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Educação em Ciências e Direitos Humanos: Reflexão-ação em/para uma sociedade plural

Educação Em Ciências e Direitos Humanos

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Livro sobre a possível relação entre duas áreas. O Ensino de Ciências e a Educação em Direitos Humanos. O livro busca alertar os professores de Ciências que a luta pelos Direitos Humanos não é exclusiva das disciplinas de filosofia e sociologia e convidar à repensar a prática pedagógica.

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Educação em Ciências e Direitos Humanos:

Reflexão-ação em/para uma sociedade plural

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EDITORA MULTIFOCO

Rio de Janeiro, 2013

Educação em Ciências e Direitos Humanos:

Reflexão-ação em/para uma sociedade plural

R o b e r t o D a l m o V a r a l l o L i m a d e O l i v e i r a

G l ó r i a R e g i n a P e s s ô a C a m p e l l o Q u e i r o z

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EDITORA MULTIFOCO

Simmer & Amorim Edição e Comunicação Ltda.Av. Mem de Sá, 126, LapaRio de Janeiro - RJ

CEP 20230-152

REVISÃO Francielly Baliana

CAPA Natália Caruso

DIAGRAMAÇÃO Mauricio Pinho

Educação em Ciências e Direitos Humanos: reflexão-ação em/para uma

sociedade plural

OLIVEIRA, Roberto Dalmo Varallo Lima de

QUEIROZ, Glória Regina Pessôa Campello

1ª Edição

Setembro de 2013

ISBN: 978-85-8273-331-8

Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem

prévia autorização do autor e da Editora Multifoco.

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À Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ao programa de Pós Graduação em Ciência, Tecnologia e Educação do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ) e aos estudantes

e professores envolvidos nas práticas e reflexões por possibilitarem um espaço favorável ao surgimento dessas

indagações. Também agradecemos à professora Kelly Russo, por suas contribuições na leitura e no belíssimo prefácio do livro, à Francielly Baliana, por suas contribuições nas correções ortográfica e estilística, e à Natanne Viegas, por

suas contribuições na elaboração gráfica da capa.

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Sumário

Prefácio ...............................................................................9

Apresentação .....................................................................15

1. Educação em Ciências e ................................................19Direitos Humanos: algumas percepções e uma luta constante

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

2. Ciência, Tecnologia, Sociedade e ARTE: ........................41um possível caminho

Roberto Dalmo Varallo Lima de OliveiraGlória Regina Pessôa Campello Queiroz

3. A Cultura nordestina ganha voz nos .............................57 Cordéis de João Batista Melo

Roberto Dalmo Varallo Lima de OliveiraGlória Regina Pessôa Campello QueirozSamara Almeida Andrade

4. Cultura afro-brasileira e sexualidade: ...........................73 os temas proibidos

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

5. Considerações finais 85

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6. Anexo: um convite a caminhar ......................................87

7. Referências bibliográficas ..............................................97

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Prefácio

Nas últimas décadas, a sociedade brasileira tem acompa-nhado a atuação cada vez maior de diferentes grupos sociais na defesa de uma demanda em comum: o reconhecimento das diferenças – étnicas, de gênero, orientação sexual, religiosas, entre outras – em diversos espaços políticos e sociais, entre eles o espaço educativo. São exigências que se manifestam através de diferentes cores, sons, ritos, saberes, crenças e no uso de diversas linguagens, que colocam esses movimentos diante da realidade histórica do desenvolvimento da educação em nosso país, marcada pela negação dos “outros”, física ou simbolicamente, para propor dinâmicas que impactam o fa-zer educativo. Fazer este que precisa considerar a tensão entre igualdade e diferença: igualdade de acesso a bens e serviços e reconhecimento político e cultural também no espaço escolar.

No Brasil, a construção do Estado Nacional e, por conse-guinte, a formalização do fazer educativo supôs um processo de homogeneização cultural em que a educação escolar exer-ceu um papel fundamental, tendo por função difundir e con-solidar uma cultura comum de base ocidental e eurocêntrica, silenciando e/ou inviabilizando vozes, saberes, cores, crenças e sensibilidades. Agora, esse mesmo sistema educacional é ten-sionado a desnaturalizar sua base monocultural e a discutir o papel da educação escolar na emancipação de sujeitos nega-dos historicamente. Hora de rever disciplinas, currículos, tem-pos e formatos escolares, mas, principalmente, o dito “saber

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científico”, que se baseava em uma ciência desconectada dos anseios e necessidades de sua população.

É neste cenário repleto de questões que destacamos a im-portância do livro “Educação em Ciências e Direitos Huma-nos: reflexão-ação em/para uma sociedade plural”, organiza-do por Roberto Dalmo e por Glória Queiroz. Livro relevante não só pela qualidade dos textos incluídos na coletânea, mas também por trazer para o centro do debate a relação entre educação em ciências, a afirmação dos direitos humanos e a perspectiva intercultural para lidar com a tensão entre igual-dade e diferença na defesa e no reconhecimento de direitos de grupos específicos. E fazer essa articulação no campo das ciências é mesmo mais um mérito desse trabalho, já que ain-da são muitos os discursos de resistência de professores de ciências quando o assunto é a relação de sua disciplina com a construção de uma cultura de afirmação dos direitos humanos no país.

Como alguns dos textos apontam, respostas como “Não faz parte do meu conteúdo”, “Isso é responsabilidade da famí-lia”, ou “Devemos deixar isso para os professores de filosofia e sociologia” ainda são comumente repetidas por professores de ciências. E, infelizmente, muitas vezes os poucos docentes que tentam desenvolver abordagens diferentes nessa área são injustamente acusados de “levar política para dentro das esco-las”, como se a educação não fosse por si só um ato político, como muito bem argumentou Paulo Freire.

A falsa ideia de neutralidade da escola ainda se faz pre-sente no imaginário social, e parece ainda ter mais força no campo do ensino de ciências, apesar de ser mais do que sabi-do – e movimentos intrínsecos ao próprio campo das ciências já demonstraram – que toda pesquisa envolve conseqüências sociais, políticas e culturais. Negar essas conseqüências ou de-

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fender uma postura politicamente neutra no ensino de ciências muitas vezes termina por envolver professores e estudantes na manutenção de práticas discriminatórias e de injustiças so-ciais, ao mascarar os diferentes grupos de interesses presentes nas definições sobre as “prioridades” científicas; ao esconder a apropriação de tradições científicas não ocidentais para de-pois negar a esses mesmos grupos, o estatuto de produtores de conhecimento; ou ainda, ao perpetuar pressupostos que res-ponsabilizam a natureza por iniqüidades sociais e econômicas originadas nas práticas e disputas de poder presentes nas rela-ções humanas.

Desse modo, o propósito deste livro, de contribuir com a busca de se construir referências para o ensino de ciências a partir de uma perspectiva intercultural pode ajudar a su-perar tanto a atitude de resistência de professores quanto a de indiferente tolerância frente ao “outro”, construindo uma disponibilidade para a leitura positiva da pluralidade social e cultural. Trata-se, portanto, de um livro que assume o de-safio de colocar o ensino de ciências ao serviço do respeito à diferença e isso produz muitas perguntas, como sinalizam os organizadores da coletânea:

É possível trabalhar de forma a levantar discussões políticas sem desmerecer os conteúdos científicos, mas colocá-los em contextos sociais e tecnológicos? É possível criar práticas que levem a uma visão crítica dos Direitos Humanos, capaz de favorecer processos de democratização, de articular a afirma-ção dos direitos fundamentais de cada pessoa e grupo sócio--cultural, com o reconhecimento dos direitos à diferença?

Sem pretender dar respostas absolutas, as reflexões im-pressas nas páginas desse livro contribuem para se buscar ca-minhos. Experiências que articulam ciências, tecnologias, so-

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ciedade e artes podem apontar novas possibilidades. Desenvol-ver práticas pedagógicas tendo em vista metodologias capazes de inserir a questão dos direitos humanos nos espaços formais de educação indica trilhas ainda pouco exploradas. Articu-lar o reconhecimento dos diferentes grupos sociais e culturais, possibilitando a ampliação de espaços para que seus valores, conhecimentos e tradições sejam valorizados, reconhecidos e respeitados, estimulando, portanto, o diálogo intercultural no ensino de ciências parece ser realmente um grande desafio. E, como diz o poeta castelhano Antonio Machado:

Caminante, son tus huellas

el camino y nada más;

Caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace el camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino

sino estelas en la mar.

Sendo assim, professores de ciências: é experimentando novas possibilidades e práticas educativas que se cria um ensi-no de ciências que seja capaz de reconhecer e valorizar as di-ferenças, contribuindo nos processos sociais de redistribuição

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e minoração das desigualdades presentes em nossa sociedade. Que este livro contribua para que todos se sintam convidados a... Caminhar! Boa leitura.

Kelly Russo1

10 de julho de 2013

1 É Doutora em Educação Brasileira, Mestre em Ciências Sociais e Educação e possui especialização em Diversidade Cultural e Direitos Humanos com menção em Povos Indígenas. É professora adjunta do Departamento de Formação de Professores da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF/UERJ). Na FEBF, integra o Programa de Pós-Graduação em Educação e Comunicação em Periferias Urbanas e coordena, com a professora Aura Helena Ramos, o Núcleo de Educação Continuada (NEC), voltado à investigação e intervenção pedagógica nas áreas de educação em direitos humanos e diversidade cultural. Tem experiência como consultora e educa-dora em projetos educativos no contexto escolar e não escolar. Temas de interesse: Movimentos Sociais e Educação / Educação Escolar Indígena / Educação em Direitos Humanos.

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Apresentação

Para Hannah Arendt (2007), a pluralidade humana tem o duplo aspecto da igualdade e da diferença. Se os humanos não fossem iguais, os homens seriam incapazes de compreender--se entre si e aos seus antepassados, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Por outro lado, se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a exis-tir, os homens não precisariam do discurso ou da ação para se fazerem entender. Com simples sinais e sons poderiam co-municar as suas necessidades imediatas e idênticas (p.188). De certa forma, essa articulação entre igualdade e diferença é uma necessidade do momento e a educação tem um papel relevante a cumprir. Essa questão está se tornando cada vez mais explícita nas nossas escolas, sendo questionadas as prá-ticas pedagógicas marcadas pela homogeneização e pelo seu caráter monocultural (CANDAU, 2007). 

Não é possível falar de igualdade sem incluir a questão da diversidade, assim como não se pode discutir a diferença sem afirmação de igualdade, mas em meio às tensões, contradições e conflitos que o tema suscita na realidade escolar, é possível construir práticas que favoreçam o empoderamento de ato-res e grupos sociais desmerecidos historicamente? É possível trabalhar de forma a levantar discussões políticas sem desme-recer os conteúdos científicos, mas colocá-los em contextos sociais e tecnológicos? É possível criar práticas que levem a

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uma visão crítica dos Direitos Humanos, capaz de favorecer processos de democratização, de articular a afirmação dos direitos fundamentais de cada pessoa e grupo sócio-cultural, com o reconhecimento dos direitos à diferença? 

Falar de Direitos Humanos para professores de ciências torna-se um desfio quando temos discursos de resistência que constroem um cenário de impossibilidades. “Não faz parte do meu conteúdo”; “Isso é responsabilidade da família”; “Deve-mos deixar isso para os professores de filosofia e sociologia”, são falas muitas vezes utilizadas como um escape ao tema. Porém, essa posição passiva submete professores ao status de meros técnicos que reproduzem seus conteúdos e não o de intelectuais transformadores (GIROUX, 1997).  Acreditamos que é possível enfrentar os desafios da tensão a que estamos submetidos nas escolas e assim, dessa forma, o texto de Edu-cação em Ciências e Direitos Humanos: reflexão-ação em/para uma sociedade plural foi dividido em quatro capítulos, o pri-meiro, de autoria de Roberto Dalmo, consiste em uma reflexão sobre a educação homogeneizadora e monocultural vivenciada por diversos estudantes. O capítulo repensa a lógica da infor-matização como a solução do século XXI e traz a abordagem intercultural crítica como uma necessidade a aulas de Ciên-cias que façam interlocução com direitos humanos. O capítulo dois, de autoria de Roberto Dalmo e Glória Queiroz, consiste em uma abordagem teórica sobre a estratégia didática deno-minada CTS-ARTE. Nele buscou-se traçar algumas questões referentes à abordagem CTS e à Educação em Artes, tentando alcançar, assim, uma prática que dialogue com algumas ques-tões levantadas no primeiro capítulo. O terceiro capítulo do livro, de autoria de Roberto Dalmo, Glória Queiroz e Samara Andrade, consiste em uma abordagem prática de um projeto CTS-ARTE a partir da obra de João Batista Melo, cordelista

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sergipano, nos estudos de Métodos e Separações de misturas. A última parte, capítulo 4, representa a voz do autor Roberto Dalmo ao relatar a elaboração de outro projeto CTS-ARTE que envolvia a abordagem de temas como Sexualidade e Cul-turas afro-brasileiras

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Capítulo 1

Educação em Ciências e Direitos Humanos: algumas percepções e uma luta constante

RobeRto Dalmo VaRallo lima De oliVeiRa

“Não sou nada.

Nunca serei nada.

Não posso querer ser nada

À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”

Fernando Pessoa

Texto desse capítulo “Educação em Ciências e Direitos Humanos”2 foi precedido por práticas, reflexões, leituras, pensamentos, indagações, experiências e muitas dúvidas. Esse cenário múltiplo no qual vivemos é a agulha que tece o dito e segue construindo as malhas do pensar, fazer... Tece a cons-trução de nossas realidades. Muitos discursos precederam o meu – muito foi vivido, experienciado – e, por isso, o texto está impregnado não só dessas vivências, mas da minha visão

2 Esse escrito é uma reelaboração do que foi dito no dia 23 de Maio de 2013 na Uni-versidade Católica de Brasília a convite da Professora Msc. Verenna Barbosa Gomes, que cedeu espaço para minhas reflexões e para o afloramento de tais ideias em futuros professores de Química.

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sobre elas. Uma visão particular, mas que foi construída cole-tivamente e busca construir-se ainda mais no compartilhar da minha fala.

