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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 72, set.1999 EDITORIAL A s mudanças ocorridas no campo clínico têm possibilitado importan- tes trabalhos conjuntos entre psicanalistas e psiquiatras. Entretan- to – especialmente no domínio da psiquiatria organicista –, o encur- tamento dos tempos de realização introduzidos pela tecnologia e a degra- dação econômica sofrida por uma parte substancial da sociedade – sob a forma da perda do valor simbólico e real de seu trabalho – têm criado novas formas de resistência à psicanálise. Resistência propriamente dita, porque, embora a demanda a ela endereçada não tenha em absoluto diminuído e, ainda mais, venha a se registrar uma solicitação generalizada de sua inter- venção, esta aparece de forma encoberta. Nos anos 50, a psiquiatria retornou sobre seus passos para colocar em xeque as políticas internacionistas e os critérios repressivos e carcerários que imperavam na “cura”. O surgimento das correntes anti-psiquiátricas inclinaram a psiquiatria na direção de escutar mais seus pacientes e confiar menos nos seus princípios técnicos. Mesmo que essa escuta tenha se de- senvolvido fundamentalmente sob uma perspectiva fenomenológica, ainda assim, a posição do doente mental melhorou significativamente no quadro hospitalar durante as duas décadas subseqüentes – é claro, nas regiões onde a situação econômica e política geral não fizeram obstáculo a isso. Nessas condições a psicanálise teve a chance – em alguns lugares – de provar sua capacidade operacional, contribuindo decisivamente para situar as chaves interpretativas das psicoses e das manifestações críticas das neuroses. Certamente, obtendo na infância e na adolescência proporções de recuperação e cura muito além do habitual e, sem dúvida, muito além de suas próprias pretensões. Hoje em dia, algumas correntes da psiquiatria novamente têm retor- nado sobre seus passos, mas desta vez para suprimir toda escuta de seus pacientes, reduzindo-os a meros objetos de uma tecnologia laboratorial. Num gesto típico da era pré-Pinel, o doente mental não é considerado ca- paz de desvelar e intervir sobre seu próprio sofrimento, e, por isso – na medida em que o saber se supõe totalmente do lado do psiquiatra – o

EDITORIAL A - appoa.com.br · tes trabalhos conjuntos entre psicanalistas e psiquiatras. ... outorgada pelo Outro aos acontecimentos que rodeiam o pequeno ... na trama do discurso

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1C. da APPOA, Porto Alegre, n. 72, set.1999

EDITORIAL

As mudanças ocorridas no campo clínico têm possibilitado importan-tes trabalhos conjuntos entre psicanalistas e psiquiatras. Entretan-to – especialmente no domínio da psiquiatria organicista –, o encur-

tamento dos tempos de realização introduzidos pela tecnologia e a degra-dação econômica sofrida por uma parte substancial da sociedade – sob aforma da perda do valor simbólico e real de seu trabalho – têm criado novasformas de resistência à psicanálise. Resistência propriamente dita, porque,embora a demanda a ela endereçada não tenha em absoluto diminuído e,ainda mais, venha a se registrar uma solicitação generalizada de sua inter-venção, esta aparece de forma encoberta.

Nos anos 50, a psiquiatria retornou sobre seus passos para colocarem xeque as políticas internacionistas e os critérios repressivos e carceráriosque imperavam na “cura”. O surgimento das correntes anti-psiquiátricasinclinaram a psiquiatria na direção de escutar mais seus pacientes e confiarmenos nos seus princípios técnicos. Mesmo que essa escuta tenha se de-senvolvido fundamentalmente sob uma perspectiva fenomenológica, aindaassim, a posição do doente mental melhorou significativamente no quadrohospitalar durante as duas décadas subseqüentes – é claro, nas regiõesonde a situação econômica e política geral não fizeram obstáculo a isso.Nessas condições a psicanálise teve a chance – em alguns lugares – deprovar sua capacidade operacional, contribuindo decisivamente para situaras chaves interpretativas das psicoses e das manifestações críticas dasneuroses. Certamente, obtendo na infância e na adolescência proporçõesde recuperação e cura muito além do habitual e, sem dúvida, muito além desuas próprias pretensões.

Hoje em dia, algumas correntes da psiquiatria novamente têm retor-nado sobre seus passos, mas desta vez para suprimir toda escuta de seuspacientes, reduzindo-os a meros objetos de uma tecnologia laboratorial.Num gesto típico da era pré-Pinel, o doente mental não é considerado ca-paz de desvelar e intervir sobre seu próprio sofrimento, e, por isso – namedida em que o saber se supõe totalmente do lado do psiquiatra – o

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EDITORIALEDITORIAL

doente tem que obedecer a uma prescrição técnica acerca da qual não tempossibilidade nenhuma de constituir qualquer saber.

Os avanços oferecidos à farmacologia pelas neurociências se trans-formam assim num bumerangue contra o doente mental, que é devolvidoao terreno da defectologia: sua neurotransmissão (ou neuromodulação) édefeituosa e sobre isso ele nada pode fazer – nem dizer - a não ser obede-cer a seu psiquiatra, já que entre ele e sua neurotransmissão não há ne-nhuma relação. Para fechar totalmente o quadro, a psiquiatria farmacológicaatual inverte a metodologia de determinação nosográfica. De um modo clás-sico, médicos e psicólogos observavam os doentes mentais, determina-vam desde essa observação as regularidades e repetições que definiamuma doença, e, a partir disso, procuravam o remédio ou procedimento decura. Hoje, primeiro se inventa um medicamento e a partir dele se define adoença na sua medida e extensão. Desse modo, a doença se transformanum acontecimento laboratorial, enquanto o doente perde por completo suacondição de sujeito.

É, no mínimo, curioso que tais tendências se radicalizem precisa-mente num momento em que as descobertas produzidas pelas neurociênciasdemonstram claramente que a neurotransmissão, até nas suas manifesta-ções neuroquímicas e neurometabólicas mais minúsculas e circunstanci-ais, é totalmente sensível ao domínio da palavra e dos processos psíqui-cos. E que, verificando-se hoje no terreno da neurologia aquilo que a psica-nálise tinha possibilitado descobrir pela via clínica no início deste século, asexperiências infantis são formadoras dos princípios de funcionamento doSistema Nervoso Central e é nisso que reside a eficácia do significantecomo marca de referência para o transcurso da vida toda. Ficando definiti-vamente estabelecido que, ao menos para os humanos, seu organismonão é autônomo da linguagem, já que isso que se denomina ‘experiênciasinfantis’ depende da significação outorgada pelo Outro aos acontecimentosque rodeiam o pequeno ‘parlêtre’ (falasser). O que constitui o endereçamentode seu desejo – e, com isso, certamente, as nuanças de sua neurotrans-

missão – não são as luzes, as texturas ou as cores, mas as significaçõesque inserem cada traço num argumento que orienta sua vida.

Tal descoberta freudiana, que não é mais do que a descoberta daposição do inconsciente, adquiriu tal peso de verdade no discurso contem-porâneo, que hoje constitui o eixo articulador das demandas endereçadasà psicanálise, ao mesmo tempo, em torno do qual gravitam as interroga-ções mais generalizadas sobre a vida e a produção de cada um.

De fato, quando Hillary Clinton tenta desculpar as infidelidades deseu marido, não lhe ocorre que sua preferência pelo fellatio de MonicaLewinski seja conseqüência de algum defeito sináptico, mas de certos trau-mas de infância. Segundo as declarações publicadas pela revista “Talk” nasua edição de 2 de agosto passado, Bill Clinton foi vítima da rivalidadeentre sua mãe e sua avó, depois que seu pai morreu, num acidente detrânsito, quando ele era ainda muito pequeno (quatro anos). “Era tão pe-queno, apenas quatro anos, quando foi marcado pelos maus tratos” (HilaryClinton segundo Zero Hora de 3-08-99, p. 32). Lucinda Franks, a jornalistaque realizou a entrevista, sintetiza: “Hillary Clinton pensa que seu maridofoi tratado como um adulto, quando era um menino; e, hoje, de algumamaneira, se comporta como um menino” (na TV, CNN americana).

A racionalidade dessas explicações contrastam com a ridícula pre-tensão de que os tiros que mataram John e Robert Kennedy, assim como oacidente aéreo do jovem John-John, foram convocados, todos eles, por umgen que predispõe os homens da família Kennedy à tragédia.

Sob um manto de resistência, sustentadas por um século de experi-ência, as teses freudianas sobre os affaires sexuais do presidente dos EUApercorrem o mundo.

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

CARTEL PREPARATÓRIO DA JORNADA DACLÍNICA PSICANALÍTICA: A NEUROSE OBSESSIVA

O Cartel segue discutindo a neurose obsessiva, preparando a Jorna-da dos dias 19 e 20 de novembro vindouros.

No penúltimo encontro, foi discutido o texto sobre Camille Claudel,transcrição de uma palestra de Alfredo Jerusalinsky. A temática da deman-da de reconhecimento é apresentada como fundamental para escutá-la comoobsessiva. As reflexões do Cartel não se detiveram tanto na biografia daescultora, mas sim em um diferencial entre a demanda de amor e a dereconhecimento. Com essa última, o fazer o nome guia os atos, respon-dendo a algo entregue antecipadamente ao sujeito e frisando (inclusive)uma temporalidade própria do obsessivo: algo dado para ser honrado, sen-do fundador de uma dívida, que a neurose transforma em padecimento.

No encontro seguinte, foi discutido o texto de Charles Melman sobrea racionalidade obsessiva. A racionalidade e a religião são ali trabalhadasenquanto modos de resposta obsessiva à tentativa de simbolizar perfeita-mente o real. São as duas modalidades culturais referentes à recusa men-tal em admitir um defeito no Outro.

O próximo encontro será dedicado a outros textos de Melman (“Apropósito da neurose obsessiva” e “O que quer o obsessivo”). Estes textose os anteriores podem ser consultados e copiados na Secretaria da APPOA.O Cartel continua aberto aos interessados, que podem se informar com osintegrantes do mesmo, ou na Secretaria, sobre as datas das reuniões emsetembro.

Lúcia A. Meesp/ Cartel Preparatório

PERCURSO ESCOLAEstão abertas as inscrições para o PercursoTurma V, com período

de funcionamento de 2000 a 2002. Informações na secretaria ou com aCoordenação do Percurso: Eda Tavares (51) 3438275; Mário Corso (51)3317649; Marta Pedó (51) 3281003 e Roséli Cabistani (51) 3111757. Ins-crições abertas até o dia 1º de Dezembro.

O PAGAMENTO NA CLÍNICA INSTITUCIONALTema: O pagamento na clínica institucionalData: 15 de setembroConvidado: Ângela Drügg – coordenadora da Clínica de Psicologia da UnijuíLocal: Sede da APPOA

Quando se fala de atendimentos em instituição, uma das primeirasquestões que nos ocorrem é a do pagamento, além da inacreditávelrotatividade, onde pacientes parecem cumprir um circuito infinito de de-mandas de tratamento e, analistas, tentativas de atendimento. Não sabe-mos em que medida certo descrédito nos afeta, mas sabemos que a ques-tão do pagamento volta sempre a inquietar, aliviando, revigorando experi-ências que, na pressa, poderiam ser consideradas frustrantes.

Numa sessão bastante inicial de um atendimento, realizado no Ser-viço de Atendimento Clínico da APPOA, quando indagada sobre os moti-vos de sua procura ao Serviço, a pessoa diz: “Eu não posso pagar, né, ascoisas estão difíceis, tu sabes.” Surpreendente. O analista deveria saber aque coisas estava se referindo, o que lhe impede de pagar? Certo, é possí-vel intuir que a situação financeira não esteja boa, mas a resposta pode sermais surpreendente ainda, quando a pergunta insiste: “Quais as coisas queestão difíceis?” “Ai, meu Deus, eu vou precisar falar, de tudo?”. E engrenouna via da falta de dinheiro, deixando as indagações quanto às outras coi-sas.

Não precisamos ir muito longe para saber o quanto o dinheiro pode,desde cedo, apresentar-se como via privilegiada da tentativa de escamote-ar o que de sintomático está implicado numa procura de análise. Não épouca coisa o que leva alguém a efetivar um pedido, e não é pouco o queum analisante espera de quem acolhe esse pedido.

Uma das dificuldades que se colocam ao analista é relativa a essademanda de tudo saber, a ponto de dispensar o analisante do exercício dafala, para que ambos não precisem passar pela experiência da castraçãoque o falar implica. Quais as consequências dessa idealização inicial? Seela se apresenta na expectativa da proteção caridosa, pode incubrir o ódio;se ela se apresenta na expectativa de encontrar um saber total, amparado

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NOTÍCIASNOTÍCIAS

pelos mestres da instituição procurada, pode convocar a violência; ou quandose apresenta na versão de uma reparação ideal de danos e injustiças, nãocoincide com o desejo, pois, como lembra Pommier o desejo encontra seufundamento mais na injustiça e no mal do que no bem. Seria possível pen-sar em análise, sem que se avalie o quanto cada um está disposto a pagar,já que ambos, analista e analisante, precisarão pagar?

Colhemos do ensino de Lacan que o dinheiro constitui, na análise,um significante, entregue ao analista, e deve ser tratado como qualqueroutro significante. Principalmente nos atendimentos em instituição, coloca-se um impasse, quando é demandado ao analista que seja benevolente,quanto à cobrança, atendendo gratuitamente ou adequando-se à situaçãofinanceira precária, “pulando essa parte”. O impasse seria o seguinte: se odinheiro é um significante que comparece na trama do discurso, enlaçado aoutros, mesmo quando em seu viés de carência, pode o analista ignorá-lo?Haveria escolha possível entre significantes trabalhados e evitados, já queé seu enlace que importa? Identificar-se a esta posição não equivaleria afraquejar quanto à abordagem do inconsciente, indicando de antemão qualserá o lugar privilegiado, fixo, da resistência e do sintoma, a partir de en-tão? Será preciso transformar o dinheiro num significante de uma falta, queleve a falar e se desloque em múltiplas significações.

