alceni a depor

na terça-feira215

.

Na edição do dia seguinte, a Folha de S. Paulo destinou o mesmo espaço – uma coluna

com 400 caracteres -, para a mesma explicação. Desta vez, dada pelo próprio ministro.

O ministro da Saúde disse ontem que não houve superfaturamento de preços na compra de 23,5

mil bicicletas. ―Superfaturamento é a mãe de quem está inventando isso. Provamos que os preços

eram inferiores aos da fábrica e que o acréscimo em relação ao varejo deve-se ao custo de frete e

armazenagem‖. Disse que o custo do frete também é o motivo para os preços das talhas de barro

compradas serem superiores aos de mercado216

.

O Jornal O Estado de S. Paulo também trouxe a versão apresentada sobre pagamentos

de taxas e fretes, na página 5, da edição do dia 5 de dezembro. A exemplo da Folha, não fez

menção à majoração provocada pela inflação.

A Revista Veja (edição 11 de dezembro) usou a explicação da alta da inflação para

deixar no ar uma atmosfera ainda mais incriminatória, de que o aumento de preços poderiam

sim ter sido um instrumento para superfaturamento das compras do governo.

É natural que, com uma inflação estratosférica, as concorrências públicas sejam um

ambiente de falcatruas. Depois que o governo proibiu o uso de indexadores, os

preços das compras a prazo ficaram tão fáceis de prever quanto a inflação

acumulada da década de 90. Na semana passada, por exemplo, as mochilas que o

Ministério da Saúde preparava-se para comprar por 8.700 cruzeiros na Casa

Helvética, em São Paulo, podiam ser encontradas por 3.100 cruzeiros, na Diana

Paolucci, ou por 7.900, na Casa Mascingrande, ambas em São Paulo. É uma

matemática embaralhada...217

.

214

ROSA, 2007, p. 402. 215

Folha de S. Paulo, 5 de dezembro de 1991, p. 10. 216

Folha de S. Paulo, 6 de dezembro de 1991, p. 4. 217

Veja, 11 de dezembro de 1991, p. 39.

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96

Então, portanto, todos os jornais e a revista em estudo, passaram para o público uma

verdade subjetiva. Não se aprofundaram nas explicações ou no que poderia ser a ―verdadeira-

verdade‖ desse episódio. Eugênio Bucci diz que a ―verdade da imprensa é por definição uma

verdade precária‖.

(...) sua força não virá jamais da veracidade total, de resto impossível, mas de sua

transparência em lidar com as limitações que lhe são congênitas. Se a verdade é

precária, a credibilidade da imprensa pode ser duradoura. Ela só depende do

vínculo de confiança. Daí procede a essenciabilidade da discussão ética quando se

trata de conferir qualidade ao jornalismo. A confiabilidade e a credibilidade advêm

da atitude, em relação aos fatos e ao público, daqueles encarregados de relatar os

fatos a esse mesmo público – já não vêm da empáfia de quem não admite ser

desmentido jamais, nem mesmo pelos fatos. Que efeitos produz no público a

postura de auto-suficiência de um órgão de imprensa que repele todo

questionamento ético? O primeiro efeito é o da percepção de arrogância, que é cada

vez menos temida e cada vez mais reprovada pelas pessoas comuns. Um outro

efeito é a impressão de que o veículo arrogante acredita (ou finge acreditar) que

aquilo que publica é ―a‖ verdade218

.

CAPÍTULO 3 – CASO IBSEN PINHEIRO

3.1. Ibsen Pinheiro e a máfia dos anões do orçamento

Ibsen Pinheiro era presidente da Câmara dos Deputados, em 1992, quando foi

instalada a CPI do caso PC Farias219

. Comandou a sessão que autorizou a abertura de processo

de impeachment contra o então presidente Fernando Collor de Mello.

Na ocasião, pronunciou uma frase histórica: "O que o povo quer, esta Casa acaba

querendo". No ano seguinte, no entanto, a vontade da Câmara Federal se voltou contra ele.

Ele foi investigado pela CPI dos Anões do Orçamento e acusado de ter movimentação

financeira incompatível com seu patrimônio. A acusação foi reproduzida à exaustão pela

imprensa e, em maio de 1994, Ibsen teve o mandato cassado. Em dezembro de 1999, o STF

218

BUCCI, 2000, p. 52-53. 219

Em valores atuais, o "esquema PC" arrecadou exclusivamente de empresários o equivalente a R$ 15

milhões, em dois anos e meio do governo Collor. Paulo César Cavalcante Farias, conhecido como PC Farias, foi peça-chave no processo de impeachment do ex-

presidente e atual senador, Fernando Collor de Mello. As irregularidades ligadas ao seu nome começaram ainda

na época da campanha quando foi tesoureiro. As acusações partiram do irmão de Collor, Pedro, em entrevista

para a revista Veja em 1992. Em valores atuais, o "esquema PC" arrecadou exclusivamente de empresários

privados o equivalente a US$ 8 milhões, equivalente a R$ 15 milhões, em dois anos e meio do governo Collor

(1990-1992). O escândalo acabou de forma trágica. Quatro anos depois, PC Farias foi encontrado morto, junto

com sua namorada Suzana Marcolino, em Alagoas. Depois de muita confusão na apuração, envolvendo laudos

distintos de dois legistas consagrados - Badan Palahares e George Sanguinetti, o caso é considerado oficialmente

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extinguiu o processo: considerou insatisfatória a consistência das denúncias. Em 2004, um

dos jornalistas que escreveu matéria contra ele admitiu ter cometido erros na apuração como

será visto no decorrer desse trabalho. A manipulação aconteceu.

Em 2003, Ibsen voltou à política como secretário de Comunicação do governo

Germano Rigotto, no Rio Grande do Sul, depois de trabalhar como professor, diretor de clube

de futebol, jornalista e comentarista esportivo. Em 2004, foi o vereador mais votado em Porto

Alegre. Em 2006, restabeleceu sua vida pública por completo. Voltou à Câmara com 76.165

votos.

A grande imprensa foi implacável. A Revista Veja publicou, na edição nº 1314, de 17

de novembro, de 1993, matéria de capa ―Até tu Ibsen?‖ – um baluarte do Congresso naufraga

em dólares suspeitos. E, nas páginas internas daquela edição os seguintes títulos: ―Ibsen se

explica, mas não convence‖ (publicado na página 5), ―Uma estrela na lama‖ ( página 36). Em

um dos trechos da reportagem, Veja faz a seguinte acusação. ―A CPI descobre que o deputado

Ibsen Pinheiro movimentou 1 milhão de dólares em suas contas e derruba um símbolo do

Legislativo‖.

A reportagem trazia também um pouco da trajetória ascendente do deputado. Ibsen

soube mudar de vida.

Quando criança, ajudava a mãe vendendo laranja nas ruas de Porto Alegre. Aos 16

anos, escrevia para o Jornal do PCB. Acabou virando colunista esportivo, fanático

pelo Internacional, e trabalhou no Jornal do Brasil, no Rio. De volta ao Rio Grande

do Sul formou-se em Direito em 1963 e cobriu duas Copas do Mundo. Fez sua

estréia na política em 1976. Foi o vereador mais votado. Está no terceiro mandato de

deputado federal220

.

Os jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Correio Braziliense também

publicaram por 15 dias seguidos reportagens de capa e, na maioria das vezes manchetes, o

caso do ‗escândalo‘ de Ibsen Pinheiro.

O primeiro jornal trouxe os seguintes títulos entre os dias 8 e 17 de dezembro de 1993:

―Escândalo pode tirar cargo de Ibsen na revisão‖, ―Cheques reforçam acusação a deputado‖,

―Ibsen renuncia a função na reforma‖ (manchete), ―Ibsen renuncia e Genebaldo avisa que vai

sair‖, ―CPI acha novos depósitos em contas de Ibsen‖, ―Ibsen movimentou US$ 340 mil em

um ano‖, Ibsen movimentou US$ 1 milhão desde 1989 em conta do Banrisul‖, ―Ibsen justifica

depósito como sobras de eleição‖ e ―Ibsen alegará que usou sobra de campanha‖.

apenas como um crime passional apesar da suspeita de assassinato. (Fonte:Museu da

Corrupção:www.muco.com.br, acesso 25 de maio de 2012, às 00h14). 220

Veja, 17 de novembro de 1993, p. 33.

Page 98: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

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Já a Folha de S. Paulo trouxe reportagens no mesmo período: ―Acusações contra

Ibsen e Roriz abrem crise na CPI‖, ―CPI descobre novas contas de Ibsen‖, ―CPI acha US$ 160

mil em poupanças de Ibsen‖, ―Ibsen tinha mais de US$ 340 mil no Banrisul‖, ―Depósitos de

Ibsen superam US$ 1 mi‖, ―CPI revelou que depósitos a Ibsen superam US$ 1 mi‖.

O Correio Braziliense também repetiu as denúncias em suas edições: ―CPI decide

convocar Ibsen e Genebaldo‖, ―Ibsen rebate acusações sobre corrupção‖, ―Ibsen reage e quer

ver os cheques‖, ―CPI descobre altos depósitos nas contas de Ibsen e Genebaldo‖, ―Festival

de cheques espanta CPI‖, ―CPI convoca mais sete parlamentares‖, ―CPI descobre conta

milionária de Ibsen‖, ―Mais US$ 169 mil na conta de Ibsen‖, entre outras manchetes.

Em todas as reportagens da grande imprensa, Ibsen tentou em vão se explicar. O

espaço dado para as explicações de defesa gerou mais acusações que se repetiam dia-a-dia nos

noticiários. Foi como jogar gasolina no meio da fogueira.

3.2. Ibsen: Revista Veja

Não é preciso dizer que a Revista Veja é o maior semanário do País, com tiragem de

mais de 1 milhão de exemplares, como já foi visto anteriormente. Segundo seu fundador,

Roberto Civita ―é fundamental que a revista seja independente, isenta, inteligente e

responsável.

Que não admita pressões de governos e governantes, amigos e inimigos, acionistas e

anunciantes. Que busca a objetividade. E que esteja comprometida – sempre – com a

liberdade e a verdade. Evidentemente, não basta declarar boas intenções para

realizá-las. É preciso reunir centenas de competentes jornalistas, treiná-los, motivá-

los e liderá-los com sensibilidade, imaginação e talento221

.

O discurso do fundador de Veja, no entanto, pode contrastar com a prática. A revista

pode ter sido um dos órgãos de imprensa que mais influenciou ou que contribuiu para a

cassação do mandato do deputado federal Ibsen Pinheiro.

Aliás, a influência que os meios de comunicação mantêm na opinião pública é descrita

por Francisco Fonseca. Segundo ele, periodicamente o aparato de manchetes, editoriais,

artigos, charges, fotos, reportagens, dentre outros recursos, possibilitam aos jornais uma

221

Veja. Edição Especial, ano 41, setembro de 2008. p. 14.

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influência sutil, capaz de sedimentar – embora de forma não mecânica – uma dada ideia,

opinião ou representação.

Não bastasse isso, as trincheiras ideológicas (ocupação das instituições produtoras

de cultura, entendida como visão de mundo), no contexto de uma guerra de posições

(busca do poder mediante a conquista cumulativa de espaços ideológicos na esfera

cultural/ideológica), são particularmente expressas nos jornais. Estes, para além da

clareza do poder ideológico que possuem, objetivam a veiculação de ideias ou

influenciem: a chamada opinião pública, os detentores do poder estatal, e

determinados segmentos sociais (dos quais, por vezes, são porta-vozes)222

.

Além dessa influência, os erros e abusos podem ocorrer nas coberturas. Em sua edição

de 17 de novembro de 1993, nº 1.314, Veja trouxe uma reportagem ‗bombástica‘, com

acusação de corrupção contra o então deputado federal Ibsen Pinheiro, do PMDB do Rio

Grande do Sul.

Até tu Ibsen? - a frase é uma comparação à tragédia vivida por Caio Júlio César,

general romano que era senador – era o título da reportagem de Veja.

Caio Júlio César, general romano, conquistador, tribuno e historiador que

conquistou as Gálias, esteve no Egipto onde teve uma relação amorosa com

Cleópatra. A sua audácia e astúcia, tornaram-no numa lenda. Amado e odiado,

conseguia movimentar-se na complexa teia de influências da Roma de então. De

chefe militar passou a ditador fundador do império mais sólido de sempre. Como

senador foi brilhante. Teve diversos adversários como Catilina. César criou um

triunvirato com Pompeu e Crasso e distribuíram entre si os poderes do Estado.

Fizeram então alianças matrimoniais, Pompeu casou-se em quartas núpcias com

Júlia, filha de César e pela terceira vez com Calpúrnia, filha de um político

influente. No ano de 54 o triunvirato termina. Sem ter sido imperador é sem sombra

de dúvida a mais conhecida figura da História Romana e mentor de grandes

militares e políticos de diversos países. Júlio César cai em desgraça perante os seus

pares e é assassinado, em pleno Senado, por 60 conjurados, entre eles um familiar

insuspeito: o seu próprio sobrinho e filho adotivo. Surpreso, César disse em latim:

Tu quoque, Brute, fili mi? (Até tu, Brutus, meu filho?)223.

A capa (fig. 9) trazia um deputado ―atordoado‖ movimentando as mãos e os braços

como se fosse aplicar um golpe de artes marciais.

222

FONSECA, 2005, p. 29-30. 223

www.leme.pt/historia/palavras/cesar.html.

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Fig. 9

Abaixo da manchete, o subtítulo ―Um baluarte do Congresso naufraga em dólares

suspeitos‖. Há nessa última frase uma subliminar tendência de pré-julgamento. Como se

quisesse alertar o leitor: de quem menos se esperava descobriu-se corrupção. A revista

questiona ―Até tu, Ibsen?‖ – e deixa no ar outras tantas perguntas que o leitor de Veja poderia

fazer, como por exemplo: ―Como pode? Até Ibsen Pinheiro está envolvido?‖. É como se

houvesse uma acusação ‗julgamento‘ do deputado.

Orlando Santos Jr. tem um pensamento importante sobre a liberdade de informação e

os direitos e liberdades políticos.

Os direitos e liberdades políticos, ao fazerem parte do repertório dos direitos civis e

sociais, têm limites que são indetermináveis sob o ponto de vista teórico. Tal

problema pode ser bem ilustrado com a questão da liberdade de informação, em

que, apesar do consenso em torno de sua defesa, é impossível indicar, com base em

critérios teóricos, quais os aspectos da liberdade de informação que são, de fato,

relevantes para a democracia política: assim, ―mesmo no âmbito do regime, salvo

casos claramente localizados nos pólos de plena vigência e de negação desses

direitos de liberdade, surgirão disputas quanto ao caráter democrático ou não do

regime... 224

Na página 5 daquela edição, Veja traz a chamada para a reportagem sobre a

denúncia: Ibsen se explica, mas não convence225

. Na mesma página Ibsen aparece ‗matando‘

224

JÚNIOR, Orlando Alves dos Santos. A democracia e Governo Local. Editora Revan, 2001. p. 77. 225

Veja, 17 de novembro de 1993, p. 36.

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uma bola no peito e abaixo a legenda da foto: Ibsen Pinheiro começou a semana passada

tendo de explicar três cheques de Genebaldo Correia depositados em sua conta e acabou

enrolado em saldos bancários volumosos e um patrimônio difícil de esclarecer.

Na foto de página interna de Veja, Ibsen aparece tentando se explicar. O título da

reportagem ―Uma estrela na lama‖, que não vem assinada pelo jornalista que a produziu, mas

que era de autoria de Luís Costa Pinto. E abaixo a linha fina (olho da matéria, um resumo) da

reportagem: A CPI descobre que o deputado Ibsen Pinheiro movimentou 1 milhão de dólares

em suas contas e derruba um símbolo do legislativo. Mas, tarde como veremos, Veja errou na

contabilidade. Não eram 1 milhão e sim 1 mil. O grave erro só foi descoberto 11 anos mais

tarde com a revelação do jornalista que produziu a reportagem. A matéria foi publicada na

revista IstoÉ, como veremos depois.

Na reportagem, a revista reconhece a reputação de Ibsen. Daí um prato cheio para ir

a fundo nas denúncias que vieram sobre ele. Uma figura pública, de grande influência

política, daria uma grande reportagem. Afinal como foi visto nos capítulos anteriores um

‗bom escândalo político‘ com trama novelesca vende.

Na visão de autores, como Thompson, os escândalos preenchem um espaço crescente

na ‗novela‘ da vida real, em que a forma da narrativa jornalística se confunde cada vez mais

com as formas tradicionais de drama (inclusive com seus arquétipos básicos, os vilões, os

mocinhos, o ápice e o desfecho de cada drama ou escândalo).

Observe o que diz a reportagem de Veja sobre a reputação de Ibsen Pinheiro.

Com uma década de Brasília, onde chegou em 1982 a bordo de 48.500 votos, o

deputado Ibsen Pinheiro, de 58 anos, tornou-se uma figura impoluta e respeitada.

Cumpriu seu primeiro mandato como um político esforçado, que cozinhava seu

jantar no apartamento funcional, enquanto a mulher, Laila, permanecia em Porto

Alegre, com o filho único do casal, Márcio, hoje com 26 anos. No segundo

mandato, Ibsen Pinheiro ocupou a liderança do PMDB, comandando uma poderosa

bancada de 260 deputados. No terceiro, com seu eleitorado ampliado para 65.000

votos, chegou ao ponto alto da carreira. Na presidência da Câmara, com seu cabelo

engomalinado, comandou a sessão do impeachment de Collor e prestou um imenso

serviço ao País, ajudando a tirar um corrupto do Planalto. Na hora de dar seu voto,

posicionou-se a favor do impeachment e afirmou que ―o que povo quer esta Casa

acaba querendo‖, num brinde emocionado às alegres manifestações que ocupavam

as ruas226

.

Portanto posicionando o leitor na introdução da reportagem, Veja parece produzir

uma espécie de preparação para deixar as acusações mais sérias. É como se alertasse o leitor

para dar conhecimento de quem estaria cometendo atos de corrupção.

226

Veja, 17 de novembro de 1993, p. 30.

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A mesma reportagem também trazia um pouco da biografia e importância política do

deputado. ―Formado em direito em 1963, conquistou a imagem do promotor capaz de agir à

maneira dos magistrados. Com sua ascensão, entrou no elenco dos cotados ao Planalto.

Tornou-se um político popular, apesar do nome de dramaturgo norueguês‖227

.

Segundo a reportagem, apesar de todas essas qualidades, a CPI do Orçamento

descobriu que o deputado movimentou em suas contas bancárias 1 milhão de dólares. A

revista diz que a informação foi um choque.

Como na tragédia grega, quando maior o homem, maior a sua queda. E Ibsen

Pinheiro tinha sua grandeza. Não era um anão, um João Alves, um Genebra ou um

Quinzinho. Ibsen Pinheiro não era um deputado do PSD enlameado com dólares na

venda de mandatos. Não era um traficante de drogas, como Jabes Rabelo. Era um

símbolo do Parlamento. ―Ganhei espaço político, mas não tenho a imagem de

administrador. Porque isso, tenho de firmar-me como homem de Estado‖, ponderou

ele, numa conversa recente com aliados. Sua queda transforma-o na primeira estrela

a soçobrar no escândalo orçamentário. Na semana passada, acuado pelos próprios

cheques, o deputado renunciou à relatoria do regimento da revisão. O Congresso

estava perplexo. ―Foi uma decepção‖, diz o deputado petista José Genoíno. ―Eu não

vou comentar nada. Em 24 anos de repórter convivi com surpresas, mas essa foi de

matar‖, esquivou-se o ministro da Previdência, Antônio Brito228

.

Nesta mesma edição, a revista fez a reprodução de dois cheques supostamente

depositados em favor do deputado Ibsen Pinheiro nos valores totais de 35 mil dólares. A

reportagem traz ainda uma ligação entre Ibsen e a máfia229

dos anões do orçamento230

.

227

Veja, 17 de novembro de 1993, p. 30. 228

Ibid., p. 30-31. 229

A denominação máfia foi usada por toda a grande imprensa da época. 230

Os chamados "Anões do Orçamento" foram congressistas brasileiros que no final dos anos 80 e início dos

anos 90 se envolveram em fraudes com recursos do Orçamento da União até serem descobertos e investigados,

em 1993, perante uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) de grande repercussão. A denominação de

"anões" era uma alusão a coincidência de serem os principais envolvidos homens de baixa estatura física. Os

"Anões do Orçamento" foram descobertos em outubro de 1993, a partir das denúncias do economista José Carlos

Alves dos Santos, integrante da quadrilha e chefe da assessoria técnica da Comissão do Orçamento do

Congresso. As revelações levaram à realização de uma CPI no Congresso Nacional que durante três meses

esmiuçou o esquema de propinas montado por deputados que atuavam na comissão. Foram 18 acusados. Seis

foram cassados, oito absolvidos e quatro preferiram renunciar para fugir da punição e da inelegibilidade. O

rastreamento das contas bancárias acabou derrubando o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (PMDB), o líder

do PMDB, deputado Genebaldo Corrêa (BA) e o deputado baiano João Alves de Almeida (falecido em 2004),

suposto chefe do esquema. Alves lavava o dinheiro comprando cartões de loteria premiados. Havia dois

esquemas fraudulentos. No primeiro, parlamentares faziam emendas remetendo dinheiro para entidades

filantrópicas ligadas a parentes e laranjas. Mas o principal eram os acertos com grandes empreiteiras para a

inclusão de verbas orçamentárias para grandes obras, em troca de polpudas comissões. O ex-chefe da Assessoria

de Orçamento do Senado, José Carlos Alves dos Santos, ao denunciar as irregularidade, fez desmontar o

esquema. Mas ele próprio foi preso e acusado de assassinar a esposa, Ana Elizabeth Lofrano, que ameaçava

denunciar os podres da máfia. Na casa dele foi achada uma mala com mais de US$ 600 mil.

A situação de José Carlos se complicou com a prisão de dois cúmplices, que mostraram o local onde enterraram

o corpo de Ana Elizabeth, após a terem matado a golpes de pedra e picareta em novembro de 1992, na presença

do marido. O assessor foi condenado a 20 anos de prisão. Em sua defesa, acusou os ex-deputados João Alves e

Ricardo Fiúza como os verdadeiros mandantes do assassinato de sua mulher.

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A descoberta de 1 milhão de dólares na sua conta foi demolidora. O mais grave é

que se poderia suspeitar há muito tempo do lado oculto do deputado, a julgar por

suas relações com a máfia dos anões. Como líder do PMDB em 1989, Ibsen indicou

os anões do partido para a Comissão de Orçamento – Genebaldo Correia, Cid

Carvalho, Manoel Moreira e José Geraldo Ribeiro. A intimidade era tanta que

Ibsen, depois de ir à Tunísia numa missão parlamentar, fez um cruzeiro pelas ilhas

gregas com esses mesmos anões, em 1991. Em Istambul, na Turquia, uma

fotografia eternizou a imagem de Ibsen e os anões, todos com suas mulheres, num

jantar na noite de 16 de julho daquele ano. O deputado Genoíno, que os

acompanhou na parte oficial da viagem, impressionou-se com a intimidade de Ibsen

com os anões, mas não desconfiou de nada. Por duas vezes, Ibsen apoiou

Genebaldo para líder do PMDB contra seus conterrâneos Nelson Jobim, em 1991, e

Odacir Klein, no ano seguinte231

.

Nota-se que a revista tentava conseguir comprovar o envolvimento de Ibsen com a

máfia dos anões. Neste caso específico, o deputado José Genoíno que ficou impressionado

com a intimidade de Ibsen com os anões, segundo a Revista Veja, mas em nenhum momento

da reportagem se consegue ler sequer uma frase do deputado sobre esse episódio. Começa

então a exposição de um personagem político importante.

Aliás, a exposição dos personagens políticos na cobertura de um escândalo, muitas

vezes, de forma distorcida pode ocorrer na cobertura da imprensa.

De acordo com Mário Rosa, ―a mídia exerce dois papéis fundamentais no mundo

moderno: definir a pauta do cotidiano e expor personagens que a encarnam‖.

A mídia funcionaria idealmente, assim, como uma espécie de espelho do ambiente

social. Um espelho seletivo, pois se concentra não sobre todos os temas do universo

social, mas apenas sobre aqueles que são mais importantes ou surpreendentes.

Nesse sentido, qualquer mídia, em qualquer lugar do mundo, embute em seu âmago

um certo grau de distorção, pois não reflete a realidade como um todo, senão seus

aspectos capitais. Mas, no caso brasileiro, corre-se o risco de que esse grau de

distorção esteja bem maior, na medida em que alguns atores importantes estão

sendo muito mais expostos do que outros, igualmente importantes. Essa distorção

no espelho pode trazer como resultado diversas consequências políticas e sociais232

.

A Revista Veja também fez uma verdadeira devassa na vida pessoal de Ibsen.

Pesquisou seus bens, seu patrimônio questionando, inclusive, o apartamento do deputado de

R$ 70 mil, cobertura de 174 mil dólares – segundo a revista – quitada em ‗apenas‘ 14 meses.

Ou seja, todo e qualquer patrimônio do deputado parecia de origem ilícita. Aqui podemos

Na cadeia, José Carlos tentou o suicídio, mas foi salvo. Quase dez anos depois, já em liberdade condicional,

amarga uma vida solitária e sem atrativos. Não frequenta mais as altas rodas a que estava acostumado e teve a

aposentadoria cortada pelo Senado. Mas, ao contrário do que ocorre com a CPI do PC, onde os personagens

revelaram os bastidores dos crimes financeiros, muitos segredos dos "Anões do Orçamento" continuam

guardados. José Carlos até hoje se nega a falar sobre o assunto. 231

Veja, 17 de novembro de 1993, p. 30. 232

ROSA. 2007, p. 494.

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dizer que a revista não traça, em princípio, a delimitação entre dois campos: interesse público

e o interesse do público. Os dois são frequentemente confundidos na reportagem.

O fundador de Veja, Roberto Civita, já afirmou anteriormente, como já foi enfatizado

nesse trabalho. ―É fundamental que a revista seja independente... E que esteja comprometida

com a liberdade e a verdade‖.

E qual seria a verdade de Veja nesse episódio? Acusar Ibsen? Sem ter provas

substanciais de crime? Veja apenas deu uma versão dos fatos, sem comprová-los, como

verdadeiros.

Para Eugênio Bucci, a verdade dos fatos, dentro do jornalismo, é sempre a versão dos

fatos. Veja o que ele diz:

Pode parecer uma pretensão modesta, a do jornalismo. Mas na realidade ela é uma

pretensão tão vasta que talvez seja inalcançável. No fundo da ética jornalística

dorme um problema do tamanho do mundo. A verdade dos fatos existe? Existe um

relato perfeitamente neutro e isento? A objetividade perfeita é possível? Não, não e

não. A verdade dos fatos é sempre uma versão dos fatos. O relato, qualquer que

seja ele, é discurso, e como tal, é inevitavelmente ideológico: mesmo quando

sincera e declaradamente não opinativo, o relato jornalístico é encadeado segundo

valores que obrigatoriamente definem aquilo que se descreve. A objetividade

perfeita nunca é mais que uma tentativa bem-intecionada. Denis Diderot disse certa

vez: Deve-se exigir de mim que eu procure a verdade. Não que a encontre‖233

.

Bernard Kucinski, publicou em 2003, uma série de verbetes sob o título ―As muitas

formas de não dizer a verdade‖. Os verbetes buscavam mostrar os variados tipos de artifício

que podiam ser usados nos jornais para distorcer notícias sobre o governo, batizados por

Kucinski como ‗mecanismos específicos de manipulação da matéria jornalística‘. ―A palavra

manipulação aí não tem o tom pejorativo que costuma se dar. Mas o significado sociológico,

no sentido de que muitas pessoas trabalham, manipulam um texto nos jornais‖234

.

As muitas formas de não dizer a verdade, de Kucinski, tinham por objetivo orientar as

redações de cartas das assessorias de imprensa e pedidos de resposta, partindo do princípio de

que os jornalistas valem-se de subterfúgios para distorcer os fatos. Para Kucinski, os meios de

comunicação têm tendência de valorizar denúncias e aspectos negativos, e prejudicar o

governo. O caso Ibsen é exemplo emblemático.

Os verbetes, segundo Kucinski, ‗descrevem os mecanismos específicos da

manipulação jornalística‘ que podem muito bem servir para análise da cobertura sobre o

‗escândalo‘ em que se envolveu Ibsen Pinheiro.

233

BUCCI, 2000, p. 51. 234

KUCINSKI, Bernard. Entrevista ao Correio Braziliense, 6 de julho de 2003.

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105

Em um dos verbetes de ―As muitas formas de não dizer a verdade‖, Kucinski afirma

que algumas notícias são construídas de modo ‗a tornar os fatos especialmente torpes ou

sórdidos‘.

Kucinski cita que informações são colocadas fora de contexto para reforçar aspectos

negativos. Outra característica, na opinião dele, é de que os jornalistas guiam o juízo dos seus

leitores. Para ele, manchetes e reportagens inserem opiniões no texto ‗com intenção

deliberada de guiar o juízo dos leitores‘. Segundo Kucinski, esse é um ‗fenômeno cada vez

mais comum‘.

Ainda para Kucinski, alguns fatos são dimensionados ‗de modo desproporcional à sua

importância, com a finalidade de direcionar o seu sentido‘. Para ele, jornalistas também

fazem ‗denuncismo barato‘ – que seria a prática de publicar fatos suspeitos sem a

comprovação da verdade. Segundo ele, ‗é muito barato dar um furo de reportagem e se

mostrar guardião do interesse público, com esse tipo de matéria‘.

Por último, o escritor acredita que repórteres de política fazem jornalismo

mediúnico235

.

No caso, os repórteres ‗adivinham intenções, visões, crenças, disposição de espírito e

até mesmo os sentimentos dos protagonistas‘. ―A grande vantagem desse novo gênero é

justamente essa: dispensa fontes. Essa é a sua lógica operacional236

‖.

3.3. A vida „espartana‟ de Ibsen

A Revista Veja passou a vasculhar toda a vida privada de Ibsen Pinheiro, causando

consideravel prejuízos e perda de reputação. Aliás, essa é uma das características da grande

imprensa brasileira: investigar, além da vida pública, o cotidiano da vida privada do político.

A revista publicou o que chamou da vida espartana de Ibsen. Espartana referindo-se à

cidade de Sparta na Grécia? Veja, como já afirmara na reportagem, tentou mostrar o que

chamou de ‗tragédia grega‘ do deputado nesse episódio.

Ibsen teve uma origem humilde em São Borja, onde nasceu. Seu pai era artesão e

morreu quando Ibsen era pequeno. Para criar os três filhos – Ibsen, Ophir e Aura,

que já morreu – a mãe, Lilia, foi para Porto Alegre, onde abriu uma pensão para

estudantes. Ibsen ajudava no orçamento vendendo laranja nas ruas da cidade. Pelas

mãos de sua mãe, casada com um comunista, conheceu o antigo Partidão. Aos 16

235

O termo foi criado por um dos assessores de imprensa da Presidência da República, Fábio Kerche. 236

KUCINSKI, Bernard. Entrevista ao Correio Braziliense, 6 de julho de 2003.

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106

anos, era redator do jornal do PCB. Hoje, refere-se aos tempos de comunista como

―coisas de juventude‖. Tornou-se cronista de esportes em jornal, rádio e TV. Aos

33 anos, abriu um escritório de advocacia e passou a trabalhar no departamento

jurídico do Internacional, time do seu coração. (...) Com essa vida modesta, o

deputado formou um bom patrimônio. Em 1978, comprou apartamento de dois

quartos, de 70.000 dólares, onde vivem seus sogros, em Porto Alegre. Na Praia do

Remanso, está reformando uma bela casa de frente para o mar. Vale 60.000 dólares.

Em janeiro de 1991 fez uma grande aquisição: comprou, por 174.000 dólares, uma

cobertura de 500 metros quadrados237

.

A reportagem, além de ter trazido as acusações de depósitos de 1 milhão de dólares

nas contas do deputado, mostrou, por outro lado, a vida privada do deputado. Esse tipo de

prática da imprensa é comum na cobertura de escândalos238

políticos.

Para Eugênio Bucci, quando se fala em invasão de privacidade fala-se de uma força

que não respeita nem a integridade física daqueles que são o objeto do desejo de massa. Para a

Veja, publicar notícias negativas sobre o deputado, um dos que contribuíram para o

impeachment de Collor, daria ‗audiência‘ – ou melhor venderia mais exemplares.

Bucci cita Paul Johnson sobre essa polêmica. ―Por mais privilegiados que seja, como a

realeza, por mais bem-sucedidos, como os astros do cinema e da música, por mais poderosos,

como os chefes de governo, ou ricos e comemorados, todos precisam de alguma

privacidade239

‖.

O que se percebe, cada vez mais nos meios de comunicação, é que esse grande

interesse pela vida privada é resultado também do grande interesse do público por ‗fofocas‘, e

saber o que aquela personalidade faz no seu dia-a-dia, como se fosse algo incomum. Desta

forma, essas coberturas cada vez mais fomentam os escândalos.

Vera Chaia, acredita que o tema de corrupção, na verdade, entrou na pauta da agenda

política e passou a atrair maior interesse da imprensa no início dos anos 90. É que nesse

período, ocorreu um dos maiores casos de escândalo desse País: o impeachment do presidente

Collor, do qual Ibsen Pinheiro, foi um dos parlamentares que contribuíram para a investigação

dos atos de corrupção do presidente da época.

237

Veja, 17 de novembro de 1993, p. 33-34. 238

A referência aqui citada tem como base os textos da professora e pesquisadora Vera Chaia que nem todo

escândalo político pode ser considerado ato de corrupção. No caso de Ibsen Pinheiro, ele foi sim vítima de uma

injustiça de cobertura da imprensa. Não é questão principal aqui saber se o Congresso foi ou não influenciado

pela reportagem de Veja para cassá-lo. No entanto, como o trabalho é tema jornalístico, o papel exercido por

esse meio de comunicação que, no Brasil, tem totais condições – ou teoricamente teria – de ser independente.

Mas, por razões óbvias e por fazer parte de uma estrutura hegemônica, a grande mídia não o é. 239

BUCCI, 2000, p. 150.

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107

Para ela, o aparecimento de escândalos midiáticos é resultado de um jornalismo

investigativo e possuiu pontos positivos e negativos.

Por um lado, a divulgação desses escândalos provoca um aumento da fiscalização

das atividades políticas, forçando que sejam criados instrumentos para seu controle,

e por outro, a cobertura desses escândalos pode levar a uma generalização dos

―maus exemplos‖ de políticos, provocando descrença nas instituições, consideradas

como inoperantes e custosas240

.

3.4. Ibsen tem pouco espaço na mídia

Na mesma edição, de 17 de novembro de 1993, o deputado Ibsen Pinheiro teve pouco

espaço oferecido pela revista. Apesar disso, negou veementemente todas as acusações.

Segundo trecho da revista, o deputado garantiu que não lidou com ‗essa montanha de

dinheiro‘. Veja o que Ibsen disse: ―Não movimentei porque não sou louco. Não esqueceria

tamanha fortura‖241

.

