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EDITORIAL

foto fogos castelo

Em diferentes momentos, desde a sua criação, a Fiocruzacolheu pesquisadores que dedicaram parte de seutempo e conhecimento para escrever manuais, livros eoutras publicações que ajudaram a formar profissionais

na área de saúde pública em todo o Brasil.

Entre esses escritores, um destaque merecido deve serdado a Luís Rey. Difícil encontrar alguém da área de saúde quenunca recorreu a um dicionário com a marca Rey na capa paraampliar seus conhecimentos ou tirar alguma dúvida. PorqueRey é sinônimo de qualidade. Hoje, às vésperas de completar90 anos, ele continua em plena atividade e se prepara paralançar a quarta edição de seu famoso livro Parasitologia. Então,nada mais justo que este número da Revista de Manguinhostenha incluído no seu conteúdo um perfil biográfico de Rey,que, além de escritor, construiu sólida carreira de cientista.

Outro destaque é o artigo que trata da contribuição depesquisadores da Fiocruz para um assunto que cada vez maisganha espaço na agenda dos países: a relação entre mudançasclimáticas e saúde. A Fundação, que tem um representante nocomitê de saúde do Painel Intergovernamental sobre MudançaClimática, propõe uma nova metodologia para medir avulnerabilidade das populações a doenças, aspectossocioeconômicos e oscilações do clima.

De Manguinhos também sairão lotes da vacina contrameningite AC para beneficiar sete países africanos, emuma parceria internacional com o governo cubano apoiada pelaOrganização Mundial de Saúde.

E esta edição da Revista de Manguinhos traz, ainda, outras provas da capacidade de atuação da Fundação na lutapor melhores condições de saúde, como você verá.

Boa leitura!

Paulo Marchiori BussPresidente da Fiocruz

Parte do conjunto arquitetônico histórico daFiocruz, o Pombal foi construído a partir de 1904

para abrigar o biotério para pequenos animais

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Pesquisa18

Perfil

Imunizantes14

6 Notas

Um nomeenciclopédicoEnsaio biográfico sobre Luís Rey

8

PresidentePaulo Marchiori Buss

Vice-Presidente de Serviçosde Referência e AmbienteAry Carvalho de Miranda

Vice-Presidente deDesenvolvimento Institucionale Gestão do TrabalhoPaulo Gadelha

Vice-Presidente de Ensino,Informação ComunicaçãoMaria do Carmo Leal

Vice-Presidente de Pesquisa eDesenvolvimento TecnológicoReinaldo Guimarães

Chefe de GabineteArlindo Fábio Gómez de Sousa

Coordenadoria de ComunicaçãoSocial/Presidência

REVISTA DE MANGUINHOSNº 11 - ABRIL/2007

Coordenação: Christina Tavares

Edição: Wagner de Oliveira

Redação e reportagem:Adriana Melo, Catarina Chagas,Fernanda Marques, Ricardo Valverdee Wagner de Oliveira

Colaboradores: Renata Fontoura

Projeto gráfico e edição de arte:Guto Mesquita e Rita Alcantara

Fotografia: Ana Limp

Estagiários:Igor Cruz e Rodrigo Carvalho

Administração: Beatriz Ayres

Apoio administrativo/Eventos:Assis Santos

Secretaria: Inês Campos

Mensageiro: Daniel Lima dos Santos

O que você achou desta ediçãoda Revista de Manguinhos?Mande seus comentários para:

Av. Brasil, 4365 - Manguinhos -Rio de Janeiro - CEP: 21045-900

e-mail: [email protected]: (21) 2270-5343

ÍNDICE

Vacinas paraa ÁfricaBrasileiros e cubanos produzirãovacina contra a meningite AC

As relações entreclima e saúdeNovo índice avaliavulnerabilidade social,climática e epidemiológica

17 Imunobiológicos

Novo teste para o rotavírus

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Educação

Gestão

A avenida quecorta a FiocruzTese conta a história daAvenida Brasil

Fio da História40

28

Prevenção24

34

CAPA:Arte de RodrigoCarvalho a partirdo quadro Osretirantes, dePortinari

A informaçãocomo tratamentoHospital dissemina conhecimentopara prevenir doenças

Inclusão pelaculturaJovens de áreas carentes virammonitores de museu

Sanitarista comDNA deManguinhosJosé Gomes Temporão assumeMinistério da Saúde

38 Resenhas

Os lançamentos daEditora Fiocruz

42 Artigo

Giovanni Berlinguer,uma vida dedicadaà saúde pública

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NOTAS

Saúde na línguaportuguesa

A Fiocruz foi convidada para parti-cipar da Comunidade dos Países deLíngua Portuguesa (CPLP) como obser-vadora consultiva em saúde. O cargoé concedido a instituições de renomedos países lusófonos. A idéia é que aFundação participe de um esforço co-ordenado para criar um plano estraté-gico que abranja todas as áreas nasquais os países membros – Brasil, Por-tugal, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Prín-cipe e Timor Leste – têm deficiências,principalmente na formação de recur-sos humanos em saúde.

O vice-ministro da Saúde da Repú-blica Dominicana, Guilhermo Serra, es-teve no Brasil para, ao lado do secretá-rio-executivo do Ministério da Saúdebrasileiro, Arionaldo Bonfim Rosendo,conhecer o trabalho da Rede Brasileirados Bancos de Leite Humano (RedeBLH). Eles assinaram um termo de coo-peração técnica internacional para aimplementação de um banco de leitehumano em São Domingos, capital

BiossurfactantesO que têm em comum o tucumã,

fruta da região amazônica; o barbeiro,inseto transmissor da doença de Cha-gas; e o solo contaminado por derra-mamento de petróleo? Os três podemser fonte de microrganismos produtoresde biossurfactantes, substâncias capa-zes de diminuir a tensão na superfíciede líquidos e formar emulsões. Equipedo Centro de Pesquisa Leônidas e Ma-ria Deane (CPqLMD), unidade daFiocruz em Manaus, isolou dessas amos-tras 116 fungos filamentos, leveduras ebactérias. Entre esses microrganismos,15 apresentaram a capacidade de pro-duzir biossurfactantes.

Os melhores produtores de biossur-factantes identificados no estudo foramleveduras dos gêneros Candida eTrichosporon, o que chamou a aten-ção dos cientistas. “Nenhuma espéciedo gênero Trichosporon era descrita naliteratura científica como produtora debiossurfactante”, diz a coordenadorada pesquisa, Ani Beatriz JackischMatsuura. “Temos, então, um novobiossurfactante, que precisa, ainda, devários estudos para determinarmos todaa sua potencialidade”, anuncia Ani. Osdesdobramentos futuros dessa pesqui-sa podem gerar uma patente.

Os biossurfactantes eram produzi-dos, sobretudo, por microrganismos iso-lados do solo contaminado por petró-leo. Esse dado não causa surpresa, vis-to que uma das aplicações conhecidasdos biossurfactantes é justamente nabiorremediação de áreas atingidas porderramamento acidental de petróleo.“Como os microrganismos que produ-zem biossurfactantes têm a capacida-de de utilizar o óleo para sua nutrição,a tendência era que eles estivessemmesmo em maior número no solo ex-posto ao petróleo”, explica Ani. Outraaplicação dos biossurfactantes é na for-mulação de cosméticos, o que inclui adissolução de pigmentos e compostosbiologicamente ativos.

Parceria contra a AidsA Fiocruz firmará parceria com o

Laboratório Farmacêutico do Estado dePernambuco (Lafepe) para a produçãode um medicamento de segunda ge-ração destinado ao combate ao HIV: oEfavirenz. Liberado para ser consumi-do, com outros remédios, contra o ví-rus da Aids em 1998, o produto deveser fabricado pelo Instituto de Tecnolo-gia em Fármacos (Farmanguinhos) daFiocruz, no Rio de Janeiro, e pelo labo-ratório pernambucano a partir de julhode 2008. Até lá as equipes das duasunidades trabalharão no projeto depesquisa para desenvolver o medica-mento. O estudo custará R$ 1,1 milhãoaos cofres públicos.

Banco de leite na República Dominicanadominicana. Com duração de um ano,custo de US$ 43 mil e objetivo de redu-zir a mortalidade infantil no país, o pro-jeto começará a ser desenvolvido a par-tir da segunda quinzena de abril, quan-do uma delegação do Centro de Refe-rência Nacional da Rede viajará a SãoDomingos para avaliar o espaço físico eos recursos humanos do local.

De acordo com o coordenador daRede Brasileira de Bancos de Leite Hu-mano, João Aprígio Guerra, o termode cooperação faz com que o Brasil –país responsável pela implantação datecnologia e qualidade em BLH naAmérica Latina e Caribe – auxilie osprofissionais estrangeiros na elabora-ção, implementação, treinamento ecapacitação do projeto de BLH, alémda compra de equipamentos. O termoirá ainda vincular o futuro banco de leiteao sistema de informação da rede eimplantar o sistema de informatizaçãoatravés da Rede BLH-web/Datasus.Com experiência de 20 anos na área,o Brasil vem exportando o modelo. OBanco de Leite Humano do InstitutoFernandes Figueira (IFF) – unidadematerno-infantil da Fiocruz – que en-cabeça a rede, já aplicou o sistema emCuba, Uruguai e Venezuela e desper-ta interesse na Europa.

Banco de leite brasileiro: modelo copiado

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Pesquisadores do Instituto OswaldoCruz acabam de patentear mais umaalternativa na guerra contra o mosquitodo dengue. Trata-se de um biocida – fei-to unicamente a partir de uma substân-cia de planta nativa brasileira – que, aoser colocado em reservatório de água,mata 100% das larvas do inseto lá pre-sentes, sem causar danos a qualqueroutra forma de vida. O trabalho foi de-senvolvido pelos biólogos Marise Malecke Anthony Érico Guimarães.

A principal vantagem do novo pro-duto, em relação aos já existentes, é ofato de ser resultado de um produtonatural de planta da Mata Atlântica,que apresenta toxicidade praticamen-te nula. Até aqui, os larvicidas utiliza-dos apresentavam toxicidade (aindaque baixa) tanto para humanos quan-to para outras espécies dependentesda água onde foram aplicados. Issoocorre por serem eles ou químicos, oubiológicos (feitos com bactérias).

Uma parceria firmada entre a Es-cola Nacional de Saúde Pública Ser-gio Arouca (Ensp), a Fiotec e a Funda-ção Ataulpho de Paiva (FAP) receberáinvestimentos, pelos próximos cincoanos, de US$ 27 milhões provenientesdo Fundo Global de Luta contra a Aids,Tuberculose e Malária, para desenvol-ver um projeto que prevê a ampliaçãode ações de controle da tuberculose ea expansão da estratégia de tratamen-to da doença no Brasil, principalmen-te daquelas que visam reduzir a cargada doença nas 11 regiões metropoli-tanas mais afetadas do país. O acordofoi firmado após quase dois anos emeio de negociação.

Causas dos sintomasda malária

Os sintomas característicos da ma-lária, como calafrios, febres e infecções,podem ser resultados dos caprichos exa-gerados do sistema imune do organis-mo humano. Esta é pelo menos umadas principais conclusões da pesquisa de-senvolvida por Ricardo Gazzinelli, doCentro de Pesquisa René Rachou(CPqRR), unidade da Fiocruz em MinasGerais, em parceria com pesquisadoresda Universidade Federal de Minas Ge-rais (UFMG) e da Universidade deMassachussetts, nos Estados Unidos.

O trabalho, coordenado pelo pes-quisador americano Douglas Golenbo-ck e publicado na edição de fevereiroda revista Proceedings of the NationalAcademy of Sciences (PNAS), teve oobjetivo de identificar quais são os re-ceptores do sistema imunológico do serhumano responsáveis por avisar ao or-ganismo de que ele foi invadido porum protozoário causador da malária etambém determi-nar exatamentequal parte do para-sita é detectadapelo sistema.

Durante os es-tudos, o grupo des-cobriu que há umadesregulação nesse“alarme”, desenca-deando de formaexacerbada algunsdos sintomas típicosda malária. “Acre-ditamos que os sin-tomas mais comunsda malária estejamrelacionados à ati-vação excessiva dosreceptores tipo Toll,que ficam nas célu-las mielóides (macró-fagos e célulasdendríticas) do siste-ma imune e, porisso, nossa pesquisaestá focada no pa-pel deles no proces-so da malária”, ex-plica Gazzinelli.

Fiocruz gerenciafundo global contraa tuberculose

Marise e Anthony: nova arma contra oAedes aegypti

Biocida para combater o dengue

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PERFIL

Fernanda Marques

Luís Rey: uma vida nada monótona uma vida nada monótona

Luís Rey:

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eus livros, como Parasi-tologia e Bases da parasi-tologia médica, usadosna formação de incon-táveis profissionais, so-

mados às aulas, conferências e orien-tações feitas nos quatro cantos do Bra-sil e do mundo, fazem de Luís Rey umprofessor recordista em número de alu-nos. Ele não pára: com quase 90 anos,o pesquisador emérito da Fiocruz tra-balha na quarta edição de Parasi-tologia. A dedicatória – uma poesiapara a esposa – já está pronta.

O segredo de tanta disposição?“Uma vida nada monótona”, resumeRey, que conta suas aventuras no livroUm médico e dois exílios. Uma bancade concurso, um seminário, um curso: elesempre tem algum compromisso. Plane-ja tirar férias, mas só depois de participarde um congresso de medicina tropical.

No Instituto Oswaldo Cruz (IOC) daFiocruz, Rey chefiou, até 2005, o Labo-ratório de Biologia e Controle da Esquis-tossomose. Com alegria, entregou o car-go a uma cria sua, o pesquisador PauloD’Andrea. “A minha satisfação é cons-tatar que os mais jovens são competen-tes e tocam o trabalho adiante”, expli-ca Rey, que hoje se dedica, sobretudo,aos livros e trabalha mais em casa.