Sabemos o quanto um analista se revira para produzir seu ato nes-tas condições, buscando desfazer as múltiplas armadilhas imaginárias quenão deixam de aparecer, enquanto um analisante não sabe pelo que paga,como paga, nem a quem.

O que significa pagar, quando o analisante não sabe sobre o quefalar? O pagamento, então, não constituiria uma operação que lança o su-jeito no espaço do falante, fora da atualidade, numa outra cena? Esse atonão pode orientar o tratamento de forma radical, no sentido de apontar osaber inconsciente como central?

Do lado do analista, sua responsabilidade não se refere à compai-xão, que pede compartilhar o sofrimento do semelhante, opera mais quantoao desejo de sustentar sua presença, dando espaço às disjunções próprias

do inconsciente, permitindo que este sofrimento se coloque em movimentona transferência, relançando, tanto quanto sua castração permitir, as inda-gações quanto à dívida.

Quais as peculiaridades dessa operação nos tratamentos conduzi-dos em instituição?

Essas são algumas das questões que têm animado os debates doFórum e da Clínica de Psicologia da Uniijuí, que terão continuidade ematividade aberta, para a qual convidamos os interessados.

Liz Nunes Ramos p/ Fórum

A EXPERIÊNCIA DA CLÍNICA DE PSICOLOGIANA UNIVERSIDADE DE IJUÍ

Trata-se de uma clínica que fundamenta sua proposta de atendi-mento na teoria psicanalítica, o que implica uma posição ética peculiar nacondução do trabalho. Não é, portanto, uma clínica que orienta a direçãoda cura numa referência a padrões ideais e universais de normalidade.

O funcionamento de qualquer instituição se pauta em um conjuntode normas, tendendo, freqüentemente, a uma certa burocratização. Tal ten-dência vai na direção contrária ao que sejam os princípios que fundamen-tam uma prática clínica referida à psicanálise.

Neste sentido, a condução desta prática nessa instituição requer oexercício constante de retomada de seus fundamentos. Este exercício atra-vessa o cotidiano da vida institucional e se mostra, por exemplo, na formade acolhimento dos pedidos de atendimento, na abordagem do pagamentodas sessões, na passagem de pacientes a novos estagiários ou, ainda, nasrelações da Clínica de Psicologia com outras instituições da comunidade.

Estes são alguns pontos das atuais reflexões e indagações que gos-taríamos de poder compartilhar e discutir.

Ângela Drüggp/ Clínica de Psicologia da UNIJUÍ

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CEM ANOS DE “DOM CASMURRO”Capitu é sempre motivo de grandes debates. Ela é um fenômeno

estético e ético permanente. Criação imortal de Machado. Não chega a seruma Antígona, mas tem força, tem cálculo, tem magia, tem silêncio. Pertode Bentinho, esse sombra da sombra, este luto imorredouro, provoca es-tremecimentos nos Otelos e Desdêmonas do mundo inteiro. É uma ficçãodolorosa e iluminada. Pois tudo isso pode vir e virá à tona com a comemo-ração dos cem anos de “Dom Casmurro”. A APPOA e o Instituto de Letrasda UFRGS vão discutir, em 1º e 2 de outubro, estes cem anos. Cem anosde solidão dos personagens e cem anos de sucesso do livro. Agora, cemanos em debate. Aqui na sede da APPOA. Informações na secretaria.

CORREIO DA APPOASEÇÕES TEMÁTICAS DOS PRÓXIMOS NÚMEROS

Com o objetivo de convocar todos a participarem com produção detextos para as seções temáticas do Correio da APPOA, estamos não ape-nas divulgando os temas dos próximos números, mas, também, apresen-tando o agumento e o respectivo responsável pelas edições de novembro edezembro deste ano, a quem os textos podem ser encaminhados, parapossível publicação.

O HUMOREm seu texto sobre o humor, “Os chistes e sua relação com o in-

consciente” (1927), Freud aborda a questão da obtenção de prazer. Ten-tando esclarecer as relações entre narrador e ouvinte e as operações psí-quicas que se processam para que o efeito humorístico ocorra, privilegiaprincipalmente as relações entre eu e supereu, indo um pouco além daselaborações sobre os chistes (1905). Essa é uma das poucas vezes emque Freud apresenta o supereu como afável, driblando a severidade. Assi-nala que o humor tem algo de grandeza e elevação, de triunfo do narcisismoe recusa da compulsão ao sofrimento. Se o supereu tenta consolar o eu eevitar o sofrimento, isso não contradiz sua origem paterna. Que relação

com a função paterna o humor estaria colocando em jogo? O que ocorrepara que se produza esse efeito, em que o mundo passa a ser visto comomenos ameaçador? Poderíamos pensar o humor como defesa? Então, quaisas diferenças com a neurose ou a loucura? Seriam defesas do mesmoestatuto? Uma das observações freudianas aponta que, no humor, trata-sede um desinvestimento. No que ele se aproxima ou contribui para a cura, jáque a mesma não parte da correção de idéias (delirantes, por exemplo)mas também comporta uma espécie de desinvestimento? Quais as rela-ções do humor com a interpretação e o ato analítico, frente ao viés trágicoque o discurso do analisante traz à cena analítica? O tema aguça o interes-se uma vez que, momentaneamente pelo menos, parece oferecer saídaaos rigores que a neurose impõe, permitindo superar a humilhação, comolembra Freud; por isso será tratado na seção temática do Correio, no mêsde novembro. Não sem rigor e humor, esperamos. A Comissão do Correioaguarda contribuições para essa edição, até o dia 30 de setembro.

Responsável: Liz Nunes Ramos

NOTÍCIAS NOTÍCIAS

APPOA 10 ANOSA fundação da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, há dez anos

atrás (já!?!) constitui-se em uma aposta nos efeitos de formação analíticado trabalho, que vinha sendo desenvolvido na cidade, por psicanalistas einstituições que, há mais de 20 anos, se dedicaram ao estudo de Freud eLacan.

A aposta é hoje um exercício e continua produzindo efeito de trans-missão. A proposição de 17 de dezembro de 1989, contida na Ata de Fun-dação da APPOA ainda mantêm-se vigente? Nos últimos dez anos, o quepermaneceu e o que mudou no campo do movimento analítico? Quais sãoos impasses que a modernidade propõe à psicanálise hoje? Em que dire-ção avançar? Esses são os integrantes que gostaríamos de lançar nestenúmero do nosso Correio de dezembro, contando com a colaboração denossos leitores. O envio de material poderá ser realizado até o dia 30 deoutubro.

Responsável: Maria Angela Cardaci Brasil

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NOTÍCIASNOTÍCIAS

CONVERGÊNCIA – DEFINIDOS TEMA E DISPOSITIVO PARA 2001A reunião da Comissão de Enlace Geral, realizada no primeiro fim de

semana de agosto passado, em Buenos Aires, já definiu o principal tópicode trabalho para o congresso da Convergência - Movimento Lacaniano paraa Psicanálise Freudiana. O tema será : “O Inconsciente – avanços lacanianosdo inconsciente freudiano”. Além disso, a forma de trabalho proposta – odispositivo de apresentação e a discussão dos trabalhos – se desdobraráem dois momentos: a apresentação da produção de um trabalho de cartel ea inscrição de trabalhos individuais. A particularidade é que os trabalhosindividuais escritos devem ser enviados previamente, pois serão apresen-tados em plenária por um relator.

A pauta de trabalhos era extensa e importante, entretanto os doisdias de reunião foram suficientes para que algumas questões ficassemdefinidas. Esta era a primeira reunião da Comissão de Enlace Geral, quecongrega o conjunto das instituições que assinaram a Ata de Fundação daConvergência, em outubro do ano passado, em Barcelona (ES). Assim, asdiscussões iniciaram com um informe do que se realizou até o momentopelas diversas Comissões Regionais e Locais de Enlace. Seguiu-se a dis-cussão sobre o congresso de 2001, em Paris; a avaliação de uma propostade constituição de um secretariado organizativo para a Convergência e adiscussão de uma tomada de posição da Convergência frente às tentativasde legislação, na Europa e na América das práticas psicoterapêuticas (asquais a psicanálise ficaria submetida).

Após o relato das Comissões regionais e das instituições dos locaisonde ainda não se constituíram Comissões Regionais (caso do Brasil), ini-ciou-se a apresentação das propostas para a reunião de 2001. Os colegasda Comissão de Paris trouxeram uma proposta temática, na qual o incons-ciente seria o tema geral, desdobrado em algumas questões a serem deba-tidas no decorrer da preparação do congresso: 1) O inconsciente comosexual; e 2) O inconsciente como ética.

A proposta - que publicaremos na íntegra em breve - ainda podereceber críticas e sugestões de todas as instituições, mas, salientamos,

tem o mérito de apresentar o fruto de um trabalho levado a efeito pelo grupoparisiense a partir da reunião fundacional, em Barcelona. Reproduzimosum trecho do argumento: “Com efeito, a psicanálise só sobrevive com acondição de reanimar o alcance de seus enunciados. Lacan levou a caboeste esforço em relação aos pós-freudianos. Vinte anos depois de sua morte,prolongando seu ensinamento, cabe a nós voltar a colocar em jogo o vivoda discursividade freudiana. A reinvenção lacaniana tratou de situar, nocampo do significante, a noção de representante. Desde então, o discursoanalítico, tal como Lacan o concebeu, como laço social específico, segueestando por refundar-se, e esta é uma condição necessária para sua trans-missão. Fazer valer em extensão a existência deste novo tipo de laço soci-al é a aposta da Convergência.”

TRABALHOS Um outro ponto importante tratava do dispositivo de apresentação e

discussão dos trabalhos. Foi proposto que as discussões fossem todasplenárias. Para isto, um dispositivo, que conjugasse as produções individu-ais e de cartel, tentará colocar um novo ritmo às formas já conhecidas deapresentação em congressos. Os trabalhos poderão ser propostos por umcartel, que terá um hora para apresentar e dialogar com a platéia os efeitosde sua produção. Quer dizer, aquilo que se espera do trabalho do cartel -que ele se traduza em algo passível de ser colocado a público, como efeitoda discussão entre seus integrantes. Concomitantemente, as inscriçõesindividuais também terão lugar, com uma particularidade: os trabalhos de-verão ser enviados previamente, por escrito, a fim de possibilitar sua leiturapor um relator que terá a função de apresentar, publicamente, o resultadode sua leitura sobre um ou mais trabalhos. Os autores estarão presentes,participando da discussão, a partir do relato realizado por outra pessoa.

Ainda está por definir-se como serão escolhidos os relatores. Se cadainstituição indicará um ou mais; ou mesmo se as instituições aceitariam queseus relatores fossem indicados por outras instituições. Além disto, comoserá organizada a discussão, nos seus detalhes, a fim de possibilitar umreal diálogo e posicionamento das diferenças, ainda está sendo definido.

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NOTÍCIAS NOTÍCIAS

Questões em aberto, que aludem a importância da modificação proposta eda função nova.

De maneira geral, ficou-nos a impressão de um passo importantepara a Convergência, tanto pela novidade do dispositivo, que afeta até mes-mo os colegas franceses que o propuseram (embora haja duas experiênci-as próximas, levadas a efeito em Berlim e Estrasburgo), como pela tentati-va de nos fazer trabalhar, tendo confiança na troca com os colegas deoutros lugares e filiações institucionais. Se o esboço de argumento do Con-gresso está escrito, a proposta do novo dispositivo ainda está por escrever-se - o que nos parece conseqüente com esta forma de relação com a psica-nálise que se situa entre o texto escrito e a circulação e valor da palavra.

BRASILNão vamos detalhar, aqui, as discussões a respeito de um Secreta-

riado para a Convergência. O assunto ficou para ser discutido por um pe-queno grupo de trabalho, que, dentro de seis meses, deverá apresentaruma proposta descrevendo as funções de um secretariado iminentementeorganizativo. Este grupo está composto por sete pessoas da América eEuropa. Além disto, foi aprovada uma moção que busca posicionar os psi-canalistas frente às dificuldades atuais na Europa. Neste momento, o Esta-do está tentando legalizar a profissão de terapeuta, abrangendo e subordi-nando todas as práticas psi (incluindo psiquiatras e psicanalistas). Urgereafirmar que psicanálise não é uma terapia e viabilizar uma discussão emcada lugar, segundo suas especificidades. A próxima reunião da CGE serárealizada em Paris, nos dias 30 de junho e 01 e 02 de julho de 2000, a fimde animar os preparativos para o Congresso, marcado para fevereiro de2001.

Todas estas questões e deliberações afetam diretamente as institui-ções brasileiras que convocam a Convergência. Com a finalidade deincrementar seu trabalho conjunto, os representantes das associações bra-sileiras, que estiveram em Buenos Aires e que puderam participar de umareunião realizada ao final dos trabalhos da Comissão Geral, concordaramem reunir-se em Salvador, por ocasião do congresso organizado pelo Co-légio Freudiano da Bahia, em novembro próximo. Na oportunidade, será

CARTEL 500 ANOS COM CONVIDADO: LUÍS AUGUSTO FISCHERDando prosseguimento às atividades preparativas do Congresso, que

inclui uma jornada sobre “Dom Casmurro, de Machado de Assis”, o Carteldos 500 anos terá o prazer de contar com a presença do professor e escri-tor Luís Augusto Fischer - autor de, entre outros títulos, “Edifício do lado dasombra” (contos) e “Para fazer diferença” (ensaios), ambos editados pelaArtes e Ofícios.

A atividade acontecerá na sede da APPOA, no próximo dia 02 desetembro, quinta-feira, às 20h30min.