Para Ibsen, haveria duplicidade de cheques. Na reportagem ele afirma que não tinha

relações com empreiteiras, não criou entidades fantasmas para levar dinheiro e depositá-lo em

sua conta. ―Vivo do meu salário e da minha biografia. É isso que quero preservar. A

contabilidade de 1 milhão de dólares foi feita na CPI, e é de sua responsabilidade. Mas,

podem ocorrer novas descobertas. A CPI não fez o cruzamento de todas as contas‖242

.

Por parte da grande imprensa, não foi feito cruzamento das contas e não se investigou

de forma esmiuçada as denúncias. Teria sido no acaso o valor de 1 milhão citado pela revista,

já que em nenhum momento a revista fez soma desse total ou mostra qualquer tipo de

depósito nesse valor absurdo. Se a Revista Veja afirma que os dados são da CPI, ela confiou

‗cegamente‘ nessa informação. É como se informações oficiais públicas, ou se órgãos oficiais

do governo, não necessitassem de checagem. Aliás, esse é um dos grandes problemas da

imprensa brasileira: confiar nas fontes públicas, sem confrontar dados com especialistas ou

alguma outra fonte que pode contrastar as informações, ou posicioná-la por um outro ângulo.

Marcelo Leite, então ombudsman da Folha de S. Paulo, num artigo de 31 de dezembro

de 1995, deixa claro que o jornalista deve ter plena confiança na fonte, com base em um

histórico de veracidade – percebe-se que ele deixa uma condição importante para que essa

240

CHAIA; TEIXEIRA, 2001, p. 73. 241

Veja, 17 de novembro de 1993, p. 33. 242

Ibid., p. 33.

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confiança seja 100%. Para ele, o jornalista deve confirmar as informações que recebe – seja

oficial ou não – com, pelo menos, uma fonte independente. Essa observação teria faltado e

que, mesmo com números equivocados, como veremos mais adiante, a reportagem foi

publicada em detrimento à figura pública do deputado Ibsen Pinheiro.

3.5. CPI do Orçamento vira a CPI do Ibsen

O tribunal político que era a CPI do Orçamento transformou o deputado Ibsen

Pinheiro no principal astro. Veja deixou de se aprofundar na checagem de informações da

denúncia contra os anões do orçamento para se dedicar mais a vida pública e também

privativa do deputado do PMDB. A CPI do Orçamento virou a CPI do Ibsen.

Por um mês ininterrupto, a revista trouxe reportagens diretas, acusações, ―novas‖

denúncias e suspeitas. Com a figura pública arranhada, vivendo uma crise de imagem, Ibsen

tinha grandes dificuldades em se defender. A muralha a ser transposta parecia impossível

naquela época. Mário Rosa tem opinião formada sobre esse assunto:

(...) A dificuldade é maior nessas situações porque a única pessoa que pode se

defender no caso é justamente a que está tendo sua credibilidade atacada. Qualquer

gesto, qualquer fala podem tornar sua situação ainda mais delicada, quando não

contribuir para aumentar ainda mais a exposição do acontecimento 243.

A essa altura, Ibsen, claramente, já tinha dificuldades em conviver com as notícias

absurdas a seu respeito. Por mais que tentasse explicar, o efeito vinha contrário. Era como se

jogasse gasolina na fogueira.

3.6. A descoberta de um erro: a imprensa „vira‟ escândalo político

Depois da publicação da primeira reportagem, mostrando um Ibsen Pinheiro,

atordoado, com uma foto sugestiva na capa, como se ele fosse aplicar um golpe de artes

marciais, descontrolado, aparentemente, Veja puxou o freio à ‗saga‘ de acusações.

Na edição de 24 de novembro, a revista trouxe mais uma reportagem sobre o

243

ROSA, 2007, p. 513.

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escândalo, mas não foi a manchete de capa. O assunto parecia se esgotar. ―Um milhão de

dificuldades‖ foi o título da matéria da página 43. O título era um trocadilho para lembrar a

acusação de que teriam surgindo um milhão de dólares nas contas do deputado. Até aquele

momento não havia sido comprovada a denúncia. E mais: a revista publicou matéria

reconhecendo que a CPI errou244

na contabilidade dos valores divulgados no caso Ibsen. Não

era um milhão de dólares.

Mesmo já sabendo que havia errado no número, a revista disponibilizou essa

informação no meio do texto, quase no fim. Não abriu a matéria com essa informação.

Apenas na linha fina (olho da matéria) constava que a CPI errou na conta de Ibsen Pinheiro.

Veja trecho da reportagem. ―(...) Já no caso do ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro, a

quem atribuiu a movimentação bancária de 1 milhão de dólares nos últimos quatro anos, a

subcomissão (da CPI da Câmara) errou feio e colocou em risco a credibilidade da CPI‖245

.

Nesse caso, para a Veja, quem ‗errou feio‘ foi só a CPI. A revista se eximiu de culpa.

Mais um trecho em que a revista faz uma ‗mea-culpa‘ e tenta se justificar:

O erro é de ordem semântica: ―movimentar‖ é um termo bancário de significado

amplo demais. Movimentar 1 milhão de dólares não significa ter, ou ter tido,

riqueza equivalente. A subcomissão confundiu depósitos novos com transferências

de uma conta para outra, ou aplicações financeiras. Ibsen Pinheiro não teve

dificuldade de explicar 400.000 dólares de seus depósitos. ―Vieram de meu salário

como deputado, de minha aposentadoria como jornalista e de minhas diárias

internacionais‖, diz246

.

No trecho anterior então percebe-se que existe um erro, mas a revista tenta ‗amenizar‘

o equívoco chegando a dizer que ele é de ordem semântica. Tenta explicar que ‗movimentar‘,

não é ‗movimentar‘. Ter dito que a pessoa tem um milhão de dólares, ou não dizer são as

mesmas coisas, na visão da revista.

Há uma hipótese para certo comportamento da grande imprensa: jornalistas têm

dificuldade em aceitar que erram. Basta ler os jornais diários da grande imprensa e é possível

observar a pouca ou quase nada sessão destinada para os equívocos cometidos pela imprensa.

Dentro de uma ótica realista, é preciso dizer também que, mesmo involuntariamente, o

244

Aqui nota-se que a revista não reconhece seu erro, apesar de ter publicado na edição anterior o valor de um

milhão, ela diz que o equívoco foi da CPI. Ora, se a informação está errada não importa nesse momento saber se

foi a CPI ou a Veja que conseguiram esse número. O fato é que a informação saiu errada. E, se saiu errada, ela

foi deturpada, manipulada. Seja com ou sem intenção, houve sim a manipulação da informação. Aliás, a

manipulação, a meu ver, ocorre mesmo que o jornalista a faça com ou sem intenção, por processo culposo ou

doloso. Na edição seguinte, Veja também deixou de publicar qualquer nota de correção ou errata, como se diz no

jornalismo. 245

Veja, 24 de novembro de 1993, p. 43. 246

Veja, loc.cit.

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jornalista que erra comete ‗pecados‘ incalculáveis quando o caso envolve figura pública. Ou

seja, o erro pode e destrói a vida pública de uma personalidade política, ou até mesmo de uma

artista ou qualquer figura conhecida do público.

Na opinião de Mário Rosa, existe certa arrogância nessa atitude por parte da grande

imprensa e, mais especificamente, dos jornalistas. Ele diz que sempre que há um erro

cometido por parte da imprensa, o meio de comunicação que o cometeu tenta relativizar esse

equívoco.

(...) ser jornalista é tentar acertar mais do que errar, é tentar acertar mais do que a

concorrência, é tentar acertar mais sobre temas mais importantes. Ser jornalista,

portanto, é tentar ser preciso. Quem sobrevive nesse jogo duríssimo da informação

passa naturalmente a confiar mais em si mesmo. Daí nasce o perigo: uma espécie

de arrogância do acerto que procura relativizar o erro, ou simplesmente negá-lo.

Jornalistas não costumam aceitar facilmente que estão errados, principalmente

durante as crises. Até porque muita gente tenta enganá-los dizendo que estão

errados, quando os fatos posteriores provam que não. Por isso, jornalistas resistem

em dar o braço a torcer e, quando dão, muitas vezes é tarde demais, quando a crise

já passou247

.

Luiz Martins da Silva, já citado nesse trabalho, tem uma postura enfática sobre os

erros da imprensa, principalmente quando eles são propositais. Para ele, erros conscientes

deixam a esfera jornalística para ser um crime, isso porque houve o dolo. ―Quando a imprensa

erra conscientemente, tipifica ação dolosa. Já não é erro, é crime. Já não é jornalismo, é

delinquência248

‖.

Fica a pergunta: o jornalista então não pode errar? Pode cometer equívocos desde que

sejam reconhecidos e que sejam reparados. Essa é a questão: a reparação, seja por meio do

reconhecimento do meio de comunicação ou até mesmo na Justiça.

Eugênio Bucci, também é claro ao afirmar que os jornalistas torcem o nariz para o

tema: os erros da imprensa. A ética é deixada de lado. Nas redações, segundo ele, a ética é

tratada como uma ‗alienígena‘. Jornalistas são considerados ‗independentes‘. Parecem viver

num mundo à parte, por isso consideram-se intocáveis.

(...) a recusa em discutir ética em público se manifesta como se fosse afirmação de

independência. Os jornalistas se recusam a prestar contas a quem quer que seja. O

paradoxo, contudo, é apenas aparente: o não-falar de ética parece querer exprimir

uma atitude de autonomia perante esferas externas, como a do poder e a dos

negócios, mas no seu fundamento essa pretensa autonomia é apenas arrogância.

Pode-se dizer que a arrogância jornalística não é outra coisa senão a afirmação de

uma auto-suficiência ética. É como se a imprensa proclamasse: minha função é

247

ROSA, 2007, p. 278. 248 SILVA, Luiz Martins. Por que a imprensa erra? – 100 casos e algumas hipóteses. X Encontro Anual dos

Programas de Pós-graduação em Comunicação. GT Estudos de Jornalismo da Compós. p. 7.

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111

informar o público, mas os meus valores não estão em discussão, os meus métodos

não são da conta de mais ninguém – eles são bons, corretos e justos por

definição249

.

E porque a imprensa age desta maneira? Porque é arrogante? O próprio Bucci dá uma

primeira pista. Essa atitude pode ter uma explicação histórica. No embate com lobistas de

grupos econômicos, por exemplo, e com mensageiros do governo dispostos a interferir no

curso das coberturas jornalísticas, a grossura no trato às vezes é uma maneira eficaz de manter

a distância devida.

Diante de forças que agem em surdina, que não admitem o menor grau de

transparência quanto a seus próprios métodos, a imprensa não teria outra maneira

de resguardar sua independência que não fosse fechar-se, ela também, em

barricadas, torres e muros bem altos e espessos. Isso é ainda mais verdadeiro

quando se leva em conta que, entre 1964 e 1985, o Brasil viveu sob o estado

ditatorial imposto pelo regime militar, que incluiu a censura à imprensa – e também

a prisão, a tortura e o assassinato de jornalistas. Não há o que conversar com gente

que defende a censura. Não há o que dialogar com quem quer subornar. E, num

momento histórico em que é impossível distinguir quem é quem, não há porque

perder energias procurando canais de diálogos deontológicos. A ―casca grossa‖ é

útil. Ou, no mínimo, tem razão de ser 250

.

Francisco Fonseca vai além de Bucci. Ele defende categoricamente que a grande

imprensa é um aparelho privado de hegemonia251

. Ou seja, uma parte da mídia funciona como

organismos sociais privados – voltados à propagação de ideias tendo em vista a obtenção de

hegemonia (esse tema foi detalhado na introdução do trabalho). Então por estarem inserido

dentre de uma superestrutura, jornalistas acreditam que exercem uma função de caráter

público e coletivo, mesmo não sendo seres ideais.

3.6.1. Cinema

De acordo com Mário Rosa, o cinema ajudou a entender as características dos

jornalistas. Diria mais, o cinema contribuiu, inclusive, até mesmo para compreender e

249

BUCCI, 2000, p.41. 250

BUCCI, loc. cit. 251

Em seu livro Consenso Forjado, Fonseca cita o escritor Antônio Gramsci para sintetizar os aparelhos

―privados‖ de hegemonia. Segundo ele, são organismos sociais privados, o que significa que a adesão ao menos

é voluntária e não coercitiva, tornando-se assim relativamente autônomos em face do Estado em sentido estrito

[no contexto, portanto, de sua configuração ampliada, isto é, sociedade política + sociedade civil, possível nas

conformações sociais do tipo ―ocidente‖ – FF ]; mas deve-se observar que Gramsci põe o adjetivo ―privado‖

entre aspas, querendo com isso significar que – apesar desse seu caráter voluntário ou ―contratual‖ – eles têm

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112

verificar uma certa ―arrogância‖ em não querer assumir que erram. Os jornalistas acreditam

que são seres superiores.

O trabalho de Stella Senra foi importante para identificar o que Mário Rosa chama de

arquétipo dos jornalistas. Foram alguns identificados.

Um dos elementos é o poder do jornalista. Sim o jornalista acredita que tem poder, ou

até super-poder. Publicando uma reportagem, como ocorreu em relação à Ibsen Pinheiro, Veja

e uma parte da grande imprensa sentem-se no lugar mais alto. Acredita que a maioria do leitor

ou da opinião pública vai ‗acreditar‘ em qualquer história que for publicada. Ela faz uma

indagação.

Você sabe dizer o nome do jornalista mais famoso de todos os tempos? Não, nada

de Walter Cronkite, Dan Rather, Cid Moreira ou William Bonner! O jornalista

mundialmente mais conhecido atende pelo nome de Clark Kent. Sim: o personagem

que encarnava o super-homem à paisana. ―Nos seus traços essa mitologia confere à

face superdotada do personagem uma série de traços comumente atribuídos ao

jornalista‖, observa a professora Senra.252

O que a Senra quer dizer nesse trecho é chamar atenção para essa comparação muito

pertinente de o jornalista achar que tem super-poder e está acima do bem e do mal.

O jornalismo, não só o praticado por Veja no episódio Ibsen Pinheiro, mas o de outros

órgãos da grande imprensa se assemelha ao ―super-homem‖, engajado na defesa dos direitos

do cidadão e em protegê-los dos perigos. De que perigo Veja então gostaria de defender seus

leitores? A resposta é simples: ―de corruptos como Ibsen‖. Assim como Clark Kent, a grande

imprensa ‗combate sem temor os vilões, os agentes do mal‘. Essa, na verdade, é uma visão

caricatural do jornalista.

Mesmo não voando ou parando trens – acreditam que exercem uma função de

caráter público e coletivo. É claro que não são seres ideais. São movidos pela

ambição, querem crescer profissionalmente para ganhar mais e ter mais influência,

como em qualquer outra atividade. Mas em maior ou menor grau, jornalistas

sentem-se no exercício de uma missão social, combatendo e corrigindo vícios (por

intermédio da denúncia). Esse é um dos aspectos do super-homem mais belos dessa

profissão. ―Antes de ser um negócio, jornal deve ser visto como um serviço

público‖, define Ricardo Noblat, um dos mais respeitados jornalistas do País, em

seu livro A arte de fazer um jornal diário (editora Contexto) (...) 253

uma indiscutível dimensão pública, na medida em que parte integrante das relações de poder em dada sociedade

(2005, p.30). 252

ROSA, 2007, p. 269. 253

Ibid., p. 270.

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E se o jornalista tem super-poder, ele precisa saber controlá-lo. Dosar suas atitudes

para não cometer injustiças ou não correr o risco de tornar uma cobertura perigosa para quem

está sendo investigado. Quando esse controle sobre a cobertura não existe e o super-poder é

extrapolado pode provocar danos. Ou quando a grande imprensa nega que cometa abusos, ela

mais uma vez pode estar ―plantando a semente da arrogância‖.

Segundo Mário Rosa, existe um forte sentimento dos jornalistas de atingir uma

missão, de atuar em favor da coletividade, usando os ‗super-poderes‘ que lhe são conferidos

no combate aos erros e aos vilões. Só que em muitas vezes esse enorme poder é usado de

forma desmedida.

3.7. Denúncias que se enfraquecem

Como já vimos em capítulos anteriores, os meios de comunicação têm dificuldades em

assumir o erro. Os jornalistas são, muitas vezes, arrogantes, o que dificulta as publicações de

informações sobre a presunção da inocência de um político que está sendo acusado em um

escândalo, como ocorreu no episódio Ibsen Pinheiro.

No caso do deputado, os fatos se encarregaram de desmentir as versões das primeiras

reportagens sobre o caso. Na edição de Veja, do dia 24 de novembro de 1993, encontra-se na

mesma reportagem já citada, sob título ―Um milhão de dificuldades‖ com destaque para o

próprio responsável pela subcomissão que investigava o caso, o deputado federal Benedito

Gama. A revista diz que o parlamentar é um político experiente que foi presidente da CPI de

Collor-PC e secretário da Fazenda da Bahia. Mesmo com toda essa experiência, Veja confiou

na fonte e errou ao publicar que Ibsen tinha 1 milhão de dólares em suas contas pessoais.

A revista fez mea-culpa para tentar se explicar, sem, entretanto, admitir que ela

pessoalmente errou no caso. Abaixo um trecho da reportagem de Veja.

A subcomissão confundiu depósitos novos com transferências de uma conta para

outra, ou aplicações financeiras. Ibsen Pinheiro não teve dificuldades254

de explicar

400.000 dólares de seus depósitos. ―Vieram do meu salário, como deputado, de

minha aposentadoria como jornalista e de minhas diárias internacionais‖, diz.

Como deputado, ele recebe cerca de 6.000 dólares mensais. Sua aposentadoria é de

254

Aqui vai uma observação. Nota-se perfeitamente a mudança de postura. Agora a revista diz que Ibsen não

teve (ênfase minha) dificuldade em se explicar. Nem parece a mesma revista que no início das acusações, ao

lado de outros meios de comunicação da grande imprensa, dizia que o deputado tinha dificuldade de explicar os

depósitos em suas contas. Ou seja, a revista admite de forma muito oculta, com uma certa negativa, às vezes

dizendo sim, às vezes dizendo não para o erro cometido. Esse erro, sendo involuntário ou não, acaba por

manipular a informação que é passada para o leitor de Veja.

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114

600 dólares mensais e as diárias pegas pelo Congresso são gordas: 500 dólares,

com a vantagem de que a sobra de hospedagem, alimentação e transporte não

precisa ser reembolsada. Outros 175.000 dólares depositados em sua conta tiveram

origem na Riocell, fábrica de celulose que comprou duas fazendas de Ibsen. Ela

apresentou recibo e notas de cartório comprovando o negócio.

Complô – Sobram 425.000 dólares, do quais Ibsen justifica sem problemas, o

depósito de 160.000 dólares. Segundo ele, foram antigas economias, convertidas

em cadernetas de poupança. Há ainda 35.000 dólares – esses explicáveis. O

dinheiro veio do deputado Genebaldo Correia, no dia 28 de junho de 1989. Há três

cheques dele na conta de Ibsen. O ex-presidente da Câmara diz que recebeu essa

quantia pela venda de uma caminhonete F-1000 equipada. O negócio não chegou a

ser concretizado, e Ibsen garante ter devolvido o dinheiro, só não se lembra como.

―Não sei se foi em cheque, dinheiro vivo ou se assumi um débito dele. O fato é que

devolvi o dinheiro. Que paguei, paguei‖, afirma. Genebaldo, por sua vez, também

não se lembra da história. (...) ―A CPI errou na conta. Estou sendo vítima de um

complô‖, afirma255

.

A essa altura o erro praticamente já estava caracterizado. A revista já sabia disso. A

própria Veja já jogava a culpa da informação para a subcomissão da CPI.

A subcomissão de bancos errou, mas não há complô algum contra Ibsen. O que

pesa contra ele é a própria falta de memória e uma estreita ligação com a anãozada

do orçamento, a alegre turma que lhe fez companhia na viagem de turismo às ilhas

gregas dois anos atrás. (...) Ibsen tem todo o direito de se defender, e ele não perde

tempo. Na semana passada, contratou a empresa de auditoria de Antoninho Marmo

Trevisan para checar suas contas e o advogado Ives Gandra Martins para lhe dar

um parecer256

.

Na edição seguinte, Veja não trouxe reportagem de capa sobre o episódio. Deu ênfase

maior, não individualmente ao caso de Ibsen, como fez na edição de 17 de novembro, mais

mostrava que a Câmara dos Deputados poderia cassar oito deputados na CPI do Orçamento

ou o caso dos anões do orçamento como ficou conhecida.

A reportagem reclamava que ―apenas‖ oito deputados estavam na mira da CPI e

comparava o trabalho da comissão ao humorístico Casseta & Planeta.

A CPI do Orçamento pode terminar como a Comissão Casseta & Planeta de Investigação do

programa humorístico que a Rede Globo exibe nesta terça-feira: numa grande farsa. Há um mês,

o economista José Carlos Alves do Santos disse a Veja o nome dos 23 parlamentares, dois

ministros de Itamar, quatro ex-ministros e quatro empreiteiras que integravam o esquema de

corrupção do Orçamento. Depois, o número subiu para 25 congressistas. Na semana passada

havia material contra oito parlamentares, que podem efetivamente ser cassados. Na quinta-feira,

o deputado Roberto Magalhães (PFL-PE), relator da CPI, encarregado de alinhavar as conclusões

finais dos trabalhos e propor punições aos culpados, estava convencido de que mesmo os

corruptos sejam capazes de conservar seus mandatos – hipótese que jogaria a lama dos anões

pelo Congresso inteiro e teria consequências imprevisíveis sobre o ambiente político. ―Quero

dizer a vocês que acho muito difícil esse Congresso cassar alguém‖, confessou Magalhães

durante uma reunião com caciques do PFL257

.

255

Veja, 24 de novembro de 1993, p. 43. 256

Veja, loc. cit. 257

Ibid., p. 36.

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115

A reportagem trazia uma foto com os atores de Casseta & Planeta imitando alguns

deputados, como Benito Gama e até o deputado Ibsen Pinheiro. Nesta edição, Veja também

mostrava uma foto de Ibsen Pinheiro ‗coçando os olhos‘ – como se estivesse caindo uma

lágrima de seu rosto e na legenda escrito ―Ibsen na lista dos acusados: não explica 230.000

dólares nem convence com a caminhonete.

Na edição seguinte Veja questionava: ―Até onde vai a CPI?‖ – era a manchete de capa

da revista na edição de 15 de dezembro de 1993. No olho/linha fina, a revista afirmava que

―depois de abrir o leque de investigações e aceitar listas inconclusivas, a CPI adia seus

trabalhos e corre o risco de terminar emparedada‖. A reportagem de seis páginas trazia pouca

referência a Ibsen. Veja já tinha consciência do equívoco que havia cometido. No entanto, ele

ainda não havia se tornado público.

Entre as seis páginas, apenas uma referência. Uma foto do deputado do PMDB.

―Ibsen: caminhonete que não convence‖ – ainda uma referência à compra de uma

caminhonete – cuja transação financeira ocorreu por meio de um depósito feito na conta de

Ibsen e que perfeitamente era compatível com seus rendimentos da época. Abaixo da legenda

da foto, um resumo em nove linhas:

Ibsen Pinheiro, José Carlos Vasconcelos e Carlos Benevides estão enrolados. Ibsen

não consegue explicar seu saldo bancário e um negócio com Genebaldo258

.

Em mais uma edição, Veja trouxe o seguinte título no dia 26 de dezembro de 1993:

―Depoimento lacrimoso‖. Abaixo a linha fina trazia, por incrível que pareça, elogios ao

deputado: ―O deputado Ibsen Pinheiro faz um bom discurso, explica seu patrimônio, deixa

algumas dúvidas e chora ao depor‖. A revista já sabia de seu equívoco em relação às

denúncias de que o parlamentar teria um milhão de dólares em suas contas. É como se a

revista, ao promover as acusações contra o deputado, tentasse na primeira edição de 17 de

novembro, incutir na cabeça das pessoas uma realidade, considerada verdadeira, mas que não

era. Perseu Abramo já trouxe explicações sobre esse tema deixando claro que a imprensa

muitas vezes cria uma realidade artificial, como ocorreu com o caso Ibsen.

É uma realidade artificial, não-real, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e

apresentada no lugar da realidade real. A relação que existe entre a imprensa e a

realidade é parecida com a que existe entre um espelho deformado e um objeto que

258

O negócio com Genebaldo a que a revista se refere é exatamente a compra de uma caminhonete F-1000. Ibsen

comprou o carro de Genebaldo e recebeu um depósito em sua conta. O valor do documento bancário era

compatível com essa transação. Segundo a própria revista Veja, seriam depositados na conta de Ibsen três

cheques no valor total de 35 mil dólares. A obviedade das explicações de Ibsen não emplacaram diante da ânsia

de apuração jornalística sobre o fato. Mais um exagero.

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116

ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas

não só não é o objeto como também não é a sua imagem: é a imagem de outro

objeto que não corresponde ao objeto real. Assim, o público — a sociedade — é

cotidiana e sistematicamente colocado diante de uma realidade artificialmente

criada pela imprensa e que se contradiz, se contrapõe e frequentemente se superpõe

e domina a realidade real que ele vive e conhece. Como o público é fragmentado no

leitor ou no telespectador individual, ele só percebe a contradição quando se trata

da infinitesimal parcela de realidade da qual ele é protagonista, testemunha ou

agente direto, e que, portanto, conhece. A imensa parte da realidade ele a capta por

meio da imagem artificial e irreal da realidade criada pela imprensa; essa é,

justamente, a parte da realidade que ele não percebe diretamente, mas aprende por

conhecimento. Daí que cada leitor tem, para si, uma imagem da realidade, que na

sua quase totalidade, não é real. É diferente e até antagonicamente oposta à

realidade.(...) A manipulação das informações se transforma, assim, em

manipulação da realidade 259

.

Agora, nessa reportagem, Veja considerava que o deputado teria dado a ―volta por

cima‖. É como se a revista batesse e, ao descobrir que errou – como veremos no próximo

capítulo – decidiu ‗assoprar‘ para fazer mea-culpa. E trouxe relatos, considerados

satisfatórios, do deputado à CPI.

(...) o deputado Ibsen Pinheiro apareceu para explicar-se na CPI. E chorou. Não

porque estava acuado pela fogueira dos seus cheques. Chorou porque pelo menos

na CPI, onde depôs na quinta-feira, Ibsen deu a volta por cima. Teve o respeito e a

simpatia dos seus inquisidores e, a certa altura, prestando um bom depoimento,

chegou a ouvir o senador Elcio Álvares afirmar que suas explicações honravam sua

biografia. Ibsen escutou os elogios com lágrimas no rosto e, com a voz embargada,

disse: ―Estava preparado para as perguntas mais duras, mas não para a sua

generosidade‖. (...) O deputado estava seguro, falou com clareza e apresentou uma

defesa de advogado. (...) O deputado deu um depoimento devastador para a própria

CPI. Acabou por jogar uma sombra de dúvida sobre a papelada que seus membros

agitam com denúncias, comprometendo o trabalho do deputado Aloizio Mercadante

e do senador José Paulo Bisol260

.

A própria revista reconhece em trecho posterior, o ‗martírio‘ pessoal pelo qual viveu

Ibsen durante todo o episódio. Em uma foto publicada na revista, o deputado é mostrado em

dois momentos. Propositalmente, a revista traz uma foto de Ibsen, sem óculos, com cabelo

penteado, olhar sereno, sério e com um ar maioral. Na outra foto, na mesma página, Ibsen

aparece de óculos, cabelos um pouco espalhados, com ar ‗desesperado‘, tenso, movimentando

a mão direita, como se tentasse explicar e se defender contra as acusações que vinha sofrendo

na época. Abaixo das duas fotos a legenda: ―O gaúcho Ibsen Pinheiro, antes e depois da CPI:

12 quilos a menos, sem emendas à revisão e com vergonha de ser deputado‖.

259

ABRAMO, 2003, p. 24. 260

Veja, 26 de dezembro de 1993, p. 34.

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117

Ou seja, até parece uma ‗linha de montagem‘ da imprensa contra um ator político que

provocou alto poder destrutivo, não só na vida pública, mas sim na vida pessoal. Agora, Ibsen

tentava administrar o sentimento de vergonha numa sensação de impotência diante de tantos

golpes.

Diante da sede da mídia por informações, no início do escândalo, até o depoimento na

CPI, Ibsen vivia no eterno dilema de como se posicionar. Ele tentava fazer isso se defendendo

aos colegas deputados e, com muita mais dificuldade, pela mídia que o acusava, uma vez que

os espaços para sua defesa eram pequenos e o estrago do início da denúncia já tinha sido feito.

3.8. Quem representa a opinião pública?

Como foi visto anteriormente, as denúncias contra o deputado Ibsen Pinheiro já não

eram publicadas na revista de forma isolada. Outros políticos passaram a ser alvos dentro das

investigações da CPI do Orçamento, ou a CPI do Orçamento dos Anões, do qual Ibsen estava

envolvido, como será visto mais adiante, sem qualquer culpa no ‗cartório‘.

O que havia até agora contra o deputado do PMDB era o cheque de Genebaldo

Correia – explicado pelo deputado e que seria da compra de um veículo F-1000 e ainda uma

foto em que Ibsen aparece na Grécia ao lado de acusados de fazer parte da máfia dos anões. E

só. As duas denúncias tentavam sustentar a versão de corrupto.

Na edição de 26 de janeiro de 1994, mais de dois meses após a reportagem de capa

―Até tu Ibsen?‖, Veja mostrava que a CPI havia realizado naquela semana uma sessão

histórica para aprovar uma lista em que a comissão propôs a cassação de 18 de deputados,

entre eles Ibsen. A CPI pressionada incluíra o nome do deputado na lista. Para Veja, ―o

Congresso expunha sua podridão‖. O título da reportagem ―O Congresso dá volta por cima‖ e

a linha fina ―... o legislativo corta na própria carne e faz as pazes com a opinião pública‖ –

mostrava que a lista já estava sendo divulgada.

Ao publicar essa reportagem, a mídia se coloca como representante da opinião

pública261

. O editor-fundador da revista Roberto Civita afirma: ―o leitor sabe de que lado

261

Três autores parecem mais apropriados, a meu ver, para conceituar opinião pública. Nas ideias de Stuart Mill,

em seu clássico Sobre a Liberdade, ele debate o tema opinião pública e diz que: ―[...] a opinião de semelhante

maioria, imposto como lei à minoria, em questões de conduta estritamente individual, tanto pode ser certa como

errada. Nesses casos, a opinião pública, na melhor hipótese, significa a opinião de algumas pessoas sobre o que é

bom ou mau para outras pessoas‖. (MILL, John Stuart. Sobre a Liberdade. 2ª ed. Petrópoles: Vozes, 1991,

p.149). Portanto, estudando por esse ângulo de abordagem podemos dizer que tanto Veja, como a grande

imprensa, não podem representar a opinião pública, mesmo porque ela não é a maioria. Significa um seleto

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118

lutamos ao longo desses anos agitados, controvertidos mas certamente estimulantes anos de

vida. E sabe, também, onde nos encontrará amanhã‖ 262

.

Pode-se discordar de Civita, uma vez que a mídia, assim como Veja, também tem

interesse mercantilista. A revista deixa, a meu ver, equívoco ao dizer que a exposição da

podridão do Legislativo, o Congresso faz as pazes com a opinião pública. Que opinião

pública? Os leitores ‗seletos‘ de Veja. Aliás, a revista inclui nesse rol, de corruptos o

deputado Ibsen.

A revista se coloca na função de ―cobrir‖ o que seria de interesse da opinião pública

(essa opinião pública, no entanto, selecionada apenas a um grupo da sociedade). Na verdade,

a revista é uma empresa privada em busca de capital. Ao dizer que investiga tendo em vista os

interesses da sociedade, no caso específico analisado, ela incorre em contradições. Hoje, se

tem total liberdade de um lado, ela move-se por total ausência de responsabilidade de outro.

A discussão em torno do significado de opinião pública foi observada por Francisco

Fonseca.

Em um dos capítulos de seu artigo, ele relata o papel privado da mídia versus sua

atuação pública.

Para além do caráter mercantil da notícia, em perspectiva teórica a distinção entre a

esfera pública e a esfera privada – conceitos por excelência controversos –

encontrou um verdadeiro divisor de águas com as revoluções burguesas, sobretudo

a Revolução Francesa, pois inaugurou um novo conceito de liberdade, agora

identificado, com o mundo privado – por meio , inicialmente, do mercado – e

politologicamente definido como pertencente ao caráter negativo da ideia de

liberdade263

.

grupo de pessoas para quem a grande mídia vai atender. Gramsci falando sobre a história da opinião pública

afirma que: ―naturalmente, os elementos da opinião pública, sempre existiram, mesmo nas satrapias asiáticas.

Mas, a opinião pública, como a entendemos hoje, surgiu às vésperas da queda do Estado absoluto, isto é, no

período da nova classe burguesa por hegemonia política e conquista do poder. A opinião pública é o conteúdo

político da vontade política pública, que poderia ser discordante. Essa é a razão pela qual existe a luta pelo

monopólio dos órgãos de opinião pública: jornais, partidos, parlamento, de modo a que uma única força modele

a opinião e desse modo a vontade política nacional, dispensando os desacordos numa poeira individual e

desorganizada (citado por Portelli, 1987). – Hugues Portelli, Gramsci e o bloco histórico. São Paulo, Paz e Terra,

1987. Para Alexis de Tocqueville, nas sociedades igualitárias ocorre um processo de homogeneização da opinião

pública, descrito por Frey (2000) como ―uma tirania uniformizadora que se estenderia à vida psicossocial,

intelectual e cultural, suprimindo a diversidade social. As respectivas ideias e sentimentos democráticos, por sua

vez, influenciam o funcionamento e as características da sociedade política‖. Em ― A Democracia na América‖,

Tocqueville afirma: ―Uma lei geral, que tem o nome de justiça, foi feita e sancionada, não apenas pela maioria

deste ou daquele povo, mas, pela maioria da espécie humana. Os direitos de todos é justo. A nação pode ser

considerada o júri dotado de poderes para representante a sociedade, em geral, e para aplicar a justiça, que é a

sua lei. Tomada coletivamente, maioria é apenas um indivíduo cujas opiniões e, frequentemente, interesses são

opostos aos de outro indivíduo, intitulado minoria. Se admite que um homem possuindo poder absoluto pode

usar, erradamente, esse poder fazendo mal a seus adversários, por que não será a maioria passível da mesma

censura? (TOCQUEVILLE, Aléxis. A Democracia na América. São Paulo: Companhia Editora Nacional,

1966). 262

VEJA, Edição especial de 40 anos. 14 de setembro de 2008, p. 14. 263

FONSECA, 2004.

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119

3.9. O troféu de „corruptologia‟

No episódio da CPI do Orçamento, em que o deputado Ibsen Pinheiro, foi um dos

acusados de corrupção, Veja entendeu, em edição do dia 26 de janeiro de 1994, que ao

apontar em relatório o pedido de cassação de 18 parlamentares, a Câmara dos Deputados

ganharia um ―troféu de corruptologia‖.

Chegou a ser dito que a CPI iria paralisar o País, inviabilizar a revisão

constitucional e bloquear o governo Itamar Franco. O País continuou andando

normalmente, a revisão constitucional já começou e deve encerrar-se no prazo

marcado, 15 de março. O Congresso ainda discute o plano Fernando Henrique. Para

quem gosta de Copas do Mundo em qualquer modalidade, há um troféu na área da

corruptologia. Não se conhece o caso, em nenhum País, de um Congresso que tenha

sido capaz de realizar um serviço de limpeza tão amplo e profundo em seus

quadros264

.