Mas ele não se afastou da Fiocruz.Acompanha a produção dos colegas, con-tribuindo com críticas e sugestões. A recí-proca também é verdadeira: os livros deRey são avaliados por especialistas daFiocruz e de outras instituições, que opi-nam sobre o conteúdo e indicam ajustes.

Vencedora do Prêmio Jabuti 2000, aprimeira edição do Dicionário de termostécnicos de medicina e saúde custou seis

S

anos de trabalho e contou com a colabo-ração de mais de 100 especialistas. Paraescrevê-lo, Rey estudou todos os livros hojeadotados nos cursos de medicina do país,bem como outros documentos consen-suais. A partir da leitura, identificou ostermos técnicos essenciais, inclusive osmais polêmicos, como fome e aborto, eformulou definições concisas, porémcompletas e articuladas. “Fiz um dicio-nário como eu gostaria de encontrar naslivrarias e não existia”, garante.

A qualidade do dicionário é atesta-da pelo chefe do Departamento de Me-dicina Tropical do IOC, José RodriguesCoura. “Rey vai ficar marcado por seudicionário, livro dos mais consultados.Trata-se de uma obra social – todo mun-do que tem dúvidas em parasitologia,helmintologia e saúde em geral recor-re a esse dicionário. Além disso, muitagente não sabe, mas Rey também foi

No escritório de seu apartamento, Rey finaliza a quarta edição do livro Parasitologia

o fundador da revista do Instituto deMedicina Tropical de São Paulo, que éhoje uma publicação importante. Ele éum comunicador, sem dúvida”, define.

Além de seus famosos livros, Reyproduziu mais de 40 relatórios para or-ganismos internacionais e governos epublicou mais de cem artigos comple-tos em periódicos e resumos em anaisde congressos, entre tantos outros tra-balhos. “O Rey teve uma formação ex-celente. Ele é oriundo do melhor grupoque o Brasil tinha, o grupo do SamuelPessoa, da USP, que rendeu um nú-mero de pesquisadores famosos nopaís. Foi uma reprodução de líderes.Pessoa era um grande formador e tal-vez Rey seja seu substituto mais visí-vel, na medida em que o livro de para-sitologia do Rey substituiu o do Pes-soa”, diz Coura, responsável pela vin-da de Rey para a Fiocruz.

Biblioteca Rey: livros que são famosos pela qualidade da informação

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São Paulo, Gurupá, Paris

O pai espanhol e a mãe italiana,imigrantes em São Paulo, esforçaram-se para educar Rey e as duas irmãs.Quando o rapaz entrou na Faculdadede Medicina da Universidade de SãoPaulo (USP), ganhou do pai um mi-croscópio. Ao concluir o curso, em1944, foi presenteado com um con-sultório, que ele usou bem menos doque o microscópio. Afinal, clinicar nacapital paulista era pouco para um jo-vem que queria transformar o mundo.

No consultório, diante dos pacien-tes – idosos, em sua maioria, e comdoença avançada –, o cardiologista sesentia impotente. “Eu prolongava aagonia deles. Não morreriam esta se-mana, mas nas próximas”, conta Rey.“Eu pensava nas crianças que morremneste país, mortes que poderiam serevitadas”, lembra.

Em conversa com o professorSamuel Pessoa, nasceu a idéia de tra-balhar na Amazônia, no Serviço Espe-cial de Saúde Pública (Sesp). Criado emconjunto com os Estados Unidos, quequeriam a borracha, durante a Segun-da Guerra Mundial, o Sesp já estavasob controle apenas brasileiro quandoRey aterrissou em Belém, em 1946.

O médico foi para Gurupá, vilarejode apenas duas ruas. Morava no pos-

to de saúde e contava com um barco,para atendimentos em outras localida-des. “A Amazônia foi uma aventura.Viajar de embarcação por aqueles fu-ros e paranás, no meio da floresta, eracomo ouvir música e sonhar”, recor-da-se. Mas ele não tardou a descobrirque a prática da medicina ali tinha suasdificuldades.

Em Gurupá, o chiar das árvoresanunciava uma queda de temperatura.Certa vez, embora a floresta estivessesilenciosa, Rey sentiu frio: tinha febre.Confirmado o diagnóstico de malária,tratou-se e nunca mais contraiu a doen-ça. Mas seus pacientes não tinham amesma sorte. “Eu tratava os doentes eas condições de vida deles continuavamas mesmas. Então, contraíam as doen-ças repetidas vezes”, lamenta.

Emocionado, Rey conta a históriade um menino que chegou ao postode saúde eliminando vermes pelaboca, nariz e ânus, mas foi curado.Algum tempo depois, a criança voltouem estado grave. Como Rey não esta-va – tinha saído para atendimentos emoutros vilarejos –, o menino morreu.“A sensação era de inutilidade. Eu fa-zia caridade, não medicina. Era neces-sário modificar as condições epide-miológicas”, avalia.

Rey decidiu retornar à USP e estu-dar saúde pública. O Sesp lhe deu apassagem área Belém-São Paulo, maso médico desceu em Fortaleza e fez oresto do trajeto de ônibus, trem, barcoe até na boléia de caminhão. “Sair doasfalto e ir viver dentro da floresta teveum impacto imenso sobre mim. Eu pre-cisava conhecer o meu país”, justifica.

Rey ao microscópio, em aula práticana Faculdade de Medicina da USP

Nessa aventura, atravessou o sertão deCanudos a Salvador e subiu o rio SãoFrancisco de Petrolina a Pirapora.

Já de volta à USP, constatou queos professores sugeriam soluções quenão serviam a nenhum dos lugares poronde ele andara. Candidatou-se, en-tão, a uma bolsa do governo francês.Em Paris, provavelmente, os professo-res também desconheceriam a reali-dade brasileira. No entanto, havia aesperança de aprender sobre a orga-nização de serviços de saúde, além dodesejo de conhecer a Europa.

Rey acompanha a construçãodo Hospital das Clínicas

Com o avô e as irmãs gêmeasCarmen e Eusébia

Fotos: Arquivo Pessoal

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Militante do PC

Rey chegara da Amazônia emmarço de 1948 e em outubro daque-le ano já ia partir de novo, rumo àÉcole National de Santé Publique. Ospais respeitaram a decisão. “Eles sa-biam que eu tinha a cabeça no lu-gar. A única coisa que os preocupa-va um pouco era a minha ideologia”,conta Rey, membro do Partido Co-munista Brasileiro (PCB) por 12 anos.

Para explicar o início de sua mili-tância no PCB, Rey comenta o desfe-cho da Segunda Guerra Mundial.“Americanos e ingleses entraram noconflito quando ele já estava quasedefinido. Eles queriam tomar conta domercado mundial e esperavam que ale-mães e russos se destruíssem recipro-camente. Na verdade, foram os sovié-ticos que decidiram a guerra, ao aca-barem com o exército alemão. O avan-ço russo foi a nossa felicidade”, diz. “Asituação mundial forçou, no Brasil, alegalização do PCB e a libertação deLuís Carlos Prestes, que falou em umgrande comício no Pacaembu”, lem-bra. Rey não só compareceu ao comí-cio como ajudou a organizá-lo. Logodepois ingressou na célula do partidoque atuava no Hospital das Clínicas daUSP. “Saí do PCB quando ele deixoude ser revolucionário”, explica.

Militante do PCB, Rey aproveitouParis ao máximo. Ao lado dos comu-nistas, desfilou da Bastilha à Concór-dia pedindo a paz no Vietnã. “Foi umdos pontos altos da minha vida”, des-taca ele, que viajava muito pela Euro-pa e tinha uma vida cultural intensa.

Em família

A viagem de ida para a França jáhavia sido uma festa: a bordo de umnavio durante mais de 15 dias, fezamizade com outros bolsistas brasilei-ros, como a geógrafa Dora Wanderley,pernambucana que morava no Rio deJaneiro, onde trabalhava na FundaçãoGetúlio Vargas. Rey e Dora tornaram-se grandes companheiros e já estavamnoivos quando retornaram ao Brasil.Casaram-se em uma cerimônia civil,em 1950. Hoje, moram em Ipanema,em meio a centenas de livros e objetosde decoração trazidos de diferentespartes do mundo.

O casamento só aconteceu quan-do Rey arrumou emprego. Foi traba-lhar na Divisão de Organização Sani-tária do Ministério da Educação e Saú-de, no Rio. Mas aquele não era o ser-

viço dos sonhos. Por isso, aceitou oconvite do professor Samuel Pessoalpara atuar, inicialmente, como profes-sor assistente substituto na cadeira deparasitologia da Faculdade de Medici-na da USP, onde, em 1961, foi apro-vado no concurso para livre-docente.

Na pesquisa, o foco deRey eram os inquéritosepidemiológicos: ia acampo conhecer os pro-blemas e compreendero porquê das doenças.Em 1958, estudantespediram que ele osacompanhasse em uminquérito no Mato Grosso,durante as férias. Batizadade Primeira Bandeira Cien-tífica da Faculdade deMedicina da USP, a ex-cursão foi um sucesso.

Em 1959, Rey –com toda a família nocarro – orientou os alunos emoutra bandeira científica, emPernambuco. Já em 1962, odestino foi o Rio Grande doSul. “Até a sogra ele levoupara o sul. Minha mãe, ascrianças e eu ficamos napraia de Torres enquantoeles faziam as pesqui-sas”, recorda Dora.

À esquerda, Rey e Dora, na fila para entrar no Louvre

Trabalho de campo no Mato Grosso,durante a primeira Bandeira Científica

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Os Atos Institucionais

Após o golpe militar de 1964, asbandeiras científicas foram considera-das subversivas. Rey, junto com outrosprofessores da USP, foi demitido peloAto Institucional n0 1. “Nossos cargoseram cobiçados e muita gente queriafazer média com os militares”, retru-ca. O processo foi parar na Justiça Mi-litar e o promotor solicitou a prisãopreventiva dos indiciados.

Rey, então, foi para Venezuela ehospedou-se na casa de um ex-aluno.Pouco depois, ele e a família segui-ram para o México, onde atuaria naEscuela de Ciencias Biológicas do Ins-tituto Politécnico Nacional. Rey chegoua organizar uma bandeira científicacom os alunos do México. “Teria fica-do o resto da vida, se não fossem oscolegas do Brasil insistindo para euretornar”, confessa.

Em 1968, regressou para a Facul-dade de Higiene e Saúde Pública daUSP, mas, no ano seguinte, foi nova-mente demitido, com base no AtoInstitucional n0 5. “O ministro da Justiçahavia sido reitor da USP e queria para sio controle da universidade. Nessa con-fusão, fui mandado embora de novo.Os alunos gostavam muito da gente,mas os reacionários não”, afirma.

O médico, então, prestava con-sultorias e dedicava-se ao livro de parasi-tologia, até que um colega também de-mitido da USP foi preso. Ao saber que apolícia também planejava pegá-lo, Reyfugiu para Paris, onde foi recebido por ou-tro ex-professor da universidade.

Rumo à OMS

Embora Rey já negociasse um pos-to na Organização Mundial de Saúde(OMS), chegou à Europa sem o con-trato fechado. A OMS precisava de umtécnico para o controle daesquistossomíase na Tunísia,onde as endemias constitu-íam obstáculos ao turismo.Rey foi à OMS em Genebrasaber de seu contrato. Os pa-péis estavam lá, mas acharamesquisito ele aparecer sem serchamado. “Banquei o turista. Dis-

se que estava de passagem e aprovei-tara para saber como ia a documenta-ção”, diverte-se. Só faltava uma en-trevista, feita na hora. Em 1970, Reyinstalou-se na Tunísia, com a família.

Contudo, assustou-se ao conhecera área endêmica naquele país. “Eu es-tava no deserto e a esquistossomíasedava nos oásis. Aquilo era totalmentenovo para mim”, desabafa. O tipo dadoença era outro – esquistossomíaseurinária – e a cultura também era dife-rente. Uma das preocupações do médi-co foi formar uma equipe só com gentedo local, entrosada com a comunidade.

O médico, cujo trabalho levou à eli-minação da endemia na Tunísia, deixouaquele país em 1974, mas voltava lá

anualmente, para avaliar o progra-ma. “A equipe local sabia o quefazer. Não apareceu nenhumnovo caso originário da região”,atesta Rey, que fez a última ava-liação na década de 90.

Rey tem, na ponta da lín-gua, a explicação de porque o êxito da Tunísia nãose repete no Brasil. “Na

Tunísia, havia o interesse do governocentral, um bom serviço de saúde emtodo o lugar e pessoal da comunidadetrabalhando. No Brasil, saúde não éprioridade, os serviços só funcionam nasede dos municípios e recrutar gentedo local é complicado. E isso sem con-tar que discordo do método diagnósti-co usado aqui”, enfatiza.

O trabalho que Rey desenvolveuna Tunísia foi muito importante, nãoresta dúvida. “Mas eu não diria queisso foi a coisa maior da vida do Rey.O conjunto de sua obra supera”, ga-rante Coura. “O conjunto da pessoa eda obra”, corrige. “O Rey é um pro-fessor completo, além de uma pessoade convivência excelente, sempre ale-gre e disposto a cooperar”, elogia.

Após a experiência na Tunísia, Reyassumiu um posto na Divisão de Ma-lária e Doenças Parasitárias da OMSem Genebra. Ao completar 60 anos,teve que se aposentar, por regra daorganização. Mas, como não paravade receber solicitações de assessoria,aposentou-se e foi logo contratadocomo consultor.

Na Arábia Saudita, como consultor da Organização Mundial da Saúde

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No período em que trabalhou naOMS em Genebra, Rey veio a serviçoao Brasil duas vezes e, sobretudo naprimeira, quando fez consultoria parao Programa Especial de Controle daEsquistossomíase (Pece), ainda encon-trou um clima de tensão no país. Aolongo de sua carreira, Rey participoude uma variedade de missões interna-cionais. “Sempre viajei muito. Onde nãofui a trabalho, fui como turista. Sãoraríssimos os países da Europa que nãovisitei. Conheço mais da metade daÁfrica. América Latina e Caribe, então,nem se fala”, resume. Depois de Ge-nebra, Rey e Dora moraram por poucomais de três anos em Moçambique,onde ele esteve à frente do InstitutoNacional de Saúde. “Rey é um pesqui-sador do mundo”, resume Coura.

