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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FRANCISCA EDILZA BARBOSA DE ANDRADE CARVALHO EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NA COMUNIDADE BAIXIO - Barra do Bugres/MT: avanços e desafios CUIABÁ-MT 2016

EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NA COMUNIDADE … · CAPES Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior CDCE Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar ... “Ressuscita-me”

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

FRANCISCA EDILZA BARBOSA DE ANDRADE CARVALHO

EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NA

COMUNIDADE BAIXIO - Barra do Bugres/MT: avanços e

desafios

CUIABÁ-MT

2016

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FRANCISCA EDILZA BARBOSA DE ANDRADE CARVALHO

EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NA COMUNIDADE

BAIXIO - Barra do Bugres/MT: avanços e desafios

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado

em Educação da Universidade Federal de Mato

Grosso, como requisito para obtenção do título de

Mestre em Educação, na Área de Concentração:

Educação, Linha de Pesquisa: Movimentos Sociais,

Política e Educação Popular.

Orientadora: Profa. Dra. Suely Dulce de Castilho.

Cuiabá-MT

2016

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LISTA DE FIGURAS

Ilustração 01: Rota Cuiabá/Vão Grande ............................................................................ 46

Ilustração 02: Ponte Cuiabá/Várzea Grande....................................................................... 47

Ilustração 03: Jangada.................................................................................................. 47

Ilustração 04: Entrada do Território Vão Grande..................................................... 50

Ilustração 05: Estrada para Vão Grande.................................................................... 50

Ilustração 06: Estrada alagada ................................................................................... 50

Ilustração 07: Atoleiro na estrada................................................................................ 50

Ilustração 08: Ipê Amarelo........................................................................................... 52

Ilustração 09: Flores...................................................................................................... 52

Ilustração 10: Cemitério das Comunidades Baixio, Morro Redondo e

Camarinha......................................................................................................................

53

Ilustração 11: Casas da Comunidade.......................................................................... 55

Ilustração 12: Casa da comunidade............................................................................. 55

Ilustração 13: Casas da Comunidade.......................................................................... 56

Ilustração 14: Igreja da comunidade........................................................................... 56

Ilustração 15: Campo de Futebol................................................................................. 57

Ilustração 16: Antiga Escola......................................................................................... 57

Ilustração 17: Casa Dinalva.......................................................................................... 59

Ilustração 18: Casa Beira da Estrada.......................................................................... 59

Ilustração 19: Casa Tradicional................................................................................... 62

Ilustração 20: Igreja Católica....................................................................................... 62

Ilustração 21: Posto de saúde....................................................................................... 62

Ilustração 22: Escola antiga.......................................................................................... 63

Ilustração 23: Escola em construção............................................................................ 63

Ilustração 24: Rio Jauquara......................................................................................... 65

Ilustração 25: Rio Jauquara......................................................................................... 65

Ilustração 26: Rio Jauquara......................................................................................... 65

Ilustração 27: Caminho da escola................................................................................ 66

Ilustração 28: Entrando na mata................................................................................. 66

Ilustração 29: Trilho na mata...................................................................................... 66

Ilustração 30: Barranca do rio..................................................................................... 66

Ilustração 31: Bote para travessia...................................................................................... 66

Ilustração 32: Ônibus escolar............................................................................................ 66

Ilustração 33: Casa Vaca Morta.................................................................................. 69

Ilustração 34: Centro desportivo................................................................................. 69

Ilustração 35: Igreja Católica....................................................................................... 69

Ilustração 36: E. M. Leopoldino José da Silva....................................................................... 70

Ilustração 37: Barracão das Mulheres........................................................................ 70

Ilustração 38: Cemitério Vaca Morta e Retiro...................................................................... 71

Ilustração 39: Árvore Genealógica - Família Silva Velho......................................... 74

Ilustração 40: Árvore Genealógica - Família Manoel Veríssimo e Ana Paes ......... 80

Ilustração 41: Árvore Genealógica - Família Sabino Maciel e Serafina Maria da

Cruz....................................................................................................

81

Ilustração42: Árvore Genealógica - Famílias Manoel Veríssimo e Sabino

Maciel.................................................................................................

82

Ilustração 43: Escola de Palha...................................................................................... 95

Ilustração 44: Instalação Elétrica ............................................................................... 98

Ilustração 45: Água para banheiro.............................................................................. 98

Ilustração 46: Bebedouros............................................................................................ 98

Ilustração 47: Cozinha Velha....................................................................................... 98

Ilustração 48: Inicio da quadra esportiva................................................................... 98

Ilustracao 49: Instalaçao eletrica................................................................................. 98

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Ilustração 50: Aparelho de som.................................................................................... 99

Ilustração 51: Sala dos Educadores............................................................................. 99

Ilustração 52: Decoração.............................................................................................. 99

Ilustração 53: Educação Infantil.................................................................................. 101

Ilustração 54: Projeto de Artes Visuais....................................................................... 124

Ilustração 55: Projeto Artes Visuais............................................................................ 124

Ilustração 56: Arrancando mandioca.......................................................................... 125

Ilustração 57: Plantando mandioca............................................................................. 125

Ilustração 58: Descascando mandiocas....................................................................... 126

Ilustração 59: Cuidados com a mandioca................................................................... 126

Ilustração 60: Peneiras................................................................................................. 130

Ilustração 61: Pinturas em telhas................................................................................ 130

Ilustração 62: Pote pintado.......................................................................................... 130

Ilustração 63: Educandas 6º e 7º ano.......................................................................... 137

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Panorama das pesquisas por região/instituição 1995/2014....................... 23

Tabela2: Comunidades quilombolas por região......................................................... 24

Tabela 3: Comunidades quilombolas pesquisadas por região.................................. 25

Tabela 4: Comunidades pesquisadas: local e quantidade.......................................... 26

Tabela 5: Quadro geral de comunidades quilombolas............................................... 27

Tabela 6: Quadro geral dos entrevistados................................................................... 40

Tabela 7: Desigualdades entre Brancos, Pardos e Negros......................................... 49

Tabela 10: Número de matrículas em escolas localizadas em comunidades de

quilombos 2007/2013.....................................................................................................

88

Tabela 9: Escolas quilombolas de Barra do Bugres................................................... 89

Tabela 10: Organização das turmas multiserriadas da Escola José Mariano

Bento...............................................................................................................................

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Temáticas mais recorrentes: Teses e Dissertações/1995/2015................. 25

Gráfico 2: Formação inicial de graduação.................................................................. 105

Gráfico 3: Nível de scolaridade.................................................................................... 105

Gráfico 4: Ensino Superior........................................................................................... 106

Gráfico 5: Tempo de Trabalho.................................................................................... 107

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LISTA DE SIGLAS

ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias

BVE Brasil Vagas Executivas

CAPES Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior

CDCE Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar

CEFAPRO Centro de Formação de Professores

CEJA Centro de Educação de Jovens e Adultos.

CNE O Conselho Nacional de Educação

CNPJ Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica

CONAE Conferência Nacional de Educação

CONAQ Comissão Nacional de Articulação dos Quilombos

CONAPIR Conferência Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade

Racial

DOEMT Diário Oficial do Estado do Mato Grosso

EJA Educação de Jovens e Adultos

GPMSE. Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

Incra Instituto de Colonização e Reforma Agrária

INEP Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa.

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa

MST Movimento Sem Terra

MT Mato Grosso

NEED Núcleo de Educação e Diversidade

NTERMAT Instituto de Terras do Mato Grosso

PMEBB Plano Municipal de Educação de Barra do Bugre

PPP Projeto Político Pedagógico

PPP/JMB Projeto Político Pedagógico da Escola José Mariano Bento

PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação.

PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária

SCIELO Scientific Electronic Library Online.

SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e

Inclusão

SEDUC Secretaria de Educação

SEPPIR Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UFMT Universidade Federal de Mato Grosso

UNB Universidade de Brasília

UNEMAT Universidade Estadual de Mato Grosso

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

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DEDICATÓRIA

Ao Espirito Santo de Deus, meu amigo!

Aos moradores do Território Quilombola Vão Grande.

A Luiz Vitorino de Andrade (in memoriam), painho,

paizinho, papai, meu pai.

Quando as coisas não vão bem, e a desesperança quer

fazer morada em mim, revisito seu colo, sinto suas mãos

pesadas, deslizando por sobre meus cabelos. Em meio a dor,

ouço a mansidão da sua voz ecoando em meu ser: “isso é jogo

da vida, filha, é jogo da vida”. Choro. Mas suas doces palavras

tornam a insistir. Então levanto e vou lutar de novo.

Bem sei, que não mais nos veremos, neste mundo físico,

mas sigo acreditando, que um dia desses, nos reencontraremos

em um lugar, onde não há tristeza ou dor.

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Grata sou...

Ao Deus da minha vida: Obrigada Painho, por “Me fazer este milagre, e

ressuscitar os meus sonhos1...” Ao meu amigo, Espírito Santo, por me ajudar a voltar,

para à escrita deste texto, após a despedida física de meu amado paizinho “me ajudando

a usar as palavras, quando só Deus sabe a dor que eu estava sentindo”.2

A minha orientadora, Suely Dulce de Castilho, uma linda mulher, em cuja face

há sempre um sorriso. E “já que você me sorriu... Me deu a mão... Vamos Simbora...”3

Grata sou, pela generosidade, pelo cuidado, pelo carinho, pela correção, pela palavra e

pelo silêncio... Pela orientação. Enfim, lhe rendo minha gratidão, por me receber!

Nenhuma palavra seria capaz de descrever o que este “receber” simboliza em minha

história! Obrigada mocinha bonita!

Ao povo do Território quilombola Vão Grande, moradores das comunidades

quilombolas Baixio, Camarinha, Morro Redondo, Retiro e Vaca Morta, em especial, aos

Guardiões da Memória, por carinhosamente me acolherem e partilharem comigo seus

sonhos, seus anseios, aflições, cantos e encantos.

Aos educadores e educadoras4 da Escola Estadual José Mariano Bento: Maria

Helena Dias, Lucimara Evangelista, Dinalva Campos, Marli Bento, Benedito, Joacil,

Neide Bento, Maria Lourença, Maria da Glória, Benedito Bento, João Batista, Evanice

Tereza, Seila, Lucia Helena, Eliene, Madalena, Tefferson, Leila, Marcia e Antônio, por

todo o carinho e cuidado a mim dedicado em todo o tempo.

Aos educadores e educadoras, avaliadores desta pesquisa: Alípio Márcio Dias

Casali, Maria da Anunciação Barros Neta e Rosecléia Ramos, pelos apontamentos, que

muito contribuiu para a presente pesquisa. Todo o meu carinho por terem “interesse em

participar... E se prontificar para ensinar5...”.

A todos os educadores e educadoras do Programa de Pós-Graduação em

Educação/UFMT, pelos quais guardo profundo carinho e admiração, em especial Luiza,

Mariza e Marcos, por toda gentileza. E ao Grupo de Pesquisa em Movimentos Sociais e

Educação/GPMSE pela oportunidade, em especial, a Luiz Augusto Passos, por se fazer

inspiração na minha jornada, a Cândida Soares por me encantar com novos saberes,

Celso Luiz Prudente, pela indicação de leituras, pelas portas que elas abriram em minha

vida, a Cleomar Gomes, pela alegria presente em suas aulas!

Aos amigos do Mestrado em Educação, que fizeram desta jornada, uma alegre

caminhada, entre outros: Ana Tereza, Aurea Gardeni, Bruna Oliveira, Cândida

Cespedes, Cleonice Perotoni, Edilaine Ferreira, Eduardo Freire, Elen Prates, Erika

Pizapio, Eulália Ferreira, Everton, Gilson Soares, Heloneide Alcantara, Itamar Porto,

Jane Medeiros, Juscimar, keila Oliveira, Luciano Pereira, Márcio Cavichiolli, Mauricio

1Inspirado na canção: “Ressuscita-me” de Aline Barros. 2Inspirado na canção: “Espírito Santo” de Fernand Brum. 3Inspirado na canção: “Pra vida continuar” de José Pinto. 4Cabe esclarecer, que este texto, compreende “educador” como todo aquele que atua nas instituições

escolares, os que lecionam, os que cozinham, os que limpam, os que ‘guardam’ o prédio escolar, os que

atendem na biblioteca, no laboratório, na articulação, na secretaria... Enfim, todo aquele que se dedica à

tarefa de “educar”. 5Inspirado na canção: “Sempre é tempo de aprender” de José Pinto.

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Vieira, Roseli Nunes, Sebastião, Severiá Xavante, Silmara Andrade, Soraia Maciel,

Vanessa Moraes, Zizele Santos... “Qualquer dia desses, amigos, vou lhes encontrar6...”.

Ao Estado de Mato Grosso e ao Município de Nova Olímpia-MT, pela

concessão da “Licença para qualificação profissional”, que me foi concedida, durante a

realização desta pesquisa. Sem a qual, esta trajetória seria inviabilizada.

À FAPEMAT, pela concessão da Bolsa de estudos, que muito contribuiu, para a

realização desta pesquisa.

À Maria Dorinha, minha amada mainha, pelos lábios que, ao meu favor, se

movem “em fervente oração”, e a cada dia profetizam: “a vitória já é sua, minha filha!

Amém?”. Mãe, “tua amiga pra sempre eu quero ser!”7

A Plínio, por me fazer CARVALHO, se fazendo “ponte sobre um rio de dor”8,

por me instigar a “ver” as injustiças deste mundo, a enfrentar este desafio “sem medo de

ser mulher”9. Sendo estas, apenas algumas das razões pelas quais “por toda a minha

vida, eu vou te amar10”.

À Gerson Henrique, Plínio, Elôenia e Philipe, bebês meus. Motivadores da

esperança que há em mim. Quanta alegria seus sorrisos me trazem. É por vocês que eu

canto, luto, esperanço! Eu amo vocês, mais que a abelha ama a flor.11 Daqui até o

infinito12.

Á minha família no Mato Grosso, na Bahia, em Santa Catarina, no Distrito

Federal e no Rio Grande do Norte pelo incentivo durante esta jornada que culminou no

primeiro título de mestre de nossa família.

Aos meus irmãos e irmãs em Cristo, em especial as mulheres do Círculo de

Oração, pelo cuidado espiritual, durante todo o tempo desta pesquisa, por me

ensinarem, por meio do exemplo, outros jeitos de lutar, de esperançar, de ter fé.

À Maria Helena Tavares Dias, meu profundo respeito, carinho e gratidão. Pelas

mãos que acolhem, afagam e repartem.

Ao povo dos assentamentos Riozinho, Rio Branco, Vale do Sol, Oziel Pereira,

Nova Conquista, em especial ao povo do assentamento Antônio Conselheiro, minha

morada nas duas últimas décadas, a quem amo de todo coração, a quem devo muitos

saberes, muita alegria e muito de quem sou...

Aos educandos e educadores das Escolas do Campo “Marechal Cândido

Rondon” e “Reinaldo Dutra Vilarinho”, onde atuo como educadora, com quem partilho

o desejo de ter “uma escola do campo que não tenha cercas, que não tenha muro, onde

possamos aprender a ser construtores do futuro!”13

Ao Núcleo de Educação e Diversidade/NEED, da Universidade Estadual do

Mato Grosso-Campus de Tangará da Serra, em especial, às educadoras: Hellen Cristina

6Inspirado na canção: “Canção da América” de Milton Nascimento. 7Inspirado na canção: “Sinto Saudade” de Arianne. 8 Inspirado na canção: “Que bom que você chegou” de Bruna Karla. 9Inspirado na canção: “Sem medo de ser mulher” do MST. 10Inspirado na canção: “Eu sei que vou te amar” de Tom Jobim. 11Inspirado na canção: “É assim que eu te amo” de Oséias de Paula. 12Inspirado no livro: “Advinha o quanto eu te amo” de Sam Bratney. 13Inspirado na canção: “Construtores do Futuro” de Gilvan Santos.

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de Souza, Leonice Alves Mourard, Ivanete Carvalho e Marines Cargnin-Stieler por se

juntar a nós: “caminhando e cantando, seguindo a canção”14 demonstrando com atitudes

o que tão costumeiramente vemos apenas em palavras.

Às comunidades do campo, indígenas e quilombolas que constituem o Coletivo

da Terra, a quem me junto, nos sonhos, na esperança, na luta e na canção15:

“E fez o criador a Natureza

Fez os campos e florestas

Fez os bichos, fez o mar

Fez por fim, então, a rebeldia

Que nos dá a garantia

Que nos leva a lutar

Pela Terra,

Madre Terra, nossa esperança

Onde a vida dá seus frutos

Os teus filhos vem cantar...”

14Inspirado na canção: “Pra não dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré 15Inspirado na canção: “Canção da Terra” de Pedro Munhoz.

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RESUMO

Este estudo, resultado de uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico realizada na

Comunidade Quilombola Baixio, localizada no Território Quilombola Vão Grande, no

município de Barra do Bugres – MT, tem como principal objetivo analisar em que

medida, e como, a Escola Estadual José Mariano Bento realiza um projeto pedagógico

alinhado com a história das comunidades do território quilombola Vão Grande. Objetiva

ainda contextualizar, historicamente, as Comunidades Quilombolas, onde vivem os

estudantes; discorre sobre as Políticas Públicas relacionadas a Educação Escolar

Quilombola apresenta uma breve contextualização da história da escolarização no

Território, reflete sobre as condições físicas e estruturais da escola; tece algumas

reflexões sobre o currículo em ação na escola, a fim de compreender como está se

delineando a educação quilombola, como modalidade de ensino, nesse território. Os

resultados da pesquisa desvelam que a Educação Escolar Quilombola vem ganhando

espaço no cenário das políticas públicas. Embora ainda enfrente muitos desafios para

ser implementada no chão da escola. No caso do território quilombola Vão Grande,

ainda hoje, a comunidade sofre as consequências do descaso e da marginalização,

simbolizados na intrafegabilidade das estradas, na ausência de manutenção das pontes,

nas dificuldades de acesso à Escola, nas más condições do transporte escolar, no

desrespeito com os profissionais da educação, representado nas más condições de

trabalho fatores que, inúmeras vezes, impedem a realização das aulas. Contudo, mesmo

diante das dificuldades existentes, é possível observar um esforço se delineando no seio

da comunidade escolar para efetivar ações pedagógicas alinhadas com a história do

território quilombola Vão Grande, embora, as muitas ausências que a escola e seus

profissionais padecem, dificultem o processo.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Escolar; Políticas Públicas; Território Quilombola

Vão Grande; Comunidade Quilombola Baixio.

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ABSTRACT

This study, the result of an ethnographic qualitative research conducted in the

Quilombola Community Baixio, located in the Vão Grande Quilombola Territory, in

Barra do Bugres - MT, is meant to examine to what extent and how the State School

José Mariano Bento performs an educational project in partnership with the history of

the communities of the Quilombola Territory Vão Grande. It is also meant to

contextualize historically the Quilombola Communities, where the students live; it

discusses the Public Policy related to the Quilombola School Education, it presents a

brief contextualization of school history in the Territory, reflects on the physical and

structural conditions of the school; it also presents some considerations about the

curriculum in action at school, in order to understand how the quilombola education is

being designed, as a teaching modality on that territory. The survey results unveil that

the Quilombola School Education has gained space in the scenario of public policies.

Although, it still faces challenges to be in fact, implemented in the school. In the case of

the Quilombola Territory Vão Grande, today, the community suffers the consequences

of neglect and marginalization, symbolized in impossibility to go through the roads, in

the absence of maintenance of the bridges, the difficulties to access the School, with

poor condition of school transportation, with disrespect to the education professionals

represented in poor working conditions, which, several times, blocks the performance of

classes. However, in spite of the difficulties, it is possible to observe an effort taking

shape within the school community to carry out pedagogical activities in line with the

history of the Vão Grande quilombola territory, though the many absences the school

and its professionals suffer, make the process hard.

KEYWORDS: School Education; Public Policy; Vão Grande Quilombola Territory;

Quilombola Community Baixio.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 18

1. TRAÇADOS METODOLÓGICOS:

VEM COMIGO PARA O CAMPO DE PESQUISA ........................................................... 31

1.1 INCURSÃO NO CAMPO DE PESQUISA. ................................................................... 31

1.2 ABORDAGEM: QUALITATIVA ................................................................................. 36

1.3 MÉTODO: ETNOGRAFIA ............................................................................................ 37

1.4 TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ................................... 38

1.4.1 Observação ................................................................................................................... 38

1.4.2 Entrevistas .................................................................................................................... 39

1.4.3 Pesquisa documental .................................................................................................... 40

1.4.4 Recurso fotográfico ...................................................................................................... 41

1.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO .......................................................................................... 42

1.6 COMITÊ DE ÉTICA ...................................................................................................... 43

2. COMUNIDADES QUILOMBOLAS: CONCEITOS E DESCRIÇÃO

ETNOGRÁFICA DO CONTEXTO LOCAL ....................................................................... 44

2.1 COMUNIDADES QUILOMBOLAS: CONCEITOS .................................................... 44

2.2 COMUNIDADES QUILOMBOLAS: UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA ................... 46

2.2.1 Território Quilombola Vão Grande. ............................................................................ 49

2.2.2 Comunidade quilombola Camarinha ........................................................................... 54

2.2.3 Comunidade quilombola Morro Redondo ................................................................... 56

2.2.4 Comunidade Quilombola de Baixio ............................................................................ 58

2.2.5 Travessia do Rio Jauquara ........................................................................................... 65

2.2.6 Comunidade Vaca Morta ............................................................................................. 68

2.2.7 Comunidade quilombola Retiro ................................................................................... 70

2.3 OS GUARDIÕES DA MEMÓRIA ................................................................................ 71

2.3.1 Aspectos históricos em comum ................................................................................... 73

2.3.2 Os Quilombos .............................................................................................................. 75

2.3.3 Terra Comum ............................................................................................................... 75

2.3.4 Aspectos específicos .................................................................................................... 79

3. EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA E SEUS CONTEXTOS ........................... 85

3.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NO CONTEXTO DAS

POLÍTICAS PÚBLICAS ...................................................................................................... 85

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3.2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO NA

COMUNIDADE BAIXIO .................................................................................................... 91

3.3 A ESCOLA ESTADUAL JOSÉ MARIANO BENTO: 2015 ........................................ 97

3.3 PERFIL DOS EDUCADORES .................................................................................... 102

3.3.1 Os Educadores docentes ............................................................................................ 104

3.3.2 Os estudantes ............................................................................................................. 110

4. EDUCAÇÃO ESCOLAR NO CHÃO DA ESCOLA ESTADUAL JOSÉ

MARIANO BENTO ........................................................................................................... 113

4.1 CURRÍCULO: ALGUNS CONCEITOS ...................................................................... 113

4.2. O CURRÍCULO NA ESCOLA JOSÉ MARIANO BENTO ....................................... 115

4.2.1 O Projeto Político Pedagógico ................................................................................... 116

4.2.2 O Regimento Escolar ................................................................................................. 118

4.2.3 O fazer pedagógico nas salas multisseriadas ............................................................. 119

4.2.4 As Práticas Pedagógicas ............................................................................................ 123

TECENDO CONSIDERAÇÕES ........................................................................................ 139

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 145

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa, vinculada à linha de pesquisa “Movimentos Sociais, Política e

Educação Popular” do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da

Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), tem como principal objetivo analisar

em que medida e como a Escola Estadual José Mariano Bento realiza um projeto

pedagógico alinhado com a história das comunidades do território quilombola Vão

Grande. A escola está localizada na Comunidade Quilombola Baixio, uma das cinco

comunidades que integra a região conhecida como Território Quilombola Vão Grande,

no município de Barra do Bugres - MT.

A proposição dessa temática é fruto dos anseios, utopias e expectativas que

venho gestando em minha jornada profissional e militante. Forjadas nas reuniões de

formação, nos grupos de estudos, nas mobilizações; nas associações; nos coletivos e no

seio das escolas do campo onde contribuo como educadora. Sentimentos que podem ser

traduzidos na estrofe da canção “irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova terra e

um novo mar e nesse dia os oprimidos em uma só voz a liberdade irão cantar16”.

Ainda bem jovem, aprendi a olhar o mundo pelo viés da diversidade. Quando em

viagem ao Rio Grande do Norte, trabalhei como monitora substituta no Assentamento

Modelo, município de João Câmara. Naquele período, participei do Encontro dos

Educadores e Educadoras do Movimento Sem Terra- MST, aquela experiência mudaria

o rumo da minha história.

A impressão que o encontro causou em mim se assemelha às palavras de Arroyo

(2004, p. 67), quando ele descreve sua participação na primeira Conferência “Por uma

Educação Básica do Campo”17: “A impressão que levo dessa conferência é que ela não

fala de Pedagogia [...]. Ela, em todo o momento é pedagógica, é educativa. Todos os

gestos são educativos. Aqui se fala mais com gestos do que com palavras”.

A partir desse encontro, envolvi-me nas reuniões de formação, nos grupos de

estudo, nas mobilizações que foram aos poucos me sensibilizando para as questões

relacionadas com a luta pela terra, pela diversidade, pelas relações raciais, pelas

relações de gênero, pela relação entre oprimido e opressor, pela importância do registro

da história e da memória dos que tombaram na luta se fazendo heróis na caminhada.

16 Inspirado na canção “Irá Chegar” de DJ e Raiz, disponível em: http://www.vagalume.com.br/pj-e-

raiz/ira-chegar.html. 17Realizada em Brasília-1998.

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19

Fazendo minhas as palavras de Freire (2001, p.40), essas práticas sociais foram

“me fazendo aos poucos”, povoando meus dias e contribuindo para a formação da

minha identidade. Parafraseando Cora Coralina18, posso afirmar que essas ações

instigaram a constituição/reconstituição das muitas mulheres que vivem em mim: Uma

delas bem revoltada, que, como diz Che Guevara,19 “fica indignada contra qualquer

injustiça”; tem uma outra que quer transformar o mundo; tem aquela que às vezes cala e

até chora! A que ora e profetiza; enquanto a outra luta e grita; tem a que acredita e uma

que desconfia; mas em todas elas vive a esperança, a fé e a utopia. Assim, inspirada em

Eduardo Galeano20, permito-me afirmar que é a Fé, que faz todas elas continuarem

caminhando.

Os caminhos que trilhei junto ao Coletivo dos Educadores/MST, no Rio Grande

do Norte, em Alagoas e em Mato Grosso, possibilitaram-me vivenciar experiências de

intensa angústia, de incertezas e momentos de alegria indescritíveis.

Foi com alegria que, em 1998, participei do primeiro encontro de Educadores e

Educadoras do Campo – MT, lembro-me das inquietações manifestas no evento, por

meio das ações, das místicas, e das vozes que a um só tempo gritavam: “Che, Zumbi,

Antônio Conselheiro, na luta pela terra nós somos companheiros”. Havia estampado

nas faces, um desejo unânime da implantação de diretrizes que contemplassem uma

educação para os povos que vivem no campo.

Uma Educação capaz de produzir liberdade e emancipação. Capaz de transpor o

limite da palavra, que caminhasse para além da teoria e traduzisse o discurso de Paulo

Freire (1987, p. 69), em Pedagogia do Oprimido, uma educação capaz de permitir que

“os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão

do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus

companheiros”.

Durante minha inserção nos movimentos sociais, participei de discussões sobre

vários aspectos que envolvem a diversidade, mas observei a ausência de discussões que

envolvessem a questão étnico-racial. Para Fernandes (2007, p.141), só muito

recentemente os movimentos sociais no campo acolheram a discussão sobre a

18Inspirada em “vive em mim” de Cora Coralina. 19Inspirada em “Carta aos meus filhos” de Ernesto Chê Guevara. Abril, 1963. Postado por Museu Virtual

Comandante Ernesto Che. 20Eduardo Galeano em: “Pra que serve a utopia”. GALEANO, Eduardo. Para que serve a utopia?

Disponível em: <http://www. contioutra.com/para-que-serve-utopia-eduardo-galeano>. Acesso em: 16 de

abril 2015

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20

diversidade étnico-racial e seus protagonistas. As pesquisas têm incluído no contexto

das discussões sobre a luta pela terra, os temas da diversidade étnico-racial como uma

categoria analítica, passando a compreender, que a luta por uma sociedade diferente,

perpassa a adesão de intersecções conceituais, de classe, raça e gênero, categorias

analítico-empíricas, que são constituintes das relações de poder estabelecidas na

sociedade brasileira.

A invisibilidade dos negros e dos povos do campo como um todo, também

esteve presente quando fui graduanda na licenciatura em Pedagogia 2000/2003, por

meio da concessão de uma bolsa de estudos financiada pela prefeitura de Tangará da

Serra – MT. Embora houvesse a iniciativa de alguns professores de discutir e provocar

reflexões sobre o tema, havia um silenciamento da questão no currículo do Curso. Esse

silenciamento também é observado por Santos (2011, p.110), durante uma pesquisa

sobre a formação docente no Estado de Sergipe. Diz ele: “todos os entrevistados

afirmaram que na graduação esse tema não foi contemplado”.

Embora as mazelas provocadas por séculos de escravidão tornem a situação dos

negros, ainda mais penosa, é possível afirmar que essa invisibilidade permeia todos os

povos que vivem no campo. Todavia, a situação dos negros não se encerra nos conflitos

de classe; pelo contrário, aos conflitos se soma a questão do racismo, que orienta as

relações étnico-raciais existente na sociedade brasileira e consequentemente, no meio

rural, tal como afirma Silva (1987, p. 48-49) “De um lado, a organização econômica e a

estrutura social os amarram a uma classe; de outro lado, a cor negra da pele os vincula a

um grupo discriminado, desvalorizado, tido como imaturo”.

Voltando à minha caminhada, ainda na graduação, recebi da professora Doutora

Hellen Cristina de Souza, o convite para contribuir com o Núcleo da Educação e

Diversidade da UNEMAT/campus Tangará da Serra/NEED21. As discussões traçadas

no NEED teceram meu primeiro contato com os educadores e educadoras indígenas e

21O Núcleo de Educação e Diversidade/NEED, da Universidade Estadual do Mato Grosso, tem entre

outros objetivos, propor a construção de um espaço de discussão das práticas educacionais que se mostre

aberto às mudanças e às transformações que caracterizam a relação com a diferença; estimular a pesquisa,

a extensão e o desenvolvimento de uma prática pedagógica que alimente a discussão sobre educação em

contextos interculturais; ampliar no interior da universidade a discussão sobre grupos historicamente

excluídos e silenciados como trabalhadores rurais Sem Terra, populações indígenas e afrodescendentes;

apoiar os movimentos sociais e os programas educacionais voltados para o apoio a setores marginalizados

e excluídos da sociedade; propor convênios e parcerias com outras IES ou com movimentos sociais para

realização de projetos de extensão e pesquisa, especificamente orientados para populações historicamente

excluídas e silenciadas e propor a formação de professores comprometidos com uma prática que se

caracterize como culturalmente pertinente.

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21

quilombolas e foi se fortalecendo no bojo das atividades coletivas, nos encontros, nas

discussões e nos grupos de estudo. O contato entre os educadores do campo, dos

quilombos e das aldeias tornou possível a organização de um grupo denominado

“Coletivo dos Educadores e Educadoras das escolas do campo, indígenas e quilombolas

dos municípios de Tangará da Serra, Nova Olímpia e Barra do Bugres/Coletivo da

Terra”. A relação com os educadores e educadoras indígenas e quilombolas

redimensionou de múltiplas formas o meu olhar, pois me fez enxergar aspectos da

diversidade para os quais não me atentava antes desse contato. Passei a buscar em várias

literaturas respostas para as inquietações que nasciam em mim, relacionadas à situação

das famílias negras moradoras do Assentamento Antônio Conselheiro, onde moro e atuo

como educadora nas últimas duas décadas.

Foi neste contexto que elaborei um projeto de pesquisa relacionado às famílias

negras moradoras do Assentamento Antônio Conselheiro, a fim de pleitear uma vaga no

curso de mestrado acadêmico no processo seletivo do ano de 2013 do Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT, no qual fui

aprovada, e ingressei no curso no ano de 2014, pela linha de pesquisa Movimentos

Sociais, Política e Educação Popular, no grupo de pesquisa Movimentos Sociais e

Educação/GPMSE. O ingresso no Curso de Mestrado fomentou novas leituras,

discussões e compreensões. De modo que, por sugestão da minha orientadora, decidi me

dedicar aos estudos relacionados a Educação Escolar Quilombola. Essa mudança

redimensionou o meu olhar e me motivou a arriscar-me nos caminhos da curiosidade

que indaga, inquieta e instiga (FREIRE, 1996, p. 15).

Movida por essa “inquietação indagadora” busquei realizar uma revisão

integrativa, alicerçada nos procedimentos propostos por Botelho, Cunha e Macedo

(2011). A revisão bibliográfica sistemática é uma revisão planejada para responder a

uma pergunta específica e que utiliza métodos explícitos e sistemáticos para identificar,

selecionar e avaliar criticamente os estudos incluídos na revisão. Os trabalhos de revisão

bibliográfica sistemática são considerados como originais, pois, além de utilizarem,

como fonte, dados da literatura sobre determinado tema, são elaborados com rigor

metodológico. Os autores apontam quatro tipos de métodos utilizados para a elaboração

de uma revisão bibliográfica sistemática: meta-análise, revisão sistemática, revisão

qualitativa e revisão integrativa. Nessa revisão, optei pelo método da revisão integrativa

por “permitir a obtenção de informações que possibilitem aos leitores a avaliarem a

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22

pertinência dos procedimentos empregados na sua elaboração” (BOTELHO; CUNHA;

MACEDO, 2001, p.133).

A revisão integrativa é assim denominada, porque fornece informações mais

amplas sobre um assunto/problema. Possibilita ao pesquisador se aproximar da

problemática que deseja apreciar, traçando um panorama sobre a sua produção científica

e permitindo articular a temática do estudo com a cadeia de conhecimentos

academicamente produzidos. Sua finalidade é desvelar linhas, ou marcas significativas

do percurso, conhecendo a evolução do tema ao longo do tempo e, com isso, encontrar

possibilidades para futuras oportunidades de pesquisas (BOTELHO; CUNHA;

MACEDO, 2001, 133). Os procedimentos metodológicos da revisão integrativa

consistem numa sucessão de etapas: 1ª etapa – identificação do tema e seleção da

questão de pesquisa; 2ª etapa – estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão para

seleção; 3ª etapa – identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados; 4ª etapa

– categorização dos estudos selecionados; 5ª etapa – análise e interpretação dos

resultados; 6ª etapa – apresentação da revisão em forma de síntese do conhecimento

(BOTELHO; CUNHA; MACEDO, 2001, p.133).

O início desse trabalho foi demarcado com a formulação da questão, utilizada

como fio condutor da revisão. Qual o fluxo dos estudos (teses e dissertações) sobre

educação e quilombo, elaborados sobre comunidades quilombolas do Brasil entre

1995/2014? Em um segundo momento, outras perguntas foram suscitadas: Quais foram

os principais temas abordados? Quais os principais resultados alcançados por essas

pesquisas? Na sequência, foram eleitos descritores em língua portuguesa, capazes de

localizar e recuperar os trabalhos que tratassem da temática de interesse, quais sejam:

“Educação e Quilombo”, “Educação Escolar Quilombola”; “Educação Quilombola”;

“Educação do Campo e Quilombo”, “Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar

Quilombola”. Após a escolha dos descritores, realizei as buscas nas seguintes bases de

dados eletrônicos: Plataforma Sucupira; Biblioteca Digital Brasileira de Teses e

Dissertações; Biblioteca Nacional Digital; Biblioteca Virtual de Educação – BVE;

Domínio Público; Portal de Periódicos da Capes; Portal de acesso livre da CAPES e no

portal da SCIELO Brasil – ScientificElectronic Library Online.

Até onde meus esforços conseguiram alcançar, foram localizadas 136 pesquisas,

sendo 110 dissertações e 26 teses, as quais organizei em um banco de dados digital. As

informações foram sistematizadas em uma planilha contendo: Data de publicação, tipo

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de documento: tese ou dissertação, nome do pesquisador, estado, instituição,

comunidade pesquisada, resumo e palavras-chave. É importante observar que, em 1995,

marco inicial desta pesquisa, até onde meus esforços conseguiram alcançar, não foi

encontrado nenhum registro de trabalhos acadêmicos sobre o tema. O primeiro estudo

encontrado data de 1996, realizado no Estado de Pernambuco. Os anos de 1998, 1999 e

2002 foram suprimidos da Tabela 1 em razão de que não foi encontrada nenhuma

pesquisa concluída, nesses anos. A evolução dos estudos, por região, estado e

instituição pode ser conferida na Tabela 1, a seguir:

Tabela 1: Panorama das pesquisas por região/instituição 1995/2014.

RG UF INST 1995 1996 1997 2000 2001 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Total

INS

Total

UF

Total

RG

DF UnB 1 1 1 1 2 6 6PUC/GO 1 1UFGO 1 1UFMT 1 2 1 1 3 1 9

UNEMAT 1 1UCDB 1 1UFMS 1 1 2

AL UFAL 1 1 1 3 3UNEB 2 2 3 1 1 1 10UFBA 1 1 2UEFS 1 1

CE UFCE 1 1 1 1 2 6 6UFMA 1 1 1 3UEMA 1 1 2

PB UFPB 1 2 3 3

PE UFPE 1 1 2 2

RN UFRGN 1 1 1UFSE 1 1UNIT 1 1UFPA 1 2 1 1 1 1 1 8UEPA 1 1 2

RO UNIR 1 1 1

ES UFES 1 1 1 3 3UFMG 1 1

UNIUBE 1 1UF J F 1 1

PUC/MG 1 1UERJ 2 1 3

PUC-RIO 2 1 3UFF 2 1 3

UFRJ 1 1FEUSP 1 1PUC-SP 1 2 1 2 1 1 8UFSCAR 1 1 1 2 5UNESP 1 1 2UNICAM

P 1 1 1 3UNIMEP 1 1 1 3UNISAL 1 1 2UNISO 1 1USP 1 1 1 1 1 1 1 7

UEPG 2 2UFPR 1 2 3EST 1 1 2

UFRGRS 1 1 1 1 2 1 1 8UFSM 1 1

UNISINO 1 1UDESC 1 1 2UFSC 1 1

0 1 3 1 2 3 2 7 7 7 18 17 11 17 16 15 9TOTAL POR ANO 136

SP 32

SU

L

PR 5

20RS 12

SC 3

NO

RT

E

PA 1011

SU

DE

ST

E

51

MG 4

RJ 10

NO

RD

ES

TE

35

BA 13

MA 5

SE 2

CE

NT

RO

OE

ST

E

21

GO 2

MT 10

MS 3

Fonte: Dados organizados pela pesquisadora (2015).