Essa característica de promover classificações e ‗batizar‘ os escândalos com nomes

estranhos podem ser entendidos como um padrão de manipulação também. Perseu Abramo

afirma que a imprensa busca ângulos sensacionalistas quando aborda certos casos.

Submetido a todos os padrões gerais de manipulação, o fato é apresentado sob os

seus ângulos menos racionais e mais emocionais, mais espetaculares e mais

sensacionalistas. As imagens e sons mostram o incêndio, a tempestade, a enchente,

ou a convenção do Partido Majoritário, a passeata, a greve, o assalto, o crime, etc.

As imagens são amparadas por textos lidos ou falados265

.

Na mesma reportagem mais uma vez Ibsen Pinheiro sofre ataques.

Na página 30, uma foto do deputado e, sob altos e baixos, acusações de ―morde e

assopra‖, Veja trouxe um pequeno texto afirmando que a CPI havia constatado que o

deputado gaúcho movimentou 1,2 milhão de dólares em cinco anos, ou seja, 850.000 dólares

a mais que seus rendimentos.

Segundo a revista, ele não explicou por que transferiu 114.000 dólares para uma

corretora de câmbio no Uruguai. Veja: Ibsen não esclareceu a origem dos 60.000 dólares com

264

Veja, 26 de janeiro de 1994, p. 28. 265

ABRAMO, 2003, p. 32.

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120

que pagou a entrada de um apartamento. Nem como pagou uma dívida de 35.000 dólares a

Genebaldo Correia266

.

3.10. A cassação de Ibsen, o troféu da mídia

Após a ‗batelada‘ de acusações, Ibsen foi ‗capturado‘ pelas reportagens acusatórias e

teve seu mandato cassado em maio de 1994. Na edição do dia 18 daquele mês, Veja trouxe o

assunto. Uma reportagem de uma página, com cerca de 3 mil caracteres. No final da

reportagem sob título ―vitória magra‖ – uma referência ao deputado Ricardo Fiúza, que

comemorava o fim de seu julgamento, salvando assim seu mandato das acusações da CPI do

Orçamento. Já Ibsen não teve a mesma sorte, dizia a revista. O deputado gaúcho não teria

convencido a comissão sobre a origem de pelo menos 300 mil dólares e admitiu, segundo a

revista, ter comprado dólares acima do limite legal, às vésperas do confisco do Plano Collor.

A edição seguinte de Veja, do dia 25 de maio, foi muito mais efusiva. ―Ibsen moído‖267

era o título da reportagem com a linha fina resumindo o que teria ocorrido no Congresso: ―O

ex-presidente da Câmara é cassado por humilhante maioria de colegas‖.

Por 296 votos a favor, 139 contra e 24 abstenções, a Câmara dos Deputados cassou,

na semana passada, o mandato do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), ex-

prestigioso presidente da Casa, de fala fluida e eloquente, tido outrora por sério e

destinado a postos cada vez mais altos na política268

.

Moído pelas acusações publicadas na grande imprensa, Ibsen deixou a cena política.

Como a própria revista disse o deputado foi o quinto a ser ―degolado‖ pelos colegas do

congresso.

3.11. A verdade aparece 11 anos depois

266

Aqui a revista mergulha em contradições. Senão vejamos. Na edição de 26 de dez., ela diz que o deputado faz

um bom discurso e explica seu patrimônio. Na mesma edição, Veja dá um pequeno espaço para Ibsen se

defender e relata em reportagem que Ibsen fez questão de desmoralizar o trabalho da CPI. Bateu na tecla de que

pode até ter ‗movimentado‘ 2,3 milhões de dólares em suas contas, mas que nunca recebeu essa quantia de

crédito. Agora a versão mudou novamente. 267

Nota-se aqui que a referência de Veja ao termo moído refere-se a derrota esmagadora de Ibsen no Congresso

e não a ser moído pela grande imprensa que o acusou injustamente, sem provas, sem elementos condizentes para

que seu mandato fosse cassado. Mais uma vez, Veja não admite diretamente seu erro nesse episódio. 268

Veja, 25 de maio de 1994, p. 21.

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121

A descoberta do erro na cobertura do escândalo de Ibsen acabou por ser revelada

onze anos depois pelo jornalista que escreveu a reportagem de Veja ―Até tu Ibsen?‖, edição

de 17 de novembro de 1993.

A revelação se deu por meio de outro meio de comunicação da grande imprensa, a

Revista IstoÉ. Na edição nº 1.819, de 18 de agosto, de 2004, matéria de capa (fig. 10), cujo

título ―Massacrado‖ fazia uma referência ao ―massacre‖ praticado por Veja, na referência

específica de IstoÉ, contra o deputado.

Fig. 10

Na reportagem, a revista trazia um importante depoimento do jornalista Luís Costa

Pinto, quase que avassalador, não para um jornalista nem para um veículo de comunicação,

mas para toda uma categoria. Na matéria ele reconhece que errou. E, com a consciência

pesada traz revelações importantes dos bastidores da publicação da capa de Veja acusando

Ibsen de corrupção.

Segundo ele, como será visto em seu relato na íntegra, Veja sabia que os depósitos nas

contas de Ibsen apontados como US$ 1 milhão, eram na, verdade, US$ 1.000.

O mais grave, segundo Costa Pinto (que foi entrevistado para essa dissertação), é que

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122

o erro teria sido descoberto a tempo, antes de a revista ir para as bancas. Para embasar as

revelações, a Revista IstoÉ lançou mão da carta endereçada pelo jornalista Costa Pinto, o

Lula, na época editor da sucursal de Veja em Brasília e autor da reportagem. Na carta, o

jornalista diz que o então editor-executivo, Paulo Moreira Leite, ao ser informado pelo chefe

da equipe de checagem da revista, Adam Sun, de que a movimentação era de 1.000 dólares, e

não de 1 milhão de dólares, sugeriu que Lula encontrasse alguém para sustentar a cifra

milionária. Por medo de perder o emprego, Lula então recorreu, a pedido do editor-executivo

(que lhe ordenou que procurasse alguém político para sustentar a informação), ao deputado

Benito Gama, que teria se disposto a cacifar a falsa informação.

O resultado da publicação no dia seguinte todos já sabiam. A ‗onda denuncista‘

ganhou corpo. Se transformou numa bola de neve, com os deputados acuados por publicações

na mídia cada vez mais severas incriminando Ibsen.

Ainda segundo relatos do jornalista Lula, o pivô da armação-jornalística contra Ibsen

teria sido o então deputado Waldomiro Diniz, do PT. Na versão de Costa Pinto, quem lhe deu

as cifras erradas foi Waldomiro.

As revelações publicadas em IstoÉ causaram surpresa e espanto.

Tomada de surpresa pela fraude de IstoÉ, Veja, em sua edição passada, pediu

desculpas por eventuais erros que tenha publicado no caso de Ibsen e em outros

daquele período tormentoso. Mas eles jamais foram intencionais – e quase sempre

foram compartilhados por outros veículos, como a própria IstoÉ, que também se

alimentavam das informações fornecidas pelos integrantes da CPI 269

.

3.12. Pedido de desculpas. Mas, tarde...

A reprodução do trecho do pedido de desculpas foi feito em meio a uma reportagem

sobre a proposta do Conselho Federal de Jornalismo (fig. 11) na edição de 18 de agosto de

2004.

269

Veja, 25 de agosto de 2004.

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123

Fig. 11

O pedido de desculpas foi feito na página 48, daquela edição, quando a Revista Veja

tratava exatamente do Conselho Federal de Jornalismo, do qual o semanário classificava de

‗autoritarismo‘. O pedido de desculpas trazia o seguinte:

A matéria, sobre o então deputado Ibsen Pinheiro, continha números errados a

respeito do dinheiro movimentado pelo político, que acabou cassado pela CPI dos

Anões do Orçamento. A imprensa erra, mas os erros acabam aparecendo quando

não são corrigidos logo em seguida pela apuração correta dos fatos. Veja lamenta

os enganos que cometeu nos casos de Alceni, Eduardo Jorge e Ibsen Pinheiro270

.

A revista propriamente reconhece que ‗os erros acabam aparecendo quando não são

corrigidos logo em seguida‘. Mas, se a revista realmente conseguiu descobrir um dia antes

que a movimentação financeira do deputado Ibsen Pinheiro estaria errada, porque publicou?

Em relato surpreendente, o jornalista Luís Costa Pinto, o Lula, o autor da matéria, faz

revelações. Arrependido, ele traz informações sobre os bastidores da publicação da

reportagem que contribuiria para cassar o deputado. No relato, ele diz que pensou no

emprego. O título ―O homem que se recusou a morrer‖ traz acusações contra a direção da

revista que, segundo Lula, para não perder a tiragem de mais de um milhão de exemplares

manteve o erro na notícia. Propositalmente. Toda a denúncia teria chegado à Veja por meio de

uma vazamento de informações do deputado Waldomiro Diniz. Aliás, essa característica já foi

270

Veja, 18 de agosto de 2004, p. 48.

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estudada pelo ex-ombudsman da Folha de S. Paulo, Marcelo Leite, e citado em referência no

livro de Eugênio Bucci. Marcelo Leite chama de ‗vazamentismo‘ esse tipo de característica da

imprensa.

(...) Aqui, a referência do ombudsman eram ―os escândalos postos no colo da

imprensa‖ com base em informações ―oficialmente‖ vazadas dos gabinetes do

poder. Na verdade, esse ―vazamentismo‖ estava se tornando um expediente

rotineiro de políticos interessados em prejudicar a imagem de outros. Denúncias

chegavam aos jornais sem origem declarada e eram publicadas sem maior trabalho

de verificação prévia271

.

Outra característica, também citada pelo ex-ombudsman da Folha de S. Paulo, e

encontrada na primeira reportagem de Veja sobre o caso, sob título ―Até tu Ibsen?‖ foi o

―offismo‖. Ou seja, a revista revelou a suposta corrupção, mas não ‗entregou‘ o nome de

Waldomiro Diniz, como sendo a fonte que passou a informação. Em nenhum momento a

revista deixa claro ou cita-o como autor do vazamento de informações.

Segundo o livro de Eugênio Bucci, o off é um termo que faz parte do jargão das

redações. Tem origem na expressão inglesa off the record, que designa aquilo que se diz a um

jornalista ―confidencialmente‖, isto é, algo que se diz para não ser registrado.

Mas, muitas vezes o off é utilizado e publicado, quando a fonte pede para não ser

identificada. O jornal ou a revista publicam então a notícia sem citar a fonte.

No Brasil, a expressão ―declaração em off‖ admite os dois significados. Em seu uso

mais corrente, a expressão se refere à informação que poderá ser publicada desde

que não se identifique a fonte. Entre nós, é verdade, o uso do off tornou-se rotina e

se transformou em abuso. Com frequência, o leitor, o telespectador ou o ouvinte

não fica sabendo da origem da informação. Ele só é avisado de que ―uma alta

autoridade do Ministério tal‖ ou ―um professor que prefere não se identificar‖ ou

ainda ―uma fonte qualificada‖ disse isso ou aquilo. Outros recursos para o mesmo

procedimento são os cacoetes de texto do tipo ―comenta-se‖, ―garante-se‖ etc.

Muito comum nas colunas de notas de informação política, econômica e de

interesse geral, esse modo de informar, salvo exceções, é também um modo de

desinformar. Afinal: quem diz? quem garante? quem comenta? Não se faz bom

jornalismo com declarações anônimas.272

3.13. Uma carta reveladora

Após esses parênteses veja a carta escrita por Luis Costa Pinto.

271

BUCCI, 2000, p.132. 272

BUCCI, loc. cit.

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125

Luís Costa Pinto273

– Não gosto desse governo, mas é o único que temos. Logo, resignemo-nos.

Tomei um susto ao ouvir aquilo. Estava em Brasília havia menos de um mês. Fora

transferido pela revista Veja da sucursal de Recife, que chefiava, para me integrar

ao grupo de repórteres da sucursal brasiliense. Quando fui informado da promoção

saí para comemorá-la, em São Paulo, com os jornalistas Laurentino Gomes, Caco

de Paula e Xico Sá. Este último, que tivera uma experiência em Brasília, detestara a

cidade. ―Cara, o Congresso é um mistério. Passei três meses para descobrir onde

ficavam os banheiros de lá. E se você não tiver fontes entre os parlamentares, está

ferrado: os mais velhos o engolem‖, explicara Xico. ―Ouça muito e fale pouco."

Quem me confessara a resignação ante o governo do então presidente Fernando

Collor de Mello, já no primeiro encontro entre fonte e repórter, sem pedir reservas,

fora o presidente da Câmara dos Deputados à época, Ibsen Pinheiro. A conversa

que tivemos, que começara por futebol, passara por questões regionais e

jornalísticas e terminara em política pura, havia gerado uma empatia instantânea

entre mim e ele. Estabeleceu-se, a partir de então, uma relação de admiração que

segue até hoje.

Dono de raciocínio rápido e lógico, auto-ironia refinada e poder de análise

invejável, o ex-deputado Ibsen Pinheiro pontificava como uma das melhores fontes

de informação na capital da República naquele início da década de 1990. Durante a

Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988, Ibsen liderara a bancada de

deputados federais do PMDB. Foi a partir de sua atuação como líder que conseguiu

migrar do chamado baixo clero parlamentar – grupo numeroso de deputados que

tem pouco destaque na Casa a despeito de alguns terem construído respeitável

biografia na ação junto às comissões temáticas do Parlamento – para o time de

políticos com destaque nacional. Antes de tudo, Ibsen era uma fonte jornalística

que não mentia. Perguntado acerca de temas sobre os quais não podia se manifestar,

omitia-se. Jamais lançava balões de ensaio à imprensa ou tirava repórteres dos bons

caminhos de apuração. ―Já fui um de vocês‖, dizia, com alguma nostalgia.

Em 1992, quando o governo Collor perdeu as condições de sustentação política no

Congresso e definhava à mercê da Comissão Parlamentar de Inquérito que lhe

expunhas as entranhas, Ibsen tornou-se um aliado seguro e secreto da corrente

suprapartidária que pediria a cassação do presidente da República. ―O que o povo

quer, esta Casa termina querendo‖, vaticinou o ex-presidente da Câmara dos

Deputados ao receber, na primeira semana de setembro daquele ano, a formalização

do pedido de impeachment presidencial no Salão Verde do Congresso. A retórica

começava a aprontar uma cilada para ele: o povo, representado em protestos nas

ruas pela sociedade civil organizada, de fato queria o impeachment. O Parlamento,

em sua maioria, ainda não. Existia certa margem de negociação capaz de evitar a

perda de mandato de Collor, mas Ibsen foi peça chave na articulação que estreitou o

raio de ação dos estrategistas palacianos. Escreviam-se, naquela ação surda do

presidente da Câmara, as primeiras linhas do epílogo de sua vida parlamentar em

Brasília – a cassação, em 18 de maio de 1994, por alegada colaboração com a

―Máfia dos Anões do Orçamento‖. Numa sexta-feira do mês de setembro de 1993,

o repórter Policarpo Jr., meu colega na redação brasiliense de Veja, obteve o furo

de reportagem que mais tarde deu origem à CPI do Orçamento. Depois de insistir

por uma semana, ele conseguiu uma entrevista exclusiva com José Carlos Alves

dos Santos, ex-assessor da Comissão Parlamentar Mista de Orçamento do

Congresso Nacional. José Carlos estava preso em uma delegacia de Brasília por

suspeita de assassinato de sua mulher, Maria Elizabeth Lofrano. Na entrevista

original, José Carlos mencionou o envolvimento de sete deputados e de um senador

em um esquema de fraudes ao Orçamento Geral da União. Não falou no nome de

Ibsen Pinheiro, que acabara de deixar a Presidência da Câmara e, semanas antes,

fora lançado pré-candidato a Presidente da República numa festa do PMDB no

Recife. Àquela altura, mais de um ano antes do pleito, a candidatura presidencial de

Ibsen era uma miragem no cenário político – mas do centro à direita do espectro

273

Luís Costa Pinto é jornalista. Foi editor e chefe da sucursal de Veja no Recife e em Brasília, foi repórter de O

Globo e da Folha de S.Paulo, foi editor de Época e editor-executivo do Correio Braziliense. É consultor de

comunicação. (os relatos foram feitos na edição nº 1.819, de 18 de agosto de 2004 da Revista IstoÉ. p. 30-33).

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partidário não havia nenhum nome viável para disputar o pleito presidencial de

1994 com Luiz Inácio Lula da Silva, o favoritíssimo pré-candidato do PT. ―Tenho

certeza que o calvário de Ibsen começou ali, no momento em que ele deixou de ser

uma aventura para começar a aglutinar apoios em torno de si‖, disse-me certa vez

Nelson Jobim.

Cerca de dois meses depois de iniciadas as investigações parlamentares acerca dos

desmandos e da cobrança de propinas na Comissão de Orçamento do Congresso

Nacional, o nome de Ibsen Pinheiro emergiu associado à Máfia de Anões que

corrompia o erário. O primeiro documento revelado para incriminá-lo era um

cheque do ex-deputado Genebaldo Correia (que renunciou ao mandato na esteira

das investigações) depositado em sua conta bancária. Horas depois de divulgada a

informação dando conta da existência desse cheque, a assessoria de Ibsen Pinheiro

passou a afirmar que o cheque era referente a uma transação financeira com uma

caminhonete. O valor do documento bancário era compatível com essa transação e

o carro, de fato, fora transferido de um para outro – mas a obviedade do álibi não

aplacou a ânsia de apuração jornalística sobre o fato. O segundo documento

divulgado para estabelecer um elo entre o ex-presidente da Câmara e a Máfia dos

Anões do Orçamento era uma fotografia tirada durante um jantar em uma ilha grega

– mostrava Ibsen cercado por cinco dos sete anões do Orçamento.

Um tímido círculo de amigos – alguns deputados; outros, amigos da vida inteira –

reuniu-se em torno de Ibsen para rechaçar as acusações. Nelson Jobim , Miro

Teixeira, Sigmaringa Seixas, Henrique Eduardo Alves, entre os parlamentares,

eram os mais chegados. Luiz Carlos Madeira, advogado e ministro do TSE,

pontificava no grupo dos amigos de fora do Congresso.

– Eu era um prato cheio para servir à vingança fria. Tinha ampla exposição, mas

não tinha nenhum poder político. Ou seja, eu já havia sido até lembrado para ser

candidato a presidente da República, mas não tinha construído nenhum

relacionamento político mais sólido dentro das estruturas partidárias ou com a

mídia. Fui ingênuo.

O desabafo é do próprio Ibsen e foi feito mais de uma vez ao longo das inúmeras

conversas que tivemos em torno do episódio de sua cassação. Como sempre, a

análise insinua-se precisa.

O cheque de Genebaldo Correia e a foto da Grécia sustentaram uma semana de

acusações nos jornais contra o ex-presidente da Câmara dos Deputados. Mesmo

desarticulados, mas fiando-se na ausência de outras provas que maculassem ainda

mais a biografia de alguém que fora interlocutor privilegiado da República por dois

anos, os amigos de Ibsen conquistavam terreno na árdua tarefa de desmentir as

acusações. No intestino da CPI do Orçamento, que caminhava para um desfecho

melancólico pois só ia cassar deputados do chamado ―baixo clero‖ parlamentar,

buscava-se uma revelação de impacto. Foi nesse ambiente que se perpetrou um dos

grandes erros jornalísticos contemporâneos. Às 20h de uma sexta-feira de

novembro de 1993 telefonou-me o assessor parlamentar Waldomiro Diniz. Lotado

na Subcomissão de Investigação Bancária da CPI do Orçamento, Waldomiro era o

braço direito dos deputados José Dirceu e Aloizio Mercadante naquelas

investigações. Hábil, esperto e articulado, forjara-se desde a CPI do Caso PC como

uma das boas fontes do submundo político brasiliense. ―Tenho uma bomba para

você‖, disse-me Waldomiro. ―Estou indo para a sua redação .‖ Minutos depois

Waldomiro Diniz entrou na sucursal brasiliense de Veja, onde os trabalhos de

encerramento da edição estavam avançados e trabalhávamos em um texto de capa

sem maiores novidades ou revelações sobre os trabalhos da CPI. Dali a duas horas,

no máximo três horas, a edição de Veja teria de baixar para a gráfica da Editora

Abril, em São Paulo. Waldomiro exibia um sorriso triunfal. ―Pegamos Ibsen‖,

disse-me. Em seguida, exibiu sete boletos de depósitos bancários, já dolarizados

por ele, e que, segundo me dizia, provavam a transferência de US$ 1 milhão de

dólares de uma conta bancária de Ibsen Pinheiro de uma agência da Caixa

Econômica para uma agência do Banrisul. ―Ele não tem salário para ter tanto

dinheiro. Isso é a prova da corrupção‖, asseverou Waldomiro.

Irresponsável, mas maravilhado com a possibilidade de cravar um furo na edição de

Veja do fim de semana seguinte, embarquei na versão e na dolarização. Não

chequei as informações. Comuniquei aos editores em São Paulo que estava

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127

mudando o tom da reportagem que concluía e passava a ser mais afirmativo contra

Ibsen. Liguei para o ex-presidente da Câmara – afinal, ouvir o outro lado é praxe

muitas vezes cumprida com burocracia. Ele me negou a história, negou-me os

depósitos e os valores, mas eu preferi acreditar nos documentos que tinha em mãos

– afinal, registrar o outro lado burocraticamente também é praxe no jornalismo

A nova informação autorizou uma chamada de capa mais enfática contra o

ex-deputado – ―Até tu, Ibsen?‖. A principal revista semanal de informação do País,

que ia ficar exposta nas bancas por uma semana, era um libelo acusatório contra o

presidente da Câmara dos Deputados que liderara a votação do impeachment ao

ex-presidente Fernando Collor de Mello um ano antes. Escrevi o texto e enviei os

documentos bancários por fax para São Paulo. Com a reportagem lida, modificada

e aprovada pelos diversos escalões editoriais de Veja, cheguei à minha casa por

volta das 2h da madrugada do sábado. Pouco antes das 8h fui acordado por toques

insistentes da campainha do apartamento onde morava. Era Silvânia Dal Bosco,

colega na redação de Veja. ―O Paulo Moreira quer falar com você. Deu um

problema grave lá em São Paulo... na edição da matéria do Ibsen‖, disse-me

Silvânia. ―Ele está tentando ligar para cá, para a sua casa, mas só dá ocupado .‖ O

meu filho tinha deixado o telefone fora do gancho. Liguei para Paulo Moreira,

então editor-executivo de Veja. Tenso, Paulo disse-me que Adam Sun, chinês

implacável que por muitos anos zelou pela qualidade das informações publicadas

em Veja na condição de chefe da equipe de checagem da revista, descobrira que a

dolarização estava errada. ―Lula, essa soma não dá US$ 1 milhão de dólares. Dá

US$ 1 mil dólares‖, gritou-me Adam do outro lado da linha. Eu gelei. ―Paulo, tem

jeito?‖, perguntei. ―Não‖, cravou-me ele, friamente. ―Já rodamos 1 milhão e 200

mil capas. E jogar fora 1 milhão e 200 mil capas é um prejuízo impagável.

Podemos, ainda, mexer no texto dentro da revista – mas isso vai atrasar a remessa

para o Rio de Janeiro e para o interior de São Paulo‖, advertiu-me ele. ―Vê se

consegue, em 10 minutos, alguém para sustentar em on essa dolarização de US$ 1

milhão‖, sugeriu.

Não pensei em Ibsen Pinheiro ou na injustiça que estava ajudando a dar curso com

aquela reportagem calçada em uma falsa prova. Pensei em mim, no meu emprego,

em como salvar uma reportagem fadada a produzir uma tragédia. Telefonei para o

presidente da CPI do PC, o então deputado Benito Gama, e consegui pegá-lo

acordado àquela hora. Narrei-lhe o ocorrido. Ele tinha conhecimento da versão

acerca dos tais depósitos de US$ 1 milhão. ―Não há chance de isso estar errado. É

US$ 1 milhão e Ibsen terá de responder por isso‖, asseverou Benito. ―Deputado,

isso é on (ou seja, no jargão jornalístico, eu perguntava se a informação podia ser

publicada assinalando-se a sua origem)? Olhe que a reportagem de Veja, que está

errada, vai se escudar nesse on seu‖, perguntei mais uma vez. ―É on. Agora, deixe-

me fazer o meu cooper‖, tranquilizou-me Benito. Passei a frase por telefone a Paulo

Moreira, que mexeu na edição da revista já na gráfica, e a Veja circulou com o

libelo acusatório contra Ibsen.

Foi uma tragédia pessoal para Ibsen Pinheiro. Ele não me procurou nos 10 dias

seguintes. ―Não tinha coragem de querer saber o porquê de terem dado curso àquela

mentira. E logo um repórter com o qual eu tinha excelente relação‖, disse-me anos

depois. Eu sabia que a reportagem estava errada, a CPI também. Por ter detectado o

erro e por ter trabalhado para corrigi-lo no texto interno da revista, a despeito de

não ter salvado a capa, já impressa, o checador Adam Sun ganhou um prêmio de

US$ 1 mil conferido pelo diretor de redação de Veja, Mário Sérgio Conti. Prêmios

como aquele, obtidos mesmo sem concursos ou disputas, só eram dados depois que

conseguíamos bons furos de reportagem. Fora a primeira vez que um prêmio como

aquele acabara nas mãos de um checador. O texto de Veja repercutiu nos jornais

por dois dias, a dolarização incorreta foi protocolarmente corrigida pela CPI na

semana seguinte, mas Ibsen fora arrastado definitivamente para o centro das

investigações. Seus advogados de defesa contrataram uma auditoria da Trevisan &

Associados para esquadrinhar todos os ingressos e todas as saídas de suas contas

bancárias no período de cinco anos. Nenhuma movimentação financeira anormal

foi detectada, mas a CPI desconheceu tal auditoria argumentando que não a pedira

nem a fiscalizara.

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128

– Houve um momento, no meio de todo aquele furacão, em que eu tomei uma

decisão: convenci-me que a melhor coisa que podia fazer por mim seria não morrer.

Eu não poderia simplesmente ter um enfarte e morrer; dar um tiro na cabeça ou

sucumbir a um câncer, se ele fosse diagnosticado em meu corpo. Tomei a decisão

política de não morrer para ver até onde iria tudo aquilo, até onde eu resistiria e

como seria o meu restabelecimento pessoal e público.

Essas memórias do turbilhão pessoal foram-me confessadas por Ibsen Pinheiro sete

anos depois de seu calvário pessoal. A conversa, travada em um restaurante de

Curitiba, teve por testemunha o ex-deputado e ex-ministro da Saúde Alceni Guerra,

personagem involuntário de um massacre semelhante à sua honorabilidade e à sua

biografia.

Ibsen Pinheiro sobreviveu à tormenta. Recusou-se a ver a si mesmo no meio do

cenário devastado. Horas depois de ter sido cassado por 293 votos no plenário da

Câmara dos Deputados, pouco mais da metade dos integrantes da Casa, Ibsen

deixou o apartamento funcional de parlamentar no qual morava em Brasília e voou

para Porto Alegre. Não conseguiu dormir. Levantou-se às 6h da manhã seguinte e

foi barbear-se. Olhou-se no espelho e perguntou-se: ―Até onde vou?‖ Envergou o

terno, pôs uma pasta 007 nas mãos e dirigiu-se à sede da Promotoria do Estado do

Rio Grande do Sul. Queria reassumir de imediato, naquele dia, o posto de promotor

de Justiça para o qual passara por concurso público mais de duas décadas

atrás.―Tire férias‖, aconselhou-o o superior hierárquico. ―Não. Quero trabalhar.

Quero viver de novo‖, resignou-se Ibsen, que passou a ser lotado como promotor-

assessor da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul.

– Nunca tive vergonha de mim. Sempre tive fama de ser arrogante e, naqueles

tempos, passei a me impor uma postura que soava ainda mais antipática: sabia que

precisava andar de cabeça erguida. Não podia abaixar o olhar. Não podia sentir-me

derrotado. Os dias, as semanas, os meses foram passando e, nas ruas de Porto

Alegre, de São Borja ou de Tramandaí, jamais fui hostilizado. Dois ou três anos

depois, voltei a ser saudado por um ou outro. A reparação pública não havia se

formalizado, mas eu estava em paz comigo.

A confissão desse processo de regresso a um estado de paz interior consigo mesmo

foi feita por Ibsen em uma conversa que tivemos, na sala de seu apartamento em

Porto Alegre, no ano de 2000. Estávamos ali eu, ele e sua mulher, Laila,

companheira dos melhores dias e dos mais torturantes momentos. Olhei em volta,

mirei alguns pratos de louça dourada sobre uma cômoda, uma almofada de crochê

sobre uma cadeira de balanço, três ou quatro bibelôs dentro de uma cristaleira

espartanamente arrumada. ― Meu Deus‖, pensei em silêncio. ―Este apartamento está

decorado à semelhança da casa de meus avós, de meus pais. Um dia eu fui capaz de

escrever que esse homem, que essa mulher, tinham se tornado milionários – e olha

aqui: são plácidos avós, marcados pela vida, mas ainda sólidos.‖ Não revelei, na

hora, aquela sensação que me provocava desconforto, mas passei a me perguntar

como poderia fazer um gesto que tentasse reparar as injustiças que,

involuntariamente, mas cúmplice, ajudei a perpetrar. Meu maior patrimônio é a

credibilidade de que gozo como jornalista profissional e, de alguns anos para cá,

como consultor de comunicação. Escrever este relato, absolutamente fiel a tudo o

que vivi, foi a melhor maneira que encontrei de repor a verdade – a verdade que

testemunhei.

Conclusões sobre a carta reveladora: no começo da carta, Lula mostra uma certa

intimidade com sua fonte, o deputado Ibsen Pinheiro.

Quem me confessara a resignação ante o governo do então presidente Fernando

Collor de Mello, já no primeiro encontro entre fonte e repórter, sem pedir reservas,

fora o presidente da Câmara dos Deputados à época, Ibsen Pinheiro. A conversa

que tivemos, que começara por futebol, passara por questões regionais e

jornalísticas e terminara em política pura, havia gerado uma empatia instantânea

entre mim e ele. Estabeleceu-se, a partir de então, uma relação de admiração que

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segue até hoje. Dono de raciocínio rápido e lógico, auto-ironia refinada e poder de

análise invejável, o ex-deputado Ibsen Pinheiro pontificava como uma das melhores

fontes de informação na capital da República naquele início da década de 1990.

A revista tinha pleno conhecimento do erro de informação.

―Lula, essa soma não dá US$ 1 milhão de dólares. Dá US$ 1 mil dólares‖, gritou-

me Adam do outro lado da linha. Eu gelei. ―Paulo, tem jeito?‖, perguntei. ―Não‖,

cravou-me ele, friamente. ―Já rodamos 1 milhão e 200 mil capas. E jogar fora 1

milhão e 200 mil capas é um prejuízo impagável. Podemos, ainda, mexer no texto

dentro da revista – mas isso vai atrasar a remessa para o Rio de Janeiro e para o

interior de São Paulo‖, advertiu-me ele. ―Vê se consegue, em 10 minutos, alguém

para sustentar em on essa dolarização de US$ 1 milhão‖, sugeriu.

A edição de IstoÉ, que tratava guerra editorial com Veja (nesse momento não vamos

entrar nesse mérito da questão por não ser o principal objeto de estudo desse trabalho),

trazia revelações importantes na edição nº 1.819, cujo título de capa ―Massacrado‖ apontava

―como o mau jornalismo transformou US$ 1 mil em US$ 1 milhão e levou à cassação de um

forte candidato a presidente do Brasil‖. Na mesma capa, a revista afirmava: ―Apesar de tudo,

a vítima preserva a sensatez: o denuncismo tem cura, mas na imprensa censurada o

denuncismo é eterno‖.

A revista IstoÉ trazia nessa edição questões sobre o projeto de lei da época do

presidente Lula e criticava a criação do Conselho Nacional de Jornalismo (CFJ) ‗para

fiscalizar e punir jornais e jornalistas‘ e repetia que o ―mau jornalismo provocou martírio do

deputado Ibsen‖.

Pelos relatos do jornalista Luis Costa Pinto, Veja – em especial – pode ter cometido

―distorção deliberada‖ da informação. Bucci identificou essa característica e considerou como

um ‗pecado capital‘ cometido pela imprensa.

Segundo ele, a distorção deliberada é:

(...) a mentira deslavada e consciente. É um pecado evidente que não mereceria

maiores comentários não fosse pelo fato de que, no Brasil, ela não se deve apenas à

má intenção de editores e donos de jornais, revistas ou emissoras de rádio e TV,

mas tem uma origem estrutural: o regime de propriedade dos meios de

comunicação eletrônicos de massa. Por isso, a distorção deliberada se confunde

com frequência com o sétimo pecado capital, que é o abuso do poder. É o que se

verificou com as coberturas políticas da Globo em 1984, quando a campanha

popular por eleições diretas não aparecia na tela da Globo: distorção deliberada e

abuso do poder.274

274

BUCCI, 2000, p. 138.

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130

Bernardo Kucinski aprofunda a questão. Para ele, o ‗jornalismo brasileiro é

deficiente em precisão e em capacidade analítica‘. No fundo, Kucinski quer dizer que a falta

de profundidade nas reportagens, no cruzamento de dados, e em erros, como os cometidos

pela revista ao publicar o valor do depósito das contas de Ibsen, acabam por prejudicar os

atores políticos envolvidos e, por tabela, passa ao leitor informações equivocadas de ‗má

qualidade‘. Daí a defesa do controle de qualidade das matérias jornalísticas. ―O jornalismo

brasileiro, tão deficiente em precisão e em capacidade analítica, é mestre de calúnia, na injúria

e na difamação‖ 275

.

Perseu Abramo em seu célebre livro ―Padrões de Manipulação na grande imprensa‖

identificou, ao menos, quatro tipos de manipulação que se aplicados à cobertura do caso Ibsen

Pinheiro, podem ter sido utilizados.

O primeiro é Padrão de Ocultação - é o padrão que se refere à ausência e à presença

dos fatos reais na produção da Imprensa. Não se trata, evidentemente, de fruto do

desconhecimento, e nem mesmo de mera omissão diante do real. É, ao contrário, um

deliberado silêncio militante sobre determinados fatos da realidade. Então pode-se dizer que

ao se equivocar de, forma deliberada (como diz Eugenio Bucci), no caso Ibsen, comete-se a

ocultação com a presença do irreal, de uma notícia sem valor verídico.

Nesse caso, à luz de Perseu Abramo, também foi cometido o Padrão de Fragmentação.

Eliminados os fatos definidos como não-jornalísticos, o "resto" da realidade é

apresentado pela imprensa ao leitor não como uma realidade, com suas estruturas e

interconexões, sua dinâmica e seus movimentos e processos próprios, suas causas,

suas condições e suas consequências. O todo real é estilhaçado, despedaçado,

fragmentado em milhões de minúsculos fatos particularizados, na maior parte dos

casos desconectados entre si, despojados de seus vínculos com o geral, desligados

de seus antecedentes e de seus consequentes no processo em que ocorrem, ou

reconectados e revinculados de forma arbitrária e que não corresponde aos vínculos

reais, mas a outros ficcionais, e artificialmente inventados 276

.

