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Romier Sousa e Renilton Cruz Organizadores Educação do Campo, Formação Profissional e Agroecologia na AMAZÔNIA: Saberes e práticas pedagógicas

Educação do Campo, Formação Profissional e Agroecologia na AMAZÔNIA : Saberes e práticas pedagógicas

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Produção coletiva do Núcleo de Estudos em Agroecolologia do Instituto Federal do Pará - Campus Castanhal, com apoio do NEAB-Belém e NEDETER. Parceria fundamental com o Prof. Renilton Cruz - UFPA - Campus Castanhal.

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Romier Sousa eRenilton CruzOrganizadores

Educação do Campo,Formação Profissionale Agroecologia na A M A Z Ô N I A : Saberes e práticas pedagógicas

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Saberes e prá t icas pedagógicas

Educação do Campo, Formação Profissional e Agroecologia na A M A Z Ô N I A :

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Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do ParáProf. Dr. Claudio Aléx Jorge da RochaReitor

Profa. Dra. Ana Paula Palheta SantanaPro-reitora de Pesquisa e Pós-graduação

Prof. Msc. Roberto Dias LimaDiretor Geral do IFPA - Campus Castanhal

Profa. Dra. Roberta de Fatima CoelhoCoordenadora do Mestrado em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos em Agroalimentares (IFPA – Campus Castanhal)

Profa. Msc. Maria Grings BatistaCoordenadora do Núcleo de Estudos em Educação e Agroecologia na Amazônia (NEA/Castanhal)

Comitê Científico Dr. Eros Marion Mussoi (Universidade Federal de Santa Catarina)Dr. João Batista Santiago Ramos (Universidade Federal do Pará)Dra. Louise Ferreira Rosal (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará)Dra. Maria José de Souza Barbosa (Universidade Federal do Pará)Dra. Maria Virgínia de Almeida Aguiar (Universidade Federal Rural de Pernambuco)Dra. Rocio Dias (Universidad de Alicante)Dra. Sergio Roberto Martins (Universidade Federal de Santa Catarina)

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Romier Sousa e Renilton CruzOrganizadores

2015

Saberes e prá t icas pedagógicas

Educação do Campo, Formação Profissional e Agroecologia na A M A Z Ô N I A :

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© Copyright by 2015 IFPA

RevisãoKleber Martins, Renilton Cruz e Romier Sousa

EdiçãoRomier Sousa e Renilton Cruz

Projeto Gráfico, diagramação e capaLuciano Silva

www.rl2design.com.br

Dados para catalogação na fonteSetor de Processamento Técnico Biblioteca

IFPA - Campus Castanhal

Educação do campo, formação profissional e agroecologia na Amazônia: saberes e práticas pedagógicas / Romier Sousa e Renilton Cruz, organizadores. — Belém: IFPA, 2015.

296 p. : il. ; 16x23 cm.ISBN 978-85-62855-42-9

1. Educação rural - Amazônia. 2. Agroecologia. 3. Agricultura familiar. I. Sousa, Romier. II. Cruz, Renilton.

CDD: 370.91734098115

E21

Catalogação na publicação: Suzi Helena Santos – CRB 2/856

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“Um galo sozinho não tece uma manhã: ele pre-cisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, des-de uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos”.

João Cabral de Melo Neto

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”.

Eduardo Galeano

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Organizadores

Romier Sousa - Possui graduação em Agronomia (1999), mestra-do em Agriculturas Amazônicas pela Universidade Federal do Pará (2002) e Maestría en Agroecología: un enfoque para el Desarrollo rural pela Universidad Internacional de Andalucia (2011). Douto-rado em Esdudios Medioambientales pela Universidad Pablo de Olavide, Espanha (2015). Atualmente é professor de ensino básico, técnico e tecnológico do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará.

Renilton Cruz - Possui graduação em Pedagogia (1999), mestrado em Serviço Social pela Universidade Federal do Pará (2005) e douto-rado em Ciências da Educação pela Universidade do Minho, Portugal (2011). Atualmente é professor Adjunto da Universidade Federal do Pará, Campus Universitário de Castanhal.

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Autores

Angelo Carvalho - Mestre em Ciências com ênfase em Educação Agrícola pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ (2009); Especialista em Educação Ambiental pelo Instituto Brasileiro de Pós-Graduação e Extensão - IBPEX (2005) e Licenciado Pleno e Bacharel em Geografia pela Universidade Federal do Pará - UFPA (1999). Atualmente é professor de Geografia do Ensino Básico, Téc-nico e Tecnológico do Instituto Federal de Educação Ciência e Tec-nologia do Pará - IFPA - Campus Castanhal.

Cicero Ferreira - Possui graduação em Licenciatura Plena em Ciências Agrícolas pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1989), Mestrado em Agronomia pela Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (1997) e doutorado em Ciências Agrárias pela Universidade Federal Rural da Amazônia (2004). Atualmente é Professor do Instituto Fede-ral de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará Campus castanhal.

Cleoson Reis - Graduado em Agronomia pelo IFPA - Campus Cas-tanhal (2014). Atualmente é mestrando do Programa de Pós-Gradua-ção em Desenvolvimento Rural - PGDR/UFRGS, linha de pesquisa Mediações Político-Culturais, Estruturas Produtivas e Configurações Sócio-Técnicas do Rural, bolsista CAPES.

Franciara Silva - Técnica em Agropecuária pela Escola Agrotécnica Federal de Castanhal (EAFC) e Bacharel em Agronomia pelo Ins-tituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), Campus Castanhal. Atua  como Assistente de Projetos no Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB).

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Hueliton Azevedo - Filho de camponeses do município de Abaete-tuba, PA, Técnico em Agropecuária e Bacharel em Agronomia pelo Instituto de Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - Campus Castanhal.

José Edivaldo Silva - Licenciado pleno em Pedagogia pela UFPA, especialista em Educação para as Relações Etnicorraciais pelo IFPA, graduando em Cinema e Audiovisual pela UFPA e mestrando em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimen-tares pelo IFPA Campus Castanhal. Atua como técnico em Assuntos Educacionais do IFPA Campus Castanhal.

Karina Nogueira - Engenheira Agrônoma formada pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - Campus Casta-nhal. Atualmente estagia no Laboratório de Biologia e Sistemática de Diptera do Museu Nacional - UFRJ.

Katiuscia Miranda - Engenheira ambiental e coordenadora de pro-jetos do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), em Be-lém, Pará.

Luzinete Silva - Possui graduação em Licenciatura Plena em Ciên-cias Biológicas (2008) e especiaização em Educação do campo, agri-cultura familiar e sustentabilidade na Amazônia do Projovem Cam-po Saberes da Terra da Amazônia Paraense. Atualmente é professora concursada da Prefeitura Municial de Bragança- Pará.

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Manuel Amaral Neto - Possui graduação em Agronomia pela Uni-versidade Federal Rural da Amazônia (1995) e mestrado em Agri-culturas Familiares e Desenvolvimento Sustentá pela Universidade Federal do Pará (2002). Atualmente é Gerente Regional do Instituto Internacional de Educação do Brasil – IEB.

Priscila Pereira - Engenheiro Agrônomo pelo IFPA - Campus Cas-tanhal (2014). Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Gradu-ação em Fitotecnia - PPGF com ênfase em Horticultura/UFRGS, bolsista CNPq.

Roberta Coelho - Possui graduação em Engenharia Florestal (1999), mestrado em Ciências Florestais (2001) e doutorado em Ciências Agrárias pela Universidade Federal Rural da Amazônia (2008). Atu-almente é docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-nologia - Campus Castanhal.

Ruth Silva – Socióloga, coordenadora de Projetos do Instituto Inter-nacional de Educação do Brasil.

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Sumário

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

Capítulo I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

• A trajetória da educação do campo no Instituto Federal doPará - Campus Castanhal: a verticalização do processo deensino como prática pedagógicaCícero Ferreira e Romier Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

• Formación profesional de camponeses en una escuela enla Amazonia BrasileñaRomier  Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

• A pedagogia da alternancia no ensino técnico agrícola:a experiência do pronera na Escola Agrotécnica Federal deCastanhal Estado do ParáÂngelo Carvalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

• A formação para o trabalho no âmbito da família camponesae da Escola de Ensino Médio RuralRenilton Cruz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

• “Nós tamo aprendendo com eles, eles tão aprendendo coma gente” : a troca de saberes vivenciados na turma PROEJAQuilombola - IFPA Campus CastanhalJosé Edivaldo Silva e Janaína Vaz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

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Capítulo II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191

• Agricultura camponesa na Amazônia Paraense: luta porautonomia e resistência num contexto de invisibilidadeRomier Sousa, Hueliton Azevedo, Cleoson Reis e Priscila Pereira. . 193

• O uso de agrotóxicos no nordeste paraense: a necessidade da geração de inovações para a agricultura familiar camponesaPriscila Rollo, Hueliton Azevedo, Karina Leão,Franciara Silva e Romier Sousa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207

• Núcleo de Estudos em Agroecologia: a construção de uma (re) açãona Amazônia paraenseRomier Sousa, Roberta Coelho, Franciara Silva eHueliton Azevedo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225

• Diagnóstico dos quintais agroflorestais de comunidades rurais de Bragança, ParáLuzinete Silva e Roberta Coelho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241

• Perspectivas da transição agroecológica no município de São Felix do Xingu – PARomier Sousa, Manuel Amaral Neto, Ruth Silva eKatiuscia Miranda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263

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Prefácio

Os movimentos sociais e sindicais do campo, nos últimos quin-ze anos, têm se organizado e desencadeado um processo de luta pela garantia de seus direitos em âmbito nacional, com forte expressão em nível dos estados da federação e em alguns municípios, articulando as lutas pelo direito à terra e à educação. Esse processo nacionalmente se reconhece como Movimento de Educação do Campo e, no Estado do Pará, como Movimento Paraense de Educação do Campo.

As origens do Movimento Paraense de Educação do Campo remontam ao ano de 2003, quando em reunião na antiga Escola Agro-técnica de Castanhal, representantes dos movimentos e organizações sociais e sindicais do campo, universidades públicas e instituições da sociedade civil, decidiram organizar um evento mais ampliado para pautar os desafios enfrentados pelos sujeitos que buscam acesso à es-colarização no meio rural do Estado do Pará.

O referido evento foi realizado na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), em Fevereiro de 2014, resultando na carta de criação do Fórum Paraense de Educação do Campo e de uma coor-denação geral, que deveria assumir a mobilização do coletivo de mo-vimentos, organizações e instituições que aderiram a esse processo e

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construir, coletivamente, a arquitetura e a dinâmica de articulação da rede. (FPECDR, Carta de Belém, 2014)

O Fórum Paraense de Educação do Campo é, portanto, a expressão mais significativa do Movimento Paraense por uma Educação do Cam-po, no processo de organização e mobilização pela construção de um projeto popular de desenvolvimento, de sociedade e de educação. Ele aglutina entidades da sociedade civil, movimentos sociais, instituições de ensino, pesquisa, órgãos governamentais de fomento ao desenvol-vimento e, também, da área educacional da sociedade paraense, que, compartilhando princípios, valores e concepções político-pedagógicas, buscam defender, implementar, apoiar e fortalecer políticas públicas, estratégias e experiências de educação do campo e desenvolvimen-to rural com qualidade sócio-ambiental para todos os cidadãos para-enses, especialmente para as populações do campo, aqui entendidas como: agricultores familiares, indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhos e pescadores (FPECDR, 2004).

Entre os marcos importantes da caminhada do Fórum são des-taques o I, o II, o III e o IV Seminário Estadual de Educação do Campo e o I e o II Seminário Estadual de Juventude do Campo, realizados entre 2004 a 2010; assim como o I e o II Encontro de Pesquisa em Educação do Campo do Estado do Pará, realizados em 2008 e 2010 na Amazônia Paraense; o I Seminário da Licenciatura em Educação do Campo do Pará

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e Amapá e III Encontro Estadual de Pesquisa em Educação do Campo, realizados em 2012; a Audiência Pública sobre Educação do Campo, realizada em 2013; e a organização do IV Encontro Nacional da Licen-ciatura em Educação do Campo, realizado em dezembro de 2014.

Esses eventos têm mobilizado um número cada vez mais abran-gente de sujeitos, instituições públicas, movimentos sociais e entida-des não governamentais nos processos de definição e implementação de políticas e práticas educacionais sintonizadas com a realidade do campo, constituindo-se em espaços onde se manifestam depoimentos, insatisfações, aspirações e reivindicações com relação à educação que se deseja ver/ser concretizada nas escolas do campo.

Esse esforço coletivo tem contribuído para ampliar o reconhe-cimento da Educação do Campo enquanto política pública e se ma-terializa na efetivação de programas e ações que viabilizam a garantia do direito à educação e à escola com o protagonismo das populações e sujeitos que vivem no campo. Como exemplo: Programa Projovem Campo saberes da Terra, PROCAMPO – Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação no Campo, Programa de Iniciação à Docência para a Diversidade; Programa Escola Ativa anteriormente e atualmente o Programa Escola da Terra; e PRONERA - Programa Na-cional de Educação na Reforma Agrária.

Esses programas têm sido implementados na Amazônia Para-ense através da aproximação entre os órgãos públicos federais, esta-duais e municipais, as universidades e as organizações e movimentos sociais populares do campo, assumindo o desafio de pautar as questões referentes a uma abordagem territorial nas políticas públicas que che-gam até as escolas do campo.

Esse fato fundamenta-se no reconhecimento de que a educação do campo deve ser pensada e colocada em prática possuindo um vín-culo estreito com as singularidades próprias dos territórios aos quais se destina, mas sem fragmentação, ou seja, percebendo o território ama-

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zônico em relação com os demais territórios do Brasil e do mundo, e analisando seus aspectos ecológicos, econômicos, políticos e culturais de forma relacional (FERNANDES, 1999).

No período mais recente, o protagonismo do movimento e a ne-cessidade de atuação em todo o território paraense têm motivado os atores que participam do Fórum Paraense a criar Fóruns Regionais vi-sando a ampliar e interiorizar o Movimento de Educação do Campo nas regiões de integração do Estado do Pará, aproximando o processo de mobilização e organização dos movimentos, organizações, institui-ções, grupos e sujeitos do campo do espaço local, de modo a fortalecer o alcance do movimento nos territórios do campo da Amazônia paraense.

Resultado desse processo, o Movimento Paraense de Educação do Campo, na atualidade, tem sido constituído pelo Fórum Paraense de Educação do Campo e pelos seguintes Fóruns regionais: Fórum Regio-nal de Educação do Campo do Sul e Sudeste do Pará, Fórum Regional de Educação do Campo da Região Tocantina, Fórum Regional de Educação do Campo da Região do Baixo Tocantins, Fórum Regional de Educação do Campo da Transamazônica e Xingu, e o Fórum de Educação do Campo da Região do Baixo Amazonas.

Na Região do Nordeste Paraense, inúmeras ações têm sido en-caminhadas rumo à construção do Fórum de Educação do Campo do Guamá. Em setembro de 2010, foi realizado o I Encontro de Educa-ção do Campo no Nordeste Paraense, sediado no IFPA/ Castanhal, ocasião em que foi criada a Comissão Pró-Fórum, com a finalidade de mobilizar e instituir o Fórum Regional de Educação do Campo no Nordeste Paraense, mais especificamente na região de integração do Guamá. Essa comissão foi formada por representante da EMATER, EMBRAPA, UFPA Campus de Castanhal, IFPA, egressos do PRO-JOVEM CAMPO Saberes da Terra, PRONERA, e educandos do PROCAMPO E PROEJA.

No dia 12 de abril de 2012, foi realizada 1ª Plenária Geral da

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Comissão Pró-Fórum Regional de Educação do Campo do Guamá, criando a Coordenação Geral, formada por representantes do IFPA--Castanhal, UFPA-Castanhal e dos Educandos do PROCAMPO. Em levantamento realizado por essa Coordenação, foram identifica-das as seguintes ações desenvolvidas na Região:• Realização do Seminário sobre Educação do Campo realizado em

Igarapé-Açú, em 2013, com a participação dos educandos do Cur-so de Licenciatura do PROCAMPO do IFPA-Castanhal.

• Realização da Feira de Saberes e Sabores do IFPA (2012 e 2013), destinada à exposição e comercialização de produtos oriundos de trabalhos do meio acadêmico e de trabalhadores e trabalhadoras vinculados às redes de economia solidária e à agricultura familiar na região Nordeste. A Feira se realiza simultaneamente com a Semana de Integração, Ciência e Tecnologia (SICAT-IFPA-Castanhal);

• Realização do Seminário Internacional “Desenvolvimento Rural Sustentável, Cooperativismo e Economia Solidária”, no âmbito da cooperação internacional entre Brasil e Espanha, realizado pelo IFPA - Campus Castanhal, UFPA e a Universidad de Alicante, para consolidação de estratégias de desenvolvimento rural susten-tável visando o fortalecimento de dinâmicas locais de organização e produção com base nas experiências de Economia Solidária, Co-operativismo, Agroecologia e Educação do Campo.

• Criação do Curso de Mestrado Profissional em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares, que surgiu a partir das demandas dos Empreendimentos, dos movimentos sociais e ausência de profissionais qualificados nesta área na região amazônica.

• Criação do Núcleo de Estudo em Agroecologia e Fortalecimento da Agricultura Familiar Camponesa (NEA), como um importante instrumento para fortalecer as relações entre o IFPA-Castanhal e os Movimentos Sociais e Comunidades rurais, onde as atividades de pesquisa e extensão tecnológica visam aprofundar a formação conti-

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nuada de educadores, educandos e agricultores familiares num pro-cesso de aprendizado coletivo, que privilegie o Desenvolvimento Ru-ral Sustentável, com enfoque Agroecológico no Nordeste Paraense.

• Implantação do Sub-Projeto PIBID - Pedagogia – Castanhal/UFPA em 2014, que objetiva inserir os licenciandos de Pedagogia do Campus Universitário de Castanhal no interior das comuni-dades e escolas de educação básica do meio rural de diferentes municípios do nordeste paraense, possibilitando-os experimentar práticas metodológicas e reflexões teóricas capazes de enfrentar os históricos problemas ligados à escolarização das populações rurais nesta região.

Assim, considero que a publicação do livro Educação do Campo, Formação profissional e Agroecologia na Amazônia: saberes e práticas pedagógicas constitui-se em mais uma ação efetiva de fortalecimen-to do Movimento de Educação do Campo na Região do Nordeste Paraense.

Escrito por profissionais militantes que desenvolvem suas ati-vidades docentes de extensão e pesquisa na região, o livro apresenta duas partes que se articulam entre si, abordando a educação do campo e a formação profissional, e as práticas de base ecológica desenvolvi-das pelos agricultores familiares, ambas compartilhando iniciativas do Movimento de Educação do Campo no Nordeste Paraense, e eviden-ciando possibilidades concretas da relação entre trabalho e educação na realidade rural deste território.

Boa leitura a todos

Salomão Mufarrej HageProfessor do ICED/UUFPA e

Coordenador do Fórum Paraense de Educação do Campo

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Introdução

Até meados do final dos anos 80, a educação dos habitantes dos espaços rurais foi marcada pela insuficiente ou mesmo ausente ação dos poderes públicos, apoiada no entendimento elitista e preconcei-tuoso largamente difundido de que os trabalhadores do campo não necessitavam de educação formal mais ampliada, dado o baixo nível técnico da atividade que desenvolviam. Em que pese os avanços em termos legais trazidos com a Constituição Federal de 1988 e com a LDB de 1996, as populações do campo continuaram desprovidas de políticas educacionais comprometidas com um desenvolvimento rural mais includente. Tendo em vista os reais interesses dos camponeses e seus movimentos, a educação ainda ofertada pelo Estado no meio rural, quase sempre, é estruturalmente empobrecida e empobrecedora, politicamente desarticulada e desarticuladora e culturalmente desen-raizada e desenraizadora.

Embora nos últimos anos o Brasil tenha produzido várias legis-lações, projetos e programas voltados à educação dos sujeitos do campo, os cursos de formação inicial de educadores, os centros de formação técnica e tecnológica e os órgãos gestores das políticas educacionais dos três níveis da federação, ainda, em sua grande maioria, se encontram à margem desse debate. No Pará, por exemplo, embora 31,5% da popu-lação paraense viva no espaço rural, são tímidas as iniciativas governa-mentais cujo foco sejam o enfrentamento das precárias condições em que os sujeitos do campo experimentam a educação formal.

Como mostram os dados do último Censo Nacional[1], dos 2.389.492 habitantes do campo paraense, mais de 13% são crianças de 0 a 5 anos, o que em números absolutos chega-se a aproximadamente

[1] IBGE. Censo Populacional. 2010

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332.139 pequenos indivíduos. Outros 22,3% encontram-se na faixa dos 6 a 14 anos, aproximadamente 532.856 crianças em idade de cur-sar o ensino fundamental. Além disso, verifica-se que 254.323 jovens entre 15 a 19 anos têm o espaço rural paraense como local de moradia e trabalho. Em 2013, apenas 84.648 estavam matriculadas na educa-ção infantil (7.675 em creches e 76.973 em pré-escolas), enquanto o ensino fundamental computava 510.702 alunos matriculados. Levan-do-se em consideração que no ensino fundamental rural há uma taxa de distorção idade-série na faixa dos 46, 2%, logo se verifica que quase a metade dos estudantes estuda em uma série diferente daquela que seria adequada à sua idade, fato que, infelizmente, se repete tragica-mente no ensino médio, onde 61,9% dos matriculados estão fora da série ideal para a sua idade (INEP/MEC, 2014).

Os números do Pará não se distanciam muito dos que as estatís-ticas governamentais apontam para o conjunto da Região Amazônica ou mesmo do restante do País, com destaque para os estados do Norte e do Nordeste. Se a muitos habitantes do campo é negado o direito ao acesso à escola, aos poucos que chegam ao sistema formal de ensino na própria “zona rural” é reservado, quase sempre, a convivência com pré-dios escolares precários, insuficientemente dotados de material peda-gógico e marcados pela alta rotatividade e pela frágil formação inicial e continuada dos docentes. Os que são obrigados a buscar a formação escolar nas cidades, convivem com longas viagens em transportes nem sempre adequados, regulares e seguros, bem como com um currículo que inviabiliza, quando não inferioriza, os modos de vida que caracte-rizam os territórios rurais e suas populações.

A formação profissionalizante de nível médio não aparece no ho-rizonte dos jovens do campo, pela ausência de instituições de ensino com esse perfil, não só no meio rural, mas também na maioria das cidades

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do estado[2]. Situação que, somada à escassez de oferta local de ensino médio propedêutico, contribui negativamente para o já frágil processo de desenvolvimento econômico e social dessas comunidades, uma vez que, à procura de melhores condições educacionais ou profissionais, braços e cérebros jovens fogem em direção aos centros urbanos, provocando em seus locais de origem uma paralisante depressão sócio-econômica, na qual velhos e crianças configuram a base da paisagem social[3].

Essa situação – que impõem aos sujeitos do campo a ausência ou a oferta precária de serviços públicos há muito consagrados como direito de todos os brasileiros – tem raízes no modelo de desenvolvimento rural do País, que historicamente subordina o campo à cidade e a produção familiar ao agronegócio. No modelo vigente, o campo da agricultura familiar camponesa, embora responsável pela produção da maior parte dos alimentos consumidos internamente e pela ocupação da maioria dos trabalhadores rurais do Brasil, figura como a parte atrasada da produ-ção agropecuária nacional, enquanto a produção capitalista e capitaliza-da – direcionada, prioritariamente, à exportação e pouco dependente de força de trabalho humana – é vista com relevo pelas políticas públicas desencadeadas pelo Estado. Como conseqüência, verifica-se no Brasil contemporâneo o acelerado avanço do capital no meio rural, impondo conseqüências ambientais sérias, a desterritorialização[4] dos povos e co-

[2] De acordo com Frigotto (2013), o Brasil tinha em 2012, 8.357.675 alunos matriculados no ensino médio. Apenas 1,2% no âmbito público federal, 85,9% no estadual, 1,1% no mu-nicipal e 11,8% no privado. Pode-se afirmar que no âmbito público apenas o 1,2% de alunos em escolas federais e algumas experiências estaduais, como a Escola Liberato no Rio Grande do Sul, têm padrões de qualidade internacional, com professores em tempo integral, carreira digna, tempo de pesquisa e orientação, laboratórios, biblioteca, espaço para esporte e arte etc., cujo custo econômico anual médio é de aproximadamente R$ 8 mil.[3] No Brasil, em 1990 existiam 74,7% da população em zonas urbanas, dez anos depois, em 2000 este quantitativo já era de 81,2%. Atualmente estima-se que 82% da população viva nas áreas urbanas das cidades brasileiras. E grande parte desse processo de migração dar-se pelos jovens em busca de melhores condições de vida (Freire, 2009). [4] Ver Fernandes (2004).

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munidades tradicionais. Tal processo condiciona ainda a a produção agrí-cola cada vez mais dependente de insumos externos e danosos à saúde humana, bem como marcada pela presença impositiva da monocultura e pela ausência dolosa de seres humanos.

Entretanto, essa lent’agonia imposta aos que vivem e produzem a partir do esforço conjunto da unidade familiar no meio rural amazônida e brasileiro por uma visão mercantilizada do desenvolvimento do campo, não ocorre sem resistência dos sujeitos individuais e coletivos que lutam, há muito, por condições dignas de sobrevivência nos territórios postados para além do urbano. Como parte dessa luta, verifica-se, desde meados dos anos 90, uma forte mobilização nacional em torno da materialização do direito à educação, que siga ao encontro dos interesses dos habitantes do campo, tendo como consequência o surgimento de diversos docu-mentos legais que reconheçam as especificidades educativas necessárias à promoção do respeito e à valorização identitária dos que constroem a sua existência nas diversas territorialidades existentes no meio rural bra-sileiro. Resultado ainda dessa mobilização, verifica-se o surgimento de políticas públicas educacionais, de governo e de Estado, com o objetivo de enfrentar o grave quadro educacional que marca o campo, bem como o envolvimento de várias instituições de ensino superior e tecnológico na execução e, posteriormente, na problematização dessas ações.

Cobradas pelos movimentos sociais do campo e financiadas por programas federais, muitas instituições de ensino passaram, desde o fi-nal dos anos 90, a ofertar cursos especificamente voltados aos sujeitos do meio rural. Tal experiência trouxe para muitas delas impactos signi-ficativos, tanto no ambiente do ensino – onde estruturas curriculares, espaços e tempos acadêmicos foram colocados em causa – como na pes-quisa e na extensão. Nesta, o contato mais intenso com públicos histori-camente alijados dos níveis mais elevados da educação formal, provocou mudanças relacionadas à forma e ao conteúdo da ação extensionista, especialmente quanto ao respeito e à valorização do saber, tradicional-

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mente, construído pelos povos do campo. Naquela, as práticas educati-vas realizadas no meio rural deixaram de ser um não-assunto e logo sur-gem linhas de pesquisas nos cursos de pós-graduação, teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso de graduação e grupos de pesquisa, cuja problemática principal abordava a educação no e do campo.

Paralelamente a este movimento por uma educação do campo, surge também o questionamento da matriz tecnológica implementa-da, especialmente, a partir dos anos 70 no Brasil, com objetivo claro de “modernizar” o espaço rural brasileiro. Este movimento de contes-tação nasce a partir dos debates realizados nas Comunidades Ecles-siais de Bases (CEBs), fruto da insatisfação com os impactos sociais, ambientais e econômicos desse modelo para a maioria dos agricultores e agricultoras no país. Igualmente o que ocorre no campo, nas univer-sidades, instituições de extensão e pesquisa, surgem também descon-tentamentos com estes impactos por grupos de estudantes, professores e profissionais das ciências agrárias, especialmente com uso indiscri-minado de produtos químicos na agricultura (Agrotóxicos), o que leva à construção de um movimento que logo ganha força e é denominado de agricultura alternativa (LUZZI, 2007).

Esta resistência política, científica e metodológica no fazer da ciência e da educação, realizada por técnicos, pesquisadores, edu-cadores tem seu ponto alto de articulação inicial nos anos 80, nos Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa (EBAS)[5], que trou-xeram à tona discussões sobre as agriculturas alternativas no Brasil, os problemas vivenciados pela modernização da agricultura, entre outros (SOUSA, 2013).

Desde os anos 90, este movimento questionador, a partir da ar-ticulação com outras ações semelhantes em países da América latina, passa a adotar o conceito de Agroecologia como referência central na

[5] O 1º Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa ocorreu em Curitiba – PR em 1981. O 2º foi realizado em Petrópolis em 1984.

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busca de alternativas e construção de uma nova forma de relação entre sociedade-sociedade e sociedade-natureza.

A tradução e publicação no Brasil, em 1989, do livro “Agroeco-logia: as bases científicas da agricultura alternativa”, de Miguel Altieri foi, sem dúvida, um marco importante na passagem de uma concep-ção centrada na difusão de práticas tecnológicas específicas (adubação verde, compostagem, utilização de caldas no manejo de pragas e do-enças, entre outras) para uma abordagem que tomava o agroecossis-tema[6] como unidade de análise e intervenção, (SCHMITT, 2009). Esta nova perspectiva criou a possibilidade da concepção de espaços de aprendizagens sociais, onde os técnicos poderiam apreender com a racionalidade dos agricultores assessorados. Esta mudança com rela-ção ao papel das tecnologias desencadeou um conjunto de evoluções nas abordagens metodológicas, havendo a necessidade de uma apro-ximação cada vez mais clara entre os movimentos por uma educação diferenciada para o campo e o movimento da agroecologia.

O que estava em jogo era a busca por uma concepção de ciência, de prática social e pedagógica que valorizasse os sujeitos do campo e seus territórios, tornando-os protagonistas do seu próprio desenvolvi-mento. Nesta direção, inúmeras iniciativas foram sendo forjadas, à luz, em grande medida, da resistência político-social empreendida pelos movimentos sociais, organizações não governamentais e grupos de professores, estudantes, técnicos e pesquisadores que se encontravam atuando por dentro das instituições do Estado brasileiro.

No estado do Pará, estas iniciativas surgem de maneira isolada nos anos 90, a partir de ações pontuais de projetos e programas, como forma de resistência, e logo ganham espaço de articulação a partir da criação do Fórum Paraense por uma Educação do Campo (FPEC), ins-tituído em 2003. O FPEC é um espaço plural que congrega diversas

[6] Entendido aqui, como um ecossistema transformado pelos seres humanos para produção de sua existência material e imaterial.

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pessoas, instituições e movimentos sociais e possui como princípio a luta por direitos sociais, especialmente de uma educação digna e trans-formadora para as populações do campo paraense.

A partir destas articulações, surgem iniciativas inovadoras e pro-gressistas que vão construindo pistas concretas sobre a possibilidade de mudanças na perspectiva educativa e na forma de relação entre socieda-de e natureza. O livro Educação do campo, Formação profissional e Agroe-cologia na Amazônia: saberes e práticas pedagógicas possui como objetivo principal refletir sobre estas mudanças e diferentes práticas de educação e manejo de agroecossistemas de maneira sustentável. Está dividido em duas partes. A primeira dedica-se a fazer uma reflexão sobre a educação do campo e a formação profissional, trazendo iniciativas de pesquisa que desvendam a caminhada recente do Movimento por uma Educação do Campo no Nordeste Paraense, além de trazer pistas concretas das relações entre trabalho e educação na realidade rural deste território. Na segunda parte, o livro apresenta texto sobre pesquisas realizadas a partir de práti-cas de base ecológica, seja realizando a denúncia do uso indiscriminado de agrotóxicos, seja apresentando perspectivas na aplicação do enfoque agroecológico para análise das diferentes práticas desenvolvidas pelos agricultores familiares no estado do Pará.

O livro nasce da parceria interinstitucional entre Instituto Fe-deral de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará e Universidade Fe-deral do Pará, impulsionada pela atuação do Núcleo de Estudos em Educação e Agroecologia na Amazônia (NEA), do qual os organiza-dores fazem parte e onde compartilham pesquisas, ações de extensão e práticas pedagógicas articuladas ao desejo de construção de uma edu-cação contextualizadora, emancipadora, dialogada e transformadora da sociedade atual. Esperamos que gostem da leitura.

Os organizadores

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Referências

FERNANDES, Bernardo (2004b). Delimitação conceitual de cam-pesinato. Disponível em: www.mst.org.br/biblioteca Acesso em: 24 de Fevereiro de 2008.

FREIRE, Jacqueline Cunha da Serra. Juventude Camponesa e Polí-ticas Públicas: pertinência social do Programa Saberes da Terra na Amazônia paraense. Universidade Federal do Pará, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Programa de Pós-Graduação em Desenvolvi-mento Sustentável do Trópico Úmido, Belém, 2009. (Tese de Dou-torado).

FRIGOTTO, Gaudêncio. Ensino médio e técnico profissional: dis-puta de concepções e precariedade. Le Monde Diplomatique Brasil, p. 28-29, 2013.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Censo Popu-lacional 2010. Brasília, IBGE, 2010.

Instituto Nacional de Pesquisa Educacional - INEP. Censo Escolar. Brasília, INEP, 2014.

LUZZI, Nilsa. O debate agroecológico no Brasil: uma construção a partir de diferentes atores sociais. 2007. Tese de Doutorado. Univer-sidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

SCHMITT, Claudia J. Transição agroecológica e desenvolvimento rural: um olhar a partir da experiência brasileira. Agroecologia e os desafios da transição agroecológica . São Paulo: Expressão Popular, p. 177-204, 2009.

SOUSA, R. da P.; MARTINS, S. R. Construção do conhecimento agroecológico: desafios para a resistência científico-acadêmica no Brasil. In: Costa Gomes, J. C.; Assis, W. S. de. Agroecologia: princí-pios e reflexões conceituais. Brasília, DF: EMBRAPA, 2013.

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Capítulo I

Educação do campo eformação profissional

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• A trajetória da educação do campo no Instituto Federal do Pará - Campus

Castanhal: a verticalização do processo de ensino como prática pedagógica

Cícero Ferreira; Romier Sousa

1 . Introdução

Em 29 de Dezembro de 2008, conforme Decreto Lei Nº 11.892/2008, a Escola Agrotécnica Federal de Castanhal (EAFC--PA) foi transformada em Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) Campus Castanhal. Desde sua fundação até os dias atuais, o IFPA Campus Castanhal passou por mudanças no processo de formação profissional. Essas mudanças tiveram o objetivo de fazer cumprir as políticas para a educação profissional que se es-tabeleceram no Brasil. Observa-se que desde a sua criação, em 1921, a instituição vivenciou várias mudanças curriculares, adequando-se às perspectivas de desenvolvimento rural propostas no País (OLIVEI-RA, 2007). Entre as décadas de 1930 a 1960, na vigência da Lei Nº 9.613 de 20/08/1946, denominada de Lei Orgânica do Ensino Agrí-cola, a instituição deixou a formação correcional e passou a oferecer um ensino voltado para a qualificação de mão de obra.

Em 18 de junho de 1972, o Colégio Agrícola Manoel Barata mu-dou-se definitivamente para Castanhal. Nesse período, a formação tecni-

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cista foi acentuada na Escola com a adoção da metodologia do Sistema Escola-Fazenda (SEF), no qual o princípio curricular era “Aprender a fazer e fazer para aprender”. A mudança para Castanhal possibilitou que o espaço escolar do Colégio Agrícola fosse reestruturado, para que pudes-se se adequar ao modelo estabelecido pelo SEF. É importante ressaltar que neste período o Brasil passava por um regime de ditadura militar e a educação, principalmente a profissional, foi financiada com recursos de acordos internacionais visando à transferência da tecnologia da Revolução Verde aos países chamados de Terceiro Mundo à época (Oliveira, 2007).

Na década de 1990, em cumprimento as prescrições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9394/1996, a Escola mo-dificou o currículo e ampliou a oferta de cursos por alterações estabe-lecidas pela Reforma da Educação Profissional e, desta forma, passou a ofertar, além do curso Técnico em Agropecuária, cursos na área de Agroindústria e Pós-Técnico em Manejo Florestal.

Desde dezembro de 2008, a instituição vive mais um momento de modificações na sua organização administrativa e pedagógica, as quais trouxeram novos desafios e possibilidades prescritas no Decre-to e documentos de criação dos Institutos Federais. De acordo com a Lei Nº 11.892, no seu artigo 2º, que criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: “Os institutos são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicam-pi, especializadas na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhe-cimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas nos termos desta lei” (BRASIL, 2008).

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) foi então instituído a partir da fusão de três Autarquias Fede-rais: Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará (CEFET) e suas Unidades Descentralizadas; Escola Agrotécnica Federal de Cas-tanhal (EAFC); e Escola Agrotécnica Federal de Marabá (EAFM).

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No âmbito do IFPA Campus Castanhal, a lei dos Institutos Federais oficializou um projeto amplamente discutido e consolida-do em reuniões com a comunidade escolar. A implantação do ensi-no superior através da criação dos cursos de Tecnologia em Aqui-cultura e Engenharia Agronômica são exemplos claros desta nova conjuntura institucional. Esses cursos foram escolhidos devido às condições que a Instituição oferece em recursos humanos, infraes-trutura, pesquisa e recursos naturais, além de estarem sintonizados com a demanda de formação de profissionais, para atuarem no de-senvolvimento rural amazônico.

Em 2010, foram implantados os cursos de formação de profes-sores através das Licenciaturas em: Geografia, Pedagogia e Informá-tica com apoio do Plano Nacional de Formação de Professores - Pla-taforma Paulo Freire – PARFOR e a Licenciatura em Educação do Campo com apoio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabeti-zação, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, através do PROCAMPO.

A complexa realidade amazônica urbana e rural e paraense, em particular, pauta desafios e projeta a importância estratégica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - IFPA no contex-to regional, principalmente, no fomento do desenvolvimento rural do estado. O potencial econômico da agropecuária e manejo dos recursos naturais (florestais, pesqueiros, etc.) em nosso estado vem aumentando significativamente. O Pará é responsável por 46,6% dos estabelecimen-tos rurais da Região Norte e 40,4% do total de áreas dos estabeleci-mentos rurais (Censo Agropecuário, 2006). A Agropecuária no Estado possui uma participação nas atividades econômicas de 22,77%.

No plano educacional, o desafio é ainda mais complexo: a am-pliação da oferta do ensino médio para as populações do campo; a necessária melhoria da qualidade de ensino para a reversão dos baixos indicadores da educação básica; a diminuição da taxa de analfabetis-

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mo; entre outros elementos, são evidências inequívocas dos desafios, todos agravados se considerarmos o histórico processo de exclusão das populações do campo. Dados da primeira Pesquisa Nacional de Edu-cação na Reforma Agrária (PNERA, 2005), revelam que somente nas áreas de assentamentos da Reforma Agrária do estado, mais de 40.000 jovens e adultos encontrava-se em fase de escolarização no Ensino Médio, mas estavam fora da escola devido a insuficiência de oferta educacional nessa área que naquele ano atendia apenas 1% da deman-da nesse nível de ensino.

Diante deste cenário, o presente artigo tem como objetivo refle-tir sobre a construção coletiva de conhecimentos com base nos princí-pios da educação do campo, a partir da experiência do IFPA – Cam-pus Castanhal. Essa construção materializa-se a partir de projetos educacionais nos diferentes níveis e modalidade do sistema brasileiro, que vai do ensino fundamental com qualificação técnica e social em produção rural familiar; passando pelo ensino médio integrado com o ensino técnico em agropecuária; pela formação de professores através da licenciatura em educação do campo na graduação e a especialização em educação do campo na pós-graduação.

2 . A educação agrícola, rural e do campo[7]

Historicamente, a educação agrícola no Brasil esteve vinculada ao desenvolvimento das forças produtivas, num contexto em que a atividade agrícola era predominante. O capitalismo nas suas (re) con-figurações em sua dinâmica produtiva no país pautou uma exigência de (re) adequação a uma base técnica.

[7] Texto baseado no documento base da Diretoria de Educação Agrícola – DEA/IFPA sobre “Diretrizes Político-Educativas da Diretoria de Educação Agrícola do IFPA” produzido em 2010 como subsidio ao debate da Política de Educação do Campo no IFPA. Escrito pelos autores com colaboração de Jacqueline Serra Freire (DEA/IFPA, 2010).

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O ensino agrícola nos seus primórdios, no Brasil, está associado às instituições arregimentadoras de mão-de-obra marcadamente au-toritárias – inicialmente, os Aprendizados Agrícolas e os Patronatos Agrícolas – que na maioria das vezes abrigava excluídos da sociedade e os subordinava à rotinas de trabalho e (de) formação que reforçava a condição subalterna aos interesses dominantes. A configuração dessas instituições, sua função social, dinâmica formativa e curricular foram analisadas densamente por Oliveira (2007), entre outros autores.

Ao longo de mais de um século de ensino agrícola, a trajetó-ria foi marcada pela subordinação dos trabalhadores rurais aos in-teresses agrários dos grupos dominantes, polarizando a agricultura “moderna” e a “arcaica”, sendo a educação um instrumento de poder material e simbólico, de promoção ideológica na noção de progresso. Na síntese de Mendonça (2007, p. 20): “o ensino agrícola se trans-formaria em instrumento de negação dos conflitos sociais no campo, consagrando a identidade subalterna do trabalhador rural em relação aos demais trabalhadores”.

Reformas educacionais foram empreendidas, (re) arranjos ins-titucionais foram (re) configurados, novas instituições foram criadas, a exemplo das Escolas Agrotécnicas Federais. Nesse processo, o du-alismo entre educação geral e formação técnico-profissional foi ora se acentuando, ora se remodelando. Os autores já referenciados no presente texto se constituem em aportes teóricos importantes para a compreensão dessa trajetória.

A educação rural, por sua vez, também é compreendida histo-ricamente como processo desvinculado das raízes dos sujeitos educa-tivos, como instrumento de subalternização, da concepção do espaço rural como lugar de atraso e da educação como possibilidade de mo-dernização dos indivíduos e coletividades, associada à idéia de manu-tenção da dominação e subjugo. A análise de Calazans (1993) e Leite (1999) são referências nesse debate.

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O contexto social, econômico e político do Brasil – em que gran-de parte dos camponeses brasileiros não tem acesso à educação escolar – levaram os movimentos sociais a articularem-se em torno de uma luta e uma proposta pela Educação do Campo que respeite as especifici-dades locais (indígenas, quilombolas, sem-terras, ribeirinhos, pequenos proprietários rurais, etc). Em decorrência desse fato, foram realizados diversos encontros e conferências, em nível regional e nacional, com o objetivo de construir uma proposta popular para as escolas do campo.

É na perspectiva da crítica radical à concepção, fundamentos e práticas que nortearam a educação rural que na década de 1990, sob a liderança dos Movimentos Sociais, em particular do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que vai se configurando o paradigma da Educação do Campo. É densa a produção sobre esse processo histórico e de construção coletiva, cujo I Encontro Nacional de Educação na Reforma Agrária (ENERA) em 1997, a 1ª Confe-rência Nacional de Educação do Campo (1998) e a 2ª Conferência Nacional de Educação do Campo (2004) são marcos históricos fun-damentais. Entre outros autores, destacam-se Arroyo (2004), Molina (2004, 2006), Caldart (2002, 2004, 2008).

Intensos processos de lutas sociais protagonizados por movimentos sociais do campo; enfrentamentos com a ofensiva neoliberal instaurada vigorosamente no país na década de 1990; experiências educativas inova-doras referenciadas na pedagogia da alternância; possibilitaram o avanço da construção coletiva do paradigma da Educação do Campo. Conquistas importantes como a institucionalização do PRONERA (Programa Na-cional de Educação na Reforma Agrária) e das Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo são evidências inequívocas da força social do processo desencadeado há mais de dez anos.

O paradigma da Educação do Campo foi concebido na 1ª Con-ferência Nacional como uma ruptura com a educação rural subalterni-zadora, razão de ser afirmativo que:

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Decidimos utilizar a expressão campo e não a mais usual, meio rural, com o objetivo de incluir no processo da Conferência uma reflexão sobre o sentido atual do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais dos grupos que hoje tentam garantir a sobre-vivência deste trabalho. Mas quando discutimos a educação do campo estamos tratando da educação que se volta ao conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, incluindo os quilombolas, sejam as nações indígenas, sejam os di-versos tipos de assalariados vinculados à vida e ao trabalho no meio rural. (Primeira Conferência Nacional “Por uma Educação Básica do Campo”, Texto Preparatório, 1998).

Em sua formulação sobre o campo da pesquisa em Educação do Campo, espaço e território como categorias essenciais, Bernardo Fernandes afirma que:

[...] a Educação do Campo está contida nos princípios do para-digma da questão agrária, enquanto a Educação Rural está contida nos princípios do paradigma do capitalismo agrário. A Educação do Campo vem sendo construída pelos movimentos camponeses a partir do princípio da autonomia dos territórios materiais e imate-riais. A Educação Rural vem sendo construída por diferentes ins-tituições a partir dos princípios do paradigma do capitalismo agrá-rio, em que os camponeses não são protagonistas do processo, mas subalternos aos interesses do capital (FERNANDES, 2006, p. 37).

As expressões são carregadas de sentido. Não se trata de uma questão semântica. Assim, Educação Agrícola e Educação Rural fo-ram tecidas num contexto e alinhadas a um paradigma de subordina-ção aos interesses da elite agrária dominante. O momento presente é necessário repensar sobre estas diferentes expressões que marcam a

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história da educação profissional no país e não podemos nos furtar a esse debate paradigmático[8].

As conquistas já alcançadas, os Programas já formulados e im-plementados, a legislação já instituída, entre outros, por si só, não ga-rantem que a Educação do Campo seja uma política do Estado brasi-leiro. O momento exige mais avanços na perspectiva de consolidação de ações públicas, que dessa forma extrapolem políticas de governo, internalizando nas Instituições de Ensino Superior e Tecnológicas a criação dos Cursos de Licenciatura e de Especialização de forma re-gular, com garantia de vagas para expansão do quadro docente, por exemplo. Assim, poderão ser assegurados os direitos dos sujeitos do campo, com uma educação de qualidade e ao mesmo tempo em que considere as especificidades dos camponeses.

3 . A verticalização da educação do campo no IFPA Campus Castanhal

Tomando como referência os projetos políticos pedagógicas dos cursos: Ensino fundamental com qualificação técnica e social em produção rural familiar (Projovem Campo Saberes da Terra); Técnico em Agropecuária com Ênfase em Agroecologia integrado ao ensino médio (apoiado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA); Licenciatura plena em educação do cam-po (apoiado pelo Programa Nacional de formação de professores do campo – PROCAMPO) e Especialização em educação do campo, agricultura familiar e sustentabilidade na Amazônia, realizamos uma reflexão sobre o movimento curricular ocorrido no IFPA – Campus

[8] Em 2008 a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação promoveu uma série de Seminários regionais e um Nacional com o objetivo de discutir o novo cenário da Educação Agrícola no país. Os eventos originaram um documento onde apresenta sugestões de mudanças na lógica de funcionamento dos processos formativos e da concepção pedagógica nas Instituições de ensino Profissional. (MEC/SETEC, 2008).

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Castanhal e a importância na dinâmica do desenvolvimento rural no Nordeste Paraense.

3 .1 . Saberes da Terra: Ensino Fundamental com qualificação técnica e social em produção rural familiar[9]

O Programa Saberes da Terra nasce como uma iniciativa pi-loto do Ministério da Educação através da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Propõe ofertar ensino fundamental integrado à qualificação social e profissional para os jovens agricultores do Brasil, num esforço de reunir princípios po-lítico-metodológicos acumulados ao longo das últimas décadas, desde as primeiras ações da educação popular, até as recentes e importantes iniciativas de educação do campo protagonizadas pelos diferentes mo-vimentos sociais e políticas públicas.

Representa um desafio, por se tratar de um Programa com um nível de inovação significativa para o conjunto de políticas da educa-ção nacional. É caracterizado por uma pedagogia que vincula educa-ção e trabalho a um paradigma de educação e sociedade que objetiva construir uma nova dimensão de desenvolvimento do campo. Aliado a isto, está a estratégia consciente de fortalecimento dos entes fede-rativos – União, Estados e Municípios – e de tratamento do Progra-ma na perspectiva de sua institucionalização como política de Estado. Por isso, executado em regime de colaboração com entes federativos estaduais e municipais, como uma ação interministerial, sob a coor-denação geral da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação em conjunto com as coordenações dos demais entes partícipes torna-se um Programa

[9] Baseado no Projeto Político Pedagógico do Programa Saberes da Terra na Amazônia Paraense desenvolvimento a partir de 2006 em parceria com diversas Instituições Públicas e Movimentos sociais do campo, com destaque para a Universidade Federal do Pará e no Relatório final de atividades do Programa, versão 2005-2008. Uma avaliação mais ampla da implementação do Programa pode ser consultada em Freire (2009).

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complexo do ponto de vista pedagógico de gestão pública. Em grande medida as maiores dificuldades de execução do programa reside exa-tamente nesta dupla complexidade.

A Dimensão Pedagógica foi abordada a partir de uma perspec-tiva multidimensional, enfocando o Currículo em Ação concretiza-do a partir do projeto Político Pedagógico do Programa; a Formação Continuada contemplando a Rede de Formação de Formadores/as de Educadores/as, a Formação de Educadores/as, as Oficinas Pedagógi-cas Estaduais, o Acompanhamento Pedagógico e a Formação dos/as Educandos/as.

Há que se destacar que, metodologicamente, o Programa con-cretizou-se a partir da proposta do Currículo Integrado e da Pedago-gia da Alternância, cuja organização foi norteada pelo Eixo Articu-lador Agricultura Familiar e Sustentabilidade na Amazônia, e Eixos Temáticos: Agricultura Familiar: Gênero, Raça, Etnia e Identidade Cultural; Organização Social, Políticas Públicas e Cidadania no Cam-po; Sistema de Produção e Processos de Trabalho no Campo; Desen-volvimento Sustentável, Economia Solidária e Enfoque Territorial.

O exercício autônomo e criativo da proposta político pedagógi-ca conduziu a experiência no Estado a reorganizar os Eixos Temáticos e incluir a Economia Solidária no Eixo de Desenvolvimento Susten-tável, entendendo-a como uma das estratégias estruturantes para a sustentabilidade almejada. Ressalte-se que a reorganização não impli-cou em nenhuma perda ou distorção em relação à proposta nacional. O diálogo com a Equipe Nacional do Programa e demais Estados foram marcantes nesse processo no sentido de compartilhar a experi-ência que vinha sendo acumulada no Estado. Os eixos temáticos fo-ram construídos no sentido de articular os conhecimentos técnicos e sociais com a formação propedêutica.

As áreas do conhecimento chamadas a dialogar com os eixos temáticos são: Linguagem, códigos e suas tecnologias; Ciências da

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natureza e linguagem matemática; Ciências humanas e Ciências agrárias. Estas áreas estabelecem um diálogo entre si e, ao mesmo tempo, cada uma contribui para ampliar a compreensão das práticas sociais como produtoras de significados, servindo de referência para que as áreas de estudos atribuam novo ao conteúdo de sua contribui-ção na explicitação da temática estudada. Sendo assim, deverão ser construídas problemáticas que possibilitem perceber as relações entre as áreas do conhecimento e os eixos temáticos.

• Arcos OcupacionaisOutra inovação importante implementada no Programa foi a

inserção dos arcos ocupacionais, como o conjunto de ocupações rela-cionadas, ou seja, que possuem base técnica comum. Estes arcos de-vem abranger as esferas da produção e da circulação (produção ru-ral, agroindústria, comércio, prestação de serviços), garantindo uma formação mais ampla e aumentando as possibilidades de inserção ocupacional do trabalhador, seja como agricultor familiar, assalaria-do, auto-emprego ou associado/cooperativado (economia solidária). No âmbito do Programa, foi instituído o arco Produção rural familiar, com cinco ocupações: sistemas de cultivo, sistemas de criação, extrati-vismo, agroindústria e aquicultura.

O arco produção rural familiar foi sendo desenvolvido de modo transversal a partir de estudos em meio ambiente, gestão e adminis-tração. Os conteúdos do currículo do ensino propedêutico foram tra-balhados em um processo de reflexão e aprofundamento das questões desencadeadas pelos temas específicos de cada grupo de educandos, assim como os conceitos desenvolvidos nos cursos dialogam com a experiência vivida pelo agricultor familiar.

A execução da proposta pedagógica e curricular do Saberes da Terra ocorreu por meio da organização dos tempos e espaços formati-vos, considerando os pressupostos, os princípios e o currículo elenca-

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dos no Projeto Político Pedagógico que tem como sua razão de ser a formação de jovens da Agricultura Familiar.

A utilização da alternância de tempos e espaços pedagógicos é considerada matriz pedagógica de organização do trabalho para a realização do processo de ensino e aprendizagem.

A especificidade da modalidade educação de jovens e adultos e da Educação do Campo assegura como princípio a organização ade-quada dos tempos e espaços formativos à realidade do campo, estraté-gias específicas de garantia do direito à educação e a flexibilização da organização do calendário escolar. Essa flexibilização pode acontecer sob a forma da alternância, considerada uma das mais adequadas me-todologias para atender às peculiaridades das populações do campo.

Essa metodologia caracteriza-se pela conjugação de períodos alternados de formação na escola e na família e pelo uso de instru-mentos pedagógicos específicos. No Saberes da Terra, a alternância aconteceu por meio de dois tempos-espaços específicos: Tempo-esco-la e Tempo-comunidade.

• Tempo-escolaCorresponde ao período em que o educando permanece efetiva-

mente no espaço da unidade escolar, em atividade grupal, em contato com o saber sistematizado em áreas de conhecimentos, planejando, pesquisando, debatendo e interagindo com os demais, sob a media-ção e orientação da equipe de educadores. Neste período, são desen-volvidas aprendizagens sobre os saberes técnico-científicos dos eixos temáticos; planejada a execução de projetos-pesquisa que serão desen-volvidos em suas propriedades; realizadas atividades de acolhimento e organização grupal; planos de pesquisas; círculos de leitura e diálogos; trabalhos em grupos, entre outras atividades pedagógicas.

