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1 C. da APPOA, Porto Alegre, n. 120, dez. 2003 EDITORIAL A questão da interdisciplinaridade vem aportando às discussões na APPOA por vários vértices, como na Jornada das Toxicomanias – que convocou colegas da Psicanálise e de outras áreas que traba- lham no pedregoso terreno das adicções adicções – nos Cartéis, nos Exer- cícios Clínicos, recentemente retomados na APPOA com grande sucesso, e na inserção da Associação em diferentes espaços da cultura na cidade. Como bem constatamos na pele, não é tema fácil, nem lugar de con- senso ou sintonia. Pelo contrário, constitui-se como espaço da diferença, da alteridade, das fraturas e da inexorável necessidade de construção de pon- tes, cujo material terá de ser forjado no (des)encontro das disciplinas que compõem o “inter”. A interdisciplina trata de dar corpo e voz ao novo, mas o novo que já estava como possibilidade, à espera de ser capturado nas bre- chas das diferentes disciplinas que dialogam a partir da falta de saber inevi- tável a todo o campo de conhecimento. É assim que este tema, A Psicanálise na Interdisciplinaridade, se “impõe” a nós neste momento da Instituição, ao mesmo tempo que ecoa de uma certa disposição presente na pólis – visível, por exemplo, na 4ª Bienal do Mercosul: lugar do paradoxo (Arqueologia Contemporânea) perfurado pela transversalidade que produz uma pergunta, um desconforto ou uma curiosi- dade, mas que não nos deixa indiferentes nem pacíficos. Conforme se explicitou no debate no último Exercícios Clínicos da APPOA, a interdisciplinaridade não significa o encontro de diferentes áreas, produzindo um novo saber que aglutine os conhecimentos e apazigue as diferenças. Que nada! Trata-se de manter a especificidade de cada área, tornando necessário a cada um dos envolvidos no processo conhecer os fundamentos epistêmicos de cada campo em particular; sair das trincheiras de seu próprio saber para, acompanhado pelo outro (estranho/familiar), olhar- se do outro lado da fronteira, configurando um novo olhar sobre seu próprio campo na medida que se deixa interrogar. Com a idéia de que a interrogação produz trabalho (na mais fiel acepção freudiana do termo), convidamos os colegas que aqui escrevem a trazer suas contribuições, no sentido de pensar as interrogações férteis da psicanálise a outros campos, bem como as que estes vêm a produzir na práxis psicanalítica.

EDITORIAL A - appoa.com.br · A interdisciplina trata de dar corpo e voz ao novo, mas o ... um longo caminho necessita ser percorrido, ... como, por exemplo, o

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EDITORIAL

Aquestão da interdisciplinaridade vem aportando às discussões naAPPOA por vários vértices, como na Jornada das Toxicomanias –que convocou colegas da Psicanálise e de outras áreas que traba-

lham no pedregoso terreno das adicções adicções – nos Cartéis, nos Exer-cícios Clínicos, recentemente retomados na APPOA com grande sucesso,e na inserção da Associação em diferentes espaços da cultura na cidade.

Como bem constatamos na pele, não é tema fácil, nem lugar de con-senso ou sintonia. Pelo contrário, constitui-se como espaço da diferença, daalteridade, das fraturas e da inexorável necessidade de construção de pon-tes, cujo material terá de ser forjado no (des)encontro das disciplinas quecompõem o “inter”. A interdisciplina trata de dar corpo e voz ao novo, mas onovo que já estava como possibilidade, à espera de ser capturado nas bre-chas das diferentes disciplinas que dialogam a partir da falta de saber inevi-tável a todo o campo de conhecimento.

É assim que este tema, A Psicanálise na Interdisciplinaridade, se“impõe” a nós neste momento da Instituição, ao mesmo tempo que ecoa deuma certa disposição presente na pólis – visível, por exemplo, na 4ª Bienaldo Mercosul: lugar do paradoxo (Arqueologia Contemporânea) perfurado pelatransversalidade que produz uma pergunta, um desconforto ou uma curiosi-dade, mas que não nos deixa indiferentes nem pacíficos.

Conforme se explicitou no debate no último Exercícios Clínicos daAPPOA, a interdisciplinaridade não significa o encontro de diferentes áreas,produzindo um novo saber que aglutine os conhecimentos e apazigue asdiferenças. Que nada! Trata-se de manter a especificidade de cada área,tornando necessário a cada um dos envolvidos no processo conhecer osfundamentos epistêmicos de cada campo em particular; sair das trincheirasde seu próprio saber para, acompanhado pelo outro (estranho/familiar), olhar-se do outro lado da fronteira, configurando um novo olhar sobre seu própriocampo na medida que se deixa interrogar.

Com a idéia de que a interrogação produz trabalho (na mais fiel acepçãofreudiana do termo), convidamos os colegas que aqui escrevem a trazer suascontribuições, no sentido de pensar as interrogações férteis da psicanálise aoutros campos, bem como as que estes vêm a produzir na práxis psicanalítica.

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NOTÍCIAS

Assim, reunimos colegas que trabalham em instituições públicas desaúde mental, clínicas interdisciplinares, que exercem atividade no judiciá-rio, em clínica universitária ou que prestam assessoria a organizações, osquais testemunham em seus textos o “desejo de interdisciplinaridade”.

NOTÍCIAS DO SERVIÇO DE ATENDIMENTO CLÍNICO

No sábado dia 08 de novembro tivemos a grata satisfação de ver asala lotada para o reinício do espaço de debates, Exercícios clínicos. Opsicanalista Francisco Settineri, instigado pelos debatedores Gerson Pinhoe Robson Pereira, explanou sobre um dos temas cruciais da clínica psicana-lítica: “Quando falar é tratar”. Um diálogo entre a psicanálise e a lingüística,através da retomada de conceitos como significante, escansão, pontuação,interpretação e ponto de estofo foram apresentados no eixo da transferênciae ilustrado com fragmentos clínicos.

Exercícios clínicos é, um espaço aberto para todo aquele que queiradebater alguma questão clinica, com ou sem apresentação de um caso. Emambas modalidades a prática clínica é o cenário central dessas apresenta-ções que podem ser agendadas através dos membros do Serviço de atendi-mento clínico.

CONGRESSO DE 2004

Iniciamos na APPOA o trabalho do cartel preparatório para o tema doCongresso, em torno de questões sobre “O masculino”. Surgem, a partir denossa quinta reunião, alguns pontos a interrogar:1) Qual o estatuto do falo, ele é necessariamente masculino?2) A unidade lógica da linguagem repousa no falo como significante primordi-al?3) Há dois discursos? Um feminino e um masculino? Posto que se houves-se, haveria o Outro do Outro, ou seja: a fragmentação da linguagem.4) Como pensar a representação, na atualidade, da diferença entre os se-xos? Quais as incidências dessas modificações sobre a questão do desejo?

O cartel é aberto à participação, e tem suas reuniões marcadas paraas quintas-feiras (intercaladas com as reuniões da Mesa Diretiva), às 21h.

O próximo encontro: 11 de dezembro às 21 horas.

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NOTÍCIAS

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A PSICANÁLISE E A CLÍNICAINTERDISCIPLINAR COM CRIANÇAS

Gerson Smiech Pinho

Quando formula sua concepção de inconsciente, Freud assinala ocaráter atemporal dessa instância psíquica. O desejo que estruturaa subjetividade atravessa a existência do sujeito, originando-se na

infância e perpetuando-se ao longo de toda a vida. Assim, a cada vez que umsonho é produzido, ou um sintoma é colocado em cena, é um desejo infantilque emerge e insiste em se fazer ouvir.

Na verdade, a estrutura simbólica atemporal, que constitui a subjetivi-dade, ultrapassa nossa existência concreta, pois encontra-se antecipada nodiscurso daqueles que nos antecedem. Um belo exemplo, nessa direção, éo caso do “Homem dos Ratos”, no qual questões da “pré-história” do pacien-te, relacionadas à união de seus pais, são determinantes dos sintomas queprecipitaram sua procura por uma análise. Assim, a estrutura que ordena ofuncionamento pulsional do corpo pré-existe a seu aparecimento, já que arede simbólica que determina essa estrutura está presente no discurso doOutro antes mesmo do nascimento.

Porém, se a estrutura de linguagem é anterior à existência do sujeito,também é verdade que um bebê não nasce com esta estrutura já inscrita emseu corpo. Para que esta inscrição possa se estabelecer, um longo caminhonecessita ser percorrido, desde os momentos iniciais da vida até o final daadolescência.

Como afirma Coriat (1997):“A estrutura da linguagem, na qual nasce e morre cada sujeito,é atemporal; mas não é assim sua instalação em cada sujeito.Ao longo do tempo, vão se sucedendo implicações do sujeitona estrutura que são qualitativamente diferentes.” (Coriat, 1997,p. 278)

Se a estrutura que incide de modo sincrônico sobre o sujeito éatemporal, é na diacronia, ou seja, no desenrolar da história, que o trabalho

MUDANÇAS

Mario Fleig informa o endereço de seus consultórios: Rua Mostardeiro, 291/403– Moinhos de Vento – Porto Alegre e Av. Julio de Castilhos, 2101/16 – Caxias doSul.

Ieda Prates da Silva comunica seu novo endereço eletrônico: [email protected]

Otávio Augusto W. Nunes informa o novo número de seu celular: 9919.5157

Para o próximo Correio estarão sendo divulgadas as principais ques-tões que sustentaram o debate deste encontro. Aguardem.

Coordenação do Serviço de Atendimento Clínico

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SEÇÃO TEMÁTICA

problemas do desenvolvimento. É interessante notar que os dois conceitosaté aqui mencionados – estrutura não-decidida e neuroplasticidade –, origi-nados em disciplinas tão diferentes como a psicanálise e a neurologia, cor-roboram-se mutuamente, sem que com isso se sobreponham ou percamsua especificidade.

Hoje, o número de especialidades que se ocupam do desenvolvimentoinfantil é muito grande – a neurologia, a psicologia, a psicanálise, a psicope-dagogia, a psicomotricidade, a fonoaudiologia, a estimulação precoce e as-sim por diante. A única possibilidade de que a intervenção nessas diversasáreas não tenha um caráter iatrogênico é a articulação inter e transdisciplinarentre as mesmas. Na clínica interdisciplinar com crianças, a psicanálisetem contribuído com alguns importantes conceitos que atravessam trans-disciplinarmente a prática terapêutica. A partir daí, é possível estabelecer aposição ética que permite que a constituição do sujeito seja levada em contana direção do tratamento, qualquer que seja a especialidade em questão.

A interdisciplina se diferencia não somente da prática fundada emuma única disciplina, mas também daquela baseada na multidisciplina. Estaúltima apenas agrega diferentes áreas lado a lado, sem procurar tomá-lasem seu conjunto. Seu pressuposto é de que o objeto pode ser dividido emtantas partes quantas especialidades existam, sem, com isso, sofrer qual-quer alteração (País, 1996). Já, a interdisciplina, ao fazer também uma abor-dagem desde diversos campos, procura sempre articulá-los entre si, numpermanente diálogo entre as diferentes áreas de trabalho.

No campo dos problemas do desenvolvimento na infância, as diferen-tes especialidades que abarcam a articulação interdisciplinar podem seragrupadas em dois eixos principais – os aspectos estruturais e os aspectosinstrumentais do desenvolvimento (Coriat e Jerusalinsky, 1996). A partir de-les, torna-se possível abordar o lugar desde o qual cada disciplina irá contri-buir para entendermos o desenvolvimento infantil e suas patologias.

As disciplinas que se referem às bases que constituem o sujeito,tanto em relação a sua estrutura biológica quanto psíquica constituem osaspectos estruturais do desenvolvimento. Neste eixo, incluímos a neurolo-gia, que aborda a maturação do sistema nervoso, a psicanálise, que trata da

de inscrição vai acontecer. Mesmo que esteja antecipada no Outro, estaestrutura não está dada de uma vez por todas. Sua inscrição leva tempo e oslugares que estabelece são passíveis de mudança, enquanto não esteja con-solidada. Este é um fato que permite considerar a possibilidade de modifica-ção na estrutura psíquica, ao longo de todo o período da infância. Jerusalinskypropõe o termo “indecidido” para pensar as estruturas clínicas na infância,na medida em que neste momento do desenvolvimento “há uma decisão emsuspense, que virá acontecer.” (Jerusalinsky, 2001, p. 52).

A “não-decisão” da estrutura psíquica traz conseqüências radicais,não só no âmbito da clínica psicanalítica, mas para todo e qualquer trabalhoterapêutico ou educativo dirigido a uma criança. Por este motivo, podemosqualificar este conceito psicanalítico de transdisciplinar, já que serve de ferra-menta teórica para qualquer disciplina que se proponha a intervir na infância.

Um conceito transdisciplinar tem sua origem na interdisciplina, ouseja, no diálogo e articulação entre as diversas especialidades que se pro-põe a interrogar um determinado campo, como o dos problemas do desen-volvimento1 na infância, por exemplo. Nessa articulação, denominamos detransdisciplinares aos conceitos que ultrapassam as fronteiras de sua disci-plina de origem e produzem conseqüências em outras áreas, atravessando otrabalho com todo o campo em questão. É isto que acontece com o conceitode “estrutura não-decidida” na infância – seus efeitos têm incidências nasdiversas disciplinas que se dedicam à terapêutica com crianças.

