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Educao Escolar Indgena:diversidade socioculturalindgena ressignificando
a escola
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Presidente da Repblica
Luiz Incio Lula da Silva
Ministro da Educao
Fernando Haddad
Secretrio Executivo
Jos Henrique Paim Fernandes
Secretrio de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade
Ricardo Henriques
Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad/MEC)
Esplanada dos Ministrios, Bloco L, sala 700CEP 70097-900, Braslia, DFTel: (55 61) 2104-8432Fax: (55 61) 2104-8476
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CADERNOS SECAD
Educao Escolar Indgena:diversidade socioculturalindgena ressignificando
a escola
Braslia, abril de 2007
Organizao:
Ricardo HenriquesKleber Gesteira
Susana GrilloAdelaide Chamusca
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2007. Secad/MEC
Ficha Tcnica
Realizao
Departamento de Educao para a Diversidade e Cidadania
Armnio Bello Schmidt
Coordenao-Geral de Educao Escolar Indgena
Kleber Gesteira e Matos
Redao
Coordenao: Susana Martelleti Grillo Guimares
Pesquisa: gna Pereira Martins
Edio
Coordenao: Ana Luiza de Menezes Delgado
Colaboradores: Carolina Iootty de Paiva Dias, Clarisse Filliarte Ferreira da Silva,
Cristiane Galvo Ferreira de Freitas, Shirley Villela
Projeto Grfico
Carmem Machado
Diagramao
Jos dos Santos Pugas e Shirley Villela
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Apresentao
Os Cadernos Secadforam concebidos para cumprir a funo de documentar as
polticas pblicas da Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade
do Ministrio da Educao. O contedo essencialmente informativo e formativo, sen-
do direcionado queles que precisam compreender as bases histricas, conceituais,
organizacionais e legais que fundamentam, explicam e justificam o conjunto de pro-
gramas, projetos e atividades que coletivamente compem a poltica posta em anda-
mento pela Secad/MEC a partir de 2004.
Procuramos contemplar informaes teis a gestores, professores e profissionais
da educao que atuam nos Sistemas de Ensino e a parceiros institucionais, tais como o
Conselho Nacional de Secretrios de Educao (Consed), a Unio Nacional dos Dirigen-
tes Municipais de Educao (Undime) e demais organizaes com as quais a Secad/MEC
interage para consolidar suas aes.
Os temas abordados compreendem as questes da diversidade tnico-raciais,
de gnero e diversidade sexual, geracionais, regionais e culturais, bem como os direitos
humanos e a educao ambiental. So analisados do ponto de vista da sustentabilidade
e da incluso social por meio de uma educao que seja efetivamente para todos, de
qualidade e ao longo de toda a vida. Para isso, pressupe-se que: i) a qualidade s
possvel se houver eqidade isto , se a escola atender a todos na medida em que
cada um precisa; e ii) todas as pessoas tm direito de retornar escola ao longo de sua
vida, seja para complementar a Educao Bsica, seja para alcanar nveis de escolari-
dade mais elevados ou melhorar sua formao profissional.
O grau de envolvimento dos movimentos sociais nessas temticas intenso e,em muitos casos, bastante especializado, tendo em vista que o enfrentamento da dis-
criminao, racismo, sexismo, homofobia, misria, fome e das diversas formas de vio-
lncia presentes na sociedade brasileira foi protagonizado, por muito tempo, por tais
movimentos. Assim, o Estado, ao assumir sua responsabilidade em relao ao resgate
das imensas dvidas sociais, dentre elas a educacional, precisa dialogar intensamente
com esses atores a fim de desenvolver polticas pblicas efetivas e duradouras.
As polticas e aes relatadas nesses Cadernosesto em diferentes patamares
de desenvolvimento, uma vez que algumas dessas agendas j estavam includas, pelo
menos, nos instrumentos normativos relacionados educao (e.g. Educao Escolar
Indgena e Educao Ambiental), enquanto outras ainda estavam em estgio inicial dediscusso e desenvolvimento terico-instrumental (e.g. Relaes tnico-raciais e Educa-
o do Campo). No caso da Educao de Jovens e Adultos as intervenes necessrias
eram e ainda so de ordem estratgica, abrangendo escala, metodologia e amplia-
o do investimento pblico em todos os nveis de governo.
Esperamos, com esses registros, contribuir para o enraizamento e o aprofunda-
mento de polticas pblicas que promovam a igualdade de oportunidades na educao,
a incluso social, o crescimento sustentvel e ambientalmente justo, em direo a uma
sociedade menos desigual, mais compassiva e solidria.
Ricardo Henriques
Secretrio de Educao Continuada, Alfabetizao e DiversidadeMinistrio da Educao
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Sumrio
1. INTRODUO 9
2. MARCOS INSTITUCIONAIS 102.1. Os povos indgenas e a Educao Escolar 10
2.2. Conceitos Envolvidos na Educao Escolar Indgena 172.3. As organizaes do Estado brasileiro responsveis
pela Educao Escolar Indgena 222.4. A educao escolar dos indgenas e a legislao brasileira 24
3. DIAGNSTICO 283.1. A Educao Escolar Indgena nos censos
educacionais 2002 a 2006 28 3.2. Os sistemas de ensino e a Educao Escolar Indgena 32
4. POLTICAS PBLICAS PARA A EDUCAO ESCOLAR INDGENA 33
5. PROGRAMAS, PROJETOS E ATIVIDADES 375.1. Formao de professores indgenas em cursos de
licenciaturas interculturais 37
5.2. Formao de professores indgenas para o magistriointercultural 42
5.3. Produo e publicao de materiais didticosbilnges ou multilnges 53
5.4. Criao e funcionamento da Comisso Nacional deEducao Escolar Indgena (CNEEI) 70
5.5. Implantao do Ensino Mdio interculturalnas Escolas indgenas 76
5.6. Estruturao da rede fsica das escolas indgenas 81
5.7. Atividades voltadas institucionalizao e enraizamento 85REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 89
ANEXO 1 Parecer CNE n 14/99, Diretrizes Curriculares Nacionaisda Educao Escolar Indgena e Resoluo CEB n 3/99 93
ANEXO 2 Decreto n 5.051/04, promulga a Conveno n 169da OIT sobre Povos Indgenas e Tribais 118
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1. INTRODUO
No Brasil, os povos indgenas tm reconhecidos suas formas prprias de organi-
zao social, seus valores simblicos, tradies, conhecimentos e processos de consti-
tuio de saberes e transmisso cultural para as geraes futuras.
A extenso desses direitos no campo educacional gerou a possibilidade de os
povos indgenas se apropriarem da instituio escola, atribuindo-lhe identidade e fun-
o peculiares.
A escola, espao histrico de imposio de valores e assimilao para incorpo-
rao economia de mercado e, nesse processo, devoradora de identidades, passa a
ser reivindicada pelas comunidades indgenas como espao de construo de relaes
intersocietrias baseadas na interculturalidade e na autonomia poltica.
O direito a uma Educao Escolar Indgena - caracterizada pela afirmao das
identidades tnicas, pela recuperao das memrias histricas, pela valorizao das
lnguas e conhecimentos dos povos indgenas e pela revitalizada associao entre es-
cola/sociedade/identidade, em conformidade aos projetos societrios definidos auto-
nomamente por cada povo indgena - foi uma conquista das lutas empreendidas pelos
povos indgenas e seus aliados, e um importante passo em direo da democratizao
das relaes sociais no pas.
A Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade do Ministrio
da Educao (Secad/MEC) foi criada pelo Governo Federal com a misso de disseminar
e implementar conceitos, contedos e prticas de gesto organizadas a partir do reco-nhecimento da diversidade como patrimnio da sociedade brasileira, mobilizadora de
conquistas e avanos democrticos que constroem uma sociedade justa e igualitria.
O amplo campo da diversidade sociocultural no pas, submetido historicamente
a prticas homogeneizadoras, geradoras de desigualdades e injustias sociais, passa
a ser valorizado nas polticas pblicas e no espao escolar, criando-se novas agendas,
compromissos e debates.
Os desafios postos pela educao escolar indgena, que compreende as com-
plexas demandas implicadas no reconhecimento da diversidade de mais de 225 povos
e da sua busca por autodeterminao, esto sendo enfrentados pela Secad/MEC compolticas de formao de professores indgenas focadas nas licenciaturas e no magis-
trio interculturais, de produo de materiais didticos e paradidticos especficos, de
ampliao da oferta de educao bsica nas escolas indgenas e de fortalecimento da
interlocuo institucionalizada e informada de representantes indgenas com os gesto-
res e dirigentes do MEC e dos sistemas de ensino.
O processo de institucionalizao da Educao Escolar Indgena est descrito nas
pginas a seguir, com o objetivo de registrar as polticas desenvolvidas para conhecimen-
to pela sociedade em geral e pelos educadores, lideranas e professores indgenas.
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2. MARCOS INSTITUCIONAIS
2.1. Os povos indgenas e a Educao Escolar
A escola entrou na comunidade indgena como um corpo estranho,que ningum conhecia. Quem a estava colocando sabia o que que-ria, mas os ndios no sabiam, hoje os ndios ainda no sabem paraque serve a escola. E esse o problema. A escola entra na comuni-dade e se apossa dela, tornando-se dona da comunidade, e no acomunidade dona da escola. Agora, ns ndios, estamos comean-do a discutir a questo (KAINGANG apud FREIRE, 2004:28).
A escola para ndios no Brasil comea a se estruturar a partir de 1549, quando
chega ao territrio nacional a primeira misso jesutica enviada de Portugal por D. Joo
III. Composta por missionrios da Companhia de Jesus e chefiada pelo padre Manuel da
Nbrega, a misso inclua entre seus objetivos o de converter os nativos f crist.
No processo de catequizao, os missionrios jesutas procuraram antes se apro-
ximar dos indgenas, para conquistar sua confiana e aprender suas lnguas. Esses pri-
meiros contatos entre jesutas e ndios ocorreram ora em clima de grande hostilidade,
ora de forma muito amistosa1. Segundo Leonardi (1996), quando o ndio se recusava a
trabalhar ou se revoltava, opondo resistncia ao processo de escravizao (completa ou
parcial), ele era duramente perseguido e reprimido.2
Os ndios que ofereciam resistncia eram vistos como selvagens e embrutecidos,
precisando ser pacificados. A resistncia escravizao levou a batalhas sangrentas
com os colonizadores ao longo de todo processo de ocupao do territrio brasileiro 3.