Também, neste período, contemplam-se atividades no espaço escolar, em que o saber sistematizado, historicamente acumulado pela

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humanidade, foi priorizado no ensino articulado à pluralidade de sabe-res dos quais os jovens são portadores. Os conteúdos da escolarização foram integrados aos da qualificação e formação profissional. Foi um momento também de elaboração, de planejamento dos projetos e ações desenvolvidas nas comunidades e propriedades das famílias dos jovens agricultores. A carga horária do Tempo Escola (TE) totalizou 2.400 horas, de acordo com o detalhamento constante no desenho curricular.

• Tempo-comunidadeCorresponde ao período em que o estudante, tendo problemati-

zado e confrontado no tempo-escola os conhecimentos que trouxe de casa, é motivado a promover e compartilhar na família os resultados, impressões e eventuais conclusões deste confronto e problematização. Esta motivação e partilha também, em alguns momentos, será promo-vida com a comunidade ou nas instâncias de participação social e de classe. No Tempo-comunidade, o estudante desenvolverá pesquisas, projetos, atividades grupais, entre outras atividades, com o auxilio do planejamento e acompanhamento pedagógico dos/as educadores/as.

A proposta metodológica da Pedagogia da Alternância ainda contemplou, nos itinerários formativos, vivências pedagógicas que ar-ticularam trabalho e estudo, escola e família no lote, possibilitando a real integração da escola com a família e a comunidade.

A experiência do Programa Saberes da Terra da Amazônia Pa-raense possibilitou múltiplas aprendizagens aos diversos sujeitos cole-tivos que se engajaram no seu processo de construção, mobilização e implementação a partir de 2005. Destaca-se como uma das aprendi-zagens da experiência piloto do Programa Saberes da Terra a inovação do paradigma da Educação do Campo e a necessária fundamentação que a apropriação e concretização desses postulados implicam no co-tidiano escolar, o que exige a necessidade de estudo e aprofundamento sobre essa construção teórico-prática.

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Conceber a educação na sua dimensão de universalidade e de singularidade é desafiante. Reconhecer, considerar, respeitar e incor-porar no currículo as particularidades e demandas próprias da diver-sidade de grupos e movimentos sociais do campo é um exercício ins-tigador. Nesta perspectiva, é preciso reconhecer, valorizar e legitimar projetos pedagógicos de educação na diversidade, enquanto princípio, com estratégias de respeito às diferenças e aos saberes dos sujeitos co-letivos e de seus processos específicos de produção da vida, na diversi-dade: cultural, política, econômica, de gênero, de geração, étnico-racial e de ecossistemas, sendo assumido pela escola como fonte de estudo, de saberes e de convivência.

O processo de formação de formadores e de educadores revelou a importância e a necessidade de retroalimentação de aporte teórico metodológico e (re) valorização dos saberes dos sujeitos educativos, aliada à necessária contextualização que deve perpassar tal processo, comprometendo os envolvidos com as transformações político-peda-gógicas necessárias à rede de escolas, à educação e ao contexto socio-cultural. No âmbito do IFPA, a formação de educadores trouxe à tona a necessidade do conhecimento mais aprofundado sobre os elementos constituintes do paradigma da educação do campo. A mobilização realizada foi fundamental para consolidar o programa no Instituto, onde – a partir da segunda versão do programa – diversos educadores de vários Campi participaram de processos formativos interdiscipli-nares articulados pela Diretoria de Educação Agrícola do IFPA. A formação dos sujeitos educativos do Programa pretendeu desenvolver a capacidade de formulação, proposição e implementação de projetos de desenvolvimento sustentável no campo, nas diversidades que a rea-lidade amazônica abriga.

No que se refere ao currículo integrado, a experiência revelou que a falta de aporte teórico-metodológico sobre o paradigma da Educação do Campo é determinante para a dificuldade de materiali-

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zação prática que respeite os princípios pedagógicos do Programa. A ação integrada entre profissionais do ensino – licenciados e formados em magistério – e os profissionais das ciências agrárias – predomi-nantemente técnicos agropecuários e também engenheiros agrônomos – foi uma experiência exitosa, em que pese as evidentes dificuldades no início das atividades conjuntas. A articulação de equipes multidis-ciplinares de Formadores e de Educadores potencializou processos de ensino e pesquisa interdisciplinares, práticas no Tempo Escola e Tem-po Comunidade que materializassem o trabalho como princípio edu-cativo. A rotatividade de professores e membros de Equipe Pedagógi-ca foi um vetor de fragilização da experiência em alguns municípios, comprometendo a qualidade do trabalho pedagógico e a formação dos educandos.

Por fim, na última alternância Tempo Escola da turma de Edu-candos do município de Ipixuna do Pará, no Nordeste Paraense, em julho de 2007, a Coordenação Pedagógica, Equipe de Formadores e Educadores do Programa estiveram reunidas para fazer algumas ati-vidades, entre elas a Árvore dos Sonhos[10]. O objetivo de tal atividade era fazer um balanço do Programa a partir daquela experiência local e agregar subsídios para a elaboração dos Cadernos Pedagógicos que a Universidade Federal do Pará estava engajada na elaboração no con-texto da parceria com a SECAD/MEC.

Foi um dia de muitas emoções, partilhas, lembranças e a sau-dade antecipada que se avizinhava para aqueles jovens e adultos que em breve estariam se despedindo do Programa. Coletivamente cons-truímos a árvore dos sonhos, e o ingresso no Ensino Médio foi tecido como parte constitutiva dos projetos de vida dos jovens e adultos do Saberes da Terra naquele município, que, de alguma forma, é sabido, representava os sonhos dos educandos que participaram dessa primei-

[10] Metodologia desenvolvida para refletir sobre as possibilidades de construção de projetos de vida futuros.

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ra experiência do Programa no Estado. Após esta reflexão, a gestão do IFPA – Campus Castanhal resolveu implantar uma turma de Técnico em Agropecuária na modalidade de educação de jovens e adultos es-pecífica para os egressos do Programa Saberes da Terra no Nordeste Paraense. Foi uma experiência única no Brasil e baseou-se na forma-ção com assentados da Reforma Agrária desenvolvida no Instituto no período anterior. Em 2012, os educandos desta turma finalizaram seus estudos, colando grau e realizando parte de seus sonhos.

3 .2 . Técnico Em Agropecuária com ênfase em Agroecologia integrado ao Ensino Médio: A Formação do PRONERA .Diversos estudos vêm apontando o curso de Técnico em Agro-

pecuária com ênfase em Agroecologia apoiado pelo PRONERA[11] como precursor das ações de educação do campo no IFPA – Campus Castanhal, assim como da materialização pedagógica de modificação curricular que nossa Instituição vem passando (CARVALHO, 2009; FAVACHO, 2010; SOUSA, 2011).

A partir de 2006, por diversas modificações nas legislações e por pressões dos movimentos sociais da região do Nordeste Paraense, o IFPA – Campus Castanhal começou a debater a possibilidade de oferta específica de formação profissional para agricultores familiares campo-neses, conforme comenta um dos Diretores de Ensino do Campus:

Em 2004 saiu esse Decreto [Decreto nº 5154] e 2006 saiu a Lei do Proeja. O Proeja veio com umas obrigatoriedades. Tu vai começar

[11] O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) é uma política pública de Educação do Campo, instituída pelo Decreto n.º 7.352 de 04 de novembro de 2010. Seu objetivo é desenvolver projetos educacionais de caráter formal, a serem executados por instituições de ensino, para beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária - PNRA, do Crédito Fundiário, e dos projetos feitos pelos órgãos estaduais, desde que reconhe-cidos pelo INCRA.(Manual do PRONERA, PORTARIA/INCRA/P/Nº 238 DE 31 DE MAIO DE 2011 - Publicado no Diário Oficial nº 105, de 2/6/2011, Seção I, página 169 e Boletim de Serviço nº 23 de 6/6/2011).

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com 10% este ano, depois vai pra 15%, depois em 2008, 20%, o MEC colocou pressão, entendeu. Tem que entrar com turma de Proeja. E, ao mesmo tempo em que eu estava no DDE (Direto-ria de Desenvolvimento Educacional), nós fomos provocados pela turma do Deputado Federal [Zé Geraldo] em função do PRO-NERA. Vieram solicitar a entrada no PRONERA. Numa reunião pedagógica do final do ano [2004], decidimos em 2005 começar o ensino integrado na Instituição e aí começamos a partir de 2005 o ensino integrado a partir daquela situação, pega o curso do ensino médio junta com o técnico, vamos montar tudo e aí fizemos um pacote, aí ficou um Projeto Pedagógico deste tamanho, juntamos ementa de disciplinas sem pensar nada, nada, sem referencia. Mas isso foi importante nesta época porque nós começamos a discutir a partir de 2006 do Proeja. Isso foi importante porque em 2006 co-meçou uma pressão dos Movimentos sociais do Pará em função do PRONERA. A Universidade Federal do Pará já tinha começado em 2005 e 2006 por aí e veio no final de 2005 pressionar a nossa Instituição sobre esta questão da certificação, O Cardoso [Diretor Pró Tempore] determinou ao DDE na época, eu tenho esses da-dos todos concretos, que elaborasse uma proposta de integração. Aí a gente sentou, encaminhou pra um documento que saiu uma resolução, no finalzinho de 2005 antes dele sair ele deixou uma Re-solução de certificação dos cursos de PRONERA da UFPA [...]. (Gestor 1, ex – Diretor do DDE)[12].

Inspirado nas experiências do Sudeste e Transamazônica do Pará, o MST também começa com uma discussão com o IFPA - Cas-tanhal, visando à possibilidade de construir um Curso de Técnico em Agropecuária para o Nordeste do Pará. Esta nova demanda coloca a

[12] Extraído de Sousa (2011).

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gestão num grande desafio. Foi um projeto elaborado e enviado ao INCRA/PRONERA no final em 2005.

Com a aprovação da proposta, começa uma série de discussões sobre como organizar a formação. Neste período, há uma cisão no MST da região, onde alguns dos membros passam a compor outra organização social. A gestão do IFPA - Campus Castanhal teve de negociar com os líderes, em função de uma disputa na Coordenação e hegemonia política na formação. Após uma série de discussões e enfraquecimento político do MST na Região Nordeste do Pará, as lideranças desse movimento decidiram sair da coordenação, mas par-ticipar do processo de seleção dos educandos. A Federação dos Traba-lhadores na Agricultura Familiar (FETRAF) tornou-se, politicamen-te, coordenadora da turma.

Com a resolução do conflito inicial, o curso iniciou a mobilização e definição de critérios para seleção dos estudantes. Isso gerou alguma tensão interna no Instituto. Como a maioria dos professores não foi formada para fazer um processo diferenciado para jovens camponeses, começou-se a questionar esta possibilidade. Contudo, este momento foi superado, e a equipe foi a todos os assentamentos envolvidos no processo, para fazer a divulgação e iniciar a seleção dos educandos.

Carvalho (2009), em sua dissertação de Mestrado, demons-tra que houve inicialmente certa discriminação com a turma do PRONERA:

As dificuldades não se encerraram por aí; pelo que foi possível ob-servar no trabalho desenvolvido com a turma, as maiores dificulda-des e/ou limitações consistiram em primeiro plano pela resistência de alguns profissionais da instituição que acusam os educadores que trabalham com o Pronera de “estarem tentando formar na escola um conjunto de comunistas sem-terra para fazerem a revolução, pro-movendo a invasão de terras.” […] o mais evidente preconceito em

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proporcionar aos jovens, aos homens e as mulheres do campo uma educação e um processo de formação profissional nos termos for-mais da sociedade. Ressalta-se ainda que, outro preconceito percebi-do, deu-se em relação do conjunto de alunados das turmas regulares da escola em referência aos educandos da turma do Pronera, que passaram a ser vistos por esses como sujeitos de pouca expressão no domínio dos conteúdos considerados vitais para a preparação ou formação técnica-profissional. (CARVALHO, 2009, grifos nossos)

No entanto, esse preconceito foi sendo superado com o desen-volver do curso e o aprendizado constante que o mesmo estava trazen-do à Instituição. O Projeto Político pedagógico do curso deixava clara a opção por valorizar os sujeitos sociais do campo e construir uma pro-posta que pudesse realmente influenciar no desenvolvimento regional:

A Escola Agrotécnica Federal de Castanhal, criada em dezembro de 1921, que tem como atribuição estabelecer políticas para a Edu-cação Tecnológica e exercer a supervisão do Ensino Técnico Fede-ral, reconhece a importância de uma parceria entre uma instituição de seu caráter com Movimentos Sociais do campo, buscando o intercâmbio de experiências e conhecimentos, tendo clareza, que o retorno disso será para a sociedade como um todo, além de cons-tituir uma oportunidade de se inserir no processo de melhoria da Educação Profissional, atendendo a uma demanda considerável da população do campo. (EAFC, 2005 op cit..grifos nossos).Formar profissionais habilitados em Agropecuária, integrado com o Ensino Médio, com ênfase a Agroecologia, para contri-buírem com novas formas de desenvolvimento econômico, social, político e cultural dos assentamentos de Reforma Agrária e no conjunto das organizações populares do campo. (EAFC, 2005 op cit…grifos nossos).

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Na época da construção do PPP, junto com o MST, um dos assuntos discutidos foi: Por que um Curso Técnico em agropecuária com ênfase em Agroecologia e não um curso de Agroecologia? Talvez a opção de manter a nomenclatura do curso de Técnico em Agro-pecuária, inclusive propondo uma série de movimentos curriculares inovadores e conteúdo metodológico diferenciado, foi relacionada a três pontos principais:

1. O curso em Agropecuária é estruturalmente organizado de for-ma ampla e diversificada, permitindo ao educando uma forma-ção geral, que era desejável em nossas discussões. Seus proble-mas eram exatamente a metodologia de trabalho e seu conteúdo direcionado para a formação de grandes empresas agrícolas da Amazônia;

2. Apesar do Ministério da Educação do Brasil ter reconhecido o Curso Técnico em Agroecologia no Catálogo Nacional de For-mação Técnica, a regulamentação ainda não foi estabelecida, e os educandos estavam em risco de terminar o seu curso e não exercer a sua profissão;

3. Finalmente, houve uma discussão sobre a “ecologização” dos cur-sos existentes ou a criacão de novos, deixando a impressão de que estes “velhos cursos” não poderiam passar por uma transição (SOUSA, 2011).

Diante destas questões, a Gestão do IFPA – Campus Casta-nhal, juntamente com o Movimento, fez a escolha de manter o curso de Técnico em Agropecuária, adicionando a ênfase em Agroecologia, para deixar clara a opção teórica e metodológica do curso.

A experiência de formação na turma do PRONERA, sem dúvida, foi a primeira experiência concreta em que os professores e técnicos educacionais estavam no processo de aprendizagem no

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IFPA – Campus Castanhal juntamente com os educandos. A exis-tência de uma sala de aula composta exclusivamente por filhos de camponeses, numa perspectiva de formação integrada com a uti-lização da alternâcia pedagógica e coordenada em conjunto com os movimentos sociais, foi um grande desafio para todos os atores envolvidos. Apresentaremos, de forma sucinta, as principais ques-tões que mobilizaram a atenção e reflexão sobre temas educacionais nesse processo: A formação contextualizada dos educandos; A pes-quisa como princípio educativo e a socialização de conhecimentos; O trabalho como princípio educativo; A formação continuada dos professores e o planejamento integrado; A formação política dos educandos; A avaliação permanente das ações do curso por educa-dores, educandos e a gestão.

Uma aprendizagem percebida no processo de construção do curso é o papel do PRONERA e sua importância na promoção de re-flexões coletivas sobre o ensino clássico (MUSSOI, 2006) nas escolas, especialmente em ciências agrárias, um ponto também observado por Santos et al (2010) em uma avaliação mais ampla:

[…] o Pronera contribui para uma reflexão crítica do ensino tra-dicional no interior das instituições públicas e/ou comunitárias que ministram os cursos. No caso específico do ensino de Ciências agrárias, esses cursos formais executados em parceria com os assen-tados – os sujeitos do campo e da reforma agrária – abrem espaço para um verdadeiro diálogo de saberes entre academia e campo-neses, provocando uma revisão crítica da matriz técnico-cientíica hegemônica e da predominância concedida ao agronegócio nos currículos tradicionais. Essas experiências têm sido importantes para fortalecer a perspectiva agroecológica não apenas nas turmas do Pronera, mas na elaboração dos projetos político-pedagógicos dessas instituições como um todo. (SANTOS, 2010, p. 10 et al).

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O controle social do processo de formação pelos educandos e as suas organizações de camponeses gerou uma coisa curiosa na institui-ção, pois esta não estava acostumada a realizar avaliações periódicas de sua formação junto com a sociedade em geral. A participação efetiva dos educandos e o envolvimento de vários movimentos sociais no cur-so criaram uma nova relação com os agricultores. O IFPA – Campus Castanhal passou a realizar uma reflexão sobre a prática pedagógica do Instituto. Outro ponto forte no processo de avaliação foi a disputa de projetos de formação, uma vez que o movimento trouxe a sua posi-ção política sobre o desenvolvimento da agricultura familiar, fato nem sempre visto com bons olhos por alguns educadores do instituto. Às vezes essa situação causava conflito, como indicado na declaração de um dos coordenadores políticos do movimento social:

Primeiro teve a questão da ocupação de espaço, ou seja, uma escola que historicamente não tinha abertura para a inserção de uma tur-ma oriunda genuinamente do movimento social esse foi o nosso diferencial, éramos uma turma de uns 40 alunos filhos de agricul-tores ligados ao movimento social, que estavam devidamente ma-triculados na escola. Essa era então ocupada de maneira diferente. A segunda era a diferença de projetos de formação que a escola defendia e que a escola acabava dando essa abertura no campo da agroecologia, algo novo na instituição a parti daí a gente começa a trabalhar a questão dos saberes, trabalhar com os sujeitos do cam-po, consorciando o ensino técnico, cientifico com os saberes popu-lares que cada aluno trazia consigo, e com isso a gente começa mu-dar o cotidiano da escola, através das nossas místicas, das reuniões com os professores, onde por ter essa pratica dentro do movimento de se fazer a critica e a autocrítica, uma avaliação permanente na reflexão e na pratica, então a sala de aula também era esse grande espaço de aprendizado e também da formação dos próprios pro-

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fessores que estavam com a turma, por que os alunos acabavam avaliando o método do professor e o professor ia aperfeiçoando o seu método de dar aula então a turma tinha esse diferencial, por outro lado nos tínhamos um embate com o projeto voltado para o grande mercado e nós defendíamos uma agricultura voltada para a agricultura familiar, então nos tínhamos o embate entre essas duas correntes, uma que defendia a agricultura patronal e a turma que tinha uma concepção de agricultura familiar e defendia que o ensino devia ser voltado para essas comunidades. (Representante Movimento Social 1, em entrevista ao autor, 2011)[13].

A declaração do coordenador do Movimento Social deixa claro o reconhecimento da abertura institucional para a formação que foi historicamente negada aos camponeses.

A criação de grupos de pesquisa e extensão, fortalecendo as atividades de desenvolvimento em conjunto com as populações do campo, é uma vitória importante nessa construção. Santos et al (2010) observa que em outras experiências isso foi semelhante: “Em várias instituições, a experiência de oferecer um curso de PRONE-RA levou à criação de grupos de pesquisa, ensino e extensão com atividade contínua que persiste mesmo depois que o curso deixa de existir. O fato do programa ser implementado pelo INCRA facilita esse processo, pois permite uma abordagem a outras políticas pú-blicas de apoio à Reforma Agrária e desenvolvimento dos assenta-mentos, tais como assistência técnica, crédito rural, comercialização, inovação agroecológica, desenvolvimento de infraestrutura, etc. Mas isso é possível, geralmente, quando há uma aproximação com outras instituições governamentais e ONGs, tais como organizações de as-sessoria técnica e de pesquisa.

[13] Extraído de Sousa (2011).

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No caso do IFPA – Campus Castanhal, o grupo de pesquisa não surge imediatamente após o PRONERA, mas é profundamente in-fluenciado por ele. No entanto, sem dúvida, as atividades de extensão em comunidades rurais são reforçadas com a formação em alternância, pois ao visitar e identificar os vários problemas em assentamentos ru-rais, os professores passam a problematizar o que aprendem em suas atividades acadêmicas (SOUSA, 2011).

3 .3 . Licenciatura Plena em Educação do Campo – Ensino de Graduação[14]

A construção da Licenciatura plena em educação do campo no IFPA, em geral, foi realizada a partir do atendimento a um edital da SECAD para formação de educadores do campo. Inicialmente um grupo de educadores do IFPA – Campus Belém construiu a proposta de Projeto Político Pedagógico, e, em seguida, submete-ram e aprovaram-na junto ao MEC. No entanto, o FPEC passou a questionar o referido PPP e a quantidade de professores a serem formados[15]. Na perspectiva de ressignificação do Projeto Políti-co Pedagógico do Programa e diálogo com a rede de parceiros, a Diretoria de Educação Agrícola (DEA) promoveu o Seminário de Projetos Pedagógicos de Educação do Campo: (Re) Construção Coletiva, realizado em abril de 2009, no Campus de Castanhal. Par-ticiparam do Seminário equipes multicampi do IFPA, UNDIME, UFPA, UEPA, Fórum Paraense de Educação do Campo (FPEC), entre outros. No Seminário foi definida uma série de estratégias e encaminhamentos para uma maior aproximação da proposta com o movimento paraense em educação.

[14] Baseado no Projeto Político Pedagógico do Curso de Licenciatura Plena em Educação do Campo e relatório de Gestão da Diretoria de Educação Agrícola do IFPA. [15] O Projeto foi apresentado para a construção de 6 (seis) turma com 60 educandos cada nos diferentes Campi do IFPA.

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O processo de formação acadêmica da Licenciatura Plena em Educação do Campo é baseado no estudo dos elementos que compõem a memória, saberes, valores, costumes e práticas sociais e produtivas dos sujeitos do campo e da agricultura familiar. A formação dá-se a partir da prática da pesquisa por eixos temáticos, para fomentar a análise e compreensão acadêmica interdisciplinar sobre as características sócio--culturais e ambientais que demarcam o território de existência coletiva destes sujeitos. Também está baseada na realidade sócio-educacional, tendo em vista a necessidade de compreender, em sua complexidade, os conflitos e contradições que determinam tal existência e desenvol-ver a capacidade teórico-prática, para pensar-organizar-fazer uma es-cola básica do campo que desenvolva uma formação crítico-criativa, comprometida com os princípios da educação emancipatória. Assim, o curso assume como princípios pedagógicos os seguintes temas: A formação contextualizada; Realidade e experiências das comunidades do campo como objeto de estudo fonte de conhecimentos; Pesquisa como princípio e estratégia educativa; Indissociabilidade entre teoria e prática; O planejamento e ação formativa integrada entre as áreas de conhecimento; Os educandos como sujeitos do conhecimento; A produção acadêmica para a transformação da realidade.

O curso iniciou em 2009 e ainda não possuía uma turma formada por completo. No entanto, refletiu-se sobre a caminhada realizada até aquele momento. A formação estava pensada para quatro anos, distri-buídos em oito semestres. O curso apresentava como primeira inovação a construção de um percurso formativo a partir de eixos temáticos, bus-cando agregar, de forma interdisciplinar, diferentes componentes curri-culares da formação de professores: História de Vida e Construção dos Saberes; Espaço Sócio- ambiental e Sustentabilidade no Campo; Siste-mas de Produção Familiar e Processos de Trabalho no Campo; Políticas Públicas para a permanência do cidadão no campo; Educação do cam-po, Currículo e Práticas Sociais; Juventude do campo e Transformações

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Sócio-ambientais; Sujeitos Sociais e Diversidade na Prática Educativa do Campo; Prática Docente e Educação do Campo.

Os eixos temáticos são trabalhados a cada semestre e se articulam nos semestres seguintes. O objetivo não foi eliminar as disciplinas, mas buscar uma articulação entre elas a partir da problematização da reali-dade dos educandos. A estrutura do curso segue os preceitos observa-dos no Parecer CNE/CEB N°1/2006, em que os períodos vivenciados no centro educativo (escola) e no meio sócio-profissional (família/co-munidade) são contabilizados como dias letivos e horas. Isto implica em considerar como horas e aulas atividades desenvolvidas fora da sala de aula, mas executadas mediante trabalhos práticos e pesquisas com auxílio de questionários que compõem um Plano de Estudo.

Essa é uma inovação importante, pois, diferentemente do que em geral se pensa, não se trata aqui de um curso “intervalar”, no qual os educandos, ao final de cada semestre, retornam às suas casas sem atividades a serem desenvolvidas. A proposta da alternância pedagó-gica discutida nos cursos anteriores visa associar tempos e espaços de aprendizagem, no qual a comunidade, a escola, o território são espaços privilegiados de reflexão-ação-reflexão. Nesse sentido, os estudantes investigam a realidade a partir de um plano de pesquisa-estudo que os acompanha no tempo comunidade. Ao início de cada semestre, socia-lizam as ações desenvolvidas a partir de seminários que subsidiam as ações a serem desenvolvidas no semestre seguinte. O educando, por-tanto, passa a produzir conhecimento válido e, acima de tudo, socia-lizar e refletir sobre este conhecimento, rompendo assim com a visão “bancária” de educação, da qual nos fala Paulo Freire[16].

[16] Para Paulo Freire na visão “bancaria” o educador é depositante de um saber, e os educan-dos, alienados recebem este sem questionar: “na visão bancaria da Educação, o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funde numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo o qual esta se encontra sempre no outro” (FREIRE, 2005, p. 67).

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Por fim, a Licenciatura vem possibilitando, a partir das pesqui-sas na realidade dos alunos, uma visão ampla da escola do campo e os limites existentes para o avanço de um projeto de educação mais emancipador. Como ação direta, os educandos – por serem também professores e, em menor número, militantes de movimentos sociais –, vêm intervindo na realidade a partir de uma proposta pedagógica de-nominada “partilha de saberes”, na qual fazeem a socialização do que aprendem em cada Tempo Acadêmico junto à escola e/ou comunida-de onde moram, trabalham, vivem. Esta ação possibilita uma mudança radical no pensar a educação, pois a torna em constante movimento e faz com que haja um desejo de mudança na realidade de forma efetiva, transformando a retórica em práxis.

3 .4 . Especialização em Educação do Campo Agricultura Familiar e Sustentabilidade na Amazônia – Pós-Graduação[17]

O curso de especialização surge a partir da demanda de for-mação de professores do Programa Saberes da Terra da Amazônia Paraense. Em nossa primeira experiência na versão piloto do Pro-grama, realizamos a formação continuada em formato de cursos de extensão, liderados pela Universidade Federal do Pará. No entanto, na segunda versão do Programa, percebemos a possibilidade real de proporcionar aos professores dos diversos municípios do Esta-do uma formação mais sistematizada e com uma titulação ao final para aqueles que cumprissem todos os pré-requisitos estabelecidos na proposta.

Dessa forma, com o objetivo de formar Educadores e Coorde-nadores Pedagógicos que estavam atuando diretamente no curso de ensino fundamental com qualificação técnica e social em produção ru-

[17] Baseado no Projeto Político Pedagógico da Especialização em educação do campo, agri-cultura familiar e sustentabilidade na Amazônia do IFPA.

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ral familiar, através do Programa Projovem Campo - Saberes da Terra, implantou-se o Curso de Especialização.

Baseado nas experiências anteriores de formação de educado-res do campo, adotou-se a alternância pedagógica e a integração de conhecimentos a partir dos eixos temáticos. A Matriz Curricular do Curso está estruturada a partir de cinco Eixos Temáticos. Os Eixos Temáticos consistem em temáticas aglutinadoras dos Círculos Episte-mológicos, na perspectiva de agregar conhecimentos e problemáticas de pesquisa estruturantes para a formação de Educadores e Coorde-nadores Pedagógicos do Programa Saberes da Terra.

São assim sintetizados os Eixos Temáticos do Curso: Educação do Campo e Agricultura Familiar; Trabalho e Sistemas de Produção no Campo; Organização, Movimentos Sociais e Políticas Públicas; Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária; Educação do Campo, Agroecologia e Sustentabilidade na Amazônia.

O desenho curricular está, metodologicamente, ancorado na concepção de Círculo Epistemológico e Pedagógico (CEP), inspirado nos princípios de Paulo Freire, que entre outros elementos de sua obra, constituiu os Círculos de Cultura como base de sua ação educativa e proposta metodológica.

A concepção de Círculo de Cultura como Metodologia de Pes-quisa foi proposta por Romão et al (2006) ao formularem o conceito de Círculo Epistemológico, compreendendo-o como uma metodolo-gia de intervenção na relação pedagógica, em instrumento de pesqui-sa ou de investigação científica. Nessa perspectiva, os autores releram obras clássicas e conceitos freireanos, aliados às experiências acumula-das no bojo do Projeto de Pesquisa “Globalização e Educação”[18].

[18] O Projeto “Globalização e Educação” aglutina pesquisadores vinculados a Institutos Paulo Freire de aproximadamente vinte países. Verifica os impactos da globalização nos diversos componentes dos sistemas nacionais de educação.

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É afirmado pelos autores que:

A denominação de “Círculo Epistemológico” para a metodologia de pesquisa derivada, é conveniente, não apenas para sua distinção de sua fonte, que é Círculo de Cultura, formulado por Paulo Freire para intervenção; mas, também, e principalmente, pela conside-ração dos “pesquisados” como sujeitos da pesquisa. Neste sentido, preserva o princípio freiriano de que todos, no Círculo, pesquisa-dores e pesquisandos são sujeitos da pesquisa que, enquanto pes-quisam, são pesquisados, e, enquanto são investigados, investigam. É por esta mesma razão que a expressão “o (a) pesquisado(a)” é substituída por “o(a) pesquisando(a)”. Os (as) pesquisandos(as) não são apenas objeto da pesquisa, alvo da análise e da enuncia-ção alheia, mas, também, sujeitos e lugares de análise e enunciação. (2006, p. 4).

Esta proposta de formação possibilitou uma ampla discussão com os educandos/professores, no sentido da problematização da rea-lidade a partir da leitura e reflexão crítica dos conhecimentos científi-cos acumulados historicamente.

Outro elemento central no processo formativo foi a troca de saberes entre os educadores dos diversos municípios participantes do Programa, favorecendo uma via de diálogo e construção coletiva na busca pelo entendimento metodológico e conceitual dos paradigmas da educação do campo.

4 . Considerações Finais

A experiência do IFPA – Campus Castanhal com a educação do campo nasce e vem-se construindo nas contradições estabeleci-das pela realidade da região e da própria concepção de campo ain-

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da presente em nosso Instituto. O conjunto de ações desenvolvidas e refletidas neste texto demonstra um claro avanço da Instituição na compreensão e institucionalização de uma educação pautada pela va-lorização e inclusão dos sujeitos do campo. Talvez o maior avanço per-cebido nos cursos criados seja a aceitação e materialização da realidade como elemento central de formação. Ou seja, os educandos realizam seu processo formativo tendo a realidade concreta: o estabelecimento agrícola, sua história de vida, a história da comunidade, o desenvolvi-mento do território, como espaços privilegiados de aprendizagens. Os conhecimentos acadêmicos são mobilizados para ajudar a entender esta realidade e buscar transformá-la e não apenas como conhecimen-tos isolados e fragmentados num “vazio” acadêmico e escolar.

Os princípios do trabalho e a pesquisa no processo educativo favorecem esta práxis, pois os educandos rompem com uma educação onde o educador é senhor dos conhecimentos. Os educandos passam a refletir sobre suas ações – assim como problematizá-las, pesquisá-las – e intervêm na realidade como sujeitos íntegros.

Talvez nosso grande desafio, a partir destas ações pedagógicas, é avançar ainda mais na relação com os movimentos sociais, associações e cooperativas rurais. Passar a desenvolver ações de pesquisa-desen-volvimento diretamente nas comunidades, junto com os camponeses, buscando favorecer um desenvolvimento rural que tenha na radica-lidade de sua concepção o respeito aos seres humanos e o ambiente.

Avançamos, sem dúvida, na busca de uma formação integral de sujeitos à margem do desenvolvimento econômico. Campone-ses, quilombolas, assentados de Reforma Agrária, enfim, cidadãos e cidadãs que irão agora se deparar com um dilema que também nos aflige enquanto educadores: voltar para comunidade e desenvolvê--la com “novas práticas agrícolas” ou ser empregado nas fazendas patronais amazônicas, onde o capital gerado é direcionado a um número ínfimo de pessoas?

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Essa é uma discussão que vai além do processo educativo e pauta cada vez mais a necessidade de promovermos uma educação profissio-nal articulada ao desenvolvimento local, buscando privilegiar a maio-ria das pessoas que moram, trabalham e vivem no território. O projeto político pedagógico deve estar vinculado a um projeto de sociedade e, em especial, no caso do IFPA – Campus Castanhal, a um projeto de campo que se deve construir.

5 . Referências Bibliográficas

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• Formación profesional de campesinos en una escuela en la Amazonia Brasileña[19]

Romier  Sousa

1 . Introducción

Ao afirmar que existe uma trajetória histórica da ocupação da escola pelo MST, estou dizendo, pois, que não se trata aqui de um momento de ocupação mais sim de um processo, onde até é possível identificar um começo, mas não o instante exato em que o alicate morde o fio e a cerca vem abaixo. A materialidade dessa cerca é de outra natureza e o estalar do arame, cujo som evocou no poeta um acorde de violino representa, nesta metáfora, uma longa sinfonia, com instrumentos, tempos e movimentos diferentes e combinados. (CALDART, 2004, p. 223).

El fragmento del texto señalado por Roseli Salete Caldart en Pedagogía do Movimiento (Caldart, 2004) materializa muy bien el momento por el que muchas instituciones de Formación Profesional en las Ciencias Agrarias en Brasil están pasando. La perspectiva de reconstrucción de su Proyectos Políticos Pedagógicos con base en un referencial con temas como: movimientos sociales, sustentabilidad, mundo del trabajo, asentamientos rurales y Agroecología empiezan a componer las prácticas pedagógicas de estas instituciones y nos hacen reflexionar sobre un probable cambio en el proceso de formación profesional de los jóvenes brasileños.

[19] Texto originalmente aceito para publicação na Revista de Agroecologia de Murcia, Espanha.

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La ocupación de la Escuela de una manera colectiva por los hijos, hijas y campesinos de la Reforma Agraria y de una diversidad de categoría sociales del campo, que tienen como lógica el modo campesino de producción (Ploeg, 2008) marca un momento histórico en el país, donde las acciones antes guiadas por los programas y proyectos de manera puntual, en muchos casos ya han ganado el contexto institucional. Sus consecuencias se han dejado sentir de manera significativa por todos los sujetos educativos (Souza, 2007)[20] que experimentan el día a día de estas Instituciones.

La perspectiva de esta investigación es reflexionar sobre la construcción de la formación en Agroecología y sus consecuencias prácticas en una Institución del Gobierno Brasileño – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA[21].

Dedicaremos una lectura más profunda de la construcción del enfoque agroecológico en una Institución de formación profesional en la Amazonía Brasileña. Intentaremos relatar y reflejar la introducción del enfoque agroecológico en IFPA. Se utilizaron como base de la investigación las entrevistas con los informantes claves; los análisis de documentos institucionales y la experiencia del investigador como un actor que coordinó y participó activamente en los proyectos y actividades de los últimos cinco años en la Institución, con enfoque en los principios de la agroecología.

[20] Esto es un concepto referente a todos los actores de la educación: educandos, educadores, gestoras, gestores, equipe pedagógica. [21] La LEI Nº 11.892, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2008. establece ‘a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. Art. 5o  Ficam criados os seguintes Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: XX - Instituto Federal do Pará, mediante integração do Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará (CEFET) e das Escolas Agrotécnicas Federais de Castanhal (EAFC) e de Marabá (EAFMB)’. Utilizaré las expresiones IFPA, IFPA – Campus Castanhal e IFPA Castanhal en el texto como sinónimos, refiriéndome al IFPA Campus Castanhal, donde se llevó a cabo la investigación de campo, a no ser que identifique de otra forma.

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2 . El contexto de la formación en IFPA: una historia de casi 90 años

La historia y el contexto de la educación profesional agrícola en Pará queda retratada en la obra de Oliveira (2006). La autora basa su argumento en las exigencias curriculares del IFPA – Campus Castanhal con un excelente histórico del Patronato Agrícola hasta los años 90. En su análisis muestra la relación del proyecto de modernización de la educación brasileña en el momento de la Primera República a los intereses de las élites para fomentar el progreso, subordinando el pueblo pobre a la racionalidad capitalista.

El IFPA – Campus Castanhal se presenta como una de las más antiguas instituciones dedicadas a la formación profesional agrícola de nivel medio en el Estado de Pará, y durante toda su existencia, hubo cambios significativos en su currículo. Oliveira (2006) hace mención a la constitución de cuatro periodos del desarrollo curricular en IFPA, donde sus estudios se profundizan. El primer periodo se contextualizará en las circunstancias sociales, económicas y políticas, en las que fue creado el Patronato Agrícola Manoel Barata en la isla de Caratateua/Outeiro- PA durante la República Vieja o Primera República[22].

La isla de Outeiro se ubica en la ciudad de Belém, capital del Estado de Pará. La decisión de hacer el Patronato en la isla tiene relación directa con la metodología utilizada en la época, pues la perspectiva correccional de la formación en el Patronato exigía que hubiese un sitio lejano y aislado para evitar fugas de los educandos, como nos explica Oliveira:

En Pará, el Patronato Agrícola Manoel Barata fue una de las instituciones que colaboraron en la preparación de los menores

[22] Decreto Federal Nº 12.893, de 28 de febrero de 1918, o Decreto Ley Nº 1957, de 17 de noviembre de 1920, o Decreto Federal Nº 15.149, de 1º de diciembre de 1921.

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de edad prevista para los empleados de las élites agrícolas en el estado, porque el verdadero significado y propósito de la educación básica (educación primaria) dada en el Patronato Agrícola Manoel Barata fue formar, a estos menores, en una conducta de regeneración y de disciplina de trabajo, haciéndolos capaces de la eficiencia requerida por las clases dominantes del sector agrario. (OLIVEIRA, 2006, p. 75)

El Patronato Agrícola Manoel Barata, fue creado en el periodo de la decadencia del ciclo económico del caucho, en la década de 1920. Con la crisis de la goma, hay una amenaza a toda la estructura de la capital urbana de Belém y de la sociedad, pues la ociosidad de los que vivían en las plantaciones de caucho, alentó a la ocupación caótica de la ciudad, creando una situación de desorden (Favacho, 2010).

La Institución tuvo como objetivo principal transformar a los huérfanos menores “delincuentes”, que vagaban por las calles y fueron capturados por la policía, en capataces de campo, con el uso de corrección y disciplina. El cargo, que puede ser denominado como un capataz, es el de una especie de jefe de los trabajadores, que llevan a cabo las órdenes de los dueños de las fincas (fazendeiros).

El segundo período corresponde a las décadas de los 30 a los 60, que empezó con el gobierno de Getúlio Vargas y cerró con la implantación de la Represión Militar en Brasil. En este periodo se destaca la crisis del sector agrario brasileño y la sustitución del modelo agro-exportador por el modelo urbano-industrial, ambos capitalistas y dependientes (OLIVEIRA; BARBOSA, 2009).

En 1946 fue promulgada la Ley Orgánica de Enseñanza Agrícola (Decreto nº 9.613/46) que promovía la unificación de la educación profesional a nivel nacional y modificaba los currículos y las articulaciones entre cursos, ramos, ciclos y grados, posibilitando el avance de los estudiantes a grados mayores (OLIVEIRA; BARBOSA, 2009).

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En la Escuela Manuel Barata, deja de haber la formación correccional, para que los alumnos “pudiesen adquirir buenas costumbres y estar listos” para trabajar como mano de obra en las empresas de las oligarquías de la época. Pero la propuesta de formación de una mano de obra para el mercado permanece y su carácter disciplinario se mantiene.

El tercer periodo fue la fase en la que se establece la Represión Militar hasta la apertura política, momento de los acuerdos internacionales para la financiación de la implementación de la metodología del Sistema Escuela-Hacienda en las escuelas Agrotécnicas brasileñas. Fue durante este momento cuando la Escuela es transferida a Castanhal – PA. La transferencia de la Escuela fue realizada por el ejército brasileño. El cambio hacia Castanhal tiene muchos significados, pero el más importante de ellos es la necesidad de un área para la promoción de la formación tecnicista con base en los principios de la agricultura modernizante[23]. Es un momento donde había que formar muchos técnicos en agropecuaria capaces de transferir los paquetes tecnológicos para los agricultores brasileños.

Mussoi habla de la jerarquía institucional creada para llevar a cabo el proceso de modernización en Brasil:

Para la viabilidad de este nuevo modelo de la agricultura, la investigación agrícola y los servicios de extensión agrícola en orden descendiente están estructurados y centralizados. En el caso de la investigación agrícola, con la creación de EMBRAPA en 1972 y los institutos estatales y sus correspondientes estaciones de investigación, tiene una estructura que permite el modelo que diseñó y financió el centro, a través de proyectos y prioridades de investigación. Del mismo modo que sucede, en extensión, con

[23] El área de la escuela en Castanhal pasa a ser de 273 hectáreas, donados por el ayuntamiento de Castanhal.

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la creación de ABCAR, EMBRATER en 1956 y en 1974, las asociaciones estatales y sus oficinas regionales se unen para concebir, coordinar y supervisar las acciones de los equipos locales. La lógica general que apoyaba este sistema se basaba en la superioridad del “conocimiento científico” que debe ser generada por los centros de investigación (o una adaptación de la investigación internacional, como fue el caso de la Revolución Verde), y trasladado por los servicios de asistencia técnica y de divulgación al tipo de estructura piramidal de la organización. (MUSSOI, 2011, p. 11)

En el caso de las Escuelas Agrotécnicas sus roles eran los de transmitir estos conocimientos generados en las estaciones experimentales a los nuevos Técnicos de las Instituciones de ATER.

Favacho señala este es el momento de la formación tecnicista en Brasil:

La génesis de la formación tecnicista en sí, no se remonta a una propuesta innovadora del gobierno federal, sigue el desarrollo del imperialismo de EE.UU. para la agricultura de los países dominados. La revolución verde fue un conjunto de medidas basadas en la ciencia moderna, que se imponía como un modelo de desarrollo agrícola para todo el mundo adaptándose a una lógica productivista e industrial. (FAVACHO, 2010, p. 17)

Con la propuesta de la modernización ganando fuerza, había una necesidad de formar profesionales capaces de “transferir” el paquete tecnológico a los agricultores en todo país.

El establecimiento del modelo educacional basado en la Escuela-Hacienda pretendía atender las demandas de las empresas agrícolas que estaban llegando a la Amazonía. La propuesta fue formar mano de obra para las empresas agro-pastoriles, incentivadas

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por medidas gubernamentales, como los incentivos fiscales y el crédito para instalaciones (OLIVEIRA; BARBOSA, op. cit.).

El cuarto periodo muestra los acontecimientos en Brasil a partir de los 90, priorizando situaciones relacionadas con la implantación de la Reforma de la Educación Profesional (REP) en el IFPA – Campus Castanhal. Este periodo es marcado por la inauguración de la reforma del Estado Brasileño, con apertura de los mercados y entrada de productos extranjeros. La Institución pasó por una fuerte crisis financiera, fruto de la llamada modernización del Estado a partir de una opción de proyecto basado en el “neoliberalismo”.

La reforma de la Educación Profesional fue marcada por la publicación del Decreto nº 2208, que según Favacho (2010) determinó la independencia de la enseñanza secundaria en relación a la educación técnica y a la incapacidad para ofrecer un curso integrado, forzando a las escuelas a adoptar un currículo de estudio de las competencias y estableció la posibilidad de certificación intermedia, con el cumplimiento del requisito de la eficiencia empresarial. “La educación técnica agropecuaria pasó a ser específica, en cumplimiento al Decreto 2.208/97. Así se crearon las habilitaciones Zootecnia, agricultura y agroindustria, desconectadas de la enseñanza secundaria, adaptando la enseñanza a lo que determinaba el neotecnicismo” (FAVACHO, 2010, p. 29).

En este periodo no solo se mantiene una formación tecnicista, como se profundiza en la fragmentación de la enseñanza a través de la creación de especialidades, en una tentativa de aproximación con una visión industrial, donde los profesionales desarrollan funciones especializadas. Pero no hubo una adecuación a esta nueva perspectiva de formación en la realidad del IFPA – Campus Castanhal, conforme la declaración de una de las gestoras de la época:

A gente teve um retrocesso, que eu vejo assim, em 2001, que foi promulgado aquele Decreto nº 2.208/97. Então houve assim um

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retrocesso. Primeira coisa: dividiu-se o Curso de Agropecuária para só Agricultura, só Zootecnia, só Agroindústria como habilitações. Então naquele momento houve um retrocesso. Talvez a gente não enxergasse isso logo eu fiz uma investigação sobre isso, porque havia muita reclamação por parte dos alunos. E na investigação ficou claro que a parte da especialização não seria um caminho viável. Tanto que depois realmente, voltou-se a grande área agropecuária, para que as pessoas pudessem trabalhar numa questão mais ampla e não muito especialista. (Gestora 06, entrevista al autor en 2011)

Los años 2000 se distinguen por muchos cambios en el proceso de pensar la enseñanza profesional, cabe destacar la lucha de los movimientos sociales por una educación diferenciada para los campesinos y su búsqueda de políticas públicas que pudiesen garantizar sus derechos como ciudadanos.

Carvalho (2009) y Favacho (2010), con perspectivas diferentes, demuestran el cambio que se produjo en la Institución en función de la entrada de hijos de campesinos de forma organizada y en función de la demanda de los movimientos sociales de la región de Nordeste de Pará. No obstante, este proceso empieza con una experiencia fuera de la Institución, donde el IFPA realiza su primer proyecto específico con clases de campesinos.

3 . El Curso Técnico en Agropecuaria con especialidad en Agroecología en IFPA – Castanhal: el PRONERA rompe la cerca .

Inspirado en las experiencias de Sudeste y Transamazônica de Pará, el MST también empieza una discusión con IFPA - Castanhal, con la posibilidad de construcción de un Curso de Técnico en Agropecuaria para la región del Nordeste do Pará. Esta nueva demanda

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hace que se haga un esfuerzo de la gestión para atender este desafío. Fue elaborado un proyecto y llevado a cabo por el PRONERA/INCRA al finales de 2005.

Con la aprobación de la propuesta, empiezan una serie de discusiones sobre la manera de organizar la formación. En este periodo hay una fisión en el MST de la región, donde una parte de los integrantes pasan a componer otra organización social. La gestión de IFPA – Castanhal tuvo que negociar con los dirigentes, pues había una disputa por la Coordinación Política de la clase[24] y la hegemonía política en la formación. Después de una serie de discusiones y con el enflaquecimiento político del MST en la Región de Nordeste de Pará, estos se decidirán por la salida de la coordinación, pero participarían en el proceso de selección de los educandos. La Federación de los Trabajadores en la Agricultura Familiar (FETRAF) pasó a coordinar políticamente la clase.

Con la resolución del conflicto inicial, el equipo de coordinación del Curso empezó la movilización y definición de los criterios de selección de los educandos. Esto generó una cierta tensión interna en el Instituto, pues la mayoría de los profesores no estaban acostumbrados a hacer un proceso diferenciado para hijos de campesinos. Además, fueron definidos los criterios y el equipo estuvo en todos los asentamientos involucrados en el proceso.

Los criterios fueron decididos conjuntamente con la FETRAF y se buscó valorizar a los jóvenes y adultos que estaban más ligados a los asentamientos rurales y tenían interés en hacer el curso. Fueron inscritos 46 jóvenes y adultos de diferentes comunidades.

La selección fue hecha con base a una entrevista con los educandos y la realización de una prueba escrita, donde lo que estaba

[24] En el Proyecto aprobado había recursos para mantener una persona del Movimiento Social con la función de Coordinación Política de la Clase. Esta persona compondría el equipo general de coordinación del proyecto.

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en juego no era la mejor disertación, si no la demostración de voluntad en hacer el Curso. La perspectiva de la entrada de estos educandos en la Escuela (IFPA – Castanhal) ocasionó muchas cuestiones y preguntas de la comunidad interna.

Esta visión de perjuicio de los campesinos asentados en un primer momento cuando empezaron en la Institución fue muy fuerte[25]. Sin embargo, la fuerza del Movimiento social también fue demostrada con la resistencia a estos ataques y la articulación política con sectores progresistas del Gobierno Federal. La conferencia inaugural de la clase es una demostración de esto. Es la primera vez que un Ministro del Gobierno Federal visita la Escuela desde su cambio a Castanhal.

La presencia del Ministro del Desarrollo Agrario (MDA) Guilherme Cassel haciendo la conferencia inaugural en el Instituto es sentida como una demostración de legitimidad institucional para la realización del Curso Técnico. La gran cuestión en juego es que mientras la formación de los campesinos era realizada en Tomé Açu, lejos de la visión conservadora de algunos, no había muchos problemas, pero, en momento que esta práctica pasa por las cercas del IFPA, hay una amenaza al proyecto de formación histórico de mano de obra hacia las empresas rurales. Sin embargo, el proceso de formación de los educandos campesinos aún era un gran reto para el conjunto de la gestión y profesores involucrados.

[25] En su Maestría, Carvalho (2009) señala este perjuicio: “As dificuldades não se encerraram por aí; pelo que foi possível observar no trabalho desenvolvido com a turma as maiores dificuldades e/ou limitações consistiram em primeiro plano pela resistência de alguns profissionais da instituição que acusam os educadores que trabalham com o Pronera de “estarem tentando formar na escola um conjunto de comunistas sem-terra para fazerem a revolução, promovendo a invasão de terras.” […] o mais evidente preconceito em proporcionar aos jovens, aos homens e as mulheres do campo uma educação e um processo de formação profissional nos termos formais da sociedade. Ressalta-se ainda que, outro preconceito percebido, deu-se em relação do conjunto de alunados das turmas regulares da escola em referência aos educandos da turma do Pronera, que passaram a ser vistos por esses como sujeitos de pouca expressão no domínio dos conteúdos considerados vitais para a preparação ou formação técnica-profissional”.

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3 .1 . La construcción del camino, caminando…La formación en la clase de Técnico en Agropecuaria con

especialidad en Agroecología fue sin duda la primera experiencia concreta, donde los profesores y técnicos pedagógicos del IFPA tuvieron un proceso de aprendizaje en conjunto con los educandos. El hecho de tener un grupo de hijos de campesinos, en una perspectiva de formación integrada, con la utilización de la alternancia pedagógica y coordinada conjuntamente con los movimientos sociales fue un gran reto para todos los actores involucrados. Hablaremos a partir de aquí sobre las principales cuestiones movilizadoras de la atención y reflexión de los sujetos educativos en este proceso.

• La formación contextualizada de los educandosPaulo Freire en su majestosa obra sobre la Pedagogia do Oprimido

nos habla de la concepción de educación “bancaria”[26] en la mayoría de las escuelas en diferentes niveles de enseñanza. La perspectiva de formación a partir de “retalhos da realidade desconectados da totalidade” es la realidad de la educación basada en el paradigma cartesiano. En IFPA uno de los retos de la formación en la clase de PRONERA fue romper con esta lógica. La posibilidad de los educandos de evidenciar la alternancia pedagógica, donde ellos investigaban a partir de un determinado tema y socializaban en sala del aula con otros educandos de las otras comunidades y los profesores, posibilitaba la quiebra de la jerarquía del maestro, pues este conocimiento construido por los jóvenes y adultos campesinos estaba en un contexto mucho más conocido por ellos. Aunque en algunos casos hubo conflictos, principalmente con

[26] Para Paulo Freire la visión “bancaria” el educación es el depositante de un saber, y el educando, alienado, recibe este saber sin cuestionar: “na visão bancaria da Educação, o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funde numa das manifestações instrumentais da ideología da opressão – a absolutização da ignorancia, que constitui o que chamamos de alienação da ignorancia, segundo o qual esta se encontra sempre no outro” (FREIRE, 2005, pp. 67).

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los profesores que no aceptaban la metodología propuesta. La formación de los educandos se basaba en la realidad vivida

por ellos, sus territorios fueron valorados. El conocimiento sobre sus culturas, actividades económicas, productivas y sociales, sus historias de familia y comunidad pasaron a formar parte del currículo en una construcción propia de la clase. Carvalho (2009) relata sobre la importancia de los territorios de los educandos en la enseñanza de la geografía. Dentro de esta lógica, el contenido se fue moldeando a los educandos y no los educandos a los contenidos, como declara un educando del PROEJA:

[...] quando se fala na alternância, a gente percebeu que ia ter um momento na escola e um momento na comunidade. Mas, quando a gente chegou aqui, foi um pouco diferente, mas a diferença foi para melhor, porque nós não imaginávamos que íamos fazer parte também desse aprendizado. Tipo assim, aonde em sala de aula você é o aluno e ao mesmo tempo você é o professor. O Instituto não tá preocupado em só passar o ensino pra gente, mas ele tá preocupado em saber um pouco da gente. Então, isso deixa a gente a vontade, né? Além de não perder o vínculo com nossa comunidade, a auto-estima vai lá pra cima no momento em que você percebe que ta sendo importante em sala de aula - educando del PROEJA Quilombola. (SILVA; VAZ, 2015, 94)

La enseñanza tiene otro papel en la formación de los campesinos, pues ellos pasan a comprender su territorio y valorizarlo como espacio de producción de conocimiento, cultura, historia y los bienes necesarios para su existencia material. Morin (2003) en su obra “A cabeça bem-feita” resalta los problemas en la enseñanza en función de los efectos de la compartimentación de los saberes y la incapacidad de hacer articulaciones de los unos con los otros. Señala aún que la

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contextualización e integración son cualidades de la mente humana y no pueden ser atrofiadas y no desarrolladas.

Esto en la Agroecología es fundamental, teniendo en vista que el agroecosistema y el paisaje como un todo pasan a ser comprendidos como parte de la estrategia de vida de los campesinos, en una perspectiva de complejidad (MORIN, 2003).

Estamos de acuerdo con Sarandón et al (2001) sobre la formación de nuevos técnicos: “requiere más que la incorporación de ciertos contenidos en el currículo de la Escuela; lo que debe cambiar es la formación en sí mismo, enfoques, criterios y la forma de entender la realidad”. En este sentido, la problematización de la realidad y el estudio de los agroecosistemas es condición fundamental en el rompimiento de una educación “bancaria”.