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É possível que o aumento de produções acadêmicas nesse período esteja

relacionado a diversas ações do Governo Federal, voltadas às comunidades

remanescentes de quilombos, tais ações foram motivadas pelas reivindicações dos

movimentos sociais, como discutirei no capitulo III, desta pesquisa.

Os dados apresentados na Tabela 2 desvelam a liderança das regiões Sudeste e

Nordeste, na execução de pesquisas, com 51 e 35 pesquisas, respectivamente. A

liderança dessas regiões também foi identificada por revisões realizadas por outros

pesquisadores, utilizando outros descritores e/ou outros métodos, quais sejam: Cardoso

e Arruti (2011), Ferreira e Castilho (2014) e Oliveira (2013).

Possivelmente, a liderança dessas regiões esteja relacionada com o número de

comunidades quilombolas que elas abrigam, pois, nesse caso, as regiões Nordeste e

Sudeste também sobressaem em termos de número de quilombos, com 1.656 e 351

comunidades quilombolas, respectivamente, como pode ser conferido na Tabela 2, a

seguir:

Tabela 2: Comunidades quilombolas certificadas e ou reconhecidas, por região.

Região CQs

(Certidões)

Nº CQs

(Comunidade)

1. Norte 255 319

2. Nordeste 1361 1656

3. Centro Oeste 120 122

4. Sudeste 304 351

5. Sul 154 158

Total 2.194 2606

Fonte: Fundação Cultural Palmares

Quanto ao número de pesquisas, o Sudeste figura em primeiro lugar, com 51; em

termos de número de comunidades existentes na região, ele ocupa o segundo lugar, com

351 comunidades; já o Nordeste figura em primeiro lugar, em número de comunidades,

com 1.656 e, em segundo lugar, em número de pesquisas, somando 35. Cabe ressaltar

que o local da pesquisa tem por referência o local da instituição acolhedora do projeto e

não exatamente o das localidades pesquisadas.

O Sudeste e o Nordeste se destacam em quantidade de pesquisa, possivelmente

por serem as regiões que possuem o maior número de instituições que oferecem cursos

de mestrado e doutorado nessa área de Educação. O Sudeste possui 18 instituições e o

Nordeste 12. No entanto, ao se efetuar um cálculo de proporcionalidade, dividindo o

número de pesquisas pelo número de instituições, será possível perceber que a região

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Sudeste produz em quantidade inferior às regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, como

pode ser conferido na Tabela 3, a seguir:

Tabela 3: Comunidades quilombolas pesquisadas por região.

Região Instituições Pesquisas Proporção

Norte 3 11 3,66

Centro oeste 7 21 3

Nordeste 12 35 2,91

Sudeste 18 51 2,83

Sul 8 20 2,5

Fonte: organizada pela pesquisadora (2015).

Dentre as 136 pesquisas selecionadas na primeira fase dessa revisão, as

temáticas mais abordadas são cultura, 36; identidade, 28 e currículo, 11. No caso de

Mato Grosso, a temática mais abordada é a Educação Ambiental, o que permite afirmar

que ainda se faz necessário avançar na realização de pesquisas que abordem a Educação

Escolar Quilombola. Outras temáticas estudadas podem ser conferidas no Gráfico 1:

Gráfico 1- Temáticas mais recorrentes: Teses e Dissertações – 1995/2015

Fonte: organizada pela pesquisadora (2015).

É importante destacar que há invisibilidade de muitas comunidades quilombolas,

nas pesquisas acadêmicas, em detrimento de outras, como no caso de Mato Grosso,

onde, em termos de número de pesquisa, ganha destaque a comunidade Mata-Cavalo;

no Estado de São Paulo, o complexo quilombola Vale do Ribeira22; no Estado da Bahia,

a comunidade Cabula; no Estado do Mato Grosso do Sul, a comunidade Furnas do

Dionísio; no Estado do Pernambuco a comunidade Conceição das Crioulas; e, no Estado

de Goiás, a comunidade Kalunga. A distribuição regional e o número de estudos, assim

22Dentre as comunidades que constituem o Vale da Ribeira ganham destaque as comunidades André

Lopes; Ivaporunduva; Nhunguara; Sapatú.

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como as comunidades estudadas, que a revisão conseguiu alcançar, podem ser

conferidos na Tabela 4, a seguir:

Tabela 4: Comunidades pesquisadas: local e quantidade.

UF Número de

pesquisas

Número

comunidades

pesquisadas

Comunidades pesquisadas

AL 2 2 Muquém; Quilombo dos Palmares.

AP 2 2 Cria-ú; Curiaú

BA 14 16 Araçá/Cariacá; Barra; Bananal; Riacho das

Pedras; Barra do Parateca; Cabula; Caonge;

Engenho da Ponte; Santiago do Iguapé;

Coqueiros; Fojo; Helvécia; Matinha dos Pretos;

Mucambo; Rio das Contas.

ES 3 3 Araçatíba; Monte Alegre; Sapê do Norte

GO 6 3 Kalunga; Engenho II; Vila do Forte

MA 2 5 Frechal; Olho D’Água do Rapouso; Jenipapo;

Cana Brava das Moças; Mandacaru dos Pretos.

MG 4 4 Alto Jequitinhonha; Justa I; Lagoa Trindade

Munmbuca.

MS 3 2 Furnas do Dionísio e Furnas da Boa Sorte

MT 11 3 Campina de Pedra; Mata Cavalo e Vão Grande

PA 10 10 Abacatel; Mola-Itapocu; Caeté; Itaboca;

Jambuaçu; Menino Jesus; Murumuru; São João

do Médio Itacuruça; Tapagem.

PB 1 1 Paratibe

PE 4 3 Castainho; Atoleiros e Conceição das Crioulas

PR 4 5 Paiol de Telha; São Sebastião do Rocio;

Sutil,João Surá e Adelaide Maria Trindade

Batista.

RJ 6 6 Maranbaia; Santa Rita do Bracuí; Santana;

Campinho da Independência; Preto Forrô; São

José da Serra

RS 8 8 Angico; Casca; Helvécia; Linha Fão;

Quilombo; Restinga Seca; São Sebastião do

Rocio; Silva.

SC 2 2 Aldeia de Garopaba; Quilombo Aldeia

SE 1 1 Cabana do Pai Thomaz

SP 11 11 São Pedro; Brotas; Pirituba; Poça; André

Lopes; Bombas; Galvão; Ivaporunduva;

Nhunguara; Sapatú; Morro Seco;

Total 94 87

Fonte: organizada pela pesquisadora (2015).

A Tabela 4 revela duas tendências, enquanto em alguns estados, há maior

visibilidade de algumas comunidades em detrimento de outras, em outros estados, a

tendência é não repetir estudos na mesma comunidade, a exemplo, cito os Estados do

Amapá, Espírito Santo, Maranhão, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais.

Há ainda pesquisas que estudam mais que uma comunidade, como é o caso de duas

pesquisas realizadas na Bahia, e quatro em São Paulo.

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É importante chamar a atenção para o fato de existirem 2.194 comunidades

certificadas pela Fundação Palmares, e apenas 87 foram contempladas com pesquisa,

sobre Educação. No caso de Mato Grosso, das 68 comunidades certificadas apenas três

foram contempladas com estudos.

De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, atualizados em

27/07/2015, existem 2.206 comunidades quilombolas certificadas no território

brasileiro, e apenas em Brasília, Acre e Roraima, não há registro de existência de

quilombos. Os estados com maior número dessas comunidades são: Bahia, com 653;

Maranhão, com 582; Pará, com 233; e Minas Gerais, com 231. Outros números, por

estado, podem ser observados na tabela que se segue:

Tabela 05: Quadro geral de comunidades quilombolas - informações atualizadas em 02/07/2015. Nº UF CQs

(Certidões)

Nº CQs

(Comunidades)

1. Acre 0 0

1. Alagoas 67 68

2. Amazonas 7 7

3. Amapá 34 34

4. Bahia 544 653

5. Ceará 45 46

6. Distrito Federal 0 0

7. Espírito Santo 31 36

8. Goiás 30 30

9. Maranhão 414 582

10. Minas Gerais 193 231

11. Mato Grosso do Sul 22 22

12. Mato Grosso 68 70

13. Pará 178 233

14. Paraíba 35 37

15. Pernambuco 138 137

16. Piauí 177 182

17. Paraná 35 37

18. Rio de Janeiro 32 32

19. Rio Grande do Norte 22 22

20. Rondônia 7 7

21. Roraima 0 0

22. Rio Grande do Sul 106 108

23. Santa Catarina 13 13

24. Sergipe 29 29

25. São Paulo 48 52

26. Tocantins 31 38

27. Total 2194 2606

Fonte: Fundação Cultural Palmares.

É importante destacar que ainda não há um número definitivo de comunidades

quilombolas no Brasil. De acordo com o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais

para Educação Escolar Quilombola, “o número de comunidades quilombolas no Brasil é

elevado, mas ainda não existe levantamento extensivo” (CNE/CEB Nº: 16/2012, p. 08).

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Algumas ainda aguardam a certidão de reconhecimento, enquanto outras ainda estão em

processo de solicitação.

Nessa segunda fase da revisão, foram descartadas as pesquisas que tratam da

educação não formal e incluídas a leitura das considerações finais de cada tese ou

dissertação. Foram, então, selecionados os estudos que versassem sobre as Diretrizes

Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, com a intenção de conhecer

os principais resultados obtidos. No universo das 136 pesquisas, foram encontrados

sete, sendo três teses de doutorado e quatro dissertações de mestrado.

Dentre os sete estudos, há os que versam sobre a implantação das Diretrizes

Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, como legislação da

Educação Básica. Há também estudos que abordam as políticas públicas para a

educação quilombola com intuito de compreender como ou se elas estão se efetivando

no chão das escolas.

No que diz respeito aos resultados, eles podem ser assim sintetizados: a) o

protagonismo das comunidades quilombolas, e sua efetiva participação na busca do

direito, simbolizado na construção das diretrizes curriculares; b) o papel dos

movimentos sociais, com destaque para o movimento negro e o movimento quilombola

como motivador da promulgação da legislação, c) a contribuição da Educação Escolar

Quilombola para fortalecer a identidade dos povos quilombolas.

O Problema que envolve esta pesquisa está centrado na escola José Mariano

Bento demonstrar desvinculação entre seu projeto pedagógico e a história das

comunidades, que a escola atende. Nessa perspectiva, a questão orientadora desta

pesquisa pode ser assim compreendida: Quais são as dificuldades encontradas pela

Escola José Mariano Bento para realizar o projeto pedagógico de forma que esteja

alinhado com a história das comunidades?

É nesse contexto que gesto as proposições desta pesquisa, cujo principal

objetivo é analisar em que medida, e como, a Escola Estadual José Mariano Bento

concretiza na prática escolar cotidiana um projeto pedagógico alinhado com a história

das comunidades do território quilombola Vão Grande. A pesquisa ainda objetiva

contextualizar, historicamente, as Comunidades Quilombolas, onde vivem os

estudantes; discorrer sobre as Políticas Públicas relacionadas a Educação Escolar

Quilombola; apresentar uma breve contextualização da história da escolarização no

Território; refletir sobre as condições físicas e estruturais da escola e tecer reflexões

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analíticas sobre o currículo em ação na escola, a fim de compreender como está se

delineando a educação quilombola, como modalidade de ensino, nesse território.

Nesse sentido, é possível afirmar que a relevância desta pesquisa se constitui nas

possíveis contribuições: a) lançar luz sobre a Educação Escolar Quilombola realizada na

Escola Estadual José Mariano Bento; b) dar visibilidade às comunidades quilombolas

que constituem o Território Quilombola Vão Grande; c) produzir conhecimento

científico que amplie a discussão, análise e compreensão sobre educação e quilombo.

No esforço de atender ao que esta pesquisa se propõe, foi necessário abordar

vários temas tais como o conceito de educação escolar quilombola, educação do/no

campo, diretrizes curriculares, currículo, práticas pedagógicas, luta pela terra, quilombo,

território, história, memória, cultura, identidade, protagonismo, silenciamento e

condições socioeconômicas. Todos esses temas compõem o universo que esta pesquisa

busca investigar. Estudá-los se fez necessário para compreender a Educação Escolar

Quilombola, implementada na Escola Estadual José Mariano Bento.

No entanto, na mesma medida em que compreender essa multiplicidade de

temas se fez necessário, também crescia o risco de perder o foco principal da pesquisa,

assim, busquei organizar as temáticas em quatro capítulos, hierarquizando os temas

dentro da dissertação, da seguinte forma:

No primeiro capítulo, intento descrever a incursão no campo de pesquisa,

desenhando os caminhos trilhados na metodologia, expondo as motivações que

provocaram a opção pela abordagem qualitativa, o método etnográfico e os critérios

utilizados na coleta, organização e interpretação dos dados. Para tanto, procurei

dialogar, entre outros, com Bardin (1979); Denzin e Lincoln (2006); Geertz (2008);

Lüdke e André (1986). Esse capítulo é um convite ao leitor: “Vem comigo para o

Território Quilombola Vão Grande”, e como diz Geertz (2008, p.210) “olhar por sobre

os ombros” dos homens e mulheres que integram a comunidade escolar José Mariano

Bento.

No segundo capítulo23, contextualizo, historicamente, as Comunidades

Quilombolas, onde vivem os estudantes da Escola José Mariano Bento: Baixio, onde a

escola está localizada, Camarinha, Morro Redondo, Vaca Morta e Retiro. O capítulo é

um convite a uma viagem etnográfica, com direito a observar cachoeiras, rios e grutas,

23É importante esclarecer que, como é um convite para viajar com o leitor, em partes do trecho, quando o

convite ao leitor se fizer nitidamente necessário, utilizarei a 1ª pessoa do plural, embora em todo a

dissertação tenha escrito na 1ª pessoa do singular.

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encantar-se com ipês floridos, indignar-se com pontes quebradas, temer pela vida,

durante a travessia do rio, e tomar chá com bolo ou guaraná. Para tanto, busquei

dialogar, entre outros, com Nascimento (2002), Volpato (1996), Clóvis Moura (2001,

2010), Arruti (1997), Munanga e Gomes (2006).

No terceiro capítulo, objetivo descrever e contextualizar a Escola José Mariano

Bento. Assim, apresento uma breve contextualização da história da escolarização no

Território Vão Grande, reflito sobre as condições físicas e estruturais da escola, na

atualidade. Apresento o perfil dos estudantes e dos profissionais da educação, com

destaque para os educadores-docentes. Para tanto, dialoguei com Arroyo (2007),

Castilho (2011), Freire (2001, 1987, 1992).

No quarto capítulo busco refletir sobre o currículo em ação na Escola Estadual

José Mariano Bento, a fim de compreender como está se delineando a educação

quilombola, como modalidade de ensino, nesse território. Para tanto, dialoguei, dentre

outros, como Apple (2002); Moreira (2002, 2004); Sacristán (1998) e Silva (1998,

2002).

Por fim, discorro sobre algumas considerações tecidas no bojo das discussões,

dos anseios que nasceram em meio a essa experiência e das reflexões gestadas por

homens e mulheres que tão carinhosamente me acolheram e me ensinaram outros jeitos

de ver e viver o mundo.

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31

CAPÍTULO I

1. TRAÇADOS METODOLÓGICOS:

VEM COMIGO PARA O CAMPO DE PESQUISA

Este capítulo pretende esboçar o percurso metodológico da pesquisa; a princípio,

discorro sobre a inserção no campo de pesquisa, registrando as impressões que a cada

novo encontro iam se cravando em mim, moldando o meu jeito de ver a comunidade e o

jeito de a comunidade me ver. Na sequência, desenho os caminhos que trilhei na

metodologia, expondo as motivações que provocaram a opção pela abordagem

qualitativa, o método etnográfico, os instrumentos utilizados na coleta de dados, e os

critérios para a organização e interpretação das informações.

1.1 INCURSÃO NO CAMPO DE PESQUISA.

Quando entrei no campo de pesquisa, não estava indo para um lugar atópico,

cheio de apreensão, de insegurança, de sofrimento, tal como afirma D’Onófrio (2007,

p.82), “atópico é o espaço de sofrimento”, estava indo à comunidade dos meus amigos,

companheiros de algumas lutas por espaço e visibilidade. Tecidas no seio do Coletivo

da Terra, nas discussões do Núcleo de Educação e Diversidade/ NEED, nos cursos do

Centro de Formação de Professores/ Cefapro, nos encontros, nas reuniões, nos estudos

para pleitear vaga para graduação, mestrado, doutorado ou concurso público.

E é justamente essa relação de parceria que motivou a escolha pela Escola

Estadual José Mariano Bento, localizada na Comunidade Quilombola Baixio, como

objeto de estudo desta pesquisa.

É importante esclarecer que “Vão Grande” ou Território Quilombola Vão

Grande é a região geográfica que congrega cinco comunidades: Baixio, Camarinha,

Morro Redondo, Vaca Morta e Retiro. É assim conhecida, tanto pelos moradores da

comunidade, quanto pela comunidade externa, sendo a última expressão, mais usada

depois que se iniciaram os processos de certificação das terras que o compõe, pela

Fundação Palmares.

Embora conhecida assim, não há registros que oficializem a região Vão Grande

como um território quilombola, ou como um território quilombola que congrega essas 5

comunidades. Esse modo de identificação geográfica possivelmente tenha sido criado

pelos moradores da região. Os registros da Fundação Palmares, nos processos de

certificação, informam cada comunidade de modo individual, com exceção da

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comunidade Vaca Morta e da Comunidade Retiro. O Mapa 01, a seguir, procura

apresentar ao leitor, uma visão geral do território quilombola Vão Grande:

Mapa 01: Território Quilombola Vão Grande

Fonte: Google Maps, adaptado pela pesquisadora24.

24 Disponível em https://www.google.com.br/maps/@-15.2979175,-56.9701208,2852m/data=!3m1!1e3

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A Escola Estadual José Mariano Bento está localizada na Comunidade Baixio,

as outras quatro comunidades estão situadas em torno dela. Sendo que a Comunidade

Camarinha está distante25 da escola aproximadamente 15 quilômetros; a comunidade

Camarinha, 10 quilômetros; a Comunidade Morro Redondo, 25 quilômetros; e a

Comunidade Vaca Morta, 20 quilômetros e a comunidade Retiro 25 quilômetros.

As cinco Comunidades estabelecem relação de parentesco entre seus moradores,

congregam-se nas festas, nas lutas, embora, é importante reiterar, que tanto em relação à

certificação da Fundação Palmares, quanto em relação à organização interna em

associações, as cinco Comunidades não são congregadas, isto é, possuem certificações

específicas para cada uma, com exceção das Comunidades Vaca Morta e Retiro. Nesta

pesquisa, quando me referir às cinco Comunidades, usarei a denominação “Território

Quilombola Vão Grande”, tal como o fazem tanto os moradores quanto a população

externa.

É importante esclarecer que a Comunidade Vaca Morta e a Comunidade Retiro,

formam uma única Comunidade no que se refere à documentação, embora os seus

moradores as denominem separadamente. Além disso, a certificação da Fundação

Palmares, que reconhece “Vaca Morta” como uma Comunidade Quilombola, agrega

todo o território que compreende as Comunidades Retiro e Vaca Morta. Embora, como

eu disse, os moradores se refiram a elas, separadamente. Nesta pesquisa, referir-me-ei às

Comunidades Vaca Morta e Retiro tal como o fazem os moradores, ou seja,

separadamente.

Realizei a pesquisa de campo entre os meses de janeiro a outubro de 2015. Na

maioria das vezes, ficava durante a semana no Território. Em alguns momentos, fui

recebida na casa das professoras Maria Helena Tavares ou Dinalva Araújo de Campos, e

em outros momentos me hospedei no alojamento que acolhe os professores que moram

na cidade. Esses momentos lá passados foram importantes para compreender os

sentimentos dos educadores que constituem o corpo docente da escola.

Os convites para comer e dormir foram frequentes, por onde passei. Em cada

casa que cheguei, a comida simples, cozida no fogão a lenha, exalava o cheiro gostoso

do franguinho caipira; do peixe ora bem frito, ora cozido, sempre retalhado em fatias tão

fininhas que não se sente os espinhos; da carne cozida com banana verde; da farinha de

25 Está sendo considerada a distância feita por transporte térreo.

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banana; da banana frita para comer com feijão e arroz, enfim, havia em cada casa onde

fui, uma vontade gigantesca de servir, repartir e acolher.

Não encontrei pratos requintados, casas com muitas mobílias, mas, no

aconchego das casas, muitas delas de chão batido, ou feitas pelo programa do Instituto

de Colonização e Reforma Agrária/Incra, encontrei o que se pode chamar de

solidariedade.

Para realizar as visitas, deslocava-me da minha casa, localizada a 50 km da sede

do município de Tangará da Serra, para a Comunidade Quilombola Baixio, localizada a

80 quilômetros da sede do município de Barra do Bugres, totalizando um percurso de

aproximadamente 205 quilômetros. Em alguns momentos, não consegui chegar ao

território, pois, por dois períodos, a BR – 246, entre o município de Barra do Bugres e a

entrada que dá acesso ao quilombo, esteve interditada devido ao rompimento do asfalto,

ocasionado pelas muitas chuvas26. Em outros momentos, os atoleiros na estrada de chão

impossibilitavam a travessia.

Na maioria das vezes, realizei as visitas de automóvel, o que facilitou a

locomoção e também facilitou o acesso aos pontos turísticos da região, tais como rios,

cachoeira, e nascentes.

Entre as cinco Comunidades que constituem o Território Quilombola Vão

Grande, duas delas: Vaca Morta e Retiro são localizadas na margem direita do Rio

Jauquara. Para visitá-las, utilizei a canoa que transporta os educandos, pois a ponte que

liga as comunidades foi levada pelas águas, no período das visitas. Em outras ocasiões

foi necessário caminhar longas distâncias para visitar as casas, o cemitério, a associação

e a Escola Municipal Leopoldino José da Silva27. Nas caminhadas realizadas entre

janeiro e março, quase sempre a chuva se fez companheira no caminho, encharcando as

roupas.

Durante os primeiros dias da pesquisa de campo, as professoras, em especial a

professora quilombola que atua como coordenadora pedagógica da escola, Neide Bento,

ajudaram-me a localizar as casas, contribuindo como “guias”, mas logo minhas idas e

vindas por entre as comunidades se tornaram independentes. Quando eu chegava às

26Acesso em: <http://www.radiopioneira.com.br/index.php/new/26733/chuvas-causam-nova-interdicao-

na-mt-246-proximo-a-barra-do-bugres->. 27A Escola Municipal Leopoldino José da Silva atende crianças das Comunidades Quilombolas Vaca

Morta e Retiro, oferece atendimento aos educandos do Pré I e Pré II (crianças com quatro e cinco anos

respectivamente) e do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Apesar de essa escola não ser o objeto da

pesquisa, visitei-a a fim de conhecer outros espaços de Educação Formal no território.

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casas, mesmo naquelas em que eu não conhecia ninguém, eles já “me conheciam” e

sabiam o que eu tinha ido fazer na comunidade. As notícias se espalham rápido no

território, de forma que eu já não era uma completa estranha.

Para explicar o objetivo da minha presença na comunidade, os professores

diziam: “Ela está fazendo um estudo igual a Maria Helena”28, a explicação parecia

clara, e eu notava na expressão do olhar, que a informação fora compreendida. Maria

Helena, professora e moradora do Quilombo Baixio, havia sido aprovada por aqueles

dias no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT, o que motivou uma nova

compreensão “deste tipo de estudo” que agora parecia mais próxima do imaginário dos

homens e mulheres quilombolas, a quem por séculos foi negado o acesso à educação

formal.

Ao adentrar nos Programas de Pós-Graduação, seja em nível de Mestrado, tal

como o fez Maria Helena Tavares (UFMT) do Território Quilombola Vão Grande; Jair

Pereira da Cruz (UNEMAT) e Deiziane Araújo da Silva (UNEMAT) ambos do

assentamento Antônio Conselheiro, seja em nível de Doutorado tal como o fez Eliane

Boroponepa Monzilar (UNB) da aldeia Umutina, trazem para as suas respectivas

comunidades uma ressignificação das possibilidades de acesso, e uma nova

compreensão sobre a pesquisa nas comunidades.

Traduzindo discursos antigos de que a universidade e as comunidades precisam

caminhar lado a lado. Nesses momentos, nessas parcerias, é possível afirmar que a

comunidade ressignifica seu lugar em relação à Pesquisa Acadêmica29. Já não é a

Universidade falando sobre as comunidades. São as comunidades falando com/para a

universidade.

Desse modo, durante a pesquisa de campo, na mesma medida em que persegui a

“procura pelo significado” das relações cotidianas, no esforço de compreender a cultura

local, tal como aponta Geertz (2008, p.10), também me esforcei para fugir dos conceitos

28Maria Helena Tavares é quilombola e atua como professora interina na Escola Estadual José Mariano

Bento. Foi aprovada para ingressar no curso de mestrado do Programa de Graduação em Educação/

UFMT, com início em 2015. A professora também integra o Coletivo da Terra, por meio do qual

participou de um curso preparatório, oferecido pela Universidade Estadual de Mato Grosso, para

concorrer em processos seletivos de cursos de pós-graduação strictu sensu. 29Por muito tempo, as comunidades do campo, indígenas e quilombolas vem sendo objeto de estudo de

muitos programas, recebendo as visitas dos pesquisadores. Entre as comunidades, é bastante recorrente,

uma insatisfação com o modo como as pesquisas se efetivam. Dado que, apesar de as comunidades

receberem os pesquisadores, dificilmente elas têm acesso aos resultados das pesquisas, ou às informações

que são registradas. Essa insatisfação pode ser observada em várias pesquisas, quando os pesquisadores

registram a “desconfiança” da comunidade.

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e pré-conceitos que poderiam existir no meu imaginário, já tão acostumado a leituras da

infância, do passado.

O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico acreditando

como Max Weber que o homem é um animal amarrado as teias de

significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e

sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis,

mas como uma ciência interpretativa, a procura do significado (GEERTZ,

2008, p.10)

Assim, esforcei-me para silenciar meu pranto, a fim de ouvir a “voz que clama”

no Território Quilombola Vão Grande; desejei compreender seu grito, ouvir seu medo,

rir seu riso, lhe ser atenta, mesmo em face do meu maior encantamento30, para, “quem

sabe”, traduzir em palavras o seu canto, gemido e encanto.

1.2 ABORDAGEM: QUALITATIVA

A pesquisa está inserida na abordagem qualitativa e traz consigo a intenção de

analisar em que medida e como a Escola Estadual José Mariano Bento realiza um

projeto pedagógico alinhado com a história das comunidades do território Quilombola

Vão Grande. Nesse sentido, o método etnográfico se justifica pela necessidade de

compreender em que medida, e como, a Escola Estadual José Mariano Bento realiza um

projeto pedagógico alinhado com a história das comunidades do território quilombola

Vão Grande.

Segundo Denzin e Lincoln (2006, p.15), a pesquisa qualitativa começa a se

configurar no século XX: na sociologia, o trabalho realizado pela “Escola de Chicago”

determinou a importância da investigação qualitativa para o estudo da vida de grupos

humanos e, na mesma época, na antropologia, foram traçados os contornos do trabalho

de campo com as descrições das invasões, com caráter etnocêntrico, tendo o “eu” como

referência. Em pouco tempo, a pesquisa qualitativa passou a ser empregada em outras

disciplinas das ciências sociais e comportamentais, incluindo a educação.

Denzin e Lincoln (2006, p.17) afirmam que a luta hoje é no sentido de relacionar

a pesquisa qualitativa às esperanças, às necessidades, aos objetivos, e às promessas de

uma sociedade democrática livre. Para Lüdke e André (1986), um dos desafios lançados

à pesquisa educacional é exatamente o de tentar captar essa realidade dinâmica e

complexa do seu objeto de estudo, em sua realização histórica. Segundo Lüdke e André

(1986), para se realizar uma pesquisa, é preciso promover o confronto entre os dados, as

30A expressão foi inspirada em Soneto da Fidelidade de Vinicius de Moraes (MORAIS, Vinicius de.

Soneto de fidelidade. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, p. 96).

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evidências e as informações coletadas sobre um determinado assunto e o conhecimento

teórico a respeito dele.

As características apresentadas permitem interpretar que a pesquisa qualitativa é a

adequada para esta investigação, tendo em vista que as questões em foco estão

relacionadas ao modo como a Escola Estadual José Mariano Bento realiza um projeto

pedagógico alinhado com a história das comunidades do território quilombola Vão

Grande.

1.3 MÉTODO: ETNOGRAFIA

Os trilhos de investigação exigidos por esta pesquisa se delineiam a partir da

descrição densa da etnografia proposta por Clifford Geertz (2008). Segundo esse autor,

somente ao se compreender o que é a etnografia, ou mais exatamente, o que é a prática

da etnografia, é que se pode começar a entender o que representa a análise

antropológica como forma de conhecimento. No entanto, para Geertz (2008), a

etnografia não é uma questão de métodos. Embora a prática da etnografia seja

estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias,

mapear campos, manter um diário, e, assim por diante, não são essas coisas, as técnicas

e os processos determinados, que definem o empreendimento. “O que o define é o tipo

de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma ‘descrição

densa’” (GEERTZ, 2008, p. 04).

A descrição densa, praticada pela etnografia, permite diferenciar um tique

nervoso de uma piscadela31, percebendo que os dados passam pelo elo da significação,

de forma que, para Geertz o autor uma boa discrição já é em si mesmo densa e a

densidade implica interpretação.

Segundo Denzin e Lincoln (2006, p.18), o pesquisador etnográfico é visto como

um bricoleur32, um indivíduo que confecciona colchas ou, como na produção de filmes,

uma pessoa que reúne imagens transformando-as em montagens33.

A obra de Lüdke e André (1986) permite interpretar que o papel do observador

se constitui em um dos desafios da abordagem etnográfica. Assim, exige do pesquisador

31A expressão está fundamentada no livro “A interpretação das Culturas” (GEERTZ,2008).

32Bricoleur: Utiliza as ferramentas estéticas e materiais do seu oficio, empregando efetivamente

quaisquer estratégias, métodos ou materiais empíricos que estejam ao seu alcance (DENZIN e LINCOLN

2006).

33Montagem: costura, edita e reúne peças da realidade, um processo que gera e traz uma unidade

psicológica e emocional para uma experiência interativa (DENZIN e LINCOLN, 2006, p.19).

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um arcabouço teórico e que conheça as várias possibilidades metodológicas para

abordar, compreender e interpretar a realidade. De acordo com Denzin e Lincoln (2006,

p.19), para validar as informações, o pesquisador etnográfico recorre à triangulação34,

cruzando as informações, na tentativa de assegurar uma compreensão do fenômeno em

questão. Portanto, a etnografia teve como objetivo, nesta pesquisa, permitir a

observação e o registro do cotidiano e das experiências vividas pelas pessoas na escola e

na comunidade.

1.4 TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

1.4.1 Observação

Segundo Lüdke e André (1986, p.26), a observação ocupa lugar privilegiado nas

abordagens da pesquisa educacional. Utilizei a observação direta, pois, permite que o

observador chegue mais perto da “perspectiva dos sujeitos”. Embora essa técnica

pudesse ser utilizada como única técnica de coleta, nesta pesquisa, a observação foi

associada a outras técnicas, tais como entrevistas, análise documental e recurso

fotográfico, com a finalidade de possibilitar a triangulação dos dados.

Inicialmente, elaborei o roteiro, o qual subdividi em duas partes: na primeira

parte, o objetivo do roteiro foi orientar a observação das ações, atitudes e sentimentos

em relação à efetivação da Educação Escolar Quilombola. Para tanto, elaborei as

seguintes questões: como os educadores se organizam no cotidiano? Que fazeres, ações

cotidianas permitem identificar o comprometimento dos profissionais da escola com a

efetivação da Educação Escolar Quilombola? Como os profissionais da escola se

relacionam com a comunidade? Existe uma efetiva participação da comunidade nas

ações da escola?

A segunda parte do roteiro pretendeu orientar a observação das aulas ministradas

na escola. Para tanto, elaborei as seguintes questões: Como as aulas são ministradas?

Quais estratégias de ensino são utilizadas pelos educadores? Como se dá a participação

dos educandos?

Também participei e observei vários eventos cotidianos da Comunidade tais

como: festas, reuniões, organização para entrega das cestas básicas, convites para chá de

bebê; acompanhei as atividades escolares, tais como: reunião de estudo para a

elaboração do projeto sala do educador, aulas realizadas na sala de aula, aulas de

34 A triangulação é uma ferramenta ou estratégia de validação dos dados (DENZIN e LINCOLN, 2006).

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campo, aplicação de simulados do ENEM, e as aulas das Disciplinas específicas:

Práticas em Cultura e Artesanato Quilombola; Prática em Técnica Agrícola Quilombola

e Prática em Tecnologia Social. Com o objetivo não só de desfrutar o prazer de

contribuir/participar, mas também de me aproximar do significado que esses

movimentos simbolizam para a comunidade escolar.

Os dados observados foram organizados em um caderno de campo, o qual

também foi utilizado para registrar as minhas próprias impressões, sentimentos,

comportamentos ao longo da pesquisa. Essa prática me auxiliou a perceber minha

própria mudança de olhar em diversos momentos.

1.4.2 Entrevistas

Elaborei um roteiro para cada categoria de entrevistados, a fim de atender aos

objetivos propostos nas diversas categorias. Desse modo, o primeiro roteiro tinha como

objetivo, conhecer informações sobre a história do território quilombola de Vão Grande.

As perguntas foram aplicadas entre os guardiões da memória coletiva, os moradores

mais antigos da comunidade. a) Tem quanto tempo que o senhor mora aqui? O senhor

sabe da história deste lugar? Gostaria de me contar? O senhor já recebeu algum convite

para contar a história da comunidade na escola? O senhor considera importante ensinar

a história da comunidade na escola?

O segundo roteiro de entrevistas tinha como pretensão Conhecer a percepção dos

pais em relação a educação realizada na escola, a fim de compreender qual importância

os pais atribuem à aprendizagem: Seus filhos frequentam a escola? O senhor considera

importante eles estudarem? O que eles aprendem na escola? O que o senhor gostaria que

fosse ensinado na escola? O senhor frequenta a escola?

O terceiro roteiro tinha como objetivo compreender de que maneira se realiza a

síntese entre a proposta de educação escolar quilombola e a realidade da sala de aula. As

questões foram aplicadas entre os professores: onde você mora? Há quanto tempo

trabalha nesta escola? Qual a sua formação? Você participou de cursos de formação

sobre Educação Escolar Quilombola? De que maneira você relaciona a história e os

saberes da comunidade com as aulas ministradas na escola?

O quarto bloco de questões teve como objetivo compreender a percepção dos

estudantes sobre a escola: você se considera quilombola? O que você mais gosta na

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escola? Você conhece a história da sua comunidade? A escola trabalha a história e a

cultura da comunidade?

O quadro geral dos entrevistados ficou assim estruturado na Tabela 6:

Tabela 6: Quadro geral dos entrevistados Categoria dos

entrevistados

N° de

entrevistados

Objetivo da entrevista

Pais 05 Conhecer a percepção dos pais em relação a educação

realizada na escola.

Professores/as 09 Compreender de que maneira se realiza a síntese entre a

proposta de educação escolar quilombola e a realidade da

sala de aula

Estudantes 05 Compreender a percepção dos estudantes sobre a escola

Guardiões da

memória

05 Mapear informações sobre o histórico do Território

Quilombola Vão Grande.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora (2015).

As entrevistas foram gravadas, com autorização e consentimento dos

entrevistados, a autorização foi oficializada por meio da assinatura do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A gravação da entrevista tem como

objetivo proporcionar maior liberdade ao pesquisador para observar o entrevistado,

(LUDKE E ANDRÉ, 1986), permitindo ao pesquisador perceber informações que se

declaram nas expressões, embora estejam ocultas nas falas.

Utilizei entrevistas semiestruturadas, que, embora fossem individuais, muitas

vezes se mostraram coletivas, pois os demais membros da família interagiam na

conversa, demonstrando os muitos olhares: o do homem, o da mulher e o da criança.

Vozes que ora concordavam, ora divergiam, enriquecendo os dados e oferecendo

múltiplas possibilidades de análises. Na medida em que eu transcrevia as entrevistas,

muitas dúvidas iam surgindo, o que me obrigava a retornar e conversar novamente sobre

“o causo”35. A cada visita sempre fui recebida com carinho e a despedida era também

carinhosa: “Tchaaa,36 quê qué esse pode vim quando precisar”.

1.4.3 Pesquisa documental

Segundo Ludke e André (1986), a análise documental se constitui numa técnica

importante para a abordagem de dados qualitativos, revelando informações novas ou

não sobre um determinado tema ou problema, contribuindo para a validação da

35Expressão “causo” é utilizada na comunidade para se referir a “um assunto”, “uma história”. 36A expressão “Tcha” é utilizada para designar negação, indisponibilidade ou mesmo espanto,

dependendo da entonação como se pronuncia a expressão.

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pesquisa. Nessa perspectiva, foram analisados documentos oficiais: tais como leis e

decretos a fim de conhecer a legislação pertinente à Educação Escolar Quilombola.

Também analisei documentos escolares, tais como: Atas, planos de aula,

cadernos de educandos e educadores, a fim de conhecer os saberes produzidos e em

circulação na escola.

Realizei visitas ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária e ao Instituto de

Terras de Mato Grosso, a fim de encontrar registros sobre a contextualização histórica

do Território Quilombola Vão Grande. No INCRA, tive acesso aos processos de

implantação dos Projetos de Assentamento das Comunidades Baixio e Vaca Morta.

