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agosto 2010 l correio APPOA .1 editorial. Coube-me, em nome da Comissão do Percurso de Escola, apresentar os textos deste número do Correio. São artigos escritos e apresentados na Jor- nada do Percurso, de número IX. A Jornada intitulada (RE)PERCUSSÕES: ECOS DA FORMAÇÃO, foi fruto de intenso trabalho de cartel, onde esses ecos surgiram do desejo de compartilhar questões e experiências, nascidas do fazer de cada um, do percurso de estudos desses três anos na APPOA e do momento singular de cada autor, no seu ponto de enunciação, atravessado pelo discurso psica- nalítico. A possibilidade de escuta do sujeito, num contexto extremamente re- fratário a tudo que diz respeito à singularidade, no trabalho em saúde mental, foi o que nos trouxe Carolina Eidelwein. Nesse mesmo âmbito da saúde men- tal, Ângela Abraham, sustentou a diferença e a posição ética, que uma inter- venção guiada pela psicanálise pode fazer, na direção da cura na psicose. Alexandre Rambo de Moura e Fernanda Arioli Heck trabalharam a de- licadeza de questões clínicas, o primeiro, interrogando a transferência amo-

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agosto 2010 l correio APPOA .1

editorial.

Coube-me, em nome da Comissão do Percurso de Escola, apresentar ostextos deste número do Correio. São artigos escritos e apresentados na Jor-nada do Percurso, de número IX.

A Jornada intitulada (RE)PERCUSSÕES: ECOS DA FORMAÇÃO, foifruto de intenso trabalho de cartel, onde esses ecos surgiram do desejo decompartilhar questões e experiências, nascidas do fazer de cada um, dopercurso de estudos desses três anos na APPOA e do momento singular decada autor, no seu ponto de enunciação, atravessado pelo discurso psica-nalítico.

A possibilidade de escuta do sujeito, num contexto extremamente re-fratário a tudo que diz respeito à singularidade, no trabalho em saúde mental,foi o que nos trouxe Carolina Eidelwein. Nesse mesmo âmbito da saúde men-tal, Ângela Abraham, sustentou a diferença e a posição ética, que uma inter-venção guiada pela psicanálise pode fazer, na direção da cura na psicose.

Alexandre Rambo de Moura e Fernanda Arioli Heck trabalharam a de-licadeza de questões clínicas, o primeiro, interrogando a transferência amo-

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editorial.

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notícias.rosa, a partir do caso da jovem homossexual, analisada por Freud e, asegunda, o desejo feminino no Seminário 20 de Lacan, articulando aosquatro discursos ao tomar elementos da clínica da histeria.

André Verzoni nos convida a percorrer os caminhos enigmáticos dosignificante, conduzindo-nos pela história da escrita antiga e apontandotoda sua vigência para a escuta analítica. Abordando formações chistosas epiadas compartilhadas em diversas produções culturais, Felipe Pimentelapresentou e escreveu um divertidíssimo trabalho, que destacou a presen-ça do inconsciente nos nossos atos mais ordinários, isto é, na nossapsicopatologia da vida cotidiana.

São essas escritas que aqui se deixam cair, como notas a escorregar dapauta musical, segundo a metáfora que estes autores e outros colegas usa-ram para apresentar sua jornada e que sentimo-nos muito honrados emapresentar.

No próximo número do Correio, estaremos publicando mais algumasproduções desse percurso que se encerra.

Roséli M. Olabarriaga Cabistani

Articulação das entidades psicanalíticas

Desde 2000, várias instituições psicanalíticas brasileiras, entre elas aAPPOA, têm se reunido sistematicamente em torno da questão da não re-gulamentação da psicanálise. Tal movimento se iniciou a partir de um pro-jeto de lei no Congresso Nacional de regulamentação da psicanálise, deautoria de um deputado evangélico, a pedido da SPOB (Sociedade Psicana-lítica Ortodoxa do Brasil), que prometia o título de psicanalista aos seusalunos, após um curso de um ano. Nesta ocasião, várias instituições psica-nalíticas, de diferentes orientações, reuniram-se e fizeram um Manifesto –com 65 assinaturas –, que foi seguido por um trabalho intenso junto aosdeputados, cuja consequência foi o arquivamento de tal projeto. Em 2003houve uma nova tentativa, por parte de outro deputado, que também aca-bou por ser arquivada. Em 2009, de forma a ampliar o debate, não só nacomunidade psicanalítica, mas também junto ao público em geral, a Articu-lação das Entidades Psicanalíticas – com a participação de 16 instituições -publicou um livro: Ofício do psicanalista – formação versus regulamenta-ção (cuja resenha foi publicada no Correio anterior). Este livro é composto

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notícias.

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temática.

Mudança de endereço

Ana Laura Giongo informa o novo endereço de seu consultório na RuaJoão Telles, 524 sala 705, Bairro Bonfim, Porto Alegre-RS. Telefone 99 5509 39.

por textos que apresentam as principais discussões acerca da questão danão regulamentação. Atualmente, com o objetivo de ampliar o debate,estamos também organizando um Fórum. 

Do amor e da transferência:fragilidades de um enlace.Proposições a partir de Sidonie,a Jovem Homossexual de Freud.

Alexandre Rambo de Moura

O ato psicanalítico promove a mudança de posição do sujeito. Porexemplo, o ato de entrada em análise faz com que o sujeito passe do discur-so do mestre ao discurso da histérica, a partir do qual ele passa a se enun-ciar como dividido, produzindo seu sintoma endereçado ao analista, comodemanda de análise (que, como toda demanda, é, em última instância, de-manda de amor). Tratando da jovem homossexual, Freud (1920) sublinhaque ela não apresentava sintomas. Ela parece não interpelá-lo, não instituiro lugar do Sujeito Suposto Saber. Diante disso, resta difícil a possibilidadede reconhecermos que tenha se produzido, nesse caso, uma demanda deanálise. Ainda, durante o tratamento ela parece não ter engendrado inver-

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temática. Jornada do Percurso: ecos de uma formação.

sões dialéticas, ou seja, mudanças de posição no discurso (diferente doque ocorreu com Dora). Como diz Freud,a mesma parece não ter se implica-do em seu tratamento, nem tampouco se deixado afetar por ele. A partirdisso, se interroga sobre a ocorrência da transferência nesse caso.

Desde o seu primeiro seminário (1953-54), Lacan nos dirá que a trans-ferência e o amor são, no plano psíquico, equivalentes. O amor ocorre emfunção de uma mudança de posição do sujeito. Destacamos de sua obra,três momentos nos quais essa idéia aparece: 1º) Em seu oitavo seminário(1960-61), ao dizer que o analisante aprenderá a amar, ao longo de seutratamento, amando, nos permite formular que é necessário viver as nuancesdo amor de transferência para promover as necessárias mudanças de posi-ção que a direção da cura requer; 2º) Nesse mesmo seminário, fala aindaque a metáfora que gera a significação do amor também só ocorre a partir deuma mudança de posição do sujeito (de amado à amante); 3º) Em seu vigé-simo seminário (1972-73), o amor pode ser entendido como sinal da mu-dança de posição do sujeito no discurso.

A mudança de um discurso ao outro se dá na transposição do sem-blante que o agencia, movimento pelo qual o sujeito virá a se enunciar apartir de outro semblante, de outro agenciamento discursivo. Como nosensina Lacan (1971), não há discurso que não seja do semblante, pois aletra só entra no discurso através deste; o endereçamento ao Outro requer osemblante. Entretanto, propomos aqui uma diferença: parece-nos distintoo sujeito ficar preso a um determinado semblante, como necessário, oupoder tomar o semblante como contingente, deixando-se suspender/cairpelos intervalos, podendo rotar nos discursos e mudar de posição.

Diz-nos Freud (1920) que a jovem homossexual tinha a preferência deocupar a posição de “amante” 1 , e não de “amada”. A partir de seu caso e de

sua biografia (2008), podemos formular que ela, inúmeras vezes, amou deforma cortês as mulheres e homens que a arrebataram. Ainda, parece ter sevisto impossibilitada de instituir “uma relação vivível” (LACAN, 1964) comas pessoas que amou. Ou seja, esse amor se produzia a uma certa distânciaque excluía a possibilidade de constituição de uma conjugalidade.

O amor cortês coloca em cena um amante que abre mão do exercíciocorporal de sua virilidade (e do gozo decorrente), reverenciando uma Damaidealizada que se mantêm inacessível. Evidencia, com isso, de forma subli-mada, a ausência do objeto que realizaria plenamente o desejo. Ainda as-sim, contudo, parece manter potente a imagem da amada com o objeto agalmaem si; parece manter vigente a existência, ainda que hipotética, da propor-ção sexual (isto é, da complementaridade de gozo), visto que se esquiva,elegantemente, da constatação da inexistência da relação sexual.

Em outras palavras, embora pareça dispensar a busca do gozo sexual,evidenciando que o exercício do desejo se dá na condição da falta da ama-da, ainda assim parece não abrir mão da idealização de seu objeto de amor(“abrir mão” que talvez possibilitasse a instalação de um enlace junto àamada). O que demanda, afinal, o amor cortês?

Chamamos a falar Carlos Drummond de Andrade, através de fragmen-tos do poema “O mito” (2000):

Sequer conheço Fulana, Vejo Fulana tão curto, Fulana jamais me vê,

Mas como eu amo Fulana. (...)

Amo Fulana tão forte, Amo Fulana tão dor, Que todo me despedaço.

E choro, menino, choro. (...)E sequer nos compreendemos. É dama de alta fidúcia, Tem

latifúndios, iates, Sustenta cinco mil pobres.

Menos eu... que de orgulhoso Me basto pensando nela. Pensando

com unha, plasma, Fúria, gilete, desânimo.

Amor tão disparatado. Desbaratado é que é... Nunca a sentei no meu

colo Nem vi pela fechadura.1 “Amante” aqui parece fazer uma referência maior à posição do vassalo do amor cortês do que à posição daquele que podeintercambiar a posição de desejante.

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temática. Jornada do Percurso: ecos de uma formação.

Mas eu sei quanto me custa Manter esse gelo digno, Essa indiferença

gaia E não gritar: Vem, Fulana! (...)

Mas Fulana será gente? Estará somente em ópera? Será figura de

livro? Será bicho? Saberei?

Não saberei? Só pegando, Pedindo: Dona, desculpe... O seu vestido

esconde algo? Tem coxas reais? Cintura?

Fulana às vezes existe Demais; até me apavora. Vou sozinho pela

rua, Eis que Fulana me roça.

Mas não quero nada disso. Para que chatear fulana? (...)

E são onze horas da noite, São onze rodas de chope, Onze vezes dei

a volta De minha sede; e Fulana

Talvez dance no cassino Ou, e será mais provável, Talvez beije no

Leblon, Talvez se banhe na Cólquida;Talvez se pinte no espelho Do táxi; talvez aplauda Certa peça

miserável Num teatro barroco e louco;

Talvez cruze a perna e beba, Talvez corte figurinhas, Talvez fume de

piteira, Talvez ria, talvez minta.

Esse insuportável riso De Fulana de mil dentes (anúncio de

dentifrício) É faca me escavando.

Já morto, me quererá? Esconjuro, se é necrófila.. Fulana é vida, ama

as flores, As artérias e as debêntures.

Sei que jamais me perdoará Matar-me para servi-la. Fulana quer

homens fortes, Couraçados, invasores.

Fulana é toda dinâmica, Tem um motor na barriga. Suas unhas são

elétricas, Seus beijos refrigerados,

Desinfetados, gravados Em máquina multilite. Fulana, como é sadia!

Os enfermos somos nós,

Sou eu, o poeta precário Que fez de Fulana um mito, Nutrindo-me

de Petrarca, Ronsar, Camões e Capim;

E nessa fase gloriosa, De contradições extintas Eu e Fulana, abrasados,Queremos... que mais queremos?

E digo a Fulana: Amiga, Afinal nos compreendemos. Já não sofro, já

não brilhas, Mas somos a mesma coisa (Uma coisa tão diversa Da

que pensava que fôssemos).

Convocar a presença do outro, suportar ver mais que o vestido e su-portar também ser visto pela amada, gritar “Vem, Fulana!”, requer um trân-sito pela questão Che vuoi?; requer uma mudança de posição; requer im-plicar-se como sujeito desejante; requer uma certa travessia do fantasma;requer que a falta de objeto tenha se inscrito (ou possa se inscrever emanálise) de tal forma que se promovam metáforas, aberturas simbólicas paraa circulação das coxas, daquilo que elas trazem, e daquilo que elas evocamcomo falta; requer o trabalho linguareiro, tal como as palavras desfiadas pornosso “poeta precário” permitiram que ele produzisse, ao final, um encon-tro outro com a Fulana que amava, possibilitaram a ele endereçar-lhe apalavra, e não mais ser escavado por seu insuportável sorriso e todo sedespedaçar.