• La investigación como principio educativo y la socialización de los conocimientosEn la perspectiva de la ruptura con la educación “bancaria”,

la investigación como principio educativo tuvo un papel central. Sin embargo, fue muy difícil su introducción en la dinámica de la clase. No solo el profesor no estaba acostumbrado a trabajar en esta lógica de construcción del conocimiento. El educando también tenía dificultades. Unas de las estrategias adoptadas fue la inserción de contenidos sobre métodos de investigación en el Curso. De cierta forma una innovación, pues la formación en general de los técnicos no trabaja la familiarización con la producción de sus propios conocimientos. La formación técnica profesional, históricamente fue diseñada para repetir procesos, transferir paquetes de tecnologías.

En la formación de los educandos del PRONERA, se trabajó con la inserción del planteamiento de la investigación en diferentes niveles. A) Una investigación sobre la realidad de los educandos: En los momentos de tiempo en comunidad fueron construidos los planes

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de investigación y estudios, que tenían como objetivos llevar a cabo las investigaciones en la realidad de los educandos: Primeramente en el diagnostico socio-ambiental de las comunidades rurales de donde los educandos son originarios; Después se fue desarrollado un plan para la investigación de los diferentes sistemas de producción, con sus potencialidades, problemas y limites; y por fin, fue realizada una investigación sobre las organizaciones sociales, el proceso de desarrollo rural y el papel de la asesoría técnica y extensión agraria en los asentamientos rurales.

Esta ruta formativa fue establecida con base a las discusiones con el movimiento social y los intercambios de experiencias con otros procesos de formación que los profesores del IFPA conocerán.

La ruta preveía aún una construcción desde la realidad próxima del educando (su finca y la historia de vida de la familia) hasta el proceso de desarrollo rural en general y su papel Técnico en Agropecuaria. Había una preocupación por no localizar mucho la formación en la realidad, sino hacer la conexión de esta con el contexto de la producción de ciencia, tecnología y cultura, como señala Ramos (2005).

La problematización en el tiempo-escuela, através de los conocimientos traídos de los educandos también fue parte constituyente de la formación a partir de la investigación. B) La reflexión de los contenidos como problemas concretos y no como saberes estáticos sin diálogo con la realidad fueron una tónica importante en la construcción del conocimiento, principalmente relacionados a la Agroecología. Un ejemplo interesante fue la construcción de un espacio de experimentación de producción de alimentos en formato circular. Esto llevó unas tres alternancias, donde todos los profesores se involucraron y fueron problematizando y dialogando con esta acción. El resultado fue el incentivo a la investigación relacionada con diversos temas de la formación técnica y secundaria. Aunque algunos profesores no conseguirán participar del proceso, probablemente

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por dificultades en entender la metodología o resistencia política al cambio curricular.

• El trabajo como principio educativoEsto tal vez fue uno de los principios más importantes en el

cambio curricular del Técnico en Agropecuaria en IFPA. Pues, el trabajo siempre estuvo presente en la formación profesional. Pero, en una perspectiva alienante, o sea, en el capitalismo, el trabajo deja de poseer su centralidad en la producción de valores de uso para los trabajadores. Pasa a tener un rol de mercancia y tiende a confundirse con el empleo. En esta perspectiva la formación articula la educación, nuevas formas de capital globalizado y producción flexible para formar un trabajador “ciudadano productivo”, adaptado, adiestrado, entrenado, mismo que sobre una óptica polivalente (FRIGOTTO, 2005b). Fue esta lógica la que se buscaba romper en el curso para los campesinos.

Lo que demarca profundamente la idea del trabajo como principio educativo es de orden ontológico (inherente al ser humano) y, consecuentemente, ético-político (trabajo como derecho y como deber) (FRIGOTTO et al, 2005). En este contexto, como señala Saviani (2007) el trabajo como principio educativo deriva de la idea que todos los seres humanos son seres de la naturaleza, y por lo tanto, precisan de alimentos, refugios y crear todos los medios de vida.

En el curso de PRONERA, fue debatida la importancia del valor del trabajo y su lógica de reproducción socio-ambiental para los campesinos. La formación profesional fue pensada en la lógica de una búsqueda de restauración de la coevolución entre hombre y naturaleza, en el sentido de Noorgard (1984), “El cambio social es fruto de la coevolución entre sistemas sociales y medioambientales.”

Pero, el hecho de trabajar con educandos hijos de campesinos proporcionó la discusión sobre sus sistemas de producción y las perspectivas de conversión en sistemas más sustentables. El trabajo

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utilizado como principio educativo, estuvo siempre asociado al dominio de los fundamentos del uso de las técnicas diversificadas utilizadas en la producción, y no el mero adiestramiento en técnicas productivas (SAVIANI, 2007). El debate de la autonomía campesina por su propio trabajo, a través del rescate de las semillas, del manejo de la materia orgánica, de la diversificación de la producción y esencialmente del fortalecimiento de las formas de acción social colectiva, en el sentido de Sevilla Guzmán (2006).

Sin embargo, es cierto que no todos los profesores desarrollaron la metodología con base en el trabajo como principio educativo. Esto, muy probablemente por no conocerlo o por no concordar con esta nueva forma de construcción del conocimiento, pues coloca en contradicción el propio modelo de desarrollo de la región basada en grandes proyectos convencionales de producción. Pienso que hubo las dos cosas en el curso. Aunque, no comprometió la formación en general.

• La formación continuada de los profesores y el planteamiento integrado¿Cómo hacer que profesores con maestrías y doctorados regresen

a las clases para estudiar otra vez? Esto fue una de las cuestiones que nos hicimos al principio del Curso del PRONERA.

Durante los años 90, la Institución se quedó prácticamente paralizada con una serie de disputas internas y problemas de relaciones personales entre profesores, añadiendo a esto la política neoliberal del Gobierno Federal, con pocas inversiones en la estructura de la Institución y formación continuada de las personas. No había incentivos a los profesores para hacer maestrías o doctorados. En los años 2000 esto empieza a cambiar y con nuevas entradas de profesores[27] hay un interés de los antiguos para hacer capacitación.

[27] El inicio de los años de 2003 empezaron ofertas para profesores en IFPA.

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En una encuesta realizada a los profesores que actualmente trabajan con el proyecto, se percibió el avance en la formación desde la entrada de los mismos hasta los días actuales (Figura 01). Hay una migración de las formaciones de graduación para maestrías y de maestrías a doctorados. Esto tiene relación con la búsqueda de una capacitación más amplia, pero sobre todo, una mejora de los ingresos, teniendo en vista el plan de cargos y salarios del Gobierno Federal.

Figura 01 - La relación de la formación en la entrada en IFPA y la situación actual (Fuente: Investigación de campo, SOUSA, 2011)

La formación de Técnico en Agropecuaria con especialidad en Agroecología de los hijos de campesinos exigió una formación que la mayoría de los profesores no tenían, especialmente en el campo pedagógico. Así, una de las estrategias fue hacer intercambios de experiencias, especialmente con los movimientos sociales, que poseían un camino en la formación de jóvenes y adultos. Otra posibilidad adoptada fue la autoformación, con la relación de reuniones constantes y momentos específicos para discutir el planteamiento de la clase. Estos momentos produjeron una reflexión amplia de la educación del campo. Además, fue en el contacto con la clase, o en sala de aula (Tiempo Escuela) o en campo (Tiempo Comunidad), que los profesores fueron

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mejorando sus prácticas y percibiendo la importancia de la clase y la formación hacia la sustentabilidad.

En un planteamiento con los profesores sobre las demandas de capacitación, la formación en desarrollo sostenible, manejo de la biodiversidad, Agroextractivismo, prácticas de educación y metodología participativas fueron más destacadas como demandas para ser realizadas en la Institución (Figura 02).

Figura 02 - La relación de demandas de formación con las ya realizadas en IFPA – Castanhal (Fuente: Investigación de campo, SOUSA, 2011)

Cabe destacar aún que hubo una contribución importante de la participación de algunos profesores en la formación continuada del Programa Saberes da Terra en la Amazonia Paraense, coordinada por la UFPA[28].

Se percibió que no es posible hacer la enseñanza desde una perspectiva de integración sin el planteamiento colectivo entre

[28] Programa Interministerial envolvendo o MEC, MDA, MTE, MMA. Atualmente o Programa denomina-se ProJovem Campo Saberes da Terra e tem a Secretaria Nacional de Juventude como uma das gestoras, aliadas aos Ministérios já referidos. O Programa está voltado para a formação de jovens agricultores familiares em nível de escolarização do Ensino Fundamental com qualificação social e profissional em produção Rural Familiar.

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los profesores. Cuando el proceso de formación es antecedido por un planteamiento del equipo, la evaluación siempre es positiva por los educandos. Sin embargo, cuando la formación no tiene un planteamiento anticipado las cosas no siempre funcionaban bien desde el punto de vista pedagógico. La interdisciplinariedad es una acción colectiva. No hay enseñanza integrada basada en la interdisciplinariedad sin planteamiento conjunto.

El formato político pedagógico del Instituto proporcionó, de cierta forma, un espacio de formación constante, pues los profesores no son divididos en departamentos por campo de conocimiento, como en general ocurre en las Instituciones de enseñanza. Esto hace que todos puedan debatir y estar en un mismo ambiente de formación. Aunque hay una división visible en relación al campo más técnico y al campo de formación secundaria.

Otra cosa importante fue la posibilidad de hacer una “selección” de aquellos profesores interesados y con “perfil” de trabajar en el PRONERA. Como había recursos del proyecto, cuando no se tenía un profesor de una asignatura específica, se contrataba uno por un tiempo determinado. Pero estos eran minoría en el equipo de formación del curso.

• La formación política de los educandos Una de las innovaciones fundamentales en el proceso de

construcción del Curso del PRONERA fue la autonomía de las organizaciones sociales, cabe destacar la Federación de los Trabajadores en la Agricultura Familiar (FETRAF) en un primer momento y el Movimiento Tierra y Libertad (MTL) en una etapa posterior, cuando hubo un cambio de la coordinación política del Movimiento social. Ambos, desarrollaban actividades formativas de cuño político, donde los educandos debatían sobre los problemas en sus comunidades y las posibilidades de resolución de los mismos. Otra cosa muy común

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en la formación política era la problematización de la metodología experimentada por los educandos (SANTOS et al, 2010)

Este proceso de formación suscitó una diferencia clave en relación al conjunto de los educandos del IFPA, pues, la clase de PRONERA debatía sobre los acontecimientos políticos en la Institución y de manera colectiva conseguían influenciar en las Asambleas de Estudiantes y en la dinámica de gestión cotidiana. Ejemplo de esto fue la lucha por la residencia para las mujeres y la participación en acciones de los movimientos sociales, como ocupación del INCRA y de tierras. Es importante resaltar que la Institución siempre acompañó la formación, pero no interfería, garantizando la autonomía política de los educandos y sus organizaciones.

• El proceso de evaluación constante Otra innovación importante está relacionada con la participación

efectiva de los educandos en las evaluaciones de las actividades. En cada tiempo escuela había un espacio de evaluación, donde los profesores y los estudiantes pasaban a reflexionar sobre la etapa de formación. Había evaluaciones pedagógicas, políticas y de la gestión del curso. Los educandos también hacían una autoevaluación. El proceso de construcción era dinámico e participativo.

• Las lecciones aprendidas en el proceso de formaciónCiertamente, la construcción de la experiencia del PRONERA

trajo una posibilidad de aprendizaje colectivo diferente para el conjunto de los sujetos educativos de la Institución. En este apartado hablaremos sobre algunas lecciones aprendidas en el proceso de formación.

Uno de los aprendizajes percibido en el proceso de construcción del curso es el rol del PRONERA y su importancia en la promoción de reflexiones colectivas sobre la enseñanza clásica (MUSSOI, 2006)

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en las escuelas, especialmente de las ciencias agrarias, aspecto también observado por Santos et al en una evaluación más amplia:

Al iniciar cursos formales de educación superior y técnica, el PRONERA contribuye a una reflexión crítica de la enseñanza tradicional impartida en las instituciones públicas y comunitarias. En el caso específico de la enseñanza de ciencias agrarias, estos cursos formales ejecutados en colaboración con los protagonistas del campo y de la reforma agraria abren un espacio para un verdadero diálogo de conocimientos entre la universidad y los campesinos, provocando una revisión crítica de los currículos tradicionales. (SANTOS et al, 2010, p. 10)

En caso de IFPA, hubo una revisión de los currículos de los cursos de Técnico en Agropecuaria y Técnico Forestal basadas en la experiencia del PRONERA. Aunque hubo gran influencia en los cursos superiores de Agronomía y Tecnología en Acuicultura.

Otra reflexión realizada por los autores se relaciona con la importancia de la inserción de la Agroecología en cuanto enfoque científico, proporcionando una discusión más amplia sobre el conjunto de la enseñanza en la Institución: “Estas experiencias han sido importantes para fortalecer la perspectiva agroecológica, no solo en los grupos de estudio del PRONERA, sino también para la revisión de los proyectos político-pedagógicos del conjunto de estas instituciones” (SANTOS et al, 2010, p. 10).

El control social del proceso de formación por los educandos y sus organizaciones de campesinos generó una cosa curiosa en la Institución, ya que no estaba acostumbrada a hacer evaluaciones periódicamente de sus acciones de formación para la sociedad en general. La participación efectiva de los educandos, señalada en el apartado anterior y el involucramiento de los diversos movimientos

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sociales en el Curso, desencadenó una nueva forma de relación con los campesinos, aproximando los mismos al IFPA y empezando una reflexión sobre la práctica pedagógica del Instituto. Otra cuestión fuerte en el proceso de evaluación fue la discusión de los proyectos de formación, pues el movimiento trajo su posición política de desarrollo para la Agricultura familiar. Esto, a veces, acababa por ocasionar conflicto con algunos profesores que no tenían esto en sus contenidos de formación, como señala la declaración de uno de los coordinadores políticos del Movimiento social:

Primeiro teve a questão da ocupação de espaço, ou seja, uma escola que historicamente não tinha abertura para a inserção de uma turma oriunda genuinamente do movimento social esse foi o nosso diferencial, éramos uma turma de uns 40 alunos filhos de agricultores ligados ao movimento social, que estavam devidamente matriculados na escola. Essa era então ocupada de maneira diferente. A segunda era a diferença de projetos de formação que a escola defendia e que a escola acabava dando essa abertura no campo da agroecologia, algo novo na instituição a parti daí a gente começa a trabalhar a questão dos saberes, trabalhar com os sujeitos do campo, consorciando o ensino técnico, cientifico com os saberes populares que cada aluno trazia consigo, e com isso a gente começa mudar o cotidiano da escola, através das nossas místicas, das reuniões com os professores, onde por ter essa pratica dentro do movimento de se fazer a critica e a autocrítica, uma avaliação permanente na reflexão e na pratica, então a sala de aula também era esse grande espaço de aprendizado e também da formação dos próprios professores que estavam com a turma, por que os alunos acabavam avaliando o método do professor e o professor ia aperfeiçoando o seu método de dar aula então a turma tinha esse diferencial, por outro lado nos tínhamos um embate

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com o projeto voltado para o grande mercado e nós defendíamos uma agricultura voltada para a agricultura familiar, então nos tínhamos o embate entre essas duas correntes, uma que defendia a agricultura patronal e a turma que tinha uma concepção de agricultura familiar e defendia que o ensino devia ser voltado para essas comunidades. (Representante Movimento Social 1, en entrevista al autor, 2011)

En la declaración del Coordinador del Movimiento social, quedó claro el reconocimiento de la apertura Institucional para una formación diferenciada de lo que históricamente fue construido en el Instituto. La disputa por un proyecto de formación campesino, articulado a las demandas de los movimientos es observada por el Coordinador.

La creación de grupos de investigación y extensión, fortaleciendo el desarrollo de actividades junto a las poblaciones del campo es un punto importante en esta construcción. Santos et al señala esto en otras experiencias:

En varias instituciones, la experiencia de impartir un curso del PRONERA ha llevado a la creación de grupos de investigación, enseñanza y extensión con actividad permanente que persiste, incluso después que se acabaran los grupos de estudio de los colonos. El hecho de que el programa sea ejecutado por el INCRA facilita este proceso, ya que permite una aproximación a otras políticas públicas de apoyo a la reforma agraria y al desarrollo de los asentamientos, tales como asistencia técnica, crédito rural, comercialización, innovación agroecológica, infraestructura, desarrollo territorial, etc., que ahora cuentan con el apoyo y la participación de estos grupos formados dentro de las instituciones educativas. (SANTOS, 2010, p. 10)

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Pero esto es posible, casi siempre cuando hay una aproximación con otras instituciones gubernamentales y no gubernamentales, como organizaciones de asesoría técnica e investigación. En caso del IFPA, el grupo de investigación no surge inmediatamente después del PRONERA, pero es profundamente influenciado por él. Sin embargo, sin duda, las acciones de extensión en comunidades rurales son fortalecidas con la formación por alternancia, donde al visitar e identificar los diversos problemas en los asentamientos rurales en el tiempo comunidad, los profesores diseñan actividades que tengan relación con estas comunidades.

3 .2 . Los cambios a partir del PRONERA: reconstrucción del currículo en base a la participación de los sujetos Sin duda es en función de la participación en Programas como

PRONERA y Saberes da Terra, como se procesaron en IFPA los cambios metodológicos y en el currículo, como relata uno de los Directores de Enseñanza:

[...] Aí eu vejo que estes dois momentos da formação continuada do PRONERA e do Saberes da Terra a partir do Projeto, porque o PRONERA tem um manual e esse manual tem uma orientação. O Saberes da Terra veio também um manual de como trabalhar o Projeto Político Pedagógico (PPP). Dois PPP orientados por Eixos Temáticos ajudaram muito. Daí a gente trouxe essas idéias e daí em 2005 e 2006, dois anos de discussão forte nesta Instituição e mais 2007, depois nós avançamos pra construir um grande eixo integrador na Instituição. Acho que aí é o marco. O marco é a construção destes eixos a partir destes dois PPPs que tinham essa orientação. Eu vejo aí, uma mudança do ponto de vista pedagógico. (Gestor 1, en entrevista al autor, 2011, grifos nuestro)

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La influencia de los Proyectos Políticos Pedagógicos del PRONERA y Saberes da Terra son la base de un cambio más estructural en la Institución desde el punto de vista pedagógico. Con la vivencia de estas dos experiencias por los sujetos educativos del IFPA, empezó una discusión sobre la posibilidad de reconstrucción del Curso de Técnico en Agropecuaria regular. El ápice de todo el debate ocurrió en el Encuentro Pedagógico de 2007, donde los profesores y técnicos pedagógicos deliberaron sobre un enfoque integrador de la formación profesional en el IFPA y sus respectivas temáticas de trabajo.

La inserción de la politécnica, del desarrollo sostenible, y de la valorización de los sujetos sociales es producto de una reflexión profunda, pero con diferentes entendimientos sobre estos conceptos. El hecho es que la institucionalización de estas cuestiones coloca al IFPA – Castanhal en otro nivel frente a la mayoría de las Escuelas de formación profesional en Brasil, donde este debate aún es periférico o construido a partir de grupos pequeños y aislados. No se trataba de un cambio tangencial en la formación. La propuesta no solo fue introducir contenidos sobre estos temas que en general se alternan en una especie de “modismo académico”, sino de incorporarlos en el proceso de formación del conjunto de los sujetos educativos de la Institución. Entonces, la idea fue modificar la perspectiva metodológica de formación.

Tal vez, la principal cuestión surgida del debate fue ¿cómo hacer una formación con estas bases? El desafío para los profesores, técnicos y la gestión era encontrar una forma más adecuada de hacer la aplicación concreta de la propuesta. De hecho, lo que se percibe hasta hoy es que la búsqueda permanece activa.

Sin embargo, con este desafío claro, muchos profesores y técnicos del Instituto pasaron a tener experiencias curriculares diversas, a veces no siempre conectadas entre sí. Esto posibilitó un conjunto de cambios en la enseñanza y profundizó las diferencias en las concepciones de

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formación y en la práctica cotidiana en las Unidades Educativas de Producción (UEP)[29]. El replanteamiento de algunas UEPs surgieron del cuestionamiento de los educandos y la voluntad de muchos profesores y técnicos en cambiar la lógica de implementación de prácticas agrícolas y ganaderas, emergiendo diversas experiencias de agriculturas de base ecológica.

El conjunto de los cambios fueron de carácter técnico y metodológico, introduciendo no solo nuevas formas de trabajar en las UEP, como nuevas posibilidades pedagógicas. Sousa et al (2010) señala una serie de acciones que han sido desarrolladas en relación a la introducción de agriculturas de base ecológica: • Utilización de la basura en el proceso de compostaje y compost con

lombrices (prácticamente el 90% de la basura es reciclada en el Ins-tituto. La parte orgánica es procesada y después vuelve a las plan-taciones);

• Transición de la horticultura convencional hacia una totalmente ecológica, sin uso de abonos químicos o pesticidas;

• Introducción de Sistemas Agroforestales en diferentes conforma-ciones para la formación de los educandos;

• Mejora en la producción animal con la inserción de técnica de base ecológica en los cerdos, cabras, aves, ovejas y en las abejas;

• La búsqueda de la integración de estos diferentes sub-sistemas de producción;

Este redimensionamiento de las UEPs ocurre asociado a un cambio de postura pedagógica de parte de los profesores y se fue desarrollando de manera procesal a partir de la experimentación y reflexión colectiva de los sujetos educativos, conforme refuerza la declaración de uno de los Gestores de la Institución:

[29] Espacios creados desde el periodo de las Escuelas – Hacienda para que los educandos pudiesen practica la formación profesional.

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Esse processo foi se dando naturalmente, mas é lógico que teve professores que tinha essa formação, se você olhar os nossos espaços, você como ex-aluno daqui, e for ver os espaços pedagógicos nossos, e os projetos pedagógicos em nível de campo, você pode observar que todos eles mudaram. Aquela visão empresarial que tinha na nossa Instituição, de projetos de avicultura empresarial, suinocultura empresarial, produção de mudas, ou seja, agricultura perene, agricultura temporária, tudo tinha uma visão empresarial. Você pode observar que isso mudou na nossa Instituição. Não foi uma mudança repentina, foi uma mudança que foi se dando dentro de um processo, porque os professores começaram a perceber isso, sem esta mudança de percepção dos professores, isso não sai [...]. Inclusive eu fiquei muito feliz, que na primeira semana de aulas de nossos alunos da Agronomia, eles estavam trabalhando lá no SAFs (Sistemas Agroflorestais) [...]. Aquilo pra mim, foi muito interessante, inclusive disse a eles: olha gente, eu passei cinco anos na Universidade e não tive essa aulas que vocês estão tendo aqui, entendesse. Aquilo ali foi um espaço pedagógico riquíssimo, onde ali, poderia estar o professor de física, de química, biologia, geografia, matemática, ou seja, um espaço democrático, onde você poderia trabalhar tudo isso [...]. Aí tem o SAFs, que iniciou com os alunos do PRONERA, e hoje é um espaço pedagógico riquíssimo; na avicultura, a gente implementa uma avicultura caipira, onde o projeto é um projeto familiar, e pode ser implantado em qualquer lugar daqui da nossa região, a suinocultura também tomou essa direção, ou seja, todos os nossos espaços pedagógicos eles foram redimensionados para essa realidade, numa perspectiva de formação cidadã, voltada também pra o mercado de trabalho, mas não é a função nossa apenas, é formar o cidadão integralmente. (Gestor 7, en entrevista al autor, 2011)

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Tal vez, el mayor cambio haya ocurrido en la perspectiva metodológica, pues, las Unidades Educativas de Producción eran vistas sólo como espacios de producción y los estudiantes trabajaban para mantener esta producción, sin hacer una reflexión crítica de este trabajo. Hay relatos de profesores más antiguos diciendo que los profesores de las áreas técnicas eran evaluados por la cantidad de producción que alcanzaban en una temporada. Esto en alguna medida se modificó, a partir de la introducción de la investigación y el trabajo como principios educativos, las UEPs ganan otro significado, como espacios de producción de conocimiento y reflexión sobre las demandas reales de los campesinos.

La investigación en los Institutos de Educacão Federais, Ciência e Tecnologia, hasta hace poco tiempo no era una prioridad en la integración con la enseñanza profesional y tecnológica. Pero, esto ha sido modificado en los últimos años. El caso de IFPA – Campus Castanhal, todas las discusiones sobre la necesidad de producción de conocimiento articulado con la enseñanza y la extensión de manera indisociable, hizo con que este proceso se haya acelerado. Actualmente existen siete Núcleos de Investigación (NEPE) constituidos, que han profundizado los cambios en relación al uso de los espacios pedagógicos de la Institución, en su gran mayoría rompiendo la idea de producción en parcelas. Estos Núcleos han movilizado recursos a través de proyectos de investigación en diversas áreas del conocimiento.

Sin embargo, estos Núcleos aún están profundizando sus enfoques teóricos metodológicos, no teniendo una definición muy clara. Sin embargo, ya es posible identificar la reflexión y producción de conocimiento dentro de una visión interdisciplinaria y articulada con las demandas de los pueblos del campo en algunos de ellos (Núcleos). Aunque, la mayoría de las investigaciones propuestas están referenciadas en la ciencia normal. (FUNTOWICZ; RAVETZ, 2000).

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La investigación y la extensión en el IFPA – Campus Castanhal han profundizado las acciones, especialmente a través de programas y proyectos desarrollados por profesores y educandos en diversas áreas del conocimiento científico. Pero, para llevar a cabo la construcción de una nueva Institucionalidad es necesario un esfuerzo en la captación de recursos y desarrollo de acciones, con énfasis en la promoción del enfoque Agroecológico, conforme la Tabla 01).

Tabla 01 - Programas y Proyectos del IFPA – Campus Castanhal en 2011.Programas/Proyectos BecasCNPQ (PIBIC/PIBIC Ação Afirmativa/PIBITI)* 14Programa Institucional (IFPA - Campus Castanhal) 37Núcleo de Estudos em Agroecologia - NEA (MEC/MAPA) 6Programa de Educação Tutorial/Agronomia 12PROEXT - INCUBITEC (Economia Solidária e Agroecologia) 15PROEXT 2012 30Total 114

* Becas de iniciación en investigación del Gobierno Brasileño a través del CNPQ.

Fuente: Diretoria de investigación e Pós-Graduação – IFPA – Castanhal, Organizado por SOUSA, 2011.

Las acciones del Núcleo de Estudos em Agroecologia (NEA)[30]; Programa de Educação Tutorial (PET) y de Incubadora Tecnológica de Emprendimentos Solidários (INCUBTEC) son en gran mayoría realizadas a partir del enfoque Agroecológico. La innovación percibida en la investigación, en relación a creación de estos Grupos de investigación con enfoque agroecológico, es la búsqueda de una articulación entre temas diversos (economía

[30] Núcleo de enseñanza, investigación y extensión, creado en 2010 por un conjunto de profesores y educandos voluntarios con el objetivo de conectar diversas acciones que estaban siendo realizadas en el IFPA – Campus Castanhal.

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solidaria, educación del campo, manejo de los recursos naturales, sistemas agroforestales, Agroecologia, movimientos sociales, etcétera), que en general son fragmentados en sus construcciones teóricas, pero que se encuentran en la realidad cotidiana de los educandos y los campesinos que se relacionan con el Instituto. Entonces, la inseparabilidad entre enseñanza – investigación – extensión ocurre a partir de la contextualización real de los problemas de las comunidades y grupos de familias. No son los profesores quienes crean los problemas y las respectivas soluciones y buscan un sitio para “transferir” el conocimiento. El conocimiento es producido por el conjunto de los sujetos involucrados en las acciones, cada uno con su parcela de contribución.

Por esto la presencia de los campesinos en el Instituto participando en las investigaciones y en las clases, y principalmente la presencia de la Escuela (profesores y educandos) en las comunidades experimentando la realidad no (de)formada, en las estaciones experimentales, es fundamental para el avance en la comprensión y realización de una “ciencia con la gente” (FUNTOWICZ; RAVETZ, 2000).

No obstante, es importante reflejar que este modus operandi de hacer ciencia aún no es debidamente valorizada y reconocida en las estructuras de evaluación y fomento de investigación en Brasil. El trabajo de Ciudad (2010) es revelador en este sentido, pues muestra la dificultad en la definición de criterios de evaluación de una propuesta basada en la complejidad de la ciencia y la “frialdad” con que la Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) evalúa los Programas de Postgrado en Brasil.

Aunque las acciones de investigación y extensión en IFPA – Campus Castanhal no tienen una perspectiva innovadora. En el caso de las UEPs, no todas fueron modificadas, ni todos los profesores pasaron a adoptar esta metodología, habiendo aún muchas contradicciones en la práctica educativa cotidiana.

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La realización de “el día del campo del maíz” con una concepción de “transferir tecnología” para los agricultores, independientemente de sus lógicas de producción y realidades (PLOEG, 2008), con enfoque en el producto (parcela) y no en el análisis de los agroecosistemas en general, es un indicativo de la permanencia de una concepción tecnicista y una metodología con verticalidad en la socialización del conocimiento:

São esperados mais 300 agricultores, oriundos de 10 municípios que foram convidados por meio de associações. Todos serão recebidos e inscritos na atividade, em uma recepção que será montada na entrada da área de plantio do milho. A partir dali os grupos de agricultores serão acompanhados por grupos de estudantes dos cursos técnicos e pós-médio em Agropecuária e de Florestas até as estações de tecnologia e conhecimento montadas dentro do milharal, onde os professores e técnicos responsáveis pela experiência vão apresentar a “fórmula do sucesso” para que o pequeno agricultor possa até triplicar a sua produção de milho, verticalizar essa produção e aumentar a renda familiar. Estão sendo montadas 04 estações no meio do milharal. Na primeira, [...] vai tratar do preparo da área, regulagem de plantadeira e adubadeira. A segunda estação focaliza a nutrição do milho e os adubos indicados à cultura, [...]. Na terceira estação [...] vai falar sobre a semente utilizada no plantio experimental em 2 hectares do campus e as pragas e doenças do milho. Finalmente a quarta estação trata sobre a produtividade e o custo para se alcançá-la. Trata-se de um Dia que deve entrar para a história como uma oportunidade de aprendizado para os estudantes e para o público alvo deste projeto formado por integrantes da Associação de produtores de Castanhal, Sindicato Rural e órgãos ligados a agricultura (EMATER, SAGRI, EMBRAPA, Secretaria Municipal de Castanhal entre outros). (FREITAS, 2010)

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Norman Bourlaug, apologista de la Revolución Verde (R.V.), en los 70’ probablemente se quedaría muy contento con este informe de Freitas (2010) en una escuela de enseñanza en pleno siglo XXI. La reproducción de un enfoque pedagógico clásico (MUSSOI, 2006) y el involucramiento de los educandos del Curso Técnico en Agropecuaria con un discurso de la integración, en un contexto de fragmentación del conocimiento, es revelador de las contradicciones aún existentes en IFPA – Campus Castanhal.

Sin embargo, el estudio de los agroecosistemas modernos (producción del monocultivo de maíz) es fundamental en la formación de los educandos, con vistas a comprender sus potenciales y contradicciones del punto de vista técnico y ecológico. No en tanto, la forma trabajada en este caso, refuerza la idea de una producción de conocimiento en las estaciones experimentales sin la participación efectiva de los agricultores y, tal vez mucho más serio, es el refuerzo de una visión fragmentada y vertical de la construcción del conocimiento, (des)educando los sujetos educativos y fortaleciendo una formación profesional tecnicista y descontextualizada de la realidad.

La integración efectiva de los conocimientos técnicos y de los conocimientos generales (formación de la enseñanza secundaria) sigue siendo un desafío. Desde el punto de vista pedagógico, se realizaron muchas acciones, pero hace falta una sistematización más efectiva y una propuesta del conjunto del currículo, reflejando todas las contradicciones existentes.

4 . Algunas reflexiones para el futuro de la formación profesional en Agroecología

Hubo un esfuerzo para realizar una reconstrucción del pasado sociológico de cómo el enfoque agroecológico fue introducido en el IFPA – Castanhal y cuáles fueron sus desdoblamientos en la perspectiva

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del cambio de concepción de formación hacia la sustentabilidad. En este apartado, traeremos algunas reflexiones y conclusiones a partir de los objetivos propuestos por el trabajo de investigación.

Es un hecho que el conjunto de los cambios ocurridos en el IFPA – Castanhal son en función de varios factores coyunturales que tal vez no ocurran constantemente en las Instituciones de enseñanza (cambio de gestión, llegada de nuevos servidores, políticas públicas de incentivos, movilización social en la región, etcétera).

Sin embargo, la experiencia del IFPA – Campus Castanhal mostró que la introducción del enfoque Agroecológico en una Institución de formación, y no apenas como modismo académico o coyuntural, depende efectivamente de una serie de factores que están interconectados. La búsqueda de un currículo más integrado, con una formación interdisciplinaria; la reorganización de los espacios de formación; el establecimiento de relaciones Institucionales gubernamentales y fundamentalmente con entidades de la sociedad civil organizada, principalmente de los campesinos; el establecimiento de un proceso de formación continuada de los profesores y técnicos pedagógicos; y el cambio metodológico y curricular con base en los principios del Enfoque Agroecológico, son algunos de los elementos fundamentales para esta inserción.

En esta perspectiva, el establecimiento de los principios de la Agroecología, no necesariamente depende de la creación de un Curso de Agroecología. Percibimos que los principios de la Agroecología, como un enfoque interdisciplinario, pueden ser implementados en otros cursos, a partir, principalmente de un cambio metodológico en el proceso de formación.

Tal vez la resistencia por la gestión para implementar acciones con enfoque agroecológico en cursos tradicionales de las Ciencias Agrarias como Agronomía y Técnico en Agropecuaria hayan motivado la creación de algunos cursos en Agroecología en

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Brasil. Esta “explosión” de Cursos de diferentes niveles en Brasil puede ser un indicador importante de la búsqueda de cambio en la concepción de formación profesional, pero hay un riesgo de hacer una división peligrosa de las Ciencias Agrarias y olvidarse del debate central, que es el cambio en las concepciones y principios de la formación profesional, con vistas a un desarrollo con base en la sustentabilidad.

Los grupos interdisciplinarios de enseñanza, investigación y extensión, con participación de profesores, educandos, técnicos de diferentes cursos y sectores en la Institución, pueden ser una expresión importante y estratégica en la introducción de los principios de la Agroecología a partir de una demanda real, percibida en el territorio donde está ubicada la Institución.

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• A pedagogia da alternancia no ensino

técnico agrícola: a experiência do PRONERA na Escola Agrotécnica Federal de Castanhal Estado do Pará

Ângelo Carvalho

1 . Introdução

O presente artigo é produto de uma breve síntese de minha dissertação de mestrado defendida em setembro de 2009 na UFR-RJ – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Seu tema central foi A PEDAGOGIA DA ALTERNANCIA NO ENSINO TÉCNI-CO AGRÍCOLA – A EXPERIÊNCIA DO PRONERA NA ESCO-LA AGROTÉCNICA FEDERAL DE CASTANHAL ESTADO DO PARÁ. A finalidade, à época, foi analisar a histórica negação ao ensino e à formação cultural dos (as) trabalhadores (as) do campo, bem como aos seus filhos, num país com uma realidade social herdada de uma sociedade escravista e colonial, como é caso do Brasil.

Dessa forma, o trabalho aqui apresentado parte da observação e de um estudo preliminar sobre o modelo de educação e ensino vigen-tes no espaço escolar, analisando a contribuição da Educação do Cam-po na formação profissional dos alunos trabalhadores da antiga Escola Agrotécnica Federal de Castanhal - EAFC, hoje Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA / Campus Casta-nhal, mediante a consideração da proposta de ensino do PRONERA

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– Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, que, em meu entender, configura uma nova relação com o espaço territorial, criando assim novas possibilidades de formação de sujeitos produzidos no es-paço das contradições vivenciadas pelos movimentos sociais do cam-po, percebendo a proposição de políticas públicas viáveis – ao exemplo do PRONERA – para a superação das contradições educacionais até então vigentes no modelo de educação e ensino dominantes nos am-bientes escolares de nosso país.

2 . Educação Agrícola: A preocupação com o mercado

As origens da Educação Agrícola no Brasil remontam a dois momentos históricos distintos, mas singulares do ponto de vista da complementaridade: o período da dominação colonial e das atividades econômicas aqui desenvolvidas, e o que antecede o nascimento da in-dústria no país e, consequentemente, da organização sócio-espacial no e do território brasileiro.

Segundo Soares (2003), com relação à aprendizagem no período do Brasil colonial, o que se verificou é que a mesma era assistemáti-ca, na qual tanto os escravos quanto os homens livres eram treinados dentro do próprio ambiente de trabalho, sem a presença de padrões, regulamentações e sem atribuição de tarefas próprias para aprendizes.

Oficialmente, a Educação Agrícola foi amparada pela lei que estabelece a consolidação do ensino técnico-profissional no país – a Lei nº 9.613, de 20 de agosto de 1946 – Lei Orgânica do Ensino Agrícola, produto da reforma Capanema. Por outro lado, é váli-do salientar que este modelo de educação sempre esteve voltado a atender as necessidades e interesses do mercado, sobretudo, o externo, além de, ao mesmo tempo, buscar a satisfação das elites/oligarquias rurais do Brasil, preocupadas em promover a manuten-ção de seus privilégios.

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Nestes termos, a educação e o ensino no Brasil, historicamente, foram percebendo uma formação específica de acordo com as regras e normas ditadas pelo capitalismo ruralista e pequeno-burguês domi-nante nascente no meio urbano do país, de onde advém a lógica da preparação escolar para o mercado de trabalho.

Soares (2003), ao estudar a problemática do ensino técnico no Brasil e, mais em particular, do ensino agrotécnico, observa que a questão que se coloca no centro das discussões é mesmo a da pre-paração para o trabalho, onde a profissionalização é colocada unica-mente enquanto preparação para o mercado. Nota-se, então, neste contexto, que a educação agrícola ao longo da história foi e é profun-damente marcada por um compromisso não-social, quando pensada em relação aos trabalhadores (as) do campo e de seus filhos, logo, da manutenção e reprodução das desigualdades e contradições so-ciais, econômicas e culturais existentes no espaço do mundo agrário brasileiro; somando-se a isso o objeto, o sujeito e o conteúdo deste modelo de educação.

Com efeito, como salienta Sobral (2008), a diretriz curricu-lar para o curso técnico em agropecuária atendeu, e ainda continua a atender, ao padrão tecnológico da agricultura comercial, seguindo decidida e fundamentalmente a lógica da racionalidade econômica.

O Decreto Lei 5.154/2004, produzido no seio da luta contra o poder das forças conservadoras, parece que, diferentemente das pro-posições buscadas pelo ensino agrícola até bem pouco tempo atrás, lança-se a um novo desafio: o de construir uma outra identidade ao ensino técnico agrícola profissional, quando traz em seu bojo novos pressupostos teórico-metodológicos, apontando para a importância do ensino médio no processo de busca de romper com o subdesen-volvimento econômico e cultural, a partir da construção de uma nova base científico-técnica articulada ao conhecimento histórico social dos sujeitos e/ou indivíduos, e, que assim permitam aos jovens a

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compreensão dos fundamentos e aparatos técnicos, sociais, culturais e políticos do atual sistema produtivo.

Contudo, considerando as observações feitas pelo professor Fri-gotto em companhia das professoras/pesquisadoras Ramos e Ciavatta, que destacam o decreto como um ganho político, fruto de um conjunto de disputas internas no seio da sociedade, das escolas e dos estados como um todo, compreendo a luta Por Uma Educação do Campo como perma-nente e constante, portanto, ou os educadores que não se identificam com status quo se inserem e acordam para as estratégias dos setores con-servadoristas do meio educacional, diante das contradições presentes no decreto, ou perderão a viagem, pois não verão o bonde da história passar.

2 .1 . Mudanças e Possibilidades no Ensino Técnico ProfissionalAo refletirmos acerca das políticas de educação e do ensino

técnico profissional, não se trata aqui de uma simples relação de cau-sa e efeito, mas de um funcionamento orgânico do sistema das rela-ções sociais, em que a todo e qualquer instante vive um processo de morte e vida no transcurso de sua existência, renovando-se contradi-tória e permanentemente. O que equivale dizer, nesta lógica dialética e dialógica, que o positivo e o negativo no processo educacional são ao mesmo tempo tão antagônicos quanto complementares, portanto, inseparáveis.

No universo da educação e do ensino técnico profissional, as ideias de mudanças se convertem ao mesmo tempo em desafios e possibilida-des, na convivência do velho com o novo, da disputa e do debate entre as palavras e as ações; e no espaço-tempo das relações entre os sujeitos; as possibilidades tornam-se mudanças concretas e possíveis e, ao mesmo tempo, temerosas quando sempre conflituantes; as ideias se diluem em ações e reações onde as causas e efeitos mudam constantemente de lu-gar; o aqui e o agora se tornam efeito, adquirindo logo ali ou em seguida

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o caráter de causa e vice-versa, num constante movimento de mudanças, marcadas por antagonismo e complementaridade.

A consolidação da formação técnica de nível médio para o cam-po brasileiro foi resultado do processo de transformações tecnológicas, que o espaço agrário do país viveu a partir das décadas de 1950 e 1960. Portanto, diferentemente do passado –, quando o grande ca-pital agroindustrial demandava a formação de técnicos profissionais em agropecuária, e, que, por esta razão, a estrutura dos cursos da área agrícola estava voltada, no sentido de atender ao padrão tecnológico da época – hoje a reestruturação pela qual o modo de produção capi-talista vem passando, desde as últimas três décadas do século passado, vem exigindo incondicionalmente a formação e a preparação de novos profissionais, o que obviamente não está nos cursos técnicos profissio-nais ofertados pelas escolas agrotécnicas.

Analisando as novas realidades do mundo agrário brasileiro e pensando sobre a formação cultural, humana e profissional histori-camente negada aos filhos e filhas de milhares de famílias rurais, que vivem e se reproduzem no e do campo, pode-se dizer ainda que os cursos técnicos em agropecuária necessitam, urgentemente, redefinir e redirecionar seus projetos político-pedagógicos, promovendo a orien-tação de uma formação emancipatória e não utilitária, mercantil e tec-nicista, como no passado.

No tocante ao ensino agrícola, Soares (2003) em suas análises, esclarece que no momento de apogeu alcançado pela modernização tecnológica – buscando atender às exigências do modelo desenvol-vimentista, a partir de 1966 – os colégios agrícolas passam a adotar o modelo de Escola Fazenda, oriundo do convênio CONTAP[31] II – MINAGRI/USAID[32] que, à época, ditava o suporte ao Ensino Agrí-

[31] Conselho de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso.[32] Ministério da Agricultura e Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Inter-nacional.

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cola de grau médio, rapidamente adotado e disseminado pelo DEA/MEC. Esse modelo, por sua vez, tinha como base os princípios de “aprender a fazer e fazer para aprender” (BRASIL, MEC; COAGRI, 1985, p. 11).

O Sistema Escola Fazenda foi consolidado no seio e no espaço das Escolas Agrícolas a partir da promulgação da LDB de 1971, quando ele passou a ser considerado como capaz de desenvolver as instituições escolares de forma eficiente e auto-suficiente do ponto de vista econô-mico, promovendo a capacitação de agentes/técnicos agrícolas, para atu-ar no mercado de produção, em especial, no setor primário da economia.

A organização dos conteúdos curriculares em módulos a partir da reforma da Educação Profissional provocada pela LDB 9.394/96, e o lançamento do Decreto Lei 2.208/97 – imposto pelo governo, ao defender a adoção da pedagogia das competências e o discurso da necessidade de mudança frente ao novo paradigma da modernidade, que exige a suposta adequação aos novos tempos de reestruturação e reorganização capitalista – escondem suas reais intenções de servir ao mercado e aos interesses da economia-mundo globalizada.

No dizer de Ferreira e Garcia (2004), a reforma da educação profissional iniciada na década de 1990, especificamente com a edição da LDB 9.394/96 e do Decreto Lei 2.208/97, promoveu mudanças emblemáticas no quadro da educação brasileira.

O Decreto Lei n° 2.208/1997, além de outros instrumentos le-gais (como a Portaria n° 646/1997), de acordo com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), vieram não somente proibir a pretendida formação inte-grada, mas também, regulamentar formas fragmentadas e aligeiradas de educação profissional em função das alegadas necessidades do mercado.

Sobre a implementação do Decreto Lei 2.208/97, a pesquisa-dora Soares (2003) observa que, guardando as devidas proporções em comparação a períodos ditatoriais anteriores, mais uma vez na história da educação brasileira estava se desenhando, de maneira consubstan-

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ciada, outra decisão pelo alto, pois, assim como dantes, mais uma vez optava-se em deixar de lado um conjunto de propostas concebidas numa trajetória de construção coletiva, o que configurava um projeto de educação democrático e participativo, em que se esperava que o poder legislativo ouvisse e assim respeitasse as reais demandas da so-ciedade organizada.

Na visão de Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), a política de educação profissional do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), por ter abrangido ações voltadas para a qualificação e a re-qualificação profissional, não se resumindo somente ao ensino técnico, promoveu um desvio da visão e da atenção da sociedade das causas reais do desemprego, na qual os próprios trabalhadores apareceram como responsáveis pelas condições de desempregados e de vulneráveis ao desemprego. Nesses termos, o discurso ideológico do governo in-troduziu como aporte os princípios capitalistas pautados nas ações de ‘empregabilidade’ e ‘competências’, justificando os cursos aligeirados de formação profissional, além dos projetos fragmentados e outras ini-ciativas associadas à idéia de flexibilização dos currículos e da própria formação profissional.

Em meu entender, o resultado dessa política, além da pauperiza-ção do processo educacional e da ampliação das desigualdades socioe-conômicas e culturais, foi o aprofundamento da má formação técnica, intelectual e profissional de uma massa de trabalhadores, contribuin-do, hoje, não mais para um grotesco exército industrial e humano de reserva, mas sim, para a formação de um exército de pessoas inúteis aos interesses e à lógica do capital.

No ano de 2004, com a edição do Decreto Lei 5.154/04 em substituição ao 2.208/97, a instituição novamente volta a mudar sua estrutura curricular, quando os cursos passam a ser orientados pelo modelo de Currículo Integrado, no momento em que a escola passa a ter o Curso Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino Médio.

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A aprovação do Decreto Lei 5.154/2004, assinalam Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 53), “por si só não muda o desmonte pro-duzido na década de 1990. Há a necessidade das instituições da socie-dade, direta ou indiretamente relacionadas com a questão do ensino médio, mobilizarem- se para mudanças efetivas”. Vale ressaltar que o citado decreto trouxe a abertura e, ao mesmo tempo, o estímulo à for-mação integrada, porém não garante a implementação desta.

Nesse sentido, pode-se inferir que as reformas na educação bra-sileira iniciadas no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, apesar dos avanços em alguns setores, como a ampliação da rede e a oferta de mais cursos, além da promulgação do Decreto Lei 5.154/04, na verdade, não vêm atender às reais necessidades dos educandos e nem dos trabalhadores, pois elas priorizam a quantidade em detrimen-to da qualidade do ensino e da educação, sendo resultado das receitas do mundo globalizado, inscrevendo-se, perfeitamente, nas orientações do Banco Mundial.

3 . O PRONERA como alternativa de superação das contradições educacionais no campo

Embora seja do conhecimento de grande parte de pesquisadores da educação, bem como de muitos outros intelectuais que os problemas da educação no Brasil não estejam enraizados somente e apenas no es-paço agrário, o grande fato é que, no campo, a situação escolar, logo edu-cacional, encontra-se grave, portanto marcada por uma cabal desestrutu-ração material, técnica e profissional, quando observadas e analisadas as reais condições, principalmente, de seus sujeitos sociais e humanos.

Diante da existência precária e/ou da falta de materialização de uma educação campesina, isto é, de saberes práticos que atendam e estejam de acordo com as especificidades das populações do campo, é de se notar que o espaço agrário brasileiro sofre de uma horrenda

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e perversa marginalização social, econômica e cultural e que, nestes termos, carece de uma atenção específica quanto a educação dos seus sujeitos, uma vez que nele se expressa uma das faces mais alarmantes das enormes desigualdades sociais existentes e reinantes no espaço ge-ográfico brasileiro.

Nessa linha de raciocínio, a educação encontrada e trabalhada pelas e nas escolas do campo não consideram nem a realidade socio-ambiental onde estão inseridas, nem tão pouco estão preocupadas em promover uma realidade digna aos seus sujeitos. Daí que suas existên-cias acabam por ratificar a negação histórica a que o campo foi e ainda hoje está submetido, percebendo a redução de uma vida digna aos limites geográficos e culturais dos grandes centros urbanos.

O campo, assim, vem sendo encarado/relegado como um espa-ço de vida atrasado, fora do contexto do desenvolvimento burguês e elitista, dissonando do pensamento defendido e repensado pelos en-genheiros e arquitetos das ideias que enfeitam e sustentam os moldes capitalistas de vida, de organização sócio-espacial; como se os sujeitos do campo não fossem dignos de serem tidos e tratados ou mesmo, pelo menos, considerados enquanto sujeitos humanos, cheios de vida, saberes e conhecimentos, portanto atores sociais com direitos, vida e identidade cultural própria; sujeitos que merecem por todas as vias serem respeitados de fato e de direito legais e reais.

Nesse sentido, o PRONERA se apresenta como algo que é e não é ao mesmo tempo. É, enquanto produto das realidades diversas que se expressam nos povos do campo; nas alternâncias que respeitam e primam pela história de vida dos sujeitos de todos os cantos do cam-po; nas lutas pela terra e por uma educação emancipadora; e não é, pela política de falta de recursos e não reconhecimento legal por parte de quem gesta o processo educacional no país.

Por outro lado, conforme já fora afirmado anteriormente, o cam-po, apesar de ser um espaço onde todas as mazelas legislativas, concer-

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nentes não apenas ao olhar, mas sobretudo, ao atendimento real e ao respeito aos seus direitos, desenha-se e constitui-se, ao mesmo tempo, no campo das possibilidades, da renovação, da construção e reinvenção da história, através de lutas e resistências, produções e plantações de raízes, saberes e conhecimentos.

E é nesse sentido que o PRONERA apresenta como causa fun-damental de suas ações atuar frente às contradições existentes no cam-po (essas, por sua vez, patrocinadas pelo capital), buscando dirimir as desigualdades, atendendo e construindo condições reais de acesso à educação, que, como afirma Molina (2008, p. 29), “necessariamente demandam ações afirmativas do Estado para corrigir essas distorções”.

3 .1 . Educação no e do Campo: um Direito de se ter os Direitos RespeitadosDiante das desigualdades apresentadas e vividas pelo campo

brasileiro, considerando-se ainda, neste contexto, as marginalidades e preconceitos sofridos por ele, é que o campo demanda políticas públi-cas diferenciadas e específicas que visem a cabal superação do quadro de carência e necessidade de formação, escolaridade humana e profis-sional e de qualificação técnico-profissional de todos os níveis e em todas as áreas do conhecimento de que seus sujeitos têm direito, mas que por vias circunstanciais das políticas burguesas e elitistas implan-tadas e, muitas das vezes, levadas a cabo pelo próprio Estado, não são respeitados. Pois como observa Molina,

O direito à diferença, aqui trabalhado, indica a necessidade de ga-rantia de igualdade e universalidade, sem desrespeito à diversidade encontrada no trato das questões culturais, políticas e econômicas do campo. O respeito à diferença pressupõe, assim, a oferta de con-dições diferentes. O que, no limite, garante a igualdade de direitos. Vale ressaltar que a dialética da igualdade e da diversidade evidencia

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elementos básicos e comuns a todos os sujeitos sociais: a unidade na diversidade. Mas, também indica as diferenças entre o campo e a cidade. Além disso, os sujeitos do campo possuem uma base sociohistórica e uma matriz cultural diferentes, o que os faz deman-dantes de políticas públicas especificas. (MOLINA, 2008, p. 29).

Aprofundando essa reflexão, Mônica Molina (2008) observa, ta-citamente, que a Constituição Federal, ainda em seu artigo 206, – refe-rindo-se “ao direito de garantia da igualdade das condições de acesso e permanência à educação – não o faz para níveis específicos, e sim para toda a educação” (2008, p. 26). Pois a educação não pode ser apenas para uns, mas para todos quantos se fizer necessário, sem nenhuma distinção e / ou discriminação.

Analisando o direito à educação dos homens e mulheres que trabalham e vivem no e do campo Molina (2008), em seu artigo A Constitucionalidade e a Justicibilidade do Direito à Educação dos Povos do Campo[33], afirma que “os direitos humanos têm como fim último, como principal objetivo, garantir a dignidade humana, que está inscri-ta na Constituição Federal, logo no seu artigo 1º, como um dos fun-damentos que integram o Estado Democrático de Direito no Brasil.” (MOLINA, 2008, p. 22)

Logo, por extensão de raciocínio, conclui-se que a essência do direito está no fato de ser universal, referir-se a todos os seres humanos, independente de sua condição social, cor, gênero ou atividade de tra-balho; é a mais importante e principal característica da ideia de direito e que, indistintamente, todos os sujeitos, todos os seres humanos têm direito a terem direitos.

Portanto “a educação é um direito” (MOLINA, 2008, p. 21) e como todo direito deve ser e se fazer respeitado, pois se existem é por-

[33] Ver bibliografia.

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que foram construídos, conquistados e por nós inventados e, para não se deixar que sejam destruídos, todos aqueles envolvidos e comprome-tidos com a escrita de outra história do campo e para o campo devem estar em permanente reconstrução das lutas sociais, pela manutenção digna e territorialidade social do direito que é de todos e todas. E é dentro da lógica dessa compreensão que se inscreve a luta dos movi-mentos sociais em defesa da construção da Educação no e do Campo.

Como é possível notar, os direitos existem. Do ponto de vista legal, eles podem até estar, como de fato estão, assegurados, porém tal fato não significa que eles serão devidamente respeitados, como é de conhecimento que não são. Logo, para que o respeito exista e se faça valer, exige-se por parte dos movimentos sociais e dos seus su-jeitos em sua una e múltipla totalidade uma constante e permanente organização e luta.