Enfim, na Fiocruz

Nessa época, o Supremo TribunalFederal, após 15 anos de processo, jáhavia anulado a demissão de Rey daUSP, mas ele não voltou para a universi-dade. Seu próximo endereço profissio-nal seria a Fiocruz, inicialmente comochefe do Departamento de Helmin-tologia do IOC, na década de 80.

“Eu conhecia o Rey desde quandoele era do grupo do Pessoa, na USP.Depois, fui de um comitê de epide-miologia de doença de Chagas da OMSe, sistematicamente, visitava o Rey emGenebra. Quando vim para a Fiocruz,

a instituição precisava ser repovoada.Trouxemos boas cabeças para cá euma delas foi o Rey”, conta Coura.

Quando Sergio Arouca assumiu aPresidência da Fiocruz, chamou Rey paradirigir o Instituto Nacional de Controlede Qualidade em Saúde (INCQS). “Ves-ti a camisa, embora não fosse minhaespecialidade”, pondera. Para agilizaro trabalho, substituiu a datilografia porum computador central com terminaisna recepção e nos laboratórios, além deter investido – e muito – no treinamentoda equipe. “Em pouco tempo, o núme-ro de laudos mais do que dobrou”, or-gulha-se. Coura concorda que Rey fezum excelente trabalho. “Homem inter-nacional e pacífico, Rey conseguiu equi-librar o instituto. A vinda dele foi umaenorme sorte para a Fiocruz”, avalia.

Ao considerar sua missão cumpridano INCQS, manteve a chefia do Depar-tamento de Biologia do IOC, mas teriaque deixá-la, visto que a Constituiçãode 1988 determinara a aposentadoriacompulsória de funcionários públicoscom mais de 70 anos. Contudo, não esta-va nos seus planos sair da Fiocruz.

Continuou orientando jovens pesqui-sadores e participando de estudos – até1990, no Departamento de Biologia e,depois, no Departamento de MedicinaTropical. Neste funciona o Laboratóriode Biologia e Parasitologia de Mamífe-ros Silvestres Reservatórios, antigo La-boratório de Biologia e Controle daEsquistossomose, fundado por Rey.

Além de uma carreira profissional in-vejável, ao lado de Dora, Rey construiunumerosas amizades e uma bela família.São três filhos médicos (Heloísa em Brasília,Luís Carlos em Fortaleza e Clara no Rio) eoito netos – três no Rio, dois em São Pau-lo, dois na Venezuela e um na Suíça. Reye Dora ainda não têm bisnetos. “Foramoito netos homens. Agora poderia vir umabisnetinha”, derrete-se ele, que em mar-ço de 2008 completará nove décadas deuma vida nada monótona.

Rey exibe sua tese de doutorado,publicada em 1956

Rey posa ao lado do diploma dePesquisador Emérito da Fiocruz

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IMUNIZANTES

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Vacinas para a

Brasileiros e cubanos estãounidos no combate àmeningite meningocó-cica AC na África, ondea Organização Mundial

de Saúde (OMS) estima que 80 mil pes-soas sejam afetadas pela doença de2007 a 2008, com cerca de 10% decasos fatais. Para evitar uma epidemianos países do chamado Cinturão da Me-ningite, localizados na região dosubsaara, o Instituto de Tecnologia emImunobiológicos (Biomanguinhos) daFundação Oswaldo Cruz, e o InstitutoFinlay, de Cuba, assinaram um acordode cooperação, atendendo a um pedi-do emergencial da OMS.

O convênio prevê a transferên-cia de informações técnicas de Bio-manguinhos ao Instituto Finlay paraa produção dos polissacarídeos demeningite sorogrupos A e C queserão utilizados pelo primeiro paraproduzir o imunizante a partir destemês de março. A vacina seguirá parao continente africano, visando aten-der à grande demanda local, pois,segundo a OMS, atualmente há ape-nas um fornecedor, incapaz de su-prir toda a quantidade necessária.Para evitar uma epidemia, foi soli-citada a colaboração de Biomangui-nhos e do Instituto Finlay.

Serão produzidas mais de 20 mi-lhões de doses da vacina contra a

meningite meningocócica AC para operíodo 2007/2008. O produto serádistribuído, segundo orientações daOMS, a países como Burkina Faso,Chade, Costa do Marfim, Mali, Niger,Nigéria e Sudão, nos quais os índicesda doença são elevados. Há possibili-dade de uma demanda extra para for-necimento direto a esses países até ofim deste ano.

Apesar de dominar a tecnologia deprodução de vacinas polissacarídicascontra os meningococos A e C, Bio-manguinhos está reorganizando suasinstalações, o que inviabilizaria, nestemomento, a produção dos polissacarí-deos. Por isso, buscou-se uma coope-ração, já que a OMS também haviaprocurado o Instituto Finlay. A parce-ria entre Brasil e Cuba viabilizará aprodução em larga escala e a distri-buição de vacinas num curto espaçode tempo (até o fim deste ano) paracombater o risco de uma epidemia demeningite AC. “Este acordo nos alçaa um importante patamar tecnológicointernacional. Os dois países possuemcondições de ter este espaço no ce-nário mundial”, afirmou o diretor deBio, Akira Homma.

A diretora do Instituto Finlay,Concepción Campa Huergo, tambémlembrou as relações de longa dataentre Brasil e Cuba. “O projeto de com-bater o sofrimento na África é um so-

Áfricanho romântico que mais uma vez com-partilhamos juntos. É uma iniciativaimportante e inovadora, em que doispaíses do Cone Sul se unem para aten-der uma demanda emergencial daOMS em nome da saúde pública depaíses pobres da África”.

O secretário nacional de Ciência& Tecnologia e Insumos Estratégicosdo Ministério da Saúde, MoisésGoldbaum, destacou a importância doconvênio durante a assinatura: “O go-verno brasileiro tem empreendido es-forços para desenvolver a competên-cia científica e tecnológica nacional.Não se trata apenas de um intercâm-bio latino-americano, mas de um even-to marcante em que interesses políti-cos se sobrepõem aos econômicos”.

Alejandro Costa, responsável peloEstoque de Vacinas para Emergênci-as da OMS, apresentou um panora-ma da doença no sub-Saara, revelan-do nova tendência de crescimento.“Uma onda de meningite teria umgrande impacto político na região, poishaveria muitas mortes num curto pe-ríodo e falta de antibióticos para com-bater uma epidemia”. No menos piordos cenários traçados pela OMS, es-tima-se que 80 mil pessoas sejamafetadas entre 2007 e 2008, haven-do cerca de 10% de casos fatais. Aspiores previsões indicam o dobro donúmero de casos da doença.

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m pequeno passo no fimdo ano passado, para darum grande salto no ca-lendário de vacinaçãoinfantil em 2009: atender

à demanda pela vacina tríplice viral(sarampo, caxumba, rubéola) com umproduto nacional. Com esta missão, aequipe da tríplice viral do Instituto deTecnologia de Imunobiológicos (Bio-manguinhos) pisou definitivamente nasnovíssimas instalações do Centro deProdução de Antígenos Virais (CPAV),no final de 2006. Foi a primeira utili-zação dos laboratórios do novo prédio,operação conhecida como start up.

“Aguardávamos ansiosamente apossibilidade de voltarmos às operaçõesde produção. Com esta nova planta deantígenos virais, que contempla todosos requisitos das normas de Boas Práti-

cas de Fabricação, estaremos na van-guarda da produção de vacinas virais”,explicou Mariza Cristina Lima, gerentedo Departamento de Vacinas Virais(Devir) de Biomanguinhos.

O pontapé inicial será dado com atríplice viral — partindo do sarampo,seguido pela rubéola e por fim a ca-xumba. “Mas o CPAV de Biomangui-nhos está preparado para produzir ou-tras vacinas virais, como as de rotavíruse varicela, pois a planta foi planejadapara operação em campanha, o quelhe confere flexibilidade. O start up ésempre uma oportunidade para testaras áreas do prédio, agilizar a finaliza-ção dos serviços de suporte e detectarpossíveis falhas”, informa Mariza.

O CPAV sediará uma parte impor-tante da produção de vacinas e seustart up estava previsto inclusive como

Produção de vacina em casa novauma das metas do Programa de Pro-dutividade e Qualidade de Biomangui-nhos (Proqual). “Fizemos um grandeesforço: nosso grupo teve que se divi-dir entre dar continuidade ao trabalhode formulação da vacina tríplice viral,que está sendo realizado a partir doconcentrado importado, e começar autilizar o novo laboratório. Foi um de-safio, uma superação, e é muito grati-ficante termos conseguido”, comemo-ra Mariza. Segundo ela, a equipe nãose restringiu ao cumprimento da metae continuará o trabalho até a coletado vírus concentrado do sarampo.

Prevê-se a utilização completa doCPAV até o fim do primeiro semestredeste ano, quando a nova planta estarácom estrutura, equipamentos e utilida-des totalmente preparados e validados.

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Novo teste para diagnóstico do rotavírus

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IMUNOBIOLÓGICOS

m teste de diagnósticomais rápido, simples, ba-rato e com tecnologia na-cional é a nova arma nocombate ao rotavírus,

agente causador da doença diarréicaaguda responsável por cerca de 300 milinternações no Sistema Único de Saúde(SUS) e aproximadamente 850 óbitosanualmente no país, de acordo comdados do Ministério da Saúde. Desen-volvido no Instituto Oswaldo Cruz (IOC),o método de detecção dispensa refrige-ração, custa dez vezes menos e tem amesma eficiência dos utilizados hoje nopaís, todos importados.

“A técnica consiste na aplicaçãode um reagente específico, compostode microesferas de látex conjugadas aum anticorpo específico anti-rotavírus,em uma lâmina com amostra fecal dopaciente. Rapidamente, uma aglutina-ção visível indica a presença do micror-ganismo e confere resultado positivo aodiagnóstico da doença”, descreve o pes-quisador Waldemir Silveira, criador donovo teste. Waldemir desenvolveu ométodo durante o mestrado profissio-nal em tecnologia de imunobiológicos,desenvolvido em parceria por Bioman-guinhos e o Programa de Pós-gradua-ção em Biologia Celular e MolecularIOC. O estudo foi conduzido no Labo-ratório de Virologia Comparada do IOCsob orientação dos pesquisadores JoséPaulo Gagliardi Leite, chefe do Labora-tório, e Jussara Pereira do Nascimento,pesquisadora de Biomanguinhos.

Segundo ele, além das principaisvantagens – como a rapidez no resul-tado, o baixo custo e a facilidade notransporte –, o novo método apresenta

outros benefícios. “Ao contrário dosconcorrentes importados, o método foitestado para sorotipos circulantes noBrasil e isso é importante epidemiolo-gicamente. Outro aspecto relevante éque o resultado apresenta 99,9% deespecificidade, o que significa que apossibilidade do diagnóstico positivopara alguém que não tenha a doençaé praticamente nula”, comemora. Onovo teste vai auxiliar também no con-trole da qualidade da vacina contra ovírus, incluída no Programa Nacional deImunização em 2006. Assim, poderá im-pedir que pacientes com diarréia,vômito e febre, sintomas mais freqüen-tes apresentados em um quadro de ro-tavirose sejam tratados equivocadamen-te com antibióticos.

Casos como o da dona de casa Lí-lian Pereira, de 26 anos, que teve os doisfilhos infectados pelo vírus, representambem a importância da rotavirose comoproblema de saúde pública. “Minha fi-lha caçula, de 4 anos, foi a primeira aapresentar os sintomas. A febre era mui-ta alta e o médico precisou receitar umsoro porque ela estava desidratada emfunção da diarréia forte. Em seguida, meufilho mais velho, de 10 anos, tambémficou doente”, conta Lílian. “Os dois per-maneceram com os sintomas durante pelomenos uma semana”, complementa adona de casa.

A licença concedida pela Agên-cia Nacional de Vigilância Sanitáriapara a comercialização do novo kitde diagnóstico deverá sair nos próxi-mos meses, o que possibilitará suaprodução em larga escala. “A viabili-dade da produção em escala indus-trial já foi avaliada, tendo recebidoinvestimentos da Faperj, Finep, CNPqe iniciativa privada. A previsão é deque a produção seja iniciada em mar-ço deste ano pela empresa nacionalBiodevices”, prevê Waldemir.

Pela descoberta, Waldemir foi o ga-nhador da edição 2007 do Prêmio de In-centivo em Ciência e Tecnologia ofereci-do anualmente pelo Sistema Único deSaúde e pela Organização das NaçõesUnidas para a Educação, a Ciência e aCultura (Unesco). O pesquisador preten-de atrair parceiros para iniciar novos pro-jetos. “O rotavírus foi um ponto de parti-da, até pela disponibilidade de material.Agora pretendo continuar os estudos edesenvolver métodos semelhantes paradoenças como influenza e leishmanio-se”, antecipa o pesquisador.

Sobre a doençaEliminado em grande quantida-

de pelas fezes dos pacientes infecta-dos, o rotavírus é o agente etiológicocausador da rotavirose, doença que temcomo principais sintomas a diarréiaabundante com duração de três a oitodias, vômito e febre alta. Uma dascomplicações é a desidratação graveque, se não tratada de forma rápida eadequadamente, pode ser fatal.

A transmissão ocorre via fecal-oral ou pelo contato com secreções depessoas infectadas. A água e os ali-mentos contaminados também podemser fontes de transmissão do rotavírus,que atinge preferencialmente criançasmenores de 5 anos, mas tambémafeta adultos, com menor gravidade.

Evitar a automedicação e aumen-tar a ingestão de líquidos assim que adiarréia se inicie são medidas que po-dem ser adotadas para amenizar os

sintomas da doença. Para ajudar naprevenção, alguns cuidados com a hi-giene são importantes: lavar as mãosantes de preparar os alimentos; antesdas refeições; antes e após manipularfraldas com material fecal; e antes eapós usar o banheiro.