Conforme nos relatam suas biógrafas (2008), quando convocada a teruma relação com a mulher que amava (ou seja, quando convocada a mudarde posição no enlace amoroso), Sidonie é tomada de angústia:

“O que iria aproximar e manter Sidi e sua amante juntas a partir daí

senão uma inequívoca declaração de amor das duas partes? Wjera

parece disposta a isso e promete a Sidi passar uma boa parte do

verão com ela e a mãe nas montanhas de Salzburgo ou do Tirol. Sidi

se dilacera entre um profundo sentimento de felicidade e o medo

de ser esmagada pelas obrigações reais em relação à mãe e pelas

fantasiadas em relação à amante.”

“O resto das férias é um dramático e doloroso vaivém entre desejos

amorosos e infinita angústia, dos dois lados. Sidi fica desesperada,

pensa sem parar em Wjera, num momento gostaria de se jogar no

lago; em outro, de cumular Wjera de presentes, tê-la apertada em

seus braços e esquecer tudo. Em pânico, vê tornar-se realidade o

que desde o início temia e ajudou a acontecer: Wjera iria abandoná-

la.

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temática. Jornada do Percurso: ecos de uma formação.

Mesmo depois do retorno para Viena, o drama prossegue. Wjera

viaja de volta para Munique com a mesma firme exigência de antes,

de uma relação verdadeira e estável. Sidi continua sem se decidir.

Não consegue comer nada e fuma demais. Ao menos está contente

que cigarros não sejam mais mercadorias em falta, pois, de outro

modo, seria ainda mais difícil para ela.

Então sobrevém o grande e definitivo golpe. Wjera manda uma breve

carta a Sidonie na qual lhe comunica que não quer mais vê-la.

Tinha esperado tempo demais, amado demais, chorado demais.

Agora, Sidi deveria, por favor, se manter distante, não lhe enviar

nenhum poema ou mesmo flores e deixá-la em paz”.

Sidonie foi tomada de angústia quando se viu diante das demandas deWjera (das reais e das supostas). Tanto nesse momento quanto em outrasrelações amorosas que tentou constituir, era difícil deparar-se do desejo doOutro. Isso nos leva a pensar sobre a fragilidade de uma inscrição quepudesse lhe representar suficientemente junto ao desejo do Outro. Pareceque ela não encontrava representação que mediasse e tornasse suportávelseu trânsito junto ao campo do Outro. A questão Che vuoi? retornava,assim, arrasando a possibilidade de manutenção de um laço. Para nós,salta aos ouvidos saber, através de suas biógrafas (2008), que Sidonie come-teu três tentativas de suicídio. A passagem ao ato é a desistência derradeirade encontrar forma de se representar junto ao campo do Outro; a precipita-ção para fora, na radicalidade.

Diversas são as possibilidades de se embaraçar no enlace do amor;inúmeras são as possibilidades de não suportar as mudanças de posiçãoque um enlace transferencial requer e se precipitar para fora dele. A noçãode ato psicanalítico, entretanto, permite-nos apostar que é possível mudar-mos de uma à outra posição, suportados pela cadeia significante que nosdá outras possibilidades de representação. Para relançar-se na cadeiasignificante é preciso deixar o objeto cair. O amor como dom (LACAN,

1953-54 e 1956-57) é justamente essa possibilidade de relação que se cons-trói em torno de um objeto que falta, que não se dá porque não se tem. Maspara amarmos com a falta, isso requer que a falta de objeto seja elaboradasimbolicamente. Se eventualmente nos encontramos um tanto esbarradosem nossos relativos impedimentos no amor, nas possibilidades de se im-plicar e suportar as voltas que um laço transferencial exige, talvez devêsse-mos resgatar aquele carretel do baú da infância e jogar um pouco mais defort-da.

Referências bibliográficas:ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Record, 2000.

FREUD, Sigmund (1920). A Psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher. In: _____. Obras Psicológicas Completas.Rio de Janeiro: Imago, 1996. V. XVIII.

LACAN, Jacques (1951). Intervenção sobre a transferência. In: _________. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998, p.214 – 225.

_______ (1953-54). O Seminário, livro 1: Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986.

_______ (1956-57). O Seminário, livro 4: A relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995.

_______ (1960-61). O Seminário, livro 8: A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1992.

_______ (1964). O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.

_______ (1971). O Seminário, livro 18: De um discurso que não fosse semblante. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

_______ (1972-73). O Seminário, livro 20: Mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

RIEDER, Inês; VOIGT, Diana. Desejos secretos: a história de Sidonie C., a paciente homossexual de Freud. São Paulo: Companhiadas Letras, 2008.

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temática.

Proposições a partir da clínicada histeria: Desejo feminino esua relação com os discursose com o gozo

Fernanda Arioli Heck

Freud definiu a libido como sendo sempre de essência masculina, im-plicando que todo desejo projeta em seu horizonte a referência fálica. Ain-da que a significação fálica esteja em pauta tanto do lado feminino quantodo masculino, Lacan nos instiga a pensar acerca da especificidade do dese-jo de uma mulher, ao postular a inexistência d’A mulher enquanto Outrosexo e a consequente impossibilidade da relação sexual. Sexuar-se do ladofeminino, implicaria, pois, não dispor da referência simbólica do “ao me-nos um” incastrado para articular seu desejo. Do lado feminino não háexceção, não há forma de fazer todo, de modo que uma mulher é tomadacomo Outra para ela mesma.

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temática. Jornada do Percurso: ecos de uma formação.

Na perspectiva de um desejo intransitivo, tal como é seu estatuto empsicanálise, não haveria como falar em desejo feminino, mas assim articulona intenção de problematizar o que seria próprio do desejo experimentadopor uma mulher. É sabido que para emergir como ser falante e sujeitodesejante é necessária uma renúncia ao gozo. Essa perda originária de gozoque o ingresso no universo da linguagem exige, é causa do desejo do sujei-to. Se o desejo está sempre relacionado à falta e o falo é o significante dafalta, há para a mulher um ponto de indeterminação em relação ao desejoque resulta da inexistência de um significante da feminilidade indepen-dente da significação do falo. Resta saber se é possível pensar o desejofeminino em sua dimensão de alteridade ou se a mulher teria que interrogaraquilo que é próprio ao universo masculino para articular seu desejo en-quanto tal.

Se uma menina pode aprender que o pênis lhe falta, esse saber não

a impedirá de estar no gozo fálico, que acompanha sua entrada na

existência. Mas, precisamente por estar nele, jamais poderá

encontrar um significante que seja próprio à feminilidade, já que

toda mulher é, então, provida de falo. Esta carência de um

significante da feminilidade independente da significação do falo

constitui o próprio da castração encontrada por uma mulher. Essa

falta de representação (...) é puramente simbólica, porque seu efeitoresulta de um lugar particular, que se encontra em reserva no Outro

do discurso (POMMIER, 1991, p.24).

Relacionar a posição feminina aos discursos e ao gozo parece relevan-te, visto que, como afirma Leite (1993: p.4): “a referência a qualquer discur-so, a qualquer vínculo social fundado na linguagem, é o modo de se trataro gozo, na medida em que ele é impossível para o falante”. A questãonorteadora dessa produção problematiza, portanto, se e de que forma odesejo da mulher aparece referenciado ao masculino, devido à implicaçãocentral do falo na estruturação subjetiva, que faz com que reste difícil pen-

sar a especificidade da posição feminina em relação ao desejo. Desde aépoca de Freud, a psicanálise evidencia que a subjetivação feminina possuirelações estreitas com a histeria. Em função disso, é relevante indagar se,enunciando-se a partir do discurso da histeria, seria necessário à mulherinterrogar o universo masculino para responder ao enigma do desejo femi-nino em sua dimensão de alteridade. Assim é a escritura da fórmula dodiscurso da histérica:

FIGURA 1

A histérica situa-se no plano discursivo partindo de sua condição desujeito barrado que desafiaria o mestre a produzir um saber. Saber sobre oquê? O valor que ela própria tem, enquanto mulher, no universo do discur-so. A histérica interroga o que ela é, o ser, no campo do sexual. Sexuar-sedo lado masculino aponta como norte a referência ao falo, outorgada peloao menos um incastrado, o pai primevo da horda primitiva, que mais oumenos situa o que é ser homem. Por outro lado, a mulher é não-toda emrelação ao falo, ainda que isso não a impeça de ter acesso ao gozo fálico. Oque marca a diferença é que, como situa Lacan(1985: p.100), “ela tem diver-sos modos de abordá-lo, esse Falo”.

No curso da análise, a condição de analisabilidade do sintoma é relati-va à repetição. Algo da forma como na histeria é estruturada a posiçãosintomática se repete, há um traço que insiste nas mais variadas cenas esituações que o sujeito percebe-se fazendo parte. Haveria no automatismode repetição algo que é colocado em causa para além da intenção deliberadado analisante e de sua possibilidade de apropriação. É esse ponto de alie-nação na repetição que interessa à análise. Para que um sujeito entre emanálise, é preciso que a partir da repetição na transferência com o analista

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temática. Jornada do Percurso: ecos de uma formação.

se delineie o fantasma; é da formulação do fantasma que se recorta a posi-ção objetal que engendra aquele laço discursivo. A transferência coloca emcausa a estrutura de gozo que permeia o discurso.

Uma jovem de 22 anos assim apresenta-se à primeira vez que vai aoconsultório: “Eu vim aqui, pois estou me sentindo triste... E sozinha. On-tem fui a uma festa e fiquei com dois caras... Acordei hoje me sentindo mal,sentindo um vazio. Minha mãe sempre disse que as mulheres têm que serprendadas, comportadas. Quando eu era mais nova, eu só usava roupascinza... Acho que eu queria ser invisível. Meu pai dizia pra eu não pintar ocabelo, não fazer piercing, tatuagem, e agora ele está namorando uma mu-lher assim. Eu sou contra o machismo. Não acho certo ter preços diferentespara homem e mulher entrar na festa; por um lado é bom, mas por outro,indica que ele pode mais do que ela. E quando eu estou ficando com al-guém, sempre acabo deixando-me levar pelo que a pessoa deseja e não peloque eu quero. Às vezes sou impulsiva... É como se eu pensasse: ‘não é tuque vai me agarrar, eu que vou te agarrar’. E ontem um dos caras com quemeu fiquei dizia que não nos falaríamos mais, que eu não atenderia as liga-ções dele no dia seguinte... Ah, eu disse a ele que ‘curtisse o momento’...(silêncio). Será que eu quero ser homem?”.

A fala dessa moça coloca em evidência a dificuldade que a inexistênciade um significante próprio ao feminino suscita, no que diz respeito a en-contrar uma referência que situe em que consiste ser mulher. O que para elaconstitui enigma, talvez diga respeito à possibilidade de sustentar um lugarsexuado e particularmente fazê-lo na relação com o outro. A reivindicaçãoformulada por ela de certa “igualdade no tratamento dos sexos” não res-ponde à questão que fica subjacente ao enunciado e que diz respeito àdissimetria fundamental que impossibilita que homem e mulher posicionem-se de modo idêntico no universo do discurso e na relação ao gozo. Ao ver-se assumindo uma postura que considera masculina, coloca em causa uma

tentativa de reconhecer-se no gozo fálico, que é acessível às mulheres, masque não resolve para ela a questão do que seria próprio ao feminino.

Segundo Costa (2008: p.195), a designação daquilo que é da ordem dogozo na fala produz dificuldade, porque é a condição da interpretação dofantasma. E para o neurótico o insuportável é relativo à proximidade doencontro com esse lugar de objeto do fantasma, que a posição femininacoloca em causa. A montagem fantasmática traz consigo a possibilidade derecuperar algo da perda primária do objeto de gozo e recolocar o gozo emcirculação. Na histeria, isso retorna com valor de circulação fálica. Ela sabeque o poder fálico não está com ela, então se situa na posição de agente quequer produzir desejo. A contradição histérica apareceria justamente nesseponto: sua verdade é precisar ser o objeto a para ser desejada. O que elaquer é poder desejar, mas só o consegue sendo objeto (do desejo do outro).Lacan (1992: p.35) afirma: “o que a histérica quer que se saiba é que alinguagem derrapa na amplidão daquilo que ela, como mulher, pode abrirpara o gozo. Mas não é isto que importa à histérica. O que lhe importa é queo outro chamado homem saiba que objeto precioso ela se torna nesse con-texto de discurso”.

Ao postular a inexistência da relação sexual, Lacan alude a umadissimetria no campo do desejo. O homem se relaciona com o objeto a namulher; a mulher se relaciona com a falta do “a” nela. A nível simbólico, afunção fálica também pode ser exercida pela mulher. Ainda assim, tambémnão seria esse desejo de potência e a possibilidade de assunção de tal posi-ção que a singularizaria em relação ao homem.

(...) partindo da tese freudiana da libido única, de natureza

masculina, Lacan busca elucidar, no processo de diferença sexual,

a relação entre o falo e o desejo do ponto de vista da lógica de uma

significação fálica, calcada na dialética do ser ou ter, em que o falo

é referência central. O significante fálico é o significante ímpar por

excelência, uma vez que falta o significante do outro sexo. Tudo se

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temática. Jornada do Percurso: ecos de uma formação.

reduz à função fálica. Não há traço que funde o significante da

relação sexual (DIAS, 2008, p.260).