Nesse sentido, os movimentos sociais realizam suas ações fun-damentadas e alicerçadas na compreensão da ideia do direito em ter direitos, uma vez que como demandantes diretos do que está previsto na legislação, e por isso a luta é legal, estão legitimados em construir a materialidade do que ainda não foi materializado na dimensão da realidade e territorialidade social.

Pois, como bem destaca Molina (2008), a democracia é um regime político que tem por princípio a instituição de direitos, e exatamente pelo fato de vivermos numa sociedade que se diz e se escreve como democrática é que se fundamenta a legitimidade, bem como a possibilidade da ação de virmos materializar os princípios que, historicamente, como humanidade, todos nós, enquanto sujei-tos, construímos como valores universais, que são os direitos que in-dependentemente da classe social, da situação socioeconômica, de vivermos no campo ou na cidade, de sermos brancos ou negros, ho-mens ou mulheres, temos o direito destes direitos. “O fato de sermos pessoa humana nos faz por portadores e, portanto, nos condiciona

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integralmente, em todos os sentidos possíveis e pensáveis, poder-mos gozar, usufruir e deleitar desses direitos.” (MOLINA, 2008, p. 23. Grifos meus).

De acordo com essa linha de raciocínio, penso ser de suma im-portância, para melhor esclarecimento de todos e de todas, promover referência à fala dos professores Oliveira e Santos (2008), quando es-tes se pronunciando a respeito do papel desempenhado e representado pelo Pronera na atual conjuntura política, econômica, social, ambien-tal e cultural do país, afirmam que o Programa se propõe a enfrentar o grande desafio da alfabetização, bem como da elevação dos níveis de escolaridade dos jovens e adultos excluídos deste direito na idade própria e que hoje residem nas áreas de reforma agrária.

3 .2 . Educação do Campo: Limites e construção de identidadesA Educação do Campo pode até apresentar limites, contudo

vai além de uma simples identidade, perpassando pela definição e construção de sujeitos coletivos que verdadeiramente não apenas es-tão comprometidos, mas desenham e reconstroem de forma contínua e permanente a vida daqueles que vivem no espaço onde lá atrás na história encontra-se a origem das demais relações sociais, culturais e políticas que são vislumbradas nos dias atuais, ou seja, o campo, o meio rural, o espaço camponês.

A identidade da Educação no e do Campo por ser definida e construída pelos seus próprios sujeitos sociais e atores da história, está vinculada a uma cultura que se produz por meio de relações mediadas pelo trabalho, este entendido enquanto produção material e cultural da existência humana dos sujeitos. Por isso mesmo, a escola para os movimentos sociais precisa investir em uma interpretação da realida-de, investir numa releitura do mundo, na reinvenção da vida que possi-bilite a construção de conhecimentos alternativos e potencializadores,

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de modelos de agricultura, de cultura agrária, de novas matrizes tecno-lógicas, de produção econômica, de desenvolvimento sócio-ambiental e de novas relações de trabalho e da vida com base em princípios e es-tratégias solidárias, que permitam a garantia de uma melhor qualidade de vida dos que vivem, trabalham, sobrevivem e se reproduzem no e do campo; porque educação é terra e vida, e terra e vida são mais que educação, é existência humana e construção da liberdade.

No dizer de Caldart (2008), a Educação do Campo pensa a ló-gica da vida no campo como totalidade em suas múltiplas e diversas dimensões, por isso sua visão de campo exige uma visão mais alargada da educação das pessoas, pois quando a educação fica ou é subordina-da aos interesses ou necessidades da formação imediata, já se sabe o quanto se torna empobrecida do ponto de vista da formação humana, de perspectiva unilateral.

4 . O PRONERA na escola: Outras mudanças se anunciam

Apesar dos recentes avanços, tradicionalmente a antiga EAFC sempre esteve presa – como ainda de certa forma se encontra – à velha prática de fazer educação, limitada na sua estrutura pedagógica, enten-dendo o aluno apenas como mero coadjuvante no ato de educar, pois considerava como mais importante os conteúdos disciplinares a serem ministrados e as práticas desenvolvidas pelas disciplinas técnicas. Assim, os professores davam suas aulas – como alguns ainda fazem – apenas preocupados em passar/transmitir os conteúdos que haviam sido defini-dos e julgados como importantes no processo de formação/preparação daquilo que se pensava/pensa que deve ser um técnico-profissional.

Derli Casali (2006), em seu texto/artigo “Caminhos para uma educação no Campo”[34], afirma que a escola que temos hoje no siste-

[34] CASALI. Consultar bibliografia.

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ma educacional brasileiro não prepara as crianças e muito menos os jovens para o mundo urbano e nem para o mundo do campo. Mas sim, para serem subservientes à lógica do capital. Enquanto as escolas agrotécnicas e os cursos de agronomia prepararem jovens, quase todos oriundos do campo, para servirem às multinacionais e às regras do agronegócio[35], a educação continuará distante do sentimento socio-cultural que faz parte da comunidade camponesa.

O Professor Bernardo Mançano (2006, p. 29) adverte que en-quanto o agronegócio promove a organização de “seu território para a produção de mercadorias, dando ênfase a essa dimensão territorial, o campesinato organiza seu território para a realização de sua existência, necessitando desenvolver todas as dimensões territoriais”.

A proposta de ensino-aprendizagem do PRONERA, como é pensada, apresenta-se inovadora e audaciosa, pois investe na for-ma de ver e entender o mundo, buscando romper com o modelo de educação formal até então apresentado pelas escolas, uma vez que se baseia na política da Pedagogia da Alternância, tendo como fio condutor a formação integrada, ideia que de acordo com Ciavatta (2005) sugere a superação do indivíduo dividido entre a ação do executar e a ação de pensar, garantindo ao jovem, ao adolescente e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa que possi-bilite e lhes dê condições de ler e interpretar o mundo, sendo capaz de atuar como cidadão dignamente integrado e pertencente à sua sociedade e a política de um país.

A metodologia da Alternância na perspectiva de oportunizar o máximo de vivências aos/as jovens educandos (as) nos tempos que compreendem o processo de formação, contempla em suas práticas a articulação trabalho e estudo, escola e família no lote/assentamento, proporcionando desse modo uma real integração entre escola, família

[35] Ibidem.

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e espaço de vivência, além do contato com os assentados, a troca de ex-periências e a vivência com seus familiares, criando possibilidades dos (as) educandos (as) realizarem a aplicação prática dos conhecimentos adquiridos durante cada tempo de formação.

Nestes termos, compreendo a Alternância como uma política de formação, constituída por três tempos formativos: Tempo Escola (TE), Tempo Comunidade (TC) e Tempo Socialização (TS)[36]. No TE os educandos percebem as discussões em torno dos conheci-mentos que são essenciais para sua formação, sendo aí considerado e valorizado os saberes trazidos pelos mesmos, em que destaca-se como fundamental as culturas herdadas de seus pais e antepassados. O TC é compreendido como o período em que os alunos vão po-der exercitar de maneira prática os saberes trocados e adquiridos no ambiente escolar, percebendo se os mesmos são ou não possíveis de uso/aplicabilidade às necessidades de seus ambientes e de seus pa-res. É importante salientar que o Tempo Comunidade não é e nem significa tempo à distância, com o fim único de facilitar a vida dos educandos; porém é preciso chamar a atenção, para que o TC tenha sucesso deve ser interdisciplinar e desenvolvido por todo o coletivo, envolvendo educadores e educandos.

No que tange ao TS este compreende ao fechamento das ati-vidades propostas e realizadas pelos educadores aos educandos, dá-se no retorno ao TE, diferenciando-se deste pela dinâmica aplicada, uma vez que o Tempo Socialização é o espaço da materialidade das produ-ções alcançadas pelos próprios educandos em seu lócus de reprodução e sobrevivência, no diálogo com sua família.

[36] Chamo de Tempo Socialização ao momento mais rico – em meu entender – do reencon-tro dos educandos com o espaço escolar, em que ocorre a troca de experiências e o apreender por parte dos educadores envolvidos nessas tarefas.

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A turma do PRONERA no interior da escola[37], considerando todo seu contexto social, veio trazer uma nova dinâmica no que tange o pensar da prática educativa, uma vez que o trabalho com a Pedago-gia da Alternância imprimiu um outro olhar e uma nova forma de ver e entender o processo de ensino-aprendizagem, ou seja, a educação como um todo. Uma vez que a Alternância vai ao encontro dos anseios de formação intelectual e humana dos atores envolvidos no processo educacional, possibilitando o desenhamento e materialidade de uma consciência política necessária a todos os sujeitos, a partir dos eixos temáticos que norteiam o processo de ensino-aprendizagem.

A proposta de ensino-aprendizagem do PRONERA, como foi pensada e trabalhada, apresentou-se frente à metodologia da educação formal existente na antiga EAFC, atual IFPA – Campus Castanhal, enquanto inovadora e ao mesmo tempo audaciosa, porque buscou romper com o modelo tradicional e/ou convencional, de certa forma, ainda existente e dominante no espaço escolar.

O PRONERA está para a Educação do Campo assim como a Educação do Campo está para o PRONERA, ambos compartilham lutas, dificuldades, angústias, perseguições e ao mesmo tempo sonhos, arte, risos e poesias. Suas histórias se inscrevem num país em que o campo reflete as marcas da desigualdade, do abandono, da dor, da marginalização e do preconceito. Ambos constituem a voz daqueles (as) que mesmo com todas as limitações – falta de investimentos, de reconhecimento e do valor do direito humano – continuam acreditan-do na educação como possibilidade da escrita de uma nova história, luz de solidariedade e emancipação.

[37] A experiência da EAFC com os trabalhos políticos pedagógicos desenvolvidos com a turma resultante do PRONERA, em que se busca valorizar a dimensão humana, a partir do exercício da Pedagogia da Alternância tem se revelado uma referência nacional, inclusive para a proposição de projetos educacionais por parte do próprio Ministério de Educação e Cultura.

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Uma das questões que permite a afirmação de que o trabalho com a turma do PRONERA na antiga EAFC veio produzir uma nova dinâmica acadêmica no seio da instituição e, com efeito, a construção de um novo e outro olhar sobre o processo educativo, observando onde (também – em que espaços) se produz educação, é a cartografia dos eixos temáticos que atualmente servem de base para o planejamento político pedagógico da escola.

Quadro 5 - Eixos temáticos que serviram de base para as atividades pedagógicas com a turma do Pronera e hoje orientam o trabalho na instituição.

Fonte: Encontro Pedagógico.

Resultado direto desta nova situação/realidade acadêmica hoje apresentada, foi a oferta específica de 40 (quarenta) vagas para edu-candos – filhos (as) de trabalhadores (as) rurais do nordeste paraense

Economia, Gestão e Organização Sócio-espacial

Meio Ambiente

Sistema de produção, cultura e

trabalho

Identidade, Gênero, Raça e

Etnia

Desenvolvimento sustentável com base na politecnia e

valorizção dos saberes dos sujeitos sociais do meio

agropecuário e extrativista na Amazônia

Poder e Políticas Públicas e Território

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– no processo seletivo[38] do ano de 2009, que possibilitou a construção de uma seleção específica para sujeitos historicamente excluídos do processo educacional formal/convencional, tradicionalmente realiza-dos pelas instituições de ensino.

É por todas as razões expostas que a Pedagogia da Alternância frente às transformações do mundo contemporâneo, efetivadas pelos avanços técnicos e científicos que atingem tanto o rural, o agrário, quanto o urbano, compreende a mais viável alternativa ao sistema de educação formal que domina o país, e por conseguinte, ainda é adota-do nas escolas agrotécnicas, a exemplo da antiga Escola Agrotécnica Federal de Castanhal.

4 .1 . Da Estrutura Metodológica do ProgramaA turma do PRONERA que funcionou no espaço acadêmi-

co da antiga EAFC, atual IFPA Campus Castanhal apresenta como diferença em termos de proposta de formação técnico-profissional o próprio curso em si, uma vez que o mesmo busca mesclar os conheci-mentos agropecuários com os princípios da agroecologia, estudados de forma integrada com os conhecimentos do ensino médio.

De acordo com a proposta do projeto da turma do PRONE-RA apresentado ao INCRA em 2005, o programa orientava a rea-lização de outras atividades durante a metodologia organizacional do Tempo Escola (T.E), em que as mesmas não ficariam somente limitadas as ações pedagógicas de salas de aula. Nestes termos, a realização das demais atividades foi estruturada em outros diversos

[38] Anualmente o processo seletivo da instituição oferta um total de 120 (cento e vinte) vagas para novos alunos que desejam ingressar no Curso Técnico em Agropecuária de nível médio integrado. No ano de 2009 foram ofertadas apenas 80 (oitenta), pois quarenta foram reserva-das para educandos egressos do Programa Saberes da Terra.

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tempos de formação, construindo-se assim um ambiente educativo mais próximo das necessidades dos sujeitos campesinos/filhos (as) dos (as) trabalhadores (as) rurais.

A funcionalidade do curso foi plenamente baseada nos prin-cípios metodológicos da Pedagogia da Alternância, em que os edu-candos revezam-se nos referidos Tempos de Formação (denominados Tempo Escola – TE, Tempo Comunidade – TC e Tempo Socializa-ção[39] – TS), sendo que, em virtude de compreender uma formação integrada dos educandos, o curso está dividido em três etapas (1°, 2° e 3° anos), obedecendo assim à legalidade legislativa do ensino médio completo. Nestes termos, na primeira etapa do curso denominada de ciclo de formação as atividades foram dividas em 24 (vinte e quatro) períodos, sendo 06 (seis) TE, 06 (seis) TC e 12 (doze) TS, percebendo um total de 24 (vinte e quatro) tempos de formação.

É importante argumentar que, conforme já fora anteriormente explicado, o TS ocorre em todos os espaços em que se desenvolve o processo educativo, onde esboça-se a socialização dos resultados dos trabalhos e das atividades obtidas com as práticas acadêmicas e pro-fissionais realizadas pelos (as) educandos (as), através de seminários, aulas práticas ou outras atividades pedagógicas que suscitem curiosi-dades, questionamentos e análise crítica da realidade sócio-espacial e político-econômica.

[39] O Tempo Socialização ocorre fundamentalmente durante os encontros do Tempo Escola, podendo também ser socializado nos períodos do Tempo Comunidade, mediante a troca de experiências entre educadores e educandos nos espaços de vivência destes últimos.

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Figura 18 - Educandos (as), educador e técnico do INCRA no assentamento João Batista, em Castanhal.

Fonte: Relatório EAFC/PRONERA/INCRA/2007.

É essencial destacar ainda que durante o acontecimento dos TE’s, com o propósito de facilitar o acesso dos educandos à escola para que assim possam participar das aulas que ocorrem nas dependências da antiga EAFC, os mesmos foram alojados em residências alugadas às proximidades da instituição. Atualmente, quando possível parte das educandas é hospedada nas dependências do Centro de Formação da escola, facilitando desta forma a funcionalidade do curso.

Cada tempo de formação durava em média 30 dias, neste caso, os educandos passam um período com a família e outro percebendo a formação escolar/acadêmica necessária de acordo com suas particu-laridades históricas, sociais, econômicas e culturais, debatidas e estu-dadas em conjunto, entre educandos, educadores e demais membros da equipe pedagógica. Esta metodologia se explica por se partir do entendimento que a Alternância constitui-se num instrumento fun-damentalmente importante aos trabalhadores (as) do campo para que todos (as) tenham acesso a uma educação com bases e princípios qua-

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litativos, sem que sejam obrigados abandonar o processo de trabalho produtivo desenvolvidos por eles (as) nos seus espaços de vivência.

A estrutura geral do Curso[40] apresentou um total de tem-pos de formação previstos em torno de 73 (setenta em três), sendo 18 (dezoito) tempos no espaço de vivência, 19 (dezenove) tempos escolas e 36 (trinta e seis) tempos socialização. Acredita-se que o contato, a troca de experiências e a vivência dos educandos com os assentados e todos os demais sujeitos de seus lugares de origem são de suma importância na formação e amadurecimento profissional e humano destes, pois possibilitam aos educandos em geral a aplica-bilidade prática dos conhecimentos adquiridos em cada tempo de sua formação.

Diante de minhas observações, considero que o Curso de Agro-pecuária com ênfase em Agroecologia ofertado pela antiga EAFC dentro do projeto do PRONERA compreendeu uma reafirmação do referencial e de todo um arcabouço teórico e prático acumulado pelo movimento Por Uma Educação do Campo, que além de incentivar cria possibilidades concretas de criação e recriação de uma nova escola e outra educação, com base em novas práticas e saberes pedagógicos, tendo como eixo central a formação para a vida, com valores e princí-pios erguidos na solidariedade, na comunhão e bem coletivo.

Entendo que a maior dificuldade e impedimento de uma boa relação com a realidade histórica e social dos educandos, logo, com a formação humana dos alunos da antiga EAFC, formação esta que não está em consonância com a realidade e necessidades dos sujeitos do campo, se dá pelo fato da escola não adotar como regra fundamental de uma boa educação e formação geral a prática político pedagógica da Educação do Campo.

[40] De acordo com a estrutura do Curso apresentada pelo Projeto encaminhado ao INCRA, estão previstos 36 (trinta e seis) tempos de formação; sendo 12 (doze) em cada ano letivo: 06 (seis) Tempos Escola e 06 (seis) Tempos Comunidade.

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Neste sentido, conhecer o modo de vida dos sujeitos é condi-ção fundamental não apenas para entender as realidades locais dos homens, mulheres e jovens do campo, mas principalmente para se intervir de forma salutar nas perspectivas ensejadas pelos progra-mas ou políticas públicas de educação, como é o caso do PRONE-RA, que coaduna com a proposta do movimento Por Uma Educação do Campo.

Segundo Canto (2007) modo de vida é entendido como sendo o conjunto de relações entre membros da comunidade e a natureza, seus membros entre si e destes com o mundo exterior, num processo contínuo de acumulação de conhecimentos e produção material que lhes permitam sua reprodução na condição de grupo.

Deste modo, acredita-se que os agrupamentos humanos, como os povos da Amazônia (índios, quilombolas, varzeiros, ribeirinhos, camponeses e tantos outros) expressam-se no cenário social atra-vés de uma maneira peculiar, capacidade própria de se orientar e de se relacionar com o meio e com o mundo, criando e recriando as informações e ao mesmo tempo produzindo permanentemente sua existência de acordo com seu modo de vida, sua própria história e historicidade sociocultural.

O modo de vida das populações do campo determina a consti-tuição da identidade própria e peculiar dos seus sujeitos. A identida-de em meu entender, é pois, uma das categorias básicas e essenciais para se compreender a dinâmica e a extensão do projeto e da luta pela e por uma educação que de fato seja não apenas mais uma, mas verdadeiramente a Educação do Campo, pautada nos princípios so-cioculturais, bem como na valorização dos saberes e conhecimentos dos sujeitos do campo.

As realidades distintas – no que se refere em especial à história e à geografia – apresentadas pelos assentamentos dos educandos aten-didos pelo PRONERA da antiga EAFC, revelam as várias faces da

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Amazônia, logo, a existência de várias amazônias em um mesmo lugar, o que denota um grande esforço e sacrifício dos atores envolvidos com os sujeitos desta pesquisa, sujeitos esses que muito mais do que buscar “um lugar ao sol”, buscam na verdade através da educação construir e fazer parte de uma outra sociedade possível.

O PRONERA pode até não ser, como de fato não é a única al-ternativa de proposição de um projeto educacional que se reivindique revolucionário, transformador, mas sem sobra de dúvida nos últimos anos da história educacional do país, foi o primeiro grande programa gestado pela luta dos movimentos sociais do campo, cansados da se-gregação, do preconceito e da obscuridade histórica a que os sujeitos das áreas rurais do Brasil foram condenados pela política dualista da educação brasileira. Nestes termos, o PRONERA propõem uma edu-cação voltada para a transformação da escola, do ensino e da socieda-de, constrói um novo projeto de modelo econômico pelo viés da arte, da cultura e do processo educativo.

É valido salientar que a educação não é por si só a saída para a mudança da sociedade, mas nenhuma transformação social que se pre-tende pode ser feita sem educação. A educação pode não até ser como de fato para muitos, não é tudo, porém sabe-se, tem-se ciência de que é essencial, especialmente quando se trata das realidades históricas e geográficas encontradas e vividas no e do campo.

Nestes termos, o professor que trabalha com Educação do Cam-po deve estar preocupado não em passar aos educandos os conteúdos que foram previamente definidos para serem ministrados em conjunto com os sujeitos, mas deve ter em mente que suas análises precisam passar pela consideração de valores que coadunem com saberes que despertem no grupo de alunados a compreensão do que é ser sujeito, conhecedor e crítico de sua própria realidade histórica, política, eco-nômica, sociológica e cultural.

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5 . A guisa de uma conclusão

A Educação do Campo é aqui entendida ao mesmo tempo como a água, o vinho e pão de um modelo educacional que serve para a construção da liberdade, do sujeito coletivo, do compromisso social e da realização do ser humano enquanto verdadeiro Ser Humano – ho-mem que existe, que pensa, faz, apreende, questiona, transforma, ama, trabalha e vive para a vida e não apenas para os interesses da reprodu-ção e maximização do capital.

Em outras palavras, a Educação do Campo é a única educação que de fato pode romper as barreiras da visão do conhecimento justo--posto, ultrapassar a velha lógica do ensino pré-acabado, produto do autoritarismo do professor como dono da sala de aula. Na atualidade, dentre os pressupostos de educação existentes, somente a Educação do Campo pode superar o conteudismo da educação bancária e dualista que as elites dirigentes impuseram nas escolas, bem como no processo de ensino-aprendizagem destinado aos pobres e excluídos das rique-zas produzidas no país.

A Educação do Campo é hoje a utopia que se perfaz em reali-dade quando se pensa, se pretende e se realiza uma educação para a vida, distante das políticas da pedagogia das competências que se volta tão-somente para o mercado, como é caso do ensino técnico agrícola, que historicamente produziu incoerências e contradições no processo de formação e qualificação dos sujeitos que vivem e se reproduzem na e da terra, como é caso dos trabalhadores (as) da agricultura familiar e/ou camponeses.

Em síntese meu pensamento e minha defesa é a de que numa perspectiva transformadora, de autonomia e de libertação social, o sentido mais educativo da educação está no processo que leva cada sujeito, cada homem e cada mulher a perceber que as ideias e formas

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de ver e entender o espaço-tempo em que se vive e que vem e vai, na história da humanidade, pode ajudar a todos a cultivar uma postura que seja ao mesmo tempo mais altiva e mais humilde, diante de todos e quaisquer momentos de desafios que a vida indistintamente a todos serena, efêmera e grotescamente reserva.

6 . Referências Bibliográficas

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_______. Decreto n. 5.840, de 13 de julho de 2006. Institui o Progra-ma Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica de Jovens e Adultos – PROEJA, e dá outras providências. Bra-sília, 2006.

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• A formação para o trabalho no âmbito da família camponesa e da Escola de Ensino

Médio Rural[41]

Renilton Cruz

1 . Introdução

Este trabalho, construído a partir da tese de doutorado do au-tor, analisa a maneira como a escola de ensino médio rural e a família camponesa realizam a preparação para o trabalho de seus alunos(as)/filhos(as), destacando a relação existente entre essas instituições. Após uma rápida introdução à problemática estudada, descreveremos a me-todologia adotada no levantamento e no tratamento dos dados, bem como o locus onde a coleta de campo ocorreu. Posteriormente, será realizada uma análise das falas dos sujeitos do campo, nomeadamente pais e mães camponeses e os(as) jovens que frequentam a escola de ensino médio. Na sequência, os(as) docentes daquela escola serão cha-mados ao debate para que possamos compreender a sua posição dian-te da realidade pedagógica que experimentam diariamente. Por fim, esboçamos algumas considerações finais acerca dos posicionamentos aqui observados.

Dentre as várias instituições sociais, a família se destaca por ser um ambiente privilegiado para a prática educativa, uma vez que além

[41] Texto originalmente publicado na Revista da FAED - Periódico do Programa de Pós--Graduação em Educação da Universidade do Estado de Mato Grosso.

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de ser o primeiro grupo de contato social dos mais jovens, ela é uma das instâncias mediadoras entre o indivíduo e a sociedade, pois ela “não só interioriza aspectos ideológicos dominantes na sociedade, como pro-jeta, ainda, em outros grupos os modelos de relação criados e recriados dentro do próprio grupo” (VITALE, 2006, p.90), influenciando tanto na reprodução das relações sociais como na disseminação de valores e atitudes que caminham no sentido da transformação de tais relações. E, nesse sentido, pode-se caracterizar as estratégias educativas fami-liares como um conjunto de elementos culturais condicionados histo-ricamente, transmitidos nas relações cotidianas vivenciadas no seio da família, especialmente, mas não exclusivamente, pelos mais velhos aos mais jovens. Verifica-se, portanto, que a socialização dos mais novos está intimamente ligada a um importante e complexo conjunto de estratégias educativas que ocorrem no interior da unidade familiar e envolvem todos os seus integrantes, possibilitando a disseminação dos valores nos quais os pais acreditam, através de ações diretamente vol-tadas às experiências cotidianas.

Segundo Montandon (2005), a prática educativa desenvolvida no seio da família sofre a influência do conjunto de atores sociais mais próximos e com os quais a criança entra em contato e que vi-vem “na fronteira da família” (p.493). Da mesma forma, a manei-ra como a família educa também pode ser influenciada significati-vamente “pelo estilo educativo que a criança conhece na escola ou em outros contextos educacionais” (p.493), bem como pela própria criança, pois ela desempenha um papel ativo nessa relação educativa no momento em que “seleciona, interpreta as experiências, constrói estratégias que podem conduzir a mudanças nas suas relações com seus pais e a revisões nas práticas destes” (p.494). Portanto, pode-se inferir que as estratégias educativas adotadas pelas famílias durante o processo de socialização não são homogêneas e dependem de um conjunto complexo de variáveis.

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Nas últimas décadas do século XX, diante da grave crise vi-vida pelo capital, o neoliberalismo e o toyotismo surgem como resposta aos problemas enfrentados pela acumulação capitalista no contexto da globalização. Novamente a educação passa a ser vista como fator de desenvolvimento e crescimento econômico e expressões como “sociedade do conhecimento”, “sociedade da in-formação”, “sociedade da aprendizagem”, “aprendizagem ao longo da vida” ganham cada vez mais espaço nos discursos econômicos, políticos e educacionais. Todavia, é possível relacionar essas expres-sões a uma verdadeira “economia do conhecimento”, no sentido de que, mais uma vez, o que está em jogo é a instrumentalização da educação à competitividade empresarial e ao crescimento econô-mico (ANTUNES, 2008).

A escola, segundo Nagel (2007), por se comportar como “ser-viçal” da lógica mercantil, passa a ser percebida por pais e alunos como uma instituição atrelada aos estreitos limites da satisfação das necessidades pessoais mais pragmáticas. Todavia, continua a autora, o comportamento de pais e alunos em relação à escola se, em parte, se deve à expansão do mercado educacional e do marke-ting que lhe impulsiona, também é sedimentada com a contribuição de muitos docentes, que, “submetidos ou não a órgãos do Estado, desde há muito tempo oferecem subsídios argumentativos a favor dessa fetichização” (NAGEL, 2007, p.22). Tal postura da escola deixa transparecer que o discurso em torno do qual a educação, por si só, tem a capacidade para integrar os indivíduos no mercado de trabalho, evitar a exclusão social ou elevar a competitividade das empresas, encontra ressonância em muitos setores da sociedade, inclusive, na escola.

Afonso e Antunes (2001, p.99), entretanto, mostram que o dis-curso que alimenta essa perspectiva é resultado de um “consenso sim-ples” que se estabeleceu sob “equívocos e omissões”. Diferentemente

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do que postula a lógica do mercado, os autores afirmam que “a aparen-te linearidade da ligação entre educação, desenvolvimento econômico e competitividade apresenta meandros e contornos bem mais com-plexos” (p.99), que devem ser observados à luz das “mediações e con-dições que qualificam aquela relação” (p.99). Questões econômicas, sociais e políticas inerentes ao modelo societário vigente influenciam diretamente no desenrolar dessa relação, não tendo o sistema educa-cional forças suficientes para garantir a integração cidadã do conjunto das pessoas na sociedade e no mercado de trabalho.

Stoer e Araújo (1992, p.18) chamam a atenção para a con-tribuição da escolarização ao processo de “mutação simbólica” vi-venciado pelos grupos camponeses. Argumentam que por meio da expansão da escola para o campo se garante “uma importante pré--condição material da reprodução capitalista”, uma vez que haverá a possibilidade da estruturação de um exército de reserva para atender a indústria ou o setor de serviços. Após a “invasão” da escola urbana no campo, tende a ocorrer uma alteração dos “mecanismos de repro-dução social, através da criação de uma mobilidade social na base do acesso ao salariato” (p.18) como consequência “da posição obtida por um determinado número de anos de escolarização, certificado pelo diploma da escola” (p.18).

Caldart (2004, p.10), ao discutir a construção do Projeto Polí-tico e Pedagógico da Educação do Campo, argumenta que “a Edu-cação do Campo não cabe em uma escola”, uma vez que aquela está relacionada a um projeto mais amplo de desenvolvimento do campo que busca superar o modelo ora vigente, caracterizado pela expansão do capital, pela concentração fundiária e pela desterritorialização do campesinato. Todavia, a autora salienta que “a luta pela escola tem sido um de seus traços fundamentais” (p.10), pois, no campo brasilei-ro, a escola ainda não chegou para todas as pessoas e, nos locais em que chegou, geralmente compõe o quadro de degradação que marca

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a vida dos camponeses, bem como porque a escola, além de ser uma instituição relevante na formação das gerações mais novas, “pode ter um papel importante na disputa de hegemonia de projeto de campo, de sociedade e de formação humana” (p.10).

Compreendendo a escola como um lugar de disputa e uma instituição em movimento, a autora destaca que ela deverá ter mais espaço no projeto político e pedagógico defendido pelos movimen-tos sociais, “se não se fechar nela mesma, vinculando-se com ou-tros espaços educativos, com outras políticas de desenvolvimento do campo, e com a própria dinâmica social em que estão envolvidos os seus sujeitos” (CALDART, 2004, p.10). Assim, a escola que de fato contribuirá para a construção de outro modelo de desenvolvimento no campo não será a escola urbanocentrada, precária e desconectada do seu meio envolvente, tão bem representada pela “escola rural”, que tem marcado a história do campo brasileiro. A escola que verdadei-ramente importa nesse processo precisa ser (re)construída a partir de um projeto político e pedagógico que atenda as demandas dos sujeitos sociais e de seus movimentos, sem que isso signifique negar sua vocação universal.

2 . Metodologia e lócus da investigação

Os dados de campo foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas junto a dez professores(as) e vinte estu-dantes ensino médio, bem como junto a dez pais e mães de alguns daqueles alunos(as). Após tratados, os depoimentos[42] dos sujeitos informantes foram submetidas a uma análise de conteúdo para que fossem evidenciadas as questões mais relevantes para o entendimento da problemática em estudo.

[42] Para evitar qualquer tipo de constrangimento aos sujeitos informantes, atribuímos nomes fictícios a cada um deles.

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O lócus da investigação foi a vila Caripi, mais conhecida como comunidade de São Luís[43], localizada na zona rural do município de Igarapé-Açu, Nordeste do Estado do Pará, na Amazônia brasileira.

Fundada ainda no período de construção da extinta estrada de ferro que ligava a capital Belém à cidade de Bragança, a Comunidade de São Luís é um dos dois distritos do município de Igarapé-Açu. Está locali-zada às margens da Rodovia PA-242 e possui aproximadamente 2.500 habitantes, em sua maioria, “descendentes de nordestinos colonizadores do antigo núcleo de São Luís, oriundos principalmente, dos Estados do Ceará e Rio Grande do Norte” (ROCHA, 2004, p.15). No centro da Vila encontra-se a Praça da Matriz, principal ponto de encontro dos morado-res mais jovens, nas proximidades da qual estão a Igreja de São Luís de Gonzaga, o Mercado e o Posto de Saúde Municipal e a Escola Estadual de ensino fundamental e médio João Batista de Moura Carvalho, sendo estes os principais prédios públicos à disposição da população local.

São Luís concentra atualmente a maior aglomeração populacio-nal da zona rural e o segundo maior colégio eleitoral de Igarapé-Açu. A agricultura é a sua principal atividade econômica, da qual se destaca a produção de mandioca, feijão, milho, maracujá, abacaxi, melancia e pimenta-do-reino (MACEDO, 2009). Além da renda proveniente da agricultura, os salários de alguns funcionários públicos municipais e estaduais, bem como os rendimentos de aposentados e pensionistas, compõem a economia local (ROCHA, 2004). Nos últimos anos, se-gundo Rocha (2004), muitos camponeses abandonaram a atividade agrícola ou se desfizeram de suas terras e passaram a trabalhar como diaristas em propriedades rurais mais capitalizadas, localizadas nas proximidades da vila.

Assim como ocorre nas outras vilas agrícolas do município, São Luis é marcada pela carência de infraestrutura básica nas áreas de saú-

[43] Uma designação que homenageia o padroeiro da Vila, São Luís de Gonzaga (MACEDO, 2009).

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de, educação, saneamento básico e incentivo à produção agrícola. As pessoas que vivem no centro da vila ou em um dos ramais que a in-terligam a outras comunidades convivem com uma situação de quase abandono por parte do poder público municipal, fato que alimenta a desesperança de alguns em viverem dias melhores.

A Escola, em 2007, matriculou 89 alunos no Ensino Médio nos turnos da tarde e noite[44]. A estrutura física da escola apresenta-se em precárias condições, na qual paredes sujas, piso esburacado, cartei-ras mal conservadas são vistas com facilidade. Durante a pesquisa de campo, verificou-se que a sala destinada à biblioteca encontra-se em reforma e, por isso, o pequeno acervo está encaixotado, não sendo pos-sível a consulta pelos estudantes no momento. O destaque na escola é a sala do laboratório de informática, que foi reformada e equipada com refrigerador de ar, mas que infelizmente após quase dois anos da chegada dos computadores, os mesmos ainda não foram instalados e estão guardados num canto da sala.

Os estudantes da escola são majoritariamente filhos de cam-poneses que vivem nos ramais próximos à vila e/ou de trabalhadores rurais que já não possuem terra e residem na vila, mas trabalham em propriedades rurais nas proximidades da mesma.

A totalidade dos(as) docentes que trabalham na escola inves-tigada possui formação em curso superior de licenciatura, atenden-do, portanto, à exigência legal para o magistério no ensino médio. A grande maioria dos(as) docentes atua em disciplinas diretamente rela-cionadas à sua qualificação universitária, uma realidade relativamente recente, uma vez que, em anos anteriores, muitos(as) professores(as) se dividiam em várias disciplinas devido à carência de profissionais habilitados em algumas matérias.

[44] O turno da tarde, que funciona das 13:00 às 17:00 horas, possui turmas do 1º e 2º anos. Já no turno da noite, onde as aulas ocorrem de 19:00 às 23:00, funcionam uma turma de supletivo e outra do 3º ano.

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3 . A unidade familiar camponesa: espaço onde a educação encontra o trabalho

A maioria dos estudos sobre a família camponesa realizados no Brasil até a década de 1960 centra-se no seu aspecto econômico, no qual se destacam as investigações que a toma como unidade produtiva e que objetiva perceber as estratégias organizadas em torno da produ-ção. Porém, vários estudos oriundos da Sociologia e da Antropologia Econômica realizados a partir dos anos de 1970 colocam, de forma inédita, a família camponesa em uma posição destacada, uma vez que mesmo ainda intencionando verificar a natureza do processo produ-tivo característica desse segmento social, acabaram por trilhar cami-nhos em que se revelaram descrições detalhadas das relações sociais e das manifestações culturais vivenciadas tanto na casa como no roçado (ALMEIDA, 1986).

Em que pese serem de grande importância as análises sobre a família camponesa centradas no campo econômico, a realidade em que esse grupo social constrói sua existência atualmente no Brasil, mas não só, requer que se avance para uma visão mais ampliada, capaz de incorporar a complexidade que envolve as relações que definem e redefinem a família. Nesse sentido, torna-se necessária uma análise da família não apenas como unidade de produção, mas também como uma unidade social (CARNEIRO, 2000).

Mesmo sendo reconhecida a importância desse segmento social na cultura brasileira, não são numerosas as pesquisas que procuram desvendar a diversidade das estratégias educativas contida em sua ação cotidiana. Destaca-se, nesse sentido, o trabalho que Oliveira (2008) realizou sobre o modo de vida de camponeses assentados no semiárido do Estado do Ceará, buscando realizar uma análise capaz de integrar as dimensões produtiva e pedagógica em ambientes não formais de educação, especialmente os espaços onde se desenrolam as relações

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familiares. Nesse estudo, a autora parte do princípio de que as práticas educativas podem ser verificadas “em espaços e momentos diversos: em casa, no roçado, nas práticas produtivas e, também, nas possibi-lidades de articulação dos camponeses com os movimentos sociais” (OLIVEIRA, 2008, p.47).

A família camponesa configura-se como um agente de forma-ção não só em nível dos valores, mas também no nível profissional, uma vez que a unidade produtiva familiar é responsável, em primeira instância, pela formação de sua própria força de trabalho. A forma e o conteúdo da educação familiar camponesa são materializados a partir da articulação de variáveis diversas que dizem respeito à sua estrutura e às relações sociais estabelecidas, à relação com a terra e ao trabalho agrícola, bem como às condições econômicas, etc.

No contexto investigado, todos(as) os(as) pais/mães entrevis-tados(as) afirmam que os filhos e filhas trabalham[45] em casa ou no roçado, sendo que os meninos trabalham em casa quando são mais novos, geralmente realizando pequenas tarefas, como ir buscar água na fonte mais próxima. Estes, na medida em que crescem, vão se de-dicando mais diretamente ao trabalho na produção juntamente com o pai. As meninas trabalham mais em casa, desempenhando tarefas de preparo de alimentos, criação de pequenos animais domésticos e arrumação da casa, sempre sob a supervisão da mãe. As mulheres da família, mãe e filha(s), geralmente participam da produção somente em situações ocasionais, como o período de plantio e colheita de al-guns produtos. Seu trabalho sempre é considerado pelos homens e por elas próprias como “ajuda”:

[...] desde pequeno eles começaram a me ajudar e eu vou botando eles pra trabalhar, porque, se o cara não botar, pode acontecer coisa

[45] “Ajudam” é o termo frequentemente utilizado, principalmente para as mulheres.

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mais ruim. Porque eu vejo aí na rua, os cabras não botam os filhos pra trabalhar depois tão mexendo naquilo que não deve né. Então vai ficando ruim. Então eu digo: vamos trabalhar, vamos prosperar pelas mãos da gente mesmo, do que mexer no que é dos outros. (Pai/mãe 2, Júlio, camponês).

Não, só os homens, (as filhas) a não ser que vão fazer uma pranta né. [...] Só quando é um serviço mais leve. As vezes plantar uma maniva, colher um feijão. (Pai/mãe 3, Alfredo, camponês).

Nas famílias camponesas, o trabalho é o elemento agregador e, por isso, ocupa uma posição importante no desenrolar das relações entre os membros e nos papéis sociais por eles desempenhados. O en-volvimento com o trabalho é uma marca impregnada na constituição das famílias camponesas, pois, nessas unidades domésticas, “todos os integrantes em idade e condições de fazê-lo exercem algum tipo de trabalho” (BRANDÃO, 1999, p.37). O processo socializador ocorre, fundamentalmente, no e pelo trabalho, sendo que este acompanha o camponês desde a infância até a velhice, uma vez que a unidade pro-dutiva doméstica depende da força de trabalho familiar, sendo, por isso, que somente os muito novos ou os demasiadamente velhos e os enfermos não exercem alguma atividade ligada à produção ou à repro-dução camponesa (BRANDÃO, 1999). O trabalho na casa, no quintal ou na roça é percebido como um ato educativo, no qual desde muito cedo os pequenos camponeses aprendem, em comunhão com os ou-tros e mediatizados pelo mundo, como diz Freire, a ser e a produzir.

Em casa, no quintal ou na roça, o saber não nasce da ociosidade, do desapego com o mundo real, da frieza de fórmulas e conceitos, mas, diferentemente, nasce das entranhas da cultura camponesa, da oralidade, do contato direto e intenso com as condições objetivas da existência, da necessidade de superá-las. Nesse sentido, para Brandão,

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a “socialização primária das crianças e adolescente não é mais do que um lento aprendizado do repertório e da lógica das regras da vida cotidiana do lugar, e a matriz das afeições de tais regras passa invaria-velmente pelo desejo do trabalho” (1999, p.39, grifos do autor).

O trabalho na companhia dos pais proporciona o ensinamento do ofício de camponês, mas possibilita, ainda, o aprendizado da cul-tura da comunidade, o fortalecimento da identidade dos sujeitos mais novos e os valores com os quais decidirão os caminhos que irão seguir quando chegar a hora de escolher suas próprias direções. A vida é construída com muito trabalho, assim como o trabalho é produtor de uma vida cheia de significado e de saberes. Para os pais/mães entrevis-tados, o aprendizado da responsabilidade e o gosto pelo trabalho são destacados como diretamente ligados às tarefas desde cedo executadas por meninos e meninas:

É porque a pessoa trabalhando encontra responsabilidade, e eu acho que deve ser através do trabalho a pessoa fica responsável. (Pai/mãe 7, Matilde, camponensa).

Aprende muita coisa, aprende a ter responsabilidade né. Porque brincadeira, eu acho que o caba não arruma nada. O caba não quer estudar, não quer trabaiar, quer as coisa não tem, o pai não pode dar, aí cai numa situação já pior né? E ele trabaiando eu acho que ele já tem mais na frente que reconhecer que pode ter uma res-ponsabilidade maior com ele né, até com uma famíia [...] porque o caba se acostuma, assim como a gente acostuma no serviço, porque que agente tem aquela obrigação, o malandro se acostuma tam-bém, ele se avicia. (Pai/mãe 3, Alfredo, camponês).

Porque eles sabem que tudo que a gente arruma é com o trabalho. (Pai/mãe 2, Júlio, camponês).

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Embora as tensões e os conflitos surgidos nos últimos anos no interior da unidade familiar camponesa em muito tenham alimentado as mudanças estruturais que o meio rural vem passando, manifestados naquilo que alguns têm chamado de “nova ruralidade”, as pesquisas apontam para a permanência da percepção do trabalho como ele-mento estruturante do processo de socialização, ferramenta educativa indispensável para a compreensão do mundo, do outro e do próprio sujeito camponês (OLIVEIRA, 2008, p. 57). Porém, mesmo encami-nhando desde cedo os mais jovens às atividades laborais como forma de prepará-los para o trabalho e para a vida, os pais e mães entrevista-das ressaltam a importância da escola e da educação para a vida de seus filhos. Nesse sentido, o trabalho deve ocupar apenas uma parte do dia, sendo a outra reservada para a frequência à escola. As falas deixam cla-ro que o trabalho deve ser executado sem causar prejuízo aos estudos:

Agora só que eu digo também, eles trabalhar no roçado, mas tam-bém não esquecer do estudo, porque a pessoa que não sabe estudar, não sabe de nada, ele é cego. [...] Porque hoje o cara pra arrumar um emprego só se ele tiver um estudo mesmo né. (Pai/mãe 2, Júlio, camponês).

Eu não quero isso pra eles, eu quero que eles estudem, aprendem, arruma um emprego bom, pra eles não tá pegando sol e chuva né, é isso que eu digo pra eles. (Pai/mãe 4, Cristina, camponesa).

[…] o estudo é muito fundamental. Estudar e se educar, porque a pessoa sem estudo não é nada, né. (Pai/mãe 5, Maria, camponesa).

Tal fato denuncia uma mudança no curso da reprodução social desse grupo, uma vez que apesar da grande maioria dos pais/mães entrevistadas possuir uma história de escolarização marcada por di-

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ficuldades e abandonos precoces, buscam para os(as) filhos(as) uma permanência na escola mais alargada possível, como forma de garantir, via educação formal, um futuro mais próspero. Há uma valorização da escola mesmo quando para os entrevistados parece claro que aquela instituição privilegia muito mais a realidade urbana do que a rural.

Quando os(as) jovens filhos(as) de camponeses e estudantes do ensino médio têm a palavra, parece ficar evidente que para eles a es-colarização a que têm tido acesso não constitui uma ferramenta para a construção de suas vidas na realidade rural. A grande maioria dos(as) jovens destaca a tranquilidade e o contato mais direto com a natureza como os fatores que fazem do campo um bom lugar para viver. Toda-via, também é majoritário o posicionamento quanto às dificuldades relacionadas ao trabalho, pois afirmam que não há muitas oportuni-dades de emprego fora do âmbito agrícola, sendo este caracterizado como um setor desvalorizado socialmente, muito cansativo e pouco rentável:

É boa, mas também, ao mesmo tempo, não é boa, por causa que fica difícil né o trabalho porque termina o estudo também tem que sair fora, pra poder pegar um trabalho fora. Mas é boa assim no sentido que é menos violência, mais calmo, isso aí. ( Jovem 2, Jorge, estudante).

De certo modo sim né, porque aqui é calmo, ruim porque não tem muitos meios, a assim pro futuro, pros estudante eu acho que isso aqui não é adequado, se agente quer coisa melhor aqui não é o ade-quado. Só é ruim por esse modo, agora por ser calmo é muito bom. ( Jovem 6, Bruna, estudante).

Os(as) jovens estudantes, ao se referirem ao futuro, afirmam que diante das dificuldades enfrentadas por suas famílias para sobrevive-

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rem na zona rural, pretendem buscar um emprego e uma vida melhor na cidade, preferencialmente em uma cidade maior que Igarapé-Açu, acreditando que lá terão mais condições de “serem alguém na vida”, pois entendem que na Vila ou no ramal onde vivem não há oportuni-dades de emprego, uma vez que ali não seria “não é um lugar desen-volvido”:

Eu preferiria estudar e viver lá (na cidade), porque aqui cada vez as coisas ficam cada vez mais difícil. Porque aqui o que a gente planta não tem valor de jeito nenhum e se eu pudesse estudar, eu ia estu-dar pra ver se eu dava uma vida melhor pros meus pais. ( Jovem 8, Inês, estudante).

[…] aqui não é um lugar desenvolvido, portanto eu gostaria de ir para a capital. ( Jovem 11, Rodrigo, estudante).

[…] eu quero ter outro futuro porque se eu quisesse morar aqui eu não estudaria. ( Jovem 12, Sandra, estudante).

A educação escolar aparece nas falas dos sujeitos entrevistados, tanto na dos pais/mães, quanto na dos jovens, como uma porta que pode conduzir esses jovens a uma vida menos penosa e a um trabalho mais rentável. Por isso, a grande maioria dos pais/mães entrevistados ressalta que preferiria que seus filhos no futuro fossem morar e tra-balhar na cidade, desde que tivessem estudo suficiente para conse-guirem um emprego razoável, pois, caso contrário, irão sofrer mais na cidade que no meio rural. Acreditam que a passagem bem sucedida pela escola poderia garantir uma mobilidade social aos jovens, ou uma vida mais moderna, urbanizada, diante das dificuldades vivenciadas no meio rural. Escola e urbanização aparecem no imaginário dos entre-vistados como os principais ingredientes para a ultrapassagem das di-

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fíceis condições materiais que condicionam suas vidas, fato que sugere que o discurso do projeto modernizador defendido pelo capitalismo encontra-se firmemente arraigado no meio rural e influenciando, com mais ou menos intensidade, as perspectivas de futuro da família cam-ponesa.

4 . A escola de ensino médio e a formação para o trabalho

Desde meados dos anos 90, os movimentos de trabalhadores rurais têm intensificado ações no sentido de forçar a introdução da educação dos habitantes do campo na pauta nacional. Com isso, aler-tam para a necessidade de se “pensar uma política de educação que se preocupe também com o jeito de educar quem é sujeito deste direito, de modo a construir uma qualidade de educação que forme as pessoas como sujeitos de direitos” (CALDART, 2002, p.27). Aqui fica evidente que o problema a ser enfrentado não se resume à elevação do número de escolas construídas nos espaços rurais, mas está ligado principal-mente ao estabelecimento de outras bases sobre as quais a aprendiza-gem será efetivada, nas quais se perceba que além de estar no campo, a escola é verdadeiramente do campo. Nesse sentido, a educação deve ser buscada como direito de homens e mulheres do campo, e não deve se limitar às fronteiras da escola. Todavia, a escola deve ser organizada para responder às necessidades daqueles sujeitos. Por isso, “[...] a esco-la do campo tem que ser um lugar onde especialmente as crianças e os jovens possam sentir orgulho desta origem e deste destino; não porque enganados sobre os problemas que existem no campo, mas porque dispostos e preparados para enfrentá-los, coletivamente” (CALDART, 2002, p.35).

Ao discutirem a questão de acesso ao mercado de trabalho, a maioria dos(as) docentes entrevistados acredita que o mundo do trabalho vem se tornando mais complexo, especialmente devido ao

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notável avanço do conhecimento científico, que possibilitou o desen-volvimento de modernos recursos tecnológicos que, ao serem intro-duzidos nos diversos setores econômicos, inauguraram uma fase do capitalismo em que a ciência se transformou em força produtiva. Fica evidente ainda a compreensão dos(as) professores(as) quanto a maior competição que atualmente se verifica no mercado de trabalho, com os postos de trabalho cada vez mais sendo reduzidos em alguns setores, ao mesmo tempo em que se eleva a exigência por formação profissio-nal básica dos atuais e futuros trabalhadores. Como mostram as falas a seguir, há uma ligação direta, na visão dos(as) docentes, da elevação da escolaridade com a perspectiva de emprego:

A gente sabe que o mercado é seletivo, então, essa nova fase, vamos dizer assim, do processo técnico, científico e produtivo também é uma outra situação colocada enquanto dificuldade para muitas pessoas, não é só para o homem do campo, mas outras pessoas na sociedade hoje. ( José, professor).

Eu sinto que o mercado de trabalho hoje cada dia ele fica mais competitivo, principalmente quando se trata de formação profis-sional, isso aí torna-se mais ainda complicado. Antes as pessoas conseguiam emprego com mais facilidade, com uma 5ª série, com a 8ª série. Hoje com o Ensino Médio você encontra dificuldade. (Ivan, professor).

Os(as) docentes afirmam que os(as) estudantes do ensino médio, apesar de morarem no meio rural e serem, majoritariamente, oriundos de famílias ligadas à produção agrícola, estão muito mais interessados em uma formação voltada para o meio urbano, havendo um especial interesse pela carreira militar, devido à possibilidade de ingresso por concurso público aberto aos que concluíram o ensino médio:

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[...] o objetivo dele é procurar sair dali o mais rápido possível. Ele quer terminar os estudos e partir para uma nova etapa diferen-temente daquela vida do campo, para buscar outra coisa. Então, essa é a maior perspectiva. Ninguém chega na escola dizendo as-sim: vou me qualificar aqui, porque vou ter o conhecimento que eu vou utilizar lá no campo. E vou desenvolver minha vida no campo. Ninguém chega com essa perspectiva na escola. Se você perguntar para um filho de agricultor se ele chega com essa perspectiva ele vai dizer que não, com toda a certeza. ( José, professor).

A expectativa é essa. É emprego urbano, a universidade também é um sonho para alguns [...] a maioria sonha com concurso para garantir a estabilidade e fazer a vida. (Helena, professora).

Parece haver, segundo os(as) docentes, uma descrença por

parte dos(as) jovens estudantes quanto à possibilidade de terem uma vida estável e socialmente significativa, desenvolvendo pro-fissionalmente alguma atividade no mundo rural. A condição con-creta em que seus pais garantem a sobrevivência da família é um fator decisivo na hora da opção profissional. Trabalho pesado, com pequeno rendimento financeiro e baixo reconhecimento social, a agricultura não tem atraído a geração que cursa o ensino médio na comunidade de São Luís.

As condições precárias com as quais a agricultura camponesa convive demonstram a insensatez do modelo de desenvolvimento pra-ticado na Amazônia. Não é necessário ser especialista para verificar que, dentre outros fatores, corroboram para desestimular a prática da agricultura camponesa na região as péssimas condições das estradas que servem às comunidades rurais, a insuficiência e, em muitos casos, a ineficiência da assistência técnica colocada à disposição dos campo-neses, a escassa assistência à saúde e a restrita oferta educacional no

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meio rural, bem como as dificuldades enfrentadas no momento de comercializar a produção.

Quanto à relação da escola com o contexto socioeconômico no qual está posta, os(as) docentes ressaltam que devido à rejeição ma-nifestada pelos estudantes em relação ao trabalho no campo, a escola acaba se distanciando das questões mais diretamente ligadas ao mundo rural no qual ela está inserida, fato que, segundo alguns entrevistados, acaba alimentando o êxodo rural. Para alguns docentes, mesmo sendo a instituição pública mais importante da comunidade, uma vez que quase a totalidade das crianças e jovens da Vila e arredores constroem ali boa parte de sua trajetória escolar, além de servir de espaço para diversas atividades sociais promovidas pelos moradores locais, a Esco-la João Batista de Moura Carvalho não enfrenta ou discute de forma estruturada as questões que mais afetam as condições econômicas e sociais dos estudantes e suas famílias. A inexistência do Projeto Po-lítico-Pedagógico, instrumento no qual poderia ser delineada a visão da escola sobre o espaço socioeconômico no qual ela está posta, bem como algumas ações com foco na problemática local, é citada como um exemplo desse não envolvimento com os problemas comunitários:

A escola João Batista, ela promove muitas coisas pra comunidade, mas ela nunca trás essas discussões da vida da comunidade pra ser discutida aqui dentro, ela nunca promove, eu não me lembro de nenhuma reunião que foi promovida pela escola João Batista nes-tes 15 anos de trabalho, trazendo o povo pra conversar com eles, sobre como eles queriam que a escola, desenvolvesse o seu trabalho. (Ana, professora).