Ainda, dentro dos estudos de Perseu Abramo, podemos citar que a cobertura também

foi feita dentro do que o jornalista chama de ―Inversão da relevância dos aspectos‖. O

secundário foi apresentado como o principal e vice-versa; o particular pelo geral e vice-versa;

o acessório e supérfluo no lugar do importante e decisivo; o caráter adjetivo pelo substantivo;

o pitoresco, o esdrúxulo, o detalhe, enfim, pelo essencial. Essa característica fica clara que a

reportagem de Veja transforma a CPI do Orçamento ou a CPI dos Anões em CPI do Ibsen

275

KUCINSKI, 1998. p. 96. 276

ABRAMO, 2003, p.27.

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Pinheiro. O elemento principal da reportagem passa a ser um deputado, antes renomado e que,

curiosamente, acaba por ser um político corrupto.

Outra característica nítida no conjunto de reportagens, sobre o caso Ibsen, sobretudo

na matéria de capa, do dia 17 de novembro de 1993, foi o que Abramo chama de a ―Inversão

da versão pelo fato‖. Isso ocorre quando a grande imprensa abre mão de buscar a verdade, de

ir além dos fatos óbvios. Veja, no caso específico, sustentou sua versão mesmo quando houve

contradição entre os elementos da reportagem: o valor do depósito não era o que foi

publicado, as declarações de Ibsen tornaram-se uma bola de neve e serviram para abrir mais

denúncias.

Veja o que diz Abramo sobre a ―Inversão da versão pelo fato‖:

(...) não é o fato em si que passa a importar, mas a versão que dele tem o órgão de

imprensa, seja essa versão originada no próprio órgão de imprensa, seja adotada ou

aceita de alguém - da fonte das declarações e opiniões. O órgão de imprensa

praticamente renuncia a observar e expor os fatos mais triviais do mundo natural ou

social, e prefere, em lugar dessa simples operação, apresentar as declarações, suas

ou alheias sobre esses fatos. Frequentemente, sustenta as versões mesmo quando os

fatos as contradizem. Muitas vezes, prefere engendrar versões e explicações

opiniáticas cada vez mais complicadas e nebulosas a render-se à evidência dos

fatos. Tudo se passa como se o órgão de imprensa agisse sob o domínio de um

princípio que dissesse: se o fato não corresponde à minha versão, deve haver algo

errado com o fato 277.

Há também outra característica apontada por Abramo, em relação aos padrões de

manipulação da grande imprensa. A chamada Inversão da Opinião pela Informação ocorre

quando a utilização sistemática e abusiva de todos esses padrões de manipulação leva quase

inevitavelmente a outro padrão: o de substituir, inteira ou parcialmente, a informação pela

opinião. Segundo ele, não se trata de dizer que, além da informação, o órgão de imprensa

apresenta também a opinião, o que seria justo, louvável e desejável.

Mas que o órgão de imprensa apresenta a opinião no lugar da informação, e com a

agravante de fazer passar a opinião pela informação. O juízo de valor é

inescrupulosamente utilizado como se fosse um juízo de realidade, quando não

como se fosse a própria mera exposição narrativa/descritiva da realidade. O

leitor/espectador já não tem mais diante de si a coisa tal como existe ou acontece,

mas sim uma determinada valorização que o órgão quer que ele tenha de uma coisa

que ele desconhece, porque o seu conhecimento lhe foi oculto, negado e

escamoteado pelo órgão.

Essa inversão é operada pela negação, total ou quase total, da distinção entre juízo

de valor e juízo de realidade, entre o que já se chamou de "gêneros jornalísticos",

ou seja, de um lado a notícia, a reportagem, a entrevista, a cobertura, o noticiário, e,

de outro, o editorial, o artigo, formas de apreensão e compreensão do real que,

coexistentes numa mesma edição ou programação, completavam-se entre si e

277

ABRAMO, 2003. p. 29.

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132

ofereciam ao leitor alternativas de formar sua (do leitor) opinião, de maneira

autônoma e independente 278

.

A exemplo de Eugênio Bucci, Perseu Abramo também classifica a distorção da

realidade pela manipulação da imprensa, uma característica deliberada. Ele vai além. Para

Abramo, a maioria dos erros não é involuntária. Isso em função de uma empresa de

comunicação visar lucros – como já foi visto anteriormente.

Se é possível fazer jornalismo com objetividade, porque o jornalismo manipula a

informação e distorce a realidade? Se é possível identificar e distinguir padrões

reiterativos de manipulação, ela é fruto do erro involuntário, da causalidade

excepcional ou das naturais limitações da capacidade de observação e

conhecimento? Certamente não. A conclusão a que se pode chegar, pelo menos

como hipótese de trabalho, é a de que a distorção da realidade pela manipulação da

informação é deliberada, tem um significado e um propósito279

.

Abramo diz ainda que em sua imensa maioria, os principais órgãos de comunicação no

Brasil de hoje são propriedade da empresa privada. Por causa deste fato, há um grau de

controle que as empresas exercem sobre a produção das reportagens, das matérias produzidas

e até mesmo nas apurações. ―(...) É possível concluir que são os proprietários das empresas de

comunicação os principais - embora não os únicos - responsáveis pela deliberada distorção da

realidade pela manipulação das informações 280

‖.

Para Abramo, a discussão que deve ser feita, ―portanto, é a que possa nos levar a

compreender porque os empresários da comunicação manipulam e torcem a realidade‖281

.

E, como os meios de comunicação são empresas privadas, para Abramo, uma das

explicações para essa questão procura situar a raiz da resposta no campo econômico.

E há duas vertentes para a explicação economicista do fenômeno. A primeira

desloca para a figura do anunciante a responsabilidade última e maior pelo produto

final da comunicação: segundo essa vertente, é por imposição — direta ou indireta

— desse anunciante (privado ou estatal) que o empresário se vê obrigado a

manipular e distorcer 282

.

Em seu livro, Padrões de Manipulação da Imprensa, ele cita também uma segunda

vertente para explicar a distorção das informações na imprensa. A ambição de lucro do

278

ABRAMO, 2003, p. 30. 279

Ibid., p. 42. 280

ABRAMO, loc. cit. 281

ABRAMO, loc. cit. 282

ABRAMO, loc. cit.

Page 133: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

133

próprio empresário de comunicação é outra resposta para o assunto, assim como o poder no

meio político.

Para Abramo, o empresário, muitas vezes, distorce e manipula informações para

agradar seus consumidores, e, assim, vender mais material de comunicação e desta forma

aumentar seus lucros: a responsabilidade é do próprio empresário de comunicação, mas a

motivação é econômica.

Teria sido o caso de Veja? Em capa do dia 17 de novembro de 1993, a motivação pode

ter sido política, mas principalmente na afã de vender mais exemplares da revista. Afinal, uma

vez suspensa aquela edição o prejuízo seria significativo. Veja então pensou em seu lucro, em

detrimento à imagem pública do político Ibsen Pinheiro.

É bastante provável que ambos esses elementos entrem, em maior ou menor grau,

no comportamento de grande parte das empresas de comunicação. Mas não

parecem explicar todo o fenômeno. O peso de cada anunciante individual sobre o

órgão de comunicação, ou mesmo de seu conjunto, é muito ponderável na pequena

imprensa, naquela em que a manipulação surte menos efeito. Onde a manipulação

impera é na grande imprensa, na que conta, como recriadora de uma realidade

artificial, e, nessa, o peso econômico do anunciante, enquanto expressão editorial, é

quase nulo ou bastante reduzido.

A ambição de lucro, por outro lado, não explica, por si só, a manipulação e a

distorção. Em primeiro lugar porque muito provavelmente o empresário, no Brasil

de hoje, teria mais possibilidades de obter lucros mais gordos e mais rápidos

aplicando seu capital em outros ramos da Indústria, do Comércio ou das Finanças, e

não precisaria investi-los na comunicação. Em segundo lugar, porque nada garante

que outro tipo de jornalismo, não manipulador, não tivesse uma audiência

infinitamente maior do que a que consome os produtos de comunicação

manipulados. É evidente que os órgãos de comunicação, e a Indústria Cultural de

que fazem parte, estão submetidos à Lógica Econômica do Capitalismo. Mas o

Capitalismo opera também com outra lógica — a lógica Política, a lógica do Poder

— e é aí, provavelmente que vamos encontrar a explicação da manipulação

jornalística 283.

3.14. Disputa editorial entre as revistas

A reportagem de capa da revista IstoÉ, edição nº 1.819, provocou grande repercussão

e uma disputa sem igual com a revista Veja. A contribuição da revista foi mostrar o erro de

Veja, como foi visto anteriormente, mas, sem dúvida, revelou uma disputa de mercado entre

os dois semanários.

283

ABRAMO, 2003, p. 43.

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134

A publicação da carta de Luís Costa Pinto, ex-editor da revista Veja, e as revelações

sobre o erro que ajudou a enterrar a carreira política do deputado Ibsen Pinheiro causaram

grande surpresa.

Veja, onde há 11 anos foi publicado o erro, reagiu, contra-atacando sua concorrente.

Afinal existia, na época das publicações, uma guerra editorial por fatia do mercado.

Outro ponto importante a ser abordado é que a disputa editorial trouxe à tona uma

discussão relevante. Na época, estava em discussão a criação do Conselho Federal de

Jornalismo (CFJ)284

.

284

De acordo com Projeto de Lei, apresentado por Lula, no dia 27 de maio de 2004, na Câmara Federal, o

Conselho Federal de Jornalismo seria criado para orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão de

jornalista e da atividade de jornalismo, zelar pela fiel observância dos princípios de ética e disciplina da classe

em todo o território nacional, bem assim pugnar pelo direito à livre informação plural e pelo aperfeiçoamento do

jornalismo. Ainda segundo projeto apresentado na Câmara Federal, o CFJ teria sede e foro em Brasília e

jurisdição em todo o território nacional. Pelo projeto competiria ao CFJ:

I - zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista;

II - representar em juízo, ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais relativos às prerrogativas da função

dos jornalistas, ressalvadas as competências privativas dos sindicatos representativos da categoria;

III - editar e alterar o seu regimento, o Código de Ética e Disciplina, as resoluções e os provimentos;

IV - estabelecer as normas e procedimentos do processo disciplinar;

V - supervisionar a fiscalização do exercício profissional em todo o território nacional;

VI - colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos de jornalismo e comunicação social com habilitação em

jornalismo;

VII - autorizar, pela maioria absoluta dos seus membros, a oneração de bens imóveis;

VIII - promover diligências, inquéritos ou verificações sobre o funcionamento dos CRJ em todo o território

nacional e adotar medidas para a melhoria de sua gestão;

IX - intervir nos CRJ em que se constate violação a esta Lei ou às suas resoluções, nomeando composição

provisória para o prazo que fixar;

X - cassar ou modificar, de ofício ou mediante representação, qualquer ato de órgão ou autoridade do CFJ

contrário a esta Lei, ao regimento, ao Código de Ética e Disciplina ou às resoluções e provimentos, ouvida a

autoridade ou órgão em causa;

XI - reexaminar, em grau de recurso, as decisões dos CRJ nos casos previstos no regimento;

XII - definir e instituir os símbolos privativos dos jornalistas;

XIII - resolver os casos omissos nesta Lei e nas demais normas pertinentes ao CFJ, assim como aqueles relativos

ao exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo;

XIV - fixar e cobrar de seus inscritos as anuidades e os preços por serviços;

XV - fixar normas sobre a obrigatoriedade de indicação do jornalista responsável por material de conteúdo

jornalístico publicado ou veiculado em qualquer meio de comunicação;

XVI - definir as condições para inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos jornalistas, bem como para

revisão dos registros existentes; e

XVII - estabelecer as condições para a criação e funcionamento das seções dos CRJ.

Parágrafo único. A intervenção de que trata o inciso IX deste artigo depende de prévia aprovação de dois terços

dos membros do CFJ, garantido ao CRJ o amplo direito de defesa.

No artigo Art. 4, o CFJ exigia que todo jornalista, para exercício da profissão, deverá inscrever-se no CRJ da

região de seu domicílio, atendendo às condições estabelecidas pela legislação.

O projeto apontava também infrações disciplinares, além de outras definidas pelo Código de Ética e Disciplina:

I - transgredir seus preceitos;

II - exercer a profissão quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não

inscritos ou impedidos;

III - solicitar ou receber de cliente qualquer favor em troca de concessões ilícitas;

IV - praticar, no exercício da atividade profissional, ato que a lei defina como crime ou contravenção;

V - deixar de cumprir, no prazo estabelecido, depois de regularmente notificado, determinação emanada pelos

CFJ ou CRJ, em matéria de sua competência; e

VI - deixar de pagar aos CRJ as anuidades a que esteja obrigado.

Page 135: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

135

O CFJ teria sido um dos panos de fundo para a publicação de IstoÉ relatando o caso de

mau jornalismo. Nota-se que, apesar de ‗brigarem‘ por nichos de mercado, por maior

vendagem, as duas revistas IstoÉ e Veja são contra o Conselho Federal de Jornalismo. Ou

seja, quando o assunto é ‗exercer‘ um maior controle sobre os atos da imprensa e o papel

exercido por ela, os dois meios de comunicação são uníssonos em afirmar que o controle seria

prejudicial. Ou seja, a imprensa erra, pode mudar o rumo da história, diz que fiscaliza o

governo e o poder público, mas, de forma alguma quer ser controlada.

Isso é facilmente identificado nas posições oficiais das duas revistas:

Sentindo-se vítima de denúncias contra os presidentes do Banco Central, Henrique

Meirelles, e do Banco do Brasil, Cássio Casseb, além do tesoureiro do PT, Delúbio

Soares, o governo resolver atacar a liberdade de imprensa: propôs ao Congresso a

criação de um Conselho Nacional de Jornalismo para fiscalizar e punir jornais e

jornalistas. Mas, uma revelação de um repórter em artigo enviado para o livro a ser

lançado pelo ex-presidente da Câmara Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) mostra que a

descoberta da verdade independe de mecanismos repressivos 285

.

A posição de Veja é parecida:

No momento em que o governo tenta amordaçar a imprensa, por meio de um

projeto de lei que cria um conselho federal para "orientar, disciplinar e fiscalizar" a

atividade dos profissionais de jornais e revistas, o mau jornalismo da revista IstoÉ

tentou massacrar o bom jornalismo de Veja, fornecendo munição aos adversários

da liberdade de informação e opinião. Em sua edição da semana passada, numa

fraude jornalística que lhe serviu de capa, IstoÉ retomou o episódio do processo

contra o ex-presidente da Câmara dos Deputados Ibsen Pinheiro, ocorrido em 1993,

para afirmar que Ibsen, acusado de participar do esquema da Máfia dos Anões do

Orçamento, havia sido "massacrado" por uma reportagem de capa de VEJA, na

qual uma movimentação financeira do ex-deputado equivalente a 1.000 dólares

havia se transformado em 1 milhão de dólares, em virtude de um erro grosseiro no

cálculo de conversão, procedimento comum à época, por causa das sucessivas

trocas de moeda que ocorriam no Brasil286

.

3.15. Para Veja, erro não foi proposital. Foi virtude de checagem rigorosa

Art. 7. As penas aplicáveis por infrações disciplinares são as seguintes:

I - advertência;

II - multa;

III - censura;

IV - suspensão do registro profissional, por até trinta dias; e

V - cassação do registro profissional.

Obs: O projeto foi adquirido na íntegra para esta monografia. Porém foram utilizados para o trabalho alguns

trechos do projeto. A fonte é a Câmara Federal de Brasília. O projeto do CFJ foi engavetado por pressão da

imprensa na época, sobretudo dos grandes meios de comunicação. 285

IstoÉ, 18 agosto de 2004, p. 28. 286

Veja, 25 agosto de 2004, p. 36.

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136

A edição do dia 25 de agosto de Veja dizia que o erro cometido contra o deputado

Ibsen Pinheiro, na verdade, não era erro287 mas sim uma ―checagem rigorosa dos fatos‖

288. Na

mesma edição, Veja acusa de falsa a carta publicada pelo jornalista Luís Costa Pinto na

edição de IstoÉ. A revista também se defende afirmando que IstoÉ também teria publicada a

mesma reportagem. Ou seja, para Veja o erro não foi isoladamente dela. Mesmo não estando

em discussão aqui se o erro foi ou não isolado e se IstoÉ também errou e não reconheceu o

equívoco achou-se por bem recortar para o trabalho um trecho da reportagem da revista Veja,

desta, vez contra a IstoÉ:

A carta de Luís Costa Pinto é uma peça falsa, indevidamente amplificada pelo mau

jornalismo de IstoÉ. Costa Pinto foi um bom profissional do jornalismo, participou

de apurações de reportagens em Veja, inclusive a entrevista com Pedro Collor,

irmão de Fernando Collor, uma das mais importantes realizações da revista. Depois

deixou de servir ao jornalismo para se servir do jornalismo, tornando-se

marqueteiro, consultor de políticos e lobista, pronto a se engajar em operações

pangaias. Imerso nessa confusão profissional, ele produziu a carta que serviu aos

interesses mesquinhos de IstoÉ. Se o diretor de redação de IstoÉ, o fotógrafo Hélio

Campos Mello, tivesse se dado ao trabalho de mandar um de seus repórteres apurar

as afirmações de Lula, chegaria à conclusão óbvia de que a carta é repleta de

absurdos. Se tivesse se dado ao trabalho, ainda, de dar uma olhadela nos arquivos de

sua própria revista, veria que IstoÉ, em 1993, publicou na mesma semana que Veja

que Ibsen havia movimentado 1 milhão de dólares – por ironia do destino, a matéria

de IstoÉ trazia o mesmo título da de Veja, "Até tu, Ibsen?"289

.

A revista, mais uma vez, no entanto, pode ter incorrido em contradição. Em texto, o

semanário da Abril não explica porque publicou uma informação errada, que havia sido

detectada pelos seus próprios mecanismos de checagem ainda no prazo de fechamento e com

tempo hábil para correção. O assunto que mereceu capa de IstoÉ é muito mais grave. Trata-se

da discussão da manipulação de informações acerca das contas bancárias de um cidadão,

mesmo sabendo que os dados apontados pela revista estavam errados. Pior: a revista tinha

conhecimento do erro, poderia ter corrigido, mas não o fez por diversas razões, como já foi

citado nesse trabalho.

3.16. Jornalista cassado e condenado

287

É preciso notar que a própria revista já havia assumido o erro de informação no caso. Mas, agora para ela, o

que houve foi uma brilhante checagem do caso. Ou seja, mesmo descobrindo que havia informação manipulada,

a revista não se eximiu de publicá-la. 288

Veja, 25 agosto de 2004, p. 36. 289

Ibid., p. 37.

Page 137: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

137

Depois de contestar a carta de Luis Costa Pinto (fig.12), o Lula, publicada na revista

IstoÉ, Veja decidiu menosprezar e atacar o profissional que denunciou a manipulação

jornalística. Na edição de 25 de agosto de 2004, a revista faz a seguinte referência:

É entristecedor que Lula, um repórter brilhante na juventude, tenha enveredado pelo

caminho da fraude. Sua carta a Ibsen cortou definitivamente sua trajetória no

jornalismo, colocando-o no limbo onde transitam pessoas que, por terem sido

jornalistas de alguma expressão, hoje se oferecem como lobistas e "apaziguadores de

crises". Em e-mail endereçado a Veja, Lula nada acrescentou que esclarecesse as

circunstâncias em que ele produziu sua fábula290

.

Fig. 12

Na mesma edição, Veja afirma também que a reportagem, a peça de Lula, foi ―usada

de modo fraudulento por IstoÉ”.

Para o semanário, a publicação de IstoÉ – acusando Veja de ter cometido o erro que

contribuiu para a cassação de Ibsen Pinheiro – foi um ato ―irresponsável e criminoso

perpetrado pela direção de IstoÉ, para destruir o maior patrimônio291

de Veja‖, aquele que a

transformou na maior revista brasileira e na quarta do mundo: sua credibilidade292

.

Em outro trecho da reportagem, da edição de 25 de agosto, a Revista Veja, mais uma

vez, tenta se explicar:

(...) a cifra de 1 milhão de dólares não foi um erro de Veja, e muito menos

intencional. Foi um erro da CPI do Orçamento, divulgado, repita-se, por todos os

290

Veja, 25 agosto de 2004, p. 40. 291

Nota-se aqui mais uma prova da guerra editorial e por fatia do mercado entre as revistas. Na mesma edição,

no entanto, Veja não reconhece essa disputa. Afirma que sua circulação total é quase quatro vezes maior do que

a de IstoÉ, hoje a terceira semanal do Brasil, atrás de Época. 292

Veja, op. cit., p. 40.

Page 138: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

138

grandes órgãos de imprensa. Esse erro foi corrigido por Veja na edição da semana

seguinte. Correção que foi sonegada por IstoÉ. Mas o fotógrafo Hélio Campos

Mello estava ocupado demais para fazer o trabalho certo293

.

No entanto, para a Revista IstoÉ, as tentativas de explicações de Veja e o ataque ao

jornalista Luis Costa Pinto, se transformaram em histérica demonstração de descontrole. Em

sua versão online, segundo IstoÉ, além do erro de informação jornalística contra o deputado

Ibsen, houve outra tentativa de manipulação.

Na versão online, Veja reproduziu uma chamada interna de IstoÉ para dar a impressão

de que a revista elaborou, na época, uma capa igual à de Veja. A capa de Istoé naquela edição

era sobre outro assunto. No mesmo texto de Veja On Line, foi feita uma montagem com o

título de uma reportagem interna de IstoÉ misturado à legenda de uma foto: ―IstoÉ de 1993.

Até Tu Ibsen – Ibsen movimentou em suas contas pelo menos US$ 1 milhão desde 1990.‖ A

segunda frase era legenda de foto no texto de IstoÉ, e não parte do título, como Veja quis

fazer acreditar. A reportagem de IstoÉ não falava em depósitos de US$ 881 mil na conta de

Ibsen. Pelo contrário, o texto de IstoÉ dizia: ―A CPI parece ter se enganado ao denunciar os

depósitos e levantar a suspeita de que se tratava de repasses financeiros do pessoal da máfia

do Orçamento.‖

Veja foi acusada pelo jornalista Luís Costa Pinto de ter publicado informações

comprovadamente falsas. Em Istoé, a reportagem de capa falava exatamente do estrago

produzido.

Em sua última edição, IstoÉ apenas revelou o fato. A informação falsa vazada pela

CPI é que levou toda a imprensa ao erro, inclusive a legenda da foto de IstoÉ. A

diferença é que, como relatou Costa Pinto, Veja teve acesso aos extratos, refez as

contas e mesmo assim publicou a capa contra Ibsen. Também não é verdade que

Veja tenha se corrigido na edição seguinte, como diz o site. Em uma semana, dá a

foto de Ibsen na capa – com o título interno de ―Uma estrela na lama‖ – e numa

reportagem de seis páginas confirma em vários trechos que o então parlamentar

havia recebido US$ 881 mil (informação que sabia ser errada). Na semana seguinte,

em uma página com o título ―Um milhão de dificuldades‖, Veja repassa a culpa

pelo erro – que conhecia de antemão, conforme relatou Costa Pinto – para a CPI,

como se não tivesse sido alertada para o superfaturamento em 1.000% dos

depósitos atribuídos a Ibsen Pinheiro294

.

Veja também foi tomada pela histeria, segundo IstoÉ, quando desclassifica o jornalista

Luís Costa Pinto. Quem trabalhou durante sete anos em sua redação, conquistou vários

prêmios – inclusive com a famosa entrevista de Pedro Collor que deu origem ao processo de

293

Veja, 25 agosto de 2004, p. 40. 294

http://www.terra.com.br/istoe/1820/brasil/1820_erros_desequilibrio.htm.

Page 139: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

139

renúncia do presidente Collor –, não poderia ser tratado por ―lobista de empresas

multinacionais, marqueteiro, consultor do PT e ex-jornalista‖. ―Nem um stalinista do

Conselho Federal de Jornalismo da velha União Soviética faria o que fez Veja: julgar,

condenar e cassar um profissional em tempo recorde‖295

.

Enfim, o fato é que os ataques entre Veja e Istoé o que ficou evidente foi o erro

histórico da primeira, o que contribuiu, de alguma forma, direta ou indiretamente para a

cassação do mandato de um deputado federal, que estava em franca ascensão política na

época. Ficou evidente também que, diante do reconhecimento de Veja, ocorreu manipulação

na informação durante toda a cobertura do caso Ibsen Pinheiro. Tudo, no entanto, em nome da

liberdade de imprensa.

Cláudio Abramo já chamava atenção para o fenômeno – de a grande imprensa tomar

como escudo a liberdade de informação. Ele afirmava que ―o equívoco que existe entre os

jornalistas é considerar que a grande imprensa possa ir além daquilo que é o seu papel

histórico‖.

Para o reformulador de O Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo nos anos 1960 e

1970, liberdade de imprensa, é antes de qualquer coisa, liberdade da empresa jornalística.

A grande imprensa, como já está definida pelo nome, é ligada aos interesses

daquela classe que pode manter a grande imprensa. Na medida em que essa classe

está em contradição com a conjuntura nacional, os jornais podem exercer um papel

de esclarecimento‖ da opinião pública. (...) Mas, é preciso não esquecer, lembra

Abramo, ―que esse esclarecimento vai até o nível dos interesses da própria grande

imprensa‖. Ele tem interesses peculiares, pertence a pessoas cujos interesses estão

ligados a um complexo econômico, político e institucional 296

.

3.17. O que falaram Estadão, Folha e Correio sobre Ibsen

Cada meio de comunicação atua dentro de uma linha editorial, mas como vimos no

transcorrer dessa dissertação isso não impede de os meios de comunicação, ou a chamada

grande imprensa, atuarem de forma hegemônica, como uma corporação.

Mário Rosa fala dessa característica, quando diz em seu livro ―A era do escândalo‖297

que o ―sistema de avaliações (dos meios de comunicação) peca com excessiva complacência,

própria das corporações fechadas‖. Ou seja, ele refere-se a forma como a imprensa trata dos

295

IstoÉ, 25 de agosto de 2004. 296

ABRAMO, Cláudio. A regra do jogo. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 116. 297

ROSA, 2007, p. 452.

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140

seus próprios abusos e erros. Na visão dele, e comprovadamente, há certo comodismo da

grande imprensa sobre a manipulação ocorrida dentro nas informações que vão para o leitor.

Marilena Chaiú vai além:

Gradualmente desaparece uma figura essencial do jornalismo: o jornalismo

investigativo, que cede lugar ao jornalismo assertivo ou opinativo. Os jornalista

(sic) passam, assim, o ocupar (sic) o lugar que, tradicionalmente, cabia a grupos e

classes sociais e a partidos políticos. Todavia, sua opinião não fica restrita ao meio

impresso: passa a servir como material para os noticiários de rádio e televisão298

.

Francisco Fonseca considera que ―numa fronteira próxima pode-se definir os órgãos

de imprensa como perfilhados a uma atuação pragmática ou doutrinária‖299

.

Há uma pista então que, como fez a Revista Veja, as coberturas dos jornais impressos

O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Correio Braziliense foram próximas do que foram

publicadas na revista. O que se percebe é que apesar de cada um ter sua peculiaridade, a

grande imprensa geralmente atua por meio de um mesmo modo de operação. Afinal com

maior ou menor ênfase, o personagem retratado nas reportagens diárias era o mesmo (Ibsen

Pinheiro). É como diz Fonseca ―é a ausência de vozes discordantes nos jornais‖300

.

Durante toda a cobertura, entre a Revista Veja e os jornais abordados nesse trabalho

são as mesmas fontes como oficiais para a acusação de Ibsen. Os enfoques e fotos são

praticamente os mesmos. Quase que dos mesmos ângulos, com qualidade de apuração

duvidosa.

Eugênio Bucci fala sobre essa (falta de) qualidade dentro do jornalismo, quando

defende que a prática jornalística nunca dependeu tanto da reflexão e do estudo como agora.

Uma redação não é um balcão onde notícias são empacotadas. Uma redação é um

núcleo encarregado de pensar. Ela é tanto melhor quanto melhor for a sua

capacidade de elaboração coletiva. A qualidade do que ela apura, escreve, narra,

edita, fotografa e desenha é consequência do modo como ela pensa – ou do modo

como ela não pensa. Jornalistas não são ―mineradores‖ de informação exclusiva

que ocasionalmente são instados a pensar, mas precisam ser pensadores com grande

capacidade executiva. O jornalismo é uma atividade intelectual – ou é

inconsequente e tolo 301

.

298

CHAUÍ, Marilena. Simulacro e poder – Uma análise da mídia. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2006, p.

12-13. 299

FONSECA, 2005. p. 441. 300

Ibid., p. 445. 301

BUCCI, 2000, p. 199.

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141

Para além disso, os meios de comunicação são empresas privadas, pertencentes a

grupos que têm objetivos de gerar lucro.

Então, se os jornais buscam lucros e usam as mesmas armas e métodos para atingir

seus objetivos, eles tornam-se cada vez mais parecidos com reportagens e títulos semelhantes.

3.18. A cobertura do Estadão contra „Ouribsen‟

O Jornal O Estado de S. Paulo iniciou suas publicações do escândalo, contra o

deputado Ibsen Pinheiro, em sua edição de dia 8 de dezembro de 1993. ―Escândalo pode tirar

cargo de Ibsen na revisão‖ foi o título da primeira reportagem sobre o caso. A reportagem

com chamada de capa trazia um diferencial: uma charge de Ibsen Pinheiro (fig. 13). Nela, o

autor Paulo Caruso mostra Ibsen com o cabelo liso (arrumado à gel) e ao invés de um pente,

um ‗cortador de grama‘ se incumbindo de ‗pentear‘ o local. Mostra, sobretudo, as

dificuldades que Ibsen teria para enfrentar as denúncias contra ele.

O jornal trouxe uma caricatura com objetivo de influenciar, cada vez mais o seu leitor.

Muitas vezes, o leitor interessado em saber rapidamente o que acontece, e que se

limita a uma vista d‘olhos pela jornal, escapa a uma adesão, a um posicionamento

quanto às opiniões explícitas do veículo. É claro que nesse contato, por mais breve

que seja, com o veículo, o leitor naturalmente incorpora uma carta ótica do real.

Mas isso fica limitado a um nível inconsciente. Já no caso da imagem, que produz

um impacto imediato, seja pela evidência, seja pelo eventual humorismo, nota-se

uma participação consciente na captação do cotidiano. (...) A opinião se manifesta

explícita e permanentemente através da caricatura, cuja finalidade satírica ou

humorística pressupõe a emissão de juízos de valor302

.

302

MELO, 1994, p. 163.

Page 142: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

142

Fig. 13

É possível observar também que a caricatura utilizada pelo O Estado de S. Paulo traz

um juízo de valor. Mostra Ibsen com a ―cabeça inchada‖ tendo de explicar à opinião pública

as acusações que vinha sofrendo. Utilizando Ramón Columba303

, Melo diz que uma caricatura

pode ser considerada ―o supremo tribunal‖, cujo mandato vem da opinião pública.

A caricatura é encarregada de assinalar qualquer excesso social ou político suspeito

de licenciosidade corruptora. E o faz em juízo sumário, sem materialização de

provas nem apelo possível. Ante ela se inclinam os próprios juízes e autoridades da

nação. Quer dizer que exerce uma suprema jurisdição, missão de privilégio que, por

certo, não possuem outras artes que enfrentam também a natureza e reproduzem

aspectos da sociedade (...).304

Não podemos nos esquecer também que essa ferramenta da imprensa também foi

muito utilizada pelos pasquins no início do período do Império (leia mais na introdução desse

303

COLUMBA, Ramón. Que és la caricatura. Buenos Aires: Editorial Columba, 1959. 304

MELO, 1994, p. 163.

Page 143: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

143

trabalho). Na primeira reportagem de O Estado de S. Paulo sobre o assunto ainda não se

falava sobre o suposto depósito de U$ 1 milhão, mas de um outro valor de US$ 30 mil a Ibsen

proveniente do deputado Genebaldo Correia. Outro enfoque era sobre a possibilidade de Ibsen

deixar a relatoria do regimento da revisão constitucional.

A descoberta de que o líder do PMDB, Genebaldo Correia, um dos principais

envolvidos no escândalo do Orçamento deu três cheques no valor de US$ 30 mil a

Ibsen deixou os líderes políticos desconcertados. ―Ele deve se afastar da revisão‖,

disse o líder do governo na Câmara, Roberto Freire. Ibsen enviou carta ao senador

Jarbas Passarinho, confirmou ter recebido os cheques, mas negou a acusação que a

transação tenha relação com o Orçamento305

.

Como já vimos anteriormente, esse cheque teria sido ‗explicado‘ por Ibsen. Seria da

venda de uma F-1000. Mais uma vez, os cheques depositados não comprovariam, naquela

ocasião, atos de corrupção do deputado. Nem mesmo por isso, O Estado de S. Paulo deixou

de ‗carimbar‘ as acusações em sua página interna daquela edição ―Cheques reforçam

acusação a deputado‖ foi mais uma vez enfática. Outro detalhe foi a utilização de uma

fotolegenda (uma mini-matéria complementar ao lado da principal tratando do mesmo

assunto) mostrando a realização de um arrastão no Rio de Janeiro contra os corruptos.

Em um trecho da reportagem, na página A.5, O Estado de S.Paulo afirma o seguinte:

A descoberta dos três cheques emitidos pelo líder do PMDB, Genebaldo Correia

(BA), para o deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) pode confirmar denúncia do ex-

diretor do Departamento do Orçamento da União (DOU), José Carlos Alves de

Souza – que acusou o parlamentar da Bahia de ser o representante do ex-presidente

da Câmara no esquema de corrupção no Congresso306

.

O Estado de S. Paulo prosseguiu acompanhando o caso. Na edição seguinte, do dia 9,

não fez referência direta às acusações contra Ibsen. Mostrou a ‗preocupação‘ do Congresso

em tentar acordo para ―salvar‖ a revisão da reforma constitucional, uma vez que um de seus

membros, o deputado Ibsen Pinheiro estaria envolvido no escândalo do Orçamento.

Na mesma edição, o jornal paulista trazia uma outra informação política. Desta vez, a

preocupação do PMDB, partido de Ibsen, sobre o desgaste político provocado em função do

episódio. ―PMDB admite desgaste e busca saída para a crise‖ foi o título da reportagem da

página A-4 da edição do dia 9 de novembro.

305

O Estado de S. Paulo, 8 de dezembro de 1993, capa. 306

Ibid., p. A.5.

Page 144: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

144

Na edição seguinte – ainda sem falar especificamente do valor de US$ 1 milhão

encontrados em suas contas, como fez Veja na edição do dia 17 de novembro, O Estado de S.

Paulo trouxe manchete sobre as denúncias contra o deputado.

―Ibsen renuncia a função na reforma‖ foi o título da edição de capa com manchete do

dia 10 de novembro. A chamada trazia Ibsen cabisbaixo e uma foto de Ulysses Guimarães,

deputado constituinte e símbolo da política brasileira. Como se vê (fig. 14), o jornal trouxe

propositalmente uma mensagem oculta. Era como se Ulysses Guimarães estivesse reprovando

a atitude de Ibsen. Mostra Guimarães com o rosto sisudo parecendo ―reprovar‖ a atitude do

deputado gaúcho que deixa uma sala – não se sabe se do Congresso Nacional – com a cabeça

baixa.