Se é impossível a relação sexual, justamente porque os sexos não sãocomplementares, talvez essa disparidade constitua pista que nos conduza apensar que o desejo de homem e de mulher não podem, por uma impossi-bilidade fundamental, ter correspondência plena. Lacan (1985: p.107) pos-tula que “é pela função fálica que o homem como todo toma inscrição”. Ohomem é então tido como limitado ao gozo fálico ou finito em relação aoregistro simbólico. Entretanto, não se pode fazer todo do lado feminino;uma vez que não há exceção, a mulher ex-siste, o que permite escrever ainexistência do significante A mulher. É a partir da impossibilidade darelação sexual que se pode enunciar o que vem em suplência à ausênciadela: a escritura de outras formas de gozo, mais além do gozo fálico.

Segundo Pommier (1991: p.20), “porque fala, uma mulher entra domesmo modo que um homem no gozo fálico”; dessa maneira, a feminilida-de será determinada por certa relação ao falo. O que abre a possibilidade àmulher de experimentar outro tipo de gozo consiste no fato de ela ser nãotoda assujeitada à ordem simbólica, de modo que não é totalmente determi-nada pela função fálica. Esse gozo suplementar, como o definiu Lacan, porestar fora do registro fálico está situado também como fora da linguagem.Isso implica que a mulher possa experimentar o gozo suplementar semque, no entanto, nada saiba a respeito dele.

(...) no nível do gozo feminino há não um saber no Outro, mas antes

uma impossibilidade de atingir o saber desse gozo, pois é um saberque não se poderia saber senão no lugar dessa falta, que se escreve

A marcado pela barra. (...) O que se produz do lado do não-todo é da

ordem da invenção de fragmentos, de pedaços de saber sobre o real.

(...) A mulher barrada tem uma dupla inscrição, que não é

contraditória: uma inscrição do lado do falo, e outra inscrição, a do

não-todo (DIAS, 1998, p.264 – 265).

Para finalizar, portanto, tentarei articular o desejo feminino ao gozoque, na produção de laço social, o discurso coloca em causa. É possívelpensar que para uma mulher saber o que fazer com o seu sinthoma estru-tural implique ainda saber desejar a partir de sua posição sexuada. Con-siderar o falo como aquilo que o Outro materno demanda, para além domembro viril, permitirá situá-lo de outra forma. Pommier (1991: p.17)postula que “todas as demandas da mãe são limitadas pelo falo”. Sob esseprisma é possível articular a proposição de que a demanda feminina este-ja sempre referenciada à função fálica, ao passo que o desejo femininoencontra no gozo suplementar uma possibilidade de efetivação para alémdo falo.

A questão, pois, do desejo feminino, precisa ser relançada, pois gozonão é desejo. Entretanto, assim como o desejo, está relacionado à falta e nãoà satisfação. Enquanto o gozo fálico é limitado pelo significante, Lacan (1985)afirma que “há um gozo dela, desse ela que não existe e não significa nada(...) sobre o qual talvez ela mesma não saiba nada a não ser que o experi-menta” (p.100). Não há significante que represente esse gozo suplementarporque é da ausência do significante fálico S1 que se trata. Devido à impos-sibilidade de emparelhar o todo e o não-todo, não há uma relação comumao gozo. A isso, Lacan (1985: p.69) acrescenta que “um sujeito, como tal,não tem grande coisa a fazer com o gozo. Mas, por outro lado, seu signo ésuscetível de provocar o desejo. Aí está a mola do amor”.

Quanto ao desejo feminino, portanto, talvez seja pertinente apontarque ele não é Um, mas concernente às mulheres de variadas formas, dadoque elas são definidas uma a uma. Entretanto, se provocado pelo signo dogozo suplementar, o desejo feminino abre a possibilidade de suscitar oequívoco sobre o objeto a, enquanto metonímia do falo e do gozo fálico, demodo a apontar para uma possibilidade de desejar que seria própria aofeminino, embora não articulável pela via da palavra.

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temática.

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temática.A interrogação sobre o feminino invariavelmente aparece na trama

discursiva de cada mulher e, muitas vezes, assume uma importância talque constitui a mola propulsora que engendra a condição para que a análi-se se desenrole. Para uma mulher histérica a questão que a fala da pacienteexplicita – será que eu quero ser homem? – aparece como interrogante dareferência fálica que para as mulheres não se sustenta de forma tão contun-dente. Pensar como o desejo aparece para uma mulher imbricado em suaestruturação subjetiva a partir da clínica da histeria implica sustentar ovazio que a inexistência de um significante que permita escrever A mulhercoloca em causa. Tal sustentação seria possibilitada pela entrada em cursodo discurso do analista e por uma posição ética que incitaria o sujeito aproduzir-se em sua hiância, ou seja, naquilo que causa o seu desejo.

Referências BibliográficasCOSTA, Ana. Clinicando: escritas da clínica psicanalítica. Porto Alegre: APPOA, 2008.

DIAS, Maria da Graça. Do gozo fálico ao gozo do Outro. Rio de Janeiro: Agora, 2008, v. XI.

LACAN, Jacques (1969-1970). O Seminário, Livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992.

______. (1972-1973). O Seminário, Livro 20: Mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1895.

LEITE, Márcio Peter. O mestre e a histérica – saber: meio de gozo e os discursos. Ensino continuado: 27 de abril de 1993. Disponívelem http://www.marciopeter.com.br. Acesso em 20/03/2010.

POMMIER, Gerard. A exceção feminina: os impasses do gozo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.

Enigma significante: é traduzível?

André Verzoni

“A subjetividade vivida como estrangeira no mundo é uma das moda-lidades mais comuns da bela alma”, diz Melman (1985, p.107) referindo-seà histeria enquanto estandarte da exceção. E a exceção é fundamental paraa psicanálise. Tão fundamental que chegamos a dizer que a exceção é aregra, a única talvez, que cabe ao psicanalista seguir sem grandes hesita-ções. A histeria persiste em ter algo a nos ensinar. A história não nos per-mite dizer o contrário: foi a partir do discurso da histérica que se tornoupossível a psicanálise e a cura pelo falar na Mitteleuropa do final do séculoXIX.

1 Exemplo dado por Freud em seu texto de 1927, “ O Fetichismo”.

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temática. Jornada do Percurso: ecos de uma formação.

Por que Anna O, ou Berta Pappenhein, falava em inglês – essa línguaque lhe era estrangeira – quando em estado de despersonalização ou hipno-se? Sobre a histérica encontramos no Seminário 18:

“Para a pergunta Que é a histérica?, a resposta do discurso do analista

é Vocês verão, seguindo até onde ela nos conduzir.” (Lacan, 2009, p.158).

E assim se articula o significante, matéria prima da psicanálise lacaniana.Colocado em determinado ponto do texto ou fala, não podemos analisá-loisoladamente, é necessário seguir adiante no emaranhado de operações demetáfora e metonímia específicas a cada estrutura.

EnigmaA histeria questiona o mestre, enaltecendo ou desqualificando sua

posição, mas dele irremediavelmente espera uma resposta, mesmo que estavenha convertida em seu corpo, sintoma enigmático. Lacan no Discursoaos Católicos diz:

“A característica própria do inconsciente é de ser traduzível, até

mesmo onde não pode ser traduzido, isto é, em um certo ponto

radical do sintoma, especificamente do sintoma histérico que é da

natureza do indecifrado, portanto do decifrável, ou onde o sintoma

é representado no inconsciente apenas para se prestar a função

daquilo que se traduz.”(Lacan, 2006, p.69).

Sobre a histeria, Freud deixou bastante claro a sua importância na cons-trução da psicanálise. Psicanálise que se mantém viva pela maleabilidadeda sua atenção – seja na alteração do corpo enquanto conversão ou outramodificação real – assim como em qualquer outro atravessamento do in-consciente na estrutura do sujeito. Ou seria o inconsciente a própria estru-tura, asserção que sustentaria a proposição, talvez premissa para osfreudianos, de que o destino é o inconsciente? De qualquer forma, para apsicanálise interessa que algo no sujeito “fala”, e o faz em uma língua bas-tante particular a cada um: a lalangue de Lacan.

Isso que “fala” emerge como um efeito da castração em suas proprie-dades de permitir, mas também de limitar. Melman (1985) aborda a recusada histérica em se colocar como partícipe de qualquer língua, pois a con-dição para tanto seria a definição de lugares e a manutenção dorecalcamento, o que colidiria com a oposição da histérica em tomar parteem qualquer coisa que implique uma perda. O sintoma conversivo histé-rico em seu caráter de exceção, uma vez que não considera as leis daanatomia humana, apresenta-se como manifestação de uma língua enig-mática ou Outra que tem como função veicular uma mensagem a ser deci-frada que assume um valor de signo, apesar de sua origem inconsciente esignificante.

Em razão desse texto cifrado, presente tanto no corpo como na fala,nos deparamos com o que poderíamos chamar de uma das (im)possíveisposições do psicanalista. Poli (2007) ressalta a posição de um leitor quesupõe o inconsciente em um sujeito ao saber que fala a partir de uma cadeiasignificante em sua permanente operação de reenvio. Mesmo que não sesaiba do que se trata e do que se escreve nesse intervalo entre S1 e S2,mantém-se a suposição de que ali fala um sujeito. Evita-se a decifração,essa poderia adotar a forma de uma tradução literal ou de uma interpreta-ção prenhe de sentido que diria muito mais sobre a subjetividade do seupróprio autor. Além disso, esse tipo de intervenção sinalizaria a aboliçãoda condição de sujeito desejante, de modo que são mais indicadas as ope-rações de corte, destaque e reconstrução.

A pulsão não tem um alvo inequívoco, da mesma forma que as pala-vras não possuem um significado correspondente exato para si mesmas.Não existe uma equiparação perfeita entre significantes de línguas diferen-tes, pois um significante em uma língua não significa exatamente o mesmoem outra. O valor significante não advém da sua positivação como signo esim da sua diferença em relação a todos os outros significantes da língua

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que participa. Para termos um glance ou glanz 1 de como um sujeito fala, épreciso voltar bastante no tempo

TraduçãoFreud (1910) em seu texto “A Significação Antitética das Palavras Pri-

mitivas”, utilizando os estudos do filólogo Karl Abel, nos mostra que naantiga língua egípcia existia uma grande quantidade de palavras que repre-sentavam dois opostos, e como essa característica persiste nas línguas, se-jam elas vivas ou não. Na companhia de seu interlocutor, Freud nos forne-ce alguns exemplos de palavras que são antíteses. A palavra latina altussignifica alto, mas também profundo. Sacer é sagrado e maldito. Em ale-mão, stumm quer dizer mudo enquanto stimme significa voz. Nesse últimoexemplo a palavra não é mais idêntica, talvez em decorrência de um aper-feiçoamento no uso corrente da língua. Essas palavras nos levam a pensaro quanto a confrontação é primordial para o estabelecimento dos conceitos:só há luz pois existe escuridão, pura oposição e diferença. Na linguagemegípcia escrita, para sinalizar qual pólo da palavra se desejava referir, eramutilizados sinais determinativos que não eram pronunciados. Na fala a di-ferença possivelmente era feita por sinais ou gestos.

Freud se interessa pelo que chamaríamos de alicerces da linguagem dohomem, uma vez que eles lhe dariam elementos para estudar os processosinconscientes ativos principalmente nos sonhos. O fenômeno antitético queacabamos de relatar está de acordo com a capacidade dos sonhos e do in-consciente de permitir a coexistência, lado a lado, de idéias absolutamenteopostas. Freud diz ao final do texto que “(...) não podemos escapar à sus-peita de que melhor entenderíamos e traduziríamos a língua dos sonhos sesoubéssemos mais sobre o desenvolvimento da linguagem.” (Freud, 1910,p. 166). São lógicas, estruturas e operações pouco acessíveis; são regrasque, de tão inerentes à linguagem, dificilmente conseguimos destacá-las de

qualquer coisa. No Seminário 17, Lacan sintetiza nessa frase as agruras dotrabalho do psicanalista:

“O enigma é a enunciação – e virem-se com o enunciado.” (Lacan,

1992, p.158).

Explorando o enigma, voltemos à escrita egípcia em sua manifestaçãomais nobre: os hieróglifos. Esquecidos a partir de um gradual desuso emvirtude das influências do grego e do latim, com o tempo perdem-se aschaves para sua leitura e compreensão. Eis que morre uma língua escrita eela vira puro enigma. Resta apenas uma escrita real, uma herança que assu-me um caráter de enigma indecifrado, portanto, decifrável. A peça decisivapara a elucidação dos hieróglifos é a pedra de Roseta.