Na oportunidade, Luís Augusto Fischer fará considerações sobre “Aquestão da formação na literatura brasileira” e suas consequências para aatualidade.

lida a versão em português da Ata de Fundação e discutida uma pautaonde, entre outros itens, encontram-se as vias de enlace para a Conver-gência; estratégias de trabalho para sua extensão e expansão; análise dasnovas formas de resistência à psicanálise e confirmação de um encontrode trabalho ainda no primeiro semestre do próximo ano (talvez maio/2000,no RJ), com data efetiva e temário a serem definidos.

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SUDBRACK, M. A. P. Lacan pensador de Freud.SEÇÃO TEMÁTICA

FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE

Neste número, a Comissão do Correio inaugura uma outra particulari-dade para a seção temática. A proposta é de, uma vez por ano,dedicarmos um número do correio para debater sobre um dos se-

minários de Lacan. Escolhemos, como primeiro de uma série, o SeminárioV - As formações do inconsciente, no qual Lacan, já de posse dos princi-pais conceitos elaborados nos seminários anteriores, introduz o “grafo dodesejo”, que será desenvolvido no ano posterior (1958-1959), ou seja, noSeminário VI - O desejo e sua interpretação.

Pretendemos continuar os estudos dos seminários de Lacan e tenta-remos analisar seus impasses, seus pontos mais importantes, suas dife-renças, semelhanças e avanços em relação à teoria freudiana. É um desa-fio, mas acreditamos que não faltarão colaboradores. A seção temática destenúmero inicia com o texto de Maria Auxiliadora Sudbrack, enfocando a baseteórica do Grafo; Ana Maria da Costa escreve sobre o inconsciente, no quese refere ao chiste e a ironia; Alfredo Jerusalinsky aborda as marcas queconstituem a filiação, a sexuação e as identificações primárias; Maria Folbergtraz a questão do Nome-do-Pai, através do recorte de um caso; e, finaliza-mos, com o texto de Anna Irma Callegari, trabalhando, num fragmento deanálise, o mecanismo do esquecimento, a letra, o recalque e a emergênciado desejo.

Ainda neste número, apresentamos uma Resenha do Seminário deLacan, “As formações do inconsciente”, realizada por Denise Teresinha daRosa Quintão. Boa leitura!

Luzimar StricherMaria Auxiliadora Sudbrack

LACAN PENSADOR DE FREUD

Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack

“Estamos lembrados, em Platão, da passagem do bomcozinheiro, aquele que sabe fazer o corte certo nasarticulações.”LACAN, As formações do inconsciente

O paciente veio porque os pais achavam que ele precisava se tratar. Vinte anos, ainda na fase da “revolta”. Grande, cabelo cortado só de um lado, camiseta sem uma manga, calça rasgada, brincos,

tatuagem, botas com esporas. “Quanto é?”, pergunta. À minha resposta,ele retruca: “É barato, meu amigo se trata com x e paga y”, e emenda: “Sóporque tem nome!”. Foi aprovado duas vezes em engenharia, mas nãopôde freqüentar, porque ficara “pendurado”, paradoxalmente, na matemá-tica do 2º grau. Provocava o pai. Alugava fitas de vídeo sem devolver asanteriores, até que um telefonema da loja chegava ao pai para pagar asmultas. Os cheques para suas despesas pessoais eram diluídos no “gru-po” para drogas, tatuagens, fumos; nas sessões, só falava na “turma” ouse queixava do pai.

Certo dia, aparece com uma nova tatuagem que ele mesmo dese-nhara. Ele a mostra. Uma homenagem ao pai: um viking que ocupava todaas suas costas; um viking em batalha, em movimento, na mão direita ma-chado de guerra, na esquerda, a bandeira com a inicial da família; na cabe-ça, o capacete com asas, símbolo dos reis. À parte, flexas, arcos, caças.“Que achas?”, pergunta-me orgulhoso. Olho o quadro e digo-lhe calma-mente: “Estás, então, carregando o teu pai nas costas?”. Ele pára, surpre-so, parece pensar e depois dá uma risada. A partir de então a análise, porfim, conseguiu tomar outro rumo.

Ler Lacan, lendo Freud. Digo isto porque, para se trabalhar As for-mações do inconsciente, é indispensável que se leiam estes dois autores.Lacan mesmo afirma que, em certo momento, as fórmulas que ele traz

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seguem muito de perto as perguntas que Freud se formula. Salienta quemais importante do que os temas escolhidos é a temática implícita, pois amaneira como Freud se serve deles introduz uma dimensão inédita, ouseja, a do significante.

Lacan recupera a mensagem oculta de Freud ao mesmo tempo queavança em sua obra. Se bem que a base da investigação psicanalítica deFreud se dirigisse às neuroses, por outro lado ele já advertira que as con-clusões conseguidas aí tinham uma extensão muito mais ampla. Comoopera a psiquê, o que a põe em movimento, quais as leis que regem esseprocesso... eram perguntas que Freud se fazia e alimentavam seu interes-se pelos mitos, lendas, línguas, sonhos, chistes, lapsos... Como se mani-festaria o inconsciente nesses cotidianos? Assim, a entrada do século XXtestemunhou livros importantes de Freud sobre os três últimos temas (1),(2), (3), o que não impediu que ele recebesse críticas de seus contemporâ-neos sobre a escolha de assuntos “de tão pouca valia para um cientista”.

É interessante notar que um dos indícios iniciais que alertou Freudpara o tema do esquecimento, ainda antes do caso Signorelli, foi o que elenarrou a Fliess (26/08/1898) sobre o seu esquecimento do nome de JuliusMosen, conhecido poeta, concluindo que tinha recalcado o nome Mosenpor razões pessoais, que o material infantil teria tido também um certo peso,que os nomes substitutivos que emergiram foram, como os sintomas, for-mados a partir desses significantes.

No que se refere aos Chistes ou ditos espirituosos, Freud relata suaprópria razão subjetiva para dedicar-se a essa vertente, comentando queFliess queixava-se que os sonhos que ele, Freud, lhe contava, estavam pordemais cheios de algo que se parecia a chistes (Carta de 11/09/1899).

Freud, portanto, teve essa perspicácia de escutar algo na lingua-gem, isto é, um outro discurso, original, o inconsciente, para reconhecernele uma outra sintaxe revelada inicialmente, na DIE TRAUMDEUTUNG.

Lacan, ao propor o Retorno a Freud, retoma o estudo destes tex-tos freudianos “esquecidos” pelos analistas daquela época, dizendo oseguinte:

“Nosso retorno a Freud tem um sentido completamente diferente pordizer respeito à topologia do sujeito, a qual só se elucida numa segundavolta sobre si mesma. Tudo deve ser redito numa outra face para que sefeche o que ela encerra, que certamente não é o saber absoluto, mas aposição de onde o saber pode resolver efeitos de verdade. Sem dúvida, foipor uma sutura praticada por um momento nessa articulação que se asse-gurou aquilo que de ciência logramos em termos absolutos. Não haverátambém nisso motivo para nos tentar com uma nova operação, ali ondeessa articulação continua hiante, em nossa vida?” (LACAN, Escritos , p.366)

No período de 1957-58, Lacan inicia o seu seminário As formaçõesdo inconsciente abordando a função do significante no inconsciente, traba-lho para o qual vinha se preparando através dos seminários anteriores.Com efeito, no transcurso desse tempo - podemos falar em sete anos -teve lugar a elaboração de conceitos que se alinhavam desde a função dosimbólico, da repetição, da psicose, fundada na carência de um significanteprimordial, até chegar à relação de objeto, objeto do desejo do outro e narelação metonímica – metafórica.

Seu projeto, então, é chegar a uma topologia do funcionamento dosignificante no sujeito, elaborando esquemas que aparecerão sob o nomede grafo do desejo, grafo como um tipo particular de escritura, ou comogramma, que no grego significa letra, escritura.

É importante lembrar que é nesse seminário que Lacan inicia a cons-trução do grafo, que vai crescendo na seqüência de suas aulas, à medidaque vai construindo a sua “montagem” (os dois andares); continua direta-mente no seminário seguinte, O desejo e sua interpretação, onde o utilizalargamente para conceituar o desejo como centro da teoria e da práticaanalítica.

Em 1960, no texto Subversão do sujeito, Lacan apresenta o grafocorrigido, enriquecido e comentado, como uma topologia da constituição dosujeito. Deve tentar responder às questões formuladas na análise. O quese encontra-se sempre presente na seqüência dos trabalhos de Lacan. No

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Lacan vai explicando nos mínimos detalhes.

δ γ Α δ’ representa a cadeia significante – primazia do significantesobre o significado, ela constitui um lugar favorável às possibilidades deoperações metafóricas e metonímicas, que se movimentam sempre sob aforma de substituições. Daí que esse vetor seja constituído de fonemas,isto é, por unidades mínimas desprovidas de sentido; é por seu sistema deoposição que as mensagens distinguem-se umas das outras.

δ’ β Α γ β’ δ representa o circuito do discurso, chamado por Lacan decírculo do discurso. É o discurso corrente, constituído por semantemas, ouseja, elementos significativos. Esses não correspondem de forma unívocaao significado, pois já estão definidos por pontos determinados pelo Códi-go. Em razão disso, o círculo de discursos é um nível de articulações ondehá uma reduzida criação de sentido.

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seminário da Identificação relaciona-o com o toro; inicia com ele, por exem-plo, o seminário da Angústia e a sua relação ao objeto a (1962-63); apare-ce bastante avançado no Seminário XVI (1968-69), De um Outro ao Outro,onde critica a transcrição feita por Pontalis em 1958 - [aula de 27-11-68].

Freud inicia seu livro sobre os chistes ou dito espirituoso, narrando oque Henri Heine, conhecido poeta da época, escrevera sobre o episódio deHirsch-Hyacinthe, agente de loteria e calista de Hamburgo, que se jactavadas boas relações que mantinha com seu parente, o milionário BarãoSalomon Rothschild, ao dizer: “É tão certo como Deus há de me provertodas as coisas boas, sentei-me ao lado de Salomão Rothschild e ele metratou como seu igual – de modo muito familionário”. Lacan retoma o famo-so exemplo, iniciando o seminário das formações do inconsciente.

famili är milionär familionär

Ora, familionário é uma palavra que não se encontra em dicionário,portanto, um neologismo, formado pela condensação de dois significantes.Para analisá-lo, Lacan começa a construir um esquema mínimo de produ-ção de sentido, que deveria dar conta, inicialmente, da estrutura do chiste edo lapso .

Lembra que este esquema não representa o significante e o signifi-cado, mas dois estados do significante. Que o objeto do desejo humano é oobjeto do desejo do Outro e o desejo é sempre desejo de outra coisa, isto é,do que falta ao objeto primordialmente perdido. E que não há sentido se-não o metafórico, já que todo o sentido só surge da substituição de umsignificante por um outro na cadeia simbólica. Refere-se, portanto, no pri-meiro caso à metonímia e, no segundo, à metáfora, assemelhando-as ànoção freudiana de deslocamento e condensação, respectivamente.

Então, duas linhas se cruzam no sentido inverso.

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Mensagem Código

Objeto(Eu)

δδ’

Cadeia

Signt

e.

Dis cu

rso

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É nesse discurso, que curto-circuita β e β’, que se constitui o discur-so comum, o moinho das palavras δ’ β β’ δ, donde não emerge mensagemalguma; é o registro da falação, como diz Lacan.

Então, um circuito vai no sentido inverso do outro em razão de queum desliza sobre o outro; eles se cortam em dois pontos, chamados funçãoponto de estofo, ou ponto de basta, que interrompe o deslizamento infinitodos significantes.

Partindo do discurso, o primeiro ponto [A], onde ele encontra a ca-deia propriamente significante, é o lugar onde estão fixados os diversosempregos do significante, é o lugar de código, do grande Outro, do simbó-lico, “tesouro dos significantes”... É absolutamente indispensável que esseOutro exista, diz Lacan.

O segundo encontro que fecha o circuito, dá-se no ponto γ, onde seconstitui o sentido. É o lugar da mensagem, no qual também alguma coisada ordem da verdade daquele que fala pode advir, já que, na maior partedas vezes, o discurso não atravessa a cadeia significante.

Atenho-me agora aos pontos β β’, que representam duas instânciasespeciais: β’ lugar do objeto do desejo, objeto metonímico; β especificandoo sujeito, o Eu (Je), e indicando, no próprio discurso, o lugar daquele quefala.

Com a iniciação do grafo, Lacan quer mostrar a verdade comum dasexperiências lingüística e freudiana, onde é impossível chegar a uma men-sagem, se não existe uma cadeia de significantes e uma rede de empre-gos, isto é, o uso de uma língua.

A rede de flechas, consideradas de grande utilidade, nunca forammodificadas por Lacan. Irradiando-se da mensagem e do Eu, as flechasindicam, sempre, duas direções contrárias ao seu ponto de partida, ou seja,do Eu em direção ao objeto metonímico e ao Outro; da mensagem emdireção ao objeto metonímico e ao Outro.

É na linha da mensagem ao código e do código à mensagem ondepode operar a criação de sentido, que é o efeito do chiste - ou dito espiritu-oso ou witz, mot d’esprit, trait d’esprit (engenho).

Por que Freud vai escolher o chiste, tão desprezado, para estudar?Porque ele percebeu relações estruturais entre o witz e o inconsciente e asviu no plano formal, isto é, na técnica verbal, no significante. Lacan cria ografo, baseado na experiência, para poder explicar o que se passa no chiste.

Voltemos agora ao famoso FAMILIONÁRIO – será um neologismo?um lapso? um chiste? É um chiste, nos diz Freud, mas o simples fato de tersido possível formular as outras duas hipóteses já nos introduz na ambigüi-dade do significante no inconsciente.