Outro exemplo de conceito transdisciplinar, dessa vez proveniente daneurologia, é a noção de “neuroplasticidade”. A pesquisa neurobiológica temcomprovado a plasticidade funcional e a capacidade compensatória do Sis-tema Nervoso Central, o que permite pensar, por exemplo, na importância daintervenção nos primeiros anos de vida de uma criança. Por este motivo,esta noção é fundamental para toda e qualquer disciplina que aborde os

1 O termo desenvolvimento abrange todas as modificações pelas quais passa um ser huma-no, ao longo de sua vida, incluindo os âmbitos biológico, psíquico e social. Diferencia-se,dessa forma, do crescimento – modificações no peso, altura e volume do corpo – e damaturação – especialização crescente das estruturas orgânicas, como, por exemplo, osistema nervoso central.

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mesma”, sem necessidade de articulação com outras áreas, estaria conde-nando sua prática à armadilha de seu narcisismo, já que perderia de vista olimite e o alcance de seu próprio ato. Esta posição é totalmente contráriaàquilo que se pode esperar de um psicanalista, pois afasta-se completamen-te do que funda o exercício da psicanálise. Avançando nessa direção, pode-ríamos dizer que, além de contribuir com conceitos centrais para o exercícioda prática interdisciplinar com crianças, a psicanálise permite situar a posi-ção ética necessária para que se possa exercê-la com toda sua eficácia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CORIAT, Elsa. De que se trata...uma criança? In: Estilos da clínica. nº 6, julho de1999, São Paulo, USP.

CORIAT, Elsa. Psicanálise e clínica de bebês. Porto Alegre, Artes e Ofícios, 1997.CORIAT, Lydia e JERUSALINSKY, Alfredo. Aspectos estruturais e instrumentais

do desenvolvimento. In: Escritos da criança. nº 4. Porto Alegre, Centro LydiaCoriat, 1996.

JERUSALINSKY, Alfredo. Seminários I . São Paulo, USP, 2001.PAÍS, Alfredo. Interdisciplina e Transdisciplina na clínica dos problemas do de-

senvolvimento infantil. In: Escritos da criança. nº 4. Porto Alegre, Centro LydiaCoriat, 1996.

constituição do sujeito do desejo, e a epistemologia genética, que estuda aconstrução das estruturas mentais para o conhecimento.

Já os aspectos instrumentais são aqueles que se referem aos instru-mentos que um sujeito constitui para interagir com o mundo. Aqui, incluímosa psicomotricidade, as aprendizagens, a linguagem e comunicação, os hábi-tos de vida diária, etc. Cada um desses aspectos também é trabalhado pordiferentes disciplinas, como a psicomotricidade, a fisioterapia, a fonoaudio-logia, a psicopedagogia, e assim por diante.

Os aspectos estruturais e instrumentais do desenvolvimento estãointimamente relacionados entre si, já que os instrumentos que um sujeitoconstrói para relacionar-se com o mundo têm como alicerce as estruturasorgânica e psíquica. Assim, as modificações que se processam em um des-ses campos têm conseqüências também nos outros. Se uma criança temuma dificuldade de aprendizagem, por exemplo, é necessário estar atentoàs condições de sua estrutura orgânica, sua constituição subjetiva e suasestruturas mentais para o conhecimento, pois é sobre este “tripé” que irá seedificar sua possibilidade de aprender.

Como afirmamos acima, a psicanálise tem aportado contribuiçõescruciais para a articulação interdisciplinar dos problemas do desenvolvimen-to na infância. Cabe lembrar que o trabalho do psicanalista de crianças tam-bém necessita estar fundado nesta mesma articulação. Pois, como afirmaCoriat,

“freqüentemente, e com a melhor fé, simplesmente por desco-nhecimento, o psicanalista intervém atribuindo a alguma facetamisteriosa dos pais o atraso da criança na fala, ou o sintomapsicomotor, ou a dificuldade na leitura e na escrita, quando,na realidade, em sua origem, trata-se de alguma disfunçãoneurológica (...). Esse tipo de confusão diagnóstica em rela-ção à causa etiológica pode tornar-se tão iatrogênico comoseu oposto, ou seja, quando se atribuem ao orgânico questõesque são exclusivamente de ordem psi (...) (Coriat, 1999, p.154).

Aliás, o profissional que acreditasse que sua disciplina “basta a si

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Fazendo uma leve mudança de rota – e reconhecendo o quanto aclínica com os problemas de desenvolvimento produz efeitos duradouros sobrenossa prática – gostaria de falar da experiência de trabalho interdisciplinarpara além da infância. Assim, remeto-me a um fragmento da clínica paraesboçar algumas questões.

Lia foi encaminhada pela fisiatra da equipe3, pois além da dor físicadevido a uma tendinite – possivelmente de origem ocupacional – vinha semostrando muito angustiada e triste com situações que atravessava no tra-balho. A instituição na qual trabalhava mudara de diretoria e haviam pres-sões para que os funcionários pedissem demissão. Tendo trabalhado a vidainteira na mesma função nesta instituição, Lia não conseguia se imaginarnum outro lugar e, aos poucos, foi constituindo um sintoma depressivo im-portante. Ao longo de aproximadamente dois meses de atendimento foi pos-sível perceber a fragilidade psíquica desta paciente, que se deparava comum grande vazio diante da possibilidade de perder a sustentação simbólicaque seu trabalho oferecia. A transferência comigo ia se encaminhando, atéque, ao anunciar minhas férias, Lia entra em grande angústia, dizendo nãopoder ficar sem o atendimento. Intensificam-se os sintomas depressivos e apaciente fala da vontade de se matar por “não suportar” minha ausência.Neste momento, além de muitas interrogações que já me fazia acerca desua estrutura, emerge – no sentido mesmo de uma “emergência” – a entradade outro profissional em cena. Faço o encaminhamento a um psiquiatra: eraimportante uma avaliação sobre a necessidade de medicação, já que ossintomas depressivos se agravavam e, também, articular uma alternativa deespaço de escuta que a sustentasse no período das férias.

Retomo o atendimento de Lia assim que volto à cidade e vou medeparando com um sujeito em grandes dificuldades. Sua história, que pode-ríamos dizer “excessivamente real” (uma mãe que a acordava com chineladasou a espancava na madrugada, sem motivos; fome, necessidades básicas

3 Esta é uma equipe de reabilitação, voltada ao trabalho de reabilitação de doençasocupacionais, formada por fisiatras, fisioterapeutas, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogae psicanalistas, da qual faço parte.

QUANDO UM PSICANALISTA RECORRE À INTERDISCIPLINA

Ana Laura Giongo

Aaposta na interdisciplinaridade1 surge a partir da necessidade deuma intervenção que busque tomar um sujeito sem compartimentá-lo nas diferentes disciplinas que dele possam se ocupar. Neste sen-

tido, o trabalho clínico com crianças é uma “escola” de interdisciplinaridade,pois muito nos ensina sobre a importância de escutar e recorrer a outrossaberes, além de nos convocar a intervir em conjunto. Em vários momentosdesta prática precisamos de outros campos que venham cooperar em dife-rentes direções: sustentando de algum modo a operação psicanalítica, abrindoum espaço de intervenção do qual o psicanalista deve abster-se, recortandonosso trabalho através de elementos de outros campos que se insiram naescuta do caso...

Jerusalisnky (1997) coloca que não é um mero acaso que o trabalhointerdisciplinar, no campo clínico, tenha começado com a infância2, especi-almente com crianças cujo desenvolvimento está comprometido. Sabemosque nestes casos são convocadas muitas e diferentes especialidades paradar conta de um único sujeito, havendo o risco de que os vários discursostécnicos, aos quais a criança e a família são submetidas, produzam umaobstrução na apropriação das funções parentais e uma fragmentação dosujeito que está por advir. Como se o pequeno se transformasse num que-bra-cabeças cujas peças não conseguem formar um todo. Foi preciso cons-tituir a prática interdisciplinar, a fim de preservar a criança desta compar-timentação pelo saber técnico-científico e permitir que um sujeito se consti-tua apesar e/ou a partir das intervenções clínicas.

1 Há uma distinção fundamental a fazer entre interdisciplina e multidisciplina. Sobre isto,indico algumas referências na bibliografia e outras estão ao longo deste número do Correio.2 Jerusalinsky atribui a autores como B. Bettelheim, J. Ajuriaguerra, J. Bergés, L. Coriat, A.Lefèvre e B. Lefèvre o trabalho precursor de clínica interdisciplinar com a criança comproblemas de desenvolvimento e problemas psíquicos graves.

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bólico, encontrava-me diante de uma precipitação do real que demandavaum processo de simbolização.

As dificuldades que vinha encontrando num trabalho que, através dafala, caminha pelo imaginário e simbólico, fizeram-me pensar na possibilida-de de outra intervenção. Ocorreu-me a idéia de encaminhá-la para um espa-ço de Oficina Terapêutica, na tentativa de encontrar uma outra via desimbolização. Se no fazer sem representação Lia tentava dar conta de seuvazio, reconhecer-se produzindo algo com um sentido, talvez proporcionas-se um enlaçamento do real pelo simbólico. Podemos nos remeter ao queLacan (1964) aponta sobre o Fort-da, atividade simbólica que visa àquilo que,essencialmente, não está lá enquanto representado.

O trabalho de oficina, dependendo da forma como está constituído4,permite ao sujeito escolher um objeto ou área de interesse ao qual dedicar-se, tendo como suporte um terapeuta e, por vezes, também um grupo. Aoficina para a qual Lia foi encaminhada é individual e tem um trabalho emi-nentemente interdisciplinar, funcionando como um espaço de escuta e pro-dução que não substitui a psicanálise, mas está fundamentado na sua éticae concepção de sujeito. Percebemos, com a experiência, que este trabalhopode vir a dar voz ou dar corpo a questões tratadas na análise, ocorrendotambém o inverso: a oficina produzindo elementos para a análise.

No caso de Lia, após circular por algumas experiências com o com-putador, seu interesse foi se voltando para a área de culinária. Ao mesmotempo, no trabalho de análise, surgiram elementos a partir dos quais foipossível resgatar de sua história a tradição de “boas doceiras” na família.Com a oficina de culinária e ao longo de alguns anos de trabalho interdisciplinar,Lia vem buscando outros recursos e constituindo uma identidade de “doceira”.O fazer, entrelaçado à análise, compõe uma atividade simbólica que trouxeefeitos muito importantes, sendo que fomos percebendo deslocamentos daposição em que se encontrava.

4 Existem diferentes espaços de oficina terapêutica. Neste caso, o trabalho de oficina édesenvolvido numa equipe, a qual pertenço, é constituída por psicanalistas, psicopedagoga,fonoaudióloga, psiquiatra e terapeutas ocupacionais, tendo como referencial a psicanálise.

não supridas, carências de todas as ordens...), parecia trazer como efeitouma grande passividade e dependência frente ao Outro. Minhas férias, alia-das ao que vinha acontecendo em seu trabalho, pareciam uma repetição dacondição de abandono na qual crescera. Lia apresentava grandes dificulda-des de simbolização: não conseguia associar idéias, dizia não entender ques-tões que eu lhe endereçava, se mostrava incapaz de lidar com jogos depalavras, metáforas; demandava respostas concretas. Num funcionamentoque, em alguns momentos, lembrava a deficiência mental.

Neste início de tratamento, no auge de sua depressão, passou por umperíodo em que produzia movimentos sem um significado aparente: gravavaum programa de TV que via repetidas vezes ao longo do dia, ou ficava horasrasgando tiras de papel, sem parar, sem saber porquê. Eram atividades emque parecia estar havendo uma emergência do real, algo que não podia serapreendido pelo pensamento, diante do qual as palavras se estancavam. Aomesmo tempo, era como se buscasse inscrever um tipo de permanência oude superfície, e aqui me remeto ao que Ricardo Rodulfo (1991) conceitua sobreuma atividade precoce, anterior ao Fort-da e que vai permitir, posteriormente, aelaboração do jogo simbólico. Para Rodulfo, o primeiro tempo do brincar seria oda “construção de superfície”, no qual a criança busca inscrever-se sobre aforma de uma superfície contínua. Estaria Lia reproduzindo, de algum modo,uma atividade relativa a um tempo anterior à inscrição do simbólico?

Bem, era com isso que me deparava: o simbólico encontrava limitespara fazer seus efeitos. Lia dizia não se imaginar fazendo outra coisa (alémde exercer sua profissão) e estava paralisada, “fazendo nada o dia inteiro”,como dizia. Este “nada”, traduzido em atividades incessantes e sem umsignificado aparente, podem nos remeter ao que Lacan, no Seminário 11,trabalha acerca do real e da repetição: “o real é aqui o que retorna sempre nomesmo lugar – a esse lugar onde o sujeito, na medida em que ele cogita,onde a res cogitans, não o encontra” (p.52). Havia uma grande dificuldade depensar, de estabelecer relações, associações. Era como se imaginário esimbólico estivessem um tanto apagados e Lia tivesse voltado ao vazio designificações, ao excesso de real com o qual foi constituída. Se o real éaquilo que, para um sujeito, é expulso da realidade pela intervenção do sim-

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em outros recursos. É o “desejo de interdisciplinaridade”, enlaçado ao dese-jo do analista, o que sustenta a efetividade deste encaminhamento.

A construção de uma escuta interdisciplinar se produz, também, atra-vés da própria experiência em equipe. Como diz País (1996), na práticainterdisciplinar “é mister que cada especialista seja capaz de transcenderas fronteiras de seus domínios epistêmicos, que seja capaz de abandonar asegurança e o conforto que outorga um saber supostamente adquirido e searrisque a escutar outros discursos que, só pelo fato de serem pronunciados,questionam e colocam os limites do próprio” (p. 30). O trabalho em equipepermite termos acesso a elementos teóricos e clínicos de outros campos.Se conseguimos construir um trabalho interdisciplinar – o que não está dadosomente por se contar num mesmo espaço com diferentes profissionais –temos a chance de nos apropriar e incorporar estes elementos à nossaescuta. Assim, ao escutar um paciente em análise, é possível situar algunspontos em que outras áreas possam ser chamadas a intervir.