Visitei também o Arquivo Público de Mato Grosso e o Museu Histórico de

Cuiabá, para efetuar pesquisas documentais, a fim de encontrar registros sobre o

Território Quilombola Vão Grande, no entanto não localizei nenhuma informação que

contribuísse com a pesquisa.

Também analisei o “Relatório dos trabalhos realizados entre 1941 e 1942/

levantamento do Rio Jauquara e de outros trechos do Estado, destinado à conclusão da

Carta de Mato Grosso” escrito pelo 2º Tenente Luiz Moreira de Paula, por solicitação

de Cândido Mariano da Silva Rondon. O Relatório traz várias informações sobre o

Território Vão Grande, mas a sua tessitura guarda uma visão bastante etnocêntrica.

1.4.4 Recurso fotográfico

Além de dar suporte à pesquisa, a fotografia também se caracteriza por ser um

meio de comunicação capaz de divulgar o produto humano, formado por patrimônios

tangíveis e intangíveis de uma comunidade. Assim, o recurso fotográfico foi utilizado

para complementar as informações, a fim de oferecer ao leitor uma descrição mais

fidedgna das comunidades que constituem o Território Quilombola Vão Grande.

Fiz uso de imagens realizadas por mim, utilizei imagens dos educadores, e do

acervo escolar; o uso das imagens foi cedido por meio de autorização específica. Os

termos da autorização da imagem foram apreciados e aprovados pelo Comitê de Ética.

Utilizo a fotografia como recurso para conduzir o olhar do leitor a uma viagem

etnográfica nas cinco Comunidades que contituem esse Território, oferecendo uma

visão geral dele, embora o recorte desta pesquisa seja a Comunidade Baixio onde está

localizada a Escola Estadual José Mariano Bento.

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42

Utilizei as imagens tanto para ilustrar, quanto para informar e denunciar

questões que seriam melhor compreendidas pelo leitor ao visualizar as imagens, dado

que ao “ver” torna-se mais difícil não se “indignar”37 com as situações observadas. A

exemplo, mostro as fotografias da trajetória diária dos educandos das Comunidades

Vaca Morta e Retiro para acessar a escola; mostro ainda as fotografias que denunciam a

situação de descaso da construção do prédio escolar e a imagem da quadra

poliesportiva, opontada em todas as entrevistas dos jovens com tristeza.

As fotografias também buscam expor algumas belezas naturais do território,

lugares de dificeis descrição, dado o tamanho da beleza que se encerra naqueles

espaços, a exemplo, mostro os rios, canions, grutas, cachoeiras e nascentes que

compoem o cenário natural do Território Quilombola Vão Grande. Essa amostragem se

torna mais substancial se o leitor estiver junto comigo, por isso, peço licença para fazer

uso da 1ª pessoa do plural em alguns momentos da narrativa, quando esse olhar se

tornar mais urgente.

1.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO

Para a realização da análise dos dados, nesta pesquisa, associei a Análise

Etnográfica proposta por Geertz (2008) aos paradigmas da Análise de Conteúdo.

Análise de Conteúdo é um conjunto de instrumentos metodológicos que se

aperfeiçoa constantemente e que se aplica a discursos diversificados, principalmente na

área das ciências sociais, com objetivos bem definidos e que servem para desvelar o que

está oculto no texto, mediante decodificação da mensagem. Para Minayo (2007), essa

análise permite caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos,

indo além das aparências do que está sendo comunicado.

Para Bardin (1979), é necessário analisar a informação a partir de um roteiro que

perpassa pela pré-análise, momento da escolha dos documentos, da formulação das

hipóteses e objetivos; a fase seguinte é a exploração do material, na qual se aplicam as

técnicas específicas segundo os objetivos e finalmente o tratamento dos resultados e

interpretações.

37A expressão foi inspirada em “Carta aos meus filhos” de Ernesto Chê Guevara.

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1.6 COMITÊ DE ÉTICA

Realizei o cadastro do Projeto na Plataforma Brasil encaminhando-o ao Comitê

de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, para análise e parecer. Foram submetidos

para apreciação do Comitê, o projeto de pesquisa e o termo de Consentimento Livre e

Esclarecido. Este último solicita aos pesquisados a autorização para uso de imagens

(fotografia e vídeo) e voz (entrevistas). Após a aprovação do Comitê de Ética, por meio

de parecer consubstanciado, iniciei a pesquisa de campo.

Os sujeitos participantes foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e

assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido/ TCLE. Foi esclarecido

também que as imagens fotográficas, as informações do diário de campo, as filmagens e

gravações de voz, seriam utilizadas somente para os propósitos desta pesquisa.

No próximo capítulo, busco contextualizar as comunidades, onde vivem os

estudantes da Escola José Mariano Bento: Baixio, onde a escola está localizada,

Camarinha, Morro Redondo, Vaca Morta e Retiro.

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CAPÍTULO II

2. COMUNIDADES QUILOMBOLAS: CONCEITOS E DESCRIÇÃO

ETNOGRÁFICA DO CONTEXTO LOCAL

Este capítulo busca contextualizar as comunidades, onde vivem os estudantes da

Escola José Mariano Bento: Baixio, onde a escola está localizada, Camarinha, Morro

Redondo, Vaca Morta e Retiro, localizadas a aproximadamente 80 km, da sede do

município de Barra do Bugres-MT.

O capítulo é um convite a uma viagem etnográfica, não daquelas feitas de trem,

de onde “percebemos apenas uma imagem vaga, fugaz, e quase não identificável [...]

que não traz nenhuma informação sobre si mesma e meramente nos irrita” (GEERTZ,

2001, p.75). Tomara, meu Deus, tomara38, seja uma viagem em carro de boi, como

aqueles que com suas rodas de madeira, outrora, conduziam os primeiros moradores do

Território Quilombola Vão Grande, assim sendo, poderemos observar as cachoeiras,

rios e grutas, nos encantar com ipês floridos, nos indignar com pontes quebradas e

atoleiros, e até conversar com as pessoas que encontrarmos no caminho.

Em cada comunidade, faremos uma breve pausa para tomar um cafezinho, chá

com bolo ou guaraná, enquanto as vozes dos Guardiões da memória ecoam ao contarem

os causos do lugar. Nesses momentos, vamos juntos conhecer um pouco da história e da

organização política de cada comunidade. Saliento, entretanto, que nossa maior pausa,

será na Comunidade Baixio, onde a Escola José Mariano Bento, está localizada, e que é

o foco desta pesquisa. Para tanto, busquei dialogar, entre outros, com Nascimento

(2002), Volpato (1996), Clóvis Moura (2001, 2010), Arruti (1997), Munanga e Gomes

(2006).

2.1 COMUNIDADES QUILOMBOLAS: CONCEITOS

Olha Zumbi dos Palmares ai!

Onde é que está? Onde é que está?

Abra os seus olhos menino e não deixe esse povo na rua!

É a esperança gritando que a luta Continua!

Música: Zé Pinto

As histórias das comunidades remanescentes de quilombos são como gritos de

esperança, silenciados por dor, violência e opressão. Essa opressão pode estar

representada na inaplicabilidade da Constituição de 1988, que, apesar de assegurar que

38A expressão “Tomara, meu Deus, Tomara” foi inspirada nas canções: Tomara, meu Deus, tomara de

Alceu Valença e Último pau de arara de Luiz Gonzaga.

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as comunidades remanescentes de quilombos tenham direito às terras que ocupam, a

realidade desvela uma situação de precariedade, na qual pouco se tem realizado para

efetivamente regularizar a titulação dessas terras.

Ao longo da história do Brasil, os saberes relacionados às comunidades

quilombolas foram silenciados, com dor e correntes. Para fazer calar a participação dos

homens, mulheres e crianças que, como afirma Castilho (2011, p.62), “implementaram

inúmeras ações cotidianas, cujos feitos e nomes a História oficial quase nunca

registrou”.

Esse apagamento, perdurou séculos, deixando como herança perdas materiais e

imateriais irreparáveis. Após um longo tempo de descaso, invisibilidade e silenciamento

com a história dos negros no Brasil, o País acumulou uma dívida histórica, no sentido

de perceber as contribuições da população negra. A história da escravidão, tal como

aponta Munanga e Gomes (2006), mostra que a resistência negra foi marcada por atos

de coragem, demostrados por meio de insubmissão às condições de trabalho, revoltas,

organizações religiosas, fugas e organização de sociedades alternativas como os

mocambos ou quilombos.

Nesse sentido, é possível afirmar que os quilombos brasileiros representam os

mecanismos de oposição à estrutura escravocrata que se estabeleceu no Brasil. Como

define Munanga e Gomes (2006), os quilombos simbolizam a organização de homens e

mulheres que se recusavam a viver sob o regime da escravidão e desenvolviam ações de

rebeldia e luta contra esse sistema.

Para Nascimento (2002), os quilombos estão em constante movimento na

tentativa de atender às exigências do tempo e do espaço e simbolizam uma forma de

resistência desenvolvida pelos negros escravizados na tentativa de reverter às condições

sociais, uma ideia-força, uma energia que inspira modelos de organização desde o

século XV. Para Castilho (2011), os quilombos simbolizam a terra da liberdade, e, na

visão de Clóvis Moura (2001), onde houve quilombo também houve resistência.

De acordo com autores como Volpato (1996), os quilombos estabeleciam

relações com a sociedade local, na qual havia troca de favores ou mercadorias, como

alimentos, tecidos, cachaças, fumo, armas e pólvoras, demonstrando um outro viés de

concepção dos quilombos.

As reflexões tecidas pelos autores supracitados me inspiram a ousar afirmar que

as comunidades quilombolas no Brasil, são como gritos de esperança, que embalam

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canções e alimentam sonhos, tal como a própria terra que, ao se fazer mãe, carrega ao

seio, os filhos e, com ternura, ao mesmo passo que os acolhe, também os instiga a

continuar lutando. Como veremos a seguir, a história coletiva das famílias, que

constituem o Território Quilombola Vão Grande, é símbolo dessa esperança que grita,

instiga, luta, faz caminhar. Sigamos!

2.2 COMUNIDADES QUILOMBOLAS: UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA

A Escola José Mariano Bento atende estudantes de cinco comunidades: Baixio,

Camarinha, Vaca Morta, Morro Redondo e Retiro. Essas comunidades estão localizadas

no Complexo da Serra das Araras39, há 80 km da sede do município de Barra do

Bugres-MT e aproximadamente 240 quilômetros da capital de Mato Grosso, (Ilustração

1):

Ilustração 1: Rota Cuiabá/Vão Grande Fonte: Site distância cidades. Adaptado pela pesquisadora.

Para chegar à Escola José Mariano Bento, partindo de Cuiabá, capital de Mato

Grosso, uma parte do percurso é feita por asfalto, durante o trajeto, passamos pela ponte

(Ilustração 2), que divisa os municípios de Várzea Grande e Cuiabá. Atravessamos

39O Decreto nº 87.222, de 31 de maio de 1982, que cria as Estações Ecológicas do Seridó, Serra das

Araras, Guaraqueçaba, Caracaraí e dá outras providências. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D87222.htm>.

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Várzea Grande até chegar ao trevo por onde seguiremos pela BR – 364; chegaremos ao

município de Jangada, considerada a Capital do Pastel - onde é quase impossível não

parar para saborear um pastel quentinho, onde pequenos estabelecimentos, localizados

às margens da Rodovia comercializam pasteis diversos e os caminhoneiros disputam,

com os outros veículos, as vagas no estacionamento, a fim de encontrar um lugar para

fazer uma pequena pausa na longa estrada, (Ilustração 3).

Ilustração 2: Ponte Cuiabá/Várzea Grande Ilustração 3: Jangada

Fonte: Site Drone Cuiabá Fonte: Site Jangada MT

Depois do breve descanso, é hora de seguirmos caminho pela MT - 246, pela

qual adentramos as terras do município de Rosário Oeste, passamos pela Comunidade

Bauxi localizada às margens da BR – 246. Em seguida, chegaremos a uma ponte que

estabelece a divisa entre Rosário Oeste e Barra do Bugres. Já em terras barrabugrenses,

é importante fazermos uma parada para conhecer um pouco o município mais próximo

do Território Quilombola Vão Grande, e comarca de três das cinco comunidades que

constituem a território quilombola: Baixio, Camarinha e Morro Redondo, dado que as

outras duas comunidades: Retiro e Vaca Morta pertencem ao município de Porto

Estrela. Ressalto, porém, que todas as cinco Comunidades estabelecem negócios com o

município de Barra do Bugres, sendo nele que os moradores resolvem questões

bancárias, compram alimentos, negociam seus produtos.

A sede do município está localizada a aproximadamente 150 km de Cuiabá,

capital de Mato Grosso, nessa terra vive o povo Umutina, desde muito tempo com suas

histórias e seus saberes. Eles palmilhavam a terra, quando as viram invadidas pelo

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colonizador40. Também vivem nesse lugar os descendentes de pessoas que foram

escravizadas41, e que, em busca de liberdade, encontraram proteção em meio às serras,

em meio às matas. Vive ainda os Sem Terra, que tão teimosamente seguem ocupando

terras, derrubando cercas e conquistando o chão, organizados em vários assentamentos

do município. Histórias e memórias que a história oficial quase nunca registrou, antes

fez calar. Silenciou.

A versão da história do município, apresentada no site do Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística – IBGE (2015), informa que, em 1878, inicia-se o povoamento

de Barra do Bugres, com a chegada dos exploradores de poaia. O município está

localizado na bacia do Alto Paraguai, na mesorregião Centro Sul de Mato Grosso, é

banhado pelo Rio Bugres e Rio Paraguai, seus limitem fazem divisa com os municípios

de Tangará da Serra, Nova Olímpia, Denise, Alto Paraguai, Araputanga, Rosário do

Oeste, Porto Estrela, Lambari d'Oeste, Cáceres, Salto do Céu, Vale do São Domingo,

Jauru e Reserva do Cabaçal (IBGE, 2015).

De acordo com os dados do IBGE (2015), o município de Barra do Bugres,

possui uma área de 6.060,199 km. A mesma fonte afirma que, em 2014, havia uma

população estimada em 33.365 pessoas, destas 18,23% residem na zona rural,

distribuídos principalmente nos assentamentos, aldeia e quilombos do município. O

município vem tentando se desenvolver a partir da produção de biocombustíveis e

açúcar (MACIEL, 2011). Sua economia consiste também na existência de frigorífico,

indústria de ração animal, indústria de madeira, indústria moveleira, serrarias, máquinas

de beneficiamento de arroz, marcenarias, gráfica, metalúrgica, serralherias, indústria de

cerâmica e o comércio local (IBGE, 2015). Segundo os dados do IBGE, a população

masculina economicamente ativa no município equivale a 8.985 pessoas, sendo 69,21%

pardos ou negros. Dentre as mulheres, a população economicamente ativa equivale a

40A análise de Quijano (2005) infere que os colonizadores exercitaram o poder tomando por base a “raça”

das pessoas, essa categorização foi adotada por todos os povos da Europa, ao dominarem grupos

humanos. Com a expansão do colonialismo europeu, essa forma de imposição de poder se espalhou pelo

mundo, se tornando o mais vergonhoso, modo de dominação social, material e intersubjetiva. 41A análise realizada por Rafael Anjos (2009), desvela que o tráfico de escravos da África para a América

foi, durante mais de três séculos, uma das maiores e mais rendosas atividades dos negociantes europeus,

ao ponto de se tornar impossível precisar o número de africanos retirados de seu habitat, com sua

bagagem cultural, a fim de serem, injustamente, incorporados às tarefas básicas para formação de uma

nova realidade. Lutas sangrentas, violência, situação completamente novas de deslocamento e adaptações,

mortes e crueldade, tudo isso concorreu para efeitos multiplicadores do grande negócio que foi o tráfico

de escravos, tais como o crescimento da indústria naval, da indústria bélica, da agricultura, da mineração

e da atividade financeira, fechando o ciclo de acumulação primitiva de capital.

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5.322 pessoas, sendo que, desse universo, 65,76% são pardas e negras. A Tabela 7,

apresenta outros dados:

Tabela 7: Desigualdades entre Brancos, Pardos e Negros

Brancos Pardos ou Negros

População economicamente ativa de homens com 16 anos

ou mais de idade

2.766 pessoas 6.219 pessoas

População economicamente ativa de mulheres com 16

anos ou mais de idade

1.822 pessoas 3.500 pessoas

Rendimento Mediano de todas as fontes das pessoas de 10

anos ou mais de idade

800 reais de

2010

630 reais de 2010

Rendimento Médio de todos os trabalhos das pessoas de

16 anos ou mais de idade ocupadas.

1.443,22 reais

de 2010

977,03 reais de

2010

Total de pessoas entre 18 e 24 anos que não haviam

concluído o ensino médio e não estavam frequentando a

escola

369 pessoas 1.204 pessoas

Fonte: IBGE

Os dados desvelam que quanto ao rendimento, os negros e pardos estão sempre

em desvantagem em relação aos brancos, de modo que a renda entre os negros e pardos

do município de Barra do Bugres é bem menor que a renda dos brancos. O Total de

pessoas entre 18 e 24 anos de idade que não havia concluído o ensino médio e não

estava frequentando a escola desvela outro aspecto da desigualdade entre negros e

brancos no município, pois, das 1573 pessoas nessa situação, 76,54% são negras ou

pardas.

No seio do município de Barra do Bugres, abrigam-se oito comunidades

quilombolas, embora nem todas estejam certificadas. Segundo dados informados na

Fundação Palmares42, atualizados em 27 de julho de 2015, constam quatro43

comunidades certificadas e cinco comunidades que estão com processos abertos para

emissão de certidão.

Voltando à viagem etnográfica, que conduz ao Território Vão Grande, uma

pequena casa solitária indica a entrada de chão que conduz à Comunidade Baixio, onde

a Escola José Mariano Bento está localizada.

2.2.1 Território Quilombola Vão Grande.

A pequena casa solitária (Ilustração 4) indica a entrada para o Território

Quilombola Vão Grande, doravante todo o percurso é feito por entre duas serras,

42Acesso em: 23 abril 2015. 43O site apresenta cinco comunidades certificadas no município de Barra do Bugres, mas numa delas são

atribuídos dois municípios: Barra do Bugres/ Porto Estrela. Ao procurar mais informações, verifiquei que

a comunidade denominada “Voltinha” pertence ao município de Porto Estrela.

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conforme Ilustração 5, as duas serras formam um gigantesco vale. A região, onde está

localizada o Território Vão Grande, tem uma das mais lindas belezas cênicas do Estado,

conserva intactos cânions, grutas, rios, nascentes, e plantas nativas.

Ilustração 4: Entrada do Território Vão Grande Ilustração 5: Estrada para Vão Grande

Fonte: Acervo Pesquisadora Fonte: Acervo Pesquisadora

A Região também guarda histórias e memórias dos homens e mulheres que ali

vivem por séculos, em um esforço continuo de preservar seus saberes e suas tradições.

A paisagem contrasta dois modos de vida: o das grandes fazendas, e o das comunidades

tradicionais que congregam o solo sagrado do Território Quilombola Vão Grande, para

quem “terra” é a própria “vida”.

No período chuvoso, que se estende principalmente de dezembro a fevereiro, por

vezes, as águas cobrem as estradas, que, nesses momentos, assemelham-se a pequenos

córregos (Ilustração 6) ou formam grandes atoleiros, tal como mostra a Ilustração 7, na

qual o ônibus escolar aparece atolado no barreiro, caracterizando uma situação

frequente, que causa muitos prejuízos à escolarização dos estudantes.

Ilustração 6: Estrada alagada Ilustração 7: Atoleiro na estrada

Fonte: Acervo da escola Fonte: Acervo da pesquisadora

O atoleiro nos obriga a fazer uma pequena parada para discutir os prejuízos

causados pela ausência de estradas trafegáveis; os quais também são discutidos em

outras pesquisas sobre comunidades quilombolas, sejam exemplo a pesquisas de

Taveira (2013) e Reis (2003).

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As péssimas condições das estradas dificultam o acesso dos educandos e dos

educadores, à escola. Inúmeras vezes impede a realização das aulas. A cada ano, novos

noticiários registram as más condições das estradas e os prejuízos que causam à

escolarização dos habitantes dessa região.

Apesar das denúncias, a situação parece não se resolver e se agrava a cada novo

ano: as dificuldades enfrentadas pelos alunos e professores são inúmeras, a falta às

aulas, as longas distâncias que eles precisam perfazer, pois, quando o ônibus atola, é

necessário fazer o restante do percurso a pé.

A reclamação sobre as condições das estradas é uma das mais frequentes nas

reuniões de pais ou das associações. Esses depoimentos são significativos a esse

respeito:

Muitos dias falta aula, a culpa não é dos professores, por que eles esforçam

para vir trabalhar, levantam tão cedo, nem dos motoristas, que fazem de

tudo para conseguir chegar. É falta do governo do município cuidar da

estrada, cuidar no tempo certo, pra quando chegar o tempo das águas, o

ônibus não atolar. Pra senhora ver, a chuva é mandada por Deus, mas se

não arrumar a estrada, atola mesmo! (ODILON, pai).

As vezes a gente fica aqui na escola um tempão esperando os professores

chegarem, quando o carro atola ou quebra, tem dias que eles conseguem

chegar, tem dias que não, até que a gente vai embora, faz tudo de a pé de

volta, atravessa o rio novamente. Isso prejudica a gente, mas se arrumassem

as estradas, evitava essa situação (MARILENE, educanda).

Já houve dia, em que ficamos na estrada por cinco horas, no meio do

percurso. Tem momentos que que o carro atola, em outros momentos o carro

quebra. Passamos de tudo nesses momentos de improviso, até fome e sede.

Mas persistimos, porque já trabalhamos nesta escola há muito tempo,

criamos um vínculo, um laço (ELIENE LIMA, educadora urbana).

O negócio da escola assim pra nós só não está bom, por que quase não

funciona, falha demais, por que o carro sempre não tem né, como aqui

mesmo tem neto ai, tem duas netas, três já que está estudando que mora

aqui, pelo que vai indo está feio (JOSÉ AMBRÓSIO, avô, 66 anos).

As narrativas permitem interpretar que a comunidade escolar comunga o desejo

da manutenção das estradas, em tempo hábil. Para isso, faz-se necessário investimento

público, tal como indica o Parecer das Diretrizes da Educação Escolar Quilombola: “nas

estações de chuva, o transporte nem sequer chega a essas comunidades, o que significa

que os estudantes não conseguem frequentar a escola, e as escolas não cumprem o total

da carga horária mínima de 800 horas garantidas na LDB” (Parecer CNE/CEB, p.39, nº

16/2012).

O Plano Municipal de Educação do município de Barra do Bugres, ao se referir

ao transporte, afirma que o município deve: “4.2 Oferecer meios de transportes

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adequados e de qualidade para os alunos do campo, povo indígena e quilombolas”

(PME, Barra do Bugres. 2015, p.74). No entanto, como foi observado nas entrevistas, a

realidade é bem outra.

Quando as chuvas se vão, é tempo de seca no lugar. Nas estradas, os buracos

profundos se espalham por todo o caminho, “hora da manutenção que nunca vem!”,

dizem os moradores, em relação ao tempo adequado para os órgãos competentes

realizarem a manutenção. Nas margens da estrada, a poeira tinge de vermelho as árvores

que outrora verdejavam.

A poeira se alia às más condições dos ônibus escolares e tornam o percurso

insuportável. Por mais que os educandos e educadores saiam limpos de casa, chegam à

escola cobertos de poeira, agravando o quadro de cansaço e fome. Esses fatores

interferem diretamente na qualidade do ensino-aprendizagem.

Os professores urbanos saem de casa pouco depois das quatro da manhã,

fazendo um trajeto de quase três horas em uma Kombi, desprovida de qualquer

conforto. Enfrentam lama e atoleiros ou poeiras e buracos, para, em seguida, entrar nas

salas e ministrar aulas a educandos que aguardam igualmente cansados, por terem

percorrido longas distâncias a pé, atravessando rio de canoa, ou também por terem

enfrentado as mesmas condições de transporte e trafegabilidade.

Voltando à estrada, podemos observar que, por todo o caminho, no período da

seca, as árvores se despem, como que, em um ritual, preparando-se para oferecer em

tempo vindouro, o grande espetáculo das flores, como mostram as Ilustrações (8 e 9).

Cabe a elas desenhar um cenário multicor que adorna as casas e torna o dueto das serras

ainda mais belo.

Ilustração 8: Ipê Amarelo Ilustração 9: Flores

Fonte: Acervo, Maria Helena Dias Fonte: Acervo, Rafael Bento

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Depois de percorrermos aproximadamente 20 quilômetros, avistamos o

cemitério das Comunidades Baixio, Camarinha e Morro Redondo, que fica localizado às

margens da estrada que conduz ao Território Quilombola Vão Grande. Ali é importante

fazermos novamente uma pequena pausa.

Ilustração10: Cemitério das Comunidades Baixio, Morro Redondo e Camarinha.

Fonte: Acervo da Pesquisadora

O cemitério tem aproximadamente 200 metros quadrados. O fato de o cemitério

estar localizado na área de uma das fazendas desvela que outrora essa terra já pertenceu

ao povo quilombola, como também pode ser observado nas narrativas das entrevistas.

Dois depoimentos são bastante pertinentes nesse sentido:

No começo aqui não existia fazendeiro, tudo era comum, não tinha cerca,

nem nada, nossa irmandade está enterrada nesse cemitério, que nós mesmo

que fizemos tem muito tempo (CONSTANTINO, 90 anos).

Quando esse cemitério foi feito, também foi feito o cemitério dos anjinhos,

não existia essas fazendas aqui, mas com o tempo, foi chegando, chegando...

(MAXIMIANO, 73 anos).

O cemitério permite o acesso a informações como a data de nascimento e ou

morte dos moradores. Os nascimentos mais antigos datados no cemitério são os de José

Mariano Bento, consta de 19 de março de 1915; o de Maria Eulália de Lima, datado de

16 de abril de 1916; o de Brígida Viúva de Lima, datado de 8 de outubro de 1920, e o

de Pedro Verônico Maciel, datado de 29 de abril de 1922. Entretanto, em muitas

sepulturas, as cruzes, por serem bem antigas, não permitem identificar a quem elas

pertencem.

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De volta à estrada, mais adiante, chegamos a uma bifurcação, na qual, seguindo

à esquerda, teremos acesso às Comunidades Camarinha e Morro Redondo. Seguindo

por essa estrada, depois de passar pela ponte do Córrego Grande, nova bifurcação, na

qual, à esquerda, chegaremos à Comunidade Morro Redondo e, à direita, chegaremos à

Comunidade Camarinha. Seguimos para a Comunidade Camarinha para conhecer um

pouco do lugar onde moram parte dos estudantes da Escola José Mariano Bento.

2.2.2 Comunidade quilombola Camarinha

De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, a Comunidade

Camarinha, código do IBGE nº 5101704, em 11 de maio de 2007, entrou com processo

nº 01420.001178/2007-74, solicitando a certificação como comunidade quilombola, o

qual se encontra no INCRA, em análise técnica aguardando complementação de

documentos. Nessa comunidade, avistamos várias residências, na sua maioria,

construídas de barro e cobertas de palhas; de acordo com o presidente da Associação, a

situação financeira das famílias das Comunidades Camarinha e Morro Redondo são

semelhantes, pois nas duas comunidades elas sobrevivem da venda de banana, ele

explica que algumas famílias recebem Bolsa Família e outras têm algum membro que

recebe aposentadoria.

De acordo com Brandão (2003, p.128), os indicadores demonstram que “há uma

relação estreita entre as condições materiais da vida familiar e a trajetória escolar das

crianças que estudam – ou que já deixaram de estudar – no primeiro grau da escola

pública”. Segundo o autor, quanto mais cara é a escola de ensino fundamental, maior o

sucesso escolar. Na mesma medida, em que, quanto mais distante do centro urbano a

escola se localiza, menores são os índices de insucesso escolar, nas quais, além das

carências socioeconômicas, somam-se as carências econômico-pedagógicas da escola.

Todos os moradores da Comunidade são católicos; as reuniões religiosas são

realizadas na igreja, construída de pau a pique. As ilustrações 11 e 12 mostram casa da

comunidade camarinha. Na comunidade também tem a construção de um prédio escolar

construído no ano de 2004, embora a narrativa de Dona Joanita Lima, “nascida e

criada”44 na região Vão Grande, desvele que, por muito tempo, não houve

escolarização formal na comunidade Camarinha.

44“Nascida e criada”, é uma expressão utilizada como critério de identificação, há quem seja “nascido e

criado” e outros que nasceram, mas foram embora, cresceram fora da Comunidade, e, portanto, são

merecedores de menos prestígio, em relação à memória do lugar.

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55

Comecei a estudar depois de casada, não tinha aula quando eu era criança,

eu morava na Camarinha e só tinha no Baixio e no Morro Redondo e não

tinha como ir, ai eu não ia. [...] por isso não estudei quando era criança,

comecei a estudar depois de casada. Estudava com Maria Helena, ali no

Morro Redondo, ela abriu uma casinha, para os adultos, eu não sabia ler e

escrever, ela falava “vamos continuar!”. Eu ia de moto, na garupa dela, eu e

as meninas dela, e foi e foi... Depois de adulta terminei o terceiro ano, formei

(JOANITA LIMA, mãe).

A partir do ano de 2010, os estudantes passaram a frequentar as aulas na

Comunidade Baixio, quando as escolas foram nucleadas, e passaram a utilizar o ônibus

escolar, conforme discorrerei no capítulo III.

Ilustração 11: Casa da Comunidade Ilustração 12: casa da comunidade

Fonte: Maria Helena Dias Fonte: Maria Helena Dias

A Comunidade Camarinha tem esse nome devido à existência de uma gruta

localizada perto dela. De acordo com Joacil Bento, a gruta é pouco visitada pelos

moradores, pois, para ter acesso a ela, é necessário passar pelas terras dos fazendeiros.

Desse modo, os moradores têm pouco acesso à gruta e preferem ir ao “Salto” que fica

na Comunidade Baixio, e onde todos têm acesso.

No Relatório, intitulado “Levantamento do Rio Jauquara e de outros trechos do

estado, destinados a Carta de Mato Grosso”, realizado entre 1941-1942, pelo 2º Tenente

Luiz Moreira de Paula, sob a orientação do General Cândido Mariano da Silva Rondon,

encontrei vários registros sobre as comunidades que constituem o território quilombola

Região Vão Grande. Dentre eles, descrições sobre a caverna da Camarinha.

O morro da camarinha onde se encontra imensa caverna calcárea, capaz de

abrigar três mil pessoas. Escurissima, visitamo-la a lúz de lanternas, candeias

e archotes. Sua beleza, seus indiscritiveis arranjos ornamentais, resultantes do

trabalho milenar de gotas d’água carregadas de calcio, fazem-nos lembrar os

palacios encantados descritos nos contos das mil e uma noites (PAULA,

1982, p. 105).

O Relatório ainda apresenta outros relatos da caverna, e descreve a parte que foi

percorrida sob a iluminação de lanternas elétrica e candeia de sebo. Apesar de o

Relatório indicar a necessidade de pesquisas sobre a caverna “é possível que nossos

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arqueólogos ainda venham a escrever interessante capítulo como resultado das

pesquisas que futuramente façam ali” (PAULA, 1982, p. 105), no entanto, não encontrei

pesquisas sobre a região.

Voltando à viagem etnográfica, retornamos à bifurcação da estrada e seguiremos

pela esquerda para conhecer a Comunidade Morro Redondo, localizada nas

proximidades da Cabeceira do Córrego Grande e cercada por altas serras.

2.2.3 Comunidade quilombola Morro Redondo

De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, a Comunidade Morro

Redondo, identificada sob nº 2.151, processo nº 01420.001177/2007-20, foi certificada

em 24 de abril de 2010, como comunidade remanescente dos quilombos, no entanto,

apesar de já ter recebido a certificação, os moradores se mostram insatisfeitos com a

falta de “benefícios”, e entre as reclamações mais constantes nessa Comunidade consta

a demora na construção das casas, conforme destaca o Senhor José Ambrósio da Silva,

66 anos:

Aquele documento quilombola que saiu lá no Vãozinho, lá no Baixio, aqui

também saiu, mas diz eles lá no Incra, para nós, que esse papel, quase que só

é para mostrar que é né... Mas...Olha, nós aqui não temos nem casa, as casas

que saíram para as turmas do Vãozinho45 e do Baixio, nós aqui não temos,

enquanto não ter um documento das terras, não tem casa.

Ele lamenta o fato de a Comunidade não ter recebido as casas, tal como as

Comunidades Baixio e Vaca Morta receberam. De fato, a maior presença de casas

construídas de pau a pique está concentrada nas Comunidades Morro Redondo e

Camarinha (Ilustração 13).

Ilustração 13: Casas da Comunidade Ilustração 14: Igreja da Comunidade

Fonte: Mari Bento Fonte: Mari Bento

45Vãozinho, é uma comunidade quilombola, localizada nas proximidades do Vão Grande.

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Os moradores da Comunidade Morro Redondo são todos católicos, as

celebrações religiosas da Comunidade são realizadas na igreja (Ilustração 14). A

Comunidade também possui um campo de futebol (Ilustração 15).

Ilustração 15: Campo de Futebol da Comunidade Ilustração 16: Antiga Escola

Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

A Ilustração 16 mostra o prédio de madeira, que outrora foi escola, mas que,

agora, abriga a família da professora Lucimara, que ainda jovem veio lecionar na

escola; casou com um dos moradores e permaneceu na Comunidade. Com a nucleação

das escolas do Território Vão Grande, no ano de 2010, os estudantes passaram a estudar

na Escola José Mariano Bento, na Comunidade Baixio, e a professora e sua família

passaram a utilizar o prédio da escola como moradia.

De acordo com o presidente da Associação das Comunidades Morro Redondo e

Camarinha, a água é outra dificuldade que eles enfrentam; atualmente a água que

abastece as casas da Comunidade vem de uma mina, mas é insuficiente.

Durante a pesquisa documental, localizei, no Diário Oficial de Mato Grosso,

dois processos solicitando abertura de poços nas comunidades quilombolas do

município de Barra do Bugres, dentre as quais, Morro Redondo, Baixio e Vão Grande46.

Indaguei ao presidente da Associação sobre a existência de poços artesianos na

comunidade, ao que ele explica: “A prefeitura furou um poço artesiano, mas nunca

colocou a bomba, o poço está parado e a gente sem água”. As palavras desvelam o

descaso que a comunidade enfrenta para permanecer em sua terra.

46A denominação “Vão Grande”, no Diário Oficial, faz referência às Comunidades Vaca Morta e Retiro.

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A preservação das nascentes é assunto de aprendizagem na Comunidade, onde

por séculos as famílias ensinam aos mais jovens a cuidar do “Córgo47”. Os

ensinamentos sobre os cuidados que se deve ter são transmitidos através das gerações:

“não pode queimar, nem jogar o lixo, nem cortar as árvores de roda da nascente”

dizem os Guardiões da Memória. De acordo com Dias; Costa; Bento (2013), apesar do

esforço secular, para preservar as nascentes do território, seguindo as orientações de

seus antepassados, as práticas desenvolvidas nas fazendas em volta da Comunidade

dificultam a preservação do ambiente.

Os ensinamentos dos “mais velhos” sobre a preservação ambiental também são

discutidos nas aulas da Escola José Mariano Bento, e tal como outros assuntos de

interesse da Comunidade, transformam-se em projetos didáticos, em estudo de pesquisa,

que envolvem toda a comunidade escolar; após a execução, os projetos são publicados

em forma de artigo48, tais como: Sales; Lima; Vieira (2014), reflete sobre a 1º olímpiada

de matemática do 1º e 2º ciclo da escola Estadual José Mariano Bento. Campos; Dias;

Bento (2014), perscruta o papel da E. E. José Mariano Bento na educação nutricional;

Evangelista; Bento; Dias (2014), discute o projeto escolar sobre a identificação e

valorização dos tipos de moradias existentes nas comunidades quilombolas do território

vão Grande.

Voltando à viagem etnográfica, retornamos à estrada principal, pelo caminho

que conduz à Escola José Mariano Bento, depois de atravessar a ponte do Córrego

Grande, logo encontraremos as primeiras residências da Comunidade de Baixio.

2.2.4 Comunidade Quilombola de Baixio

Nessa Comunidade, demoraremos mais, visto que nela está localizada a Escola

José Mariano Bento, lócus desta pesquisa. A Comunidade Quilombola de Baixio49 é a

mais visitada dentre as cinco comunidades que formam o Território Quilombola Vão

Grande, devido ao fato de que é nela que está localizada a Escola José Mariano Bento,

47Córgo: córrego 48 Nas referências desta pesquisa constam outros artigos publicados pelos profissionais da Escola José

Mariano Bento. 49Cabe destacar que a comunidade foi denominada no Projeto de Assentamento como P.A. Baxiu.

Entretanto, na Certidão de Reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares, a comunidade foi

denominada como Comunidade Quilombola de Baixio. Utilizarei, nesta pesquisa, a denominação

atribuída no documento de reconhecimento e certificação da Fundação Palmares “Comunidade

Quilombola de Baixio”.

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que, além de atender os alunos da região, ainda funciona como Centro Cultural das

Comunidades, sendo, pois, um espaço de reuniões, cursos e encontros.

De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, a Comunidade de

Baixio, processo nº 01420.001.777/2005-26, foi certificada em 12 de setembro de 2005.

Baixio está organizada politicamente em uma associação denominada “Associação de

Pequenos Produtores Rurais da Gleba Baxio”, cujo presidente se chama Izaltino, e o

vice presidente se chama Rafael.

Ilustração 17: Casa Dinalva Ilustração 18: Casa Beira da Estrada

Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

As Ilustrações 17 e 18 apresentam o modo como as famílias se organizam; é

interessante vincar que é uma prática bastante comum, os filhos, ao casarem,

construírem as casas no lote dos pais, ou caso, algum filho, irmão ou irmã do

proprietário, que estava morando fora da comunidade no período em que as terras foram

parceladas, resolve voltar a morar na comunidade, também é acolhido no “lote” e ali

constrói sua casa.