Lacan inaugura seu grafo com o dito espirituoso de Hirsch H. O queele poderia esclarecer? Estruturalmente, o ponto de partida de todo discur-so parte do lugar do Outro, isto é, de A, onde o sujeito o refere como teste-munha — “Tão certo quanto Deus me há de dar tudo o que há de bom” —é fundamental. Reflete-se em seguida em β (Eu), já que é preciso que estese inclua na história; retorna ao Outro (A), — “Eu tinha com S. Rothschildperfeita familiaridade”, e, em seguida, dirige-se para a mensagem ( γ ).

Tudo teria acontecido assim, se Hirch H. tivesse dito “de maneiramuito familiar”, mas não, ele usou familionário.

Então? Lacan mostra que o interesse do esquema é de haver duaslinhas e de os significantes circularem ao mesmo tempo na linha da cadeiade significantes.

Devido à propriedade dos fonemas mili e ar em ambas palavras, háuma perturbação da cadeia por outros elementos significantes.

Lacan explica: há um esboço de mensagem com o significante fami-liar, porém, outro significante, contrabandeado, origina-se em β’, no objetometonímico, meu milionário. É o que interessa para Hirch H. Entretanto, éo milionário quem realmente o possui, e é por isso que esse milionário vemrefletir-se em β’, no lugar do objeto do desejo inconsciente de Hirch. Nessemesmo tempo, familiar chega em A. Organizam-se, então, dois circuitosβ Α γ (familiar) e o contrabando β β’γ (milionário) que se encontram e conju-gam-se na mensagem em γ formando o FAMILIONÁRIO.

É uma mensagem incongruente por não estar no código; para queela seja sancionada como dito espirituoso é indispensável que ela seja

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ratificada pelo Outro, que funciona como Terceiro.O Outro aceita a nova composição significante – familionário – e a

codifica, para que possa ser inscrita no código e admitida como mensa-gem.

Se ninguém se apercebe, quando não aparece o terceiro, permane-ce um lapso, mas não um chiste.

Assim, por um instante fugaz, o sujeito barrado libera-se do interditoe vence o recalcamento. O dito espirituoso é a forma princeps que o sujeitodo inconsciente tem para se fazer ouvir por um Outro.

Lacan percorre exaustivamente os dois livros de Freud, analisandoexemplos “clássicos” escolhidos por este, como quando Freud se pergun-ta do porquê ter esquecido, na hora precisa, o nome do pintor italianoSignorelli.

Lacan mostra aí uma metáfora fracassada ao apelo de memória deFreud, pois o que aparece é um termo que falta (Signorelli), como umaforclusão, um furo no nível da metáfora e, por isso, os destroços metonímicos,os substitutos, assumem toda a sua importância. É um chiste metonímico.Não houve emersão de um novo significante.

Voltando ao início, ao paciente, o que terá acontecido?Bem, seguindo a linha de pensamento até aqui desenvolvida, este

chiste, que teve efeito de interpretação, se apresenta do tipo metonímico,deslocamento para Freud.

Este chiste está na resposta da analista. Segundo Freud, o desloca-mento, habitualmente, pode ocorrer entre um comentário e uma réplica,que prossegue o curso do pensamento em direção distinta da iniciada nocomentário original. A condição é não interpretar o que estava sendo dito, esim deixá-la no seu sentido mais óbvio. E nesta, está o duplo sentido, queconsiste em balançar entre a metáfora e a desmetaforização, a palavracoisa (sachlichen), aproveitando a ambigüidade que possa produzir.

Podemos dizer que naquele desenho, estampado em sua pele, esta-va algo de metafórico do pai idealizado, símbolo do grande guerreiro mata-dor e castrador.

Ora, o chiste está na réplica da analista que consiste em anular, oumelhor, subverter as referências que sustentam a fala do paciente, paradesignar o que é reduzido a uma condição mais prosaica, até ridiculariza-da: por exemplo, como a de um “burro de carga”, carregando um pesadofardo. Ora, avançando mais nas associações, pode-se pensar na expres-são levar às costas, como “ser montado por alguém”, “um sujeito assujeitado”se quiserem, na impossibilidade de caminhar sozinho. E, mais, a de um paiainda muito vivo para poder lhe proporcionar um nome.

A metonímia é a função assumida por um significante no que ele serelaciona com outro significante, na continuidade da cadeia significante, dizLacan. É como um rinque de patinação, onde se desenrola o deslizamentode sentido, que, nesse caso, por ser tão reduzido, se apresenta de formarebaixada e desorganizada.

É nessa dimensão que se coloca, no encontro do discurso com acadeia significante. O paciente põe a analista como testemunha, na posi-ção do Outro, à invocação ao Outro (A) - “o que achas?” - A invocaçãopuxa para o lado do Eu, β, voltando com pai guerreiro para A, lugar comumque o paciente envia para a mensagem pelo caminho A - γ, como objeto deadmiração. Porém, nesse momento, entre γ - A, acontece um retorno damensagem ao código, à linha da cadeia significante — diferente defamilionário que se inscreveu em γ — e, metonimicamente, o termo é reto-mado num plano que não é aquele para o qual fora enviado, mostrando aqueda, a redução, a desvalorização do sentido efetuado na metonímia.

“É nisso que a metonímia é o lugar onde devemos situar a dimensãode valor que é oposta à dimensão de sentido da metáfora”, explica Lacan.

Se há algo que nos faz rir é porque há um retorno ao grande Outro,que remete o sujeito à materialidade da coisa, ou melhor, da letra, no jogode um duplo sentido metafórico.

Afinal, esse chiste queria dizer : “Cai na real, cara, não é nada dissodo que tu estás pensando!”.

É importante ressaltar que Lacan prossegue, passa à segunda partedeste seminário, avançando em Freud, agora tomando como tema o com-

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COSTA, A. M. M. da. Chiste e ironia...SEÇÃO TEMÁTICA

plexo de Édipo, onde a metáfora paterna, o lugar paterno é relacionadocom os três tempos do Édipo. Nesse sentido, o Nome-do-Pai, em sua novaapresentação visa transformar a questão edípica no que ela tenha deestruturante.

É nesse momento que o grafo do desejo é duplicado como suporte àestrutura do inconsciente. Lacan abordará ainda dois temas centrais, quaissejam: a significação do falo e a estrutura das neuroses, enriquecendo ografo ampliado.

“Tudo o que desejamos desde o início do ano, onde começamos atomar as coisas no nível da tirada espirituosa, mostrou-nos a pertinência doque é indicado por este esquema, ou seja, que nada pode organizar-se deuma vida mental que corresponda ao que a experiência nos fornece naanálise, a não ser que haja (...) aquilo que permite ao sujeito discernir esseOutro, lugar da fala, como sendo ele mesmo simbolizado”. (LACAN, Asformações do inconsciente).

BIBLIOGRAFIA1 FREUD, S. Os chistes e sua relação com o inconsciente. In: _____. Edição

Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,1977. v 8.

2 _____. Psicopatologia da vida cotidiana. In: Edição Standard das Obras Com-pletas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977. v. 6.

3 _____. A interpretação dos sonhos. In: Edição Standard das Obras Completasde Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977. v. 5.

4 LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano.In:_____. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

5 _____. O seminário - As formações do inconsciente. Rio de Janeiro: JorgeZahar, s/d.

6 _____. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

CHISTE E IRONIA:O DESENLACE NAS FORMAÇÕES DO INCONSCIENTE

Ana Maria Medeiros da Costa

Qual a memória que as pessoas guardam de suas experiências deanálise? Essa pergunta me retorna ao abrir a Folha de São Pauloe ler o comentário sobre o recente lançamento “Como Freud tra-

balhava”, de Paul Roazen, onde este entrevista 25 ex-pacientes de Freud.Ainda não li o livro, mas o artigo remeteu-me a duas publicações de anti-gos analisantes de Lacan, sobre suas experiências com o mestre. É claroque ninguém iria publicar sobre sua intensa experiência de análise com orenomado analista Zé da Silva, de Cacimbinhas, mesmo que tenha fé que odito cujo mudou sua vida. No caso, essas memórias não dizem tanto res-peito ao percurso de cada analisante, mas a uma demanda de filiação, daqual o lugar social do nome do analista traz reconhecimento.

Se me indago sobre essa questão é pensando que, normalmente,não reconhecemos o que faz memória, porque não temos distância dasidentificações que nos amparam no mundo. Essa falta de distância é o queleva a indagar o quê é mesmo que mantém alguém fiel a seu horário deanálise, duas, três, quatro vezes por semana, durante anos. “Ora”, me diri-am, “que questão mais besta”. E uma avalanche de justificativas viria. Éclaro que a primeira seria a relação com os pais, porque deve ser disso quetratam as análises, não é mesmo? Poderia continuar discorrendo, das ra-zões banais às dramáticas, para chegar sempre ao mesmo resultado: nãohá uma justificativa final. No tempo de Freud poder-se-ia falar em justifica-tiva: “tem aí um médico que, certamente, vai curar esse teu mal, que ne-nhum médico sabe como curar”. Aquilo que só Freud sabia foi incorporadoà cultura, mesmo que somente uns poucos estejam em posição, pela suaformação, de lidar com isso. Mas a palavra “cura” não define mais essaatividade. Quem prefere usá-la, é para dar-lhe novo rumo.

O que faz, então, que se mantenha esse laço? Nada mais, nada

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menos, que esses diabretes chamados formações do inconsciente. Todomundo sabe o que são formações do inconsciente, não é mesmo? Atéseus filhos, no segundo grau, já ouviram falar de um tal Freud e um talLacan, da escola francesa (até Lacan, veja você!), que resolveram se dedi-car a interpretar os sonhos e o édipo. Sobre isso, diga-se de passagem, apsicanálise já viveu seus momentos de maior charme cultural. Já tivemos aépoca romântica, dos surrealistas, e a época engajada, dos estruturalistas.Foi-se o sonho, depois o determinismo, e a psicanálise ficou. Mas, então,se as formações do inconsciente não se definem pelo sonho surrealista,nem pelo determinismo estruturalista, como se definem?

Vamos, então, tratar do que todo mundo já sabe, menos o reles mor-tal, atrás do divã, que precisa lidar com isso todo dia. Sabe como é: emcasa de ferreiro, espeto de pau. E não adianta pensar que o pau é o falo,porque não resolve nada, como já dizia Freud de seu charuto. “Às vezesum charuto é só um charuto” pode ser também “quem me dera que eutivesse o falo”. Desse, ainda não apareceu nenhum doador desinteressa-do, a não ser a custos nunca estipulados no contrato, que todo mundopassou a chamar “dívida simbólica”. O pior é que o “simbólica” nunca ésimbólica, é sempre superegóica.

Tudo bem, vamos tratar mais seriamente dos diabretes, porque afi-nal de contas esta é uma publicação de psicanálise e com isso não sebrinca. Perdoem-me o tom abusado, mas é que sou cética em relação aoestabelecimento definitivo de um saber em psicanálise. Melman, numa pu-blicação denominada “Impromptu Marselhês”, diz que quando somos damesma paróquia partilhamos de um mesmo real. A “paróquia”, pelo menoscomo se situa nesse texto, implica numa determinada referência fálica queproduz a ilusão de que todo mundo se entende e fala a mesma língua. Mas,além disso, essa afirmação sugere que, se mudamos de “paróquia”, muda-mos também de real. É o que Melman propõe em outros textos, quandocoloca que quando se muda de país, pode-se mudar de sintoma. Do que sedepreende que o real não é nenhuma ranhura enigmática de nosso serindividual, que o real sempre é recortado pela língua na qual estamos

imersos. A língua não é uma entidade abstrata, ela também está nessamaterialidade significante das ruas, construções, templos, luminosos, mu-seus, esculturas, cafés... Ela está nessa singularidade cultural, que podenos reconhecer (porque sempre tem um sentido projetivo nisso), para quepossamos falar e produzir.

Isso também se coloca em relação à construção dos conceitos dapsicanálise. Estamos habituados a conviver com propostas teóricas con-traditórias, onde a harmonia se produz por uma condição filiativa. Ou seja,como nos reconhecemos filiados às teorias freudiana e lacaniana, harmo-nizamos os dois autores, tanto quanto seus diferentes momentos, para queeles digam uma e mesma coisa. Em relação ao inconsciente – pilar dapsicanálise – será que o que Freud propõe em 1900 continua se sustentan-do a partir da descrição da repetição? E Lacan: será que o que ele tratou noseminário sobre as formações do inconsciente, se mantém nas suas colo-cações posteriores sobre o gozo e o nó borromeu? E mais: será que Freude Lacan dizem a mesma coisa?

Percebo que colocar as coisas dessa forma leva ao encontro doindecidível. Nunca tivemos uma leitura “ingênua” desses autores e todosaqueles que nos transmitiram seus textos estão contidos nas interpreta-ções que hoje fazemos deles. Mas o exercício de “retorno” faz parte doprojeto lacaniano. Entendo esse retorno não como a busca da pureza deuma verdade perdida – como muitas vezes se conclui do que Lacan propõe– mas para reconhecer as conseqüências do caminho percorrido. Ou seja,reconhecer a diferença que a experiência (as mudanças na língua) produznos supostos que a orientam.

Raramente reconhecemos que nossa experiência produz mudançasna língua, porque sempre estamos interessados em cobrar de um códigonossa suposta submissão. Melhor mesmo é quando um mestre se faz res-ponsável por isso e ele que sofra os efeitos dessa transgressão. Nessasmudanças que a experiência provoca, quantas vezes mudamos de paró-quia sem perceber?