A pratica interdisciplinar vem se constituindo, ao longo dos anos, comoum pressuposto fundamental na clínica da infância. Mas, em se tratando deadultos, o que pode convocar uma analista a demandar um intervenção deoutra área? O que faz com que, na nossa escuta de adultos, passemos aoperar interdisciplinarmente?

A experiência parece nos mostrar que o desejo interdisciplinar do ana-lista surge no interior de uma análise quando ultrapassamos as fronteiras dosimbólico e imaginário. Quando, por alguma razão relativa ao caso, algo doreal se põe em cena. E aqui podemos perceber a aproximação com as ori-gens, históricas, da prática interdisciplinar: na clínica dos transtornos dedesenvolvimento tratamos exatamente de casos onde o real transborda. Damesma forma, não por acaso, a prática interdisciplinar com adultos é bas-tante freqüente nos casos de psicoses, deficiências (mental, física), proble-máticas orgânicas, casos de “borda”, situações que exigem o uso de medi-cações. Enfim, diferentes momentos nos quais a palavra, por si só, não temcomo dar conta de tudo que está em jogo.

Podemos pensar que, na direção de um tratamento, o “desejo interdisci-plinar” se produz – como é próprio do desejo – a partir de uma falta, e da

Essa experiência nos remete ao que Lacan, no Seminário 11, traba-lha em torno da definição de “praxis”. “É o termo mais amplo para designaruma ação realizada pelo homem, qualquer que ela seja, que o põe em con-dição de tratar o real pelo simbólico.” (p.14).Tomando esta definição, pode-mos pensar que a possibilidade de tratar o real pelo simbólico se faz pre-sente em momentos constitutivos do sujeito, na infância isso se dá atravésdo brincar; mais tarde, o ato criativo, por exemplo, também pode abrir estavia de simbolização.

No caso de Lia, acredito que o trabalho de análise demandava tam-bém uma ação, um fazer. Foi o trabalho interdisciplinar que permitiu fazeruma tomada do real pelo simbólico através de intervenções que, mesmo emcampos diferentes, tiveram uma direção compartilhada. E aqui vale ressal-tar o valor da interdisciplina que, diferentemente da prática multidisciplinar,permite articular um trabalho numa mesma direção, sustentando uma inter-venção pensada “em parceria”. Esta experiência faz pensar, também, sobreos efeitos de um trabalho interdisciplinar no interior de uma análise. Mepergunto se teria sido possível que Lia saísse do estado de vazio em que seencontrava através de um trabalho sustentado somente na palavra. Acreditoque teria sido bem mais difícil, dada sua limitação em termos de recursossimbólicos. Além disso, certamente, compartilhar com outros profissionaisuma transferência, que poderíamos dizer “excessivamente real”, torna maisleve a trajetória do analista. Abrem-se espaços de troca que sustentam asdificuldades no trabalho com o paciente. E ainda, faz-se mais possível aoanalista “faltar”, o que neste caso, por exemplo, sempre foi bastante compli-cado.

A partir desta e outras experiências interdisciplinares em casos deadultos, faço algumas reflexões. Penso que a necessidade e pertinência deum encaminhamento a uma área instrumental5 dependem, primeiramente,da possibilidade do analista reconhecer os limites de sua intervenção e apostar

5 Uma distinção entre aspectos estruturais e instrumentais está desenvolvida no primeirotexto deste Correio, de autoria de Gerson Pinho.

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SEÇÃO TEMÁTICA

INTERDISCIPLINARIDADE: O SABER QUE FALTA

Volnei Antonio Dassoler

Partindo da constatação de que psicanalistas trabalham em institui-ções de matizes diversas e, nestes locais, coletiva ou individualmen-te, desenvolvem trabalhos com pretensões psicanalíticas, torna-se

relevante problematizar esta prática e suas conseqüências no campo freudiano.Parece ser consenso de que não resolveremos eventuais impasses ignoran-do a situação ou descaracterizando-a de imediato. Fazer com que estestrabalhos possam circular permite colocar em debate não apenas a ativida-de, mas também a própria psicanálise nas suas limitações e indicações,quer dizer, reatualiza e revitaliza sua posição e permanência na cultura, con-dição necessária para sua sobrevivência.

O que observamos é um aumento progressivo e incessante destademanda a fim de compor equipes com profissionais de diferentes áreas. Jánão mais restritos a redutos familiares como saúde mental e educação,mas aparecendo em diversos campos como no trabalho hospitalar; em ins-tituições para menores infratores; toxicomanias, em parceria com progra-mas do poder judiciário e em projetos que incluem idosos, portadores delimitações físicas ou mentais, entre outros. Esta prática ampliada impõe anecessidade de desconstrução e reorganização dos parâmetros e paradigmasque sustentaram, até recentemente, as ciências humanas e naturais e arelações entre elas e dentro delas. Constatamos o esfacelamento gradativoda hegemonia da unidisciplinaridade, da idéia de um saber totalitário dandoconta do sujeito em suas várias possibilidades de expressão. Esta leiturade caráter reducionista ocorre inclusive no campo psicanalítico. Evidente-mente que a clínica psicanalítica privilegia a escuta do inconsciente e temtodo o seu valor e mérito por conceder a esta instância a condição de reco-nhecimento, que tende a ser apagada ou minimizada pelo discurso docotidiano. Pensar o sujeito pela determinação inconsciente indica assina-lar a importância desta dimensão psíquica, e dessa obrigatoriedade éti-ca não nos furtamos.

possibilidade de um analista sustentá-la operando um giro em direção aoutros saberes e fazeres.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

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JERUSALINSKY, A .N. Multidisciplina, Interdisciplina e Transdisciplina no traba-lho clínico com crianças. Em: Escritos da Criança Nº 3. Porto Alegre: CentroLydia Coriat, 1990.

LACAN, J. O Seminário. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964).Livro 11. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

PAÍS, A . Interdisciplina e Transdisciplina na Clínica dos Transtornos do Desen-volvimento Infantil. Em: Escritos da Criança Nº4. Porto Alegre: Centro LydiaCoriatl, 1996.

RODULFO, R. O Brincar e o Significante. Porto Alegre: Artes Médicas, 1991.

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ao mesmo tempo determinantes, fatores históricos, econômicos e culturaisrefletidos nos infinitos encontros do sujeito com estas vertentes. O imaginá-rio e o simbólico são estruturados pelo real do desejo e da angústia, massofrem a influência expressiva da categoria do social que não está definidocomo registro por Lacan, mas que não podemos imaginar que seja neutra.As formas como nossa vida se desenrola no cotidiano requerem nossa aten-ção. A questão é outra: como compreender o real psíquico atravessado peloreal social, o discurso do desejo atravessado pelo discurso histórico-social.Insisto em que a dimensão da realidade não é exterior à experiência psica-nalítica, e se presentifica permanentemente na clínica. Estas observações,simplistas pelo caráter do texto, tornam-se necessárias e se apresentam,parecem-me úteis para situar o alcance de nossa contribuição, enquantopsicanalistas, para o problema da saúde e mais especialmente ao trabalhointerdiscilplinar.

Cabe, evidentemente, registrar que existem modelos de trabalho nosquais um campo disciplinar se impõe hierarquicamente como superior aosdemais, restringindo dessa forma o caráter de complexidade da condiçãohumana e pontuando as intervenções sobre o prisma do poder ou do profissi-onal, em detrimento do sujeito. Tal situação nos leva a problematizar quaistipos de relações se estabelecem entre essas categorias que não seja ne-cessariamente a de submissão, mas de autonomia e, ao mesmo tempo, deinterdependência no qual cada evento que convoca a equipe interdisciplinarestabelecerá o valor e o lugar de cada profissional. Ou seja, a condição daimportância de um determinado saber ou de seu trabalho não está definida apriori, mas se dará na avaliação e na condução de cada caso, posto que, oque está em jogo não é a supremacia de uma verdade, mas o sintoma en-quanto mensagem, pedindo endereçamentos. Ao nos referirmos ao homemenquanto objeto de estudo não me parece que seja o mesmo para as váriasdisciplinas que dele se ocupam. Sendo assim, é tarefa contínua identificar opontos convergentes que fazem a ligação entre estes saberes e as linhasque demarcam a diferença e as fronteiras entre estes campos, permitindoainda assim a sustentação do trabalho. As especializações fragmentam osujeito, nesse sentido, podemos pensar na psicanálise como uma especia-

Proponho pensar a partir deste terreno, conhecido por nós, como ocor-rem as relações com outros modelos que se ocupam do sujeito. Constata-se que em muitas destas situações a presença de um analista não é requeridanecessariamente para um exercício clínico individual, mas como apoio àequipe diante das dinâmicas institucionais. Tal observação ratifica o caráterde interfaces ou de fronteiras que os profissionais encontram no desenvolvi-mento de seus trabalhos. Esta é, sem dúvida, uma das primeiras posições aser reconhecida (em trabalhos desta natureza), o estabelecimento de umdiálogo com outras áreas de conhecimento não deve constituir ameaça aoque funda a sua prática. Existe, evidentemente, alguns campos ou fronteirasque desafiam mais radicalmente o psicanalista aí colocado não tão conforta-velmente enquanto sujeito suposto saber, mas num imperativo de suposto asaber. Posso destacar o terreno corpo-mente, campo onde as representa-ções e metaforizações recrudescem nosso trabalho. Como poderíamos situ-ar a psicanálise dentro desta perspectiva que privilegia a associação, acomplementação, e as inter-relações?

Os sistemas explicativo-descritivos totalizadores e exclusivistas, ca-racterísticos do ideal científico, vem ruindo gradativamente, cedendo lugar auma atitude na qual o fazer/produzir científicos levem em conta o profissionalque se ocupa do paciente/educando/menor, etc. Ou seja, o analista estáatento a esse fundamento do trabalho interdisciplinar: registrar os efeitos doencontro dos membros da equipe com os ideais institucionais, momentofecundo na produção de conflitos que tem como conseqüência a exacerba-ção imaginária em detrimento da produção de trabalho. Evidentemente queassinalar este traço requer cuidado na medida em que avança sobrenarcisismos e vaidades.

O aporte multidisciplinar que encontramos na obra freudiana e lacaniana(lingüística, literatura, física – aparelho psíquico –, topologia, medicina, an-tropologia) apenas ratifica esta vertente: a interdependência com o corpo ecom a cultura, ou seja, com a matéria e com o semelhante. Mesmo sabido,é fundamental reafirmar o conceito de que na produção da saúde e da doen-ça, não interagem apenas as formações do inconsciente enquanto elemen-tos que compõe a história individual. Participam de maneiras diferentes, mas

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seus desdobramentos na equipe. Sabemos que o inconsciente presentifica-se nas suas formações, que afetam as relações sobredeterminando o(s)sujeito(s) nas atualizações suscitadas pelos encontros, invariavelmentetransferenciais, que se apresentam na vida de cada um. A transferência éaquilo que, simultaneamente, orienta e atrapalha o trabalho, tendo assimenorme importância na economia psíquica e nos trabalhos interdisciplinares.Portanto, o sujeito é efeito da cadeia significante que se atualiza na ordemdo dia.

Se a herança freudiana vai na contramão iluminista e explicita que nãofazemos o que queremos e sim o que podemos, submetidos na tentativa derestauração fálica, fica forçoso exigir que professores, médicos, monitores,enfermeiros, juízes e outros tantos que interagem nas equipes de trabalhoinstitucional, consigam perceber o que está por trás das demandas ou que-rer ensiná-los a decifrar os sintomas, prática comum que verificamos emmuitos cursos de capacitação de cunho comportamental. Este funciona-mento projeta-se no apagamento do inconsciente ou na redução a um códi-go, ignorando o sujeito como efeito das determinações da cadeia significante.Mais que ensinar a prevenir, o analista precisa se ocupar em pensar osefeitos destes encontros e os restos inevitáveis das relações com o Outro,muitas vezes, encarnado no semelhante (paciente, disputa de vaidades, trans-ferências amorosas, rivalizações). Estes restos produzem ruídos que umanalista está em condições de poder escutar e esta é a particularidade, pelaqual se diferencia dos demais colegas e que faz justificar sua presença. Háque reconhecer as especificidades desta clínica que não busca uma equipa-ração ao que seria uma clínica padrão. Sendo assim, poderia ainda reivindi-car o estatuto de psicanalítica?

O pedido pela presença de um analista está matizado pela suposiçãode uma técnica que vai apontar para a causalidade das circunstância que seapresentam como enigmáticas e misteriosas, desafiando os saberes acadê-micos. Aí reside um problema comum na dinâmica interdisciplinar: a lingua-gem. Quer dizer, saber quais são os códigos lingüísticos que são comparti-lhados e reconhecidos pela equipe e como, a partir desta definição, demar-car as fronteiras que separam cada uma das disciplinas. Convém, também,

lização, porque seu enfoque privilegia um tipo especifico da manifestação dosujeito. O discurso analítico perpassa essas fissuras e produz um elo, nãoobturando as fronteiras, mas propondo o encadeamento e a determinação.

A interdisciplinaridade visaria a compor uma síntese a partir das mira-das individuais e que responderia a um ideal de controle sobre o fato emestudo? Ou, por outro lado, manteria a concepção de fragmentação do obje-to em análise pensando na existência de um fio condutor presente nestesrecortes e que permanece comum mesmo na ausência da unidade? A partirda psicanálise penso que seja possível orientar as atividades e as relaçõespor esta premissa. A primeira concepção sustenta o que chamamos de bio-psico-social, pensamento predominante nas formações do que conhecemoscomo saúde mental.