A pedra de Roseta (em árabe, el-Rachid) foi encontrada por soldadosde Napoleão, no ano de 1799, em um forte nas cercanias da cidade que lhedá o nome. O artefato, datado de 196 a.C., registra o mesmo texto em trêsescritas: hieroglífica, demótica e grega. Segundo a enciclopédia Abril (1972)os hieróglifos (do grego, hieros: sagrado; e glyphein: fazer incisão) eramusados em inscrições monumentais e religiosas. A escrita cursiva demótica,mais popular e corrente, era empregada para fins comerciais, enquanto quea escrita grega era usada pela administração pública. Contrastando com ovalor histórico ímpar da peça, o conteúdo da mensagem entalhada na pedraé um singelo decreto, o que nos leva a pensar em algo bastante burocrático.Porém, o decreto elaborado por um conselho de religiosos como forma dehonrar o primeiro aniversário da coroação de Ptolomeu V - então com 13anos de idade e fragilizado por oposições populares à sua dinastia - pres-tou-se a uma função muito mais virtuosa do que a prevista.

Coube ao egiptólogo francês Jean-François Champollion, ou O Jovem, atarefa de, a partir da comparação dos três textos da pedra, encontrar aschaves para a decifração dos hieróglifos. O Jovem percorreu um longo per-curso até encontrar algumas conclusões sobre o tema em 1822. Essa fasci-

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nante forma de escrita egípcia, cujos primeiros registros nos remetem a3200 a.C., inicialmente era composta apenas por ideogramas (cada signodesenhado representava uma coisa ou ação), porém, posteriormente pas-sou a empregar fonogramas. Assim, o desenho de um pato (lia-se: sa), alémde representar o próprio animal e cumprir a função de palavra-signo, pas-sou a portar um valor fonético independente do seu caráter ideográfico,sendo utilizado também para evocar a palavra “filho”. Para tornar a escritamais precisa, era incluída uma forma de sinalização (ideogramasdeterminativos) que não era lida, mas que indicava se o signo empregadodeveria ser interpretado em seu valor ideográfico ou fonético.

Em 1821 Champollion estabeleceu importantes comparações entre aescrita hieroglífica, demótica e hierática. Cursiva assim como a demótica,porém menos simplificada, a hierática era feita sobre o papiro, sendo usadaprincipalmente pelos sacerdotes. O Jovem, conforme relata em sua Carta aM. Dacier (1822), interpretou o texto inscrito em demótico (escrita popular)na pedra de Roseta em razão da versão do mesmo texto, em grego, grifadoao seu lado. Ao estabelecer relações entre as duas escritas, Champollionpercebeu que alguns caracteres demóticos eram utilizados em função doseu valor fonético como forma de, no contexto ideográfico da escrita egíp-cia, representar nomes próprios e palavras estrangeiras. A partir disso,inferiu que essa lógica poderia ser aplicada à escrita hierática (sacerdotal)uma vez que essa fornecia elementos para sua manifestação mais popular(demótica) e, ainda, concluiu que esse recurso fonético era aplicável aoshieróglifos, uma vez que a escrita hierática era uma representação simplificadados hieróglifos.

A chave para a decifração repousa sobre a afirmação do egiptólogo deque os elementos fonéticos e o caráter ideográfico são os pilares da escritaegípcia. Para chegar a essa conclusão, Champollion encontrou em nomespróprios as balizas que precisava para orientar-se no interior dessa escrita.

Na pedra de Roseta ele foi capaz de identificar o nome do soberano Ptolomeuescrito foneticamente em hieróglifos.

Ao estudar outro artefato com inscrições em hieróglifos, o Jovem foicapaz de identificar outro nome: Cleópatra. Esta outra peça é o obelisco dePhilae, ilha situada no rio Nilo, local da sua descoberta. Novamente o gregoocupou a função de resgate da escrita egípcia, uma vez que esta foi a línguautilizada para registrar no pedestal do obelisco uma mensagem endereçadaao rei Ptolomeu, à Cleópatra sua irmã e à Cleópatra sua mulher. Comparan-do o pedestal com o obelisco, foi possível compor foneticamente mais no-mes próprios reais em hieróglifos. Ptolomeu e Cleópatra forneceram dozeletras que possibilitaram ao Jovem a tradução de outros nomes econsequentemente mais letras: Alexandre, Trajano, Tibério.

Com essas descobertas, tornou-se possível afirmar que os hieróglifosse desenvolveram como língua escrita a partir de um sistema ideográfico noqual cada caractere representava uma coisa ou conceito. Usando como fon-te a enciclopédia Abril (1972), podemos ver as limitações de um sistemasem os recursos fonéticos ou alfabéticos. Um círculo pode ser usado pararepresentar “sol”, mas também “brilho”. Nesse caso a confusão até poderiaser pequena, mas o nível de quase aleatoriedade que as figuras poderiamassumir em relação ao que deveriam exprimir tornava a língua extremamen-te vasta e difícil. É só tentar imaginar a quantidade de caracteres que teriamque ser criados para suprir todas as necessidades de expressão e fica eviden-te que isto acabaria por tornar a língua ininteligível. Para nós ocidentais,fazendo uma limitada comparação entre dois sistemas diferentes, seria comose sucessivamente mais letras fossem inventadas, o que em algum momentotornaria o funcionamento da língua impossível. Um exemplo da crescentearbitrariedade do sistema ideográfico hieroglífico é a figura do pardal que,aliás, nem sequer representa o próprio animal em nenhuma das inscriçõesconhecidas. O pássaro significava o conceito de “privação” e também as

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suas variações: “vazio”, “morrer”, “órfão” e “escassez”. – Isto porque os par-dais representavam uma temida praga que poderia trazer consequências im-portantes para a subsistência numa época e num território onde as colheitaseram vitais. Além disso, também estavam expostos aos humores da natureza.

A utilização do recurso fonético como rébus surgiu mediante a limita-ção dos ideogramas e os problemas daí resultantes. Na Carta a M. Dacier(1822), Champollion sustenta que esse avanço não ocorreu devido à influ-ência dos gregos e romanos e suas escritas alfabéticas, já que muitos anosantes da influência desses povos os hieróglifos já haviam deixado de sersomente ideográficos e tinham assumido um caráter de escrita semi alfabé-tica. O egiptólogo relata que semelhante caminho percorreu a língua chine-sa, uma vez que também adotou ideogramas em seu valor fonético paraescrever palavras estrangeiras. O critério para a escolha do caractere era omesmo usado na escrita egípcia: analogia sonora. Empregava-se determina-do ideograma somente em função do seu valor sonoro enquanto mais simi-lar possível à palavra estrangeira, independente do seu significado original.Para importar um vocábulo, o ideograma escolhido para representá-lo podiaconter várias sílabas sonoras ou apenas a primeira letra, podendo ela ser umavogal ou uma consoante, que emulavam o som da palavra estrangeira.

NomeFoi a partir da necessidade de escrever nomes próprios de povos, paí-

ses, cidades, soberanos e indivíduos estrangeiros que os egípcios transfor-maram a sua língua escrita e a tornaram mais eficiente. Como diz Champollionem sua carta, os egípcios estavam extremamente habituados a manifestar deforma bastante direta as suas idéias, o que refletiu diretamente na lógica dasua língua ideográfica. Lacan, no Seminário 18, ao trabalhar as relaçõesentre fala e escrita, nos aponta uma clara via de dois sentidos na qual aprimazia não é dada a nenhum dos elementos:

“(...) a escrita é algo que se constata não ser uma simples representação.

Representação também significa repercussão, porque não é nada certo

que, sem a escrita, houvesse palavras. Talvez seja a representação

como tal que as cria, essas palavras.” (Lacan, 2009, p.84).

A cultura na qual os egípcios estavam imersos foi construída sob ainfluência dos ideogramas e também o seu inverso. Algo que ilustra umaimportante particularidade, fruto da forte influência dos signos inicialmen-te adotada nessa língua, é a convenção utilizada para definir a partir dequal lado se deveria começar a ler uma frase. O lado a ser consideradocomo o início era estabelecido pela direção na qual estava voltada umafigura humana grafada em algum ponto do texto, o que nos permite dizerque o sentido sempre deveria ser reavaliado enquanto signo.

Ainda no seminário 18, Lacan nos diz que manuseando os significantescom o uso da linguagem não podemos articular nada além de metáfora emetonímia. O significante apenas pode assumir determinada conotação emfunção da cadeia que o cerca e em relação a si mesmo. A si mesmo porquequando um significante se repete como na frase “meu avô é meu avô”, oprimeiro “avô” não assume um caráter idêntico ao segundo, inclusive per-mitindo auferir outros significados.

O nome, que segundo Lacan, é sempre nome próprio, permite articularalgo a mais que o significante? Fazendo uso de outro exemplo empregadono Seminário 18, não nos é permitido dizer que sim. Nesse caso, o nome secomporta de maneira bastante similar ao significante. Na frase em “o ReiJorge III procurou informar-se se Sir Walter Scott era Sir Walter Scott” po-demos observar que ocorre algo bastante parecido com o que vimos noexemplo anterior, sendo que nesse caso, ironicamente em um primeiro olhar,o nome parece perder algo que lhe parecia mais próprio.

Partindo desse experimento, nos é permitido dizer que os nomes pró-prios podem se comportar como um significante em determinadas circuns-tâncias. Mas o que mais podemos articular com o nome, além do significante

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temática.em suas operações de metáfora e metonímia? Considerando que paraChampollion os nomes próprios foram bastante úteis, assim como para osegípcios antigos na construção da sua escrita, teria o nome propriedadesdiferentes daquelas do significante?

O significante está para o Simbólico assim como a escrita está para oReal, nos ilustra Lacan(2009). A escrita usada para representar o significanteseria arbitrária e a partir dela não poderíamos cotejar um eventual significa-do: é necessário nos remetermos à cadeia de significantes na qual ele estáinserido para tentar aferrar alguma coisa. Para dialogar com essa idéia, pen-semos na escrita egípcia. Esta surgiu fazendo uso de ideogramas que eramsignos criados para representar determinados significantes de forma bas-tante direta. Os ideogramas já carregavam em si as indicações que permiti-am ao leitor se ater apenas a uma gama de destacamentos, o que podia serconveniente, mas também bastante limitante. Quando os recursos fonéticosforam adotados para escrever nomes próprios, os ideogramas empregadosforam escolhidos somente em função de seu valor sonoro, ignorando com-pletamente o seu significado anterior como signo. Nesta afirmação encon-tramos vestígios do caráter arbitrário do significante, a saber, a barra usadapor Saussure que separa o significante do significado.

Referências Bibliográficas.CHAMPOLLION, Jean-François. Lettre à M. Dacier relative à l’alphabet dês hiéroglyphes phonétiques . [1822].Disponível em: <http:/

/fr.wikisource.org>. Acesso em: 20 out. 2009.

Enciclopédia ABRIL. Rio de Janeiro: Abril, 1972, vol.IV.

FREUD, S. “A Significação Antitética das Palavras Primitivas”.In Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XI.

FREUD, S. “Fetichismo”. In Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XXI.

LACAN, J. Il Trionfo della Religione.[1960] Turim, Einaudi, 2006.

_________. “O avesso da psicanálise”. [1969-1970]. Rio de Janeiro, Zahar, 1992, livro 17.

_________. “De um discurso que não fosse semblante” [1970-1971]. Rio de Janeiro: Zahar,2009, livro 18.

MELMAN, C. “Novos Estudos sobre a Histeria”. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.

O «Scherz»1 de humor em Freud2

Felipe Pimentel

Para Mário Corso,

quem, além de me despertar o tema,

partilha boas risadas comigo

A Física investiga as constantes dos objetos físicos para compreendero todo. A gramática, as regras do funcionamento das línguas. A química, ospadrões dos elementos e suas contumazes interações. No entanto, a Psico-

1 A palavra empregada por Freud nesse texto é « Scherz », que significa « gracejo », « expressão de brincadeira », e é traduzidacomumente para o inglês por « jest ». O importante de marcar é que Freud não utiliza a palavra « Witz » (emprega do texto « OsChistes e suas relações com o Inconsciente », que é « piada » e que seria traduzida por « joke » em inglês. Assim fica demarcadauma diferença entre a piada propriamente dita e o « Scherz », sendo este uma expressão, um traço que identifica a graça aposteriori.

2 Este texto é efeito doutro que apresentei como trabalho de « conclusão » do Percurso de Escola da Associação Psicanalítica dePorto Alegre, em maio de 2010. Assim, gostaria de agradecer imensamente as colocações de Eduardo Mendes Ribeiro com quemo trabalhei primeiramente, bem como as questões colocadas pelos membros desta associação quando da apresentação do texto,especialmente as de Liz Ramos, Marieta Rodrigues, Maria Ângela Brasil e Lígia Víctora.