A Comunidade está organizada em “lotes”, devido ao período em que integrou o

programa de Reforma Agrária do Instituto de Terras de Mato Grosso/INTERMAT50.

Cabe esclarecer que a Comunidade Baixio integrou dois programas, o Programa de

Reforma Agraria51 e o Programa Quilombola, a princípio, no ano de 2002, integrou o

programa de Reforma Agrária, quando as terras foram divididas em 16 lotes.

50O primeiro registro da tramitação do processo consta de 1997, conforme DOEMT de 04 de setembro.

Nele, as terras que constituem a Comunidade são arrecadadas como devolutas e incorporadas ao

patrimônio do Estado de Mato Grosso. 51 Esse processo não é uma exclusividade da Comunidade Baixio, outras comunidades quilombolas

também vivenciaram esse mesmo procedimento, sejam exemplos: as Comunidades Vaca Morta (P.A. Vão

Grande) e Voltinha, ambas localizadas no município de Porto Estrela - MT.

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Assim está escrito no processo52 que analisei no Incra:

Portaria INCRA/SR- 13(MT)/Nº 022/02, de 1º de Abril de 2002,

[...]

I- Resolve:

Reconhecer o Projeto de Assentamento denominado Baxiu, criado pelo

estado do Mato Grosso, situado no município de Barra do Bugres, com área

de 189,5288 há (cento e oitenta e nove hectares, cincoenta e dois ares e

oitenta e oito centiares), registrados no SIPRA com o código MT- 0501000,

visando atender 016 (dezesseis) famílias de pequenos produtores rurais;

(INCRA/SR- 13(MT)/Nº 022/02, de 1º de Abril de 2002, grifos meus)

Entretanto, nos dezesseis lotes,53 foram “assentados” apenas as pessoas que já

moravam na comunidade, pois se obedecia à existência de um critério para seleção das

famílias que seriam assentadas, ou seja, em nenhum lote, foram assentadas famílias que

não pertenciam à Comunidade. Apenas as pessoas que já moravam na Comunidade

foram assentadas. As terras quilombolas, nesse processo, foram consideradas terra

devoluta. Na citação a seguir, é possível entrever essa compreensão:

O estado do Mato Grosso, compromissado a meia década, com a busca pelo

desenvolvimento sustentável no campo, frente a conjuntura nacional e ao

aumento das pressões sociais da luta pela terra, optou, corretamente por ser

um parceiro decidido e inarredável no processo de Reforma Agrária. Para

tanto, o estado, através do INTERMAT- Instituto de Terras do Mato Grosso,

tem procurado arrecadar suas terras devolutas e destiná-las para assentamento

de trabalhadores rurais (INCRA, 2015).

Ao integrar o programa de Reforma Agrária, a Comunidade Baixio acessou

alguns benefícios, dentre eles, o que mais se destaca, nas narrativas dos moradores, é a

construção das casas. De acordo com os moradores, antes, as casas eram construídas

com barro e cobertas de palha, depois do benefício, foram construídas casas de

alvenaria, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, de modo que, as casas de barro,

passaram a ser utilizadas como cozinha, nas quais a presença do fogão a lenha é

constante.

É importante destacar que os moradores das Comunidades Baixio utilizaram

várias estratégias de luta para garantirem o direito à terra, dentre elas, lutaram para

transformar a comunidade em projeto de assentamento, o que garantiria a posse da terra,

na sequência, com a possibilidade do reconhecimento da identidade quilombola;

lutaram pelo direito de ser reconhecidos como comunidade tradicional. É interessante

ouvir suas vozes:

52O documento foi analisado, na sede do Incra em Cuiabá, no departamento do antropólogo Ivo

Schroeder. 53Apesar de o território ter sido dividido em 16 lotes, existem mais famílias na Comunidade, na medida

em que os filhos casam, constroem suas casas no mesmo lote dos pais.

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Os fazendeiros, viviam querendo tomar aqui, e eles iam tomar, porque a

gente não tinha maior força, e o fazendeiro passava ali na porta da minha

casa, todo dia e passava pra cá e passava pra lá. Ai eu falei isso daí não vai

dá certo porque aqui é um lugar que meu pai que veio aqui, que abriu aqui,

nós que fizemos a casa, meu pai que fez aquela casa ali e eu que casei

primeiro então só tinha a casa de nós dois. Agora o fazendeiro era lá e pra

cá... De longe enxergou aqui e já queria tomar aqui. Ai eu contei o motivo

pra ele (político), falei lá tem um fazendeiro, que aonde nós moramos é

devoluta[...]veio agrimensor da INTERMAT, vieram aqui e cortou tudo essa

terra, e escriturou e eu peguei tudo essa escritura e entreguei na mão de

cada um e hoje nos está bem graças a Deus, nosso lugarzinho tudo

escriturado, ninguém mexeu mais com nós e fazendeiro nunca mais vi. A

senhora ver, como que é as coisas, aqui era um lugar que era um deserto,

para nos comprar uma barra de sabão, um açúcar, a gente tinha que ir na

Barra do Bugre de tropa de boi, nos subia a serra e durava cinco dias para

chegar lá (MAXIMIANO, 73 anos).

Outra estratégia utilizada pelos moradores das Comunidades Baixio, Camarinha

e Morro Redondo para efetivar o direito à educação está representada na participação do

Plesbicito Popular54, por meio do qual, os moradores garantiram que suas comunidades

fossem desmembradas do município de Alto Paraguai, e anexadas ao município de

Barra do Bugres, conforme pode ser observado no Diário Oficial de Mato Grosso de 2

de dezembro de 1999. O documento comprova a transferência da área territorial, onde

se localiza as Comunidades Quilombolas de Baixio, Camarinha e Morro Redondo, para

o município de Barra do Bugres.

A viagem à Comunidade Baixio permite conhecer a Casa Tradicional (Ilustração

19), construída na área social, feita de barro e coberta de palha. Essa casa é mantida sob

os cuidados do Senhor Maximiano, 73 anos e simboliza a história da Comunidade.

A Casa Tradicional também simboliza o esforço da Comunidade em afirmar a

identidade quilombola, este esforço também é observado nas entrevistas, nas ações. Em

assim sendo, a casa é mantida como uma forma de ressignificar a vivência das famílias

na reinvenção de uma identidade política portadora de direitos, que luta para continuar a

existir, que exige.

54 Plesbicito Popular é uma consulta na qual os cidadãos/ãs votam para aprovar ou não uma questão. Uma

lei pode ser aprovada ou rejeitada por meio de um plesbicito ou referendo. Um plesbicito popular é

organizado por movimentos sociais e por todos os cidadãos e cidadãs que quiserem trabalhar para que ele

seja realizado; ele é muito representativo porque é organizado pelo povo. O plesbicito popular não tem

valor legal, mas exerce, uma forte pressão política e social, permitindo que os brasileiros/as expressem a

sua vontade política.

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Ilustração 19: Casa Tradicional

Fonte: Acervo da Escola

Para Arruti (1997), a partir do Artigo 68, as questões de cultura e origem

comum emergem, passam a ser plenamente tematizadas pela Comunidade e se tornam

objeto de reflexão para o próprio grupo:

A mobilização desses elementos de identidade leva a uma nova relação com

o passado e com as “reminiscências” de que falou W. Benjamin, num esforço

de reconstrução de uma continuidade na maioria das vezes perdida, levando

ao que Hobsbawm e Ranger chamaram de “invenção de tradição”, isto é, uma

reapropriação de velhos modelos ou antigos elementos de cultura e de

memória para novos fins, em que o passado serve como repertório de

símbolos, rituais e personagens exemplares que até então poderiam ser

desconhecidos pela maior parte da comunidade (ARRUTI, 1997, p. 21).

A igreja da Comunidade Baixio (Ilustração 20) é construída com folhas de

babaçu e recentemente foram assentadas cerâmicas brancas no piso. Os moradores

afirmam que esse espaço já foi utilizado como casa e como escola. De acordo com o

Senhor Maximiano, 73 anos, o lugar foi a primeira morada de José Mariano Bento e

Eulália de Lima, onde o casal criou os onze filhos. Depois, com a morte do casal, a casa

teria dado lugar ao funcionamento de uma sala de aula, e, em seguida, passou a ser

utilizado como igreja.

Ilustração 20: E. E. Igreja Católica Ilustração 21: Posto de saúde

Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

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Próximo à igreja está localizado o barracão da associação dos moradores e, ao

lado do barracão, vê-se a construção em andamento do que será no futuro o posto de

saúde55 (Ilustração 21). O prédio está sendo construído de alvenaria e é símbolo de

orgulho da Comunidade, como se percebe na fala do Senhor Odilon: “Muita gente não

acreditou em nossa comunidade, falava que nunca ia pra frente, que era o fim do

mundo, mas agora estão vendo... Nosso posto de saúde, que coisa mais bonita”.

Na área social da Comunidade, tem a construção dos dois prédios escolares, um

mais antigo, construído com tábuas de madeira (Ilustração 22), onde funcionam duas

salas de aula no período noturno e onde são ministradas as aulas da Educação de Jovens

e Adultos; uma sala é utilizada como dormitório dos professores. Uma pequena sala é

utilizada como secretaria da escola, e outra como cozinha dos professores. Uma sala

maior é utilizada como cozinha dos alunos. O prédio ainda conta com dois banheiros,

em cada um deles tem um vaso sanitário e um chuveiro.

Ilustração 22: Escola antiga56 Ilustração 23: Escola em construção

Fonte: Acervo da escola Fonte: Acervo da Pesquisadora

A construção do prédio da escola, de alvenaria, teve início no ano de 2010, mas

até o momento não foi concluído, ilustração (23), conforme discorrerei mais

detalhadamente no capítulo III desta pesquisa.

O novo prédio escolar, cuja obra paralisada não tem prazo para ser retomada,

contaria com oito salas de aula, um refeitório, uma cozinha, banheiros feminino e

55“Prefeitura Municipal de Barra do Bugres publica a licitação para contratação de empresa especializada

de obra e serviços de engenharia para construção de 03(três) unidades básicas de saúde e reforma e

ampliação de 02(duas) unidades básicas de saúde, no município, sendo uma delas na Comunidade

Quilombola Baixio no valor global de R$ 420.163,59 (Quatrocentos e vinte mil, cento e sessenta e três

reais e cinquenta e nove centavos)” (DOEMT, 07/05/2015). 56A “escola antiga” se refere ao prédio de madeira, construído no ano de 2001, para atender aos

educandos das series inicias do ensino fundamental; em sala multisseriada, no ano de 2004, o prédio

recebeu mais duas salas de aula. Nesta pesquisa, referir-me-ei a esse prédio, como “escola antiga”, como

o fazem os moradores.

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masculino, diretoria, secretaria, sala dos professores, e uma quadra poliesportiva. A

inconclusão do prédio é motivo de tristeza para os moradores da Comunidade e de

indignação para os jovens. Faz-se necessário ouvir suas vozes:

O que me deixa mais triste é a escola não está terminada, que era para

terminar em 2014 e já estamos em 2015 e a escola não termina, sem energia,

sem água nos banheiros até agora nada, eu não sei, se eu fico mais é com

tristeza ou com raiva (PAULA RONDON, educanda).

Essa escola começou desde 2010, eu trabalhei muito nesta escola, mas a

empreiteira não me pagou até hoje, a construção parou em 2012, até hoje

não recebi, e o pior e que nossos filhos ficaram sem a escola, estudando

nessas condições, sendo que saiu mais de um milhão, para fazer a escola e a

empreiteira não fez (ODILON, pai).

No entanto, o prédio escolar inconcluso não é a única queixa dos moradores da

Comunidade, a falta de água também está entre os problemas mencionados pelos

moradores, pois a água que abastece a Comunidade vem basicamente do Rio Jauquara,

nascentes, minas, córregos, rios e poços rasos, uma mina que abastece um reservatório

por queda natural de onde a água é redistribuída para os moradores por encanamento de

polietileno. A pesquisa realizada por Queiroz; Andrade; Ferreira57 (2014) conclui que a

água utilizada nas Comunidades Baixio e Morro Redondo são impróprias para uso

humano:

A ausência de saneamento básico nas Comunidades rurais submetem a

população à diversas enfermidades, dificultando sua qualidade de vida, como é o caso

da Comunidade Baixio, que, na falta de perspectivas de instalação de um sistema

adequado de saneamento básico, acaba improvisando o abastecimento de água,

buscando fontes alternativas em rios e minas (QUEIROZ; ANDRADE; FERREIRA,

2014, p.).

O Rio Jauquara58, além de abastecer as Comunidades, é bastante utilizado para a

pesca, e também funciona como espaço de turismo e lazer, pois abriga cachoeiras e

57 Constatou-se que a água apresenta contaminação tanto de coliformes totais, quanto fecais em quase

totalidade dos pontos durante o período de avaliação. Concluiu-se que a água é imprópria para consumo

in natura, devendo a mesma passar por um processo de tratamento, pelo menos básico, com filtragem e

desinfecção por cloro. Evidenciou-se também a necessidade da realização de análises microbiológicas e a

conscientização dos moradores sobre a qualidade da água consumida (QUEIROZ; ANDRADE;

FERREIRA, 2014, p. 1). 58 Relatório da Comissão Rondon, realizado entre 1941 e 1942, descreve: “O Jaocuara vai-se

aproximando sinuosamente do terceiro paredão, ou Serra do Canal, no qual abre, com a mesma violencia,

uma estreita, passagem na rocha viva, produzindo inumeros destroços, que juncam as margens dos rios e

o leito, onde aparecem poços de grande profundidade e enorme entulhamento que força as águas a

esguicharem ruidosa e velocissimamente pelos interticios inferiores, como no escapamento de uma

barragem represa” (PAULA, 1982, p.49-50).

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diversas paisagens que impressionam os visitantes (PAULA, 1982). As Ilustrações 24,

25 e 26 apresentam uma pequena amostra da boniteza do Rio Jauquara:

Ilustração 24: Rio Jauquara Ilustração 25: Rio Jauquara Ilustração 26: Rio Jauquara

Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola

Na área do turismo, é orgnizado anualmente, a “Caminhada na Natureza -

Circuito Quilombolas”. Durante a atividade, a Comunidade realiza exposição e venda

dos produtos da agricultura familiar, de artesanato e vende almoço para os participantes

do evento. A prefeitura disponibiliza um ônibus para transportar os participantes do

centro urbano à Comunidade Baixio.

Os moradores da Comunidade Baixio, assim como nas outras quatro

comunidades, que constituem o território quilombola de Vão Grande, são basicamente

católicos, embora a prática católica guarde aspectos bastante diferenciados que podem

estar relacionados às religiões de matriz africana.

De acordo com o Senhor Izaltino, duas famílias da Comunidade Baixio são

membros da Igreja Evangélica Assembleia de Deus; na ausência do prédio da igreja, os

cultos são realizados mensalmente na casa dos moradores que professam essa fé.

Prosseguindo a viagem, vamos conhecer as Comunidades Vaca Morta e Retiro,

localizadas no municipio de Porto Estrela, cuja população também é atendida na Escola

José Mariano Bento. A partir desse ponto, acompanharemos os educandos da Escola na

saída da aula e perfazeremos o trajeto junto com eles.

2.2.5 Travessia do Rio Jauquara

Para chegar às Comunidades Vaca Morta e Retiro, é necessário atravessarmos de

bote59 o Rio Jauquara, pois a ponte que dá acesso às duas Comunidades foi levada pelas

águas da chuva no início do ano letivo e ainda não havia sido refeita no momento da

pesquisa.

59 Bote: pequena embarcação sem cobertura, construída de madeira, alumínio ou fibra.

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As Ilustrações 25, 26, 27, 28, 29 e 30 procuram demonstrar as agruras,

enfrentadas pelos educandos, no caminho que eles perfazem diariamente, para ter

acesso à escola. Chegar à escola exige um esforço diário, um desafio, uma desventura, é

preciso ter mais que coragem, “é preciso ter força, ter raça, ter sonho sempre, ter fé na

vida60”, necessário nutrir o sonho com utopia, para continuar caminhando; avançar um

passo de cada vez, carregar os filhos, encorajar uns aos outros. É necessário acreditar na

escola, sobretudo!

Ilustração 27: Caminho da escola Ilustração 28: Entrando na mata Ilustração 29: Trilho na mata

Fonte: Acervo da pesquisadora. Fonte: Acervo da pesquisadora. Fonte: Acervo da pesquisadora.

Ao terminar a aula, seguimos a pé, para as margens do Rio Jauquara, perfazendo

uma distância de quase três quilômetros. Os educandos seguem em procissão, no

caminho, é preciso atravessar as cercas de arrame farpado, manter atenção nos trilhos

para evitar o risco de sermos picados por cobras, suportarmos a companhia da fome e do

cansaço; há os dias em que a chuva nos encharca as roupas, e outros dias em que

enfrentamos o sol escaldante. Todas essas dificuldades trazem prejuízos escolares, são

desestímulos aos que insistem em continuar estudando.

Ilustração 30: Barranca do rio Ilustração 31: bote para travessia Ilustração 32: Ônibus escolar

Fonte: Acervo da pesquisadora Fonte: Acervo da pesquisadora Fonte: Acervo da pesquisadora

Ao chegarmos às margens do Rio, um dos homens da comunidade, contratado

pela prefeitura para fazer a travessia dos educandos no bote, está a nossa espera. A

travessia é feita aos poucos, visto que não cabe todos os educandos, de uma vez, no

60Inspirado na canção “Maria, Maria” de Milton Nascimento.

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pequeno bote; enquanto uns atravessam, os demais aguardam. Depois que todos os

estudantes atravessam o Rio, é hora de seguirmos a marcha, por mais um quilometro

aproximadamente, até chegarmos à estrada principal, onde está o ônibus escolar,

utilizado para fazer o restante do percurso até as Comunidades Vaca Morta e Retiro.

Doravante, os educandos ainda precisam enfrentar ora atoleiros, ora poeira, ora ônibus

quebrado.

As pesquisas sobre as comunidades quilombolas indicam que a dificuldade de

acesso à escola é uma realidade muito presente em todo território brasileiro, e nas

comunidades rurais como um todo. Seja exemplo a pesquisa de Castilho (2008)

realizada na Comunidade Mata-Cavalo, onde, de acordo com a autora, os educandos

percorrem longas distâncias sob sol escaldante, para chegar à escola.

A situação também desvela a ausência de políticas públicas destinadas às escolas

localizadas no Brasil rural. De acordo com Molina e Freitas (2011), ainda é muito

arraigado nos gestores públicos o imaginário sobre a inferioridade do espaço rural, das

escolas localizadas no campo, dentre elas as escolas quilombolas, de maneira que a elas

se destina apenas o que sobra no espaço urbano.

É importante ouvir o que dizem os educandos:

Nós chegamos sempre atrasados, por que as vezes o rio está muito cheio por

causa das chuvas e fica um pouco mais difícil de atravessar, não dá nem

tempo de fazer o lanche direito, tem que ir correndo, para não perder aula

(MARILENE, educanda).

Eles falam que vão arrumar a ponte, mas até agora nada, a ponte rodou no

início do ano e já está chegando ao final do ano e nada, eles não fizeram no

tempo da seca, agora que não vai fazer mesmo, porque o tempo das águas já

está começando de novo (JOELSON, educando).

O descaso com a ponte que liga as comunidades prejudica toda a população das

Comunidades Vaca Morta e Retiro, pois, desde que a ponte caiu, os moradores estão

isolados. Sem a ponte, os moradores da região ficam impedidos de comercializar seus

produtos, alguns se arriscam, para chegar ao outro lado, atravessando com os carros em

um ponto do Rio que tem menor fluxo de água.

De volta à viagem... Embarcamos no ônibus que já estava à espera para fazer o

percurso entre as Comunidades Retiro e Vaca Morta, ambas localizadas no município

de Porto Estrela. Primeiro, passamos na Comunidade Vaca Morta.

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2.2.6 Comunidade Vaca Morta

De acordo com os dados Fundação Cultural Palmares, a Comunidade Vaca

Morta, processo nº 01420.001.808.2007-49, foi certificada em 30 de setembro de 2005,

como uma das comunidades quilombolas. A certificação da Comunidade Vaca Morta,

inclui as famílias da Comunidade Retiro, de modo que, oficialmente, as duas

Comunidades estão juntas, sob a mesma documentação.

No entanto, é importante reiterar que as famílias fazem distinção, denominando

de Retiro, uma parte da comunidade, e de Vaca Morta a outra parte. Nesta pesquisa,

refiro-me às comunidades do mesmo modo que os moradores se referem. Portanto, faço

uso das denominações Vaca Morta e Retiro separadamente, tal como os moradores o

fazem.

Tal como a Comunidade Baixio, as Comunidades Vaca Morta e Retiro também

integraram o Programa do Incra, no qual foram incluídas no Projeto de Assentamento

Vão Grande, sob o processo nº 21540.004204/95-44, no dia 27/11/1995, no qual as duas

comunidades também foram documentadas juntas, ou seja, integraram o mesmo

assentamento.

Em assim sendo, nas duas Comunidades, também houve divisão dos lotes entre

os moradores locais, embora não tenha assentado famílias que não fossem moradoras de

uma das duas Comunidades. Os dados dos autos do processo de implantação do P. A.

Vão Grande, que integra as Comunidades Vaca Morta e Retiro, trazem mais detalhes de

como o processo se realizou, apresentando inclusive uma lista com os nomes dos

moradores e a quantidade de tempo que eles moram na comunidade, conforme o

relatório final para implantação do assentamento:

A gleba Vão Grande, com área de aproximadamente 900.0000 ha é resultante

Discriminatória Porto Estrela, no referido município, descriminada pela

unidade avançada Diamantino. A referida área se encontra toda ocupada por

pessoas bastante carentes, necessitando de uma ajuda de Governo. As

ocupações são bastante antigas, chegando a ultrapassar 70 anos (INCRA,

16.09.2015).

Tal como na Comunidade Baixio, a maioria das casas é construída de alvenaria,

com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, com casa de pau-a-pique próximas. Na

maioria delas, observo o adorno de pequenos jardins, os quintais bem limpos, as louças

bem areadas nas prateleiras, características que também estão presentes nas outras

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comunidades. A Ilustração 33 apresenta o retrato de uma casa que retrata a arquitetura

comum na Comunidade Vaca Morta.

A Ilustração 34 apresenta o Centro Esportivo Paraiso, a faixada indica o nome

do presidente: João de Deus. A construção do centro desportivo é feita de alvenaria e

conta com duas peças: uma destinada à venda de bebidas e a outra que serve de cozinha;

atrás dessa construção está o campo de futebol, a grama verde indica o cuidado

dispensado ao lugar.

A Ilustração 35 apresenta a Igreja Católica da Comunidade Vaca Morta, na qual

os moradores se reúnem, para celebrar sua religiosidade. O prédio simples, em

alvenaria, é rodeado de grama e conta com uma grande cruz feita de madeira; do lado da

igreja.

Ilustração 33: Casa Vaca Morta Ilustração 34: centro desportivo Ilustração 35: Igreja Católica

Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

Ao lado da igreja, avistamos um prédio da associação das mulheres (Ilustração

36), construído com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar/Pronaf Mulher.

Do lado da associação feminina, fica a Escola Municipal Leopoldino José da

Silva (Ilustração 37). O prédio escolar é construído de madeira, dispõe de dois

cômodos, um é utilizado como sala de aula e o outro como alojamento para o professor,

o prédio foi reformado no ano de 2006 (DOEMT, 07.03.2006).

A escola recebe os educandos das Comunidades Vaca Morta e Retiro, que

cursam da Educação Infantil ao 5º ano do Ensino Fundamental, estes são divididos em

duas turmas, uma matutina e outra vespertina. Os demais educandos dessas duas

Comunidades se deslocam para a Comunidade Baixio para cursar os anos finais do

Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a EJA na Escola José Mariano Bento.

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Ilustração 36: E. M. Leopoldino José da Silva Ilustração 37: Barracão das Mulheres

Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

No capítulo III, apresentarei os aspectos históricos da escola, no que tange a sua

relação com a Escola José Mariano Bento. Cabe esclarecer que, apesar de a Escola

Leopoldino José da Silva, ser digna de análise, o principal objetivo desta pesquisa é

analisar a escola José Mariano Bento, localizada na Comunidade Baixio.

É importante vincar que, durante o ano letivo de 2015, os estudantes da

Educação de Jovens e Adultos das Comunidades Vaca Morta e Retiro perderam o ano

letivo, devido à impossibilidade de chegar à escola no período noturno, pois a ponte não

foi refeita. De acordo com os moradores, apesar de suas reivindicações, nenhuma

providência foi tomada pelos órgãos competentes.

Cabe indagar: como se deve registrar a situação destes estudantes nos

documentos escolares? Serão eles registrados nos índices de “Evasão”, ou seria mais

correto, inclui-los nos índices de Exclusão? Eles desistiram, ou foram obrigados a se

retirar? Segundo Brandão (2003, p.128), alguns autores utilizam a palavra “exclusão”

com a intensão de alterar a fórmula que nomina esse fenômeno. Para Arroyo (2003), o

termo “excluído”, requer que alguém seja responsabilizado, pela exclusão, ou pela

negação do direito de aprender. É preciso avançar nas discussões, refletir sobre o

sentido das palavras, a fim de ver, sentir, quais interesses elas atendem, a qual projeto

elas servem.

Voltando à viagem etnográfica, seguimos em direção à Comunidade Retiro,

última comunidade que visitaremos; como já foi exposto, essa comunidade integra

documentalmente a Comunidade Vaca Morta.

2.2.7 Comunidade quilombola Retiro

Seguindo em direção à Comunidade Retiro, observamos várias casas ao longo

do caminho, tal como nas outras comunidades, as famílias também se organizam em

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lotes; cabe reiterar que, em um mesmo lote, pode haver várias casas de moradia,

habitadas por filhos, irmãos ou outros parentes do dono do lote.

No caminho, avistamos o trilho que dá acesso ao cemitério das Comunidades

Vaca Morta e Retiro. Nele, observamos sepulturas bem antigas, cujas cruzes estão se

desfazendo e não possuem identificação, há também túmulos bem recentes. Totalizando

21 sepulturas (Ilustração 38).

Ilustração 38: Cemitério Vaca Morta e Retiro

Fonte: Acervo da Pesquisadora

Todos os moradores da Comunidade Retiro, são católicos, mas, na Comunidade

não tem igreja, as rezas são feitas nas casas dos moradores. Atualmente, não há

nenhuma família cuja religião seja de matriz africana, embora, em uma das entrevistas,

tenha sido informada de que outrora havia um centro de Candomblé na Comunidade,

mas que, com a morte do dono da casa, o centro fechou.

2.3 OS GUARDIÕES DA MEMÓRIA

Para refletir sobre a história das Comunidades, entrevistei cinco idosos a quem

considero como Guardiões da Memória, visto que as histórias das Comunidades, por

eles narradas, contribuem para fortalecer a identidade cultural dos mais jovens.

Quando um idoso falece, toda a comunidade sente e reconhece que, com ele,

apaga-se também uma parte da história do povo, suas memórias, suas lendas. Eles

parecem saber que o registro de suas origens não está nos grandes livros, mas nas rodas

de histórias, contadas nas noites quilombolas; nos causos rememorados ao redor do

fogão de lenha.

Nesses momentos, todo o silencio reverencia a voz já enfraquecida, os olhos já

turvos e as mãos trêmulas. É preciso dedicar atenção para “Guardar” a memória e quem

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sabe um dia também poder recontá-la. Ouvir as histórias da comunidade se assemelha

com semear a vida, é preciso plantá-la, para fazê-la viver.

Tal como aponta Bosi (1994), o estudo das lembranças de pessoas idosas tende a

ser mais profundo dado que elas já atravessaram um determinado tipo de sociedade,

com características bem marcadas e conhecidas; sua memória atual pode ser desenhada

sobre um pano de fundo mais definido do que a de uma pessoa jovem, ou mesmo

adulta, que de algum modo, ainda está absorvida nas lutas e contradições de um

presente que a solicita muito mais intensamente do que a uma pessoa mais jovem.

Assim é correto afirmar que os idosos que vivem no Território Quilombola Vão

Grande são como Guardiões da Memória coletiva daquele povo, cada um à sua maneira

contribui para perpetuar seus cantos e encantos, registrar seus saberes e fazer viver a

herança cultural.

É importante esclarecer que a memória pode ser entendida como o processo de

ordenação de lembranças e também a releitura dessas lembranças. Para Le Goff (1996)

existem três tipos de memória: a) a memória específica que defini a fiação dos

comportamentos das espécies animais; b) a memória “étnica”, que assegura a

reprodução dos comportamentos nas sociedades humanas e c) a memória “artificial”,

eletrônica em sua forma mais recente, que assegura sem recurso ao instinto ou a

reflexão, a reprodução de atos mecânicos encadeados.

Para Pollak (1992), existem dois tipos de memória: a) aquela relacionada aos

acontecimentos vividos pessoalmente, e b) aquela relacionada a acontecimentos vividos

pela coletividade. Halbwachs (1990) considera que a memória deveria ser analisada

como um fenômeno social, construída coletivamente e passível de constantes

transformações. A memória é, portanto, constituída por pessoas, compreendendo-a

como um fenômeno construído social e coletivamente.

A memória coletiva dos moradores do Território Quilombola Vão Grande,

formada pelas Comunidades Baixio, Camarinha, Morro Redondo, Retiro e Vaca Morta,

indicam três marcos de formação da comunidade: a) a presença de Silva Velho, a quem

todos se referem, como o primeiro morador da região de Vão Grande; b) a presença dos

negros fugidos, que formaram quilombos na região de Vão Grande; c) os antepassados,

membros da família, pais, avós, bisavós, que ocuparam a “terra comum”, devoluta.

A seguir, meu esforço se concentra na tentativa de descrever cada uma das

etapas mencionadas; é importante esclarecer que, em relação aos aspectos históricos

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relacionados aos antepassados, ater-me-ei ao núcleo familiar constituído pelas

Comunidades Baixio, Camarinha e Morro Redondo, a fim de compreender a história da

Comunidade Baixio, lócus desta pesquisa. Para tanto, busco triangular as informações

das entrevistas, dados apreendidos na pesquisa bibliográfica, nas certidões de

nascimento e casamentos, no Instituto de Colonização e Reforma Agrária/Incra, no

Instituto de Terras de Mato Grosso/Intermat, no município, no Diário Oficial de Mato

Grosso, na biblioteca do Museu do Índio, dentre outras fontes.

2.3.1 Aspectos históricos em comum

O imaginário dos moradores das Comunidades Baixio, Camarinha, Morro

Redondo, Retiro e Vaca Morta se referem a “Silva Velho” como sendo “o primeiro que

chegou” na região de Vão Grande. Inúmeras histórias são contadas sobre a sua vida. Sua

presença marca o imaginário dos moradores da região. As narrativas se repetem em

cada comunidade reafirmando a presença lendária dele na formação da comunidade:

O primeiro que abriu foi Silva Velho [...] Lá perto do Juzimar tinha um

laranjal que era do Silva Velho e ia até a beira do rio (JOSÉ AMBRÓSIO, 66

anos).

Depois desse é que nós somos dessa descendência. Foi criando gente. Até

que criou o meu pai, criou nós e nós está vivendo até hoje, aqui dentro

(MAXIMIANO, 73 anos).

Quem abriu primeiro aqui foi Silva Velho, a tapera dele é pra lá da Salobra,

não tem a ponte da Salobra? Então ali era tratado de Silva Velho, só que

nem eu não lembro, né. Intonsse ele abriu aqui, não tinha ninguém

(CONSTANTINO, 90 anos).

Não há, entre os moradores, quem não conheça a história de Silva Velho, e o

imenso laranjal que ele plantou. Há quem diga que ele virava lobisomem e tinha os

olhos vermelhos como fogo. Outros afirmam que ele chegou fugido, buscando

esconderijo em meio às serras, nas distantes terras devolutas; outros acreditam que ele

tenha sido um bandeirante, que passou nessa região: “Do Silva Velho, diz que ele virava

lobisomem onde ele cresceu, por isso ele veio fugido da mãe e do pai. Então casou com

uma mulher chamada Celidônia e fez morada aqui” (MAXIMIANO, 73 anos).

Nas narrativas dos moradores, nas conversas informais, não encontrei ninguém

que se arriscasse em falar do período ou ano que Silva Velho chegou a região, a

presença dele parece ser mítica. Embora o imaginário da comunidade também sugere

indícios da família, formada por Silva Velho:

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Foi o Silva Velho que abriu aqui, ele veio abriu aqui e teve esses três filhos:

José Cana Barros, Anacleto Leite de Barros, Francisco Leite de Barros

(MAXIMIANO, 73 anos)

Da mulher do Silva Velho, a gente só sabe o primeiro nome: Celidônia

(CONSTANTINO, 90 anos).

Com base nas informações, apreendidas nas entrevistas, organizei a árvore

genealógica da família de Silva Velho; minha intenção, ao apresentar as árvores

genealógicas, é situar o leitor no universo que forma a região Vão Grande, e as

Comunidades que a constitui, a fim de lançar luz à formação das famílias. Nessa

primeira imagem, vê-se a família de Silva Velho:

Ilustração 39: Família Silva Velho

Fonte: Elaborada pela pesquisadora

No entanto, apesar de todas as entrevistas fazerem referência a Silva Velho, não

encontrei registros documentais sobre ele e sua família. Embora os sobrenomes “leite” e

“Silva”, sejam os mesmos sobrenomes das famílias que formam a constituição familiar

nas Comunidades Retiro e Vaca Morta.

Outra curiosidade relacionada aos sobrenomes dos primeiros moradores das

Comunidades Retiro e Vaca Morta é que o primeiro explorador de poaia, que chegou ao

município, chamava-se “Pedro Torquato Leite da Rosa” e, conforme as entrevistas

realizadas, os sobrenomes “Leite” e “Rosa” denominam os moradores mais velhos,

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citados nas narrativas. Cabe reiterar, no entanto, que, apesar de a história das

Comunidades Retiro e Vaca Morta serem mui dignas de análise, nesta pesquisa,

debruçar-nos-emos mais profundamente sobre a história da Comunidade Baixio.

2.3.2 Os Quilombos

Quanto à existência de quilombos na região Vão Grande, as narrativas dos

entrevistados são unânimes em afirmar que, outrora, aquela região deu lugar à morada

de pessoas que foram escravizadas e encontraram abrigo entre as serras.

Quando a gente morou por lá tinha os buracos onde eles faziam enterro de

ouro, quando mudamos pra lá eles já tinham mudado pra outra terra, lá

tinha muito buraco para enterrar ouro (ANA LIMA, 104 anos).

Aqui, tinha os mucambos, nesse tempo era feito cerca com valeta

(CONSTANTINO, 90 anos).

Paula (1952), no Relatório da Comissão Rondon, escrito nos anos de 1941-1942,

faz referência à existência do quilombo na região:

Este planalto estreita-se na altura da cabeceira do Jaucoara, formando na

vertente oposta as escarpas onde se acham as cabeceiras do ribeirão Salobra

Grande, prolongando - se em cordão do lado do Jaucoara e de outro lado

forma um labirinto de contrafortes ao meio dos quais, se encontra o sítio

chamado quilombo, nome este devido ao fato de ali terem vivido

homiziados, protegidos pela inacessibilidade do terreno, muitos cativos

foragidos (informes obtidos no próprio local) (PAULA, 1982, p. 42, grifos

meus).

A Serra das Araras também era conhecida como Serra dos Quilombos, o que

pode confirmar a presença de formações quilombolas na região de modo a influenciar a

denominação, como os moradores se referiam à serra:

O primeiro desses contrafortes é aquele que separa as águas do Rio Cuiabá

das do rio Paraguay, atravessado pela linha tronco, adiante de Rosário de

Oeste, e pelo ramal do rio das Flexas, na Campina e Jacobina. Elle se estende

de N. E. para o S.O. tomando nomes locais diversos, como: Serra da

Quitando, da Curupira, das Arras, do Quilombo, da Jacobina etç

(RONDON, 1974, p. 416, grifos meus).

As narrativas permitem entrever a formação dos quilombos que constituem o

Território quilombola Vão Grande.

2.3.3 Terra Comum

Os moradores afirmam que a origem da terra, na qual foram constituídas as

comunidades, é “terra comum”, ou seja, as terras eram devolutas:

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Meu pai que abriu aqui, quando meu pai chegou aqui não existia fazendeiro

no mato grosso, não tinha mesmo, essa estrada que tem aqui que tão

andando hoje, meu pai que fez, então eu fez dali da bocaina até lá onde fala

Berge, então eu que abri e pra lá tem outra bocaina que sai atrás da serra

pra lá meu pai que abriu, mas não existia ninguém, meu pai que abriu, aqui

as terras era tudo comum (CONSTANTINO 90 anos).

Nesse tempo a terra era comum, lá na Camarinha meu pai que abriu com

meu avô, José Pio Rodrigues e com meu tio Mané Legário que é irmão do

pai da minha mãe, com Tomé dos Santos que é tudo irmandade. Eles que

abriram esse trieiro até chegar pros lados de Cárceres (ANA, 104 anos).

Os documentos referentes às Comunidades Baixio, Vaca Morta e Retiro, no

Incra e na Intermat, atestam que as terras que constituem as comunidades são devolutas,

confirmando assim a informação dos moradores.

Estudos recentes afirmam que, por todo território brasileiro, as comunidades

negras rurais se organizaram constituindo um campesinato negro. Silva (2015) afirma

que a forma de acesso à terra, de maior protagonismo entre a população negra, foi a

ocupação de terras devolutas por famílias negras durante e após a abolição. Segundo o

mesmo autor, muitas dessas comunidades negras rurais vêm se autodefinindo como

remanescentes quilombolas. De acordo com estudos recentes, a organização de

campesinato rural é uma prática comum principalmente no final do século XIX e início

do século XX, como é o caso de 44 comunidades na Bahia (SILVA, 2015).

Esse parece ser o caso das Comunidades Baixio, Camarinha, Morro Redondo,

Retiro e Vaca Morta, que se organizaram em terras devolutas, constituindo um

campesinato negro no município de Barra do Bugres, onde vem permanecendo por mais

de duzentos anos, resistindo a conflitos por disputa de terra, buscando soluções que

pudessem lhes garantir a permanência, até que, a partir de 2005, tiveram suas terras

reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares.

