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5 Educação Inclusiva: uma visão diferente Coleção Pedagógica Markus Figueira da Silva (organizador) edição PRO PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

Educação Inclusiva: uma visão diferentearquivos.info.ufrn.br/arquivos/2011082173fe80665240a... · 2016-08-23 · ... Nilsen Carvalho F. de ... Editor: Francisco Alves da Costa

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5

Educação Inclusiva:uma visão diferente

Coleção Pedagógica

Markus Figueira da Silva(organizador)

2ªedição

PROPRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃOPRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

Educação Inclusiva: uma visão diferente

Coleção Pedagógica n. 5

Educação Inclusiva: uma visão diferente

Markus Figueira da Silva(organizador)

Natal, 2004

2a edição

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central “Zila Mamede”Divisão de Serviços Técnicos

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pró-Reitoria deGraduação.

Educação inclusiva: uma visão diferente / UFRN; Markus Figueirada Silva (org.)... [et al.]. – 2. ed. – Natal (RN): EDUFRN – Editorada UFRN, 2004.

100 p. – (Coleção Pedagógica; n. 5)

1. Política educacional. 2. Projeto político-pedagógico. 3. Projetopedagógico. I. Silva, Markus Figueira da. II. Título.

ISBN 85-7273-177-6

CDD 37RN/UF/BCZM 2004/18 CDU 37.014.5

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

Reitor: José Ivonildo do Rêgo

Vice-Reitor: Nilsen Carvalho F. de Oliveira Filho

Pró-Reitor de Graduação: Antônio Cabral Neto

Diretor da EDUFRN: Enilson Medeiros dos Santos

Editor: Francisco Alves da Costa Sobrinho

Capa: Olavo Oliva

Coordenação de revisão: Risoleide Rosa

Editoração eletrônica: Marcus Vinícius Devito Martines

Supervisão editorial: Alva Medeiros da Costa

Supervisão gráfica: Francisco Guilherme de Santana

Todos os direitos desta edição reservados à EDUFRN – Editora da UFRNCampus Universitário, s/n – Lagoa Nova – 59.078-970 – Natal/RN – Brasil

e-mail: [email protected] – www.editora.ufrn.brTelefone: 84 215-3236 – Fax: 84 215-3206

SUMÁRIO

Apresentação da 2a edição, 7

Antônio Cabral Neto

Apresentação da 1a edição, 9

Ótom Anselmo de Oliveira

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o portadorde necessidade educacional especial, 13

Maria Doninha de Almeida, Markus Figueira da Silva

I – Sobre Educação Inclusiva

Da educação especial à inclusiva: um longo caminhar, 25

Lúcia de Araújo Ramos Martins

A inclusão como conquista de lugar simbólico, 37

Nostradamos de Medeiros Lins

Educação inclusiva e o (des)preparo do professor: brevesconsiderações, 41

Nazineide Brito

Quando a experiência educativa ultrapassa os limites daprática convencional, 47

Edson Camilo de Gouveia

II – Uma visão diferente

Uma razão táctil?, 53

Markus Figueira da Silva

Questão de postura ou de taxonomia?, 61

Francisco José de Lima

A cegueira como uma visão diferente, 71

Joana Belarmino de Souza

Perseverança, 79

Francisco Araújo

III – Anexos, Portarias e Decretos

Portaria n. 4.319, de 26 de fevereiro de 1999, 85

Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, 89

Portaria n. 1.679, de 2 de dezembro de 1999, 97

Educação Inclusiva: uma visão diferente 7

APRESENTAÇÃO DA 2a EDIÇÃO

As mudanças em curso no cenário da educação superior,no país, trouxeram implicações medulares para os cursos degraduação no âmbito das universidades. Exigências foram postaspara todos os atores responsáveis pelo ensino de graduação. Assim,aos administradores e aos professores da Universidade coube amissão de promover as reformas curriculares necessárias paraatender às novas demandas contextuais.

A Pró-Reitoria de Graduação – PROGRAD –, como a ins-tância responsável, no âmbito da Universidade Federal do RioGrande do Norte – UFRN –, pelo ensino de graduação, assume,prioritariamente, o processo de assessoramento didático-pedagó-gico na reformulação curricular. Para cumprir o seu papel dearticuladora desse movimento, foi necessário fornecer elementosteóricos e práticos para subsidiar os profissionais envolvidos na atu-alização pedagógica dos cursos de graduação.

É nesse cenário, portanto, que se insere a Coleção Peda-gógica da UFRN. Os textos publicados nos cinco volumes da citadacoleção buscam sistematizar subsídios basilares para orientar o de-bate de temas relativos aos principais aspectos implicados na açãopedagógica. Essa coleção vem cumprindo um papel importante notrabalho que a PROGRAD desenvolve junto aos cursos de gradua-ção e, por isso, estamos colocando à disposição da comunidadeuniversitária uma segunda edição dos seguintes títulos: Projeto Po-lítico-Pedagógico, Currículo como Artefato Social, O Sentido dasCompetências no Projeto Político-Pedagógico, Licenciatura e Edu-cação Inclusiva.

Com essa iniciativa, a PROGRAD pretende continuardisponibilizando elementos para auxiliar no debate de questões per-tinentes ao ensino de graduação na UFRN.

Natal, julho de 2004

Antônio Cabral NetoPró-Reitor de Graduação

Educação Inclusiva: uma visão diferente 9

APRESENTAÇÃO DA 1a EDIÇÃO

Antes de apresentar formalmente um novo texto da ColeçãoPedagógica, refuto o sentido de várias expressões que, na maioriadas vezes, refletem uma postura discriminatória em relação aoportador de limitações. Para negar todos os tipos de discriminações,nomeio, por exemplo: o deficiente; o incapacitado; ou o seu contrárioque diz: todos são iguais em todos os aspectos.

Apresento mais um texto da Coleção Pedagógica,conclamando a Universidade Federal do Rio Grande do Norte(UFRN) para assumir a importância do significado da diferença en-tre deficiência e limitação.

Convido toda a comunidade acadêmica para realçar a obri-gatória heterogeneidade que garante uma particular unidade aocorpo discente desta Universidade. Refiro-me, especialmente, aosalunos, e/ou candidatos, portadores de limitações – físicas, men-tais, visuais, auditivas, múltiplas. E, admitindo a existência de alunoscom limitações, reconheço, também, a oferta de tratamento espe-cífico sem, no entanto, desprezar as condições regulares de ensinoe de aprendizagem de cada um, inclusive daqueles consideradossem limitações.

A postura baseada na distinção entre deficiência e limitaçãocontribui para diminuir as dificuldades e as barreiras suportadaspelas pessoas portadores de limitações e, principalmente, parafortalecer o processo de mudança de atitude em relação a milhõesde brasileiros classificados como deficientes.

A respeito dos chamados incapazes ou deficientes, dadosdo Censo/2000 mostram que, aproximadamente, 24,5 milhões depessoas (14,5% da população brasileira) apresentam algum tipode incapacidade ou deficiência. A situação quanto ao total doscasos declarados corresponde aos seguintes percentuais: 8,3%com deficiência mental; 4,1% com deficiência física; 22,9% comdeficiência motora; 48,1% com deficiência visual; e 16,7% com

10 Educação Inclusiva:

deficiência auditiva. O Censo/2000 ampliou o conceito de defici-ente baseando-se na Classificação Internacional de Funcionali-dade, Incapacidade e Saúde (CIF), divulgada pela OrganizaçãoMundial de Saúde (OMS) em 2001.

Segundo depoimentos de empregadores de pessoas comalguma “deficiência”, esses trabalhadores rendem tanto quanto osoutros. Nesse contexto do IBGE, da CIF e da OMS, lamento o usocorrente do conceito de deficiente e/ou incapaz e o desconhecimentoda diferença entre deficiência e limitação.

A UFRN, ao considerar a normalidade das diferençashumanas e optar pela educação inclusiva, alia-se a uma consciênciauniversal ligada ao direito à cidadania, à justiça social e àdemocracia.

Este texto registra o princípio básico da Educação Inclusivana UFRN, afirma a intenção de adaptar as especificidades dos várioscampos do saber às características impostas pelas diferenças dosalunos portadores de necessidades educacionais especiais eapresenta a reflexão de vários professores sobre a importância deuma mudança de atitude em relação à questão do atendimentoacadêmico.

A introdução do texto faz um resumo sobre a inclusãoeducacional e as ações oportunizadas pela UFRN, principalmente,aos alunos com limitações quanto à locomoção e aos portadoresde limitações visuais.

A primeira parte compõe-se de reflexões sobre educaçãoespecial rumo à inclusão; defende que o sujeito com limitaçõespossui infinitas possibilidades de ocupar um lugar definido nacultura; ressalta a importância da formação do professor deeducação inclusiva no próprio processo regular de ensino; e,através de exemplos práticos, ratifica que o professor que lidacom alunos com limitações não precisa, necessariamente, ser umespecialista na área.

Na segunda parte, cada uma das reflexões dirige-se espe-cificamente para os portadores de limitações visuais, notadamente

uma visão diferente 11

os cegos, a saber: destaca que a privação da visão sensível nãodeve ser confundida com a privação do saber; propõe uma mudan-ça de atitude no trato com as pessoas portadoras de limitaçõesvisuais, fazendo a distinção entre deficiência e limitação erelembrando que é desigual considerar todos como iguais; nomeiaa incapacidade da convivência com as diferenças, concluindo queé a diferença que faz sentido; e afirma que mais gratificante do queultrapassar as barreiras é o prazer de superar todas as diversida-des.

Estas reflexões, portanto, devem ser um estímulo para odesenvolvimento da Educação Inclusiva em todos os níveis deensino na UFRN.

Natal, março de 2003.

Ótom Anselmo de Oliveira

Educação Inclusiva: uma visão diferente 13

A UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DONORTE E O PORTADOR DE NECESSIDADE

EDUCACIONAL ESPECIAL

Maria Doninha de Almeida*Markus Figueira da Silva**

A heterogeneidade é parte obrigatória da normalidade.Nenhuma situação pode ser considerada normal sema diferença.

A INCLUSÃO

A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),nesses últimos quatro anos, perseguiu, ininterruptamente, a buscada qualidade da oferta e do acesso aos cursos de graduação, semdistinção de cor, de raça, ou de condições socioeconômicas, res-peitando a heterogeneidade de sua clientela. Nessa busca, a UFRNprivilegiou, em todos os níveis de sua atuação, uma política acadê-mica democrática e inovou, internamente, com a promoção,fundamentada, da inclusão dos portadores de necessidades edu-cacionais especiais. Dessa maneira, a Universidade se firmou comoum amplo espaço para o desenvolvimento do respeito às diferen-ças que caracterizam o seu corpo discente.

*Maria Doninha de Almeida é Professora aposentada do Departamento deEducação e do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de CiênciasSociais Aplicadas/CCSA.

**Markus Figueira da Silva é Professor do Departamento de Filosofia e do Programade Pós-Graduação em Filosofia do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes/CCHLA.

14 Educação Inclusiva:

A educação inclusiva na UFRN não significa apenas umaresposta às normas legais sobre a inclusão de alunos portadoresde necessidades especiais. A inclusão corresponde à opção poruma política acadêmica contextualizada e o suporte para aoperacionalização dos princípios que fundamentam a aceitação dasdiferenças humanas como o sentido da unidade da ação educativa.

É lógico que os princípios que norteiam a direção daeducação inclusiva na UFRN também se reportam à melhoria doatendimento aos portadores de limitações desde a chamadaeducação especial, no Brasil e no mundo. Nesse sentido, e pararegistrar o avanço no campo dos direitos dos chamados deficientes,relembramos algumas das principais propostas que regulamentarame influenciaram o atendimento educacional aos portadores delimitações – físicas, mentais, visuais, auditivas, múltiplas:

a) a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 4.024/61, que determinou o compromisso do Estado com aeducação especial e fortaleceu o setor privado queatendia pessoas portadoras de deficiências;

b) a Lei nº 5.692/71, complementada pelo Parecer nº 848/72, que determinou a implantação de técnicas e serviçosespecializados para o atendimento aos chamadosexcepcionais;

c) o Plano Setorial de Educação – 1972/1974 – queconsiderou a educação especial como uma dasprioridades selecionadas;

d) a Constituição Brasileira de 1988, que assegura àspessoas portadoras de necessidades especiais o direitoà educação e o ingresso em classes regulares;

e) a Política Nacional de Educação Inclusiva, publicada peloMEC em 1994;

uma visão diferente 15

f) a reafirmação do Brasil, ainda em 1994, com o compro-misso internacional postulado na Conferência Mundialsobre Necessidades Educativas Especiais: acesso e qua-lidade, realizada em Salamanca, na Espanha;

g) a nova lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394/96, a qual estabelece que a educação das pessoasportadoras de deficiências seja parte integrante dosistema regular de ensino;

h) a Resolução nº 2/2001 – CEB/CNE que estabelece asdiretrizes nacionais para a educação especial.