Não digo que foi em um dia que despertei para a neces-sidade de uma Educação em Ciências que vá ao encontro dos Direitos Humanos – essa é uma busca antiga que antecede a minha prática como professor –, porém, em um único dia, presenciei inúmeros discursos de preconceito no ambiente escolar: discriminações contra homossexuais, negros, can-domblecistas, umbandistas, ateus, judeus. Talvez nesse dia eu estivesse mais atento a essa questão. Talvez eu estivesse estudando mais sobre e, por isso, percebi com outro olhar aquilo que talvez fosse cotidiano e eu não havia observado até o momento. Uma enorme indignação surgiu e, não por acaso, nesse momento, percebi que falar de/em diversidade não é algo bem visto, e que há muitas escolas que se vendem como inovadoras, mas mantém discursos hegemônicos3. En-tretanto, a necessidade de formar uma rede de educadores que se preocupem com os direitos humanos me fez pensar em uma afirmação: Uma educação em ciências que não vá ao encontro dos Direitos Humanos é uma educação vazia e pouco contribui para a humanidade.

Dessa forma, o escrito a seguir é precedido por essa vi-são de mundo de um professor que refletiu/reflete sobre as “realidades” difundidas nas escolas e as forças que impedem sua transformação. Porém, reflete propositivamente e, a partir do segundo capítulo, esse texto mostrará ações que envolvem projetos chamados de CTS-ARTE.

3 De maneira simplificada, Eagleton (1997) define o conceito de hegemonia como um espectro inteiro de estratégias práticas pelas quais um poder dominante obtém o consentimento ao seu domínio daqueles que subjuga. Nesse sentido, o termo dis-cursos hegemônicos se refere a estratégias discursivas que perpetuam estereótipos e relações de poder.

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Desde o início deixo claro que buscarei falar de uma Es-cola e de um professor genérico. Muitas falas serão enfáticas e muitas vezes tendendo à generalização ou a algo próximo de um discurso político. Talvez seja mesmo um discurso político, um convite a reflexões e ações. Entretanto, considero que di-versos professores, assim como diversas escolas, se posicionam de maneira completamente diferente dos exemplos que citarei nesse texto. Muitos estão engajados na luta pelo respeito à diversidade e pelo pluralismo cultural em sala de aula, assim como diversas escolas (coordenadores, pais e outros membros da comunidade escolar) dão todo o apoio necessário a essas práticas e a esses discursos. Meu discurso se dirige a mentes que ainda não pensaram sobre esse assunto, mas que espero que passem a pensar, e se motivem na luta e na formação de uma rede de professores e escolas engajadas que, em um tem-po breve, venham a construir uma nova realidade educacional.

Uma conversa prévia.

Ao ser questionado sobre “o que era Direitos Humanos?”, um dos estudantes responde rapidamente que seria um con-ceito atrelado à noção de dignidade. Essa afirmação remete diretamente à Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada pelos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1948, que diz:

“Considerando que o reconhecimento da dignidade ineren-te a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; Considerando que o desprezo e o des-respeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros

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que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de pala-vra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum; Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão; [...] Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condi-ções de vida em uma liberdade mais ampla; [...] Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse com-promisso, Agora portanto; A ASSEMBLÉIA GERAL proclama A PRESENTE DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Decla-ração, se esforce, através do ensino e da educação, por promo-ver o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.4

Após essa introdução, a Declaração lista 30 artigos, den-tre eles o Artigo VI, que diz “Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei” e o Artigo XVIII, que diz “Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito

4 É importante destacar que considero a Declaração Universal dos Direitos Humanos um ponto de partida, mas refletirei, em breve, sobre as críticas de Boaventura de Souza Santos e a proposta de Vera Candau (CANDAU, 2008).

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inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular”.

Apesar de todo ser humano ter o direito de “ser” em todos os lugares, todo ser humano ter a liberdade de pensamento, consciência e religião, percebemos que esse “todos os lugares” não inclui a Escola5 e, se inclui, algo está muito errado. Ir con-tra essas liberdades seria um ato de violência e venho mostrar que, como professores, é um dever nos preocuparmos com a reprodução de lógicas desse tipo.

A pergunta que muitas vezes nos guia é “Nós, professores de Ciência, Química, Física, Biologia, temos algo a ver com isso, ou devemos deixar temas como diversidade cultural para os profes-sores de Filosofia e Sociologia?” ou o questionamento “Somos responsáveis por construir uma escola que valorize a diversidade ou devemos entender os alunos como números em uniformes e que devemos apenas trabalhar ‘conteúdos’?”. Outra indagação que trago é “Mas as escolas não estão mudando? Computadores, redes sociais sistemas de informação...”. Responderei aos ques-tionamentos de trás para frente. Falarei sobre escola do século XXI e sobre a informatização, farei algumas reflexões sobre cul-tura, identidade, diferença e a perspectiva intercultural e, por fim, voltarei à questão da pluralidade cultural nas aulas de Ciências.

A escola do Século XXI e seus discursos he-gemônicos

Nos últimos 12 anos, podemos destacar algumas mudan-ças no que se refere à transmissão de informações e criação de

5 Lembrando que a escola a qual me refiro é uma escola genérica, e não escolas que já possuem um novo formato, novos discursos e que contribuem para a valorização das diferenças.

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conteúdo. 1) A primeira foi a passagem do conceito de internet “Web 1.0”, que estaria acabada para o conceito de “Web 2.0”, em que os desenvolvedores acreditam ser uma plataforma di-nâmica e de constantes atualizações - interativa, uma vez que usuários podem colaborar na edição dos conteúdos. 2) Outra mudança significativa foi o conceito de celular, antes “tijolo” que era utilizado para falar, e hoje um aparelho que reúne internet, mensagens de texto, diversos aplicativos, como GPS, câmera fotográfica, televisão, gravador de voz, possibilidade de compartilhar arquivos, entre outras inúmeras utilidades. 3) A internet deixa de ser discada e passa a ser banda larga, au-menta-se a velocidade e reduz- se o custo da navegação. 4) O disquete é abandonado e surgem os pendrives, que possuem, a cada dia, mais capacidade de armazenamento de dados. Em seguida surgem os HDs externos (mais memória) e o conceito de nuvem, no qual a web é o local de armazenamento e geren-ciamento de arquivos. 5) As redes sociais, inicialmente com o Orkut e, em seguida, o Facebook, tratam de conectar quase que instantaneamente as pessoas, trocar informações, difundir idéias, conteúdos.

Esses entre muitos avanços da informatização e teleco-municações possibilitam um maior acesso à informação. En-tretanto, o que tem acontecido em nossas salas de aula? Te-mos uma escola que reproduz uma lógica de memorização de informações, na qual alunos enfileirados devem ser o reflexo do professor. Arriada, Nogueira e Vahl (2012) proporcionam uma descrição detalhada da escola do Século XIX no que se refere ao controle, disciplina e organização.

“Nas salas de aula, de acordo com a maioria dos regulamen-tos, deveria constar: a imagem do Senhor crucificado, um re-lógio, um armário, uma mesa com um estrado, uma cadeira de braços para o professor, bancos e mesas inclinadas com tin-teiros fixos para os alunos, uma ampulheta, um quadro gran-

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de de madeira pintado de preto, esponjas e giz, ardósias, papel e compêndios, cabides para chapéus e réguas com guarnição de metal.” (Arriada, Nogueira e Vahl, 2012 p. 45)

Os autores também relatam que o espaço escolar é rigida-mente ordenado e regulamentado, tentando induzir os alunos a valores, padrões e normas de comportamento.

Figura 1: Sala de aula - Contreras (1895) apud Arriada, Nogueira, Vahl (2012)

Ao perceber que o modelo de escola do Século XIX está ultrapassado e os estudantes possuem outra forma de intera-gir, o ambiente virtual se destaca e vira principal objetivo do marketing escolar. Ampulheta transforma-se em relógio digi-tal, quadro de madeira com giz e esponja torna-se o quadro digital com apagador e piloto, os papeis e compêndios viram notebooks, tablets e, a imagem de Cristo crucificado perpetua--se discursivamente.

O que se torna mais agravante é a ênfase dada a uma pos-sível revolução que a informatização estaria proporcionando.

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Escolas utilizam-se da tecnologia para vender uma imagem de mudança, uma falsa ideia de inovação. De certa forma, a afirmação da informatização do ambiente escolar como um recurso que irá facilitar a troca de informações é válida. O professor que domina informática irá preparar mais facilmen-te suas aulas, os estudantes irão ter acesso ao material pro-duzido e a uma quantidade de informações de forma muito mais dinâmica do que a estrutura escolar com o livro didático, PORÉM, ISSO NÃO É GARANTIA DE INOVAÇÃO.

É possível observar que a revolução proporcionada a par-tir das tecnologias de informação e comunicação (TIC) não reestruturam a clássica crítica feita por Francesco Tonucci, o FRATO, em 1970 (Figura 3).

Figura 3: TONUCCI, (2008). Charge de 1970 e a escola do Século XXI

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Figura 4: Adaptado de TONUCCI, (2008). Charge de 1970 e a es-cola do Século XXI

Apesar de terem se passado mais de quarenta anos desde que essa crítica foi feita, é possível observar que muitas escolas continuam desvalorizando os estudantes, tratando-os como pro-dutos e, muitas vezes, até mesmo os próprios pais acreditam nes-sa lógica. Eles buscam escolas que a reproduzam. Com isso, o discurso de inovação torna-se apenas metodológico ou no nível de transmissão de informações, e continua desvalorizando cul-turas e oprimindo identidades. A manutenção dessa lógica é um desperdício de possibilidades, uma vez que a tecnologia poderia ser utilizada para fomentar o diálogo entre as diversas culturas e o empoderamento de culturas desfavorecidas historicamente.

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Cultura, identidade

Desvalorizamos culturas? Muitas vezes elaboramos dis-cursos que desvalorizam o outro sem perceber. É necessário tomar cuidado.

Por mais que existam diversas culturas6, é possível perceber que elas não são postas socialmente no mesmo patamar, ou seja, há disputas entre culturas, há disputas entre o que é considera-do como válido e há discursos que buscam legitimar uma cultu-ra em detrimento da outra (LOPES; MACEDO, 2011).

Ao pensar em repertório de significados que serão par-tilhados, é no mínimo plausível introduzir a pergunta “Por quem?” O que faz com que uma cultura seja elevada enquanto a outra fica por debaixo dos panos e é fadada a títulos como “subcultura”? Um exemplo pode ser dado ao ler um trecho da música “Lí-quido do Amor”, do cantor de Funk Mister Catra: “Procuro a todo o tempo um jeito de encontrar\Entre palavras e gestos fa-zer você enxergar\ Que entre quatro paredes nós vamos viver\ Momentos felizes, somente eu e você\ Entre sussuros, gemidos na escuridão\ Seu corpo todo treme; treme de tesão\ Vou te

6 O termo cultura possui diversas definições, mas para esse caso usarei o conceito de Geertz (2008), que destaca a cultura não como padrões concretos de comporta-mento (costumes, hábitos, tradições), mas como planos e instruções para governar o comportamento. O autor também afirma que os homens são “desesperadamente” dependentes desses mecanismos para ordenar seu comportamento. “Um dos fatos mais significativos a nosso respeito, deve ser, finalmente, que todos nós começamos com um equipamento natural para viver milhares de vidas, mas terminamos por viver apenas uma espécie”. Nessa perspectiva, a cultura é compreendida como um mecan-ismo de controle e parte do pressuposto do pensamento ser social e político – o pensar seria um trafego de símbolos significantes (palavras, gestos, músicas, artefatos como relógios, celulares, ou qualquer coisa que esteja afastado da realidade, mas que seja utilizada para impor um significado à experiência). Esses significados partilhados são como uma bússola que orienta as experiências. Dessa forma, a cultura não é apenas um acúmulo de símbolos, mas uma condição essencial para a vida humana, “a prin-cipal base de suas especificidades”.

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fazer uma nova mulher\ Que sabe o que faz e sabe o que quer é...\Revigorada pelo líquido do amor\ Te vejo agora como a mais linda flor.”

E ler um trecho do livro “Poema Sujo”, do poeta Ferreira Gullar “e os carinhos mais doces mais\ sacanas\ mais sentidos\ para explodir como uma galáxia\ de leite\ no centro de tuas coxas no fundo\ de tua noite ávida\ cheiros de umbigo e de vagina\ graves cheiros indecifráveis como símbolos\ do corpo\ do teu corpo do meu corpo”...

Esses dois trechos nos levam a questionar os motivos do gênero musical Funk não ser, aos olhos de muitos, considera-do cultura, enquanto o poema de Gullar é considerado como tal. Quais razões estariam por trás desse jogo de poderes?

Lopes e Macedo (2011) acreditam que a criação de uma “cultura humana” geral envolve mecanismos de exclusões e rejeições de áreas consideráveis da cultura vivida, porém, na contemporaneidade, é possível perceber que, por mais que es-sas desvalorizações tenham ocorrido durante anos, diversos movimentos sociais7 estão colocando-as em xeque.

Um exemplo, dentro do contexto explicitado aqui, foi o “Movimento Funk é Cultura”

“O primeiro passo nesse processo é a união de todos, funkei-ros e apoiadores, pela aprovação de uma lei federal que defina o funk como movimento cultural e musical de caráter popular. Reivindicar politicamente o funk como cultura nos fortalece-rá enquanto coletivo para combatermos a estigmatização que

7 Gohn (2011) considera movimentos sociais como ações sociais coletivas de caráter socio político e cultural que viabilizam formas distintas de a população se organizar e expressar suas demandas. Essas ações se expressam através de diferentes estratégias, como denúncias, marchas, mobilizações, passeatas. Na atualidade os jovens atuam por meio de meios de comunicação midiáticos, como as redes sociais. A autora consi-dera que a construção de uma sociedade democrática é um ideal civilizatório e, idéias como uma sociedade sustentável (em contraposição à sociedade desenvolvimentista) e a reconhecimento da diversidade cultural, têm sido incorporadas às identidades dos movimentos sociais.

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sofremos e o poder arbitrário que, pela força do dinheiro ou da lei, busca silenciar a nossa voz”. (Texto do Manifesto Funk é Cultura – a partir do encontro realizado em 26/07/2008)

Em 22 de Setembro de 2009, foi aprovada pelo Gover-nador Sérgio Cabral (PMDB) a lei 5543, de autoria dos De-putados Estaduais Marcelo Freixo (PSOL) e Wagner Montes (PDT), que define Art 1° funk como movimento cultural e mu-sical de caráter popular.

Apesar de ser um grande avanço no sentido de movimen-tos populares, é lamentável pensar que foi necessária uma lei para considerar uma manifestação popular legítima como cul-tura. A escola faz parte desse processo de julgamento e “culti-vo de boa cultura”, “bom gosto” e, é na luta contra essa Esco-la homogeneizada, homogeneizadora e contra o Daltonismo Cultural8 que os professores devem engajar-se.