Em decorrncia disso os africanos acabaram por se tornar o principal contingente a
fornecer fora de trabalho escrava a partir do segundo sculo da conquista.
A princpio, para ensinar os ndios a ler, escrever e contar, bem como lhes incul-
car a doutrina crist, os missionrios jesutas percorriam as aldeias em busca, principal-
mente, das crianas. Por no disporem de instalaes fixas e prprias para o ensino,
essas misses foram chamadas de volantes.
Aos poucos foram se definindo dois ambientes distintos onde os jesutas ensina-
vam: as chamadas casas - para a doutrina dos ndios no batizados - e os colgios, que
abrigavam meninos portugueses, mestios e ndios batizados. Nos colgios a educaotinha um carter mais abrangente e estava voltada para a formao de pregadores que
ajudariam os jesutas na converso de outros ndios (RIBEIRO, 1984:127).
Mas esses ensinamentos, impostos e distantes da realidade dos nativos, no pro-
duziram mudanas no seu modo de vida, da forma direta e com a rapidez e facilidade
que esperavam os portugueses. Bastava que eles voltassem ao convvio com outros n-
dios que, mesmo aqueles que eram batizados, retornavam aos seus costumes e crenas.
1 A populao indgena brasileira nessa poca era bastante diversa; estima-se que existiam aproximadamente 10 mi-lhes de ndios e cerca de 1.200 lnguas diferentes faladas por grupos tnicos com costumes e tradies prprios.As diferenas no tratamento dispensado pelos jesutas aos povos nativos eram proporcionais resistncia que osmesmos ofereciam ao processo de escravizao.
2 Um exemplo seria a violncia praticada contra os ndios Trememb, no sculo XVII; todavia, a expedio militar quefoi enviada para reprimi-los foi chamada de atividade de pacificao (LEONARDI, 1996)
3 Por exemplo: Confederao dos Tamoios (1555-1667), a Guerra dos Aimor (1555-1673), a Guerra dos Potigua-ra (1586-1599), o Levante Tupinamb (1617-1621), a Confederao Cariri (1686-1692), a Guerra dos Manaus(1723-1744) e a Guerra Guarantica (1753-1756).
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Na tica dos padres jesutas, o contato com os colonos ocidentais no trazia bons
exemplos morais e religiosos para os ndios, porque era comum encontrar entre aqueles
criminosos cumprindo pena de degredo. Muitos deles envolviam-se com os ndios a
ponto de se converterem a seus modos de vida. Mas os colonos, sobretudo, preferiam
ter os ndios como mo-de-obra para servios domsticos ou para trabalhar em suasfazendas a v-los estudando.
Como sada para esse estado de coisas, os jesutas recorreram ao aldeamento,
procedimento j utilizado em outras colnias portuguesas e que consistia na criao
de grandes aldeias prximas das povoaes coloniais para agrupar ndios trazidos de
suas aldeias no interior. Nelas os ndios passavam a viver sob as normas civis e religiosas
impostas pelos padres missionrios, sem nenhum contato com o mundo externo a no
ser quando esse atendesse a algum interesse dos jesutas.
Os aldeamentos assumiam tambm a funo de negar valor s culturas indge-
nas e impor uma nova ordem social. Nesse sentido, muitos aldeamentos propunhama convivncia entre povos diferentes e estimulavam casamentos intertnicos. O ensino
praticado centrava-se na catequese, sendo totalmente estruturado sem levar em con-
siderao os princpios tradicionais da educao indgena, bem como as lnguas e as
culturas desses povos. Segundo Freire (2004:23):
Quando a escola foi implantada em rea indgena, as lnguas, atradio oral, o saber e a arte dos povos indgenas foram discrimi-nados e excludos da sala de aula. A funo da escola era fazer comque estudantes indgenas desaprendessem suas culturas e deixas-sem de ser indivduos indgenas. Historicamente, a escola pode tersido o instrumento de execuo de uma poltica que contribuiu
para a extino de mais de mil lnguas.
A Lngua Geral, uma adaptao de vrias lnguas indgenas feita pelos mission-
rios, era ensinada para indgenas de diferentes comunidades com costumes e lnguas
variadas que viviam nesses aldeamentos. Para se fazerem entender pelos jesutas,
pelos demais ndios da aldeia e pelos colonos, os ndios cristos viam-se obrigados a
aprender essa nova lngua, que passou a servir tambm para a aprendizagem do idioma
portugus.
Inicialmente os aldeamentos governados pelos missionrios jesutas serviram
tambm aos interesses dos colonos, do governo-geral brasileiro e da Coroa portuguesa.
A partir 1757, entretanto, o trabalho dos jesutas deixa de contar com o apoio da Co-roa Portuguesa, ento interessada em aumentar a produo agrcola da colnia, para
o qual, como reivindicavam os colonos, a escravizao dos ndios era necessria. Os
jesutas foram expulsos do Brasil e os aldeamentos elevados categoria de vilas, sendo
criado o regime de Diretrio, representado por um diretor nomeado pelo governador.
A implantao do Diretrio de ndios no representou mudanas significativas
para as populaes indgenas, pois, em linhas gerais, deu continuidade ao regime ante-
rior de expropriao. Ressalte-se, porm, a proibio pelos Diretrios do uso de lnguas
indgenas em salas de aulas, inclusive da Lngua Geral, e a definio da obrigatoriedade
do ensino da lngua portuguesa e de seu uso.
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Com a implantao dos Diretrios intensificou-se a escravizao dos ndios para
atender ao aumento da necessidade de braos para atuarem nas atividades domsticas,
agrcolas e extrativistas. Os indgenas foram considerados prprios para essas funes,
tanto pelo fato de estarem adaptados s condies naturais da regio, quanto por se-
rem mais baratos do que os escravos negros que j vinham sendo comercializados noBrasil desde 1580.
Em 1798 foi tambm revogado o Diretrio dos ndios e nada o substituiu oficial-
mente at 1845, quando o Decreto 426, de 24 de julho, definiu o Regulamento das
Misses. Essa norma trata das diretrizes gerais para a reintroduo de missionrios no
Brasil que voltassem a se responsabilizar pela catequese e civilizao dos indgenas.
A atuao desses missionrios assemelhou-se, em alguns pontos, ao trabalho
anteriormente desenvolvido pelos missionrios jesutas. Por exemplo, retoma-se o siste-
ma de aldeamento, que volta a ser entendido como ferramenta imprescindvel para os
processos de catequizao, civilizao e assimilao fsica e social dos ndios ao restanteda populao.
Porm, pelo menos duas diferenas merecem destaque. Em primeiro lugar, no
foi dada a esses missionrios a mesma autonomia desfrutada pelos jesutas. Eles fica-
ram inteiramente a servio do governo brasileiro, sem contestar suas determinaes
e, em alguns casos, nem mesmo eram responsveis pelo governo dos aldeamentos,
pois seus contratos tratavam de prestao de servios administrao provincial como
assistentes religiosos e educacionais. Em segundo lugar, esses missionrios acreditavam
que o convvio com cristos facilitaria a catequizao dos ndios, razo pela qual, dife-
rentemente dos jesutas, eles permitiam a permanncia de no-ndios nos aldeamentos
(militares, comerciantes, colonos, escravos e ex-escravos negros)4.
Ao instalar os missionrios nos diversos aldeamentos, o Estado monrquico sub-
vencionava a criao e a manuteno de escolas para as crianas e adultos indgenas
que se interessassem em aprender a ler, escrever e contar (instruo primria). Essa po-
ltica desenvolvia-se a partir da viso da escola como instrumento de desenvolvimento
humano capaz de viabilizar a formao do povo brasileiro. Com relao s populaes
indgenas, esse desenvolvimento s seria alcanado se elas fossem catequizadas e inte-
gradas ao mundo do trabalho das sociedades no-ndias.
Assim, nesse perodo, inclua-se tambm como funo da educao para os n-
dios a formao voltada para certos ofcios. O Regulamento da Catequese e Civilizaodos ndios, de 1845, propunha a criao de oficinas de artes mecnicas e o estmulo
agricultura nos aldeamentos indgenas, bem como o treinamento militar e o alistamen-
to dos ndios em companhias especiais, como as de navegao.
Por volta de 1870, diante da dificuldade de manter os ndios nas escolas dos
aldeamentos, ocorre em algumas provncias o investimento em institutos de educao,
em internatos e, no caso especfico de Pernambuco, em orfanatos para crianas ind-
genas, com o fim de transform-las em intrpretes lingsticos e culturais para auxiliar
os missionrios na suposta civilizao dos seus parentes. Essas escolas localizavam-se
fora da rea dos aldeamentos e pretendiam oferecer s crianas indgenas no s a
instruo primria elementar, mas tambm ensino para desempenho de funes iden-
4 Segundo Amoroso (2001:138): a presena de no-ndios nos aldeamentos do sculo XIX fez com que, na maioriadas vezes, a escola e outras instituies de apoio s populaes indgenas aldeadas acabassem atendendo aos no-ndios, usando para isso a verba destinada catequese dos ndios.
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tificadas com o desenvolvimento das provncias e com os processos de assimilao da
diversidade dos povos indgenas.
Em linhas gerais, durante todo o Perodo Imperial (1808-1889) realizaram-se
muitos debates em torno do tema educao escolar primria organizada e mantida
pelo poder pblico estatal que pudesse atender, principalmente, negros (livres, libertos
ou escravos), ndios e mulheres, que compunham as chamadas camadas inferiores da
sociedade. Isso se deu em um contexto onde a instruo popular era considerada a
base do progresso moral, intelectual e social de qualquer pas e havia o entendimento,
tanto no plano nacional quanto no internacional, de que investir na quantidade de
escolas e de alunos representava a preocupao para com o progresso e civilizao de
uma nao.
No entanto, estar presente nas agendas polticas da poca no representou para
os ndios uma poltica imperial voltada especificamente para seus interesses. Ao final
do Imprio, os especialistas e autoridades, que chegaram a se entusiasmar com a pos-sibilidade de haver instituies pblicas destinadas ao ensino de crianas indgenas, de-
sacreditavam que isso pudesse ocorrer sem a interveno das misses religiosas. Dessa
forma, at o incio do sculo XX o indigenismo brasileiro viver uma fase de total iden-
tificao com a misso catlica e o Estado dividir com as ordens religiosas catlicas,
mais uma vez, a responsabilidade pela educao formal para ndios.