Segundo documento sobre Política e Resultados: EducaçãoEspecial/MEC (2002), a partir de 1994 a palavra inclusão foiincorporada ao discurso oficial e passou a nortear a práticainstitucional.

O conteúdo da inclusão passou, então, a substituir o conceitode integração do “deficiente” e a incorporar a necessidade de váriase significativas mudanças em relação aos portadores de necessidadesespeciais, como os direitos, legalmente assegurados, de acesso àescola regular e a perspectiva do desenvolvimento de um processopermanente de mudança de atitude. Além disso, as recomendaçõeseducacionais passaram a expressar, em forma de dispositivos: oreconhecimento da diversidade; o acolhimento de todos nadiversidade; a identificação das necessidades educacionais especiais;a resposta obrigatória, por parte dos sistemas educacionais, àsnecessidades especiais diagnosticadas.

Os dispositivos que subsidiaram a reconfiguração do sistemaeducacional contribuíram, também, para a geração e para odesenvolvimento de um processo de construção da educaçãoinclusiva, criando, obrigatoriamente, uma política em direção àconsolidação da escola inclusiva e o atendimento, sem restrições,aos portadores de necessidades educacionais especiais.

16 Educação Inclusiva:

O PRINCÍPIO NORTEADOR

Reafirmando o seu compromisso com a educação públicade qualidade, com o direito à cidadania, à democracia e à justiçasocial, a UFRN se alia a uma consciência universal, iniciada em1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, continuadana Conferência Mundial sobre Educação para Todos, em 1990, ena Conferência de Salamanca, em 1994.

Na UFRN, um novo enfoque passou a ser dado à educaçãodas pessoas portadoras de necessidades especiais, ao reconhecer-lhes as diferenças individuais no que concerne às suas características,aos seus interesses e às formas de sua aprendizagem.

Na realização de sua missão, esta Universidade pauta-sepor um princípio fundamental:

acolher todos os seus alunos sem distinguir condiçõesfísicas, intelectuais, econômicas ou sociais, sem, noentanto, abstrair as diferenças que dão unidade aoconjunto de sua comunidade acadêmica.

Esse princípio é ampliado com o entendimento de que “todasas diferenças humanas são normais” e, por isso, o atendimento aosportadores de necessidades educacionais especiais faz parte daheterogeneidade acadêmica da UFRN.

A UFRN não pretende adaptar as diferenças individuais àscaracterísticas dos vários campos do saber. Pretende o contrário:adaptar as especificidades dos vários saberes às característicasimpostas pelas diferenças que configuram os portadores denecessidades especiais.

Assim, na UFRN, a educação formal das pessoas portadorasde necessidades educacionais especiais é parte integrante dosistema de educação regular.

uma visão diferente 17

AS AÇÕES PRÁTICAS

Apoiando-se nessa perspectiva de inclusão, e fiel ao princípiodefinido para a educação inclusiva, a UFRN:

– Intensificou o acesso aos portadores da Síndrome deDown – o Núcleo de Educação Infantil (NEI) é um exemplodesse atendimento;

– Providenciou a quebra das barreiras arquitetônicas,possibilitando a acessibilidade dos hemiplégicos (paralisiade um dos lados do corpo), dos paraplégicos (paralisiados membros superiores), dos tetraplégicos (paralisia dosmembros superiores e inferiores) e daqueles com outrasdificuldades de locomoção;

– Abriu espaço, legal e específico, para os portadoresde qualquer deficiência, candidatos ao ingresso à Uni-versidade. No processo seletivo (o vestibular), a UFRN,através da Comissão Permanente de Vestibular(COMPERVE) e da Pró-reitoria de Graduação(PROGRAD), atende o portador de necessidade es-pecial com os cuidados básicos exigidos pelascaracterísticas que configuram a condição especial docandidato. Para isso, ampliou o tempo para a realizaçãodas provas, disponibilizou escrevente e a gravação derespostas em fita K-7, além de outras medidas que seapresentem como necessárias para a perfeita participa-ção do candidato portador de qualquer limitação;

– Criou uma Comissão para elaborar diretrizes gerais epropor ações acadêmicas para o atendimento aosportadores de necessidades educacionais especiais, comênfase em uma sistemática de atendimento aos alunoscom limitações visuais;

– Realizou o I Seminário de Educação Inclusiva na UFRN,apresentando conferências de professores cegos e

18 Educação Inclusiva:

debates com alunos também cegos. Abordou os seguintestemas: A universidade e o portador de deficiência visual(Prof. Francisco José de Lima/UFPE); Educação Inclusiva(Profas. Lúcia de Araújo Ramos Martins/UFRN, Maria doSocorro Souza Torres/IERC-RN); A cegueira como umavisão diferente: o desafio da inclusão (Profa. JoanaBelarmino de Souza/UFPB); A informática como umaferramenta de apoio à Educação Inclusiva (Profas. Andréados Santos Rodrigues/UFRN, Ana Lourdes Carvalho Bosi/Fundação Bradesco-RN; Ivo Ramalho/FundaçãoBradesco/SP, José Alfredo de Aguiar Filho/SEC-RN,Rubem Varela de Oliveira/SEC-RN);

– Treinou, através do Departamento de Informática,monitores para o uso do material específico aos portado-res de limitações visuais;

– Criou, através da Biblioteca Central Zila Mamede/BCZM,em conjunto com a PROGRAD, um espaço denominadoBiblioteca Inclusiva, destinado principalmente aoatendimento acadêmico aos alunos portadores delimitações visuais e aos surdos. O espaço da BibliotecaInclusiva dispõe de um computador com os programasDOSVOX e o VIRTUAL VISION, um scanner e umaimpressora Braille. A Universidade também planejaadquirir programas com a linguagem brasileira dos sinaise outros recursos tecnológicos;

– Firmou um acordo com o Instituto dos Cegos de Natal(RN), para a impressão de material enquanto providen-ciava a impressora Braille;

– Destinou alunos bolsistas para assessoramento aosalunos cegos no uso dos recursos da informática;

– Propiciou, através da Coordenação do Curso de Filosofia,a gravação em fita K-7 e CD de textos discutidos em váriasdisciplinas;

uma visão diferente 19

– Realizou, sob a responsabilidade da Biblioteca CentralZila Mamede-BCZM, uma exposição iconográfica esonora, denominada: Visão parceira versus EducaçãoInclusiva. A exposição constituiu-se de materialbibliográfico em Braille e textos sonoros, além de um kitcontendo instrumentos necessários aos portadores delimitações visuais. O evento incluiu a participação doInstituto dos Cegos de Natal e de toda a comunidade;

– Realizou treinamento, através de observação e visita aoInstituto dos Cegos de Natal, para o pessoal da BCZMespecializado no atendimento aos portadores denecessidades educacionais especiais.

Esta Universidade atende, atualmente, em seus cursosregulares de graduação, a 5 (cinco) alunos portadores dedificuldades de locomoção, dentre eles os cadeirantes, 2 (dois)alunos cegos, 2 (dois) alunos com visão subnormal e 1 (um) alunocom um crescente problema de visão. Mas, esse número vemcrescendo diante da opção da UFRN pela Educação Inclusiva edas medidas práticas que facilitam o acesso ao aluno portador denecessidade educacional especial.

AS REFLEXÕES

As reflexões registradas neste trabalho têm três razões prin-cipais: a) correspondem a sistematização e publicização dosfundamentos acadêmicos da UFRN em relação à Educação Inclu-siva; b) apresentam o posicionamento de vários professorespreocupados com a questão da inclusão do portador de necessida-des especiais no ensino superior; c) reforçam a continuidade dodiálogo entre aqueles que possibilitam a realização e a melhoria doensino de graduação na Universidade Federal do Rio Grande doNorte.

20 Educação Inclusiva:

Sobre à Educação Inclusiva, primeira parte das reflexõesque compõem este texto da Coleção Pedagógica, Lúcia de AraújoRamos Martins mostra que o percurso para se chegar à educaçãoinclusiva passou pela segregação e pela omissão. Em sua reflexão,Lúcia Martins registra que a superação dessas fases estáintimamente ligada ao rompimento global dos preconceitos,existentes no seio da sociedade, com as pessoas portadoras dedeficiência.

Em seguida, Nostradamos de Medeiros Lins, apoiando-seem Jacques Lacan, analisa o papel da linguagem “como a estruturaque captura o homem, submetendo-o ao simbólico”. SegundoNostradamos, o simbólico assume a primazia do homem enquantosujeito de linguagem, e é preponderante na conquista de um lugarna sociedade – lugar também simbólico. Nesse contexto, o sujeitocom limitações possui infinitas possibilidades de se inserir na cultura,ao invés de contemplar a limitação e a própria falta.

Nazineide Brito ressalta que o preparo do professor deeducação inclusiva resulta, principalmente, de sua própria vivênciacom os alunos. Trata-se, segundo Brito, de um processo no qualaos poucos o professor vai construindo a sua competênciaprofissional.

Edson Camilo de Gouveia, através de exemplos práticos,ratifica que o professor de educação inclusiva não necessita,obrigatoriamente, ser um especialista nesse campo do saber.Gouveia mostra que técnicas simples de educação artística, comoa prática de ensino de música e de educação artística, por exemplo,podem ser instrumentos de integração e de aprendizagem doportador de necessidades educacionais especiais, prestando-se,também, para a melhoria da saúde mental.

Na segunda parte, denominada Uma Visão Diferente, todasas reflexões concordam com o entendimento de Antônio CandeiaFilho: “Cego é quem só vê onde a vista alcança”. Na primeira refle-xão dessa segunda parte, Markus Figueira da Silva relembra,resumidamente, Platão, Descartes, Kant, sábios com limitações vi-

uma visão diferente 21

suais, referindo-se à questão do conhecimento, para realçar o con-teúdo da mensagem de Denis Diderot em sua Carta sobre os cegospara o uso dos que vêem. Markus defende que a privação da visãosensível não pode ser confundida com a privação do saber, ou dasabedoria e conclui pleiteando uma visão diferente de mundo.

Francisco José de Lima discute posturas correntes, porémmuitas vezes despercebidas, no trato de pessoas portadoras delimitação visual. Lima propõe mudanças de postura com base nadiferença entre limitação e deficiência e na crença na potencialidadee diversidade das pessoas. Para isso, chama a atenção para a de-sigualdade do tratamento que considera que todas as pessoas sãoiguais em todos os aspectos.

Joana Belarmino de Souza fala sobre as dificuldadesvivenciadas por uma pessoa cega diante da exclusão, da discrimi-nação e da busca pela inclusão. Souza enfatiza a incapacidade,inerente aos seres humanos, de as pessoas conviverem com asdiferenças. A autora conclui que “a diferença é que faz sentido”.

Francisco Araújo registra as dificuldades e barreiras que seapresentam diante das pessoas cegas. Francisco, na condição deestudante universitário, fala sobre os entraves que sempre existiramnuma convivência “um tanto quanto fora dos padrões ditos comuns”.Para ele, mais importante do que a luta contra as barreiras a seremenfrentadas é o prazer de superar todas as diversidades.

Este texto sistematiza, através da Coleção Pedagógica, umadiscussão oportuna, necessária e pertinente em relação à posturada UFRN frente ao atendimento aos portadores de necessidadeseducacionais especiais e à opção pelo reconhecimento daimportância da convivência com as diversidades que resultam daheterogeneidade discente.

I

SOBRE EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Educação Inclusiva: uma visão diferente 25

DA EDUCAÇÃO ESPECIAL À INCLUSIVA:um longo caminhar*

Lúcia de Araújo Ramos Martins**

O percurso para se chegar à educação inclusiva passoupelo extermínio, a segregação e a omissão. A superaçãodessas fases situa-se no rompimento dos preconceitoscom as pessoas portadoras de necessidades especiais.

INTRODUÇÃO

Por muito tempo, as pessoas portadoras de deficiência foramvistas como pessoas diferentes, doentes e, até mesmo, inúteis.Foram alvo de atitudes, as mais diversas, que envolveram desde oextermínio ou a marginalização total, até a busca da inclusão plenana sociedade. Em determinados períodos, predominou a visãocaritativo-assistencialista; em outros, uma ótica fatalista dadeficiência. Essas atitudes, muitas vezes, ainda hoje coexistem nasociedade.

Não podemos, porém, deixar de constatar que ocorreramavanços na maneira como a sociedade passou a perceber taispessoas, como atua frente a elas e na forma de educá-las. Essesavanços, embora lentos, têm se mostrado graduais. Falemos umpouco sobre o assunto.

*Palestra realizada no I Seminário de Educação Inclusiva da UFRN, promovidopela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em abril de 2002.

**Lúcia de Araújo Ramos Martins é Professora do Departamento de Educação edo Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências SociaisAplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN.

26 Educação Inclusiva:

EDUCAÇÃO ESPECIAL

No Brasil, somente em meados do século XIX, de maneiratímida, iniciou-se uma ação educacional direcionada às pessoasportadoras de deficiência, com a criação, no Rio de Janeiro, deduas instituições especializadas para atendimento a deficientesvisuais e auditivos. Em relação aos portadores de deficiência mental,ainda durante o II Império, foram criadas classes anexas ao HospitalPsiquiátrico Juliano Moreira, em Salvador, sob uma orientaçãomédico-pedagógica. Embora representassem um avanço histórico,frente à total omissão governamental que predominou nos trêsséculos anteriores, prescreviam um atendimento de cunhosegregativo, que era mais social e filantrópico do que propriamenteeducativo.