Gomes (2006) discorre sobre a existência de um campesinato,

predominantemente negro, constituído e articulado por libertos, mascates, escravos,

taberneiros, lavradores, vendeiros, roceiros, pequenos arrendatários e quilombolas. Em

muitas regiões, alguns quilombos foram praticamente identificados como comunidades

camponesas.

De acordo com Anjos (2009) as comunidades quilombolas emergiram e estão

presentes neste momento histórico, apresentando uma visibilidade no movimento do

campesinato brasileiro e dentro das demandas políticas e afirmativas e de reparação

social do País. Para o referido autor, esse processo ocorre dentro de um contexto de luta

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política, sobretudo de conquistas e reinvindicações do Movimento Negro e da Comissão

Nacional de Articulação dos Quilombos (CONAQ) e de uma rede de entidades negras

organizadas e representativas com ações desde os anos 1980 em todo Brasil.

De acordo com Dona Ana de Lima, 104 anos, quando sua família chegou à

região de Vão Grande, a “terra era comum”, e “não tinha esse de comprar a terra”.

Suas palavras são confirmadas por Silva (2015), ao mencionar que, nas décadas finais

do século XIX e início do século XX, a forma mais usual de acesso à terra era a

ocupação de terras devolutas, período em que não era utilizada nenhuma categoria

formal de acesso à terra. Na entrevista com o Senhor Constantino, 90 anos, ele retrata,

ao mencionar o convívio com os fazendeiros e com as cercas por eles trazidas, a

mudança na forma tradicional de acessar a terra e de se relacionar com ela:

Quando meu pai abriu aqui, Cuiabá [capital do Mato Grosso] era uns

barracãozinhos de palha. Não tinha fazendeiro no Mato Grosso. Então ai

nesse tempo era comum não tinha cerca, não tinha nada de cerca em parte

nenhum. Ai era tudo comum depois que os fazendeiros chegaram, trouxeram

as cercas (CONSTANTINO, 90 anos).

A ausência da cerca é lembrada com carinho, “era tudo comum”, dizem os

guardiões da memória, remetendo-se a um tempo em que os fazendeiros ainda “não

existia no Mato Grosso”. A ausência da cerca parece simbolizar um tempo de outrora

que não havia, sobretudo, ambição e individualismo mas, sim segurança e partilha, que,

no entanto, foi rompido por um projeto que não atende aos interesses da comunidade.

Ao lembrar da ausência da cerca, e das alegrias que existiam nesse tempo, os guardiões

da memória fazem lembrar as palavras de Dom Pedro Casaldáliga:

Malditas sejam todas as cercas!

Malditas todas as propriedades privadas

Que nos privam de viver e de amar!

Malditas sejam todas as leis,

Amanhadas por umas poucas mãos,

Para ampararem cercas e bois

E fazer da TERRA escrava

E escravos os homens.

(Dom Pedro Casaldáliga)

Durante a realização das entrevistas e nas conversas informais, observei uma

queixa constante relacionada aos conflitos pela posse da terra. A presença de grandes

fazendas em meio ao território, pode desvelar um quadro de abuso e de apropriação

indevida. De acordo com Silva (2014, p.59) “as Comunidades que ali se estabeleceram,

desde o século XIX, estão cercadas por fazendas, pois muitos dos antigos moradores

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tradicionais foram perdendo suas posses”. É importante ouvir a voz dos Guardiões da

memória:

Muito tempo depois o fazendeiro foi entrando né, nós pobre [suspiros]. Ai o

fazendeiro achou boca né, hoje o fazendeiro tomou. Nós temos mesmo, mas

só que tá dentro da fazenda dos outros. Foi assim que foi tomado. Nesse

tempo nós não sabia nem, não tinha nem estrada pra banda da cidade. Foi

tomando, tomando, tomando, hoje é fazenda pra toda parte

(CONSTANTINO, 90 anos).

Eu briguei oito anos para começar esse papel, ai ele falou pra mim [...] o

caminho é um só com fazendeiro é perigoso morte. [...] botaram sete vezes

jagunço em mim e oito vezes polícia por causa da terra. Ai a lei era deles

(CONSTANTINO, 90 anos).

Mas passamos um pouco de dificuldade sobre fazendeiro essas coisas [...] Os

fazendeiros, querendo toma aqui e ele ia toma porque a gente não tinha

maior força né e o fazendeiro passava ali, na porta da minha casa, todo dia e

passava pra cá e passava pra lá (MAXIMIANO, 73 anos).

Os conflitos citados pelos Guardiões da Memória marcam a história da luta pela

terra, que permeiam todas as comunidades quilombolas do município de Barra do

Bugres e região. A expulsão dos quilombolas de suas terras é apenas uma das

estratégias do grande capital para “exterminar” aqueles que de alguma forma se opõem

ao seu projeto. Os registros de conflitos podem ser verificados também nas informações

apontadas na página oficial da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

– SEPRIR61, que, em 30 de julho de 2009, noticiou o conflito fundiário envolvendo as

Comunidades Quilombolas Voltinha e Vãozinho, situadas no município de Porto

Estrela, nas proximidades da região de Vão Grande.

A denúncia apresentada no site da SEPRIR e as narrativas dos Guardiões da

Memória do Território Quilombola Vão Grande revelam as muitas faces de uma mesma

moeda: O cenário de ameaça e morte que envolve as comunidades quilombolas

brasileiras e se repetem em outros territórios, como é o caso dos povos indígenas e dos

trabalhadores rurais em assentamentos/acampamentos de Reforma Agrária.

A história dos quilombos não se limita à resistência à escravidão. Ela está

imersa nos processos de resistência ao padrão de poder, apropriação,

expropriação da terra, imposto aos africanos escravizados e a seus

descendentes. Os povos quilombolas têm consciência dessa relação

persistente entre sua história e as lutas pela manutenção de seus territórios.

Nessa tensa relação, têm construído e afirmado a sua consciência do direito à

terra e ao território e, nesse sentido, aproximam-se das lutas dos movimentos

sociais do campo (Parecer CNE/CEB, p.16, Nº:16/2012).

61Disponível em: <http://www.seppir.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2009/07/conflito_bugres>. Acesso

em: 23 abril 2015 às 18h26min.

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Nesse universo de ameaça e morte provocado pelo latifúndio e patrocinado pelo

capital, também é possível constatar que os povos que vivem no/do campo são sujeitos a

situações semelhantes.

2.3.4 Aspectos específicos

Em relação aos aspectos históricos específicos na formação do núcleo familiar,

composto pelas Comunidades Camarinha, Morro Redondo e Baixio, localizadas na

margem direita do Rio Jauquara, que pertencem ao município de Barra do Bugres, onde

fica a Escola José Mariano Bento, o marco mais antigo, retratado pela memória dos

moradores indica a chegada de duas famílias: Manoel Veríssimo de Lima com sua

esposa, Ana Paes Rodrigues e Sabino Maciel com sua esposa, Serafina Maria da Cruz.

Dona Ana, narra como os seus pais, Manoel Veríssimo de Lima e Ana Paes

Rodrigues, mudaram para a região do Vão Grande:

Eu nasci no município de Rosário Oeste, num lugar que chamava Salobra,

minha vó morava lá e lá que eu nasci. Meu pai é Manoel Veríssimo de Lima

e minha mãe é Ana Paes Rodrigues. Nós mudamos num lugar que chamava

Juquarinha, daí nós mudou num lugar que chama Camarinha [...] nesse

tempo a terra era comum, lá na Camarinha meu pai que abriu com meu avô,

José Pio Rodrigues e com meu tio Mané Legário que é irmão do pai da

minha mãe, com Tomé dos Santos que é tudo irmandade. Eles que abriram

esse trieiro até chegar pros lados de Cárceres. Esse pra banda da figueira

foram eles que abriram tudo ai. Eles que abriram esse vão de mato bonito

demais pra mode fazer roça. Um roçou um pedaço outro foi roçando outro,

ai foi juntando gente (ANA LIMA, 104 anos).

Quando perguntei à Dona Ana, onde o pai dela morava antes de vir para o Vão

Grande, ela me diz “Meu pai morava na beira do rio Cuiabá, pequenininho ele

atravessava o rio de Cuiabá de um lado para o outro. Antes, eles com a mãe dele, que

chamava Maria Luzia, morava no Diamantino, depois foi para a beira do rio Cuiabá”

Perguntei como Manoel Veríssimo de Lima conheceu Dona Ana Rodrigues,

dona Ana Lima informa que os pais se conheceram na Salobra: “Quando ele era rapaz

novo, andava demais e conheceu minha mãe na Salobra, onde ela morava com o pai

dela que era José Pio Rodrigues e a mãe dela Izabel Rainha da Úngria, e os irmãos:

Mané Legário, Tucanto e Tomé dos Santos”.

Dona Ana fala do tempo em que seu pai foi lutar na guerra: “Eu sou da era de

12 minha irmã mais velha é da era de 2 no tempo de guerra de Totopás que minha mãe

ficou de barriga grande [grávida]de Inácia, minha irmã, ai meu pai ia na guerra

quando vem já estava com nenenzinho”. A guerra, mencionada por Dona Ana, trata-se

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do conflito armado liderado por Antônio Paes de Barro62, conhecido por Totó Paes, com

um contingente aproximado de 3.000 homens, entre os quais havia lavradores e

seringueiros (FRANCO, 2014).

O Senhor Constantino narra como o pai chegou à região:

Meu pai quando abriu ali, Davi Correia, era coronel do exército, é mais

velho que Junqueira, era rapazinho novo, ele veio por lá e falou Manezinho

fica com essa bocaina aqui, não existia fazendeiro no mato grosso nenhum,

cria seus filhos, arruma uma mulher casa, cria seus filhos, aqui na bocaina e

não dá pra ninguém. E assim ele fez, quando ele era rapaz, ele fez uma roça

e bicho comeu tudo, o bicho era demais. Ai foi chegando mais companheiro

da idade dele e foi abrindo tudinho (CONSTANTINO, 90 anos).

Dona Ana, apesar de seus 104 anos, fala com lucidez sobre sua família, quem

eram seus irmãos, pais e avós:

Das irmandades que tem ainda é eu e Constantino, o Cutá. Cutá é o caçula,

primeira é a comadre Inácia, comadre Joana, daí a compadre Manoel

Izabel, comadre Bruna, daí é eu, e tem um que o Bernadinho que mataram,

ai é Balbino, tem Maria Eulália, Sabrina daí é Brígida, Constantino. Eu dei

na entrada do 104 anos, 103 já ta encerrado, enterei em 24 de agosto dia de

São Bartolomeu[...] Meu avô é José Pio Rodrigues que era Paes da minha

mãe e minha mãe é Ana Paes Rodrigues e meu pai é Manoel Verissimo de

Lima e pai de minha mãe que é José Pio Rodrigues, o minha vó se chamava

Isabel, mãe de meu pai se chamava Luiza, o pai do meu pai é José Mané

(ANA, 104 anos).

De acordo com as narrativas, Manoel Veríssimo de Lima se casou com Ana Paes

Rodrigues; ele é conhecido por seus descendentes como Papai Lima e ela por Mãe Ana;

desse matrimônio nasceram sete filhas e quatro filhos; a Ilustração 40 apresenta a

formação familiar de Manoel Veríssimo de Lima e Ana Paes Rodrigues:

Ilustração 40: Família Manoel Veríssimo e Ana Paes

Fonte: Elaborada pela pesquisadora.

62Maiores informações podem ser consultadas em Franco (2014).

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A memória coletiva dos moradores também retrata como primeiro morador da

região, que compreende as Comunidades Quilombolas Baixio, Camarinha e Morro

Redondo, o Senhor Sabino Maciel casado com a Senhora Serafina Maria da Cruz, os

netos se referem a eles como Papai Sabino e Mãe Fina:

A Mãe Fina era do Paraguai, quando eles chegaram aqui era mata virgem,

não tinha nem uma casa quando papai Sabino chegou[...] eles fugiram

vieram fugidos, ela e papai Sabino, já vieram juntos já, mas ela era novinha

e ficou lá até 109 anos, quando ela morreu, nunca saiu de lá, chegou que era

só mato não tinha ninguém (ZEFERINA, 69 anos)

O documento mais antigo sobre a origem das famílias é o registro de nascimento

de Dona Serafina Maria da Cruz, feito sob ordem judicial, o documento foi feito quando

Dona Serafina faleceu. Como ela não tinha nenhum documento, foi necessário fazer o

registro de nascimento para com ele fazer o registro de óbito. Do casamento entre

Sabino Maciel e Serafina Maria da Cruz nasceram sete filhos e três filhas. Na Ilustração

41, apresento a constituição familiar:

Ilustração 41: Família Sabino Maciel e Serafina Maria da Cruz

Fonte: Elaborada pela pesquisadora.

Os primeiros casamentos ficaram assim constituídos: seis casamentos foram

realizados entre os filhos de Manoel Veríssimo e Sabino Maciel; seis foram constituídos

com moradores de comunidades próximas; um foi constituído entre a própria família de

Manoel Veríssimo de Lima, pois Constantino casou com a prima, filha de Tucanto,

irmão de Ana Paes Rodrigues. A Ilustração 42 revela a formação dos primeiros núcleos

familiares que povoaram as Comunidades Baixio, Camarinha e Morro Redondo.

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Ilustração 42: Famílias Manoel Veríssimo e Sabino Maciel

Fonte: Elaborada pela pesquisadora.

Sobre os casamentos, o Senhor Constantino, 90 anos, afirma que Benedito

Porfirio de Maciel casou com Saturnina, que morava “pra diante de porto estrela uns 18

quilômetros”; O Ingrácio Maciel casou com Argemira, “que é do Vãozinho63”; A

Brígida Viúva Lima casou com Luiz Bom “gente do lado do coqueiro”; A Inácia de

Lima casou com Edmundo “que era gente do lado do coqueiro, era onde Davi Correia

morava”.

É possível interpretar que, na medida em que os núcleos familiares cresciam,

dava-se início a novo processo de ocupação do espaço, de modo que assim se

constituíram cada comunidade: Morro Redondo, Camarinha e Baixio.

Conforme assinala o Senhor Maximiano, 73 anos, a Comunidade Baixio foi

formada, quando seu pai, José Mariano Bento casou com Maria Eulália de Lima e

construíram a primeira casa do lugar que hoje é denominado Comunidade Baixio. A

casa que abrigou o casal e os filhos deles, também acolheu a escola, onde muitos

63O Vãozinho é outra comunidade quilombola localizada nas mediações do Território Quilombola Vão

Grande.

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ensaiaram as primeiras letras; e depois de testemunhar tantos cantos e encantos a casa se

fez templo, lugar de adoração.

O casal morou por toda a vida na Comunidade Baixio, criou os filhos, que foram

casando e povoando essa parte da região de Vão Grande. Na Comunidade Baixio, todos

os moradores são descendentes de José Mariano Bento e Maria Eulália de Lima, e

consequentemente são também descendentes do casal Sabino Maciel e Serafina Maria

da Cruz; e do casal Manoel Verissimo de Lima e Ana Paes Rodrigues.

O Senhor Maximiano Bispo Bento, 73 anos, é morador da Comunidade Baixio, é

casado com Dona Benedita, na Comunidade Baixio criou seus onze filhos. Muitos dos

filhos dele moram na Comunidade, alguns foram embora para estudar e trabalhar. De

acordo com ele, seu sobrenome é “Bento”, porque quando o seu pai, José Mariano

Bento, foi registrado ele não recebeu o sobrenome dos pais, Sabino Maciel e Serafina

Maria da Cruz, sendo ele o único dos onze filhos do casal que não se chamou Maciel,

devido a uma promessa. Dessa forma, os filhos de José Mariano Bento também

receberam o sobrenome “Bento”.

No silêncio da noite, o imaginário dos homens e mulheres quilombolas vai se

constituindo e fornece elementos essenciais para compreender as representações que

eles têm do território. As histórias que constituem esse imaginário coletivo também

podem ser compreendidas como explicações para garantir a permanência no lugar e

justificar sua formação.

Em suma, o imaginário dos moradores, sugere que há aspectos históricos em

comum, entre as cinco comunidades e que há, também, aspectos históricos específicos,

em cada uma delas. Quanto aos aspectos em comum entre as cinco comunidades, o

imaginário dos moradores indica: a) a presença de Silva Velho, como primeiro morador

da região de Vão Grande; b) a existência de quilombos na região; c) a formação de um

campesinato negro organizado em terra devoluta.

Quanto aos aspectos específicos entre as Comunidades da região de Vão Grande,

a memória dos moradores sugere a existência de dois núcleos familiares, um em cada

lado do Rio Jauquara, sendo que o primeiro foi responsável pela criação das

Comunidades Retiro e Vaca Morta e o segundo, responsável pela fundação das

Comunidades Baixio, Camarinha e Morro Redondo.

Em relação aos aspectos históricos específicos na formação do núcleo familiar,

composto pelas Comunidades Camarinha, Morro Redondo e Baixio, o marco mais

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antigo, retratado pela memória dos moradores indica a chegada de duas famílias:

Manoel Veríssimo de Lima com sua esposa, Ana Paes Rodrigues e Sabino Maciel com

sua esposa, Serafina Maria da Cruz. Os filhos e filhas destes dois casais povoaram a

região e iniciaram a formação dos núcleos familiares, composto pelas Comunidades

Camarinha, Morro Redondo

A formação da comunidade Baixio tem início, quando, José Mariano Bento

(filho de Sabino Maciel e Serafina Maria da Cruz) e Maria Eulália (filha de Manoel

Veríssimo de Lima e Ana Paes Rodrigues de Lima) casaram e construíram a primeira

casa do lugar que hoje é denominado Comunidade Baixio.

No próximo capítulo, procuro contextualizar a Escola José Mariano Bento. Para

tanto, discorro sobre as Políticas Públicas relacionadas a Educação Escolar Quilombola

apresento uma breve contextualização da história da escolarização no Território e reflito

sobre as condições físicas e estruturais da escola.

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CAPÍTULO III

3. EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA E SEUS CONTEXTOS

Este capítulo tem como objetivo descrever e contextualizar a Educação Escolar

Quilombola na Escola Estadual José Mariano Bento. Para tanto, dividi o capítulo em

três partes: na primeira, teço reflexões sobre as Políticas Públicas relacionadas a

Educação Escolar Quilombola. Na segunda, apresento uma breve contextualização da

história da escolarização no Território Vão Grande. Na terceira, descrevo a Escola

Estadual José Mariano Bento na atualidade, dentro dos moldes da “Educação Escolar

Quilombola”, suas condições físicas e estruturais. Descrevo ainda o perfil dos

estudantes e dos profissionais da educação, com destaque para o perfil dos educadores-

docentes.

Nesse contexto, procurei, também, esclarecer de que maneira a Comunidade

Baixio vem se instituindo como centro político e cultural do território quilombola Vão

Grande. Para atender a esses objetivos, dialoguei com Arroyo (2007), Castilho (2011),

Freire (2001, 1987, 1992).

3.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS

PÚBLICAS

A educação realizada nas comunidades quilombolas passou por um longo

período de esquecimento, diluída nas políticas da Educação Rural, sem nenhuma

política pública e ou pedagógica que considerasse a sua especificidade.

No entanto o resultado das mobilizações, tecidas no bojo dos movimentos

sociais, com destaque para o Movimento Negro e, para o Movimento Quilombola, fez

com que, fosse delineado um movimento de discussões sobre mudanças no modelo de

ensino para as escolas das comunidades quilombolas.

Assim, os movimentos sociais tiveram papel decisivo na formulação de políticas

públicas, por meio de representação nas mobilizações tais como: a I e a II Conferência

por uma Educação Básica do Campo, em 2004; a Marcha Zumbi + 10: Pela Cidadania e

a Vida, em 2005; a realização da 1ª Conferência Nacional de Políticas de Promoção da

Igualdade Racial (I CONAPIR), realizada pela SEPPIR, em 2005, na IIª Conferência

Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (II CONAPIR, 2005).

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As mobilizações dos movimentos sociais motivaram ações desencadeadas pelo

Governo Federal, voltadas às comunidades remanescentes de quilombos, sobretudo, a

partir do segundo semestre de 2003, quais sejam: criação da Secretaria Especial de

Políticas de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR, em 2003; lançamento do Programa

Brasil Quilombola, desenvolvido pela SEPPIR, em dezembro de 2004;

institucionalização da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e

Inclusão/SECADI, em 2004, na qual a Educação Escolar Quilombola encontra um lugar

institucional de discussão.

As ações dos movimentos sociais também motivaram a promulgação de

legislações, especialmente importante para a educação das relações étnico-raciais, no

geral, e particularmente para a educação quilombola, quais sejam: Alteração da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394, de 1996, com a inserção dos artigos 26-A e

79-B, referidos na Lei nº 10.639, de 2003; promulgação do Decreto Nº. 4.887, no ano de

2004, do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que regulamentou os procedimentos para

titulação das terras ocupadas pelas comunidades quilombolas, de que trata o artigo 68

do ADCT; promulgação da Resolução CNE/CP nº 1/2004, que define Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de

História e Cultura Afro-brasileira e Africana.

A primeira legislação a mencionar a Educação Escolar Quilombola como

modalidade da Educação Básica é a Resolução nº 04, de 13 de julho de 2010, que define

Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Assim, ao definir as

modalidades da Educação Básica, reconhece a Educação Escolar Quilombola, como

uma modalidade:

Seção VII

Educação Escolar Quilombola

Art. 41. A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em unidades

educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria

em respeito à especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação

específica de seu quadro docente, observados os princípios constitucionais, a

base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica

brasileira.

Parágrafo único. Na estruturação e no funcionamento das escolas

quilombolas, bem como nas demais, deve ser reconhecida e valorizada a

diversidade cultural (Seção VII, Resolução nº 4, CEB/CNE, 2010).

Dentre as legislações que tratam das especificidades da educação escolar

quilombola, também merece destaque o Parecer CNE/CEB 07/2010, que aponta para a

elaboração de Diretrizes Curriculares Nacionais específicas para essa modalidade e as

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deliberações da Conferência Nacional de Educação (CONAE, 2010), por instigarem a

Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, a instituir, por meio da

Portaria CNE/CEB nº 5/2010, uma comissão responsável pela elaboração das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola.

É importante reiterar que essas ações foram motivadas pelas mobilizações dos

movimentos sociais, com destaque para o Movimento Negro e para o Movimento

Quilombola, trazendo à cena pública e política, as problemáticas relacionadas à

educação nos quilombos, destacando-a como importante questão social e educacional.

Assim, os movimentos sociais assumem o papel fundamental de fomentar

lembrança aos esquecimentos e tornar audíveis os silenciamentos, a que as comunidades

quilombolas foram submetidas, provocando a implantação de legislações educacionais

específicas que atendessem às suas necessidades.

As muitas lutas tecidas pelos movimentos sociais culminaram na promulgação

da Resolução nº 08 de 20 de novembro de 2012, que institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para Educação Escolar Quilombola, a publicação desta legislação, pode ser

considerada um dos marcos da luta do Movimento Negro e do Movimento Quilombola,

pois ela consolida a Educação Escolar Quilombola como uma modalidade de ensino.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola

apresentam os Princípios que regem a Educação Escolar Quilombola, organizada em 64

artigos, a legislação que propõe a formatação da organização dos sistemas e propostas

pedagógicas para as escolas quilombolas, que se destinam ao atendimento das

populações quilombolas rurais e urbanas em suas mais variadas formas de produção

cultural, social, política e econômica.

É importante destacar que, em 2004, o Censo Escolar realizado pelo INEP, em

parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, passou a incluir um

item de diferenciação e identificação das escolas, número de alunos e professores

localizados em territórios de quilombos, em suas estatísticas.

Esse evento trouxe ao conhecimento da sociedade brasileira uma quantidade

expressiva de escola e atores sociais atuantes nesses territórios, que, até então, era

desconhecida, e apresenta, também, o número de escolas em áreas remanescentes de

quilombos, contabilizando 364 (INEP. 2004), desde então o número de escolas

localizadas em comunidades quilombolas cresce a cada novo censo, de modo que no

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censo de 2014 contabilizam 2429 escolas quilombolas, assim em uma década o número

de escolas quilombolas cresceu 6,6 vezes.

No ano de 2013, estavam matriculados na Educação Básica 227.430 estudantes;

destes, 32.650 estavam matriculados na Educação Infantil, 155.860 no ensino

fundamental e 13.492 estavam matriculados no Ensino Médio (BRASIL, INEP, 2014),

como se pode conferir na Tabela 8, seguinte:

Tabela 8: Número de matrículas em escolas localizadas em comunidades de quilombos 2007/2013

Fonte: Resumo técnico. Censo Escolar da Educação Básica 2013.

No que diz respeito ao número de escolas, de acordo com o Censo Escolar de

201464, existem no Brasil 2.429 escolas localizadas em áreas remanescentes de

quilombos. Desse total, 2.408 são públicas e 14 privadas. Das privadas, seis são rurais e

oito são urbanas. Das públicas, uma é federal, 118 são estaduais e 2.289 são municipais

(BRASIL, INEP, 2014).

No caso do município de Barra do Bugres, de acordo com o Censo Escolar de

2014, existem no município três escolas localizadas em áreas de quilombos. Todas são

públicas, sendo uma estadual e duas municipais (BRASIL, INEP, 2014), conforme

revelo na Tabela 9:

64As informações disponíveis para consulta correspondem aos dados finais do Censo Escolar 2014,

publicados no Diário Oficial da União no dia 09 de janeiro de 2015.

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Tabela 9: Escolas localizadas em comunidades quilombolas do município de Barra do Bugres Código Escola Dependência

Administrativa

Localização Matrículas65

E.I E.F E.M E.J.A T.

51190818 EE José Mariano Bento Estadual Rural - 51 81 21 153

51058928 Em Boa Esperança Municipal Rural - 17 - - 17

51027046 Em Queimado Municipal Rural - 10 - - 10

Total 180

Fonte: INEP. Dados organizados pela pesquisadora. 2015.

Os dados da Tabela 9 desvelam a matricula de 180 educandos em escolas

localizadas em comunidades quilombolas do município de Barra do Bugres,

considerando que o município abriga nove comunidades quilombolas e apenas três delas

têm escola, possivelmente os educandos das demais comunidades quilombolas estudam

no centro urbano. Uma situação muito frequente nas comunidades rurais: educandos

obrigados a se submeterem a grandes distâncias, e enfrentarem muitos obstáculos para

conseguirem se escolarizar, como foi demonstrado no capítulo II. Isso faz com que

muitos deles abandonem a escola e outros tantos abandonem a comunidade.

Como se pode perceber, o crescimento do número de escolas, e de matrículas

existentes em territórios quilombolas é significativo. Não é possível ignorar a

representatividade dessa população no cenário educacional brasileiro. E, muito menos,

continuar negando a esses territórios o direito a uma educação que seja adequada aos

seus contextos e às suas necessidades sociais e formativas e, com a qualidade que todo

cidadão merece.

No que tange à legislação referente ao Estado de Mato Grosso, a Normativa Nº

002/2015/CEE-MT, que estabelece normas aplicáveis para a Educação Básica no

Sistema Estadual de Ensino, não reconhece a Educação Escolar Quilombola como

modalidade da Educação Básica, antes, classifica-a, como uma especificidade:

Art. 3º A Educação Básica é formada por Etapas, Modalidades e

Especificidades:

I. etapas - Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio;

II. Modalidades - Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial,

Educação a Distância, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena e

Educação Profissional Técnica de Nível Médio;

III. Especificidades - Educação Escolar Quilombola (DOEMT,

24/09/2015. Grifos meus).

Ao desconsiderar a Educação Escolar Quilombola como uma modalidade da

Educação Básica, o Estado de Mato Grosso parece retroceder na história, de

65 Matriculas: E.I.: Educação Infantil; E.F: Ensino Fundamental; E.M: Ensino Médio; E.J.A: Educação de

Jovens e Adultos.

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protagonismo, que vinha construindo, quando, no ano de 2006, promulgou a Resolução

nº 204/06 CEE/MT e o Parecer nº 234/06-CEE/MT; no ano de 2008, promulgou o Plano

Estadual de Educação; e, no ano de 2010, o Estado de Mato Grosso vai mais longe e

publica as Orientações Curriculares para Educação Básica, na qual a Educação Escolar

Quilombola encontra espaço de debate. Os documentos são pioneiros no Brasil, e,

segundo Oliveira(2013), se antecipam, inclusive aos marcos nacionais:

Eles arriscaram a proposição da modalidade Educação Escolar Quilombola,

antes da publicação da resolução do CNE. De todo modo, a decisão de

construir uma política de educação diferenciada para comunidades

quilombolas a partir de 2008 foi uma aposta ousada do estado diante do

cenário das políticas educacionais para quilombos noutros estados e em nível

nacional (OLIVEIRA, 2013, p. 57).

As legislações citadas e suas proposições, descortinam o retrocesso vivenciado

pelo Estado, fazendo-me concordar com as palavras de Ferreira (2015, p.35), ao afirmar

que “a luta em favor do reconhecimento dessa Modalidade Específica e Diferenciada de

ensino se confronta com outros interesses governamentais paralelos, voltados para uma

educação universalista, mercantilizada e eurocêntrica”.

A desconsideração da Educação Escolar Quilombola, como uma modalidade da

Educação Básica, simboliza um retrocesso nas lutas travadas a favor de um projeto de

educação que dê visibilidade às comunidades quilombolas e que contribui para a

valorização de seus saberes, sua cultura. Esse retrocesso permite entrever o jogo de

poder entre dois projetos de educação para o País, desvela as contradições, entre a luta

dos movimentos sociais e os interesses de uma educação comprometida com o capital.

Em contraponto, devido às pressões dos Movimentos Sociais, durante o segundo

semestre do ano de 2015, O Estado de Mato Grosso, por meio do Conselho Estadual de

Educação-CEE/MT, realizou Audiências Públicas para discutir e elaborar a Normativa

que vai tratar da Educação Escolar Quilombola no Estado de Mato Grosso. Para isso,

foram selecionadas algumas comunidades quilombolas para sediar as reuniões, dentre

elas a Comunidade Baixio, lócus desta pesquisa.

A Audiência Pública realizada na Comunidade Baixio, ocorreu no dia 26 de

agosto de 2015, sob o tema: “A Educação Escolar Quilombola que temos e a Educação

Escolar Quilombola que queremos”, contou com a participação significativa de

representantes das Comunidades do Território Quilombola Vão Grande e demais

comunidades quilombolas, gestores, docentes, estudantes, movimentos sociais, ONGs,

pesquisadores e demais interessados no tema.

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Durante diversas reinvindicações, foram apresentadas pela Comunidade,

algumas questões que se referem, especificamente, à infraestrutura da escola, sejam

exemplos: a construção da quadra de esporte; conclusão da construção do prédio

escolar; instalação hidráulica e elétrica na escola.

Outras questões se referem à formação e valorização dos profissionais da

educação, tais como: valorização do educador quilombola; concurso específico para

escolas quilombolas; salário dos profissionais, com acréscimo por trabalharem em

escola distante; graduação e pós-graduação sobre Educação Escolar Quilombola, para

os profissionais quilombolas.

Também foram apresentadas reinvindicações direcionadas diretamente ao

educando, sejam exemplo: alimentação para os educandos nas aulas de reforço;

materiais pedagógicos adequados à identidade quilombola; fortalecimento da identidade

quilombola na escola; garantia de monitores nos ônibus escolares, para cuidar dos

educandos, transporte escolar de qualidade, políticas afirmativas que garantam o acesso

e permanência dos educandos quilombolas na universidade.

Outras reivindicações abrangem tanto a escola quanto a comunidade: estrada

trafegável, água encanada e tratada; escolha da gestão escolar, pelos moradores;

aplicabilidade das políticas públicas; alimentação; demarcação das terras quilombolas;

investimento em maquinários e transporte para escoar a produção; carro para o

atendimento na área da saúde.

As demandas por eles apresentadas revelaram a consciência que as comunidades

quilombolas têm de sua história, desvelam seus anseios pela escolarização dos filhos,

revelam ainda a compreensão, que eles possuem, de que as condições de trabalho e a

formação dos profissionais da escola estão intimamente relacionadas ao sucesso ou ao

insucesso escolar.

3.2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO NA COMUNIDADE

BAIXIO

O doutor falou pra mim: “quantos anos que você tem de estudo?” Falei:

doutor, nem uma hora! Quanto mais um dia! Minha carta nunca foi na

escola! Eu nunca estudei nem uma hora!

Sr. Constantino/90 anos

A epígrafe traduz o tempo da inexistência de escolas na região Quilombola Vão

Grande. Fala de tempo distante, mas também traduz tempos presentes, por muitos ainda

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vivenciados. Quando o Senhor Constantino, 90 anos, filho de Manoel Veríssimo de

Lima com Ana Paes Rodrigues, afirma: “minha carta nunca foi na escola”, ele desvela

a situação de descaso em que os moradores das comunidades rurais, se submetem. A

“carta”, ou seja, seu documento de identificação pessoal, nunca foi à escola. Ele nunca

foi matriculado, nunca frequentou o ambiente escolar.

A história da implantação de escolas na região de Vão Grande está relacionada à

luta dos seus moradores para garantir aos filhos, o direito à educação; são eles que se

organizam, exigem, lutam, gritam, movem as leis, ainda que a pequenos passos,

contrariam o sistema, insistem. Para fazer caber no sistema educacional, a “carta do

trabalhador” e com ela os sonhos, as esperanças e utopia do povo do lugar.

As palavras do Senhor Maximiano, 73 anos, neto, tanto de Sabino Maciel com

Serafina Maria da Cruz, quanto de Manoel Veríssimo de Lima com Ana Paes

Rodrigues, desvelam a história da escolarização na Comunidade Baixio, contam da

trajetória de luta, desde a inexistência de escolas na região até a implantação da “Escola

Quilombola”; suas palavras revelam os sonhos e as decepções de um passado nem tão

distante:

Eu fui com meu pai, em Alto Paraguai, pedir pra o prefeito, fazer a escola

aqui. Ai ele foi muito pronto, ele era muito pronto, mas ai ele disse: vocês

vão lá e arruma um professor e pode arrumar um quarto lá pra ele e ele vai

lecionando que daqui quinze dias eu estou lá e ai nós organizamos lá um

lugar pra ele lecionar e levantar uma escola lá. Eu lembro muito bem, eu e

meu pai foi lá, eu não era casado, era pequenote. Então nos veio e

arrumamos um quarto ai pra ele. Arrumamos um professor, veio deu aula

pra primeirinha, deu aula dois meses que ele deu aula. Ai o professor falou:

eu não vou trabalhar mais porque quem é que vai trabalhar sem receber. Ai

falamos: agora você vai lá no pé dele, ele paga pra você! Não era dois meses

que ele trabalhou? Chegou lá ele recebeu um mês, um mês só e o outro mês

não recebeu. Ai ele falou que não ia da mais aula e acabou! Esse ai é que eu

me lembro (MAXIMIANO, 73 anos).

Na narrativa, percebe-se a indicação temporal, provavelmente esse

acontecimento data da década de 5066, dado que o Senhor Maximiano é nascido em

1943, e era “pequenote”, a expressão também permite interpretar que, mesmo criança,

ele acompanhava o pai, o Senhor José Mariano Bento, nas negociações pela

implantação da escola. Embora as tentativas fossem sempre frustradas: “Ai ele falou que

66Naquele período, a Constituição Federal destinava 20% da verba para a educação rural, mas a lei não foi

implementada, resultando no descaso com a Educação realizada em comunidades rurais.

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não ia dá mais aula, e acabou!”. O descaso com a educação para as populações rurais

impedia que a escola de fato se estabelecesse.

As palavras de Dona Maria Zeferina Machado, 69 anos, neta, tanto de Sabino

Maciel e Serafina Maria da Cruz, quanto de Manoel Veríssimo de Lima e Ana Paes

Rodrigues, conta de sua rápida experiência na escola:

Eu estudei, eu lembro que eu estudei até no Bê-á-bá, eu não saí daí. Eu só fui

uns dias. Eu tinha uns nove anos, eu ia um pouco andando e outro nadando,

para atravessar o Rio Jauquara. Eu segurava bem os cadernos para não

molhar, eu ia com meus irmãos, a gente ia nesse colégio que era feito de

tábua, o professor era Leopoldino, ele já era velho e tinha a cabeça toda

branca. Tinha uma aluna que era ruda67, ele batia nela, mandava ela fechar

a mão e ele batia nela com aquele trem redondo, batia que voava sangue, ele

judiava tanto dessa menina, ele não era nada dela, só professor. Tinha muito

aluno, de toda parte ia nesse colégio, que era só essa escola que tinha, antes

desse nunca teve aula, teve outra, tempos depois, que era perto da casa de

Josino, nesse tempo eu já era casada. (ZEFERINA, 69 anos).

Há tristeza nos olhos de Dona Zeferina ao afirmar que só estudou até o “bê-á-

bá”. Ela explica as dificuldades para atravessar o Rio Jauquara a nado, para frequentar

as aulas no outro lado da margem. Como quem explica, ela afirma: “só estudei uns

dias”, tornando visível a ausência de oportunidades vivenciada por gerações inteiras. As

palavras simples da mulher já grisalha fazem lembrar a Pedagogia da Esperança, pois

falam “do cansaço do corpo, da impossibilidade dos sonhos com um amanhã melhor.

Da proibição que lhes era imposta de ser felizes. De ter esperança” (FREIRE, p. 13,

1992).

A narrativa de Dona Zeferina, 69 anos, desvela que, naquela época, a travessia

do Rio era feita da Comunidade Baixio para frequentar a escola, cujas aulas eram

ministradas pelo professor Leopoldino José da Silva, na Comunidade Retiro. Seis

décadas depois, o percurso se inverte, e a travessia é realizada para chegar à Escola José

Mariano Bento, na Comunidade Baixio. As dificuldades do percurso persistem, e os

educandos ainda enfrentam, teimosamente, as águas do Jauquara para chegar à escola,

pois a ponte que liga as duas Comunidades foi levada pelas águas.