Assim, na primeira dcada do perodo republicano, retomada a oferta s po-
pulaes indgenas de ensino suplementar associado ao ensino de ofcios, voltados s
necessidades locais, sob o comando das misses religiosas que fundaram alguns inter-
natos para a educao de meninos e meninas5.
Nos anos seguintes, com a instaurao e consolidao do regime republicano, o
Estado sistematizar uma poltica indigenista com a clara inteno de mudar a imagem
do Brasil perante a sociedade nacional e mundial. rgos governamentais so criados
com as funes de prestar assistncia aos ndios e proteg-los contra atos de explorao
e opresso e de gerir as relaes entre os povos indgenas, os no-ndios6e os demais
rgos de governo.
Nesse esprito, cria-se em 1910 o Servio de Proteo aos ndios (SPI), que ser
extinto em 1967, sendo suas atribuies repassadas para a Fundao Nacional do ndio
(Funai).
A educao escolar, uma das aes de proteo e assistncia sob a responsabi-
lidade desses rgos indigenistas, assume papel fundamental no projeto republicano
de integrao do ndio sociedade nacional por meio do trabalho. Ela posta como
fundamental para a sobrevivncia fsica dos ndios e inclui no s o ensino da leitura e
da escrita, mas tambm de outros conhecimentos como higiene, saneamento, estudos
sociais, aritmtica, ensinamentos prticos de tcnicas agrcolas, marcenaria, mecnica e
costura. A finalidade disso fazer com que os ndgenas passem a atuar como produto-
res de bens de interesse comercial para o mercado regional e como consumidores das
5 Segundo Rizzini (2004:380) [] no Norte, os capuchinhos da Ordem da Lombardia fundaram, em 1895, um
colgio (Instituto Indgena) para jovens ndios Tenetehara, Canela e Timbira, maiores de 14 anos, provenientes dealdeamentos do Maranho. Dois anos depois, os capuchinhos instalaram na recm-criada Misso de So Jos daProvidncia do Alto Alegre um internato para meninas menores de 14 anos, vindas de diversas aldeias.
6 Com o crescimento econmico as terras ocupadas pelas populaes indgenas passam a ser alvo de interesse dediferentes grupos e motivo de conflitos entre ndios e latifundirios, posseiros, garimpeiros, empresas de minera-o ou as responsveis pela construo da infra-estrutura (estradas, hidroeltricas).
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tecnologias produzidas pelos no-ndios, constituindo tambm uma reserva alternativa
de mo-de-obra barata para abastecer o mercado de trabalho.
Esse papel ser instrumentalizado pelo discurso de valorizao da diversidade
lingstica dos povos indgenas, com a proposio da utilizao das lnguas maternas no
processo de alfabetizao7para grupos que no faziam uso da lngua portuguesa, vi-
sando facilitar o processo de integrao sociedade nacional. Assim, o ensino bilnge
estabelecido como prioridade e busca-se implant-lo nas escolas indgenas por meio
de materiais produzidos para a alfabetizao e da capacitao de ndios para assumirem
funo de alfabetizadores em seus respectivos grupos.
No programa de educao bilnge ento vigente, os ndios eram alfabetizados
na sua lngua materna ao mesmo tempo em que eram introduzidos no aprendizado da
lngua portuguesa. Quando atingiam o domnio deste idioma, o ensino passava a ser
realizado exclusivamente em portugus. Essa metodologia, na qual a lngua materna
usada comoponte para o domnio da lngua nacional, chamada de bilingismo detransio. A partir dela a lngua indgena servia para facilitar, e mesmo acelerar, o pro-
cesso de integrao do ndio cultura da sociedade no-ndia, pois quando aprendia o
portugus e deixava de falar sua lngua, simultaneamente, abandonava seu modo de
vida e sua identidade diferenciada.
Diante das dificuldades tcnicas encontradas para implantar o ensino bilnge,
em virtude dos escassos conhecimentos lingsticos referentes s vrias lnguas autcto-
nes, a partir de 1970, a Funai estabelece convnios com o Summer Institute of Linguis-
tics(SIL), visando ao desenvolvimento de pesquisas para o registro de lnguas indgenas,
identificao de sistemas de sons, elaborao de alfabetos e anlises das estruturas
gramaticais. Alm disso, passa a ser responsabilidade dessa instituio a preparao de
material de alfabetizao nas lnguas maternas e de material de leitura, o treinamento
do pessoal docente, tanto da Funai, como de misses religiosas e a preparao de au-
tores indgenas. O SIL, cujo objetivo principal era converter povos indgenas religio
protestante, passa a atuar de uma forma que se confunde com a do Estado e, em al-
guns casos, assume para si a obrigao estatal de tutela desses povos.
As aes desenvolvidas junto aos indgenas pelos missionrios e lingistas vincu-
lados ao SIL ou a outras similares8sempre foram alvo de muitas crticas, sobretudo por
parte de instituies da rea de lingstica e antropologia. Mas somente quando a res-
ponsabilidade de coordenar as aes relativas educao escolar indgena foi assumidapelo Ministrio da Educao, que ocorreu uma ruptura com essas organizaes.
Em linhas gerais, nesse perodo, a educao para os ndios proposta pelo Estado
brasileiro, deu continuidade poltica praticada nos perodos colonial e imperial, focada
na assimilao e integrao dos povos indgenas sociedade nacional, por meio de sua
adaptao a uma nova lngua, a uma nova religio, a novas crenas, a novos costumes,
a novas tradies, enfim, a novas formas de viver.
Prova disso que, em julho de 1990 foi realizado o III Encontro de Professores
Indgenas do Amazonas e Roraima, cujo documento final afirmava que, naquele mo-
7 Os art. 49 e 50 da Lei n 6.001/1973, Estatuto do ndio, preconizava a orientao da educao do ndio para aintegrao na comunho nacional, com a alfabetizao feita na lngua materna e em portugus (BRASIL. Funai/CGDOC, 2005).
8 Segundo Ferreira (2001:85) alm do Summer Institute of Linguistic(SIL) atuaram junto aos ndios do Brasil, nesseperodo, mais de 50 misses religiosas catlicas e protestantes. O SIL hoje foi renomeado comoSociedade Inter-nacional de Lingstica.
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mento, a maioria das escolas indgenas estava estruturada e possua normas de funcio-
namento consoantes s diretrizes das Secretarias Estaduais e Municipais de Educao,
sendo que, tal estrutura geralmente impunha prticas educativas e contedos progra-
mticos que no levavam em considerao as especificidades culturais de cada comuni-
dade e seus processos prprios de aprendizagem (MARI apud FREIRE, 2004:25).
Aes alternativas s do governo brasileiro passaram a surgir nos anos 70, quan-
do se iniciou no Brasil, com a emergncia mundial de debates em torno dos direitos
humanos, possibilitados pelos processos de descolonizao e pela tendncia globali-
zao, um movimento de recuperao da autonomia e da autodeterminao dos povos
indgenas, controlados at ento pelo poder tutelar e hegemnico do Estado. Criaram-
se organizaes civis de colaborao, apoio e defesa da causa indgena9, compostas
por pesquisadores no-ndios - principalmente, antroplogos e lingistas - indigenistas
e missionrios leigos.
Defendendo o reconhecimento da diversidade sociocultural e lingstica dos po-vos indgenas e, conseqentemente, a participao desses povos na definio, formu-
lao e execuo de polticas e aes no campo indigenista, as iniciativas dessas orga-
nizaes acabaram por contribuir para mudanas importantes na viso que a sociedade
nacional e o Estado brasileiro tinham dos indgenas e de seus direitos.
Aos poucos o movimento embrionrio do incio dos anos de 1970 ganhou fora
e multiplicaram-se as organizaes no-governamentais de apoio aos ndios. Paralela-
mente, e em consonncia desse movimento, os prprios povos indgenas buscaram se
articular politicamente para defender seus direitos e projetos de futuro e, a partir de
meados de 1970, so criadas organizaes e associaes indgenas, em diferentes regi-
es do pas, que passaram a realizar assemblias, encontros ou reunies, culminando na
criao, em 1980, da Unio das Naes Indgenas (Unind, hoje UNI) e suas regionais.
Dessa mobilizao surgiu um movimento indgena de mbito nacional articulado
na busca de solues coletivas para problemas comuns aos diferentes grupos tnicos
basicamente a defesa de territrios, o respeito diversidade lingstica e cultural, o
direito assistncia mdica adequada e a processos educacionais especficos e diferen-
ciados (FERREIRA, 2001:95). Como resultado da presso que esse movimento10passou
a exercer junto ao poder legislativo, efetivaram-se as mudanas mais significativas da
histria dos povos indgenas no Brasil, iniciadas com a definio da Constituio de
1988 e asseguradas nos demais textos legais definidos a partir dela.11
No mbito da educao escolar, as entidades indgenas e de apoio aos povos
indgenas propem e mantm atividades de cunho educativo que, aos poucos, passa-
ram a constituir uma rede de programas educacionais para as populaes indgenas no
Brasil. Essa rede se sustenta em um elemento fundamental: os projetos educacionais
implantados so aes geradas para atender reivindicaes indgenas por uma educa-
o diferenciada. Alm disso, pressupem a participao ativa das comunidades indge-
nas, representadas por seus lderes, na elaborao, acompanhamento e execuo dos
projetos desenvolvidos em seus territrios.
9 Dentre essas, destacam-se as seguintes entidades de apoio: i) com perfil laico - Comisso Pr-ndio de So Paulo,do Rio de Janeiro e do Acre; Centro de Trabalho Indigenista (CTI); Centro Ecumnico de Documentao e Informa-o (CEDI); Associao Nacional de Ao Indigenista (ANAI); Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA);e ii) ligadas s igrejas catlicas e luteranas - Operao Anchieta (OPAN); Conselho Indigenista Missionrio (CIMI);Conselho de Misses entre ndios (COMIN).
10 Composto de uma rede de mais de duzentas organizaes.
11 No tpico Marcos Legais deste Caderno trataremos de forma mais detalhada dessas legislaes.
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A princpio, esses projetos educacionais consistiam na alfabetizao de jovens
ndios das comunidades envolvidas, respeitadas suas demandas polticas e especificida-
des culturais e lingsticas. Em seguida, de forma autnoma e comunitria, as entida-
des promotoras passam a responsabilizar-se por iniciativas de formao de professores
ndios, pela formulao, sistematizao e regularizao de propostas curriculares al-ternativas s vigentes nas escolas indgenas at aquele momento e pela elaborao de
materiais didticos de autoria indgena adequados s diferentes realidades.