Nesse momento, faz-se necessário uma interrupção para mostrar exemplos de que as culturas desmerecidas e desrespei-tadas no ambiente escolar geraram atos de violência bastante perceptíveis. Essas notícias não devem passar despercebidas e devem ser pensadas em paralelo com o exemplo anterior. Por que uma cultura é colocada em um patamar acima da ou-tra? A que projeto de sociedade estamos servindo quando não rompemos com essa lógica?

“Venho sendo agredido desde que me assumi gay”, resume o jovem, que foi agredido a socos e pontapés por um colega do lado de fora da Escola Estadual Onofre Pires. “Depois das

8 Cortesão e Stoer (1996) apresentam a expressão Daltonismo Cultural a partir da concepção de Boaventura Sousa Santos do mundo como um arco-íris de culturas. O daltonismo consiste em uma capacidade reduzida de perceber algumas tonalidades. Da mesma maneira, a não compreensão da pluralidade cultural geraria uma espécie de daltonismo. Porém, essa não visualização (consciente ou não) de alguns tons do arco-íris cultural não deveria ser penalizada, mas identificada e combatida a partir de situações que possibilitem uma maior compreensão da diversidade cultural.

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ameaças, um colega me esperou do lado de fora e começou a me dar socos. Metade da turma viu e ninguém fez nada. Isso foi durante o dia. Muitas pessoas viram o que aconteceu e me ajudaram, mas não sei se fariam isso se soubessem quem sou”, desabafa. (Fonte: Jornal Meio Norte)

“Uma adolescente de 16 anos registrou uma ocorrência na Delegacia de Polícia de Bela Vista de Goiás, Região Metropo-litana de Goiânia, alegando ter sido agredida fisicamente pela mãe e pelo avô de uma colega, de 14 anos, na segunda-feira (12), dentro de uma sala de aula de uma escola estadual no centro da cidade”. (Fonte: Jornal O Globo)

“Violência dentro de uma escola na Grande São Paulo. Uma estudante de 17 anos esfaqueou um colega de 16, em Ribei-rão Pires. A garota disse à polícia que sofria bullying e quis se defender. O garoto agredido está internado em estado gra-ve. O caso aconteceu dentro da sala de aula, em uma escola pública. A jovem tirou a faca de dentro da meia e atingiu o rapaz no peito. Ele foi levado de helicóptero para o hospital e está na UTI. A adolescente, que estuda na escola há apenas três meses, disse ao delegado que era xingada frequentemente pelo rapaz por ser negra e ter sotaque nordestino”. (Fonte: Jornal O Globo)

“Pergunta: Como elas enfrentavam o preconceito?

Resposta:Muitas preferiam se dizer católicas, só achei uma criança que revelava sua fé. No período de recolhimento para o santo, quando precisam raspar a cabeça, algumas chegam a dizer que estão com leucemia ou pegaram piolho. Hoje, gra-ças a ações dos terreiros e de movimentos negros, várias pas-saram a assumir o credo, mas, infelizmente, a escola não tem ajudado no processo” (Fonte: Jornal O Dia).

“Um garoto de oito anos foi ofendido por uma colega de sala por ser negro, segundo denúncia registrada na polícia pela mãe nesta quarta-feira (27) no Distrito Federal. De acordo

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com ela, o caso ocorreu antes do carnaval no colégio La Salle do Núcleo Bandeirante e foi relatado pela professora da tur-ma”. (Fonte: Jornal O Globo)

Esses são alguns trechos de reportagens que mostram o quanto danoso é à sociedade uma escola que prefere se calar a discutir as diferenças. Crianças nordestinas, negras, homosse-xuais, praticantes de Umbanda e Candomblé sofrem todos os dias preconceito nas escolas.

Charles Taylor define identidade como aquilo que nós somos, nossa origem, de onde viemos, ou seja, um ambiente no qual nossos gostos, desejos, opiniões e aspirações fazem sentido. E afirma que o reconhecimento incorreto dos outros, podendo ser uma pessoa ou um grupo de pessoas, pode ser uma forma de agressão, na qual uma imagem distorcida de algum grupo pode proporcionar uma noção de inferioridade e desprezo. (TAYLOR, 1994)9.

Ao entrelaçar a afirmação de Taylor sobre a imagem dis-torcida de um grupo com os relatos das reportagens, é possível perceber que a luta existente pelo reconhecimento e pela ga-rantia de direitos às diversas identidades é também uma luta marcada por violência simbólica e física. Essa distorção que proporciona inferioridade e desprezo é uma realidade no co-tidiano de diversos grupos sociais. Os homens são mais valo-rizados que as mulheres, os brancos possuem mais vantagens sociais do que os negros, os heterossexuais são mais aceitos do que os homossexuais, o católico é mais “bem visto” do que o candomblecista. Se apenas fingirmos que não existe racismo,

9 É importante atrelar a concepção de identidade apresentada por Taylor, como aqui-lo nós somos, nossa origem, de onde viemos, ou seja, um ambiente no qual nossos gostos, desejos, opiniões e aspirações fazem sentido, à consciência da não estabilidade de nosso ser, nossos gostos, desejos, opiniões e aspirações. Estamos em constante reelaboração e essa tomada de conhecimento será extremamente necessária a uma abordagem educacional.

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machismo, homofobia, cairemos no engano de menosprezar as lutas multiculturais (ANDRADE, 2009).

Como professores, devemos ficar em uma posição passiva? Devemos nos preocupar apenas com “conteúdos de Ciências” enquanto cenas de violência escolar são frequentes? Afirmo que não! Acredito que é possível e necessário trabalhar com o tema diversidade em sala de aula. Não como um módulo, ou outra disciplina, mas como um discurso prático constante que perpassa todo o aprendizado (inclusive Ciências).

Perspectiva Intercultural como transversal à Educação em Ciências

A luta pela igualdade é uma afirmação do pensamento de modernidade e é necessária a sua compreensão para entender a luta pelos direitos humanos10 (CANDAU, 2008). Porém, no

10 A pergunta “como isso começou?”, ou melhor, “Quais mudanças ocorridas que contribuíram para que o significado que este tipo de discurso tem hoje para nós?” é trabalhada por Charles Taylor (1994) e remete ao desaparecimento das hierarquias sociais. O autor retoma a palavra honra, utilizada no período do antigo regime e liga-da às desigualdades – para que uns tenham honra é necessário que haja preferências – hoje, temos a noção de dignidade e acredita-se que deve ser comum a todas as pessoas. Para Taylor, a democracia introduziu a política de reconhecimento igualitário, mas a percepção desse reconhecimento foi se modificando ao longo do tempo e, mais espe-cificamente, foi aumentando com uma nova compreensão de identidade individual. Já a concepção de autenticidade desenvolveu-se a partir de uma ênfase moral, ou seja, surge quando a sociedade passa a dar mais importância e atenção aos sentimentos. Para o autor, o filósofo mais importante para essa mudança foi Rousseau, que apre-sentou diversas vezes uma noção de “voz da natureza” dentro de nós. Ser verdadeiro consigo está atrelado ao princípio de originalidade no qual cada um teria uma “voz” única e, ouvi-la, significaria ser verdadeiro. O que hoje chamamos de identidade era determinado anteriormente pela posição social. Temos um cenário no qual “A im-portância do reconhecimento é, agora, universalmente admitida [...] O reconhecimen-to igualitário não é apenas uma situação adequada para uma sociedade democrática saudável. A sua recusa pode prejudicar as pessoas visadas [...] A projeção de uma imagem do outro como ser inferior e desprezível pode realmente, ter um efeito de distorção e de opressão, ao ponto dessa imagem ser interiorizada”.

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momento em que vivemos, é possível perceber que a igualdade deixa de ser tão falada e o discurso de diferença ganha força e torna-se um direito – “não só o direito dos diferentes a serem iguais, mas o direito de afirmar a diferença”. Se observarmos a declaração de Direitos Humanos – citada no começo desse texto – percebemos que é uma Declaração “Universal” e que nos leva a questionar qual é o olhar sobre esse “universal”. Nesse questionamento, Candau (2008) traz a busca por uma ressignificação dos direitos humanos a partir da fala do soció-logo português Boaventura de Souza Santos.

É necessário 1) superar o debate entre universalismo e relativismo – nesse sentido, são estabelecidos dois pólos, um deles afirma que todas culturas e grupos tentam se comunicar e se universalizar, já o outro afirma que todas culturas são re-lativas, nenhuma é absoluta. Para o autor, é necessário romper com os dois pólos. 2) Todos os grupos possuem concepções de dignidade humana, mas temos que ter sensibilidade para descobri-la em cada universo cultural. 3) Afirmar que todas as culturas são incompletas. 4) Grupos culturais não são homo-gêneos e padronizados. 5) Todas as culturas distribuem seus membros através dos princípios de igualdade e diferença.

Todas as premissas estariam voltadas para essa noção de articulação entre igualdade e diferença e deve-se trabalhar no que o autor chama de novo imperativo transcultural “temos o direito de ser iguais, sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza”. Eu reescreveria como “Temos o direito de ser iguais, sempre que nossa diferença é inferiorizada; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descarac-teriza.

Essa articulação entre igualdade e diferença torna-se cada vez mais latente ao pensar na globalização como característica

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da sociedade atual. Andrade (2009) afirma que estamos cada vez mais conectados e, além de modificar concepções de tem-po e espaço, esse processo tem intensificado encontros e desen-contros entre as mais diversas culturas. Essa coexistência, em um mesmo território, tempo e espaço, seria denominada mul-ticulturalismo. Nesse contexto, diversas expressões como mul-ticulturalismo conservador, liberal, celebratório, emancipador, revolucionário mostram a diversidade de crenças e correntes teóricas na área (CANDAU 2010), porém, aqui seguiremos a perspectiva nomeada de Interculturalismo e difundida no Bra-sil pela pesquisadora Vera Candau.

O termo Interculturalidade, no contexto educacional, para Candau e Russo (2010), surge na América Latina, com referência na educação escolar indígena. Mas também recebeu contribuições dos movimentos negros e da educação popular a partir da década de 60, com o pensamento de Paulo Freire, que já apresentava muito do que hoje se configura como a perspectiva intercultural. Outro aspecto destacado pela autora se refere ao reconhecimento, entre as décadas de 80 e 90, do caráter multiétnico, pluricultural e multilingue em 11 países da América Latina. Dessa forma, surgiram diversas políti-cas públicas em Educação que incorporam essa perspectiva. No Brasil, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) incorporaram, entre os temas transversais, a pluralidade cultural. Essa opção não foi muito pacífica e con-sensual, mas de grande importância e considerada um mar-co histórico (CANDAU 2010), principalmente se pensarmos que tal tema será debatido na escola, espaço que sempre teve grandes dificuldades em lidar com as diferenças (MOREIRA; CANDAU, 2003).

A educação intercultural parte de alguns pressupostos como: 1) a promoção deliberada da inter-relação entre os

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diversos grupos culturais presentes em uma determinada so-ciedade; 2) a consciência de que estamos em uma sociedade na qual os hibridismos culturais são constantes, ou seja, não há uma “cultura pura”; 3) a consciência dos mecanismos de poder que permeiam a sociedade; 4) e que as relações entre as culturas não são pacíficas, mas hierarquizadas e marcadas por preconceitos (CANDAU, 2010). Com isso, a Intercultu-ralidade entende as culturas em um constante processo de ela-boração, o que não desconsidera as raízes históricas de cada uma delas, mas as compreende como construções sociais dinâ-micas, marcadas por relações pouco pacíficas. Nesse sentido, a educação só poderá ser direito universal de todos na me-dida em que se reconheça e valorize as culturas particulares. A abordagem intercultural busca uma educação para o reco-nhecimento do outro e para o diálogo entre grupos sociais e culturais (CANDAU, 2008).

Porém, mesmo dentro dessa perspectiva, é possível per-ceber três ramificações de no continente latino-americano: a primeira, intitulada relacional, refere-se, basicamente, ao con-tato e intercâmbio entre culturas e sujeitos socioculturais; a segunda, considerada funcional, busca diminuir a tensão entre diversos grupos sem se preocupar com relações de poder vi-gentes e, por fim, a perspectiva que questiona essas questões, chamada de crítica. Nesse sentido, Candau (2012) elabora ca-tegorias básicas para identificar no que consiste uma educação intercultural crítica.

Essas categorias podem contribuir para pensarmos nossa prática educacional realizada no âmbito de um grupo acadê-mico de pesquisa em ensino de ciências.

sujeitos e atores: referem-se à promoção de relações tanto entre sujeitos individuais, quanto entre grupos sociais integran-tes de diferentes culturas; saberes e conhecimentos: procuram

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estimular o diálogo entre os diferentes saberes e conhecimentos, e trabalha a tensão entre universalismo e relativismo no plano epistemológico, assumindo os conflitos que emergem deste de-bate. Para isso é necessário considerar a existência de diferentes saberes e conhecimentos e descartar qualquer tentativa de hie-rarquizá-los; práticas socioeducativas: favorecem dinâmicas par-ticipativas, processos de diferenciação pedagógica, utilização de múltiplas linguagens e estimulam a construção coletiva; políticas públicas: reconhecem os diferentes movimentos sociais que vêm se organizando, afirmando e visibilizando questões identitárias. Defendem a articulação entre políticas de reconhecimento e de redistribuição, não desvinculando as questões socioeconômicas das culturais e apoiando políticas de ação afirmativa orientadas a fortalecer processos de construção democrática que atravessem todas as relações sociais, do micro ao macro, na perspectiva de uma democracia radical (CANDAU, 2012).

Essas bases são importantes para pensar em uma Educa-ção que vá ao encontro dos Direitos Humanos, mas tenho cer-teza que muitos questionarão...

E eu, professor de Ciências. O que tenho a ver com isso?

Muitos professores continuarão com a sua fala “Mas eu te-nho que dar o conteúdo!”. Creio que talvez esse seja o principal álibi utilizado por muitos professores de Ciências que evitaram abordar os temas de pluralidade cultural. Alguns dirão que não foram formados para isso, que seu conteúdo é outro e que plu-ralidade cultural não se relaciona com o tema. Outros dirão que os pais são os principais responsáveis por esse tipo de educação e trabalhar tais temas só diz respeito a eles. Certamente não é nenhuma dessas falas a que eu defendo.