O ser bio-psico-social, da saúde mental, mesmo que almeje umaamarração que o situe além da fragmentação dos diversos discursos, não oconsegue. O que se constata é que estas práticas acabam por dispersar aresponsabilidade singular dos profissionais, favorecendo uma superficialida-de nas abordagens, que se sustenta na produção de um arcabouço identi-ficatório, respondendo satisfatoriamente à necessidade da equipe de um ob-jeto totalizado. Ignoram, portanto, que subsiste um resto a dizer e que esca-pa aos discursos. Este resto não se deixa apreender pela identificação oupelos elementos fáceis da realidade. A precariedade do princípio de realida-de é facilmente identificada, por exemplo, na insuficiência de uma anamnesetradicional, tão comum nos serviços de saúde mental e que, à primeiravista, sugerem a inclusão da história pessoal do sujeito, mas que funcio-nam, na maioria das vezes, apenas para coletar dados confirmativos queapontam para a doença e não para o doente, quer dizer, apostam exclusiva-mente no trauma.

A prática de uma equipe multidisciplinar, mais do que favorecer umlugar de troca de saberes especializados, mais do que a busca de uma açãouniversal, deve ser um lugar onde a clínica do sintoma possa emergir. Nessesentido, esta clínica apresenta-se diferenciada da saúde mental, pois elasempre se apoiará no valor singular e contingencial das soluções. Mais querevelar a origem do sintoma, deve-se apontar para a função do sintoma e

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DEMANDAS JUDICIAIS1

Marcia Helena de Menezes Ribeiro

“A porta da verdade estava aberta,mas só deixava passar

meia pessoa de cada vez.Assim não era possível atingir toda verdade,

Porque a meia pessoa que entravaSó trazia o perfil de meia verdade

E sua segunda metadeVoltava igualmente com meio perfilE os meios perfis não coincidiam...”

A verdadeCarlos Drummond de Andrade

Você já foi ao Foro? Deve lembrar, então, daquele mal estar que acom-panhou as horas de permanência nos corredores e salas onde desfi-la o sofrimento humano; a miséria social emaranhada muitas vezes à

subjetiva. Quem sabe pode ter ido para finalmente receber a confirmação deum pagamento esperado há muitos anos, ou simplesmente buscar um com-provante de não dever nada à lei para poder ingressar num novo emprego.Bons motivos. Entretanto, corriqueiramente, alguém vai ao Foro porque háprocesso – no qual ficam registradas, inscritas, as literaturas ficcionais queconstruímos, as meias verdades que apelam por reconhecimento -, porquehouve um litígio, um conflito, que se organizou entre os indivíduos, ou entre oindivíduo e o ordenamento social, e que não encontrou “resolução” de outraforma. Um processo, então, se constitui por um apelo de justiça; como sa-bemos, um substantivo abstrato, incapaz de abranger a subjetividade. Quan-do alguém se sente “justiçado”? O que poderia mesmo responder à falta quese supõe estar sofrendo por responsabilidade ou culpa do outro?

1 Texto publicado, com outro título, no Informativo da Clínica de Psicologia da UNIJUÍ – FalandoNisso, junho 2002.

estabelecer as estruturas simbólicas reconhecidas como comuns e que fa-cilitam pensar um trabalho conjunto. Sabemos como pode ser crítica e peri-gosa a participação do analista quando ele se situa no lugar de supostosaber sobre o inconsciente para a equipe multidisciplinar. A pertinência dapsicanálise nestes serviços, contrariamente, se funda em uma ausência desaber. É preciso ter cuidado para não se propor com uma nova nosografia,instituindo desta forma uma nova variante de saber fechada e absolutista. Éum risco a correr, mas do qual acho que não devemos nos esquivar; ou pelotemor deveríamos ceder este precioso espaço de trabalho e interlocução?

RIBEIRO, M. H. DE M. Demandas judiciais.

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O que um juiz demanda então quando solicita uma avaliação? É sem-pre uma verdade? É certo que do lado do Direito, que concebe o homemcomo sujeito cartesiano, há um pedido de que o técnico se pronuncie sobre“a verdade”; que contribua com o seu saber para uma decisão. Que o pedidovenha desse lado, dessa forma, parece compreensível, representativo do tra-balho da justiça, pois não há função judicante sem fatos. A cada qual seuobjeto de investigação.

A problemática se instaura do lado do psicólogo, especialmente quandocrê anunciar a verdade sobre o sujeito, quando acredita poder responder aessa demanda na literalidade, ancorando-se no lugar do mestre, algumasvezes ao preço de, no mínimo, sair de sua seara e adentrar na do policial. Aperseguição implacável dos fatos ensurdece.

Há outras possibilidades? Algumas vezes, as entrevistas de avaliaçãoconstituem o momento privilegiado no qual se constrói um espaço de escutapara além dos fatos; deles o processo está recheado. Espaço que não exis-te, dentro da esfera judicial, em nenhum outro momento. No âmbito de umaavaliação é possível fazer deslocamentos, giros, favorecer que a demandapossa se tornar audível ao outro, contribuindo para deixar ao judiciário so-mente aquilo que lhe compete em termos formais.

Nesse trabalho em que as pessoas são encaminhadas por uma deter-minação judicial, não há, a priori, uma demanda. Não há um pedido paraaplacar um sofrimento. Essa forma de chegada opera, algumas vezesobstaculizando a fala e a escuta. Nesse sentido, uma das versões imaginá-rias que transitam pelo trabalho é a de que “o juiz fica sabendo tudo”. Afinal,o técnico trabalha para quê, para quem?

Tenho como prática ler somente o mínimo essencial de um processoantes de receber uma pessoa para avaliação. Esse estilo provoca as maisvariadas manifestações de mal estar, espanto, e algumas vezes fúria naspessoas, pois supõem que estando com o processo em mãos, como nãosaberia “tudo”? Essa hipótese é, no mínimo, interessante, pois adverte dolugar que esperam da justiça e no qual identificam o psicólogo quando che-gam às entrevistas. Dessa forma, essa maneira de trabalhar busca marcarum outro lugar, um lugar no qual o não sabido pode emergir, em que a palavra

Esses conflitos encontram encaminhamentos diferentes caso esteja-mos na esfera criminal, cível ou da infância e juventude (que conjuga as duasprimeiras). Diferença que não interessa aqui neste espaço tratar. Da área dainfância e da juventude, onde transito há alguns anos, há algumas questõesque seria interessante compartilhar.

Antes, porém, é importante lembrar que estamos em um terreno mi-nado, porque a história da intersecção entre direito e a área psi foi inaugura-da pela disponibilização do conhecimento sobre a subjetividade humana, aserviço do controle e manutenção do ordenamento social, inspirado no mo-delo higienista, que prescrevia normas para regular o comportamento e asrelações sociais. Está certo! Não estamos tão longe disto, e mesmo háainda aqueles que trabalham para esse fim. Há, porém, uma caminhada,nada desprezível, desde aquele início, e que possibilitou outras leituras, ou-tras intervenções. Outras práticas que não se coadunam com aquela funçãoinicial. Talvez, baseado nessa origem, nesse ranço histórico, o trabalho nes-sa área costuma provocar um imediato rechaço com ares de horror eincompreensão sobre como alguém se disporia a trabalhar aí, ou pior, de quetrabalhar aí estaria irremediavelmente atrelado à função higienista. Ato contí-nuo, esse horror pode provocar um “não tenho nada a ver com isso”. Certa-mente não somos todos os que temos a ver com isso. E dessa forma, entra-mos no terreno da ética psicanalítica, que reconhece ser ético quando háescolhas, na medida em que elas são a expressão do desejo. Posição diver-sa da ética moral. Naquele terreno, atravessados pela psicanálise, podemostrabalhar dispensando o lugar de mestre do bem comum.

Direito e psicanálise, ou mesmo a psicologia, lidam com objetos dife-rentes. O primeiro no mundo dos fatos, dos atos – da coisa objetiva comoexpressão da verdade -, que poderiam alicerçar o julgamento justo. A psica-nálise habita o terreno da realidade subjetiva, da construção ficcional oriundada história que cada qual pôde escrever com os outros.

Como conciliar o inconciliável? Oferecer respostas positivas que en-fim colocariam “fim” ao litígio, dispensando a participação dos autores, é aaposta de alguns, aposta que parece funcionar mais como ancoragem paraangústia despertada ante o não saber, o não-todo.

RIBEIRO, M. H. DE M. Demandas judiciais.

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INCLUSÃO ESCOLAR DE PROFESSORES:UMA TAREFA PARA A PSICANÁLISE?

Maria Cristina M. Kupfer1Marise Bartolozzi Bastos2

Ainclusão escolar de uma criança psicótica pode custar caro. Sem odevido acompanhamento, uma burocrática, legalista e obrigatóriaentrada em uma escola regular pode provocar estragos que vão des-

de algumas carteiras quebradas até o colapso nervoso de professoras.Os psicanalistas têm sido chamados a intervir principalmente quando

se trata de carteiras quebradas, mas bem menos quando se trata de ouvir osofrimento e o mal estar dos professores inclusivos.

Como “incluir” a psicanálise no trabalho de inclusão escolar de crian-ças psicóticas e autistas levando-se em conta os impasses vividos pelosprofessores no trabalho diário com essa criança?

Como transitar entre os campos da psicanálise e da educação semincorrer nos equívocos de uma psicanálise aplicada, uma vez que a exten-são dos conceitos psicanalíticos não deve ser confundida com a aplicaçãode sua terapêutica no campo da educação?

Essas questões têm sido alvo de constante reflexão no trabalho reali-zado pelo Grupo Ponte, cujo objetivo é o de propiciar a inclusão e fazer oacompanhamento da escolarização das crianças em tratamento na Pré-es-cola Terapêutica Lugar de Vida3, do Instituto de Psicologia da Universidadede São Paulo, quando elas já têm condições de ingresso na escola regular.

O trabalho de inclusão escolar não pode ser realizado sem a inclusãode professores, já que eles são uma das ferramentas mais importantes nasustentação desse lugar social que se pretende oferecer à criança psicótica.

1 Psicanalista, professora livre-docente, coordenadora da Pré-escola Terapêutica Lugar deVida, do IPUSP.2 Psicanalista, mestre em Psicologia Escolar, membro da equipe do Grupo Ponte, do IPUSP.3 A Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida é uma instituição para tratamento de criançaspsicóticas e autistas que pertence ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

opera, constrói. Isso serve para o processo? A priori diria que não. O proces-so é o meio, ele não é o fim. Que ele acabe ou não, é algo por construir apartir das condições de cada um, no caso a caso.

Ao Juizado da Infância e da Juventude escoam situações dramáticas– que de maneira geral não encontraram saídas em outro lugar – nas quais aferida exposta sangra incontinente. Algumas vezes é possível fazer um cura-tivo, se há disponibilidade para isso e dependendo das condições de cadaqual. Também se é chamado a operar como interlocutor do juiz, construindoem conjunto com as pessoas envolvidas, alternativas que busquem um con-senso mínimo entre a lei e a singularidade. Essa é a árdua tarefa a que nospropomos ao abrir um espaço de escuta; onde, a singularidade possa serreconhecida e, ao ser, permitir abandonar o lugar de objeto para ser sujeitodo processo, assinando a autoria das escolhas.

Assim, procura-se sair do senso comum não confundindo, por exem-plo, função materna com deficiência real, quando uma mulher sofre um pro-cesso para perda da guarda dos filhos porque ficou cega; relativizar quandoum jovem de dezessete anos se vê compelido a voltar à escola naquelamesma classe onde só encontrará colegas de dez anos; questionar e mani-festar oposição a um pedido de adoção movido por caridade; escutar a vio-lência que não deixa marcas no corpo e apontar que ela existe, permitindoque algo se opere para romper um circuito sado – masoquista no qual umacriança fica submetida ao gozo do outro.

Enfim, múltiplas são as chamadas ao trabalho. A posição da qual seescuta será determinante das intervenções possíveis. Afinal, pode-se tam-bém questionar a demanda. Ou não?

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camentos nas posições subjetivas dos professores em relação à problemá-tica de seus alunos.

Se a escuta psicanalítica na clínica convencional é aquela que sepropõe a escutar o sujeito do inconsciente, sujeito singular, buscando tocarsua fantasia, deve-se perguntar o que nos autoriza a denominar o trabalhodesenvolvido no Grupo Ponte de escuta psicanalítica, se estamos extrema-mente distantes daquilo que os psicanalistas chamam de tratamento padrão?

A proposta teórica que aqui se apresenta é de que essa prática detrabalho deveria figurar no campo de uma “clínica psicanalítica ampliada”. Otrabalho de escuta de professores faz parte do campo de tratamento dascrianças psicóticas e autistas, e por isso essa escuta específica feita noPonte pode participar da idéia de “clínica”, embora os professores não este-jam sendo colocados no lugar de “pacientes”. (Quando se trata, porém, deescuta de professores de um modo geral em ambiente escolar, propõe-sechamá-la de prática inspirada ou atravessada pela psicanálise, e não declínica psicanalítica ampliada).

Defende-se aqui a hipótese de que as práticas institucionais repre-sentam uma forma de ampliação do campo freudiano originalmente construídopara abarcar o trabalho com as neuroses. A própria clínica psicanalítica decrianças já não se confunde com o tratamento-padrão, uma vez que elainclui, por exemplo, escuta de pais.

Essa ampliação poderá ser sustentada caso se localizem, nessa prá-tica institucional, os mesmos elementos mínimos que compõem a práticapsicanalítica convencional. Essa aproximação torna-se possível com o apa-relho de leitura chamado de quatro discursos, proposto por Lacan.

O GIRO DISCURSIVO “Se o grupo é suposto como estrutura discursiva, o que estáem jogo é a relação de fala e não a relação das pessoas. Essasuposição permite trabalhar com os grupos numa referência àlinguagem, ao simbólico, à lei e portanto à castração e à sepa-ração. Essa articulação da nossa prática clínica com essa con-cepção de grupo parece oportuna, justamente porque nos per-

O Grupo Ponte promove por isso uma reunião mensal aberta aos professo-res, e da qual participam todos os membros de sua equipe. O número deeducadores oscila em torno de vinte a cada reunião.