Em 1925, Ulysses Pernambucano fundou, na cidade deRecife, uma escola para os denominados anormais mentais eorganizou uma equipe interdisciplinar para atendê-los (Jannuzzi,1985). Até meados do século XX, havia no país 54 estabelecimentosde ensino regular e 11 instituições especializadas que atendiam adeficientes (Mazzotta, 1996). Aos poucos, tais instituiçõesespecializadas foram se proliferando, e estendendo o atendimentoa educandos portadores de déficits mentais, auditivos, visuais, físicose múltiplos.

No Rio Grande do Norte, por exemplo, com apoio do RotaryClube, inaugurou-se, em 1952, em Natal, o Instituto de Proteçãoaos Cegos Surdos-Mudos e, em 1954, por iniciativa do Dr. SeverinoLopes da Silva e outros profissionais, organizou-se uma instituiçãoespecializada, denominada Clínica Pedagógica Professor HeitorCarrilho. Essa Clínica destinava-se ao atendimento de pessoas queapresentavam deficiência mental.

A partir dos anos 70, ocorreram mudanças significativas,principalmente por influência de movimentos surgidos nos paísesnórdicos e disseminados por todo o mundo, tendo por base oprincípio da normalização.

uma visão diferente 27

Normalizar, segundo Mikkelsen (1978, apud Pereira, 1980,p. 2),

... não significa tornar o excepcional1 normal, mas quea ele sejam oferecidas condições de vida idênticas àsque outras pessoas recebem. Devem ser aceitos comsuas deficiências, pois é normal que toda e qualquersociedade tenha pessoas com deficiências diversas.Ao mesmo tempo é preciso ensinar ao deficiente aconviver com sua deficiência. Ensiná-lo a levar umavida tão normal quanto possível, beneficiando-se dasofertas de serviços e das oportunidades existentes nasociedade em que vive.

Essa concepção impulsionou o surgimento de dispositivoslegais relevantes para garantir direitos a essas pessoas. Lentamente,esses indivíduos passaram a ser vistos de maneira maisdemocrática, e iniciou-se um questionamento sobre o atendimentoeducativo, de cunho segregativo, que lhes era ofertado.Conseqüentemente, mudanças significativas passaram a ocorrer,em todo o mundo, nos sistemas de atendimento aos portadores denecessidades especiais.

Proliferaram, a partir desses avanços, modelos, estratégiase serviços educacionais, visando à integração escolar doseducandos que apresentavam deficiências. Foi criada, então, umaampla variedade de serviços educacionais, que ia desde oatendimento em classe comum, somente com o professor regente,sem qualquer tipo de apoio, até o atendimento em escola ou centroespecial, sob a responsabilidade de profissionais especializados –o célebre “sistema de cascata” de serviços educacionais. A idéiaera procurar oferecer, aos alunos deficientes, atendimento emambientes educacionais o menos restritivamente possível.

1 Denominação que identificava a pessoa que apresentava necessidades especiais.

28 Educação Inclusiva:

Esse sistema, porém, previa que, caso o aluno portador dedeficiência não conseguisse se adaptar ao ritmo da classe regular,seria encaminhado a outras modalidades educacionais. Narealidade, o sistema educativo se mantinha inalterado, pois haviaapenas uma mão única: aquele educando que não se adaptasseao padrão da escola seria dela excluído, sem que houvesse ummovimento, da parte da escola, para adaptá-lo àquele padrão. Eracomo se o aluno se constituísse no único responsável por seusêxitos e fracassos, como se a causa das dificuldades deaprendizagem que apresentava estivesse somente nele, sem quea escola tivesse qualquer responsabilidade sobre isso.

Apesar de representar um avanço face ao atendimentoanteriormente oferecido, o modelo da integração ainda privilegiavao déficit, em detrimento das potencialidades e possibilidades doeducando. Continuava um sistema educativo agregado ao sistemaregular, mas, ao mesmo tempo, segregado e marginal (AMARAL,1997).

A maioria dos alunos portadores de deficiência, e muitosdos que apresentavam apenas dificuldades de aprendizagem, eraencaminhada para as classes especiais que funcionavam emescolas regulares. Tais classes, no entanto, representavam umaforma de segregação parcial, por isolarem os alunos no momentodas atividades desenvolvidas em sala de aula. Os maiscomprometidos eram enviados para escolas especiais, quecorrespondiam à segregação total. Nessas escolas, os alunosinteragiam, apenas, com pessoas tão ou mais comprometidas queeles, embora com apoio de profissionais especializados.

Paralela a essa situação, com o passar do tempo, percebeu-se que a integração social não só era insuficiente para acabar coma discriminação que havia contra as pessoas portadoras delimitações, mas, também, era pouca para propiciar a verdadeiraparticipação plena, com igualdade de oportunidades, que se buscava(SASSAKI, 1997).

Em 1981, o lema “participação plena e igualdade deoportunidades” foi instituído para o Ano Internacional das Pessoas

uma visão diferente 29

Portadoras de Deficiência e a década de 80, século XX, eleita comoa década das pessoas portadoras de deficiência.

EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Ao final da década de 1990, críticas severas começaram aser proferidas a respeito desse sistema em todo o mundo,denunciando que havia uma tendência maior à segregação do queà integração, pois a escola, diante de tão vasta gama de modalidadeseducativas, acomodava-se e não procurava se esforçar pelapermanência, com qualidade, desses educandos na classe regular.

Mas, surgiram avanços mais significativos no atendimentoao portador de necessidade especial, a partir da Conferência Mundialde Educação para Todos, realizada na Tailândia, em 1990, e,principalmente, da Conferência Mundial sobre NecessidadesEducativas Especiais, realizada em Salamanca, Espanha, em 1994.Disseminou-se, a partir dessa última Conferência, o conceito daescola inclusiva.

O movimento, denominado de inclusão, vem influenciandoas políticas e desafiando as comunidades, em todo o mundo.Segundo Sassaki (1997), os primeiros países a implantar classesinclusivas foram os Estados Unidos, o Canadá, a Espanha e a Itália.

A inclusão como movimento busca repensar a escola,conforme situa Jiménez (1997), para que esse espaço deixe deser a escola da homogeneidade e passe a ser a escola daheterogeneidade, para que a escola da discriminação dê lugar àescola aberta a todos, ou seja, à escola inclusiva.

O ensino inclusivo, segundo Stainback e Stainback (1999,p. 21),

... é a prática da inclusão de todos – independentementede seu talento, deficiência, origem socioeconômica oucultural – em escolas e salas de aula provedoras, ondeas necessidades desses alunos sejam satisfeitas. (...)

30 Educação Inclusiva:

Educando todos os alunos juntos, as pessoas comdeficiência têm oportunidade de preparar-se para a vidaem comunidade, os professores melhoram suashabilidades profissionais e a sociedade toma decisãoconsciente de funcionar de acordo com o valor socialda igualdade para todas as pessoas, com conseqüentesresultados de melhoria da paz social.

Para tanto, faz-se necessária uma mudança na organizaçãodos serviços existentes, na maneira de perceber todos os alunos,considerados normais ou portadores de deficiência, e na forma deensiná-los, com suas diferenças.

Os recursos físicos e materiais para o desenvolvimento deum trabalho escolar de qualidade, embora importantes, cedem lugarao desenvolvimento de novas atitudes e de formas de interação naescola. Os professores precisam se conscientizar de que os alunos“... seguem caminhos diferentes para aprender e de que isso é onormal. A avaliação do desempenho escolar muda muito a partirdesse reconhecimento” (MANTOAN, 2001, p. 235). Almeja-se, comisso, uma pedagogia centrada no aluno que, por sua vez, suscite aconstrução de uma sociedade que respeite a dignidade e asdiferenças humanas.

Reconhecemos que a escola inclusiva proporciona, aosalunos que apresentam deficiência, uma maior interação com seuscolegas, um maior desenvolvimento nas áreas social, lingüística,cognitiva, assim como maiores condições para que sejam membrosativos da comunidade. Os demais alunos, por sua vez, convivendonum ambiente em que a heterogeneidade é percebida como umfator comum, além de serem beneficiados com as mudançasmetodológicas e organizativas, que objetivam responder aos alunoscom necessidades especiais, crescerão com uma visão menospreconceituosa sobre tais pessoas, assim como mais realista sobrea vida e sobre a diversidade humana.

A escola verdadeiramente inclusiva é um antídoto para tantopreconceito ainda hoje existente, pois significa todos juntos,

uma visão diferente 31

apoiando uns aos outros e não buscando rotular, suplantar, separar,segregar, excluir. Nela, os elementos-chaves são a consultoria, oensino colaborativo, o tutoramento pelos pares e a aprendizagemcooperativa. Segundo Stainback e Staninback (1999), é importantedestacar que a genuína inclusão

não significa a inserção de alunos com deficiência emclasse de ensino regular sem apoio para professoresou alunos. Em outras palavras, o principal objetivo doensino inclusivo (...) é servir adequadamente a todosos alunos.

As pessoas com deficiência necessitam de instruções,de instrumentos, de técnicas e de equipamentosespecializados. Todo o apoio à escola deve serintegrado – e associado – a uma reestruturação dasescolas e das classes.

Esse caminho extrapola a mera inserção física daqueles queapresentam necessidades especiais em ambientes comuns deensino, envolvendo a revisão de concepções e paradigmas, orespeito às potencialidades e diferenças de cada aluno, assim comoo atendimento de suas necessidades.

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA REALIDADE BRASILEIRA

No caso do Brasil, graças a esforços de vários segmentosda sociedade, ocorreram, nas últimas décadas, avançossignificativos na legislação e na política educacional.

A atual Constituição Federal Brasileira, em seu Art. 207,prevê como dever do Estado o atendimento educacionalespecializado a pessoas com necessidades educacionaisespeciais, preferencialmente na rede regular de ensino. No entanto,muitas escolas, não interessadas em receber esses alunos,

32 Educação Inclusiva:

interpretam o termo especializado como sendo sinônimo desegregado e vêem o termo preferencialmente como uma opção.

Outro importante documento legal que deve ser lembrado éa Lei nº 7.853/89 que responsabiliza o poder público quanto aoatendimento e à inserção escolar das pessoas portadoras denecessidades educacionais especiais, ao mesmo tempo em queprevê punição para atos que evidenciem preconceitos, inclusive noque diz respeito à recusa de matrícula dessas pessoas em escolasregulares. De igual modo, criminaliza o preconceito em relação aoestudante deficiente, quando estabelece, no Art. 8º, uma pena dereclusão, de 1 a 4 anos, e multa, para quem “recusar, suspender,procrastinar, cancelar ou fazer cessar, sem justa causa, a inscriçãode aluno em estabelecimento de ensino, de qualquer curso ou grau,público ou privado, por motivo derivado da deficiência que porta”.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – nº 93.394/96 –,registra avanços em relação às leis anteriores quando prevê oatendimento educacional às pessoas com necessidades educacionaisespeciais, de forma preferencial, no sistema regular e apoiosespecializados. Porém, ao situar, também, que este atendimento devese processar preferencialmente no sistema regular, abre espaço paraatendimentos em outras modalidades que não a comum, ou, conformesitua MINTO (1999), “pode ser um termo-chave para o nãocumprimento do artigo, pois quem ‘dá primazia a’ já tem arbitradalegalmente a porta de exceção” (p.).

Embora programas e leis sejam bem-elaborados,observamos que em muitos casos encontram-se ainda distantesde serem totalmente operacionalizados, em um país como o nosso,tão extenso, de características e condições tão diversificadas. Emoutras palavras, nem sempre se constituem em garantia de direitos,nem em mudanças de práticas educacionais. O grande desafio,pois, é evitar que fiquem apenas nos documentos e discursos bem-elaborados e esquecidos totalmente na prática. E isso é, muitasvezes, uma realidade! Detalhemos mais essa questão.

No Brasil, se utilizarmos o índice de 10% adotado pela ONU,teremos uma população de, aproximadamente, 17 milhões de

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pessoas com algum tipo de deficiência (de ordem física, mental,auditiva, visual ou múltipla). Em termos educacionais, porém, o Brasilestá muito longe de ter um atendimento compatível com essademanda em potencial, embora tenha crescido bastante a matrículade pessoas portadoras de deficiência nas últimas décadas.

Se considerarmos que passamos de um quantitativo de96.413 alunos, em 19742 – ocasião em que foi elaborado o I PlanoNacional de Educação Especial, quando este tipo de atendimentopraticamente se estruturava nos sistemas públicos – para umatendimento de 354.4553 pessoas portadoras de deficiência, em19994, veremos estar muito aquém da efetiva necessidade deatendimento, embora a matrícula tenha mais do que triplicado nesseperíodo de 25 anos.