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O professor é um formador de opinião, um agente trans-formador da sociedade e, não podemos esquecer da máxima Freiriana: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Nesse sen-tido, acredito que devemos buscar uma Educação em Ciências que envolva elementos dessa educação intercultural crítica, ou seja, que promova relações entre sujeitos individuais e coleti-vos, estimule diálogos entre saberes, que favoreça dinâmicas participativas, e que reconheça movimentos sociais se afir-mando, tornou-se (se é que um dia não foi) uma necessidade. Nessa perspectiva, o educador seria o mediador dessas rela-ções interculturais, de forma que não é dele a responsabilidade pela eliminação dos conflitos, mas a de instigar situações nas quais seja possível o reconhecimento entre os diferentes. É um exercício de compreensão da visão do outro, mesmo que mini-mamente (Candau, 2010).

A busca por um trabalho com esse viés intercultural em au-las de Ciências é uma luta contra a perspectiva tecnocrática do trabalho docente. Noções como a padronização de um conheci-mento escolar para administrá-lo e controlá-lo, desvalorização do trabalho crítico e intelectual por priorizar uma concepção prática são evidentes em muitas escolas e na fala de muitos pro-fessores. Essa racionalidade opera no campo de ensino e reduz a autonomia do professor com respeito ao desenvolvimento e planejamento curricular (GIROUX, 1997). Percebo essa estru-tura em muitos cursos pré-vestibulares. Tais cursos buscam pro-fessores de Ciências que não “percam seu tempo” com “bobei-ras” da educação, mas que se preocupem em “dar conteúdos” com o objetivo APENAS de aprovação no vestibular. Procuram--se professores que não repensem a estrutura de ensino, mas criem músicas para facilitar a memorização dos conteúdos e

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que sejam queridos por serem engraçados11. Esse é um grande motivo de atraso nas mudanças de paradigmas na Educação em Ciências, porém, a dificuldade de ir contra a lógica de mercado não impede o surgimento de inovações no trabalho docente e a possibilidade de abordar a diversidade cultural em sala de aula.

Nesse sentido, busco trazer as ideias de Giroux (1997), que repensa a atividade docente e acredita que os professores devem se tornar intelectuais transformadores, pois com isso será possível formar estudantes que sejam cidadãos ativos e críticos. O autor considera essencial “tornar o pedagógico mais político e o político mais pedagógico”, ou seja, tornar o pedagógico mais político significaria introduzir a escolari-zação na esfera política “a reflexão e ação críticas tornam-se parte do projeto social fundamental de ajudar os estudantes a desenvolverem uma fé profunda e duradoura na luta para superar injustiças econômicas, políticas e sociais, e humaniza-rem-se ainda mais como parte desta luta”. Já tornar o político mais pedagógico, significa incorporar práticas que tratem os estudantes como possíveis agentes de transformação do mun-do, utilizando formas de pedagogia que tratem os estudantes como agentes críticos, dando a eles voz ativa em suas experi-ências. Com isso, “o ponto de partida destes intelectuais não é o estudante isolado, e sim indivíduos e grupos em seus diver-sos ambientes culturais, raciais, históricos e de classe e gênero, juntamente com a particularidade de seus diversos problemas,

11 Ao elaborar essa crítica, não pretendo desmerecer professores que estão no sistema de pré-vestibulares, mas mostrar que é possível ir além. Também não considero a edu-cação tradicional - e quando digo tradicional, refiro-me a praticas que buscam colocar apenas a “ciência” sem relacioná-la a outros aspectos históricos, sociais, culturais - ruim. Tenho clareza que eu e muitos outros nos formamos por essa educação tradi-cional, e criamos uma consciência mais crítica sobre as ciências, porém, penso nos outros que não seguiram uma vida estudando Química, Física, Biologia. Questiono-me se a eles essa educação “tradicional” foi significativa ou serviu para propagar uma falsa visão de neutralidade nas Ciências. Foi significativa ou serviu para consolidar visões de mundo que não consideram o fazer científico como um fazer político?

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esperanças e sonhos”. Por fim, o autor afirma a necessidade de desenvolver um discurso que una a linguagem crítica à lin-guagem da possibilidade, trazendo maneiras de o educador se reconhecer como um agente de mudanças dentro e fora do ambiente escolar.

Esse modelo de intelectual transformador é criticado por Contreras (2001) ao apontar que Giroux não mostra como fazer essa passagem de professor como técnico a um profes-sor como intelectual transformador (pág. 120-121). Bastaria ler as idéias de Giroux e ter vontade política de empreender transformações?

Não consigo responder a essa pergunta, não consigo afir-mar qual o momento ou como um professor faria esse ca-minho. Acredito que proporcionar reflexões sobre questões sociais vá iniciar uma reação de pensamentos transformado-res. Mas isso não é o bastante, é necessário, talvez, perceber o preconceito na sala de aula. Essa percepção será muito mais impactante e irá estimular uma vontade de mudança muito maior do que a leitura de algumas páginas.

Faço o convite a todos os educadores: entrem em sala com outro olhar, procurem perceber na fala dos estudantes e em suas próprias falas alguns preconceitos, julgamentos, visões estereotipadas e tentem buscar reflexões-ações-reflexões que guiem uma transformação. Não consigo traçar o caminho que transformará um professor, mas acredito na percepção das in-justiças e na consciência social como catalisadores de trans-formações.

Os próximos capítulos guiarão alguns aspectos teórico--práticos que conduziram/conduzem algumas das reflexões e ações interculturais em aulas de Ciências.

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Capítulo 2

Ciência, Tecnologia, Sociedade e ARTE: um possível caminho

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

Glória Regina Pessôa Campello Queiroz

“Um galo sozinho não tece uma manhã:

ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele

e o lance a outro; de um outro galo

que apanhe o grito de um galo antes

e o lance a outro; e de outros galos

que com muitos outros galos se cruzem

os fios de sol de seus gritos de galo,

para que a manhã, desde uma teia tênue, 

se vá tecendo, entre todos os galos”.

João Cabral de Melo Neto

Ao comparar programas de Educação em Ciências ao longo de 50 anos (1950-2000), observa-se que nos anos 50 a tendên-cia era a formação das elites por meio de rígidos programas que passavam para o estudante uma visão de ciência Neutra. Nesse momento, as atividades recomendadas eram as atividades experi-

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mentais através de aulas práticas. Em um instante seguinte, entre a Década de 70 e 90, surge a perspectiva de formar um cidadão trabalhador por meio de uma EC que mostrasse a Ciência como uma modificação histórica. Como forma de abordar essa visão de ciência, era sugerida a elaboração de projetos pedagógicos e o fomento de discussões. Já a partir dos anos 2000, surge a tendên-cia de compreender a ciência como uma atividade social. Espera--se que seja formado um Cidadão-trabalhador-estudante e o in-dicativo é a utilização de atividades no computador. Acreditamos que, no momento atual, torna-se uma discussão indispensável a convergência da Educação em Ciências e tópicos relacionados às questões de pluralidade cultural

Ao pensar em uma Educação em Ciências que compreenda a Ciência como uma construção humana e auxilie na diminuição do afastamento existente entre alguns campos de conhecimento, além de valorizar a pluralidade cultural, surge – no grupo de pes-quisa em Ensino de Física da UERJ – a estratégia didática CTS--ARTE, e aos poucos iremos explicar o que seria essa estratégia e sua fundamentação teórica. Inicialmente, falaremos da abor-dagem CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e de sua difusão na Educação em Ciências. No momento seguinte, falaremos da Educação em Artes e de algumas contribuições ao ensino de Ci-ências numa perspectiva intercultural. Por fim, estabeleceremos o que consideramos por CTS-ARTE e prepararemos o caminho para que no próximo capítulo dois projetos sejam apresentados.

O movimento CTS e seu reflexo no ensino de Ciências

Uma das idéias que está sendo difundida há alguns anos na área de pesquisa em Educação em Ciências é a necessida-

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de de uma formação básica para que os estudantes consigam compreender uma dimensão social da Ciência e sua relação com a tecnologia e a sociedade, sendo capazes de refletir de maneira crítica, elaborando juízos de valor até mesmo sobre práticas científico-tecnológicas (Brasil, 1998). Essa “forma de pensar” a educação científica está presente em um grande mo-vimento internacional que se chama Ciência, Tecnologia e So-ciedade (CTS). Segundo Bernardo (2008), um dos fatores pri-mordiais que resultou no surgimento do CTS foi o lançamento das bombas de Hiroshima e Nagasaki, que também propiciou o surgimento de outros movimentos, como o ambientalista e o feminista (AIKENHEAD, 2005). Esses diversos fatores con-tribuíram para que houvesse o questionamento sobre um mo-delo linear, proposto por Bush (1945), no qual se estabelecia a proporcionalidade entre desenvolvimento cientifico e social, acarretando num desenvolvimento tecnológico estreitamente relacionado ao desenvolvimento social. No que se refere ao ensino, alguns dos principais fatores para o surgimento da abordagem CTS foram: o movimento de reformas curriculares no ensino de ciência e a insistência de educadores por apresen-tar uma concepção mais humana dessas disciplinas, o que fez com que o movimento CTS gerasse mudanças no status quo da educação científica (AIKENHEAD, 2005).

Diversos projetos em todo o mundo foram feitos utilizan-do uma concepção de CTS, de forma que é possível encontrar vários sentidos dentro dessa área. Aikenhead propôs um es-pectro que expressa a importância relativa de conteúdos CTS de acordo com a estrutura do conteúdo (conteúdo científico tradicional ou CTS) e a sua avaliação (de acordo com a impor-tância na compreensão do conteúdo científico versus a com-preensão do conteúdo CTS). Foram separadas oito categorias

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em um continuum que vai gradualmente incorporando ele-mentos CTS aos currículos, sendo que a 1) apresenta um con-teúdo tradicional com algumas noções de CTS e a 8) apresenta uma alta prioridade as conteúdos CTS e uma baixa prioridade aos conteúdos científicos. Independente da localização do tipo de abordagem dentre o espectro apresentado por esse autor, há uma busca pela capacidade na tomada de decisão para uma ação social responsável, ou seja, considerando os valores e as questões éticas. Santos e Mortimer (2001) destacam que, além disso, deve-se dar ênfase ao processo argumentativo funda-mental para esse processo. Entretanto, Auler (2007) faz uma ressalva e mostra que a abordagem CTS, apesar de possuir diversos sentidos e práticas, tem sido utilizada em maior esca-la apenas como uma motivação para ‘cumprir o programa’ e ‘vencer conteúdos’.

A educação CTS, sob a visão de nosso grupo de pesquisa em educação em ciências, permite contribuir para uma formação na qual os estudantes sejam educados como cidadãos, com-preendendo algumas das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade e associando os conteúdos científicos curriculares, ou em fase de transposição didática a essa tríade, tornando-se capaz de pesquisar e engajar-se nas pesquisas e nos estudos sobre assuntos que, ao longo de sua vida, forem necessários ou de seu interesse. Esperamos, assim, que os estudantes venham a desenvolver um senso crítico que os permitam desconfiar de verdades impostas, e que possam tomar decisões coerentes em seu ambiente caso haja possibilidade, tendo conhecimen-to, respeito e tolerância à diversidade existente nas formas de pensar, agir, vestir-se e cultuar presentes no mundo contempo-râneo.

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Arte e Educação: uma dimensão poética do outro

A Arte, no contexto educacional brasileiro, passou por di-versas modificações sócio históricas e culturais, de forma que foram atribuídos diversos novos sentidos ao longo desses anos em que a educação em artes tem existido. Compreendemos o quanto é vasto esse campo, e iremos apenas pincelar alguns momentos, concepções de ensino e alguns ganhos que a arte possibilita.

Silva e Araújo (2007) fazem uma pesquisa exploratória pela literatura de história da educação em artes e traçam al-guns campos de pensamento. Utilizando-se de análise de con-teúdo na perspectiva de Bardin, os autores categorizam três tendências conceituais no ensino de arte e suas concepções de ensino associadas.

Ensino de Arte pré-Modernista à Ensino de Arte como técnica.

Ensino de Arte Modernista à Ensino de Arte como expres-são e como atividade.

Ensino de Arte Pós-Modernista à Ensino de Arte como conhecimento.

O ensino de Arte como técnica estaria associado ao ensino do desenho geométrico, descontextualização da obra de arte, pinturas de figuras mimeografadas. Essa concepção agrega os princípios de preparar o estudante para o mercado de trabalho e utilizarem-se das aulas de artes para passar ao estudante ou-tras disciplinas mais importantes. O ensino de Arte como ex-pressão valoriza a produção de desenho e pintura como forma de expressão, fazendo uso de atividades como levar o estudante para assistir alguma apresentação artística. Essas atividades, en-

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tretanto, não seriam planejadas para o professor intervir como um mediador do processo de aprendizagem. O ensino de Arte como atividade seria a simples realizações de atividades, sem uma valorização de conteúdos, o que o torna nessa concepção, por exemplo, preparar festas para o dia do índio, dia do solda-do, cantar cantigas, isentando-se de um fazer artístico. Por fim, os pesquisadores apresentam a concepção de Ensino de Arte como conhecimento. Essa perspectiva busca trazer a arte para o campo da cognição e está baseada no interculturalismo, na interdisciplinaridade e na aprendizagem de conhecimentos ar-tísticos a partir da relação entre o fazer, o ler e o contextualizar arte (SILVA E ARAÚJO, 2007). O termo Interculturalidade sig-nifica a interação entre diferentes culturas e essa seria uma das principais buscas do ensino de Artes.

Essa percepção intercultural está presente no documento dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Artes (Brasil, 1997) ao enfatizar que uma educação artística permite ao estudante conhecer a arte de outras culturas e com isso perceber a rela-tividade dos valores que estão enraizados nos seus modos de pensar e agir. Essa atitude permitirá compreender e valorizar o outro e sua diversidade de crença e pensamento.

A arte de cada cultura revela o modo de perceber, sentir e articular significados e valores que governam os diferentes tipos de relações entre os indivíduos na sociedade. A arte soli-cita a visão, a escuta e os demais sentidos como portas de en-trada para uma compreensão mais significativa das questões sociais (Brasil, 1997, p 19)

Além da busca intercultural, procura-se uma educação em artes que seja crítica e valorize o conhecimento construído pelo aluno com a mediação do professor.

A abordagem intercultural em artes é considerada benéfi-ca por Richter (2010), uma vez que consegue envolver concei-

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tos como cultura, identidade cultural, alteridade, universalida-de e regionalismo, as igualdades e as diferenças, relativizando as situações de poder e contrastando com verdades estabele-cidas. As artes possibilitam envolver temas como sexualidade, racismo, inclusão, identidades juvenis, de periferia, de grupos religiosos. Nesse contexto a arte consegue trazer ao trabalho nas aulas de Ciência uma possibilidade de abordagem inter-cultural que mostraremos em breve.