As organizaes indgenas12passam ento a reivindicar, junto ao poder pblico,
a legitimao e legalizao dessas atividades educacionais formais desenvolvidas pelos
professores indgenas em suas escolas por meio da sua insero no sistema pblico de
ensino.13
Nesse sentido criam-se parcerias entre rgos governamentais de mbito fe-
deral, estadual e municipal - movimentos indgenas e organizaes pr-ndio e, aos
poucos, experincias educacionais bem-sucedidas, desenvolvidas por iniciativa prpriaou a pedido das comunidades indgenas, passam a ser referncia para as agncias go-
vernamentais na construo de suas polticas.
Estas novas referncias polticas e conceituais so afirmadas pelas definies pre-
sentes na Constituio de 1988, a qual, como j mencionado, serviu como alavanca em
um processo de mudanas histricas para os povos indgenas no Brasil. A partir dela a
relao entre o Estado brasileiro e os povos indgenas se transforma e a poltica estatal
indigenista, de carter integracionista e homogeneizador, vigente desde o perodo co-
lonial, d lugar a um novo paradigma, no qual esses povos passam a ser considerados
como sujeitos de direitos.
Essa mudana se deveu, principalmente, superao, no texto constitucional,
da perspectiva integracionista. Isso se mostra de forma ntida quando se reconhece a
pluralidade cultural e lingstica da sociedade brasileira, caracterstica at ento vista
como obstculo para a formao e desenvolvimento do Estado-nao. Em decorrncia
desse reconhecimento, fica definida como responsabilidade da Unio assegurar e ga-
rantir aos povos indgenas o direito de serem diferentes, de manterem sua organizao
social, seus costumes, suas lnguas, tradies e os direitos originrios sobre as terras que
tradicionalmente ocupam.
As polticas pblicas relativas Educao Escolar Indgena ps-Constituio de
1988 passam a se pautar no respeito aos conhecimentos, s tradies e aos costumesde cada comunidade, tendo em vista a valorizao e o fortalecimento das identidades
tnicas. A responsabilidade pela definio dessas polticas pblicas, sua coordenao e
regulamentao atribuda, em 1991, ao Ministrio da Educao.
Para o delineamento dessas polticas, o MEC passa a contar com a participao
de representantes indgenas, entidades de apoio e outras instituies, adotando como
parmetro as experincias bem-sucedidas promovidas pela sociedade civil, afirmando
seus conceitos e metodologias. Dessa maneira, iniciativas de carter local tornam-se
referncia ampla para a conceituao e implementao de uma poltica pblica de edu-
cao escolar indgena voltada para o atendimento da demanda de escolarizao das12 Destaca-se a articulao do movimento dos professores indgenas, por exemplo: a Comisso dos Professores
Indgenas da Amaznia (COPIAM) e a Organizao Geral dos Professores Ticuna (OGPTB).
13 Em 1988, o Conselho Estadual de Educao de Mato Grosso regulamentou a Escola Estadual de 1 Grau IndgenaTapirap (FERREIRA, 2001:92-3).
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comunidades indgenas, a partir de um novo paradigma da especificidade, da diferen-
a, da interculturalidade e da valorizao da diversidade lingstica (MONTE, 2000).
Finalmente passa a ser um princpio para o Estado brasileiro fazer com que os
povos indgenas sejam ouvidos e atendidos com relao ao tipo de escola que querem
e gesto dessa escola. As aes governamentais passam a ser orientadas para possi-
bilitar que os povos indgenas discutam, proponham e procurem realizar seus modelos
e ideais de escola segundo seus interesses e suas necessidades.
Nesse caminho, a escola - outrora imposta aos ndios e por eles vivenciada como
uma ameaa sua maneira de ser, pensar e fazer - tem sua presena hoje reivindicada
por esses mesmos ndios. Os povos indgenas contemporneos vem a escola por eles
construda como instrumento para a construo de projetos autnomos de futuro e
como uma possibilidade de construo de novos caminhos para se relacionarem e se
posicionarem perante a sociedade no-indgena, em contato cada vez mais estreito.
Em 2003, tem incio no Ministrio da Educao um movimento para a insero
e enraizamento do reconhecimento da diversidade sociocultural da sociedade brasi-
leira nas polticas e aes educacionais, que se consolida com a criao da Secretaria
de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade (Secad), qual est vinculada a
Coordenao-Geral de Educao Escolar Indgena (CGEEI).
A Secad criada com o objetivo de institucionalizar no Sistema Nacional de Ensi-
no o reconhecimento da diversidade sociocultural como princpio para a poltica pblica
educacional, evidenciando a relao entre desigualdade de acessoepermanncia com
sucesso na escolacom a histrica excluso fomentada pela desvalorizao e desconsi-
derao das diferenas tnico-raciais, culturais, de identidade sexual e de gnero, nasescolas brasileiras.
Assim, a educao escolar indgena passa a receber um tratamento, no MEC,
focado na assero dos direitos humanos, entre eles o de ter seus projetos societrios e
identitrios fortalecidos nas escolas indgenas.
2.2. Conceitos Envolvidos na EducaoEscolar Indgena
Deixando de lado noes essencialistas de cultura e identidade, a nfase poltica
dada pela Secad/MEC valorizao e manuteno dasociodiversidade indgenatoma
por referncia os princpios e conceitos utilizados nos projetos societrios e identitrios
construdos autonomamente por cada povo indgena para a conduo de seus destinos
e definio de seu modelo de desenvolvimento.
Desse modo, a produo das diferenas sociais se concretiza na formulao de
diferentes projetos societrios, definidos por cada povo, a partir de seus valores sim-
blicos, de sua histria, de suas perspectivas polticas de autonomia e de continuidade
cultural, bem como de suas estratgias de interao com a sociedade majoritria.
Uma das importantes peculiaridades dos povos indgenas remete a que alguns
dos territrios tradicionais, regularizados de forma contnua ou no, no coincidem
com as divises poltico-administrativas em estados e municpios. Assim, por exemplo,
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os territrios do povo Guarani Mbya se distribuem ao longo da costa brasileira em seis
estados da federao: Esprito Santo, Rio de Janeiro, So Paulo, Paran, Santa Catarina
e Rio Grande do Sul.
Do mesmo modo, os territrios do povo Xavante, no Estado do Mato Grosso,
englobam mais de 11 municpios. Os Guarani e Kaiow, no Mato Grosso do Sul, tm
suas comunidades em uma rea que envolve 24 municpios. So muitos os exemplos
da ocupao territorial que nos levam considerao do conceito de territorialidade
indgena na definio das aes, que devem prever novas articulaes entre diferentes
gestores e institucionalidades, superando a fragmentao administrativa, e passando a
operar com o princpio do reconhecimento da organizao social dos povos indgenas.
Assim, torna-se relevante induzir as Secretarias Estaduais de Educao a obser-
varem a territorialidade desses povos e a inovarem na proposio de prticas de gesto
articulada e compartilhada entre vrias Secretarias de Educao, com a indispensvel
participao informada de representantes das comunidades para a definio de proje-tos e aes que possam melhorar suas condies de vida.
Outro importante conceito que norteia a ao da Secad/MEC concerne relao
entre escola esustentabilidade. imprescindvel que a ao educacional se volte para
contribuir com subsdios e reflexes para asustentabilidade socioambientaldas comu-
nidades indgenas. A presso para a explorao econmica dos recursos naturais exis-
tentes em seus territrios e a presena de grandes projetos do agronegcio no entorno
tm como conseqncias a degradao da vida social e o esgotamento dos recursos
naturais com reflexos na qualidade da vida das comunidades indgenas.
Os representantes indgenas tm demandado dos dirigentes pblicos, de dife-rentes setores responsveis pelas polticas indigenistas, a coordenao de polticas que
contribuam para a sustentabilidade socioambiental, articulando conhecimentos tradi-
cionais com novas tecnologias para que possam desenvolver a gesto de seus territrios
com autonomia e a partir de seus interesses e necessidades. Desse modo, espera-se que
a escola e os professores indgenas colaborem e participem da formulao e execuo
de projetos de auto-sustentao.
A Secad/MEC, em parceria com o Conselho Nacional de Secretrios Estaduais
de Educao (Consed), mobilizou fortemente o Sistema de Nacional de Educao para
tratamento da Educao Escolar Indgena como poltica pblica de garantia de direitos.
Anteriormente, para a execuo de aes de formao de professores indgenas e deproduo de materiais didticos, eram priorizadas, pelo Ministrio da Educao, algu-
mas organizaes no-governamentais em detrimento das Secretarias de Educao.
importante observar que a ao de algumas organizaes no-governamentais
foi e referencial para as mudanas no perfil de gesto do setor pblico, por respeitar
a sociodiversidade indgena. No entanto, responsabilidade do Ministrio da Educao
mobilizar os sistemas de ensino para atuarem levando em conta os marcos constitucio-
nais dos direitos indgenas e a avaliao crtica das polticas integracionistas e homoge-
neizantes de longo curso que ainda fundamentam muitas das prticas gerenciais nos
dias atuais e sua superao.Desenvolveu-se, ento, um conjunto de aes para enraizar o tratamento da
diversidade sociocultural no mbito educacional induzindo as Secretarias de Educao
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a reconhecer o amplo campo da diversidade na reorganizao de suas polticas, prio-
ridades e prticas gerenciais. O movimento social ator imprescindvel para a formu-
lao e experimentao de novas prticas indigenistas nas polticas e aes da Secad,
no entanto a construo de uma sociedade mais justa passa pela democratizao e
responsabilizao do setor pblico.
Com foco na democratizao das instituies pblicas, a Secad/MEC inseriu com
forte nfase a institucionalizao daparticipao e docontrole social indgena. Assim,
as Secretarias de Educao foram instadas a criar espaos institucionalizados de co-
municao e participao indgena para possibilitar condies de estabelecimento do
dilogo intercultural entre representantes indgenas e gestores pblicos, dando con-
sistncia e resultado ao e financiamento pblicos. A partir dessa base dialgica,
as iniciativas devem procurar direcionar a ao pblica s necessidades, interesses e
concepes das comunidades indgenas.