Observamos, igualmente, que apesar de todo o movimentomundial em prol da inclusão, bem como das leis e de programasnacionais que incentivam o atendimento escolar em classesregulares, a escola especializada, de cunho segregativo, ainda éresponsável em nosso país por 60,5% do atendimento educacionala tais pessoas e que, além desses, mais 22,6% dos alunos sãoatendidos em classes especiais, seja na rede estadual, seja namunicipal, seja na particular, ficando isolados dos demais educandosno momento da escolaridade. Apenas 16,9% são atendidos emclasses regulares, segundos dados oficiais (MEC, SEESP, 1999).

No Rio Grande do Norte, retornando ao exemplo, tem havidoum crescimento da matrícula de pessoas com necessidadeseducativas especiais. Acompanhando o trabalho desenvolvido nesteEstado, observamos, porém, que desde a década de 1970,profissionais, pais, familiares e os próprios portadores de deficiência

2 Segundo dados do CENESP/MEC (1977).

3 Desses alunos, 18.629 são deficientes visuais; 47.810 são deficientes auditivos;17.333 portam deficiências físicas; 197.996 apresentavam deficiência mental e46.745 possuem múltiplas deficiências.

4 Última estatística publicada pelo MEC/INEP/ SEESP, disponível na Internet.

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lutam, de maneira mais sistemática, para que ocorram oportunidadesefetivas de inclusão escolar e social, bem como para que as escolascomecem a despertar lentamente para a questão e para a suaresponsabilidade frente a esses alunos.

Algumas escolas, por convicção, abrem suas portas parareceber esses educandos, buscando caminhos efetivos para queavancem pedagógica e socialmente. Outras, por força da legislação,apenas inserem fisicamente esses alunos na classe regular, dizendoque estão realizando a inclusão.

Muitas dificuldades ainda precisam ser vencidas, pois,embora o panorama educacional esteja se modificando, aspesquisas realizadas no Estado apontam para a necessidade, entreoutros aspectos:

– de uma política educacional mais consistente, queefetivamente vise a construção de uma escola para todos;

– de um maior investimento na formação, inicial e continu-ada, e na valorização dos profissionais de educação;

– de orientação sistemática à comunidade escolar –dirigentes, docentes, funcionários, pais, alunos em geral,visando a quebra de barreiras ainda existentes;

– do oferecimento de um currículo flexível, mais adaptadoàs condições dos alunos;

– da derrubada de barreiras físicas e atitudinais. Estasúltimas são as mais sérias e difíceis de ser vencidas,pois não se removem por decreto o desconhecimento, aignorância, o medo, a estigmatização, os preconceitos eos mecanismos de defesa existentes frente aos alunostidos como diferentes;

– de envolvimento da comunidade ampla, e não apenasda escola em si, no processo inclusivo.

uma visão diferente 35

Observamos, porém, avanços significativos, como barreirasdo medo, do desconhecimento, do preconceito, da descrença, sendoaos poucos derrubadas em várias escolas. Vemos, também,progressos pedagógicos de muitos alunos em ambientes comunsde ensino, professores se empenhando para conhecer mais sobrecomo atuar com as diferenças de seus alunos, alguns, inclusive,voltando aos bancos da Universidade Federal do Rio Grande doNorte/UFRN e outros participando de cursos de extensão fora dohorário de trabalho.

Na própria UFRN, constatamos: uma comissão ser instituídapara apresentar uma proposta de diretrizes gerais para uma PolíticaAcadêmica de Atendimento ao Aluno com Necessidades Especiais;eventos acontecerem para discutir a questão da inclusão no âmbitoacadêmico; cursos, pesquisas e projetos serem empreendidos, emparceria com outras instituições – Secretaria Municipal de Educaçãode Natal, SENAI, por exemplo –, com vistas a aprimorar o processoinclusivo; teses, dissertações e monografias serem desenvolvidas,buscando analisar a situação vivenciada nas escolas e contribuirpara a sua melhoria.

Além disso, em Natal, profissionais de várias áreas deconhecimento e instituições se reúnem para discutir e buscarcaminhos em prol da inclusão escolar. Algumas escolas estudam eparam para refletir sobre como desenvolver uma pedagogia centradanas necessidades dos alunos.

Sabemos que essas situações e experiências ainda sãopoucas, mas em nossa realidade alguns passos estão sendo dados.É preciso persistir, aceitar desafios, acreditar que a inclusão depessoas com necessidades especiais é possível, embora seconstitua, muitas vezes, num processo árduo.

Torna-se necessário, principalmente, acreditar, investirtempo, esforços e recursos para que a educação inclusiva deixe deser apenas uma mera formalidade, um aspecto garantido nalegislação, para ser, de uma forma geral, uma realidade nas escolasregulares e nas universidades brasileiras.

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REFERÊNCIAS

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AINSCOW, Mel; PORTER, Gordon; WANG, Margaret. Caminhos paraescolas inclusivas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1997.

AMARAL, Lígia Assumpção. Intervenção “extra-muros”: resgatar e prevenir.In: Deficiência: alternativas de intervenção. São Paulo: Casa do Psicólogo,1997. p.129-162.

BAUTISTA, Rafael. Necessidades educativas especiais. Lisboa: Dinalivro,1997.

JANNUZZI, Gilberta. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil.São Paulo: Cortez, 1985.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér (org.). A integração de pessoas comdeficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo:Memnon, 1997.

___________ (Org.). Caminhos pedagógicos da inclusão: como estamosimplementando a educação (de qualidade) para todos nas escolasbrasileiras. São Paulo: Memnon, 2001.

MARTINS, Lúcia de Araújo Ramos. A deficiência/ diferença sob uma óticahistórica. Revista Educação em Questão. Natal: EDUFRN, 1999. p. 126 –141._________. Por uma escola aberta às necessidades dos alunos. Temassobre Desenvolvimento. n.55. São Paulo: Memnon, 2000.p. 28-34.

MAZZOTTA, Marcos José da Silveira. Educação Especial no Brasil: históriae políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996.

MINTO, C. A . Educação Especial: da LDB aos Planos Nacionais deEducação – do MEC e Proposta da sociedade brasileira. Revista Brasileirade Educação Especial. N. 6. Marília: UNESP-Marília Publicações, 2000.

SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade paratodos. São Paulo: WVA, 1997.

STAINBACK, Susan, STAINBACK, William. Inclusão: um guia paraeducadores. Porto Alegre: Artmed, 1999.

uma visão diferente 37

A INCLUSÃO COMO CONQUISTA DE LUGAR SIMBÓLICO

Nostradamos de Medeiros Lins*

Um sujeito com limitações possui infinitas pos-sibilidades de se inserir na cultura. Cabe a todos abrirpossibilidades ao invés de ficar contemplando alimitação e a própria falta.

A educação inclusiva é uma proposta de política educacionalconsolidada, na qual o portador de necessidades especiais, incluídoentre os demais alunos, deve ter acesso aos meios necessáriospara o desenvolvimento das suas potencialidades. Sua função vaialém da simples educação escolar, adquirindo um papel estruturanteno psiquismo do sujeito como um todo, no momento em queproporciona o acesso à cultura. Para entendermos melhor comoisso ocorre, façamos um breve percurso pelos conceitospsicanalíticos teorizados por Jacques Lacan, psicanalista francêsdo século XX, que desenvolveu sua obra a partir da releitura dostextos de Sigmund Freud.

Em primeiro lugar, é preciso entender qual o papel que Lacandá à linguagem. Para muitos autores, a função da linguagem é serum instrumento de expressão e comunicação do qual o ser humanose serve. Lacan, ao contrário, vê a linguagem como a estrutura quecaptura o homem, submetendo-o ao simbólico. Este – o simbólico –será a ordem constituída da linguagem. As coisas adquiremexistência, para o homem, se puderem ser faladas, ou seja, seestiverem submetidas à ordem simbólica. O simbólico, portanto,incide sobre nós, fundando-nos enquanto sujeitos de linguagem,assumindo a primazia. A nossa vida é a vida simbólica,primordialmente. Tomando este ponto de partida, aprofundemos um

*Nostradamos de Medeiros Lins é Assessor da Pró-Reitoria de Graduação daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN.

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pouco como ocorre a constituição do sujeito humano como ser delinguagem.

A existência de uma criança não se inicia com o nascimento.Antes de vir ao mundo, existe uma gama de expectativas em tornodela de forma que a mesma já se encontra fazendo parte do discursodos seus pais. Não é preciso nem estar concebida, pois no desejodos pais já há um lugar para a criança, lugar simbólico, presentificadona fala parental, fala que a envolve na teia simbólica. Ao nascer, elaapenas ocupará o lugar preexistente. A vida simbólica antecede ese sobrepõe à vida real.

Porém, a criança que nasce nunca é a mesma que foidesejada. A mãe, imaginariamente, crê que aquele bebê seria oque viria a lhe completar, mas isto nem sempre ocorre. É necessárioque ocorra um luto do filho que não veio, para que o que chegoupossa ocupar o lugar simbólico outrora determinado, lugar esteabalado pela não-coincidência entre o filho que veio e o que sedesejaria que viesse. Há como que uma morte simbólica do filhodesejado, filho que deveria ser perfeito e que a completaria, o quefaz com que o filho nascido possua uma falha/falta simbólica. Estafalta é estrutural e necessária para que o sujeito se constitua comodesejante. A falta moverá o sujeito (a completude nos impediria dedesejar, pois ninguém buscará o que já tem) e porá em movimentoo desejo. A falta é inerente e fundante do ser humano; é a causa dabusca do sujeito para ocupar seu lugar simbólico na cultura.

Mas não é fácil conviver com essa falta. A angústia apontapara a existência dela e a imprecisão e incerteza daquilo que aohomem completa nos deixa perdidos, pois tudo que buscamos sóparcialmente nos satisfaz. Todos temos de dar conta dela de algumaforma e o modo como cada um se posiciona frente à falta dirá daestrutura psíquica do sujeito.

O que foi até aqui falado a todos se aplica enquanto sereshumanos. No caso de um sujeito que nasce com alguma limitação(física, mental, auditiva, visual ou múltipla), pode acontecer umapeculiaridade da ocorrência da falta. Esta, primordialmente simbólicaem todos, no sujeito com limitação, em especial, se apresentará de

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forma real, além de simbólica; a falta marcará, não somente a alma,como ocorre a todos, mas também marcará o corpo. O sujeitoportador de limitação, tal como todos, também é marcado pela faltasimbólica. A coincidência entre a falta simbólica e a da realidade éfeita por uma operação imaginária, ilusória, não havendocorrespondência direta entre ambas. Ao se olhar para a limitação,acaba-se vendo a falta simbólica, o que, nos sujeitos ditos normais,produz angústia. Ao contemplar o portador de limitação, é como seo sujeito a si mesmo se contemplasse, o que o faz, como que porespelho, se perceber como simbolicamente faltante. A perfeição docorpo faz com que imaginariamente as pessoas ditas normaisnarcisicamente se vejam perfeitas, “esquecendo-se” de sua faltasimbólica e o contato com o portador de limitação sempre o avisaráda sua incompletude. A reação defensiva e fugidia como muitasvezes os portadores de limitação são tratados é porque ocorre umgolpe no narcisismo de cada um. A falta é simbólica e é comum atodos, normais ou não. Sendo ela a causa do desejo, para ondeeste deve movimentar o sujeito?

Todo sujeito deve lutar pelo seu lugar, buscar o reconhe-cimento do outro, procurar se inserir na cultura. A estruturaçãodo sujeito passa pelo outro, pois só nele somos reconhecidos.Ao carregar no corpo a marca real da sua limitação, torna-semais árdua a luta do portador de limitação para conquistar o seulugar na cultura. Um sujeito com limitação possui infinitas possi-bilidades de se inserir na cultura. É dono de um potencial, que éapenas limitado em algum aspecto. O que muitas vezes ocorre éa cristalização do olhar em torno da limitação, o que impede quelugares e possibilidades e alternativas possam ser abertas. Porexemplo, uma pessoa paraplégica não poderá ser uma bailarinarodopiando sobre duas pernas de forma ereta e sem auxílio, maspode ser uma bailarina sobre cadeira de rodas, amparada poralguém ou por algum instrumento, dentre mil outras opções. Cabea todos nós abrirmos as possibilidades, ao invés de ficarmoscontemplando a limitação e lamentando nossa própria falta.

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A educação inclusiva é, sem dúvida, um meio excelentede proporcionar aos portadores de limitação a oportunidade deos mesmos procurarem ocupar seu lugar na cultura, seureconhecimento enquanto sujeitos, sua posição de desejantes.Na medida em que dá os meios para o portador de limitaçãoacessar a produção humana, possibilita a convivência entre elee os demais educandos e oportuniza se contemplar além dalimitação, produz-se como resultado o reconhecimento de umsujeito que se expressa.