Arte nas aulas de Ciências

Além de possibilitar uma abordagem intercultural, a arte possui uma imensa relevância cultural. Ranciére (2005) afirma que “A arte sempre faz política” e que a estética é atravessada por um projeto de arte que é transcendida. Não são feitos quadros, mas formas de vida. Portinari (2011), citado da Revista IBM, é claro ao apresentar uma visão crítica de Ciência e Tecnologia e promover a Arte como um enlace necessário.

“Urge, portanto, exercer, em paralelo com atividades técni-co-científicas, uma ação cultural mais abrangente, que resgate a consciência de nosso momento histórico e recupere o passado como referência dinamizadora que torna, enfim, possível abordar o futuro de maneira própria. A arte, como expressão emergente do sentir coletivo, é um poderoso instrumento para esta ação”. (PORTINARI, 2011 p.33)

Apesar de perceber essa necessidade de convergência, Niet-zsche (2007) ressalta que a racionalidade exacerbada da moder-nidade se distancia da Arte. Ele toma como marco Sócrates em sua afirmação de que, além da Arte nunca dizer a verdade, era dirigida para que todos pudessem entendê-la, formando-se, as-sim, um status de conhecimento menos valorizado. As Artes não representariam o útil, mas apenas o agradável, e seus discípulos eram obrigados a afastarem-se, como no exemplo de Platão, que

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queimou todos seus poemas antes de iniciar seus estudos. Para o filósofo, esse excesso de racionalidade existente na modernida-de impede a compreensão das modificações do mundo (o devir). Esse raciocínio contribuiria para uma aparente oposição entre a cultura científica e a cultura humanística (SNOW 1995).

No intuito de agregar esses diversos fatores como a apro-ximação da cultura científica e humanística, compreensão da Ciência como uma construção humana e social, ou seja, indis-sociável da política e outras relações de poder, além de construir uma prática, nas aulas de Ciência, que contribua com discursos menos homogeneizadores e mais interculturais, foi traçado um caminho de possibilidades que chamamos de CTS-ARTE.

CTS-ARTE: Um caminho de Possibilidades

No CTS há termos como CTSA, dando ênfase ao Ambien-te; CTSP, referindo-se a uma ênfase na política; CTSI, ressal-tando a inovação, dentre tantos outros são relevantes. Todos esses termos são evidenciados por uma questão didática na qual o autor escolhe o foco. Porém, consideramos CTS como termo que possui a capacidade de agregar todas essas discus-sões sobre ambiente, política e inovação, e por isso, para NÓS, não há a necessidade de evidenciar os demais termos, mesmo estes sendo possíveis e plausíveis de serem utilizados, o que não fazemos por opção. O termo ARTE é agregado para se referir unicamente à abordagem que vem sendo desenvolvida em projetos do grupo. Trata-se de uma estratégia que conside-ra alguns elementos da cultura CTS com elementos da cultura Educação em Artes.

Consideramos o surgimento do termo CTS-ARTE como um híbrido entre os limites da abordagem CTS e os limites da

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abordagem da Educação em Artes – limites existentes em au-las de Ciências – e, esse trabalho na fronteira da cultura exige o encontro com um novo (Figura 4).

Figura 1: CTS-ARTE como Híbrido.

Essa abordagem CTS-ARTE busca transcender à utiliza-ção da Arte nas aulas de ciência apenas como uma motivação proporcionada pelo trabalho artístico. Utilizamos a Arte para proporcionar discussões de caráter político, social, ambiental, ideológico e que também permita o diálogo entre as diferentes culturas.

As práticas CTS-ARTE buscam tanto partir do cotidiano do aluno, por compreender que é necessário valorizar questões nele inseridos, como introduzir elementos de belas artes ou da arte popular, para que o estudante vá além de seu próprio co-tidiano e conheça outros tipos de produção de conhecimento e expressão humana. Dessa forma, argumentamos que o termo

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CTS-ARTE é fundamental para a construção dos sentidos que conduzem à prática elaborada em nosso contexto de trabalho, além de permitir que essa prática adquira novos sentidos em outros grupos que busquem fazer um trabalho semelhante ou apoderem-se desse referencial teórico.

A estratégia CTS-ARTE

A sequência didática que temos buscado inspira-se basica-mente na proposta de Aikenhead (1994). Porém, a apresenta-ção de um problema ou questão de caráter social é feita atra-vés da relação Arte + Sociedade (BAY, 2006) (Figura 5). Essa relação é possível tendo em vista que Bay (2006) nos mostra a possibilidade de relacionar Arte por via de uma interpretação social, através do sentido proposto por Marx, como a Arte sendo capaz de expressar a luta de classes, por ser ela um refle-xo social, e por Foucault, como capaz de expressar uma rela-ção entre o dito e o não dito, e as relações de poder. Ambas nos interessam em uma situação educacional que possa educar na vida e para a vida em sociedade (IMBERNÓN, 2000). Assim, a estratégia adotada no projeto pedagógico deve ser proposta a partir do já estabelecido curricularmente. Algumas etapas indicadas pela seta compõem nossa estratégia: 1) é escolhido um tema social a partir de uma relação com a arte; 2) uma tecnologia é introduzida; 3) estuda-se a ciência e sua relação com tecnologia e sociedade; 4) a questão social é rediscutida; 5) é proposto aos estudantes que elaborem um produto final científico-artístico.

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Figura 2. Proposta CTS-Arte adaptado de Aikenhead (1994)

A relação Arte e Sociedade é uma via de mão dupla e não devemos apenas compreendê-la pelo aspecto social, descar-tando as individualidades e singularidades da criação artís-tica. Em nossa proposta, buscamos expressões artísticas que permitam abordar a questão social como uma estratégia di-dática e não como uma interpretação do que o artista quis expressar realmente. Consideramos a obra de arte como obra aberta (ECO, 2010), havendo, assim, múltiplas possibilidades de interpretações que dependerão do intérprete dessa maneira “Aberta” e de como ela é utilizada para mostrar uma relação existente entre a obra e o intérprete. A obra não depende ape-nas dos sentidos atribuídos pelo autor, isso porque cada obser-

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vador terá uma interpretação diferente que irá variar com sua sensibilidade condicionada, sua cultura, gostos, propensões, ou seja, sua forma individual, o que faz com que a obra possa ser vista e compreendida segundo múltiplas perspectivas. Essa abertura nos permite a interpretação social de uma obra de arte sem colocar em menor grau as singularidades da criação, mas valorizando nossos objetivos educacionais.

A última etapa do trabalho é a produção, pelos estudan-tes, de um produto que denominamos científico-artístico. Po-dendo ser qualquer tipo de manifestação artística, como pin-tura, música, literatura, teatro, nós consideramos a relação Sociedade-Arte de forma a dar sentido à sociedade através dos olhos dos estudantes. O produto será fruto das identidades dos daqueles que o produziram, e a abertura para diversas possibilidades de construção permitirá que haja a expressão e significação de crenças, valores e de sua posição cultural na-quele dado instante.

Com intuito de ajudar na elaboração dos projetos CTS--ARTE, elaboramos uma tabela que não seria um cânone, mas uma tabela que iria elucidar alguns pontos que consideramos importantes de serem abordados em sala, a exemplo das ques-tões sociais que o projeto envolverá. Qual a Arte utilizada, a Ciência, a Tecnologia e como discutiremos os aspectos sociais? Serão necessários experimentos? Terei quanto tempo e quan-tos alunos?

É importante destacar que os projetos até o momento fo-ram elaborados de forma prática antes de surgir uma teoria que os apoiasse. Os projetos apresentados a seguir foram fei-tos de maneira individualizada por um professor de Ciências, o que não impede que se formem parcerias com outros pro-fessores de outras disciplinas. No próximo capítulo, traremos dois exemplos de Projetos CTS-ARTE. Um deles finalizado e

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o segundo impedido de ser finalizado pela ignorância, precon-ceito e projeto de escola homogeneizadora do local onde ele estava sendo desenvolvido.

Tabela 1: um possível guia na elaboração de um projeto CTS-ARTE

Planejamento Comentários

Objetivos Epistemológicos O que eu quero que meus alunos compreendam no que se refere

à Natureza das Ciências e/ou ao conteúdo de CTS.

Conteúdo Abordado Qual tema de Ciências será

trabalhado? Qual tecnologia será trabalhada?

Ambiente Educacional e Tempo didático

Qual a série, a idade dos estudantes, o conhecimento

prévio de conceitos de Ciência? Quanto tempo eu terei para essa

abordagem?

Questões sociais + Arte escolhido para abordar o tema

Quais debates sociais eu gostaria de levantar?

Utilizarei um quadro? Um filme? Uma música? Como farei a

relação entre a arte e o tema social que gostaria de abordar? (Será necessário retroprojetor?

Haverá quadro impresso para os estudantes? exibição de vídeo? etc.).

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Transição Arte + Sociedade → tecnologia e Ciência

Como farei a ligação entre a sociedade e a tecnologia? Uma sugestão é relacionar com algo próximo da vida dos estudantes.

Elaboração do Experimento para discussão de Ciência e Tecnologia

Qual experimento utilizarei e quais materiais deverei separar?

Rediscutir a questão social

Debate, Júri simulado, controvérsia controlada? Esse é o principal

momento no qual os estudantes irão explicitar seus conceitos

prévios, e interagir entre eles sob o controle do professor como um

mediador dos conflitos.

Produção dos alunos

Nesse momento final, os estudantes deverão produzir seu trabalho artístico a partir da obra

inicial e do conteúdo científico tecnológico abordado.

Apesar da ordem sugerida, tanto no roteiro quanto no guia de elaboração, é importante ressaltar que, além da sala de aula ser um ambiente dinâmico, cada situação irá construir novos fa-zeres práticos que poderão ter sequências com ordenações dife-rentes. O tempo, o objetivo dos alunos e professores, os gostos, as vontades de cada um dos envolvidos na prática tecerão novas abordagens ou novas formas de proposição. Acreditamos em um processo em constante reelaboração: Teoria ↔ Reflexão ↔ Prática ↔ Reflexão’ ↔Teoria’ ↔ Reflexão’’ ↔ Prática’.

A partir de abordagens prático-teóricas em constante mu-dança ao longo de aproximadamente dois anos de reflexão,

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elaboramos esse texto que será lido como um texto teórico, que poderá ser reelaborado, refletido ou reteorizado por ou-tros professores que colocarão um pouco de suas vivências e de suas reestruturações práticas. Dessa forma, voltamos a enfatizar que não gostaríamos de estabelecer cânones, mas traçar caminhos e possibilidades.

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Capítulo 3

A Cultura nordestina ganha voz nos Cordéis de João Batista Melo

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

Glória Regina Pessôa Campello Queiroz

Samara Almeida Andrade

“Recuperar nossas águas

É nosso grande dever

E convido a juventude

Para lutar e vencer”

João Batista Melo

O poeta popular João Batista Melo nasceu em Itabaianinha, no estado de Sergipe, em 1938. Após atingir a maioridade, mu-dou-se para diversas cidades até chegar a Niterói, onde perma-nece até hoje. É membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), Academia de Letras da Região Oceânica de Niterói (ALRON), e expõe e vende suas obras em uma barraca na feira no Campo de São Bento, parque popular existente na cidade, contribuindo, assim, para a divulgação da literatura de cordel. Seus folhetos poderiam passar despercebidos por nossos interesses em Educação em Ciências se não fosse uma quantida-

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de razoável de cordéis destinados à Educação Ambiental, como o folheto “A falta d’água no mundo”, que foi homenageado pela ONU em uma carta escrita por Giancarlo Summa, diretor da United Nations Information Center. É possível observar na figura 2 algumas obras12 que possuem temas ambientais, como “O Gemido da Lagoa”, “O menino que Virou Rio”, “O Pré-Sal, a Rolinha e os Gaviões” e “A falta d’água no mundo”. E são essas as obras que sugerimos como possíveis de serem utilizadas na primeira etapa de nossa sequência didática.

Figura 1: Os cordéis

A escolha da obra de arte para o trabalho em sala é uma das etapas mais importantes, isso porque ela será fundamental para possibilitar a abordagem de temas sociais e encaminhar o

12 Não citamos em referência pela impossibilidade de catalogação.

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desenvolvimento de todo o resto da estratégia didática. Nesse caso, a obra escolhida foi o cordel “A falta d’água no mundo”.Não citaremos a obra como um todo devido aos direitos au-torais, mas alguns trechos são citados e é perceptível uma re-lação direta entre seus versos e uma educação Ambiental Crí-tica13. Podemos observar nos versos selecionados que sua fala valoriza a democracia, a compreensão pública dos problemas ambientais, a necessidade de uma ação democrática e da par-ticipação social como indispensável a essa democracia.

[...]

Se é vazamento na rua

denuncie faça um ofício

telefone pra empresa

avise do desperdício

evite que aquela farra

entre no código de barra

e resulte em sacrifício

[...]

“Recuperar nossas águas

é nosso grande dever

e convido a juventude

para lutar e vencer

e se alguém quiser mais água

13 Já a Educação Ambiental Crítica e emancipatória se caracterizaria por uma com-preensão multidimensional da questão ambiental; defesa do amplo desenvolvimento das liberdades e possibilidades humana e não humanas; atitude crítica diante dos desafios da crise civilizatória; uma publicização da problemática socioambiental; uma associação de argumentos técnico-científicos à orientação ética do conhecimento; um entendimento da democracia como pré-requisito para a construção de uma sustent-abilidade plural; a certeza na participação social como indispensável à democracia; cuidado em estimular diálogo e a complementariedade entre as ciências; uma vocação transformadora dos valores e das práticas contrárias ao bem-estar público (LIMA, 2011).