Paralelamente, foi implementada uma srie de aes para a ampliao da ofertada educao bsica nas reas indgenas segundo segmento do Ensino Fundamental e
Ensino Mdio - com o objetivo de desenvolver um tratamento sistmico dos princpios
e diretrizes da educao escolar indgena em todos os nveis, etapas e modalidades de
ensino. Assim, as diretrizes de afirmao das identidades tnicas - de recuperao das
memrias histricas, de valorizao das lnguas e conhecimentos dos povos indgenas
- so estendidas para toda a educao bsica intercultural e tambm para a formao
superior de professores indgenas, ao esta que fundamenta a ampliao da oferta de
educao bsica intercultural de qualidade.
Na histria da renovao das prticas pedaggicas e curriculares da escola in-
dgena, algumas idias se firmaram a partir da reflexo e ao promovidas pelas ex-
perincias inovadoras conduzidas pelas organizaes de apoio aos povos indgenas e
da mobilizao de professores e lideranas indgenas interessadas em uma educao
escolar que contribusse para sua autonomia.
Uma dessas idias o reconhecimento da multietnicidadee dapluralidade. No
Brasil contemporneo existem mais de 225 povos indgenas14que, segundo o Referen-
cial Curricular Nacional para as Escolas Indgenas (RCNEI), cultural e lingisticamente
representam uma magnfica
[...] soma de experincias histricas e sociais diversificadas, de
elaborados saberes e criaes, de arte, de msica, de conhecimen-tos, de filosofias originais, construdos ao longo de milnios pelapesquisa, reflexo, criatividade, inteligncia e sensibilidade de seusmembros. (...) Sua variedade e sua originalidade so um patrimnioimportante no apenas para eles prprios e para o Brasil, mas, defato, para toda a humanidade (BRASIL. MEC, 2005a).
relevante compreender a diversidade implcita na pluralidade tnica para a
formulao de polticas e aes adequadas s realidades e perspectivas de cada povo in-
dgena. Por isso, no so condizentes com essa realidade propostas de polticas e aes
que tomem os povos indistintamente, sem contemplar suas especificidades em termos
culturais, lingsticos, de histrias de contato com a sociedade nacional, de projetos de
14 O fenmeno da reemergncia tnica, nos ltimos anos, tem dado visibilidade social a povos antes no reconhe-cidos devido a processos de discriminao e negao de suas identidades. o caso, entre outros, dos Tapeba,localizados na Grande Fortaleza-CE, dos Pankar, em Floresta-PE, dos Caxix, em Minais Gerais. Santrem-PA, noCenso Escolar Inep/MEC de 2006, inseriu 30 escolas indgenas localizadas em comunidades que vm exigindo oreconhecimento de seus direitos tnicos (cf. OLIVEIRA, 1999; INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, 2006).
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futuro e de presente. Construir uma agenda poltica, acordada com professores e repre-
sentantes de cada povo, que reflita suas perspectivas e suas demandas socioambientais
um importante desafio para os gestores pblicos.
Outra idia-chave a distino entre educao indgena e educao escolar in-
dgena.Meli (1979) evidenciou os processos de aprendizagem de diferentes povos,
dimenso ignorada pelas polticas assimilacionistas que no reconheciam os padres de
transmisso dos conhecimentos tradicionais para a formao de jovens e crianas de
acordo com suas concepes sobre sociedade e formao da pessoa humana. As prti-
cas socializadoras da comunidade, em diversificados momentos, por meio de diferentes
agentes e ao longo de toda a vida so educacionais por natureza, se valem da oralidade
e tm estratgias prprias. A essa atividade, a educao escolarizada foi imposta inten-
tando substituir e neutralizar esses processos de formao.
Desse modo um dos fundamentos da educao escolar indgena o reconheci-
mento da comunidade educativa indgena, pois, conforme o RCNEI, ela
[...] possui sua sabedoria para ser comunicada, transmitida e dis-tribuda por seus membros; so valores e mecanismos da educaotradicional dos povos indgenas (...) que podem e devem contribuirna formao de uma poltica e prticas educacionais adequadas(BRASIL. MEC, 2005a).
O reconhecimento dos processos prprios de aprendizagem deriva do conheci-
mento das diferentes formas de se organizar socialmente dos povos indgenas. Desse
modo, muitos professores indgenas tm se preocupado em pesquisar os fundamentos
e as estratgias desses processos cognitivos, gerando o que se entende hoje porpeda-
gogias indgenas.Nos Dirios de Classe de alguns professores indgenas, relatos do seutrabalho pedaggico em sala de aula, essas pedagogias so evidenciadas nas escolhas
metodolgicas para a aquisio da lecto-escritura, no uso da oralidade para a constru-
o dos conhecimentos, na organizao do tempo e do espao escolar, no agrupamen-
to dos estudantes, nas diversas atividades feitas a partir da associao da escola com a
vida comunitria (PIANTA, 2003).
Outra idia que conceitua o campo da educao escolar indgena diz respeito
autodeterminao das comunidades indgenas.Para o RCNEI :
Os povos indgenas em todo o mundo, no contexto atual de inser-o nos estados nacionais, tm contato com valores, instituiese procedimentos distintos dos que lhes so prprios. Eles tm odireito de decidir seu destino, fazendo suas escolhas, elaborandoe administrando autonomamente seus projetos de futuro. Dessemodo, a escola indgena faz parte desse projeto de construoautnoma do projeto societrio. Para isso, a comunidade deveparticipar da definio do projeto poltico-pedaggico da escola,das decises pedaggicas e curriculares e da organizao e gestoescolares (Op. cit.).
As experincias alternativas que inovaram a discusso e prtica da educao es-
colar em um contexto de diversidade indgena firmaram algumas categorias que se tor-
naram definidoras da escola indgena como uma categoria especfica de estabelecimen-
to de ensino. So caractersticas da escola indgena: a interculturalidade, o bilingismoou multilingismo, a especificidade, a diferenciao e a participao comunitria.
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A interculturalidade considera a diversidade cultural no processo de ensino e
aprendizagem. A escola deve trabalhar com os valores, saberes tradicionais e prticas
de cada comunidade e garantir o acesso conhecimentos e tecnologias da sociedade
nacional relevantes para o processo de interao e participao cidad na sociedade
nacional. Com isso, as atividades curriculares devem ser significativas e contextualizadass experincias dos educandos e de suas comunidades.
As escolas indgenas se propem a ser espaos interculturais, onde se debatem
e se constroem conhecimentos e estratgias sociais sobre a situao de contato inte-
rtnico, podem ser conceituadas como escolas de fronteira15 - espaos pblicos em
que situaes de ensino e aprendizagem esto relacionadas s polticas identitrias e
culturais de cada povo indgena.
Portanto, a educao escolar indgena problematiza enfaticamente a relao en-
tre sociedade, cultura e escola, reassociando a escola a todas as dimenses da vida
social e estabelecendo novos sentidos e funes a partir de interesses e necessidadesparticulares a cada sociedade indgena. Assim, a escola indgena ser especfica a cada
projeto societrio e diferenciada em relao a outras escolas, sejam de outras comuni-
dades indgenas, sejam das escolas no-indgenas.
A escola indgena se caracteriza por ser comunitria, ou seja, espera-se que este-
ja articulada aos anseios de comunidade e a seus projetos de sustentabilidade territorial
e cultural. Dessa forma, a escola e seus profissionais devem ser aliados da comunidade
e trabalhar a partir do dilogo e participao comunitria, definindo desde o modelo de
gesto e calendrio escolar o qual deve estar em conformidade s atividades rituais e
produtivas do grupo - at os temas e contedos do processo de ensino-aprendizagem.
Os direitos lingsticosdos povos indgenas, de que os processos de aprendiza-
gem escolares sejam feitos nas lnguas maternas dos educandos, trazem a ateno para
a realidade sociolingstica da comunidade onde est inserida a escola e para os usos
das lnguas tanto no espao comunitrio quanto no escolar. Chamamos isso de bilin-
gismoou multilingismona escola indgena, visto que em algumas regies, falantes
e comunidades indgenas usam no dia-a-dia, alm de duas ou trs lnguas maternas, o
portugus e as lnguas usadas nos pases com que o Brasil faz fronteira.
Esta caracterstica da escola indgena passa hoje por uma reflexo extensa e pro-
funda entre os professores indgenas e as equipes tcnicas dos sistemas de ensino, pois
se trata de uma abordagem s lnguas usadas na comunidade e na escola, tendo em vista
um horizonte de manuteno, ampliao e/ou revitalizao das lnguas maternas e apren-
dizagem da lngua portuguesa com metodologias de aquisio de segunda lngua.
Levar em conta os direitos lingsticos das crianas nas escolas indgenas signifi-
ca, ento, conhecer a realidade sociolingstica da comunidade e discutir essa realidade
na escola, fortalecendo e valorizando a lngua indgena em seu uso como lngua de
instruo, de comunicao, dos materiais didticos e como objeto de anlise e estudo.
Para isso, os professores indgenas devem participar de cursos de formao continuada
que possam possibilitar a construo de conhecimento e reflexo sobre a realidade da
sua lngua, do bilingismo ou multilingismo praticado na comunidade, e formular es-
tratgias no mbito da escola para fortalecer e ampliar o uso da prpria lngua.
15 Tassinari (2001) conceitua as escolas indgenas como espaos de fronteira, entendidos como espaos de trn-sito, articulao e troca de conhecimentos, assim como espaos de incompreenses e de redefinies identitriasdos grupos envolvidos nesse processo, ndios e no-ndios.
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Nas discusses sobre as realidades sociolingsticas importante problematizar a
situao do uso da lngua portuguesa como lngua materna. Muitos povos indgenas no
processo colonizatrio perderam o uso de suas lnguas e adotaram a lngua portugue-
sa. Vrios pesquisadores vm demonstrando que as variedades da lngua portuguesa
usadas pelos povos indgenas so marcadas pelas diferenas culturais e que, portanto,essas variedades tm que ser levadas em conta, frente variedade-padro e outras
variedades, pois espelham o pertencimento tnico dos educandos.
2.3. As organizaes do Estado brasileiroresponsveis pela Educao Escolar Indgena
No Brasil Colnia a educao formal dos indgenas esteve primeiramente de
1549 a 1757 sob a responsabilidade dos missionrios catlicos, principalmente padres
jesutas, representantes da Companhia de Jesus, os quais foram legitimados e apoiados
pela Coroa Portuguesa e pelos administradores locais.