Cabe a todos nós, como parte da civilização, a respon-sabilidade de proporcionar as oportunidades para cada um sersujeito, e, desta forma, a civilização, enquanto um pacto entre todosos homens, possa continuar existindo. Negar o acesso à cultura énegar a posição humana de buscar, e logo inviabilizar o exercíciodo desejo, que é o que a cada um singulariza. O percurso rumo àsingularidade é o percurso de cada um em busca de si mesmo.

uma visão diferente 41

EDUCAÇÃO INCLUSIVA E O (DES)PREPARO DOPROFESSOR: BREVES CONSIDERAÇÕES

Nazineide Brito*

O preparo do professor da educação inclusiva podeser o resultado da vivência e da interação com outrosindivíduos e, em especial, com o aluno. Aos poucos oprofessor vai construindo a sua competência.

Atualmente, diferentes são os eixos temáticos focalizadospor educadores e pesquisadores, adeptos ou contrários à educaçãoinclusiva1. Sem focalizá-los detalhadamente, neste breve ensaio,mesmo porque seria uma missão impossível, deter-me-ei no campoda atuação docente nessa área de educação inclusiva.

Além de um interesse pessoal bastante enraizado na minhaformação acadêmica de graduada, na qual optei pelo estágiocurricular, enquanto psicóloga, numa das escolas da Associaçãodos Pais e Amigos dos Excepcionais/APAE, a área da educaçãoespecial vem absorvendo a minha atenção, principalmente pelodesafio que se apresenta frente à proposta de escola inclusiva.

Assim, atuando na condição de docente do Curso dePedagogia, Campus de Caicó, e orientando trabalhos monográficosem torno dessa temática, aos poucos fui envolvendo-me, mais emais, com as questões a ela inerentes, principalmente, com algunsestudos voltados para a forma como está se realizando o processode implantação da educação inclusiva na Região do Seridó, Estadodo Rio Grande do Norte.

* Nazineide Brito é Professora do Departamento de Estudos Sociais e Educacionaisdo Centro de Estudos Superiores do Seridó/CERES, Campus de Caicó.

1 Política educacional que garante, nas escolas regulares, o acesso e a permanênciados alunos com necessidades educativas especiais, respeitando as váriasespecificidades e ajustando-se às diferenças especiais.

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Nesses estudos, muito tem sido colocado sobre o grandedesafio que é a implantação de uma sistemática de educaçãoinclusiva. Muitas são as dificuldades apontadas para a obtenção dosucesso desse empreendimento, desde as questões de ordensgovernamental, financeira, social e organizacional até os aspectospropriamente pedagógicos e de recursos humanos. Dentre essasdificuldades, encontramos uma que nos foi bastante explicitada, eda qual trataremos nesta breve análise: refirimo-nos à questão dodenominado despreparo do professor, isto é, a ausência decapacitação do profissional professor que coordena, ou coordenará,a inclusão do aluno portador de necessidades educacionaisespeciais.

E, nesse eixo, seguem-se várias falas de professorasentrevistadas:

Não estamos preparadas..., falta capacitação..., en-viam-nos as crianças e não nos ensinam comofazer...

Não desconsiderando ou minimizando a necessidade demelhores condições de trabalho desse professor, o que envolveriamelhores salários, acompanhamento pedagógico, número reduzidode crianças na sala, recursos didáticos adaptados à clientelaatendida, etc., gostaria de me reportar à questão do despreparotécnico e teórico de que falam as professoras entrevistadas.

Inicialmente, registro o que essa idéia de preparação, nocontexto da educação inclusiva, me leva a considerar. Entendo quehá, nesse discurso, um forte “ranço” de uma perspectiva mecanicistado conhecimento, sobre a qual podemos lembrar vários aspectos:a) sempre é dado como algo pronto, acabado; b) encontra-se forado indivíduo; c) deve ser ingerido, absorvido, de fora para dentro; d)e, ainda, ao absorvê-lo, o “absorvedor”, no caso, o professor, passaa ser percebido num nível optimun, enfim, preparado.

E é assim que, sem perceber que subjacente ao imobilismo,frente à possibilidade de dinamizar a prática pedagógica, visando a

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uma verdadeira efetivação do processo de inclusão, encontra-seuma visão limitada do conhecimento. Chega-se a bloquear, impedirou, ainda, dificultar a implantação de uma sistemática de açãopedagógica na qual o convívio com a diversidade seja garantido eaproveitado por todos.

É importante reconsiderarmos o discurso acerca dessedespreparo do professor. Para isso, reporto-me às idéias de Vygotsky(1984), o qual enfatiza que a condição humana não é dada pelanatureza, e sim construída ao longo de um processo histórico-cultural, pautado nas interações sociais realizadas entre o homeme o meio. Numa expressão mais simplificada enunciada por Leontiev(1998, p. 267), “cada indivíduo aprende a ser um homem” (grifo doautor).

Sob o prisma dessa abordagem psicológica acerca dopsiquismo humano, compreensível é pensar que o professor nãonasce professor, este se constitui. E se constitui não somente comofruto de um diploma ou de uma somatização de conteúdos vistosna sua formação inicial, necessários, reconheço, mas nãosuficientes. O professor se constitui sobretudo como resultado deuma vivência, de um processo de construção social, no qual, eminteração com outros indivíduos e, em especial, com o aluno, aospoucos vai construindo a sua identidade e a sua competênciaprofissional.

Nessa perspectiva, da mesma forma deve-se conceber oprofessor que assume uma turma com alunos portadores denecessidades educativas especiais. Nessa situação, não há comoacreditar que esse professor, para receber esse alunado, tenha queser testado, avaliado, para saber “se está no ponto”. Essa visão,insisto, isola, fragmenta o conhecimento que deve ser percebido,não como algo externo, totalmente novo e complexo, e sim, comoresultado de uma articulação entre o que já se sabe, e sempre sesabe muita coisa, e o que se está em formação, o que se estáconstruindo.

Por outro lado, é necessário considerar, como tão bem colocaPinto (1998), que o bom professor de educação especial se

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“especializa” no conhecimento sobre os fundamentos relativos àsbases comuns da educação, para que a aprendizagem não se limitea processos especiais. Segundo Pinto, o processo pedagógico juntoaos portadores de necessidades educacionais especiais deve partirdo “especial” para o “comum”; do universal para o necessário. Osprofessores da educação comum “se fazem especializados” aodominar o “específico” necessário para que o comum aconteça nacomplexidade da rotina da escola para todos, diz Pinto (destaquesdo autor).

Esse olhar sobre a competência do professor focaliza anecessidade de se ter acesso a uma formação básica sólida, geral,que fundamente uma prática pedagógica dirigida para um amplograu de atuação, com crianças especiais ou não. O professor deveráestar munido de um conhecimento acerca do desenvolvimentohumano, dos instrumentos pedagógicos com os quais lida, de umaconsciência crítica acerca dos diversos fatores que influenciam aaprendizagem do aluno, para, assim atuando no seu cotidiano,independente de que aluno atenda, poder ir construindo a suacompetência. Uma competência que não é dada pela natureza, nemchega como algo mágico, repentino, ao contrário, é fruto de umtrabalho consistente, reflexivo, atualizado.

Nesse sentido, não há como continuar esperando peloscursos específicos para que o professor atenda aos alunos comnecessidades especiais. Esse específico deve fazer parte de todosos momentos da formação inicial e continuada do professor. O geraltambém deve estar presente nos cursos nos quais o específico édiscutido e trabalhado. Os princípios de uma ação pedagógica eficazdevem prevalecer em qualquer um desses espaços. A ação doensinar deve ser do domínio do professor, e o ensinar na diversidade,o comum a ser reconhecido.

É essencial que a escola torne-se um lugar especial. Especialpara todos que nela ingressam. Que as diferenças possam serreconhecidas e valorizadas. Que as experiências e as trocasfavoreçam o enriquecimento técnico, profissional e humano dos

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atores sociais envolvidos – alunos, docentes, técnicos e comunidadeem geral.

A análise e a reflexão em torno da prática cotidiana da escola,junto ao intercâmbio com as instituições especializadas, ou com osserviços de apoio, também se tornam indispensáveis para averdadeira implantação da escola inclusiva. O que não podecontinuar acontecendo, é: primeiro, esperar estar preparado paratrabalhar com a educação inclusiva, para depois se implantar aescola inclusiva. Esses dois processos não são excludentes. Aocontrário, são passíveis, e urgentemente necessários, de acontecerde forma simultânea e integrada.

Torna-se, pois, necessário que se amplie a idéia de inclusão,para possibilitar a todos o direito à educação e à aprendizagem,principalmente aos milhões de brasileiros que nem mesmo chegamaos bancos escolares. É preciso garantir as condições para queaqueles que ingressam na escola tenham o direito de lá permanecere aprender. Somente assim estará se construindo uma escolaespecial, especial porque para todos.

REFERÊNCIAS

LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: HorizonteUniversitário, 1978.

PINTO, M. D. Sociedade e educação inclusivas: desafios do final do século.In: Mensagem da APAE, jan/mar de 1999.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes,1984.

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QUANDO A EXPERIÊNCIA EDUCATIVA ULTRAPASSA OSLIMITES DA PRÁTICA CONVENCIONAL

Edson Camilo de Gouveia*

A ação educativa junto a pessoas portadoras delimitações que afetam o chamado estado normal nãoexige, obrigatoriamente, uma preparação específica eproduz efeitos terapêuticos relevantes.

As disciplinas Prática de Ensino de Educação Artística ePrática de Ensino de Música, através do Estágio Supervisionado,representam uma efetiva oportunidade de aplicação e exercício dascompetências e habilidades adquiridas pelos alunos durante o Cursode Educação Artística.

Buscamos a formação de um profissional que conheçaprofundamente o processo educativo e atue tanto nos diversosespaços do sistema educacional como em outras áreas nãoescolares. O estágio se fundamenta em uma visão ampliada deeducação.

O princípio essencial das disciplinas é o desenvolvimentodas atividades acadêmicas através da vinculação orgânica entrea teoria e a prática. Por isso, o eixo da formação profissional é deextrema relevância. Nesse sentido, para iniciar o processo deimplementação do Estágio Supervisionado, o professor se encar-rega de estabelecer o caráter do estágio curricular, os instrumentosde acompanhamento e as instituições apropriadas para o encami-nhamento dos alunos estagiários.

*Edson Camilo de Gouveia é Professor do Departamento de Educação Artísticado Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – Universidade Federal do RioGrande do Norte.

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A PRÁTICA DE ENSINO DE MÚSICA

Na Prática de Ensino de Música, desenvolvemos asatividades, preferencialmente, em estabelecimentos públicos ou eminstituições articuladas com os movimentos sociais. Atuamos nasseguintes instituições: Escolas do Ensino Médio, ARPI – ONG daterceira idade – e no Hospital Dia – hospital psiquiátrico.

Nas Escolas do Ensino Médio, temos como objetivo principalproporcionar, ao aluno, vivências, prioritariamente em sala de aula,com atividades que serão objeto de sua futura atuação nas escolas.

Na ARPI, fazemos um trabalho voltado para a valorizaçãodo idoso, buscando elevar sua auto-estima, e facilitando sua inserçãona sociedade.

No Hospital Dia, onde os internos são portadores depatologias mentais: síndrome de pânico, depressão, esquizofrenia,fobia social, entre outras, desenvolvemos atividades educativas,práticas e informativas, consideradas extremamente positivas.Segundo o Diretor do Hospital,

... o ritmo, a melodia e a harmonia são elementosdinamogênicos que dão ao paciente momentosbenéficos: melhora da auto-estima em pacientesdepressivos; alívio do medo em síndrome do pânico;reduz o apoucamento e a timidez nos casos deisolamento com fobia social, ajuda a acalmar osagressivos e violentos, tornando-os cooperativos ecolaborativos. Nos casos de mutismo e negativismo,os pacientes ficam menos arredios e mais sociáveis...(Francisco das Chagas Formiga da Silva).

As atividades desenvolvidas nas diversas instituições têmdemonstrado a relevância do Estágio Supervisionado enquantomomento privilegiado da relação teoria-prática para o aluno, futuroprofessor de música. Além disso, neste caso, trata-se de um mo-mento em que o aluno toma conhecimento das várias possibilidades

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de atuação profissional, e define a especificidade do seu campo deatuação na educação, considerada em sua dimensão ampliada.

Neste caso é também, e principalmente, um momento emque o aluno descobre que desenvolver uma ação educativa junto apessoas portadoras de limitações que afetam o chamado estadonormal não exige, obrigatoriamente, uma preparação específica. Aprática de música, neste trabalho, não objetiva a formação deespecialista para trabalhar com idosos. Ela corresponde a umaaprendizagem sobre o conteúdo da disciplina, um exercício emdireção a uma mudança de atitude em relação aos consideradosnão normais e, significa, também, o uso de um instrumento quealivia dores de muitos idosos.

A PRÁTICA DE ENSINO DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

Em Prática de Ensino de Educação Artística, atuamos nasinstituições: Escolas do Ensino Fundamental, Hospitais Pediátricose Núcleo de Ensino Infantil – NEI – ligado pedagogicamente aoDepartamento de Educação do Centro de Ciências Sociais Aplicadasda UFRN. Com essa prática, orientamos atividades nas Habilitaçõesde Desenho, Artes Plásticas, Artes Cênicas e Música, incentivando,sempre que possível, a inter-relação entre elas.