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seja China ou Nicarágua

temos pra dar e vender

E não se deve estranhar

se a escassez do produto,

levar potência estrangeira

a construir aguaduto

até por baixo do mar

a fim de daqui levar

água mais pra seu reduto

Narrativa da prática: relatos da observação

A prática foi realizada em uma turma do 9º ano do Ensino Fundamental, com 15 alunos na faixa etária entre 13 e 15 anos de idade, em um colégio particular, localizado em um bairro de baixa renda de um município do Estado do Rio de Janeiro. As aulas ocorriam toda segunda-feira, com dois tempos seguidos de 50 minutos cada. O professor da turma era também mem-bro e colaborador do Grupo de pesquisa dessa Universidade do Rio de Janeiro, de forma que foi co-orientador do trabalho de pesquisa da aluna de licenciatura (aqui será chamada pelo nome de Ana) que iria assumir a turma como docente pelo período de um mês. O professor da turma preparou os alunos para receber essa nova professora, e, logo de início, ela foi conhecer a direção e a coordenação pedagógica, sendo muito bem recebida e familiarizando-se logo com o ambiente. Ela só

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daria aulas para essa turma, não cumprindo a rotina profissio-nal de muitos horários e escolas. Outra questão importante a destacar é o momento que a cidade vivia. Como a prática foi realizada durante o período de eleições municipais, as discus-sões sobre política estavam muito latentes. Como consequên-cia, uma grande parcela dos estudantes se mostrou interessada pela política e pelo debate sobre a cidade.

O planejamento das aulas foi um processo conjunto, no qual a professora/licencianda teve liberdade para construir sua aula, mesmo tendo sido orientada por um dos investigadores. O programa foi realizado utilizando-se da tabela 1. Após duas reuniões entre o investigador/professor da turma e a profes-sora, foi decidido que a arte utilizada seria a obra “A falta d’água no mundo” e o conteúdo científico abordado seriam os métodos de separação de misturas, através do estudo do funcionamento de estações de tratamento de esgoto. Seriam utilizados vídeos e materiais de apoio escritos pela própria professora, além de uma lista de exercícios. A questão social acerca do ineficiente tratamento de esgotos na comunidade do entorno da escola seria rediscutida por meio de um debate e a arte final seria livre. Ao todo, seriam necessários quatro dias com dois tempos de aula cada.

Tabela 1: Planejamento da sequência didática

Planejamento

Objetivos Epistemológicos Discutir a Educação Ambiental a partir de um enfoque crítico.

Conteúdo Abordado Métodos e separações de misturas a partir do estudo das Estações de

Tratamento de Esgoto (ETE)

Ambiente Educacional e Tempo didático

Turma de 9º ano com 15 alunos; duas aulas seguidas de 50 minutos

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Questões sociais + Arte escolhido para abordar o tema

Conhecer um pouco mais da cultura nordestina através do

Cordel “A falta d’água no mundo” e discutir a política da cidade no que

se refere ao meio ambiente

Transição Arte+Sociedade → tecnologia e Ciência

Transição Arte + sociedade a partir do questionamento sobre a presença de ETE na cidade dos

estudantes.

Elaboração do Experimento para discussão de Ciência e Tecnologia Não foram utilizados experimentos

Rediscutir a questão socialDebate a partir de uma notícia

sobre a construção de uma estação de tratamento de esgoto.

Produção dos alunos Arte Livre

As aulas

Dia “zero” e primeiro dia: no dia anterior ao recebimen-to de Ana, o professor da turma apresentou para os alunos a obra “A importância do cordel na comunicação”, de João Batista Melo, mesmo autor do cordel que seria utilizado em breve.

Um parênteses que só será retomado mais adiante: Uma aluna perguntou “Quanto custa isso?, o professor

respondeu “dois reais” e ela disse “Também, isso né!”, com um rosto mostrando que considerava o cordel uma produção de baixo valor agregado, além de apresentar um desinteresse pela arte e um desrespeito pela cultura nordestina.

O momento seguinte foi o primeiro dia da professora Ana e, ao dar início à aula – após apresentações e formalismos – ela perguntou como os alunos preferiam que o cordel fosse lido e

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eles se expressaram afirmando que o interessante seria lerem juntos. Cada estudante ficou responsável pela leitura de uma folha – Nesse momento, era perceptível uma concentração e participação dos estudantes na aula. Esse fato é, inicialmente, função do estranhamento que os estudantes sentem ao se de-pararem com um novo professor, porém, essa tensão foi dilu-ída com o tempo – Após a leitura do cordel, que durou apro-ximadamente 15 minutos, Ana fez a ligação entre a Arte e a Sociedade ao perguntar se há tratamento de esgoto na cidade. Muitos participaram falando ao mesmo tempo e levantando questões como a sujeira da Baía de Guanabara. A sala ficou caótica, mas logo ela conseguiu organizar a sequência das fa-las. Ana comentou sobre os recursos financeiros necessários para construir uma Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) e uma aluna rapidamente ironizou a atual prefeitura da cidade que “Só sabe fazer praça” e não se preocupa com questões bá-sicas como o lixo e o tratamento de esgoto. Outro estudante comentou a questão dos impostos e afirmou que os impostos pagos são para que obras como essa sejam feitas. Já um tercei-ro aluno comentou como os hospitais da cidade estavam de-gradados e novamente apareceu a fala de um aluno que disse “A prefeita só sabe fazer praça”.

Ana interrompeu o debate e a turma foi dividida em dois grupos. Enquanto um grupo assistia aos vídeos, o outro pegou um material que foi preparado por ela com o conteúdo de ETE e separações de mistura. Um grupo ficou com oito alunos e outro grupo com sete alunos. No total, foram dois vídeos selecionados previamente, sendo um deles de autoria de uma empresa de ETE que mostrava detalhadamente os processos por ela utilizados, o outro era do Jornal Nacional e mostrava uma notícia que relacionava ETE e uma cidade em questão, cada vídeo com aproximadamente cinco minutos. No grupo

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que assistiu primeiro ao vídeo, a professora pediu para os alu-nos buscarem no texto métodos de separação de misturas que apareciam no que foi visto; no grupo que leu primeiro o texto, ela pediu que buscassem nos vídeos métodos de separação que apareciam no texto. Com isso, poderiam relacionar o material preparado com a tecnologia de estação de tratamento de esgo-to após uma abordagem crítica sobre a cidade.

No bate papo sobre o conteúdo, ela comentou em um dos grupos sobre processos anaeróbicos e aeróbicos, falando sobre a presença e falta de oxigênio, mas sem aprofundar o assunto. Após os vídeos e a leitura, Ana juntou os dois grupos e per-guntou qual era o método presente no vídeo. Uma aluna res-pondeu: filtração; Ana comentou que há dois tipos de filtração para resíduos diferentes; falou a diferença entre lixão e aterro sanitário e perguntou qual o outro método. Um aluno respon-deu: decantação. Ela então explicou brevemente a decantação e retomou uma pergunta feita durante a exibição do vídeo em um dos grupos. “A água após tratada pode ser consumida?” Essa pergunta foi respondida com um não, alertando que aqui no Brasil não há o tipo de tratamento que transforma a água usada em potável, mas que a ETE faz com que a água volte para o meio ambiente mais limpa. Ana disse algumas vezes que tudo é um ciclo. “Adubamos o solo com nossas fezes, o boi come o pasto e comemos o boi. Daí, produzimos fezes para adubar o solo. Somos parte desse ambiente”. Também comentou sobre tratamento de água dizendo que, ao sair do tratamento, é potável, mas, ao passar por todo caminho até chegar à nossa casa, há tubulação antiga, furos e sujeira, o que faz com que a água não seja boa para consumo.

É possível perceber que em muitos momentos Ana reto-mou frases do cordel para dar ênfase ao que estava sendo dito, comentando também sobre a obra do Complexo Petroquími-

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co do Rio de Janeiro (COMPERJ) e a necessidade de fazer tubulações que irão da CEDAE no Rio de Janeiro até uma cidade próxima. Também falou sobre questões políticas e so-ciais, como o preço do IPTU referente à área onde se mora e a relação com a proximidade do mar, mostrando relações de poder e a perda financeira de dinheiro proveniente de turismo. A professora pediu, também, que lessem o material de apoio sobre “Separação de misturas” e a aula foi encerrada com a fala do que será abordado na aula seguinte.

Segundo dia: Ana iniciou a aula perguntando se haviam lido o material de apoio. Os estudantes disseram que sim e que não tinham dúvidas sobre o que leram. Ela passou o segundo material de apoio, que é um texto sobre ETE produzido por ela e uma lista com cinco exercícios que necessitariam tan-to do material da última aula, sobre separação de misturas, quanto desse texto da aula de hoje. Os exercícios foram re-tirados de questões do vestibular, o que causou um estranha-mento nos estudantes que não tinham se deparado ainda com questões desse tipo. Ela caminhou pela sala tirando dúvidas pontuais. Nesse momento, os alunos permaneceram agitados, mas muito participantes. Pela primeira vez, Ana sentiu a ne-cessidade de ir ao quadro, já que um estudante perguntou so-bre decantação, e fez um desenho falando sobre a densidade da água e do óleo e como é possível separá-los. Acrescentou que é um processo manual e que há uma pessoa controlando a torneira. A todo o momento ela buscou os conhecimentos de ETE trabalhados na aula anterior para facilitar e relacio-nar ao conteúdo da aula. O tempo para exercícios acabou e ela começou a corrigi-los fazendo uso do quadro. Perguntou para todos o que marcaram e aos poucos foram surgindo as respostas, havendo uma discussão de todas as questões, item por item, para justificar cada apontamento.

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O quadro foi usado novamente para explicar a destilação. Ela utilizou-se de um desenho para mostrar o processo e disse que a água se separa da acetona porque as duas substâncias apresentam uma diferença de ponto de ebulição. Já a mesma questão (1) apresenta um item sobre fusão fracionada que ela não havia explicado, pedindo para os alunos não o fazerem, e explicando, então, o processo. Isso se repetiu com todas as questões.

O momento seguinte foi o momento do debate. Ana sepa-rou uma reportagem e fez uma cópia e distribuiu para todos os alunos. Pediu para lerem e, em seguida, convocou todos os estudantes para a discussão. Organizou a turma em círculo e passou as regras da discussão. Ana pediu uma leitura em voz alta que é feita por dois estudantes, dando início, em seguida, à discussão. Um total de aproximadamente 30 minutos de dis-cussão foi gravado em áudio e as falas foram posteriormente transcritas.

Entre 15 estudantes presentes no debate, houve a partici-pação ativa de nove. Os outros seis se calaram. No total de dez vozes, contando com a professora, no debate foram levantadas questões sobre política E1: “Eu acho que eles tão fazendo isso pra obter voto. Tão fazendo isso por causa das eleições. Se você for buscar antes e for ver que o que eles tudo prometem antes”; Administração pública E2: “Ah é, e eles vão tirar dinheiro de onde pra fazer? Vão tirar do bolso deles? E a gente paga im-posto”; Benefícios que a ETE pode trazer para a cidade E3: “O banho na praia? Gerar turismo pra cidade? Conseguindo mais dinheiro dá pra se investir mais”. Entre outras questões. Ao fi-nal foram divididos os grupos para a elaboração de um produ-to científico artístico. Foi pedido que os trabalhos mostrassem o conteúdo e o tema abordado através de um cordel, peça de teatro, telejornal encenado, pintura ou escultura. Podendo ser

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mais de um tipo de produção ao mesmo tempo, Ana reafirmou que esse trabalho valeria parte dos pontos do bimestre.

Terceiro dia: nesse momento ocorreu a apresentação dos trabalhos pelos estudantes, sendo que apenas um faltou. Iniciou-se a apresentação e ela ficou de espectadora. Quatro grupos escolheram cordéis que foram intitulados “Atenção, povo! Vamos acordar!”; “Nosso Mundo”; “A falta de água” e, “Cordel sobre a água”. Um grupo fez a encenação de um telejornal que consistia no diálogo entre uma apresentadora, uma entrevistadora e a candidata à prefeita da cidade. Durante a prática, foi feito um pedido pela coordenação: uma avaliação “tradicional” a ser feita no quarto dia. Durante o planejamen-to, esperava-se utilizar quatro aulas, mas foram utilizadas três. Dessa forma, a última aula foi o teste.

Quarto dia: No último dia, a turma foi separada em três fileiras para aplicar o teste. Ana se despediu dos alunos e disse que era a última vez que ela iria esse ano à escola, agradecendo o carinho. Após aplicar o teste, foi embora.

A arte dos alunos

Alguns trechos do material produzido como arte final são

Grupo 1:

“Existem várias formas de acabar com a poluição

Só falta os políticos terem mais dedicação

Pois a população vota querendo mudança

Mas eles acabam fazendo maior lambança.

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Temos várias propostas de estações de tratamento

Mas até agora só se vê promessas e nada de ação

Já vimos que nós, população, vamos ter que por a mão na massa

Pois aqui no Brasil não tem quem faça”.

Grupo 2:

“Em época de eleições

Milhões de promessas aparecem

Quando elas não são cumpridas

As coisas enlouquecem

Aqui se aplica a regra dos 3 “R”: reduzir, reutilizar e reciclar

Ajudando o planeta a recomeçar”

Grupo 3:

“Quem dera se o homem soubesse sua importância

assim não ia desperdiçá-la com tanta ignorância

Se apenas sobrar água salgada no mar

Aí eles terão no que pensar”.

Grupo 4:

“No Brasil sobra no Norte

porém já falta no sul

Seja doce ou salgada

Seja cristalina ou não

Incolor ou inodora

Em qualquer situação

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Hidrogênio e Oxigênio

Forma sua composição”

Grupo 5:

“Apresentadora: Bom dia, hoje aqui no jornal do colégio (nome do colégio), vamos falar a respeito da construção da estação de tratamento de esgoto da Baía de Guanabara em NOME DA CIDADE. Estamos agora ao vivo com a Repórter (Nome da estudante), que vai fazer uma entrevista com a pre-feita (Nome da estudante)

Repórter: Bom dia, (nome da estudante apresentadora), nós estamos aqui com a prefeita para falarmos sobre a estação de tratamento de esgoto.

Repórter: Bom dia prefeita, qual é o propósito de criar a estação de tratamento?

Prefeita: A proposta é menos poluição nas ruas e maior proposta de emprego para a população... entendeu? Menos valões pelas ruas, que causam maus odores, porque temos muita reclamação sobre isso... Sobre as enchentes, também.

O POVO MERECE UM LUGAR MELHOR! (NOME DA CIDADE) MAIS DIGNO

(PALMAS)”

O trabalho produzido por Ana não foi apenas uma apli-cação de algo elaborado por um grupo de pesquisa no cam-po teórico, mas uma reelaboração na qual ela depositou suas características, sentidos, percepções, vivências e o seu fazer, pensar e refletir sobre a Ciência, Tecnologia e a Sociedade. O reconhecimento e apreço pela cultura nordestina, o conheci-mento e a história de sua cidade são situações reveladas du-rante um momento posterior no qual foi feito uma entrevista

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e ela cita a relação com o pai (nordestino e artista) “porque meu pai pinta, meu pai faz escultura, meu pai faz poesia... Meu pai é do nordeste [ênfase] então tem todo um ranço do próprio cordel... e... a minha mãe trabalhou muito tempo na secretaria de cultura”.