A dinâmica dessas reuniões é bastante informal e todos os partici-pantes têm acesso à palavra, após uma breve apresentação inicial. Ao finalda rodada de apresentação é dada a palavra aos professores que trabalhamcom as crianças do Lugar de Vida para que falem sobre suas dificuldades einquietações diante dessa criança que está em processo de inclusão naescola regular.

Observa-se, num primeiro momento, que os professores buscam asreuniões do Grupo Ponte com uma expectativa explícita de que receberão alialgum tipo de ‘treinamento’ que irá auxiliá-los na tarefa de trabalhar comesses alunos ditos ‘diferentes’.

Mesmo sendo uma demanda imaginária, o trabalho de escuta feito pelaequipe irá propiciar aberturas em outras direções. Ao invés de fornecer res-postas que obturem e fechem as interrogações, a equipe sugere que o pro-fessor fale de sua experiência e faça interlocução com seus pares; dessemodo inicia-se uma circulação discursiva que tira o professor do lugar dequeixoso e impotente e o coloca na posição de interrogar-se sobre a suaprática escolar.

Para realizar esse trabalho, o Ponte se orienta principalmente por trêsgrandes eixos, três “nortes”, organizadores de sua prática. Trata-se de utili-zar o instrumento da escuta, inspirado na escuta da clínica psicanalítica, demodo a provocar no professor a confrontação com seu dizer, o que teria comoconseqüência a promoção de um giro discursivo capaz de alterar a posição doprofessor frente a seu ato pedagógico. Escuta, giro discursivo e confrontação,essas são algumas das chaves de leitura utilizadas pelo Ponte.

A ESCUTA DO PROFESSORA equipe do Ponte verificou ser possível desenvolver, nessas reuniões,

um trabalho com os professores composto pela escuta psicanalítica e porintervenções específicas, com o objetivo não só de localizar a posição doaluno na estrutura discursiva da escola, como também para provocar deslo-

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1. Parte-se do esquema geral de todo discurso:

2. Escreve-se o discurso da histérica do seguinte modo:

$ S1 O que fazer com o aluno? Grupo Ponte sabea S2 os ‘psis’ nada sabem Respostas

sobre educação

3. Quando os profissionais do Grupo Ponte não se prestam a ocupar estelugar de S1 e ocupam o lugar de objeto a, ocorre o giro discursivo e a emer-gência do discurso analítico:

a $ silêncio/não resposta A queixa vira enigmaS2 S1 saber inédito significantes da queixa/

outras explicações

Assim, o que se põe em ação a partir da escuta analítica dessas produ-ções discursivas trazidas pelos professores é a possibilidade de que as inter-venções atuem na dinâmica que precipita a báscula de um discurso ao outro.

Com a formalização da teoria lacaniana dos quatro discursos podeser possível legitimar a escuta analítica no grupo como uma prática psicana-lítica ampliada, uma vez que os elementos mínimos organizadores do dis-curso podem ser localizados tanto nessa prática institucional como na clíni-ca psicanalítica convencional.

A CONFRONTAÇÃOEssa experiência de trabalho com professores mostra que a explici-

tação das produções discursivas tem como efeito aquilo que Lacan, no texto“A direção do tratamento e os princípios de seu poder”, chama de confronta-ção, marcando o que distingue, radicalmente, essa intervenção de uma in-terpretação.

Outro Produção

agenteverdade

mite considerar os aspectos do coletivo e do particular numamesma estrutura.”(Oliveira, 1999, p.160).

No Seminário 17, Lacan (1969) formula a teoria dos quatro discursosmarcando a existência de um discurso sem palavras, discurso entendidocomo uma estrutura que permeia todo laço social.

O discurso instala um certo número de relações estáveis e esta-belece, a partir delas, modalidades de relação social que Lacan formula-rá em termos de quatro discursos: o discurso do mestre, o discurso univer-sitário, o discurso da histérica e o discurso analítico. Os laços sociais seestabelecem a partir do discurso, pois sempre que alguém toma a pala-vra, ocupa um determinado lugar, colocando o outro em determinadaposição e disso decorre uma determinada produção que apontará parauma verdade.

Quando o discurso em jogo é, por exemplo, o da histérica, o professorse dirige aos profissionais do Ponte buscando ‘receitas’ de como procedercom seu aluno. Um giro discursivo poderá então ocorrer se estiver presenteuma escuta atenta das produções discursivas em jogo, e caso nenhum inte-grante da equipe do Ponte ocupe o lugar de quem detém as respostas.Quando ninguém assume o lugar de destinatário (o outro) a que o agente dodiscurso o remete, essa modalidade discursiva – a da histérica – não opera,obrigando o agente a agenciar o discurso em uma outra direção.

Se ocorreu um giro discursivo, pode-se dizer então que houve emer-gência do discurso analítico, pois, ao não responderem do lugar de fala a queestão destinados, os profissionais da equipe abrem um novo lugar que pas-sam a agenciar enquanto objeto a, lugar do silêncio, o que implica que ooutro tenha de se confrontar com o seu próprio dito. Portanto, é no girodiscursivo que emerge o discurso analítico, ou seja, na passagem de umdiscurso ao outro. Seguindo as indicações de Lacan: “...eu diria agora quedesse discurso psicanalítico há sempre alguma emergência a cada passa-gem de um discurso a outro (...) há emergência do discurso analítico a cadatravessia de um discurso a outro”.

Essa passagem de um discurso ao outro pode ser assim escrita, emse tratando do trabalho no Ponte:

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REFERENCIAS BIBLIOFRÁFICAS

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Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor, 1998.Lacan, op.cit, p. 598.

Ao discutir a direção do tratamento, Lacan marca a diferença entreaquilo que é da ordem de uma interpretação (que aponta para o fantasma,para o sujeito do desejo) e aquilo que é da ordem de uma confrontação dosujeito com seu próprio dizer, “...uma formulação articulada para levar o su-jeito a ter uma visão (insight) de uma de suas condutas (...) possa receberum nome totalmente diferente, como confrontação, por exemplo, nem queseja a do sujeito com seu próprio dizer...”

Esse “dizer esclarecedor” possibilita que o professor se dê conta desua implicação naquilo que, num primeiro momento, era visto como um pro-blema exclusivo da criança e a respeito do qual ele só podia lamentar, quei-xando-se da falta de recursos e preparo, dele e da escola.

Através dos relatos que o professor é convidado a fazer diante dogrupo, vê-se a importância de ele poder resgatar e se apropriar do trabalhoque está desenvolvendo com a criança, pois, partindo-se da premissa de queo que se desenvolve no grupo é uma rede de linguagem, essa fala podeassumir novos desdobramentos à medida que o professor se vê confrontadocom o seu próprio dizer.

Nota-se que essa escuta que implica o outro em uma confrontaçãocom seu próprio dizer contribui para que se instalem, no lugar das certezas,perguntas e questões referentes às interpretações que os professores dãoàs atitudes “estranhas” de seus alunos, sendo visíveis os efeitos provocadospor esse trabalho de escuta.

FINALMENTENos relatos que os professores fazem de seu trabalho é comum o

surgimento de manifestações de surpresa em relação às mudanças queobservam em seus alunos. “Eu não sei o que eu fiz, mas vejo que ele (acriança) mudou; às vezes eu me lembro de que, quando ele entrou na esco-la, nem falava...”, disse um dos professores. Mas talvez o mais importantenão seja a surpresa, e sim a constatação feita em seguida por esse profes-sor. Ele continua: “Não sei dizer o que eu ensinei para ele, mas sei muitobem o quanto ele me ensinou”. Não é isso, aliás, que se pode esperar quetodo professor possa dizer diante de seu ato educativo?

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SEÇÃO TEMÁTICA

dimento psicológico de quem demanda atendimento, a formação clínica depsicólogos, o trabalho conjunto com outras instituições públicas e privadasque demandam um trabalho conveniado com a Clínica (Secretarias de Edu-cação, Conselhos Tutelares, Fórum), o estudo e a pesquisa.

Está constituída por um Conselho (composto pelos professoressupervisores, um professor convidado de reconhecida experiência clínica eum representante dos estagiários e extensionistas), um Coordenador, indi-cado pelo Conselho para um período de dois anos, um conjunto de estagiá-rios de psicologia clínica que se renova a cada ano e estagiários extensionistas– acadêmicos que já concluíram o estágio curricular de psicologia clínica erealizam um estágio opcional.

Em consonância com a orientação teórica do curso de psicologia daUNIJUÍ, a Clínica de Psicologia fundamenta sua práxis e sua ética na teoriapsicanalítica. Neste sentido, os atendimentos propostos caracterizam-se porum espaço de escuta individualizada, tomando-se aquele que demanda tra-tamento como sujeito de desejo, de maneira que este possa apropriar-se desua história de forma singular, responsabilizando-se por seu sofrimento esua busca de tratamento. Na mesma perspectiva, considerando-se as dife-rentes formas de encaminhamentos recebidos pela Clínica,, entende-se queé essencial para o trabalho demarcar as especificidades e singularizar ademanda de cada uma das instituições conveniadas com a Clínica. Sãorealizados também atendimento psicológico hospitalar e domiciliar.

Dentre as ações de formação implementadas pela Clínica estão asupervisão individual e semanal aos estagiários e extensionistas, os semi-nários clínicos semanais (que integram o currículo do curso de psicologia),as apresentações clínicas semanais (coordenadas por um professorsupervisor), as comissões de trabalho (de Estudos, de Patrimônio e Eventose de Publicações, compostas pelos estagiários e extensionistas) e a super-visão interdisciplinar na área médica.

A formação do psicólogo se articula com a pesquisa e a extensãovisando à produção de conhecimento a partir da experiência específica daclínica institucional, levando-se em conta as novas formas de subjetivação eas novas expressões que o sofrimento psíquico assume na contempo-

CLÍNICA INSTITUCIONAL: ÉTICA E FORMAÇÃO

Lucy Linhares da Fontoura

Aexperiência levada a efeito na Clínica de Psicologia da UniversidadeRegional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, emIjuí / RS, tem provocado questionamento e reflexão naqueles que

dela participam1. As questões em torno das quais se situa o debate poderi-am ser formuladas assim:– como viabilizar uma clínica institucional pautada pela ética psicanalítica;– como possibilitar uma formação clínica sustentada pela ética psicanalítica.

Ambas questões se inscrevem numa questão ampla, que gira emtorno da possibilidade de caracterização de um espaço clínico no seio deuma instituição acadêmica, espaço este orientado pela psicanálise enquan-to teoria e ética.

Constituída inicialmente como campo de estágio para os alunos docurso de graduação em psicologia da Universidade, a Clínica de Psicologiaveio a compor, a partir de um certo momento de seu funcionamento, umprograma autônomo, ampliando sua abrangência e propósitos originais. Àmedida que seu trabalho vem se consolidando, tanto na perspectiva dasatividades realizadas – que se diversificam – como no que se refere ao pró-prio exercício clínico e institucional, vem se impondo a necessidade de refle-tir sobre o percurso realizado, buscando registrar a experiência efetuada deum modo sistemático e sob uma metodologia que corresponda a seu supor-te teórico, bem como produzir, a partir dela, elaborações teórico-clínicas quepossam ser compartilhadas.

A Clínica de Psicologia da UNIJUÍ foi fundada em 1993 e desde entãovem atendendo a todos que a ela endereçam um pedido de tratamento, tantoda comunidade de Ijuí, como de outras localidades. Tem por objetivo o aten-

1 No momento integram o Conselho da Clínica Ana Maria S. Dias, Cristian Giles, Gustavo Brun,Lucy L. Fontoura, Luís Fernando L. Oliveira, Nilson Heidemann, Tania Souza Borba e UbirajaraCardoso.

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SEÇÃO TEMÁTICA

sam o cotidiano da Clínica. O Conselho da Clínica é soberano: as questõessão levadas ali para uma apreciação analítica exaustiva e as decisões sãotomadas por consenso. Há uma singularização na construção coletiva dotrabalho que parece ser algo muito específico desta experiência. Há espaçopara a participação/pronunciamento de cada um, considerando-se as dife-renças de percurso. Quando se faz necessário, o Conselho da Clínica tem apalavra final.

Há certos princípios ético-epistêmicos que são mantidos com zelo: atransferência, por exemplo. A definição do supervisor é feita pelo estagiário.O atendimento de cada paciente é preservado, o estagiário e sua respectivasupervisão tem a responsabilidade sobre o caso. Mantém-se certos cuida-dos básicos, como: o paciente é atendido apenas por aquele estagiário,respeita-se o horário do paciente, mesmo quando este falta, como simbólicode seu lugar e de sua implicação com seu tratamento.

Dentre os dispositivos criados para constituir a clínica institucionalestá a atividade de apresentação clínica, na qual um estagiário ouextensionista apresenta ao grupo de colegas um dado caso clínico, acompa-nhado por um supervisor que não aquele que supervisiona os atendimentosque realiza. A perspectiva deste trabalho é a de constituir um momento dereflexão teórico-clínica sobre o caso em questão, composto pela contribui-ção dos participantes. Trata-se de uma atividade que tem uma função deformação clínica, na medida em que se constitui num momento no qual seexercita o “testemunho” sobre o trabalho realizado. Este elemento de teste-munho se acrescenta ao clássico tripé definido por Freud como essencial naformação de um praticante: a análise pessoal, a supervisão e o estudo dateoria. É um momento privilegiado em que se oportuniza uma interseçãoentre a dimensão particular do trabalho clínico com o paciente e a dimensãoinstitucional. A palavra testemunho é especialmente significativa aí, pois elafaz referência tanto à particularidade da escuta do caso em questão, como auma dimensão social, por assim dizer, pois um testemunho é dado a al-guém. A alterização que aqui se opera, e que é diferente da alterização daescuta que opera na supervisão, remete o praticante para a responsabilizaçãopor seu trabalho “entre seus pares”, função essencial da instituição. O esta-

raneidade. Os eixos temáticos em que se organiza atualmente a pesquisana Clínica são os sintomas na infância e o que seja a especificidade daclínica institucional.