A vacina contra o rotavírus faz par-te do Calendário Nacional de Vacinaçãoe é oferecida para crianças menores deseis meses em todos os postos de vaci-nação do país desde março de 2006.

Rotavírus: diagnóstico a baixo custo

Arquivo IOC / Fiocruz

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PESQUISA

Novo índice avalia relaçõesentre clima e saúdeCatarina Chagas e Fernanda Marques

Uma nova metodologia cri-ada pela Fiocruz será co-nhecida internacional-mente. O método – pro-posto para medir a vulne-

rabilidade das populações a doenças,aspectos socioeconômicos e oscilaçõesdo clima – será apresentado em junhoem congresso organizado pelo PainelIntergovernamental Sobre MudançasClimáticas (IPCC, na sigla em inglês),em Fiji. Encomendado pelo Ministérioda Ciência e Tecnologia (MCT), o pro-jeto comparou, inicialmente, as situaçõesdos estados brasileiros. Pelo Índice deVulnerabilidade Geral (IVG), a melhor foia do Rio Grande do Sul, enquanto, nooutro extremo, ficou Alagoas.

O trabalho, conduzido pelo Progra-ma de Mudanças Ambientais Globais eSaúde da Escola Nacional de Saúde Pú-blica Sergio Arouca e coordenado pelopesquisador Ulisses Confalonieri, inovouao unificar diferentes indicadores em um

mesmo cálculo: o IVG é a média de trêsoutros índices – epidemiológico, socio-econômico e climatológico – tambémselecionados pelo grupo da Fiocruz. Apóstestarem diversos procedimentos esta-tísticos, os pesquisadores optaram porconstruir um índice seguindo meto-dologia inspirada no Índice de Desen-volvimento Humano (IDH), instituídopelo Programa das Nações Unidas parao Desenvolvimento (Pnud).

Indicadores relacionados a seteendemias compõem o Índice deVulnerabilidade Epidemiológica (IVE),que leva em conta não só a incidênciadas mesmas, mas também seus custoshospitalares, gravidade dos casos e astecnologias disponíveis para seu con-trole, entre outros aspectos. Dengue,malária, hantavirose, cólera, leptos-pirose e leishmanioses visceral etegumentar americana foram escolhi-das por serem reconhecidas na litera-tura como doenças que podem ter al-

teração na sua dinâmica em função defatores socioeconômicos e climáticos.

Por sua vez, o Índice de Vulnera-bilidade Socioeconômica (IVSE) considerafatores como densidade demográfica,grau de urbanização, renda, escolarida-de, saneamento básico, mortalidade in-fantil e expectativa de vida. O terceiro eúltimo índice, de Vulnerabilidade Clima-tológica (IVC), inclui apenas dadospluviométricos coletados entre 1961 e2002. A análise de um período de 41anos se justifica porque o objetivo dospesquisadores era identificar os eventosextremos, ou seja, valores muito acimaou muito abaixo da precipitação padrãono estado, o que não significa, necessa-riamente, inundações ou secas, mas pe-ríodos atípicos ao padrão.

Em cada índice, a vulnerabilidadedas populações é classificada em umaescala de zero a um, onde um represen-ta situação de maior vulnerabilidade re-lativa entre os estados para doenças e

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desequilíbrios socioeconômicos e ambi-entais. No ranking dos estados brasilei-ros, foi significativa a diferença entre oIVG do primeiro e último lugares (0,13 e0,64, respectivamente). O melhor colo-cado, Rio Grande do Sul, foi seguido deperto por Mato Grosso do Sul (0,14). Osdemais estados da Região Sul, bem comoGoiás, também se mostraram entre osmenos vulneráveis do país. No outro ex-tremo, os estados mais vulneráveis foram,pela ordem, Alagoas, seguido da Bahia(0,46) e de Pernambuco (0,44).

Após a conclusão do estudo inicial,método e resultados foram apresentadosem seminário no MCT. Na ocasião, os nú-meros geraram preocupação nos represen-tantes alagoanos, porém a assistente soci-al Diana Marinho, uma das responsáveispelo projeto, ressaltou a importância dacorreta interpretação dos resultados e a ne-cessidade de discussões locais para avaliaros problemas apontados pelo IVG. “O índi-ce climatológico, por exemplo, foi constru-

ído apenas com dados pluviométricos, maspode ser enriquecido com outros números,relativos, por exemplo, a variações de umi-dade e temperatura”, avalia.

Outra limitação apontada pela pesqui-sadora está relacionada ao erro de agrega-ção. Essa imprecisão decorre do fato deque as diferenças regionais dentro de ummesmo estado foram desprezadas no cál-culo inicial. Assim, unindo-se áreas mais emenos vulneráveis em um mesmo índice,obtém-se uma média que não correspondeà realidade exata do município, mas à rea-lidade do estado como um todo.

Na tentativa de minimizar esseerro, o grupo realizou estudo com uni-dades geográficas menores: em vez deanalisar estados, o trabalho avalioumunicípios. No projeto piloto, foramselecionadas as cidades de Belém, Riode Janeiro, Blumenau, Itajaí e Recife,que enfrentam problemas relaciona-dos ao avanço do mar ou à enchentede rios. A dificuldade encontrada na

análise foi a ausência de dados espe-cíficos para cada município.

Embora muitos dados já estivessemdisponíveis para consulta na internet, emalguns casos foi necessária uma visita aoestado para coleta de informaçõescomplementares. Nas idas a campo,Diana conversou, por exemplo, com re-presentantes da Defesa Civil local paracompreender melhor a dinâmica doseventos climáticos extremos. “Em mui-tos casos, o registro das conseqüênciasdas inundações e secas é insuficiente. NoNordeste, muitas crianças morrem de des-nutrição em decorrência da seca, masnão se relacionam essas mortes à ausên-cia de chuva”, justifica.

Aquecimento global: efeitos

A pesquisadora adverte, contudo,que pode ser perigoso estabelecer corre-lações diretas entre eventos climáticos esaúde da população. Diana se mostra es-pecialmente cautelosa em relação aos

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recentes alardes sobre os efeitos do aque-cimento global. Não se trata de subesti-mar esses perigos. Ocorre que a relaçãoentre o aumento da temperatura do pla-neta e crescimento da incidência de do-enças obedece a uma dinâmica maiscomplexa do que a maioria imagina. “Tu-do deve ser analisado caso a caso. Nãose pode garantir que o aquecimento sim-plesmente vai aumentar o número depessoas infectadas pela malária ou peladengue. Uma possibilidade é que o mos-quito transmissor da malária não sobrevi-va na Amazônia se ela ficar ainda maisquente. Por outro lado, se a Região Suldeixar de ser tão fria, pode se tornar umlocal ideal para a proliferação do mos-quito do dengue”, exemplifica.

Apesar dessa complexidade ecológi-ca, o IVG é um primeiro passo para avaliarcomo se relacionam mudanças climáticase saúde. Por isso, organizações ligadas aomeio ambiente, como o Greenpeace, jásolicitaram o relatório final do projeto.Como o método da Fiocruz permite acres-centar novos dados e mudar a populaçãobase do estudo, pode ser aplicado a avali-ações em qualquer lugar do mundo.

Voz brasileira no debate sobremudanças climáticas e saúde

Primeira iniciativa nosentido de quantificar asrelações entre mudançasclimáticas, doenças e in-dicadores socioeconô-micos, o Índice de Vulne-rabilidade Geral (IVG) foifruto de um trabalho diri-gido pelo médico UlissesConfalonieri. Pesquisadorda Escola Nacional deSaúde Pública (Ensp) daFiocruz, ele participa doPainel Intergovernamental de Mudan-ça Climática (IPCC, na sigla em in-glês), estabelecido pela OrganizaçãoMeteorológica Mundial e outras agên-cias das Nações Unidas.

O IPPC começou a divulgar seu novorelatório de avaliação em fevereiro, quan-do o Grupo de Trabalho I, sobre as BasesFísicas da Mudança Climática, apresen-tou um resumo de suas conclusões. Em

abril, foi divulgado um do-cumento produzido peloGrupo de Trabalho II, sobreImpactos, Adaptação eVulnerabilidade, no qualConfalonieri é co-coordena-dor do comitê de saúde.

O relatório do GrupoII confirma que um doscontinentes mais vulnerá-veis é a África, onde, em2020, até 250 milhões depessoas estarão expostas

a problemas relacionados à água. Deacordo com o documento, as mudançasclimáticas atingem todo o planeta, inclu-sive Europa e América do Norte. Na Amé-rica Latina, o aumento da temperatura ea escassez de água no solo causariam,dentro de meio século, a substituição gra-dual da floresta tropical por savana naAmazônia oriental, acarretando uma sig-nificativa perda da biodiversidade.

O Grupo II afirma que as mudançasclimáticas podem afetar a saúde de mi-lhões de pessoas. Os impactos incluiriamo aumento da desnutrição; o crescimen-to do número de mortes devido a ondasde calor, enchentes, tempestades, incên-dios e secas; um ônus maior associado àdiarréia; a freqüência aumentada de pro-blemas cardio-respiratórios; e a distribui-ção espacial alterada dos vetores de al-gumas doenças infecciosas.

Nas zonas temperadas, as mudan-ças climáticas podem trazer certas van-tagens, como a redução das mortes as-sociadas à exposição ao frio. Contudo,esses benefícios vão ser superados pelosefeitos negativos do aumento da tempe-ratura em todo o mundo, especialmentenos países em desenvolvimento.

“O balanço dos impactos positivos enegativos na saúde vai variar de um lu-gar para outro, e vai mudar ao longo dotempo, conforme a temperatura conti-nuar a subir”, diz o relatório, destacan-do também a importância de fatoresque moldam a saúde das populações,como educação, assistência médica e de-senvolvimento econômico.

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Em entrevista à Revista de Man-guinhos, Confalonieri fala sobre des-dobramentos do IVG e como anda a dis-cussão internacional sobre mudanças cli-máticas e saúde.

Em uma perspectiva histórica, épossível correlacionar as mudançasocorridas no clima do planeta aolongo dos anos com o avanço ou orecrudescimento de doenças?

Ainda não existem evidências sóli-das, apenas indícios, mas o que vemsendo discutido e aceito é que as mu-danças climáticas podem afetar a saú-de em quatro áreas. A primeira diz res-peito às doenças transmissíveis endê-micas, como malária e dengue, por-que as mudanças climáticas interferemno ciclo dos insetos vetores, entre mui-tos outros fatores. A segunda se refereaos problemas nutricionais. Um climamuito seco, por exemplo, diminui a pro-dução de alimentos, o que constitui umproblema, principalmente, nas áreasmais pobres, onde as famílias praticamagricultura de subsistência. A terceiraárea inclui os traumas e acidentes as-sociados a eventos extremos, como tem-pestades, nevascas, furacões e inun-dações. Nesses casos, além das mor-tes e seqüelas físicas, há que se consi-derar a perda de patrimônio e os dis-túrbios psicológicos decorrentes, comoo estresse pós-traumático. A quartaárea está relacionada a uma atmosfe-ra alterada, com exacerbada formaçãode poluentes e aumento dos efeitos dapoluição no organismo, sobretudo do-enças respiratórias e cardiovasculares.Por fim, outra questão a ser considera-da é o deslocamento de populações,processo intensificado, por exemplo,devido a uma seca extrema. São osrefugiados ambientais, que, assimcomo os refugiados de guerra, ficari-am no seio de conflitos culturais, soci-ais e econômicos, além de sobrecarre-garem a demanda por serviços de saú-de e assistência social.

Onde os efeitos das mudanças cli-máticas sobre a saúde pública jásão visíveis?

Alguns fatos são de domínio públi-co, como as ondas de calor na Europa,

em 2003, que mataram 30 mil pessoas.Ainda não se comprovou se esse eventofoi efeito das mudanças climáticas glo-bais. Se ficar comprovado, será a primei-ra evidência inequívoca. Os acontecimen-tos serviram para mostrar que até os pa-íses mais desenvolvidos estão despre-parados para os impactos, especialmen-te a França, onde houve mais vítimas. Eo relatório do Grupo de Trabalho I do IPCCdiz que essas ondas devem se tornar maisfortes e mais freqüentes (ver box).

E no Brasil? Quais regiões estãosendo mais afetadas pelas mudan-ças climáticas? Por quê?

O Centro de Previsão de Tempo eEstudos Climáticos (CPTEC) concluiuuma pesquisa, coordenada pelo Dr. JoséMarengo, que apresentou cenários demudança climática para o Brasil. Umdos resultados mostra a diminuição dechuva no Norte e Nordeste. No Norte,isso faria a floresta perder parte de suaextensão. No Nordeste, onde já existeuma extensa área de semi-árido, a so-brevivência se tornaria difícil, com umaumento da aridez. Assim, ou seriamfeitas muitas obras de engenharia ou apopulação teria que migrar, intensifican-do um processo que já existe. Mas osgrandes aglomerados urbanos tambémsão vulneráveis a mudanças climáticas.O Rio de Janeiro, por exemplo, temmuitas áreas de invasão, favelas nasencostas de morros. Toda a populaçãoque vive nessas áreas está vulnerável a

um evento extremo, como uma chuvatorrencial e os conseqüentes desliza-mentos de terra. Recentemente, chuvasfortes seguidas de inundações atingiramas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

De acordo com o IVG, o Rio Gran-de do Sul é o estado menos vulne-rável e Alagoas, o mais vulnerável.Quais as razões?

O índice de Alagoas pode ser expli-cado pela situação do Nordeste, comen-tada na resposta anterior. Mas vale des-tacar que o peso maior do IVG está nosdados socioeconômicos e de doençassensíveis ao clima. Desse modo, o RioGrande do Sul é menos vulnerável por-que apresenta bons indicadores socio-econômicos e os casos de doençasendêmicas sensíveis ao clima são escas-sos, esporádicos ou importados. No IVG,usamos dados de séries históricas. Plane-jamos, agora, realizar um estudo pros-pectivo, com dados de cenários, em umexercício de projeção para daqui a cinco,dez ou 20 anos, o que permitiria umplanejamento de ações de longo prazo.