Fig. 14

Aqui nota-se mais, uma vez, um instrumento de persuasão utilizado pelo jornal

paulista para enfatizar a denúncia e tentar ―desmoralizar‖ a figura político de um personagem

que já estaria no ―olho do furacão‖. Chama atenção também a legenda da foto da capa que

diz: VENCIDO PELA SUSPEITA Ibsen, sob o retrato de Ulisses: renuncia, ―para não

atrapalhar a revisão‖, em meio às acusações da CPI do Orçamento.

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145

Na página interna (A-5), da mesma edição, o Jornal O Estado traz o título ―Ibsen

renuncia e Genebaldo avisa que vai sair‖. Mais uma vez a foto de Ibsen chama atenção. O

deputado aparece, mais uma vez com imagem atordoada, fazendo um ―bico‖ – a boca aberta,

mas não mostrando os dentes – como se tentasse explicar o episódio pelo qual estava

envolvido. O lead da matéria diz o seguinte:

Três dias depois de a CPI do Orçamento ter descoberto três cheques do deputado

Genebaldo Correia (PMDB-BA), em sua conta, totalizando US$ 51 mil, o deputado

Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), resolveu renunciar ao cargo de relator do regimento

interno da revisão constitucional. À noite, Genebaldo também comunicou ao

presidente do partido, Luiz Henrique (SC), que iria se licenciar da liderança na

Câmara para não causar maiores constrangimentos à bancada307

.

As três edições seguintes do Jornal O Estado de S. Paulo traçaram notícias sobre

dinheiro que a CPI teria encontrado nas contas de Ibsen. Em cada edição um valor diferente,

repetindo assim, o que os demais jornais da época relataram. Na edição do dia 11 de

dezembro de 1993, por exemplo, o jornal Estadão trouxe a seguinte matéria na página A-7:

―CPI acha novos depósitos em contas de Ibsen‖. No dia seguinte, ―Ibsen movimentou US$

340 mil em um ano‖. Já na edição do dia 13 de novembro, mais dinheiro encontrado nas

contas do deputado: ―Ibsen movimentou US$ 1 milhão desde 1989 em conta do Banrisul‖. A

essa altura do campeonato qualquer valor encontrado na conta particular do deputado já se

transformaria em prova de denúncias. A edição do dia 16 de novembro foi mais enfática. O

jornal claramente pedia a punição aos políticos corruptos. Ibsen, é claro, incluído nesse rol.

A título da reportagem ―Punição de corruptores ainda faz a diferença entre Itália e

Brasil‖ mostrava uma relação ou um tipo de referência da corrupção brasileira com a máfia

siciliana. A reportagem fazia comparações e trazia semelhanças entre políticos brasileiros

como Ibsen Pinheiro com mafiosos italianos.

A reportagem mais incisiva e avassaladora para a figura do deputado Ibsen Pinheiro,

trazida pelo Estadão foi a do dia 17 de novembro de 1993. Apesar de não ter sido manchete

daquele dia, o jornal trouxe chamada de capa sob título ―Ibsen justifica depósito como sobras

de eleição‖.

O deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) explicará que parte dos elevados308

depósitos bancários encontrados em suas contas pela CPI do Orçamento foi de

dinheiro de sobra de campanha. O argumento é o mesmo utilizado pelo ex-

307

O Estado de S. Paulo, 10 de novembro de 1993, p. A-5. 308

Aqui nota-se o termo usado por O Estado de S.Paulo. A palavra elevado é utilizada aqui como se fosse um

juízo de valor. Ou seja, para o Jornal os valores descobertos nas contas de Ibsen e que, comprovadamente,

estavam equivocados eram elevados.

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146

presidente Fernando Collor para justificar os recursos recebidos de Paulo César

Farias. A parcela restante dos depósitos, já declarou o deputado gaúcho, teria sido

de cruzados liberados pelo Plano Collor, Ibsen Pinheiro garantiu que a CPI errou ao

somar depósitos de mais de US$ 1 milhão em suas contas309

.

Além disso, o que chamou mais atenção nessa edição foi a charge/caricatura (fig. 15)

de Ibsen, a segunda utilizada pelo jornal O Estado de S. Paulo, na cobertura desse episódio.

Na capa, o jornal trouxe um desenho caricaturado de Ibsen comparando a um ourives no

fundo do mar. Chamou atenção também a legenda da caricatura: ―Espécimes do mar de lama:

III – Ouribsen‖ – uma forma exagerada e condenatória de mostrar a denúncia contra o

deputado. Ficou evidente o prejulgamento nesse episódio, como fizeram os outros meios de

comunicação na época. É como se o jornal buscasse o entretenimento, ao invés da informação

absoluta e verdadeira.

Fig. 15

309

O Estado de S. Paulo, 17 de novembro de 1993, capa.

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147

Eugenio Bucci, em seu livro ―Sobre Ética e Imprensa‖ diz que os meios de

comunicação podem se dedicar exclusivamente ao entretenimento; a imprensa não. Na

verdade, ele faz uma diferenciação entre imprensa e meios de comunicação – esse último

considerado os meios em geral: tevê, rádio, etc. Já a imprensa considera o jornalismo em si.

(...) (a imprensa) ela deve noticiar e interpretar os fatos, assim como dar espaço às

ideias e aos debates de interesse público. Os primeiros – os meios de comunicação,

genericamente – lidam com divertimento de todo tipo e também com obras de

ficção, que não têm compromisso algum com a objetividade; já a imprensa trabalha

sobretudo com fatos e ideias. Por isso, quando os jornais publicam um conto,

fazem-no em caráter excepcional; as caricaturas ou cartuns, cuja função é

―comentar‖ os fatos, bem como os textos humorísticos e as crônicas, têm lugares

claramente delimitados – tudo para impedir qualquer confusão. E é aqui que se

funda a particularidade do jornalismo em relação aos meios de comunicação em

geral: ele lida com a verdade factual e deve promover a busca da verdade de forma

equilibrada e crítica, enquanto os meios de comunicação prestam-se a qualquer tipo

de conteúdo 310

.

O Jornal O Estado de S.Paulo teria ‗pecado‘ pelo exagero? E se ‗pecou‘ é porque não

teme qualquer tipo de punição? Se o jornalismo deve prezar pela busca da verdade, faltou

então um pouco de mais de investigação no caso. O jornal usou um instrumento jornalístico –

que são as charges – para sustentar a ficção sobre o caso Ibsen.

Para Luiz Martins da Silva,

―a pressa na investigação ou a total ausência desse procedimento têm imposto à

imprensa brasileira dois tipos de prejuízo, que se alternam, ou se somam: perda da

credibilidade e de recursos financeiros. Mesmo que se valha de fontes de fé pública

e mesmo que se venha estabelecer uma rigorosa conduta na checagem das

informações, mesmo assim, a imprensa está fadada a uma grande vulnerabilidade,

graças a dois fatores: a inexistência de um teto para as penas pecuniárias em casos

de prejuízo moral e a facilidade com que este delito pode ser tipificado, dada a

amplitude subjetiva com que se pode caracterizá-lo 311

.

3.19. A cobertura da Folha no caso Ibsen Pinheiro

Como vimos no estudo feito até agora toda e qualquer acusação ou investigação sobre

a CPI dos Anões do Orçamento respingaram com grande força sobre o deputado Ibsen

Pinheiro. A investigação, como já bem dissemos, virou a CPI do Ibsen. Isso se torna notório

mais uma vez na cobertura da Folha de S. Paulo. A exemplo dos demais concorrentes da

310

BUCCI, 2000, p. 186. 311

SILVA, 2000.

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148

imprensa, as notícias foram sem profundidade, guardando, sobretudo, informações oficiais da

CPI.

É interessante notar, sobretudo, a ‗similaridade‘ da cobertura da Folha de S. Paulo com

os demais jornais. O jornal paulista iniciou sua cobertura na edição do dia 9 de novembro de

1993. O título ―Novas acusações abrem crise na CPI‖, mostrava que a CPI do Orçamento

entrou em crise após divulgação de acusações contra o deputado Ibsen. A Folha de S. Paulo

só foi, entretanto, acusar diretamente Ibsen de corrupção na edição seguinte: ―CPI descobre

novas contas de Ibsen‖. ―A CPI do Orçamento descobriu que o deputado Ibsen Pinheiro

(PMDB-RS) abriu seis cadernetas de poupança, seis dias antes do bloqueio do Plano Collor,

em março de 90. Foram encontrados depósitos em cheques de US$ 160 mil. A CPI quer saber

a origem dos recursos‖312

.

É interessante notar que o Jornal Folha de S. Paulo foi mais um meio de comunicação

da grande mídia a utilizar um ‗selo/logo‘ em suas coberturas sobre o caso da CPI do

Orçamento e, consequentemente, sobre o caso Ibsen Pinheiro. O logo SUPERESCÂNDALO,

foi utilizado todas as vezes em que o jornal produziu reportagens sobre o episódio. Na

primeira vez, foi na página interna (A-6), da edição do dia 11 de novembro. Para a Folha de S.

Paulo, Ibsen estava envolvido em um superescândalo. Na mesma página interna, uma foto

mostra o deputado gaúcho, já sendo o principal ‗protagonista‘ das acusações, falando ao

telefone e a legenda da foto com o seguinte texto: ―O deputado Ibsen Pinheiro (PSDB-RS)

fala ao telefone no Salão Verde da Câmara‖.

O jornal deu um pequeno espaço para que o deputado se explicasse. Mas, as poucas

linhas de explicações foram ofuscadas pela matéria principal da denúncia.

O deputado Ibsen Pinheiro (PSDB-RS) disse ontem que as quantias que aparecem

depositadas periodicamente em suas contas, de cerca de US$ 10 mil313

referem-se

―provavelmente‖ à liberação, a partir de outubro de 91, dos cruzados bloqueados no

governo Collor. Ele disse que teve apreendido naquela época algo em torno de US$

150 mil. Segundo Ibsen, notícias publicadas em jornais de ontem, sobre o assunto

―foram plantadas‖. Ele disse que os textos não especificaram os depósitos, seus

valores exatos e datas. ―Embora eu não seja abonado, US$ 10 mil na minha

econômica não é desproporcional‖314

.

312

Folha de S. Paulo, 9 de novembro de 1993, capa. 313

Nota-se aqui que tanto a Folha de S. Paulo, como O Estado de S.Paulo, e a Revista Veja trouxeram valores

diferentes. Ou seja, qualquer depósito feito nas contas do deputado já constavam como suspeitos. Desta forma, o

leitor da época viu um emaranhado de valores nas contas e poupança do deputado. 314

Folha de S. Paulo, 11 de novembro de 1993, p. 6.

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149

A cobertura do ―superescândalo‖ deixa uma pista também de que a imprensa utilizou

sua própria ‗ética‘ para desenvolver sua cobertura do caso.

Isso foi identificado claramente por Cláudio Abramo em seu livro ―A Regra do Jogo –

o jornalismo e a ética do marceneiro‖. Ao tratar do assunto ele diz:

Evidentemente, a empresa tem a sua ética, que é a dos donos. Pode variar de jornal

para jornal, mas o que os jornalistas deveriam exigir seria um tratamento mais ético

da empresa em relação a eles e seus colegas. Isso não tem acontecido. É preciso

uma atitude muito ética dentro da redação: os chefes e os responsáveis pelo jornal

têm de dar o exemplo ao pessoal mais novo, senão é o caos. Um chefe de redação

que tolera hipocrisia e golpes baixos contra funcionários do jornal perde a ética e o

direito de usar essa palavra.

A resolução da questão ética depende também do que o jornalista considera seu

dever de cidadão. Caso ele saiba de algo que põe em perigo a pátria, que põe em

perigo o povo brasileiro, o dever do cidadão deve se refletir na profissão. O limite

do jornalista é esse, ou seja, o limite do cidadão. Se um médico souber que estão

preparando um golpe de Estado, ele tem a obrigação de contar, se for contra. Se for

a favor, ele não tem obrigação. A ética do jornalista, portanto, é um mito que

precisa ser desfeito. O jornalista não pode ser despido de opinião política. A

posição que considera o jornalista um ser separado da humanidade é uma bobagem.

A própria objetividade é mal-administrada, porque se mistura com a necessidade de

não se envolver, o que cria uma contradição na própria formulação política do

trabalho jornalístico. Deve-se, sim, ter opinião, saber onde ela começa e onde

acaba, saber onde ela interfere nas coisas ou não. É preciso ter consciência. O que

se procura, hoje, é exatamente tirar a consciência do jornalista. O jornalista não

deve ser ingênuo, deve ser cético. Ele não pode ser impiedoso com as coisas sem

um critério ético. Nós não temos licença especial, dada por um xerife sobrenatural,

para fazer o que quisermos315

.

E, seguindo na cobertura, a Folha de S. Paulo trouxe na edição do dia 12 de novembro,

mais um valor de depósito na conta do deputado. ―Ibsen tinha mais US$ 340 mil no Banrisul‖

foi o título da reportagem da página 6.

Na linha fina, o jornal afirma que a descoberta contradizia com a versão do deputado,

de que seus investimentos em 90 se limitavam às poupanças na CEF.

É como se praticamente todos os jornais ‗cegassem‘ seus olhos e direcionassem a

cobertura para os ataques, característica percebida por Mário Rosa.

Segundo ele, ―em situações de grande comoção, quando a busca frenética pela última

novidade aprisiona o olhar da mídia, é normal que grandes equívocos venham à tona. O difícil

é conviver com essa variável sempre presente no rastro das grandes crises‖ 316

.

Ou seja, quando a grande imprensa busca um foco, dificilmente ela terá olhos para o

‗outro lado‘.

315

ABRAMO, 1988, p. 29. 316

ROSA, 2007, p. 45

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150

Ao falar sobre o assunto, Rosa também diz que é difícil controlar a mídia. Ou seja, se

ela busca um foco e segue com informações mesmo que contraditórias, dificilmente ela

mudará de posição.

É claro que ninguém vai conseguir controlar a mídia. A imprensa é livre, mas se as

posições da empresa (ou da pessoa que está sendo atingida por ela) forem

consistentes as informações forem passadas com frequência e de forma cadenciada,

a vontade de especular sobre o assunto vai diminuindo progressivamente 317

.

A imprensa, na verdade, é uma empresa e como empresa defende interesses

particulares e, na maioria das vezes, não abre mão deles.

Voltando a análise da cobertura, no dia 13 de novembro de 1993, o Jornal Folha de S.

Paulo trouxe reportagem sobre um novo valor nas contas de Ibsen. Desta vez, o mesmo valor

pelo qual se pautou a revista Veja na reportagem ―Até tu Ibsen?‖: US$ 1 milhão.

Segundo a Folha, na ocasião, a CPI achou novos cheques da Banrisul e no Meridional

e a soma se contradizia às declarações do deputado à comissão.

Eis a ‗salada‘ de números publicados na reportagem de capa da Folha de S. Paulo

naquela edição:

A CPI do Orçamento descobriu depósitos de US$ 882 mil na conta do deputado

Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) no Banrisul entre 89 e 93. Foi encontrado também

cheque de US$ 170 mil no Banco Meridional. Com os US$ 51 mil recebidos de

Genebaldo Correia, a comissão já achou US$ 1,1 milhão de Ibsen. À CPI, o

deputado declarou ter US$ 145 mil. Em nota disse ontem que dará, ―no local e

momento adequados, todas as satisfações‖318

.

Na página interna, a Folha trouxe a seguinte matéria: ―CPI revelou que depósitos a

Ibsen superam US$ 1 mi‖.

De mãos atadas, o deputado gaúcho praticamente foi vítima da contra-informação. Ou

seja, surgiram várias notícias de depósitos, de valores diferentes, que engrossaram as

denúncias e dificultaram as justificativas do deputado. O próprio Ibsen reconheceu essa

dificuldade onze anos depois do escândalo, durante entrevista para a Revista IstoÉ:

Nenhum desses episódios que sofri tem o condão de me tornar amargo ou

vingativo. Eu os atribuo à natureza do processo político: primeiro, destruir a

imagem de seu alvo; segundo, emudecer-lhe a voz. Não que ele não fale, ele fala,

mas ninguém o escuta. Dez anos depois, pode ser319

.

317

ROSA, 2007, p. 47 318

Folha de S. Paulo, 13 de novembro de 1993, capa. 319

IstoÉ, 18 de agosto de 2004.

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151

3.20. A cobertura do Correio Braziliense no caso Ibsen Pinheiro

Por ser um jornal com sede em Brasília, Capital Federal do País, a cobertura do

Correio Braziliense foi mais ampla quando comparados aos jornais paulistas O Estado de S.

Paulo e Folha de S. Paulo.

Mas antes de iniciar a análise é preciso abrir um parêntese. A essa altura, no entanto,

Correio e os demais meios de comunicação trouxeram a característica da ‗mídia tribunal‘,

quase que competindo com as atribuições precípuas do Poder Judiciário, entre eles o Tribunal

de Justiça e até o Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.

Ela é mais uma manifestação da capacidade da mídia de invadir todo o tecido social

e de seu poder de tentar submeter atribuições e formatações de outros campos

sociais à sua dinâmica de funcionamento. O ritmo de rito judiciário,

obrigatoriamente lento para possibilitar um julgamento fundamentado e consistente,

com ampla defesa do acusado, é virtualmente atropelado por um dispositivo

sociotecnológico regido pela velocidade dos acontecimentos e por seu necessário

apego à atualidade. A desigualdade dos ritmos certamente conduz a dificuldades

expressivas nas coberturas midiáticas e, mais especialmente, na possibilidade de a

mídia invadir e assumir o papel de tribunal, ao pretender julgar acontecimentos e

atores sociais 320

.

Além disso, diante de toda análise que foi feita nesse trabalho, temos uma importante

pista a ser analisada. A grande imprensa avança e disputa o poder de se representar com o

campo da política. Como se tivessem ‗mandatos‘ e fossem escolhidos para representar o

povo, os meios de comunicação assumem o lugar de ‗porta-vozes‘, que julgam ‗representar‘

setores da população, em especial os excluídos.

Seria muito esperar da própria grande imprensa que a ética - dos meios de

comunicação e também dos profissionais - resolva a questão da imprensa-tribunal?

A questão talvez seja muito mais abrangente, passando para uma discussão coletiva e

que envolva mais segmentos.

De acordo com Antônio Albino Canelas Rubin, o assunto em questão também se

inscreve no campo da ética coletiva ou individual, mas ela não pode deixar de ser formulada

como problema político da maior relevância hoje, inclusive para a possibilidade de uma

sociedade radicalmente democrática.

320

RUBIN, Antonio Albino Canelas. Dos poderes da media: comunicação, sociabilidade e política in NETO,

Antonio Fausto, Brasil, Comunicação, Cultura e Política. Rio de Janeiro: Diadorim, 1994.

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152

(...) como a sociedade vai regulamentar democraticamente essa nova dimensão

pública (midiatizada) da sociabilidade contemporânea e quais as normas sociais que

a sociedade vai imaginar para governar e ordenar democraticamente essa dimensão,

assegurando assim uma atuação responsável da mídia, de seus proprietários, dos

patrocinadores, dos profissionais de imprensa e do público? 321

Segundo Rubin, estes e outros exemplos possíveis demonstram, antes de tudo, como a

presença e a atuação da mídia aparecem como um problema essencial da sociedade

contemporânea. Aliás, a origem e o desenvolvimento dos estudos de Comunicação devem

muito às demandas da sociedade para compreender o impacto, o papel, a atuação e os efeitos

da mídia na contemporaneidade.

Na opinião de Rubin, apesar de ampla bibliografia publicada, principalmente no

exterior, acerca da temática, não se pode afirmar que existe uma convergência de

interpretações a respeito do assunto. Ele aponta ainda que de qualquer modo, apesar da

multiplicidade de concepções, pode-se afirmar que a presença e a atuação da mídia aparecem

como uma das características mais marcantes da contemporaneidade. Ou melhor, da

experiência de vida que se nomeia como contemporânea, pois ela se conforma como uma

singular conjunção entre convivências - vivências acontecidas em presença e em espaços

geográficos - e televivências - vivências de acontecimentos distantes mediadas por signos, em

especial que transitam na mídia.

Fechando esse parêntese, veja como foi à cobertura do Correio. A primeira vez que o

jornal publicou o caso Ibsen Pinheiro foi na edição do dia 8 de novembro. O título ―Cheques

levam Genebaldo e Ibsen a depor‖. A chamada na capa, de uma coluna e três linhas, foi posta,

nesse primeiro momento, sem tanto destaque. O resumo da chamada dizia:

Flagrados em uma troca de cheques de alto valor, os deputados Genebaldo Correia

e Ibsen Pinheiro serão ―convidados‖ a prestar depoimento na CPI do Orçamento.

Cálculos refeitos chegaram a um total de 51 mil322

dólares em cheques recebidos

por Ibsen de Genebaldo, que por sua vez recebeu cheques do deputado João Alves.

O líder do Governo na Câmara, deputado Roberto Freire (PPS-PE), quer a imediata

renúncia de Ibsen ao cargo de relator do regimento da revisão323

.

No resumo acima, mais uma vez, em nenhum momento na chamada de capa existe

qualquer espaço fornecido aos dois acusados: Ibsen e Genebaldo. Essa característica é comum

321

RUBIN, 1994. 322

Nota-se aqui que o Jornal Correio Braziliense traz um novo valor em relação aos cheques. Como vimos nas

abordagens dos Jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, os depósitos traziam valores diferentes. O

primeiro jornal trouxe valor de US$ 160 mil (edição do dia 11 de novembro de 1993- capa). Já o segundo falou

em US$ 30 mil (edição do dia 8 de novembro – capa). O fato mostra as contradições da mídia no episódio. Ou

seja, a grande imprensa também é o ‗reino‘ das contradições. 323

Correio Braziliense, 8 de novembro de 1993, capa.

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153

na grande imprensa. Quando se dá espaço para o acusado, esse é praticamente invisível ao

‗olho nu‘ do leitor. É preciso uma ‗lupa‘ para encontrar onde está o espaço destinado para que

o acusado se explique. Esse fato é comum dentro na grande imprensa porque, aparentemente,

os meios de comunicação trabalham em uníssono. Apesar de cada um ter seu perfil

ideológico, quando se fala em grande imprensa, todavia como aparelho privado de hegemonia

e que visa lucro, como empresa mercantilista, ela até parece mais um partido político.

Mas outras concordâncias constituíram ainda mais vigorosamente o modus

operandi da grande imprensa, pois a ação uníssona superou qualquer contenda

comercial que, como vimos, existiram de forma renhida tanto entre o dueto paulista

como (sobretudo) entre o carioca. Afinal, com maior ou menor ênfase, os inimigos

eram os mesmos, as imagens criadas também as mesmas, o modo de operar

idêntico e os objetivos muitos semelhantes, apesar de nuanças 324

.

Iniciando pela primeira chamada do Correio Braziliense sobre o episódio nota-se ainda

o esforço do jornal em trazer um fato novo diferente, exclusivo, um ‗furo‘ jornalístico.

Como vimos anteriormente, todos os outros meios de comunicação da grande

imprensa entraram ―de cabeça‖ na rota do escândalo. A mídia conseguiu potencializar uma

suspeita a tal nível, sob tal grau de massificação e maquiagem, que o indício do caso Ibsen

Pinheiro virou suplício. A suspeita virou verdade para a imprensa.

Para Francisco Fonseca, ―a grande imprensa possui um poder ‗sem freios nem

contrapesos‖ 325.

Para ele, muitas vezes a imprensa é antidemocrática. Mais: a grande imprensa busca

intermediar, a todo instante, interesses na esfera pública, implicando assim uma brutal

contradição, uma vez que a mídia é privada.

Afinal o auto-elogio que a grande imprensa fez (e faz) de si em relação à sua

capacidade investigativa sobre o poder e as autoridades é perfeitamente

contemplada pelas instituições públicas, a começar pelo próprio Ministério Público,

entidade capaz, legal e tecnicamente, de promover investigações, em concomitância

às suspeitas e mesmo preventivamente. 326

Para Fonseca, a grande imprensa não é o que disse ter sido (liberal e democrata). Pelo

contrário. Segundo ele, a imprensa ―não fez o que professou (dar voz aos diversos lados e

expressar uma suposta ―verdade‖). 327

324

FONSECA, 2005, p. 444. 325

Ibid. p. 451. 326

Ibid., p. 453. 327

FONSECA, loc. cit.

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154

Na cobertura do Correio, não demorou muita para que a denúncia fosse amplamente

divulgada em forma de manchete com grande destaque. Na edição do dia 9 de novembro, o

título ―Ibsen rebate acusações sobre corrupção‖ trazia o deputado tentando se explicar. Num

momento raro, desse episódio, a grande imprensa, por meio do Correio, trouxe uma manchete

com enfoque para a tentativa de defesa de Ibsen, coisa que nenhum outro jornal – muito

menos a dupla paulista – o fez. Muito pelo contrário. No Jornal O Estado de S. Paulo, por

exemplo, os principais títulos/chamadas foram: ―Escândalo pode tirar cargo de Ibsen na

revisão‖, ―Cheques reforçam acusação a deputado‖,‖Ibsen renuncia a função na reforma‖,

―Ibsen renuncia e Genebaldo avisa que vai sair‖, CPI acha novos depósitos em contas de

Ibsen‖, ―Ibsen movimentou US$ 340 mil em um ano‖, ―Ibsen movimentou US$ 1 milhão

desde 1989 em conta do Banrisul‖, ―Punição de corruptores ainda faz a diferença Itália e

Brasil‖. Em um só momento, O Estado de S. Paulo tentou abrir espaço para o deputado, em

sua chamada de capa, mas não em forma de manchete: ―Ibsen justifica depósito como sobras

de eleição‖.

Já o Jornal Folha de S. Paulo seguiu o mesmo caminho. Trouxe os seguintes títulos em

suas chamadas: ―Novas acusações abrem crise na CPI‖, ―Acusações contra Ibsen e Roriz

abrem crise na CPI‖, ―CPI descobre novas contas de Ibsen‖, ―CPI acha US$ 160 mil em

poupanças de Ibsen‖, ―Ibsen tinha mais de US$ 340 mil no Banrisul‖, ―Depósitos de Ibsen

superam US$ 1 mi‖ e ―CPI revelou que depósitos a Ibsen superam US$ 1 mi‖.

Na manchete de capa do Correio sob título ―Ibsen rebate acusações sobre corrupção‖,

Ibsen Pinheiro encaminhou ofício à CPI do Orçamento condenando o noticiário da imprensa

―com foros de escândalo‖ e deplorando ―o vazamento de uma informação incompleta‖. No

trecho da chamada de capa do Correio, traz o seguinte trecho de indignação do deputado:

O deputado reagiu indignado ao que considera ser ―uma conotação perversa que

atribuiu contornos escusos a um ato comum‖. Ibsen garante que a operação

bancária teria sido compatível ―com a capacidade econômica e a movimentação

financeira do requerente. O deputado disse ainda que os depósitos ocorreram

quando o Orçamento ainda não sofria a interferência do Legislativo. E garante que

não se negará a dar todas as informações que forem necessárias para o

esclarecimento dos depósitos328

.

Essa mesma indignação, na época do episódio, foi explicada por Ibsen Pinheiro na

entrevista que ele concedeu à Revista IstoÉ, quando se descobriu o erro da Revista Veja,

328

Correio Braziliense, 9 de novembro de 1993, capa.

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155

sobre o caso. Na ocasião Ibsen falou sobre a possibilidade de ter havido ou não má fé em todo

e episódio, tanto dentro da CPI do Orçamento, quando pela cobertura da imprensa.

Eu não sei se houve má-fé. Não sei se o pior é a má-fé ou a irresponsabilidade, a

ligeireza. Às vezes, a má-fé, por ter compromissos com a realidade, tem limites que

a irresponsabilidade não tem. Não acho que essas coisas se façam por uma

conspiração. Elas se regulam por regras macro. Eu era a vítima ideal. Atingir um

ex-presidente da Câmara, um ícone da Casa, significava dar uma dimensão ao

episódio que de outra forma não seria alcançada, uma forma de dizer que toda a

instituição se comprometeu sem que se precisasse fazer essa afirmação. Sendo eu

um deputado de expressão pessoal, mas então sem força política, era a vítima

perfeita. Tinha apenas um cargo honorífico, que era a presidência da Comissão de

Relações Exteriores. Muito charme, nenhum poder. Pode ter havido algum ódio

político. Eu tinha participado meses antes de um processo de grande conflito na

Casa, o do impeachment do presidente da República. E também de um processo de

cassação de deputado (Jabes Rebelo, cassado por denúncias de envolvimento com o

tráfico). Conduzir processos dessa natureza não é exatamente o caminho para ser a

miss simpatia de um concurso. Podem ter sido conjugados todos esses fatores. É

mais compreensível que imaginar uma conspiração: ‗Vamos atingir esse cara, tirá-

lo da carreira política.‘ Não se faz vida política com esse maquiavelismo, a despeito

de Maquiavel‖329

.

A manchete do Correio, no entanto, em que dava espaço para a defesa de Ibsen, foi

apenas uma exceção no meio do emaranhado de denúncias. Nas edições seguintes, como será

visto a seguir, todas as denúncias e acusações vindas da CPI foram tornadas como fatos

verídicos. A exemplo dos outros meios de comunicação da grande imprensa, como já foi

estudado nesse trabalho, o Correio pode ter cometido os mesmos erros dos outros periódicos.

Dois deles, foram – como reclamou o próprio deputado Ibsen Pinheiro – a invasão da

privacidade (contas até de poupanças do deputado foram levados como prova de atos de

corrupção) e ainda o assassinato da reputação de um político em franca ascensão na época.

Assim, a grande imprensa ao invadir a privacidade, ‗fuxica a intimidade alheia‘, isso

sem falar na função de aparelho privado de hegemonia de cunho ideológico.

A imprensa é capaz de destruir a reputação de políticos e personalidades importantes,

como fez contra o deputado gaúcho. Eugênio Bucci escreveu em seu livro ―Sobre Ética e

Imprensa‖ sobre essa característica:

Quando os personagens se situam acima da linha da dignidade humana, e desfrutam

de alguma reputação, aí, sim entende-se que a imprensa é capaz de destruí-los. E de

fato os destrói. Por distorção deliberada ou inadvertida. Um exemplo de assassinato

de reputação aconteceu em 1992, quando se verificou uma campanha contra o

ministro da Saúde de Fernando Collor, Alceni Guerra. Mario Sergio Conti, em

Notícias do Planalto, conta como a Rede Globo liderou essa campanha.330

329

IstoÉ, 18 de agosto de 2004. 330

BUCCI, 2000, p. 157.

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156

Como não há qualquer tipo de ‗responsabilidade/controle‘, os donos de jornais, em

parceria com a edição, são quem decidem o que vai ser publicado sobre um determinado

personagem no dia seguinte. O enfoque é dado, geralmente, de acordo com a linha editorial

que cada grupo jornalístico possui.

Paul Johnson331

,citado por Eugenio Bucci, fala sobre o abuso de poder, da imprensa:

Desde que Macaulay denominou a imprensa de ―o Quarto Poder‖, há consciência

do poder político que a mídia dispõe, o que pode ser chamado de ―síndrome de

cidadão Kane‖ [...] Os proprietários dos meios de comunicação nem sempre estão

conscientes do grau de poder que exercem, e de sua natureza corruptora. Pois o dito

de lord Acton de que todo poder tende a corromper aplica-se tanto à mídia quanto à

política. O exercício por longo prazo de um grande poder produz uma vulgarização

das sensibilidades morais, uma certa abordagem descuidada e temerária de decisões

graves 332

.

Uma outra edição marcante sobre o caso Ibsen Pinheiro, do Jornal Correio Braziliense,

foi a edição do dia 10 de novembro de 1993. ―CPI descobre altos depósitos nas contas de

Ibsen e Genebaldo‖.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Orçamento descobriu, ontem,

elevadas movimentações nas contas dos deputados Genebaldo Correia (PMDB-BA)

e Ibsen Pinheiro (PMDB-RS). Ex-presidente da Câmara, Ibsen terá que explicar

depósitos semanais de dez mil dólares em suas contas bancárias no Banrisul,

Bradesco e Banco do Brasil concentrados em 1989 e 1990 quando liberava mais de

300 deputados da bancada peemedebista. Antes, Ibsen foi acusado de receber

cheques de Genebaldo no valor de 51 mil dólares333

.

É interessante notar, que novos valores surgiram nesta reportagem do Correio. Cada

jornal trouxe um valor diferente do valor do cheque. O Correio Braziliense, nesta edição,

utilizou o título ―Festival334

de cheques espanta CPI‖ na página interna335

daquele edição.

331

Paul Johnson é um pensador influente no pensamento liberal contemporâneo. Historiador, ensaísta e jornalista,

é autor de artigos na revista britânica Spectator que têm servido de referência ao debate sobre ética na imprensa

no mundo inteiro. Não pelo que pontificam, mas pelos problemas que apontam. Ele propõe uma grande análise

para os erros mais frequentes do jornalismo: listou sete pecados capitais e, como antídotos, dez mandamentos –

alguns já tratados nesse trabalho. 332

BUCCI, 2000, p. 161. 333

Correio Braziliense, 10 de novembro de 1993, capa. 334

É preciso ressaltar que esse festival, na verdade, teria sido provocado pela imprensa. Os cálculos não eram

muito precisos. Cada jornal divulgou um valor diferente, o que deve ter dado um nó na cabeça do leitor que

estava acompanhando o caso pela grande imprensa. Os números, mais uma vez, não foram checados. A imprensa

ficou à mercê da fonte oficial, que era a CPI do Orçamento, e não fez cruzamentos com as declarações de Ibsen,

o que comprovariam que toda a investigação estaria equivocada. Desta forma, a precipitação, o erro na cobertura

da imprensa, causou desgastes e, o mais grave, a reputação de um político que, até então, era ilibada. Na

verdade, toda divulgação ocorreu sem o menor medo de errar, sem o menor medo de ser responsabilizado por

algum eventual equívoco. Afinal a imprensa sabe que nada iria acontecer, caso estivesse errada. 335

Correio Braziliense, 10 de novembro de 1993, p. 3.

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157

Dando continuidade ao assunto, no dia seguinte (dia 11 de novembro), o Correio

divulgou que a CPI teria descoberto mais depósitos nas contas do deputado. A chamada de

capa ―Novos depósitos comprometem Ibsen‖ traz dois aspectos importantes que merecem ser

mencionados: a imprensa traz novos valores descobertos nas contas (a essa altura já não se

sabe mais quanto seria o valor da corrupção do deputado), a cobertura tendenciosa não só do

Correio, mas da grande imprensa na ‗captura‘ de Ibsen influenciou sobremaneira entidades e

também a população.

A CPI do Orçamento apurou novos dados sobre o envolvimento do deputado Ibsen Pinheiro no

esquema de manipulação de verbas: só na agência do Banco Meridional há um depósito de 153

mil dólares e novos depósitos, quinzenais, foram encontrados na conta do deputado na agência da

CEF no Congresso. Hoje, a CPI deverá confirmar a convocação do deputado Genebaldo Correia.

Ontem, dirigentes da Confederação das Associações Comerciais entregaram um manifesto ao

presidente da CPI, senador Jarbas Passarinho, pedindo punição e reforma. Uma pesquisa da

Soma Opinião & Mercado revela que 73 por centro dos brasileiros estão atentos à CPI336

.