No Perodo Pombalino (1750 a 1777) por contrariar os interesses dos colonizado-
res e da Coroa Portuguesa, a Companhia de Jesus foi expulsa do Brasil, sendo institudo
o Regime do Diretrio16. Como afirma Vieira (2003), o Marqus de Pombal pretendia
instituir no lugar da educao pblica religiosa, vigente at ento, uma educao
pblica estatal. Em 1798, diante das constantes irregularidades e abusos cometidos
por alguns diretores contra os ndios dentre outras, aes de violncia e a invaso das
terras das aldeias - revogado o Diretrio dos ndios.
De acordo com Cunha (1992), apesar de extinto, o Diretrio dos ndios ficou
oficiosamente em vigor no perodo entre 1798 a 1845. Em algumas provncias, como
Cear e Rio de Janeiro, ele foi oficialmente restabelecido. Outras provncias, como a
do Maranho, passaram a definir suas prprias diretrizes e oficializaram o regime das
misses, que consistia na permisso legal para o retorno de missionrios ao Brasil sem
obstculos sua atuao.
Mesmo depois da instituio do Regulamento das Misses, em 1845 (AMORO-
SO, 2001), os Diretrios dos ndios foram mantidos com diretores militares naquelas
provncias onde o nmero de missionrios no foi suficiente para suprir a demanda e osaldeamentos eram localizados em reas de fronteira.
No Brasil Imprio, os missionrios foram reintroduzidos oficialmente no territrio
brasileiro para de novo tratarem do governo dos ndios aldeados e de sua educao
formal, por meio do Decreto n. 426/1845, que definiu o Regulamento das Misses17.
Mas aos missionrios catlicos desse perodo no se deu total autonomia. Assim sendo,
de 1845 a 1910, o Estado dividiu com vrias ordens religiosas catlicas a administrao
da questo indgena, includa a a responsabilidade pela educao formal.
Com a instaurao e consolidao do regime republicano e da sistematizao
pelo Estado de uma poltica indigenista baseada nos ideais positivistas, institudo, pelo
Decreto n 8.072, de 20 de julho de 1910, o Servio de Proteo aos ndios e Localiza-
16 Tambm chamado de Diretrio dos ndios ou Diretorias dos ndios.
17 Tambm conhecido por Regulamento da Catequese e Civilizao dos ndios.
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o de Trabalhadores Nacionais, mais tarde denominado Servio de Proteo aos ndios
(SPI). Esse foi o primeiro rgo estatal formalmente institudo em separado das ordens
eclesisticas, com a finalidade de gerir as relaes entre os povos indgenas.
Da data de sua criao at sua substituio, em 1967, pela Fundao Nacional
do ndio (Funai), o SPI funcionou vinculado a diferentes ministrios. De 1910 a 1930
esteve vinculado ao Ministrio da Agricultura, Indstria e Comrcio, sendo que, at
1918, alm do governo dos ndios teve a tarefa de fixao no campo da mo-de-obra
rural no estrangeira.
Em 1931 o SPI tornou-se uma seo do Departamento do Povoamento no Mi-
nistrio do Trabalho, Indstria e Comrcio, sendo, em 1936, vinculado ao Ministrio da
Guerra, na Inspetoria Especial de Fronteiras. Em 1939, o SPI volta a subordinar-se ao
Ministrio da Agricultura (LIMA, 1992:155-72).
Percebe-se por esse histrico que a questo da proteo dos ndios esteve sem-
pre intimamente relacionada questo da terra, seja no sentido de colonizar, ocupar
e demarcar o territrio, seja para fazer essa terra produzir, transformando o ndio em
trabalhador rural. Como afirma Lima (1992), era tarefa do SPI atrair e pacificar os ndios,
bem como conquistar suas terras sem destru-los, a fim de que eles se transformassem
na mo-de-obra necessria execuo dos ideais de desbravamento e preparao das
terras no colonizadas para uma posterior ocupao definitiva pelos no-ndios.
Na rea educacional, a nfase no trabalho agrcola e domstico visava incor-
porao dos indgenas sociedade nacional como pequenos produtores rurais capazes
de se auto-sustentarem. O SPI iria doutrinar os ndios, fazendo-os compreender a
necessidade do trabalho, convertendo-os em cidados produtivos. Em sntese, era nostermos do Regulamento do SPI, aprovado pelo Decreto n 736/1936, que se sustentava
a aplicao dapedagogia da nacionalidadee do civismo.
A extino do SPI e a criao da Funai tiveram como motivao diversos fatores,
dentre os quais destacam-se a implantao da ditadura militar, que desencadeia a re-
definio da burocracia estatal, e a necessidade de se difundir internacionalmente uma
viso positiva acerca das polticas e aes do Estado brasileiro voltadas s populaes
indgenas, pois pesava contra o Brasil a acusao de extermnio cultural desses povos.
A poltica educacional da Funai estruturou-se fundamentada nos Programas de
Desenvolvimento Comunitrio (PDC), respaldados pela ONU, e nas aes de implanta-o do ensino bilngenas escolas indgenas. Na prtica, de acordo com Santos (1975),
as escolas situadas em reas indgenas foram estruturadas e funcionavam como as
escolas rurais de outras partes do Brasil, ou seja, distantes das realidades das diferentes
comunidades indgenas.
Em 1991, um conjunto de Decretos descentraliza para outros rgos pblicos
diversas aes no mbito indigenista, at ento de exclusiva responsabilidade da Funai.
Essa mudana institucional na conduo da poltica indigenista um marco importante,
pois envolve novas agncias do Estado no campo da definio e execuo das polticas
pblicas. Por definio do Decreto Presidencial n 26/1991, o MEC passa a ser respons-
vel, em todos os nveis e modalidades de ensino, pela definio de polticas de educaoescolar indgena de qualidade, fundamentada nos princpios constitucionais, e os Estados
e os Municpios passam a ser responsveis pela execuo desta poltica educacional.
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Para definir essa poltica de educao escolar indgena, o MEC tomou como pa-
rmetro o trabalho pioneiro realizado na rea, a partir da metade da dcada de 1970,
por organizaes no-governamentais indgenas e de apoio aos povos indgenas crian-
do, alm disso, espaos para a participao da sociedade civil nessas definies. Assim,
no intuito de contar com assessoria, possibilitar a participao dos envolvidos com aquesto indgena e orientar os sistemas de ensino, o MEC, em julho de 1992, instituiu o
Comit Nacional de Educao Indgena, composto por representantes de organizaes
no-governamentais, universidades e representantes indgenas.
Ainda em 1991, foi estruturada a Coordenao-Geral de Apoio s Escolas Ind-
genas (CGAEI) no mbito da ento Secretaria de Ensino Fundamental (SEF) para co-
ordenar, acompanhar e avaliar as aes pedaggicas da educao escolar indgena no
pas18. Alm de mobilizar a atuao do Comit e promover a realizao de encontros
regionais e seminrios nacionais para discusso e sensibilizao dos sistemas de ensino,
com a participao representantes indgenas, das organizaes no-governamentais e
de docentes das universidades.
Em 2002, o Comit Nacional de Educao Escolar Indgena foi substitudo pela
Comisso Nacional de Professores Indgenas, formada por treze professores. Em 2004,
em atendimento propostas e reivindicaes do movimento indgena essa Comisso
foi transformada em Comisso Nacional de Educao Escolar Indgena, passando a ser
composta por professores e lideranas indgenas, por entender o movimento que ela
no deveria ser formada apenas por professores.
Um outro marco legal importante foi a criao de uma vaga para um represen-
tante da Educao Escolar Indgena no Conselho Nacional de Educao19, em decorrn-
cia dos compromissos assumidos pelo Brasil na Conferncia Mundial contra Racismo,
Discriminao Racial, Xenofobia e Intolerncia Correlata, realizada em Durban, frica
do Sul, em 2001.
A Coordenao-Geral de Apoio s Escolas Indgenas (CGAEI) atuou at julho de
2004, quando, por meio do Decreto Presidencial n 5.159/2004, foi transformada em
Coordenao-Geral de Educao Escolar Indgena (CGEEI) vinculada ao Departamento
de Educao para Diversidade e Cidadania (DEDC) da Secretaria de Educao Continu-
ada, Alfabetizao e Diversidade (Secad).
2.4. A educao escolar dos indgenas e alegislao brasileira
No adianta ter leis, se a escola indgena diferente no for diferente.At agora a escola diferenciada s est no papel. A gente j faloumuito sobre escola indgena diferente, mas na prtica as coisas de-moram muito para mudar. A gente no quer que a nossa histriae a nossa cultura se percam. Por isso, muitas comunidades indge-nas esto fazendo seus prprios currculos, do jeito que elas achambom. Agora temos leis que falam de educao indgena. As leis es-
to do nosso lado e ns vamos lutar para que sejam cumpridas.20
18 Portaria Interministerial MJ e MEC n 559/1991. (BRASIL.Funai/CGDOC, 2005)
19 Decreto Presidencial de 15 de maro de 2002.
20 Depoimento da Prof. Maria de Lourdes, Guarani do Mato Grosso do Sul (apudGRUPIONI, 2004:51).
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A compreenso das bases legais vigentes que regulamentam e garantem os di-
reitos indgenas, dentre as quais as relacionadas educao, passa necessariamente
pelo entendimento de que esses dispositivos, por um lado, refletem a adequao jurdi-
ca e administrativa do Estado brasileiro aos termos de tratados e pactos internacionais
dos quais signatrio e, por outro, representam conquistas de lideranas indgenas,que vm ganhando fora junto aos poderes executivos e legislativos brasileiros desde
meados dos anos de 1970.
Ao longo do processo de colonizao do territrio brasileiro, o Estado portugus
era o responsvel por mediar os conflitos entre trs agentes colonialistas: o administra-
dor legal, o missionrio e o colono. Isso se reflete diretamente na legislao do perodo,
que se concentrar em disposies jurdicas relativas organizao das relaes entre
os conquistadores e os conquistados e serviro de respaldo para os fins da evangeliza-
o realizada de incio apenas pelos jesutas e posteriormente tambm por missionrios
de outras ordens religiosas.
A legislao desse perodo no considera o ndio como cidado: ele tido como
ser humano inferior e dependente do no-ndio, supostamente incapaz de se autogo-
vernar, o que tornava necessria a tutela do Estado21. Para promover a tutela indgena
foi necessria a criao de uma legislao compatvel com as idias que se formaram
em torno dessa questo (COLAO, 2000).