O IVG foi criado a partir de uma de-manda do MCT, mas ele poderia seraplicado a outros lugares do mundo?

Há dez anos participo de discus-sões sobre mudanças climáticas. Já tiveacesso a muitos documentos de diver-sos países e, em sua maioria, os quetratam de vulnerabilidade e de impactosna saúde falam de generalidades ou tra-

• A concentração atmosférica de dióxido de carbono aumentou de 280partes por milhão (ppm), na era pré-industrial, para 379 ppm, em 2005,sobretudo devido ao uso de combustível fóssil.

• O nível do mar subiu 3,1 milímetros por ano entre 1993 e 2003.

• O período de 1995 a 2006 compreendeu 11 dos 12 anos mais quentesdesde 1850.

• A temperatura total subiu 0,76 ºC entre 1850-1899 e 2001-2005.

• Mesmo que as concentrações de aerossóis e gases de efeito estufa semantenham constantes, nos níveis do ano 2000, é esperado umaquecimento de 0,1 ºC por década.

Fonte: www.ipcc.ch

O que diz o relatório de 2007 do Grupo de Trabalho I do IPCC

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zem simplesmente a opinião de especia-listas. Não se apresenta uma quanti-ficação do problema, pelo menos não domodo como fizemos com o IVG, em ní-vel nacional. O único trabalho parecidode que tive notícia foi feito em uma cida-de da Colômbia, mas em nível local. OIVG pode ser aplicado em qualquer lugardo mundo, com as devidas adaptações,desde que exista um banco de dados.

O IVG é um índice que reforça que aexclusão social amplia a vulnera-bilidade das populações às doenças?

A exclusão social reforça a vulne-rabilidade a doenças e aos desastresambientais. Essa vulnerabilidade é cau-sada por falta de acesso a serviços desaúde, baixa renda e escolaridade,pouco poder político, falta de informa-ção e precariedade das habitações.

Diferentes convenções internacio-nais recomendam que os países semobilizem em torno de levanta-mentos envolvendo os desdobra-mentos das mudanças no clima.Quais países estão mais mobiliza-dos nesse sentido?

Muitos estudos de vulnerabilidadevêm sendo feitos em todo o mundo, so-

bretudo na Europa, América do Norte eJapão. Países africanos estão na pior situ-ação. Não fazem esses estudos porquetêm outros problemas mais imediatos. Elescarecem, inclusive, de grupos habilitadospara realizar esse tipo de trabalho. O Bra-sil tem um bom nível, com a comunidadecientífica já mobilizada. Nos estudos deimpacto das mudanças climáticas, desta-cam-se três instituições: o CPTEC, que cui-da da parte de clima propriamente dito; aEmpresa Brasileira de Pesquisa Agrope-cuária (Embrapa), na área de impactosna produção de alimentos; e a Fiocruz, nocampo da saúde. Os grupos de estudoseconômicos e sociais só começaram a seenvolver agora com a agenda climática.Mas a nossa carência principal são estu-dos de impacto das mudanças climáticasna diversidade biológica e na modifica-ção de ecossistemas, áreas de grandevulnerabilidade em um país megadiverso.

Existe entre os países um consen-so de que as mudanças climáticas,de fato, ocasionarão desdobramen-tos no quadro da saúde pública?

Esse consenso existe dentro do comi-tê do qual participo no IPCC. O grupo temrepresentantes de Alemanha, Índia,Moçambique, Rússia, Estados Unidos, In-

glaterra, Nova Zelândia, Austrália e Argen-tina. Nosso papel é analisar publicaçõescientíficas, identificar os trabalhos relevan-tes, fazer uma síntese e apresentar con-clusões. Esse trabalho oferece subsídios,por exemplo, para as Convenções do Cli-ma, que tratam da política para o setor.

Adianta o Brasil agir no combate àsmudanças climáticas se os paísesconsiderados os principais responsá-veis pelo problema, sobretudo osEstados Unidos, cruzarem os braços?

Não somos tão poluidores quanto osEstados Unidos, mas o Brasil também éum poluidor importante, em virtude dodesmatamento e queimadas. E o nomejá diz: as mudanças climáticas são glo-bais. O Brasil é um país com grande vulne-rabilidade: seu território é extenso; suapopulação enfrenta uma série de proble-mas sociais; existe uma fragilidade ins-titucional. Precisamos nos preparar paraos impactos. Precisamos fortalecer o SUS,independentemente das mudanças cli-máticas. Um exemplo de ação mais es-pecífica seriam sistemas de alerta preco-ce, que permitissem proteger a popula-ção de áreas vulneráveis a eventos cli-máticos extremos, antes que se transfor-mem em desastres.

O crescimento de poluentes na atmosfera poderá aumentar as doenças respiratórias e cardiovasculares Carlos Morel

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PREVENÇÃO

Hospital,lugar de estudar e aprender

Catarina Chagas

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uitas pessoas freqüen-tam hospitais para con-sultar-se com médicos eoutros profissionais desaúde, tratar-se de algu-

ma doença ou receber medicamentos.Pesquisadores do Instituto de PesquisaClínica Evandro Chagas (Ipec), umaunidade da Fiocruz, encontraram umafunção inovadora para o local: ser umespaço para aprender e compartilharconhecimentos. A iniciativa pioneirapartiu da epidemiologista Claudia Te-resa Vieira de Souza, chefe do Serviçode Desenvolvimento Metodológico doDepartamento de Epidemiologia e An-tropologia, que coordenou um grupode estudos formado por pacientes doIpec e seus familiares ou amigos.

“Durante as consultas de saúdepública, identificamos que muitos dospacientes do projeto de prevenção detuberculose, que eu coordeno, havi-am parado de estudar no Ensino Fun-damental ou Médio”, conta Claudia.“A maioria deles manifestava inte-resse em aprender novos conteúdos,mas também falava sobre a falta deoportunidade”. A pesquisadora ide-alizou, então, uma espécie de cursosobre doenças infecciosas e parasi-tárias, com noções de biologia,epidemiologia e técnicas de preven-ção, batizado Grupo de Estudo emEpidemiologia e Prevenção de Doen-ças Infecciosas e Parasitárias.

O estudo piloto consistiu em oito en-contros com quatro horas duração, duasvezes por semana. As aulas foram mi-nistradas por pesquisadores do Ipec ealunos do Programa de Pós-Graduaçãoem Ensino em Biociências e Saúde doInstituto Oswaldo Cruz (IOC), outra uni-dade da Fiocruz, onde Claudia é docen-te. Após a exposição teórica, os alunosparticipavam, a cada aula, de uma di-nâmica de grupo para avaliar os con-teúdos assimilados.

Além da exibição de figuras eslides explicativos, outras estratégiaspedagógicas utilizadas pela equipe in-cluíram jogos educativos, observaçãode lâminas no microscópio, exposiçãode caixa de vetores transmissores dedoenças, acesso a dados epidemioló-gicos na internet e manipulação de pe-

ças anatômicas (cadavéricas). Os par-ticipantes realizaram, ainda, um pas-seio pelo campus da Fiocruz, com visi-ta ao Parque da Ciência e ao EspaçoBiodescoberta, entre outros.

“Quando escolhemos o conteúdodas reuniões, nos preocupamos emnão manter nosso foco apenas em tu-berculose e Aids, principais doençasenfrentadas pelos nossos pacientes”,ressalta a enfermeira Aline NevesCamera, parceira de Claudia no pro-jeto. “Tratamos desses assuntos, masnão demos ênfase somente a eles por-que já são muito vivenciados pelos par-ticipantes do estudo”.

As últimas aulas trataram de te-mas como automedicação, corretahigienização das mãos e medidas desegurança a serem tomadas em hos-pitais por parte de pacientes e visitan-tes. Ao final do curso, os integrantesreceberam certificado de participaçãoe apostila com os conteúdos aborda-dos, incluindo indicações de livros esites onde podem ser encontradas maisinformações sobre cada tema.

Conhecimento direcionadoao auto-cuidado

Clientes do projeto de prevençãode tuberculose do Ipec foram os pri-meiros pacientes incluídos no grupo.Cada um deles pôde convidar um fa-

miliar ou amigo para participar, deci-são que surgiu a partir de entrevistasrealizadas com os pacientes antes daformação do grupo: muitos manifes-tavam a importância de as pessoas pró-ximas conhecerem melhor as doençasenfrentadas, a fim de evitar precon-ceitos. Ao todo, o estudo piloto con-tou com 15 participantes.

“Um dos nossos objetivos foidesmistificar a idéia de que somenteprofissionais da saúde podem enten-der e trabalhar na prevenção das do-enças infecciosas e parasitárias”, ex-plica a pesquisadora. “Consideramosa saúde como processo histórico e so-cial e queremos abrir espaços para odiálogo com o saber popular, estimu-lando a participação da sociedade. Aidéia é que os próprios ex-participan-tes se tornem agentes multiplicadores”.

O trabalho começou a dar frutos ain-da durante sua execução. “Um dos par-ticipantes nos convidou a realizar pa-lestra sobre dengue na Associação dosMoradores de Nova Iguaçu, usando osmateriais didáticos preparados para ogrupo de estudos”, conta Claudia. Aindapor meio dos contatos de participan-tes, os pesquisadores foram convidadosa realizar cursos em ONGs relaciona-das à HIV/Aids em Marechal Hermes.

Segundo a coordenadora, ofereceroportunidade de acesso ao conhecimen-to científico em relação à prevenção eao tratamento de doenças cria, nos pa-cientes, a consciência da importância doscuidados com a própria saúde. “Essessaberes, se aprendidos de forma signifi-cativa, podem estimular o autocuidado,reforçar a auto-estima das pessoas e aju-dar a reduzir o número de casos destasdoenças infecciosas,” afirma.

Os temas tratados em aula preten-dem, por exemplo, contribuir para aredução do risco de cruzamento de in-fecções no ambiente hospitalar. “Essainiciativa é importante porque infec-ções adquiridas em comunidades e hos-pitais vêm sendo um grande encargofinanceiro para a saúde pública, já queo tratamento dessas infecções tem setornado cada vez mais difícil com osurgimento de microrganismos multi-resistentes”, ressalta a enfermeiraSonia Maria Ferraz Medeiros Neves,

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A epidemiologista Cláudia Vieira:aposta na prevenção de doenças

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doutoranda do IOC e membro da Co-missão de Prevenção e Controle deInfecção Hospitalar do Ipec.

Experiênciaenriquecedora tambémpara os pesquisadores

Ao lidar com um grupo bastanteheterogêneo – os participantes tinhamdiferentes idades, profissões e níveisde escolaridade –, uma das maiorespreocupações de Claudia era criar umclima de compartilhamento de sabe-res, em que todos os intregrantes sevissem no mesmo nível, inclusive emrelação aos pós-graduandos que pre-paravam as palestras e dinâmicas.“Queríamos evitar a relação aluno-pro-fessor”, justifica.

Na elaboração dos encontros, aequipe esteve aberta às necessida-des dos participantes, com programaflexível para se adaptar às peculiari-dades do grupo. “Muitas vezes osprofessores vêm com um ‘pacote’pronto do que pensam serem os in-teresses dos alunos”, alerta a biólo-ga Valéria Trajano, doutoranda res-ponsável por parte das discussõessobre microbiologia. “Na prática, vi-mos que o diálogo é muito importan-te para compreender as reais neces-sidades de cada turma”.

Além disso, a bióloga Lúcia MariaBallester Gil, mestranda na época doestudo piloto, aponta que os pacien-tes têm muito a contribuir no que dizrespeito ao conhecimento do proces-so saúde/doença. “Aprendi muito maisdo que esperava, foi uma das experi-ências mais importantes da minha vidaprofissional”, conclui.

Já para o médico e doutorando Mar-co Aurélio de Azambuja Montes, que

contribuiu com aula sobre noções de ana-tomia humana, uma das característicasmais edificantes do trabalho foi “podertrabalhar fora do ensino formal e estimu-lar a formação de agentes multipli-cadores, que farão com que as informa-ções e conceitos científicos cheguem àscomunidades que mais precisam com alinguagem mais apropriada”.

O trabalho sobre o grupo de estu-dos já foi publicado em eventos sobreeducação em ciências e saúde e acabade ser aprovado para apresentação no43º Congresso da Sociedade Brasileirade Medicina Tropical, que ocorreu emmarço, em Campos do Jordão.

Animada com os bons resultadosdo estudo piloto, a equipe pretendecriar novos grupos, um por semestre,com 20 participantes cada, além deexpandir a oportunidade a outros pa-cientes do Ipec. Atualmente, está emnegociação com editora a publicaçãoda apostila usada no grupo, que po-derá ser aproveitada como materialdidático para pessoas que trabalhamcom educação em saúde.

Divulgação Ipec / Fiocruz

Conhecer para entender: participantesmanipulam peças anatômicas

Pacientes do Ipec conhecem vetores e causadores de doenças nas atividades pedagógicas

Divulgação Ipec / Fiocruz

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“Esclareci várias dúvidas, era como se eu estivesseem casa, conversando com amigos. Depois deaprender tanto, tomo muito mais cuidado com acontaminação dos produtos que consumo. Agora, paraeu comer alguma coisa, tenho que limpar muito bem,colocar de molho... Valeu a pena saber”. (L.M.B.,vendedora, 50 anos, paciente do Ipec desde 1993)

“Esses encontros me enriqueceram em muitascoisas, como aprender a lavar as mãos corretamente.Para mim, lavar as mãos era coisa simples. Depois dadinâmica que fizemos, vi a quantidade de micróbiosque ainda podiam me contaminar. Agora já aprendi alavar as mãos muito bem. Aprendi a me proteger dasdoenças infecto-parasitárias cuidando também dasroupas e, principalmente, da alimentação. Até a minhacasa ficou diferente”. (M.J.C., do lar, 61 anos, irmã depaciente do Ipec)

Nas palavras dos participantes do primeiro grupo de estudo...