As palavras de Dona Zeferina, 69 anos, também descortinam um tempo em que

a escola era relacionada aos castigos físicos, herança das relações escravistas. Quando

ela diz “ele batia nela, mandava ela fechar a mão e batia nela com aquele trem

redondo, batia que voava sangue, ele judiava tanto dessa menina, ele não era nada

67Expressão utilizada para designar uma pessoa com dificuldades de aprendizagem.

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dela, só professor”, as lembranças do professor Leopoldino parecem tristes, e se

referem com frequência aos castigos físicos.

É interessante contrapor o modelo de educação, citado nas palavras de dona

Zeferina, à educação dialógica de Freire (1987), na qual, segundo o autor, a educação é

um instrumento de emancipação dos seres humanos.

O relatório “Levantamento do Rio Jaucoara e de outros trechos do estado,

destinados a Carta de Mato Grosso”, ao descrever Vão Grande, destaca o alto grau de

analfabetismo na região “A porcentagem de analfabetos é simplesmente alarmante. Não

há coisa mais difícil que encontrar-se quem saiba ler e escrever, pelo menos o próprio

nome” (PAULA, 1952, p.68).

Essa descrição confirma as narrativas dos moradores ao afirmarem que não

existia aula de fato, pois não ofereciam condições para que a população, de fato, tivesse

a ela acesso.

A narrativa do Senhor Maximiano, quando ele, já adulto, figura como liderança,

nas negociações pela construção da escola, reafirma o descaso com a educação e a

inexistência de escolarização.

Então foi passando devagar, devagar. A gente vivia sofrido aqui falta de

água, falta de muitas coisas. O prefeito de Alto Paraguai não importava com

nós, não importava com município, não importava com obrigação dele. Tem

até oficio que eu fiz, de quarenta aluno sem estudo, o lugar parecia um

sertão. Tanta criança, tinha bem uns quarenta aluno sem estudo, ai

passamos pra Barra do Bugre e ai deu uma briga lá entre os prefeitos, umas

briga deles lá zangados com nós, mas a gente queria ver um menos a cara do

prefeito de Alto Paraguai que nem aparecia pra nós, não aparecia de jeito

nenhum. (MAXIMIANO, 73 anos, grifos meus).

Durante a pesquisa documental, INCRA, (1995)68, DOEMT (1992, 2001)69,

localizei registros de salas de aula nas Comunidades Baixio, Camarinha, Morro

Redondo, para atender às series iniciais do ensino fundamental, no entanto, de acordo

com os depoimentos dos sujeitos da pesquisa, a escolarização era bastante precária, e as

aulas não se efetivavam. Dentre os motivos da falta de aulas, o mais recorrente nas

entrevistas se refere à não permanência dos professores.

Esse quadro começa a se modificar com a chegada das professoras, Lucimara

Evangelista, Dinalva Campos e Maria Helena Dias, que, devido ao enlace matrimonial

68O relatório final do processo no INCRA para implantar o projeto de assentamento “Vaca Morta”. Ao

qual tive acesso, para leitura na sede do INCRA. 69A pesquisa documental realizada no Diário Oficial de Mato Grosso me permitiu localizar registros das

escolas existentes naquele período, no entanto, nesta pesquisa, me debrucei, especificamente, sobre a

Escola José Mariano Bento.

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com moradores da comunidade, permaneceram na escola, inaugurando um novo tempo

de lutas, é interessante ouvir seus depoimentos sobre as dificuldades que enfrentaram

naquele período:

Naquele tempo as dificuldades eram muito grandes, eu tinha que dá aula,

limpar a escola, fazer a merenda e buscar água. Levantava bem cedo para

fazer a merenda antes de começar a aula. E depois que terminava ia lavar as

louças, limpar a escola e buscar água na mina (Dinalva, educadora

quilombola).

Essa fase foi difícil pra mim, pois eu tinha Viviane pequena, eu tinha que ir

lá em Alto Paraguai receber, tinha que sair daqui para ir lá, eles pagavam

por cheque não era na conta, muitas vezes chegava lá não recebia, já tive

que dormir na casa da secretária de educação de lá, um dia, dois dias e

depois que recebia voltava. Esse período foi muito difícil (LUCIMARA,

educadora quilombola).

De acordo com a documentação arquivada na secretaria da atual Escola José

Mariano Bento, a partir do ano letivo de 2005, a Comunidade Baixio passou a oferecer

as séries finais do Ensino Fundamental, e, a partir de 2009, o Ensino Médio. A oferta

era realizada por meio de salas anexas, ou seja, os educandos estudavam na

Comunidade, mas a matrícula era efetuada em uma escola urbana. Essa prática se

mostrava prejudicial à Comunidade, pois impedia que a escola recebesse recursos que

viabilizassem a qualidade do ensino, sejam exemplos as condições de infraestrutura da

escola, nesse período, Ilustração 43:

Ilustração 43: Escola de Palha

Fonte: Acervo de Maria Helena Dias

No ano de 2010, o Estado assume a escolarização na Comunidade Baixio. A

professora Maria Helena Dias narra o processo para tornar a escola da Comunidade em

Escola Quilombola:

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A Regina que era diretora da Sabino, foi na SEDUC e encontrou o

documento que falava de escola quilombola, não sei como, e perguntou se a

gente por ter a certificação da Fundação Palmares, queríamos estadualizar

a escola, nós pensamos que ia ser uma boa, ter recurso para escola

quilombola, aumentar o recurso da merenda, ter diretora, ter coordenadora,

devido a quantidade de turmas que a gente tinha. E se a gente não gostasse

poderia voltar para a municipal, pensamos que seria uma boa, por que os

alunos que estavam entrando no ensino médio, não precisariam ir embora.

Fizemos a primeira chamada para perguntar. Reunimos os presidentes e

convocamos uma reunião, onde estavam presentes pais da Comunidade Vaca

Morta, Retiro, Camarinha, Baixio e Morro Redondo, junto com o professor

Elias e o professor Chagas. Eles contaram como é uma escola estadual,

como seria, os recursos que viriam, as vagas que viriam, as salas que teriam,

que não seriam mais separadas, o Ensino Fundamental do Ensino Médio,

que seria tudo na mesma escola, na nossa escola! Alguns pais de imediato já

acharam que seria bom e alguns não, por que ai, iria nuclear tudo. Esse

impasse continuou por mais três reuniões na escola, onde eu era a que fazia

a ata, todas as atas para estadualizar a escola estão com a minha letra. O

Morro Redondo a princípio não aceitou, por que ia fechar a escola de lá, e a

escola fortalece a comunidade e é um ponto de referência (MARIA HELENA,

educadora quilombola).

Em 2010, a Escola da Comunidade Baixio passa a integrar o quadro das Escolas

Quilombolas de Mato Grosso, trazendo consigo novo fôlego para a luta, acendendo a

chama do desejo por uma escola que enfim coubesse a “carta” e os sonhos do povo do

Território Quilombola Vão Grande, como relata o Senhor Maximiano: “Ficou que hoje

está bem e a escola passou para o estado. Na escola tá estudando de caducando a

mamando. Só não estuda quem não quer. Eu com minha mulher, pregou ai na escola,

fomos até que completamos nosso estudo”.

Desse modo, a Escola Estadual José Mariano Bento foi criada, formalmente, em

fevereiro de 2010, pelo Decreto de Criação nº 2378 de 22 de fevereiro de 2010. Na

sequência, o Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar/CDCE foi registrado no

Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica/CNPJ sob o nº 11911.780/0001– 48, em 04 de

março de 2010.

No mesmo ano de 2010, tem início o processo70 para construção do prédio

escolar, cuja obra começou em 2010, mas não foi concluída, representando um

descontentamento na população do Território Vão Grande.

70A licitação consta no Edital Nº 017/2010/SEDUC/MT 10/06/2010, cujo objetivo era selecionar empresa

especializada em execução de obras civis para a Construção de unidade escolar com 06 (seis) salas de

aula, sala de informática, administração, sala do professor, conjunto de banheiros masculino e feminino,

cozinha e refeitório, instalações hidro-sanitárias banheiros, instalações hidro-sanitárias PNEE, instalações

hidro-sanitárias cozinha, instalações elétricas, construção de 30m de muro com gradil, 370m alambrado,

construção de quadra poliesportiva (dimensão da quadra 24x32m) coberta com arquibancada de 2 degraus

nas duas laterais (DOEMT, 10/06/2010).No entanto, a empresa que venceu a licitação, com o valor global

de R$ 1.175.259,22 (um milhão cento e setenta e cinco mil, duzentos e cinquenta e nove reais e vinte dois

centavos), (DOEMT, 20/07/2010), não concluiu a obra. No Diário Oficial de 26 de setembro de 2012,

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Enquanto esperavam pela conclusão da obra, as aulas eram ministradas em um

barracão, construído de pau a pique, no qual os educandos e os educadores estavam

sujeitos a toda sorte: chuva, sol, vento, poeira. Além de as aulas funcionarem em um

mesmo barracão, em regime multisseriado, e com vários professores lecionando seus

conteúdos no mesmo lugar.

3.3 A ESCOLA ESTADUAL JOSÉ MARIANO BENTO: 2015

A Escola Estadual José Mariano Bento, localizada na Comunidade Baixio,

parece estar se constituindo como centro político, cultural e educacional do Território

Vão Grande, desde que a Escola começou a receber os educandos das demais

comunidades, por meio da nucleação escolar. Por essa razão, ela foi escolhida como

lócus desta pesquisa.

O nome da escola é uma homenagem, como esclarece o PPP da escola: “A

escolha do nome José Mariano Bento se justifica pelo mesmo ser o fundador da

Comunidade Quilombola Baixio, os moradores desta comunidade são seus filhos, netos

e sobrinhos” (PPP, escola José Mariano Bento, 2010, p. 02).

A escolha da comunidade Baixio como local da construção do prédio escolar, foi

acompanhada de conflitos e disputa. Dado que todas as comunidades possuíam o

mesmo desejo de abrigar a escola. A razão do conflito se dá, devido ao fato de que as

escolas das comunidades rurais funcionam como centro cultural, sua localização

também influencia em outros fatores, seja exemplo a construção do posto de saúde. Do

mesmo modo, a localização da escola também determina o local das reuniões mais

importantes e/ou que aglomeram um maior número de pessoas.

Essas razões provocam discussões e conflitos no momento da escolha do local

onde será construída a escola, dado que ela determinará, consequentemente, o local que

será o mais visitado, o mais pesquisado, o mais lembrado, o que receberá mais

investimentos.

consta um “Extrato do Termo de Acordo” entre o Estado de Mato Grosso e a empresa que venceu a

licitação para construção da escola e da quadra poliesportiva. O documento estabelece um “prazo

improrrogável” de 150 (cento e cinquenta) dias, com início em 17.09.2012 e término em 17.02.2013

(DOEMT, 26/09/2012).Apesar do termo de acordo, a obra não foi concluída, de modo que, por meio da

Portaria nº 364/2012/GS/SEDUC/MT, o Secretário de Estado de Educação instaura Processo

Administrativo e constitui uma Comissão Especial de Processo Administrativo, composta por servidores

públicos estaduais lotados na Assessoria Jurídica da SEDUC, (DOEMT, 25/10/2012) e, por meio da

Portaria N° 402/2012/GS/SEDUC/MT, o Secretário de Estado de Educação rescindi o Termo de Contrato

105/2010, celebrado em 22 de julho de 2010, entre o Estado e a empresa (DOEMT, 04/12/2012).

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No ano de 2015, parte do funcionamento da escola é realizado no prédio de

madeira da escola antiga; lá funciona a sala da Educação Infantil, no período matutino,

e, também, a EJA, no período noturno, a cozinha e a secretaria da escola. No prédio da

escola, cuja obra foi paralisada, no ano de 2012, funcionam as demais salas de aula, e a

sala dos professores.

O prédio ainda não conta com iluminação, a instalação elétrica é improvisada. O

risco salta aos olhos, os fios entram pelas janelas, ainda sem vidros, e atravessa a sala

por sobre as cabeças dos educandos e dos educadores, saindo pela janela do outro lado

da sala para alcançar a sala ao lado (Ilustração 44). A instalação hidráulica não foi feita,

de modo que, para utilizar os banheiros, foi disposto um tambor com água, de onde se

retira água com ajuda de um regador e se efetua a descarga dos sanitários (Ilustração

45); devido à falta dessa instalação também não é possível utilizar os bebedouros, para

manter a água fria, utiliza-se duas garrafas térmicas (Ilustração 46).

Ilustração 44: Instalação Elétrica Ilustração 45: água para banheiro Ilustração 46: Bebedouros

Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

A ausência da água também impede o uso da cozinha, que, por essa razão, ainda

funciona na escola antiga (Ilustração 47). A construção da quadra poliesportiva ficou

apenas no alicerce (Ilustração 48), ela representa uma das grandes frustações da

juventude, cuja decepção aparece nas entrevistas, nas conversas informais e nas pautas

das reuniões.

Ilustração 47: Cozinha Velha Ilustração 48: Quadra esportiva Ilustracao 49:Instalaçao eletrica Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

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A sala dos educadores é ampla e tem banheiro feminino e masculino, embora

nenhum dos dois esteja pronto para uso; os dois servem de depósito para materiais

diversos. A sala, com uma mesa grande, cadeiras, televisão, data show, aparelho de

som, dois armários e uma geladeira, é decorada com tecidos florais, a arte e o artesanato

quilombola compõem a decoração do ambiente, como mostram as ilustrações 50, 51 e

52.

Ilustração 50: Aparelho de som. Ilustração 51: Sala dos Educadores Ilustração 52: Decoração

Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

No entanto, a sala dos professores não é plenamente utilizada, pois ainda não

tem rede elétrica, tal como no restante do prédio. A sala dispõe apenas de uma

instalação elétrica improvisada para atender as urgências. As atividades que envolvem o

uso de computador e internet são realizadas na escola antiga, em uma sala que também é

destinada para a Educação Infantil e para a Educação de Jovens e Adultos.

A análise de Arroyo (2003, p.25) sugere que o discurso oficial tenta convencer

de que o problema da escola pública não está na sua existência material, na falta de

recursos físicos, humanos e didáticos mínimos para a sua configuração, como agência

transmissora do saber básico. Em conformidade com o autor, esse discurso inocenta o

estado e seu arremedo de escola, e transforma a vítima em réu.

Com base nas palavras do autor, olho o prédio inacabado, a ausência de água na

escola, o risco eminente de instalações elétricas provisórias, a ausência de pontes que

excluem os educandos, as más condições de trabalho vivenciadas pelos educadores e

ouso inferir: Que culpa tem o povo? O povo é inocente. A culpabilidade pelo fracasso

da escola pública não pode ser atribuída ao trabalhador.

Os recursos financeiros da escola advêm principalmente de verbas advindas da

Secretaria Estadual de Educação/SEDUC. Indaguei à gestora se os recursos eram

suficientes, ela apontou várias problemáticas:

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O valor da merenda também é muito baixo, tem que fazer o maior esforço

para conseguir comprar a merenda para o mês inteiro. Nossas crianças

gostam de comer comida: arroz, feijão, macarrão... Mas o dinheiro é

insuficiente. Outra coisa difícil é o recurso para deslocamento, eu tenho que

me deslocar da comunidade até a cidade para fazer as compras, gasto para

ir e para voltar, gasto para me alimentar lá. Apesar de receber uma ajuda de

custo para deslocamento, o valor é muito pequeno e não cobre nem a metade

das despesas que tenho, o restante, tenho que tirar do meu salário, e como

nós somos interinos, o salário não tem gratificação de diretor nem nada.

Então do pouco que eu ganho, tenho que tirar para colocar combustível e me

alimentar, cada vez que vou na cidade, resolver as coisas da escola

(LUCIMARA, diretora escolar quilombola).

As palavras de Lucimara desvelam ao menos três problemas: a) insuficiência de

recursos, b) ausência de medidas específicas destinadas aos gestores de escolas

localizadas em zona rural, que ofereçam suporte ao desempenho de suas funções, c) alto

índice de profissionais interinos nas escolas rurais.

A escola não dispõe de biblioteca, embora tenha observado vários livros

organizados sobre uma mesa, na sala dos educadores; os livros são distribuídos pelos

educadores aos educandos. Por duas vezes, quando eu estava na sala dos educadores,

presenciei quando os estudantes foram pedir “um livro para ler” à coordenadora,

Neide, que prontamente os atendeu, recomendando a devolução do livro.

Em outro momento, enquanto conversava com os educandos na hora da

merenda, falei sobre o Livro “Pedagogia da Esperança”, de Paulo Freire, imediatamente

uma das educandas que cursa o 3º ano do Ensino Médio, pediu-me para repetir o nome

do livro e se, um dia, eu poderia emprestá-lo, ao que eu respondi que enviaria uma

versão em PDF. Essas situações permitem entrever que existe um estímulo à leitura na

escola, embora a ausência de infraestrutura não contribua para essa prática.

A matriz curricular é acrescida de três disciplinas específicas, que integram a

área de conhecimento Saberes Quilombolas: Práticas em Cultura e Artesanato

Quilombola, Práticas em Técnicas Agrícola Quilombola e Práticas em Tecnologia

Social Quilombola. Essas Disciplinas são somadas à Base Comum e integram o

currículo da escola.

A escola ainda abriga uma sala anexa71 da escola urbana do município de Barra

do Bugres que oferta a Educação Infantil para as Comunidades Baixio, Camarinha e

Morro Redondo. As aulas funcionam em uma das salas da escola antiga, na qual são

71No Plano Municipal de Educação de Barra do Bugres, no que se refere à Educação Infantil, o

documento indica a inexistência de “Escolas Quilombolas” (PME, Barra do Bugres. 2015),

possivelmente, porque os educandos da escola José Mariano Bento sejam matriculados em uma escola

urbana. Esse quadro acaba trazendo prejuízos aos educandos, que por fim, são invisibilizados.

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atendidos, em uma mesma sala, os educandos do Pré I e do Pré II, com quatro e cinco

anos respectivamente.

O cotidiano das crianças que estudam na Educação Infantil do Território Vão

Grande é bem distante do que está proposto nas Diretrizes Curriculares para a Educação

Escolar Quilombola, na qual, por meio da Resolução nº 08 de 20 de novembro de 2012,

o Art. 15, § 4, parágrafo III, está escrito que as escolas devem receber materiais

didáticos específicos para a Educação Infantil, a fim de garantir a incorporação de

aspectos socioculturais considerados mais significativos para a comunidade de

pertencimento da criança.

Ilustração 53: Educaçãi Infantil.

Fonte: Acervo da Pesquisadora

A Ilustração 53 descortina outra versão da realidade: a inexistência de materiais

didáticos específicos para a Educação Infantil, a ausência de monitor que ofereça

suporte ao trabalho pedagógico, a falta de infraestrutura adequada, inclusive ao

educando portador de deficiência. Lá não há prédios escolares, equipamento ou

mobiliário adequado ao atendimento de crianças nessa faixa etária, tal como preconiza o

Art. 22, § 3, das Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar Quilombola.

A realidade é bem outra: o espaço é improvisado, a mesma sala é utilizada no

período matutino, pela Educação Infantil, no período vespertino se transforma em sala

de planejamento dos professores, que utilizam o único computador existente, e, no

período noturno, é a vez da sala receber os educandos da EJA.

As mesas altas dificultam o acesso da criança ao material; no momento da aula,

as cadeiras e mesas utilizadas pelos adultos na EJA são amontoadas, para dar lugar à

aula da Educação Infantil. Para tornar o ambiente mais alegre, o corpo docente faz o que

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pode, reinventa, cria alternativas, as cortinas e toalhas são feitas de TNT72. O piso gasto

pelo tempo fala de um tempo ainda presente no cotidiano dos pequenos e na lembrança

dos velhos, tempo em que, para os povos que vivem no campo, bastava uma “escolinha

qualquer”, para um “povo qualquer”.

De acordo com a diretora da escola, Lucimara Evangelista, as reuniões com os

pais são bastante frequentes e eles raramente faltam. Dona Joanita, mãe de quatro filhos

estudantes da escola, confirma a informação “Se eu faltei foi uma vez só”. É importante

destacar que, durante a pesquisa de campo, não acompanhei nenhuma reunião de pais,

mas, nas conversas, e, em cada entrevista, eles reafirmavam a importância da escola,

não houve quem discordasse do valor da escolarização.

Assim, eles se pronunciaram a esse respeito:

Olha pra senhora ver, quem manda hoje é o estudo, se não tiver estudo, não

tem nada. Eu quero demais que meus filhos tudo forme (ODILON, pai).

Não tem coisa melhor que o estudo, porque vida de quem não tem estudo é

muito difícil (BENEDITO VITOR, pai).

Meus filhos eu mando todo dia para a escola, eles gostam demais, eles

querem formar, mas eu não lembro no que é, que eles querem formar. Eles

falam, mas eu não lembro (JOANITA, mãe).

As narrativas desvelam que as famílias atribuem muita importância à

escolarização, valorizam os educadores e estabelecem com eles uma relação

harmoniosa.

3.3 PERFIL DOS EDUCADORES

O quadro de profissionais da educação que atuam na escola é formado por 19

pessoas, das quais, onze integram o corpo docente, que inclui uma diretora; uma

coordenadora e nove professores, sendo quatro deles quilombolas e oito urbanos. E oito

integram o quadro dos educadores não docentes, que inclui uma secretária, três vigias;

duas zeladoras e duas merendeiras, sendo todos quilombolas, com exceção da secretária,

que é urbana.

Cabe esclarecer que dos 19 profissionais que atuam na Escola José Mariano

Bento, onze são quilombolas, atendendo ao que está disposto nas Diretrizes Curriculares

Nacionais para Educação Escolar Quilombola. É importante ver o que diz a Legislação:

72TNT: Tecido Não Tecido, uma espécie de tecido, muito frágil, de pouca durabilidade e baixo custo,

bastante utilizado nas escolas.

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Resolução nº 08 de 20 de novembro de 2012:

Art. 8, [...] IV - presença preferencial de professores e gestores quilombolas

nas escolas quilombolas e nas escolas que recebem estudantes oriundos de

territórios quilombolas;

Art. 39, § 2º A gestão das escolas quilombolas deverá ser realizada,

preferencialmente, por quilombolas[...]

Art. 48 A Educação Escolar Quilombola deverá ser conduzida,

preferencialmente, por professores pertencentes às comunidades

quilombolas.

O que diz Conferência Nacional de Educação:

[...]

h) Assegurar que a atividade docente nas escolas quilombolas seja exercida

preferencialmente por professores/as oriundos/as das comunidades

quilombolas (C0NAE, 2010, p. 131-132).

O que diz o Plano Nacional de Educação:

[...]

12.13. Expandir atendimento específico a populações do campo e

comunidades indígenas e quilombolas, em relação a acesso, permanência,

conclusão e formação de profissionais para atuação nessas populações

(PNE, p. 73, 2014).

No entanto, a legislação ainda está longe de se efetivar, o momento de atribuição

de aulas e demais cargos, gera muitos confrontos, disputas, desafetos. Dividindo o

corpo docente, interferindo diretamente nas relações que se estabelecem no seio da

escola. Cabe, aos órgãos competentes fazer valer a lei e implementá-la.

Todos os 19 educadores são remunerados pelo Estado e contratados

temporariamente, com exceção da professora Maria Helena, cujo contrato foi encerrado,

devido ao ingresso no mestrado, o que a obriga a estudar sem recursos financeiros.

Como explicitarei.

Os contratos são efetuados no início do mês de fevereiro e se encerram em

meados do mês de dezembro. Não há nenhuma garantia de que o funcionário será

contratado, no ano seguinte, ou que ele permanecerá contratado até o final do ano, pois

o contrato pode se extinguir, caso a Escola receba um profissional efetivo, concursado.

Essa é uma realidade que alcança muitos profissionais da educação, em todo o

Estado de Mato Grosso, quando se aproxima o final do ano, as preocupações se

agravam. A vida dentro do “contrato” é desumana, gera insegurança, instabilidade,

competitividade, intrigas, desavenças, discórdias pela disputa da vaga no ano seguinte.

Uma das bandeiras de luta dos movimentos sociais é a realização de concursos públicos

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específicos para as comunidades do campo, quer sejam quilombolas, indígenas ou do

campo.

3.3.1 Os Educadores docentes

O corpo docente é constituído por 11 educadores, sete moram na cidade de Barra

do Bugres, e quatro no Território Quilombola Vão Grande, sendo três na Comunidade

Baixio e uma na Comunidade Morro Redondo.

Quanto à identidade racial, as quatro educadoras moradoras da Comunidade se

identificam como negras e quilombolas, os educadores que moram na cidade de Barra

do Bugres se declaram negros. A educadora Lúcia Helena, que atua na escola como

educadora há seis anos, disse:

Antes eu dizia que era branca, mas agora que tenho conhecimento, que

estudei, me considero negra, minha família é uma mistura de alemão com

africano, meus avós do lado da minha mãe são brancos e do lado do meu pai

são negros (LUCIA HELENA, educadora urbana).

As palavras da educadora permitem entrever sua identidade racial, está “se

fazendo aos poucos” (FREIRE, 2001), na medida em que estuda, e se apropria do

conhecimento, compreende, e refaz seu discurso, agora mais consciente das

circunstâncias históricas que o permeiam.

A identidade racial também se constrói a partir das relações sociais. Assim,

penso que, possivelmente, a relação com a comunidade escolar tenha contribuído para

mudança de olhar da educadora, possibilitando a ela novas compreensões de sua

presença no mundo, não mais como a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se

insere.

Quanto à formação inicial, os onze docentes possuem licenciatura plena, a

maioria realizada em Pedagogia (Gráfico 2). O nível de escolarização está constituído

por cinco graduados, cinco especialistas e uma cursando o mestrado em Educação na

UFMT (Gráfico 3).

Os Gráficos 2 e 3 revelam que, no ano de 2015, o quadro docente da Escola José

Mariano Bento se diferencia de muitas escolas quilombolas do País, apresentando um

corpo docente, em que cem por cento dos profissionais são graduados. No entanto, é

importante destacar que as narrativas dos educadores desvelam que esse quadro é

recente, e a até pouco tempo, a graduação era um sonho, que parecia inalcançável.

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Gráfico 2: Formação inicial de graduação. Gráfico 3: Nível de escolaridade.

Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

Para os educadores quilombolas, as dificuldades são ainda maiores, soma-se a

distância, as dificuldades de transporte para chegar à universidade, a falta de lugar para

permanecer na cidade durante os encontros presenciais. É importante ouvir o que dizem

os docentes:

Foi muito sacrifício, não pagava a mensalidade, mas, tínhamos que ficar

longe de casa sem nenhuma condição financeira, sem ter onde dormir, sem

ter como pagar para comer (MARIA HELENA, educadora quilombola).

Eu, Lucimara e Maria Helena, fizemos pedagogia, pelo NEAD, foi muito

difícil, para chegar a cidade, era uma loucura, tinha dia que a gente ficava

pela estrada. Foi um sacrifício muito grande (DINALVA, educadora

quilombola).

Nossa, foi tanto sacrifício para fazer essa faculdade, tinha que deixar tudo

para trás e ir, por que depois, o sacrifício valeria a pena (LUCIMARA,

educadora quilombola).

Para acessar o Ensino Superior, foi ou é necessário investir recursos próprios,

como mostra o Gráfico 4: dentre os 11 educadores, apenas três cursaram o ensino

presencial, oito cursaram a graduação na modalidade à distância, cinco cursaram a

graduação em universidade pública e seis em universidades privadas. Uma Educadora

quilombola está cursando Mestrado em Educação/ UFMT.

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Gráfico 4: Ensino Superior

Fonte: Elaborado pela Pesquisadora (2015).

É interessante destacar que, entre os oito profissionais não docentes, todos

concluíram o Ensino Médio e três estão cursando o Ensino Superior à distância, em

instituições privadas.

A maioria dos educadores realizou a graduação na modalidade à distância em

instituições privadas, nas quais precisou sacrificar os poucos recursos familiares:

“Minha faculdade foi um milagre, quando eu pensava que não tinha mais jeito, por que

eu não tinha como pagar as mensalidades, aparecia um jeito, todo ano era uma aflição.

Mas agora já terminei de pagar!” (Neide, educadora quilombola).

Quanto ao tempo de atuação na comunidade escolar, 80% dos educadores

(Gráfico 5) trabalham na escola há mais de quatro anos, o que pode contribuir para criar

laços de afetividade, e também para que os educadores conheçam a história, a realidade

dos educandos.

A baixa rotatividade é um aspecto positivo para o desenvolvimento de projetos

pedagógicos e outras atividades escolares, desde que os profissionais se comprometam

com a instituição e com a comunidade escolar. Convém reiterar que todos os

profissionais, que atuam na escola, são contratados, e não possuem garantia de vínculo

empregatício com a unidade escolar no ano seguinte, de modo que, a cada ano, é

necessário “lutar” pela vaga no ano seguinte, por meio de processos seletivos, para a

efetivação de um novo contrato.

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Gráfico 5: Tempo de Trabalho

Fonte: Elaborado pela Pesquisadora (2015)

Os educadores narram as razões que os motivam a continuar trabalhando na

Escola José Mariano Bento, no território quilombola Vão Grande. É interessante ouvir

suas vozes:

Não tive um motivo inicial para trabalhar em uma escola quilombola, pois a

desconhecia, mas o que me motiva continuar a trabalhar em uma escola

quilombola é toda riqueza que temos ao nosso redor, a cultura, os costumes,

as histórias de um povo que contribuiu e contribui com a formação do povo

brasileiro, ouvindo as histórias dos moradores das Comunidades

Quilombolas Vão Grande me faz recordar as contadas pelos meus pais. É

conhecer toda família dos nossos alunos, o que não acontece nas escolas da

cidade, outro motivo que me motiva a continuar trabalhando nesta escola é a

maneira como somos recebidos pelos moradores, com muita educação,

respeito e admiração, pessoas humildes, mas com uma generosidade, um

caráter e uma honestidade. Costumo dizer que enquanto os moradores do

Território Vão Grande me permitirem continuarei lá (MADALENA,

educadora Urbana).

Sou quilombola, meus filhos, minha família, tudo está aqui. Quando eu casei,

assumi esse lugar, essa identidade, essa história. Essa é minha história,

minha vida, minha escola. Quanto melhor ela for, melhor será para todos

nós. Não me vejo fora daqui. (LUCIMARA, educadora quilombola

quilombola).

É o carinho que a comunidade tem com a escola e os professores. É muito

satisfatório quando um pai procura você para agradecer e também o

respeito das pessoas, principalmente das pessoas mais velhas e a suas

histórias também são muito bonitas, de como eles viviam no passado,

comparando nos dias de hoje. Transporte/estradas levavam dias para chegar

à cidade e hoje vai e volta no mesmo dia com bastante dificuldade é claro

mas melhorou muito (ANTÔNIO, educador urbano).

A Formação Continuada dos educadores da Escola José Mariano Bento se dá por

meio de cursos realizados pela SEDUC, servem de exemplo os cursos específicos para a

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Educação Escolar Quilombola, que são realizados pela Secretaria Estadual de Educação,

por meio da Gerência de Diversidade, em parceria com o Núcleo de Estudos de

Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação da Universidade Federal de Mato Grosso -

NEPRE/UFMT, realizados durante os anos 2014 - 2015. Em relação à realização desses

cursos, os educadores reclamam do reduzido número de vagas:

O curso é muito bom, mas nós gostaríamos que todos pudessem participar,

por que é um momento de aprendizagem muito importante, mas como o

número de vagas é reduzido, a gente vai em uma etapa e não vai na outra,

para que o colega possa ir, e acabamos por não acompanhar todo o curso

(LUCIA HELENA, educadora urbana).

A formação continuada também é realizada por cursos oferecidos pelo

CEFAPRO, seja exemplo o Curso de Pedagogia de alternância solicitado pela Escola

José Mariano Bento, à formadora do CEFAPRO, e realizado entre maio de 2013 e maio

de 2014, cujo objetivo era conhecer como se dá a organização do sistema de alternância.

O diferencial desse Curso, e outros elaborados nos moldes dessa proposta, é que a

comunidade participa da proposição, organização e coordenação do curso. Para Arroyo

(2007, p.6), “Os movimentos sociais não apenas reivindicam ser beneficiários de

direitos, mas ser sujeitos, agentes históricos da construção dos direitos”.

A “Sala do educador” é outro espaço de Formação dos Educadores. Durante a

pesquisa, acompanhei uma das reuniões dos educadores para a elaboração do Projeto

Sala do Educador; eles se reuniram na sala da Educação Infantil e, com a ajuda de um

projetor de imagens, data show, discutiram parte do Projeto. A discussão coletiva

contribui para a aprendizagem e para o fortalecimento do grupo e incluiu

encaminhamentos diversos sobre o cotidiano escolar.

Observei alguns momentos de tensão entre os educadores que moram na

Comunidade e os que moram na cidade, na tomada de decisões, mas também observei

momentos de angústia coletiva, nos quais todos se irmanaram, como nas questões

relacionadas às aulas multisseriadas, e à diminuição, cada vez maior, do número de

educandos.

A maioria dos professores está lotada com 30 horas aulas, sendo sete delas

destinadas à hora atividade. As horas atividades são realizadas na própria escola no

período vespertino. Para tanto, o horário das aulas foi planejado de modo que a cada dia

da semana tem um ou mais professores que não retornam para a cidade, ficam no

alojamento para cumprir a hora atividade e lecionar no período noturno.

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Entre os educadores que moram na cidade, e ficam na escola durante a semana,

uma das reivindicações mais recorrentes, observadas durante a pesquisa de campo, está

relacionada à estadia, ao alojamento, ao transporte e à alimentação, cujas condições,

segundo eles, prejudicam a autoestima do profissional, funcionando como desestímulo à

prática docente.

Apesar da Resolução nº 08 de 20/11/2012, que dispõe sobre as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, afirmar o direito à estadia,

ao alojamento, ao transporte e à alimentação, existem poucas ou nenhuma

aplicabilidade da resolução, nesse aspecto. Cito como exemplo a questão da

alimentação, para a qual, não há nenhuma verba destinada. Como os educadores podem

ter acesso à alimentação, se não há verbas para esse fim?

Os educadores utilizam uma das salas da escola antiga como dormitório; nele

são distribuídas quatro camas, três de solteiro e uma de casal; o “quarto” também tem

uma prateleira onde são guardados livros e outros materiais pedagógicos, utilizados no

planejamento das aulas. O mobiliário é de propriedade dos educadores. O “quarto” fica

localizado entre duas salas de aula, nas quais são ministradas aulas para os adultos,

enquanto, concomitantemente os docentes, que não estão ministrando aula,

“descansam”.

O banheiro é o mesmo utilizado pelos educandos, por isso, os educadores se

organizam para usá-lo depois que o período noturno se encerra, o que lhes dá mais

liberdade, quando precisam utilizá-lo por mais tempo.

A alimentação é feita em um pequeno cômodo, utilizado como cozinha. Nele,

tem geladeira, fogão, armário e mesa, porém a ausência de pia com água na cozinha

dificulta o preparo dos alimentos. Depois que se encerra o período matutino das aulas,

os educadores se dirigem à cozinha para começar o almoço. A compra do botijão de

gás, e dos alimentos utilizados, é financiada pelos próprios professores.

Entretanto, é importante verificar o que diz a legislação em relação ao

alojamento e alimentação dos educadores:

§ 1º Os docentes que atuam na Educação Escolar Quilombola, quando

necessário, deverão ter condições adequadas de alojamento, alimentação,

material didático e de apoio pedagógico, bem como remuneração prevista na

Lei, garantidos pelos sistemas de ensino.

§ 2º Os sistemas de ensino podem construir, quando necessário, mediante

regime de colaboração, residência docente para os professores que atuam em

escolas quilombolas, localizadas nas áreas rurais, sendo que a distribuição

dos encargos didáticos e da sua carga horária de trabalho deverá levar em

consideração essa realidade (Resolução nº 08, 20/11/2012).

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A fim de cotejar a legislação com a realidade vivenciada pelos educadores, faz-

se necessário ouvir suas vozes:

O alojamento não é nada confortável, mas a gente vai se adequando as

situações, nós já dormimos até de quatro pessoas em uma cama. Agora tem

menos, por que diminuiu os alunos. Houve um tempo em que a gente trazia a

marmita, agora a gente faz o almoço aqui, mas é difícil por que, fazemos

depois que acaba a aula. Já estamos cansados da viagem, de ter acordado

tão cedo, e na Kombi, não tem nem como dormir, se fosse a vã, ainda teria

como dormir um pouco na viagem, mas na Kombi não dá. Ainda por cima,

ela é apertada e as vezes temos que vir um no colo do outro. Quando chega

aqui, vamos para a sala, e quando termina a aula, já estamos pensando no

almoço, mas aí é que vamos começar a fazer a comida (LUCIA HELENA,

educadora urbana).

As palavras da docente descortinam a situação de abandono na qual trabalham

os educadores nas comunidades rurais, demonstrando que apesar da promulgação da

Resolução nº 08 de 20/11/2012, sua aplicabilidade ainda não alcançou plenamente o

sujeito para o qual ela foi elaborada.

3.3.2 Os estudantes

Os 15373 estudantes da Escola José Mariano Bento são moradores do Território

Quilombola Vão Grande, isto é, moram nas cinco Comunidades: Baixio, Camarinha,

Morro Redondo e Retiro. Os estudantes das Comunidades Vaca Morta e Retiro estudam

até o 5º ano do Ensino Fundamental em sua própria comunidade, e a partir do 6º ano

passam a estudar na Escola José Mariano Bento, localizada na comunidade Baixio.

Os educandos vêm para a escola nos ônibus escolares, pois as comunidades são

distantes umas das outras. Entretanto, no ano letivo 2015, os educandos de Vaca Morta

e Retiro fazem grande parte do percurso a pé, como foi mencionado no capítulo II. A

Escola disponibiliza dois ônibus escolares: um realiza o transporte das Comunidades

Camarinha, Morro Redondo e Baixio, o outro realiza o transporte parcial das

Comunidades Vaca Morta e Retiro.

A maioria dos educandos mora com os pais, em casa próximas às dos avós, onde

repartem o mesmo pedaço de terra, formando pequenas nucleações. Todavia também

existem casos em em que a criança mora com os avós, sem a presença dos pais. Nesse

caso, o mais recorrente é que os filhos morem com as mães na casa/próximo à casa dos

avós.