Outro aspecto caracterstico da legislao do Brasil colonial diz respeito exis-
tncia de duas categorias distintas de ndios, os aldeados - aliados dos portugueses
- e os ndios inimigos - espalhados pelos sertes. Seguindo essa diviso, a legislao
e poltica indigenistas seguem tambm dois rumos distintos: h normas legais que se
aplicam aos ndios aldeados e aliados e outras relativas aos inimigos 22. Esse princpio
prevalece ao longo de todo o perodo de colonizao e, para os ndios dceis e amigos,
funcionava a poltica da brandura, baseada na viso protecionista e paternalista; para os
inimigos, aplicavam-se asguerras justas, que resultavam na sua morte ou escravizao
(AMOROSO, 2001).
Apesar de toda a legislao protecionista, as injustias e a explorao indgena
aconteciam porque, fundamentada na idia de incapacidade indgena, ela atendia ora
aos interesses dos governantes, ora aos interesses da Igreja e ora aos interesses dos
colonos, ignorando quase que totalmente os interesses e as caractersticas prprias das
sociedades indgenas, cultural e organizativamente diferenciadas.
A legislao republicana relativa ao ndio marcada pela tomada de conscincia
da questo indgena. Se no ocorreram mudanas significativas na prtica, pelo menos
na regulamentao passam a constar princpios como o da relatividade das culturas. Esse
princpio est presente, por exemplo, no texto do Decreto n 8.072, de 20 de julho de
1910, que institui o SPILTN (Servio de Proteo aos ndios e Localizao de Trabalhado-
res Nacionais) e define como fundamento bsico desse rgo o respeito s tribos ind-
genas como povos que tinham o direito de ser eles prprios, de professar suas crenas,
de viver segundo o nico modo que sabiam faz-lo: aquele que aprenderam de seus
antepassados e que s lentamente vai mudar. (RIBEIRO, D. apudRIBEIRO, B.,1984).
21 Devido viso do ndio como uma criana imatura e indefesa e do estado como seu tutor e protetor, havia nesteperodo a figura do juiz de rfos, pois cabia aos rgos do Estado a funo de proteger e garantir o bom trata-mento aos ndios, garantindo-lhes a evangelizao, a educao e o amparo de enfermos e rfos, protegendo-osem suas relaes com outros ndios e com no ndios (cf. COLAO, 2000:97; CUNHA, 1992:146-7).
22 O texto de Beatriz Perrone Mises (In: CUNHA, 1992, p. 115-32) apresenta uma anlise da legislao para osndios aldeados e para os no aldeados no Brasil dos sculos XVI a XVIII.
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Alm desse decreto de instituio do SPI merecem destaque, neste perodo, a
Lei n 5.371, de 1967, que extingue esse rgo e institui a Fundao Nacional do ndio
(Funai), que o substituir em suas atribuies; e a Lei n 6.001, de 19 de dezembro de
1973, que define o Estatuto do ndio.
Entretanto, o estudo das leis brasileiras relativas questo indgena demonstra
que, apesar de assumir nuances diferentes, segundo os interesses polticos, econmi-
cos e sociais presentes na sociedade geral em seus diferentes momentos histricos, os
documentos legais relacionados ao ndio permanecem, em sua essncia, praticamente
inalterados desde o perodo colonial at os anos de 1980, na pressuposio da supera-
o de suas identidades tnicas.
At a promulgao da Constituio de 1988, a legislao fundamentava-se na
pragmtica assimilacionista e na ideologia integracionista23. Assim, os dispositivos le-
gais buscavam legitimar a conquista e o domnio sobre os bens dos povos indgenas;
serviram para justificar as guerras contra os ndios, para tranqilizar as conscincias dosgovernantes com relao ao extermnio dos povos indgenas em confrontos armados,
bem como a utilizao da mo-de-obra indgena e a negao dos direitos desses povos
durante quase 500 anos de dominao, destruio e morte.
As definies da Constituio Federal de 1988 relativas aos direitos dos ndios
consolidaram os avanos alcanados junto ao Estado pelo movimento indgena, que
desde a dcada de 70 se organizava na busca da afirmao dos direitos desses povos no
Brasil. Os arts. 231 e 232, respectivamente, reconhecem aos ndios sua organizao
social, costumes, lnguas, crenas e tradies, e os direitos originrios sobre as terras
que tradicionalmente ocupam e que suas comunidades e organizaes so partes
legtimas para ingressar em juzo em defesa de seus direitos e interesses rompendo
definitivamente com o paradigma integracionista e a instituio da tutela.
Essas definies devem-se tambm adequao do Estado brasileiro a um pano-
rama mundial em que muitos Estados Nacionais, diante da luta por direitos humanos e
sociais, afirmam, por meio de novos ordenamentos constitucionais e legais, a possibili-
dade dos povos indgenas manterem suas identidades e prticas socioculturais.
Nessa perspectiva, as definies da Constituio Brasileira de 1988 representam
o marco mais importante na legislao referente a questes indgenas, pois possibilitam
a reformulao de todos os parmetros legais e conceituais que presidem o relaciona-
mento do Estado brasileiro com esses povos.
Dentre os encaminhamentos importantes efetivados aps a Constituio de 1988,
est o Decreto Presidencial n 26/1991, que define o Ministrio da Educao como o res-
ponsvel pela proposio da poltica de educao escolar indgena, passando os Estados
e Municpios a ser responsveis por suas execuo sob orientao do MEC.
Alm desse decreto, outros documentos legais representativos so gerados no
plano educacional. Destacam-se, no mbito federal, a Lei n 9.394/96, de Diretrizes e
Bases da Educao Nacional, o Plano Nacional de Educao Lei n 10.172, de 9 de
janeiro de 2001, o Parecer n 14/99 do Conselho Nacional de Educao (CNE), que tra-
ta das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educao Escolar Indgena, regulamentadas
pela Resoluo n 03/CNE/99.
23 Vale registrar que a poltica integracionista reconhecia as diferenas, mas pretendia extermin-las, pois visavaa anulao de toda e qualquer diferenciao tnica por meio da incorporao dos ndios sociedade nacional(RCNEI.BRASIL. MEC, 2005 a: 26).
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No mbito dos Estados h, no perodo ps-Constituio Federal de 1988, a pro-
mulgao de novas Constituies e definio de legislaes especficas para a educao
escolar indgena, com o intuito de se adequarem os princpios nacionais s particulari-
dades locais.
Embora ainda no se tenha alcanado a plena efetivao das leis na forma como
foram pensadas e definidas, no se pode negar o avano desencadeado pelas defini-
es presentes na Constituio Federal de 1988 e nos documentos dela decorrentes.
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3. DIAGNSTICO
3.1. A Educao Escolar Indgena nos censoseducacionais 2002 a 2006
Os dados do Censo Escolar Inep/MEC 2006 mostram que a oferta de educao
escolar indgena cresceu 47,3% nos ltimos quatro anos. Em 2002 tnhamos 117.171
alunos freqentando escolas indgenas em 24 unidades da federao. Hoje este n-
mero chega a 172.591 estudantes em cursos que vo da educao infantil ao Ensino
Mdio.
No Grfico 1 a seguir, os nmeros nos informam que, a partir de 2002, a expan-
so anual da matrcula em escolas indgenas aproximava-se da taxa de 10% ao ano.Nenhum outro segmento da populao escolar no Brasil apresenta um crescimento to
expressivo no perodo.
Grfico 1 Estudantes indgenas na Educao Bsica 2002-2006
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De acordo com o Censo Escolar 2005, os estudantes indgenas estavam distribu-
dos nos diversos nveis e modalidades de ensino, conforme consta da Tabela 1 abaixo:
Tabela 1 Alunos indgenas em escolas indgenas, segundo o nvel e modalidade de ensino - 2005
Nveis / Modalidades Total dealunos
% sobre total
Educao Infantil 18.583 11,3
Ensino Fundamental - 1 segmento 104.573 63,8
Ensino Fundamental - 2 segmento 24.251 14,9
Ensino Mdio 4.749 2,9
Educao de Jovens e Adultos 11.862 7,2
Total 164.018 100
Em 2006, a distribuio se apresentava conforme descrito na Tabela 2 a seguir:
Tabela 2 Alunos indgenas em escolas indgenas, segundo o nvel e modalidade de ensino - 2006
Nveis / ModalidadesTotal dealunos % sobre total
Educao Infantil 18.846 10,9
Ensino Fundamental - 1 segmento 104.906 60,8
Ensino Fundamental - 2 segmento 28.226 16,4
Ensino Mdio 7.630 4,4
Educao de Jovens e Adultos 12.983 7,5
Total 172.591 100
Podemos observar que cresceu a oferta do segundo segmento do Ensino Funda-
mental e do Ensino Mdio em escolas indgenas, o que desejvel.
Entretanto, em que pesem os avanos obtidos nos ltimos quatro anos, estes
dados demonstram que muito ainda tem que ser feito, pois:
A relao entre o nmero de alunos indgenas nos dois segmentos do Ensino
Fundamental de 3,72. Obtivemos este ndice dividindo o total de alunos
indgenas matriculados no primeiro segmento do Ensino Fundamental pelo
nmero de alunos indgenas matriculados no segundo. Se a oferta de Ensino
Fundamental estivesse, de fato, garantida s comunidades indgenas esta re-
lao seria prxima a 1,00, pois este ndice tem um valor mdio de 1,23 paratodo o pas.
O nmero de estudantes indgenas em turmas de Ensino Mdio ainda mui-
to reduzido. Isto significa que centenas de jovens indgenas ainda tm que
migrar para as cidades em busca do Ensino Mdio, enfrentando inmeras
situaes de risco social.
Apesar do expressivo investimento realizado em 2005 e 2006, a maioria das
escolas indgenas no conta ainda com estrutura fsica e equipamentos ade-
quados ao pleno desenvolvimento de suas atividades.
No h uma avaliao adequada da qualidade do ensino ministrado nas aldeias.
Em alguns estados a formao do professor indgena se faz de forma intermi-
tente e com qualidade questionvel.
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De todo modo importante ressaltar que a expanso da oferta do segundo
segmento do Ensino Fundamental no perodo de 2002 a 2006 foi mais acentuada que
a oferta do primeiro segmento, o que significa em mdio prazo a garantia de Ensino
Fundamental completo nas terras indgenas. A Tabela 3 registra estes dados.