Foi possível perceber que, durante todas as aulas, houve a presença das relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade e a Arte. Os alunos não foram apenas ouvintes, mas puderam engajar-se nos debates e na produção da arte final, levando o conteúdo de Ciências a ser compreendido em seu contexto social. Ao analisar as artes, Andrade (2013) percebe que nos textos que se relacionam com o esgoto, as falas estão atre-ladas ao desenvolvimento político da cidade, à necessidade de uma cobrança coletiva. Uma vez que a falta estação de tratamento de esgoto, após promessas no período eleitoral, é diretamente ligada à falta de interesse público e à pressão dos cidadãos. A autora também discute que, após a prática, foi passado um teste no molde de avaliação tradicional, no qual questões múltiplaescolha cobravam uma aprendizagem sobre métodos e separações de misturas. O resultado teria sido extremamente satisfatório uma vez que, com exceção de um dos alunos, todos acertaram mais de 50% das questões, apresentando uma média global de 6,23. Além disso, uma das questões não apresentava resposta correta e muitos alu-nos corrigiram a professora, durante a prova e por escrito, indicando a resposta correta. Mesmo tendo consciência da complexidade que é realizar avaliações, é possível afirmar que, nesse caso, uma aula que se utilizou da estratégia di-dática CTS-ARTE, além de contribuir para a formação do estudante como cidadão, atendeu aos conteúdos propostos de métodos e separações de misturas, referentes ao programa do 9º ano da escola em questão.

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Fechando os parênteses que foram abertos logo no início da descrição:

Antes do terceiro dia do projeto CTS-ARTE, percebemos, através de uma rede social, que alguns alunos da turma fo-ram visitar a feira de tradições nordestinas que fica no bairro de São Cristovão – Rio de Janeiro. O olhar da menina que tinha anteriormente desprezado o cordel havia mudado. Cer-tamente, a percepção do valor daquela obra de arte e, como consequência, da cultura nordestina era outro. Acredito que a professora conseguiu trabalhar uma aula de ciências que fosse ao encontro dos direitos humanos, por mais que não tenha tido, nesse caso, um debate explícito sobre preconceito.

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Capítulo 4

Cultura afro-brasileira e sexualidade: os temas proibidos14

Roberto Dalmo Varallo Lima de Oliveira

Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não querê-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

A presença distante das estrelas!

Mario Quintana

Obviamente o subtítulo “temas proibidos” é uma chama-da irônica para o que será abordado nessa seção. Inicialmente será apresentado o projeto CTS-ARTE, os motivos de escolha da arte e as possibilidades. Entretanto, o projeto não poderá ser descrito até o fim, já que não pôde ser finalizado. A escola logo tratou de afastar o professor apenas porque tentava pro-porcionar uma prática que era fruto de suas percepções sobre o preconceito em sala de aula.

O tema sexualidade, além de ser amplamente discutido na mídia e nas redes sociais, foi ampliado a partir da presença

14 Agradeço especialmente à Yasmin Rodrigues, estudante de Ciências Sociais, mi-litante e candomblecista, com quem estabeleci um diálogo muito produtivo e que contribuiu bastante para o pensar da prática.

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do Deputado Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos De-putados. Diversas manifestações pelo Brasil exaltaram o texto “Feliciano não me representa” e demonstraram a insatisfação de ter um presidente de comissão que é acusado de racista e homofóbico. Além disso, aumenta-se a discussão sobre casa-mento entre pessoas do mesmo sexo. A resolução nº 175, de 14 de maio de 2013 “Dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em ca-samento, entre pessoas de mesmo sexo.” Resolve: “Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união está-vel em casamento entre pessoas de mesmo sexo”.

Programas de TV começam a focar gays, lésbicas, bisse-xuais, travestis e transexuais em sua vida cotidiana, além de suas relações familiares e a luta por seus direitos. Entretanto, em sala de aula, a discussão sobre sexualidade continua um tabu (MOITA LOPES, 2010). Os professores, durante muito tempo, costumaram atribuir a responsabilidade do debate à família, esquecendo-se que a escola é uma instituição respon-sável pela (re)produção e organização das identidades sociais, porém, Giddens, Beck, e Lash (1995) advertem que discursos que faziam parte da vida privada já passaram a fazer parte da vida pública. Moita Lopes (2010) afirma que os alunos têm tido, cada vez mais cedo, acesso a discursos sobre sexualidades e que apresentar um discurso alternativo ao hegemônico pode ampliar o repertório de sentido (dos alunos e professores).

Outro fator que colabora para a necessidade dessa que-bra de tabu que é trabalhar sexualidade em sala de aula são os Temas Transversais dos PCN, que propõem que sexuali-dade, assim como outras questões sociais e/ou atuais, devem, sim, estar presentes nas discussões realizadas na escola, pois

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as mesmas estão presentes no cotidiano dos/as educandos/as e, portanto, estão sendo vivenciadas por eles/as (BARROS; RI-BEIRO, 2012).

Já no que se refere ao estudo de questões étnico raciais, o Artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamen-to, de consciência e de religião”. Porém, Caputo (2012) nos mostra que a escola é um ambiente onde muitos estudantes tornam-se alvo de discriminações pelo fato de pertencerem ao candomblé, o que faz com que algumas crianças até finjam ser católicas para fugir desse preconceito.

No entanto, em janeiro de 2003, a lei 10.639 foi sancio-nada e afirmou a inclusão do ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileiras nos currículos da educação básica. Dessa forma, incluiu-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educa-ção Nacional, LDB 9.394/96, o Art. 26-A, que prevê que nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados torne-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere este ar-tigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da áfrica e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas so-cial, econômica e política, pertinentes à história do país.

§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro--brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão mi-

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nistrados no âmbito de todo o currículo escolar, em es-pecial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.

A Lei de Diretrizes e Bases, mesmo indicando que os con-teúdos devem ser abordados especialmente por Educação em Artes, Literatura e História, deixa clara a necessidade e a pos-sibilidade da utilização desses conteúdos em todo o currículo escolar. Acreditamos que o currículo de Ciências pode abordar esses temas uma vez que consideramos a Ciência como uma criação humana, sócio-histórica e cultural e que tem como obje-tivos “a formação da pessoa, de maneira a desenvolver valores e competências necessárias à integração de seu projeto individual ao projeto da sociedade em que se situa” (BRASIL, 2000).

A arte: O jardim de folhas sagradas

Do diretor, produtor e roteirista baiano Pola Ribeiro, o longa O jardim de folhas sagradas, lançado em 2009, retrata os conflitos de Bonfim, um bancário negro e bissexual que re-cebe o encargo de fundar um terreiro de candomblé no espaço urbano. Nesse sentido, é possível perceber que o filme aborda alguns conflitos existentes na vida do personagem principal e que podem ser utilizados ao debater o filme em sala de aula.

Conflito 1: Relações entre sujeitos e grupos de diferentes culturas: Nessa seção, buscamos selecionar alguns exemplos que mostram conflitos de Bonfim com a sua esposa, além dos conflitos internos que são reflexo do que é imposto pela socie-dade. O personagem Bonfim é casado com uma evangélica e, em diversos momentos, enfrenta conflitos em família. Trechos

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como “Bonfim, você devia parar de mexer com essas coisas. Por que você não vem pro culto comigo? hum?”; “As coisas mudam! Você lembra do marido de Neide que era Alcoólatra? Ele parou de beber! Até emprego ele conseguiu!” Bonfim res-ponde: “Ângela, eu não sou alcoólatra e tenho um belo empre-go”. Outra cena marcante no filme é um culto evangélico em sua casa. A esposa diz “eu não posso viver com um homem en-tregue ao demônio”. Essas cenas retratam a percepção de sua mulher sobre o candomblé como uma “doença” e mostram a intolerância, por parte do grupo evangélico ao qual ela perten-ce, e o preconceito que o candomblecista está sujeito a sofrer dentro da própria família. No se refere aos próprios conflitos internos Bonfim demonstra a dificuldade de lidar com a situa-ção de largar seu emprego para montar seu próprio barracão.

Conflito 2: Relações entre sujeitos e grupos de mesma cul-tura: Nessa seção, buscamos selecionar falas que mostram o conflito de Bonfim com outros integrantes de sua religião. O personagem principal questiona-se sobre a matança de ani-mais, que ele não considera necessária, fazendo a opção de tra-balhar com folhas, apesar de isso ser um tema controverso em sua religião. O filme inicia com um questionamento dentro da própria cultura do candomblé. Uma afirmação é feita “Todo mundo sabe que eu não sou um admirador de matança/ Eu sou das folhas, porque eu tiro as folhas, mas não mato a árvore. [...]” em seguida é feita a pergunta “Se tudo evoluiu, porque não evoluiu isso também?” O personagem principal mostra--se como alguém que vai contra as tradições do candomblé. A fala “Isso é lá cor de calça que se use pra vir aqui, rapaz!” mostra esse seu aspecto. Em seguida, um pequeno debate é fei-to – Bonfim afirma que o Candomblé tem procedimentos com os quais ele não concorda, mas rapidamente o outro persona-gem (mais velho) diz “Você tem procedimentos que EU não

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concordo”. Em seguida Bonfim “Tudo muda, o candomblé também pode mudar” [...]. Em um momento seguinte, duran-te um evento de candomblé, há falas que mostram que não é necessário dominar o yorubá, mas é necessário compreender o que é “hierarquia, respeito, doação”.

Conflito 3: Preconceito Racial: Nessa seção, buscaremos relacionar falas que mostram a questão do preconceito racial existente em algumas cenas do filme, principalmente no que se refere ao trabalho de Bonfim. Algumas das cenas do escritório mostram preconceito racial contra o atendente do escritório. Falas como “Sinceramente... isso só pode ser coisa daquele es-curinho do café”; “ele não sabe o lugar dele, vive com ouvido em pé... o olho em tudo. Vocês já repararam que toda vez que some alguma coisa dessa sala é ele que sabe onde é que ta?!”. Num momento seguinte, esse pré-conceito é novamente repe-tido e Bonfim (gerente do setor), ouve “O outro não fez nada porque, você sabe [atriz passa a mão sobre a pele] tem uma identificação, é moreno e é gerente”.

Articulação política: Nessa seção, buscou-se destacar al-gumas falas e cenas que mostram a necessidade de luta políti-ca e de engajamento com os pares para defesa de alguma cau-sa. Durante a busca por um terreno para montagem da casa de candomblé, Bonfim é enganado e uma ordem judicial pede a saída da casa. É possível observar nas falas “Na primeira me-tade do século passado, como hoje, o que se pretendeu com a violência - a rigor - foi surpreender o negro no seu cotidiano”; “Agora nos temos a oportunidade de resgatar um espaço sa-grado”; “Já tá passando da hora da gente tomar uma atitude”; “Se a gente não fizer nada eles vão passar por cima e construir o estacionamento do centro comercial”. Em seguida, mostra--se a cena de um antropólogo lutando na televisão pelo direi-to dos praticantes do terreiro de Bonfim. A mobilização das

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pessoas na rua, com faixas, além da utilização dos veículos de comunicação para alertar a população, são expressas no filme, mostrando a possibilidade de engajamento por suas causas.

Considero que o filme “O jardim de folhas sagradas” possui um potencial para ser trabalhado em sala de aula, contribuindo para práticas interculturais críticas. Entretanto, é necessário abordar o conflito entre o Candomblé e a Igre-ja Evangélica com muita sutileza, porque é perceptível uma ideia estereotipada de cristão. As discussões internas no Can-domblé também mostram que uma cultura é fluida e constru-ída na luta. Nesse caso, o filme mostrou a noção de tradição15 e a noção de hierarquia que existe dentro do Candomblé, o que faz com que ele se mantenha e as tradições se conservem. O outro ponto abordado é a questão do preconceito racial e a possibilidade de lutas pelos ideais. Bonfim luta com seus pa-res para a manutenção do seu terreiro mesmo que os outros adeptos do Candomblé não concordem com suas práticas. Ele se posiciona e luta por sua identidade. No que se refere à sexualidade do personagem principal, o diretor trabalha a bissexualidade de Bonfim com uma visão de normalidade, ou seja, não é mostrado (ou não foi percebido) conflitos nesse sentido. Mesmo que em uma das cenas apresente uma passea-ta contra homofobia, o personagem principal não demonstra conflitos ou inseguranças. Esse posição pode ser entendida ao compreender a teoria queer, que tira de foco a posição de heteronormatividade , a qual é dada o direito de “tolerar outras sexualidades”, e coloca uma posição de que não há a noção de normalidade ao falar de sexualidade (MOITA LO-PES, 2010).

15 Entendida por Caputo (2012) no que se refere ao Candomblé, na concepção de Coutinho (2002) como uma ação capaz de refazer a história como patrimônio das camadas populares.

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Esse trabalho com a pluralidade cultural em sala de aula de ciências foi preparado para vir acompanhado por uma se-quência onde se abordassem questões científicas e tecnológi-cas, como mostrada acima a partir da estratégia chamada CTS--ARTE. De certa forma podemos dar indicativos de trabalhos como os de Moreira, Rodrigues Filho e Jacobucci (2011), que mostram um caminho de discussão didático-científica muito pertinente e que seria uma das etapas seguintes ao vídeo.

Os autores nos indicam um caminho de abordar questões da bioquímica a partir da ligação entre o Candomblé e as fo-lhas no filme.

Tabela 1: Planejamento da sequência didática

Planejamento

Objetivos Epistemológicos Discutir as relações entre saberes populares e saberes científicos;

Conteúdo Abordado

Bioquímica a partir das folhas do Candomblé (MOREIRA;

RODRIGUES FILHO; JACOBUCCI 2011)

Estudar a técnica de arraste a vapor utilizada na extração de essências

de plantas.

Ambiente Educacional e Tempo didático

Turma de 2º ano com 17 alunos; uma aula seguidas de 50 minutos

Questões sociais + Arte escolhido para abordar o tema

Discutir Culturas Afro, em especial o Candomblé, abrir espaço para uma

discussão sobre sexualidades.

Filme “O jardim de folhas sagradas” – passar os primeiros 25 minutos de filme que situam os principais

conflitos sociais.

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Transição Arte+Sociedade → tecnologia e Ciência

Questionamento sobre a presença de folhas, ervas e essências na vida dos estudantes. Chá, Café,

Perfumes.