No âmbito da construção da clínica institucional, que perpassa todo otrabalho, podemos situar como atividades particularmente direcionadas a estadimensão as reuniões gerais quinzenais de toda a equipe, as reuniões mensaisdo Conselho da Clínica, as reuniões clínico-institucionais mensais do grupo desupervisores e o trabalho de reflexão sobre as relações interinstitucionais.

Nesta breve apresentação pode-se observar a criação de dispositivosde trabalho visando desdobrar na prática, ou seja, nas ações da instituição,a ética que norteia o trabalho. Examinaremos a seguir alguns desses dispo-sitivos, bem como os princípios que eles veiculam, os quais perpassam todoo trabalho, constituindo-se em vetores de referência para o mesmo.

Em primeiro lugar está o cuidado propriamente clínico que atravessatodo o trabalho institucional, mantido com insistência em cada procedimen-to e na condução geral da instituição. Há uma tendência recorrente nasinstituições de tomar o já trabalhado e transformá-lo em procedimento padro-nizado, o que acaba burocratizando o trabalho e expurgando o lugar do sujei-to, isto é, do desejo. É preciso um esforço constante para manter um espa-ço aberto para a problematização, para o interrogar-se acerca de cada ques-tão que surge no desdobramento do trabalho, tomando-a, portanto, como umsintoma e trabalhando-a discursivamente de modo a possibilitar seu deslo-camento. A dimensão fantasmática está aí para ser reconhecida e interpre-tada. O cuidado com a singularização, com a particularização, pode apare-cer em procedimentos simples como atender o paciente na mesma sala,embora esteja para além dos procedimentos, situando-se na perspectiva emque cada um se coloca no trabalho institucional.

Outro elemento que parece distintivo desta experiência é o fato de terse constituído aí um espaço efetivo para a construção coletiva, sem borrar asdiferenças. Nas reuniões gerais, os estagiários têm oportunidade de se pro-nunciar, propor alternativas e interferir nos rumos da Clínica. Muitas das inici-ativas institucionais surgiram daí. As comissões de trabalho são espaçosrespeitados e produtivos, nos quais se elaboram as questões que perpas-

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SEÇÃO TEMÁTICA

A abertura da clínica institucional para o trabalho interdisciplinar vemligada à clínica infantil, que tradicionalmente interpela nossa escuta de modo“interdisciplinar”. Tal demanda tem produzido a oportunidade para exercitar-mos a interlocução necessária à construção desta nova modalidade de tra-balho. A publicação periódica da Clínica, o jornal Falando nIsso, já vem tra-balhando nessa referência, convocando outros discursos a trazerem suaalteridade para nos situar em nossa perspectiva.

belecimento da modalidade de acompanhamento por um supervisor, que nãoaquele que supervisiona o caso, vai na direção de sublinhar esta função.

Na experiência cotidiana verificamos que, na participação e noenvolvimento com esta atividade, os estagiários vão progressivamente deslo-cando-se de uma referência eminentemente narcísica para um posicionamentoconseqüente à proposta da atividade, o que possibilita trabalhar entre ospares as complexidades da escuta clínica. Aí se alicerçam as bases de umatransferência de trabalho, o que pode ser ilustrado pelo depoimento de al-guns estagiários no sentido de que deixam de se constranger em trazer oscasos que “não estão dando certo”. Para o estabelecimento desta perspec-tiva, o posicionamento do supervisor responsável é fundamental; ele deveatuar de modo preciso, preservando eticamente a transferência em jogo nocaso (paciente/estagiário/supervisor) e orientando o trabalho na direção pro-posta.

Outro dispositivo que concorre para a constituição do espaço institu-cional é o das reuniões clínico-institucionais periódicas dos supervisores.Neste âmbito são estudadas e debatidas questões clínicas que surgem noexercício institucional, bem como questões institucionais que se apresen-tam como interrogantes. Recorre-se à bibliografia pertinente, trabalhando-seas questões numa perspectiva teórico-clínica.

É importante que seja dita uma palavra sobre a supervisão. Parte es-sencial de uma formação clínica, a supervisão constitui também nessa ex-periência um pilar ético que sustenta a escuta do paciente como sujeito,preservando-o de uma objetalização que lhe seria danosa. Através de umcuidado reiterado, a postura do supervisor marca uma diferença da função deavaliação que está inserida no caráter de estágio acadêmico. No depoimentode vários dos estagiários, a supervisão se constitui num marco de formação,caracterizando um modelo ético que se leva para a vida profissional.

No momento, a Clínica de Psicologia da UNIJUÍ encontra-se em pro-cesso de transição, no sentido de implementar os meios para efetivar umaclínica interdisciplinar. Trata-se do seguimento de uma trajetória em que, dediversas formas, a questão da interdisciplina tem se colocado, convocando areflexão e o debate.

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SEÇÃO TEMÁTICA

tam suas possibilidades clínicas, assim como respondem de alguma formaàs finalidades da organização em questão. Por outro lado, defrontam-se comas estruturas organizacionais, participando da sua dinâmica, o que tambémdelimita as condições de seu trabalho clínico.

A prática contemporânea da psicanálise é distinta do que era há cemanos. Segundo Elisabeth Roudinesco, numa entrevista realizada no progra-ma Roda Viva, TV cultura de São Paulo1 , “Em todos os hospitais e locaisligados a doenças, ou onde haja sofrimento, existem psicólogos clínicos oupsicanalistas que se ocupam em escutar todas as pessoas que têm proble-mas psicológicos ligados a essas doenças, e aos quais um médico nãopode escutar. Na França, há muitos desses profissionais, trabalhando naperiferia com os imigrantes, delinqüentes, enfim, com todos os problemasda sociedade. Essa é a prática cotidiana da psicanálise, mesmo que paraisso não se use o divã. E esses psicanalistas também não usam terno egravata, usam jeans, tênis, não ganham muito e não têm pacientes em divãso tempo todo. É essa a imagem moderna da psicanálise. É assim que euvejo o futuro da psicanálise.”

Para que o psicanalista possa dar direção à sua prática clínica nessecontexto ampliado, trabalhando com todos os problemas da sociedade, cabecaracterizar o que é uma organização, as implicações de seu trabalho estarali inserido, e qual o lugar da psicanálise na interdisciplinaridade, assim comoqual o lugar do psicanalista na equipe multiprofissional.

Em Mal-estar na Civilização (1929), Freud considera que “... podemosesperar que, um dia, alguém se aventure a se empenhar na elaboração deuma patologia das comunidades culturais.” Nesse texto, Freud oferece oponto de partida para a elaboração psicanalítica dessa patologia das comu-nidades. As organizações são sintomas sociais da patologia das comunida-des. Estruturam-se em torno dos significantes que marcam as bordas doreal deixadas pelo recalque e dos padrões de gozo que a renuncia à satisfa-ção pulsional impõe como necessária à vida em comunidade. Entretanto,

1 Entrevista publicada no Correio da APPOA N° 76 – Ano IX, Janeiro/2000. (Obs: o grifo énosso).

O PSICANALISTA NAS ORGANIZAÇÕES

Jaime Betts

Opsicanalista que trabalha nas organizações se vê confrontado, deimediato, com várias questões (entre outras): a psicanálise é só deconsultório? O tratamento é somente individual? O psicanalista só

trabalha a partir do momento em que uma demanda (neurótica?) lhe é dirigida?Se não houver demanda o psicanalista nada tem para fazer, deixando o casopara outros profissionais? O tratamento psicanalítico é eficaz diante dasnovas psicopatologias? E é possível dentro de uma organização? O que éuma clínica do sintoma social?

Na prática cotidiana da psicanálise é cada vez mais freqüente a pre-sença de psicanalistas trabalhando em organizações, geralmente ligadas àsáreas da saúde/doença, educação, serviço social, etc. Buscam, nas condi-ções que encontram nesses lugares, acolher e escutar a fala das pessoas arespeito de seu sofrimento dentro de uma ética psicanalítica.

Basicamente, são duas as perspectivas possíveis de inserção do psi-canalista: na maioria dos casos ele faz parte da organização e integra umaequipe multiprofissional; a outra perspectiva é ser contratado como consultorexterno à organização, caso em que o psicanalista é chamado a intervir pelaprópria organização, para escutar e trabalhar com o sofrimento das pessoasdentro de um contexto de crise ou conflito organizacional que faz sintoma,impedindo que as finalidades institucionais sejam razoavelmente alcançadas;também nessa condição, embora distinta da anterior, o psicanalista estáinserido necessariamente num contexto interdisciplinar.

No que diz respeito à primeira perspectiva, é cada vez mais comumque a prática da psicanálise, enquanto clínica ampliada (em intensão e ex-tensão), se dê dentro do contexto de diferentes tipos de organizações. Ospsicanalistas que aí desenvolvem sua clínica vêem-se confrontados com osmais variados tipos de problemas, demandas e condições de trabalho. En-contram-se inseridos numa diversidade de práticas discursivas com as quaisinteragem nas equipes multiprofissionais, que influenciam e às vezes limi-

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auto-determinado e livre de conflito. Assim, participando do sintoma social,acontece de os psicanalistas crerem que podem abstrair o sujeito de seucontexto social ao deitá-lo no divã, assim como o sujeito se acredita autôno-mo em relação às redes simbólicas e imaginárias da cultura que permitemque ele se imagine como tal. A prática clínica nas organizações torna quaseimpossível essa abstração.

A singularidade subjetiva, distinguindo da noção de indivíduo, é sem-pre o efeito de uma rede discursiva, que é coletiva e determinada pela alteridaderadical do Outro do discurso e mediada pela intersubjetividade. Nesse senti-do, “não existe uma psicanálise do individual e outra “aplicada” ao sintomasocial, pois o sintoma é sempre social”4 , muito embora ele se singularizeem cada sujeito.

A sociedade, segundo Levi-Strauss, tem seu arcabouço nas leis daexogamia e proibição do incesto que definem as relações de parentesco,diferenciando o ethos humano da natureza. Em torno desse arcabouço seinstitui uma rede simbólica discursiva das funções jurídico-religiosas, defen-sivas e de ataque, bem como as produtoras-reprodutoras do tecido social.Essas instituições têm suas funções implementadas na sociedade atravésdas organizações. A sociedade e suas organizações configuram uma redesimbólica que se organiza em torno de diferentes recortes do real, estabele-cendo matrizes identificatórias de representações simbólicas e sentidosimaginários compartilhados pelos seus membros. As organizações são apa-relhos de subjetivação, produtoras de subjetividades que reproduzem os sin-tomas sociais na singularidade de cada sujeito.

No seminário XVII – O Avesso da Psicanálise (1969-70), Lacan fazuma contribuição decisiva para dissolver a equivocada oposição entre a psi-cologia individual e a coletiva e liberar a práxis psicanalítica da limitanteteoria do enquadre, abrindo a perspectiva da clínica psicanalítica em exten-são. Trata-se da formulação da estrutura do discurso em seus quatro pólos,para os quais tendem as práticas discursivas na cultura. Trata-se do discur-

4 Aragão, L.T., Calligaris, C., Freire Costa, J., Souza, O. Clínica do Social – Ensaios . SãoPaulo: Ed. Escuta, 1991, p.12.

sobretudo na pós-modernidade, o ponto de estruturação pode não ser orecalque. As relações sociais de produção na economia neoliberal, por exem-plo, exigem o levantamento do recalque e a expressão direta das intençõese dos apetites, fazendo com que a relação com o outro se funde naagressividade extrema da hipercompetição, onde o sujeito é levado a fazerqualquer ‘negócio’ para ganhar (do outro) o gozo premiado.2 O ponto deestruturação na organização também pode ser a denegação implicada nogozo instrumental da montagem perversa3 ou a forclusão do falo simbólicoimplicado no discurso tecnocientífico, com suas conseqüências de colocaro sujeito à beira da loucura e da precipitação da violência no real.

Cabe lembrar também outro trecho conhecido de Freud, mas talvezpouco questionado quanto às conseqüências clínicas que implica, quandoafirma em Psicologia das Massas e Análise do Eu (1920) que “a oposição dapsicologia individual à psicologia social ou à psicologia dos grupos, que podenos parecer muito significativa à primeira vista, perde muito da sua acuidadequando examinada profundamente. A psicologia individual, sem dúvida, sebaseia no homem individual, e procura conhecer as vias pelas quais estebusca obter a satisfação das suas moções pulsionais. Mas, procedendoassim, só raramente, em condições excepcionais, ela consegue fazer abs-tração das relações desse indivíduo com os outros indivíduos. Na vida psíqui-ca do indivíduo, o outro intervém regularmente como modelo, aliado e adver-sário e é por isso que a psicologia individual sempre foi desde o início esimultaneamente uma psicologia social, nesse sentido ampliado, mas total-mente justificado.”

A psicologia individual decorre da noção moderna de indivíduo. O indi-víduo é uma construção cultural, com estatuto jurídico (os direitos individuaisdo cidadão/consumidor), que proporciona ao sujeito uma forma de identida-de na qual ele se crê autônomo, independente de qualquer laço ou tradição,

2 Melman, C. Novas Formas Clínicas no Início do Terceiro Milênio. Porto Alegre, CMCEditora, 2003.3 Calligaris, C. Perversão – Um Laço Social? (Salvador, 1986) Porto Alegre: CooperativaCultural Jaques Lacan, 1986.