Assim, voltemos ao inconsciente, porque, aparentemente, todo mundo

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sabe o que é. Essas indagações que me fazia no início, sobre a memóriade um percurso individual, podem ser estendidas também ao percurso co-letivo. Ultimamente, tenho pensado o quanto das características dos tem-pos diferenciados de Freud e Lacan imprimiram marcas peculiares, dasquais seus estilos se destacam e às quais respondem. A primeira questãoque me vem diz respeito à escrita freudiana, principal veículo de transmis-são de seu ensino. Pode-se pensar na escrita como uma tentativa de ultra-passar o impasse da separação sujeito/objeto. Nesse sentido, ela podeconter tanto formas resolutivas, quanto resistenciais, de uma determinadaconstituição de sintoma. É nessa medida que escrever é participar do espí-rito de cada tempo, ou seja, do que compõe o laço social. Freud participoudo sintoma histérico e sua escrita pode ser tomada também como tentativade superação do mesmo. Um dos elementos “em trabalho” na escritafreudiana – ou seja, que não faz obstáculo à mesma – é a pessoalidade.Nas correspondências de Freud, tanto quanto nos seus textos ditos teóri-cos, ele não diferencia sua pessoa – aquilo que lhe seria mais íntimo – dosuniversais da psicanálise. Indo ainda além: Freud não personalizava suascomunicações mais íntimas, tornando-as um campo de investigação e pro-dução que não lhe pertencia, que ele nomeou como inconsciente e queregistrou como um saber que não era seu, mas da psicanálise. Neste sen-tido, ele não economizou uma exposição pessoal. Pode-se pensar que essamaneira de expressão tentava transpor o que mais faz obstáculo na histe-ria: a tensão irresolvível entre a encarnação, aquilo que faz corpo, e umuniversal.

Será que a produção de Lacan, de alguma maneira, não participouda vertente da impessoalidade obsessiva? Alguns indícios podem apontarisso, não somente nas abordagens temáticas (onde nome, reconhecimen-to e ato adquirem posições privilegiadas), como também na busca por ex-cluir qualquer pessoalidade da produção teórica. Aqui talvez a tensãoirresolvível se situe entre parricídio e ato.

Estas observações podem constituir-se em simples curiosidadessobre grandes obras, no entanto, servem para assinalar que toda produção

é uma resolução de sintoma. Se essa resolução é uma ultrapassagem, ounão, depende de seus efeitos. Nem Freud constituiu-se no mestre da histe-ria, nem Lacan no mestre da obsessão. Pelo contrário, suas obras permi-tem a leitura de todas as organizações clínicas. No entanto, que tenha ha-vido uma disseminação do ensino lacaniano nesta época, na qual as ex-pressões obsessivas parecem sobrepor-se às expressões histéricas, nãodeixa de fazer-nos questão. Toda obra interpreta o sintoma do tempo, noqual o autor está imerso. Que sua obra permita um desenlace desse sinto-ma (que muitas vezes não tem efeitos na vida privada do autor) é o quelança o mais singular e íntimo para uma atemporalidade universalista. Comojá dizia Freud, os escritores sabiam disso muito antes dos analistas, sabi-am como desenlaçar as formações do inconsciente.

Do colocado até aqui, temos, então, o que faz laço e o que desenlaça.A “paróquia” faz laço e é nesse sentido que o sintoma pode ser uma língua.Na descrição das formações do inconsciente, Freud deu o mesmo estatutoao sonho, lapso e chiste. Já Lacan, desde o início, tratou o chiste de manei-ra diferente. Ele primeiro interessou-se pela estrutura, naquilo que foi deno-minado, por Freud, terceiro ausente, do qual o chiste trata. Pareceu-lhe queesse ausente, organizador do chiste, poderia “desencarnar” a palavra, libe-rando-a ao jogo simbólico. É o que o faz dizer mais tarde, no Seminário 11,que a interpretação deveria ter a estrutura do chiste. Assim, pode-se dedu-zir que o sonho e o lapso enlaçam, na medida em que demandam um intér-prete, e o chiste desenlaça, na medida em que dispensa o intérprete. Não écurioso dizer que uma interpretação deve dispensar o intérprete?

Em outro lugar, tentei fazer uma aproximação da ironia com o chiste.No limite, eles se confundem. Diria que a ironia está mais para um desenla-ce possível de algo que se manifesta como agressividade, quando está nasua vertente especular. É claro que nem toda ironia participa dessa organi-zação do terceiro ausente. Ela pode estar colocada como forma de ataqueà falta no outro e, nesse sentido, não incluir o sujeito que a produz. Masquando o inclui, ela participa, como o chiste, da organização do terceiroausente. Pareceu-me importante sublinhar a ironia, destacando-a do chiste,

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JERUSALINSKY, A. A flor do esquecimento.SEÇÃO TEMÁTICA

tomando como base uma publicação de Nestrovsky, onde ele propõe aironia como uma característica da literatura a partir da modernidade. As-sim, essa espécie de desenlace poderia caracterizar o sujeito moderno.

Como curiosidade: Lacan era extremamente irônico, tanto na suaprodução textual, quanto falada, da qual seus seminários nos dão testemu-nho. No início de sua produção, essa ironia participava de sua crítica viru-lenta contra posições a que se opunha. No entanto, ela também participoude suas construções mais criativas. O Seminário 20 é um bom exemplodisso. Querem melhores ironias do que “A mulher não existe” e “não hárelação sexual”? Até hoje estamos tentando interpretar o que nessasenunciações não tem explicação.

Então, o sonho e o lapso enlaçam – demandam um intérprete – e ochiste e a ironia desenlaçam – dispensam o intérprete. É claro que, parapoder desenlaçar, é preciso primeiro estar-se bem anolado. Ou seja, é pre-ciso estar-se na língua (no sintoma) para poder criar com ela. Isso compõea banalidade (difícil) do trabalho clínico, que precisa primeiro construir asuposição de um intérprete (o tal sujeito suposto saber), para passar pelaexperiência de dispensá-lo.

A FLOR DO ESQUECIMENTO

Alfredo Jerusalinsky

“Já faz longo tempo que acostumei-me aestar morta... para mim é mais apropriado re-ceber de tuas mãos a flor do esquecimento”JENSEN, W., “Gradiva”, apud S. Freud, ObrasCompletas, v. 1, p. 621

Jensen negou-se a colaborar com os psicanalistas de seu tempo paraindagar sobre as razões inconscientes de sua criação literá-ria, embora deva principalmente às citações de Sigmund Freud a lem-

brança ainda atual de sua obra. Precisamente, que sua ampla divulgaçãono mundo tenha acontecido pelo mérito de revelar as estruturas do incons-ciente e, em particular, do delírio amoroso, e não pelo seu mérito poético, éclaro, não podia ser do agrado do autor. Porém, não conseguiu ocultar asrepetições reveladoras que, no resto de sua obra e, particularmente, nosdados autobiográficos contidos na sua novela póstuma “Estrangeiros entreos homens”, demonstram a presença de uma inibição sexual na vida amo-rosa que, é bem provável, lhe seria própria, senão como sintoma, ao me-nos como fantasma. Ali aparece a vida de um homem que “acha uma irmãna mulher que ama”, assim como em sua novela “A sombrinha vermelha”,na qual retorna a figura de uma mulher supostamente morta deambulandonas ruínas, nesse caso, de um castelo.1

1 As três narrações citadas têm um tema em comum: o desdobramento de uma paixãoamorosa pelo efeito a posteriori de uma primitiva intimidade infantil de natureza fraterna.(segundo observação de S. Freud em “O delírio e os sonhos na Gradiva de W.Jensen”,1912)

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Pela sua parte, o fantasma da Gradiva - “que brilha ao andar”2 - en-quanto passeia ao ardente meio-dia pelas ruínas de Pompéia, repetindo ográcil gesto do pequeno pé do baixo-relevo grego, relevo do qual acaba deescapar e espanta uma grande lagartixa. Mas, como uma alucinação pode-ria perturbar o tranqüilo repouso de um réptil? E, ainda, como é possívelque a bela romana dissolvida pela ardente lava, que em agosto do ano 79invadira a cidade, apareça tranqüilamente sentada, na casa de Meleagro,respondendo em alemão às interpelações que Hanold lhe endereça, pri-meiro em grego e depois em latim.

É muito simples. Trata-se do fantasma fundamental do personagemque Jensen construiu para dar conta daquilo que sustenta sua própria fon-te criadora: seu fantasma fundamental. Com efeito, Norberto Hanold fazuma viagem – desnecessária – à Pompéia, perseguindo a bela Gradiva deseu sonho, que não é mais que sua pequena vizinha. Agora, transformadaem mulher, Zoe Bertgang passeia por Pompéia assustando lagartixas.

Coincidência entre o fantasma e a realidade, nada casual, que cons-titui o delírio à medida que se erige como “fantasma real”3. Ao mesmo tem-po, forma-se uma operação literária que, enquanto formação do inconsci-ente, responde à impossibilidade de uma realização amorosa no fantasmade Jensen. Se, no fantasma do escritor, a impossibilidade reside na condi-ção fraterna e infantil que separa os amantes; na personagem do arqueólo-go, são mil e oitocentos anos que o separam de sua pequena amada.

“Que alguém deva morrer para chegar a estar viva ?!” é o escândaloque causa, a Zoe, a posição do inconsciente de Hanold, que o determina aprocurar tão longe o que tinha tão perto. Enquanto ela, também em plenaignorância da significação de seu ato, volta a fazer, calçando sua pequena

sandália, o movimento exato e necessário, para manter a continuidade coma posição exibida pela jovem do baixo-relevo de pedra.4

Jensen constrói o sonho que tematiza a Gradiva numa posição quetem equivalência com um delírio. Por isso, ele causa a viagem do jovemarqueólogo, provocando perturbações para identificar a jovem Zoe que –tendo viajado também para Pompéia – passeia na sua frente. Nem tudo,porém, se esclarece no desvelamento que a própria Zoe produz.

“Até nos sonhos melhor interpretados podemos nos ver obrigados adeixar na escuridão determinado ponto, pois advertimos que constitui umfoco de convergência das idéias latentes, um nó impossível de desatar,mas que ao mesmo tempo não tem aportado outros elementos ao conteú-do manifesto. Isto é então o que podemos considerar o umbigo do sonho,ou seja o ponto por meio do qual este se encontra ligado ao desconhecido.As idéias latentes descobertas numa análise não chegam nunca a um limi-te e temos que permitir que elas se percam no tecido reticular de nossomundo intelectual. Da parte mais densa desse tecido se eleva logo o dese-jo do sonho.”5

Essa consideração clássica de S. Freud nos leva a indagar sobre aparticular formação do inconsciente, definindo tal posição radical do fantas-ma. Surge ali a proposta lacaniana que, enveredando pelos mesmos ru-mos que Freud havia proposto como ponto de partida, nos inclina a tomaras formações relativas à filiação, à sexuação e às identificações como tra-

2 Idêntico significado do sobrenome da colega que o personagem – o arqueólogo NorbertoHanold – conhecia – e amava sem sabê-lo - desde a infância: Zoe Bertgang. (apontamentode S.Freud, op.cit.)3 Expressão que o mesmo S. Freud usa para referir a consistência que a fantasia toma nodelírio ou na sua posição – necessariamente delirante – de alicerce do sonho, ou de qualquerprocesso inconsciente. (Id., ibid., p. 588)

4 “O baixo-relevo ao qual Jensen atribui uma origem romana, no qual se encontra a figura –marcada por um andar peculiar – à qual ele dá o nome de Gradiva, pertence, na realidade, àépoca do florescimento da arte grega, e se encontra no Museu Chiaramonti, catalogado como número 644 (...) Forma um conjunto de fragmentos que se encontram em Florença eMunique, e que representam às deusas da vegetação acompanhadas pelas divindades doorvalho fertilizador. (...) Cada fragmento tem três figuras femininas, e uma delas apresenta aparticularidade no andar que é sublinhada por W. Jensen. (in nota de S. Freud, ibidem, p.626)5 FREUD, S. La interpretación de los sueños - Psicología de los procesos oníricos. In: ___.Obras Completas. Madri: López Ballestero, 1948. v. 1 cap. IX.

JERUSALINSKY, A. A flor do esquecimento.

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ços constituintes desse fantasma, chamado de fundamental, precisamen-te, porque é ele que se irá repetir a cada momento traumático, inclinandode modo peculiar os traços da memória.

No jovem Hanold, aparece a língua alemã como traço de sua filiação(sendo a língua em que sua amada lhe responde, apesar de sua supostaorigem grega). É o que se repete no nome (Gradiva - Bertgang: a que brilhaao andar) como traço identificatório, já que é essa continuidade do sentidoo que lhe permite se reconhecer através das diferentes línguas. É o peculi-ar movimento ao andar, com o tornozelo que assoma, como traço que sus-tenta sua sexuação (caracterizada pela inibição) na posição de recalque,que constitui seu sinthome.

“Nó do sonho” que perfaz seu objeto - pequeno a - na posição deimpossível para a relação (o pequeno pé da Gradiva de pedra) e que divideo sujeito entre o real e o ideal (o resíduo da fantasia infantil representadapor Zoe, contraposto à Gradiva ressuscitada, deambulando pelas ruínas dePompéia), lançando-o no vector interminável (na viagem ou travessia) deseu desejo (uma paixão irreal).

É aí que encontramos os três registros, já que cada traço, que res-ponde a cada ordem operatória, se inscreve numa série que constitui umacadeia. Assim, podemos dizer que a filiação se alicerça no viés simbólicodo significante primordial, que as identificações o fazem no viés imaginário(traço unário) e a sexuação se apóia na face real do corte que o S 1 (en-quanto Nome-do-Pai) provoca. A medida que essas posições do significanteconstituem uma cadeia (S 1 - S 2), articulam uma versão de saber sobre oobjeto, aquele que nasceu como perdido, na mesma operação de sua dife-renciação em relação ao sujeito.

Esse é o ponto em que se situa o “umbigo do sonho”, ou o “nó dosonho”, que equivale ao fundamento de qualquer processo psíquico relati-vo ao inconsciente. Originado pela Urverdrängung (o recalque originário),ele encontra a sua expressão mais formalizada no nó borromeu, propostopor Jacques Lacan, como modo de escrever a posição lógica do núcleoirredutível que organiza o cerne das relações do sujeito com a linguagem.

Simplesmente, o ponto de amarração que determina o que cada coisa querdizer.