Elaboração do Experimento para discussão de Ciência e Tecnologia

Experimento caseiro sobre arraste a vapor (GUIMARÃES; OLIVEIRA;

ABREU, 2000)

Rediscutir a questão social Em aberto

Produção dos alunos Em aberto

Um parênteses mais demorado e o ponto parcialmente final.

“Hay un cierto placer en la locura, que solo el loco conoce”.Pablo Neruda

O trabalho não foi concluído por “forças ocultas”, a voz do professor foi calada e ele foi afastado de sua prática. O que chegou a ser feito foi apenas a abordagem inicial, na qual o professor passou os primeiros 20 minutos de filme e fez um curto debate. Na semana seguinte ele foi convidado a não per-tencer à equipe. Um cenário perverso de preconceito racial, dis-farçado de intolerância religiosa foi o montado na escola em questão, na qual o trabalho com o filme foi iniciado.

Aparentemente, sexualidade é um assunto que é debatido na mídia, mas não pode chegar à escola e as religiões afro--brasileiras devem ficar escondidas, porque, para alguns, o que é diferente do “cristão” é ruim, sendo a escola um espaço onde os temas não podem aparecer, por isso, fazer diferente é uma

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necessidade. As derrotas são parciais e a luta não para. Certa-mente era outro o desfecho que o leitor buscava, mas enquan-to estudantes possuírem discursos de preconceito será necessá-rio guiar práticas. Enquanto muitos pais de alunos e direções de escolas forem preconceituosos, esses temas serão tabu.

Compreendo a escola como um espaço político e de dis-putas ideológicas, nas quais um jogo de poder é traçado dis-cursivamente e a cada instante. Tomo o cuidado de não ten-tar apresentar verdades, mas visões de mundo que, por serem visões de mundo, são narradas a partir de um olhar. Houve uma “coincidência” entre a data de execução da prática e da demissão do professor, o que nos leva ao impasse apresentado por Edgar Morin (MORIN, 2003):

“não se pode reformar a instituição sem uma prévia re-forma das mentes, mas não se podem reformar as mentes sem uma prévia reforma das instituições” (p. 99).

E, na continuação das reflexões, trago a citação “Quem educará os educadores?” Será uma minoria de educadores, animados pela fé na necessidade de reformar o pensamento e de regenerar o ensino. São os educadores que já têm, no ínti-mo, o sentido de sua missão”(p.101).

Transpondo as citações para nosso contexto, faço o ques-tionamento: se não se pode reformar a instituição sem refor-ma das mentes e nem as mentes sem uma reforma das insti-tuições, digo que os responsáveis pela reforma das mentes e das instituições serão os educadores que já têm, no íntimo, o sentido inovador de sua missão. São esses educadores que lutarão de peito aberto e com fé na educação como princípio de transformação no mundo.

Dessa forma, faço um convite a professores, futuros professores, coordenadores, donos de colégio, diretores que

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pensam e acreditam numa educação diferente. Também é um convite a todos que não pensavam e sensibilizaram-se com os temas abordados.

“Uma educação em ciências que não vá ao encontro dos Direitos Humanos é uma educação vazia e pouco contribui para a humanidade”.

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Considerações finais

No primeiro período de 2012. foi iniciada uma disciplina optativa no curso de licenciatura em física da UERJ chamada “Tópicos Especiais: Projetos em Ciência, Tecnologia e Socie-dade”. Rodrigues (2013), ao analisar o curso, percebeu a rele-vância dessa abordagem CTS na formação de professores de forma que “abordagem CTS e constituiu um ponto de partida para a formação de professores reflexivos, que objetivem algo além da transmissão de conteúdos puramente conceituais, mas que busquem atribuir sentidos a esses conteúdos, compensan-do a superficialidade da sua formação nesse sentido em outras disciplinas curriculares”. Nesse período, a utilização da arte foi compreendida como um elemento motivador na constru-ção de projetos.

Nos momentos seguintes, a disciplina passou a chamar Estudo e Desenvolvimento de Projetos, as reflexões sobre in-terculturalidade tornaram-se mais latentes, e a ideia de CTS--ARTE ganhou novos significados. A arte passou a ser com-preendida como uma maneira possível de estabelecer o diálo-go com a diferença na sala de Aula de Ciências – O enlace que faltava à convergência entre Educação em Ciências e Direitos Humanos. O curso, que inicialmente possuí apenas alunos do curso de física, será aberto a outras licenciaturas no segundo semestre de 2013. Também em 2013 estamos com o primei-ro estagiário de Artes, que dará importantes contribuições ao ampliar os possíveis diálogos.

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Por fim, é importante citar a construção do Laboratório Interdisciplinar Educação em Ciências (LIEC), um Laborató-rio na formação de educadores com foco na Educação em Ci-ências. O LIEC será compartilhado por docentes que partici-pam da formação de professores do Instituto de Física IFADT, da Faculdade de Educação e dos Cursos de Biologia Presencial do IBRAG e à Distância/CEDER. Nele será incentivado o de-senvolvimento de ideias e projetos de inovação das práticas pedagógicas relacionadas à Educação em Ciências na escola básica. Dessa forma, acreditamos que o cenário é próspero ao desenvolvimento de pesquisas e práticas que formem o futu-ro professor na construção de um pensamento e uma prática mais plural.

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Anexo

Um convite a caminhar

Acreditamos que seja importante apresentar outros pro-jetos já elaborados e algumas novas sugestões. Dessa forma, também ficará perceptível como o que chamamos hoje de CTS-ARTE foi se ressignificando e se solidificando. O pri-meiro apresentado é um trabalho a partir do filme “O lixo extraordinário”. Em seguida, há dois planejamentos não re-alizados, sendo o primeiro uma discussão sobre Feminismo e Cabelo, a partir da obra de Frida Kalho, e o segundo uma discussão sobre pobreza e relações sociais do trabalho, a partir do poema “O açúcar”, de Ferreira Gullar16.

O trabalho que se inicia a partir do filme “O lixo extraor-dinário” possui a questão da organização sindical dos catado-res de lixo por meio dos diversos diálogos entre Vik Muniz e o presidente dos catadores do Jardim Gramacho. Outro ponto importante a ser destacado são as diversas entrevistas que te-

16 Nessa seção, mostraremos um recorte do filme de Vik Muniz, duas obras de Frida Kalho, um pedaço do poema de Ferreira Gullar. De forma que tais imagens e o trecho não ferem a resolução 9613/98, que afirma não constituir ofensa aos direitos autorais (...) art. VIII – a reprodução, em quaisquer obras, trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou a obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da nova obra e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause prejuízo injustificado aos legíti-mos interesses dos autores.

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cem o documentário e constroem um pouco da identidade, sa-beres e fazeres dos catadores. Além da questão social, o filme possibilita uma abordagem ambiental que permite desencade-ar discussões sobre reciclagem e reaproveitamento, lei de resí-duos sólidos, diferenças básicas entre lixão e aterro sanitário, entre outros. Abaixo segue uma tabela com algumas diretrizes que guiaram a elaboração do projeto (baseado na tabela 1).

Planejamento

Objetivos Epistemológicos

Debater as percepções dos estudantes sobre Ciência,

Tecnologia e Sociedade no que se refere ao meio ambiente.

Conteúdo Abordado O processo de reciclagem,

diferenciação entre reciclagem e reutilização.

Ambiente Educacional e Tempo didático

Turma de 10 alunos, 1º ano, último bimestre, duas aulas seguidas de

50 minutos, 1 Vez por semana.

Questões sociais + Arte escolhida para abordar o tema

Discutir pobreza e relações sociais de catadores de lixo, organização dos catadores e a percepção de

uma identidade do catador.

Filme “O lixo Extraordinário”.

Transição Arte + Sociedade → tecnologia e Ciência

Questionar a questão do lixo na cidade onde foi realizada a prática.

Elaboração do Experimento para discussão de Ciência e Tecnologia Não foi utilizado experimento.

Rediscutir a questão social Debate online a partir do filme.

Arte dos alunosProdução de um calendário com

fotos de lugares cidade que apresentam descaso com o lixo.

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1) Capa da versão brasileira do filme e cena do filme

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Após mostrar de forma resumida um esquema de três pro-jetos CTS-ARTE realizados, deixamos a sugestão de mais dois projetos. O primeiro abordaria o tema Feminismo a partir da Obra de Frida Kalho, pintora mexicana e marcada por pintar autorretratos. Em seus quadros é possível perceber diversos cabelos e, a partir disso iniciar discussões sobre a ditadura estética imposta pelas grandes mídias, e sobre como a mulher se relaciona com isso. Porém, o cabelo possui, além dessa dis-cussão social, uma utilidade na fabricação de pequenos higrô-metros e, a partir dessa utilização, abre-se espaço para discutir macromoléculas.

Planejamento

Objetivos Epistemológicos Discussões sobre feminismo, mídia e imposição de padrões estéticos.

Conteúdo Abordado

Polímeros e macromoléculas a partir do estudo do higrômetro – aparelho para a medição de

umidade do ar feito a partir das propriedades de fios de cabelo.

Ambiente Educacional e Tempo didático --

Questões sociais + Arte escolhido para abordar o tema

Quadros de Frida Kalho com seus diferentes cabelos.

Transição Arte+Sociedade → tecnologia e Ciência

Relacionar cabelo, beleza e identidade. Como cada estudante

mostra a sua identidade a partir de cortes de cabelo. Mas será que eles já perceberam que o cabelo úmido

estica e o seco encolhe?

Elaboração do Experimento para discussão de Ciência e Tecnologia

Montagem de um Higrômetro caseiro

Rediscutir a questão socialDebate a partir de uma notícia

sobre a construção de uma estação de tratamento de esgoto.

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Produção dos alunos Produção Livre, ou seja, não é possível prever qual arte será feita.

1) Autorretrato com colar de espinhos

2) Autorretrato com cabelo solto

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Por fim, trazemos o poema “O açúcar”, de Ferreira Gullar. O texto aborda de forma clara a relação entre um produto que chega à casa da classe média e a sua fabricação nos canaviais. Além disso, o texto provoca uma profunda reflexão sobre tra-balho e pobreza. Como sugestão, temos o processo de refinar o açúcar para o estudo das estruturas químicas de Sacarose, Glicose, Frutose. É possível trabalhar esse tema dentro do con-teúdo de Bioquímica.

Planejamento

Objetivos Epistemológicos Progresso, pra quem? Trabalhar relações entre CTS sobre progresso.

Conteúdo Abordado Processo de refinamento do açúcar

e a sua estrutura química. Estudo da Sacarose, Glicose e Frutose.

Ambiente Educacional e Tempo didático --

Questões sociais + Arte escolhido para abordar o tema

Relações entre trabalho, pobreza a partir do poema “O açúcar” de

Ferreira Gullar. Qual a data do poema? Será que as relações de trabalho se

alteraram desde a época?

Transição Arte+Sociedade → tecnologia e Ciência

Perguntar aos estudantes quais deles já usaram açúcar em algum suco, alimento em geral e, quais deles já pensaram sobre onde veio e o que a ciência considera que é o açúcar,

além de questionar qual a importância dessa substância pra nossa vida.

Será que o açúcar serve apenas para adoçar a comida? Quais os tipos de

açúcares que existem?

Elaboração do Experimento para discussão de Ciência e Tecnologia Experimento da Combustão do Açúcar

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Rediscutir a questão social

Trazer exemplos de outros produtos que são fabricados industrialmente

e tentar fazer, através de um debate, a mesma reflexão que fez Ferreira

Gullar.

Produção dos alunos Produção Livre

O poema “O açúcar” foi publicado no livro “ Dentro da Noite Veloz”.

“O branco açúcar que adoçará meu café  nesta manhã de Ipanema 

não foi produzido por mim  nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

[...]

e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana  e veio dos canaviais extensos  que não nascem por acaso 

no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospital  nem escola, 

homens que não sabem ler e morrem de fome  aos 27 anos 

plantaram e colheram a cana  que viraria açúcar.

Em usinas escuras,  homens de vida amarga 

e dura  produziram este açúcar 

branco e puro

com que adoço meu café esta manhã em Ipanema”.

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Josué de Castro (1908-1973) foi cientista e professor uni-versitário, embaixador do Brasil em Genebra – cassado pelo Go-verno Militar em 1964 –, presidiu o conselho para Alimentação e agricultura das Nações Unidas, sendo indicado duas vezes ao Nobel da Paz. Seu único romance, “Homens e Caranguejos”17, faz uma profunda reflexão sobre a pobreza dos moradores de Pernambuco que estão entre a seca e o alagado.

Planejamento

Objetivos Epistemológicos

Debater as percepções dos estudantes sobre Ciência,

Tecnologia e Sociedade no que se refere ao meio ambiente.

Conteúdo Abordado A partir da química do mangue, é possível, abordar indicadores da concentração de susbstâncias.

Ambiente Educacional e Tempo didático -

Questões sociais + Arte escolhida para abordar o tema

Questionar se os estudantes conhecem manguezais, se eles já

repararam em casas construídas na beira dos mangues, se comem algo

que vem do mangue...

Transição Arte + Sociedade → tecnologia e Ciência

Os mangues são afetados por nossos esgotos?

O que é o processo de biorremediação?

O que é concentração de substâncias? A que se refere o

termo e como calculamos?

17 Um agradecimento especial à professora Luana Dayse dos Santos, aluna do curso de CTS-ARTE ministrado na UFS, que indicou (e presenteou com) essa maravilhosa leitura.   

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Elaboração do Experimento para discussão de Ciência e Tecnologia --

Rediscutir a questão social

Sugestão de uma controvérsia controlada que envolva atores como

Ambientalistas, moradores de uma área de manguezal, políticos e representantes de empreiteiras.

Arte dos alunos Livre

Trechos:

Sobre a pobreza

“...os homens se assemelhando em tudo aos caranguejos. Arrastando-se, acachapando-se como os caranguejos para po-derem sobreviver. Parado como os caranguejos na beira da água ou caminhando para trás como caminham os caranguejos”.

Sobre organização social

“Já não havia alegria de verdade, nem festas nos mangues. O que havia eram reuniões secretas para preparar a revolução salvadora. Para botar fora aquele governo de ladrões. [...] “Vi-nham homens de toda parte parar parlamentar com Cosme [...] vinham líderes dos trabalhadores do porto, dos serviços públicos e da companhia de bondes. E vinham, de mais lon-ge, líderes camponeses que traziam suas queixas da vida nas usinas de açúcar e sua revolta perante o que estavam a sofrer dos usineiros.”

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Este livro foi composto em Sabon LT Std pelaEditora Multifoco e impresso em pólen soft 80g.