Na página interna daquela edição, o Correio trazia reportagem de três colunas (não era

a principal), com o título ―Para Ibsen, depósitos quinzenais‖ afirmando que: ―(...) a

―Subcomissão de Bancos da CPI do Orçamento acredita ter encontrado provas337

definitivas

sobre o envolvimento do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) no esquema de desvio de

verbas. Só na agenda do Banco Meridional há um depósito de 153 mil dólares. (...)‖338

.

336

Correio Braziliense, 11 de novembro de 1993, capa. 337

É interessante notar aqui a expressão ―provas‖ utilizada pelo Correio Braziliense. O que mais tarde,

comprovadamente se revelou como equívoco, para a grande imprensa foi ‗uma pá de cal‘. Ou seja, Ibsen era

corrupto por causa das provas. Perseu Abramo, em ―Padrões de Manipulação na Grande Imprensa‖ trata esse

tipo de exagero, uma espécie de pré-julgamento como a não reflexão da realidade. Em um trecho do livro ele diz

o seguinte:

―O principal efeito dessa manipulação é que os órgãos de imprensa não refletem a realidade. A maior parte do

material que a imprensa oferece ao público tem algum tipo de relação com a realidade. Mas essa relação é

indireta. É uma referência indireta à realidade, mas que distorce a realidade. Tudo se passa como se a imprensa

se referisse à realidade apenas para apresentar outra realidade, irreal, que é a contrafação da realidade real. É

uma realidade artificial, não-real, irreal, criada e desenvolvida pela imprensa e apresentada no lugar da realidade

real. A relação que existe entre a imprensa e a realidade é parecida com a que existe entre um espelho deformado

e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o

objeto como também não é a sua imagem: é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real.

Assim, o público — a sociedade — é cotidiana e sistematicamente colocado diante de uma realidade

artificialmente criada pela Imprensa e que se contradiz, se contrapõe e frequentemente se superpõe e domina a

realidade real que ele vive e conhece. Como o público é fragmentado no leitor ou no telespectador individual, ele

só percebe a contradição quando se trata da infinitesimal parcela de realidade da qual ele é protagonista,

testemunha ou agente direto, e que, portanto, conhece. A imensa parte da realidade ele a capta por meio da

imagem artificial e irreal da realidade criada pela imprensa; essa é, justamente, a parte da realidade que ele não

percebe diretamente, mas aprende por conhecimento. Daí que cada leitor tem, para si, uma imagem da realidade,

que na sua quase totalidade, não é real. É diferente e até antagonicamente oposta à realidade. A maior parte dos

indivíduos, portanto, move-se num mundo que não existe, e que foi artificialmente criado para ele justamente a

fim de que ele se mova nesse mundo irreal. A manipulação das informações se transforma, assim, em

manipulação da realidade‖ (ABRAMO, 2003, p. 24-25). 338

Correio Braziliense, op. cit., p. 3.

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158

O deputado se dizia, na época, vítima de uma armação, e criticava a falta de provas e

as fontes que vinham alimentando a imprensa de informações inverídicas. Essa versão pouco

importou para a mídia. Na mesma edição do Correio Braziliense, ele afirmou que a armação

estaria partindo de ―revanchismo da crise de 1992 do impeachment de Collor‖ – uma vez que

ele foi o presidente da CPI que pediu o afastamento do então presidente da República na

época.

Em outro trecho da reportagem do Correio, o deputado afirma. ―Estou sendo objeto

não de uma injustiça, como achava, e que me deixou amargurado, mas de uma armação de

inimigos. Antes desse episódio cogitava em encerrar minha vida pública. Mas estou

conseguindo forças para continuar na vida pública e vou desmascarar os adversários‖.

Ibsen tentou, sem sucesso, explicar um dos valores dos cheques encontrados pela CPI.

Mas, a grande imprensa contribuiu para o desgaste, influenciando a investigação da CPI. O

deputado disse o seguinte em entrevista ao Correio na mesma edição do dia 11 de novembro.

―Esses 150 mil dólares bloqueados são a poupança de uma vida. E o meu patrimônio em dois

imóveis e poupança e que chegavam ao total de 200 mil a 250 mil dólares. A origem da

poupança é a venda de uma fanzendola de 100 hectares (mil dólares o hectar)‖.

A cobertura mais implacável ocorreu no dia 13 de novembro. A manchete de capa do

Correio trouxe o seguinte título: ―CPI descobre conta milionária de Ibsen‖. Não havia

nenhuma foto do deputado na reportagem de capa. As letras ‗garrafais‘ em seis colunas de

uma linha revelavam que a CPI do Orçamento teria encontrado um novo cheque, agora no

valor de 169 mil dólares, do Banco Meridional, na conta do ex-presidente da Câmara. De

acordo com a reportagem, aquela altura os depósitos encontrados nas contas do deputado já

haviam superado um milhão e 500 mil dólares. Ibsen passou a ser uma ―vítima de uma

carnificina‖.

Na edição seguinte, mais uma reportagem do Correio sobre o episódio: ―Passarinho

fecha dados para convocar Ibsen‖. O título da matéria na página 3, do dia 14 de novembro, de

1993, referia-se ao presidente da CPI do Orçamento, senador Jarbas Passarinho (PPB-PA),

sobre a possibilidade de ouvir o deputado Ibsen na comissão.

3.21. Na cobertura do Correio, caso sai da esfera política para a policial

O caso do escândalo do Orçamento envolvendo o deputado Ibsen Pinheiro saiu das

páginas políticas para as policiais, segundo a cobertura do Correio Brazilienze. Na edição do

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159

dia 15 de novembro de 1993, o jornal trouxe com exclusividade o que pode ser chamado de

―furo jornalístico‖. O título da manchete ―Polícia quer ouvir Ibsen sobre depósitos‖ dizia que

o delegado da Polícia Federal, Magnaldo José Nicolau da Costa, responsável pelo inquérito

que apurava as denúncias de irregularidades na Comissão Mista do Orçamento do Congresso

Nacional, havia revelado ao Correio Brazilienze que pretendia ouvir o deputado.

Ao mesmo tempo, na chamada de capa, o delegado assumiu que ainda não havia

indícios suficientes sobre as acusações. Nesse caso, o Correio decidiu publicar a reportagem

por se tratar de uma informação exclusiva, mesmo sem comprovação verídica dos fatos.

Bucci comentou esse tipo de atitude da grande imprensa:

Há jornalista que crê poder mentir: para um aqui, para outro ali, bem pouco, só de

vez em quando, até que, um dia, nenhum de seus colegas e fontes será capaz de

acreditar nele. Jornalista que mente, assim como o jornalista plagiário, é

tecnicamente imprestável: não há como usá-lo na imprensa. Publicar as

informações que ele traz à redação é como comprar remédios numa farmácia que,

ocasionalmente, vende ali um antibiótico falsificado. É como usar um parafuso de

isopor, unzinho só, na fabricação de um submarino. Lá na frente, ou lá no fundo,

vai dar errado. Não adianta. A integridade pessoal de um jornalista é o começo e o

fim dos valores que ele carrega – e que serão determinantes de seu preço no

mercado. Para o patrão, a ética aparente pode ser um fator de lucro. Para o

jornalista, é fator de remuneração 339

.

Na edição seguinte o Correio trouxe, mais uma vez, uma manchete sobre o escândalo.

A capa, do dia 16 de novembro de 1993, tinha o título ―CPI acha inevitável depoimento de

Ibsen‖. A reportagem trazia a informação de que Ibsen poderia ser ouvido pela CPI ―sobre

corrupção no Orçamento antes mesmo dos sete parlamentares com depoimentos já marcados‖.

Na página interna (p.3), uma cena curiosa. O jornal trazia uma foto em que numa mesa os

membros da CPI analisavam documentos, como depósitos e declarações de bens dos acusados

de corrupção, entre eles, de Ibsen Pinheiro.

A legenda da foto trazia o seguinte: ―Sob exames as declarações de bens dos acusados:

incompatibilidade com a sua renda agrava a situação‖.

Na edição seguinte, dia 17 de novembro, o Correio Braziliense, foi o único jornal do

País, a fazer relação entre a máfia do Orçamento, como ficou conhecido o caso de corrupção,

e o Esquema PC Farias – este último que acabou derrubando o presidente Fernando Collor do

cargo em 1992.

O título de capa/manchete ―Máfia do Orçamento tem ligação com esquema PC‖

mostrava bem essa tentativa de relação.

339

BUCCI, 2000, p. 77.

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160

O esquema de corrupção do Orçamento e o esquema PC Farias agiam

paralelamente, disputando espaço e dividindo território na cobrança de propinas.

Esta é uma das conclusões a que chegaram membros da CPI do Orçamento, ao

receberam os primeiros documentos requisitados à Polícia Federal sobre o

envolvimento das maiores empreiteiras do País com o Esquema PC. Numa análise

preliminar, os parlamentares da CPI estão certos de que o esquema é o mesmo, as

obras as mesmas, sendo que PC operava numa ponta e a máfia do Orçamento na

outra, destinando as verbas às obras340

.

A tentativa de relacionar os dois episódios deixou o caso, cada vez mais complexo,

com reportagens carregadas – de especulações, mas segundo a grande imprensa, tratava-se de

jornalismo investigativo.

Reforçando a cobertura, além da notícia em si, publicada diariamente nos jornais sobre

o episódio/escândalo político, a grande imprensa usou importantes ‗instrumentos‘ para marcar

e situar o leitor. A Folha de S. Paulo optou, por exemplo, por utilizar logos para facilitar em

suas páginas as reportagens sobre as acusações contra Ibsen Pinheiro. Como o Jornal O

Estado de S. Paulo utilizou charges e caricaturas de Ibsen durante toda a cobertura do

escândalo político, o Correio Braziliense optou pelo uso de um ‗selo‘ em suas páginas, toda

vez que se referia à reportagem da CPI dos Anões do Orçamento. O ‗selo da corrupção‘,

como está sendo denominando nesse trabalho, trazia um desenho da fachada do Congresso

Nacional, em Brasília, sobreposto a um cifrão ($) símbolo do desvio de verbas e da corrupção

na política (fig. 16).

Foi uma das formas de situar o leitor para o episódio. Seu uso se deu até o final do

caso que culminou na cassação do deputado Ibsen Pinheiro.

340

Correio Braziliense, 17 de novembro de 1993, capa.

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161

Fig. 16

3.22. A política é instável e sempre trágica

Até o início da década de 1990, Ibsen Pinheiro tinha uma grande popularidade e

respeito por parte dos colegas da Câmara Federal. À luz de Maquiavel poderíamos dizer que

ele tinha virtú e fortuna.

Mesmo diante de tanta popularidade, Ibsen enfrentou, além da grande imprensa, por

parte de seus adversários, críticas ferozes. Na política há um constante equilíbrio e

desequilíbrio. No início dos anos 2000, no Congresso Nacional, por exemplo, o PT (partido

do então presidente Lula) viveu em estado de constante tensão com o DEM e o PSDB.

Existe um reino da instabilidade na política que está repleta de tensões, de conflitos.

Para Shakespeare, por exemplo, a política é trágica: ela é impedimento, dificuldade, é morte e

traz destruição:

―Shakespeare e Maquiavel se aproximam ao constatar que quanto mais as ações

dos homens se voltam ao poder político, ou são atraídas por este, mais perdem o

controle das suas ações, até penetrarem naquele âmbito no quais as paixões, ou a

razão, podem ser subjugadas irremediavelmente...

(...) Como sucessão de conjunturas que avançam em equilíbrio-desequilíbrio, a

política torna-se uma área na qual irrompe com frequência a tragédia, pela

ocorrência de acontecimentos contrários e porque aí convivem possibilidades e

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162

impossibilidades. A relação entre liberdade e poder, como já indicado

anteriormente, serve para elucidar parte desta tragédia que atinge os súditos, os

governados...341

Essa constante instabilidade é mostrada também por Thomas Hobbes de Malmesbury.

O autor sugere, no entanto, que essas tensões políticas existem por causa da própria natureza

do homem e mostra que o ‗estado de natureza‘ é ‗estado de guerra‘ em que os homens

competem entre si em difícil sociabilidade.

É impensável a harmonização. Hobbes nos mostra que a humanidade sempre ‗estará

na beira do abismo‘, sempre em estado de guerra. Para ele, portanto, não é possível confiar no

homem.

Portanto, as tensões políticas, nas perspectivas desses autores, vão existir. Nas peças

de Shakespeare, por exemplo, é possível perceber que a política interfere até no amor. Pode

até permitir a paz, mas esta é momentânea, nunca duradoura. Nesse sentido, políticos, como

Ibsen e Alceni Guerra, vão convivendo com as tensões políticas, tendo de administrar ―com

barganha‖ e/ou com sua habilidade política (virtù) para se manter no poder. Essa virtù – teria

faltado ao ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, quando teve seu mandato

investigado no Congresso Nacional, por exemplo. E, também ao presidente da Câmara, da

época, Ibsen Pinheiro, que não conseguiu, apesar da campanha da grande imprensa, se safar

do também julgamento político de seus pares.

Somam-se a isso, as relações pessoais, a identidade política com o governo ou o

interesse econômico das empresas de comunicação, que podem influenciar sobremaneira, na

cobertura política da grande imprensa.

Só para citar um exemplo, no livro ―Notícias do Planalto‖, de Mário Sérgio Conti, ao

falar sobre a Revista Veja, percebe-se como a notícia é tratada é moldada aos padrões

editoriais, ou melhor ideológicos da revista.

Depois de percorrer pilhas de fotos, para escolher as melhores, e de fazer tabelas,

mapas ou gráficos com a editoria de Arte, o repórter diagramava a matéria, que era

repaginada pelo editor e depois pelo editor executivo. O encarregado escrevia o

texto, seu editor pedia complementos e determinava que fosse reescrito. A cada

degrau na hierarquia a reportagem era reescrita novamente. Autorizada a

publicação, era hora da checagem. Os checadores conferiam as datas, grafias de

nomes e comparavam o texto final com os relatórios originais, buscando

incongruências e erros. Esse ir-e-vir levava dias, às vezes semanas e, no gargalo

final, era extenuante e neurótico. À meia-noite, acontecia de se reescrever uma

matéria de oito páginas, com um novo enfoque reduzido para duas páginas. O

repórter que teve a ideia original saía da redação às nove horas da manhã, com o sol

341

CHAIA, 1995.

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163

alto, e chegava em casa massacrado. Apenas uma das oito pessoas que entrevistara

durante horas fora citada. Do seu texto original não sobraram nem as vírgulas342

.

É importante ressaltar que todo o texto, conforme deixa claro o próprio Conti, era

moldado pelos editores que representavam a direção.

Nota-se também, na análise da cobertura de Veja, sobre o caso Ibsen Pinheiro, que

existe por parte da mídia e os políticos, um estreito relacionamento. Às vezes pode ser

‗promíscuo‘. Como vamos notar na entrevista de Ibsen Pinheiro, apesar de ter sido atacado

por Veja e a grande imprensa, ele parece se afastar, 11 anos depois das denúncias, de qualquer

desentendimento com os meios de comunicação.

E, ao contrário do que se esperava, ele defende a liberdade de imprensa, não processou

a revista ou qualquer órgão de comunicação, e critica a criação de órgãos de controle na

entrevista que deu à IstoÉ na edição do dia 18 de agosto de 2004, nº 1.819. ―O denuncismo

tem cura, mas na imprensa censurada o denuncismo é eterno‖343

.

E por que a postura do deputado foi essa? Políticos precisam estar na mídia. No futuro

vão buscar uma eleição política. É preciso ser reconhecido pelo povo.

Nota-se, sobretudo, que existe uma aproximação muito grande entre a imprensa e o

poder político. A imprensa, que sempre debate as contradições das outras instituições sociais,

frequentemente deixa a desejar quando é o momento de discutir suas próprias contradições.

Na entrevista que Ibsen, concedeu à Revista IstoÉ, ele faz considerações importantes,

mas prefere preservar, poupar ou falar sobre um controle rígido sobre os meios de

comunicação. No entanto diz claramente que sofreu linchamento moral por parte da imprensa

que se precipitou.

Voltaire tem uma definição muito interessante. Diz que a primeira infâmia contra

alguém é rejeitada. A segunda arranha e a terceira destrói. No quadro que se criou,

as imputações sem provas, sem nenhum conteúdo, produziam este efeito. Mas

aquele quadro se criou. Uma foto junto com uma acusação de movimentação

financeira desproporcional passava para o imaginário das pessoas que o ex-

presidente da Câmara devia ser responsável por tudo de errado que acontecesse.

Isso no imaginário das pessoas dispensava a necessidade de provas. Bastava a

afirmação. Chegou a um ponto que não precisava nem afirmação, bastava a

insinuação. Eu disse naquela ocasião algo que eu posso repetir hoje: nunca tive a

graça de uma acusação. O próprio relatório da CPI dizia: ―A denúncia inicial não

restou provada.‖ Nos processos políticos, o ônus da prova se inverte. É o acusado

que precisa provar uma, duas, três, quatro vezes. Passei por processo marcado pela

ligeireza, característico dos processos políticos344

.

342

CONTI, Mário Sérgio. Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Companhia das

Letras, 1999. p. 62. 343

IstoÉ, 18 de agosto de 2004, capa. 344

Ibid., p. 37.

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164

Na mesma entrevista Ibsen se diz inconformado com a suposta manipulação praticada

no episódio, uma vez que a imprensa sabia do erro e mesmo assim publicou a denúncia:

O que mais me impressionou foi ter havido, antes da publicação, a percepção do

erro e ter havido a persistência na informação inverídica. Mas fui jornalista quase

toda a minha vida e acredito na liberdade de imprensa. Se a imprensa comete

desvios de conduta, só a liberdade de imprensa é capaz de corrigí-los. Pior que o

denuncismo é a censura. O denuncismo tem cura, a verdade aparece. Na imprensa

censurada, o denuncismo é eterno. Os vícios que a imprensa pratica podem decorrer

da liberdade de imprensa, mas não tenho dúvida que os vícios mais graves

decorrem da censura. Vivi momentos da censura, como todos, no regime militar, e

vimos do que a censura é capaz. Nas ditaduras, os efeitos desses vícios de conduta

são eternos, são imutáveis. No regime da liberdade, sempre se tem, no mínimo, a

esperança e, no máximo, a convicção de que a liberdade vai oxigenar os fatos e

aqueles que não são verdadeiros não sobreviverão. Vejo com preocupação quando

se pretende criar um Conselho Federal de Jornalistas, com a função de

supostamente orientar e fiscalizar, mas, sem dúvida, ainda que a proposta seja de

boa-fé, o conteúdo será do patrulhamento345

.

Segundo Rosa, jornalistas e meios de comunicação que cometem erros estão quase

sempre imunes ao risco de serem expostos publicamente, como ocorreu com Ibsen Pinheiro.

O que ocorre, no máximo, com os jornalistas que cometem o erro é a demissão.

Luís Nassif afirma que, em geral, os meios de comunicação mantêm uma grande

complacência para os erros de jornalistas sejam eles deliberados (dolosos) ou não. Para ele, há

uma espécie de corporações fechadas para brindar aqueles que cometem os erros. A imprensa,

por sua vez, critica as instituições que assim fazem.

Policiais, políticos, militares ou diplomatas que resolverem problemas internos com

afastamentos, punições brandas ou transparência para lugares distantes correm o

risco de serem imediatamente taxados (pela mídia) de estarem praticando

―acobertamento‖, produzindo ―impunidade‖. Essa regra vale só para os outros?

Quando jornalistas erram, essa questão costuma ser abafada, confinada aos

escaninhos das redações, sob o argumento de que se trata de ―questão interna‖,

―questão privada‖. Nessa hora, o argumento do interesse público perde força e, ao

contrário de quase todas as outras profissões, o infrator normalmente escapa, sem

sofrer execração. O biombo, assim preserva a pessoa física346

.

Segundo Eugênio Bucci, ―quase nada se noticia sobre o que se passa no mundo dos

negócios dos donos dos jornais‖, em nota relatada no livro ―Do B- Crônicas e críticas para o

Caderno B‖347

, que analisa a mídia. Mário Rosa diz mais:

345

IstoÉ, 18 de agosto de 2004, p. 38. 346

ROSA, 2007. p. 452. 347

BUCCI, Eugênio. Do B – Crônicas críticas para o Caderno B do Jornal do Brasil. São Paulo: Editora

Record, 2003.

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165

Veículos de comunicação entendem que podem solicitar, através de seus repórteres,

praticamente quaisquer informações que considerem importantes, em nome do

―interesse público‖ ou do ―leitor‖. Mesmo que seja uma informação sensível de

outra empresa privada: quando esse tipo de dado é negado em meio a um processo

de desgaste público, o teor das reportagens realça uma aura de ―suspeição‖. Mas,

porque as empresas jornalísticas não poderiam deixar registrados na internet, por

exemplo, todos os ingressos publicitários de seu caixa? Por que a sociedade e os

leitores não podem saber quais empresas que mais anunciam, quais governos fazem

propaganda e qual o volume percentual dessa vinculação? 348

Ou seja, a mesma transparência que os veículos de comunicação na grande imprensa

cobram dos governos, das instituições públicas e dos políticos não é seguida por eles próprios.

É o ditado: ―Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço‖.

CAPÍTULO 4. “AGENDA OCULTA”: COMPORTAMENTO DA MÍDIA E AS

ALTERNATIVAS DE CONTROLE DEMOCRÁTICO

4.1. Conselhos de Ética e 0800

A mídia defende seus interesses particulares. É empresa privada. Visa lucro. E, se ela

é o quarto poder, não seria necessário a utilização de aparatos para conter os abusos, os erros

cometidos e, principalmente, a manipulação de informações? Se a imprensa quer defender o

interesse público nada mais justo que o próprio público (aqui no sentido fraco da palavra,

considerando o leitor do jornal, por exemplo) ser um dos agentes que possam opinar sobre

essa mesma imprensa. Hoje, ao olhar para a Câmara – que é ―fiscalizada‖ pela grande

imprensa – percebe-se que lá existe um Conselho de Ética e até o Sistema 0800 para que o

eleitor possa reclamar e dar sugestões sobre determinados assuntos que seu deputado esteja

defendendo. Nas Prefeituras existem as Ouvidorias. As diferentes modalidades esportivas têm

conselhos deliberativos, de ética. Outras profissões, como os advogados, os médicos, e outros

profissionais liberais contam com os conselhos. E a imprensa? Onde o leitor pode reclamar

dela?

A experiência do ombudsman ainda é muito restrita na imprensa brasileira. Poucos

meios de comunicação da grande imprensa, como o Jornal Folha de S. Paulo e mais

348

ROSA, 2007, p. 452.

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166

recentemente a TV Cultura contam com esses profissionais. Eles são incumbidos de analisar e

fazer críticas à postura de jornal e qual o ângulo de cobertura escolheu para uma determinada

notícia. No entanto, o grau de liberdade nem sempre é o desejado para esse profissional. Um

caso ―célebre‖ é o do jornalista Mário Magalhães. Ele decidiu não ter seu contrato de

ombudsman renovado na Folha por discordar da postura do jornal em relação ao seu trabalho.

Assim sem um sistema de controle, a imprensa acaba sendo combatida em meio aos

processos judiciais, movido por pessoas que se sentem lesadas pela cobertura da mídia. Por

não existir um teto para as multas por dano moral, as sentenças podem levar à falência de

pequenas e médias empresas, ou punir as grandes. E, mais uma vez, por conveniência

corporativa, a grande mídia não divulga as decisões de indenizações das vítimas de seus erros.

Veja o que diz Mário Rosa sobre o assunto:

Se é verdade que o poder da imprensa pode estar sendo combatido a partir dos

questionamentos judiciais (algo, por sinal, legítimo e democrático), é verdade

também que a própria imprensa não vem expressando sua adesão a determinados

valores, ao menos no sentido de reconhecer as próprias falhas. Empresas tão

privadas quanto as jornalísticas criaram linhas 0800 para mostrar a seus

consumidores que eventuais defeitos em seus produtos são falhas não intencionais,

que serão reparadas assim que constatadas, em benefício dos clientes. Órgãos

públicos, como a Câmara dos Deputados, criaram instituições como conselho de

ética para punir e expulsar políticos que cometam erros inadmissíveis. Leis para

cassar deputados já existem há décadas. O conselho de ética, nesse caso, só veio a

dar uma satisfação social nesse sentido. A mídia vem caminhando na direção de

maior transparência, com a criação de manuais de redação e ombudsman, sem

dúvida sinais alvissareiros. Todavia, a velocidade dessa caminhada está aquém da

agilidade que a imprensa costuma exibir em outros campos. Infelizmente. 349

Francisco Fonseca acredita que, do ponto de vista da sociedade brasileira, as

iniciativas já consolidadas do Observatório da Imprensa e mesmo a Revista Imprensa

cumprem um importante papel fiscalizatório. No entanto, representam ainda apenas uma

condição necessária, mas não suficiente.

(...) deve-se considerar, além do mais, a pequena abrangência dessas iniciativas –

seja para denúncia dos oligopólios, seja para trazer à tona visões alternativas às da

grande imprensa, seja, especialmente, para o franqueamento ao dissenso. Já que em

escala global, a tentativa de constituição de centros de informação independentes,

tais como os sítios brasileiros Carta Maior e Ciranda, além dos internacionais

Media Watch e Le Monde Diplomatique350

,entre inúmeros outros, não apenas

utilizam da internet como veículo de informação global como, principalmente,

avaliam os grandes jornais, revistas, agências noticiosas e emissoras de televisão.

Procuram demonstrar, assim, outros lados, outras vozes e outras interpretações dos

fenômenos que tendem a ser retratados de maneira homogênea pelos grandes

349

ROSA, 2007, p. 453. 350

Os endereços eletrônicos desses órgãos são, respectivamente, www.cartamaior.uol.com.br, www.

carosamigos.terra.com.br, www.cirandabrasil.net., www.mediawatch.org e www.lemonde.fr.

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167

grupos de comunicação. Esses novos organismos estimulam o surgimento de

jornais e revistas, não vinculados a grandes grupos – é a situação, na grande

imprensa brasileira, das revistas Carta Capital e Caros Amigos. Tudo isso conflui

para a ideia de que ―um outro mundo é possível‖, lema do Fórum Social Mundial,

cujo tema da informação plural é fundante 351

.

Fonseca defende ainda mudanças na forma de concessão de emissoras de televisão,

com ampliação da participação da sociedade no sistema decisório, sobretudo por meio de

fortalecimento do Conselho de Comunicação Social.

(...) a concessão e mesmo o estímulo governamental em termos de crédito, que

poderia ocorrer, às emissoras de rádio e televisão livres (comunitárias), que, no

Brasil, foram abarcadas por grupos evangélicos em larga medida

descompromissados com os valores democráticos; o rigoroso impedimento da

concentração acionária dos veículos de comunicação e proibição de que um mesmo

proprietário possua diversas modalidades de meios de comunicação, como existem

em determinados países europeus, entre inúmeras medidas352

.

Fonseca reconhece que o assunto é polêmico. Segundo ele, a luta pelo controle e

democratização da mídia assumem contornos de uma verdadeira guerra de posições.

Afinal o auto-elogio que a mídia como um todo faz de si em relação à sua

capacidade investigativa sobre o poder do Estado e sobre as autoridades é

perfeitamente contemplada pela capacidade do Ministério Público, por exemplo –

entidade capaz, legal e tecnicamente, de promover investigações em concomitância

às suspeitas e mesmo de maneira preventiva. Em outras palavras, o poder

fiscalizatório e investigativo que a mídia autoproclama-se pode e deve ser exercido

por instituições de fato públicas, caso o Ministério Público, das organizações civis

sem fins lucrativos e de determinadas organizações não-governamentais, entre

inúmeros outros atores. Afinal a mídia é um agente privado que objetiva fins

privados: o lucro353

.

Algo precisa ser feito em relação ao controle de qualidade das informações, uma vez

que o processo de manipulação existe.

Bucci faz referência a esse assunto:

Que existe manipulação, existe. Ela nada mais é que a distorção deliberada da

informação. Movidos por interesses escusos, há donos de meios de comunicação e

funcionários da cúpula de empresas que patrocinam mentiras para atingir objetivos

particulares. A manipulação agride o cidadão e deve ser combatida, como é óbvio

(...)354

.

351

FONSECA, junho/2004. 352

Ibid., p. 22. 353

FONSECA, loc. cit. 354

BUCCI, 2000, p. 176.

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168

4.2. Accountability para os órgãos de imprensa

Num País democrático, como o Brasil, a liberdade de imprensa é perfeitamente

pertinente, até mesmo fundamental para que seja exercido o papel da liberdade de expressão e

informação. Por outro lado, é importante que sejam criados mecanismos de responsabilização

da mídia por tudo aquilo que é publicado ou veiculado. Num País democrático, a ausência

total de mecanismos de ‗accountability‘ pode se tornar perigoso, como já foi visto nos dois

estudos de casos mencionados nesse trabalho. Hoje, o que se vê é a total liberdade, com

ausência de responsabilidade.

O termo ‗accountability‘ é de difícil tradução em termos políticos. Mas,

resumidamente, significa responsabilidade, controle sobre algo dentro de uma democracia.

(...) implica por um lado transparência e responsabilidade dos que detêm o poder e,

por outro lado, a possibilidade de o poder ser fiscalizado e sobretudo controlado.

Ora, se isso é verdade em relação aos três poderes constituídos (Executivo,

Legislativo e Judiciário), porque não o deveria ser em relação aos poder da mídia e

mesmo a outros pólos de poder, tais como os militares, o capital, os cientistas, o

Ministério Público, entre inúmeros outros? 355

A expressão ‗accountability‘ também foi utilizada por Adam Przeworski. Ele tratou do

controle social. Em ―Sociedade em Transformação‖, capítulo ―O Estado e o Cidadão‖ ele fala

sobre esses controles:

Os mecanismos ―horizontais‖ são instâncias institucionais de controle e avaliação.

―(checks and balance) mútuos entre os diferentes níveis de governo: a hipótese aqui defendida

é que se a estrutura de governo é bem projetada, os órgãos de governo controlarão uns aos

outros de tal maneira que os direitos dos cidadãos serão exercidos‖356

.

O autor examina os mecanismos institucionais, por meio dos quais os direitos dos

cidadãos podem ser exercidos dentro de uma democracia e, além de falar em mecanismo

horizontal de controle, ele destaca os ―mecanismos verticais‖.

Os mecanismos ―verticais‖ de outro modo, são aqueles através dos quais os

cidadãos exercem controle sobre as ações do governo. Um dos mecanismos

verticais é a eleição. A hipótese aqui defendida é de que as disputas nas eleições

são livres, se a participação é generalizada, e se os cidadãos desfrutam liberdades

políticas, então os governos atuarão orientados para os melhores interesses das

355

FONSECA, junho de 2004, p. 21. 356

PRZEWORSKI, Adam. ―O Estado e o cidadão‖ in BERESSER, Pereira; WILHEIM e SOLA, Sociedade e

Estado em Transformação. São Paulo: Editora Unesp-Enap, 2001, p. 327.

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169

pessoas. Mas também existem mecanismos não eleitorais através dos quais os

cidadãos podem influenciar e controlar os governos 357

.

Desta forma, é importante pensar na grande imprensa, como uma ‗instituição‘ que

deve ter responsabilidades por aquilo que coloca no mercado: a notícia. Afinal o que se vê

hoje em dia, sobretudo no Brasil, é a imensa dificuldade de a imprensa reconhecer seus erros

e conceder espaços para retratações. Mesmo que essa retratação ocorra cabe aqui um

―adendo‖: as primeiras reportagens, publicadas de forma irresponsáveis, sempre causam os

maiores problemas.

Os tipos de acusações errôneas, assim como sua gravidade, variam de caso para caso.

Segundo Rosa, ―a mídia considera – não sem razão – que a onda de ações judiciais visa

apenas sufocar a liberdade editorial dos veículos, criando custos pesados para as empresas de

comunicação. Por outro lado, afirma ele, cada vez mais pessoas atingidas pela mídia

denunciam a impossibilidade de obter reparações por eventuais erros com o mesmo destaque

dados aos ataques.

No caso brasileiro há uma dificuldade adicional: a mesma impunidade que

beneficia poderosos pilhados em flagrante, na forma de táticas de procrastinação

judicial, é um kit de poder que beneficia também a mídia. Os prazos para processar

criminalmente jornalistas e órgãos da imprensa são relativamente pequenos e,

sendo assim, qualquer pequena chicana jurídica equivale a uma impossibilidade de

condenação. Sem outro caminho, aqueles que se sentem injustiçados vêm

procurando cada vez mais a reparação civil, cuja vantagem principal é um prazo de

prescrição muito maior, de até 20 anos358

.

Rosa cita que nos Estados Unidos é uma regra do jogo para jornalistas colocar o

próprio patrimônio pessoal em jogo quando enveredam pelos caminhos da investigação ou da

denúncia. Parte-se do pressuposto de que, na hora de escrever, esse risco já foi previamente

assumido. ―Essa realizada deverá se incorporar ao expediente do jornalismo brasileiro, por

mais que a mídia reaja a essas pressões, denunciando-a como tentativa de calar sua voz. É

óbvio que há essa intenção, mas, (...) o legítimo interesse de obter uma satisfação moral

também existe‖ 359

.

Hoje no Brasil, segundo ele, para as empresas de comunicação ainda vale a velha

lógica a qual tem o direito de fazer tudo o que a lei não proíbe. Mas, conforme ele, o olhar da

357

PRZEWORSKI, 2001, p. 327. 358

ROSA, 2007, p. 516. 359

Ibid., p. 517.

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170

mídia – e também o não olhar – pode criar deformações na imagem retratada pela imprensa,

caso ela permaneça hipnotizada sempre por uma temática fixa.

Rosa citando Ricardo Noblat, afirma que ―olho – e não olhar - é sempre uma escolha e

não fruto do acaso‖.

O ato de publicar uma notícia e desprezar outra é tudo menos um ato neutro. (...) Os

jornalistas aprendem desde cedo que devem perseguir a verdade a qualquer preço.

Mas quando se deparam com uma notícia são obrigados a serví-la à consideração

do distinto público, só então descobrem que a essência de sua missão não é escrever

a verdade. Cabe aos jornalistas escolher a verdade! 360

Rosa cita Fernando Rodrigues quando fala sobre o assunto em seu livro. ―(...) nenhum

jornal ou jornalista é neutro‖ 361

.

4.3. Liberdade de imprensa não é liberdade da imprensa

Qualquer tentativa de criar mecanismos de responsabilidade sobre reportagens e

matérias publicadas pela grande imprensa pode parecer para os meios de comunicação como

tentativa de controle, de ditadura da imprensa, de mordaça. Acontece que ao menosprezar a

discussão do assunto, a imprensa pode mostrar, por outro lado, sua face arrogante diante de

um problema tão sério. Diante de casos, como o que foi estudado nesse trabalho - envolvendo

Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro – é preciso existir preocupação sobre erros, exageros e

distorções. E, conforme foi visto aqui, eles existem. Rosa, por exemplo, defende que os

mecanismos de regulação também podem partir por meio de iniciativas das próprias

instituições brasileiras, como Ministério Público e Congresso, por exemplo.