É claro que, se assim ficasse exposto tal núcleo, o sujeito veria àplena luz do dia, exibido diante do Outro Social, o mais secreto e íntimo deseus desejos. Aquele que nem a si mesmo atreve-se a confessar. Alémdisso, ali se encontram as bordas mais insuportáveis (por representar, demodo direto, o impossível) dos percursos da pulsão. Foi o que fez Freuddizer que os psicanalistas passavam, necessariamente – na sua formação–, por uma “excursão ao inferno”. É por isso que a esses três registros seacrescenta o círculo do sintoma. Que, à medida que se trata do sintomanecessário à própria estrutura do sujeito, o distinguimos com uma formaespecial de escrevê-lo: sinthome. É o que empresta a elegância de seudisfarce, para ocultar a feiúra de sua impotência.

Afinal de contas, W. Jensen, ao escrever suas três novelas, recobriucom um manto poético o nó do sonho que, enigmático, permanecerá sem-pre seu, e somente seu.

JERUSALINSKY, A. A flor do esquecimento.

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madura, casada, mãe de filhos. A morte do pai de carne-osso sinalizou suaprópria débacle.

Joel Dör diz que o pai físico, com sua presença, desempenha o pa-pel de embaixador do pai simbólico, agente encarregado de cumprir fun-ções de esperada autoridade junto à mãe e filho/a. Nesse aspecto, sujeita-se às determinações do simbólico, ainda que sem desmitificar as expecta-tivas de seu entorno. Como ser simbólico, então, o pai é assujeitado pelalinguagem; e por esta deve se instalar numa rede de comunicação do dese-jo, como o embaixador que lhe compete ser. No desempenho dessa funçãohá que submeter-se às normas culturais e o melhor ou pior manejo dassituações que o envolvem vão classificá-lo no imaginário dos outros: bompai, mau pai. Sem esquecer que ser um bom pai ou um mau pai, referenciadoao ideal, nem sempre tem muito a ver com o que se pode perceber.

A circulação do desejo estabelece uma nova permeabilidade ao paiimaginário e a figura desse pai simbólico se diferencia no mundo de cadaum dos filhos. Talvez se pudesse depreender daí uma “a-realidade” à figurapaterna, senão à função paterna. Daí que, por transcender a função à figu-ra é que aquela está no interesse da psicanálise.

Também Lacan propõe esse pai simbólico como marcante de umafalta na estrutura significante: ao se inscrever o Nome-do-Pai, implica-seestabelecer uma lei - a lei da proibição do incesto. Lei simbólica, por exce-lência, vai instalar na cultura o homem da natureza. E, o pai, naturalmentehomem, só assume sua função cultural através do discurso significante,que propõe à filha em depressão: “costas quentes”, um calor que lhe impe-de de decifrar sua própria mensagem: “Pai, todos têm. Mas o meu era es-pecial”.

FOLBERG, M. N. O pai.

O PAI

Maria Nestrovsky Folberg

“P aiêee... O grito ecôou sob o céu de verão. Meu pai estava sen- do enterrado e eu estava ali, sem poder fazer nada. Apenas vendo as coisas acontecendo; meu pai no caixão, o caixãosendo enterrado. Nos primeiros dias que se seguiram, custei a acreditarque não fora um pesadelo. Meu pai era meu amigo, sempre, incondicional.Minhas “costas quentes”. Hoje, 28 anos passados, ainda sinto falta dele, doouvinte atento, do observador inteligente, do meu admirador. Eu sabia, eusentia, que meu pai me amava. Pai, todos têm. Mas o meu era especial”.

O relato que começa esta reflexão é de uma mulher de 60 anos.Ela veio me procurar porque está enfrentando (eufemismo: está to-

mada seria mais realista) uma crise de depressão. Vem e me entrega afolhinha escrita. Sente-se só, muito só, apesar de ter muita gente à volta, eescreve um diário. Fiquei pensando nessa idealização do pai. A falta do paitem a ver com essa depressão, que a assola aos 60 anos. É nele que elapensa, é a ele que se remete quando fala na falta de um amigo. Mais doque alcança nossa vã filosofia, esse pai marcou um lugar. Inconfundível,insubstituível. Tão “imexível” que continua a ocupar esse lugar, que nuncaficou vazio.

No mundo de seu real, suas marcas permanecem vivas no inconsci-ente, longe das mazelas; o que lhe dá a força suficiente para interferir comosintoma no seu dia-a-dia. A marca desse pai tão especial, que chega a serprimária em substituição às de uma mãe falecida quando ela tinha um anode idade, manteve-se intocada ao longo dos anos. Houve outro casamen-to, outros filhos, seus meio-irmãos, mas o pai continuou a ser seu. A ma-drasta, “uma figura apagada, fazia o possível e o impossível para me agra-dar, pois assim agradava ao pai”. E ela, a preferida desse pai-paxá, agra-dado por todos, idolatrado... Mas ele morto, quem suprirá seu lugar de ide-al? Não importa que naquela altura, há 28 anos, ela já fosse uma mulher

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pelo avesso ao saber que tem, tornando-o porta voz de um outro dizerpossível. Na análise, na palavra que escutamos no discurso manifesto, atra-vés ou apesar do sujeito, encontramos a emergência do desejo, do Real,impossível de ser dito, no lugar onde a linguagem falha, em que há umtropeço e falhando diz outra coisa, próxima à verdade. Esta pode surgirpelo representante mais manifesto da equivocação – o lapso em que aação se chama, impropriamente, falhada. Lacan1 considera os lapsos atosbem sucedidos. São palavras que tropeçam, mas são palavras que confes-sam. Revelam a verdade. Emergem na associação livre, na imagem dosonho, no sintoma.

No lapso a aparente falta de sentido implica um sentido inesperado.Este tropeço da linguagem não é uma falha, como afirma Lacan, mas sim oresultado de uma produção. É um saber sem sujeito, onde a letra parece sedebater, procurando se desprender da significação da palavra ou frase quea aprisiona.

Vejamos o que nos diz Lacan sobre o esquecimento do nome, apartir de Freud e fundamentado sobre as leis do inconsciente: “do maissimples ao mais complexo dos sintomas a função do significante revela-sepreponderante por surtir efeito neles já no nível de equívoco...”2. Comple-menta com a análise do princípio do mecanismo do esquecimento. Nodesfalecimento de uma frase, de uma palavra pronunciada, algo se estatela;é ali que Freud vai procurar o inconsciente. É no esquecimento, no tropeçoda memória, que primeiro ele apóia sua demonstração, concernente à pa-lavra Signorelli.

Este esquecimento não é um esquecimento absoluto, em seu lugarapresentam-se outros nomes. O surpreendente é que não vê nada em suassubstituições, há algo que precisa se deter. O surgimento desses nomesem lugar do esquecido, nessa formação de combinações de laços associa-tivos revelam o nome esquecido e os elementos recalcados.

CALLEGARI, A. I. Formações inconscientes.

FORMAÇÕES INCONSCIENTES

Anna Irma Callegari

As formações inconscientes manifestam-se na linguagem com umaestrutura formal expressiva, singular e semelhante. A palavra ver-dadeira irrompe na fala do sujeito, que se esforça para burlar a cen-

sura, provocando uma ruptura entre o significante e o significado. A formapela qual o inconsciente se manifesta é através de fragmentos da fala querevelam o inusitado. As formações inconscientes significam sempre outracoisa diferente daquilo que efetivamente aparece, como efeito a ser inter-pretado, seja pela descontinuidade do emitido, seja por homofonia, absur-do lógico, ou por um lapso, ato falho, ou outro efeito que não é qualquer um.Há um tropeço na utilização da língua à disposição do falante, desafiando asua expressividade.

Assim, no curso do discurso, o analisante vai buscar o fio da tessituraantiga, a primeira marca, que faz parte de sua história. São frases, pala-vras, letras que se refazem, se reatam, frases curtas, palavras, letras... ede frase em frase até a sentença segue o fio da malha para refazer a suahistória.

A palavra que o sintoma aprisiona ao orgânico encontra ressonânciana escuta inconsciente do analista. O analisante tenta uma descrição des-de a pré-história do sujeito que veio a ser, até a sua situação atual, emconfronto com a vida e com a morte.

Lacan, nos Seminários sobre A formação do inconsciente (1956 e1957) tomará como fonte para o estudo do tema, entre outros textosfreudianos, a Psicopatologia da vida cotidiana.

Sem pretender aprofundar o título do trabalho, abordaremos, de modosucinto, duas formações inconscientes: o lapso e o esquecimento do nomepróprio.

Partimos do pressuposto de que a psicanálise é uma forma dedesordenamento do que é dito pelo sujeito, na direção de um não-saber, 1 LACAN, J. Livro 1. Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979, p. 302.

2 LACAN, J. Escritos . Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 448.

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irmãos. Em especial, centrava-se na questão relacionada com a figura dopai, velho, doente... Fora ela, a moça, que cuidara do pai até a morte. Tam-bém não lembra o nome do referido personagem.

Entre as questões que nos interrogam está: o que é que fragmentaantico? qual pensamento recalcado estaria neste som?

O esforço que faz para resgatar o nome se concentra na primeiraparte da palavra e da sua ressonância semântica: anti (antiga, antico,anticoado). São restos, sobras, explicações que usa para contornar o bura-co, a falha, o esquecimento que tenta obturar.

A questão, poder-se-ia dizer, está literalmente aí, manifestada porestas explicações, mas o nome Antígona não é evocado. Justamente, por-que nestes traços de significante perdido está uma realidade impossível deenfrentar e suportar, o real, a morte, com conotação pessoal. Dizia respeitoa ela mesma, a analisante, que também passara por esta experiência: do-ença, morte do próprio pai.

Então, na medida que este nome, Antígona, poderia revelar o maisprofundo segredo de seu dizer, ele não é dito, cai no recalque, põe em cenaum gozo.

Que gozo seria este? A morte do pai?A analisante não só cuidara do pai, mas também, após sua morte,

assumira o lugar dele, (diz textualmente) “como chefe de família, responsá-vel pelo bem estar da mãe, irmãos... guardiã dos bons costumes e da mo-ral”.

Bem, o que poderia, ainda, ter de relevante no esquecimento donome?

Retomando o que afirma Melman em “Os emigrantes”, “se o incons-ciente como tal é constituído pela letra, bem mais que pelo significante”5, oque será que pretende articular, através dessa fragmentação? Ao formar afrase explicando a história da Grécia, usa a palavra antico. Faz a correção

Tomemos a afirmação de que o inconsciente é uma linguagem expri-mível em qualquer língua, mesmo que seja o dialeto. “É como se pudésse-mos chamar o sujeito de volta para casa, no inconsciente”3, como nos dizLacan. Considerando o dialeto a língua recalcada, que surge num contextosócio-cultural e emerge de forma simples, de modo tropeçante, cujo econão escapa ao constrangimento, mas que na fluência verbal do discursoanalítico aparece, enganando a censura, criando novas formas de expres-são.

Ainda acrescentamos o que Melman sustenta em relação à letra,especialmente, como ela opera, gerando possibilidades de outro efeito desentido, “nas representações usuais do inconsciente que, como tal, é cons-tituído pela letra, bem mais do que pelo material significante”4.

Nestas representações inconscientes, o esquecimento de nomes,no exemplo Signorelli, bem como os nomes que Freud usa para explicar,gera desarticulação do discurso.

Vejamos, para ilustrar, o fragmento de uma sessão:A analisante inicia falando de uma peça teatral que assistira na vés-

pera e diz: “Ainda estou muito irritada e indignada, pois nunca vi e ouvitanta promiscuidade: nos gestos, na roupa, nas palavras... Tive vontade deme levantar e protestar, me deu nojo. Como é que permitem tanta obsceni-dade!...

Não lembra o nome da peça. Então, tenta relatar, com detalhes, oconteúdo que constituía o texto. Esclarece: “era algo relacionado com oque aconteceu no passado, na Grécia. Dizia respeito a normas, leis, reli-gião, política, educação, costumes da época. Tudo se referia a um modomuito antico...” (fica em silêncio). Continua: “anticoado... ultrapassado.”

Explica que o personagem principal era uma moça muito desafiado-ra e contestadora... (Não lembra o nome). Havia um conflito familiar entre

CALLEGARI, A. I. Formações inconscientes.

3 LACAN, J. Livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro:Jorge Zahar, 1979, p. 49.4 MELMAN, C. Emigrantes . São Paulo: Escuta, 1992, p. 75. 5 Idem, ibidem.

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e a substitui por anticoado. Neste desvio, que se poderia considerar sintá-tico, há uma interferência no plano lexical. Poder-se-ia considerar uma apro-ximação de uma forma de dialeto. Ao expressar a palavra, primeiro usa oitaliano antico. Tenta depois dar-lhe uma forma de expressão em portu-guês, mas, nesta produção, aparece o erro anticoado. Nessa transgressãodas regras há um tropeço que, burlando a censura, trai o lugar do desejo,ou melhor, o desejo sem lugar.

O nome recalcado, Antígona, ligado metonimicamente aos fragmen-tos, não libera a cadeia associativa, que possibilitaria o caminhar analíticodo sujeito. Nesse interdito a analisante não pode articular plenamente odesejo constitutivo na cadeia, o que seria realizar o desejo paterno, dandosustentação a montagem fantasmática de sua história.

Nesta fragmentação (anticO - anticoA), há uma letra, nos lembraMelman quando escreve: “se a letra é efetivamente marca, comemoraçãodo ato falho, ela barra o sujeito em seu surgimento, em sua imposição (...)Reduz a puro corte, aquele de que se entretém o desejo do sujeito e sesuporta a partir do inconsciente organizado por um corpo de letras”.6

Seria, então, relevante a possibilidade deste trabalho da letra sertomado como operador de estrutura, que sustenta uma posição, fixa nointervalo O - A, num efeito de transliteração de letras, do posicionamento einversão de uma diferença peculiar, a diferença sexual, de cujo equívocopoderia ser deduzida a produção ou a emergência do sujeito de desejo.