Tabela 3 Expanso da matrcula de estudantes indgenas em escolas indgenas e relao entre nmero
de alunos indgenas matriculados no 1 e 2 segmentos do Ensino Fundamental 2002 e 2006
Ensino Fundamental N alunos 2002 N alunos2006% de Crescimento
da Matrcula
Primeiro Segmento 82.918 104.906 + 26,4
Segundo Segmento 16.148 28.226 + 74,8
Total 99.066 133.132 + 34,4
Relao 1 seg. / 2 seg. 5,13 3,72
A relao entre o nmero total de estudantes nos dois segmentos do Ensino
Fundamental (ltima linha da tabela) outra forma de detectar a expanso da oferta
de 5aa 8asries nas aldeias.
Os dados do Censo Escolar Inep/MEC 2006 mostram uma evoluo ainda mais
significativa no Ensino Mdio oferecido nas terras indgenas, conforme demonstrado
na Tabela 4.
Tabela 4 Evoluo da matrcula de alunos indgenas em escolas indgenas de Ensino Mdio 2002 a 2006
Escolas eEstudantes indgenas 2002 2006
Taxa deExpanso (%)
Escolas indgenas com Ensino
Mdio 18 escolas 99 escolas + 405Estudantes indgenas nestasescolas 1.187 7.630 + 543
Com relao ao nmero de estabelecimentos temos um aumento significativo
na quantidade de escolas indgenas nos ltimos quatro anos, conforme demonstra o
Grfico 2.Grfico 2 Escolas Indgenas de Ensino Bsico 2002 - 2006
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De 2002 a 2006, 713 novas escolas indgenas entraram em funcionamento (ou
escolas j existentes passaram a ser reconhecidas como escolas indgenas), o que signi-
fica uma expanso de 41,8 %. Sabemos que cada escola indgena abriga em mdia se-
tenta alunos, quatro professores e pelo menos mais um funcionrio da comunidade. O
crescimento no nmero de escolas indgenas significa, portanto, cerca de 49.910 novosalunos indgenas tendo acesso formao escolar, cerca de 2.852 novos professores e,
pelo menos, 3.565 novos assalariados em terras indgenas.
Com relao vinculao e manuteno das 2.324 escolas registradas no Censo
Escolar de 2005 tnhamos a situao apresentada na Tabela 5.
Tabela 5 Escolas indgenas segundo a dependncia/categoria administrativa - 2005
Escolas Indgenas N de escolas
Estaduais 1.083
Municipais 1.219Particulares 22
Total 2.324
Com relao vinculao das atuais 2.419 escolas, temos o quadro exposto na
Tabela 6 e no Grfico 3 a seguir.
Tabela 6 Escolas indgenas segundo a dependncia/categoria administrativa - 2006
Escolas Indgenas N de escolas
Estaduais 1.112
Municipais 1.284
Particulares 23
Total 2.419
Grfico 3 Escolas Indgenas segundo a dependncia/categoria administrativa 2006
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O expressivo nmero de alunos indgenas no Ensino Fundamental garantiu, em
2006, s escolas das comunidades indgenas que fazem parte dos sistemas estaduais
e municipais de ensino, recursos da ordem de R$ 149 milhes, oriundos do Fundo de
Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magist-
rio (Fundef). Tambm por pertencerem aos sistemas estaduais e municipais de ensinotodas essas escolas tm acesso aos programas do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educao (FNDE), tais como Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE); Programa
Nacional de Alimentao Escolar Indgena (PNAEI); Programa Nacional do Livro Didtico
(PNLD); entre outros.
3.2. Os sistemas de ensino e a EducaoEscolar Indgena
A Educao Escolar Indgena vive hoje impasses com relao efetivao do
que est garantido em diversos textos legais e normativos. necessrio refletir sobre
quais alternativas podem ser propostas para acelerar o processo de desenvolvimento
da educao escolar indgena sob os princpios da interculturalidade e do bilingismo
ou multilingismo, a fim de resolver questes como: i) a falta de regulamentao sobre
oregime de colaborao que rege a relao entre as trs esferas de governo; ii) a des-
continuidade da ao dos sistemas de ensino, a dificuldade de estabelecer um dilogo
intercultural, ouvindo e compreendendo as perspectivas indgenas; iii) problemas de
gesto que mantm as escolas indgenas sem receber insumos bsicos para seu fun-
cionamento, como merenda escolar e material didtico; iv) falta de transparncia naaplicao dos recursos pblicos.
Nesse sentido, a proposio do movimento indgena de criao de um Sistema
de Educao Escolar Indgena, com mecanismos legais e normativos que garantam a
autonomia to buscada pelas escolas indgenas e assegurem a aplicao dos recursos
pblicos disponveis para a educao escolar, ganha fora. Essa discusso ainda est em
processo em diferentes fruns na sociedade civil e no mbito estatal.
Parece vivel pensar que, mais que uma modalidade de ensino, a Educao Es-
colar Indgena pode ser considerada um sistema, ou um subsistema especfico dentro
do sistema de ensino, uma vez que a escola indgena definida pelo Conselho Nacionalde Educao (CNE) como uma categoria especfica de escola, com normas e procedi-
mentos jurdicos prprios, e as diretrizes e os objetivos dessa modalidade de educao
escolar tm como foco a valorizao dos usos lingsticos, a interculturalidade, a parti-
cipao comunitria e a colaborao com seus projetos de auto-sustentao.
A regulamentao desse sistema geraria mecanismos legais, normativos e geren-
ciais que tornariam mais claro para as Secretarias de Educao o tratamento que essas
escolas devem receber. Hoje, no mximo, so feitas adaptaes em um quadro legal
pr-existente que no condiz com as perspectivas da educao escolar intercultural.
Existem vrios exemplos desse ajuste, tais como os que so feitos para a contratao
de professores, elaborao de calendrios escolares, desenvolvimento de modelos de
gesto pedaggica e de currculos, que no satisfazem, com toda razo, os diferentes
atores indgenas, sejam eles professores ou lideranas.
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4. POLTICAS PBLICAS PARA A EDUCAOESCOLAR INDGENA
Para enfrentar os desafios postos para o incremento da Educao Escolar Indge-
na, com qualidade e respeito autodeterminao desses povos, a Secad/MEC direcio-
nou seu esforo institucional a aes que proporcionassem mudanas e impactassem
a conduo das polticas pblicas para Educao Escolar Indgena em todas as esferas
de governo. Para isso, foram priorizadas: a articulao com o Conselho Nacional de
Secretrios Estaduais de Educao (Consed), a poltica de concertao e articulao
intraministerial e o fortalecimento do controle social indgena.
Para dar peso poltico s diversidades socioculturais na educao escolarizada, foi
fortalecida a articulao com o Consed, tendo em vista a mobilizao dos sistemas de
ensino em uma escala que garantisse mudanas nas polticas e programas educacionaiscom contedo e celeridade. Essa conjugao de esforos viabilizou o compromisso das
Secretarias Estaduais de Educao com a agenda poltica das diversidades socioculturais.
Com isso, uma srie de aes foi posta em curso para dar centralidade Edu-
cao Escolar Indgena no conjunto de polticas e programas desenvolvidos pelas Se-
cretarias de Educao. Analisou-se, em vrias reunies no mbito daquele colegiado, a
situao da Educao Escolar Indgena. Foram estabelecidas prioridades, discriminados
os desafios e pactuada com o MEC uma agenda24que criasse um novo patamar de
compromisso e responsabilidade institucional com uma educao escolar que respeitas-
se os projetos de futuro dos povos indgenas.
A articulao com o Consed favoreceu discusses coletivas e ampliadas com os
dirigentes pblicos, proposies e decises que tiveram ressonncia nas Secretarias de
Educao, dinamizando novos contextos poltico-administrativos para o atendimento
das demandas indgenas.
Como estratgia para dar efetividade ao regime de colaborao que rege as rela-
es entre os sistemas de ensino no pas, a Secad/MEC props uma poltica de concer-
tao na qual compromissos foram acordados, com expressiva participao indgena,
entre as instituies responsveis na esfera federal, estadual e municipal, para melhoria
das condies de gesto da educao escola indgena.
Ao fim de audincias pblicas, seminrios estaduais e/ou regionais, ou reuniesampliadas, um termo de compromisso era pactuado entre os dirigentes pblicos, com
participao de organizaes no governamentais indgenas ou no-indgenas, para
garantir as aes do controle social indgena e a cobrana de responsabilidade pelo
Ministrio Pblico Federal. A proposta teve o efeito positivo de dinamizar a estrutura
pblica possibilitando gerar mais foco no planejamento estratgico, na execuo ora-
mentria e na avaliao das aes desenvolvidas.
Investiu-se tambm no fortalecimento do controle social indgena na de-finio e acompanhamento das polticas pblicas. No mbito do Ministrio daEducao foi alterado o perfil da instncia de participao e controle social,
atendendo reivindicaes do movimento indgena, e fomentado o dilogo entre aComisso Nacional de Educao Escolar Indgena (CNEEI) e os vrios rgos do MEC.
24 Carta do Amazonas, abril de 2005.
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Nos demais sistemas de ensino, a Secad/MEC incentivou a criao de espaos p-
blicos que possibilitassem a interlocuo institucionalizada dos representantes indge-
nas com dirigentes e gestores para dar foco ao planejamento e execuo dos recursos
oramentrios disponveis.25
As estratgias estabelecidas pela Secad/MEC tornaram necessria uma forte arti-
culao intraministerial. Foram envidados esforos contnuos para buscar parcerias com
os demais rgos do MEC, visando a fortalecer e integrar polticas pblicas.
As aes de formao de professores indgenas em nvel superior, bem como
as focadas no acesso, permanncia com sucesso e relevncia cultural para estudantes
indgenas em cursos universitrios, com os investimentos financeiros implicados, esto
sendo construdas com a Secretaria de Educao Superior (Sesu/MEC).
Observe-se que, para a oferta de educao bsica intercultural nas escolas ind-
genas, prioritria a formao de professores indgenas em licenciaturas especficas.
Resultados promissores tm sido verificados com o apoio s propostas formuladas pelas
universidades pblicas em dilogo com representantes das comunidades indgenas, o
qual foi viabilizado por essa articulao entre a Secad e a Sesu.
Outra importante poltica pblica est sendo construda com a Secretaria de
Educao Tecnolgica (Setec/MEC) para a integrao da educao profissional com a
educao bsica intercultural indgena. Os povos indgenas demandam que seus jovens
recebam uma formao ancorada em seus conhecimentos tradicionais, que possibilite
igualmente o acesso a tecnologias e conhecimentos cientficos que possam subsidiar
seus projetos de