“Estou sempre cobrando o próximo curso, porquetambém sou um agente multiplicador e queroencaminhar algumas pessoas da ONG em quetrabalho. Quando você aprende informação tão ricaquanto o conteúdo desse curso, sua vida muda, vocêpassa a contribuir mais enquanto cidadão. Muitaspessoas abandonam tratamentos por falta deinformação e auto-estima, não adianta só dar osremédios. Informação nunca é demais”. (E.B.,escriturário, 45 anos, paciente do Ipec desde 1994)

“O grande problema que enfrentamos hoje é afalta de informação. Esse trabalho devia ser levado acolégios públicos, centros comunitários, hospitais.Eu, por exemplo, aprendi muitas coisas sobre denguee já coloquei em prática alertando um amigo sobre aágua que se acumula em plantas no seu sítio efavorece a multiplicação de mosquitos. Nada melhordo que esse contato direto”. (A.G.S., 36 anos,paciente do Ipec desde1995)

“O curso foi de altíssimo nível e para mim foimuito importante, porque eu também sou da área dasaúde e trabalho com portadores de HIV. Amplioumeus horizontes, principalmente por causa do vínculoque se formou entre os participantes e a equipe. Éimportante levar para as outras pessoas essahumanização”. (J.L., técnica de enfermagem, 41 anos,amiga de paciente do Ipec)

Para os participantes do último grupo deestudo a iniciativa deu certo

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carpinteiro José e sua es-posa Maria, pobres emoradores de uma co-munidade onde as ca-rências são muitas e às

vezes parecem insolúveis, têm anda-do muito felizes com seu filho. Aos 29anos, o rapaz tem nível superior, pro-fissão definida e trabalha numa dasmais renomadas instituições públicasdo país. A vida de Jean Maciel Xaviercomeçou a mudar quando, há oitoanos, ele se inscreveu na primeira tur-ma do curso de formação de monitorespara museus e centros de ciência doMuseu da Vida da Fiocruz. O projeto,que está iniciando agora, neste mêsde março de 2007, a sua sétima tur-ma, tem representado uma mudançaconsiderável na vida de jovens de 16a 21 anos, estudantes do Ensino Mé-dio de escolas públicas, que moramou estudam em comunidades vizinhasà Fundação. O curso coleciona históri-as bem-sucedidas, todas devidamentearquivadas e comentadas com satisfa-

A ciência da inclusão

ção por sua coordenadora, a pedagogaIsabel Aparecida Mendes.

Educadora que atuou em peças deteatro infantil, jovem e amador, Isabelestá no Museu da Vida desde antesdo início da primeira turma do curso.E o seu relacionamento com comuni-dades de baixa renda vem de longe,

Ojá que ela trabalhou na Rocinha (emprogramas de alfabetização de crian-ças e saúde da mulher). Atualmente,Isabel está à frente, no curso de for-mação de monitores, de uma equipemultidisciplinar que reúne atores, his-toriadores, biólogos, psicólogos,biblioteconomistas, museólogos edesigners, entre outros profissionais.“Durante o curso, de março a setem-bro os jovens têm palestras, oficinas,jogos, dinâmicas, debates, leituras edramatizações, num processo em quetodo o Museu da Vida participa. E desetembro a março ocorre o apro-fundamento do que foi visto nos me-ses anteriores, quando eles fazem es-tágio”, diz Isabel. O aprofundamentoé feito nos cinco espaços do Museuem que atuam os monitores.

Isabel, que tem apresentado osresultados do projeto em outros esta-dos e países, conta que o curso temapresentado outro aspecto extrema-mente salutar: “Desde a primeira tur-ma, e chegam a dezenas os jovens

foto da isabel

EDUCAÇÃO

Isabel Mendes (à dir.) coordena o cursodesde a sua criação, em 1999

Ricardo Valverde

Leandro Alves e Daiene Mendes, da sexta turma do curso de formação de monitores, no Parque da Ciência

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que passaram por nossas salas, ne-nhum foi aliciado pelo tráfico, o quenos dá muita alegria”, comemora acoordenadora, que mantém um ban-co de dados com informações de to-dos os que freqüentaram o curso e acada seis meses localiza e reúne osex-alunos para saber como estão. São132 ex-alunos, dos quais 54 já conclu-íram ou estão cursando faculdade. Noentanto, esta vitória sobre a crimi-nalidade – tão presente no cotidianoda maioria dos alunos, que moram embairros onde os índices de violência sãoaltos –, ao ser confrontada com cenastípicas da periferia do Rio, mostra queainda há muito a ser feito.

Com Isabel trabalha a ex-monitoraLeliane Batista, hoje sua assistente,moradora do bairro do Jacarezinho, si-

tuado próximo ao campus da Fiocruz.Em dezembro de 2005, ao voltar paracasa, por volta das 21h, a jovem se viuno meio de um tiroteio entre bandidose policiais. Ela levou dois tiros e a bala,que entrou pelas costas e saiu pelopeito, a fez receber duas placas de pla-tina e alguns parafusos no antebraçoesquerdo. Esta vivência com um Riosem glamour, longe das praias e paisa-gens de cartão postal, faz com quemuitos profissionais peçam a Isabel paradar palestras no curso, já que têm inte-resse não apenas em disseminar conhe-cimentos, mas também em conhecere ouvir o que os jovens têm a contar deuma rotina muitas vezes brutal.

Atualmente Isabel está muitoempolgada com o projeto Avicênia/Gestão por Competências, que teve

início em janeiro de 2006 e conta como apoio da Vice-presidência de Desen-volvimento Institucional e Gestão doTrabalho da Fiocruz, em parceria como Instituto Oi Futuro. O público esco-lhido para o Avicênia é o dos alunos eex-alunos do curso de formação demonitores. O projeto pretende reco-nhecer saberes oficiais e não-oficiais,estabelecer troca de conhecimentosentre os jovens e formar uma rede so-cial que se estabeleça como um ins-trumento efetivo de inclusão social nomercado de trabalho.

Da Maré a Paris

Morador da Vila do Pinheiro, umadas comunidades do Complexo daMaré, situado nas imediações daFiocruz e no caminho de todos os quechegam ao Rio de Janeiro (ou delesaem) de avião, Jean Maciel Xavierparticipou da primeira turma do cursode formação de monitores, em 1999.Como um dos pioneiros, teve seismeses de aula e mais um tempo deexperimentação nos espaços do Mu-seu da Vida antes de escolher o localem que ficaria: o Ciência em Cena.Para o rapaz, hoje com 29 anos, nãofoi difícil chegar a esta opção, já queseu interesse pela arte dramática olevou a freqüentar, na mesma época,um grupo de teatro do oprimido da co-munidade, cujas aulas eram ministra-das pelo dramaturgo Augusto Boal, elepróprio criador do conceito. Formado

Monitora conta a história da Fundação a alunos em visita ao campus

Aluno da primeira turma, Jean hoje fazAluno da primeira turma, Jean hoje fazAluno da primeira turma, Jean hoje fazAluno da primeira turma, Jean hoje fazAluno da primeira turma, Jean hoje fazpós-graduação e trabalha na Fiocruzpós-graduação e trabalha na Fiocruzpós-graduação e trabalha na Fiocruzpós-graduação e trabalha na Fiocruzpós-graduação e trabalha na Fiocruz

Monitores apresentamMonitores apresentamMonitores apresentamMonitores apresentamMonitores apresentamo conhecimentoo conhecimentoo conhecimentoo conhecimentoo conhecimento

científico de maneiracientífico de maneiracientífico de maneiracientífico de maneiracientífico de maneirasimples e objetivasimples e objetivasimples e objetivasimples e objetivasimples e objetiva

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em arquivologia e hoje funcionário daFiocruz, Jean trabalha na Sala de Con-sulta do Arquivo da Casa de OswaldoCruz, onde lida com o acervo de texto,fotografias, sons e vídeos da Fundação.

Em 1999, ao se deparar com umanúncio posto no Centro de Estudos eAção Solidária da Maré (Ceasm), oentão pré-vestibulando Jean se interes-sou em fazer o curso oferecido peloMuseu da Vida. Era a oportunidade deconhecer uma instituição que aindanão se abrira totalmente para grandeparte da população do seu entorno,que a reverenciava a distância, e man-tinha um tradicional desconhecimen-to sobre o que era feito no imponenteCastelo que domina a paisagem daregião da Leopoldina. Jean se encan-tou com a beleza e o verde do campuse descobriu, nas aulas do curso, umambiente democrático, em que a dis-cussão e o debate são incentivados.“O contrário do que eu tinha na esco-la”, acrescenta. Esse espaço de liber-

dade e conscientização ajudou Jean aimpulsionar os trabalhos que já desem-penhava na Pastoral da Juventude daIgreja de São José Operário, na Maré,onde era um ávido leitor de LeonardoBoff e Frei Betto, e a fundar, com ami-gos, a ONG Marécheia, que desenvol-ve projetos nas áreas de educação,cultura popular e geração de renda,além de manter um curso pré-vestibu-lar para jovens pobres, o Provest.

Atualmente cursando uma pós-gra-duação na Uni-Rio que reúne arqui-vologia, museologia e biblioteconomia,Jean, que é solteiro e mora com a fa-mília (os pais José e Maria), lembramuito bem da época em que residiaem uma palafita, corria pelado pelosbecos da Maré e, nos dias de chuvaintensa, via riachos invadirem os bar-racos. A vida difícil vivida na comuni-dade, que como tantas outras tambémé marcada pela violência, contribuiupara Jean escrever – e ser um dos ga-nhadores – de um concurso da Unescoe do jornal Folha Dirigida, em 2004. Oconcurso Escrevendo a Paz, destinadoa estudantes universitários, propunhaque os candidatos fizessem redaçõessobre a paz. Dos quase 13 mil traba-lhos inscritos, chegou-se a uma seleçãodos 100 melhores, que foram reuni-dos em um livro homônimo do concur-so, editado pela Unesco em três idio-mas (português, inglês e francês). EJean foi além: das 100 redaçõespublicadas no livro, foram selecionadasdez cujos autores ganharam uma via-gem a Paris para o lançamento daobra. Em maio de 2005 ele sobrevoouo Atlântico pela primeira vez para de-sembarcar na capital francesa, ondepassou uma semana, e na qual conhe-ceu o Museu do Louvre, o Palácio de

Versalhes, o Arco do Triunfo, a Aveni-da Champs-Élysées e os charmososcafés. “Faltou a Torre Eiffel. Porquefaltou dinheiro para ver tudo”, recor-da, entre risos, Jean.

“Você é uma múmia!”

Embora o colégio seja muito pertodo campus da Fiocruz, mesmo assimDaiene Mendes, de 17 anos, pega trêsônibus para atravessar os poucosquilômetros entre os bairros deHigienópolis e Manguinhos e chegarao Museu da Vida para participar docurso de formação de monitores. Visi-tante do campus desde pequena – seupai trabalha no setor de pintura e aTodos os dias, os monitores conduzem

o público nas visitas à Fiocruz

Daiene: “Descobri um mundo que não conhecia”

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mãe era funcionária da seção de lim-peza do Instituto Fernandes Figueira(IFF) até descolar a retina e se aposen-tar – ela participou da sexta turma,cujas aulas terminaram em outubro de2006. Para Daiene, o curso mudou suavida: “Amadureci, aprendi muito, des-cobri um mundo que até então nãoconhecia. Passei a freqüentar museuse centros culturais e pela primeira vezentrei no Teatro Municipal. Meus ami-gos, que não têm essa vivência, agoraperguntam se virei múmia, já que paraeles museu é coisa de velho. Na co-munidade as pessoas não têm essehábito”, conta Daiene, que conheceuo namorado, Isaac, no Museu da Vida.Ele foi da quinta turma.

Agora apaixonada por centros cul-turais – tanto que fez questão de assis-tir no cinema ao filme Uma noite nomuseu – ela já começa a incentivar airmã de 10 anos a gostar desses espa-ços e sempre que pode traz a meninapara visitar o campus. “O papel do

monitor é este: informar, instigar, pro-vocar, criar curiosidade”, afirma a jo-vem, que durante o curso recebeu,como todos os demais, uma ajuda deR$ 80 e agora, no estágio, que vai atéo fim de 2007, viu esse valor subir paraR$ 145. É o mesmo que recebe o seucolega Leandro Alves, de 20 anos. Tam-bém morador de Higienópolis, o rapazse inscreveu no curso por indicação deum amigo. Cursando o terceiro ano doEnsino Médio de uma escola públicaem Vila Isabel, à noite, ele pretendeprestar vestibular para história. Pelamanhã, das 8h ao meio-dia, trabalhacomo office boy em uma firma em DelCastilho. Assim como Daiene, Leandrovirou algo de gozações de alguns ami-gos, que o apelidaram de “museu”.

Atuando como monitor no Casteloda Fiocruz, Leandro diz que entre asperguntas mais comuns feitas pelos visi-tantes que ele conduz nas visitas pelohistórico prédio da Fundação estão asseguintes: “O Oswaldo Cruz morava

aqui?” e “Este castelo tem fantasmas?”.Como se vê, monitores também servempara derrubar lendas e falsas histórias.