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SEÇÃO TEMÁTICA

gia é aquela da tolerância zero e repressão indiscriminada contra usuário etraficante, sendo que o consumo de substâncias psicoativas (para além decerta quantidade no que diz respeito às drogas consideradas legais e qual-quer quantidade no que tange às drogas ilegais) é considerado uma doença.Nessa estratégia, repressiva e condenatória, não há lugar para o sujeito. Oideal que a rege é o da universalidade normativa e temperança no consumodo que é legal e eliminação do ilegal. Em termos freudianos, é o familiarrecusando reconhecer como próprio o estranho que o habita, reprimindo-ocom violência. Trata-se de uma ética completamente incompatível com aética da psicanálise. Na estratégia de redução de danos, por outro lado,abre-se a possibilidade de que a palavra do usuário seja escutada e levadaem consideração, sem qualquer juízo moral sobre sua forma de gozo com oobjeto tóxico, quanto mais o de impor o ideal da abstinência ou temperança(em outras palavras, o ideal terapêutico de esbater o sintoma). A estratégiade redução de danos abre uma perspectiva de inclusão da palavra do sujeito,do reconhecimento simbólico de um lugar de enunciação possível, não oreduzido ao real do objeto droga, e de sua relação singular de gozo com omesmo. Trata-se de uma estratégia ética compatível com a ética da psica-nálise.

No que diz respeito à questão das equipes multiprofissionais e dainterdisciplinaridade, a revolução científica do século XVII promoveu uma grandeproliferação de disciplinas, fazendo com que o campo do conhecimento sejarecortado hoje por inúmeras disciplinas e entrecruzamentos teóricos emetodológicos, gerando dois tipos de problemas epistemológicos: primeiro,a questão das fronteiras entre as disciplinas, com a delimitação do objetoespecífico de cada uma bem como de sua metodologia de investigação;segundo, o problema da complexidade do conhecimento decorrente da acu-mulação dos saberes de cada disciplina acrescida da fragmentação progres-siva de conhecimentos não comunicantes entre si, colocando barreiras parao conhecimento do conhecimento.

A esse respeito, Morin comenta que o modelo clássico das ciênciasfísico-naturais adotou o paradigma epistemológico da simplificaçãoreducionista e unidimensional, em que a disciplina dominante reduz as de-

so do mestre, do universitário, da histérica e do analista. Discurso é a estru-tura de linguagem que organiza a comunicação e especifica as relações dosujeito com os significantes e com o objeto, determinando as posiçõesenunciativas possíveis ao sujeito conforme o discurso (e contexto) em queesteja situado, regulando desse modo as formas do vínculo social. A lógicadiscursiva é distinta para cada discurso, assim como seus efeitos desubjetivação no espaço e no tempo e os modos de gozo que prescreve eproscreve.

A esse respeito, na Proposição de 9 de Outubro 1967, Lacan antevêos horrores dos campos de concentração como conseqüência do remanejodos grupos sociais pelo discurso da ciência, particularmente pelauniversalização que nelas introduz às custas da exclusão das representa-ções significantes do sujeito. O vínculo social regido pelo discursotecnocientífico é o da exclusão paranóica do estranho (familiar) e a defesaarmada contra seu retorno encarnado no outro do social. O que é forcluído dosimbólico retorna no real. O racismo é um exemplo dessa forma de retorno,assim como as toxicomanias, o alcoolismo e outras adicções. Lacan dizque os discursos, assim como o inconsciente, somente se revelam atravésde suas formações. É sobretudo na fala onde o sujeito denuncia de qualposição discursiva enunciativa produz seus enunciados e correspondentesobjetos de gozo.

O psicanalista nas organizações está necessariamente inserido nocampo da interdisciplinaridade. Como posicionar-se? Qual o lugar da psica-nálise em relação às demais disciplinas? Sem a segurança (falsa) do settinganalítico, como situar a clínica psicanalítica, tanto em intensão, quanto emextensão (clínica ampliada)?

A questão que deve nortear a prática clínica do psicanalista nas orga-nizações ou na clínica ampliada é a de como intervir discursivamente nosintoma social segundo uma ética compatível com a ética da psicanálise.5

Tomemos como exemplo o sintoma social das toxicomanias e a es-tratégia, interdisciplinar, de redução de danos. O contraponto dessa estraté-

5 Op. Cit. p. 12.

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SEÇÃO TEMÁTICA

conhecimento que cada disciplina recorta a seu respeito. Nesse modelopsicanalítico de trabalho interdisciplinar a fragmentação do conhecimentotem como ponto de integração o próprio sujeito sobre o qual esses saberesintervêm, pois o ser humano, como objeto bio-psico-social, ao falar, engen-dra uma quarta dimensão além das três anteriores, ou seja, a dimensãohumana do sujeito desejante.

Colocar o conceito de sujeito de desejo no centro da prática interdis-ciplinar das equipes multiprofissionais oferece um eixo ético, psicanalítico,necessário quando a intervenção requerida pelo paciente vai além dos limi-tes da ética própria de cada disciplina interveniente. O sujeito do desejocoloca em jogo o deslocamento significante, o que possibilita o estabeleci-mento de relações simbólicas construtoras de uma posição de protagonismopara o sujeito na constituição dos laços sociais que situam seus problemasno contexto da organização em que buscou (ou está recebendo) tratamento.Ou seja, nessa perspectiva, diz o autor, cada profissional não se colocadiante de um objeto, mas com um sujeito, via linguagem, na tarefa de cons-truir um saber singular sobre ele.

Nessa perspectiva, o psicanalista nas organizações pode intervirdiscursivamente no sintoma social (e singular) segundo uma ética compatí-vel com a ética da psicanálise.

mais ao seu domínio científico-econômico, separando o objeto de seu meio,universalizando seu conhecimento específico. A saída que o autor propõe éa do paradigma da complexidade, ressalvando que não se trata de desenvol-ver um esquema de integração de conhecimentos sintético e harmoniosonem de perder competências, e sim de que cada disciplina se desenvolva osuficiente, de forma a poder articular-se com outras que, “ligadas em cadeia,formariam o anel completo e dinâmico, o anel do conhecimento do conhe-cimento.”6

Um terceiro tipo de problema decorre do fato de que as diferentespráticas discursivas concorrem umas com as outras pela autoridade científi-ca e pelo poder nas disputas de mercado e distribuição do capital, visível naslutas de regulamentação profissional que fazem reserva de campo de atua-ção segundo as competências definidas pelo Estado. Veja-se nesse sentidoo controverso projeto da “Lei do Ato Médico”, assim como o risco dadomesticação da práxis psicanalítica e de sua redução a uma psicoterapia edisciplina acadêmica entre outras, pela proposta de regulamentação da pro-fissão de Psicanalista atualmente em tramitação.

Muito embora o número de disciplinas e especialidades não cesse dese multiplicar, as posições em que a equipe multiprofissional pode se colo-car em relação ao objeto de conhecimento respondem a apenas três mode-los7 : o modelo das ciências físico-naturais (já mencionado acima), o modelobiopsicossocial e o modelo psicanalítico. O reducionismo do primeiro é gri-tante e, mesmo assim, é dominante. No segundo, cada especialista se ocu-pa da especificidade do objeto de sua disciplina, sem levar em consideraçãoo sujeito que seu saber fragmenta. É um ‘cada disciplina por si e o pacientepor todos’. No modelo psicanalítico, o ponto de articulação do objetobiopsicossocial é a linguagem. Alfredo Pas argumenta que as diferentesdimensões disciplinares se integram para o ser humano pela via da lingua-gem na fala do paciente, que dá um valor subjetivo aos distintos objetos de

6 Morin, E. O Problema Epistemológico da Complexidade. Lisboa: Ed. Europa-América,1983.7 Pas, A. Interdisciplina e Transdisciplina na Clínica dos Transtornos do DesenvolvimentoInfantil. In: Escritos da Criança nº 4. Porto Alegre: Centro Lydia Coriat, 1996.

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SEÇÃO DEBATES

de do passado. Mas é visível no samba esta nostalgia. Mesmo quando eletornou-se urbano e esbranquiçado, a música popular cantou o abandono e adesvalia. Em alguns momentos a canção conseguiu superar a melancolia, aescravidão e esbanjou poesia, ironia e sensualidade com Noel Rosa, WilsonBatista, Pixinguinha e Lupi entre outros.

Os portugueses até hoje cantam o Rei D. Sebastião que desapareceujovem. O sebastianismo espera o retorno do tempo de glórias quando então“esta terra cumprirá seu ideal” de consolidar seu império colonial. EduardoLourenço analisou muito bem a mitologia da saudade no império, nas colôni-as e nos escritos patrícios.

Mesmo no sul do Brasil, onde desde o século XIX uma imigraçãoeuropéia – mormente italiana e alemã, embora muitas outras etnias apor-tassem por aqui, “fez a América” é visível um certo sentimento de nostalgiapela “pátria” deixada para trás. O que torna mais interessante esta “nostal-gia” do imigrante é que, diferente dos negros, o exílio foi voluntário de umaterra que não anunciava qualquer esperança. Foi o abandono de uma terramiserável e, mesmo assim, ficou um resto de ideal.

Com estas condições alinhavadas acima não é de espantar que umdiscurso que faça um rompimento com esta saudade, deixando que o pre-sente seja um tempo do fazer sem que estejamos à espera do momento emque finalmente gozaremos do trabalho alcançado, seja privilégio de poucos.E se equilibre no fio da navalha. Afinal, ou lamentamos o passado perdido,ou temos vergonha deste passado, ou estamos à espreita do futuro glorioso(Brasil país do futuro).

Contardo Calligaris escreveu2 que o filme é terapêutico conosco. Qualterapia ele realizaria? Nos reconciliar com um passado, poder valorizar umatradição, alguns de seus traços mais sensíveis (para cada um de nós segun-do sua história), sem que este passado seja a memória de uma ferida quenão quer cicatrizar, ou o lamento por erro cometido e que não há penitênciaque o apague. Aqui o erro é correlato do pecado. Como dirigir a cura?

2 Contardo Calligaris, Folha de SP, 14/08/03.

PAULINHO DA VIOLA – MEUTEMPO É HOJE

Robson de Freitas Pereira

“...tudo bem eu vou indo correndopegar meu lugar no futuro e você?”

Sinal Fechado1

Metáforas sobre o tempo, saudade, “o passado vive em mim”. Comocultivar a tradição e não ser nostálgico. Fazendo parte e, simulta-neamente, destacando-se na multidão (o início e término do filme

destaca a figura do compositor caminhando no meio das pessoas, nas ruasdo centro do Rio).

Impossível não se emocionar em muitos momentos repletos de músi-cas, conversas e personagens que, entrelaçados pelo roteiro de Zuenir Ven-tura e a direção de Isabel Jaguaribe, vão nos contando uma história da cultu-ra da música, dos cenários e subúrbios do RJ (Parque Lage, Itanhangá,Osvaldo Cruz, Madureira) e da tradição do samba, da qual Paulinho é um deseus mais lídimos representantes e inventores.

Também somos conduzidos pelas sonoridades das imagens a mer-gulharmos numa discussão sobre a vida/tempo e como uma invenção nãose faz sem uma tradição que a sustente. Sustentar não sei se é o verboadequado, preciso. Talvez se trate mais de uma referência que possibiliteesta relação com o passado sem saudosismo. Numa tradição cultural comoa nossa – brasileira, isto não é qualquer coisa (pois “qualquer coisa doidadentro mexe”) ou tarefa fácil. Exige invenção e arte na composição.

Vamos nos lembrar que os negros nos legaram o “banzo” pela terra daqual foram arrancados e por cuja perda lamentavam. A música, o cânticoreligioso ou laico, a dança, celebram esta viagem e esta perda. Ao mesmotempo, aqui se recriaram formas de expressão que não dependem da sauda-

1 A letra da música encontra-se no final do texto.

PEREIRA, R. DE F. Paulinho da viola...

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SEÇÃO DEBATES

“Por isto eu deixo em abertoMeu saldo de sentimentosSabendo que só o tempoEnsina a gente a viver”4

LETRAS

1 Sinal Fechado“Olá, como vai?Eu vou indo e você, tudo bem?Tudo bem eu vou indoCorrendo buscar meu lugar no futuroE você?Tudo bem eu vou indoem busca de um sono tranqüilo,Quem sabe?Quanto tempoPois é, quanto tempo.Me perdoe a pressaÉ a alma dos nossos negóciosOh, não tem de quêEu também só ando a 100.Quando é que você telefona?Precisamos nos ver ,por aíPra semana prometo,talvezNos vejamosQuem sabe...Quanto tempoPois é, tanto tempo.Por favor telefoneEu preciso beber alguma coisaRapidamentePra semana...O sinalEu espero/você/vai abrirAdeus/não esqueça...”

4 Só o tempo“Largo a paixãonas horas em que me atrevoe abro mão de desejosbotando meus pés no chãoé só eu estar felizacende uma ilusãoquando percebe em meu rostoas dores que não me fezah, meu pobre coraçãoo amor é um segredoque sempre chega em silênciocomo a luz do amanhecerpor isto eu deixo em abertomeu saldo de sentimentossabendo que só o tempoensina a gente a viver.”

Paulinho restaura relógios, carros antigos3 e tacos de bilhar. Mas, seuprazer não está em vê-los funcionando – até quer andar no carro que estárestaurando, porém, o mais importante é trabalhar na restauração, sem pres-sa. Sem saudade. Mas com um tempo de contemplação necessário paracriar, que aponta as idiossincrasias na vida familiar, a inadequação para tare-fas domésticas onde uma lide de minutos pode levar horas. Não importa; oque se quer ressaltar é justamente esta possibilidade de articulação dese-quilibrada entre um sujeito e sua arte, sua vida.