(...) a persistência de falhas inadmissíveis, muitas vezes cruéis, não pode se

justificar em nenhuma hipótese, por representarem a médio e longo prazo a perda

de credibilidade dessas instituições. Ignorar o clamor dos que se sentem

injustiçados e traduzi-los apenas como choro dos descontentes ou dos atingidos por

uma ―nova ética‖ vigente é uma atitude de radicalismo, antidemocrática, que põe

em risco justamente os enormes e visíveis benefícios que estão por trás do

dinamismo dessas organizações. 362

Mário Rosa, em seu livro, tem uma definição interessante e que será utilizada nesse

360

ROSA, 2007, p. 506. 361

ROSA, loc. cit. 362

Ibid., p. 455.

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171

capítulo para definir a atuação da imprensa. Ele afirma que existe diferença entre a liberdade

de imprensa e a liberdade da imprensa. ―Liberdade de imprensa não é o mesmo que liberdade

da imprensa. Cabe à própria imprensa tomar a iniciativa de garantir sua credibilidade. Isso

atende ao interesse público. Imprensa sem credibilidade é imprensa fraca, o que sem dúvida

nenhuma é ruim para a sociedade‖363

.

Ele quer dizer que a liberdade de imprensa deve existir para o bem da democracia. A

liberdade da imprensa é aquela liberdade, sem responsabilidade em que os órgãos de

comunicação publicam tudo o que querem sem qualquer tipo de controle. Seria importante

aprofundar mais a questão: além da liberdade de imprensa, existe a liberdade da empresa de

comunicação, como identificou Cláudio Abramo, reformulador dos jornais O Estado de

S.Paulo e Folha de S. Paulo. Esta última mais perigosa. Os interesses particulares são

buscados a todo tempo em nome da defesa da opinião pública, do interesse público. Um risco

para a sociedade.

A grande imprensa, inserida dentro da sociedade, se diz ‗defensora do interesse‘

público. Portanto, deve existir acompanhamento público de tudo aquilo que é publicado ou

colocado no mercado pela mídia: a notícia. É preciso mais transparência dos órgãos de

comunicação. Ou seja, os meios de comunicação – a grande imprensa – que se auto-

proclamam compromissadas com a verdade devem dar o exemplo. Isso os tornariam mais

respeitáveis e com maior credibilidade.

Será que a imprensa está se posicionando em relação aos demais setores sociais

com a eficiência necessária? Será que está se posicionando estrategicamente bem

ao não assumir a vanguarda da coerção aos eventuais erros e exageros na cobertura

(ainda mais em momentos tão tumultuados e sacudidos por escândalos em todos os

setores)? O modo como a mídia se comporta nos bastidores dos escândalos precisa

ser pensado e aperfeiçoado (...)364

.

Pode-se dizer que a liberdade de imprensa é um ‗bem inegociável‘. Ela deve existir

para beneficiar a sociedade democrática em sua dimensão pública. Ela não deve ser utilizada

para fins comerciais, como negócio, por parte das grandes empresas do ramo.

Eugenio Bucci também resume a importância da liberdade de imprensa para a

sociedade, por vezes defendendo também a responsabilidade sobre aquilo o que é publicado

na mídia:

Não faria sentido – nem técnico, nem lógico, nem ético – que os jornalistas se

mobilizassem contra a liberdade de imprensa. Seriam suicidas. A liberdade de

imprensa, a propósito, é um princípio assegurado não por eles, jornalistas, mas pela

363

ROSA, 2007, p. 455. 364

Ibid., p. 456.

Page 172: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

172

sociedade, que deles precisa para mediar a comunicação pública. Do mesmo modo,

está no fundamento da ética jornalística, qualquer que seja a sua acepção, a defesa

da liberdade, da verdade, da justiça, da pluralidade de opiniões e de pontos de vista

(...)365

.

Ele cita também um dilema jornalístico em que envolve razões de Estado em relação a

essa liberdade de imprensa. Como foi visto no estudo desse trabalho, os órgãos de imprensa

deveriam ―se ver‖ entre optar pelo respeito à privacidade, de Ibsen e Alceni, por exemplo, que

foi tema das reportagens, e o direito do cidadão de ser ‗bem informado‘. Fica a pergunta: é

justo investigar a intimidade de alguém?

Mas, e um agente público que esteja exercendo uma função pública e guarda em sua

intimidade práticas suspeitas que envolvam o Estado? O dilema ético tem sido desse tipo.

Claro que seria justo investigar esse agente, mas com responsabilidade, sem

sensacionalismos, paixões ou direcionamento de enfoques jornalísticos para prejudicar essa

ou aquela pessoa.

O problema é que ‗os desvios‘ éticos, conforme afirma Eugênio Bucci, não se

resumem apenas às falhas dos jornalistas, que, evidentemente, devem ser analisadas em

público, para o bem da melhoria, da qualidade da informação.

(...) eles se estendem às empresas e à sociedade. O problema ético é um problema

estrutural e sistêmico. A desinformação não se deve apenas aos maus profissionais,

mas também a atitudes empresariais que revelam falta de compromisso com o

direito à informação, que se articulam para excluir o cidadão das decisões que em

seu nome são tomadas. O único interessado na discussão ética é o cidadão – não os

proprietários dos órgãos de imprensa, não os jornalistas, não os governantes (que

também são cidadãos mas se encontram investidos de condições que os diferenciam

dos demais); o único interessado é o cidadão como outro qualquer, aquela pessoa

comum que consome as notícias e que, no fim, é o beneficiário final do jornalismo

de qualidade – ou a vítima do jornalismo vil. É por isso que essa discussão vale a

pena, faz sentido e, mais que isso, é urgente366

.

O perigo de tudo isso é que, muitas vezes, a grande imprensa se julga acima do bem e

do mal. Não quer discutir ética ou meios de responsabilização sobre o que é publicado, uma

espécie do que já foi descrito como ‗accountability‘.

E ao julgar-se mais, ou imaginar-se acima, ao pensar que não precisa prestar contas

de seus métodos e de seus valores a mais ninguém, estará corroendo a função social

que um dia fundou sua profissão. Sua auto-suficiência no fundo é uma ilusão, mas é

exatamente assim, como ilusão, que ela é nefasta. Mata a qualidade de informação.

365

BUCCI, 2000. p. 18. 366

Ibid., p. 36.

Page 173: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

173

Aí, o jornalismo, em lugar de um método ético para buscar a verdade dos fatos,

sempre frágil torna-se fonte da verdade. Torna-se impostura. 367

4.4. A imprensa de „rabo preso‟ com quem?

Ser o representante da sociedade e defendê-la são duas ideias vendidas pela grande

imprensa para o público. Segundo Fonseca, a grande imprensa, concebida como ator político-

ideológico, deve ser compreendida ―fundamentalmente como instrumento de manipulação de

interesses e de intervenção na vida social‖368

.

Ela influência. Até muda os rumos da história ao tomar determinadas posições sobre

fatos políticos, como ocorreu como Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro. ―Além do mais, a

imprensa representa uma instituição em que ―se mesclam o público e o privado [em que] os

direitos dos cidadãos se confundem com os do dono do jornal. Os limites, entre uns e outros,

são muito tênues‖ 369

.

Um dos slogans mais marcantes da grande imprensa e que prova que os meios de

comunicação buscam ser representantes da sociedade mostrando o caráter da preocupação,

que a imprensa se diz com o público, foi o do Jornal Folha de S. Paulo. O jornal paulista

cunhou a expressão ―de rabo preso com o leitor‖. O slogan ―rabo preso‖ mostra o

compromisso, a busca da verdade pelo interesse público. Mas, apesar de a campanha

publicitária ter sido um sucesso até hoje a pergunta que fica: até que ponto a Folha, citando só

como exemplo, teria mesmo rabo preso com o leitor? E, como ficam os interesses

particulares?

A verdade é que o ―rabo preso‖ é com o leitor e também com seus anunciantes, grupos

empresariais pelo qual a Folha pertence. Porque, na verdade, existe um conflito de interesses

econômicos. A Folha é uma empresa privada, precisa lucrar, vender seus produtos.

4.5. A imprensa alternativa

Pela análise que foi feita nesse trabalho a respeito dos padrões de manipulação da

grande imprensa, a impressão que fica é que não existe mais caminho para o jornalismo

brasileiro. A despeito dos grandes meios de comunicação, existe aquela imprensa chamada de

367

BUCCI, 2000, p. 54-55. 368

FONSECA, 2005, p. 30. 369

FONSECA, loc. cit.

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174

contra-hegemônica, ou mais precisamente alternativa, ou até mesmo conhecida ou apelidada

de ‗nanica‘ e popular. Essa imprensa tenta contrapor o que existe nos meios de comunicação,

como alternativa ao meio mercantilista como são os grandes meios de comunicação do País.

Nesse sentido, publicações como a Revista Caros Amigos, de ViaPolítica, revista virtual que

não esconde seus laços com versus, Retratos do Brasil, revista com a marca de Raimundo

Pereira, Revista do Brasil e Brasileiros são opções no meio da grande imprensa. Há também a

Revista Carta Capital, o Centro de Mídia Independente, entre outras publicações importantes.

Para Gustavo Falcón, a imprensa alternativa era uma forma de produção jornalística de

contestação ao sistema, de contracultura370

.

Segundo ele, com o fim da ditadura, ―o garrote de censura e da ameaça de prisão foi

substituído pelo garrote do envolvimento com negócios, principalmente imobiliários, da

indústria da construção‖371

.

Ainda conforme Falcón, algo que lembra a imprensa alternativa do período ditatorial

são publicações como Caros Amigos, ―mais à esquerda‖, e Piauí, no que tange a pauta, texto e

imagem.

Para o ex-editor da Revista Caros Amigos, Myltainho Severiano, ser alternativo era

uma expressão da época dos anos 70 e 80.

Hoje a gente prefere não chamar uma revista como Caros Amigos de alternativa. É

uma revista independente. Não deixa de ser alternativa, assim como, no mesmo

sentido, a Carta Capital é uma alternativa às outras semanais, que são tudo farinha

do mesmo saco. Da mesma forma, temos Piauí, Bravo e assemelhadas, um

jornalismo que eu chamo de fofo 372

.

Falcón no livro ―Os baianos que rugem. A imprensa alternativa na Bahia‖373

, diz que a

opção da esquerda pela luta armada foi o pretexto para um controle mais rígido dos meios de

comunicação, para impedir a divulgação das torturas e assassinatos políticos pela aparelho

repressivo.

O endurecimento chega ao paroxismo no assassínio, sob tortura, do jornalista

Vlamidir Herzog, em outubro de 1975, no DOI-Codi paulista. O mesmo garrote que

cerceia as atividades artísticas, impede a tentativa de aberturas de espaços para o

exercício do jornalismo na imprensa convencional e leva jornalistas, intelectuais e

artistas a somar esforços para romper o cerco. 374

370

UNIDADE, Jornal dos Jornalistas, publicação mensal do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de

São Paulo, número 314, p. 6. 371

UNIDADE, loc. cit. 372

UNIDADE, loc. cit. 373

FALCÓN, Gustavo. Os baianos que rugem. A imprensa alternativa na Bahia. Bahia: Edufba, 1996. 374

UNIDADE, p. 5.

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175

Segundo reportagem publicada no Jornal Unidade do Sindicato dos Jornalistas de São

Paulo, ―produzir novos jornais diários é difícil, até porque exige grandes investimentos. A

alternativa é um modelo de imprensa capaz de enfrentar a camisa de força da censura e ser um

veículo adequado à circulação das novas ideias‖.

Ainda segundo o jornal, ―para superar a precariedade de recursos, ampliam e

diversificam a rede de colaboradores, as formas de captação de recursos para infraestrutura e

lançam mão da enorme criatividade do brasileiro na execução do projeto e na hora de dar

nome às publicações‖.

Geralmente, a imprensa alternativa surge pelo descontentamento com a grande

imprensa: sua abordagem viciada e, como já foi visto, tendenciosa, e manipuladora. Fernando

Gasparian, por exemplo, empresário do setor têxtil encabeçou uma frente democrática ao

publicar o semanário Opinião, em 1972, que recebeu vários tipos de pressões econômicas na

época: corte de anúncios, apreensão de edições já liberadas e até atentados a bancas que

vendiam o jornal.

A ―imprensa alternativa‖ surge também quando jornalistas insatisfeitos com a falta de

espaço na imprensa convencional se organizam em cooperativas. Um exemplo de publicação

desse tipo ocorreu em Porto Alegre, de 1974 a 1983. Na Capital do Rio Grande do Sul

circulou a Coojornal, formada por profissionais que saíram da Folha da Manhã, em 1975,

entre os quais José Antônio Vieira da Cunha, Osmar Trindade, Rosvita Saueressig, Euclides

Torres, entre outros.

Na história do jornalismo, a própria imprensa brasileira começou com um alternativo.

O Correio Braziliense, fundado por Hipólito José da Costa, em 1808, em Londres, entre

outras coisas para lutar pela independência do País, aspecto destacado no capítulo ―Os

primeiros passos da palavra imprensa‖.

Durante o Império houve vários alternativos. O mais significativo deles foi o Jornal

dos Tipógrafos, fundado em 1858 pela categoria depois da primeira greve no Brasil, também

mencionado no capítulo ―Imprensa em tempos de Império‖.

O alternativo de maior sucesso de público na história brasileira foi Última Hora,

criado por Samuel Wainer no segundo governo de Vargas, com apoio deste, para se

contrapor ao coro unânime da imprensa conservadora e golpista que queria a

deposição do presidente (ver capítulo ―Batalhas em letra de forma: Chato, Wainer e

Lacerda‖). Apresentar Última Hora como um ―alternativo‖ pode ser perecer

paradoxal ou até mesmo irônico, uma vez que ele foi criado com apoio do governo.

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176

E seguiu padrões de produção característicos do que se chamou de ―grande

imprensa‖: tiragens enormes, apelo e sucesso populares, além de ter sucedâneos

homônimos em algumas capitais brasileiras. Entretanto, nessa época – meados do

século XX – estava em formação o cartel hegemônico da própria ―grande

imprensa‖, com características muito próprias: em geral, grandes empresas

familiares – os Mesquita, os Marinho, os Frias, por exemplo – que reuniam uma

ideologia capitalista com um espírito oligárquico, fraco-apoiadores dos Estados

Unidos na Guerra Fria e que se dedicaram a combater o que viam como

―esquerdismo‖ no País 375

.

Três outros jornais fizeram história dentro do jornalismo alternativo: Opinião,

Movimento e Em Tempo.

(...) eram muito diferentes entre si. À primeira vista, nem pareceriam aparentados,

ainda que a uma visão mais acurada, e distanciada, como a de hoje, post-factum,

possam revelar cromossomos comuns quando às qualidades e defeitos. Para

percebermos essas diferenças, basta irmos a uma biblioteca especializada, como a

da Escola de Comunicação e Artes da USP, onde está o Departamento de

Jornalismo, e folhearmos os exemplares 376

.

Bernardo Kucinski, o único jornalista a ter participado organicamente da formulação

do projeto dos três jornais e de sua execução, afirma em seu livro ―Jornalistas e

revolucionários‖ que os periódicos foram marcados por estéticas gráficas, o que incluía a

apresentação textual, muito diferentes entre si. Havia entre os jornalistas tendências

ideológicas diferenciadas.

(...) a vida da redação cristalizou-se em torno da disputa interna entre distintas

facções: notadamente os grupos de origem trotskista ou próxima, que acabariam

formando o grupo Democracia Socialista, que se integrou o Partido dos

Trabalhadores, e os remanescentes do Movimento de Emancipação do Proletariado

(MEP), com forte presença a partir de Curitiba e na redação em São Paulo,

sobretudo na editoria de Cultura. O confronto desaguou numa luta de vida e morte,

em que o pessoa do MEP acabou afastando da Cultura e do jornal 377

.

Com a redemocratização no País, em 1988, e início do século XXI, surgiu uma nova

imprensa alternativa, um pouco diferente, ou mais ampliada do que a anterior ao atual

período. Pode-se dizer que está muito mais variada, nascida dos desenvolvimentos da internet

(blogs e sites). Há também os jornais de movimentos e organizações específicas, como o MST

e os sindicatos, das rádios comunitárias, e até mesmo de espaços na televisão.

As condições culturais dessa nova imprensa alternativa são muito diferentes

daquela do século XX. Hoje sem horizonte resguarda os fóruns sociais mundiais e

375

MARTINS; LUCA, 2008, p. 235. 376

Ibid., p. 239. 377

Ibid., p. 245.

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177

seu alcance, graças à internet, é muito maior e imediato, além de que os novos

espaços comunicativos relativizam muito o poder da ―grande imprensa‖ 378

.

De certo é que aquela imprensa alternativa dos anos 1960/1970 deixou um importante

legado dos erros e acertos, das polêmicas e concordâncias, da época.

A imprensa aguerrida que, a despeito da feroz repressão dos anos 1960/1970 se fez

ouvir, deu recados e provocou mudanças, figura não só como marco da busca do

estado de direito do País, mas como uma das expressões de contestação mais

veementes da história do jornalismo impresso brasileiro. Nas décadas subsequentes,

a mídia conheceria transformação revolucionária, que por meio dos recursos on-

line, ampliaria sua comunicação e poder, abrindo novo capítulo da história da

imprensa – aquele jornalismo eletrônico . (...) As propostas podem até ter sido

esquecidas, ou devidamente remodeladas para atender aos reclamos de novos

tempos, que exigem propostas de um novo socialismo, mais democrático do que o

das anteriores, ou outras propostas dentro do âmbito de uma sociedade capitalista

mais permeada pelas preocupações sociais. Mas o etos da dedicação a uma causa

que envolva solidariedade com uma visão inseparável da luta por liberdade e justiça

social, inalienáveis uma da outra, permanece imorredouro, num tempo em que por

vezes a canalhice adesiva é chamada de virtude e a traição seguida a ideais e

princípios virou moeda corrente, mesmo entre quem diz rejeitar a inevitável

corrupção capitalista 379

.

4.6. A necessidade de democratização da mídia

Duas principais interrogações são as causas de controvérsias entre os grandes meios

de comunicação e aqueles que buscam a democratização da informação: a mídia tem dono?

Mais: Ela deveria ter dono?

A mídia tem dono e não só isso. Entre outras coisas, tem interesses a defender. Ela

pertence a grupos políticos, empresariais e, por tabela, mantêm interesses particulares. Se diz

defensora da sociedade, guardiã dos oprimidos – basta olhar para o antigo slogan de uma

rádio da Capital paulista que é ―A rádio que briga por você!‖ – só para citar como exemplo.

E, se a mídia tem uma posição definida – que é o de reproduzir, muitas vezes, o

discurso de certos grupos sociais -, grande parcela da população desconhece a posição desses

órgãos de imprensa.

Laurindo Lalo Leal Filho, afirma, categoricamente, que a necessidade da regulação

do rádio e da TV em sociedades nas quais o acesso a diferentes fontes de informação é

importante para o equilíbrio do jogo democrático380

.

378

MARTINS; LUCA, 2008, p. 246. 379

Ibid. p. 246-247. 380

Revista Propuc, nº 25/2006.

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178

O próprio Leal Filho traz um dado importante: a televisão está presente em 95% dos

domicílios do País, enquanto menos de 10% da população lê jornais (circulam, diariamente,

cerca de seis milhões de exemplares) ou tem TV por assinatura (cerca de 3,6 milhões de

assinantes), para não mencionar as reduzidas possibilidades de acesso às revistas, aos livros,

ao cinema ou ao teatro.

Nesse quadro, o poder da televisão torna- se brutal e a regulação se impõe. Não

para censurar, mas para equilibrar, ampliando a oferta de informações, num sistema

capaz de oferecer ao cidadão um leque de alternativas suficientemente amplo para

quebrar o monopólio do pensamento único381

.

Ou seja, o receptor da notícia ―pode estar refém de uma abordagem única‖ com o

agravante de que as televisões comerciais pautam suas notícias e programações levando em

conta os interesses dos seus grandes anunciantes. Pierre Bordieu em ―Sobre a Televisão‖,

identificou essa tendência. ―O grau de autonomia de um órgão de difusão se mede sem dúvida

pela parcela de suas receitas que provém da publicidade e da ajuda do Estado (sob forma de

publicidade ou de subvenção) e também pelo grau de concentração dos anunciantes382

‖.

E mais:

(...) assim como o campo político e econômico, e muito mais que o campo

científico, artístico ou literário ou mesmo jurídico, o campo jornalístico está

permanentemente sujeito à prova dos vereditos do mercado, através da sanção,

direta, da clientela ou, indireta ao índice de audiência (ainda que a ajuda do Estado

possa assegurar certa independência com relação às pressões imediatas do

mercado)383

.

A população não decide e, não tem opção, daquilo que quer ou pode assistir. E

quando se diz que a mídia tem dono é importante dizer quem são eles. Um trabalho muito

importante do jornalista Daniel Herz, um dos fundadores do Fórum Nacional Para

Democratização da Informação (FNDI), produziu – por meio do Instituto de Estudos e

Pesquisas em Comunicação (Epcom) uma ferramenta importante para a sociedade. O projeto

―Os donos da mídia‖ está disponível no site www.donosdamídia.com.br.

Trata-se de um rico banco de dados sobre os grupos de mídia do País. Donos da

Mídia é também um estudo inédito que permite avaliar as relações políticas, sociais e

econômicas decorrentes da concentração da mídia nacional.

381

Ibid. 382

BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997, p. 102. 383

Ibid., p. 106.

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179

A pesquisa lista 7,2 mil veículos de comunicação: rádios comerciais e comunitárias,

televisão aberta e por assinatura, revistas e jornais. Também traz uma lista das afiliadas das

televisões.

Diante de uma ferramenta tão rica, é possível identificar que as cinco maiores

emissoras de televisão, como Globo, Bandeirantes, Record, SBT e Rede TV! formam 33

redes de TV em que estão ligados 1.415 veículos de comunicação, os chamados de afiliados.

As redes de emissoras de rádio FM e AM somam 21. Donos da Mídia também traz o número

de veículos em cada município ligados a políticos. Foram identificados 20 senadores, 48

deputados federais, 55 deputados estaduais e 147 prefeitos como sócios ou diretores de

empresas de radiodifusão. Detalhe: o Artigo 54 da Constituição Federal proíbe que políticos

tenham empresas de comunicação.

Nem Folha, nem Estadão, Rede Globo, ou outros emissoras divulgaram a pesquisa.

Apenas a Revista Carta Capital trouxe em sua edição do dia 6 de março de 2002, sob o título

―Quem são os donos da mídia‖, reportagem mostrando os veículos de comunicação dos

principais ―coronéis eletrônicos‖ – políticos que têm certa influência sobre uma determinada

região do País.

A reportagem de Carta Capital mostrou também, por meio do estudo do Instituto de

Estudos e Pesquisas em Comunicação, que as seis principais redes privadas nacionais hoje

abrangem um total de 667 veículos, entre emissoras de tevê, rádios e jornais por meio de

afiliadas. O resultado de tudo isso é a criação de um Brasil refém de grandes empresas de

mídia, imunes a qualquer forma de controle público, comandadas de forma vertical e

sustentadas em alianças regionais que reproduzem e amplificam ideias, concepções e valores

para 190 milhões de habitantes.

Ainda de acordo com reportagem de Carta Capital, os grupos cabeças-de-rede, como a

Rede Globo, que geram a programação de televisão, buscam nos afiliados sustentação nas

regiões e amplitude de presença no mercado.

Em troca, dão fôlego econômico e uma face institucional a projetos empresariais e

políticos regionais. Por meio dos grupos afiliados, as redes geram um vasto campo de

influência, em escola de massas, que se capitaliza por 294 emissoras de tevê em VHF (90%

do total de emissoras do País), 15 em UHF, 122 emissoras de rádio AM, 184 de FM e 2 de

rádio em onda tropical (OT), além de 50 jornais384

.

384

Carta Capital, 6 de março de 2002.

Page 180: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

180

O estudo revela na edição de Carta Capital que os veículos ligados a seis redes

privadas nacionais são a base de um sistema de poder econômico e político que se ramifica

por todo o Brasil e se enraíza fortemente nas regiões.

A reportagem chama atenção para os dados do Maranhão, do Amapá e do Mato

Grosso. No Estado da governadora Roseana Sarney (DEM), concentram-se 54 veículos (8,1%

do total e quase a mesma quantidade de veículos ligados às redes existentes em São Paulo,

atuando em um mercado que corresponde a apenas 3,3% da população, 1% do PIB).

Outra constatação importante, segundo a pesquisa, é que no Amapá por onde se elegeu

o atual senador e ex-presidente da República, José Sarney (PMDB), são 44 os veículos

ligados as 6 principais redes (6,6% do total), operando em um mercado que possui 3,7% da

população e 2,1% do PIB. Já no Mato Grosso, em um mercado que envolve 1,5% da

população, 1,1% aparecem 36 veículos ligados às redes (5,4% do total).

Em números absolutos, individualizando cada ―coronel eletrônico‖ – ou seja os

políticos detentores de emissoras de televisão -, a pesquisa traz os seguintes dados: a família

Sarney tem dez veículos, assim como a família de Antônio Carlos Magalhães. Jader Barbalho

tem seis, assim como Albano Franco e a família Collor, do ex-presidente Fernando Collor de

Mello.

De acordo com o site Observatório do Direito à Comunicação, no Brasil, 271 políticos

são sócios ou diretores de emissoras de televisão e rádio – os meios com maior abrangência

entre a população385

.

Especialmente em ano de eleições, interesses políticos e econômicos dos proprietários

de veículos de comunicação podem afetar diretamente a programação e mesmo a cobertura

jornalística dessas empresas, chegando a influenciar no processo eleitoral.

Apesar de estar em desacordo com a Constituição Federal, o número de políticos

empresários da mídia só vem crescendo. São (ou foram) candidatos privilegiados, porque

podem tirar vantagem dessa condição em campanha.

Os donos da mídia criaram um vicioso sistema de comunicação que privilegia poucos

e deixa de fora a maior parte da sociedade.

A realidade é essa: o que predomina é a clara política-ideológica do meio de

comunicação pelo qual o jornalista trabalha. Afinal jornal é uma empresa capitalista que visa

lucro. Então a liberdade do jornalista para, ou é podada, na ideologia da empresa para a qual

385

http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&task=view&id=2925.

Page 181: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

181

trabalha. ―(...) a liberdade do jornalista, enquanto indivíduo, de expressar suas próprias ideias

ou relatar o fato objetivo como tal ele presenciou encontra obstáculos nas individualidades

situadas hierarquicamente acima dele na empresa jornalística‖386

.

De acordo com Luiz Martins da Silva, são poucas as empresas com instâncias

formais e sistemáticas de controle do rigor na apuração, codificação e editoração da notícia.

Ele diz que pouquíssimos jornais brasileiros adotam a instituição do ombudsman ou de

outros mecanismos de atendimento do leitor e de intermediação de queixas e sugestões. Para

Francisco Fonseca, é paradoxal observar que justamente as empresas de comunicação sejam

as menos controladas (em termos democráticos), em relação aos outros tipos de capital.

Então, portanto, os ―donos da mídia‖ – com base em seus interesses de classe social e

econômico - passam para o público uma verdade subjetiva do que é a realidade.

4.7. A necessidade de mudar todo o sistema

Talvez a mudança de todo o sistema de comunicação seria o início de um

aprimoramento para maior transparência da mídia. Poderiam surgir novas mídias voltadas ao

interesse público, de fato. A história da imprensa mostra que, desde 1808, a maioria dos

meios de comunicação passou a ser privada buscando fins lucrativos. A minoria pertence ao

outro grupo, como jornal de sindicatos, revistas independentes, etc. A esmagadora maioria

dos grandes meios de comunicação, como Folha, Estadão, entre outros, é imprensa comercial.

Essa situação viciosa não é restrita apenas aos grandes jornais impressos. No Brasil, as

concessões públicas de rádio, por exemplo, até já viraram moeda de troca entre os políticos.

Uma rádio funciona como atividade comercial de fins lucrativos, contrariando a Constituição

Federal, em seu Artigo 224, onde encontramos a informação de que o sistema é público.

A televisão segue a mesma rota. É empresa privada de fins lucrativos. O mais grave é

descobrir que não existe qualquer tipo de controle eficaz sobre a distribuição de canais, ou

participação popular nesses meios.

Um grave problema à sociedade sobre a falta de democratização da mídia é a forma

como ela recebe certas notícias sobre determinados fatos, sejam eles políticos, do cotidiano e

que envolvem assuntos cruciais da sociedade brasileira.

386

FILHO, 1987, p. 8.

Page 182: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

182

4.8. Sugestões de democratização da mídia

Se a grande mídia está umbilicalmente ligada à grupos políticos e de classe sociais e

tudo que é publicado pela mídia tem uma subjetividade, um viés, que beneficia apenas um

lado deixando vozes dissonantes ―caladas‖ diante de assuntos relevantes do País, acredita-se

que é preciso democratizar todo o sistema de comunicação. Criar um único modelo de mídia

democrática seria inconsistente.

E o que seria democratizar a mídia? Tentar oferecer voz aos grupos dissonantes, ouvir

todos os lados e, principalmente, deixar que o cidadão seja o protagonista na comunicação.

Em primeiro lugar, ao tentar buscar soluções para democratizar a mídia, é preciso

pensar em um sistema em que todos falam e todos ouvem.

Sugestões:

1 – Incentivo e autorização de funcionamento às rádios comunitárias:

O que é visto atualmente no Brasil, como bem já foi relatado no início deste trabalho,

é que os donos da mídia – de iniciativa privada – conseguem manter um discurso na tentativa

de unificar as opiniões. Em 2005, o governo da Venezuela tentou fortalecer a mídia

independente. Autorizou centenas de rádios comunitárias a funcionar. O mesmo valeu para as

TVs comunitárias. Desta forma, garantiu-se a disputa contra-hegemônica – aquele tipo de

mídia livre do controle de grandes grupos de comunicação. A vantagem é que essa alternativa

de mídia independente é que ela não está ligada a compromissos com anunciantes, grupos

políticos e de classes. Muito pelo contrário. Busca a opiniões plurais e informações

heterogêneas.

No Brasil, no entanto, para que essa medida seja concretizada tornam-se mudanças na

legislação por meio do Congresso Nacional.

2 – Restrições ao “coronelismo eletrônico”:

Existe hoje no Brasil famílias de políticos donos de redes de televisão em várias

regionais. A restrição/proibição aos políticos como ―donos‖ de imensas redes de comunicação

seria um importante passo. De fato, as concessões públicas de rádio e televisão poderiam,

como o nome já diz, ser públicas.

3 – Participação da sociedade nas decisões sobre as concessões públicas:

Page 183: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

183

Fortalecimento do Conselho de Comunicação Social para que a sociedade seja

representada e possa decidir como se dará as concessões públicas de rádio e televisão. Hoje, o

que se vê, são os políticos conseguindo facilmente uma emissora de rádio e tevê.

Laurindo Lalo Leal Filho diz que a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e

Televisão (Abert) possui um código de auto-regulamentação de bom nível, só que suas

associadas nunca o praticaram. Governos, em diferentes oportunidades, tentaram extrair das

empresas novos princípios auto-regulatórios, sempre sem êxito.

O controle externo, para ser ao mesmo tempo democrático e eficiente, deve ter forte

participação social e acompanhar todo o processo de concessão de canais. Cabe à

sociedade e ao Estado constituir órgãos reguladores representativos dos

pensamentos plurais existentes num determinado momento histórico. A constituição

desses conselhos não precisa e nem deve ser feita a partir de representações

corporativas, mas por cidadãos reconhecidamente comprometidos com o bem

público, sem qualquer tipo de interesse político e econômico em relação à televisão.

Instâncias plurais, como os parlamentos, seriam os melhores locais para o debate e a

oficialização de nomes, cuja indicação poderia vir de diferentes setores sociais.

Cabe à sociedade e ao Estado constituir órgãos reguladores representativos dos

pensamentos plurais existentes num determinado momento histórico387

.

4 – Enquanto não se consegue democratizar, meios de comunicação independentes

devem ser pesquisados:

Há uma grande quantidade de jornais de sindicatos, ONGs, entidades e a mídia

alternativa que vem assumindo o papel – ―como formiguinha, é verdade‖ – de informar em

‗contraposição‘. E aqui vale pesquisar, sobretudo, a mídia independente no Brasil, ou a mídia

alternativa como também é conhecida.

Quando se faz uma análise à respeito dos padrões de manipulação da grande imprensa,

a impressão que fica é que não existe mais caminho para o jornalismo brasileiro, sobretudo

pela falta de democratização da mídia.

À despeito dos grandes meios de comunicação, existe aquela imprensa chamada de

contra-hegemônica, ou mais precisamente alternativa, ou até mesmo conhecida ou apelidada

de ‗nanica‘ e popular. Essa imprensa tenta ser um pouco mais independente, como alternativa

ao modelo mercantilista como são os grandes meios de comunicação do País.

5 – Obrigação a os meios de comunicação, sobretudo, a tevê de destinar um

percentual de sua programação para a educação e cultura.

6 - Implementação dos Conselhos de Ética e 0800 para a mídia:

387

FILHO, Leandro Leal. A necessidade do controle público da televisão. Boletim da Associacion

Latinoamericana de Investigadores de la Comunicacion, São Paulo, vol. V, nº. 21, 2005.

Page 184: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

184

A tentativa de fortalecimento de uma mídia independente, não é um dos únicos pontos

importantes na tentativa de democratizar a mídia. Se a grande imprensa quer fiscalizar o poder

público e se julga defensora ou guardiã da sociedade tratando diretamente com informações

públicas, apesar de ser empresa privada e defender interesses muitas vezes escusos, não seria

pertinente, nesse sentido, avaliar a mídia com controle democrático?

Há alternativas já existentes no Brasil, como o Observatório da Imprensa e o

Ombudsman – no caso da Folha de S. Paulo – mas que pouco pode se aprofundar no sentido

de avaliação.

4.9. Diploma e Lei de Imprensa

Por tudo o que se discutiu nesse trabalho há uma aproximação da conclusão de que

jornalista gosta de ―liberdade, mas não de responsabilidade‖ (claro que aqui não podemos

generalizar, há exceções).

Em 2009, duas mudanças significativas alteram um pouco o panorama. O primeiro é a

queda da Lei de Imprensa: no meio daquele ano, por sete votos a quatro, o plenário do

Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a Lei nº 5.250/67 considerando-a inconstitucional.

Não há dúvida que a lei era arcaica, da época da ditadura, mas o grande problema é

que nada foi colocado no lugar. A lei deixou de existir e, com isso, passa a existir também

uma grande lacuna e a pergunta: o que colocar no lugar da lei de imprensa?

Outra mudança é a dispensa do diploma para exercer a profissão de jornalista. Pelas

manifestações do Supremo Tribunal Federal– principalmente na pessoa do ministro Gilmar

Mendes – jornalismo não é profissão. Mas, ao contrário do que pensa o STF, o bom jornalista

diplomado também não restringe a liberdade de expressão.

A missão do profissional é informar. A matéria-prima nesse caso é a notícia e não a

opinião. E mesmo assim, as pessoas vão encontrar liberdade de expressão nas páginas de

opinião dos jornais. Desta forma, a falta de diploma vai prejudicar, por outro lado, a reserva

de mercado e desregulamentar a profissão.