Não estaria justamente aqui presente o desejo paterno, que ela tentarealizar? Quando ela nasceu, o pai esperava um filho homem e era nestelugar que o pai sempre a colocava, de certa forma confirmado por ela mes-ma, quando diz: “com a morte do pai assumi o lugar dele, como chefe defamília, guarda da moral”... Não realizaria assim o desejo do Outro? Poder-se-ia pensar que, no caminho da realização simbólica feminina, se deteve,tomando o viés de uma identificação com o pai, resultando daí sua queixa,

CALLEGARI, A. I. Formações inconscientes.

a de ser frustrada daquilo que ela mesma recalcou – sua posição feminina.Para concluir, acrescentamos que as formações inconscientes são

textos que podem ser lidos, e que a análise é uma leitura. O psicanalista aoler o que diz o analisante, ocupa um lugar. Mas este lugar não pode sertomado como a ilusão de ser analista, como uma conquista definitiva. Épreciso tomar a escuta analítica como um aprendizado sempre presente,constante, e mesmo inesgotável. Reconhecer que o saber do psicanalistalhe assinala o seu não saber sobre o sujeito.

Assim, o desejo interditado, abordado no fragmento clínico, que emer-giu nas formações inconscientes, sob a forma do esquecimento do nomepróprio, do lapso, em seus deslizes, tropeços, fraturas, silêncios e dobrasda linguagem, traz e trai a presença do desejo que se faz escutar.

6 MELMAN, C. Estrutura lacaniana das psicoses . Porto Alegre: Artes Médicas, 1991, p. 150.

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SEÇÃO DEBATES

Rapidamente, esse juízo estético-moral negativo se tornou banal:um verdadeiro traço do espírito moderno. Achar nosso mundo vulgar virouum modo de parecer diferente, quem sabe meio nobre. É, em suma, umavulgaridade a mais.

Os europeus por exemplo, acham os americanos (todos, norte e sul-americanos) vulgares.

É a maneira de se afirmarem como uma espécie de aristocrata domundo ocidental. Na verdade, é bem possível que essa mesma presunçãoseja a maior vulgaridade européia.

Resta que o continente americano nasceu com a modernidade e porisso mesmo não despreza os novos-ricos. Na casa do liberalismo modernovalemos o que mostramos: portanto somos todos novos-ricos. O Brasil, emparticular, apesar de sua modernização tardia, chegou a inventar um eufe-mismo para poupá-los: os emergentes.

Os emergentes da última hora são sempre um pouco cômicos. Pormais que decorem Costanza Pascolato ou Glória Kalil, são traídos pelapressa, pelo excesso e pela sede infinita de reconhecimento.

Mas todas essas são vulgaridades aceitáveis, inerentes à nossa cul-tura.

Então, por que diabos, nesse restaurante paulista, sigo achando queuma parte de meus vizinhos são vulgares a ponto de me causar mal-estar?

É algo que não concerne à ostentação. Meu mal-estar tem a ver coma maneira amigável com que eles tratam os garçons. Na verdade, quantomais eles parecem cordiais, mas eu acho eles vulgares.

Há um famoso exemplo de ato falho, narrado por Freud. Alguémquer dizer que foi tratado amigavelmente por um homem muito mais rico doque ele e comenta: Me tratou de maneira “familionária”. O que deixa pensarque, atrás da familiaridade, o sujeito percebera a condescendência pater-nalista e a distância de classe.

Pois bem, talvez os brasileiros, por serem cordiais, se tratem comsimpática familiaridade. Mas a cordialidade da classe média com os subor-dinados é “familionária”.

CALLIGARIS, C. Cordialidade familionária.

CORDIALIDADE FAMILIONÁRIA

Contardo Calligaris

Almoço de Domingo em um luxuoso restaurante de São Paulo. Mu-lheres, maridos, crianças, adolescentes, avós e sogras, todos – ecada um ao seu modo – obedecem às regras contemporâneas da

diferença social. Ou seja, ostentam qualquer coisa para afirmar, confirmare comunicar ao mundo a classe social da qual querem fazer parte.

Será que o enorme Breitling de ouro à minha direita foi compradosó para saltar aos olhos e deixar acreditar em uma riqueza de fato fali-da? Será que o velho Rolex de aço à esquerda significa um status tãoestabelecido que nem precisa mais dar bandeira, ou é indício de deca-dência? Vai saber.

No conjunto, de qualquer forma, a ostentação é discreta. O Brasilajuda: afinal, ninguém sai de casa piscando jóias que nem uma árvore deNatal – é perigoso. A ostentação passa mais nas conversas. O pessoalbriga sussurrando, chora atrás de óculos escuros, mas levanta a voz quan-do se trata de contar as últimas férias, o barco, “apê” em Paris.

Até aqui, nada de especificamente brasileiro. A modernidade liberalé ostentatória por definição. Para que o sistema funcione, não somos qua-se nada por essência ou por nascença. Passamos a existir só no olhar dosoutros.

Portanto, é preciso ostentar: bens, inteligência, saber, humor, atéespírito crítico ou insatisfação. Qualquer coisa que nos qualifique e, assim,dividindo e compondo grupos, ordene a sociedade.

Por ser ostentatória, a modernidade pode parecer uma época bemvulgar.

Originalmente, essa era uma opinião reacionária. Para quem fundarseu privilégio no sangue – nobres, latifundiários coloniais etc -, os moder-nos são todos farofeiros que empurram e vociferam para chegar à janela dahistória.

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SEÇÃO DEBATES

MANUSCRITOS DA ORIGEM

Edson Luiz André de Sousa

“No começar Deus criandoO fogoágua e a terraE a terra era lodo torvoe a treva sobre o rosto do abismoE o sopro-Deusrevoa sobre o rosto da água ...”GÊNESIS (Trad. Haroldo de Campos)

O trabalho plástico de Richard John revela de forma categórica o carácter ficcional de uma origem. Capturando certas imagens emblemáticas e significantes como pólos catalisadores de histó-

ria, confronta cada espectador com alguns manuscritos perdidos no tem-po. Manuscritos fundantes e escritos em grande parte por Outros, nos de-bruçamos sobre eles com a cegueira habitual e inevitável dos pressupos-tos e preconceitos de nossas épocas. Tateamos uma forma possível daverdade e tentamos focar na sombra do que ainda podemos ver um sentidopara nossa existência. Como não existe texto sem leitor e obra artísticasem espectador, temos que nos dobrar a uma arte interpretativa. Forçadosa abandonar a revelação intuitiva e transcendente da verdade, tropeçamosno muro da linguagem para encontrar uma forma (mesmo visual) compatí-vel com nossos ideais. É por isto que as pinturas de Richard John tem umafunção, que eu nomearia, de tradução. Tradução que revela no próprio atodo seu gesto as metamorfoses no destino de um significante. É como opoeta mencionado por Fernando Pessoa, que, quando quis tirar a másca-ra, esta já estava colada ao rosto. Quem poderia afirmar com certeza qualfoi o enredo da origem? O fragmento do Gênesis, na brilhante transcriaçãode Haroldo de Campos, é uma justa homenagem ao trabalho paciencioso einteligente de Richard, cujas obras revelam uma vocação arqueológica.

O conjunto de trabalhos que vem fazendo, principalmente a partir de1994, e que culminou naquele ano numa exposição individual na Casa de

SOUSA, E. L. A. de. Manuscritos da origem.

Já foi notado várias vezes que a cordialidade nacional é uma panto-mima comunitária que quer esconder a crueldade das diferenças sociais.Uma maneira de amenizar a contradição social para deixá-la por mais umtempo irresoluta.

Agora o país parece adotar as modalidades liberais da diferença so-cial, ou seja, nos dividimos em grupos e classes segundo riquezas e quali-dades ostentadas. Viva a modernidade! Mas esse tipo de divisão socialnormalmente pressupõe que condições mínimas de mobilidade social se-jam garantidas a todos.

Sem isso, a cordialidade – que já era hipócrita – vira gozação. Umaespécie de piada obscena permanente.

Somos modernos, globais, “jetséticos” e, com isso, “benevolentes”,cordiais donos de engenho. No mesmo domingo, jantar em outro restau-rante. Somos os últimos. Os garçons, exaustos depois do dia interminável,esperam apoiados contra as paredes.

Quero ir embora, mas alguns amigos insistem, eles são conhecidosno restaurante: “Carlinhos, tem problema, dá prá ficar mais um pouco?”. ECarlinhos, naturalmente, diz que não: “Imagiiinaa”.

Sinto as dores dos sapatos baratos, os calos imemoriais de quemserviu as mesas desde a manhã. Penso nos contratos de trabalho fajutos,nas horas extras nunca, ou mal pagas – ainda menos em plena crise deemprego. “Amigo, traz mais uma água para a gente?”. Mas qual amigo?

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SEÇÃO DEBATES

Diante destes trabalhos, nos reconciliamos em parte com uma histó-ria que está sempre escapando por entre nossos dedos. Capturar essahistória em algum traço de imagem, em alguma palavra, em alguma lem-brança, redimensiona nossos percursos possíveis. Richard John revela,por exemplo, os efeitos produzidos em seu trabalho plástico a partir doencontro de um poema de sua mãe, escrito quando esta tinha 13 anos deidade. A pintura se apropria de uma verdade. Como diz Richard John, “pin-tura para mim é portanto espaço de uma verdade... como o lótus, que nas-ce na água lodosa”.

Cultura Mário Quintana, intitulada Cosmogonia, mostra-nos uma série deimagens de Jesus. A continuidade desse trabalho vem se desenvolvendocom outra série de pinturas que Richard nomeia Morphing Jesus. Quemduvidaria da verdade dessa imagem? Como ele sublinha, em uma de suasreflexões sobre seu trabalho, “acabei encontrando na imagem de Jesus asíntese icônica de minhas intenções representativas”. Produz, com seugesto, um espelhamento às avessas do próprio processo de criação. Porum lado, a criatura criando o criador à sua própria imagem (Richard temfeito experiências em computador, metamorfoseando sua imagem com ade Jesus), e, por outro, diluindo a aura do original através de uma seriaçãode cópias em repetição. Poderíamos, de certa forma, pensar aí que suacriação artística nos transporta a um tempo anterior a Jesus, justamentenuma época em que Deus não só era invisível como inominável e impro-nunciável (YHVH)1. É como se o gesto artístico de Richard John devolves-se uma certa invisibilidade à própria imagem, apontando seus pontos defratura. O artista define Deus como uma nostalgia do original e do originá-rio.

Outra tensão fundamental que encontramos em suas pinturas se re-fere ao contraponto entre determinismo e acaso: temas por excelência detodas as histórias de cosmogonias. A lógica de um processo seriado, ritual,quase matemático, é relativizada por alguns procedimentos técnicos naprodução das telas que jogam suas produções numa certa dimensão deacaso. Os fundos das telas são inicialmente pintados no chão e, depois desecas, ele as arranca do chão, usando o avesso como superfície para asimagens que cria. Restabelece assim um certo Big-Bang, no Gênesis.

SOUSA, E. L. A. de. Manuscritos da origem.

1 YHVH - Como nos lembra Haroldo de Campos costuma-se associar YHVH, nomeimpronunciavel de Deus, ao verbo “ser” em hebraico hayá(h), forma arcaica havá(h). Algu-mas interpretações possíveis são “Aquele que faz ser” ou ainda “aquele que é”. Ver CAM-POS, Haroldo. Bere’shith - A cena da origem. São Paulo: Perspectiva, 1993, p. 34. Esteponto revela-se de especial importância em nossa reflexão pois há, sem dúvida, todo umdesenvolvimento sobre a idéia de identidade no trabalho de Richard John.

Richard John - s/ título (Morphing Jesus), 1995Grafite e emulsão acrílica sobre tela - 223 x 201,5 x 6,5cm

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RESENHA

sempre um desejo de outra coisa” – objeto a, objeto perdido primordialmen-te. Explica que “não existe sentido senão metafórico, só surgindo o sentidoda substituição de um significante por outro significante na cadeia simbóli-ca”. Retoma, também, o texto “A instância da letra no inconsciente”, paraintroduzir a questão da função do significante no inconsciente.

O autor parte da tirada espirituosa (trait d’esprit) - do witz alemão,expressão preferida por Lacan à palavra chiste (mot d´esprit), apontandoque witz também quer dizer espírito, termo este que se apresenta numaambigüidade -, referindo-se ao livro de Freud, de 1905, sobre o chiste, jus-tificando que esta se revela como uma boa maneira de entrada ao as-sunto das formações do inconsciente, devido às relações estruturais exis-tentes entre a tirada espirituosa e o inconsciente. Utiliza-se, inicialmente,do exemplo de Freud sobre o chiste do personagem Hirsch Hyacinth, deHeinrich Heine, sob a forma da palavra FAMILIONÁRIO, qualificando-a comouma criação poética repleta de significação. Evidencia o fato de Freud par-tir da técnica do significante e retornar a ela, incessantemente, o que o faz“deslindar” o problema; o witz, o que seria próprio da sua natureza, nospermite ver o que não está totalmente ali, o que está de lado, “que só é vistoquando se olha para outro lugar”, que é o inconsciente.

Outro exemplo de Freud, a que recorre, é sobre o esquecimento deum nome, da famosa pergunta: “Quem pintou o afresco de Orvieto?” - cujaresposta (SIGNORELLI) não é encontrada.

Lacan se pergunta: “Mas, que acontece, afinal, com o sujeito? Ondeestá?” E trabalha com a concepção de que “o sujeito não é estruturado domesmo modo que o eu da experiência. O que se apresenta nele tem suaspróprias leis”. Suas formações, demonstráveis por Freud no nível das neu-roses, dos sintomas, atos falhos, sonhos, tiradas espirituosas, têm, nãoapenas um estilo, mas uma estrutura particular.