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logia, e mesmo a Psicanálise, possuem uma gênese de objeto invertido: épartindo do que perturba seu objeto de estudo (no caso, a mente – ou sejalá como preferirem chamar) que ela inicia sua investigação. Quer dizer,ainda que o posterior desenvolvimento de uma dada teoria psicológica sejaa negação de tal polaridade, essa negação é a posteriori: o funcionamento“regular” da mente tende a ser o negativo do objeto dessa ciência. Comonão nos surpreendemos quando um determinado autor da área põe-se aestudar os standards da mente no sentido mais ordinário, corriqueiro; e, omais interessante, é que exatamente aí, surgem as maiores dificuldades. Eisalgumas peculiaridades do objeto psicológico.

Defronte a tal empreitada, porque não estudar um dos comportamen-tos corriqueiros mais curiosos da mente humana, a saber, o humor?

Freud trabalhou esta questão em alguns momentos de sua obra, princi-palmente n’Os Chistes e sua relação com o Inconsciente e, ainda mais espe-cificamente, no texto O humor. Aqui, tomamos a modéstia de analisar aidéia central freudiana contida neste último texto. Anteriormente, façamosuma breve distinção entre humor, como aquela atitude cômica em relaçãoaos fatos da vida ou «artificial» contida nas piadas; e a gargalhada, como oefeito máximo daquela atitude naquele que a assiste, pois a gargalhada,dada a sua intensidade, o seu descontrole e – podemos arriscar – a suarazoável falta de sentido, instiga uma discussão sobre a sua etiologia. Freudmesmo afirmará que o mecanismo do humor é um mecanismo regressivorecorrente na psicopatologia: «uma série que começa com a neurose e cul-mina na loucura e que inclui intoxicação, auto-absorção e êxtase» (Freud,1927/1996, p.191). Vamos ao texto.

O que me agrada profundamente neste texto de Freud é o fato de suatese apoiar-se numa concepção muito dinâmica da economia psíquica. Ouseja, além de «louco», o humor é um mecanismo dinâmico, algo que transi-ta, que se desloca: eis o que pode ser expresso facilmente pelo nosso corri-

queiro acesso de riso. Como? A tese é simples e pontual: o humor, naqueleque ouve, é uma manifestação do gasto de energia economizado. Comoassim? Explica Freud:

«Compreenderemos melhor a gênese da produção do prazer humorís-tico se considerarmos o processo que se dá no ouvinte perante quem umoutro produz humor. O ouvinte vê esse outro numa situação que o leva aesperar que ele produza os sinais de um afeto, que fique zangado, se quei-xe, expresse sofrimento, fique assustado ou horrorizado ou, talvez, atémesmo desesperado; e o assistente ou ouvinte está preparado para acompa-nhar sua direção e evocar os mesmos impulsos emocionais em si mesmo.Contudo, essa expectativa emocional é desapontada; a outra pessoa nãoexpressa afeto, mas faz uma pilhéria (Scherz). O gasto de sentimento que éassim economizado se transforma em prazer humorístico no ouvinte.3 »(Freud, 1927/1996, p.190)

Ou seja, estamos diante de uma situação específica de mal-estar, mui-tas vezes terrificante, que deveria nos provocar, empaticamente, ansiedadee temor; no entanto, ao mínimo gesto daquele que conta, de que a cenapode ser cômica, o psiquismo aproveita a economia de energia. É uma es-pécie de deslocamento e a gargalhada, seu efeito. É o triunfo do narcisismo:a vitória da invulnerabilidade do ego, como afirma Freud, querendo alertarque a descarga de energia da gargalhada e o deslocamento do humorista dotrágico para o cômico, não deixam de ser uma espécie de defesa do ego

3 Die Genese des humoristischen Lustgewinns erfassen wir am besten, wenn wir uns dem Vorgang beim Zuhörer zuwenden, vordem ein anderer Humor entwickelt. Er sieht diesen anderen in einer Situation, die es erwarten läßt, daß er die Anzeichen einesAffekts produzieren wird; er wird sich ärgern, klagen, Schmerz äußern, sich schrecken, grausen, vielleicht selbst verzweifeln,und der Zuschauer-Zuhörer ist bereit, ihm darin zu folgen, die gleichen Gefühlsregungen bei sich entstehen zu lassen. Aber dieseGefühlsbereitschaft wird enttäuscht, der andere äußert keinen Affekt, sondern macht einen Scherz; aus dem erspartenGefühlsaufwand wird nun beim Zuhörer die humoristische Lust.

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temática. Jornada do Percurso: ecos de uma formação.

frente à realidade terrificante, diminuindo-a e manipulando-a: “ ele (o ego)demonstra, na verdade, que esses traumas para ele não passam de ocasiõespara obter prazer4 ” (Freud, 1927/1996, p.190). Mas como isso é possível?O que empresta força ao ego (caso seja essa a tese definitiva) para ganharprazer de tal realidade terrificante?

Investigando o mecanismo de acordo com os standards psicanalíticos,Freud conclui que o esta força deve advir do superego: essa atitude desuficiente desdém com a tragédia alheia lembra a atitude dos adultos emrelação às crianças como «Ah, não foi nada..» ou «coisa de criança...». Oque soa estranho é que alguém, que ri de si mesmo, teria de tratar, comoadulto, a si mesmo como criança. Para Freud, a complexidade da estruturado ego e do superego (advindas de 1914) dá conta do problema:

«Essa idéia não muito plausível receberá apoio bastante forte, penso

eu, se levarmos em consideração aquilo que apredemos das

observações patológicas sobre a estrutura do ego. Esse ego não é

uma entidade simples. Abriga dentro dele, como seu núcleo, um

agente especial: o superego. Às vezes, acha-se fundido com o

superego de maneira que não podemos fazer distinção entre eles, ao

passo que, em outras circunstâncias, se acha nitidamente

diferenciado dele. Geneticamente o superego é o herdeiro do agente

paterno. Frequentemente ele mantém o ego em estrita dependência

e, ainda, realmente o trata como os genitores, ou o pai, outrora

trataram o filho, em seus primeiros anos. Obteremos uma explicaçãodinâmica da atitude humorística, portanto, se supusermos que ela

consiste em ter o humorista retirado a ênfase psíquica de seu ego,

transpondo-a para o superego. Para o superego, assim inflado, o ego

pode parecer minúsculo, e triviais todos os seus interesses, e, com

essa nova distribuição de energia, pode tornar-se coisa fácil par ao

superego reprimri as possibilidades de reação do ego.» (Freud, 1927/

1996, p.192).

Assim, é como se o psiquismo dissesse: «Olhem! Aqui está o mundo,que parece tão perigoso! Não passa de um jogo de crianças, digno apenasde que sobre ele se faça uma pilhéria!5 »(Freud, 1927/1996, p.194).

Para finalizar:«Se é realmente o superego que, no humor, fala essas bondosas

palavras de conforto ao ego intimidado, isso nos ensinará que ainda

temos muito a aprender sobre a natureza do supergo. Ademais,

nem todas as pessoas são capazes da atitude humorística. Trata-se

de um dom raro e precioso, e muitas sequer dispõem da capacidade

de fruir o prazer humorístico que lhes é apresentado. E finalmente,

se o superego tenta, através do humor, consolar o ego e protegê-lo do

sofrimento, isso não contradiz sua origem no agente paterno.» (Freud,

1927/1996, p.194).

Devemos arriscar, pós-texto, o que temos a aprender sobre o tema. Pro-curemos os «scherz» de Freud. Em situações humorísticas, provocadas « ar-tificialmente», podemos ver duas estratégias (scherz) típicas:

1 A troca de registro1.1 A surpresa: é necessário que o «scherz» seja rápido o suficiente

para não antecipar o cômico, onde reside a falha dos «maus contadores» depiadas;

1.2 A originalidade: é necessário que o ouvinte não conheça a situaçãopara que ela provoque riso6 , veja-se o caso das piadas que já conhecemos;

4 Vale mencionar aqui, que, Montaigne, n’Os Ensaios, possui um belíssimo texto intitulado « De como choramos e rimos dasmesmas coisas » , onde, a ver pelo título, comunga da tese aqui apresentada.

5 Sieh’ her, das ist nun die Welt, die so gefährlich aussieht. Ein Kinderspiel, gerade gut, einen Scherz darüber zu machen!

6 Vale notar aqui esta situação, frequente em grupos de amigos, de contar-se toda vez a mesma piada sempre com o efeito dagargalhada. Isso pode ser um scherz do tipo 2, ou seja, o humor, mas note-se: normalmente, isso ocorre quando há um novoouvinte...

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1.3 Quebra de paralelismo: muito frequente em escritores, caracteriza-se pela seriação lógica, combinatória ou narrativa que é quebrada por umelemento estranho.

2 A manutenção do registro2.1 Hipérbole: consiste na estratégia de levar uma dada situação até o

seu absurdo, muito frequente em filmes de comédia.Esses são caminhos dos «scherz», ou seja, são as estratégias do humor,

mas não a sua etiologia fundamental, a saber, a economia psíquica anterior-mente apresentada, e, aqui, reforçada com o seguinte argumento: um ato éhumorístico quando possibilita acessarmos algum conteúdo recalcado (in-consciente, e também, perigoso ao ego) pela via simbólica (consciente epartilhada, logo mediado pelo superego)7 .

Acompanhando essas situações, podemos delimitar alguns destes «con-teúdos» pesarosos aos neuróticos e que podem ser tematizados ou acessadospela via do humor:

1. A divisão do eu: muitas situações em que podemos presenciar o«indomínio» de alguém sobre si produzem humor, como os atos falhosrapidamente compreendidos8 ou algumas das peças de Aristófanes;

2. O conteúdo moralmente proibido: caso do humor negro, bem comodas piadas raciais;

3. O valor simbólico da sociedade: caso do humor que coloca em xe-que a razão de ser na nossa sociedade, como no humor no sense ou, maistimidamente, nas charges;

4. O trágico em nós como trágico do outro: a piada nacional, o debo-che e a ironia, a «as pegadinhas»;

5. O peso da autoridade (ou do falicismo): a descarga que o humoroferece em lidarmos com os representantes da autoridade enquanto bobos,caso do bobo da corte presente nas obras de Shakespeare; ou mesmo compessoas que despencam da situação fálica, caso dos tombos.

Por fim, seria possível que uma dada situação utilizasse mais de um«scherz» e tocasse em mais de um destes conteúdos?

Sim. E se for o caso, meu caro, aproveite, você está na frente de umChaplin ou de um Groucho Marx.

Referências bibliográficasFREUD, Sigmund. Der Humor [1927]. In: Gesammelte werke: chronologisch geordnet. 7. ed. Frankfurt Am Main: S. Fischer, 1987-

1993. 18 v.

FREUD, Sigmund. O Humor [1927]. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969-1996. 24 v.

7 Algo interessante de notar (com o perdão do lacanismo externo ao texto em questão) é o que se passa quando uma situação comoessa não é mediada simbolicamente, mas imaginariamente: é o caso da vergonha ou mesmo da angústia. Assim, o ato de humoré uma forma simbólica de acessar o real, eis o caráter terrificante da gargalhada, mas ao mesmo tempo, seu prazer.

8 Por exemplo, um famoso exemplo de Freud: um médico numa conferência sobre « vaginas » diz: « no que respeita ao aparelhogenital feminino, logramos muitas tentações... Digo, tentativas... »

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temática.

A escuta do sujeito e a aberturaà outra cena no trabalhoem Saúde Mental

Carolina Eidelwein

Esta escrita é parte do desafio de colocar em palavras uma experiênciaclínica que vem tendo lugar há alguns anos em um Centro de AtençãoPsicossocial, serviço de saúde mental do Sistema Único de Saúde, quepretende oferecer cuidado diário às pessoas portadoras de sofrimento psí-quico severo e persistente.

O ato de “colocar em palavras”, aqui, tem relação com a ideia do teste-munho, discutida por Lucia Pereira (2006, p.41), quando ela escreve: “tes-temunhar pode ser a tentativa de achar as palavras que podem dar sequênciae rumo para ‘não sucumbir ao abismo’”.

A clínica a qual nos referimos é árdua e complexa, por tratar de pesso-as com grande suscetibilidade a momentos de crise e que podem ou não

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contar com uma rede de suporte familiar e social. Frequentemente, traba-lhamos na precariedade dos laços sociais, com pacientes (e também seusfamiliares) que, na maioria das vezes, pela sua condição psíquica, não estãoem condição de falar em nome próprio.

Enquanto profissionais da saúde, em alguns momentos, parece-nosimpossível realizar esse trabalho. A impotência nos invade de tal forma queparece restar nada a fazer. Nossas ferramentas tornam-se insuficientes paraessa clínica em que um novo desastre sempre pode vir a acontecer (Lancetti,2006). Em outras vezes, no entanto, percebemos com clareza que nossatarefa é suportar, ao longo do tempo, uma escuta. Embora não saibamos deantemão onde isso vai dar, estamos ao lado do paciente. Suportamos comele o que não tem sentido.

A disposição para sustentar a escuta e suportar não ir embora pode sertomada como uma ética. Ética que aqui vamos chamar de escuta do sujeito.Pensamos que essa ideia possa nos auxiliar a tecer reflexões sobre essaclínica de que falamos.