4.10. Por que regulamentar a mídia? Fatos políticos que envolvem a imprensa

transformando-a em escândalo político

Page 185: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

185

Quando se „entrega a alma‟ para obter informações

Atualmente no Brasil, entidades que reúnem as grandes empresas de comunicação no

Brasil classificam de "censura" qualquer tentativa de discussão sobre democratização da

mídia.

O debate sobre regulação do setor de comunicação social no Brasil, ou regulação da

mídia, como preferem alguns, está povoado por fantasmas, gosta de dizer o ex-

ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Franklin

Martins. O fantasma da censura é o frequentador mais habitual, assombrando os

setores da sociedade que defendem a regulamentação do setor, conforme foi

estabelecido pela Constituição de 1988. Regulamentar para quê? – indagam os que

enxergam na proposta uma tentativa disfarçada de censura. A mera pergunta já é

reveladora da natureza do problema. Como assim, para quê? Por que a

comunicação deveria ser um território livre de regras e normas, como acontece com

as demais atividades humanas? Por que a palavra ―regulação‖ causa tanta reação

entre os empresários brasileiros do setor? 388

.

Segundo Marco Aurélio Weissheimer, em artigo na Carta Maior, em boa parte da

reação contra a ―regulação‖ é de responsabilidade dos próprios meios de comunicação que

não costumam divulgar esse tema.

O seminário internacional Comunicações Eletrônicas e Convergências de Mídias,

realizado em Brasília, em novembro de 2010, reuniu representantes das agências reguladoras

desses países que relataram diversos casos que, no Brasil, seriam certamente objeto de uma

veemente nota da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e da Associação Brasileira de

Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) denunciando a tentativa de implantar a censura e o

totalitarismo no Brasil.

Ao esconder as existências dessas regras e o modo funcionamento da mídia em outros

países, essas entidades empresariais é que estão praticando censura e manifestando a visão

autoritária que tem sobre o tema. O acesso à informação de qualidade é um direito.

Em artigo no Jornal O Estado de S. Paulo, Carlos Alberto Di Franco, defendeu a

plenitude da liberdade de imprensa, mas afirmou a necessidade de regulamentação e dos

meios de comunicação serem responsabilizados ou controlados para que se contenham os

excessos. Na verdade, Di Franco se referia, em seu artigo, às palavras do ministro do

Supremo Tribunal Federal (STF), Ayres Britto, durante palestra de encerramento do

Seminário Internacional de Liberdade de Expressão, dia 4 de maio de 2012, em São Paulo.

388

Marco Aurélio Weissheimer. Dez fatos que a "grande" imprensa esconde da sociedade. Carta Maior

(www.cartamaior.com.br).

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186

É claro que a liberdade de imprensa reclama responsabilidade ética. ―O poder social

da imprensa também deve ser controlado, mas não pelo Estado‖, sublinhou o

ministro. Não defendo, por óbvio, uma imprensa irresponsável. Afinal, tenho

martelado, teimosa e reiteradamente, que a responsabilidade é a outra face da

liberdade. Não sou contra os legítimos instrumentos que coíbam os abusos da

mídia. Mas, eles já existem e estão previstos na Constituição e na legislação

vigente, sem necessidade novas intervenções do Estado 389

.

Em maio de 2012, a falta de transparência dos meios de comunicação abriu-se uma

importante discussão sobre a necessidade de regulamentação dos meios de comunicação e

como ele deve responsabilizado e até mesmo controlado democraticamente. A Revista Carta

Capital em sua edição nº 696, do dia 4 de maio de 2012, acusou a Revista Veja de falta de

transparência ao esconder do leitor da revista ligações ‗escusas‘ com o bicheiro Carlinhos

Cachoeira390

.

389

DI FRANCO, Carlos Alberto. ―Plenitude de Liberdade de imprensa‖. Jornal O Estado de S. Paulo, edição de

segunda-feira, dia 14 de maio de 2012, Ano 133, nº 43.308, Página A2, Espaço Aberto. 390

Aqui não nos cabe, pelo menos nesse trabalho, tratar de mais um escândalo em si. Fugirá do objetivo de

estudo que é tratar dos casos de Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro. No entanto, por ser um assunto relevante, é

possível mostrar, mais uma vez, o comportamento da mídia, no caso a Revista Veja, no tema transparência – que

também é objeto de estudo da mídia.

Page 187: EDGAR EDNADYGARRA LEITE ELEGÂNCIA - PUC-SP

187

Fig. 17 / Edição 696 - 4 de maio de 2012

A Carta Capital publicou na capa ‗fictícia‘ da revista Veja (uma capa dentro da capa),

com uma foto de Roberto Civita, atual presidente da Editora Abril, e a chamada: ―O Nosso

Murdoch‖. A provocação tenta igualar Roberto Civita a Rupert Murdoch, que fechou um

jornal no Reino Unido, o News of the World, após um escândalo revelar que o tablóide fazia

escutas ilegais de políticos, celebridades e cidadãos comuns.

Ainda de acordo com a reportagem, essas gravações, divulgadas pela revista Carta

Capital, reforçariam a existência de conexões entre o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-

GO),391

a Revista Veja e o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, preso

durante a Operação Monte Carlo da Polícia Federal.

391

Nascido em Anicuns, um município no interior goiano, Demóstenes Torres formou-se em Direito pela

Pontifícia Universidade Católica de Goiás e é integrante concursado do Ministério Público de Goiás desde 1983.

Foi Procurador-Geral do órgão antes de ocupar o cargo de secretário de Segurança Pública, entre 1999 a 2002,

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188

A reportagem de Cynara Menezes mostra como a atuação de arapongas a serviço de

Cachoeira resultou em notícias divulgadas pela semanal do Grupo Abril. Chamam atenção

dois casos, que se somam à detecção de mais de duzentas chamadas telefônicas entre o diretor

da sucursal de Brasília de Veja, Policarpo Júnior, e os integrantes do grupo do contraventor.

De acordo com a matéria, no primeiro áudio, Cláudio Abreu, diretor da construtora

Delta no Centro-Oeste, comemora entrevista divulgada pela publicação defendendo que

Demóstenes deixasse o DEM rumo ao PMDB para abrir caminho a uma indicação como

ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). ―Você conseguiu?‖, pergunta Cachoeira em

uma conversa ao telefone. ―Consegui‖, responde Abreu, afirmando que a entrevista saiu na

seção Páginas Amarelas, que abre a semanal, segundo reportagem da Carta Capital.

Ainda de acordo com a revista, em outro áudio, o araponga Jairo Martins, do grupo do

contraventor, revela como conseguiu que Veja se saísse com a capa ―O poderoso chefão‖, que

aborda encontros do ex-ministro José Dirceu (PT) com políticos em um hotel de Brasília. O

caso ficou famoso depois que um repórter da revista, Gustavo Ribeiro, tentou invadir o quarto

de Dirceu. ―Se era, como argumenta Veja, um trabalho jornalístico comum, por que se valer

dos préstimos de um araponga serviçal de um contraventor?‖, indaga Carta Capital.

no governo de Marconi Perillo. Filiado ao DEM, foi eleito senador da República em 2002 com 1 239 352 votos.

Concorreu ao governo de Goiás em 2006 mas obteve apenas 3,5% dos votos, ocupando a quarta posição. Desde

fevereiro de 2009 é presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a mais importante Comissão da

Casa. Foi considerado pela Revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes do ano de 2009. Como

presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Demóstenes Torres participou do I Congresso

Mestiço Brasileiro, promovido pelo Nação Mestiça em Manaus, capital do Amazonas, em 20 de junho de 2011,

onde discutiu temas como o Estatuto da Igualdade Racial e o sistema de cotas em universidades públicas.

Assumiu em março de 2011 a liderança da bancada do Democratas no Senado, substituindo José Agripino Maia.

Em 15 de julho de 2011, Demóstenes casou-se com a advogada Flávia Coelho. Em março de 2012, conforme

apurado nas investigações da Operação Monte Carlo, a Polícia Federal revelou que Demóstenes Torres tinha

ligação com Carlinhos Cachoeira, pivô do escândalo que ficou conhecido como "máfia dos caça-níqueis" em

Goiás, em 2004. Demóstenes negou que tivesse negócios com Carlinhos, a quem chamou de "empresário", e

justificou as 298 ligações telefônicas como "uma grande amizade". A Procuradoria do Ministério Público

Federal acredita que o Senador possa ser sócio oculto da empreiteira Delta, que mantém contratos milionários

com entes públicos. Demóstenes afirmou, no entanto,que não sabia do envolvimento de Carlinhos com a máfia

dos caça-níqueis. No dia 23 de março de 2012, a imprensa noticiou que gravações da Polícia Federal revelaram

que o senador Demóstenes Torres pediu dinheiro e vazou informações de reuniões oficiais a Carlos Augusto

Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Relatório com as gravações e outros graves indícios foi enviado à Procuradoria-

Geral da República em 2009, mas o chefe da instituição, Roberto Gurgel, não tomou qualquer providência para

esclarecer o caso.

Demóstenes foi o relator na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal que resultou na

Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos condenados e daqueles que renunciam a mandatos

para não serem cassados. Por conta desta atuação, Demóstenes foi convidado para redigir o prefácio de um livro

editado pela OAB em comemoração à Lei da Ficha Limpa, em 2010. No prefácio, Demóstenes elogia a atuação

da OAB no processo de aprovação da lei e afirma que há uma quantidade de "bandidos abrigados na vida

pública". Após a divulgação dos escândalos, o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, pediu a renúncia imediata

de Demóstenes como uma "atitude moral" e manifestou constrangimento.

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189

Em texto divulgado em sua página na internet, afirma Carta Capital, o ex-ministro

defende que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) aberta no Congresso para

apurar as relações entre Cachoeira e o mundo político debruce sobre as conexões com o

mundo jornalístico. Ele lamenta o silêncio da mídia tradicional em torno do tema, à exceção

da TV Record.

Há veículos de comunicação que gostam de confundir liberdade de imprensa com

liberdade de empresa e de transformar essa mesma liberdade no direito de alguns

poucos proprietários de veículos e de seus jornalistas mais próximos de fazerem o

que bem entendem‖, diz. ―Liberdade não dá à imprensa salvo conduto para publicar

mentiras sobre quem quer que seja e muito menos para agir em conluio com o crime,

ou para praticar atividades ilegais. Numa democracia de verdade, ninguém pode

estar acima da lei. Nem mesmo a mídia, por mais poderosa que seja, por mais imune

que se imagine392

.

Para Carta Capital, Veja faz lembrar o caso do magnata da mídia Rupert Murdoch. No

ano passado, no Reino Unido, revelou-se que um de seus jornais, o News of The World,

lançava mão de escutas telefônicas ilegais e de uma relação ilegal com a polícia para

bisbilhotar a vida de personalidades e autoridades. As investigações mostraram um jogo de

chantagem entre Murdoch e os dois principais partidos britânicos. Agora, pode-se decidir que

Murdoch terá de se desfazer de todos seus veículos de comunicação na Grã-Bretanha.

Policarpo Jr., diretor da sucursal da revista Veja em Brasília, trocou 200 ligações

com Carlinhos Cachoeira. O bicheiro goiano, escreveu o correspondente de Carta

Capital em Brasília, Leandro Fortes, alega ser o pai de ―todos os furos‖ da revista. E

Cachoeira disse estar pronto a detalhar as histórias que contou para Policarpo Jr. na

CPI. O patrão da Editora Abril, Roberto Civita, 75 anos, sabia quem era a fonte de

todos aqueles ―furos‖ da semanal mais lucrativa de sua empresa? Se for convocado

para depor na CPI do Cachoeira, Civita reconhecerá que a Veja não respeitou a ética

jornalística? Usar como parceiro de reportagem um criminoso com estreitos elos (às

vezes acompanhados de subornos) com um senador, deputados, governadores e uma

empreiteira foge à regra essencial do jornalismo: a de apurar as duas ou mais versões

da mesma história. Mas o patrão da Abril provavelmente não dará o ar da graça na

CPI. Isso porque os jornalões e a tevê Globo agem em bloco para que isso não

aconteça. São dois os motivos. O bicheiro, atualmente atrás das grades, favorecia os

―furos‖ a envolver os inimigos ―esquerdistas‖ da mídia tucana, principalmente

petistas e ministros. Segundo motivo: jornalistas de outros orgãos da mídia também

obtinham seus ―furos‖ de Cachoeira.393

Em mais este episódio mostra-se a necessidade de providências a serem tomadas no

sentido de assegurar uma informação mais transparência, mais plural, sem qualquer tipo de

interesse particular. Que se preserve o interesse público. O episódio revela também que a

392

Carta Capital, edição 696, 4 de maio de 2012. 393

Ibid.

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velocidade com que a grande imprensa divulga denúncias de envolvimento de particulares

(políticos e empresários) com o bicheiro de Goiás, Carlinhos Cachoeira, não é a mesma para

noticiar diálogos de grampos telefônicos entre o bicheiro e membros da imprensa. Na edição

de domingo, dia 6 de maio de 2012, Página A8, a ombudsman da Folha de S. Paulo, Suzana

Singer afirma que ‗grampos mostram que mídia fazia parte do xadrez de Cachoeira‖. ―Que

essa parte do escândalo seja tratada sem indulgência, com a mesma dureza com que os

políticos têm sido cobrados. Permitir-se ser questionado, jogar luz sobre a delicada relação

fonte-jornalista, faz parte do jogo democrático‖ 394

.

Portanto, é possível afirmar que a instrumentalização política de determinados grupos

de comunicação já deixou de ser um fenômeno novo. Ele existe. Está presente na política.

Além de episódios como o da Revista Veja, há outros casos na América Latina.

O exemplo mais gritante na atualidade talvez seja o da Venezuela, onde uma mídia

completamente partidarizada e alinhada aos interesses empresariais dominantes

produziu o que um analista chamou de uma tentativa de ―golpe midiático-militar‖ –

na realidade, muito mais midiático do que militar – contra o presidente Hugo

Chaves, em 2002395

.

Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca, autoras do Livro ―História da Imprensa no

Brasil‖, afirmam que Cláudio Abramo, falecido em 1987, já chamava atenção para esse

fenômeno. Ele afirmava que ―o equívoco que existe entre os jornalistas é considerar que a

grande imprensa possa ir além daquilo que é o seu papel histórico‖.

A grande imprensa, como já está definida pelo nome, é ligada aos interesses daquela

classe que pode manter a grande imprensa. Na medida em que essa classe está em

contradição com a conjuntura nacional, os jornais podem exercer um papel de

esclarecimento da opinião pública. Mas é preciso não esquecer, lembra Abramo,

―que esse esclarecimento vai até o nível dos interesses da própria grande imprensa.

Ela tem interesses peculiares, pertence a pessoas cujos interesses estão ligados a um

complexo econômico, político e institucional‖ 396

.

No mesmo livro de Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca é feito um importante

resumo de episódios da cobertura da grande imprensa. Mostra a mídia sem qualquer tipo de

critério, com tendências claras deixando de lado a isenção da notícia.

As autoras contam, por exemplo, que o período ditatorial consolidou, ou melhor,

mostraram os interesses da mídia de maneira tão sólida que seus beneficiários não hesitaram

em se colocar abertamente contra a opinião pública. Um dos casos é Proconsult – a tentativa

394

SINGER, Suzana. Ombudsman da Folha de S. Paulo, edição do dia 6 de maio de 2012. A8 (Poder). 395

MARTINS; LUCA, 2008, p. 275.

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191

de fraudar a vitória do candidato Leonel Brizola ao governo do Rio de Janeiro em benefício

do governista Moreira Francisco, em 1982; a cobertura enviesada das manifestações pela

diretas em 1984 e a escandalosa edição do debate entre os candidatos Lula e Collor, em favor

do segundo, em 1989 – episódios estes protagonizados pela Rede Globo. A grande imprensa

construiu o ―caçador de marajás‖ e ajudou a eleger Collor, contudo, segundo as autoras,

provocaram o divórcio entre o criador e a criatura, levando a primeira a capitanear – antes do

Congresso e da Justiça – a campanha pelo impeachment.

Passado o trauma do afastamento de Collor e o interregno do governo Itamar Franco

– visto pela mídia apenas pelos seus aspectos folclóricos -, a maioria dos grandes

meios de comunicação engajou-se de corpo e alma no apoio à candidatura de

Fernando Henrique Cardoso, pai da estabilização econômica trazido pelo Plano Real

e candidato da aliança de centro-direita PSDB-PFL. O programa de liberalização

econômica implantado por FHC tinha como carro-chefe as grandes privatizações de

empresas públicas – na realidade, um aprofundamento da agenda colocada por

Collor – e foi entusiasticamente apoiada pelos grandes veículos de imprensa. Poucas

vozes como o articulista Jânio de Freitas, na Folha de S. Paulo, ou Aloysio Biondi,

na série O Brasil Privatizado, ousaram desafinar o coro dos contentes e denunciar a

operação de desmonte do Estado brasileiro acarretado pelo processo. Em nome da

modernidade e da eficiência econômica, as privatizações garantiram a transferência

do controle de grande parte do patrimônio público – empresas como Embratel, Vale

do Rio Doce, Embraer – para as mãos privadas. Pouco se questionou sobre o fato de

esse patrimônio público ter sido vendido com financiamento do BNDES – inclusive

para empresas estrangeiras – ou em troca de ―moedas podres‖, títulos negociados

com deságio, principalmente títulos da dívida pública não honrados no vencimento

ou no prazo longo. Também não se enfatizou a violenta elevação de algumas tarifas,

como telefonia e eletricidade, e a explosão da dívida pública, que em oito anos

saltou de R$ 134 bilhões para R$ 700 bilhões. Caudalosas reportagens foram

escritas depois, mostrando os bons resultados operacionais das empresas

privatizadas, principalmente a Vale do Rio Doce e a Embraer. Mas as graves

irregularidades verificadas no processo de privatizações tiveram pouco destaque na

mídia e foram tratadas como pequenos desvios de rota de um projeto basicamente

adequado em seus fundamentos. Em suma, FHC contou com o beneplácito da

grande imprensa. Nem mesmo as mazelas políticas de seu governo tiveram

repercussão significativa. A Folha de S. Paulo destacou-se mais uma vez ao mostrar

a que a aprovação da emenda constitucional que permitiu a reeleição do presidente

da República em 1994 – o que, na época, vestia como uma luva para o ―príncipe dos

sociólogos‖ – havia sido comprada por parte dos deputados da base governista. Mas

o cerne da questão acabou se esvaziando, porque a polêmica restringiu-se mais à

forma como as declarações dos deputados tinham sido obtidas, como constatou o

repórter Fernando Rodrigues, o autor da denúncia397

.

As duas autoras citam como exemplo também a cobertura da imprensa sobre o

governo Lula. Manteve-se relativamente objetiva, na avaliação delas, até quase o fim do

primeiro mandato do ex-metalúrgico. O divisor de águas, apontam, foi o episódio do

mensalão, desencadeado em 2005, quando o presidente do PTB, Roberto Jefferson, denunciou

396

MARTINS; LUCA, 2008, p. 275. 397

Ibid., p. 276-277.

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192

esquema montado pelo PT no Congresso que consistia em pagar deputados em troca de apoio

político.

Depois dessa entrevista, um setor dos meios de comunicação de massa ―avaliou que

havia espaço para declarar guerra político-midiática contra a gestão do presidente

Luiz Inácio Lula da Silva‖, analisa Renato Rovai, editor da revista Fórum e autor do

livro Midiático poder: o caso Venezuela e a guerrilha informativa. ―Uma parte desse

setor entendia que era possível encurtar o mandato de Lula ou no mínimo conseguir

garantiras de que o presidente não disputaria a reeleição. Isso foi verbalizado de

forma clara à revista Exame de 1º de julho de 2005 pelo ex-presidente Fernando

Henrique Cardoso: ‗Lula deveria anunciar que não é mais candidato à reeleição.

Deveria escolher projetos importantes e abrir negociação com todos‖, diz Rovai. Foi

então que a grande imprensa brasileira engajou-se numa das mais violentas cruzadas

de sua história: uma operação contra o governo Lula, cujo ápice foram as eleições de

2006, e que foi classificada pelo jornalista Luís Nassif, no livro A mídia nas eleições

de 2006, como ―suicídio editorial‖ da mídia. Para ele, a campanha contra Lula foi

conduzida ―com tal dose de agressividade, preconceito e arrogância, que a marcaria

indelevelmente dali por diante [...]. A mídia, seguramente, nunca mais será a mesma

depois dessa longa Noite de São Bartolomeu, em que todos os crimes de opinião

foram permitidos em nome do Santo Graal: a glória perdida em algum momento dos

anos 1990‖. Nesse episódio, diz Nassif, a grande impressa rompeu com uma

tradição que vinha da campanha das Diretas, de procurar atingir um público mais

amplo. No mesmo livro, o jornalista Bernardo Kucinski, então assessor especial da

Secretaria de Comunicação da Presidência da República do governo Lula, assinalava

que essa tendência nasceu com o engajamento do jornalismo brasileiro nas

denúncias de corrupção, que se iniciou no governo de Fernando Collor e ―foi

crescendo e ganhando musculatura no decorrer dos escândalos dos anões do

Orçamento, da Sudam e da Sudene, tornando-se gênero dominante no jornalismo

brasileiro nos últimos 20 anos‖. Kucinski afirma que revelações de Roberto

Jefferson revivaram as brasas adormecidas desse gênero398

.

Kucinski ressalta:

Mas, nas campanhas anteriores da mídia contra a corrupção, havia abusos do

jornalismo denuncista, mas o objetivo era elucidar as tramas. Já em 2006, o objetivo

não era elucidar. Era incriminar, mesmo que para isso fosse preciso falsear a

verdade dos fatos, suprimir informações, torcer manchetes e chamadas399

.

É nesse mesmo período em que a mídia brasileira se apega mais a reportagens de teor

sensacionalista e menos investigativas. Um dos exemplos, citados em livro da ―História da

Imprensa‖, é a reportagem da Folha de S. Paulo de 23 de agosto de 2003 intitulada: ―Inquérito

investiga se existe ligação entre o PCC e petistas‖. Segundo Ana Luiza Martins e Tania

Regina de Luca, a reportagem informava que a polícia de São Paulo abrira inquérito para

investigar se existia ligação entre a organização criminosa do Primeiro Comando da Capital e

militantes do PT.

398

MARTINS; LUCA, 2008, p. 278. 399

KUCINSKI, 1998, p. 279.

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193

A investigação teria sido motivada por um grampo telefônico, ao qual o jornal teve

acesso, feito pela polícia na noite de 12 de maio daquele ano, quando se iniciou o

primeiro ataque do PCC a postos policiais da capital. Segundo o jornal, dois presos,

supostamente líderes da organização, orientavam os ataques contra agentes da lei e

políticos, ―exceto petistas‖. Nenhum questionamento foi feito sobre a posição dos

dois bandidos na hierarquia do PCC, nem sobre o fato de nenhum político ter sido

atacado posteriormente. O próprio ombudsman da Folha, Marcelo Beraba,

questionou o fato de a Folha não informar a fonte já que, em se tratando de

inquérito, era pública. Desse modo sem apuração mais acurada, passava-se um

discurso que criminalizava o PT sem apresentar provas400

.

Emir Sader faz uma análise importante sobre os caminhos tomados pela mídia

brasileira.

(...) uma ambiguidade cruza a grande imprensa: ela desempenha uma função

pública, mas é uma empresa privada [...]. Sua lucratividade faz com que ela perca

independência, conforme passa a buscar maior rentabilidade, participando de outros

ramos econômicos e, assim, passando a ter interesses materiais que limitam ainda

mais sua isenção. [...]. Por outro lado, os grandes jornais passam a fazer parte da

‗cultura da diversão‘, aquela que mais cresce no mundo, com o comprometimento

com um tipo de consumo, com um estilo de vida, com seus personagens e com os

valores que ela divulga401

.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os anos 90 foram marcados por dois momentos distintos: a expectativa do primeiro

governo eleito democraticamente, após a Ditadura Militar, e o início de escândalos políticos

que abalaram a gestão de Fernando Collor de Mello. Nessa esteira, dois importantes

personagens políticos da era Collor acabaram envolvidos em escândalos. Com apoio da

imprensa Alceni Guerra e Ibsen Pinheiro perderam suas funções políticas – que tanto

almejaram na vida pública.

Os dois levaram a ‗pecha‘ de agentes políticos corruptos, tentaram em vão se defender

de acusações que foram fortalecidas pela quantidade de reportagens publicadas pelos jornais

impressos da época, considerados os maiores da grande mídia.

Essa afinal era a forma de a imprensa mostrar à sociedade que estava do lado dela.

Para isso, ‗caçaram‘ os dois políticos como Judas. As cabeças dos dois foram colocadas à

prêmio, como numa bandeja. O momento e a conjuntura política da época favoreceram as

duas ―cassações‖ dos políticos. Collor, que foi eleito em 1989 com apoio da imprensa,

desafiou grandes interesses. Peitou desafetos e não soube contornar a crise política que se

400

MARTINS; LUCA, 2008, p. 281. 401

SADER, Emir. Os novos cães de guarda. Petrópolis: Vozes, 1998, p.127.

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instalou no governo. Desta forma, seria fácil investigar e condenar seus auxiliares. À

imprensa faltou mais cuidado na apuração dos dois casos. Houve julgamento sumário. Desde

o começo das coberturas, os dois políticos – Alceni e Ibsen – já tinham sido considerados

culpados. Nada adiantaria as justificativas. O veredito já havia sido dado.

Dentro dessa conjuntura, podemos dizer que a política viveu e vive momentos de

instabilidade. É difícil o entendimento. Por isso, é imprescindível o jogo de cintura que faltou

tanto ao presidente da época Fernando Collor para derrubar, por exemplo, denúncias de

superfaturamento envolvendo seu ministro da Saúde, Alceni Guerra. No caso de Ibsen, é

outro importante político ―capturado‖ pela mídia. Considerado homem forte da época, cotado

inclusive para ser o próximo presidente, foi o maior prêmio das denúncias apontadas pela

imprensa. Foi vítima de um erro, assim como Alceni.

Durante análise do material estudado é possível confirmar a hipótese anteriormente

levantada: a imprensa comete abusos nas coberturas dos escândalos políticos porque sabe que

não vai ser punida ou sofrer sanções. O comportamento da mídia nesses dois episódios não foi

o adequado. Por isso, é preciso regulamentá-la. Hoje, não existe instrumento de

responsabilização por eventuais manipulações cometidas. Nos estudos de casos de Alceni

Guerra e Ibsen Pinheiro confirmou-se a insistente exposição deliberada de reportagens com

base em indícios apresentados como se fossem fatos consumados. Pode-se até considerar que

houve um massacre à figura pública. É preciso considerar também que a mídia é

mercantilista. Empresas de comunicação que cometem abusos ou praticam manipulação, nada

sofrem. Dificilmente precisam responder por seus atos (toma-se como exemplos os próprios

estudos sobre Alceni e Ibsen).

Jornais e revistas também praticam a distorção deliberada. O que a permite,

novamente, é a garantia de ―impunidade‖, isto é, a sensação compartilhada pelos

donos dos órgãos de imprensa e pelos jornalistas no comando das redações de que

não serão chamados a responder, perante o público, pelas mentiras que difundem.

Sem pluralidade e diversidade nas comunicações, dificilmente essas deficiências

serão combatidas. 402

O trabalho tentou mostrar também que a mídia precisa ter responsabilidade pelo que

―coloca no mercado‖. É fato: a mídia, sem usar de critérios éticos, destrói a vida pública. A

grande imprensa também não diz à sociedade quais os métodos utiliza para conseguir

informações. Falta a transparência que tanto a imprensa cobra dos políticos e dos órgãos

públicos. E, quando o assunto é tentar abordar o tema imprensa, a mídia torce o nariz.

402

BUCCI, 2000, p. 140.

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195

A grande imprensa se vê e se intitula como guardiã da sociedade. Fala de interesse

público, mas é uma empresa privada. Nas duas coberturas, uma engrenagem específica foi

utilizada por meio de padrões de manipulação. A dimensão mercadológica, nesse contexto, é

fundamental, mas não é a única.

Conforme citado por autores estudados nesse trabalho, a manipulação existe e, pode

ser considerada a distorção deliberada da informação. ―Movidos por interesses escusos, há

donos de meios de comunicação e funcionários da cúpula das empresas que patrocinam

mentiras para atingir objetivos particulares. A manipulação agride o cidadão e deve ser

combatida, como é óbvio‖ 403

.

Verificamos nesse trabalho também que a grande imprensa faz denúncias, com base

no que chama liberdade de imprensa. No entanto, essa ―liberdade‖ é, na maioria das vezes, a

liberdade do dono do jornal. Não se pode esquecer que os meios de comunicação fazem parte

de grupos empresariais e tentam confundir ‗liberdade de imprensa‘ com ‗liberdade da

imprensa‘.

Desta forma, erros, como os cometidos contra Alceni Guerra e Ibsen, ficam gravados

na história, e reconhecidos por alguns órgãos de imprensa e jornalistas que atuaram na época.

O problema é que as vidas dos dois foram ‗dizimadas‘, mas quem praticou os abusos nada

sofreu. Nada teve de responder. Atropelando sem piedade a ética seguiram sem medo as

acusações contra os dois e somente mais de dez anos depois comprovadamente as injustiças

vieram à tona.

Após análise dos dois casos, é mais do que pertinente falar em ‗controle democrático‘

do poder da mídia. Uma das sugestões seria a criação de anteparos, no sentido, de tentar

promover uma responsabilização maior contra a manipulação da informação. No entanto,

quando esse assunto é colocado em pauta logo se pensa em ‗mordaça‘ ou atentado contra a

liberdade de imprensa.

No entanto, apesar da manipulação dos meios de comunicação, não se pode negar o

jornalismo. Assim também defende Bernardo Kucinski:

Também não sou dos que negam o jornalismo, devido ao grau de manipulação que

hoje sofre. Eu ainda acredito no jornalismo. Tento refletir sobre a nossa prática com

o objetivo de aprimorá-la em benefício da qualidade da nossa democracia e do

403

BUCCI, 2000, p. 176.

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interesse público – e do próprio jornalismo, que continua a ser uma profissão

fascinante 404

.

Fora da grande imprensa, há jornais e revistas que tentam se contrapor a tudo o que é

de tradicional nesse rol da mídia. Trata-se da mídia independente ou, popularmente conhecida

por mídia alternativa, contra-hegemônica.

Esse jornalismo independente tenta se contrapor a mídia tradicional que, segundo

Perseu Abramo, no final de seu livro ―Padrões de Manipulação da Grande Imprensa‖, atua

semelhante a partidos políticos. Podemos confirmar essa constatação pelo modo em que os

personagens políticos analisados foram tratados. As notícias foram muito semelhantes pelo

poder de atuação dos órgãos de imprensa. Afinal pertencem aos mesmos grupos dominantes.

Perseu Abramo sustenta que os grandes e modernos órgãos de poder são semelhantes

aos partidos políticos e, que por essa razão, precisam recriar a realidade para exercer o poder,

e para tanto, precisam manipular as informações.

Assim como os partidos políticos têm suas teses e manifestos, os órgãos de

comunicação têm suas linhas editoriais.

Ainda conforme Abramo, os partidos têm regimentos internos, enquanto os órgãos de

comunicação têm seus manuais de redação e normas de trabalho.

Os partidos têm seu aparato material, bem como os órgãos de comunicação, mas

frequentemente mais diversificado e moderno que o da média dos partidos. A função do

jornalismo é levar a informação às pessoas, portanto é essencial que se tenham equipamentos

para uma maior eficácia e rapidez.

Ao recriar a realidade ao seu jeito e de acordo com seus interesses político-partidários

os órgãos de comunicação exercem todo o seu poder. Este fenômeno é mais notável na época

de pré-campanhas eleitorais, onde a mídia divulga os atos bons e esconde os ruins dos

políticos, os quais favorecem. Uma comparação inevitável, é que os órgãos de comunicação

apoiam quem pode lhe trazer benefícios, bem como os partidos políticos.

Ainda segundo Abramo, a manipulação ocorre de várias e múltiplas formas, como

nota-se no estudo desse trabalho. Consta-se que os padrões citados pelo autor foram aplicados

nas abordagens da grande imprensa para incriminar Alceni e Ibsen Pinheiro.

Padrão de ocultação: alguns fatos são considerados ―jornalísticos‖, outros não. Há

uma seleção do que apresentar ao público, o que ―é notícia‖. Para o jornalista, há o ―fato

404

KUCINSKI, 1998, p. 12.

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jornalístico‖ e o ―fato não-jornalístico‖, logo ele deve apresentar o primeiro e ocultar o

segundo.

A descontextualização: isolados como particularidades de um fato, o dado, a

informação, a declaração perdem todo o seu significado original e real para permanecer no

limbo, sem significado aparente, ou receber outro significado, diferente e mesmo antagônico

ao significado real original. Outro padrão de manipulação é a fragmentação que ocorre

também na pauta, mas principalmente na apuração, na produção da matéria e na edição. Há

também o padrão de inversão, o frasismo, entre outros, todos estudados nesse trabalho.

O estudo apontou também que o leitor, muitas vezes, é induzido a ver o mundo não

como ele é, mas sim como a imprensa quer que ele seja.

Se a imprensa cobra e quer transparência dos órgãos públicos, deve mudar sua postura

e aceitar o debate. Afinal a imprensa - que reproduz o discurso de grupos - precisa se

responsabilizar por seus atos. Ou se submeter a um controle democrático que, seja, sobretudo,

garantido o direito da liberdade de imprensa. Mais uma coisa é certa: a imprensa tem lado. Ela

faz suas escolhas.

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198

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- Edição 1.819, 18 de agosto de 2004.

VEJA

- Edição 1.212, 11 de dezembro de 1991.

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- Edição 1.316, 1º dezembro de 1993.

- Edição 1.317, 8 de dezembro de 1993.

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- Edição 1.320, 26 de dezembro de 1993.

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- Edição 1.340, 18 de maio de 1994.

- Edição 1.341, 25 de maio de 1994.

- Edição 1.867, 18 de agosto de 2004.

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- Edição especial, setembro de 2008.

REVISTA PROPUC

- nº 25, 2006.

Jornais

CORREIO BRAZILIENSE

- Edição 10.444, 4 de dezembro de 1991.

- Edição 10.445, 5 de dezembro de 1991.

- Edição 10.446, 6 de dezembro de 1991.

- Edição 10.447, 7 de dezembro de 1991.

- Edição 10.448, 8 de dezembro de 1991.

- Edição 10.449, 9 de dezembro de 1991.

- Edição 11.149, 8 de novembro de 1993.

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- Edição 11.159, 17 de novembro de 1993.

FOLHA DE S. PAULO

- Edição 22.891, 5 de dezembro de 1991.

- Edição 22.892, 6 de dezembro de 1991.

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- Edição 23.601, 14 de novembro de 1993.

O ESTADO DE S. PAULO

- Edição 35.841, 5 de dezembro de 1991.

- Edição 35.842, 6 de dezembro de 1991.

- Edição 35.843, 7 de dezembro de 1991.

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- Edição 35.844, 8 de dezembro de 1991.

- Edição 36.545, 8 de novembro de 1993.

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- Edição 36.553, de 16 de novembro de 1993.

- Edição 36.554, de 17 de novembro de 1993.

Legislação

Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros

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- Observatório da imprensa: http://www.observatoriodaimprensa.com.br, acessado em 14 de

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- Portal da Revista Imprensa. 13 de maio de 2011, às 15h30.