O curso de formação demonitores

Apoiado pelo programa JovensTalentos, da Faperj, o curso de forma-ção de monitores do Museu da Vidabusca trabalhar a auto-estima dos es-tudantes, estimulando vocações cien-tíficas, desenvolvendo potenciais e pro-movendo a educação para a cidada-nia. O período de formação inclui cur-so e estágio, com duração de aproxi-madamente dois anos. Os monitoresaprendem, por meio da educação não-formal, conteúdos específicos dos di-ferentes espaços do Museu da Vida,que envolvem as seguintes áreas daciência: biodiversidade, relações entrearte e ciência, história da ciência e dasaúde, comunicação, organização davida, energia e fenômenos da física. A

Monitor usa desenhos de Leonardo Da Vinci para explicar o funcionamento da visãoJean Xavier e monitores da última turma

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tarefa dos monitores, quando atuamcomo estagiários, é mediar a visitaçãoaos vários espaços do Museu. Ocurso motiva os monitores a continuarestudando e cria um espaço próprio dereflexão para a construção coletiva doconhecimento, estimulando a popu-larização da ciência.Os espaços doMuseu da Vida em que os monitoresatuam, agindo como guias para os quevisitam a Fiocruz, são os seguintes: Es-tação do Trenzinho da Ciência, ondefica o Centro de Recepção, em que osvisitantes são acolhidos e recebem in-formações sobre o agendamento,visualizam o campus por meio de umamaquete e discutem a arquitetura dediversas construções tombadas pelopatrimônio histórico; Espaço Biodes-coberta, que abriga uma exposição

permanente sobre o conhecimento ci-entífico a respeito da vida e suas di-mensões culturais e históricas; Ciênciaem Cena, que usa a arte cênica paraestimular o interesse científico e a per-cepção do quanto existe de ciência etecnologia na vida cotidiana, promoven-do a junção entre áreas de conhecimen-to; Parque da Ciência, que permite aovisitante experimentar e construir con-ceitos que o ajudarão a entender comoos sistemas vivos funcionam e suas re-lações com a saúde, a ecologia e aqualidade de vida; e Espaço Passadoe Presente, onde o visitante entra emcontato com a beleza da arquiteturamourisca e com questões relativas adivulgação científica, ciência e socie-dade e arquitetura.

Acima, maquete que ilustra como moléculas se unem. Ao lado, no teto, estruturas dacélula e representação do vírus da gripe

De forma lúdica, alunos assimilam conceitos que ajudam a entender os seres vivos

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GESTÃO

novo ministro da Saúde,José Gomes Temporão,é um genuíno represen-tante da geração de sa-nitaristas formados pela

Fiocruz. Pesquisador-titular licenciado daEscola Nacional de Saúde Pública (Ensp)da Fiocruz, sua última função na Fun-dação foi a de ser coordenador do pro-jeto Inovação em Saúde. Mais recen-temente, Temporão já atuava no Mi-nistério da Saúde, onde ocupava o car-go de secretário nacional de Atençãoà Saúde. Antes, foi presidente do Insti-tuto Nacional do Câncer (Inca), sediadono Rio de Janeiro.

Histórico militante da reforma sa-nitária e do SUS, Temporão se consi-dera um discípulo do sanitarista e ex-presidente da Fiocruz Sergio Arouca.“Sou um sanitarista geneticamenteconsistente”, afirmou o novo ministroem mais de uma ocasião.

Entre outras funções na área da saú-de, Temporão foi secretário de Planeja-mento do Inamps (1985/88), subsecre-

tário de Saúde do Estado do Rio de Ja-neiro (1991), presidente do Instituto Vi-tal Brazil (1992/95) e subsecretário deSaúde do Município do Rio de Janeiro(2001). Consultor da Opas e da Unicef,Temporão ocupou uma vaga de conse-lheiro no Conselho Regional de Medici-na do Rio de Janeiro (Cremerj), foi presi-dente do Centro Brasileiro de Estudos deSaúde (Cebes) e presidente da Associa-ção dos Laboratórios Farmacêuticos Ofi-ciais do Brasil (Alfob). Temporão é cario-ca, casado com a médica psiquiatraLiliane Penello (com quem tem quatrofilhos) e está com 55 anos.

Os planos para oMinistério da Saúde

Na entrevista concedida ao jorna-lista Edmilson Silva, o novo ministro daSaúde apresenta as suas propostas parao ministério e recorda a trajetória demilitante do movimento pela reformasanitária. Temporão, que tomou posseem 16 de março, comenta também osdesafios que existem para o SUS e abor-

da a regulamentação da emenda(constitucional) nº 29, que destina ver-bas para o setor, entre outros temas.

O senhor vê a empreitada comoum desafio ou um prêmio?José Gomes Temporão – Com cer-teza é mais um desafio, talvez o maisimportante da minha carreira, mas tam-bém vejo como um prêmio. E isto comuma certa naturalidade, embora eu nãotenha em nenhum momento buscadoo cargo, imaginado que um dia eu oocuparia, quando eu revejo a minhatrajetória, desde a universidade, estes30 anos de saúde pública, me deixamassim bastante confortável em relaçãoa essa posição. É um prêmio sim, masdiria mais: não é um prêmio apenaspara mim, mas sim para toda umageração de profissionais de saúde, quevem, há décadas, lutando pela implan-tação da reforma sanitária brasileira.

Geração que chegou a ser cha-mada de Partido Sanitarista...

O presidente Lula discursa na solenidade de posse, observado por Temporão, Agenor Álvares e Dima Roussef

OAntônio Cruz / ABr

Um sanitaristageneticamenteconsistente

Um sanitaristageneticamenteconsistente

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Temporão – Uma geração que veiopara mudar e está mudando a históriada saúde pública brasileira. Claro que,com a vinda de Saraiva Felipe (PMDB-MG) para o Ministério da Saúde, em-bora ele integre o grupo dos sanitaris-tas históricos, ele veio para a pastacomo político, como deputado. Agenor(Álvares da Silva), o atual ministro, quetambém participou desse movimentopela saúde pública (o Movimento Sa-nitarista), ficou um bom tempo nainterinidade. O que chama a atençãona minha indicação, primeiro é o fatode eu ser da Fiocruz, o primeiro pesqui-sador da Fundação a ser ministro daSaúde. Até porque, quando OswaldoCruz ocupou o cargo correspondente,o ministério não existia. Portanto, é umsenhor desafio, mas tenho consciênciae clareza do tamanho da empreitada,mas, por outro lado, sinto um confortopelo fato de representar e integrar umgrupo muito grande, composto por cen-tenas de sanitaristas e pelos demais pro-fissionais de saúde do meu país. Estousendo levado a este cargo pelas mãosdo presidente da República, mas nãome sinto assumindo o cargo sozinho.Há toda uma história e um trabalhocompartilhado por essa gente que ba-talha pela melhoria da saúde pública.

Que cara o SUS terá na sua gestão?Temporão – Teremos múltiplos desa-fios para enfrentar, mas algumas marcasvou querer deixar. A marca da qualida-de, a marca do respeito e do acolhimen-to, que é o termo que nós técnicos daárea chamamos, mas, na realidade, éperceber em cada pessoa que procura oserviço de saúde, o SUS enfim, alguémque precisa de apoio, de atenção, decuidado especial. A dimensão dahumanização. Participação também, poiso controle social é vital para o SUS, eque essa participação não se dê apenaspela sociedade organizada como umtodo, mas dos próprios funcionários eatores que são os que constroem no coti-diano o sistema de saúde. Outra dimen-são que terá que ter é a do desenvolvi-mento, com o apoio da ciência e da ino-vação tecnológica, com a produção deinsumos adequados para a área de saú-de. Esta, especificamente, é uma área

em que temos muito a avançar, e emque o Brasil está com um problema sé-rio, devido ao enorme déficit setorial, que,no ano passado, ultrapassou os U$S 5bilhões. E nessa área, também, acho quepodemos deixar uma marca importante.

O presidente da Fiocruz, PauloBuss, ao se referir à sua escolhapara ministro, exaltou a sua ca-pacidade de se manter atualiza-do, pelo fato de estar, simulta-neamente, na academia e nosetor produtivo. Há uma tercei-ra vertente crucial nessa histó-ria que é a questão política.Além da primazia técnica, comofica a questão política?Temporão – Eu sou um quadro polí-tico. Essa discussão toda que está naimprensa e em que há [pelo PMDB,partido ao qual Temporão está filiado]a argumentação de que se queria indi-car um político e é indicado um técni-co, acho que aí havia um certo viés deque eu seria um tecnocrata.Quem co-nhece a minha história, sabe que nãoé nada disso. Participei ativamente, porexemplo, de todo o processo de lutacontra a ditadura, processo em que osetor saúde desempenhou papel impor-tante, principalmente no Centro Brasi-leiro de Estudos de Saúde (Cebes), no

Movimento de Médicos, chamadoReme. Militei em partidos políticos. Adimensão do técnico que passa a vidainteira na militância, ocupando cargostécnicos, tem um forte conteúdo políti-co, o de construir no Brasil um sistemade saúde universal, igualitário, equâni-me, de qualidade, o SUS, essa cons-trução política e social, cuja dinâmicaestá apenas recém-iniciada.

Mas que, talvez, por isso mesmo,ainda é alvo de muitas críticas.Temporão – Há muitos estudos inte-ressantes que demonstram que os quemais criticam o SUS são aqueles quenão o usam ou o utilizam eventual-mente. Quando se faz uma avaliaçãodo SUS com os usuários do sistema estaé geralmente boa. “Ah, mas nós te-mos problemas”, reclamam os críticosdo SUS. Sim, mas temos também pro-gramas, políticas, processos reconhe-cidos inclusive internacionalmente.

Do que o senhor se orgulhariade ter colaborado com a suagestão para o SUS, para a saú-de pública brasileira?Temporão – Que a população do Bra-sil tivesse orgulho do seu sistema desaúde e cada vez mais passasse a uti-lizar os serviços que o SUS oferece.

Discípulo de Sergio Arouca, Temporão disse que assume o Ministério com um grupoque há anos luta pela melhoria da saúde pública

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Quando deixar o ministério perceberque a população brasileira respeita,acredita e aposta no aperfeiçoamentoe na consolidação do SUS.

Dados recentes dão conta douso crescente dos serviços doSUS pelos integrantes da clas-se média...Temporão – Mas esse uso ainda épequeno e muito seletivo. Ingleses ecanadenses têm profundo orgulho dosistema de saúde deles. E isto aconte-ce por quê? Porque são sistemas desaúde construídos nessa perspectiva deatender, de fato, as necessidades dopaís, e eles percebem nesses sistemasuma construção deles e que atendeprofundamente às suas necessidadesenquanto cidadãos. No Brasil existe umapercepção latente, mas que ainda nãoestá claramente definida, e que é ex-pressa por pessoas que pensam queprestar serviços à população mais po-bre é caridade e que o SUS é para aten-der exatamente aos mais pobres.

Hoje, o que o senhor diria aousuário do SUS e àqueles queainda não o usam?Temporão – Ao primeiro, que elepode ter certeza de que na minha ges-tão vai perceber no governo – e quandofalo isto eu não estou me referindo ape-nas ao Governo Federal, já que o SUS éuma construção a três mãos da União,estados e municípios – o esforço cotidi-ano de melhorar a qualidade e a ofertados serviços de saúde. E para os nãousuários do sistema, que pagam seusplanos de saúde, olhem para o SUS. Derepente, no lado da sua casa, ao ladodo seu local de trabalho tem um serviçopúblico de saúde de alta qualidade eque você não usa, não se beneficia dele,porque você desconhece. Você pode fi-car surpreendido positivamente com aqualidade daquele serviço.

Em parte, esses usuários sa-bem, ainda que indiretamente,dessa qualidade a que está sereferindo. A política de trans-

plantes, por exemplo, é apenasuma delas...Temporão – Além dos transplantes,há o Programa Nacional de Imuniza-ções, os procedimentos de alta comple-xidade, mas muitas vezes, por mais pa-radoxal que possa parecer, essas pesso-as não têm clareza nem consciência deque estão usando o Sistema Único deSaúde, o SUS. Imaginam que estãousando alguma benesse que apareceuna vida delas. Quando eu estava no Inca[Instituto Nacional de Câncer, do qualTemporão foi diretor], muita gente vi-nha me perguntar se o Inca tambémpertencia ao SUS. Como o Governo Fe-deral não pode fazer propaganda do seusistema, no sentido publicitário estrito,temos que melhorar a comunicação e ainformação sobre o SUS, pois perceboque as pessoas não estão adequadamen-te informadas sobre o sistema públicode saúde. E as pessoas precisam saber,exatamente, que tipo de serviço podeser buscado em uma rede como a doRio de Janeiro, por exemplo.

O presidente Lula assina o termo de posse. Ao seu lado, Temporão e Agenor Álvares Domingos Tadeu / PR

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Um olhar para o CTI

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RESENHAS

Difíceis decisões: etnografia de um centro de tratamento intensivoEditora Fiocruz (21) 3882-9093

tenção, leitor! Este é umtrabalho sobre os limitesda vida e sobre os limitesda esperança humana. Égrave, portanto”, adverte

o antropólogo Luiz Fernando DiasDuarte, do Museu Nacional da UFRJ,no prefácio do livro Difíceis decisões:etnografia de um centro de tratamen-to intensivo. Recém-lançada pela Edi-tora Fiocruz, a obra foi escrita por

Difíceis decisões: etnografia de um centro de tratamento intensivo

Rachel Aisengart Menezes, uma mé-dica com aguçado olhar antropológi-co. A autora investigou o complexoprocesso de tomada de decisões sobrea vida e a morte.

A idéia de fazer a pesquisa nas-ceu de sua experiência no atendimen-to a soropositivos. Alguns membros desua equipe se afastavam do pacientequando a doença se agravava – reaçãoque motivou Rachel a estudar o com-

portamento de profissionais de saúdediante da iminência da morte. Por re-ceber doentes em situação crítica oulimite, o CTI foi o local escolhido paraa investigação.

O CTI representa um sofrimentonão só para o paciente e sua família,mas também para os profissionais desaúde. Tudo está tranqüilo e, de repen-te, algo acontece, exigindo respostasimediatas dos médicos que trabalhamno CTI, os intensivistas, que ocuparamlugar central na pesquisa. Eles têm quedecidir em qual doente vale mais apena investir, caso haja somente umleito disponível.

Outras questões cruciais envolvemtentar mais uma vez ou não reanimar opaciente e manter ou retirar o soro. Es-sas decisões, nas quais pesam valoresmorais e culturais, transformam o CTIem uma espécie de panela de pressão.