A escola João Batista, ela tem assim pelo perfil dos profissionais que ela tem, ela acaba se identificando mais como escola urbana do que rural. Porque os conhecimentos transmitidos, o trabalho

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desenvolvido é visando justamente desenvolver a saída do homem do campo pra cidade. Então, ela se especializou justamente nisso. A gente pode criticar de uma certa forma e no mesmo instante a gente tem que elogiar, porque os profissionais dizem que é através dessa educação que os meninos iam entrar numa universidade e ter um emprego melhor [...] a finalidade dela não ta sendo fazer um projeto pra sustentar e dar conhecimento pra aquele filho de agricultor tenham uma vida adequada no campo. Ela ta formando pra tirar de lá. ( José, professor).

A realidade concreta experimentada pelas famílias que vivem na Vila ou em seus arredores, assim como a opinião dos sujeitos so-ciais que habitam aquele espaço, muitos dos quais pais e mães de seus alunos, parece ter menos importância para a escola do que a prepara-ção dos jovens para a disputa por uma vaga na universidade ou num órgão público por meio de concurso. Sem negar o significado que a ascensão ao nível superior ou o ingresso no estável serviço público tem para os jovens e suas famílias, ressaltamos que a centralização da ação pedagógica (apenas) nesse caminho pode não atender aos interesses de muitos estudantes. Devido ao reduzido número de va-gas oferecidas pelas instituições universitárias que atendem a região e a limitada oferta de concursos públicos para o ingresso nos qua-dros do Estado, poucos são os estudantes que realmente têm sucesso nessa empreitada. Aos que não optarem por esse caminho ou nele não forem bem sucedidos, restará a imigração para o meio urbano, sem um qualificação técnica que lhes coloque em melhor posição na busca por um emprego, ou a permanência na comunidade, também desprovidos de um saber técnico capaz de qualificar a atividade pro-dutiva agrícola, com um sentimento de estranhamento com aquele meio, maturado lentamente durante os anos em que bebeu na fonte do saber escolar.

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Dentre outras questões, a escola do campo necessita assumir compromissos com o respeito às pessoas envolvidas no processo so-cioeducativo, com a intervenção social por meio da direta ligação com projetos de desenvolvimento regional, com a valorização da memória histórica que identifica pessoas e grupos, fortalecendo-os na constru-ção do futuro, bem como com uma formação estreitamente atrelada ao mundo do trabalho (KOLLING, NERY; MOLINA, 1999). Nessa concepção, o trabalho é tomado como categoria fundamental no pro-cesso educativo, elemento articulador do currículo e da ação docente, sempre em sintonia com as condições econômicas, ambientais, sociais e geográficas nas quais sobrevivem aqueles e aquelas que usufruem do direito à educação.

A instituição escolar, desde que comprometida com as deman-das e as lutas dos sujeitos sociais da comunidade na qual está posta, pode e deve ser envolvida nas ações voltadas ao enfrentamento das adversidades vivenciadas no meio rural, colaborando, por meio de suas práticas pedagógicas e da liderança de seus atores, para qualificação da participação coletiva. A escola de nível médio, portanto, pode e deve extrapolar os limites do seu espaço físico e de seu currículo para ser-vir de instrumento de promoção do desenvolvimento em meio rural. Além da formação científica e tecnológica fortemente vinculada ao mundo do trabalho exigida pelo contexto socioeconômico contempo-râneo, a escola precisa assumir a tarefa de fomentar a participação dos sujeitos sociais tanto no seu interior, como na busca de alternativas para a realidade mais ampla em que se encontram.

5 . Considerações finais

O trabalho no campo, base de sustentação econômica local, con-tinua a ser profundamente valorizado pela família camponesa como um importante elemento socializador. Porém, diante das inúmeras

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dificuldades enfrentadas pelos habitantes do meio rural, a produção agrícola não aparece entre as primeiras opções dos pais para o futuro dos filhos, especialmente para os(as) que conseguiram chegar ao en-sino médio. Da mesma forma, os(as) jovens estudantes apostam na escolarização como meio para conseguirem uma vida profissional di-ferente da dos pais e vislumbram uma vida futura atrelada ao trabalho assalariado no meio urbano.

Quanto à escola, parece claro que apesar de estar erguida e funcio-nando em uma vila situada no campo, ser frequentada majoritariamente por filhos de camponeses e trabalhadores rurais, ela não é do campo, mas apenas está no campo. Há um desenraizamento da realidade so-cioeconômica na qual ela funciona, que é profundamente marcado pela ideologia do atraso rural, manifestada na crença de que para ser “alguém na vida”, o sujeito deve sair do campo e ir em direção ao progresso da cidade. Por essa ótica, pais, estudantes e muitos(as) docentes acreditam que a escola seria a porta pela qual os(as) jovens habitantes do meio ru-ral chegarão à modernidade do mundo urbano, no qual encontrarão as oportunidades e prosperidades não encontradas no campo.

Todavia, o fato é que, além de pouco preparada para garantir uma qualificação básica para o trabalho (rural ou mesmo urbano), a escola média que é ofertada aos jovens do espaço rural investigado encontra-se desvinculada de seu contexto socioeconômico e, por con-seguinte, longe de possíveis projetos de desenvolvimento centrados no local e articulados ao contexto global da sociedade e da economia. Descomprometida com o ambiente no qual está posta, apesar da visí-vel dedicação da maioria dos(as) docentes para garantir uma educação com qualidade aos jovens, a escola acaba contribuindo para alimentar o êxodo rural, uma vez que se coloca como a porta pela qual os(as) jovens deixam o “atraso do campo” (esvaziado de alternativas de so-brevivência para além da dramática subsistência que tem marcado a vida de seus pais e avós) e buscam um espaço no “progresso da cidade”.

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Acreditamos, no entanto, que essa realidade é possível de ser al-terada, pois a escola, apesar de reconhecidamente se caracterizar como uma instituição a serviço da modernização, tem sido admitida no de-bate teórico ou nas lutas dos movimentos sociais como um lugar em disputa, ou seja, um espaço tanto capaz de colaborar com a fragilização das relações sociais e econômicas no campo, servindo como produtora de um exército de reserva à disposição da indústria ou do setor de ser-viços, quanto uma instituição que pode favorecer o desenvolvimento local, a partir do fortalecimento da identidade, da mobilização dos su-jeitos sociais para causas coletivas, do estabelecimento de um projeto político e pedagógico vinculado às questões econômicas, culturais e políticas das populações do campo. Para tanto, a capacidade crítica de seus docentes, consubstanciada ao compromisso com a participação da comunidade nas ações da escola e em uma pedagogia referenciada na aprendizagem significativa dos estudantes, aparece como de fun-damental importância no processo que visa a enfrentar as condições adversas experimentadas pelos habitantes do meio rural.

6 . Referências Bibliográficas

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• “Nós tamo aprendendo com eles, eles tão aprendendo com a gente” [46]: a troca de saberes vivenciados na turma PROEJA Quilombola - IFPA Campus Castanhal

José Edivaldo SilvaJanaína Vaz

1 . Introdução

Ao longo de sua história, desde o período colonial até o período republicano, o Brasil estabeleceu um modelo de desenvolvimento ex-cludente e elitista, no qual a educação representava um instrumento de manutenção do status quo, à medida que era voltada à permanência das classes dominantes no poder, notadamente brancas, restando às classes menos favorecidas (e de pele mais escura), quando muito, uma forma-ção tecnicista para o mercado de trabalho (RABELO et al, 2008).

A transição do sistema colonial-escravista para a nova ordem social republicano-capitalista não retirou o negro da condição de subjugação por conta de várias restrições que lhe foram impostas, entre as quais a interdição à educação formal, marcada por uma for-te concepção etnocêntrica e urbana das elites dominantes (SILVA; ARAUJO, 2005).

[46] Fala do estudante Antonio Trindade, da turma do Proeja Quilombola, no documentário Troca de Saberes, que registra uma visita de educadores do IFPA Campus Castanhal às comu-nidades quilombolas de Concórdia do Pará, em setembro de 2010.

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Nesse contexto, o acesso dos negros e, mais especificamente, das populações negras do campo, foi dificultado pelo desrespeito às suas diferentes realidades e pluralidades socioculturais, o que contribuiu para a continuidade do processo de exclusão social até os dias atuais. Tais populações permanecem, em grande parte, alijadas da educação formal, situação que se agrava tanto mais quanto maior fosse o nível de ensino, conforme afirma o documento base do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA do Minis-tério da Educação:

Como reflexo das desigualdades, negros e pardos com mais de dez anos de idade também são mais vitimados nesse processo, com menos anos de escolarização do que brancos. Nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste as diferenças se apresentam de forma mais aguda. (BRASIL, 2007, p. 17)

Esses obstáculos, no entanto, nunca foram aceitos passivamen-te pelas populações camponesas que, insatisfeitas com o projeto de educação dissonante com os saberes do campo, tidos como atrasados e inferiores por esse modelo arquitetado pela elite urbana brasileira, elaboraram formas de resistência a essa realidade através da luta orga-nizada por uma educação que respeitasse os diferentes ritmos, sazona-lidades e pluralidades socioculturais do campo: a luta dos movimen-tos sociais. É nesse contexto que a Educação do Campo se configura como alternativa, em permanente movimento de construção, para a materialização de um projeto educacional produzido pelos próprios sujeitos do campo.

[...] foi o campo, sua dinâmica histórica, que produziu a Educação do Campo [...] o campo real, das lutas sociais, da luta pela terra,

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pelo trabalho, de sujeitos humanos e sociais concretos; campo das contradições de classe efetivamente sangrando (CALDART, 2008, p. 71).

Fruto da luta das populações do campo é o fato de que atu-almente movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores e trabalha-doras rurais, instituições governamentais e não-governamentais e a academia têm intensificado a discussão de propostas para a educação de jovens e adultos dentro da perspectiva da Educação do Campo, que promova uma reparação às populações do campo, dentre as quais destacamos os afrodescendentes, por conta do histórico e peculiar pro-cesso de exclusão social a que foram submetidos.

A reivindicação por uma política de reparação a esses afrodes-cendentes - que sofrem ainda a discriminação racial que permeou toda a história do Brasil e permanece impregnada na sociedade, mascarada pelo mito da democracia racial[47] - destacou a temática das relações et-nicorraciais e colocou em evidência uma categoria social pouco dis-cutida há algum tempo atrás e que representa o histórico poder de resistência das populações negras: os remanescentes de comunidades quilombolas.

No bojo das discussões acerca das relações etnicorraciais foi pro-mulgada no ano de 2003 a Lei 10.639, que trata da obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira no currículo oficial da rede de ensino.

Nesse contexto, O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará - Campus Castanhal iniciou, em 2010, como uma de suas políticas de atendimento à referida Lei e enquanto

[47] O mito da democracia racial refere-se ao discurso de que negros e brancos gozam da igualdade de direitos e de acesso às oportunidades no Brasil, o que mascara a discriminação racial existente e acomoda a população frente a esse problema. Esse discurso, legitimado no plano teórico por Gilberto Freyre e no plano político por Getúlio Vargas, tem efeitos desas-trosos para os afrodescendentes até os dias atuais (CONRADO, 2004).

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ação afirmativa visando à inclusão social de populações histori-camente alijadas do processo educacional formal, uma turma do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio na modalidade de Jovens e Adultos, formada com remanescentes de comunidades quilombolas do estado do Pará (Proeja Quilombola). São as experiências vivenciadas por essa turma, tanto por seus edu-candos como por seus educadores, que investigamos nesta pesquisa, no que diz respeito à troca entre os saberes das comunidades dos quais estes educandos fazem parte e os saberes científicos trabalha-dos pela Instituição.

O trabalho é dividido em quatro tópicos. O primeiro apresenta os procedimentos metodológicos adotados para a realização da pes-quisa. No segundo, são trabalhados alguns conceitos fundamentais para a compreensão da análise. O terceiro contextualiza a atuação do Campus Castanhal frente às exigências da Lei 10.639/03, além de caracterizar os educandos do Proeja Quilombola. O quarto tópico, por fim, apresenta e analisa os resultados da pesquisa.

2 . Caminho Metodológico Percorrido

O objeto central deste estudo, a troca de saberes na turma do Proeja Quilombola, envolve a subjetividade dos atores participantes nessa experiência, motivo pelo qual optamos pelo uso da abordagem qualitativa em uma pesquisa de campo, a partir das orientações de Severino, segundo o qual, nesse tipo de pesquisa, a coleta de dados é feita nas condições naturais em que os fenômenos ocorrem, sendo assim dire-tamente observados, sem intervenção e manuseio por parte do pesquisador (2007, p. 123).

A coleta de dados foi realizada mediante a observação de ativi-dades vivenciadas pela turma do Proeja Quilombola no tempo escola ocorrido no decorrer dos meses de novembro e dezembro de 2010,

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em atividades pedagógicas em classe e extraclasse. Privilegiamos os momentos de socialização das pesquisas do tempo comunidade, bem como reuniões de avaliação e de planejamento.

Além da observação, foram empregadas como técnicas de pes-quisa a análise documental, a realização de entrevistas e a aplicação de questionários com questões abertas. A opção por esse tipo de questão teve por objetivo explorar a subjetividade dos participantes, a qual não pode ser mensurada por meio de parâmetros exclusiva-mente matemáticos, ineficazes para garantir a condição específica de sujeito do ser humano, o que justifica o uso de uma abordagem qualitativa (ibidem, p. 118).

Pela análise documental, verificamos o Projeto Político Pedagó-gico da Instituição, o Plano de Curso da turma e o documentário Tro-ca de Saberes, produzido a partir da visita de um grupo de educadores às comunidades quilombolas de Concórdia do Pará.

As entrevistas foram realizadas com treze dos trinta e cinco es-tudantes quilombolas, sendo oito homens e cinco mulheres, de forma aproximadamente proporcional aos dados gerais da turma, no que diz respeito aos municípios de origem e à faixa etária.

Os questionários foram aplicados junto a onze educadores, que ministram as disciplinas Língua Portuguesa, Artes, Matemática, Fí-sica, História, Geografia, Informática, Aquicultura, Zootecnia Geral, Agricultura Geral, Olericultura, Climatologia e Avicultura.

Foram feitas cinco perguntas na entrevista realizada com os es-tudantes e quatro no questionário aplicado para os educadores, acerca da forma pela qual vinha ocorrendo a troca de saberes através da alter-nância pedagógica vivenciada pela turma do Proeja Quilombola. As perguntas foram basicamente as mesmas para ambos os grupos.

Também foram entrevistados a Diretora de Desenvolvimento Educacional, para verificação do contexto no qual fora deliberado e implementado o projeto de criação do Proeja Quilombola; e o Coor-

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denador Geral de Ensino, com o qual averiguamos de que forma es-tava sendo efetuado o acompanhamento pedagógico à referida turma, bem como as atividades de socialização, avaliação e planejamento.

3 . Educação do Campo, Alternância Pedagógica e Educação Etnicorracial

A Educação do Campo é um projeto educacional, em proces-so de construção conduzido pelos sujeitos do campo, mediante suas lutas pela valorização de seus saberes, objetivando a superação das práticas de discriminação para com as especificidades dos jovens e adultos de origem camponesa. Caldart conceitua Educação do Cam-po como sendo

[...] processo de construção de um projeto de educação dos traba-lhadores e trabalhadoras do campo, gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetória de luta de suas organizações. [...] sobretudo, trata de construir uma educação do povo do campo e não apenas com ele, nem muito menos para ele. (2004, p. 17-18)

A Educação do Campo busca construir outro olhar para a relação campo-cidade, a partir de um princípio de igualdade social e de diversidade cultural e da percepção da interdependência desses dois espaços. Esse novo olhar se contrapõe às práticas educacio-nais tradicionais que sempre trabalharam com base em um projeto elaborado para as populações do campo, e não por elas. Projeto este que se trata de uma educação rural, que vê o campo como mero espaço de produção e não como espaço de produção de vida (FERNANDES & MOLINA, 2004), o que obriga a juventude do campo a abandoná-lo em busca de melhores perspectivas educa-cionais e de emprego, acarretando na perda de suas identidades.

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A Educação do Campo faz oposição ao projeto de educação rural, permeado pela defesa do agronegócio como modelo ideal de pro-dução de alimentos.

Pensar em Educação do Campo, na perspectiva de Michelotti (2008), significa pensar em um projeto que resgate a cidadania his-toricamente negada das populações do campo. Os educadores do Campo, nessa proposta, precisam ter uma formação que compreenda que há uma dimensão pedagógica no trabalho da pesquisa agropecuária e da extensão rural, assim como há uma dimensão produtiva presente na realidade da escola do campo (ibidem, p. 95) e que assuma o desafio de aproximar essas duas dimensões. Para Michelotti, é preciso pensar a Educação do Campo a partir da tríade indissociável Produção – Ci-dadania – Pesquisa.

Sob a perspectiva da Educação do Campo, os saberes das co-munidades camponesas passam a ser valorizados e a fazer parte do processo de construção do conhecimento, através da interação com os saberes científicos. Essa relação não hierarquizada entre teoria e prá-tica é fundamental para a compreensão de outro conceito com o qual trabalhamos nesta pesquisa: a Pedagogia da Alternância.

A Pedagogia da Alternância nasce através de experiências edu-cacionais que buscavam dar conta da necessidade de estimular filhos de camponeses a prosseguirem seus estudos sem, no entanto, afastá--los do contato com suas comunidades, intercalando momentos de formação na escola e em suas localidades e propiciando uma relação complementar e retroalimentar entre teoria e prática. Orienta a orga-nização do processo educacional em dois momentos que se alternam continuamente integrando os saberes camponeses e os saberes cientí-ficos: o Tempo Escola, composto pelo período presencial do educando nas aulas e atividades pedagógicas da instituição de ensino, e o Tempo Comunidade, referente ao período de atividades práticas desse edu-cando em sua comunidade de origem.

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De acordo com Gimonet (2007), existem três tipos de alter-nância pedagógica: a falsa alternância ou alternância justaposta, a al-ternância aproximativa e a alternância real ou alternância integrativa.

A falsa alternância ocorre quando dois períodos de teoria e prá-tica são justapostos, mas sem o estabelecimento de nenhuma inter--relação. A alternância aproximativa acontece quando os tempos de formação são didaticamente organizados em um conjunto coerente, no entanto, acaba sendo mais um soma de períodos de estudo teórico e de trabalhos práticos que não interagem significativamente. A alter-nância real, por sua vez, proporciona uma reflexão constante baseada na experiência, havendo uma verdadeira interação entre a teoria e a prática vivenciadas nos diferentes tempos pedagógicos. Essa alternân-cia privilegia o projeto pessoal e coloca o formando como ator envolvido em seu meio (op. cit, p. 120).

Podemos perceber a estreita ligação entre a Pedagogia da Alter-nância e a Educação do Campo. A alternância pedagógica nasce da necessidade de se criar uma alternativa educacional para as populações do campo, de se produzir uma escola diferenciada para essas popula-ções, que valorize seus saberes e que promova a troca entre estes e os conhecimentos técnico-científicos para a construção do conhecimento.

Falar em populações do campo significa reunir em uma catego-ria social diferentes grupos que tem como importante traço comum o pertencimento ao espaço sociocultural do campo e a histórica interdi-ção às políticas públicas, dentre as quais o direito à educação formal. Inseridas nesse contexto, destacamos as comunidades remanescentes de quilombos.

Na maioria dos casos, essas comunidades conservaram aspec-tos importantes de suas histórias e culturas, herdadas centenaria-mente de seus ancestrais do continente africano, traços esses funda-mentais para a compreensão da formação da sociedade brasileira. Os quilombolas vivem no campo e mantém como grande característica

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o contato com a terra, com a natureza, de onde tiram seu sustento. São os atuais representantes de uma histórica forma de resistência das populações negras ao regime de escravidão no Brasil: a organi-zação em quilombos. Carneiro afirma que os quilombos foram (...) um fenômeno contra-aculturativo, de rebeldia contra os padrões de vida impostos pela sociedade oficial e de restauração dos valores antigos (1988 apud ARRUTI, 2005, p. 72).

Os povos quilombolas fazem parte das lutas do campo e têm conseguido paulatinamente, nos últimos anos, maior evidência na so-ciedade, com a conquista de direitos como a titulação de suas terras e, no tocante à educação, com a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira no currículo oficial da Rede de Ensino, através da Lei 10.639/2003. Tal conquista visa promover uma educação para as relações etnicorraciais e a superação de práticas racistas invisibili-zadas pela crença de que o Brasil é um país sem preconceitos raciais. A Lei 10.639/03 objetiva evidenciar esse problema e discuti-lo, a partir do conhecimento, por parte de educadores e educandos, do histórico de exclusão social das populações negras e da contribuição destas para a formação da sociedade brasileira.

É nesse contexto de discussão / construção do projeto de Edu-cação do Campo, das experiências com a alternância pedagógica e da implementação da Lei 10.639/03 para a educação das relações etni-corraciais, que podemos situar a experiência vivenciada pelo IFPA Campus Castanhal através da formação de uma turma de Proeja com remanescentes de comunidades quilombolas.

4 . O IFPA Campus Castanhal no Contexto da Lei 10 .639/03

O IFPA Campus Castanhal, inserido no contexto de imple-mentação da Lei 10.639/03, iniciou no ano de 2010 uma turma de Proeja formada por remanescentes de comunidades quilombolas.

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Segundo a Diretora de Desenvolvimento Educacional dessa Instituição, a mesma já vinha realizando várias ações no tocante ao cumprimento da Lei 10.639/03. Essas eram ações pontuais, realizadas junto a comunidades quilombolas e em parceria com a Associação de Consciência Negra Quilombo (ASCONQ) de Castanhal. Na segun-da metade do ano de 2009, a Equipe Técnico-Pedagógica da institui-ção se reuniu para decidir sobre a criação de uma turma de Proeja no ano seguinte. Na ocasião, o grupo presente avaliava a possibilidade de implementar uma proposta de criação de uma turma de Proeja for-mada exclusivamente com remanescentes de comunidades quilombo-las, proposta essa elaborada em um grupo de trabalho da Conferência Regional de Política de Promoção da Igualdade Racial, realizado em 2008 no IFPA Campus Castanhal.

Na referida reunião, a Equipe Técnico-Pedagógica deliberou que, com base em experiências anteriores do campus no atendimen-to à Lei 10.639/03, já se tornava possível implementar a idéia de criação de um Proeja Quilombola, adotando-se a alternância peda-gógica enquanto metodologia formativa, na perspectiva da Educa-ção do Campo.

A Instituição já atendia ao Decreto nº 5 .840/06, que determi-nava que as instituições federais de educação profissional deveriam implantar cursos e programas regulares do PROEJA até o ano de 2007, tendo formado uma turma com jovens e adultos oriundos de as-sentamentos, através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), em 2006. A formação profissional dessa turma promoveu uma integração interdisciplinar entre o Ensino Médio e o Ensino Técnico, por meio de metodologias participativas e sócio--interacionistas, sob uma perspectiva agroecológica, com a missão de trabalhar uma formação não somente na perspectiva única e exclusiva do emprego, mas da formação humana, intelectual, científica e crítica (FAVA-CHO & DIAS, 2008, p. 235).

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Em 2009, já no período de transição da EAFC/PA para IFPA Campus Castanhal[48], foi iniciada outra turma de Proeja, dessa vez composta por filhos de agricultores familiares, que eram egressos do Programa Saberes da Terra na Amazônia Paraense[49].

O desafio de criar uma turma de Proeja Quilombola era, portan-to, a terceira experiência que seria implementada com este programa, e através da alternância pedagógica, na instituição. Isso tornou possível aproveitar muito das experiências anteriores para a turma do Proeja Quilombola, inclusive o mesmo plano de curso da turma do Proeja Saberes da Terra. O percurso formativo do referido plano prevê, no tempo escola, o diálogo de saberes, a construção coletiva do plano de pesquisa-ação[50] e a sistematização da pesquisa. No tempo comuni-dade, o percurso formativo prevê a realização da pesquisa-ação e a partilha dos saberes com os integrantes da comunidade de origem.

Em síntese, quando vão ao tempo comunidade, os estudan-tes levam um plano de pesquisa. Quando retornam, socializam os resultados, que são debatidos e comparados com o saber técnico--científico, visando à sistematização do conhecimento. É a partir dos saberes trazidos pelos estudantes, portanto, que o professor

[48] Antes de ser denominado como IFPA – Castanhal, esta Instituição chamava-se Escola Agrotécnica Federal de Castanhal. A partir da Lei 11892/2008, de 29 de Dezembro de 2008, passou a integrar, juntamente com o CEFET – PA e a Escola Agrotécnica Federal de Ma-raba, uma nova Instituição: o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará. Para maiores informações sobre o histórico do IFPA Campus Castanhal, ver: Oliveira (2007); Favacho (2008); Oliveira & Barbosa (2009).[49] Programa construído coletivamente no Fórum Paraense de Educação do Campo, cujo foco principal é a inclusão social da juventude do campo, mediante a promoção de uma formação sócio-profissional que viabilize o fortalecimento da agricultura familiar de modo sustentável e que reinvente a relação do ser humano com a natureza, primando por uma ética social e ambiental que esteja comprometida com a emancipação dos sujeitos do campo (BRASIL, 2005).[50] A pesquisa-ação, de acordo com Severino, é aquela que além de compreender, visa interferir na situação, com vista a modificá-la (2007, p. 120). Portanto, ao mesmo tempo em que dignostica a situação, também busca apontar proposições para a resolução das situações--problemas identificadas.

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deve definir de que forma trabalhar os conteúdos, de modo a forta-lecer a identidade dos educandos. O plano prevê a pesquisa como princípio educativo e é, segundo a Diretora de Desenvolvimento Educacional, contextualizado através dos planejamentos, de acordo com as peculiaridades dos educandos, levando em consideração a identidade quilombola e as questões relacionadas à cultura afro--brasileira.

Após a deliberação pela criação da turma, a Equipe Técnico--Pedagógica passou a planejar o processo de seleção dos jovens e adultos quilombolas. A opção pela Pedagogia da Alternância de-terminou que as comunidades quilombolas que seriam atendidas não poderiam ser muito distantes da Instituição. Por esse motivo, foi decidido que o público alvo dessa nova turma de Proeja seria proveniente das regiões metropolitana e do Nordeste Paraense. O processo de seleção das comunidades e dos educandos que com-poriam a turma foi feita com a ajuda dos movimentos negros e associações quilombolas, no sentido de apontar para o Instituto as comunidades já reconhecidas legalmente como comunidades remanescentes de quilombos. Depoimentos de alguns estudantes elucidam a importância social desse projeto.

A minha vinda pra ta aqui, pra vim estudar, pra mim foi ótima, porque eu tinha 17 anos que não estudava, aí eu peguei, fui estudar, mas não consegui terminar o meu primeiro ano lá na zona rural, porque era uma viagem muito difícil, muito longe. Tinha que pegar dois ônibus pra chegar no colégio. Aí, eu peguei e falei que ia fazer essa prova, mas em dúvida, né, se sim ou não. Aí eu vim fazer e consegui passar [...] eu sempre falo: não é uma vergonha [...] isso eu falo sempre pros meus colegas e converso muito com eles. Aí, eles dizem: “porque você parou? Era pra você ter continuado”. Não,

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porque quando você arruma família não é como quando é solteira (Cará[51], estudante).

A gente não tinha o sonho de estudar nem na cidade, muito menos vir para o Instituto. Então, uma vez que a gente veio, foi selecio-nado, a gente ficava se perguntando: como é que ia ser a recepção aqui? Como é que nós ia ser incluso aqui? Então, a gente teve uma recepção muito boa, desde o momento em que nós chegamos até agora. [...] não foi uma recepção ensaiada, porque a recepção que nós tivemos no momento que nós chegamos nós temos até hoje [...] Então, isso deixa a gente muito à vontade (Açaí, estudante).

A turma do Proeja Quilombola iniciou seu primeiro tempo es-cola no dia 05 de abril de 2010. Dos 40 aprovados, 5 nunca chegaram a freqüentar as aulas, ficando a turma formada desde o princípio das aulas até o presente momento por 35 pessoas, sendo 26 homens e 9 mulheres, oriundos de comunidades quilombolas dos municípios de Concórdia do Pará, Moju, Garrafão do Norte, São Miguel do Gua-má, Tomé Açu e Ananindeua. A maior concentração dos estudantes encontra-se na faixa dos 17 aos 25 anos, sendo, portanto, uma turma bastante jovem, embora muitos já sejam pais e mães de família.

5 . A Troca de Saberes no Proeja Quilombola

Nas entrevistas realizadas com os estudantes e nos questio-nários aplicados com os educadores, perguntamos inicialmente se a alternância pedagógica estava influenciando o processo de formação

[51] Os nomes de todos esses educandos e educadores foram omitidos, visando preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa. Em seu lugar, utilizamos nomes fictícios, referentes a elementos da cultura regional.

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dos educandos, e de que forma. Para doze estudantes, a resposta foi sim. Apenas um respondeu que estava influenciando, mas bem pouco (Gráfico 3).

De uma forma geral, os estudantes concordaram que a alter-nância pedagógica estava influenciando o processo de formação dos mesmos. Consideramos natural que a maioria dos participantes dessa pesquisa tenha resposta afirmativa para a questão, uma vez que dificil-mente o fato de adotar a alternância não iria influir na formação dos educandos. O diferencial se dá nas justificativas dos participantes para suas respostas.

Na maior parte dos depoimentos, essa influência é vista de for-ma positiva. Dez estudantes enfatizaram a possibilidade de aplicar em suas comunidades os conhecimentos adquiridos no tempo escola, bem como realizar pesquisas em suas localidades de origem, apre-sentar os resultados aos seus professores e aperfeiçoar os conheci-mentos adquiridos.

[...] quando se fala na alternância, a gente percebeu que ia ter um momento na escola e um momento na comunidade [...] em sala de aula você é o aluno e ao mesmo tempo você é o professor. O Instituto não ta preocupado em só passar o ensino pra gente, mas ele ta preocupado em saber um pouco da gente. Então, isso deixa a gente a vontade, né? Além de não perder o vínculo com nossa co-munidade, a auto-estima vai lá pra cima no momento em que você percebe que ta sendo importante em sala de aula (Açaí, estudante).

Outros dois estudantes enfatizaram a influência positiva da al-ternância pelo fato de possibilitar os estudos no campus sem a ne-cessidade de se desvincular de suas famílias e de suas comunidades de origem. Um deles reconhece a importância de poder voltar à sua comunidade, mas enfatiza que aprenderia mais se ficasse o tempo todo

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na escola, por conta da ocupação com os trabalhos da roça, que lhes tomam o tempo para os estudos.

[...] tem uma certa barreira,né? Quando a gente ta pra estudar, é pra estudar. E quando a gente ta na nossa comunidade, a gente ta pensando em outras coisas, nos trabalhos da comunidade, na roça (Carimbó, estudante).

Outro estudante afirmou que a organização dos tempos peda-gógicos não está ocorrendo a contento, e que os estudantes não estão tendo o aprendizado que gostariam de ter.

A mesma pergunta, quando feita aos docentes, obteve um re-sultado também afirmativo no geral. Oito educadores responderam que a alternância está influenciando o processo de formação dos educandos. Dois disseram que está influenciando apenas parcial-mente. Um dos professores disse que não dá para saber ainda de que forma a alternância influencia o aprendizado, tendo em vista que, até o momento em que o professor respondera o questionário, ainda não havia sido feita a socialização dos resultados das pesquisas do tempo comunidade pelos estudantes.[52]

Os comentários dos educadores foram bastante variados. Para dois professores, o fato de os estudantes terem a teoria e a prática si-multaneamente, através da alternância em tempo escola e em tempo comunidade, oportuniza a aplicação dos conhecimentos adquiridos em sala de aula de imediato nas comunidades de origem dos educan-dos. Um outro professor enfatizou que os conteúdos são trabalhados de acordo com a realidade dos educandos, a partir daquilo que eles trazem de suas pesquisas em suas localidades. Para um outro professor, a alternância direciona as atividades de acordo com a realidade dos

[52] Essa socialização ocorreu em 09/12/10, dias depois da aplicação do questionário com o referido professor.

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educandos, por um lado. Mas, por outro, dificulta o planejamento e a abordagem de todos os conteúdos. Na avaliação de outro educador, a alternância pode se tornar um elemento facilitador ou dificultador da aprendizagem, dependendo do planejamento.

Um dos professores enfatiza que, embora elucide a realidade dos educandos, a alternância não está acontecendo de forma integrada. Ou-tro afirma que a experiência é salutar e que é fundamental conhecer a realidade dos educandos, contudo a alternância ainda é uma novidade que gera desconfiança entre os atores envolvidos no processo de apren-dizagem, sejam as famílias, os estudantes e os próprios educadores.

As turmas de alternância que trabalhamos são especiais. São trabalha-dores e trabalhadoras rurais que contribuem na renda financeira da fa-mília e dificilmente poderiam estudar em uma escola com regime integral. Outro fator importante se refere à metodologia, onde o tempo comunidade faz parte do processo de formação e onde a escola valoriza os saberes locais em um processo pedagógico que faz o diálogo entre o empirismo e o científico (Tapioca, professor).

Não acredito que a alternância pedagógica esteja influenciando, como deveria, o processo de formação dos educandos, porque ela não está acontecendo a contento. A vantagem é que esse Tempo Comunidade –TC que a alternância possibilita, permite aos alunos continuar com suas atividades produtivas ou profissionais [...] dá para perceber que os alunos voltaram o olhar para os mais velhos, para o entorno e passaram a valorizar mais o seu ambiente natural, sua cultura. Na minha opinião, não é a alternância, mas o programa em si (PROEJA) que faz o diferencial. ( Jambu, professor).

Fazendo uma reflexão sobre as respostas, notamos que, em-bora em ambos os grupos nenhum participante tenha respondi-

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do que a alternância não influencia o processo de formação dos estudantes, os professores fazem mais ressalvas em seus comen-tários do que os educandos. Poderíamos creditar esse fato a um possível entendimento maior, por parte dos educadores, do que seja a alternância pedagógica. Mas, evitamos essa leitura com base na observação realizada em atividades em classe e extraclasse. Os estudantes demonstraram-se bem esclarecidos sobre o significa-do da alternância pedagógica durante a socialização dos resultados das pesquisas do último tempo comunidade, em 09 de dezembro de 2010, e durante visita de uma representante do MEC, em no-vembro de 2010, ao Campus Castanhal, na qual representantes da turma se pronunciaram espontaneamente, falando com satisfação da experiência de estudar no Campus Castanhal a partir de uma metodologia que levava em conta os saberes tradicionais que eles traziam de suas comunidades.

Se não podemos atribuir um maior otimismo por parte dos es-tudantes a uma suposta falta de compreensão sobre a alternância pe-dagógica, por outro lado nos parece claro que a oportunidade de estu-dar no IFPA Campus Castanhal é percebida pelos mesmos como uma política afirmativa para as comunidades quilombolas das quais fazem parte e representa uma chance que dificilmente teriam de outro modo.

Além de valorizem essa política de ação inclusiva, o fato de que esses educandos sabem que o projeto do qual fazem parte prevê a va-lorização de seus saberes e a afirmação da identidade quilombola, cer-tamente gera satisfação. E embora existam problemas que, na opinião de alguns participantes desta pesquisa, fazem com que a alternância influencie apenas parcialmente a formação dos educandos, fica evi-denciado pela maioria das falas de docentes e discentes e com base na observação de atividades realizadas com a turma, que essa influência, ainda que possa ser mais potencializada, tem sido consideravelmen-te positiva na formação da turma, uma vez que possibilita a vivência

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acadêmica sem o pleno afastamento das comunidades de origem, e a partir dos conhecimentos tradicionais dessas populações.

Quanto aos professores, talvez a experiência anterior de alguns com a alternância pedagógica explique uma maior ponderação por parte dos mesmos acerca da influência que a alternância efetivamen-te realizada tem tido sobre a aprendizagem dos estudantes quilom-bolas, visto que esses educadores entendem que essa influência pode ser bem mais positiva, principalmente se efetivada através de ativi-dades integradas.

Perguntamos também aos estudantes se os saberes que os mes-mos traziam de suas vivências no tempo comunidade estavam sendo aproveitados pelos professores, e de que forma. Todos responderam que sim, mas cinco educandos disseram que esses saberes estavam sen-do aproveitados apenas parcialmente.

Cinco estudantes justificaram suas respostas dizendo que os sa-beres que os mesmos trazem de suas comunidades são respeitados e valorizados no tempo escola. Há, no entanto, opiniões diversas. Para alguns educandos, os professores passam muitos planos de pesquisa, mas de maneira não integrada e com orientações conflitantes. Segun-do esses educandos, há educadores que não se interessam pelos saberes da turma e que, por isso, nem possibilitam aos mesmos expor os resul-tados das pesquisas.

As vezes eles passam trabalho, e a gente faz lá, as vezes a gente perde noites de sono, quando chega aqui, muitas das vezes a gente ainda apresenta, mas a gente nunca fez uma socialização pra eles ver como é que ta. Às vezes, assim, uma mini-apresentação (Casta-nha-do-Pará, estudante).

Inversamente, há depoimentos de estudantes que se dizem sa-tisfeitos quanto ao aproveitamento de seus saberes pelos professores:

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Uma das coisas que mais surpreendeu a nossa turma é esse valor que está sendo respeitado, que a gente traz da comunidade, porque antes, onde a gente estudava, praticamente não falava do conhe-cimento que a gente trazia. E aqui no IFPA é muito falado em sala de aula e muito respeitado. Eles procuram saber como é que a gente vive, o que é que a gente faz, as nossas histórias anteriores, os nossos antepassados (Igarapé, estudante).

A pergunta feita aos professores foi semelhante a que fizemos aos estudantes, mas com uma formulação diferente: “Você acha que os saberes que os educandos trazem de suas vivências no tempo comuni-dade podem ser aproveitados na sua prática docente? Explique”.

Todos responderam que sim. Quatro educadores comentaram a importância de aproveitar os conhecimentos trazidos pelos estudantes para, a partir desses conhecimentos, fazer a relação entre teoria e prá-tica e planejar a prática docente.

O conhecimento prévio das histórias de vida dos educandos, aí in-serido seus saberes, costumes e valores culturais, possibilita ampliar a margem de diálogo de um saber formal, científico, racional com saberes locais, sempre buscando uma relação de igualdade (Peixe--boi, professor).

Dois educadores preferiram enfatizar a importância do planeja-mento para esse aproveitamento de saberes, sendo que um deles relata que este planejamento está falho, em desacordo com o percurso for-mativo do projeto, o que, consequentemente, prejudica o desenvolvi-mento da alternância.

Podem e têm que ser aproveitados [...] O que está ocorrendo, po-rém, é que o TC não foi bem planejado de início [...] O planeja-

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mento prévio e a imediata avaliação das atividades planejadas (tão logo retornem ao TE), apresentadas aos professores, discutidas e feito o re-planejamento para a próxima etapa são ações impres-cindíveis e isso não está ocorrendo. Somente no 2º semestre, já no terceiro TE, foi feito um planejamento envolvendo todos os professores [...] as atividades foram propostas e os alunos já estão quase voltando e ainda não foi apresentado o resultado desse diag-nóstico aos professores. ( Jambu, professor).

Um professor relatou que os saberes dos educandos não estão sendo aproveitados muito bem, pois não estão sendo ressignificados em um “conhecimento novo”. Outro educador falou acerca da possi-bilidade de, a partir dos conhecimentos trazidos pelos estudantes, am-pliá-los tanto a nível técnico, como a nível cultural e tradicional. Outro enfatizou a possibilidade de trabalhar a partir de um resgate cultural das influências quilombolas trazidas pelos estudantes.

Pode parecer, com base nos dados apresentados, que os pro-fessores são bem mais otimistas do que os estudantes no que diz respeito ao aproveitamento dos saberes dos educandos. Contudo, é importante salientar que há diferença entre as perguntas feitas aos dois grupos. Enquanto aos estudantes é questionado se esses saberes são aproveitados pelos educadores, a estes o questionamen-to é se os saberes podem ser aproveitados na prática docente. Não surpreende que todos os professores tenham, portanto, respondido que sim. Novamente, o diferencial dessa questão está nas justifica-tivas das respostas.

Percebemos ser um ponto em comum na avaliação de ambos os grupos, a hipótese de que os saberes dos estudantes podem ser melhor aproveitados através de um planejamento integrado e da garantia dos momentos de socialização das pesquisas. Esse entendimento está de acordo com Gimonet (2007), o qual enfatiza a importância de favore-

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cer uma expressão e uma confrontação do ganho da experiência; em seguida, chegar a sínteses, a idéias gerais e a um questionamento (p. 43).

Também perguntamos aos estudantes e aos professores se estava ocorrendo a troca de saberes na turma. Dez estudantes responderam que sim e três disseram que apenas com os professores que se interes-savam pela turma. Entre os professores, todos responderam que sim.

Por um lado, podemos afirmar que há um ponto de concordân-cia entre os dois grupos em afirmar pela existência da troca de saberes, uma vez que nenhum estudante respondeu que essa troca não acon-tece. Alguns apenas enfatizaram que essa ocorrência não se efetiva em todas as disciplinas. E essa categoria de resposta que surge nas entrevistas com os estudantes é proporcionada pelo fato de as ques-tões tanto das entrevistas quanto dos questionários serem abertas. No entanto, parece estar claro que os estudantes fazem mais ressalvas que os professores, embora estes também façam algumas nas justificativas de suas respostas.

Dos dez estudantes que afirmaram que ocorre troca de saberes entre eles e os professores, oito justificaram suas respostas dizendo que os dois grupos aprendem uns com os outros, os estudantes pelos co-nhecimentos trabalhados pelos professores e estes pelo contato com os saberes trazidos pelos estudantes. Os outros dois afirmaram que essa troca ocorre de forma mais efetiva com os professores da área técnica, em função das atividades práticas.

Dos outros três estudantes que afirmaram que a troca de saberes ocorre efetivamente apenas com alguns professores, dois enfatizaram que somente alguns professores se interessam pelos saberes da turma. Um estudante relata que muitas vezes os educandos não conseguem entender as explicações dos educadores nem estes conseguem apro-veitar o conhecimento dos educandos, por conta de os trabalhos so-licitados exigirem habilidades com informática que alguns estudantes não possuíam.

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Entre os professores, oito falaram sobre o aprendizado com os estudantes a partir do contato com suas tradições e raízes culturais, o que tem norteado a prática pedagógica e propiciado uma aprendizagem de “mão dupla”. Dentre esses, um lamentou não ter aprendido mais por não ter participado de visitas às comunidades quilombolas. Outros dois professores que também afirmaram a existência de uma troca de sabe-res entre educandos e educadores, ressaltaram que as atividades estão carecendo de organização e planejamento. Para um deles, a troca de saberes ocorre com todos os docentes, mas de forma disciplinar, evi-denciando-se a necessidade de um planejamento mais integrado.

É curiosa a fala de um professor, cuja primeira experiência com alternância pedagógica está sendo vivenciado com a turma do Proeja Quilombola, e para o qual tudo tem sido um aprendizado, devido ao pouco contato do mesmo com as populações do campo.

No meu caso, existem muitas trocas de saberes, uma vez que meus conhecimentos são muito restritos em relação à organização social, cultural, econômica e produtiva de comunidades inseridas no cam-po (Boto, professor)

O mesmo educador fez parte da visita às comunidades de Con-córdia do Pará e aparece, no filme Troca de Saberes, em várias situações de aprendizagem com os estudantes, tais como aprendendo nomes de árvores e a subir em um açaizeiro. E ao final do dia, após reuniões com os moradores de duas comunidades, ele relata ter aprendido que aqueles estudantes eram todos trabalhadores, muitos pais e mães de família, e estavam no IFPA Campus Castanhal atrás de conhecimen-tos não somente para si, mas para suas comunidades. Esse professor revelara-se muito inseguro sobre o trabalho com a alternância antes dessa visita. A atividade, portanto, foi um diferencial para a prática pedagógica do docente.

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O fato de alguns professores do Proeja Quilombola não terem experiência anterior com alternância pedagógica é também relatado em entrevista pela Diretora de Desenvolvimento Educacional. Quan-to à preparação dos professores para o trabalho com esta turma, a re-ferida diretora disse que haviam sido feitas apenas algumas reuniões com o corpo docente antes da chegada dos estudantes quilombolas, sendo que uns educadores já tinham experiência com alternância, mas outros estavam ingressando na Instituição e não tinham nenhum con-tato com essa metodologia.

[...] esses professores estão aprendendo nas reuniões, nas socializa-ções [...] podemos dizer que esses professores estão se capacitando em serviço, nas reuniões, nas visitas da alternância, participando de eventos [...] a formação deles está acontecendo dessa forma. Não foi realizada nenhuma formação anterior, específica, especialmente para esses professores que chegaram recentemente nessa institui-ção (Diretora de Desenvolvimento Educacional do IFPA Campus Castanhal).

Segundo informações do Coordenador Geral de Ensino, nos acompanhamentos pedagógicos feitos com os docentes da turma do Proeja Quilombola, alguns relataram estar tendo dificuldade para tra-balhar com a alternância pedagógica e solicitaram uma atividade de formação sobre essa temática. Dessa forma, foi organizada uma pa-lestra intitulada “Relato de Experiências em Alternância Pedagógica e Planejamento Integrado”, no dia 17 de agosto de 2010, com a partici-pação de oito professores e seis membros da Equipe Técnico-Pedagó-gica, além de alguns estudantes.

Fica evidente a necessidade trabalhar a formação docente para promover o desenvolvimento da prática pedagógica dos professores da turma do Proeja Quilombola de acordo com os pressupostos da alter-

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nância pedagógica, tendo em vista que o professor, nessa perspectiva, tem a função de promover e estimular a comunidade escolar e extra-escolar de forma integrada, articulando sua atenção e sem tempo de trabalho nessas duas direções, isto é, o saber da comunidade escolar e o saber da comunidade geral (DIAS, 2006, p. 127).

Perguntamos também se as pesquisas planejadas para o tempo comunidade estavam sendo executadas e aproveitadas no tempo es-cola.

Sete estudantes responderam que sim. Quatro afirmaram que as pesquisas estavam sendo executadas e aproveitadas apenas parcial-mente. Um estudante relatou que elas são executadas, mas não são aproveitadas pelos professores. E um estudante respondeu que os pla-nos de pesquisa não estavam sendo executados nem aproveitados.

Verificamos que, na opinião de quase metade dos estudantes, a execução e socialização dos planos de pesquisa não tem aconteci-do a contento. Os mesmos afirmam que, embora sejam planejados, os trabalhos de pesquisa não tem sido devidamente explorados pelos professores. A não apresentação imediata dos trabalhos no início do tempo escola desmotiva os educandos. Dois estudantes relataram, no entanto, que, ainda assim, a experiência de pesquisar suas comunida-des tem sido significativa para os mesmos. Um deles reclamou do fato de que às vezes a pesquisa é realizada de acordo com o planejamento feito com o professor, mas os resultados obtidos não são aquilo que o docente esperava, e que por esse motivo ele acaba não explorando os trabalhos dos estudantes em sua disciplina.

[...] o que a gente traz do tempo comunidade, o professor não tem essa influência de pedir: “ah, eu quero ver o teu trabalho, se ta sen-do legal, eu gostaria de ver o quanto você aprendeu. [...] aí fica guardado na pasta da gente, fica lá jogado em casa, e a gente leva de volta pra cidade (Marajoara, estudante).

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Para pouco mais da metade dos entrevistados, entretanto, as pesquisas têm sido executadas e socializadas.

A pesquisa no tempo comunidade é mais ou menos a história da comunidade, dos nossos antepassados, dos meios de produção [...] então, quando a gente começa lá, você vai ver na prática muita coisas que a gente também não sabia das nossas próprias raízes, aí quando chega aqui a gente vai conversar com os pro-fessores, eles vão dar umas dicas pra frente e vão fazer um aper-feiçoamento maior do trabalho, que ainda não foi apresentado (Cupuaçu, estudante).

Verificamos nesta fala, que embora a estudante relate de forma otimista a realização das pesquisas no tempo comunidade, ele termi-na fazendo a observação de que as mesmas ainda não haviam sido socializadas até a data em que a referida estudante fora entrevistada, já próximo do final do tempo escola. Outro depoimento também co-menta esse fato.

A gente fez um trabalho muito grande, um diagnóstico sócio--econômico da nossa comunidade, e não apresentamos. Marca-ram uma data pra gente apresentar, quando chegamos aqui não foi apresentado. Pediram pra gente pegar todo aquele trabalho e fazer de outra forma. [...] Aí a gente resumiu e ainda não foi apresentado (Beiju, estudante).

O assunto também divide a opinião dos professores. Quatro educadores afirmaram que as pesquisas são executadas pelos estudan-tes e aproveitadas na prática pedagógica. Seis professores disseram que isso só ocorre parcialmente. E um professor respondeu que não está ocorrendo nem a execução e nem a socialização das pesquisas.

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Percebemos que os professores são ainda menos otimistas que os estudantes sobre a execução e o aproveitamento das pesquisas. Al-guns relatos corroboram a reclamação dos estudantes acerca da demo-ra para a socialização das pesquisas. Para esses educadores, os maiores problemas estão na falta de um planejamento integrado e com mais rigor, de um acompanhamento pedagógico constante e de uma coor-denação própria para o projeto.

Estão esporadicamente sendo planejadas (as pesquisas) por alguns docentes, inclusive sendo executadas no tempo comunidade. Mas o tempo escola tem deixado a desejar, no que diz respeito ao plano de pesquisa e à sistematização do mesmo (Bacuri, professor).

Segundo o Coordenador Geral de Ensino, no tempo escola é re-alizada reunião de planejamento das pesquisas e do acompanhamen-to do tempo comunidade seguinte, sendo que o percurso formativo norteia todas as ações que são desenvolvidas com a turma do Proeja Quilombola. Contudo, reconhece que esse processo precisa ser melho-rado, tendo em vista que o planejamento não tem sido feito de forma integrada e que o acompanhamento pedagógico à turma e aos seus docentes não tem sido eficaz.

A socialização das pesquisas do último tempo comunidade foi realizada no dia 09 de dezembro de 2010. Segundo os estudantes, ha-via sido feito, na finalização do tempo escola anterior ao último tem-po comunidade, um plano de pesquisa diagnóstico das comunidades quilombolas dos educandos, e foi acordado que a apresentação dos resultados seria feito logo no início do tempo escola atual. Contu-do, no retorno dos estudantes à Instituição, alguns professores não ficaram satisfeitos com os trabalhos e pediram que fossem refeitos. A apresentação desses trabalhos só foi marcada semanas depois, próximo do encerramento do tempo escola. E somente a poucos dias da nova

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data é que eles tiveram o apoio de alguns professores para organizar a socialização dos resultados. Os estudantes sintetizaram os diagnós-ticos de seus municípios de origem, utilizando slides, exposição oral, exibição de vídeos, apresentação de capoeira e de coral. Nem todos os estudantes se pronunciaram, mas todos os municípios foram represen-tados nas exposições.

Na avaliação da atividade, a apresentação foi muito elogiada pelo grau de maturidade das exposições, mas com a observação de que houvera tempo suficiente para uma elaboração ainda melhor dos trabalhos. A não socialização das pesquisas no início do tempo escola também foi criticada, tendo em vista que isso prejudicara a sistemati-zação das informações em novos conhecimentos.

Como encaminhamento, foi deliberado que, na semana seguinte, deveria haver uma nova reunião para elaboração dos planos de pesqui-sa para o novo tempo comunidade e para marcar uma nova visita de educadores a outras comunidades quilombolas. Contudo, nos dias que se sucederam, vários estudantes viajaram para seus municípios. Dessa forma, se houve algum planejamento, foi feito de forma disciplinar.

Foi sugerido por um dos professores, em seu questionário, que para garantir a efetiva execução das pesquisas, deveria haver um acompanhamento mais frequente dos educadores ao tempo comuni-dade. Observamos, na socialização das pesquisas, após a apresentação do filme Troca de Saberes, que o fato de um grupo de educadores do IFPA Campus Castanhal ter visitado as comunidades quilombolas de Concórdia do Pará gerou um ânimo e orgulho entre os estudantes dessas comunidades e seus familiares, bem como um grande apren-dizado para os referidos educadores, o que fundamenta a sugestão do referido professor.

Aos estudantes foi feita ainda uma quinta pergunta. Como to-dos responderam que a troca de saberes estava ocorrendo (embora com ressalvas), questionamos se essa troca ocorria em todas as disciplinas,

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numa maioria ou na minoria delas. Cinco educandos disseram que a troca de saberes ocorre na maioria das disciplinas. Para quatro, ocorre em todas. E outros quatro consideram que só em algumas, sendo que para um desses estudantes essa ocorrência é maior com as disciplinas do Ensino Técnico.

O tempo de observação desta pesquisa foi muito curto para que possamos aqui consolidar uma conclusão sobre a questão. Contudo, se é difícil afirmar se a troca de saberes ocorre na maioria das disciplinas ou somente em algumas, parece evidente, por outro lado, que a troca de saberes, sob a perspectiva da alternância pedagógica como preco-nizado por Pereira (2006), não está ocorrendo em todas as disciplinas. Na concepção desta autora, a troca de saberes através da alternância pedagógica se efetiva quando os estudantes participam das atividades formais na escola, em regime de internato, e no período seguinte, de volta à família e à comunidade camponesa, realizam as atividades próprias do meio agrário, trocam experiências e associam o conhecimento científico ao popular, de forma que a construção do saber aconteça nos dois ambientes (op. cit., p. 97).

Com base em todos os dados apresentados ao longo deste tra-balho, e classificando a alternância pedagógica vivenciada pela turma do Proeja Quilombola a partir das categorizações de Gimonet (2007), podemos afirmar que a mesma assume diferentes feições de acordo com cada disciplina - o que explicita a falta de um planejamento inte-grado e de um acompanhamento pedagógico mais consistente.

Com alguns educadores essa alternância foi real, uma vez que propiciou uma efetiva interação entre teoria e prática, a partir do diá-logo entre os saberes tradicionais e os saberes técnico-científicos para a construção do conhecimento. Alternância esta postulada por Gi-monet como a que não se limita a uma sucessão dos tempos de formação teórica e prática, mas realiza uma estreita conexão e interação entre os dois, além de um trabalho reflexivo sobre a experiência (op. cit., p. 120).