Devido ao fato de a escola oferecer atendimento da Educação Infantil ao Ensino

Médio, em um mesmo período, é possivel avistar, na hora do intervalo, praticamente

73 De acordo com dados do INEP 2014.

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toda a população jovem do território na escola. Desde os mais pequenos a partir dos

quatro anos até as moças e rapazes que já trocam olhares de cumplicidade.

A maioria dos educandos ajuda os pais, seja no serviço da roça, seja no serviço

doméstico. Durante a execução dos serviços que lhes são designados, eles aprendem

lições diversas com os mais velhos. Diz Joelson: “Ajudo meu pai a plantar banana,

mandioca, melancia, feijão, agora mesmo estamos preparando a terra para plantar

feijão. É mas para consumo, para comer. A banana leva para cidade para vender”.

De acordo com o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Escolar Quilombola, a infância e a juventude quilombola convivem com um trabalho

familiar que reassume dimensão educativa na medida em que esse não se funda na base

exploratória da força de trabalho tão presente em uma sociedade que

estratifica/classifica pelas diferenças.

No âmbito do trabalho familiar, as gerações presentes têm desenvolvido uma

consciência política que coaduna com a defesa do território, visto que os

tempos de trabalho são tempos de, igualmente, brincar, estudar, escutar,

observar, confrontar o vivido com o desconhecido, que é função da escola

propiciar e fomentar (Parecer CNE/CEB, p. 26, nº 08/2012)

A questão do trabalho infantil, nas comunidades rurais, é referendada nas

pesquisas, seja exemplo Castilho (2011):

O trabalho tem para a comunidade quilombola um valor cultural, econômico

e um princípio de socialização entre as crianças e seus pais. No entanto, esses

valores não deixam de ser conflitantes. O trabalho de crianças, em fase

escolar, tem sido apontado por diversas pesquisas como um dos fatores que

interferem negativamente na sua escolarização (CASTILHO, 2011, p. 161):

Na análise realizada por Haddad (2003, p. 162) ele argumenta que os alunos são

trabalhadores e são trabalhadores há muito tempo. Trabalham intensivamente, com

longas jornadas diárias e em trabalhos de grande exigência.

Durante as entrevistas, as conversas no pátio da escola, nos momentos de

intervalo, ao acompanhá-los ao refeitório, ou ainda durante o percurso casa/escola no

ônibus escolar, a todos os educandos, desde os menores até os maiores, a quem

perguntei sobre a escola, a resposta foi unanime: “Eu gosto da escola!” ou “ aqui a

gente reúne com todo mundo”.

Perguntei a eles o que mais gostam na escola, e “ler e escrever” e “estudar”

aparece em primeiro plano, mas logo é seguida de respostas diversas que variam

principalmente de acordo com a idade.

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Entre os mais pequenos, depois de “ler e escrever”, a merenda figura entre a

melhor coisa da escola: “Eu gosto de farofa de carne seca” ou “eu gosto tanto é de

carne com banana”. Embora “brincar” esteja presente em praticamente todas as falas.

Entre os jovens depois de “estudar” logo vem “conversar e encontrar os

amigos”, embora a que mais se destaque seja jogar bola: “Gosto de tudo, de estudar, de

aula vaga e de jogar bola”.

Os jogos são realizados nas aulas vagas e nos intervalos, bastam pequenos

momentos para que eles se organizem em times e comece o jogo. No entanto, ao falar

dos jogos de futebol, logo suspiram, em um misto de revolta e desânimo. As

reclamações são frequentes: “A pior coisa é essa quadra que malemá [mal] começou e

já parou faz um tempão”.

Nessa perspectiva, as narrativas permitem afirmar que a Escola José Mariano

Bento se configura como espaço de lazer e aprendizagem. Ao que parece, os educandos

também compreendem a escola como uma espécie de “Centro Cultural” do território,

onde além de “estudar, ler e escrever” também se pode conversar, brincar, jogar e

encontrar com os amigos. Um lugar de encontros e partilhas.

No próximo capítulo, teço reflexões sobre educação escolar no chão da Escola

Estadual José Mariano Bento.

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CAPÍTULO IV

4. EDUCAÇÃO ESCOLAR NO CHÃO DA ESCOLA ESTADUAL JOSÉ

MARIANO BENTO

Neste quarto capítulo, busco refletir sobre o currículo em ação na Escola

Estadual José Mariano Bento, a fim de compreender como está se delineando a

Educação Quilombola, como modalidade de ensino, no Território Quilombola Vão

Grande.

O conceito de currículo que subsidia esta pesquisa é o proposto pelos autores da

concepção crítica, tais como Apple (2002); Moreira (2002, 2004); Sacristán (1998) e

Silva (1999, 2002).

4.1 CURRÍCULO: ALGUNS CONCEITOS

Conhecer, na dimensão humana, [...] não é o ato através do qual um sujeito,

transformado em objeto, recebe, dócil e passivamente, os conteúdos que

outro lhe dá ou impõe. Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é

como sujeito, e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente

conhecer (FREIRE, 1985, p. 16).

Até pouco tempo, a educação realizada no chão das comunidades quilombolas

estava esquecida no bojo da educação rural, submetida a um currículo hegemônico,

pensado para atender realidades distantes da vida, dos saberes e das tradições

vivenciadas pelos povos quilombolas.

Esse quadro começa a se modificar, como resultado das pressões dos

movimentos sociais, quando incluem na pauta de luta, reflexões e questionamentos

sobre o currículo hegemônico, propondo a construção de currículos contra hegemônicos

que incluam a seleção de conhecimentos e práticas vivenciadas em contextos concretos

e em dinâmicas sociais, políticas e culturais, intelectuais e pedagógicas. Conhecimentos

e práticas expostos às novas dinâmicas e reinterpretados em cada contexto histórico

(GOMES, 2007).

De acordo com Arroyo (2007), as reflexões sobre o currículo estão cada vez

mais frequentes no chão das escolas, na formação dos educadores e nas pesquisas

acadêmicas, isto é, questionamentos sobre o conceito de currículo, a quem ele se

destina, para que ele serve, e principalmente como ele se implementa são questões bem

presentes nas discussões, nos grupos de estudo, nas formações. Questões que outrora,

não eram ao menos cogitadas passam, agora, a ser o centro das discussões.

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Veja o que diz Silva (1999), sobre o currículo:

O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O

currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa

vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é

texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade (SILVA,

1999, p. 150).

O currículo escolar contribui para formar nossa identidade, moldar quem somos,

no entanto se o currículo não é pensado, gestado, gerado pelas pessoas que compõem a

comunidade escolar, ele se submete a formar identidades que não correspondem aos

anseios da comunidade a quem serve.

Segundo Silva (1999, p.15), sinteticamente, a questão fundamental em relação

ao currículo, é: “o quê” ensinar? O referido autor afirma que “o conhecimento que

constituí o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo

que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade”.

Para Aplle (2002, p. 40), a pergunta frequente é: Que tipo de conhecimento vale mais?

Segundo o autor, a pergunta não é nada simples, envolve conflitos agudos e profundos,

relacionados à educação, ideológica e política, atrelados à história dos conflitos de

classe, raça, sexo e religião.

Para o autor a pergunta mais coerente seria: “o conhecimento de quem vale

mais?” (APLLE. 2002, p. 40). Assim, ouso perguntar: Seria o conhecimento dos povos

quilombolas? Dos povos indígenas? Dos que habitam os campos? Ou seria o

conhecimento da elite? Das empresas, das industrias e do latifúndio? Para o referido

autor “a decisão de se definir o conhecimento de alguns grupos como digno de ser

transmitido às gerações futuras, enquanto outros grupos mal veem a luz do dia, revela

algo extremamente importante acerca de quem detém o poder na sociedade” (APLLE.

2002, p. 42).

Segundo Sacristán (1998), a discussão sobre o currículo envolve reflexões sobre:

que objetivos se quer atingir? Para quem são esses objetivos? Que valores, atitudes e

conhecimentos se quer privilegiar? Por que ensinar o que se ensina, deixando de lado

muitas outras coisas? Quem tem melhor acesso as formas legítimas do conhecimento?

Para o autor o currículo é um âmbito de interação onde se entrecruzam processos,

agentes e âmbitos diversos que, num verdadeiro e complexo processo social, dão

significado prático e real ao mesmo tempo.

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As indagações ventiladas pelos autores fazem pensar “o quê” ensinar nas

comunidades quilombolas. Durante as entrevistas, ao responder a questão: “O que você

gostaria que fosse ensinado na escola?”, os moradores do território quilombola Vão

Grande sinalizam os conhecimentos que consideram importantes para a formação de

seus filhos. Dentre as respostas, “aprender a ler, escrever e fazer conta”, é a que mais se

destaca, na entrevista dona Joanita me explica a razão: “porque sem estudo, ninguém

tem nada na vida”, de modo que saber ler, escrever e calcular, são apresentados como

sinônimos de “ter estudo”.

As respostas também apresentam outros conhecimentos, igualmente valorizados

na comunidade e indicados como importantes para a formação dos aprendentes, tais

como: “saber as histórias da comunidade”, “saber como faz um remédio”, “saber o

tempo certo de plantar”, são conhecimentos apontados como necessários para a

formação dos jovens da comunidade.

A narrativa do Guardião da memória Constantino, 90 anos: “não adianta ter

estudo e não ter educação”. Note que o senhor de 90 anos separa “ter estudo”, ou seja:

saber ler e escrever, de “ter educação”, ou seja: saber ouvir os mais velhos, prestar-lhes

atenção, a fim de aprender e apreender os saberes e a história da comunidade. De modo

que, para o Guardião da Memória, “saber ouvir os causos da comunidade”, é sinônimo

de “ter educação”.

Todos esses anseios se presentificam no seio da Escola Quilombola José Mariano

Bento: como construir e implementar um currículo escolar aberto, flexível e de caráter

interdisciplinar, respeitando a história, o território, a memória, a ancestralidade e os

conhecimentos tradicionais pelo tal como propõem as Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação Escolar Quilombola? Para compreender as indagações que brotam no

chão da Comunidade escolar, no esforço de correlacionar as práticas pedagógicas,

desenvolvidas no cotidiano da escola, com as expectativas das famílias da comunidade,

refletirei, a seguir, sobre o currículo na Escola supracitada.

4.2. O CURRÍCULO NA ESCOLA JOSÉ MARIANO BENTO

Nesta seção, teço reflexões sobre o currículo na Escola José Mariano Bento. A

reflexão será feita a partir das observações realizadas no cotidiano da escola: Currículo

em ação. Para Castilho (201, p. 169. Grifos meus), “Currículo em ação são as práticas

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curriculares reais, compartilhadas no circuito escolar entre a comunidade que a compõe,

ou seja, é o que, de fato, ocorre e o modo pelo qual se efetiva no trabalho escolar”.

Também reflito sobre o Projeto Político Pedagógicos e o Regimento Escolar:

Currículo formal. O currículo formal é constituído pelos documentos que estruturam e

organizam as atividades a serem realizadas na escola.

4.2.1 O Projeto Político Pedagógico

De acordo com o parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Escolar Quilombola, a elaboração do PPP deve mobilizar a comunidade quilombola

para que todos sejam sujeitos na construção do Projeto Político Pedagógico da escola,

valorizando as práticas e as experiências, a sabedoria dos anciãos, os saberes da terra, os

saberes aprendidos no trabalho, e a ancestralidade (Parecer CNE/CEB, p.49,

Nº:16/2012).

A escola ainda precisa avançar no que tange a participação da comunidade

durante a elaboração do Projeto Político Pedagógico, durante as conversas informais

notei que a participação da comunidade nestes momentos ainda é tímida, ficando a

elaboração do PPP mais restrita ao corpo docente.

O Projeto Político Pedagógico constitui, ou ao menos deveria constituir, a

identidade de uma escola, falar dos seus sonhos, de suas expectativas, do seu passado e

do seu futuro, contribuir para perpetuar a história da comunidade escolar, do povo a

quem pretende atender. Para Silva (2012) o PPP é mais do que um mecanismo de

efetivação de política educacional, ele é instrumento de construção identitária coletiva e

de participação social.

O referido Parecer ainda infere que o PPP da Educação Escolar Quilombola

deve primar por desestabilizar os modelos epistemológicos dominantes e desenvolver

nos educandos e educadores a capacidade de espanto, de indignação e uma postura de

inconformismo, necessárias para olhar com empenho os modelos que possibilitem

relacionamentos mais igualitários e mais justos, e que faça apreender o mundo de forma

edificante, emancipatória e multicultural.

De acordo com Canen (1997), o retardamento em se reconhecer como uma

sociedade Multicultural dificulta a implementação de uma formação para os educadores

que contemple essa perspectiva. Para a autora, essa resistência para assumir o caráter

multicultural de uma determinada sociedade é agravada pelo senso comum, seja

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exemplo, a ideia de que todos os grupos étnicos-culturais são aceitos e integrados à

sociedade, sem problemas de discriminação ou racismo, o que acaba por maquiar a

realidade.

A análise de Leite (2001) sugere que os princípios que orientam a assimilação ou

homogeneização cultural apontam para o caráter injusto e empobrecedor, do mesmo

modo, que a valorização de uma cultura única penaliza determinados grupos e ignora a

riqueza proveniente da diversidade.

O respeito a diversidade cultural compõe a Filosofia da Escola José Mariano

Bento, logo na primeira parte do PPP, o documento expõe que tipo de sujeito, a escola

deseja formar: “cidadãos críticos, autônomos e consciente da sua origem e identidade

quilombola, capazes de atuar na sociedade sem discriminação e preconceitos”. Para

Silva (1999) o currículo busca precisamente modificar as pessoas, em outras palavras, o

autor afirma que a escolha do currículo implica em decidir que tipo de conhecimento é

importante para a pessoa que se quer formar.

FILOSOFIA

A E.E. “José Mariano Bento” tem como filosofia adotar um

currículo que seja capaz de contribuir coma formação de cidadãos críticos,

autônomos e consciente da sua origem e identidade quilombola, capazes

de atuar na sociedade sem discriminação e preconceitos. Sendo que é preciso

ressaltar a valorização da cultura das comunidades quilombolas,

reconhecendo que existem diferentes culturas e múltiplas identidades. É no

desafio do Ensinar e Aprender em uma escola diferenciada e específica para

uma comunidade de quilombo que ousamos tentar proporcionar meios e

saberes para uma educação formal e quilombola igualitário a fim de diminuir

a exclusão e desigualdade diante da sociedade brasileira. (PPP/JMB, p.3.

Grifos meus.)

A Filosofia da escola esclarece que tipo de ser humano a escola deseja formar, e

desvela seu comprometimento com a formação de pessoas: “conscientes de sua origem

e identidade”, em outras palavras pessoas que conhecem a história do seu povo, sua

própria história. Este comprometimento da escola está de acordo com os pressupostos

para a Educação Escolar Quilombola:

[...]

Art. 06

VI - zelar pela garantia do direito à Educação Escolar Quilombola às

comunidades quilombolas rurais e urbanas, respeitando a história, o território,

a memória, a ancestralidade e os conhecimentos tradicionais;

[...]

Art. 32 O projeto político-pedagógico da Educação Escolar Quilombola

deverá estar intrinsecamente relacionado com a realidade histórica, regional,

política, sociocultural e econômica das comunidades quilombolas.

[...]

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§ 2º Na realização do diagnóstico e na análise dos dados colhidos sobre a

realidade quilombola e seu entorno, o projeto político-pedagógico deverá

considerar:

I - os conhecimentos tradicionais, a oralidade, a ancestralidade, a estética, as

formas de trabalho, as tecnologias e a história de cada comunidade

quilombola;

[...]

Art. 35 O currículo da Educação Escolar Quilombola, obedecidas as

Diretrizes Curriculares Nacionais definidas para todas as etapas e

modalidades da Educação Básica, deverá:

I - garantir ao educando o direito a conhecer o conceito, a história dos

quilombos no Brasil, o protagonismo do movimento quilombola e do

movimento negro, assim como o seu histórico de lutas; (Resolução nº 08,

20/11/2012, p.12).

Um povo que não conhece sua história e não valoriza seus mártires é um povo

fadado ao esquecimento, a invisibilidade (CALDART, 2004). O PPP da escola José

Mariano Bento, parece, ao menos no âmbito das intenções, primar pela preservação da

história da comunidade. Em consonância com as orientações das Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Básica; da Lei Federal 10.639/03; das Orientações

Curriculares para Educação Quilombola de Mato Grosso; das Orientações Curriculares

para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura

Africana e Afro-Brasileira nas escolas dos territórios quilombolas.

Ainda neste capítulo busco analisar se as proposições apresentadas no PPP da

escola se efetivam na prática cotidiana, ou se representam apenas teoria. Esta análise é

importante para compreender de que maneira e como o Projeto Político Pedagógico da

escola José Mariano Bento se alinha com a história das comunidades e as expectativas

das famílias que integram o Território Quilombola Vão Grande.

4.2.2 O Regimento Escolar

O Regimento Escolar é o documento que define a organização administrativa,

didática, pedagógica, disciplinar da instituição. No caso da escola José Mariano Bento,

os objetivos apresentados no regimento da instituição atentam para os pressupostos da

Educação Escolar Quilombola:

Art. 5º - São Objetivos gerais da Escola:

I- Ser uma referência na Educação Quilombola.

II-Desenvolver um processo de ensino juntamente com o corpo docente,

discente e comunidade preservando sua cultura.

III-Educar o indivíduo para a igualdade entre os seres humanos, qualquer que

seja sua filosofia de vida, religião cor e raça.

Art. 6º - Objetivos Específicos da Escola:

I-Fazer uma educação voltada para a valorização da diversidade étnico-racial

cultural. Afro – brasileira, conforme a lei 10.639/03 e a lei 11.645/08;

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II-Ter um currículo voltado para a valorização da identidade negro

quilombola e nacional;

III-Ter um currículo que leve os (as) alunos a conhecer suas origens, a

história das comunidades quilombolas que compõem a região Vão

Grande;

IV-Fazer um ensino aprendizagem que possa mediar o saber local com o

cientifico escolar;

V-Adotar como metodologia a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.

(Regimento escolar, p. 01. Grifos meus)

Note que tanto os objetivos gerais quanto os objetivos específicos estão em

consonância com as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Básica; da Lei Federal 10.639/03; das Orientações Curriculares para Educação

Quilombola de Mato Grosso; das Orientações Curriculares para a Educação das

Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira

nas escolas dos territórios quilombolas.

Quanto a história da comunidade o Regimento Escolar também vinca que a

escola deve ter um currículo que possibilite o conhecimento de suas origens e a história

das comunidades quilombolas que compõem a região Vão Grande. Quando a escola é

pensada como um espaço de formação inserido em um processo educativo mais amplo,

ela vai além de um espaço de socialização de saber que vem pronto e acabado, ela abre

espaços para outros saberes. Para os saberes que importam para a comunidade. Abre

espaço para as discussões, os debates. Forma sujeitos de história, contribui para

fortalecer a identidade.

No entanto, é interessante refletir que o fato do PPP e o Regimento da escola

apresentar proposições que primam pela preservação da história da comunidade, não

assegura que o ensino por ela ministrado, dialoguem com a história da comunidade e

com a expectativa das famílias que ela atende. São as práticas cotidianos, o fazer

pedagógicos no chão da escola que fazem a diferença.

4.2.3 O fazer pedagógico nas salas multisseriadas

Como já foi dito no capítulo III, o sistema de ensino na Escola Estadual José

Mariano Bento é o multisseriado. Os educandos do ensino fundamental e do ensino

médio, estão organizados em seis turmas, de modo que até o ensino médio é formado

por turmas multisseriadas, a tabela 10 especifica apresenta um panorama da distribuição

dos educandos nas turmas:

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Tabela 10: Organização das turmas multiserriadas da Escola José Mariano Bento

Turma

multisseriada

Educandos que integram a

turma multisseriada

Situação docente

Turma 01 1º, 2º, 3º ano do Ensino

Fundamental

As aulas são atribuídas a uma Professora

pedagoga, que fica responsável para

planejar e ministrar aulas para os

educandos dos três anos,

concomitantemente.

Turma 2

Regular

Matutino

4º, 5º anos do Ensino

Fundamental

As aulas são atribuídas a uma Professora

pedagoga, que fica responsável para

planejar e ministrar aulas para os

educandos dos três anos,

concomitantemente.

Turma 3

Regular

Matutino

6º e 7º ano do Ensino

Fundamental

As aulas são atribuídas por disciplina, cada

professor é responsável por planejar e

ministrar sua disciplina, aos educandos do

6º e 7º ano, concomitantemente.

Turma 4

Regular

Matutino

8º e 9º ano do Ensino

Fundamental

As aulas são atribuídas por disciplina, cada

professor é responsável por planejar e

ministrar sua disciplina, aos educandos do

8º e 9º ano, concomitantemente.

Turma 5

Regular

Matutino

1º ano do Ensino Médio As aulas são atribuídas por disciplina, cada

professor é responsável por planejar e

ministrar sua disciplina, aos educandos do

1º ano do Ensino Médio, essa é a única

turma da escola que não é multisseriada.

Turma 6

Regular

Matutino

2º e 3º ano do Ensino Médio As aulas são atribuídas por disciplina, cada

professor é responsável por planejar e

ministrar sua disciplina, aos educandos do

2º e 3º ano do Ensino Médio,

concomitantemente.

Turma 7

EJA

Noturno

1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º

ano do Ensino Fundamental

As aulas são atribuídas por disciplina, cada

professor é responsável por planejar e

ministrar sua disciplina, aos educandos do

1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º ano do

Ensino Fundamental, concomitantemente.

Turma 8

EJA

Noturno

1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio As aulas são atribuídas por disciplina, cada

professor é responsável por planejar e

ministrar sua disciplina, aos educandos do

1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio,

concomitantemente.

Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com a contribuição de Seila, secretária da Escola.

O funcionamento das salas multiserriadas é regulamentado pelas Diretrizes

Complementares, Normas e Princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de

atendimento da Educação Básica do Campo. Assim está escrito na legislação em relação

ao funcionamento das salas multiserriadas:

Art. 10

§ 2º As escolas multisseriadas, para atingirem o padrão de qualidade definido

em nível nacional, necessitam de professores com formação pedagógica,

inicial e continuada, instalações físicas e equipamentos adequados, livros e

materiais didáticos apropriados e supervisão pedagógica permanente (Parecer

CNE/CEB, p. 12, nº 23/2007).

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No entanto, no chão da Escola José Mariano Bento, a situação é bem diferente:

falta formação pedagógica, instalações físicas e equipamentos adequados, livros e

materiais didáticos que os habilite a planejar e ministrar aulas, para várias turmas ao

mesmo tempo. A falta de formação para ministrar aulas neste sistema de ensino se

constitui uma das maiores queixas dos educadores, em relação às condições de trabalho.

O Parecer das Diretrizes Curriculares para Educação Escolar Quilombola

reconhece que a ausência de formação é uma realidade nacional “houve a reivindicação

do direito à formação dos professores que atuam em instituições escolares ainda

organizadas dessa maneira” (Parecer CNE/CEB, p.38, nº 16/2012). Essa realidade,

também, é um aspecto que irmana os povos quilombolas, indígenas e do campo. De

acordo com Castilho (2011, p. 154), “esse sistema de ensino ainda é uma realidade

frequente nas diversas regiões periféricas urbanas, mais acentuadamente nas regiões

rurais do Brasil”.

Na ausência de formação pedagógica que os qualifique para ministrar as aulas

no sistema de ensino multisseriado, cada educador, adota um método para ministrar

suas aulas. Ao observar as aulas, notei que os educandos já conhecem o jeito de cada

professor, pois eles se antecipam organizando a distribuição das cadeiras de acordo com

a metodologia costumeiramente utilizada pelo educador. Em dada aula, as cadeiras

estavam dispostas em fileiras bem formadas; em outra aula, as cadeiras se espalharam

pela sala formando duplas ou trios; numa outra, os educandos formaram círculos.

Em uma das aulas que observei, na turma multisseriada, formada por educandos

do 6º e 7º anos do Ensino Fundamental, eles se organizaram em dois círculos; o sexto

ano, em um, e o sétimo ano, no outro. Os círculos foram organizados antes da chegada

do educador, permitindo entrever que, costumeiramente, as aulas são dispostas assim

nessa disciplina.

Ao iniciar aula, o educador solicitou aos educandos do sétimo ano que lessem

um conteúdo da disciplina no livro didático e respondessem ao questionário, disposto no

mesmo livro. Em seguida, ele se dirigiu aos educandos do sexto ano, sentou entre eles,

no círculo, e lhes explicou sobre o conteúdo, selecionado para o dia, fez comparações

com situações cotidianas e procurando relacionar as palavras do livro com os saberes

dos educandos. Notei que eles fitavam os olhos no professor, aparentemente, rendendo

atenção ao que ele falava.

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Ao final da primeira aula, o professor encerrou essa conversa, indicando um

questionário do próprio livro para que os educandos copiassem e o respondessem no

caderno. Ele se dirigiu, então, ao círculo formado pelos educandos do sétimo ano, e

novamente se sentou entre eles, repetiu o processo que tinha realizado com os discentes

do sexto ano, e discutiu com eles as respostas atribuídas no questionário.

Notei que, nos dois grupos, os educandos reagiram, semelhantemente, a ordem

dada: enquanto uns realizavam a leitura indicada ou copiavam e respondiam o

questionário, outros pareciam distantes, como se apenas seu corpo estivesse presente

naquele lugar, entretanto nenhum deles procurou realizar conversas paralelas durante a

explicação para o grupo vizinho.

Assim como nos dois grupos, a atenção era voltada ao professor sempre que ele

correlacionava o conteúdo do livro com o cotidiano da comunidade, vez ou outra um

estudante do grupo vizinho inqueria o educador, quanto à maneira correta de responder

à questão, ou solicitava esclarecimento da pergunta, pois, por si só, não havia

compreendido.

Na gana de tentar encontrar caminhos, os educadores improvisam, cada um a seu

modo, cada um ao seu tempo, soluções para o problema que angustia a todos, há

momentos em que buscam caminhos mais coletivos e outros em que se movem em

práticas mais solitárias, para vencer os insucessos da escolarização no território Vão

Grande. Quanto aos insucessos escolares, os estudos de Leite (2001), sugerem que, para

transpor o insucesso escolar, os educadores precisam vencer o fatalismo e contribuir

para a construção de uma sociedade mais democrática. A autora sugere, com base em

Perrenoud (1991), atitudes para vencer o insucesso:

Perrenoud (1991) conclama os professores a lutar, se o insucesso escolar os

incomodar e se quiserem evoluir no sentido de uma diferenciação

pedagógica. Para isso, sugere: a) que os professores compreendam que o

insucesso é evitável; b) que reconheçam as próprias responsabilidades para

esse insucesso, em vez de procurarem um bode expiatório; c) que encontrem

prazer em lutar contra o insucesso; d) que encontrem formas eficazes de

ajudar os alunos em dificuldade; e) que vençam as inércias e as “rotinas

repousantes”; f) que ponham em causa as “certezas didáticas”, tendo

consciência de que as situações de resistência de alguns alunos incentivam

muitas vezes soluções mais inovadoras; g) que valorizem dinâmicas da

instituição e o trabalho em equipe; h) que abandonem o papel central dos

acontecimentos “para tornarem pessoas-recurso” (LEITE, 2001, p. 62)

As palavras dos educadores permitem entrever suas lutas na busca diária para

vencer as adversidades, que lhes são impostas, e contribuir para o bom desempenho dos

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educandos. As palavras de Eliene Lima são bastante significativas em relação ao fazer

pedagógico nas salas multisseriadas:

A situação é muito complicada, falta formação, para a gente saber como

trabalhar com eles. Eu procuro fazer o meu melhor, peço auxílio para os que

terminam primeiro. Os que já sabem ler, como a Beatriz, ajudam os que

estão chegando agora, o Paulo também ajuda bastante, é assim, quem já

entendeu, ajuda o outro. Eu explico a eles, que nós vamos ter que ajudar, uns

aos outros (Eliene Lima, Educadora urbana).

Convém vincar que a maior reinvindicação da educadora se assenta na ausência

de formação, qualificação, embora a narrativa também desvele as estratégias que ela

utiliza para tentar amenizar o problema.

4.2.4 As Práticas Pedagógicas

Nesse sentido, a escola desenvolve várias atividades e projetos. Acompanhei,

pessoalmente, a realização de alguns, que foram desenvolvidos durante o período da

pesquisa de campo, de outros, por meio da leitura do projeto, das publicações realizadas

sobre eles nos eventos da região, outros ainda nas conversas informais com educandos e

educadores, que foram desenvolvidos antes da pesquisa de campo, principalmente no

ano de 2014.

No entanto, durante a pesquisa de campo, observei que a prática dos educadores

oscila: ora as aulas são ministradas por meio de projetos pedagógicos, nos quais o corpo

docente parece procurar estabelecer um link com a história, os saberes e os fazeres da

comunidade, ora as aulas são ministradas por meio de aulas expositivas tendo o livro

didático, como guia. Ao inquerir os educadores sobre como eles trabalham as vivencias,

a história da comunidade, eles apontaram os projetos realizados na escola. A seguir,

descreverei algumas dessas práticas pedagógicas, citadas pelos educadores, nas quais

eles afirmam buscam relacionar as vivências e saberes da comunidade com a educação

formal, realizada na escola.

Os projetos, em sua maioria, são desenvolvidos por mais de um educador, sob a

coordenação de um deles, envolvendo várias turmas e disciplinas, principalmente as

disciplinas específicas da área de Saberes Quilombolas: Práticas em Cultura e

Artesanato Quilombola, Práticas em Técnicas Agrícola Quilombola e Práticas em

Tecnologia Social Quilombola. Essas Disciplinas são somadas à Base Comum e

integram o currículo da Escola.

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Segundo Moreira e Silva (2002, p.32), as relações entre currículo e produção de

identidades sociais e individuais, tem levado os educadores a educadoras engajados

nessa tradição, “a formular projetos educacionais e curriculares que se contraponham às

características que fazem com que o currículo e a escola reforcem as desigualdades da

presente estrutura social”.

As ilustrações a seguir buscam exemplificar algumas práticas pedagógicas

desenvolvidas na Escola José Mariano Bento. As Ilustração 54 e 55 apresentam o

Projeto Artes Visuais, coordenado pela educadora Marcia Resende, graduada em Letras,

realizado com os educandos dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

De acordo com a educadora, “o projeto tem como objetivo identificar a arte visual na

natureza, através de rochas e objetos de madeiras esculpidos pelos fenômenos

naturais”.

Ela ainda informou que, para o desenvolvimento do Projeto, foi adotada a coleta

dos objetos, restos de pau e rochas, que estão às margens do Rio Jauquara. Para a

educadora, “o trabalho estimulou o desenvolvimento e a criatividade dos educandos,

possibilitando-os a ter um contato amplo com a arte e a linguagem literária”.

Ilustração 54: Projeto Artes Visuais Ilustração 55: Projeto Artes Visuais

Acervo da pesquisadora (2015) Acervo da pesquisadora (2015)

Durante uma entrevista com o Senhor Odilon, pai de quatro educandos da

Escola, ao se referir ao Projeto, expressa sua admiração por ele:

Eu nunca pensei que os pedaços de pau lá do rio podia ser uma coisa assim

de grande valor, quem que ia pensar. Alguma vez, eu ficava olhando,

olhando, mas não sabia que tinha um valor assim (ODILON, pai).

A análise, realizada por Candau e Koff (2015, p. 334), indica a relevância da

educação escolar na formação dos educandos. Em conformidade com as autoras, é

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necessário buscar novos caminhos que possibilitem a reinvenção de uma escola cada

vez mais plural, democrática, “capaz de responder aos desafios de nossa

contemporaneidade e de formar cidadãos e cidadãs, sujeitos da construção de um

mundo menos dogmático e mais solidário”. Para as autoras, a reinvenção da escola,

inclui, também, o debate sobre “o modo de viver o currículo e/ou a prática educativa,

refletindo e discutindo” (CANDAU e KOFF, 2015, p. 335).

O Projeto “Produção de Farinha de mandioca” foi coordenado pelo professor

Antônio Marcos Pereira Silva, especialista e graduado em Ciências Biológicas, e

envolveu todos os educandos e educadores de quatro turmas multisseriadas (do 6º ano

do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio). De acordo com o professor

Antônio, o Projeto tem como objetivo “despertar nos educandos e familiares a

necessidade de agregar valor aos seus produtos e gerar renda”.

Ele ainda informou que “o projeto contemplou todas as áreas do conhecimento

e as disciplinas de ciências e saberes quilombolas, trabalhando de forma

interdisciplinar; para estudar as técnicas do plantio até a colheita”.

Ilustração 56: Arrancando Mandioca Ilustração 57: Transportando Mandioca

Acervo da pesquisadora (2015) Acervo da pesquisadora (2015)

Conforme explicações da professora Lucia Helena, o plantio da mandioca é

realizado em uma área logo no fundo da Escola, na Disciplina de Práticas em Técnicas

Agrícolas Quilombolas.

Acompanhei o desenvolvimento da aula no dia da farinhada e observei que todos

os educandos se envolveram nas atividades: uns se ocuparam de arrancar a mandioca

(Ilustração 56), uns a descascavam (Ilustração 57), outros as levavam para serem

descascadas (Ilustração 58), e a mandioca já descascada era levada para a farinheira

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(Ilustração 59). Assim, cada parte do trabalho foi dividido de acordo com a habilidade

de cada estudante, e todos participaram da aula.

Ilustração 58: Descascando Mandioca Ilustração 59: Cuidados com a Mandioca

Acervo da pesquisadora(2015). Acervo da pesquisadora(2015).

Ao indagar sobre a importância do Projeto:

Esse aqui é um trabalho de grande valor, porque eles estão fazendo uma

coisa de muita serventia pra vida deles, por que eles estão aprendendo uma

coisa muito boa (JOANITA, mãe).

Eu gosto porque é divertido, a gente conversa, ri e trabalha, até os mais

velhos vem no dia. Reúne um monte de gente e nem cansa, até de tarde já vai

estar tudo pronto (JOELSON, educando).

Para a Educação Escolar Quilombola, “trabalho como princípio educativo”,

também parece ser “de grande valor”, tal como afirma Dona Joanita. Na Resolução nº

08/2012, no Art. 7, ele é apresentado como um dos princípios da Educação Escolar

Quilombola: “XVIII - trabalho como princípio educativo das ações didático-

pedagógicas da escola”. No Art. 50, dessa mesma Resolução, ele é apresentado como

um dos eixos da formação inicial de professores que atuam na Educação Escolar

Quilombola: “o estudo do trabalho como princípio educativo”. Mas qualquer trabalho é

um princípio educativo?

As pesquisas indicam que nem todo trabalho pode ser considerado como um

princípio educativo, por exemplo, o trabalho que escraviza, explora, aliena, desmoraliza,

humilha, discrimina. O trabalho em que se emprega esses verbos não representa um

projeto de educação emancipatória, pelo contrário, serve às exigências do capital,

subordina a escola a seu serviço e coisifica os humanos.

O trabalho realizado na produção da farinha busca perpetuar as técnicas

utilizadas pelas famílias, no plantio da mandioca e no preparo da farinha, para tanto, os

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educadores buscam parceria com a Comunidade, envolvendo a todos na execução do

Projeto. O que permite inferir que o trabalho desenvolvido pode ser considerado como

princípio educativo. Para Frigotto; Ciavatta; Ramos (2005), o trabalho como princípio

educativo, vai para além de uma mera técnica didática ou metodológica no processo de

aprendizagem:

O trabalho como princípio educativo não é apenas uma técnica didática ou

metodológica no processo de aprendizagem, mas um princípio éticopolítico.

Dentro desta perspectiva, o trabalho é, ao mesmo tempo, um dever e um

direito. O que é inaceitável e deve ser combatido são as relações sociais de

exploração e alienação do trabalho em qualquer circunstância e idade

(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 18).

A escola desenvolve ainda vários outros projetos que visam vincular os saberes

da Comunidade com a educação formal, o que permite entrever um esforço se

delineando no seio da escola, tais como o Projeto Beneficiamento da banana, que

iniciou no ano de 2014.

De acordo com a educadora Madalena Sales, graduada em Matemática, o Projeto

teve participação de todos os profissionais da Escola, dos educandos do 3º ano do

Ensino Médio e de algumas pessoas da Comunidade, que contribuíram na preparação

das receitas e no fornecimento da matéria-prima. Passo a palavra para a educanda

Marilene que descreve o Projeto e justificando sua execução:

O nome do projeto é beneficiamento da banana no território quilombola Vão

Grande, primeiros nós pesquisamos um pouco sobre a banana para ver se

dava certo, ai nós fomos com a ideia, que era fazer doce, bala, para agregar

maior valor. Aqui na comunidade as pessoas plantam bastante e não

consegue vender, ou vende só as que o comprador acha que é maior. Acaba

vendendo quase nada. Então essa foi a ideia da professora: Nós fomos fazer

a bala, o doce de banana, banana chips, essas coisas. Todos os alunos

gostaram, porque é verdade né, por que desperdiça muita banana, lá na

minha casa mesmo, papai é produtor ele as vezes joga um monte de banana

que apodrece sem utilidade, então com certeza pode ajudar (MARILENE,

educanda).

O Senhor Ambrósio, 66 anos, morador mais velho da Comunidade Morro

Redondo, confirma as palavras de Marilene:

Nós plantamos feijão, arroz, milho, mandioca, banana tudo as coisas para

comer, mais a banana nós vendemos, só que o atravessador que vende.

Quando acha ainda de vir. As vezes perde, ainda agora está perdendo

banana ai de novo, então nós sofremos de todo o jeito! (JOSÉ AMBRÓSIO,

66 anos).