Os intensivistas oscilam do poderheróico, quando salvam a vida de al-guém, à fragilidade – afinal, podemsalvar a vida de alguns, mas não detodos. O desgaste físico e emocionalse faz presente na rotina desses profis-sionais. “O intensivista tem consciên-cia de que, por trás de todo o aparatotecnológico, há um conjunto de difí-ceis decisões éticas a serem processa-das. Qualquer deslize, desatenção ouaté mesmo um erro de julgamentopode significar a perda de uma vida”,diz o livro, que integra a coleção An-tropologia e Saúde.

Conhecimento e perícia técnica,bem como formas de gestão dos senti-mentos, são ingredientes do trabalhono CTI. Neste lugar recluso e solitário,que concentra recursos tecnológicos dosmais modernos e equipe altamenteespecializada, onde tudo é minuciosa-mente vigiado e controlado, Rachelobservou e analisou a posição dosmédicos entre a competência e o cui-dado, entre o saber e o sentir.

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Tratado de saúde coletivaGastão Wagner, Cecília Minayo, Marco Akerman, Marcos Drumond Júnior,Yara Carvalho (organizadores)Editora HucitecEditora Fiocruz (21) 3882-9093

“Este tratado pode ser considerado uma primeira tentativa de realizar umsonho de muitos estudiosos e professores das diversas áreas de ciênciasda saúde de terem uma obra de referência em saúde coletiva/saúde pú-blica”. Assim a nota editorial apresenta o livro que, de fato, apresentaum amplo panorama de temas ligados à saúde pública e, segundo osorganizadores, tem a vontade de contribuir para formar estudantes

mais bem informados, críticos e comprometidos com a transformaçãoda realidade de saúde no Brasil. Nas quatro partes da obra, são apresenta-

dos temas como as relações entre saúde e ambiente, saúde e desenvolvimento,campo de trabalho, economia da saúde, políticas de saúde, epidemiologia eserviços, Sistema Único de Saúde (SUS), participação e comunicação em saúde,num total de 34 subtemas.

Genes: fatos e fantasiasEloi S. GarciaEditora Fiocruz (21) 3882-9093

Os recentes avanços na genética têm suscitado muitas dis-cussões nos campos da ética e da moral. Com intenção detrazer o tema para o espaço público das discussões, obioquímico Eloi Garcia (ex-presidente da FundaçãoOswaldo Cruz) escreveu o livro Genes: fatos e fantasi-as, publicado recentemente pela Editora Fiocruz. Emcinco capítulos, Garcia disserta sobre a genômica ea proteômica, sempre caminhado na fronteira en-tre ciência e tecnologia e buscando trazer o temados genes para a compreensão da sociedade.

Recursos críticos – história dacooperação técnica Opas-Brasilem recursos humanos para aSaúde (1975-1988)Fernando Pires-Alves e CarlosHenrique Assunção Paiva(organizadores) EditoraFiocruz (21) 3882-9093

Em 1976 surgia o Progra-ma de Preparação Estra-tégica de Pessoal emSaúde (Ppreps), unin-do esforços do Minis-tério da Saúde, da Or-

ganização Pan-Ameri-cana de Saúde (Opas) e do

Ministério da Educação e Cultura para for-mulação e gestão de políticas de recursos humanos em

saúde no Brasil. Recursos críticos recupera o contexto de cria-ção e desenvolvimento do Ppreps, que contribuiu para asidéias e o desenvolvimento da Reforma Sanitária no Brasil.

Saúde coletiva comocompromisso – atrajetória da AbrascoNísia Trindade Limae José Paranaguáde Santana(organizadores)Editora Fiocruz (21)3882-9093

Um modelo exemplarde interação entre a

produção do conheci-mento, formação profissional

e atuação política, nas palavras do vice-presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, a Associação Brasileirade Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) tem a sua his-tória recuperada nos sete capítulos da publicação. Da memóriados congressos da entidade, passando pela sua importânciano campo da pós-graduação e pela trajetória dos periódicosque edita, o livro traz reflexões sobre as origens e o processode institucionalização da Associação que se confunde com aconstrução e consolidação do SUS no país.

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Com 58 quilômetros de ex-tensão que cortam 27bairros das zonas Norte eOeste do Rio de Janeiro,a Avenida Brasil, inau-

gurada há 60 anos, ainda é a porta deentrada da cidade que um dia foi ma-ravilhosa. Árida, caótica nos momentosde maior trânsito e perigosa quando anoite cai, a via expressa construída apartir do final da década de 30 serviupara desbravar e urbanizar os sertõescariocas e contribuiu decisivamentepara a expansão da cidade em direçãoaos subúrbios. Endereço e entrada prin-cipal da Fiocruz, a avenida, supreen-dentemente pela primeira vez – o es-panto vem da importância que a Bra-sil tem para os tráfegos carioca, flumi-nense e nacional – é tema de umatese de doutorado. Intitulada Entre“avenida” e “rodovia”: a história daAvenida Brasil (1906-1954), a pesqui-sa recupera a trajetória do logradouro,as discussões que antecederam suaconstrução e a importância da via queleva o nome do país para a formaçãodo pensamento rodoviarista brasileiro.

Escrita pelo arquiteto e urbanistaRenato da Gama-Rosa Costa, chefe do

Departamento de Patrimônio Históri-co (DPH) da Fiocruz, a tese começoua ser gestada na mente do autor em1998. Naquele ano, Gama-Rosa e ou-tro colega do setor, o também arquitetoAlexandre Pessoa, fizeram uma pes-quisa que mais tarde resultou no livroUm lugar para a ciência: a formaçãodo campus de Manguinhos, publicadoem 2003 e que teve a coordenaçãode Benedito Tadeu de Oliveira. Inicial-mente Gama-Rosa queria entender ainfluência que as obras de construçãoda avenida tiveram no campus da Fun-dação, já que o traçado da via, ao atra-vessar uma região pantanosa e reple-ta de mangues onde está a Fiocruz,cortou a ligação da instituição com aBaía de Guanabara – tanto que naépoca era comum que pesquisadoreschegassem ao campus pelo mar. Emoutras palavras, a abertura da aveni-da tomou terras da Fiocruz.

“É realmente impressionante queaté hoje ninguém tivesse desenvolvi-do uma tese sobre a Avenida Brasil,por onde passa parte das riquezas pro-duzidas no país, por onde chegam aoRio milhões de turistas e que tambémserve de elo entre a cidade e os muni-

cípios da Baixada Fluminense, regiãoda qual uma legião imensa de traba-lhadores sai todos os dias para traba-lhar na capital”, diz Gama-Rosa, quedesenvolveu parte de sua pesquisa naFrança, onde ficou cinco meses no Ins-tituto de Urbanismo de Paris e na pres-tigiosa Escola de Altos Estudos Soci-ais. Ele também aborda, em seu tra-balho, as reformas urbanas promovi-das pelo barão Haussmann na capitalfrancesa no século 19. Segundo o ar-quiteto, a pesquisa histórica a respei-to de estradas, avenidas e a influênciado automóvel tem crescido nos últimosanos. Em 2003 ele foi o único latino-americano a participar, na cidade deEindhoven, na Holanda, da 1ª Confe-rência Internacional sobre História doTransporte, Tráfego e Mobilidade.

Gama-Rosa remonta a fins do sé-culo 19 para contar a origem dorodoviarismo, doutrina que levou o Bra-sil a privilegiar o transporte automobi-lístico, em detrimento da navegaçãoe das ferrovias. “Os urbanistas viamno automóvel o progresso, o futuro, odesenvolvimento, o salvador das cida-des. O veículo era encarado comosinônimo de liberdade. No caso especí-

Uma avenidachamada

FIO DA HISTÓRIA

BrasilRicardo Valverde

Obras de construção da Avenida Brasil, com o Castelo da Fiocruz à direita

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fico do meu estudo, já em 1913, narevista Cosmopolita, uma reportagempedia a construção de uma estrada quepassasse próxima ao Instituto deManguinhos, saindo do Jóquei Clube(onde atualmente está o Estádio doMaracanã) em direção ao porto deInhaúma (hoje extinto), o que melho-raria o acesso ao local”, diz o arquiteto.

Foi a partir dos anos 10 do século20 que o poder público passou a seinteressar pela urbanização da área demangues onde estava o Instituto. Oprojeto era de difícil e demorada exe-cução, já que era preciso aterrar o lo-cal para que a estrada passasse. As-sim, o terreno em frente ao que agoraé a Fundação foi o último a ser feito.Ao urbanizar a região, havia tambémo interesse em fazer desses subúrbioso que uma publicação da época cha-mava de “recantos belíssimos e habi-tados”, valorizando os terrenos e cri-ando novas oportunidades de moradiapara muitos cariocas.

Inicialmente, o que veio a ser a Ave-nida Brasil foi imaginada como uma va-riante da primeira estrada Rio-Petrópolis,aberta entre 1926 e 1928. O nome peloqual a via se consagrou só surgiu em1941, durante as obras de construção.Obras que tiveram início em 1939 e seestenderam até 1954, quando a aveni-da teve suas pistas duplicadas. O queGama-Rosa discute na tese é a deno-minação da via: seria ela uma avenidaou uma rodovia? “Os técnicos que a

construíram debateram exaustivamen-te a questão. Mas oficialmente a Brasilcomeçou como rodovia e uma provadisso é que em 1948 ela recebeu o títu-lo de BR-01, o que a colocava como aprincipal via do sistema rodoviário naci-onal, unindo a Rio-Bahia à Rio-PortoAlegre (hoje as duas formam a BR-101).E para Gama-Rosa, é rodovia ou aveni-da? “Rodovia”, crava ele.

A avenida, quando surgiu, eramenor do que hoje. A via se estendiada Avenida Rodrigues Alves, próximoao porto, no Centro do Rio, ao RioMeriti, num total de 15 quilômetros.Desse trecho até a localidade de Pilar,em mais 13 quilômetros, ela teria onome de Avenida das Missões e se-guiria em direção à Serra fluminense

O último trecho pavimentado foi oque fica em frente à Fiocruz, devidoaos mangues do local

e às regiões Centro e Norte do país. Eentre Parada de Lucas e a antiga Rio-São Paulo seria batizada de Avenidadas Bandeiras, com 33 quilômetros queajudariam a ligação com os estadossituados ao Sul do Rio. Hoje, de pontaa ponta, ela é a Avenida Brasil, pelaqual passam produtos, turistas, traba-lhadores e muitas histórias genuina-mente brasileiras.

O campus da Fiocruz nos anos 40, com a Avenida Brasil à direita

Fotos: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

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Uma vida dedicada à saúde pública

FPaulo Buss*

* Paulo Buss é presidente da Fundação Oswaldo Cruz

ARTIGO

Giovanni Berlinguer

oi um dia de festa para a Fiocruz. A abertura do ano acadêmico da

Fundação, em 4 de abril, com uma aula magna do médico italiano

Giovanni Berlinguer, representou uma bela homenagem a um insig-

ne homem público dos séculos 20 e 21. Um dos mais importantes e

conceituados sanitaristas e bioeticistas do planeta, Berlinguer tornou-se a segunda

pessoa a receber o título de doutor honoris causa da Fiocruz, pelas mãos do minis-

tro da Saúde, José Gomes Temporão.

Nascido em 9 de julho de 1924, na Sardenha, Berlinguer é irmão e foi grande

colaborador de Enrico Berlinguer, líder do Partido Comunista Italiano, além de ter

sido membro do Comitê Central por mais de 20 anos, período em que foi eleito

deputado por três legislaturas e senador por duas. Um de seus maiores feitos no

parlamento foi a relatoria da Lei do Aborto, que chamou a atenção de todo o

mundo pela autoridade moral, competência e habilidade com que foi conduzida.

Formado em medicina e cirurgia em 1952, retornou à sua cidade natal para

iniciar a carreira de professor universitário, atividade que desenvolveu até 1974,

quando assumiu a cátedra de saúde do trabalho. Ali permaneceu até a aposentado-

ria compulsória, em 1999, quando recebeu o título honorífico de professor emérito.

Berlinguer tem uma coleção de visitas ao Brasil desde a década de 50, quando,

na condição de presidente da União Internacional dos Estudantes, esteve no país

pela primeira vez. A ligação com o Brasil o fez receber, em 1999, da Universidade

de Brasília, o título de doutor honoris causa, homenagem com a qual já havia sido

anteriormente agraciado pelas universidades de Montreal e Havana. Em 2002, vol-

tou à Brasília para proferir a conferência Bioética, poder e injustiça, que abriu o 6º

Congresso Mundial de Bioética. E, em 2006, participou dos congressos Mundial de

Saúde Pública e Brasileiro de Saúde Coletiva, no Rio de Janeiro, em que proferiu

uma conferência sobre o que é hoje o seu tema central de trabalho: a bioética.

É atualmente presidente de honra do Comitê Nacional Italiano de Bioética,

membro atuante titular do Comitê Internacional de Bioética da Unesco e exerce o

mandato de deputado no Parlamento Europeu, pelo Partido Socialista/Democratas

de Esquerda. Tendo trabalhado muitos anos nas áreas da saúde pública, da saúde

do trabalhador e da saúde mental – como um dos promotores da reforma psiquiátri-

ca italiana –, foi no início dos anos 90 que Berlinguer mudou-se do campo da saúde

pública para a bioética, sem deixar de manter os olhos voltados para as questões

ideológicas, sanitárias e coletivas que nortearam toda sua longa vida pública.

Berlinguer integra hoje a Comissão Mundial sobre Determinantes Sociais da Saú-

de, que estimula ações de enfrentamento das iniqüidades ainda existentes. E é por

toda esta trajetória, que aqui resumo, que a Fiocruz homenageia Giovanni Belringuer.

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O Pavilhão Mourisco, como é mais conhecidoo prédio central da Fiocruz, começou a ser construídoem 1905, pelo arquiteto português Luiz Moraes Júnior,com base em desenhos do próprio Oswaldo Cruz.

O ensaio do fotógrafo André Az marca umaimportante data deste que é um dos símbolosda ciência e da saúde pública brasileiras.

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