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Com outros educadores, que têm organizado os planos de pes-quisa, mas não os tem aproveitado concretamente (não garantia dos momentos de socialização e sistematização dos saberes), nos parece ter ocorrido uma alternância aproximativa, uma vez que os tempos pedagógicos são organizados didaticamente, mas representam mais uma soma de experiência teóricas e práticas, sem uma verdadeira in-teração entre elas.

E com outros educadores, que não tem feito os planos de pes-quisa para o tempo comunidade, se limitando a ministrar seus con-teúdos nos períodos de freqüência dos estudantes à escola, sem o de-vido aproveitamento de seus saberes, pensamos estar acontecendo a falsa alternância, posto que os períodos na comunidade e na escola representam momentos de trabalho e de estudo que não se correla-cionam entre si.

Pensamos que a formação dos educadores da turma do Proeja Quilombola, para a realização de um trabalho pedagógico integrado a partir dos pressupostos filosóficos da Pedagogia da Alternância, não esteja acontecendo a contento, tendo em vista que, conforme a própria Diretora de Desenvolvimento Educacional, alguns professores esta-vam aprendendo com a prática e através de alguns eventos e visitas eventuais às comunidades quilombolas, iniciativas essas que conside-ramos escassas para a promoção de um fazer pedagógico comprome-tido com os princípios da Educação do Campo.

Compreendemos, portanto, que a formação dos educadores da turma do Proeja Quilombola, para um fazer pedagógico alicerçado na tríade teoria-ação-reflexão da alternância pedagógica, precisa ser melhor sistematizada, para além das ações pontuais realizadas du-rante o ano.

Contudo, além de um possível despreparo de alguns educa-dores para o trabalho com a alternância pedagógica, pensamos estar havendo também um desinteresse de alguns docentes pela proposta

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do curso. Esse desinteresse pôde ser evidenciado nas falas de alguns estudantes e na observação de que vários professores faltaram à ati-vidade de socialização das pesquisas, ao Conselho de Classe das turmas de primeira série e à palestra sobre alternância pedagógica. Essa postura pode estar ligada ao desconhecimento dos princípios pedagógicos da Educação do Campo e da Pedagogia da Alternân-cia, ou mesmo a uma falta de compromisso social e ideológico com a mudança do paradigma educacional vigente, a qual é proposta pela Educação do Campo.

Pensamos que uma das causas do problema resida na seleção pouco criteriosa dos professores que trabalham com a turma do Pro-eja Quilombola, uma vez que o corpo docente é formado tanto por pessoas com experiência em alternância pedagógica como por profis-sionais que não possuem nenhuma prática com esse pressuposto me-todológico ou, o que é ainda pior, que não se interessam em participar dos momentos de formação propiciados. Isso propicia a efetivação de uma prática disciplinar, não integrada e sem a necessária superação da tradicional visão reducionista que pensa a qualificação profissional limitada a uma visão de treinamento operacional, imediatista, segmentada e pragmatista (BRASIL, 2005).

O currículo integrado, ao contrário, pressupõe que educadores pensem a formação na sua totalidade, considerando todas as dimen-sões do ser humano. Segundo Silva,

O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo forja nossa identidade (1999, p. 150; apud FREIRE, 2005, p. 13).

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Consideramos, portanto, ser preciso repensar a seleção dos pro-fessores para o Proeja, estabelecendo como perfil imprescindível ser educador ou educador que se identifiquem e tenham compromisso com os princípios da Educação do Campo e da Educação de Jovens e Adultos e com a alternância pedagógica enquanto pressuposto me-todológico, além de predisposição para um trabalho interdisciplinar.

Por outro lado, o aproveitamento dos saberes dos estudantes nas práticas pedagógicas de alguns professores, e a consequente troca de saberes, através da vivência de uma alternância real, foi um fato mais evidenciado nas falas e escritas do que o contrário.

Tais educadores conseguem, através da utilização da pesquisa como princípio educativo e pela valorização dos conhecimentos tra-dicionais das comunidades quilombolas, aproveitar os potenciais da alternância pedagógica de acordo com o que postula Pereira (2006), segundo a qual essa metodologia pressupõe uma troca de saberes. Primei-ro colhe, sistematiza e socializa o saber do povo e, só depois, introduz novos conhecimentos com base nas descobertas técnicas e científicas (op. cit. p. 97).

Esses professores parecem concordar, no entanto, que um pla-nejamento mais integrado das atividades propiciaria uma troca de sa-beres mais efetiva e com maior recorrência em todas as disciplinas. Pensamos ser este o caminho para consolidar uma alternância nem falsa, nem aproximativa, mas real e interdisciplinar em todo o processo de ensino e aprendizagem.

6 . Considerações Finais

Ao final desta pesquisa, concluímos que ocorre uma troca de saberes entre educandos e educadores, vivenciada por meio da alter-nância pedagógica, contudo de forma mais acentuada em algumas dis-ciplinas do que em outras.

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O fato de que alguns professores compreendem os períodos de tempo comunidade como infrutíferos - pois que poderiam estar tra-balhando seus conteúdos se os estudantes estivessem o tempo inteiro na escola, evidencia uma mentalidade que impede o docente de apro-veitar o potencial da pesquisa-ação no tempo comunidade, que acaba se tornando uma mera oportunidade para o estudante retornar ao seio comunitário e tratar de trabalhos familiares. Nessa situação, o que de-veria ser um curso por alternância acaba se tornando um curso inter-valar. Estes posicionamentos, mesmos que minoritários no que revelou a pesquisa, nos parece herança de uma educação conservadora e tec-nicista historicamente vivenciada desde o Patronato Agrícola Manoel Barata em Outeiro – Belém. Somente em 2003 o IFPA – Campus Castanhal iniciou um debate mais institucional sobre a perspectiva de mudança curricular, orientando-se pelos princípios da Educação do Campo e de uma pedagogia crítica.

A ausência de um planejamento integrado e de uma formação continuada dos educadores são constatações importantes na análise realizada. Neste ponto, nos parece evidente a ausência de uma coor-denação pedagógica específica para as turmas de Proeja, fato criticado por alguns docentes e apontado pela Coordenação Geral de Ensino como uma dificuldade para o desenvolvimento do currículo do curso, cujas demandas acabam sobrecarregando a referida Coordenação.

Outro elemento que, a nosso ver, evidencia a necessidade de uma coordenação específica para o Proeja é a necessidade de investir na formação continuada dos educadores, tendo em vista que os mo-mentos de capacitação são apenas pontuais e não dão conta de atender às necessidades dos docentes, o que cremos estar contribuindo para a existência de práticas pedagógicas em não conformidade com o Plano de Curso desse projeto.

Percebemos o potencial das visitas de educadores às comunida-des quilombolas pode ter nesse processo, uma vez que não somente

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intensifica a troca de saberes entre estudantes e educadores como tam-bém serve para orientar e estimular a execução das pesquisas. Pensa-mos ser fundamental intensificar essas visitas como forma de promover também um acompanhamento aos educandos no tempo comunidade.

Por fim, é importante salientar a importância que a formação de uma turma com remanescentes de comunidades quilombolas tem tido na vida desses educandos. Não obstante o percurso formativo do Plano de Curso não estar sendo devidamente seguido por todos os docentes, nem de forma integrada, esse projeto tem sido uma ação afirmativa para as populações do campo com identidade quilombo-la, em atendimento à Lei 10.639/03, e, sem dúvida, faz parte de um conjunto de ações reparadoras para os afrodescendentes, que tiveram e têm seu direito à educação interditado ao longo da história nacional.

É necessário, portanto, não deixar de enfatizar a importância do trabalho social que vem sendo realizado através da criação dessa turma e dos esforços da Instituição para garantir a permanência dos estudan-tes quilombolas (bolsa, alimentação, residência, etc).

Esta experiência merece novos estudos, com tempo maior de observação e análise. Este artigo é o primeiro trabalho realizado so-bre esse Curso. Esperamos que sirva tanto para aperfeiçoá-lo, a partir dos pressupostos teóricos que inspiraram sua efetivação, quanto para instigar a produção de novos trabalhos científicos e referenciar expe-riências futuras.

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Capítulo II

Práticas pedagógicas e enfoque agroecológico

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• Agricultura camponesa na Amazônia

Paraense: luta por autonomia e resistência num contexto de

invisibilidade

Romier Sousa; Hueliton Azevedo;

Cleoson Reis; Priscila Pereira.

1 . Introdução

A visão hegemônica de agricultura tem, ao longo do tempo, reduzido os camponeses a condição de vítimas do capitalismo como também tem lhes usurpado o papel de sujeitos da história. Até mes-mo entre as teorias da modernização e as neomarxistas ocorrem similaridades quando analisam a agricultura camponesa, deslocan-do o fenômeno camponês para a periferia e escondidos da história (LONG; PLOEG, 2009). Essas duas perspectivas representam po-sições ideologicamente opostas – a primeira (teoria da moderniza-ção) adere a um ponto de vista reconhecido como liberal e acredita, em última instância, nos benefícios do gradualismo e no efeito de transbordamento. A segunda (teoria marxista) adota um ponto de vista considerado radical e concebe o desenvolvimento como um processo inerentemente desigual, envolvendo a exploração continu-ada das sociedades periféricas.

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Numa outra perspectiva, Long e Ploeg (2009), analisam esses dois modelos como similares no sentido em que ambos concebem o desenvolvimento e as mudanças sociais como emergindo primeira-mente dos centros de poder sob a forma de intervenções pelo estado ou por interesses internacionais, e seguindo um caminho determi-nado e abrangente de desenvolvimento, guiado por estágios de de-senvolvimento ou pela sucessão de modos de produção dominantes. Essas forças externas restringem a vida das pessoas, reduzindo sua autonomia e, no final, subestimando formas nativas ou locais de co-operação e solidariedade, resultando em uma crescente diferenciação socioeconômica e em um maior controle centralizado de grupos, ins-tituições e empresas econômicas e políticas poderosas. Nesse senti-do, não parece importar muito se a hegemonia do estado é baseada na ideologia capitalista ou na ideologia socialista: a verdade é que sempre ocorrem tendências similares em busca de uma crescente in-corporação e centralização.

Em função disso, Long e Ploeg (2009) argumentam que os dois modelos (modernização e neomarxista) são contaminados por visões deterministas, lineares e externalistas das mudanças sociais. Assim, segundo essas visões dominantes os camponeses são compreendidos como obstáculos ao desenvolvimento (teoria neoliberal) como tam-bém sujeitos passivos e subalternos da história (teoria neomarxista). Dessa forma, o modo camponês de fazer agricultura tem sido am-plamente negligenciado, visto que não são analisadas as formas como estão envolvidos e praticam a agricultura (PLOEG, 2008).

No caso da Amazônia vem sendo verificado que este modo de produção possui elevada eficiência reprodutiva. Para Costa (1995) esta característica representa uma expressão formal da eficiência da unidade camponesa enquanto um microssistema orientado por uma racionalidade que procura garantir um padrão de consumo, cultural e historicamente estabelecido, com o mínimo de risco e o menor esforço

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possível. Isso implica na elucidação de uma das questões mais contro-versas no debate sobre campesinato no capitalismo que refere-se a sua capacidade de permanência[53].

Diante desta constatação, o presente texto objetiva, a partir da experiência vivenciada no Estágio de Imersão no Meio Rural do curso de Agronomia do IFPA – Campus Castanhal, refletir como o cam-pesinato pratica e se envolve na agricultura da Amazônia Paraense e como luta por autonomia e sustentabilidade em um contexto de “espa-ços” (sociopolítico e econômico) marcados por relativa invisibilidade.

2 . Metodologia

O estudo foi realizado no Projeto de Desenvolvimento Susten-tável – PDS Esperança, localizado no município de Anapú, Mesorre-gião do Sudoeste Paraense. Os dados e informações foram coletados durante o percurso da disciplina Estágio Curricular Supervisionado, de Imersão no Meio Rural, do curso de Agronomia do Instituto Fe-deral de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – IFPA – Campus Castanhal, Estado do Pará, na modalidade de vivência em estabeleci-mentos agrícolas familiares.

O estágio consistiu-se em três etapas: a) A primeira foi a elabo-ração coletiva da proposta do instrumental de análise baseado no pri-meiro Eixo Norteador do Curso de Agronomia (O Homem e o Meio Biofísico Amazônico) a ser aplicado em campo de acordo com o Projeto Pedagógico do Curso (PPC, 2010). Este instrumental compunha-se de questões problematizadoras, com intuito de possibilitar orientações bá-sicas aos educandos para a leitura da realidade vivenciada (IAC, 2011).

[53] Essas controvérsias se deram entre as perspectivas teórica marxista e Chayanoviana. Para Marx, as unidades camponesas possuíam uma incapacidade estrutural de permanência. Por outro lado, para Chayanov, os camponeses têm um modo próprio de investir, o que o fez elaborar uma “teoria do investimento camponês”. Ver Costa, F. A. O investimento camponês: Considerações teóricas. Revista de Economia Política. Vol. 15 n. 1. 83-100p. 1995.

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Na segunda etapa, foi realizada a vivência propriamente dita. Esse momento consistiu-se na distribuição dos educandos nas casas de famílias pré-selecionadas por membros da Coordenação de Está-gio Supervisionado (COES) do IFPA – Campus Castanhal e inte-grantes da organização social do PDS Esperança, onde os estudantes vivenciaram durante 13 (treze) dias, no mês de agosto de 2011, o dia-a-dia das famílias agricultoras. Neste sentido, procurou-se anali-sar em profundidade a dinâmica de sua vida cotidiana, que para Pes-soa (1999), este fator (o cotidiano) é inerente ao social enquanto ca-tegoria, pois a vida cotidiana não esta fora da história, mas no centro do acontecer histórico: é a verdadeira essência da substância social. Outro elemento que os educandos puderam observar foi como se processam o funcionamento do sistema social produtivo, a partir do acompanhamento diário das atividades desenvolvidas pelas famílias, tanto internas (processos produtivos, organização do trabalho, etc.) quanto externas (comercialização, relação com outras famílias, etc.). Além disso, foi possível presenciar ações da organização política dos agricultores no território.

Durante o envolvimento com a dinâmica da família procurou--se verificar o conjunto das práticas e intervenções na organização do trabalho e da produção. Procurou-se também, verificar a lógica de suas tomadas de decisões a partir dos objetivos traçados pela família e como eles estão envolvidos na agricultura considerando as condições históri-cas, culturais e biofísicas do território. Ainda nessa etapa foi realizada a socialização da vivência no PDS Esperança. Esse momento se ca-racterizou pelos depoimentos e reflexões dos estudantes e das famílias sobre a experiência vivenciada nos estabelecimentos agrícolas. As re-flexões desenvolvidas neste trabalho partem da experiência realizada em 4 (quatro) famílias durante o período do estágio supervisionado.

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Durante o percurso da vivência no estabelecimento agrícola foram utilizadas as técnicas de entrevistas semi estruturadas com as famílias visando a coleta de informações e o registro das questões le-vantadas anteriormente na preparação do Estágio. Esta metodologia de coleta de informações caracterizou-se pela conversação continuada entre os agricultores e o educando tendo sido dirigida de acordo com o instrumental de análise construído coletivamente no primeiro mo-mento do estágio (QUEIROZ, 1988).

Recorreu-se também ao método da observação participante que consistiu no envolvimento do educando no interior do grupo observado, tornando-se parte dele, interagindo por vários dias com os sujeitos da pes-quisa, buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação. Nesse sentido, procurou-se unir o objeto ao seu contex-to, contrapondo-se ao princípio de isolamento no qual fomos formados. Dessa forma buscou-se, como definido por Queiroz (2007), “integrar o observador à sua observação e o conhecedor ao seu conhecimento”.

O estudo realizado consistiu em uma pesquisa qualitativa, tendo sido direcionada ao longo do seu desenvolvimento no decorrer da vi-vência, não tendo seguido um plano previamente estabelecido. Nessa perspectiva, seguiu-se o proposto por Neves (1996), de que a pesquisa qualitativa constitui-se da coleta de dados descritivos da realidade ob-servada mediante contato direto e interativo do pesquisador com a si-tuação que representa o objeto de estudo. Busca-se também nesse tipo de pesquisa, entender os fenômenos segundo a perspectiva dos partici-pantes da situação estudada e, a partir disso, situar a interpretação dos fenômenos problematizados. Na terceira etapa ocorreu a avaliação do estágio no IFPA – Campus Castanhal, envolvendo a COES, gestão da Instituição, educadores e os educandos, e além disso, a construção do relatório de estágio como proposta de avaliação da disciplina.

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3 . Resultados e discussão

Os sistemas de produção analisados possuem características agrícolas ligadas às especificidades locais. Essas particularidades po-dem ser divididas em um contexto biofísico e um contexto humano.

3 .1 . O contexto biofísicoNo decorrer do estágio, assim como foi averiguado por Ploeg

(2008), percebeu-se que os camponeses utilizam um conjunto de es-tratégias de produção, reprodução e aprimoramento da base de recur-sos autogestionados.

Em relação as estratégias de produção, é comum os camponeses do PDS Esperança intercalarem cultivos para superar as limitações da sazonalidade do cultivo de cacau (Theobroma cacao L.), principal atividade monetária das famílias. Assim, é possível produzir diferentes produtos durante o ano de acordo com as necessidades das famílias e as influências edafoclimáticas característica de cada agroecossiste-ma[54]. Essas estratégias de produção são importantes para o sustento da família na medida em que utilizam melhor a força de trabalho e promovem a alocação de recursos produzidos durante o ano todo.

No que tange as estratégias de reprodução dos recursos, na me-dida em que eles são elaborados, direcionam-se para múltiplas fina-lidades como a troca por outros produtos de interesse, a venda para vizinhos e para o mercado, o auto consumo e o armazenamento para plantio nos próximos ciclos. Este último possui relevante importância no processo de retroalimentação do sistema produtivo. Essa estratégia de reprodução interna dos recursos possibilita a menor abertura do sistema de produção, minimizando as necessidades por insumos ex-

[54] Os agroecossistemas são comunidades de plantas e animais interagindo com seu ambiente físico e químico que foi modificado pela ação humana para produzir alimentos, fibras, com-bustíveis e outros produtos para o seu consumo e utilização (ALTIERI, 2012).

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ternos, consolidando a autonomia e a resistência ao contexto adverso que a envolvem.

Nessa perspectiva, esses fluxos relativamente autônomos de re-cursos produzidos e reproduzidos na própria unidade agrícola para Ploeg (2008) é uma forma camponesa de estruturação típica. Assim, os recursos podem ser mobilizados através de mercados diferentes, mas também podem ser produzidos e reproduzidos dentro da pro-priedade, podendo ser aplicado a todos os recursos sociais e materiais relevantes. Esses recursos podem ser obtidos através de transações de mercados e, consequentemente, entrar no processo de produção como mercadorias, ou ser produzidos e reproduzidos na própria uni-dade agrícola. Desse modo, apenas uma parte da produção total é vendida, sendo a outra parte reutilizada no próprio estabelecimento agrícola. Estes recursos reutilizados no interior da unidade agrícola retornam aos ciclos futuros, criando uma forma de autossuficiência que não está relacionado com o consumo familiar de alimentos, mas com o funcionamento do sistema de produção como um todo, con-forme ilustrado na figura 01.

Figura 01 - Os fluxos básicos da agricultura.

Fonte: Ploeg (2008).

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Sob a luz do enfoque agroecológico essa diversificação produtiva representa a habilidade do sistema de manter um funcionamento sus-tentável (GLIESSMAN, 2005). Esse enfoque também preconiza que um sistema agrícola é considerado sustentável se conservar a base de recursos naturais e continuar a satisfazer as necessidades das famílias camponesas (ALTIERI, 2012). Portanto, a diversidade e a reprodução interna dos recursos (retroalimentação), em um agroecossistema, são fundamentais para sua sustentabilidade.

No que concerne às estratégias de aprimoramento dos recursos, a partir desse processo de produção e reprodução interna dos recursos, estes são ao longo do tempo melhorados e adaptados. É recorrente a utilização de sementes das plantas mais produtivas e vigorosas; a obtenção de cultivares mais resistentes a problemas de ordem edafo-climáticas, entomológicas e fitopatológicas; o plantio de determinadas culturas em locais do estabelecimento agrícola mais apropriado ao seu desenvolvimento e seleção dos animais mais produtivos. Esse aprimo-ramento da base de recursos permite entender que esses sistemas de produção não são entidades produtivas estagnadas, ao contrário, elas estão em constante processo de evolução. Estas mudanças segundo Norgaard (1989) refletem as decisões dos povos, condicionados por seus valores, crença, organização e tecnologia. Assim, elas se tratam de um processo de coevolução entre o homem e a natureza viva.

Estas estratégias possuem uma natureza artesanal, uma cen-tralidade da artesanalidade e a predominância da produção familiar. Tratam-se de relações de co-produção[55] que segundo Ploeg (2008) são promotoras desse processo coevolutivo. Essas características con-tribuem grandemente para a sustentabilidade do sistema de produção, visto que a centralidade da artesanalidade caracteriza-se pela utiliza-

[55] Consiste na interação e transformação mútua constante entre o homem e a natureza viva (PLOEG, 2008).

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ção de energia cultural biológica[56] no estabelecimento agrícola. O fato de utilizar esse tipo de energia contribui para um balanço ener-gético positivo do sistema de produção e para a manutenção das bases físicas que garantem a sustentação dos processos produtivos.

Paralelo a esse conjunto de estratégias acima relacionadas, as fa-mílias desenvolvem uma séria de atividades que proporcionam uma elevada diversidade do sistema de produção. No subsistema extrativista são coletados óleos, cipós, madeira, exsudados, aves silvestres e peixes. No subsistema de cultivo é produzido o cacau, o feijão-caupi (Vigna spp.), feijão (Phaseolus spp.), a mandioca (Manihot esculenta Crantz.), o milho (Zea mays L.), o arroz (Oryza sativa L.), a banana (Musa spp.), a acerola (Malpighia glabra L.), a laranja (Citrus sinensis L.), o abacaxi (Ananas comosus L. Merril) e o açaí (Euterpe oleracea Mart.). No subsis-tema de criação são criados patos (Cairina moschata), galinhas (Gallus gallus domesticus) e peru (Meleagris sp.). No subsistema de processamen-to existem as câmaras de secagem, localmente conhecidas como estufas, que servem para a desidratação do cacau. Esses subsistemas estão or-ganizados de forma aleatória em uma lógica não ordenada de explora-ção, caracterizando-se em uma estrutura e dinâmica de funcionamento complexas onde se desenvolve práticas heterogêneas.

Essa diversidade da produção é relevante, já que ocorrendo quebra em uma produção causada por condições mutáveis do meio biofísico (fatores climáticos, por exemplo), as outras produções po-dem sustentar a família, ou seja, o agricultor não depende única e ex-clusivamente de uma renda. Dessa forma, esses sistemas de produção caracterizam-se por elevada resiliência[57]. Além disso, as atividades expressam pouco desempenho econômico quando analisadas de forma isolada, mas quando consideradas em seu conjunto tornam-se signi-

[56] No sentido de Gliessman (2005) como sendo toda energia de ordem biológica (o trabalho humano, o esterco animal, a biomassa vegetal, etc.).[57] Capacidade do agroecossistema de se recuperar e retornar ao mesmo estado após perturbações.

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ficativas. As atividades que não respondem por aquisição monetária também são usadas como parte importante nas respostas às deman-das das famílias, visto que garantem suprimento de grande parte de sua alimentação. Dentro desse contexto de diversificação da produção, uma estratégia importante que é utilizada é o beneficiamento, visto que este exercício possibilita o processamento dos produtos agregando valor aos mesmos.

3 .2 . O contexto humanoFator importante a ser destacado são as formas de cooperação

existente entre os camponeses. Podem ser observados entre as famílias relações de trocas de produtos agrícolas (sementes e alimentos), troca de trabalho através de ajuda mutua no processo de colheita do cacau e a comercialização conjunta da produção. Segundo Ploeg (2008) os padrões de cooperação contribuem para enfrentar o ambiente ecoló-gico severo, as circunstâncias econômicas adversas e a insuficiência de força de trabalho.

Outro aspecto percebido é a racionalidade ecológica e repro-dução socioambiental dessas famílias. Os cultivos são desenvolvidos em épocas onde as condições edafoclimática são condizentes com as exigências das culturas. Esses cultivos vão sofrendo alterações na localização da parcela cultivada devido mudanças das propriedades físico-químicas do solo, etc. Assim, o meio de vida desses atores e suas práticas estão intimamente ajustadas as especificidades dos agro-ecossistemas em que vivem. Nessa perspectiva, Petersen et al (2009) afirmam que o reconhecimento da importância dos saberes locais dos agricultores e sua capacidade de gerar novidades[58] mostram que estes

[58] Entendida como a expressão da capacidade da ação local regulada, modificada e coorde-nada pelo processo de trabalho. Isso revela não somente a criatividade e experimentação reali-zada pelos agricultores, como também sua capacidade permanente para absorver e reelaborar ideias externas e tecnologias (PLOEG et al, 2004).

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estão longe de ser a manifestação de atraso cultural a ser superado, tal como apregoado pela ideologia da modernização.

As famílias analisadas possuem tempo diferente de trabalho na agricultura, tendo algumas delas trabalhado em atividades não agrí-colas. Durante a vivência percebeu-se diferenças quanto a quantidade e a qualidade do trabalho desenvolvido pelos diferentes agricultores. Aqueles com mais tempo na agricultura, possuíam maior habilidade e domínio técnico das atividades que desenvolviam em relação aos de-mais. O melhor manejo da cultura do cacau, a habilidade na colheita e processamento, o tempo desprendido para o plantio e a utilização de artifícios coparticipes no processo de produção são exemplos dessas atividades. Assim, observa-se o verificado por Ploeg (2008), onde as-sinala que o desenvolvimento da agricultura camponesa acontece tipi-camente pela intensificação baseada no trabalho a partir da melhoria da eficiência técnica e a utilização de fatores de produção e insumos por objeto de trabalho.

Durante a vivência uma dificuldade imposta na relação com os moradores é o entendimento de muitas expressões e suas repre-sentações semânticas utilizadas comumente por eles. Os agriculto-res utilizavam a expressão “linha” para se referir a uma unidade de medida usada no plantio das culturas. Após perguntas informais percebeu-se que se tratava de uma unidade de medida de área que corresponde ao mesmo tamanho da tarefa (55mx55m) utilizada por agricultores do nordeste paraense. Outra palavra é o “pinhão” que é usada para se referir a raiz pivotante das plantas de cacaueiro. A “lavoura crua” é outra expressão bastante utilizada para se referir a áreas já desmatadas e destocadas onde o preparo para o plantio é feito sem a utilização do fogo.

Muitas outras expressões são utilizadas e possuem, de acordo com o contexto em que são empregadas, diferentes conotações, po-dendo assim assumir vários significados. Isso reflete a construção de

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repertórios culturais locais construídos a partir do processo de produção material de existência dos moradores em interface com a natureza. Re-flete ainda a formação de uma rede de significados compartilhados pró-pria da população local, que constitui parte de seu mundo de vida, que impõe certas limitações de entendimento sobre pessoas advindas de outros locais. Assim, deparou-se durante a vivência com um contexto humano com especificidades culturais que, longe de ser a representa-ção do atraso cultural a ser superado, possuem atributos particulares que precisa ser entendido e valorizado. Isso, segundo Reijntjes (1994), também demonstra que a agricultura está intrinsecamente ligada à cultura e à história.

Durante o trabalho com os agricultores na lavoura de cacau, percebeu-se a utilização de denominações de diferentes solos uti-lizadas para classificá-los. O agricultor chamava de “solo roxo” para aqueles de coloração rubro, de “solo misto” para aqueles menos fér-teis e com pedregosidade mais acentuada e coloração mais amare-lada e “solo de baixo” para aqueles mais hidromórficos (Gley solo) localizado nas áreas mais alagadas, geralmente próximo aos córregos. Essas classificações são utilizadas para plantar as culturas em solos mais apropriados às suas características agronômicas. Casos como do plantio de mandioca que não são feitos em solo roxo devido a gran-de dificuldade de extração dos tubérculos no momento da colheita, são exemplos disso. Provavelmente este fenômeno está relacionado a composição textural do solo (muito argiloso) que o torna muito “pe-sado” e dificulta o arranquio. Outro fator observado é que o agricul-tor não planta o feijão no período do luar devido, segundo ele, tornar o feijão propenso ao ataque de gorgulho (Callosobruchus maculatus) após a colheita. Verifica-se assim, a existência de uma culturaleza caracterizada por uma representação, interpretação e manejo da na-tureza próprio da população local.

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4 . Considerações finais

A análise da dinâmica de vida dos agricultores a partir da elu-cidação da forma como se envolvem e praticam a agricultura permi-te a desmistificação da compreensão da condição camponesa. Assim, possibilita compreende-los como agentes que, a partir dos processos de intervenção na organização do trabalho e da produção, introduzin-do sucessivas alterações, promove uma resistência oculta de natureza complexa diante de um ambiente hostil.

Dessa forma, ao contrário do que preconizam as noções domi-nantes de agricultura, os camponeses são atores que promovem uma luta constante na construção da autonomia e da sustentabilidade. Essa resistência promovida nos estabelecimentos familiares camponeses necessita de uma visão para além de entender a soma das partes, para compreender o todo, como apregoado nas visões modernizante e mar-xista da agricultura, mas em sua perspectiva sistêmica, como têm tem sido discutida a partir do enfoque da agroecologia.

5 . Referências Bibliográficas

ALTIERI, M. Agroecologia: Bases científicas para uma agricultura sustentável. 3ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: Processos ecológicos em agricul-tura sustentável. 3ª ed. Porto Alegre. Editora da UFRGS, 2005.

INSTITUTO FEDERAL DO PARÁ – CAMPUS CASTANHAL. Instrumental de Campo do Estágio. Castanhal – PA: Coordenação de Estágio Supervisionado (COES), 2011.

LONG, N.; PLOEG, J. D. van der. Heterogeneidade, ator e estru-tura: para a reconstituição do conceito de estrutura. In: BOOTH, D.

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(ed.) Rethinking Social Development: theory, research and practice. England, Longman, 1994, p. 62-90. PGDR/UFRGS: Porto Alegre, 2009.

NORGAARD, R. B. As bases epistemológicas da agroecologia. In: ALTIERI, M. A. (ed). Agroecologia: as bases científicas para agricul-tura alternativa. Rio de Janeiro: PTA/FASE, 1989.

PESSOA, J. M. A revanche camponesa. Goiânia: Editora da UFG, 1999.

Petersen, Paulo; Dal Soglio, F. K; Caporal, F. R. A construção da ciên-cia a serviço do campesinato. In: PETERSEN, Paulo (org.). Agricul-tura Familiar camponesa na construção do futuro. Rio de Janeiro: ASPTA, 2009.

PLOEG, J. D. van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Tradução de Rita Pereira. Porto Alegre: UFRGS, 2008.

______; BOUMA, J.; RIP, A.; RIJKENBERG, F. H. J.; VENTURA, F.; WISKERKE, J. S. C. On regimes, novelties, niches and co-produc-tion. In: WISKERKE, J. S. & PLOEG, J. D. van der. Seeds of transi-tion; essays on novelty production, niches and regimes in agriculture. Assen: Van Gorcum, 2004. 1-30.

INSTITUTO FEDERAL DO PARÁ – CAMPUS CASTANHAL. Projeto político pedagógico do curso de engenharia agronômica . Castanhal - PA.: Departamento Educacional, 2009.

REIJNTJES, C.; HAVERKORT, B.; WATERS-BAYER, A. Agri-cultura para o futuro: uma introdução a agricultura sustentável e de baixo uso de insumos externos. Trad. John Cunha Comerford. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1993.

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• O uso de agrotóxicos no nordeste

paraense: a necessidade da geração de inovações para a agricultura familiar

camponesa

Priscila Rollo;Hueliton Azevedo;

Karina Leão;Franciara Silva;

Romier Sousa

1 . Introdução O uso dos agrotóxicos data de períodos remotos. Sua utilização

é percebida desde 1.000 anos a. C., com o uso do enxofre elementar que era extraído das rochas, para controle de pestes agrícolas. Na idade média, por volta do ano 1705 d. C., o cloreto de arsênio e o mercúrio eram usados para combater o carvão do milho, uma doença que ataca-va as espigas dessa cultura deixando-as totalmente tomadas por uma massa de fungos negros. O sulfato de cobre e a nicotina são usados desde o século XVIII, para o tratamento da mesma doença (GON-ÇALVES, 2004).

De acordo com a Lei nº 7802 de 11 de julho de 1989:

Os agrotóxicos são produtos e agentes de processos físicos, quími-cos ou biológicos destinados ao uso nos setores de produção, no

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armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas nas pas-tagens, na proteção de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja fi-nalidade seja alterar a composição da fauna ou da flora, com intuito de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias de produtos empregados como desfolhan-tes, estimuladores e inibidores do crescimento (BRASIL, 1989).

No século XIX a rotenona, uma substância química inodora, que ocorre naturalmente nas raízes de várias plantas, era usada pelos ín-dios para a pesca. No ano de 1825, Faraday sintetiza o hexaclorociclo hexano (HCH ou BHC) e entre os anos de 1933 e 1942 suas pro-priedades inseticidas são descobertas por pesquisadores americanos, franceses e ingleses. Em 1873, o cientista Alemão Othmar Zeilder sintetiza o DDT (dicloro difenil tricloroetano) e suas propriedades inseticidas são descobertas em 1939 por Müler. Em 1942, o primeiro organofosforado denominado shradam foi sintetizado por Scharader para fins de guerra e após esse conflito armado passa a ser usado como agrotóxico (GONÇALVES, 2004).

No Brasil, após a década de 60, o emprego desses insumos quí-micos na atividade agrícola passou a se apresentar de forma proemi-nente e se estabeleceu com consistência. Durante as décadas de 70 e 80, houve um aumento significativo no uso de insumos químicos na produção agropecuária brasileira. Segundo Caporal (2009), o Brasil em 2008 alcançou o montante recorde de US$ 7, 125 bilhões, passan-do a ocupar o primeiro lugar em gastos com veneno. O autor ressalta ainda que a quantidade de agrotóxicos consumida no mesmo ano foi de 733,9 milhões de toneladas o que corresponde ao consumo de 3,9 toneladas de agrotóxicos por habitante.

Nas últimas décadas a agricultura brasileira, inclusive a agri-cultura praticada no estado do Pará vem passando por um processo

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de “modernização”, isso tem gerado forte estímulo ao uso intensivo de agrotóxicos. Este fato torna-se preocupante ao associarmos as dimensões do Pará e ao número considerável de agricultores fami-liares presentes somente na mesorregião do Nordeste Paraense. De acordo com os dados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE no ano 2000, esta parcela da população contabiliza um total de 237,25 mil pessoas, 11,65% superior ao contingente populacional urbano da região. Assim como no cenário nacional, esses agriculto-res são responsáveis por grande parte da produção de alimento con-sumido pela população dessa unidade regional e possuem grande importância para o estado.

Devido à existência de racionalidades ecológicas no campo, os agricultores possuem grande capacidade de gerar novidades[59]. Essas racionalidades expressam as estratégias de produção econô-mica e reprodução socioambiental resultantes da capacidade dessas populações rurais de ajustar seus meios de vida aos ecossistemas em que vivem e produzem (PETERSON et al, 2009). Em função disso, concomitantemente à utilização de agrotóxicos, alguns agricultores lançam mão de artifícios de controle de pragas e doenças alterna-tivos. Geralmente esses defensivos naturais são produzidos a partir de subprodutos obtidos no próprio estabelecimento agrícola, como forma de diminuir o emprego de insumos externos e evitar consequ-ências negativas no ambiente.

Nesse sentido, o objetivo deste texto é apresentar os resultados de pesquisa realizada no Nordeste do Pará sobre a vulnerabilidade dos agricultores em relação ao uso dos agrotóxicos, apontando os prejuízos causados à saúde humana, assim como os efeitos perniciosos provoca-

[59] Entendida como a expressão da capacidade da ação local regulada, modificada e coorde-nada pelo processo de trabalho. Isso revela não somente a criatividade e experimentação rea-lizada pelos agricultores, como também sua capacidade permanente de absorver e reelaborar ideias externas e tecnologias (PLOEG et al, 2004).

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dos ao meio ambiente em função do uso indiscriminado destes pro-dutos. Procura-se, ainda, elencar algumas alternativas de controle de pragas e doenças adotadas pelos agricultores.

2 . O uso de agrotóxicos, seus impactos e experiências alternativas

O Brasil apresenta propensão à utilização dos agrotóxicos, de-vido ser um país com grande produção agrícola. O uso destes pro-dutos em todo o mundo tem gerado inúmeros impactos negativos para a saúde humana. Segundo Moreira (2002), o ser humano pode ser afetado diretamente pelos agrotóxicos, por meio do contato do organismo com estas substâncias, ou ainda indiretamente, como por exemplo, por intermédio da ingestão de alimentos contaminados por esses agentes químicos. De acordo com este autor, três vias principais são responsáveis pelo impacto direto da contaminação humana por agrotóxicos, sendo elas:

• A via ocupacional, que se caracteriza pela contaminação dos tra-balhadores que manipulam essas substâncias. Esta contaminação é observada tanto no processo de formulação (mistura e/ou diluição dos agrotóxicos para uso), quanto no processo de utilização (pul-verização, auxílio na condução das mangueiras dos pulverizadores – a “puxada” – descarte de resíduos e embalagens contaminadas, etc.) e na colheita (onde os trabalhadores manipulam/entram em contato com o produto contaminado). Embora atinja uma parcela mais reduzida da população (os trabalhadores – rurais ou guardas de endemias, por exemplo – que manipulam estes produtos em seu processo de trabalho), esta via é responsável por mais de 80% dos casos de intoxicação por agrotóxicos, dada à intensidade e à frequência com que o contato entre este grupo populacional e o produto é observado.

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• A via ambiental, que por sua vez caracteriza-se pela dispersão/dis-tribuição dos agrotóxicos ao longo dos diversos componentes do meio ambiente: a contaminação das águas, através da migração de resíduos de agrotóxicos para lençóis freáticos, leitos de rios, córre-gos, lagos e lagunas próximos; a contaminação atmosférica, resul-tante da dispersão de partículas durante o processo de pulverização ou de manipulação de produtos finamente granulados (durante o processo de formulação) e evaporação de produtos mal estocados; e a contaminação dos solos. A compreensão da contribuição da via ambiental é de fundamental importância para o entendimento da contaminação humana por agrotóxicos. Acredita- se que um maior número de pessoas estejam expostas através desta via em relação à via ocupacional; entretanto, o impacto resultante da contaminação ambiental é, em geral, considerado menor que o impacto resultante da via ocupacional.

• Por fim, a via alimentar que caracteriza-se pela contaminação re-lacionada à ingestão de produtos impregnados por agrotóxicos. O impacto sobre a saúde provocado por esta via é, comparativamente, menor, devido a diversas razões, tais como: a concentração dos re-síduos que permanece nos produtos; a possibilidade de eliminação dos agrotóxicos por processos de beneficiamento do produto (co-zimento, fritura e etc.); o respeito ao período de carência, etc. Esta via atinge uma parcela ampla da população urbana.

No que se refere à ação dos agrotóxicos ao meio ambiente, uma questão preocupante é que os defensivos químicos empregados no controle de pragas são pouco específicos, destruindo indiferentemente espécies nocivas e úteis. Outro problema reside no acúmulo ao longo das cadeias alimentares. Assim, por exemplo, as minhocas alimentan-do-se de grandes quantidades de folhas mortas e ingerindo partículas do solo, acumulam no seu organismo grandes quantidades de insetici-

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das clorados; as aves que se alimentam de minhocas, como as galinhas, passam a ingerir grandes quantidades de venenos e assim sucessiva-mente nos demais constituintes da cadeia. Os riscos de agrotóxicos na cadeia alimentar foram relatados em um importante trabalho publi-cado por Carson (1962). Outro fator negativo relevante é o tempo de decomposição dos materiais usados como embalagens dos agrotóxi-cos, como o plástico que pode durar de 100 a 500 anos no ambiente.

As externalidades negativas relacionadas diretamente ao uso de agrotóxicos, segundo Caporal (2009), constituem um problema de di-fícil equacionamento se não houver mudança no padrão técnico da agricultura. O autor ressalta que enquanto o modelo convencional continuar sendo adotado os impactos dos venenos agrícolas à saúde e ao meio ambiente não serão resolvidos, nem mesmo com o chamado “uso adequado” ou mediante “ações educativas para o bom uso”, o que está sendo amplamente demonstrado pela realidade.

Paralelo a isso, estratégias vêm sendo utilizadas por alguns agri-cultores como forma de reduzir e até mesmo substituir os venenos químicos. Dentre essas iniciativas, podemos citar os policultivos e os sistemas agroflorestais. Tais sistemas se baseiam numa maior diversi-dade de espécies, como consequência, se tem a possibilidade de haver menor infestação da vegetação espontânea gerando assim menor ne-cessidade de controle, além disso, estes sistemas são menos acometidos por pragas e doenças, ocasionando dessa forma a redução do emprego de agrotóxicos. Pode-se apontar ainda, a prática de cultivos de cober-tura e a realização de cobertura morta nos sistemas de produção; esse tipo de manejo também reduz drasticamente a população de plantas espontâneas, suprime pragas e patógenos e contribui ainda, como pro-teção e fonte de matéria orgânica para o solo. Nessa mesma perspec-tiva, tem-se ainda, a utilização da rotação de culturas, o cultivo com o mínimo revolvimento da estrutura do solo e o controle biológico por meio do manejo dos habitats (ALTIERI, 2012).

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Já como mecanismos de substituição do controle convencional se têm os denominados defensivos naturais ou alternativos. De acordo com Fernandes (2008) esses defensivos podem ser classificados em: (a) fertiprotetores, que são produtos que fornecem nutrientes às plan-tas, influenciando positivamente no processo metabólico das mesmas, além de contribuírem para o controle de parasitas. Aí se incluem bio-fertilizantes líquidos, caldas (sulfocálcica, viçosa e bordalesa), urina de vaca, leites etc.; (b) os protetores, que são os produtos que agem dire-tamente no controle dos fitoparasitas, como os agentes de biocontrole, os extratos vegetais, os feromônios e etc.

Feito esse apanhado, observa-se as implicações negativas para a relação sociedade/natureza decorrentes da utilização desses artifí-cios químicos de controle e combate a pragas, doenças e organismos espontâneos tanto à saúde humana quanto ao meio ambiente. Cor-roborando com o averiguado por Fernandes (2008) percebe-se ainda que, cada vez mais tem crescido a busca por estratégias ecológicas de controle de pragas e doenças como reflexo da necessidade de conciliar a viabilidade econômica da propriedade agrícola com o equilíbrio eco-lógico desse ambiente.

3 . Metodologia

O método utilizado para a construção deste trabalho consis-tiu em um estudo de caso. De acordo com o que descreve Venturas (2007), o estudo de caso, visa a investigação de um caso específico, bem delimitado, contextualizado em tempo e lugar para que se possa realizar uma busca circunstanciada de informações.

Este estudo seguiu uma sequência ordenada de elaboração como o proposto por Gil (1995). Segundo o autor, o estudo de caso não aceita um roteiro rígido para a sua delimitação, mas é possível definir quatro fases que mostram o seu delineamento: a) delimitação da uni-

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dade-caso; b) coleta de dados; c) seleção, análise e interpretação dos dados; d) elaboração do relatório.

Seguindo essa proposta, a delimitação do estudo, resultou do diálogo com os educandos concluintes do curso de nível Técnico Agropecuário integrado ao ensino médio do Campus Castanhal do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) no decorrer da disciplina de Extensão Rural. O intuito de promo-ver este estudo foi de utilizar a pesquisa como princípio educativo, que para Rollo et al (2012), constitui-se em um forte elemento na formação dos profissionais das Ciências Agrárias, pelo fato de torná--los sujeitos responsáveis por refletir criticamente sobre a realidade e exercer autonomia na produção de conhecimentos para atuar de forma contextualizada.

A pesquisa utilizada neste trabalho baseou-se na perspectiva te-órica de Estumano et al (2012), que consiste numa prática humana cotidiana, uma forma de se relacionar/dialogar com o mundo, com a existência, investigando, refletindo e produzindo conhecimentos que permitam a ação sobre o mundo.

O estudo foi desenvolvido de forma exploratória para propor-cionar maior aproximação com o problema (motivação da pesquisa), com vistas a torná-lo mais explícito e construir hipóteses, bem como permitir o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições. A pesquisa foi planejada de forma muito flexível, para possibilitar a consideração dos mais variados aspectos relacionados ao fato estu-dado (GIL, 2002).

A pesquisa foi realizada em 16 municípios da mesorregião do Nordeste Paraense. Tendo sido entrevistados 52 agricultores familia-res de maneira aleatória durante o mês de outubro do ano de 2008.

A coleta dos dados foi operacionalizada pelos educandos a partir da aplicação de um questionário pré-elaborado. Após a coleta, foram minuciosamente condensados em tabelas para a verificação da frequ-

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ência de ocorrência de cada fenômeno. A análise se procedeu com o exame detalhado dos dados obtidos pela pesquisa de campo e sua conversão em termos percentuais de acordo com a constância de ocor-rência das informações.

A última etapa do estudo consistiu na sistematização dos dados obtidos pela pesquisa averiguando, de maneira correlacionada, as ca-racterísticas relevantes do objeto de estudo. A análise constitui-se de uma abordagem que combina uma avaliação qualitativa e uma quan-titativa de forma a possibilitar conclusões mais consistentes e contex-tualizadas.

4 . Resultados e discussão

O uso dos agrotóxicos no Nordeste Paraense tem se apresentado de maneira muito intensa. Cada vez mais os agricultores familiares vêm lançando mão desses produtos para o desenvolvimento de suas atividades agrícolas. Após a análise dos dados foi constatado que 100% dos agricultores entrevistados faziam uso de algum tipo de agrotóxico, o que reflete um índice preocupante. Isso tem gerado implicações ne-gativas tanto para a saúde das pessoas envolvidas quanto para o meio ambiente, visto que os agricultores relataram que, após as aplicações, observaram alguns problemas como dor de cabeça, irritação nos olhos e irritação na pele; além disso, a maioria destinaram inadequadamente as embalagens dos agrotóxicos na natureza.

Os dados a seguir demonstram o grau de exposição das pes-soas durante a aplicação dos agrotóxicos, pois nenhum deles utiliza todos os equipamentos de proteção individual (EPI) adequados. Do total dos entrevistados, 88,46% usam apenas partes dos equipamen-tos, o que não lhes confere total imunidade aos efeitos nocivos dessas substâncias ao permitir a exposição das pessoas ao contato direto com esses defensivos. Os demais 11,54% não utilizam nenhuma forma de

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proteção, o que se traduz em uma maior suscetibilidade desses traba-lhadores às consequências danosas que tais substâncias podem causar.

Em relação ao uso de EPI, Veiga et al (2007), relatam que a le-gislação brasileira é ingênua quando aceita que o uso universal de EPI é capaz de eliminar ou neutralizar a insalubridade, assumindo que a proteção do trabalhador ao usar o equipamento é eficiente. Nos casos estudados por esses autores, a proteção parcial implicou em contami-nação, porém a penalização dos responsáveis dependeria de uma fis-calização, que no Brasil está subdimensionada em relação ao número de casos. Os mesmos autores, afirmam, ainda, que os equipamentos empregados na agricultura não protegem integralmente o trabalhador.

Outro fato importante a ressaltar são os casos de envenena-mento que foram registrados pelo presente estudo, em que 21,15% dos trabalhadores citaram um ou mais sintomas de intoxicação (dor de cabeça, irritação nos olhos, irritação na pele e náuseas) e 78,85% não apresentaram sintoma imediato. Segundo o Ministério da Saú-de (2006), as intoxicações cujos sintomas surgem algumas horas após a exposição ao veneno, como no caso aqui exposto, são classificadas como intoxicações agudas, que produzem sintomas como dores de cabeça, náuseas, vômitos, dificuldades respiratórias, fraquezas, saliva-ção, cólicas abdominais, tremores, confusão mental, convulsões, entre outros. Assim, essas expressões sintomatológicas apresentadas pelos agricultores podem estar diretamente relacionadas à aplicação dos ve-nenos nos cultivos. Muito embora o índice de não intoxicados seja elevado, isso não anula a possibilidade das pessoas apresentarem danos futuros, em virtude do efeito acumulativo que os agrotóxicos possuem.

Rosa et al (2011) afirmam que a exposição dos agricultores à baixas doses de agrotóxicos podem desencadear efeitos variados na saúde humana (morte celular, citotoxidade, redução de viabilidade das células). As intoxicações decorrentes do uso desses insumos quí-micos podem ser classificadas como agudas, subagudas e crônicas,

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sendo que esta última caracteriza-se pela expressão sintomatológica tardia resultante do efeito acumulativo das substâncias tóxicas no organismo humano.

No que tange aos problemas ambientais, foram verificados dois fatores de grande importância: o destino das embalagens e a classifica-ção ambiental dos agrotóxicos. Referente ao destino das embalagens, 17,39% das pessoas lhes oferece um fim adequado, de acordo com a legislação, como a devolução ao local de compra, enquanto 82,61% destinam tais embalagens a locais não apropriados, como rios, o local da aplicação, guardam em suas residências ou queimam. Os vestígios de veneno contidos nessas embalagens mal acondicionadas e em con-tato com o ambiente pode implicar no que Carson (1962), aponta como o acúmulo de resíduos tóxicos ao longo das cadeias alimentares.

No que diz respeito à classificação ambiental dos agrotóxicos utilizados por esses trabalhadores, foi constatado que 61,11% desses produtos são considerados como produto muito perigoso (classe II) e 38,89% são classificados como produto perigoso (classe III), clas-sificação esta, definida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Desse modo, se percebe a gravidade do uso desses agro-químicos para o meio ambiente (ANVISA, 2010).

O meio ambiente pode ser acometido de várias formas pelo uso de agrotóxicos. A contaminação da água, dos solos, da atmosfera, das plantas e dos animais são exemplos da ação danosa decorrente do seu uso. O desequilíbrio ecológico ocasionado pelos agrotóxicos acarreta problemas à própria agricultura, agravando a proliferação de pragas e doenças com consequente necessidade de se usar maior quantida-de de produtos e/ou com maior toxicidade (AUGUSTO et al, 2011). Assim, a utilização e deposição de embalagens em locais inadequados somadas ao elevado nível de toxicidade desses venenos podem contri-buir na degradação ambiental das áreas dos agricultores destinadas à produção agrícola.

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No tocante à orientação recebida pelos agricultores para a aplica-ção do produto foram obtidas informações instigantes. Constatou-se que do total dos entrevistados, 12,07% seguem a orientação da emba-lagem. Averiguou-se, também, que 41,38% não recebem nenhum tipo de orientação e que 46,55% recebem orientação de alguma entidade de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER).

O número expressivo de agricultores que não recebem orien-tação (41,38%) e o contingente deles que se baseiam apenas pela prescrição da embalagem (12,07%) são resultados que demonstraram nitidamente a suscetibilidade das pessoas que manipulam esses pro-dutos químicos em relação aos possíveis efeitos danosos que poderão ser causados à saúde daqueles que o aplicam. Essa falta de orientação técnica para aplicação desses venenos por si só representa um fator negativo e se torna ainda mais grave quando combinada com a eleva-da toxidade (muito perigoso e perigoso) dos agrotóxicos encontrados. Além disso, como defendido por Caporal (2004), nem mesmo o aces-so às orientações que visem o bom uso desses insumos é capaz de dar cabo as suas implicações maléficas.

O elevado índice de pessoas que recebem orientação (46, 55%) de alguma instituição de ATER reflete os resultados das ações exten-sionistas. Estas se apresentam pautadas em uma tarefa difusionista, em que os profissionais a assumem acriticamente, em geral, trabalhando na difusão de tecnologias agrícolas, como os insumos químicos (CA-PORAL; COSTABEBER, 2004).

Em relação às formas de combate e controle alternativo de pra-gas e doenças os trabalhadores fazem uso de vários mecanismos visan-do a repelência ou diminuição do ataque de insetos-praga indesejados. Dos 52 entrevistados, 39 utilizam algum tipo de defensivo alternativo, porém o total dos métodos de controle alternativo empregados so-mam 43, devido existirem agricultores que utilizam mais de um tipo deles (TABELA 01).

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Tabela 01 - Tipo e frequência dos produtos usados como controle alternativo de pragas e doenças na mesorregião do Nordeste Paraense.

Produtos de controle alternativos FrequênciasTratos culturais 31Calda de nem 5

Plantio de leguminosas 2Tucupi 1

Tabaco, tucupi e sabão 1Cravo de defunto 1Suco de lagarta 1

Urina de vaca envelhecida 1Fonte: Trabalho de Campo, 2008.

São diversos os tratos culturais utilizados pelos agricultores, como: remoção manual dos insetos, roçagem, capina, cobertura morta, queima e substituição de plantas atacadas. Percebe-se que, de certa forma, há um esforço dos agricultores para não utilizarem insumos externos, principalmente pelo alto custo dos mesmos. No entanto, o aumento da penosidade do trabalho e os problemas com respos-tas efetivas dos tratamentos “alternativos” acabam por direcioná-los a maneira que consideraram mais “fácil” e “rápida” no controle desses organismos infestantes.

Verificou-se, no presente estudo, que o controle das ervas es-pontâneas é o principal motivo da utilização de agrotóxicos pelos agricultores. Este fato está relacionado às formas de cultivo e ma-nejo da vegetação realizado na região, caracterizado pelo plantio de monoculturas (milho, feijão e mandioca) com a utilização do mé-todo tradicional de preparo de área (derruba e queima), que acarre-ta a exposição do solo à incidência direta da luz solar, provocando o desenvolvimento demasiado dessas ervas. Outro elemento a ser considerado é a diminuição da mão de obra disponível na família

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para realização de capinas e, ainda, a penosidade desse trabalho, identificada pelos agricultores como um fator determinante. As-sim, vislumbra-se a necessidade premente de se criar inovações que sejam condizentes com o contexto biofísico e o contexto humano dessas localidades para garantir a sustentabilidade desses sistemas de produção.