E quem são esses sujeitos?Muito se tem escrito, no campo da saúde mental coletiva, a respeito da

complexidade desse dispositivo de cuidado que é o CAPS, com tudo o quenele pode ter lugar em termos de práticas nas áreas “psi”, assistenciais,pedagógicas, biomédicas, jurídicas, etc. Existem caminhos que passam pe-las prescrições tutelares veiculadas pelo discurso psiquiátrico, por exem-plo; pelas respostas às demandas concretas envolvidas em situações sócio-econômicas precárias; pelas tentativas de dar conta, por ortopedia, das de-mandas advindas das diversas esferas sociais.

Compor a equipe de um CAPS implica em nos depararmos com essesvieses, em suas inúmeras combinações. Em nosso caso, uma das tarefasiniciais consistiu em tentar obter alguma noção a respeito de quem seriam

os sujeitos que já se encontravam em atendimento quando chegamos aoserviço.

Quando lá iniciei meu trabalho, novos profissionais estavam sendonomeados através de concurso público, enquanto outros estavam de saídapor rescisão de contrato. Não houve uma passagem dos casos de um profis-sional a outro. Logo recebi a incumbência de atender cerca de 40 pacientes,organizados nos chamados “grupos terapêuticos”.

A partir do questionamento acerca de quem falaria naqueles espaços edesde que lugar falaria, lancei-me ao desafio de conhecer, por intermédiodos pacientes, o trabalho que vinha sendo realizado. Desenhava-se naquelecenário a presença marcante de uma lógica totalitária que atravessava a con-cepção do serviço, baseada na disciplina como forma de recuperação. Ha-via um fluxograma de atendimento que era aplicado a todos os casos, inva-riavelmente. Caso o paciente não comparecesse a alguma das etapas, eraregistrada em seu prontuário sua “falta de adesão” ao projeto terapêutico.Como objetivo do atendimento, figurava o esbatimento dos sintomas, paraque o paciente voltasse a ser o que era antes da crise. Tinha-se o objetivodeclarado de que os técnicos em saúde mental secretariassem o médicopsiquiatra no monitoramento do paciente, principalmente por intermédioda supervisão do uso dos psicofármacos.

Assim, o sujeito estava excluído desse trabalho. Isto ocorria tanto dolado do paciente, quanto do profissional. Aplicava-se uma proposta buro-cratizada de atendimento, que acabava sendo uma reprodução da psicose.Gradativamente, porém, alguns cortes puderam ser operados nesse empuxoà totalização.

Outra cena se anunciaEm determinada situação, recebemos um paciente francamente deli-

rante que afirmava estar sendo perseguido por advogados, pois era porta-

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dor de informações sigilosas. Haviam injetado fungos em seu corpo, osquais estariam se movimentando por debaixo da sua pele e provocandomuita dor. Concordou em conversar conosco, com o pedido de que extir-pássemos aquele fungo. Concordou também com a necessidade de solici-tarmos o auxílio da médica psiquiatra nesse atendimento. A médica propôsao paciente a internação em hospital especializado, a qual ele se negou. Alinguagem dele era repleta de expressões bélicas, falava em bombas, chips earmamentos. No entanto, reiterava que nós seríamos preservadas – estáva-mos em três mulheres – dos ataques inimigos, pois ele não deixaria quenada nos acontecesse. Era uma situação delicada, ficamos apreensivas quantoaos riscos aí envolvidos. A médica avaliou que a internação precisaria serinvoluntária, pois o paciente oferecia risco a si e aos outros. Combinou queele voltasse na manhã seguinte, quando seriam acionadas a equipe de re-moção e a guarda municipal para levá-lo ao Hospital São Pedro.

No dia seguinte, o paciente retornou na mesma situação. Embora afamília do paciente estivesse pedindo pela internação, não havia consensoentre nós, profissionais da equipe, sobre essa indicação. O fato de umacolega ter tomado a decisão pela internação psiquiátrica de forma solitária,sem considerar nossa opinião, consistia na imposição de uma conduta psi-quiátrica no interior de uma equipe que se pretendia interdisciplinar.

Percebemos a necessidade de tomarmos uma posição naquele momen-to. Em nossa avaliação, tratava-se de um momento de crise. No entanto,com base nos relatos de que se tratava de uma situação que vinha se pro-longando há mais tempo e diante dos inúmeros conflitos apontados nessesrelatos, consideramos a possibilidade de fazermos uma aposta na vinculaçãodo paciente conosco. Pelo menos, até que alguns pontos daquela históriapudessem ser mais bem esclarecidos. Foi então que propusemos suspen-der o aparato necessário à internação involuntária, propiciando que eleiniciasse seu tratamento, convidando-o a retornar ao CAPS diariamente.

Esse foi um momento paradigmático no serviço, pois se operou aí umadiferença nos modos de acolher, avaliar e intervir em uma situação de crise.E no que consistiu essa diferença? Fundamentalmente, na inclusão do su-jeito.

Até então, conforme apontamos aqui, o saber sobre o sintoma e suascausas estava do lado do profissional, que o mantinha sob a sua guarda.Neste momento, operou-se um deslocamento da posição de saber para osujeito, quando pudemos evitar tomá-lo como objeto das nossas práticas erespeitar seu posicionamento.

Para que isso se tornasse possível, também foi preciso que sustentásse-mos uma posição de não saber. É nisso que consistia a aposta. Não foi semreceio que discordamos da indicação médica pela internação, mas nossaescuta apontava para outras possibilidades, inclusive a de que um trabalhoclínico pudesse vir a ter lugar. A internação também é um recurso que sefaz necessário em muitos casos. Mas é preciso atentar para o fato de que, aocontrário de configurar uma suposta impossibilidade de tratamento, a es-cuta do delírio consiste em ferramenta essencial da clínica com psicóticos.

Tratar cada caso em sua singularidade exige esforços teóricos e práti-cos importantes, à medida que os procedimentos não mais estão dados deantemão. Apesar dessa exigência, foi possível que houvesse no serviço umatorção nesse sentido. Pouco a pouco, as indicações clínicas foram deixandode ser genéricas e passaram a ter fundamentação em uma história de vida,em recursos sociais, familiares, da rede de serviços e na vinculação com oCAPS. E com isso, a palavra foi conquistando o estatuto de recursoterapêutico, a ser construído na própria experiência.

Outras possibilidades para os laços transferenciaisA partir do momento em que os profissionais do serviço foram

gradativamente colocando-se mais disponíveis, mais atentos aos movimen-

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tos de cada paciente no tratamento e considerando o saber daqueles sujei-tos, abriu-se outra possibilidade de operar na transferência.

Podemos dizer que, até então, as relações da equipe com os pacientesconcretizavam o imperativo totalizante que se apresenta nas psicoses, pro-duzindo cronificação. O profissional vinha encarnando um Outro sem fal-ta, capaz de manter o paciente numa condição objetal.

Sabemos que o deixar-se tomar pela transferência na psicose e até mes-mo nas neuroses graves é uma experiência avassaladora. Nessa clínica, épreciso que a angústia e o desespero do paciente encontrem acolhimento, oque não é tarefa fácil.

Nesse sentido, Rosane Ramalho (2007, p.99) aponta que na clínica daspsicoses “a direção da cura se dá na medida em que houver, por parte doanalista em relação ao seu paciente, um desejo, um desejo positivado, aaposta de que há um sujeito ali, pois só assim um sujeito poderá efetiva-mente advir”.

Quando penso sobre as agruras de sustentar laços transferenciais tãointensos, me remeto ao caso de uma paciente que a mim se apresentoubradando: “Eu não sou alcoolista. Eu não sou jogadora compulsiva. Eu nãosou bipolar. O que eu tenho?”. Em nosso primeiro encontro no CAPS elafalava rápido, em tom de voz elevado e andava de um lado a outro da sala.“Vocês pensam que sabem de tudo. E que decidem sobre a vida dos pacien-tes. Eu não gosto de grupos, não quero estar com pessoas fedorentas”, diziaenfurecida. Percebi que era preciso deixá-la falar, tentar não interrompê-la eestar atenta, a fim de evitar a agressão física iminente. Com isso, ela foi sedesarmando e eu fui percebendo minha tensão.

Ela foi embora naquele dia e retornou para os atendimentos agendados.Diante de seu frequente questionamento sobre o que a acometia, o trabalhopassou a ser o de resgatar sua condição subjetiva por intermédio de suahistória, sem a preocupação em lhe fixar algum rótulo.

Encontros como esse acontecem porque se está disponível a eles. Emmuitos momentos sou surpreendida por interpelações como essa. Não setrata, porém, de um afeto que paralisa, mas que impulsiona a continuar, àmedida que diferenças vão se produzindo no andamento do trabalho.

Equipe: condição para a sustentação do trabalho clínicoAo mesmo tempo em que outras possibilidades de trabalho clínico

foram ganhando espaço no CAPS, foram sendo ampliados os espaços deconstrução coletiva entre os profissionais.

Além de buscarmos a co-responsabilização pelos atendimentos por parteda equipe do CAPS, iniciamos um processo de abertura para o diálogo comoutros serviços que em algum momento atendiam os mesmos pacientes.Tornou-se possível agendarmos atendimentos conjuntos nas comunidades,acompanharmos o paciente quando hospitalizado, trabalharmos na lógicada co-responsabilização pelo cuidado.

Cada vez mais, os pacientes também foram chamados a participar dasdecisões e dos debates sobre a organização do serviço. Com isso, os gestorespassaram a ser demandados, de alguma forma, a estarem mais atentos paraas questões da saúde mental do município.

Existem movimentos importantes em curso nesse cenário, que sãomovimentos parciais. Nem toda equipe tem o mesmo entendimento sobre oque seja a clínica nesse contexto e nem toda a equipe trabalha de formahomogênea. Nesse coletivo de trabalho, cada profissional sente-se convoca-do de maneira diferente do outro.

Essa é uma característica importante e necessária em uma equipeinterdisciplinar. Se há necessidade de que o Outro seja barrado no trabalhocom a psicose, a equipe ou o colega de trabalho podem ocupar esse espaçoterceiro, quebrando a totalização.

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temática.

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temática.Referências bibliográficasLancetti, A. (2008) Clínica peripatética. São Paulo, Hucitec.

Pereira, L.S & Pereira, R.F. (2006) “Transferência e transmissão da experiência”, in Revista de Psicanálise Textura, nº06, São Paulo.

Ramalho, R. (2007) “Clínica das psicoses: os impasses da transferência”, in Psicose: aberturas da clínica. Porto Alegre, APPOA,Libretos.

A clínica da psicose no âmbitodas políticas públicas

Angela Abraham

É notório que, a partir da Reforma Psiquiátrica, vem se produzindoimportantes avanços na construção de novas formas de atenção e cuidadosem saúde mental. Entre tais avanços, podemos destacar a constituição dosCentros de Atenção Psicossocial (CAPS). Estes serviços propõem-se a fun-cionar como substitutivos às internações psiquiátricas, acolhendo em trata-mento pacientes com transtornos psíquicos severos e oferecendo-se comosuporte e proteção às situações de risco e crise. Com os CAPS, possibili-tou-se a abertura de um campo de trabalho clínico para estas situações que,até bem pouco tempo atrás, tinham como proposta terapêutica exclusiva-mente a internação hospitalar e a contenção química.

No entanto, ao longo de minha experiência de trabalho em um CAPS,venho me questionando bastante acerca da forma como é feita esta oferta desuporte e proteção ao sujeito, levando em consideração os pressupostos

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teóricos nos quais se alicerçam as políticas públicas de saúde mental exis-tentes no Brasil. Dentre tais pressupostos, os conceitos de reabilitaçãopsicossocial e de reinserção social recebem bastante ênfase e são reconheci-dos como importantes diferenciais neste novo modelo de cuidado em saú-de resultante da Reforma Psiquiátrica. Porém, frequentemente, incorre-seno risco, na condução dos tratamentos, destes conceitos serem apenas “apli-cados” com um viés de correção e de recuperação, desconsiderando a com-plexidade e a singularidade do sujeito. Este é um dos grandes nós queencontramos hoje no âmbito das políticas públicas: o descompasso e ascontradições existentes entre as proposições teóricas e o que de fato seapresenta na prática.