Nas Escolas do Ensino Fundamental, proporcionamos, aoaluno estagiário, oportunidade de desenvolver a arte na escolaatravés de oficinas, articulando a música com outros meios deexpressão como pintura, colagem, teatro, etc.

No Hospital Dia, buscando minimizar o isolamento e reclusãodas crianças, desenvolvemos atividades de música, de artesplásticas e de desenho. Consideramos que esta é uma forma deremover barreiras para a aprendizagem e a participação, pensandonessas crianças hospitalizadas como seres em processo decrescimento e desenvolvimento, que vivenciam o ensino eaprendizagem, nesta área, segundo a sua condição. Também nesse

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campo, não precisa que o estagiário seja um especialista no tratocom crianças portadoras de limitações.

A prática desenvolvida junto ao Núcleo de Ensino Infantil –NEI – se constitui, de fato, em uma rica oportunidade de trabalharcom crianças portadoras de várias limitações, como, por exemplo:hiperatividade, Síndrome de Down e surdez, visto que, no NEI, jáexiste um programa voltado para a inclusão. O trabalho demusicalização desenvolve-se de forma a incluí-las no processo.

Chamando a atenção para a linguagem labial e a expressãofacial do estagiário, há uma melhor compreensão por parte dacriança surda. Além do mais, o estagiário procura aprender um poucoda linguagem de sinais, o que facilita mais ainda a compreensão doaluno surdo.

Orientamos que na parte rítmica deve ser usada uma mesana qual a criança possa apoiar suas mãos em um dos lados e nooutro, de frente para ela, o estagiário desenvolva o ritmo para que oaluno repita. Tudo se processa com todos os integrantes da salafazendo a mesma atividade pois, juntamente com o objetivo deinclusão, no final é organizado um repertório apresentado, em formade coro, no encerramento do período letivo. Dá muito certo.

A música é uma atividade coletiva que permite ao alunodesenvolver as suas habilidades, desde que, quando planejada,esteja contemplando a todos.

Construir coletivamente um projeto de Estágio que tenhacomo pressuposto a ação pedagógica, inclusive no âmbito daeducação integradora, não pode ser entendido como uma “açãoneutra”, e sim como uma atividade carregada de intenção, ou seja,um “que-fazer” ideologicamente definido e sem distinção e clientela– portador de limitações ou não.

Para isso, não é necessário ser obrigatoriamente especialistanas diversas limitações que caracterizam os portadores denecessidades educativas especiais.

II

UMA VISÃO DIFERENTE

Educação Inclusiva: uma visão diferente 53

UMA RAZÃO TÁCTIL?

Markus Figueira da Silva*

A privação da visão sensível não pode ser confundidacom a privação do saber, ou da sabedoria.

ARTICULAÇÕES SOBRE A ORIGEM EDEFINIÇÃO DO CONHECIMENTO

O pensamento brota da sensibilidade. Esta proposição fundao empirismo, desde o seu nascimento até os dias atuais. Entretanto,a filosofia sempre nos ofereceu alternativas para indagarmos acercada origem do conhecimento, como este se processa e todas asdificuldades relativas à fundamentação dos saberes. A razão, o lógos,o intelecto, o entendimento, a mente, por exemplo, são conceitosque tentam definir o âmbito onde principia a compreensão darealidade. De tais afirmações resulta a articulação de dois modosde apreensão das coisas, ou dois modos de conhecimento, quehistoricamente se confrontam, ou se harmonizam, no interior dossistemas de pensamento, a saber: o conhecimento sensível e oconhecimento inteligível.

Já em Platão, e pela primeira vez, lemos que razão esensibilidade se organizam numa relação de causa e efeito, na qualo inteligível (as idéias) causa o sensível (as coisas do mundo que

*Markus Figueira da Silva é Professor do Departamento de Filosofia e do Programade Pós-Graduação em Filosofia do Centro de Ciências Humanas Letras e Artes/CCHLA-UFRN.

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os sentidos percebem), isto porque o conhecimento preexiste naalma dos indivíduos e não pode ser apreendido na relação com ascoisas sensíveis. Se assim for, o uso dos sentidos possibilita apenaso reconhecimento daquilo que estava e está já presente na alma.Desse ponto de vista, aqueles indivíduos que não podem se valerde um ou mais sentidos prescindem do uso integral da sensibilidadepara conhecer a realidade, sendo completamente possível oraciocínio em todos os níveis do conhecimento.

Se tomarmos como parâmetro o que pensou RenéDescartes1, existem duas substâncias, uma pensante (res cogitans)e uma extensa (res extensa) e, mais uma vez, aqui a razão épostulada como garantia do conhecimento, inclusive daquele quese julga, aparentemente, ser sensível.

Segundo um outro modo de investigação, o empírico, oconhecimento tem origem nas informações que os sentidos captame transmitem ao entendimento. Neste sentido, não poderá havernada no entendimento que não tenha antes passado pelasensibilidade.

Tanto Platão quanto Descartes discordarão dessa últimaexplicação, pois afirmam que a via sensível é enganosa e nãooferece critérios seguros para garantir o conhecimento. Kant tentapôr um fim a essa longa discussão, dizendo que nem o empíriconem o que se chamou até aquele momento de racional podemfundamentar o conhecimento pleno da realidade, uma vez que oem si de cada objeto do conhecimento não se mostra. O que nosresta, segundo Kant, é fundar as bases para o conhecimento e suaobjetividade, em que razão e sensibilidade interagem no processocognoscente.

1 Descartes, R. Meditações, Livro II.

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AO CEGO A POSSIBILIDADE DE ESTUDAR,INVESTIGAR E TEORIZAR

Esta brevíssima apresentação de algumas articulações sobrea origem e definição do conhecimento, na História da Filosofia, nosserve, aqui, apenas para introduzir uma questão fundamental: quala melhor maneira de incluir o portador de necessidades especiaisrelativas à visão no ambiente educativo? Dito de outra maneira:quais os limites e qual o alcance no processo de aprendizagem quese podem aferir na prática educacional? Ou, ainda, como é possíveloperar com o pensamento perfeitamente, embora não se possacontar com o auxílio da visão?

A privação da visão sensível não pode ser confundida coma privação do saber, ou da sabedoria, uma vez que são recorrentes,na história da humanidade, exemplos de sábios com limitaçõesvisuais, tais como Homero, o adivinho Tirésias, Jorge Luis Borges etantos outros.

Assim, quando lemos o mordaz texto de Denis Diderot Cartasobre os cegos para o uso dos que vêem, identificamos a admiraçãoe a curiosidade de saber como um cientista inglês, chamado NicholasSaunderson, cego de nascença, teria inventado uma máquina paraoperar cálculos algébricos e para descrever figuras retilíneas2. Essamáquina, composta de alfinetes com cabeças de variados tamanhos,dispostos em quadrados e organizados sob a forma de uma tabela,lhe permitia fazer longos cálculos com assombrosa agilidade dededos, a partir dos quais ele podia também imaginar todas as figurasretilíneas. Esse cientista parece ter inventado outros instrumentospara o estudo das matemáticas e da geometria, alem de ser autorde uma significativa obra, como nos relata Diderot:

2 Nicholas Saunderson (1682-1739), um dos mais renomados cientistas cegos.Matemático, foi professor em Cambridge e membro da Royal Society, apud OsPensadores, 1988.

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Ele é autor de uma obra das mais perfeitas do seugênero. São os Elementos da Álgebra, onde só sepercebe que ele era cego pela singularidade de certasdemonstrações, as quais um homem que vê talveznão encontrasse. É da sua autoria a divisão do cuboem seis pirâmides iguais que têm o vértice no centrodo cubo, e como base, cada uma de suas faces. Elaserviu para demonstrar de maneira muito simples quetoda pirâmide é o terço de um prisma de mesma basee de mesma altura (...) Saunderson professou asmatemáticas na universidade de Cambridge com êxitoespantoso. Deu lições de ótica; pronunciou discursossobre a natureza da luz e das cores; explicou a teoriada visão; tratou do efeito das lentes, dos efeitos doarco-íris e de várias matérias relativas à vista e a seuórgão. (1988, p. 237)

A ênfase dada às matemáticas e à geometria nos conduz denovo para Platão3, que afirmava serem as matemáticas, a geometria,a estereometria, a astronomia e a música saberes dianoéticos, istoé, formulados a partir da abstração, que preparavam a alma paracontemplar as realidades eternas e imutáveis, ou seja, as idéias.Assim, estar privado da visão física das coisas impõe odesenvolvimento da capacidade de abstração a partir da percepçãode outros órgãos sensíveis, o que em hipótese alguma invalida apossibilidade do conhecimento. Há que se notar que para nós, comopara Aristóteles, a visão é o sentido privilegiado4, pois recorremos aela de preferência aos demais. Entretanto, um novo universo sedescortina quando refletimos sobre a possibilidade do conhecimentoa partir do uso preferencial de um outro sentido.

Voltemos, pois, a Diderot:

3 Platão, A República, VI.

4 Aristóteles, Metafísica, I, cap. 2.

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O exemplo do ilustre cego prova que o tato pode tornar-se mais delicado que a vista, quando aperfeiçoado peloexercício; pois, percorrendo com as mãos uma sériede medalhas, ele discernia as verdadeiras das falsas,embora as últimas fossem tão bem contrafeitas a pontode enganar um conhecedor dotado de bons olhos; eele julgava da exatidão de um instrumento dematemática, fazendo passar a extremidade dos dedossobre suas divisões. Eis certamente algo mais difícilde fazer do que apreciar pelo tato a semelhança deum busto com a pessoa representada; de onde se vêque um povo de cegos poderia ter estatuários, e tirardas estátuas a mesma vantagem que nós, a perpetuara memória das belas ações e das pessoas que lhesforam caras. Não duvido mesmo que o sentimento queexperimentariam, ao tocar as estátuas, fosse muito maisvivo do que o experimentado por nós ao vê-las. Quedoçura para um amante que houvesse mui ternamenteamado, a de passear as mãos sobre encantos quereconheceria, quando a ilusão, que deve atuar maisfortemente nos cegos do que nos que enxergam, viessea reanimá-los! Mas pode ser também que, quanto maisprazer sentisse nesta lembrança, menos pesaressentiria. (1988, p. 239)

O universo desconhecido do pensamento, e por que nãodizer, da mente humana, põe limites às ciências que investigampositivamente o intelecto e as suas possibilidades. Tais limitesrefletem a fragilidade do poder de conhecer ao mesmo tempo emque investem na inventividade e no poder das abstrações, cálculos“seguros” sobre realidades as quais não se tem acesso mediante ouso dos sentidos. Sabemos muito bem o quanto dependemosdessas abstrações e desses cálculos e julgamos superdotadas aspessoas que se destacam no uso de tais capacidades racionais.

Contudo, identificamos como problema a impossibilidade dese fazer uso de um dos sentidos. Reconhecemos a descoberta deuma supernova, as teorias do big bang e do big crunch, ou a divisão

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de um átomo em suas propriedades, mesmo sabendo que não sãoacessíveis aos sentidos. Acreditamos em Deus, em forças do beme em forças do mal, sem a menor garantia sensível, mas geralmentenão temos o cuidado suficiente para reconhecer que alguém comlimitações visuais, por exemplo, pode ter um alcance de pensamentomaior e mais veloz do que uma pessoa que faz uso pleno de todosos sentidos.

Na verdade, a ausência de um sentido gera imediatamentea necessidade de maior desenvolvimento de um outro. É o caso docientista Saunderson, ou dos afinadores de piano de Paris, o primeiropela admirável habilidade com os dedos e a incomparávelsensibilidade tátil, os outros pelo ouvido absoluto que desenvolvem.

Diante destes exemplos, podemos creditar ao cego apossibilidade de estudar, investigar e teorizar acerca de qualquerdomínio do conhecimento humano, desde que se crieminstrumentos, ferramentas, que facilitem o seu acesso ao saber.

Se levarmos em consideração o fato de precisarmos do usodos sentidos para termos impressões da realidade e transformá-lasem pensamento, podemos nos valer dos cinco sentidos,indiscriminadamente, fazendo com que um possa substituir um outro,caso este não possa ser utilizado para a aquisição de umdeterminado saber. Se admitirmos a tese contrária, que advoga oinatismo, ou que o conhecimento já se encontra presente na almado indivíduo, menos necessidade acharíamos na completude dossentidos para garantirmos o conhecimento.

E, finalmente, se não podemos conhecer totalmente arealidade, e se estamos limitados ao campo objetivo que se nosapresenta, e que para conhecermos devemos utilizar indistintamenteos sentidos e a razão, nada impede que uma pessoa com limitaçõesvisuais, por exemplo, forme idéias da objetividade das coisas, aindaque não tenha garantias do conhecimento exato delas, ou seja, dasrealidades em si.