Segundo Petersen et al (2009), a predominância da utiliza-ção de agrotóxicos está ligada a lógica de inovação tecnocientífica na agricultura, que configura-se como um instrumento de poder determinante para assegurar a contínua e crescente exploração dos recursos sociais e naturais dos territórios rurais. Essa lógica ocorre por motivação da racionalidade focada em lucros de curto prazo e colocada a serviço da acumulação do capital. Isso impõe custos so-cioambientais elevadíssimos para toda a sociedade, uma vez que os limites dos recursos naturais, a fragilidade dos ecossistemas, assim como, o bem-estar social não são variáveis consideradas na orien-tação do progresso tecnológico. Nessa perspectiva, a inovação deve ser repensada no sentido de dialogar com as situações existenciais concretas dos agricultores e das especificidades do sistema social produtivo de cada localidade.

Portanto, a atual estratégia de desenvolvimento rural pautada na agricultura modernizante e conservadora desconsideram as po-tencialidades endógenas, os atributos peculiares de cada localidade e gera implicações negativas para o processo de reprodução social no campo (MOREIRA; CARMO, 2004). Isso suscita, em face da realidade, o imperativo de se repensar essas estratégias a partir da adoção de um modelo de desenvolvimento rural sustentável basea-do nos princípios da Agroecologia pela sua possibilidade de trans-por esses problemas.

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5 . Conclusão Diante do exposto, quanto à utilização de agrotóxicos na agri-

cultura, é possível visualizar com a clareza dois problemas. O primei-ro, diz respeito ao grande risco à saúde das pessoas no campo, que manuseiam diretamente os produtos químicos e, aos que por ventura possam consumir os alimentos produzidos com este tipo de insumo. Já o segundo problema, também de elevada importância, refere-se aos impactos negativos gerados ao meio ambiente em decorrência das ca-racterísticas e emprego em escala desses venenos.

Estas problemáticas exigem um maior desenvolvimento e so-cialização de inovações locais (produzidas pelos agricultores) e tec-nicocientíficas (produzidas pela academia) como alternativas ao uso de agroquímicos, pois este tipo de ação mais que necessária, ainda caminha de maneira bastante tímida.

Em função disso, do uso tão preponderante dos produtos quí-micos e do reconhecimento de seus efeitos maléficos, pretende-se dar continuidade à pesquisa do presente tema, ampliando as discussões e ações de conscientização dos atores do campo, bem como, o avanço em estudos sobre as possibilidades de transição da agricultura conven-cional para agriculturas de base ecológicas.

6 . Referências

AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA . Nota Técnica sobre Livre Comércio de agrotóxicos e impactos à saúde humana . Brasília, 2010.

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CAPORAL, F. R. Em defesa de um plano nacional de transição agroecologica: compromisso com as atuais e nosso legado para as futuras gerações. In: Seminário Estadual e Seminário Internacional sobre Agroecologia. X e IX, respectivamente. Porto Alegre, 35 p. 2009.

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• Núcleo de Estudos em Agroecologia:

a construção de uma (re) ação na Amazônia paraense

Roberta Coelho; Romier Sousa;

Franciara Silva; Hueliton Azevedo

1 . Introdução

A concepção de desenvolvimento difundida amplamente na atu-alidade não leva em consideração os limites ambientais e humanos para sua reprodução, além de caracterizar-se pela apropriação de modo de-senfreado da base de recursos naturais existentes. Ao conceber a acumu-lação de riquezas como principal objetivo, as consequências desse tipo de desenvolvimento é a instauração de um conjunto de crises (alimentar, energética, climática, ambiental, social e econômica) que afetam direta-mente as populações humanas (LEFF, 2009; PETERSEN, 2009).

Esta crise civilizatória pode ser sistematizada em três pontos: es-gotamento dos recursos disponíveis; contaminação dos ecossistemas; e saturação de resíduos dos processos produtivos (Peña, 2007). Dado relevante que comprova esse cenário de crise global está diretamente relacionado aos problemas sociais e ambientais ocasionados pelo atual modelo hegemônico na agricultura, onde cerca de 1 (um) milhão de pessoas ainda passam fome no mundo (FAO, 2009).

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Segundo Dal Soglio (2008) há a necessidade de se repensar o desenvolvimento a partir da ecologia, haja vista o potencial destruti-vo da sociedade humana moderna e suas consequências efetivas tanto para as gerações atuais como para as futuras.

Para que essas mudanças ocorram, entre outras ações, é preciso repensar o papel das instituições de ensino, pesquisa e extensão como disseminadoras de uma nova concepção de pensar a relação sociedade e natureza. Nesta lógica, a formação profissional; a geração e disseminação de inovações tecnológicas e a promoção e fortalecimento de sistemas de produção que possam ser sustentáveis tornam-se um grande desafio.

Pressupostos como a valorização dos saberes locais dos sujeitos do campo; o desenvolvimento de tecnologias e processos baseados no uso racional e ecológico dos recursos naturais; a valorização étnica, de gênero e gerações; a promoção da autonomia camponesa através do incentivo à diversificação dos sistemas de produção e uso de sementes e outros bio-recursos locais; o fortalecimento de mercados curtos e da economia solidária; e fundamentalmente o envolvimento dos sujeitos do campo nas ações de ensino, pesquisa e extensão como protagonistas do seu próprio desenvolvimento são fundamentais e se apresentam como um importante indicativo para o avanço na construção de um desenvolvimento com sustentabilidade.

Em face do que foi exposto, o objetivo do presente texto é a so-cialização de uma experiência em ensino-pesquisa-extensão na Ama-zônia paraense que vem buscando através do tema gerador da Agroe-cologia modificar a formação dos profissionais em Ciências Agrárias, tanto de nível médio como em cursos de graduação. Ainda se fará o exercício de elencar os pressupostos metodológicos que orientam o fazer do grupo, bem como as lições apreendidas, os desafios e pontos a serem avançados.

A metodologia utilizada na construção deste trabalho foi de or-dem qualitativa, baseada na análise documental (relatórios, memórias

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de reuniões e sistematização de atividadesdesenvolvidas pelo NEA) e pesquisa participante.

2 . Contexto

A experiência se desenvolve no âmbito do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará – Campus Castanhal, que possui quase cem anos de existência enquanto instituição de ensino[60]. Localiza-se no município de Castanhal, Mesorregião do Nordeste Pa-raense, distante 72 km da capital do Estado, Belém.

A partir de 2005, o IFPA - Campus Castanhal vem passando por uma série de mudanças curriculares, pedagógicas e infra estrutu-rais desencadeada por vários fatores de ordem administrativa, mudan-ças de políticas de governo e inserção de novos educadores na insti-tuição. Tais mudanças giram em torno da ressignificação da educação agrícola, aproximando-se dos preceitos da educação do campo, assim como inserindo o enfoque agroecológico, a fim de formar sujeitos que possam vir a contribuir na construção do desenvolvimento rural sus-tentável na região.

No entanto, essas transformações nascem em um contexto adverso, principalmente do ponto de vista metodológico e técnico profissional da instituição, pelo fato da mesma possuir uma tradição tecnicista e produtivista, que ainda influencia fortemente a educação ofertada nas instituições brasileiras de formação profissional.

Fatos importantes foram fundamentais na construção da dis-cussão da Agroecologia na instituição. Podemos dizer que o inicio deste processo ocorreu em âmbito mais pragmático, com a implan-tação de agroecossistemas de base ecológica, sendo inclusive esco-

[60] Antiga Escola Agrotécnica Federal de Castanhal - EAFC. Integra-se ao Centro Federal de Educação Tecnológica – CEFET e a recém-criada Escola Agrotécnica de Marabá em dezembro de 2008 através da Lei nº 11.892, publicada em diário oficial em 30/12/2008.

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lhidas para isso, áreas consideradas improdutivas por conta do alto grau de compactação que apresentavam. Estas unidades pedagógicas de produção foram fruto de atividades práticas de disciplinas como Sistemas de Produção e Extensão Rural do curso de nível Técnico em Agropecuária.

Em 2007, tem-se um grande esforço por parte dos professores e demais servidores em implantar um ensino integrado, baseado no eixo “Desenvolvimento sustentável com base na politecnia e valori-zação dos saberes dos sujeitos sociais do meio agropecuárioe extra-tivista na Amazônia”.

Além disso, ações como a aproximação com movimentos sociais e comunidades tradicionais; participação em eventos sobre Educação no Campo; parcerias com instituições afins; realização de cursos livres em Agroecologia; elaboração do plano político pedagó-gico e posterior implantação do curso Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia, em parceria com o MST e movimentos so-ciais da região; e ainda, a elaboração e implantação do curso superior de Agronomia tiveram grande importância no processo e culmina-ram na criação e implantação do Núcleo de Estudos em Agroecolo-gia e Fortalecimento da Agricultura Familiar Camponesa - NEA no IFPA - Campus Castanhal.

Institucionalizado oficialmente em 2010 através de uma carta--convite do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA, o Nú-cleo surge como um espaço de articulação político-pedagógico, com o intuito de promover a animação de processos sociais e a concretização do ensino-pesquisa-extensão com base na Agroecologia, com a par-ticipação de profissionais de diversas áreas, educadores, estudantes de nível médio e da graduação e, especialmente com o envolvimento dos agricultores familiares camponeses.

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3 . Os atores e o caminho metodológico trilhado

O Núcleo conta com a participação de professores da instituição com diferentes formações e áreas de atuação. São agrônomos, enge-nheiros florestais, historiadores, sociólogos, entre outros, que traba-lham desde as questões mais técnicas como fitotecnia, solos, manejo de pragas e doenças, manejo florestal, apicultura e outras áreas da ci-ência animal, assim como disciplinas relacionadas a socioeconômica, extensão rural, etc. Em relação aos educandos, sempre houve a preo-cupação de garantir a participação diversificada de estudantes do curso Técnico em Agropecuária, da graduação em Agronomia e outros.

No percurso de sua atuação o Núcleo de Estudos em Agroeco-logia - NEA do IFPA – Campus Castanhal, construiu-se e consoli-dou-se um conjunto de pressupostos metodológicos que orientam seu fazer cotidiano e suas ações de ensino, pesquisa e extensão. A preocu-pação em desenvolver e estruturar uma proposta metodológica pró-pria nasceu da compreensão de que um referencial claro e aplicável na realidade é fundamental para a interface, geração e apropriação de conhecimentos e inovações. Nasceu ainda, com o intuito de superar limitações correntes em algumas iniciativas de construção do conhe-cimento agroecológico que segundo Bulhões e Soglio (2009) são: a) A visão dicotômica do conhecimento, onde de um lado estaria o saber científico e de outro lado o saber local, ambos tratados como blocos monolíticos em que o segundo seria mais sustentável que o primeiro e b) o pressuposto de que os atores do meio rural só estão à espera de novas informações e treinamentos para adotar um método holístico de agricultura sustentável.

Com o avanço das atividades desenvolvidas, dentro e fora da instituição, foram criadas as Unidades Pedagógicas de Experimen-

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tação Agroecológica (UPEA’s) para melhor promover intervenções nos diferentes agroecossistemas. As UPEA’s tratam-se de um es-paço físico de ensino – pesquisa – extensão e representam um ele-mento metodológico fundante da proposta do NEA – Castanhal. Neles, os sujeitos educativos envolvem-se no seu planejamento, na sua construção, no diálogo de saberes, na reflexão dos resul-tados alcançados, assim como nas possibilidades de disseminação dos mesmos para outros agroecossistemas. Nessa perspectiva, as UPEA’s são concebidas como espaços de produção e dissemina-ção de inovação tecnológica, sem hierarquizar conhecimentos, onde educadores (as), educandos (as), agricultores (as), desenvol-vem atividades coletivamente e constroem conhecimento a partir de uma realidade concreta que vise a melhoria ou a resolução de um problema identificado. Elas podem se materializar em sistemas agroflorestais (SAF), criação de abelhas ou em uma bioconstrução. As UPEA’s são instaladas no campus do Instituto e em estabele-cimentos agrícolas das famílias envolvidas nas ações do NEA, que são convidadas a participar de maneira voluntária.

Portanto, com a criação desses espaços foi importante garantir um processo horizontal de geração, produção e disseminação de co-nhecimentos com enfoque agroecológico. Neste sentido, a criação das UPEA’s tornou necessária a elaboração de um percurso metodológi-co que possibilitasse a efetivação dessa proposta. Assim, o referencial construído se fundamenta na ideia de que todos possuem um conhe-cimento válido que pode ser socializado, dialogado, compartilhado e refletido; que o trabalho deve ser inserido nos processos de forma-ção como um princípio educativo; que a pesquisa deve ter um caráter educativo e que os agroecossistemas e a realidade concreta são fatores inerentes a uma efetiva prática educativa.

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3 .1 . Todos possuem um conhecimento válido que pode ser socializado, dialogado, compartilhado e refletidoA percepção que os sujeitos sociais, independentemente da sua

formação escolar, possuem saberes válidos torna-se fundamental na construção de conhecimentos coletivos. Por isso, uma das políticas desenvolvidas e incorporada no cotidiano do núcleo é a auto-organi-zação dos educandos a partir do estímulo a tomada de iniciativas por esses sujeitos. A liberdade para a organização de reuniões, a autono-mia para propor atividades, avaliar experiências e questionar decisões são alguns dos valores e práticas que constituem a dinâmica de orga-nização do núcleo.

Em consequência desse desenho de organicidade, a construção de uma relação horizontal entre professores e estudantes, sempre per-meada por uma dialogicidade permanente entre eles, acaba por ser uma implicação concreta. Essa conformação relacional decorre da per-cepção que todos sabem algo e são ignorantes sobre algo. A incom-pletude humana faz do ato de aprender um constante desafio que só pode ser superado de maneira coletiva e segundo o que postula Santos (1995) “o que cada saber particular contribui para esse diálogo é o modo como orienta uma dada prática na superação de uma dada ignorância”.

Pela necessidade de aprofundamento de conteúdos relaciona-dos à Agroecologia e o imperativo de uma construção do saber cole-tiva, foi criado um espaço interno de auto formação. Esta atividade caracteriza-se pela socialização, por um educando, de conteúdos de artigos científicos ou temáticas para os demais integrantes do núcleo, não eximindo, entretanto a possibilidade de participação de outras pessoas da comunidade acadêmica. Os temas ou artigos são escolhi-dos por professores orientadores pertencentes ao NEA e este tipo de atividade ocorre uma vez ao mês. Também são ministradas palestras

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pelos educandos em escolas da região sobre o risco do uso de agro-tóxicos e os benefícios do consumo de alimentos orgânicos e sobre temas demandados por escolas e organizações da região, relaciona-dos à Agroecologia.

No desenvolvimento de atividades de extensão procura-se dotar os agricultores do poder da participação, como o proposto por Guzmán (2002). Em atividades de pesquisa-desenvolvimento, como a UPEA de Apicultura instalada em estabelecimentos das ilhas de Abaetetuba - PA, os conhecimentos científicos são utilizados como uma referência inicial sendo aos poucos permeados pelo conhecimento contextual[61] das famílias agricultoras. Estas ao serem estimuladas a utilizarem suas experiências promovem constantes ajustes nas atividades que como bem assinalou Long (2005):

[…] a criatividade e a experimentação desenvolvidas pelos agri-cultores, como também sua capacidade contínua de absorver e re--trabalhar idéias externas e tecnologias é de forma tal que se torna impossível caracterizar um elemento particular como pertencente à ciência popular ou à ciência dos cientistas. O encontro entre di-ferentes corpos de conhecimento envolve uma transformação ou tradução do conhecimento existente e uma fusão de horizontes (ou seja, a criação conjunta de conhecimento). (Long, 2005)

3 .2 . O trabalho como princípio educativoO trabalho é elemento fundante da cultura de um povo, e é por

natureza a atividade constitutiva do processo de humanização de ho-mens e mulheres. É o instrumento por meio do qual se exerce ação transformadora consciente e produz-se a existência material dos su-

[61] No sentido de Cotrin e Dal Soglio (2010) onde a noção de conhecimento contextual é entendida como a produção social dos atores em um processo histórico de acumulação de capacidades tecnológicas e habilidades.

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jeitos. Por esse motivo o trabalho deve fazer parte constitutiva do pro-cesso de formação de sujeitos reflexivos.

No processo de formação dos profissionais das ciências agrá-rias, como também em outras áreas do conhecimento, o trabalho é geralmente dissociado de uma perspectiva educativa. Primeiro, pelo fato de desvincular o profissional que pensa (Homo sapiens) daquele que faz (Homo faber) (MÉSZÁRIOS, 2005). Segundo, por reduzir a dimensão educativa do trabalho a sua função instrumental didáti-co-pedagógica, no mero sentido de aprender fazendo (FRIGOTO, 2005). Dessa forma, ele é realizado de maneira fragmentada, desco-nectada e não reflexiva. No percurso formativo ele não é percebido como elo interdisciplinar e como perspectiva de formação de uma consciência coletiva.

O trabalho, enquanto dimensão ontológica do ser humano, não pode ser utilizado no decorrer da formação no mero sentido de “apren-der a fazer fazendo”, mas sim como práxis (prática refletida e constan-temente resignificada). Para não incidir no reducionismo clássico com o qual ele tem sido promovido historicamente pelas instituições de ensino de ciências agrárias, as ações práticas desenvolvidas pelo núcleo buscam permeá-lo por uma constante reflexão sobre elas.

Nas atividades de extensão, antes que o trabalho de implantação de subsistemas, diagnóstico de comunidades e/ou inovação técnica seja desenvolvida, é realizado um momento de apresentação da pro-posta de trabalho, planejamento das ações e primeiras reflexões sobre a ação a ser executada.

Após esse momento são executadas as atividades práticas basea-das nos conhecimentos técnico-científicos como orientação inicial, em diálogo com a culturaleza[62] própria de cada comunidade. No decorrer das ações práticas são organizados pequenos momentos de orientação

[62] No sentido de Toledo e Bassols (2009) como sendo a representação, interpretação e ma-nejo da natureza característico de cada população humana.

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pelas pessoas habilitadas, sejam eles professores, estudantes ou agri-cultores, sobre as situações correntes para possibilitar o entendimento processual das atividades em condução. No final da realização da ati-vidade prática é sempre organizado um momento de socialização das ações desenvolvidas, avaliando cada etapa e propondo melhorias, caso tenha sido identificado alguma limitação no seu desempenho. Assim, todas as atividades são constituídas de uma dinâmica de ação-refle-xão-ação modificada e/ou resignificada.

Além da implantação de UPEA’s como no caso acima exposto, são feitas também oficinas de produção de composto em escola da rede municipal e diversas atividades de manejo de agroecossistemas de base ecológica, como os SAF’s, na instituição de ensino, ao longo do ano. Em todas essas ações o princípio do trabalho como processo educativo perpassa e orienta a execução das atividades.

Propor-se a assumir o trabalho como princípio educativo no contexto da educação, no campo das ciências agrárias, significa in-corporar as práticas sociais dos agricultores na matriz pedagógica do conjunto de ações a serem desenvolvidas. Nessa perspectiva o trabalho como princípio educativo promove a valorização dos saberes tradicio-nais, amadurece e potencializa a atividade reflexiva como instrumento essencial de formação crítica e considera os atributos da cultura local. Isso é fundamental, visto que segundo Frigoto (2008) diferente do animal, que vem regulado e programado por sua natureza e, por isso, não projeta sua existência, não a modifica, mas se adapta e responde instintivamente ao meio, os seres humanos criam e recriam, pela ação consciente do trabalho, a sua própria existência.

3 .3 . A pesquisa como princípio educativo Prevalece ainda hoje nas instituições de ensino a lei da transmis-

sibilidade do saber, caracterizada pela transmissão do conhecimento pronto, acabado, sem evidenciar o seu processo de produção, o seu

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rosto histórico, e sem confrontá-lo com outros saberes. Os professo-res, ao transmitir informações como lembranças históricas e não como reconstruções histórico-existenciais, não provocam o debate de ideias, não catalisam a consciência crítica e sociopolítica dos educandos, não os formam como pensadores humanistas (CURY, 2006).

A consequência mais imediata desse processo é a reprodução passiva de conhecimentos, muitas vezes descontextualizados, por parte dos sujeitos da formação, implicando na limitação da capacidade de construção autônoma do saber. Implica também na aversão a dúvida e na avidez pelas respostas, posicionando assim a atividade reflexiva, essencial na construção de uma consciência crítica, como fator secun-dário e prescindível no percurso da formação.

Por reconhecer que a indagação, a inquirição, a busca de infor-mação, que instiga os sujeitos a problematizarem a realidade e inves-tigarem é condição imperiosa na formação de base interdisciplinar, o NEA - Castanhal tem como um de seus pressupostos metodológicos a pesquisa como princípio educativo. Nela a pesquisa é pensada não apenas como uma atividade acadêmica científica, mas também como prática pedagógica emancipadora, como um ato de estudo que pressu-põe uma atitude diante do mundo e da existência, um ato de apreensão e reelaboração do conhecimento e não o consumo de ideias acabadas, de conhecimentos inquestionáveis.

Nesse sentido, para a realização de atividades nas UPEA’s os educandos desenvolvem coletivamente diagnósticos sobre a situação em curso de cada área. Com as informações (imagens, anotações) co-letadas é organizada, por cada grupo responsável, uma sistematização das informações, a partir disso é organizada uma socialização para os demais integrantes de núcleo para apresentar as condições da área e obter contribuições das demais pessoas sobre as ações que devem ser desenvolvidas. Esse primeiro momento de pesquisa proporciona um espaço de problematização e leitura crítica sobre a situação atual de

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cada UPEA em análise e possibilita o planejamento de intervenções condizentes com a sua condição concreta.

Após essa fase os educandos elaboram planos de trabalho para cada um desses espaços com a finalidade de organizar, planejar e exe-cutar as ações previstas para cada área. Com isso, os estudantes iniciam um exercício de, a partir de seus conhecimentos prévios, contribuírem na elaboração de estratégias de intervenção no manejo e desenho dos agroecossistemas das diversas UPEA’s.

Com a coleta de informações das atividades em andamento, elas são sistematizadas em forma de artigos científicos, resumos expandidos e relatos de experiência e submetidos a eventos como a feira de ciên-cia da instituição, congressos nacionais e internacionais, seminários e revistas. Isso representa um fator de muita relevância na formação dos profissionais das ciências agrárias, visto que possibilita que o planeja-mento, execução e avaliação do processo pedagógico se (re) construam por meio da pesquisa-ação-reflexão, tornando-os sujeitos responsáveis por refletir criticamente sobre a realidade e exercer autonomia na pro-dução de conhecimentos para atuar de forma contextualizada.

Esse processo possibilita que os estudantes realizem um exercí-cio permanente de indagação, formulação de hipóteses e elaboração de perguntas pautadas nas dúvidas recorrentes, motivando-os a busca por soluções e como consequência a construção reflexiva e crítica do saber.

3 .4 . Os Agroecossistemas e a realidade como princípios educativos Os agroecossistemas são comunidades de plantas e animais inte-

ragindo com seu ambiente físico e químico que foi modificado para pro-duzir alimentos, fibras, combustível e outros produtos para o consumo e processamento, satisfazendo as necessidades humanas. Um agroecos-sistema é um local de produção – uma propriedade agrícola, compre-endido como um ecossistema transformado pelo homem. A ideia não

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é estudar simplesmente um produto ou uma parcela, mas a articulação entre as diferentes parcelas que formam o Agroecossistema.

A natureza é transformada pelos seres humanos a partir dos processos de trabalho. Ou seja, a criação de Agroecossistemas pres-supõe a ação humana. Como o trabalho é realizado de forma diferen-ciada em cada local em função das representações que os agricultores possuem da natureza inanimada e do corpo de conhecimento acu-mulados por eles ao longo do tempo é fundamental que se averigue pelo movimento do pensamento, através da materialidade histórica da vida dos homens em suas comunidades, a realidade aparente dos agroecossistemas, para que seja superada pelos agentes de desenvol-vimento, buscando então sua realidade concreta, pensada, compreen-dida em seus mais diversos aspectos.

Por essa razão que ao longo das atividades desenvolvidas pelo núcleo de estudos em agroecologia os agroecossistemas são sempre entendidos considerando as interações entre todos os seus componen-tes constitutivos. Os fatores sociais (família) são considerados quando é analisado o sistema de produção (meio biofísico) visto que existe uma relação de mútua determinação entre os sistemas sociais e natu-rais. Dessa forma, busca-se nas ações desenvolvidas pelo núcleo, rom-per com a formação tecnicista, historicamente preconizada pelas ins-tituições de ensino, caracterizada por uma visão unilinear do sistema de produção, focadas nos aspectos físicos da produção.

3 .5 . Avanços e desafios na construção do conhecimento agroecológico

O Núcleo de Estudos em Agroecologia do IFPA – Campus Castanhal, no decorrer de sua atuação, tem galgado progressos sig-nificativos. Foi consolidado ao longo do tempo a ideia de pensar o tema da Agroecologia como um enfoque sistêmico, como um eixo

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norteador das ações dentro das diferentes áreas do conhecimento trabalhadas pelos professores integrantes do NEA. Dessa forma a atuação do núcleo não se restringe a defesa de um modelo específico de agricultura alternativa (Biológica, Permacultura, Orgânica, Re-generativa e Biodinâmica) nem se limita a discutir a Agroecologia a partir de uma única disciplina do conhecimento (ecologia, biologia, sociologia, etc.).

É digno de nota assinalar que essa perspectiva de atuação é mui-to salutar, visto que possibilita avançar na construção do conhecimen-to agroecológico na medida em que se apoia no aporte teórico das diferentes áreas do conhecimento científico e nas diversas experiências e práticas desenvolvidas pelos agricultores. Assim, o foco da atuação não tem sido a disseminação de uma técnica, mas o processo comu-nitário envolvido nas intervenções do núcleo, onde o agroecossistema, enquanto unidade central de análise é visto de forma sistêmica.

Devido alguns estudantes que integram o núcleo serem filhos de agricultores, algumas demandas de suas comunidades são atendi-das pelo núcleo. Com isso, eles participam do desenvolvimento de um espaço de ensino, pesquisa e extensão a partir de suas próprias inicia-tivas, alocando também suas experiências empíricas na agricultura em suas comunidades para o avanço das ações.

O entendimento que se afirmou do núcleo, como um espaço de construção coletiva do conhecimento, é outro fator que se reflete de forma positiva na relação construída entre seus integrantes. A princi-pal consequência disso é a relação horizontal que se estabeleceu entre os professores e os estudantes de graduação e de ensino médio.

Outro avanço percebido é o espírito coletivo e solidário entre os próprios estudantes (bolsistas e voluntários) e com os estudantes e professores, não havendo competição ou superioridade de conheci-mentos de uns em detrimento dos conhecimentos de outros, este fato é visível pela recorrente ajuda mútua existente no grupo.

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Ao mesmo tempo em que esses avanços se materializam, surgem desafios que precisam ser refletidos e enfrentados. A maior centralida-de da atuação do núcleo nos processos comunitários trouxe a limitação da pouca expressividade em questões mais técnicas que possam pro-porcionar o desenvolvimento de inovações tecnológicas.

Um dos desafios a serem superados diz respeito ao trabalho rea-lizado nas comunidades rurais e a sua constância. Muito por conta da dinâmica dos cursos e da própria instituição, as atividades de extensão tem tido um caráter pontual.

Outra questão refere-se à própria metodologia utilizada pelo núcleo que exige o exercício constante de problematizar a realidade concreta, que é um exercício trabalhoso, e que a sua adoção acaba por configurar um grande desfio, haja vista que a maioria dos sujeitos estão habituados com a facilidade de aplicar o que já foi produzido.

4 . Referências

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• Diagnóstico dos quintais agroflorestais

de comunidades rurais de Bragança, Pará

Luzinete Silva; Roberta Coelho

1 . Introdução

Nos últimos anos tem-se discutido muito sobre a importância da agricultura familiar no que concerne à produção de alimentos e se-gurança alimentar. As pequenas propriedades dos agricultores são res-ponsáveis pela garantia da produção de alimentos, dessa forma, pensar em sistemas produtivos que garantam a segurança alimentar da famí-lia é um avanço ao combate a fome e pobreza, garantido qualidade de vida ao agricultor e sua família.

Os agricultores familiares da Amazônia vêm buscando alterna-tivas de uso de terra, como forma de buscar a auto-suficiência da uni-dade de produção e de garantir a segurança alimentar de sua família. Nos últimos anos muitas pesquisas têm sido realizadas com o objetivo de garantir melhor uso do solo como: roça sem queima, enriqueci-mento de capoeira, sistema bragantino, pastejo rotacionado e outros (BRIENZA JÚNIOR et al, 2009).

Os Sistemas Agroflorestais (SAF’s) são uma alternativa susten-tável de uso da terra que combina cultivos agrícolas e/ou, animais com espécies arbóreas lenhosas (frutíferas e/ou, madeireiras), seja em sequ-

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ência temporal ou de forma simultânea e que interagem ecológica e economicamente (YOUNG, 1991).

De acordo com Abdo et al (2008) os Sistemas Agroflorestais constituem sistemas de uso e ocupação do solo em que plantas le-nhosas perenes (árvores, arbustos, palmeiras) são manejadas em asso-ciação com plantas herbáceas, culturas agrícolas e/ou forrageiras e/ou em integração com animais, em uma mesma unidade de manejo, de acordo com um arranjo espacial e temporal, com alta diversidade de espécies e interações ecológicas entre estes componentes. Os sistemas agroflorestais podem ser classificados de acordo com o arranjo dos componentes no espaço e no tempo, dessa forma os sistemas agro-florestais podem ser classificados como sistemas silviagrícolas, onde espécies de árvores, arbustos são consorciadas espécies agrícolas. Os sistemas silvipastoris onde espécies de árvores, arbustos são consor-ciados com plantas forrageiras herbáceas e animais e finalmente os sistemas agrossivipastoris onde há criação e manejo de animais em consórcios silviagrícolas (MAY & TROVATTO, 2008).

Os quintais agroflorestais são classificados como sistema agros-sivipastoril e são áreas de produção, localizadas perto da casa, onde é cultivada uma mistura de espécies agrícolas e florestais, envolvendo também, a criação de animais domésticos (galinhas, patos, porcos, ga-tos e cachorros) ou animais domesticados (paca, capivara e porco-do--mato) (VIANA et al, 1996). Geralmente nessas áreas são cultivadas uma variedade de espécies agrícolas, florestais com diferentes usos. Os quintais são percebidos e manejados de maneira distinta dentro de diferentes contextos ecológicos, culturais e socioeconômicos, assim como todo e qualquer agroecossistema (MERGEN, 1987).

A base da produção agrícola das comunidades do município de Bragança-Pará esta no cultivo de feijão e mandioca, sendo que a mandioca esta voltada para a produção de farinha que é feita em sua grande maioria por pequenos agricultores familiares. Na paisagem

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dessas comunidades onde residem os educandos do Programa Pro-jovem Campo Saberes da Terra é comum a existência desses sistemas complexos com grande riqueza de variedades de espécies adaptadas às condições locais e manejados pelas famílias dos agricultores.

O Programa Projovem Campo Saberes da Terra é um programa nacional de Educação de jovens entre a faixa etária de 18 a 29 anos que tem como objetivo a qualificação social e profissional voltada para os jovens agricultores que residem no campo, muitos jovens deixaram de estudar por conta de suas atividades agrícolas deixando de frequentar a escola por não ter tempo para os estudos somente para a agricultura, o referente projeto foi implementado pelo Ministério da Educação numa ação integrada por meio da Secretária de Educação Continuada, Alfa-betização e Diversidade (SECAD) e da Secretaria de Educação Pro-fissional e Tecnológica (SETEC), o mesmo tem uma expectativa de que 275 mil jovens agricultores concluam o Ensino Fundamental com a Qualificação Profissional e Social, até o ano de 2011 (MEC, 2009).

Os princípios pedagógicos que norteiam o Programa são orien-tados pelas Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais são: A escola for-madora de sujeitos articulada a um projeto de emancipação humana a valorização dos diferentes saberes no processo educativo, a compreen-são dos tempos e espaços de formação dos sujeitos educativos, a escola vinculada à realidade dos sujeitos, a educação como estratégia para o desenvolvimento sustentável, o trabalho e pesquisa como princípio educativo (MEC, 2009).

A organização curricular está fundamentada no eixo curricular articulador Agricultura Familiar e Sustentabilidade que dialoga com os eixos temáticos: Agricultura Familiar: Identidade, Cultura, Gênero e Etnia; Sistemas de Produção e Processos de Trabalho no Campo; Ci-dadania, Organização Social e Políticas Públicas; Economia Solidária; Desenvolvimento Sustentável e Solidário com Enfoque Territorial.

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Os eixos temáticos agregam conhecimentos da formação profissional e das áreas de estudos para a elevação de escolaridade (MEC, 2009).

A execução da proposta pedagógica e curricular do ProJovem Campo – Saberes da Terra se dará pela proposta da pedagogia da al-ternância, caracterizada pela conjugação de períodos alternados de formação na escola e na família e pelo uso de instrumentos pedagógi-cos específicos. No ProJovem Campo – Saberes da Terra a alternância acontece por meio de dois tempos-espaços específicos: Tempo escola e Tempo-comunidade (MEC, 2009).

O Tempo-escola corresponde ao período em que o/a educan-do/a permanece efetivamente no espaço da unidade escolar, em ati-vidade grupal, em contato com o saber sistematizado em áreas de co-nhecimentos, planejando, pesquisando, debatendo e interagindo com os demais, com a mediação e orientação da equipe de educadores. O Tempo-comunidade corresponde ao período em que o educando, ten-do problematizado e confrontado no tempo-escola os conhecimentos que trouxe de casa, é motivado a promover compartilhar na família os resultados, impressões e eventuais conclusões deste confronto e pro-blematização (MEC, 2009).

Frente a essa nova metodologia de ensino para os jovens agricul-tores e utilizando o que foi discutido e trabalhados com os educandos (as) do programa Projovem Campo Saberes da Terra do município de Bragança, Pará, no eixo “Sistemas de Produção e Processos de Traba-lho no Campo” esse trabalho se propõe a realizar um diagnóstico dos quintais agroflorestais existentes nas propriedades desses educandos, para subsidiar esse objetivo foram realizados: Levantamento florístico, identificação dos usos das espécies vegetais; Identificação da divisão do trabalho familiar nos quintais agroflorestais; Análise da percepção dos educandos do Programa sobre a importância dos quintais agroflo-restais para a segurança alimentar da família.

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2 . Material e método

2 .1 . Área de estudoO presente trabalho foi realizado em quintais agroflorestais

existentes nas propriedades dos educandos do programa Projovem Campo Saberes da Terra. As comunidades onde os educandos resi-dem faz parte do município de Bragança-PA (01º03’17” S e 46º45’55” W), com uma altitude média de 19 m de altitude e distante 210 km da capital do Estado. Pela classificação Köppen o clima é do tipo Am (clima de monção) com dois períodos bem característicos, um chu-voso que vai de janeiro a julho e um período seco que vai de agosto a dezembro. A temperatura média é de 18ºC e 33ºC e a precipitação média anual variam em torno de 2.500 e 2.700 mm (ZEE- PA, 2009), sendo o trimestre mais chuvoso fevereiro, março e abril e o trimestre mais seco outubro, novembro e dezembro. O solo predominante deste município é do tipo Latossolo Amarelo de textura média a pesada, distrófico, com baixa fertilidade natural e baixa suscetibilidade a ero-são (VIEIRA, 1986).

2 .2 . MétodoO levantamento dos dados sobre os quintais foi realizado no

período de 08 a 30 de outubro de 2010, foram amostrados 20 quintais localizados em sete comunidades (Acarajó, Atoleiro, Genipau- Açú, Lago, São Francisco dos Gonzagas, Santo Antônio dos Monteiros e Travessa Auto Urumajó) (Figura 1). Essas sete comunidades foram escolhidas por estar distribuída em três pólos diferentes de produção de alimentos dentro do município, a comunidade do Acarajó está lo-calizada a 6 km de Bragança e possui vastas áreas de manguezal de onde os moradores retiram os produtos pesqueiros que são à base da economia desta comunidade, já as comunidades de Atoleiro e Lago ficam a 20 km distante da cidade. Essa região possui grandes áreas de

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campos alagados que são usados para criação de búfalo e também são grandes produtores de feijão e as comunidades de São Francisco dos Gonzagas, Genipau-Açú, Santo Antônio dos Monteiros e Travessa Auto Urumajó estão em média a 70 km distante da sede do municí-pio, nestas localidades predomina a produção de farinha de mandioca, milho, pimenta do reino e extrativismo de malva.

Entrevistou-se um total de 20 pessoas que são educandos do projeto Projovem Campo Saberes da Terra. A amostra compreendeu 8 mulheres e 12 homens com idade variando de 19 a 29 anos. As infor-mações sobre os quintais foram obtidas por meio de observação direta do pesquisador e entrevista semi-estruturada de acordo com o guia de diagnóstico rural participativo (VERDEJO, 2006).

Para avaliar aspectos sócio-econômico foi aplicado um questio-nário com as seguintes questões: idade, tempo de moradia, sexo, prin-cipal ocupação, número de pessoas habitando a casa, principal fonte de renda e perguntas sobre as técnicas de manejo dos quintais. As questões que comporão o questionário estão descritas a seguir: 1. Há quanto tempo mora no lote? 2. Já havia plantas no lote? Se já existiam, quais eram? 3. Usa algum tipo de adubo no manejo das plantas? 4. Se usa, qual seria? 5. Segue algum critério para selecionar as plantas a serem cultivadas? 6. Existe alguma área preferencial do quintal para o cultivo de determinadas plantas? 7. Qual o procedimento para com as plantas que crescem espontaneamente? 8. Qual ou quais as pessoa da residência que são responsáveis pela manutenção do quintal? 9. Qual era a importância do quintal para ti antes de participar do programa Projovem Campo Saberes da Terra? 10. Qual a importância do quin-tal para ti agora que faz parte do programa Projovem Campo Saberes da Terra? 11. Você realizou ou sugeriu alguma mudança no quintal depois que começou a participar do Saberes da Terra? Se fez que mu-danças quais foram?

Para a caracterização dos quintais utilizou-se a ferramenta cha-

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mada Travessia adaptada de Verdejo (2006), esta adaptação consistiu no convite ao entrevistado (aluno) para realizar uma caminhada pelo quintal na ocasião da entrevista, para fornecer informações específicas sobre as plantas como os nomes populares, formas de uso e também qual percepção do aluno sobre a importância do quintal para a sua vida e para a segurança alimentar de sua família. Para a coleta de dados biofísicos, as espécies foram classificadas em relação aos seus hábitos ecológicos como herbácea, arbórea, arbustiva, subarbustiva, trepadeira e rastejante. As plantas listadas no levantamento florístico também foram separadas em classes de uso: alimentar, medicinal, ornamental, madeireira, utensílios e artesanato. Os dados foram tabulados com au-xílio de planilha do programa EXCEL.

Figura 1 - Mapa ilustrando a localização das áreas de estudo nas comunidades de Bragança, Pará.

Fonte: Prefeitura Municipal de Bragança Pará.

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3 . Resultados e discussão

Nos quintais amostrados foram encontradas 111 espécies vege-tais e sete espécies animais. Em média, foram encontradas 22 espécies por quintal, sendo o número máximo de 43 e o mínimo de 9 espécies. A composição florística e a distribuição das espécies nos quintais são determinadas por fatores externos e internos, como função e tamanho do quintal, bem como fatores socioeconômicos e culturais, além da influência direta da família que seleciona as espécies de acordo com as suas necessidades (Nair, 1986).

As espécies inventariadas se classificam em seis diferentes usos: alimentar, medicinal, ornamental, madeireira, utensílios e arte-sanato, sendo que 69 são utilizadas para alimentação, 28 medicinal, 1 madeireiro, 6 utensílio e artesanato e 8 ornamental. As famílias com maior concentração de indivíduos foram Anacardiaceae (5 espécies), Euphorbiaceae (5espécies), Solanaceae (6 espécies), Rutaceae (6 es-pécies), Myrtaceae (6 espécies), Arecaceae (7 espécies) e Asteraceae (7 espécies).

Quanto ao hábito das espécies têm-se: Herbáceo (44), Arbóreo (39), Arbustivo (19), Subarbustivo (6), Rastejante (3) e Trepadeira (1) pertencentes a 95 gêneros e 53 famílias (Anexo 1). Ao analisar o hábi-to das espécies com seus respectivos usos, observa-se que 32 espécies de árvores são utilizadas para a produção de alimento, 4 são de uso medicinal, 1 de uso madeireiro, 1 de uso artesanato e utensílios e 1 de uso ornamental. Um total de 12 espécies arbustivas são utilizadas na alimentação, 5 de uso medicinal e 1 em artesanato e utensílio.

Quanto as espécies subarbustivas constatou-se que 5 são de uso alimentar e 2 de uso ornamental. Das espécies herbáceas 16 são usadas como alimento, 19 como medicinal, 4 para utensílio e artesanato e 5 ornamental. A espécie trepadeira (1) e as 3 espécies rastejantes são utilizadas na alimentação.

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Nos quintais observados as espécies utilizadas como alimento representam 62,2% do total de espécies amostradas, sendo que as mais frequentes são: banana (Musa sp.) (19 espécies), coco (Cocus nucifera L.) (18 espécies), açaí (Euterpe oleracea Mart.) (16 espécies), limão ga-lego (Citrus aurantifolia Chistm.) (15 espécies), goiaba (Psidium gua-java L.) (14 espécies) e manga (Mangifera indica L.) (14 espécies) e as de uso medicinal correspondem a 25,5% tendo como espécies mais frequentes hortelã (Plectranthus sp.) (3 espécies) e mastruz (Chenopo-dium ambrosioides L.) (4 espécies).

Segurança alimentar e nutricional, consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qua-lidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares pro-motoras da saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis (BRASIL, 2007). A grande quantidade e diversidade de espécies alimentícias (frutíferas, verduras, hortaliças e leguminosas) encontradas nos quin-tais agroflorestais dos educandos do Projeto Projovem Campo Sabe-res da Terra mostra que a agricultura familiar de base agroecológica aplicada pelos educandos agricultores é o caminho certo para reali-zação da segurança alimentar e nutricional. Dentro desse contexto o quintal agroflorestal dos educandos possui um papel importante na dieta alimentar de suas famílias, pois eles são uma grande fonte de nutrientes como sais minerais, carboidratos, lipídios e vitaminas (A, E, K, C e Complexo B) que são adquiridas sem custo financeiro e são disponibilizadas o ano todo.

As plantas medicinais também se destacam nos quintais por se-rem usadas como uma forma alternativa na cura e na prevenção de muitas doenças como gripe, febre, dor de cabeça, inflamação no ou-vido, entre outras, suprindo a falta de assistência médica e os altos custos dos medicamentos industrializados. Os conhecimentos sobre a

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utilização e os benefícios dessas plantas são transmitidos de geração a geração através dos pais, avós, bisavós, vizinhos, rezadeiras ou curan-deiros da própria localidade e de comunidades vizinhas.

A distribuição das espécies nos quintais agroflorestais permite a combinação de culturas agrícolas, árvores de múltiplos usos e a criação de animais de pequeno porte de forma a atender à maio-ria das necessidades básicas das populações locais, essa configuração aliada à diversidade de espécies que compõem os quintais ajudam a reduzir os impactos ambientais comumente associados aos sistemas de produção de monoculturas.

A análise do hábito da espécie e da composição florística dos quintais amostrados ressalta a diversidade de espécies arbóreas frutíferas e comestíveis e sua importância na vida das pessoas do meio rural, assim como observado em vários outros estudos realizados em quintais em todo o mundo (Mergen, 1987; Zaldivar et al, 2002; Wezel & Bender, 2003; Kumar & Nair, 2004; Albuquerque et al, 2005; Florentino et al, 2007). Além da questão alimentar, a tradição cultural é outro fator que influencia a composição florística dos quintais estudados, uma vez que os conhecimentos são transmitidos oralmente de uma geração a outra, demonstrando que os educandos pesquisados e as suas respectivas co-munidades ainda mantêm um forte laço com seus ancestrais através do repasse de conhecimentos, fazendo com que ainda hoje esses agriculto-res apresentem um bom nível de sustentabilidade ecológica.

Os quintais mostraram-se complexos e multiestratificados, com tamanho e formatos variados, mas na sua maioria são retangu-lares. Segundo Macedo (2000), esta estratificação é essencial para se promover um uso diferenciado dos fatores de produção disponíveis e/ou limitantes nestes agroecossistemas e, normalmente são obser-vados nos quintais agroflorestais tropicais/equatoriais. A idade dos quintais variou entre 2 a 28 anos (com média de 14 anos), sendo que os quintais mais velhos e maiores possuem uma maior diversidade de

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espécies e são estruturalmente mais complexos. Tais dados corrobo-ram com os descritos por Clerck & Negrero-Castillo (2000) no Mé-xico, bem como por Kehlenbeck & Mass (2004) e Coomes & Ban (2004), para Indonésia e Peru, respectivamente, e por WinklerPrins (2002) para os quintais do Pará.

Para os educandos do Programa Projovem Campo Saberes da Terra e os agricultores familiares em geral o quintal é mais que um sistema de produção é uma extensão da casa, pois grande parte das atividades domésticas como “moer” a cana-de-açúcar, quebrar o mi-lho para os filhotes das aves, moer os grãos de café, lavar as roupas, tomar banho, entre tantas outras atividades que ocorrem fora da casa são realizadas no quintal. O quintal também é uma área de lazer com conforto térmico onde as crianças brincam nos balanços que são postos nos galhos das mangueiras e os adultos discutem proble-mas comuns e trocam experiências sentados nos bancos construídos de baixo das grandes frutíferas. Esses dados confirmam com estudos realizados por Mergen, (1987), Depommier, (2003) e Kumar, (2006) onde mostram que o plantio de árvores ao redor das casas com a finalidade de fornecer principalmente alimento, sombra e outros re-cursos importantes para a vida familiar é uma característica marcan-te destes agroecossistemas domésticos.

Além de funções socioculturais, os quintais também desem-penham funções ecológicas, incluindo benefícios hídricos, modifi-cações microclimáticas e controle da erosão do solo, além da con-servação de recursos genéticos (SOEMARWOTO, 1987). Na sua grande maioria as espécies cultivadas nesses sistemas são perenes, o que proporciona uma grande produção de biomassa em pé que ao cair no solo se transformar em matéria orgânica promovendo a ci-clagem de nutrientes, fertilizando o solo, diminuindo as perdas pela erosão e lixiviação e possibilitando o cultivo dessa grande variedade de espécies existentes nos quintais.

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Nos 20 quintais pesquisados, verificou-se que 13 proprietários criam animais de pequeno porte como galinhas, patos, porcos, peru e ga-linha-d`angola que representam respectivamente 60%, 30%, 10%, 5% e 5% do total de animais criados (Tabela 1). A alimentação desses animais é composta por restos de comida, ração industrial para os filhotes, mi-lho produzido na roça, insetos e frutas que caem das árvores no quintal. Segundo relatos dos agricultores, a escolha destas criações deve-se prin-cipalmente às suas facilidades de manejo e, na maioria, são destinados ao consumo familiar para suprir as necessidades de proteínas na alimenta-ção. Viana et al (1996), constatou que a criação de animais nos quintais é uma formas alternativas de suprir a falta de carne na zona rural.

Tabela 1 - Espécies de animais presentes nos quintais dos educandos do Programa Projovem Campo Saberes da Terra residentes nas co-munidades do Município de Bragança-Pará. Fr %: Fequência relativa.Nome popular Nome Científico Família Fr %Galinha Gallus gallus domesticus Phasianidae 60Galinha d`angola Numida meleagris Phasianidae 05Pato Cairina moschata Anatidae 30Peru Sus domesticus Phasianidae 05Porco Meleagris gallopavo Suidae 10

Quanto à aquisição das espécies vegetais dos quintais estuda-dos verificou-se que a grande maioria é obtida por meio de vizinhos, parentes e amigos próximos e de outras localidades. Algumas plantas também são trazidas das matas e capoeiras fazendo dos quintais dos agricultores familiares um laboratório onde eles experimentam novas espécies e novas técnicas de plantio como a poda, a enxertia, a esta-quia e a domesticação de plantas e animais. Os experimentos bem sucedidos são reproduzidos e repassados para os parentes e vizinhos promovendo a disseminação das espécies.

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As práticas de implantação e manejo dos quintais estudados são simples, de baixo custo envolvendo práticas tradicionais de cultivo de plantas desenvolvidas manualmente e executadas pela própria família.

Todos os membros da família participam da implantação e ma-nejo dos quintais, sendo que das 20 famílias entrevistadas a mulher (Mãe) cuida sozinha do quintal em 20% dos quintais observados, a mulher (Mãe) e os filhos cuidam em 20% dos casos, a esposa e o ma-rido em 15% dos quintais e todos os membros da família cuidam do quintal em 45% dos casos (Figura 2).

Figura 2 - Participação familiar na implantação e manejo dos quintais agroflorestais das comunidades bragantinas.

Fonte: Silva, 2010.

Os resultados mostram que a participação da mulher no ma-nejo dos quintais agroflorestais das comunidades estudadas é mar-cante e determinante para o seu estabelecimento e manutenção o que se deve ao fato de o quintal ter como papel fundamental complementar a dieta alimentar da família fornecendo para eles alimentos ricos em proteínas, vitaminas e sais minerais. Tais dados estão de acordo com outros estudos realizados no Pará (ROSA et al, 2007; ROSA et al, 2009; GAMA et al, 1999; SANTOS et al, 2006; WINKLERPRINS, 2002).

Part

icip

ação

Fam

iliar (

%)

Mãe

Mãe/Filho

Mulher/Marido

Todos

20% 20%15%

45%

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Segundo Pacheco et al, (2002) as mulheres ao longo da história adquiriram um vasto conhecimento sobre os sistemas agroecológicos e portanto desempenham importante papel como administradoras dos fluxos de biomassa, conservação da biodiversidade e domestica-ção de plantas e animais, demonstrando em muitas regiões do mun-do um grande conhecimento sobre as espécies de recursos genéticos e fitogenéticos.

Essa dedicação das mulheres aos quintais agroflorestais as tor-nam “agricultoras” por direito próprio contribuindo de forma decisi-va para a conservação e ordenação global dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura. Fazendo com que os quintais das mulheres sejam muitas vezes considerados “centros-experimentais não oficiais”, que elas usaram para transferir, promover e cuidar de espécies nativas, testá-las e adaptá-las para seus produtos específicos e variados (FAO, 1996).

Ao fazer uma análise das práticas de manejo isoladamente, ob-servou-se que dentro da agricultura familiar há uma divisão das ativi-dades, onde a esposa e os filhos menores são os principais responsáveis pela manutenção dos quintais no que se refere ao cultivo de espécies frutíferas, ornamentais, condimentares e medicinais e também da cria-ção de animais que são utilizados para o autoconsumo e/ou para a venda, já ao marido e os filhos (homens) maiores cabem à responsabi-lidade do manejo da “roça” que é uma área de plantio que fica separada do terreno da casa onde se cultiva principalmente a mandioca para a produção de farinha e o milho que são produtos cuja maior parte é destinada a venda. Para Rosa (2002), essa divisão do trabalho no universo da agricultura familiar é uma estratégia dos agricultores para maximizar a eficiência da mão-de-obra familiar.

Ao analisar a percepção dos educandos (entrevistados e não entrevistados) do programa Projovem Campo Saberes da Terra

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quanto à importância dos quintais agroflorestais para a segurança alimentar de suas famílias percebeu-se que todos têm a noção de que o quintal agroflorestal de fato é de suma importância, pois os quintais suprem algumas de suas necessidades alimentares básicas como frutas, verduras, legumes e carne (galinha, pato, porco, ga-linha d`angola e peru) que eles não precisam ir até a cidade para comprar. Dos 20 educandos entrevistados 90% deles afirmaram que antes de participarem do programa viam o quintal como pou-co importante e 100% dos educandos afirmaram que agora com a participação no programa veem o quintal como muito importante para a segurança alimentar e também como uma fonte de renda. Os resultados também mostram que 100% dos educandos entre-vistados fizeram mudanças em seus quintais a partir das aulas so-bre agricultura familiar, agroecologia, agroecossistemas e segurança alimentar que foram discutidos em todos os eixos do programa. Os assuntos foram abordados através de aulas teóricas que foram trabalhadas com textos, vídeos, documentários, rodas de conver-sas, pesquisas dirigidas entre outras e aulas práticas com visitas a UDB: Unidade agroecológica do nordeste paraense, visita a escola Cedian-Ecrama, visitas a famílias agricultoras que trabalham com vários tipos de sistemas agroflorestais, visitas a feira livre da cidade para mostrar aos educandos como são acondicionados e manipu-lados os alimentos que nós consumimos e visitas técnicas as casa dos próprios educandos para dar sugestões e instruções de melho-ramento de seus sistemas.

As mudanças citadas pelos educandos foram: limpeza do quin-tal, utilização das folhas e restos de alimento como adubo orgânico, produção de hortas para a complementação da alimentação, introdu-ção de novas espécies e plantio de mudas de açaí e de espécies flores-tais comerciais como a andiroba (Figura 3).

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15%

15%

15%10%

25%

20%

Limpeza

Horta

Horta/Limpeza

Limpeza/Novas espécies

Introdução de novasespécies

Horta/Produção de mudas

Figura 3 - Mudanças implantadas pelos educandos do Projovem Campo Saberes da Terra em seus quintais com a orientação dos professores.

Fonte: Silva, 2010.

Observou-se nos quintais agroflorestais dos educandos do Pro-grama Projovem Campo Saberes da Terra, uma a riqueza e o seu po-tencial para atender e/ou complementar as necessidades básicas de sobrevivência e segurança alimentar das famílias. Essa composição dos quintais permite aos educandos agricultores uma produção sustentá-vel de base agroecológica utilizando o mínimo de insumos externos e propiciando a suas famílias alimentos nutritivos e saudáveis por se-rem produzidos sem o uso de agrotóxicos. O quintal também propicia aos educandos uma renda invisível, levando em consideração que eles retiram do quintal, boa parte dos alimentos que são consumidos pe-los membros da família como as frutas, verduras, legumes e fontes de proteínas como as aves e suínos, alimentos esses que eles não precisam comprar e que até podem vender o excedente nas feiras da cidade.