“A arte é um curativo do vazio” (René Passeron). A arte contemporâ-nea, não tem mais as mesmas preocupações estéticas dos clássicos. Nãose preocupa com um ideal de beleza, ou mesmo de consolo (talvez a publi-cidade ocupe-se disto com maestria atualmente). Mas continua a produzircurativos, costuras em torno do vazio. Formas de suportar um presente,hoje, sem que estejamos sempre a lamentar o ideal inalcançável, a terraprometida que não chega via “telentrega” de nossas ambições. O presentenão é tempo de espera, tampouco o passado é moradia permanente. Opróprio compositor afirmou há algum tempo4 que a história da música popu-lar é muito recente para justificar um saudosismo. Isto fica evidenciado nofilme, pelo roteiro, pelas músicas e pela apresentação de um cotidiano ondeo que importa é savoir faire. Importa o que ele faz, com a madeira, com aspeças, com as palavras e as canções onde três gerações (avô, pai e filho)podem trabalhar juntas. Transmitindo esta leveza, uma gentileza/delicadezaviril que não nega, mas não se confunde com a violência da escravidão deonde surgiu a música popular brasileira da qual Paulinho da Viola é um deseus criadores/inventores. Quem sabe ela tenha a função de ser um dos“curativos” mais efetivos que o Brasil produziu como contribuição à culturaocidental.

3 Certa feita, sua paixão por carros antigos o levou às páginas dos jornais de Porto Alegre.Um “conhecido” havia prometido um kharman-guia, recebido o dinheiro pelo veículo, mas nãofizera a entrega. Como não devolvia o pagamento recebido Paulinho veio até o Sul buscar najustiça seus direitos. De onde se deduz que delicadeza e tranqüilidade não são sinônimos depassividade.4 mais! FSP, 25/08/2002, entrevista concedida a Arthur Nestrovski e Nuno Ramos.

PEREIRA, R. DE F. Paulinho da viola...

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RESENHA RESENHA

temas caros à nossa tradição literária – o duplo, o escritor como persona-gem, o trato com a linguagem, entre outros.

José Costa é um escritor “sem estilo”, ghost-writer que um dia, ao re-tornar de um congresso de escritores também fantasmas, perdeu uma cone-xão aérea e foi parar em Budapeste/Hungria. Lá passou uma noite, sementender nada, procurando decifrar signos, como um Champollion moderno(cuja Pedra de Roseta era um televisor no quarto).

Metáfora de quê – Budapeste? Do novo, do inesperado, da língua e doestrangeiro que devemos estar sempre atentos e abertos. Será? Abrir-separa uma nova língua é desafiar a mesmice, o gozo pela repetição conhecidae separar-se dos entes e mentes queridos (e odiados).

Tópicos de uma novela: o que era novidade transformou-se em rotina.A rotina produziu o tédio e o encontro com o fracasso. Costa não quer oreconhecimento por seus textos apócrifos e assinados por outros. Ele pro-duz para isto; para que os autores possam existir e ter propriedades auto-rais. Que eles não saibam escrever não é problema. Para isto existem osJosé Costas que vivem para realizar o desejo alheio.

O problema começa quando isto não faz mais sentido. Não que antesfizesse muito, mas pelo menos o sujeito não precisava se interrogar: praquê? Perdeu-se o desafio, a curiosidade (sempre infantil e sexual) de desco-brir o novo e desvendar o misterioso. Ou de encontrar graça ao escrever umdiscurso político ou uma velha biografia.

Supresa e dúvida ao se deparar com a terceirização de seu própriotrabalho. Seu escritório foi invadido por jovens que escreviam como ele e oolhavam com admiração. Enfim, o escritor sem nome e sem estilo podia sercopiado. Palavra por palavra.

O amor também começa a fracassar. A função paterna também. Note-se que o romance se constrói e se desenvolve inteiramente com persona-gens sem história familiar pregressa. Não há pais dos pais. Não há avós. Otempo é de uma geração para a próxima, a dos filhos. Estes são a expres-são do fracasso paterno (e materno); obesos, mimados e aditos ao consumomais desbragado. A mãe/esposa, apresentadora de telejornal noturno, com-pra sua ausência com os gadgets mais brilhantes. O pai, não compra nada.

BUDAPESTE – LETRA,ESCRITO E AUTORIA

BUARQUE, Chico. Budapeste – romance. Ed. Cia das Le-tras, São Paulo, 2003.

“A língua é minha pátria”F. Pessoa

Chico Buarque é mestre no “reino daspalavras”. Como foram seus anteces-sores, Noel Rosa na música e, Carlos

Drumond de Andrade na poesia. Neste casoparticular, também vamos chamar Paulo Rónai,brasileiro por adoção, que nos ensinou as letras da prosa e da poesiama-giar.

Não será surpresa se neste momento estivermos vivendo um novodespertar do interesse pelas letras húngaras. O premio Nobel de literatura de2002, Imre Kertész já foi publicado (Kadish – por uma criança não nascida) eestá recebendo novas traduções em “brasileiro” (até o início de 2004 estãoprevistos Sem Destino, A Língua Exilada e Fiasco). Poetas e outros escrito-res (Sandor Marái, Tibor Déry, István Örkény) também estão recebendo tra-tamento editorial.Traduções do original, a maioria de Paulo Schiller, o mes-mo revisor dos termos húngaros do novo romance de Chico Buarque.

Simples coincidência? Acho que não. A cultura, assim como a língua,é viva e depende de nós para se recriar, inventar. Ah! E isto não quer dizer umplano de marketing bolado por algum “gênio” do bem ou do mal. As certezasplanejadas faliram (há bastante tempo).

Chico é um destes inventores da língua e que contribui conosco, tra-balhadores da “alíngua”. Injeta novas perspectivas em nosso trato linguageiro,servindo-se dos significantes que o antecederam.

Seu novo romance parece que faz isto com mais estilo e fluidez. Ain-da sob os efeitos da fruição e da leitura vertiginosa, podemos pensar que oescrito nos ensina sobre a autoria e o exercício de um desejo, retomando

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RESENHA RESENHA

diante, ao reconhecer que o Outro escreveu o que é dele, não precisa maisser clandestino, estrangeiro ou pária. Tem nome, identidade/pátria. Já poderefugiar-se nos sonhos, entediar-se, morrer, ou fazer poesia com a mulheramada, ali onde ela se desvanece no mesmo instante em que é pronuncia-da e que as letras tentam capturar/fixar, inscrever um pedacinho de real.

“E ria, ria como se eu escrevesse com pluma em sua pele... E noinstante seguinte encabulou, porque agora eu lia o livro ao mesmo tempoque o livro acontecia. Querida Kriska, perguntei, sabes que somente por tinoites a fio concebi o livro que ora se encerra?... E a mulher amada, de quemeu já sorvera o leite, me deu de beber a água com que havia lavado suablusa.”

Robson de Freitas Pereira

Nem para isto serve. Aproxima-se um pouco do filho quando a ausência damãe torna-se indisfarçável e dolorosamente concreta. Mais tarde José Costavai deparar-se com um filho adolescente que não o reconhece e de quemtem que fugir, numa seqüência angustiante, para não levar uma surra.

A fuga começou bem antes. Foi retomada na Hungria para a qualresolveu voltar e passar umas férias. Aprendendo a língua e reaprendendo aamar nos braços e palavras de Kriska. Sua professora que se torna amante.De estrangeiro passa a escritor (Zsoze Kósta). Numa trajetória onde as repe-tições dão o tom da dificuldade. Como abrir mão da língua materna, do gozoconhecido, por uma aposta sem garantias? E mesmo quando tudo pareceencaminhado na nova terra prometida (Budapeste), o demônio da repetiçãovem estragar tudo. “Adeus Kriska”. E lá vamos nós, de volta à “terra natal”cada vez mais estrangeira e carregada de um mal-estar que nos acompanhaaté o fim do mundo.

Às vezes parece que estamos lendo um relato onírico, uma versãoadulta e delirante do “Mundo de Tosh”1, onde tudo possibilita sonho, motivode devaneio. E nada de novo acontece .

O “novo” só virá embalado pelos velhos sintomas. Costa torna-se ghostwriter em húngaro! Mais, realiza uma proeza que jamais suspeitara em brasi-leiro. Consegue fazer poesia (antes já conseguira emocionar os leitores bra-sileiros, entre eles sua mulher, ao romancear a biografia de um imigrantealemão). Desafiar os inventores da língua magiar é um de seus arrojos.

O milagre do despertar só começa a acontecer quando se permiteconfessar à mulher brasileira que ele é o autor de uma biografia falsa (nãopor acaso na virada do ano em Copacabana) e, segunda confissão (destavez para a amada húngara) que não é o verdadeiro autor da novela de suces-so editada com seu nome e que lhe dá um lugar e o reconhecimento emBudapeste. Podia bradar em público: “o autor do meu livro não sou eu!” Eisto divertia a multidão e fazia com que o adorassem mais ainda. Daí por

1 Desenho animado europeu onde Tosh é um menino de nove anos que se apaixona por suascolegas de aula e faz fantasias românticas com cada uma delas, passando a viver emfunção de seus sonhos. Simultaneamente, “seu mundo” , família e vizinhos, compõem oquadro de mediocridades e riquezas cotidianas.

C. da APPOA, Porto Alegre, n. 120, dez. 2003

AGENDA

EXPEDIENTEÓrgão informativo da APPOA - Associação Psicanalítica de Porto Alegre

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Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355

Comissão do CorreioCoordenação: Marcia Helena de Menezes Ribeiro e Robson de Freitas Pereira

Integrantes: Ana Laura Giongo, Fernanda Breda, Gerson Smiech Pinho, Henriete Karam, Liz Nunes Ramos, Maria Lúcia Müller Stein,

Rosane Palacci Santos e Rossana Oliva

ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGREGESTÃO 2003/2004

Presidência: Maria Ângela C. Brasil1a Vice-Presidência: Mario Corso

2a Vice-Presidência: Ligia Gomes Víctora1a Secretária: Marieta Rodrigues

2a Secretária: Marianne Stolzmann1a Tesoureira: Grasiela Kraemer

2a Tesoureira: Luciane Loss JardimMESA DIRETIVA

Alfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Maria Medeiros da Costa, Ângela Lângaro Becker,Carmen Backes, Clara von Hohendorff, Edson Luiz André de Sousa,

Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Jaime Betts, Liliane Seide Froemming,Lucia Serrano Pereira, Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack, Maria Beatriz Kallfelz,

Maria Lúcia Müller Stein e Robson de Freitas Pereira

Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events in the last decade. London, Hogarth, 1992.)Criação da capa: Flávio Wild - Macchina

Reunião da Comissão de Eventos

Reunião do Serviço de Atendimento ClínicoReunião da Mesa DiretivaReunião da Comissão de BibliotecaReunião da Comissão de AperiódicosReunião da Comissão do Correio da APPOAReunião da Comissão da Revista da APPOA

14h

20h30min21h20h15min8h30min20h30min16h15min

PRÓXIMO NÚMERO

PERCURSO DE ESCOLA

DEZEMBRO – 2003

Dia Hora Local AtividadeSede da APPOA

Sede da APPOASede da APPOASede da APPOASede da APPOASede da APPOASede da APPOA

01, 08e 15A confirmar

04 e 1804 e 1805 e 190812

N° 120 – ANO XIN° 120 – ANO XI DEZEMBRO DEZEMBRO – 200– 200 33

A PSICANÁLISE NAA PSICANÁLISE NAINTERDISCIPLINARIDADEINTERDISCIPLINARIDADE

S U M Á R I O

EDITORIAL 1

NOTÍCIAS 3

SEÇÃO TEMÁTICA 5A PSICANÁLISE E AA PSICANÁLISE E ACLÍNICA INTERDISCIPLINARCLÍNICA INTERDISCIPLINARCOM CRIANÇASCOM CRIANÇASGerson Smiech PinhoGerson Smiech Pinho 5 5QUANDO UM PSICANALISTAQUANDO UM PSICANALISTARECORRE À INTERDISCIPLINARECORRE À INTERDISCIPLINAAna Laura GiongoAna Laura Giongo 1010INTERDISCIPLINARIDADE:INTERDISCIPLINARIDADE:O SABER QUE FALTAO SABER QUE FALTAVolnei Antonio DassolerVolnei Antonio Dassoler 1717DEMANDAS JUDICIAISDEMANDAS JUDICIAISMarcia H. de Menezes RibeiroMarcia H. de Menezes Ribeiro 2323INCLUSÃO ESCOLAR DEINCLUSÃO ESCOLAR DEPROFESSORES: UMA TAREFAPROFESSORES: UMA TAREFAPARA A PSICANÁLISE?PARA A PSICANÁLISE?Maria Cristina KupferMaria Cristina KupferMarise Bartolozzi BastosMarise Bartolozzi Bastos 2727CLÍNICA INSTITUCIONAL:CLÍNICA INSTITUCIONAL:ÉTICA E FORMAÇÃOÉTICA E FORMAÇÃOLucy Linhares da FontouraLucy Linhares da Fontoura 3434O PSICANALISTA NASO PSICANALISTA NASORGANIZAÇÕESORGANIZAÇÕESJaime BettsJaime Betts 4040SEÇÃO DEBATES 48PAULINHO DA VIOLA - MEUPAULINHO DA VIOLA - MEUTEMPO É HOJETEMPO É HOJERobson de Freitas PereiraRobson de Freitas Pereira 4848RESENHA 52“BUDAPESTE - LETRA,“BUDAPESTE - LETRA,ESCRITO E AUTORIA”ESCRITO E AUTORIA” 5252AGENDA 56