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VER COM OLHOS LIVRES

Torna-se evidente, pelo exposto, que precisamos “ver comolhos livres” o desafio que se nos impõe de buscar fornecermecanismos que auxiliem na inclusão dos alunos que desejamnaturalmente conhecer e possuem capacidades naturais para atuarno processo ensino-aprendizagem, no qual o professor, tanto quantoo aluno, está aprendendo.

Resta-nos, ainda, fomentar incentivos reais para que ainclusão se faça em todos os domínios da sociedade, tendo aeducação como elemento fundamental na preparação dos homenspresentes e futuros, limitados e não limitados. Trata-se, tão-somente,de uma mudança de mentalidade, de uma mudança de atitude e,sobretudo, de uma diferente visão de mundo.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES, Metafísica, Madrid: Ed. Gredos, 1997.

DESCARTES, R. Meditações, In: Os Pensadores, São Paulo: Ed. Abril,1988.

DIDEROT, D. Carta Sobre os Cegos Para o Uso dos que Vêem, In: OsPensadores, São Paulo: Ed. Abril, 1988.

PLATÃO, A República, Lisboa: Ed. Calouste Gulbenkian, 1997.

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QUESTÃO DE POSTURA OU DE TAXONOMIA?

Francisco José de Lima*

Nada pode ser mais desigual do que tratar os indivíduoscomo se eles fossem iguais em todos os aspectos.(Dunn, apud Kussrow e Roshaven, 1996).

Desde antigos registros escritos conhecidos pelo homem(e.g. a bíblia) e, ao longo de toda a história e literatura, são-nosapresentados exemplos de personagens cegas, as quais são muitasvezes semelhantes entre si num estereótipo, mais ou menos, aceitopelo senso comum das pessoas. Não obstante todo nosso avançono conhecimento cientifico, sociológico e filosófico, o que sabemossobre essas pessoas é restrito e, ainda hoje, cheio de viesesculturais.

Com efeito, Wilson (apud Heller et alii, 1991) relata que, naInglaterra, a maioria das pessoas interpreta as técnicas dos cegosem termos de algum tipo de sexto sentido misterioso. No Brasil,não sendo diferente, Melo (1988) sabiamente alerta-nos:

... Não pense que os cegos têm um sexto sentido ouque a natureza os compensou pela falta da visão. Oque há de tão “surpreendente” nos cegos, é o simplesdesenvolvimento de recursos latentes em todos nós.Você, com o mesmo treinamento, será tão “extraordi-nário” quanto eles! (grifos do autor, p. 7).

Heller et al. (1991) comentam que mesmo a sociedade tendoexpectativas distorcidas quanto aos cegos, creditando-lhes poderes

*Francisco José de Lima é cego e Professor da Universidade Federal dePernambuco.

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sobrenaturais, trata-os, individualmente, como os mais indefesos edignos de dó dos mortais.

É aqui, pois, que reside um dos maiores problemas comque se deparam as pessoas portadoras de limitação visual.

Devido à grande proteção ou mesmo superproteção dospais ou responsáveis pela educação e cuidado das crianças cegas,estas nem sempre recebem estimulação apropriada para seudesenvolvimento, chegando a ter até mesmo três anos de atraso,ao iniciarem a educação formal, comparadas aos alunos portadoresde visão normal (ver Hattwell, 1985 e Heller, 1991).

Tais atitudes, se louváveis pela natureza de sua preocupaçãocom o semelhante, são reprováveis e desastrosas àquelas criançasque, não tendo uma estimulação apropriada a seu desenvolvimento,podem sofrer danos irreparáveis ou encontrar-se em situaçõesdifíceis e embaraçosas, desnecessárias e plenamente evitáveis, sefossem propiciadas maiores informações às pessoas que com elasconvivem.

De um lado, os responsáveis pelo cuidar e/ou educar essessujeitos, buscando protegê-los, impedem seu desenvolvimentoótimo, uma vez que não lhes permitem ter contato com o mundoreal e cheio de situações ou estímulos, inclusive aversivos. Essafalta de contato com esses estímulos ou situações adversas dificultaou impede o portador de limitação visual de desenvolver mecanismosde defesa ou elaborar tais situações.

De outro, os que acreditam no poder extra-sensorial doscegos, nas suas habilidades extraordinárias e na sua capacidadede tudo poder fazer por si sós, sem a ajuda de outrem, colaborampara a execração daqueles indivíduos, já que não propiciam oulimitam situações de sociabilização entre eles e as pessoasportadoras de visão normal.

Ambas as posturas trazem problemas significativos aorelacionamento entre essas pessoas e as que são portadoras devisão normal.

De um lado, com a postura de que os cegos têm habilidadessobrenaturais, os defensores dessa idéia podem pensar que aqueles

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são auto-suficientes e, por assim dizer, não precisam da colaboraçãodas pessoas portadoras de visão normal. Para pessoas “normais”que pensam dessa forma, pode ser conveniente se tiveremdificuldades em entrar em contato com a diversidade ou comsituações novas, as quais não dominam ou desconhecem.

De outro lado, aqueles que tornam o indivíduo portador delimitação visual total ou parcial por deficiente podem, com a melhordas boas intenções, suprimir-lhe do caminho toda e qualquersituação que, em sua opinião, seja perigosa ou prejudicial aoportador de limitação visual, incapacitando-o para uma vida social,normal e produtiva.

A questão é que há grande resistência em aceitar a pessoacom limitação física, mental, cerebral ou sensorial. Tal resistência éainda mais exacerbada quando se entende o indivíduo como umdeficiente. Nesse caso, a resistência se faz presente e manifesta,inclusive nas atitudes dos próprios profissionais que trabalham comesses sujeitos. Todavia, quando confrontados com essa realidade,esses profissionais tendem a negar tal fato, eximindo-se de talatitude, assumindo uma postura de defesa e relacionando o fato asituações conjunturais ou particulares. Entretanto, eles mesmos nemsempre têm informação ou formação adequada ao trato dos sujeitosde quem cuidam, a quem instruem e sobre quem escrevem manuais,artigos, dissertações e teses.

Para que compreendamos melhor esse ponto de vista,façamos aqui uma diferenciação entre deficiência e o que houvemospor bem definir como limitação visual, embora pensemos que taldefinição possa ser ampliada para outras áreas de limitaçãosensória, física, cerebral ou mental.

Como postura de vida, de trato com as pessoas cegas ecomo postura de pesquisador, fazemos uso, ao contrário do termodeficiência visual, do termo limitação visual, para indicar que, emborao sujeito não tenha plena visão ou seja cego, esse sentido lhe estáapenas ausente, ou não funciona de modo pleno. Suas atividadesmentais, intelectuais, motoras etc. são iguais às das pessoasportadoras de visão normal.

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Mas o que é deficiência? Consoante Lobo (apud Rodrigues,Leitão e Barros, orgs., 1992, p.113), “Deficiência não é senão umacaracterística valorada negativamente em função de uma normade eficiência que lhe serve de padrão”. Assim, os cegos, sob essaégide valorativa de eficiência, são considerados deficientes, isto é,aqueles cuja eficiência é falha, insuficiente, e não tem como servencida, superada. Entendendo que o cego não sofre de falta deeficiência, postulamos que esse indivíduo não é deficiente, porémestá temporariamente limitado para fazer algo.

Cremos que na limitação, momentaneamente, não se podefazer algo, mas que se podem buscar meios para superar, vencer,quebrar limites, expandir, ampliar horizontes, levando a barreira limitepara mais distante do ponto anterior.

Trata-se, aqui, da diferença entre o ser e o estado da pessoahumana.

Não estamos falando de mera criação de novo termo ou denova taxonomia de pessoas com esta ou aquela diferença sensória,física, cerebral ou mental. Na prática, é uma questão de posturamais que de nomenclatura.

Quando tratamos de limites, esses, de um modo ou de outro,podem ser superados. E se não o forem, no momento, não devemconstituir motivo de desânimo e, muito menos, de desistência, poiso homem é naturalmente limitado em suas relações e nem por issodeixa de tentar superar seus limites. Vide o exemplo do pianistaJoão Carlos Martins, que, após uma história de acidentes,envolvendo-lhe a capacidade motora das mãos e braços (lesão nobraço direito, em 1965; síndrome de movimentos repetitivos, em1979; hematoma cerebral e paralisia parcial, decorrentes de umassalto que sofreu em 1995, a ponto de seu desempenho ao pianoter sido considerado errático, o que o afastou do instrumento pordois longos períodos de oito anos) não desanimou e, com o incentivodo pai nonagenário, com auxílio de fisioterapia e de umareprogramação das funções cerebrais da fala e da digitação, superousua limitação física, voltando a tocar piano e tornando-se o únicopianista a ter gravado a integral de Bach para o teclado.

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Tal façanha só foi possível após ter o pianista sido submetidoa um tratamento em um dos maiores centros neurológicos do mundo– o Jackson Memorial, nos EUA. Contudo, João Carlos Martins nãopreservou o completo controle motor do antebraço direito para asatividades mais simples, às quais teve de readaptar-se (aprender,por exemplo, a escrever com a mão esquerda) e ficou com umaseqüela permanente que o esgota. Obrigou-se, pois, a umaverdadeira “dieta do silêncio”: todas as vezes em que toca ao piano,João Carlos Martins tem de ficar pelo menos três horas sem falar,antes da apresentação.

Como vemos, pois, as limitações de hoje poderão, no futuro,ser suplantadas, fisiológica ou tecnologicamente. Por exemplo: umagarotinha de 7 anos de idade pode trazer nas mãos um quilo detrigo, da padaria até sua casa, com a mesma eficiência com queseu pai traria cinco quilos de açúcar. Porém, nem o pai conseguiriatrazer nas mãos cinqüenta quilos, nem a filha dez. Dentro de suaslimitações (força física, por exemplo), tanto a garotinha quanto opai podem desempenhar eficientemente sua tarefa. Mais ainda,dando-lhes condições extras (um carrinho de mão por exemplo),ambos poderiam superar seus limites, uma vez que não sãodeficientes, mas estão limitados quanto à força física. Destarte, damesma forma que hoje a garotinha não pode carregar cinco quilosde trigo, mas poderá fazê-lo no futuro, quando adulta, seu pai (hojeno vigor da força física) pode carregar cinco quilos de açúcar, porémtalvez não possa fazê-la no futuro, quando se tornar um ancião.

O homem, com o avião, criou asas; com o guindaste, tornou-se Hércules; com a imprensa, rádio, televisão e redes internacionaisde informática, tornou-se onisciente; e quiçá, no futuro, com aclonagem, tornar-se-á um demiurgo.

Disso decorre o fato de a sociedade estar muito maisacostumada e propensa a lidar, elaborar e aceitar as limitações doque as deficiências. Daí que, enquanto postura, defendemos ainexistência da deficiência ou da pessoa deficiente.

Assim, o que seria para muitos uma deficiência, segundo apostura por nós preconizada, nada mais é do que uma mera

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limitação. Por exemplo: poderia uma pessoa privada do movimentodas pernas e dos dedos da mão pintar uma tela com um pincel?Não! Responderiam afoitamente os defensores da deficiência. Sim!Afirmamos nós: vide Renoir, que, tendo a limitação física descritaacima, a superou, bastando, para tanto, que alguém lhe afivelasseo pincel a mão para que ele pintasse nas telas os mais alegresquadros de sua vida, mesmo com a intensa dor de que padecia.

Logo, há uma diferença teórica – quanto à semântica – euma diferença prática – quanto à postura de pesquisadores,educadores, responsáveis ou mesmo das próprias pessoasportadoras de limitação, no presente artigo, visual – em relação aouso dos termos deficiência e limitação.

Incentivando-se essa postura, por exemplo, os indivíduosportadores de limitação visual buscarão, como os demais, portadoresde visão normal, superar suas limitações, não restritas à limitaçãovisual, a qual é mais uma, e não a única, dentre as limitaçõesinerentes à condição humana.

Todavia, para que haja uma mudança de postura, é precisoinformação, educação formal, e muito conhecimento e convencimentoda sociedade, em geral, e dos próprios sujeitos portadores de limitaçãovisual, em particular.

Entretanto, em uma sociedade na qual pouco é feito pelaeducação social (não se implementam planos educacionais querealmente dêem aos cidadãos senão a condição de assinarem onome, ao que chamam de alfabetização); em uma sociedade cujogoverno considera que um salário de 65 dólares é digno e suficientepara o sustento pleno de uma família, incluindo-lhe educação e lazer;ainda menos é feito em relação à educação especial e observânciaàs necessidades especiais de indivíduos portadores de limitaçõessensoriais ou não, tanto nos primeiros anos de escola, quanto emanos mais avançados, como na Universidade.

O fato é que mesmo aqueles que se prestam ao trato depessoas portadoras de limitação sensória, física, mental ou cerebralnão têm respaldo financeiro ou mesmo técnico e teórico devidos.Em cursos universitários, cujos alunos, primordialmente, vão para

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o ensino de rede pública ou particular (e.g. Letras, Pedagogia,História, Matemática etc.), não são oferecidos sequer pequenoscursos sobre o código Braille ou sobre o código de sinais para surdos.