Para tanto o programa Saberes da Terra através da pedagogia da alternância e pautado no tripé agricultura familiar, agroecologia e sustentabilidade procura repassar para os educando no Tempo Es-cola os conceitos e aplicações da agroecologia, do desenvolvimento

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sustentável, do resgate das tradições da produção de alimentos sau-dáveis, da valorização do homem do campo e de suas relações com a natureza. Conceitos que foram parcialmente perdidos em detri-mento das campanhas de modernização do campo e da evasão dos agricultores para as cidades em busca de melhores condições de vida. Tais conceitos são postos em práticas no Tempo Comunidade onde os educandos aplicam o que aprenderam no Tempo Escola nas suas propriedades, a construção de hortas, canteiros, produção de mudas, roça sem queima, rotação de cultura, produção de adubo orgânico, melhoramento das casas de farinha, introdução de novas espécies nos quintais, criação de abelhas para a comercialização de mel e própoles entre outros são exemplos de mudanças que os educandos fizeram em suas propriedades a partir das aulas do programa. Essas mudan-ças mostram que o programa no município de Bragança, Pará, esta atingindo o seu objetivo de valorização do homem do campo, da sua identidade cultural, da sua produção familiar agroecológica e da sua permanência no campo com dignidade e a valorização que eles têm por direito enquanto cidadãos.

4 . Considerações Finais

A pesquisa mostra que a idade dos quintais dos educandos do Projovem Campo Saberes da Terra variou entre 2 a 28 anos (com mé-dia de 14 anos), sendo que os quintais mais velhos e maiores são mais diversos e estruturalmente mais complexos.

De um modo geral, as áreas dos quintais agroflorestais apresen-tam dimensões coerentes com a disponibilidade de mão de obra fami-liar necessária à sua manutenção. A estrutura dos quintais não segue um arranjo regular quanto à distribuição das espécies em combinações e espaçamentos pré-estabelecidos. Porém, exploram de forma diferen-ciada os perfis verticais e horizontais da paisagem, com predomínio

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de espécies herbáceas, arbustivas e arbóreas, com diferentes idades. Os mesmos são compostos por uma grande diversidade de espécies vege-tais de usos múltiplos (alimentares, frutíferas, medicinais, ornamen-tais, e madeireiras), que são aleatoriamente distribuídas e com pre-sença de pequenos animais domésticos como: galinhas, patos, perus, galinha d`angola e porcos, que apresentam potenciais para atender e/ou complementar a alimentação da família.

A manutenção e o manejo dos quintais são feitos de forma sim-ples e com baixo custo envolvendo práticas tradicionais de cultivo de plantas desenvolvidas manualmente e executadas por todos os mem-bros da família, sendo que a contribuição maior é a da mulher.

Todos os educandos entrevistados afirmam que a participação no Programa fez com que eles dessem mais atenção aos quintais quan-to a sua importância para a segurança alimentar de suas famílias e também passassem a ver os mesmos como uma fonte de renda, mos-trando que o Programa Projovem Campo Saberes da Terra através da sua proposta pedagógica de Pedagogia da Alternância operacionaliza-da a partir da divisão sistemática do tempo e das atividades didáticas entre a escola e o ambiente familiar proporcionou aos educandos agri-cultores uma maior compreensão do seu espaço, da sua potencialidade, do seu valor perante a sociedade e da sua capacidade de promoção do desenvolvimento sustentável.

A partir dessa nova percepção construída dentro do programa os educandos começaram a fazer mudanças nos quintais como: lim-peza, construção de hortas, produção de mudas comerciais (açaí e an-diroba), produção de adubo orgânico e introdução de novas espécies. Em suma a composição dos quintais dos educandos agricultores per-mite uma produção sustentável de base agroecológica utilizando o mí-nimo de insumos externos e propiciando para suas famílias alimentos nutritivos e saudáveis por serem produzidos sem o uso de agrotóxicos.

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• Perspectivas da transição

agroecológica no município de São Felix do Xingu – PA[63]

Romier Sousa; Manuel Amaral Neto;

Ruth Silva; Katiuscia Miranda

1 . Introdução

Recentemente, estudos têm demonstrado que o modo de pro-dução camponês (PLOEG, 2008) possui maior capacidade de repro-dução social e produção de alimentos frente às mudanças climáticas e crise ecológica eminente no mundo, por sua maior resiliência[64] e adaptabilidade às condições desfavoráveis (Altieri; Nicholls, 2010; Ploeg, 2008, PETERSEN, 2011).

No entanto, grande parte destes grupos sociais vem perdendo sua capacidade de reprodução social e econômica nos últimos anos. Muitos por adesão aos pacotes tecnológicos modernizantes, o que os tornam dependentes de insumos externos e mercados cada vez mais flutuantes (Ploeg, 2008) e outros por colapso em seus sistemas

[63] Texto publicado originalmente nos Anais da Sociedade Brasileira de Sociologia e Eco-nomia Rural, 2013.[64] Ecossistemas ou agroecossistemas que possuem a capacidade de retornar ao seu equilíbrio após sofrerem alguma perturbação natural ou provocada pelos seres humanos.

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de produção tradicionais, principalmente em função do crescimento demográfico (Boserup, 1987) e pressão sobre seus recursos naturais pelo mercado.

Na Amazônia, vários estudos têm demonstrado as diversas va-riações destes modos de produção em função das trajetórias históricas dos grupos sociais, dos ecossistemas locais e condições políticas e eco-nômicas de funcionamento de seus estabelecimentos agrícolas. Hur-tienne (1999) descreve duas grandes teses de ocupação da Amazônia por estes grupos sociais. Uma de “ciclo de fronteira”, baseada em uma agricultura itinerante e insustentável econômica e ecologicamente e outra de “estabilização relativa através da complexificação” dos siste-mas de produção familiar, bastante demonstrados nos trabalhos de Costa et al (2000).

No caso das regiões Sul e Sudeste do Pará, Costa (2011) ressalta sua extraordinária dinâmica em função das diversas mudanças ocorri-das nos últimos 40 anos.

Lá se alocaram os grandes projetos pecuários iniciados pela SU-DAM desde meados dos anos sessenta, os quais confrontaram frentes de expansão da agricultura familiar, inicialmente espontâ-neas nos anos cinqüenta, sessenta e setenta, depois induzidas nos anos oitenta e noventa por dinâmicas institucionais - como os as-sentamentos da reforma agrária – e econômicas - como a ocorrên-cia de grandes projetos minerais e de surtos garimpeiros. Como partes do processo ocorreram transformações estruturais impor-tantes, que de um lado implicaram a transformação de agentes mercantis e extrativistas da economia da madeira e da Castanha--do-Pará em pecuaristas de médio e grande porte; de outro lado, reforçaram o papel dos centros urbanos e suas bases rurais locais na logística de novos setores econômicos condicionados pela for-mação da economia mineral, posto que se trata da principal área

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de atuação da Companhia Vale do Rio Doce no Pará, onde explora seu sistema norte de metais ferrosos com base em Carajás e onde expandirá e diversificará nos próximos seis anos de modo vigoroso sua produção (COSTA, 2011, p 03).

Estas mudanças ao longo do tempo consolidaram a região como uma grande produtora de matéria-prima para a exportação, como o minério de ferro, madeira em tora, a carne bovina, entre outros. No entanto, esta suposta “geração de riquezas” através de grandes projetos, trouxe um custo social e ambiental bastante alto a população regio-nal. Diversos estudos demonstram a violência e as mortes no campo, especialmente pela disputa de território entre fazendeiros e colonos (GUERRA, 2001; ASSIS, 2006). No campo ambiental, é constante os noticiários anunciarem os índices de desmatamento elevados anu-almente nos municípios que compõem este mosaico.

No caso do desmatamento, ações estatais e do Ministério Pú-blico Federal nos últimos anos vêm colocando em xeque este modelo de desenvolvimento, motivados por pressões internacionais e agentes da sociedade civil organizada. A realização de incursões e embargos, através de operações interministeriais objetivando a redução do des-matamento é um exemplo[65]. Desta forma, em 2011 iniciou-se a con-solidação de pactos entre sociedade civil organizada e Estados, nas suas diversas esferas (Federal, Estadual e Municipal), buscando a pro-moção do desenvolvimento em outras bases de sustentação.

No município de São Félix do Xingu, após esta agenda firmada (Pacto do desmatamento zero) construído por diversos setores da so-ciedade civil e órgãos estatais, começou-se a refletir sobre uma propos-

[65] Um exemplo destas ações é a Operação Arco Verde Terra Legal, uma ação do Governo Federal que abriu uma nova etapa de estratégia para estimular a implantação de modelos de produção sustentável e de prevenção e combate ao desmatamento e à grilagem de terras na Amazônia Legal (Governo Federal, 2011).

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ta de desenvolvimento com base na sustentabilidade. Neste sentido, o presente texto relata resultados de pesquisa realizada para subsidiar este debate na região. O objetivo da pesquisa foi de avaliar a condição sócio-técnica-ambiental dos sistemas familiares de produção em São Félix do Xingu-PA, visando à construção de uma agenda de transição agroecológica nos estabelecimentos rurais, nas comunidades e muni-cípio de forma participativa.

2 . Contexto do estudo

O presente estudo foi realizado em São Félix do Xingu, municí-pio situado no Sul do estado do Pará, a 695 km distantes em linha reta da capital, Belém. É o segundo maior município do Estado do Pará, com uma área territorial de 84.212 Km² (IBGE, 2010).

São Félix do Xingu é considerado um importante município em relação ao impacto do desmatamento na Amazônia, não somente por suas dimensões territoriais, mas por sua posição estratégica, sendo uma das ultimas áreas de amortização das principais Reservas de Florestas no Estado do Pará (a região da terra do meio). Dados do IMAZON em 2009 demonstram que São Félix do Xingu figurava como um dos principais municípios no Arco do Desmatamento:

Em agosto de 2009, o desmatamento foi maior no Pará (76%), e em menor proporção em Mato Grosso (8%), Amazonas (6%) e Rondônia (5%). Os demais estados contribuíram com cerca de 5% do desmatamento. No Pará, o desmatamento ocorreu de maneira mais concentrada no trecho da BR-163, que vai da fronteira com o Mato Grosso até Itaituba; na área de influência da rodovia Transa-mazônica entre os municípios de Marabá e Uruará e em São Félix do Xingu. O desmatamento foi expressivo nas Áreas Protegidas atingindo 48% do total no mês a maior proporção de desmatamen-

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to registrada pelo SAD. As Unidades de Conservação mais afeta-das pelo desmatamento foram APA Estadual Triunfo do Xingu (na Terra do Meio) com 18,7 quilômetros quadrados desmatados e Floresta Nacional do Jamanxim (BR- 163, Pará) com 4,2 quilôme-tros quadrados e a Terra Indígena Apyterewa (na Terra do Meio, Pará) com 10 quilômetros quadrados” (IMAZON, 2009, p 01).

Apesar de um número ainda alto no desmatamento, em 2011 há uma redução significativa e São Félix deixa de esta em os principais desmatadores do Estado (IMAZON 2011). Porém, não há clareza nos caminhos a serem traçados no sentido de manter esta diminuição.

3 . Abordagem teórico-metodológica

A proposição de uma agricultura do futuro deve ser tanto mais sustentável quanto altamente produtiva para poder alimentar a cres-cente população humana. Este duplo desafio coloca-se de forma que não é possível abandonar-se as práticas convencionais como um todo e retornar a estilos de agriculturas tradicionais ou indígenas. Pois, es-tes estilos de agriculturas, podem fornecer aprendizados valiosos sobre uma melhor harmonia entre sociedade e natureza (LIMA e POZZO-BON, 2005), no entanto, não podem produzir a quantidade de comida requerida para abastecer centros urbanos distantes e mercados globais.

Desta forma, é necessária uma nova abordagem no desenvolvi-mento de agriculturas, baseadas nos aspectos da conservação de recur-sos naturais, observados na agricultura tradicional e local, articulado com conhecimentos e métodos modernos, construídos a partir das re-alidades locais de cada território. É nesta perspectiva que se insere a ciência da Agroecologia (GLIESSMAN, 2005).

Costa Gomes (2006), aponta diversas dimensões fundamen-tais para o avanço da pesquisa em Agroecologia. Do ponto de vista

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metodológico, o locus da pesquisa agroecológica não se restringe aos laboratórios e campos experimentais. O conjunto de técnicas e mé-todos de investigação não se limita ao estatuto das ciências exatas ou naturais. Nesse tipo de enfoque, é necessário pluralismo metodoló-gico, com princípios da pesquisa participativa e de outras correntes das ciências humanas.

Neste sentido, o presente estudo buscou articular ferramentas metodológicas que vêm sendo desenvolvidas nas investigações em Agroecologia, especialmente a Análise Diagnóstico de Sistemas Agrá-rios (Mazoyer, 1987)[66] e a Investigação Ação participativa (IAP)[67] (Guzmán Casado et al, 2000).

3 .1 . Agricultura Familiar e o modo de produção CamponêsO debate sobre a função estratégica da agricultura de base fami-

liar no Brasil não é recente e ganha importância a partir de conjuntu-ras específicas ao longo do tempo, como as lutas sociais camponesas no início do século XX; a retomada das lutas na abertura democrática nos anos 80; o fortalecimento das organizações sociais dos agricul-tores e assentamento de milhares de famílias agricultoras nos anos 90; e mais recentemente com o reconhecimento do papel fundamen-tal na produção de alimentos, no manejo da agrobiodiversidade e na

[66] Metodologia desenvolvida com enfoque em estudos franceses, bastante disseminada no Brasil a partir de convênios de cooperação entre Brasil e França nos anos 90. Os principais elementos da metodologia utilizada basearam na realização do diagnóstico de campo, espe-cialmente na análise dos agroecossistemas, com enfoque nos sistemas de produção dos agri-cultores familiares. A lógica de tipologias de sistemas de produção e dos agricultores também foi mobilizada. (MAZOYER, 1987).[67] Parte do princípio que qualquer processo de desenvolvimento que se empreenda, será limitado, se não integrar as realidades, necessidades, aspirações e crenças dos beneficiários. E mais ainda se não integrar os beneficiários no processo como protagonistas. Estes estudos geram conhecimentos, porém não contribuem com a transformação social efetiva dos sujeitos envolvidos. Neste sentido, utilizou-se das ferramentas do IAP na construção do seminário de sensibilização das organizações locais e os agricultores participantes da pesquisa, além de refe-renciar o seminário de devolução das informações prevista no início da construção do estudo.

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pluriatividade dos estabelecimentos agrícolas familiares, dinamizando economias locais (FAO, 2000; Wanderley, 2009; MDA, 2010; SHE-NEIDER et al, 2009).

Utilizou-se a abordagem de PLOEG (2008; 2009) no sentido de fazer uma diferenciação no que ele chama de modo de produção cam-ponês e modo empresarial.

O conceito de co-produção, elemento definidor do modo de pro-dução camponês, entendido como a interação e transformação mútua constantes entre o homem e natureza viva também foi mobilizado neste estudo. Este conceito ajuda a compreender as constantes configura-ções e reconfigurações dos recursos naturais a partir dos conhecimen-tos locais utilizados pelos agricultores. Outro conceito importante para este estudo é o de recampenização, expressão moderna para a luta por autonomia e sobrevivência em um contexto de privação e dependência.

3 .2 . Agroecologia, Agroecossistemas e Transição AgroecológicaA Agroecologia é definida como a aplicação de conceitos e prin-

cípios ecológicos no desenho e manejo de agroecossistemas sustentáveis. A agroecologia proporciona o conhecimento e a metodologia necessários para o desenvolvimento de uma agricultura ambientalmente consistente, alta-mente produtiva e economicamente viável (Gliessman, 2005, pp.54).

Para González de Molina (1992); Sevilla Guzmán; González de Molina (1996); a agroecologia corresponde a um campo de estudos que pretende o manejo ecológico dos recursos naturais, partindo de uma ação social coletiva de caráter participativo; de um enfoque holístico; e de uma estratégia sistêmica – reconduzir o curso alterado da coevolução social[68] e ecológica, mediante um controle das forças produtivas, bus-cando superar as formas degradantes e espoliadoras da natureza e da

[68] A Coevolução social é um conceito de Norgaard (1984), onde “a mudança social é fruto da coevolução entre sistemas sociais e meio ambiente”.

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sociedade. Em tal estratégia, dizem os autores, a dimensão local possui um papel central, por ser portadora de um potencial endógeno, rico em recursos, conhecimentos e saberes que facilita a implementação de estilos de agricultura potencializadores da biodiversidade ecológica e da diversidade sociocultural.

No Brasil, Schmitt (2009), reforça que a agroecologia passou a se afirmar, como uma referência conceitual e metodológica a partir do início dos anos 1990. Isto foi fruto em grande medida, da incorpora-ção desta abordagem por organizações da sociedade civil organizada, ligadas a chamada agricultura alternativa[69]. Porém, este movimento centra-se num primeiro momento nas mudanças tecnológicas dos pa-drões de desenvolvimento rural[70].

A tradução e publicação no Brasil em 1989, do livro Agroecologia: as bases científicas da agricultura alternativa de Miguel Altieri (1989) foi, sem dúvida, um marco importante na passagem de uma concep-ção centrada na difusão de práticas tecnológicas específicas (adubação verde, compostagem, utilização de caldas no manejo de pragas e doen-ças, entre outras) para uma abordagem que tomava o agroecossistema como unidade de análise e intervenção, (Schmitt, 2009).

É a partir dessa visão ampla da Agroecologia que o presen-te estudo se insere. Para isso, utilizou-se a perspectiva de Sevilla Gusman (2006) em relação às diferentes dimensões da agroecolo-gia: dimensão ecológica e técnica - agronômica, onde os agroe-cossistemas são unidades de análise privilegiados; a dimensão so-cioeconômica e cultural - com a incorporação de um panorama histórico da relação entre natureza e sociedade e da valorização do

[69] Diversos estudos referenciam o histórico de construção da Agroecologia pelos movimen-tos sociais, com destaque para (ALMEIDA, 1998); (PETERSEN; GOMES de ALMEIDA, 2004); (GOMES de ALMEIDA, 2009).[70] Para aprofundamentos sobre o papel da assessoria técnica no Brasil ver (CAPORAL; COSTABEBER, 2000); (CAPORAL, 1998).

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conhecimento local, e a dimensão sociopolítica, colocando o foco na expansão da Agroecologia a partir do fortalecimento de grupos locais e sua inserção em políticas de Estado que garanta a expansão das agriculturas de base ecológicas, valorizando diversos caminhos para superar as experiências localizadas, sem perder os aprendiza-dos das mesmas.

Nesta perspectiva, o conceito de Agroecossistema torna-se fun-damental. Altieri (2001, p.28) ressalta que os agroecossistemas são comunidades de plantas e animais interagindo com seu ambiente físico e químico que foi modificado para produzir alimentos, fibras, combustível e outros produtos para o consumo e processamento, satisfazendo as necessi-dades humanas.

Nesta lógica, pensar um processo de transição agroecológica exige planejamento e tempo, pois dependendo do nível de degra-dação ambiental e dependência de insumos externos, o processo de transição pode ser complexo, exigindo mudanças nas práticas de campo, na gestão da unidade de produção agrícola e no planejamento. Gliessman (2005) desenvolveu uma abordagem com base em níveis de transição, onde não há necessariamente uma ascendência vertical e linear de um nível à outro, mas alguns princípios estabelecidos para as mudanças graduais de acordo com o potencial e possibilidades de cada família de agricultores.

No entanto é importante reforçar que estes níveis de transi-ção não são lineares e ajudam de forma didática a compreender as possibilidades de mudanças necessárias no agroecossistema para a construção da sustentabilidade. Mas não podem ser utilizados de maneira estática e sem uma leitura clara dos diversos tipos de mane-jo praticados pelas famílias de agricultores. No caso da Amazônia, a observância desta ressalva torna-se mais relevante, pois grande par-te dos agricultores familiares não desenvolveu práticas convencio-nais de produção, mantendo agroecossistemas tradicionais. Talvez

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a transição agroecológica neste território, está mais relacionada à valorização das práticas sociais que favorecem a relação sociedade--natureza (sistemas de policultivos, manejo da fertilidade natural, etc.), buscando identifica possíveis “vazios tecnológicos” que pos-sam ser estudados, experimentados de forma participativa com os grupos sociais envolvidos.

3 .3 Detalhamento das fases do estudoVisando realizar uma sensibilização inicial das organizações

para o desenvolvimento do estudo no município e construir uma refle-xão sobre a transição agroecológica, realizou-se no dia 23 de setembro de 2011 uma Oficina conceitual na sede municipal com a presença de técnicos de Instituições Governamentais, Não-Governamentais e agricultores familiares. Participaram cerca de 20 pessoas de 10 organi-zações atuantes no município. A programação da oficina contou com um momento de construção coletiva pelos participantes da percepção sobre a sustentabilidade sócio-ambiental das famílias de agricultores em São Félix do Xingu, onde foi utilizada a metodologia do desenho do lote dos sonhos.

Após este momento inicial, foi realizada uma discussão sobre os elementos conceituais da transição agroecológica que tem inspirado processos de mudanças em diversas regiões do Brasil. A partir deste momento, foram definidas famílias a serem visitadas em diversas co-munidades do Município.

A escolha das famílias foi realizada a partir de consultas prévias junto às entidades de Assessoria Técnica, Organizações representati-vas e Instituições Governamentais, buscando identificar famílias que estivessem dentro dos seguintes critérios pré-estabelecidos: a) agri-cultores com intervenção técnica (curto, médio e longo prazo) e sem intervenção técnica; b) experiências de diferentes modalidades fun-diárias. O objetivo não foi selecionar os “melhores estabelecimentos”

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sobre a visão das organizações consultadas, mas aquelas que pudessem trazer aprendizados quanto as possibilidades de implementação de processos de transição agroecológica.

Foi utilizado um conjunto de instrumentais metodológicos que privilegiasse um diálogo com agricultores, buscando construir informa-ções relevantes para o estudo. As entrevistas ocorreram nos estabeleci-mentos das famílias. Foram realizadas entre os dias 24 a 28 de setembro de 2011, num total de 08 (oito) estabelecimentos familiares visitados.

Na metodologia proposta, não se buscou um caráter de represen-tatividade dos agricultores no âmbito municipal. A entrevista, apesar de realizar o levantamento de dados quantitativos dos estabelecimentos fa-miliares, foi utilizada numa perspectiva de análise qualitativa, apontan-do prováveis tendências futuras da agricultura familiar em São Félix do Xingu. Utilizou-se os seguintes instrumentais de coleta de informações: Mapa mental: Desenvolvida em todas as entrevistas, com objetivo de construção de uma visão integrada do estabelecimento pelos membros da família; Entrevistas semiestruturadas com agricultores(as): conversa realizada (em cada lote) na forma de entrevista semiestruturada, baseada num roteiro previamente elaborado com os tópicos e informações que se desejava obter, principalmente para realização da análise econômica do estabelecimento familiar. Buscou-se conversar com os membros da família, garantindo assim uma visão mais ampla da gestão e tomada de decisões no âmbito familiar; e Georeferenciamento dos estabelecimen-tos familiares: foram realizadas anotações das principais coordenadas nos estabelecimentos, visando à comparação com os mapas disponíveis atualmente, para auferir o uso da terra de maneira espacial.

Foram realizadas entrevistas com atores chaves no município no que tange o processo de desenvolvimento rural e perspectivas para a implementação de uma ação visando a transição agroecoló-gica. Estes atores foram identificados a partir de seu envolvimento com a Agricultura Familiar, bem como a partir do Diagnóstico do

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tecido social realizado pelo Instituto de Educação do Brasil - IEB (IEB, 2009) [71].

Visando garantir o princípio da participação dos sujeitos da pesquisa e a possibilidade de reflexão coletiva sobre os resultados obtidos, realizou-se nos dias 26 e 27 de janeiro de 2012 na sede mu-nicipal de São Félix do Xingu o Seminário “Perspectivas Agroecoló-gicas para Agricultura Familiar em São Félix do Xingu: socialização de estudo”. O evento contou com a participação de 41 pessoas, sendo 27 agricultores e agricultoras familiares e 14 técnicos de Instituições Governamentais e ONGs.

O referido Seminário teve como principal objetivo realizar a restituição das informações produzidas a partir do diagnóstico realiza-do em setembro/2011 e proporcionar uma reflexão participativa sobre as possibilidades de construção de uma agenda política de desenvolvi-mento de alternativas sustentáveis a partir das práticas das agriculturas familiares camponesas de São Félix do Xingu-PA.

Para análise das informações coletadas foi adotado um enfoque qualitativo, não havendo um delineamento estatístico representativo dos agricultores no município. No entanto, utilizaram-se dados histó-ricos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para realizar uma leitura de conjunto da situação dos agroecossistemas de São Félix do Xingu e suas transformações ao longo do tempo.

As informações das entrevistas com os agricultores foram inseri-das em um Banco de Dados, onde se estabeleceu categorias analíticas visando uma reflexão com bases em tipologias dos estabelecimentos agrícolas e das famílias (MAZOYER, 1987).

Para o tratamento das informações econômicas das famílias, uti-lizou-se um Banco de Dados desenvolvido pela ASPTA, para análise

[71] Como garantia de princípios éticos na pesquisa, os nomes dos entrevistados serão manti-dos no anonimato, sendo atribuídos nomes fictícios ou relacionados às Instituições dos quais os mesmos fazem parte, refletindo assim um posicionamento Institucional e não pessoal.

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histórica de agroecossistemas familiares, referenciando-se nos estudos de ASPTA (2001), Almeida; Fernandes (2005), REDE ATER Nor-deste (2010) e Petersen (2011). Os dados foram construídos com base no ano de 2010.

4 . Resultados e Discussão

4 .1 . Evolução sócio-histórica dos agroecossistemasA ocupação territorial de São Félix do Xingu é relativamente

recente do ponto de vista histórico. São Feliz do Xingu se situa como parte de uma grande frente de penetração e “abertura” da região ama-zônica, a chamada frente Xingu-Iriri. Essa frente se forma a partir de duas outras frentes de ocupação mais antigas no Estado do Pará e diretamente ligadas aos Estados vizinhos do Maranhão, Tocantins (antigo norte de Goiás): a região de Conceição do Araguaia-Reden-ção e a região de Marabá (Escada et al, 2005).

Possui uma estrutura agrária formada a partir de um mosaico de ocupação humana, onde 76% (64.000,00 km²) do município en-contra-se sob domínio de áreas protegidas, sendo: 5% (3.032 km²) em projetos de assentamentos; 7% (4.777 km²) em áreas de Proteção In-tegral; 18% (11.282 km²) em áreas de Uso Sustentável; e 70% (44.908 km²) em áreas de Terras Indígenas (Kayapó e Menkranotire, ao sul, e Apyterewa, Arawete e Trincheira Bacajá ao norte) (IEB, 2009).

A estrutura fundiária é bastante concentrada, onde aproximada-mente 17% dos estabelecimentos rurais considerados não familiares detêm cerca de 82,5 % da área. E mais de 80% dos estabelecimentos familiares ocupam apenas 17,5% do total de terras (IBGE - Censo Agropecuário, 2006).

Esta lógica de concentração territorial esta diretamente rela-cionada ao processo histórico de concessão e ocupação de terras no município. Escada et al (2005) ressalta que em um primeiro mo-

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mento não era o sentido da produção ou mesmo de exploração dos recursos naturais que dava o tom para a apropriação fundiária, mas a busca de garantia efetiva da posse da terra, inclusive valendo-se de meios ilícitos para isto:

Nesse processo de apropriação fundiária, dominante no momento atual na região do Iriri, o que dá o tom não é a produção, e nem mesmo a exploração predatória de recursos naturais, e sim assegurar a posse da terra, base para futuras atividades produtivas e também de especulação com seu valor. É importante mencionar a influên-cia de capitais provenientes de atividades ilícitas nesse processo de apropriação fundiária, que permite colocar seus detentores na base da estrutura político-administrativa dos possíveis futuros municípios da região, criando mais complicadores (ESCADA et al, 2005, p.09).

No caso dos agricultores familiares, a possibilidade de acesso a lotes de terra também tem ocorrido de formas diferentes, entre as quais pode-se destacar a aquisição através do Instituto de Terras do Pará - ITERPA, da compra de lotes ou através de ocupação (essa modalidade aparentemente adotada em menor proporção na região se comparada às fronteiras de Marabá e do sul do estado); a partir de meados dos anos 1990, a chegada do INCRA e a criação dos Projetos de Assentamento abrem outras possibilidades de acesso a terra para as famílias de agri-cultores. Os tamanhos dos lotes, em média, são de 100 ha, geralmente localizados às margens das estradas (OLIVEIRA; VEIGA, 2006).

4 .2 . Evolução sócio-técnica dos AgroecossistemasForam analisados de maneira mais detalhada os aspectos sócio-

-técnicos dos agroecossistemas, visando identificar suas potencialidades, limites e tendências para uma perspectiva de transição agroecológica mu-nicipal, objetivando a construção da sustentabilidade sócio-ambiental.

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Os dados sobre as famílias entrevistadas revelam uma grande diversidade de tipos de agroecossistemas em termos de uso e ocupação do solo e trajetórias sócio-históricas das famílias (QUADRO 01).

Quadro 01 – Indicadores de caracterização dos Agroecossistemas vi-sitados em São Félix do Xingu-PA

Indicadores EF1 EF2 EF3 EF4 EF5 EF6 EF7 EF8Diversificação da produção ++ + + +++ - - + +++

Manutenção da Biodiversidade -- ++ -- - +++ ++ ++ +++

Uso de insumos externos -- +++ - + +++ + - ++

Gestão doTrabalho + +++ + + ++ + + ++

Acesso a mercados diversificados +++ + - +++ - + ++ +++

Segurança na posse da terra +++ - + +++ - - + +

Renda econômica +++ + + +++ - - + +++Onde: -- equivale ao menor valor (ruim) e +++ equivale ao maior valor (ótimo).

EF: Estabelecimento Familiar

FONTE: Pesquisa de Campo, elaboração dos autores, IEB (2011).

Com base em indicadores estabelecidos na pesquisa (QUADRO 01) foi construída uma tipologia dos estabelecimentos agrícolas:

a) Estabelecimentos “estabilizados”: produção bem diversificada, com gestão do trabalho familiar e contratação de mão-de-obra es-porádica, especialmente nos períodos de intensificação do trabalho (roçagem de pasto, poda e colheita do cacau), acesso a mercados diversificados (Cooperativa, Feira, venda direta, etc.), segurança na

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posse da terra e renda econômica agrícola satisfatória. Em geral são famílias que possuem um tempo de uso da terra elevado (média de 25 anos) e encontram-se próximos ao centro urbano municipal. Fazem uso de insumos externos à propriedade, no entanto não se percebeu uma dependência excessiva dos mesmos. Possuem baixa quantidade de reserva legal, mas vêm recuperando com a introdu-ção de cultivos perenes em consócios ou em sistemas agroflorestais.

b) Estabelecimento “em estabilização”: produção diversificada, com gestão do trabalho familiar e com relações de reciprocidade, acesso a mercados limitados, segurança da posse da terra relativa (sem ti-tulo definitivo de terras) e renda econômica agrícola média. Fazem pouco uso de insumos externos e possuem ainda áreas de reserva legal (pequena). Vêm introduzindo cultivos perenes em forma de consórcios ou em sistemas agroflorestais.

c) Estabelecimentos “Não estabilizados”: Produção com baixa di-versificação, baseada em cultivos temporários (roça) e cultivos pe-renes (cacau), gestão do trabalho familiar, acesso a mercados limi-tados, pouca segurança na posse da terra (sem titulo definitivo), e renda econômica agrícola baixa, com dependência de rendas não agrícolas (trabalho fora do estabelecimento). Baixo uso de insumos externos. Possuem reserva legal como estoque para cultivos anuais.

Buscou-se ainda estabelecer uma tipologia a partir do grau de inovação existente nos agroecossistemas no que diz respeito à inten-sificação para uma agricultura familiar de base ecológica (adotando os princípios da Agroecologia) ou uma agricultura modernizante, no sentido da especialização e estabelecimento de laços estreitos de de-pendências dos mercados agrícolas. Percebe-se que a maioria dos agri-cultores vêm buscando, de diferentes formas, realizar inovações nos seus estabelecimentos agrícolas, e que de maneira geral, há uma ten-dência a diversificação e busca de autonomia dos sistemas de produção

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a partir do uso de tecnologias menos dependentes dos mercados. No entanto, alguns agricultores vêm adotando também tecnologias mo-dernizantes, especialmente o uso de agrotóxicos, com destaque para o uso de herbicidas.

As informações obtidas nos estabelecimentos agrícolas visita-dos não possibilitam a extrapolação destas categorias para o conjunto das famílias em São Félix do Xingu. Contudo com base em infor-mações de estudos mais amplos (Sablayrolles et al, 2010) em relação a quantidade de famílias, dados recentes do IMAFLORA (2011)[72] sobre agricultores familiares que possuem cultivos de cacau e dados do IBGE é possível realizar uma extrapolação e propor uma caracteriza-ção mais geral apontando algumas tendências, ressaltando que toda tipologia possui seus limites em relação a representação da realidade concreta existente.

Sablayrolles et al (2010) com base em dados da Comissão Pas-toral da Terra (2006), retrata uma configuração geral das famílias da Área de Proteção Ambiental do Triunfo, apresentando os principais grupos de ocupação da área. De maneira geral, os agroecossistemas familiares no município sofreram grande impacto no uso da terra nos primeiros anos de ocupação, especialmente com a retirada da floresta primária ou capoeirão para implantação de pastagem. Grande parte desta mudança de paisagem foi proporcionada pela exploração ilegal da madeira em um primeiro momento, seguido do apoio estatal atra-vés de políticas de incentivo a pecuária através do crédito, principal-mente FNO e PRONAF.

Os agroecossistemas mais antigos baseados em pastagem co-meçam a dar sinais de esgotamento, especialmente com degradação do pasto por uso intensivo de fogo ou mesmo por manejo inadequa-

[72] Estudo realizado por IMAFLORA em 46 estabelecimentos familiares em São Félix do Xingu, com vistas à implantação de melhorias nos sistemas de produção, especialmente na produção de cacau.

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do através da superação da capacidade suporte[73] dos mesmos. Estes agroecossistemas assemelham-se ao que Costa (2009) vai chamar de Trajetória Camponesa 3 – com uso extensivo do solo, homogeneiza-ção da paisagem, causando um alto impacto na biodiversidade e inten-sa formação de dejetos na forma de emissões poluentes e áreas degra-dadas. Estão normalmente associados à produção de cultivos anuais em sistema de corte-queima (Agroecossistema I) .

Dentro desta lógica percebe-se uma mudança nos agroecossis-temas nos últimos anos (nos últimos 10 anos isto tenha se acentuado). Há uma tendência de diversificação dos agroecossistemas, principal-mente a partir de pequenos e médios animais e cultivos perenes. Estas mudanças parecem que estão ocorrendo a partir de redes sócio-técni-cas ainda pouco estudadas, aonde os agricultores por iniciativas pró-prias vêm buscando experimentar, num processo de tentativas e erros, diversos tipos de cultivos e criações, tendo em vista que não se percebe uma política de estado clara nesta direção (Agroecossistema II) .

Outro grupo de agroecossistemas vem adotando de maneira mais lenta e constante práticas modernizantes, especialmente com a intensificação de uso de herbicidas e outros agrotóxicos nos cultivos e pastagens. Também se observa o uso de adubos químicos inorgânicos, bastante incentivados pelas assessorias técnicas. O crédito, neste as-pecto cumpre papel central, pois o estabelecimento de “pacotes tecno-lógicos” padrões são em geral condição para a aprovação dos projetos elaborados (Agroecossistema III) .

Por fim, percebe-se um grupo menor de agricultores familiares que vem redesenhando seus agroecossistemas a partir da introdução

[73] Taxa de lotação em uma pressão de pastejo ótima, durante um período de tempo definido, no qual se obtém máximo ganho por área, sem causar a degradação da pastagem. A capaci-dade de suporte das pastagens é bastante variável em função do solo, clima, estação do ano e espécie ou cultivar forrageira, fatores esses que irão determinar a oferta de forragem ao longo do ano. Além disso, o desempenho animal necessário ou desejado e o sistema de produção adotado têm efeito marcante na capacidade de suporte da pastagem.

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de um conjunto de inovações, especialmente na associação de diversos subsistemas, potencializando a produção por unidade de área e forta-lecendo a autonomia em relação aos mercados (Agroecossistema IV) .

A partir desta tipologia geral, desenvolveu-se dois cenários de ten-dências para a evolução dos agroecossistemas no município de São Felix do Xingu. O Cenário I foi estabelecido com a hipótese de um apoio das políticas públicas a um processo amplo de transição agroecológica. Nesta lógica, há uma possibilidade de aumento das agriculturas de base ecológica a partir dos princípios da Agroecologia, fortalecendo assim um modo de produção camponês com diferentes graus de transição. Num cenário II, onde as políticas públicas permanecem fortalecendo a adoção de pacotes tecnológicos modernizantes, há uma tendência de redução da agricultura familiar camponesa por uma especialização nas atividades produtivas e alta dependência de mercados flutuantes, reduzindo as pers-pectivas de sustentabilidade sócio-ambiental (Figura 01).

Figura 01 – Modelização da evolução dos agroecossistemas familiares em São Felix do Xingu – PA.

Fonte: Pesquisa de campo (2011).

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Em relação à autonomia dos agroecossistemas, historicamente os camponeses sempre lutaram pela mesma, no sentido de possuírem liberdade em suas tomadas de decisões e gestão dos seus estabelecimen-tos familiares (PLOEG, 2008). Contudo, esta luta sempre esteve rela-cionada à ambientes hostis. Talvez, o mais comum é pensar uma luta a partir das disputas estabelecidas pelas organizações sociais por terra, trabalho, assistência técnica, crédito, etc.. Este tipo de luta é freqüente na região Sul e Sudeste do Pará e bastante documentada (GUERRA, 2001; HÉBETTE, 2004; MICHELLOTTI, 2008; ASSIS, 2009).

No entanto, a questão da autonomia, a pesar de esta diretamente relacionada com esta perspectiva [de luta], é de outra natureza. Esta ligada às possibilidades dos agricultores familiares estabelecerem seus espaços de manobra (PLOEG, 2008). Aparecem mais frequentemente, quase de for-ma continua, nos currais, nos cultivos para o consumo, nas plantações de sistemas de policultivos, na gestão da semente, na produção da fertilidade dos solos no próprio estabelecimento. Em fim, nas diversas decisões que precisam ser tomadas em relação à gestão dos estabelecimentos familiares.

Neste sentido, refletiu-se sobre as informações coletadas nos es-tabelecimentos familiares visitados, buscando analisar o grau de auto-nomia sobre diferentes dimensões.

I) Dimensão Econômica Os agroecossistemas estudados são em geral diversificados

(Quadro 02). Estudos recentes na região de Marabá vêm demonstran-do que houve uma predominância de uma forte trajetória em direção à pecuarização da agricultura familiar nos anos 80 e início dos 90. No entanto, desde meados dos anos 2000 cresceu a preocupação dos agricultores com uma maior diversificação dos sistemas de produção (MICHELOTTI; RODRIGUES, 2004).

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Quadro 02 – Tipologia dos Sistemas Familiares de Produção – São Félix do Xingu - PA

EstabelecimentoFamiliar Tipologia do Sistema de Produção

1 Gado + Cacau + Sítio + Peq. Animais + Horta

2 SAFs (Cupuaçu+Açaí+Mogno) + Cacau + Peixe + Açaí

3 Gado + Cacau + Peq. Animais + Sítio

4 Gado + Cacau + Açaí + Sítio + Agroindústria de Cana + Roça (policultivo)

5 Roça (Mandioca) + Cacau + Agroindústria de Farinha

6 Cacau + Abelha + Roça (Milho)

7 Cacau + Roça (Milho) + Horta + Gado + Peq. Animais

8Cacau + Sítio + SAFs (Cupuaçu+Açaí+Castanha) + Peq. Animais + Médio Animais + Açaí + Roça (Mi-lho) + Gado

Fonte: Pesquisa de Campo (2011)

Quanto mais antigos os agroecossistemas estudados, mais di-versificados os mesmos vem se tornando. A maioria dos estabele-cimentos possui o sub-sistema de gado bovino, inclusive como um dos principais geradores de renda monetária e produção de estoque (Figura 02). No entanto, este sub-sistema tem cedido lugar em relação as estratégias de acúmulo e gestão das famílias à diferentes sub-sistemas de produção animal (peq. Animais) e vegetal (cultu-ras permanentes e horticultura em áreas mais próximas do núcleo urbano municipal).

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Figura 02 – Valor Agregado Bruto (VAB) de um Estabelecimento Agrícola Familiar por sub – Sistema em São Félix do Xingu - PA.

Fonte: Pesquisa de Campo, 2011.

Isto pode está associado há garantia mínima da produção de alimentos básicos, favorecendo o autoconsumo familiar e a indepen-dência do mercado, assim como pode apontar uma tendência de re-produção social e econômica das famílias a longo prazo (permanência na terra), inviabilizando as teses de “agricultura de migração”[74].

Estudo realizado no Nordeste do Brasil demonstrou que a cria-ção animal também está no centro da estratégia de capitalização das unidades familiares da região, possibilitando a acumulação material das famílias para investimento nas propriedades (compra de equipa-mentos e de infraestruturas) para a aquisição de novas terras e tam-bém para as despesas com o custeio das lavouras (compra de esterco, contratação de serviços de terceiros etc.) (SILVEIRA; PETERSEN, 2002). Fato semelhante é encontrado em São Félix do Xingu.

Os estabelecimentos familiares “estabilizados” possuem uma autonomia econômica consolidada. Este fato deve-se em grande me-dida ao tempo de permanência na terra (média de 25 anos), acesso a recursos de crédito (todos acessaram crédito), diversificação das ren-

[74] Alguns estudos apontam que os camponeses são tradicionalmente migrantes e mudam-se de tempos em tempos de seus estabelecimentos em função da disponibilidade de recursos naturais para conversão em sistemas de cultivos temporários (HUTIENNE, 1999).

R$ 25.000,00

Gado bovino Roça Horta Cacau Peq. Animais

R$ 20.000,00

R$ 15.000,00

R$ 10.000,00

R$ 5.000,00

R$ 0,00

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das agrícolas, e acesso a mercados diversos. A maior parte da renda deste grupo e representada pelo estoque constituído principalmente pelas cabeças de gado. O gado bovino tem funcionado como uma espécie de poupança (estoque), onde é possível ir alçando mão deste recurso acumulado para implementação de atividades complemen-tares ou articulado a produção agrícola. No entanto, estes estabeleci-mentos possuem em geral baixa diversidade de recursos naturais em função de sua transformação em pastagens (não possuem áreas de Reserva Legal).

Por outro lado, os estabelecimentos “não estabilizados” não pos-suem estoque na composição de renda e em geral dependem da venda de mão de obra para manutenção e reprodução da família. Há estudos que mostram a importância das rendas não agrícolas no processo de acumulação inicial das famílias. Os recursos ganhos são reinvestidos no estabelecimento visando sua estabilização. Estes estabelecimentos possuem ainda uma estratégia bem clara de manutenção da família a partir da produção de alimentos básicos (Autoconsumo). O tempo pequeno de uso da terra, a disponibilidade de mão de obra e as dificul-dades inerentes a distância do centro urbano municipal e comerciali-zação da produção podem ser os limitantes na autonomia econômica destas famílias.

O limite observado nestes agroecossistemas está relacionado à degradação da pastagem em função do tempo de implantação e os problemas com manejo, principalmente no que tange a “limpeza” do pasto com fogo, quase que anualmente e os problemas ocasionados por ultrapassarem a capacidade suporte da pastagem.

O depoimento de um Técnico do município sobre este manejo é revelador:

A dinâmica da pastagem é simples roça, toca fogo, e jogar as sementes a parti desse momento já ta feita à pastagem, alguns

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produtores maiores hoje já utilizam a recuperação ou pastagem com o plantio de cultura, planta milho na verdade na área ela aduba, corrige planta milho e logo em seguida capina tira o mi-lho e daí pra frente. O pequeno não, o pequeno só faz a correção que ele normalmente faz é fogo, larga fogo [...] (Acapu, Técnico de uma prestadora de serviço do município, em entrevistas aos autores em 2011)

Outro aspecto importante é a extrapolação da capacidade su-porte das pastagens. Este fato ocorre principalmente pela ausência de divisórias nas pastagens (mangas), caracterizando um sistema extre-mamente extensivo de criação.

Em relação aos estabelecimentos agrícolas “em estabilização”, percebe-se que há uma composição de renda diversa, mas com uma significativa importância da renda agrícola monetária (RAM).

No entanto, é importante frisar que todos os agroecossistemas estudados apresentaram rendas totais superiores aos seus gastos to-tais[75], demonstrando, que apesar das dificuldades enfrentadas nos diferentes tipos de estabelecimentos, os mesmos vêm conseguin-do reproduzir-se economicamente, garantindo assim sua autono-mia. Porém, quando comparado os custos com as rendas agrícolas os estabelecimentos não estabilizados ainda possuem dificuldade de pagamento dos custos totais. Dois estabelecimentos estudados possuem rendas agrícolas líquidas menores que seus custos totais e um estabelecimento possui Renda Agrícola Líquida igual aos Cus-tos Totais (Figura 03).

[75] Não foi possível aqui auferir os gastos com impostos, transporte e investimentos em equipamentos e implementos agrícolas. Somente estão sendo computados gastos de custeio na produção agrícola e no uso domestico (alimentação, vestimenta, despesas com remédios).

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Figura 03 – Relação entre Renda Agrícola, Renda Total com os Custos Totais dos estabele-cimentos familiares

Fonte: Pesquisa de campo (2011)

II) Dimensão Alimentar De maneira geral todos os agroecosistemas possuem parte de sua

uma produção destinada ao autoconsumo da família, podendo indicar um elemento forte de resistência (PLOEG, 2008). Pois, independente das flutuações dos preços dos produtos de mercado, as famílias conse-guem manter-se no estabelecimento agrícola (Figura 04).

Figura 04 – Relação entre os gastos alimentares comprados e o produzido no estabelecimento para autoconsumo familiar.

Fonte: Pesquisa de campo (2011)

Renda Agrícola Renda Total Custo Total120.000,00

100.000,00

80.000,00

60.000,00

40.000,00

20.000,00

0,00 EF1 EF2 EF3 EF4 EF5 EF6 EF7 EF8 Mediana

Gastos Alimentos Comprados Autoconsumo100%

90%80%70%60%50%40%30%20%10%

0%A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8

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Quase metade da alimentação consumida é produzida pelas famílias nos estabelecimentos agrícolas (44%). A segurança ali-mentar é aqui considerada no sentido da disponibilidade e aces-so aos alimentos e da qualidade destes. Constatou-se que apesar do uso de insumos externos como adubos químicos e agrotóxicos, estes não tem comprometido a qualidade dos alimentos consumi-dos pelas famílias, tendo em vista que seu uso é ocasional e muito centrado nos subsistemas de gado bovino e cacau. Constatou-se a importância da produção voltada para o autoconsumo, onde os sub-sistemas de roça, horta e criação de pequenos animais pos-suem um papel fundamental. Não obstante, há uma inter-relação destes subsistemas, principalmente na geração de recursos auto - controlados e independentes de mercado, características do modo de produção camponês.

Porém, há dificuldades de manutenção deste autoconsumo ao longo do ano - problemas no armazenamento, produção sazo-nal, redução da área de produção de cultivos temporários – arroz, feijão, milho, mandioca – são apontados como entraves nestes sub--sistemas. Com a intensificação dos mecanismos de controle do desmatamento nos últimos anos, há uma preocupação muito forte dos agricultores quanto à continuidade deste subsistema, havendo uma busca por alternativas técnicas de produção, aspecto relatado no Seminário de devolução:

Nós estamos preservando, sem desmatar a dois anos, mas as reser-vas [alimentação] estão acabando [...] Nós não temos acesso aos recursos porque não temos os documentos (Agricultor Familiar, Seminário de revolução, 2012).

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4 .3 . Sustentabilidade (níveis de reprodução do agroecossistema) Baseados em indicadores estabelecidos na pesquisa para avalia-

ção dos agroecossistemas, buscou-se realizar uma análise dos níveis de reprodução dos diferentes tipos de agroecossistemas (Figura 05).

Figura 05 – Análise multivariada de sustentabilidade por tipo de agroecossistema em São Félix do Xingu – PA

Fonte: Pesquisa de Campo (2011)

De maneira geral, avalia-se que os agroecossistemas estudados possuem diferentes níveis de reprodução social e econômica, bem como se encontram em diferentes estágios na dimensão ambiental.

Os agroecossistemas “estabilizados” apresentam boa produtivida-de dos sistemas de produção a partir da diversificação de suas rendas. A

Diversificaçãoda Produção5,0

4,0

3,0

2,0

1,0

0,0

Manutenção daBiodiversidade

Uso de Insumosexternos

Gestão doTrabalaho

Acesso amercados

Segurança naposse da terra

RendaEconômica

Estabilizados

Em estabilização

Não Estabilizados

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segurança da posse da terra é um fator fundamental na tomada de de-cisão das famílias, tendo em vista que as mesmas podem pensar a longo prazo os seus sistemas de produção sem preocupação em ter que deixar o estabelecimento por problemas fundiários. Os limites observados são a perda da biodiversidade, devido à retirada quase que completa das áre-as de reserva legal e o uso de insumos externos (especialmente no gado bovino). Vale ressaltar que a diversificação dos sistemas pode favorecer a recuperação da reserva legal e áreas de proteção permanente, tendo em vista a introdução de espécies agrícolas e florestais no estabelecimento.

Os agroecossistemas “em estabilização” podem estar em um excelente momento para pensar uma transição agroecológica, pois já possuem certa estabilidade e autonomia, possuindo ainda elementos que caracterizam uma condição ambiental relativa. A diversificação da produção pode aumentar a resiliência do sistema favorecendo a condição econômica e ambiental. O limite do sistema pode está na insegurança na posse da terra.

No caso dos agroecossistemas não estabilizados, percebe-se que as dificuldades principais ainda estão na estabilidade do sistema e au-tonomia. Contudo possuem grande potencial, levando em considera-ção os recursos naturais disponíveis.

5 . Considerações Finais

O estudo sobre os agroecossistemas familiares do município de São Felix do Xingu demonstrou o grande potencial na construção da sustentabilidade sócio – ambiental a partir do incentivo e valorização das experiências locais das diversas famílias que residem no campo. As famílias de agricultores, a partir da mobilização de conhecimentos por diferentes redes sócio – técnicas e acesso a políticas públicas restritas, vêm buscando reordenar seus agroecossistemas na perspectiva de ga-rantia da reprodução social e econômica das famílias. É importante

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ressaltar que nem sempre estas políticas públicas são “absorvidas” pelas famílias da maneira como planejou o estado. E muitas vezes há uma resignificação das mesmas a partir de estratégias próprias, tendo em vista a sua pouca adaptação [das políticas] a realidade local estabeleci-da. O crédito talvez seja o maior exemplo deste fato.

Percebe-se um grande potencial na produção de alimentos e gera-ção de renda por parte da agricultura familiar camponesa. No entanto, as dificuldades enfrentadas cotidianamente pelas famílias de agricultores do município por problemas relacionados a infraestruturas (estradas, energia elétrica, saneamentos, saúde, educação), que fogem do prisma deste do-cumento, são apontadas como grandes limitadoras do desenvolvimento rural do município. Reflexão realizada no Seminário de devolução apon-tou a questão das estradas (principais e vicinais) como principal priorida-de em relação as dificuldades enfrentadas pelas famílias, especialmente, aquelas que vivem mais distante do centro urbano municipal.

Torna-se necessário a reorientação de políticas públicas que for-taleçam efetivamente a agricultura familiar camponesa, valorizando os potenciais endógenos, fortalecendo a pluriatividade deste segmento social e promovendo um diálogo entre políticas de controle do desma-tamento e promoção do desenvolvimento rural no município.

O estudo reforça a tese de um processo de recampenização no município de São Félix do Xingu. A agricultura familiar camponesa, apesar das enormes dificuldades vem se reinventando e adotando es-tratégias de reprodução econômica e social que favoreçam sua perma-nência no território. No entanto, é eminente a necessidade de apoio a partir de políticas públicas amplas e universais que possam ampliar esta capacidade local e favorecer a melhoria de qualidade de vida das milhares de famílias que vivem no campo no município. Para isto, torna-se fundamental o fortalecimento de espaços de governança co-letivos, onde os diferentes atores envolvidos nos processos de transição agroecológica possam participar efetivamente.

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O tema do Desenvolvimento Rural no Brasil, e especialmente na Ama-zônia, vem ganhando importância acadêmica nos últimos anos, seja pelas reflexões críticas a respeito do modelo hegemônico implementado ou pelo surgimento, cada vez mais eminente, de práticas de resistências e construção de alternativas documentadas a partir das diversas áreas do conhecimento.

No estado do Pará, temos vivenciado diferentes formas de associação en-tre os temas da educação do campo, Agroecologia e desenvolvimento rural, buscando articular os conhecimentos historicamente construídos pelos agri-cultores e agricultoras familiares e povos e comunidades tradicionais com as reflexões forjadas no âmbito da academia. Reduzir o abismo que separa estes conhecimentos é um grande desafio.

O Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares busca exatamente problematizar e aprofundar este debate. Fortalecer a relação direta com as comunidades ru-rais, construir conhecimento no/do campo, das águas e das florestas está entre nossos objetivos estratégicos. Fomentar a pesquisa-ação, de maneira participativa e engajada tem sido uma busca constante e um aprendizado coletivo.

Nesta direção, o Livro Educação do Campo, Formação Profissional e Agroecologia na Amazônia: saberes e práticas pedagógicas é uma con-tribuição importante. Traz em seu bojo artigos produzidos com o espirito crítico e criativo, fruto da relação do Núcleo de Estudos em Educação e Agroecologia na Amazônia – NEA com o território onde se insere e o con-junto dos seus atores sociais.

Profa. Dra. Roberta de Fátima Coelho

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