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O Projeto foi apresentado na Feira de Ciências da Universidade Estadual do

Mato Grosso/UNEMAT, na qual foi um dos cinco primeiros colocados, a educadora,

conta a experiência:

Apresentamos o projeto na Feira de ciências de Barra do Bugres, o projeto

foi um dos cinco primeiros colocados, e a nossa educanda, Mariluce Lina da

Silva foi contemplada com bolsa de iniciação científica da CAPES, porém a

aluna não pôde participar como bolsista porque já estava cursando o 3º ano

do ensino médio e decidimos em conjunto que sua irmã Marilene Ilza da

Silva, que estava cursando o 2º ano do ensino médio deveria participar, e

com isso participamos da Feira de Ciências em nível estadual, que aconteceu

em Cuiabá. Ficamos um tanto decepcionados quando descobrimos que não

concorríamos a premiação na Feira Estadual, pois, diante do que

presenciamos tínhamos grandes chances [...] Hoje o projeto é acompanhado

pelos professores doutores Sumaya e José Wilson do curso de engenharia de

alimentos da UNEMAT campus de Barra do Bugres, além da educanda

Marilene, participa também Mariluce, que foi a ganhadora da bolsa

(MADALENA, educadora urbana).

A educadora descreve sua experiência como orientadora da educanda que foi

contemplada com a Bolsa Cientifica da CAPES:

O projeto contou com a participação de todos da escola, mas os professores

Antônio Marcos da Silva, Lucia Helena de Jesus Souza e eu, Madalena

Santana de Sales, participamos de forma mais efetiva, em conversa o grupo

decidiu que eu, professora Madalena, deveria ser a orientadora

(MADALENA, educadora urbana).

A educanda Marilene é uma estudante muito aplicada e está disposta a

aprender mais, como orientadora estou muito satisfeita com o trabalho

desenvolvido por ela, para eu ser sua orientadora é muito importante, é

minha segunda orientação e me ajuda muito no meu crescimento

profissional. Além de ser um aprendizado tanto para a educanda, quanto

para mim com sua orientadora (MADALENA, educadora urbana).

A educanda e a educadora descrevem o que esse prêmio simbolizou para a

Comunidade:

Eu acho importante porque muitas pessoas não acreditam na nossa

capacidade. Tem gente daqui mesmo que não acredita em si próprio, só por

morar aqui no sitio, pensa que a pessoa da cidade tem mais capacidade, mas

não, nós também podemos ser iguais a eles, podemos ter o mesmo

conhecimento, só que de formas diferentes, então eu acho importante. Como

exemplo para outras pessoas verem que nós também somos capazes assim

como eles (MARILENE, educanda). Este projeto pode ajudar a comunidade, pois os moradores podem a partir

de agora fazer o beneficiamento da banana e obter lucro, e também a

comunidade passa a ser conhecida não apenas como Vão Grande, mas como

Território Quilombola Vão Grande, porque muitas pessoas nem mesmo

sabem, que em Barra do Bugres existe um Território Quilombola e que na

escola, que lá está localizada, também se produz conhecimento

(MADALENA, educadora urbana).

Assim, concordo com Frigotto; Ciavatta; Ramos (2005), quando eles afirmam

que o trabalho como princípio educativo se vincula à própria forma de ser dos seres

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humanos, como parte da natureza e dela dependentes para reproduzir a vida. Para o

referido autor, é pela ação vital do trabalho que os seres humanos transformam a

natureza em meios de vida.

Observei outras ações pedagógicas, que demonstram o esforço tanto da gestão,

quanto dos docentes para relacionar a história e os saberes da Comunidade com a

educação formal. Como exemplo, cito as aulas relacionadas à preparação de remédios

caseiros, nas quais, com o auxílio dos moradores, foi realizada a identificação e

preparação de vários remédios.

De acordo com a Resolução nº 08/2012, os acervos e repertórios orais são um

dos seis itens que fundamentam e alimentam a Educação Escolar Quilombola (Art.1º.

Resolução nº 08/2012). O Território Vão Grande possui amplo repertório oral,

constituído de rezas, orações, ladainhas, lendas, ditados populares.

Ao observar o planejamento da Disciplina de Língua Portuguesa, das turmas do

2º e 3º ano do Ensino Médio, constatei que um dos conteúdos previstos era “ditados

populares”. Durante a pesquisa de campo, acompanhei uma das aulas desenvolvidas

sobre a temática. Saliento que a aula que acompanhei era a segunda aula sobre a

temática, de modo que vou descrever a aula deste dia.

Ao iniciar a aula, a professora dividiu a turma em duplas. Cada dupla ficou

responsável para visitar uma das casas da Comunidade Baixio, a visita foi feita a pé. Na

casa em que eu acompanhei a visita, a dona da casa recebeu os estudantes com alegria,

dado que eles são seus parentes e amigos. Foi preciso explicar várias vezes, qual era o

objetivo da visita; a princípio, ela afirmou não conhecer/saber nenhum ditado popular,

mas depois de novas explicações, ela disparou a dizer os ditados ouvidos na

comunidade desde a infância.

Eu sei um que é assim “vamos fazer igual cachorro magro” que é quando a

gente come numa casa e nem ajuda e nem nada e sai, vai embora”. Também

tem um que eu sei que é assim: “serração na serra e chuva na terra” esse

daí e certinho, e chove mesmo, os mais velhos dizia e é certinho (EVANICE,

mãe).

De acordo com a educadora de Língua Portuguesa, Marcia Campos, ao final do

trabalho, eles pretendem confeccionar um livreto “no final nós queremos fazer um

livreto com os resultados dos trabalhos que a gente vem fazendo, com os ditados, com

as leituras sobre as artes visuais, para poder registrar os conhecimentos que a

comunidade tem”.

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De acordo com o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Escolar Quilombola romper com as práticas inflexíveis, com os tempos e espaços

escolares rígidos na relação entre o ensinar e o aprender, com a visão estereotipada e

preconceituosa sobre a história e a cultura de matrizes afrobrasileira e africana no

Brasil, tematizando de forma profunda e conceitualmente competente, as questões do

racismo, os conflitos em relação à terra, a importância do território, a cultura, o

trabalho, a memória e a oralidade representa um dos muitos desafios da Educação

Escolar Quilombola (Parecer CNE/CEB, p.47, nº 16/2012).

Observei vários objetos artesanais, que resultaram de aulas, projetos ou

programas realizados nos anos anteriores, a exemplo cito as atividades desenvolvidas no

programa Mais Educação74.

A Ilustração 60, mostra peneiras confeccionadas na escola; a Ilustração 61

demonstra a arte de pintar em telhas; na Ilustração 62, pote de barro pintado; a pintura é

uma reprodução da casa do Senhor Maximiano e Dona Benedita, filho e nora do patrono

da Escola.

Ilustração 60: Peneiras Ilustração 61: Pinturas em Telhas Ilustração 62: Pote pintado.

Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola

Em relação ao Programa Mais Educação, a gestora da Escola, Lucimara

evangelista, graduada em Pedagogia, lamenta o seu encerramento. Disse ela: “Esses

artesanatos foram feitos em uma das oficinas do Programa Mais Educação, no ano de

74O Programa Mais Educação foi instituído pela Portaria Interministerial n.º 17/2007 e integra as ações do

Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como uma estratégia do Governo Federal para induzir a

ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral[...]Essa

estratégia promove a ampliação de tempos, espaços, oportunidades educativas e o compartilhamento da

tarefa de educar entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes atores

sociais, sob a coordenação da escola e dos professores. Isso porque a Educação Integral, associada ao

processo de escolarização, pressupõe a aprendizagem conectada à vida e ao universo de interesse e de

possibilidades das crianças, adolescentes e jovens. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/

dmdocuments/passoapasso_maiseducacao.pdf>. Acesso em: 25 out. 2015.

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2014. As crianças gostavam bastante. Os tutores eram da comunidade. É uma pena que

o programa foi encerado”.

Durante o ano de 2015, a educadora Lucia Helena, que ministra as Disciplinas

de Tecnologia Social e de Prática em Cultura e Artesanato Quilombola, está trabalhando

a fabricação de cestos, fala:

Eu só trabalho com a Tecnologia Social e a Pratica em Cultura e Artesanato

Quilombola. Estamos trabalhando com palha de milho na fabricação de

cestos, com o material que eles têm, a matéria prima da própria comunidade.

Então como que a gente vai trabalhar? A gente vai convida um pai que tenha

o conhecimento para participar das aulas e nos ajudar. Até para colher a

matéria prima, tem que saber como colhe, não é de qualquer jeito! (LUCIA

HELENA, educadora urbana).

Ao trabalhar os artesanatos da Comunidade, a Escola tece uma síntese entre a

legislação e a realidade contribuindo para a implementação das diretrizes curriculares.

Ao convidar os pais para ensinar/ministrar as tecnologias, a Escola envolve a

comunidade ressignifica o fazer pedagógico e potencializa o ensino de História e

Cultura Afro-Brasileira e Africana, por meio de uma abordagem articulada entre

passado, presente e futuro dessas comunidades.

Essa ressignificação está de acordo com o que indica o quinto parágrafo do

primeiro artigo das Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar Quilombola, ao

afirmar que a Educação Escolar Quilombola deve garantir aos estudantes o direito de se

apropriar dos conhecimentos tradicionais e das suas formas de produção de modo a

contribuir para o seu reconhecimento, valorização e continuidade (Art. 1º, Resolução n°

08/2012).

Nas turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, os projetos têm outra

configuração. Cito, como exemplo, o Projeto sobre as moradias do Território Vão

Grande, coordenado pela educadora Dinalva Campos, graduada em Pedagogia e

especialista em psicopedagogia.

O Projeto envolveu os educandos e educadores de três turmas (do 1º ao 7º ano),

cabe vincar, todavia, que as turmas são multisseriadas, ou seja, uma turma é composta

por educandos de vários anos/séries, como já foi explicitado.

De acordo com a professora Dinalva, o Projeto tem como objetivo “identificar

os diversos tipos de moradias existentes nas comunidades quilombolas Baixio, para

fortalecer a história e a cultura local”.

A educadora esclarece como o projeto foi executado:

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Realizamos atividades de aula campo, para olhar os diferentes tipos de

moradia, como e com o que elas são feitas, quem construiu e mora nela, que

importância a casa tradicional tem para nós. Conversamos com os mais

velhos da comunidade, ouvimos as histórias, relatos. As crianças também

têm conhecimentos prévio sobre o tema, o que facilita a interação. Junta a

comunidade e os professores, fortalecendo o espaço territorial e mantendo

viva a história e a cultura local. DINALVA, educadora quilombola).

A Ilustração 63 mostra as educandas do 6º e 7º ano, durante a pesquisa de

campo, realizada na Disciplina de Geografia, ministrada por Dinalva Campos.

Ilustração 60: Educandas 6° e 7° ano

Fonte: Acervo de Dinalva Campos

O objetivo do projeto: “identificar os diversos tipos de moradias existentes nas

comunidades quilombolas Baixio, para fortalecer a história e a cultura local”, desvela

o anseio do corpo docente para se alinhar as expectativas das famílias. Embora as

iniciativas ainda sejam embrionárias.

Indaguei aos mais velhos se eles consideram importante a escola ensinar a

história e a cultura da comunidade, ao que eles responderam:

Eu acho que é muito importante, porque se a gente não ensinar como os mais

novos vão saber? Meu pai que é o primeiro que chegou aqui, e a escola tem

o nome dele, ele ensina as coisas pra nós, contava os causos de quando eles

eram meninotes aqui. É assim que eu sei (MAXIMIANO, 73 anos).

Eu já fui na escola contar história de quando a gente chegou aqui, meu pai

que abriu alí na Camarinha. Teve uma vez que eu vim aqui na escola contar,

ai eu cheguei aqui tinha até professora lá da cidade, que queria saber. Então

isso ai é uma coisa importante para os mais novos saberem e não esquecer

da história dos antigos (CONSTANTINO, 90 anos).

Sobre nós aqui, da nossa história, eu acho que é muito importante a escola

ensinar, aprender a dar valor nos mais velhos. A gente nasceu e criou aqui!

Nosso pai, nossa mãe, nosso avô... De mamãe, eu sou o último que está

vivo... Só resta eu. Não tenho mais nenhum irmão vivo. Por isso que eu acho

muito importante a escola ensinar dos mais velhos, da história dos antigos

(JOSÉ AMBRÓSIO, 66 anos).

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Para conhecer a expectativa dos pais em relação ao ensino da História na escola,

também os indaguei, ao que eles responderam:

Eu acho que é muito bom ensinar nossa história lá na escola. Meu pai conta

para meus filhos como era a vida deles, fala que andava com carga daqui até

na Barra, com coisas para vender, para comprar outras coisas para trazer para

casa. Assim que ele fala, por isso que eu acho que é importante, por que os

mais novo vai aprendendo a dar valor! (JOANITA, mãe).

Eu acho que é bom, por que não vai está desviando. Porque se achar que

nossos costumes não são bons, vão tirar da ideia das nossas crianças. Por isso

eu acho bom ensinar lá na escola, por que fica na ideia delas (MARIA, mãe)

A preocupação dos pais com a preservação da história, da cultura, dos costumes

das comunidades, parece gritante nas palavras da mãe: “se achar que nossos costumes

não são bons, vão tirar da ideia das nossas crianças, por isso eu acho bom ensinar lá na

escola, por que fica na ideia delas”. As palavras da mãe apontam para um dos desafios

da escola: apresentar a história dos quilombos a partir de referenciais positivos, de

modo a contribuir para o fortalecimento da identidade, rompendo com a lógica da

historiografia e dos materiais didáticos disponibilizados na escola, nos quais os

quilombos são apresentados como lugares de escravidão.

Os livros didáticos utilizados nas escolas, no geral, apresentam uma história

negativa dos afro-brasileiros e seus descentes, assim como dos indígenas, o que gera

estereótipos negativos na medida em que fazem uma representação positiva do branco

em detrimento de outros grupos étnicos.

A fim conhecer a percepção dos educandos perguntei-lhes sobre a importância

do ensino da história das suas comunidades, na escola, não houve entre os entrevistados,

quem discordasse da importância desta prática “é muito importante” e “eu acho muito

bom”.

Nas entrevistas, quando perguntei sobre a história da Comunidade, as respostas

variavam entre a história dos seus familiares e as lendas da Comunidade, apreendidas

dos pais, avós, bisavós, sobre as quais eles contam as mais diversas histórias:

Um dia faz temmmmpo, pegou, acho que é meu sobrinho. Pegou lá pra

baixão, pra lá assim. Pegou. Ai a Joana falou, que ele falou assim: Socorro,

socorro! Que era a curupira que estava nele e ele conseguiu falar só

socorro, socorro. Ai a mamãe viu ele e ai a currupirinha solto ele e correu

(TÂNIA, educanda).

O Currupira tem perna pra trás igual a saci. E lá na casa da minha amiga o

guri estava sozinho em casa, só ele e meu amigo ai o lobisomem arrudiou a

casa dele. Ai eles saíram, deixaram. Só fechou a porta male má [mal] e

saíram correndo com medo (DAIANE, educanda).

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As narrativas dos jovens entrevistados são permeadas de lendas e contos, entre

elas as mais constantes são as histórias do lobisomem e do currupira. Há quem diga que

um dos moradores da região vira lobisomem, tal como há quem afirme que o Silva

Velho também virava. Afirma-se ainda que alguns moradores fazem encantamentos,

transformando-se em pedras e/ou animais para assim fugir dos perigos que a vida

reserva.

Joelson, educando, fala das famílias que constituem a Comunidade Vaca Morta:

“Meu vô é o mais velho do lado de lá. Ele e o Bonifácio. Tipo lá do lado de lá todo

mundo é filho do meu vô e ou do Bonifácio, tudinho...É tudo parente do lado de lá”.

Paula de Campos Rondon é nascida e criada na Comunidade Morro Redondo,

faz oitavo ano, considera-se morena, diz que acha que é quilombola da antiguidade do

seu bisavô. Pergunto-lhe se a história da sua comunidade é ensinada na escola e ela tece

uma crítica: “Muito pouco, porque aqui só ensina sobre esta Comunidade Baixio, e

sobre o Morro Redondo é muito pouco”.

De acordo com o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

Escolar Quilombola, o direito a uma educação escolar que respeite e reconheça sua

história, memória, tecnologias, territórios e conhecimentos tem sido uma das

reivindicações históricas das comunidades quilombolas e das organizações do

Movimento Quilombola (Parecer CNE/CEB, p.06, nº 16/2012).

No entanto, vale destacar que o fato de uma instituição escolar estar localizada

em uma comunidade quilombola não assegura que o ensino por ela ministrado, seu

currículo e o projeto político-pedagógico dialoguem com a realidade quilombola local e

que os que os profissionais que atuam nesses estabelecimentos de ensino tenham

conhecimento da história dos quilombos, dos avanços e dos desafios da luta antirracista

e dos povos quilombolas no Brasil (Parecer CNE/CEB, p.26, nº 16/2012).

Perguntei aos educadores se eles conhecem a história das comunidades atendidas

pela escola, ao que todos afirmaram conhecer:

Conheço um pouco, pois também é a história da minha família! Mais preciso

conhecer ainda mais (LUCIMARA, educadora quilombola).

Sim. Devido aos trabalhos feitos com a comunidade, conhecemos um pouco

de sua história (ANTÔNIO, educador urbano).

Os educadores expõem em que medida e como, trabalham a história das famílias

em suas aulas:

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A minha disciplina é matemática, então não é muito fácil relacionar

matemática e história, mas procuro através de uma ferramenta chamada

etnomatemática relacionar o saber matemático usado no cotidiano da

comunidade com saber científico, por exemplo, estamos estudando a

matemática usada nas construções das casas de palhas, a matemática usada

para fazer levantamentos sobre problemas enfrentados na comunidade

(MADALENA, educadora urbana).

Procuro trabalhar com a valorização e a revitalização da cultura, como por

exemplo, a revitalização do siriri e os artesanatos. Embora haja resistência.

Nós temos as Orientações Curriculares para Educação Escolar Quilombola,

temos as disciplinas especificas e a Base Comum. Temos que aprender a ligar

essas duas coisas, trabalhar matemática, por exemplo, com a cultura local,

trabalhar Produção de textos com um conto da comunidade, com uma lenda...

São muitas as possibilidades para que a história das comunidades seja

trabalhada na escola (MARIA HELENA, educadora quilombola).

Eu trabalho fortalecendo a sua história e mostrando a importância do povo

quilombola, fazendo com que os mais novos se identifiquem, transmitindo

sua cultura e perpetuando. (ANTÔNIO, educador urbano).

Buscamos trabalhar a história da comunidade, por meio de pesquisas

realizadas pelos alunos, mas ainda precisamos avançar nesta questão

(LUCIMARA, educadora quilombola).

A execução do Projetos descortina o esforço da comunidade escolar em efetuar a

Educação Escolar Quilombola, escolher temáticas que privilegiem as vivências do

Território Vão Grande, possibilitem uma “construção cultural”, tal como afirma

Castilho (2011, p.163), “currículo é uma construção cultural, um modo de organizar

práticas educativas, tendo em vista relações significativas que envolvem poder,

identidade, conhecimento, resistência e conflito. Ele também instaura silenciamento,

negações e exclusões”.

Muito da história das comunidades quilombolas que constituem o Território

Quilombola Vão Grande está por ser conhecida, reconhecida, divulgada, registrada em

livros, garantindo o direito à memória e ao conhecimento de sua história. Muito da

história das comunidades continua silenciando com o desfalecimento dos Guardiões da

memória.

O leitor pode estar se perguntando: Estes projetos conseguem dar conta do

currículo ideal para a Educação Escolar Quilombola? É importante esclarecer, que a

realização destes projetos, por si só, não é capaz de dar conta do currículo ideal para a

Educação Escolar Quilombola, nem mesmo atender as expectativas das famílias sobre a

preservação de suas histórias e memórias, entretanto eles podem simbolizar um novo

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tempo inaugurado75 no fazer pedagógico da escola: Tempo de tornar audíveis vozes por

tanto tempo silenciadas.

Um esforço do corpo docente para ressignificar suas práticas, mesmo em face

das muitas ausências que a escola padece, dos parcos recursos que possuem, da pouca

qualificação que acessam. Dados que configuram um sentido de urgência à formação de

professores para atuação na Educação Escolar Quilombola e impele a realização de

políticas afirmativas que corrijam as desigualdades educacionais que historicamente

incidem sobre essa parcela da população.

A ausência de formação permite a seguinte reflexão: como ensinar o que não foi

aprendido? Como aprender se não há quem ensine? Como ministrar aulas, elaborar

projetos que deem conta do currículo ideal para a Educação Escolar Quilombola, se não

há formação especifica para este fim? Seja exemplo, dessa ausência de formação

específica, os cursos de Pós-Graduação no estado de Mato Grosso, onde não há curso

que se dedique especificamente a Educação Escolar Quilombola.

No caso dos cursos de graduação a situação não é diferenciada, segundo o

Parecer CNE/CEB nº 16/2012, as propostas curriculares dos cursos de Licenciatura no

Brasil, desvelam a ausência da discussão sobre as comunidades quilombolas, bem como

do seu histórico de lutas pela terra no passado e no presente.

Neste contexto, Quiçá, os projetos possam simbolizar também um primeiro

vislumbre de reconhecimento por parte do corpo docente, de que as velhas práticas

tradicionais, da educação bancária e hegemônica não são capazes de atender as

expectativas da comunidade quilombola: “formar pessoas conscientes de sua origem e

sua identidade”,

Ao que parece, esse “fazer pedagógico”, vem buscando, ao menos no âmbito das

intenções, fazer com que a comunidade escolar mude o olhar sobre si, numa perspectiva

de valorização de sua própria identidade, de sua história e sua cultura. Apesar de não

atender plenamente ao currículo ideal para uma educação escolar quilombola, nota-se

que as ações realizadas na escola José Mariano Bento, tem redimensionado o olhar da

comunidade escolar.

Conforme Moreira e Silva (2002, p.28), “o currículo é um terreno de produção e

de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria prima de

75A expressão “Novo tempo inaugurado” foi inspirada em “Currículo Tempo e Cultura” de Luiz Augusto

Passos (2003).

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criação e recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”, desse modo, o currículo

tem ação direta na formação do educando.

Aqui, ouso afirmar que o educador também “se forma” na escolha do currículo,

nas atividades que serão desenvolvidas no cotidiano escolar, e, na medida em que ele

busca relacionar os saberes da comunidade com a educação formal, ele contribui para a

formação do educando e para sua própria formação. Ambos, submetem-se às

implicações ideológicas e políticas que a escolha do currículo implica.

Durante a pesquisa de campo, também, observei que os educadores têm várias

dúvidas em relação à efetivação da Educação Escolar Quilombola, eles expressam suas

angústias, dizem que precisam conhecer mais, que os cursos oferecidos pela SEDUC

não alcançam todos os educadores, pois as vagas são limitadas para cada escola. É

importante ouvir suas vozes:

Tem os cursos específicos para a educação quilombola, mas vai um grupo de

cada vez, por que são poucas vagas, então vai um grupo em cada etapa,

então a gente só vai em uma etapa só. O que é muito ruim por que perdemos

praticamente o curso todo. Não fosse os colegas que passam o que

aprenderam, na etapa para o outros que não puderam ir, e assim vai. Na

minha opinião o curso tinha que ser para todos, por que todos precisamos

aprender (DINALVA, educadora quilombola).

Eu gostaria que nos cursos da educação quilombola tivesse um momento

mais especifico de como desenvolver as práticas, o dia a dia na sala de aula,

essa é nossa maior dificuldade (LUCIMARA, educadora quilombola)

Eu não conhecia nada sobre educação quilombola, mas tenho aprendido

bastante, estou aqui desde 2010, aprendi a gostar da comunidade, eles nos

tratam com tanto carinho, nos contam sua história. Mas acho que é

necessário ter mais cursos que sobre a educação quilombola (ANTÔNIO,

educador urbano).

A vontade de “aprender mais”, “participar de mais cursos”, “de ter vaga para

todos”, pode ser compreendida pelo fato de que, como foi descrito no capítulo III, a

Escola começou a se instituir como Educação Escolar Quilombola a partir do ano de

2010, quando o Estado assumiu todas as aulas na Comunidade, extinguiu as salas

anexas e criou a Escola José Mariano Bento.

As entrevistas dos educadores desvelam que, nesse período, eles também não

conheciam a “Educação Escolar Quilombola”:

Meu nome é Lucia Helena, Lena, sou graduada em pedagogia estou fazendo

outra graduação em Letras, pela UAB, era meu sonho, fazer uma graduação

pela UFMT. Já estou aqui na escola José Mariano desde 2010, foi no ano

que começou a escola do estado. Quando eu cheguei, eu não tinha

conhecimento do que era uma escola quilombola, eu não sabia. Mas nós

vamos nos cursos, embora seja pouca vaga, lemos, por que a gente precisa

conhecer (LUCIA HELENA, educadora urbana).

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As palavras da educadora permitem entrever o percurso de construção coletiva

que eles vêm delineando no seio da Comunidade. O esforço dos profissionais da

educação, do corpo docente e da equipe gestora para implementar as Diretrizes

Curriculares é visível, embora seja possível observar que as condições estruturais e as

muitas ausências que a Escola padece dificultam e inviabilizam o processo.

Nas entrevistas, nas conversas, observei a ansiedade dos educadores, dos que

atuam na gestão, dos que atuam na sala de aula, dos que cozinham, dos que limpam, dos

que “guardam” a escola. A ansiedade que não se pode traduzir individualmente, mas de

forma coletiva, pois reflete a busca pela efetivação da educação escolar quilombola na

Comunidade, um desejo que transpõe a barreira da discórdia, dos desentendimentos, das

divergências, que também existem ali.

Essa construção coletiva também pode ser observada nas práticas pedagógicas: é

visível que os educadores estão vivenciando um momento de transição de suas práticas

pedagógicas, reconstruindo, ressignificando, atribuindo a essas práticas, novos valores.

As práticas pedagógicas desenvolvidas na Escola José Mariano Bento descortinam o

empenho da maioria dos educadores em realizar ações que valorizem a riqueza cultural

existente nas comunidades, embora enfrentem muitas situações desafiadoras.

O desejo de construir de fato, de fazer acontecer, de pôr a mão na roda da

história e contribuir para a que Educação Escolar Quilombola se efetive é maior do que

os conflitos existentes, do que as divergências. É um desejo que os irmana.

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TECENDO CONSIDERAÇÕES

No início deste trabalho, eu me propus analisar em que medida, e como, a escola

Estadual José Mariano Bento realiza um projeto pedagógico alinhado com a história das

comunidades do território quilombola Vão Grande, que dê respostas aos anseios de suas

famílias.

Ao perscrutar a história da Comunidade Quilombola Baixio, me deparei com o

negro escravizado, expropriado, marginalizado, que se organiza em terras devolutas,

resiste e luta. Nos trilhos dessas histórias, vi descortinar a luta secular entre um projeto

de liberdade e vida, contra um projeto de injustiça e morte, onde os humanos são

coisificados pelo bem do capital, onde a “diferença” é usada como desculpa para

justificar a morte.

Vi seus passos, suas marcas, suas urgências... Ouvi suas vozes... Compartilhei de

seus sorrisos e de suas lágrimas... Observei seus encantos e desencantos. Procurei

descrever suas ações, suas lutas... Que tarefa difícil! Como foi difícil traduzir em

palavras o que vi, ouvi, compartilhei e observei, sem deixar que minhas palavras

ganhassem um tom subjetivo. Embora eu saiba que a subjetividade já existisse no

momento mesmo em que fiz a escolha do tema; embora estivesse consciente do “poder

que tem as coisas de que se gosta de nos preencherem as entranhas”. Tomara, tenha

conseguido abstrair as emoções e apenas descrito fielmente os caminhos que trilhei.

Agora, preciso sintetizar a caminhada... Indicando setas, sinais... Para novos

trilhos... Outra tarefa difícil:

Em relação ao fluxo de estudos sobre Educação e Quilombo, realizados no

Brasil, os resultados da pesquisa indicam que, embora a quantidade de pesquisas tenha

aumentado, ainda há muitas comunidades quilombolas invisibilizadas, sobre as quais a

academia não se debruçou. O campo de pesquisa a ser investigado ainda é vasto, muitas

são as lacunas a serem preenchidas com estudos que perscrutem a história, os saberes, o

protagonismo do povo quilombola. Carecem estudos que investiguem a relação da

escola com as culturas da infância, com as relações de gênero, o êxodo da juventude

quilombola; a situação da educação especial nas comunidades, entre outras tantas

temáticas que carecem de investigação.

Quanto as comunidades que integram o território quilombola Vão Grande, ainda

há muitas lacunas a serem preenchidas por pesquisas que perscrutem os seus saberes, a

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sua cultura. Que investiguem a importância das festas que se realizam nas comunidades;

ou se debrucem sobre as especificidades religiosas que se realizam naquele lugar; ou

quem sabe ainda, que busquem saber como vivem as mulheres das comunidades e

registrem suas autobiografias; ou ainda que estudem as questões da etnomatemática; ou

que busquem registrar os contos guardados entre as duas serras... São tantas as

possibilidades.

Ao longo da história do Brasil, os saberes relacionados às comunidades

quilombolas foram silenciados. No entanto a resistência negra foi marcada por atos de

coragem, demostrados por meio de insubmissão às condições de trabalho, revoltas,

organizações religiosas, fugas e organização de sociedades alternativas como os

mocambos ou quilombos, mecanismos de oposição à estrutura escravocrata que se

estabeleceu no Brasil.

O protagonismo dos homens e mulheres que por mais de dois séculos ocupam o

território Vão Grande, que travaram várias lutas para permanecer nas terras devolutas

que hoje constituem as comunidades Baixio, Camarinha, Morro Redondo, Retiro e Vaca

Morta, também não foi contado nas histórias dos livros que registram a história do

município de Barra do Bugres.

A história do território quilombola Vão Grande, é contada, pelos Guardiões da

Memória, as pessoas idosas que narram suas histórias e a de seus antepassados, e ao

fazê-lo, contribuem para fortalecer a identidade cultural dos mais jovens. Quando um

idoso falece, toda a comunidade sente e reconhece que, com ele, apaga-se também uma

parte da história do povo, suas memórias, suas lendas.

A ausência de registro escrito da história do Território Quilombola Vão Grande,

faz lembrar as discussões sobre currículo, tecidas por Apple (2002); Moreira (2002,

2004); Sacristán (1998) e Silva (1999, 2002): quais e para quem os conhecimentos

registrados nos livros são importantes? Para o povo do Território Quilombola Vão

Grande é importante conhecer sua própria história. Nas entrevistas tanto com os

Guardiões, quanto com as pessoas mais jovens todos afirmam da importância de saber a

história da comunidade. Há, inclusive, uma queixa de a história da comunidade Baixio

receber tratamento privilegiado. Devido a escola estar localizada nesta comunidade, ela

recebe maior atenção, como no caso desta pesquisa. Embora as demais comunidades

que constituem o território sejam mui dignas de análise.

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Os resultados desta pesquisa desvelam que assim como as histórias das

comunidades quilombolas não foram privilegiadas no registro da história oficial, a

educação que acontece no chão dos quilombos também não foi. Até pouco tempo, a

educação realizada no chão das comunidades quilombolas estava esquecida no bojo da

educação rural, submetida a um currículo hegemônico, pensado para atender realidades

distantes da vida, dos saberes e das tradições vivenciadas pelos povos quilombolas. Só

muito recentemente esse quadro começa a se modificar, por meio das ações dos

Movimentos Sociais.

Assim, os movimentos sociais tiveram papel decisivo na formulação de políticas

públicas, por meio de representação nas mobilizações, motivando ações desencadeadas

pelo Governo Federal, voltadas às comunidades remanescentes de quilombos,

sobretudo, a partir do segundo semestre de 2003. As ações dos movimentos sociais

também motivaram a promulgação de legislações, especialmente importante para a

educação das relações étnico-raciais, no geral, e particularmente para a educação

quilombola. Deste modo os Movimentos Sociais fomentam lembrança aos

esquecimentos e torna audíveis os silenciamentos, a que as comunidades quilombolas

foram submetidas, provocando a implantação de legislações educacionais específicas

para atender às suas necessidades.

As muitas lutas tecidas pelos movimentos sociais culminaram na promulgação

da Resolução nº 08 de 20 de novembro de 2012, que institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para Educação Escolar Quilombola, a publicação desta legislação, pode ser

considerada um dos marcos da luta do Movimento Negro e do Movimento Quilombola,

pois ela consolida a Educação Escolar Quilombola como uma modalidade de ensino.

Contudo, os dados demonstram que, apesar dos avanços em termos de

promulgação de legislações, a Educação Escolar Quilombola, ainda enfrenta desafios

para ser, de fato, implementada no chão das escolas quilombolas, as pesquisas desvelam

que os educandos ainda estão relegados a frequentar escolas sem estrutura física

adequada, e demais condições favorecedoras da construção do conhecimento;

caminham longas distâncias a pé, ou em transportes precários, passam fome por falta de

merenda escolar, em suma, lutam com forças super-humanas, na tentativa de obter êxito

no processo de escolarização.

No caso do território quilombola Vão Grande, os resultados da pesquisa

mostram que ainda hoje, a Comunidade sofre as consequências do descaso e da

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marginalização, simbolizados nas muitas ausências que a escola padece, tais como a

falta de transporte para os alunos e as precárias condições do tráfego nas estradas; falta

de manutenção das pontes e da estrada; falta de instalações elétricas na escola; falta de

água encanada e potável; falta de funcionamento das instalações sanitárias; falta de

estrutura física, todas estas faltas impedem, muitas vezes, até mesmo a realização das

aulas e interferem negativamente na escolarização dos estudantes. É importante vincar

que, durante o ano letivo de 2015, os estudantes da Educação de Jovens e Adultos das

Comunidades Vaca Morta e Retiro perderam o ano letivo, devido à impossibilidade de

chegar à escola no período noturno, devido a uma ponte quebrada que impossibilitava o

acesso dos educandos.

Os dados da pesquisa desvelam que a educação no Território Quilombola Vão

Grande, começou a se instituir como Educação Escolar Quilombola a partir do ano de

2010, quando o Estado assumiu todas as aulas na Comunidade Baixio e criou a Escola

Estadual José Mariano Bento. A instituição da Escola Quilombola pode ser considerada

como fruto da organização da comunidade escolar que desde há muito tempo vem

lutando para garantir uma escola onde caiba a história, os sonhos e a “carta” do

morador.

Quanto aos resultados relacionados especificamente ao que esta pesquisa se

propôs analisar em que medida e como a Escola Estadual José Mariano Bento realiza

um projeto alinhado com a história das comunidades e as expectativas das famílias. Os

dados desvelam que apesar do PPP e do Regimento Interno da escola José Mariano

Bento, está em consonância com as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais

para a Educação Básica; a Lei Federal 10.639/03; as Orientações Curriculares para

Educação Quilombola de Mato Grosso; as Orientações Curriculares para a Educação

das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-

Brasileira nas escolas dos territórios quilombolas, primando pela preservação da história

da comunidade, tendo entre seus objetivos “formar cidadão conscientes de sua origem e

cultura” e “Ter um currículo que leve os (as) alunos a conhecer suas origens, a história

das comunidades quilombolas que compõem a região Vão Grande”, a escola enfrenta

muitos desafios, que impossibilitam a implementação tais objetivos no chão da escola.

A escola está organizada em sistema de ensino multisseriado, este sistema

representa uma das queixas dos educadores em relação às condições de trabalho. Os

educadores reclamam da ausência de qualificação, de formação continuada, de

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instalações físicas e equipamentos adequados, de livros e materiais didáticos que os

habilitem a planejar e ministrar aulas para várias turmas ao mesmo tempo.

Os dados da pesquisa desvelam que a prática dos educadores oscila: ora as aulas

são ministradas por meio de projetos pedagógicos, nos quais o corpo docente parece

procurar estabelecer relações com a história, os saberes e os fazeres da comunidade, ora

as aulas são ministradas por meio de aulas expositivas tendo o livro didático, como

guia.

Os educadores indicam os projetos realizados na escola como estratégias para

trabalhar as vivencias, a história das comunidades e atender as expectativas das famílias.

Apesar dos dados revelarem que os referidos projetos, por si só, não sejam capazes de

dar conta do currículo ideal para a Educação Escolar Quilombola, nem mesmo atender

as expectativas das famílias sobre a preservação de suas histórias e memórias, eles

podem simbolizar o início de um novo tempo no fazer pedagógico da escola. Um

esforço do corpo docente para ressignificar suas práticas, mesmo em face das muitas

ausências que a escola padece, dos parcos recursos que possuem, da pouca qualificação

que acessam.

É possível que a oferta de cursos de formação, de atualização, extensão,

aperfeiçoamento e especialização, presenciais e a distância, tais como os cursos de Pós-

Graduação Latu sensu e Stricto-sensu, específicos para a Educação Escolar Quilombola,

contribua significativamente para ressignificar a prática docente. Cursos que realmente

atendam às necessidades de formação e qualificação dos educadores e que os qualifique

para diminuir a distância entre o que se faz e o que se diz.

Quiçá, os projetos possam simbolizar também um primeiro vislumbre de

reconhecimento por parte do corpo docente, de que as velhas práticas tradicionais, da

educação bancária e hegemônica não são capazes de atender as expectativas da

comunidade quilombola: “formar pessoas conscientes de sua origem e sua identidade”,

Ao que parece, esse “fazer pedagógico”, vem buscando, ao menos no âmbito das

intenções, fazer com que a comunidade escolar mude o olhar sobre si, numa perspectiva

de valorização de sua própria identidade, de sua história e sua cultura. Apesar de não

atender plenamente ao currículo ideal para uma educação escolar quilombola, nota-se

que as ações realizadas na escola José Mariano Bento, tem redimensionado o olhar da

comunidade escolar.

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É visível que está se delineando um esforço no seio da comunidade escolar para

efetivar ações pedagógicas alinhadas com a história do território quilombola Vão

Grande, embora, as muitas ausências que a escola padece, dificultem o processo.

Esse esforço coletivo parece transpor a barreira da discórdia, dos

desentendimentos, das divergências, que também existem no ambiente escolar,

indicando que os educadores estão vivendo um momento de transição de suas práticas

pedagógicas, reconstruindo, ressignificando e atribuindo a essas práticas novos valores.

Afinal, como diz a canção que foi inspirada em Paulo Freire: Sempre é tempo de

aprender e sempre é tempo de ensinar!

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