Fazendo um percorrido pelo que vem sendo pensado e teorizado sobrereabilitação psicossocial e reinserção social, encontro tais conceitos aindasendo apresentados de uma maneira dissociada da clínica. Como colocaGreco (2001, p.114): “Questionando a qualidade daquilo que a saúde men-tal instituiu como clínica e transcendendo o tema da assistência psiquiátri-ca de modo a delinear outro lugar social para a loucura dentro de nossatradição cultural, a reabilitação psicossocial se impôs como orientação tera-pêutica prioritária, por meio de parâmetros políticos: inscrição no mundoda cidadania, no espaço da cidade e no universo dos direitos”. Porém, taisparâmetros políticos, que deveriam caminhar junto com a clínica, se dis-tanciam dela quando se transfiguram em verdadeiros imperativos: “Traba-lhe! Produza! Seja feliz! Interaja!”. Há uma tendência homogeneizadora,fortalecida por ideais de busca da cidadania, encampados numa clínica dosujeito de direitos, regida por valores universais de igualdade, que acabampor negar o que é da ordem do singular, da falta e da diferença. Montezuma(2001), fala sobre intervenções em saúde mental nos serviços públicos apartir de dois paradigmas: “O primeiro paradigma é representado pela de-finição da Organização Mundial de Saúde: o bem-estar físico, psíquico e

social, e a suposição da possibilidade de uma perfeita harmonia. O segun-do se baseia em Freud, para quem o mal-estar é inarredável e estruturantedo ser humano. Para Freud, o ser humano não é perfeito porque estáestruturado pela linguagem e tem – ao contrário dos animais, que respon-dem apenas pela natureza de seus instintos –, direitos e deveres. O queimpede a mens sana in corpore sano é a existência desarmônica do pensa-mento, da pulsão e do desejo. Na medicina, a definição de saúde é outra: osilêncio dos órgãos. Essa definição não pode ser aplicada ao mental, umavez que referido a esse registro está o inconsciente que não se cala jamais”(p.134).

A clínica proposta pela psicanálise, portanto, é a clínica do sujeito doinconsciente que busca, justamente, criar possibilidades discursivas, darvoz ao inconsciente, acolhendo em transferência o endereçamento que opaciente faz do seu discurso. Seja lá qual for o dispositivo apresentadocomo estratégia terapêutica ao paciente, seus efeitos dependerão das rela-ções transferenciais ali colocadas em questão, envolvendo, assim, não só odesejo do sujeito, mas também o desejo dos profissionais que o acompa-nham.

Escutar um paciente, impondo-se, no tratamento, como um Outro de-tentor de um saber totalizante sobre ele, torna-se especialmente problemáti-co quando quem está em questão é o sujeito psicótico, que está semprecolocado numa posição de entrega à demanda do Outro. Calligaris (1989,p.13) retoma alguns conceitos psicanalíticos fundamentais para se pensar aestruturação subjetiva: “Qualquer tipo de estruturação do sujeito, seja neu-rótica ou psicótica, é uma estruturação de defesa [...] na medida em que sesubjetivar, existir como sujeito (barrado pela castração, como na neurose,ou não, como na psicose), obter algum estatuto simbólico, alguma significa-ção é necessário para que o sujeito seja algo distinto do Real do seu corpo,algo Outro e mais do que alguns quilos de carne”. Quando sobre o psicótico

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recai uma exigência a referir-se a uma função paterna simbolizada, ao Nome-do-pai, que para ele está forcluído, desencadeia-se a crise, onde as alucina-ções e os delírios aparecem como tentativas de construir uma filiação, umsaber, uma metáfora acerca desta função paterna que lhe retorna no real. Éjustamente nesta operação psíquica que o sujeito busca se recolocar, sesituar diante do Outro, para que não seja engolfado por ele. O que muitasvezes é apontado apenas como fenômeno a ser eliminado precisa aceder aum lugar de discurso, como a verdade do sujeito, criando-se, assim, a pos-sibilidade de inscrição de um sujeito.

Como conciliar, portanto, estas especificidades da estrutura da psicosecom o contexto da saúde mental antes mencionado, em que parece prepon-derar uma “maneira excessivamente neurótica” de proposição de tratamen-to, onde determinados fins são buscados por um caminho padronizado,podendo ter efeitos injuntórios sobre o sujeito psicótico?

É recorrente o equívoco na leitura do conceito de reinserção socialcomo sendo somente a possibilidade de conduzir o paciente a se inserir ecircular por outros espaços que não a sua própria casa ou o serviço desaúde que freqüenta. Como também a idéia da reabilitação psicossocialmostra-se equivocada quando apenas se propõe a resgatar e/ou ensinar ha-bilidades que permitam a ocupação do tempo do paciente ou que lhe geremalguma renda. A questão que muitas vezes fica esquecida nestes processosé a do que representa para os sujeitos estes lugares que lhe são apresenta-dos e estas habilidades que são (re) adquiridas. Quando falamos, tanto emreabilitação quanto em reinserção, não estamos nos referindo à busca delugares e habilidades enquanto instâncias da realidade, mas como instânci-as simbólicas, que permitam uma inscrição de sujeito. Trata-se, antes demais nada, da tentativa de construção de habilidades e lugares psíquicos.

As instituições assumem um papel essencial para o tratamento de pa-cientes psicóticos, na medida em que podem dar uma continência maior a

este sujeito que necessita situar seu eu, oferecendo como suporte uma equipemultiprofissional (e, de preferência, que seja capaz de funcionar de umamaneira interdisciplinar). Como coloca Tenório (2001, p. 127), a instituiçãotem a importante função de servir como um ponto de ancoragem para aderiva psicótica, para que, a partir desta referência ao sujeito, lhe sejaoportunizado um trabalho de circunscrever os termos de sua existência.No entanto, isso somente acontecerá se a instituição não acabar justamentereproduzindo uma relação alienante e se trabalhar no sentido de que opaciente possa construir uma rede social na qual faça outras amarraçõesque sustentem sua circulação por diferentes lugares. Aí nos deparamoscom a grande dificuldade que é a tendência à segregação e a intolerânciacom as diferenças que ainda imperam no social.

Um dispositivo cada vez mais presente nas instituições psiquiátricas eque tem como um dos seus grandes objetivos a produção deste enlaçamentosocial do sujeito são as oficinas terapêuticas.

Nestas, a atividade realizada e o objeto sobre o qual se trabalha servemcomo instrumentos, como mais uma possibilidade dos pacientes construí-rem narrativas sobre si, de se buscar a historicidade de cada um. No entan-to, é comum ser feito um entendimento distorcido a respeito das mesmas,a partir da idéia de que elas não são espaços para a fala do paciente, massomente espaços para produção, não sendo possível para o profissional“desviar” seus objetivos fazendo uma escuta. Mas qual o valor terapêuticode uma produção ou de uma atividade quando não há a possibilidade dosujeito construir um discurso sobre aquilo que está fazendo, quando não éfeito um enlace do sujeito com a sua obra? Como propiciar efeitos de auto-ria e de implicação subjetiva se o sujeito e sua obra/produção estãodissociados? Lobosque (2001, p.40) diz: “A esta palavra, matéria-prima dotratamento, cabe-nos cavar-lhe um lugar – quando partimos do princípiode que o sujeito fala, situando a materialidade do seu dizer como o alicerce

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temática. Jornada do Percurso: ecos de uma formação.

possível da nossa construção”. Esta materialidade à qual a autora se refere,muitas vezes – e especialmente na psicose –, somente conseguirá tomarforma a partir de uma superfície concreta, de um objeto real, o que éviabilizado e ofertado nas oficinas terapêuticas. Guerra (2001), destaca apossibilidade das oficinas conferirem consistência simbólica à produçãoconcreta do psicótico, produzindo um certo esvaziamento desse Outro ab-soluto que se impõe sobre ele. A autora coloca: “Talvez o psicótico estejacosturando, com a produção nas oficinas, seus pontos de capitonné narealidade através de novas formas de enlaçamento social. Dessa maneira,poderia com a atividade de produção nas oficinas, atividades de circuns-crição de gozo, produzir sentidos históricos para a sua produção a partir defragmentos de coisas, inscrevendo-se na linguagem ou inventando umapossibilidade de encadeamento na cadeia significante” (p. 51).

Cabe ser salientado que o que sempre foi criticado no modo de funcio-nar dos manicômios, muitas vezes acaba se repetindo nos serviçossubstitutivos quando estes, a partir de um modelo tutelar e assistencialista,se ocupam prioritariamente da transmissão de informações e orientaçõesacerca da busca dos direitos dos pacientes e de dar a eles um estatuto decidadão, pulando uma operação psíquica que necessariamente deve se darantes, já que sem ela estes não terão como dar sustentação a este lugar desujeito de direitos que lhe é apresentado: refiro-me à construção de umlugar de sujeito do desejo. Surgem, assim, os “minicômios” que tambéminstitucionalizam e “enCAPSulam” seus pacientes. Penso que adesinstitucionalização, tão reafirmada pela Reforma Psiquiátrica, deva sedar como um processo que possibilite ressignificar a loucura junto à socie-dade como um todo, que a institui enquanto uma condição de ser caracte-rizada meramente pela desapropriação, pela inadequação e por tudo aquiloque falta. Sabemos que o hospital psiquiátrico, de uma maneira geral, tam-bém reproduz esta lógica arraigada na nossa cultura, sendo, por isso, apon-

tado como A instituição a ser extinta. Porém, de nada adianta apenas mu-dar o palco da loucura se, para além dos hospitais psiquiátricos, o loucoseguir sendo tratado como um objeto, onde seu desejo muitas vezes é en-torpecido e silenciado, sem que se suponha nele um potencial subjetivo.Desinstitucionalizar não é apenas tirar o louco do manicômio, mas permitirque o louco seja reconhecido fora desta concepção estigmatizada,institucionalizada da loucura. É desta instituição da loucura que o loucoprecisa sair.

Referências bibliográficas:CALLIGARIS, C. Introdução a uma clínica diferencial das psicoses. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

GRECO, M. G. Dançando em gelo liso entre a clínica e a política. In: QUINET, A. (org.) Psicanálise e Psiquiatria – controvérsias econvergências. Rio de janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.

GUERRA, A.M.C. Oficinas em saúde mental: percurso de uma história, fundamentos de uma prática. In: COSTA, C.M., FIGUEIREDO,A. C. Oficinas terapêuticas em saúde mental – sujeito, produção e cidadania. Rio de Janeiro: Contracapa Livraria, 2004.

LOBOSQUE, A. M. Experiências da loucura. Rio de janeiro: Garamond, 2001.

MONTEZUMA, M. A. A clínica na saúde mental. In: QUINET, A. (org.) Psicanálise e Psiquiatria– controvérsias e convergências. Riode janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.

TENÓRIO, F. Da reforma psiquiátrica à clínica do sujeito. In: QUINET, A.(org.) Psicanálise e Psiquiatria – controvérsias e conver-gências. Rio de janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.

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debates.

Por que me abandonastes?1

Edson Luiz Andre de Sousa

“E, quando finalmente tem o que mais almeja,

é como conquistar cidades com incêndios:

o que se ganha é o que se perde?”

William Shakespeare

Trabalhos de amor perdidos Como lembrou Ana Costa, no trabalho que apresentou em nosso já

clássico Conversando sobre a APPOA: todo amor é fruto de um engano. Senosso ponto de partida é o desamparo, o desafio que a vida nos reserva écomo cada um vai responder sintomaticamente a esta condição.

Todo engano é fruto de uma promessa (COSTA, 2010). Nossa escutacotidiana como psicanalistas nos dá bem a dimensão dos destinos que cada

1 Texto escrito a partir do debate realizado após apresentação de Ana Costa, intitlada “Ato, engano, frecasso”, durante o RelendoFreud desse ano.

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debates.

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ensaio.sujeito sofre, ao suportar as promessas não cumpridas. O engano vem colo-car em cena, segundo Ana Costa, o ato e o fracasso.

Do engano, é possível uma derivação pela via do ATO ou do FRACAS-SO. Vejamos como Barnett Newman (1905- 1970) nos ajuda a pensar estaquestão a partir de um dos seus trabalhos. Newman, um dos mais impor-tantes e influentes artistas contemporâneos, apresentou em 1966, no Mu-seu Guggenheim, sua célebre série de 14 pinturas intitulada Stations of theCross (A via Crucis). O subtítulo deste trabalho é Lamma Sabachtani, ouseja, o grito de desespero de Jesus endereçado a Deus: “Pai, porque meabandonastes?” Se diante desta pergunta ficamos capturados na dimensãoda queixa e buscamos uma explicação em alguma imagem que nos ampare,ampliaremos nosso desamparo e alienação. Não se trata, portanto, de sabero porquê, mas lembra o artista que a única resposta possível é SEJA! IntitulaBE (seja) a uma destas telas. Indica, desta forma, que diante do desamparopodemos responder na via da inscrição de uma obra (lugar de enunciação)que ao se responsabilizar pela sua condição de dor, de decepção diante doabandono do Outro , poderá a partir de um engano produzir um ATO.

Lyotard (1988) ao comentar este trabalho insiste no fato de que o BE deNewman responde ao abandono de sentido pelo testemunho da inscriçãode um lugar. Entendo este movimento como produção de um ato. Diante daVia Crucis do artista temos a chance de indagar sobre as promessas queainda esperamos, quer na condição de eternos injustiçados, quer comopenitência por aquilo que imaginamos ter ficado em falta em relação a esteOutro. A equação não é de fácil resolução, contudo, ainda teremos umachance se fizermos o trabalho de luto do amor perdido, como tão bem nosapontou Freud. Neste ponto o ato de criação é fundamental.