Lacan aborda a questão da submissão do ser humano ao fenômenoda linguagem, à cadeia significante a que a ação da fala está submetida,sempre suscetível de gerar novos sentidos, por intermédio da metáfora(substituição do significante na cadeia - que faz referência ao real) e da

lógica da castração, O valor da siginificação do falo e A dialética do desejoe da demanda na clínica e no tratamento das neuroses, subdivididas emvinte e oito capítulos. Nos Anexos, são apresentados os esquemasconstruídos ao longo deste Seminário, dentre eles, o “grafo do desejo”,aqui reproduzido em sua forma definitiva, embora seu desdobramento te-nha sido posterior, em 1962, no texto “Subversão do sujeito e dialética dodesejo” e no Seminário 6 - “O desejo e sua interpretação”.

Lacan inicia seu seminário retomando, rapidamente, as temáticasdesenvolvidas nos seminários dos anos anteriores - no primeiro, foi desen-volvida a noção da função do simbólico, como única capaz de dar conta dadeterminação no plano do sentido, entendendo essa como a realidade fun-damental da experiência freudiana; no segundo, valorizou o fator da “insis-tência repetitiva como oriunda do inconsciente”, podendo ser identificadasua consistência na estrutura da cadeia significante; no terceiro, falou dapsicose, como “fundamentada numa carência significante primordial”, domecanismo essencial da redução do Outro, como sede da fala, ao outroimaginário, seria uma “suplência do simbólico pelo imaginário”; no quarto,sua intenção foi de mostrar que “não existe objeto a não ser metonímico,sendo o objeto do desejo, objeto do desejo do Outro, e sendo o desejo

RESENHA

O SEMINÁRIO - LIVRO 5JACQUES LACAN

LACAN, Jacques. O seminário, Livro 5: As formaçõesdo inconsciente. (Texto estabelecido por Jacques-AlainMiller) Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. 530 p.

Recentemente publicado, encontra-seem nossas livrarias, O Seminário, Li-vro 5 - As formações do inconsciente

(1957 - 1958), tradução da 1ª edição, lançadaem 1998.

O livro apresenta-se dividido em quatropartes: As estruturas freudianas do espírito, A

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A segunda parte do livro trata do eixo do édipo e da castração, intro-duzindo a questão da lei, entendendo que esta se articula no nível dosignificante. Tratar-se-ia do que Lacan chama de “Nome-do-Pai”, do paisimbólico. Retoma o mito de Édipo, necessário ao pensamento freudianopara falar da origem da lei sob a forma mítica; a partir do assassinato dopai, fica instituído que o pai que promulga a lei é o pai morto, que é o símbo-lo do pai, portanto, o “Nome-do-Pai”. Este significante torna-se essencialpara a organização subjetiva, pois ocupa a função de balizador para a defi-nição das estruturas psíquicas. Examina o que se produz na psicose, porexemplo, uma vez que o sujeito precisa suprir a falta deste significante.Segue, desenvolvendo questões sobre a metáfora paterna, da função dopai e seu lugar central na estrutura do édipo e seus destinos. Articula,ainda nesta parte, a problemática do objeto, apresentando a idéia de queeste não exerce sua função no sujeito humano como imagem (por maisbem organizada como engodo que pareça), mas como elemento significante,preso numa cadeia significante.

Nos capítulos seguintes, constituídos como terceira parte do livro,com o subtítulo “O valor da significação do falo”, Lacan examina, inicial-mente, o fenômeno do desejo humano - até Freud, a preocupação com amoral e com a ética implicava reduzi-lo e discipliná-lo; todavia, com a psica-nálise, passa-se a ter que lidar com seus efeitos. Concebe o falo comosignificante do desejo. Trabalha questões relativas ao gozo, ao sintoma, oqual se apresenta sob uma máscara, como um paradoxo, isso significa que“o desejo se apresenta sob forma ambígua, que justamente não nos permi-te orientar o sujeito em relação a esse ou aquele objeto da situação. Há uminteresse do sujeito na situação como tal, isto é, na relação desejante”.Relembra Freud, ao apontar que o sintoma fala na sessão psicanalítica, “oisso fala”. Desde Freud, o sintoma vai “no sentido do reconhecimento dodesejo” - e aborda o problema do amor, do “dar o que não se tem”, o falo, “aum ser que não o é”.

Nos últimos capítulos, que compõem a quarta parte do seminário,Lacan aborda a questão da dialética do desejo e da demanda, retomando

metonímia (relação entre significantes na cadeia). Salienta que “o que éapreensível no nível do discurso concreto sempre se apresenta, em rela-ção ao engendramento de sentido, numa posição de ambigüidade, dadoque a linguagem volta-se para objetos que já incluem em si alguma coisada criação que receberam da própria linguagem” . Mas disso advém oquestionamento: “O que vale essa linguagem? O que representam suasconexões em relação àquelas a que elas parecem conduzir, que elas inclu-sive põe-se a refletir, e que são as conexões do real?”

Enfim, Lacan trabalha a medida comum entre o inconsciente e a es-trutura da fala, enquanto comandada pelas leis do significante, tomandocomo recurso a obra de Freud sobre a tirada espirituosa, a qual retomavárias vezes, ao longo deste seminário, dizendo que Freud nos aponta ocaminho, mas não conclui a fórmula, procurando ir um pouco além. Enfatizaque cabe à experiência (como alguma coisa subjetiva, e não científica, poisfalamos do sujeito) dizer se é conveniente e se é nessa direção que os fe-nômenos se organizam.

Ao que parece, em seu trabalho, Lacan reafirma, constantemente, acausa freudiana, ao buscar, na clínica, os pressupostos para o avanço desuas considerações teóricas. Lacan aponta que a tirada espirituosa conse-gue manifestar o que, no sujeito, é latente de seu desejo, é esse algo quepode encontrar eco no Outro (lugar do código, lugar a que chega a mensa-gem constituída pelo chiste). É na medida em que o sujeito consegue sur-preender o Outro, que colhe o prazer, o mesmo prazer primitivo, infantil,primordial, extraído do primeiro uso do significante, cujo objeto da tiradaespirituosa é, em parte alguma, apreensível, pois há ausência de objeto.Porém, o autor salienta que alguma coisa sustenta a tirada espirituosa, afim de se transformar em algo subjetivo. E mostra que tudo repousa narelação entre dois sujeitos: a primeira pessoa do witz, o sujeito que o pro-duz, e aquele a quem é necessário que seja comunicado - é preciso umOutro, “o prazer da tirada espirituosa só se completa no Outro e pelo Ou-tro”; “o espírito tem de ser comunicado”, é preciso colocá-lo à prova peloOutro.

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tudo o que faz - seria a fala do sujeito barrado, barrado de si, chamadoinconsciente.

Chama a atenção, na leitura deste texto em português, a clareza daapresentação das idéias, parecendo descaracterizar, de certa forma, o es-tilo de linguagem apresentado em outros seminários (curiosamente, numseminário que enfatiza a questão da linguagem), o que faz pensar, ao me-nos num primeiro momento, que a clareza seja resultado de uma melhortradução, ou que o texto tenha sido reestruturado.

Torna-se importante relembrar que, até então, os textos com os quaiscontávamos para o estudo deste seminário temático foram resultado detrabalhos de desgravações, transcrições e de traduções dos mesmos. Umdeles, de maneira condensada, foi transcrito por J. B. Pontalis e revisadopor Lacan, com o título original “Les formations de l´inconscient” , publicadoainda em fins de 1958 e traduzido para o espanhol por José Sazbón.

Tendo em vista os impasses freqüentemente considerados frenteaos problemas de tradução, bem como as questões que envolvem as publi-cações dos seminários de Lacan, caberia, por um lado, registrar que o fatodeste livro estar sendo publicado apenas neste momento não significa queos textos anteriormente disponíveis sejam abandonados. Pelo contrário,justamente por tratar-se de registros que, de certa forma, vêm acompa-nhando a história do movimento psicanalítico lacaniano e que têm contribu-ído para o ensino da psicanálise, pode-se demarcar a importância da reto-mada de um estudo sobre este tema, “As formações do inconsciente”, apartir de uma análise mais aprofundada dos textos com os quais, hoje,podemos contar.

Denise Teresinha da Rosa Quintão

elementos da constituição subjetiva, a partir do sujeito formado na fala doOutro; e marcando que nada de intersubjetivo pode estabelecer-se enquantoo Outro não fala, pois, sendo um ser falante, as satisfações humanas de-vem passar pela intermediação da fala. Salienta que “para além daquiloque o sujeito demanda, além daquilo que o Outro demanda do sujeito, devehaver a presença e a dimensão do que o Outro deseja”. Ao mesmo tempoque a fala do Outro subjetiva, aliena a natureza do desejo; daí que o desejodo sujeito seja situado e encontrado, no início, na existência do desejo doOutro. É na experiência do édipo, da referência à castração, que se consti-tui um desenvolvimento além da demanda - e da possibilidade de distinçãoentre o Outro e o próprio sujeito. A partir disso, Lacan encaminha seu traba-lho para a análise de sonhos e casos clínicos da obra freudiana, ao estudoda dialética do ser ou do ter na histérica e do papel do falo como elementoimaginário, na neurose obsessiva, evidenciando sua importância comosignificante.

Ao apresentar a problemática do desejo nas estruturas neuróticas,condicionadas pelas formações do inconsciente, Lacan coloca que a histé-rica vai buscar seu desejo no desejo do Outro, no desejo que ela atribuiu aoOutro, encontrando o apoio de seu desejo na identificação com o outroimaginário. O obsessivo, por sua vez, faz seu desejo passar à frente, vaibuscar seu desejo num além, na medida em que, em sua constituição, des-trói o Outro - seu problema estaria em dar um suporte para seu desejo,pois, ao destruir o Outro, seu próprio desejo vem a desaparecer; “o obses-sivo tem de se constituir diante de seu desejo evanescente”.

Evidentemente, a questão do desejo fica condicionada à relação dosujeito com o Outro, dificuldade fundamental, pois este é o lugar onde osignificante ordena o desejo. O autor desenvolve, ainda, o tema da transfe-rência e sugestão em sua relação com a demanda, bem como a significa-ção do falo no tratamento. Demonstra que “o conjunto do comportamentoobsessivo ou histérico é estruturado como uma linguagem”, que seu com-portamento apresenta-se como uma fala, mas de maneira “criptográfica”,desconhecida do sujeito quanto ao sentido, embora ele a pronuncie em

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Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - MacchinaSETEMBRO - 1999

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AGENDA

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NEUROSE OBSESSIVA

EXPEDIENTEÓrgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RSTel: (51) 333 2140 - Fax: (51) 333 7922

e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.brJornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956

Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (051) 318 6355

Comissão do CorreioCoordenação: Maria Ângela Brasil e Robson de Freitas Pereira

Integrantes: Francisco Settineri, Gerson Smiech Pinho, Henriete Karam,Liz Nunes Ramos, Luzimar Stricher, Marcia Helena Ribeiro, Maria Aparecida Loss,

Maria Lúcia Müller Stein e Marta Pedó

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 1999/2000

Presidência - Alfredo Néstor Jerusalinsky1a. Vice-Presidência - Lucia Serrano Pereira2a. Vice-Presidência - Maria Ângela Brasil1o. Tesoureiro - Carlos Henrique Kessler2a. Tesoureira - Simone Moschen Rickes

1o. Secretário - Jaime Alberto Betts2a.Secretária - Marta Pedó

MESA DIRETIVAAna Maria Gageiro, Ana Maria Medeiros da Costa, Ana Marta Goelzer Meira,

Cristian Giles, Edson Luiz André de Sousa,Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Ligia Gomes Víctora, Liz Nunes Ramos,

Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack, Mario Fleig, Robson de Freitas Pereira, e Valéria Machado Rilho.

Dia Hora Local Atividade

“A questão da formação na literatura brasi-leira” - reunião extra do Cartel Brasil 500 anoscom o professor e escritor Luís AugustoFischerSeminário “Novos apontamentos para aclínica das psicoses” - Responsável: AlfredoJerusalinskySeminário “A dimensão trágica da psicanáli-se” - Responsável: Enéas Costa de SouzaReunião da Mesa DiretivaReunião da Comissão da BibliotecaReunião da Comissão do CorreioSeminário “Memórias...” - Responsáveis: AnaMaria Medeiros da Costa, Edson Luiz Andréde Sousa e Lucia Serrano PereiraReunião do FórumSeminário “A topologia fundamental de Jac-ques Lacan” - Responsável: Ligia VíctoraCartel Brasil 500 anosClínica Institucional em DebateConvidado: Clínica da UNIJUÍReunião da Mesa Diretiva aberta aos mem-bros da APPOARelendo Freud - Análise Finita e InfinitaCartel Preparatório para a Jornanda sobreNeurose ObsessivaCartel do EnvelhecimentoCartel do Interior

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N° 72N° 72 – ANO VII – ANO VII SETEMBROSETEMBRO – 1999– 1999

AS FORMAÇÕES INCONSCIENTESAS FORMAÇÕES INCONSCIENTES

S U M Á R I O

NOTÍCIAS 4

SEÇÃO TEMÁTICA 14

LACAN PENSADOR DE FREUDMaria Auxiliadora P. Sudbrack 15

CHISTE E IRONIA:O DESENLACE NAS FORMAÇÕESDO INCONSCIENTEAna Maria Medeiros da Costa 25

A FLOR DO ESQUECIMENTOAlfredo Jerusalinsky 31

O PAIMaria Nestrovsky Folberg 36

FORMAÇÕES INCONSCIENTESAnna Irma Callegari 38

SEÇÃO DEBATES 44

MANUSCRITOS DA ORIGEMEdson Luiz André de Sousa 47

EDITORIAL 1

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AGENDA 56

CORDIALIDADE FAMILIONÁRIAContardo Calligaris 44