Referências bibliográficasCOSTA, Ana. Trabalho apresentado no Conversando sobre APPOA. Anotações pessoais, 2010.

LYOTARD, Jean- François. L’inhumain – causeries sur le temps , Paris: Galilée, 1988

Hospital São Pedro1

Christiane Bittencourt

Desde quando estou aqui? Há muito, muito tempo. Conheço tudo etodos. Sei os nomes, sobrenomes e os apelidos. Sei o dia que chegaram e odiagnóstico. Sei quantos ladrilhos tem em cada sala e quantos faltam tam-bém. Eu conto tudo, conto os azulejos que faltam nas colunas, as teias dearanha e as goteiras no teto.Conto as manchas nos jalecos do pessoal, e atéquantos comprimidos cada um toma todo dia. Porque? Não sei, acho que éo jeito que tenho de não enlouquecer. Não, não sou daqui. Sou de fora.Acho engraçado que vocês sempre perguntam isso. Ah o motivo? como setivesse um. Sabe quantos vidros tem em cada janela destas? São 58. Todomundo erra, porque não contam os escuros e nem os da beiradinha. Euconto, conto tudo. Sabia que eu já falei tudo isso para o Dr Godoy? Elemesmo já me perguntou, eu sou amiga dele, quando precisa alguma infor-

1 Este conto foi escrito na técnica chamada “ fluxo de consciencia” ao estilo Joyce, onde a escrita segue corrida.

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ensaio.

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resenha.mação é comigo que ele pega. Eu sou da confiança dele. Quando eu vimpara cá isso aqui tava em obras porque não parava de chegar gente, osenfermeiros e a irmãs não davam conta. Nem queriam ficar comigo, nãotinha lugar, mas quando souberam da minha história arrumaram um quartosó para mim. Achavam cedo pra me misturar.

Eu vim porque o trem não apitou naquele dia. Minha mãe tinha morrido,estávamos de luto. Meus irmãos usavam a fita preta no braço e nós, saia, meia,blusa, sapato e lenço. Tudo preto. Eu não ia mais a escola, mas herdei umcaderno, uma caneta esferográfica azul e a imagem da Santa Rita. As roupasficaram para Aparecida que era maior.Meu pai bebia e desde a morte seemborrachava mais, o dia todo, inteirinho mesmo, todas as horas contadinhas.Eu contei.A gente morava na vila operária, bem do ladinho da linha do trem,da janela do quarto da mãe dava para sentir o ventinho na cara quando o trempassava. Eu nunca gostei do assovio, nem do vento, nem do trem, nem do pai.

Naquele dia quando ele assoviou e puxou a Cida pelos cabelos pradentro do quarto eu saí pra rua, mas tava chovendo muito e minha tosse játava quase igual a da mãe, então voltei, não queria molhar o caderno e acaneta esferográfica. Entrei devagarzinho e quando ia pra cozinha para fugirdo apito do trem, ouvi o berro da minha irmã.

Num salto eu já tava no quarto. E ele aos gritos me disse: - vai olhando,olha bem, que tua vez ta perto. Uma força maior que eu, tomou meus braçose cravei a esferográfica nos olhos dele, bem fundo até encher de sanguefeito uma seringa.E depois fui cravando a caneta em todo corpo até ele cair.O trem não apitou e a vizinhança todinha veio ver o que tava acontecendo.Seu Lauro, dono da venda me tirou dali e foi ele que disse que São Pedro iame salvar. Então comecei a contar, contar os segundos, os minutos, os qui-lômetros que me trouxeram até aqui. Conto até hoje. Conto tudo.

Conto os segundos e os minutos que São Pedro vai levar para abrir aporta do céu para mim.

O cuidado: suasfaces e disfarces1

“A existência humana transcorre longe da

perfeição, da estabilidade e da permanência”

(Figueiredo, Faces, p. 134).

No livro “As diversas faces do cuidar: novos ensaios de psicanálisecontemporânea” se apresentam textos endereçados a um público não so-mente de especialistas, ou seja, psicólogos, psiquiatras e psicanalistas, mastambém a profissionais que trabalham nas áreas da saúde e educação. Issoparece ser uma inovação na obra de Figueiredo. Entre os trabalhos destepsicanalista, verifica-se que “Matrizes do pensamento psicológico” (1991) e“A invenção do psicológico” (1996) são textos rigorosamente acadêmicos.Também isso se deve ao fato de serem o resultado de pesquisas neste cam-

1Esta resenha é uma versão modificada do debate sobre esse livro realizada na Atividade “Biblioteca Aberta”, promovida pela AEP(Ijuí, RS, outubro de 2009).

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resenha. Jornada do Percurso: ecos de uma formação.

po. “Ética e técnica em psicanálise” (2000 – reeditado em 2008) e “Psicaná-lise: elementos para clínica contemporânea” (2003) são trabalhos sobre aclínica e a metapsicologia, nos quais os planos da clínica e da cultura seentrelaçam.

Nessa trajetória de produção, Figueiredo apresenta conceitos impor-tantes, tais como os de “experiência da subjetividade privatizada” – essefórum da intimidade que nasce no indivíduo da modernidade –, o de “pre-sença implicada e presença reservada”, instâncias operadoras no laçotransferencial, entre outros. Em “Faces” são apresentados temas como o deconfiança e o de cuidado. Também se encontram textos que são continuida-de de reflexões anteriores. Um deles é “Confiança: a experiência de confiarna clínica e na cultura”, o qual remete ao trabalho “O paciente sem esperan-ça e a recusa da utopia” (In: “Psicanálise”, 2003), cujo foco é a clínica doschamados pacientes difíceis.

Antes de apresentar o tema do cuidado, à luz do pensamento deFigueiredo, assinalemos que em “Faces” se encontra um conjunto de textosque partem da clínica em direção às questões da cultura (“Metapsicologiado cuidado”, “Saindo da adolescência”, “Cidade de Deus”), enquanto ou-tros se referem especificamente ao âmbito da metapsicologia dos processosda clínica (“Ao redor do processo analítico”, “A questão do sentido”,“Intersubjetividade e mundo interno”).

Outro pontodestacado pelo autor é o da necessidade do atravessamentode paradigmas na psicanálise. Este é um ponto de insistência do autor,juntamente com sua preocupação em sustentar uma metapsicologia no queestá propondo.

Acerca do tema do cuidado, Figueiredo propõe um esboço de umateoria geral do cuidar. Uma vez que se refere a um tema transversal a outrasdisciplinas, interroga: o que seria singular na prática psicanalítica da ativi-dade do cuidar? Para ele “os saberes e práticas da psicanálise podem nos

oferecer preciosos elementos para uma compreensão rigorosa do que estáenvolvido nos cuidados”. Propõe que o agente dos cuidados, ao exercersua função como “presença implicada” e “presença em reserva”,corresponderia a figuras de alteridade.

Para ele, nos próprios rituais civilizatórios, mesmo de culturas distin-tas, de nascimento ou de passagem, já está colocada uma certa ética docuidado. Isto é, uma disposição do mundo humano em receber seus novosmembros, inserindo-os, emprestando sentidos, atribuindo significaçõessobre as experiências, possibilitando experiências de integração.

Este outro pode ser amplo, tal como obras de arte e literárias. Sobreisso assinala na seguinte passagem: “tal capacidade de transformação, comoé evidente nas obras de arte e literárias, corresponde à capacidade de so-nhar. Nossas vidas podem se enriquecer a partir do contato com estes obje-tos de continência, que sonham por nós e nos ensinam a sonhar os conteú-dos das fantasias inconscientes que, para dentro deles, projetamos” (p.137). Assim, a contenção e a transformação estão em causa no cuidado.

Uma das especificidades do cuidado na psicanálise se destina à funçãode oferecer ao sujeito uma experiência de integração nas modalidades decuidado – acolhimento, reconhecimento, interpelação. Para isso, é necessá-rio um funcionamento dentro de um movimento de presença implicada epresença reservada, no qual estão incluídas a diferença e a alteridade. Deacordo com Figueiredo, “os exageros de presença implicada, contudo, pro-movem experiências de loucura precoce e, a partir das defesas que preci-sam então ser construídas, comportam modos de aprisionamento psíquico,de imobilidade e de incapacitação” (p. 140).

Figueiredo aponta para uma especificidade de cuidado, o ‘cuidado si-lencioso’. Esse consiste na capacidade de prestar atenção e reconhecer oobjeto dos cuidados no que ele próprio tem de singular, dando disso teste-munho e, se possível, levando de volta ao sujeito sua própria imagem. “O

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resenha.

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agenda.

agenda

agosto. 2010

dia hora atividade05, 12, 19 e 26 19h30min Reunião da Comissão de Eventos05 21h Reunião da Mesa Diretiva06, 13, 20 e 27 14h Reunião da Comissão da Revista

06 e 20 8h30min Reunião da Comissão de Aperiódicos20 19h30min Reunião da Comissão da Biblioteca20 21h Reunião da Mesa Diretiva aberta aos

Membros

próximo número

jornada do percurso (II)

09 e 23 20h30min Reunião da Comissão do Correio

outro cuidador deve ser também uma fonte de questões e enigmas”, em queinterpela o outro, como por exemplo, a função de nomeação. “Ambas asfunções – chamar à vida, chamar às falas e chamar à ordem – são tão neces-sárias aos processos de constituição psíquica e narcísica quanto às funçõesde acolhimento e do reconhecimento vistas anteriormente” (p. 139). Acercadessa função do cuidado, o texto de Heloisa Seixas “O lugar escuro: umahistória de senilidade e loucura” (RJ: Objetiva, 2007), que relata, num cará-ter autobiográfico, a relação da autora com a doença de Alzheimer que aco-mete sua mãe, é merecedor de uma leitura cuidadosa.

Figueiredo observa, então. que no contexto cultural de nossa época seapresenta uma crise nas funções do cuidar, tanto na família, quanto nasinstituições. O que se presencia é a predominância de cuidados mecânicose estereotipados. Por isso, o estudo deste tema sugere caminhos de reflexãoimportantes a todos aqueles que se dedicam, de formas distintas, à funçãodo cuidado, pois os excessos desta posição levam, facilmente, ao seu aves-so. Assim, a direção ética deve ser ressituada continuamente para não per-der seu horizonte, ou seja, é somente na dimensão da alteridade que sepode conter o que, precipitadamente, pode ultrapassar a todos nós –cuidadores e cuidados.

Iza Maria Abadi de Oliveira

eventos do ano

2010

data local evento6 e 7/11 Plaza São Rafael Jornada Clínica - O Ato Psicanalítico

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NORMAS EDITORIAIS DO CORREIO DA APPOA

O Correio da APPOA é uma publicação mensal, o que pressupõe um trabalhode seleção temática – orientado tanto pelos eventos promovidos pela Associação,como pelas questões que constantemente se apresentam na clínica –, bem como deobtenção dos textos a serem publicados, além da tarefa de programação editorial.

Tem sido nosso objetivo apresentar a cada mês um Correio mais elaborado,quer seja pela apresentação de textos que proporcionem uma leitura interessantee possibilitem uma interlocução; quer pela preocupação com os aspectos editori-ais, como a remessa no início do mês e a composição visual.

Frente à necessidade de uma programação editorial, solicitamos que sejamrespeitadas as seguintes normas:1) Os textos para publicação na Seção Temática, Seção Debates, Seção Ensaio eResenha deverão ser enviados por e-mail para a secretaria da APPOA;2) A formatação dos textos deverá obedecer às seguintes medidas:- Fonte tamanho 12;- O texto deve conter, em média, 12000 caracteres com espaço;- Notas de rodapé em fonte tamanho 10;3) As notas deverão ser incluídas sempre como notas de rodapé.4) As referências bibliográficas deverão informar o(s) autor(es), título da obra,autor(es) e título do capítulo (se for o caso), cidade, editora, ano, volume (se for ocaso);5) As aspas serão utilizadas para identificar citações diretas;6) Citações diretas com mais de 3 linhas devem vir separadas do corpo do texto,com recuo de 4 cm em relação à margem, utilizando fonte tamanho 10;7) O itálico deverá ser utilizado para expressões que se queira grifar, para pala-vras estrangeiras que não sejam de uso corrente ou títulos de livros;8) Não utilizar negrito (bold) ou sublinhado (underline);9) A data máxima de entrega de matéria (textos ou notícias) é o dia 05, parapublicação no mês seguinte;10) O autor, não associado a APPOA, deverá informar em uma linha como deveser apresentado. A Comissão do Correio se reserva o direito de sugerir alteraçõesao(s) autor(es) e de efetuar as correções gramaticais que forem necessárias para aclareza do texto, bem como se responsabilizará pela revisão das provas gráficas;11) A inclusão de matérias está sujeita à apreciação da Comissão do Correio e àdisponibilidade de espaço para publicação;12) A Comissão do Correio se reserva o direito de sugerir alterações ao(s) autor(es)e de efetuar as correções gramaticais que forem necessárias para a clareza dotexto, bem como se responsabilizará pela revisão das provas gráficas.

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