Professores universitários de cursos que pretendem traba-lhar com a diversidade, a diferença e as minorias, como os dePsicologia, Serviço Social etc., muitas vezes sequer têm noção decomo lidar com um portador de limitação sensória ou física, quandose deparam com ele em sua sala, quanto mais oferecer subsídiospara seus alunos. Também alunos de cursos preparatórios paraprestação de serviços a uma grande quantidade de pessoas (comoArquitetura, Biblioteconomia etc.), muitas vezes recebem instruçõesinadequadas e cheias de vieses socioculturais e mesmo científi-cos, que refletem o despreparo de seus mestres, mesmo porque aprópria literatura que esteia esses cursos é responsável por divul-gar esses mesmos vieses.

Kussrow e Roshaven (1996), ao criticar o atendimento“igualitário” (i.e., a não-observância do tratamento diferenciado apessoas diferentes), oferecido a pesquisadores e estudantesuniversitários, afirmam:

Bibliotecários de universidades se orgulham de tratarusuários de graduação e pós-graduação igualmente,mas ao fazê-lo, podem de fato estarem prestando, aosestudantes, um desserviço. A suposição básica, queesteia o tratamento “igual” para os alunos e pes-quisadores, é que a maioria dos estudantes aprendebasicamente da mesma forma. Essa crença, manifestaem livros didáticos, salas de aula e no planejamentodas bibliotecas, afeta o treinamento dos funcionáriosde uma biblioteca, incluindo os bibliotecários, e osmeios pelos quais os pesquisadores possam acessaras informações precisas que desejarem.

De acordo com Morsley, Spencer e Baybutt (1991), melhorara qualidade de vida de crianças cegas pode, muitas vezes, ser

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alcançado por mudanças relativamente diretas, uma vez que, navisão dos autores, não há necessidade de depender de altatecnologia, nem de grande despendimento de tempo por professoresou pais. Acorde com os autores, cremos, contudo, que para queessa melhoria ocorra mais prontamente e de maneira definitiva, émister que se comece por uma mudança de mentalidade e de atitudefrente aos portadores de limitação e à diversidade em geral, porparte de professores (mormente os de dentro de universidades) epesquisadores que orientam pais e educadores desses sujeitos.Isso porque são esses mesmos professores e especialistas osresponsáveis por mudanças educacionais importantes e que vãoinfluenciar diretamente a vida dos sujeitos com limitação sensória,física, mental ou cerebral, bem como dos seus pais, professores ecolegas, enfim de toda uma sociedade.

Exemplo da influência desses professores e especialistaspode ser aquilatado pelo movimento internacional pela inclusãopregada e defendida substancialmente por muitos, recebida comreserva por alguns e questionada por outros.

Inclusão esta a que, a propósito, somos favoráveis, desdeque não sirva como mais um meio de o Governo deixar de lado osportadores de limitação, furtando-se a dar atenção a suasnecessidades específicas (“os cegos no Brasil até freqüentamescolas comuns”, estão gritando em altos brados alguns, omitindoque esses indivíduos, que já tinham pouco apoio educacional, agorapoderão ter ainda menos, caso as escolas e cursos de EducaçãoEspecial venham a ser extintos por conta de uma égide inclusiva,novamente restando ao professor do ensino básico e médio todo oônus de se virar com o que se depara em sala de aula).

Isto é, resta aos poucos, e mal pagos, profissionais daeducação especial o árduo papel de suprir lacunas educacionaisadvindas desse processo, e aos próprios portadores de limitação dese virarem cada um a seu modo, já que nem sempre eles mesmossabem que estratégias usar para esta ou aquela situação (Lima, 1998).

Posto, então, que o diagnóstico se nos apresenta, claro àvista, e à mente, parece-nos óbvio propormos uma mudança na

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postura das pessoas portadoras de limitação visual, e na dosvidentes para com elas (entendendo-as como pessoas portadorasde limitação, com potencial e não deficientes). Cremos que issopropiciará buscar, em conjunto, meios pelos quais sejam superadosseus limites e alcançada sua cidadania, de maneira plena e sempaternalismos, porém com observância de suas necessidades eidiossincrasias, oferecendo àqueles indivíduos tratamentodiferenciado, a fim de os igualar em direitos e deveres, promovendonão só a justiça legal, mas também social e humana. Pois, comoafirmou, Dunn (apud Kussrow e Roshaven, 1996) “Nada pode sermais desigual do que tratar os indivíduos como se eles fossem iguaisem todos os aspectos”

REFERÊNCIAS

HATWELL, Y. Piagetian reasoning and the blind. New York: AmericanFoundation for the Blind, 1985.

HELLER, M. A. Haptic perception in blind people. In: The Psychology oftouch (p.239-261). M. A Heller and W. Schiff (Eds.), Hillsdale, NJ, LawrenceErlbaum Associates, 1991.

KUSSROW P. G.; ROSHAVEN, P. A Case for Treating Library ResearchersDifferently. In: Research and Reflection. December, 1996. Volume 2 .Number 2.

LIMA, F. J. Representação mental de estímulos táteis. Ribeirão Preto, 1998.166p. Dissertação (mestrado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letrasde Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.

LOBO, L. F. Deficiência: prevenção, diagnóstico e estigma. In: Rodrigues,A. B., Leitão, M. B. e Barros, R. B. (orgs.). Grupos e instituições em análise.Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992.

MELO, H. F. R. A cegueira trocada em Miúdos. Campinas: UNICAMP,1998.

MORSLEY, K.; SPENCER, C.; BAYBUTT, K. Tow techniques forencouraging movement and exploration in the visually impaired child. BritishJournal of Visual Impairment, 9, 75-78, 1991.

Educação Inclusiva: uma visão diferente 71

A CEGUEIRA COMO UMA VISÃO DIFERENTE*

Joana Belarmino de Souza**

A tendência da sociedade é homogeneizar, igualar,aparar as ‘falhas’, os ‘desvios’. No entanto, a diferençaé o que faz sentido.

Não desejo que este discurso seja entendido como o discursode um especialista em educação ou educação especial. A minhacomunicação é a fala de uma pessoa cega que vivenciou problemasde inclusão, de exclusão e de discriminação, e que estuda o corpo(eu estudo o corpo). Penso um pouco nisso no meu dia-a-dia, porquea cegueira vive comigo desde que eu me entendo por gente. É umasituação bem presente.

Se eu tivesse de destacar três palavras para pensarmossobre o problema de inclusão, eu diria que essas três palavras são:diferença, inclusão e desafio. Entendo que a inclusão vai semprese remeter ao desafio e à percepção da diferença.

Todos os dias, hoje, em pleno século XXI, enquanto asociedade está vivendo um progresso intenso nas variadas áreas,a gente pode se defrontar com exemplos de discriminação e deexclusão de pessoas cegas. E por que isso? A sociedade progrediu,avançou, e centenas de pessoas denunciam todos os dias:

Ah! Eu fui barrada num concurso público por causa daminha limitação física; ... eu não fui aceita numa escolapor causa de minha cegueira; ... eu precisava de leitura

*Conferência apresentada no I Seminário de Educação Inclusiva da UFRN, realizadona Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em abril de 2002.

**Joana Belarmino de Souza é cega e Professora da Universidade Federal daParaíba.

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com ampliação de letras; ... eu fui barrada quandotentava abrir uma conta bancária porque as normas dobanco não permitiam que uma pessoa cega assinasseseu próprio nome.

Apesar do progresso social, todos os dias a gente se defrontacom problemas que revelam que a sociedade ainda não incluiu apessoa cega como sujeito. São exemplos que revelam que asociedade vê a cegueira como uma incapacidade que paralisa osgestos das pessoas, que paralisa a ação das pessoas, e quecontinua reproduzindo aquele antigo gesto de separar, deenclausurar. E de onde vem isso? Acho que poderíamos recuar aum tempo muito antigo das culturas humanas e comprovar, numtempo muito remoto, uma incapacidade fundamental que os sereshumanos têm de conviver com a diferença, embora a gente saibaque a diferença é o que faz sentido. A gente só reconhece o bonitoporque existe o feio, só reconhece o doce porque existe o amargo.

As proposições estão presentes em toda a vida das pessoas,e, no entanto, ao longo da cultura humana, a gente se defronta comuma incapacidade de conviver com as diferenças. A tendência dasociedade é homogeneizar, é igualar, aparar as “falhas”, os “desvios”.Mas, não sabemos determinar por que é assim. É uma determinaçãobiológica? É uma determinação sociocultural? O que é isso?

A cegueira, no rol das chamadas deficiências, é um dosfenômenos que mais provocou, ao longo da história das culturas,esse estranhamento, essa dificuldade de conviver com as diferenças.Não sabemos por que isso aconteceu, mas é possível que tenha seestruturado nas tribos antigas. E essas tribos tinham que convivercom uma natureza muito hostil, tinham que trabalhar muito paraconseguir o alimento diário, então, naturalmente, começaram aprojetar modos de discriminação. As tribos antigas conviviam comdesvios: os jovens por um longo tempo, da adolescência até ajuventude, estavam separados do grupo dos trabalhadores e dogrupo das famílias. Começava, então, a se preparar uma separaçãodo “diferente”.

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Nas tribos antigas, a cegueira foi considerada um fenômenoprofundamente penalizado. Naquele momento primordial, não dápara se falar em inclusão, porque as pessoas cegas da antigüidadeeram mortas ou abandonadas à sua própria sorte. Parece cruel,mas era a resposta social que as tribos antigas encontraram pararesolver problemas cotidianos. Como alimentar uma pessoa quenão trabalhava, que não ganhava seu próprio sustento? Comoalimentar uma pessoa considerada incapaz? A partir daí dá-se acristalização de uma série de valores com relação à cegueira, quese disseminaram no discurso religioso, na literatura, e queavançaram até a modernidade, alcançando as telenovelas.

Se pensarmos hoje sobre as telenovelas, constatamos umaaceitação simbólica da cegueira. Mas, todos que assistiram astelenovelas do SBT com personagens cegos, sabem que, no final,eles voltaram a enxergar. Isso revela, ainda, que no plano simbólico,há uma incapacidade da sociedade em conviver com a cegueiracomo um fenômeno que pode ser integrado e que pode ser útil eprodutivo.

Chegamos à era cristã, aos primórdios da era cristã. Percebe-se que há uma preocupação pseudocientífica com as pessoas queestão cegas, mas não é uma preocupação no sentido de integrá-las, é uma preocupação de angariar, quem sabe, até a salvação,num plano divino.

Não, a gente não pode abandonar essas pessoas queestão cegas, que estão deficientes, vamos enclausurá-las em asilos, em hospitais; elas são o objeto da nossacaridade, e assim, nós teremos conquistado uma“vaguinha” lá no céu.

Essa era a preocupação na era cristã.

Chegando à modernidade, começou uma outra forma deenclausuramento que foi o internamento dessas pessoas eminstituições voltadas para a educação, voltadas para uma

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possibilidade de profissionalização. E, aí, chegamos a meados doséculo XIX, mais precisamente no ano de 1829, quando o francêsLuiz Braille publicou a primeira versão da escrita e leitura parapessoas cegas. Considero que Luiz Braille é o primeiro inclusionistada era moderna. Ele foi a pessoa que criou a ferramenta fundamentalpara que a sociedade pudesse olhar para uma pessoa cega deuma outra forma e, também, para que a pessoa cega pudesse olharpara si mesma de um outro modo. O Braille passa a ser a ferramentaque vai incluir, de fato, o indivíduo cego na cultura fundamental namodernidade e que se mantém ainda hoje: a chamada culturaalfabética.

Estamos cientes de que a intelectualidade dos séculos XVII,XVIII e XIX tinha um peso fundamental no ditame das regras paraquem estivesse no poder. Assim, no momento em que é dado àpessoa cega a condição de poder ler e escrever, descortina-se ummundo tão amplo de possibilidades para essa pessoa que, só apartir daí, abandona-se o cenário do incluir por caridade, do incluirpor filantropia, e chegamos a um cenário que inclui uma pessoa,um cidadão, com possibilidade de interferir e de transformar a suaprópria cultura.

Abri este parêntese, um pouco longo, para que não nosesqueçamos disso: Luiz Braille é o primeiro inclusionista da eramoderna na área da cegueira.

Dessa forma, encontramos um paradoxo. Novamente nosencontramos com a mesma questão que formulei no início: por queserá que a sociedade progrediu tanto, avançou tanto, ao ponto de,em pleno século XXI, ter criado para o grupo das coletividades cegaspossibilidades até então inimaginadas? A pessoa cega, hoje, é capazde fazer pleno uso de um computador, de acessar a Internet, deampliar o seu acervo bibliográfico acessando bibliotecas digitais, écapaz de um sem-número de coisas que as pessoas do sensocomum poderiam considerar mais um milagre, que é mais uma visão,ou mais uma terceira visão, mas não! Tudo se deve a um progressotécnico. E por que se avançou tanto e estamos, ainda, debatendo oproblema da inclusão? Por que isso?

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Ora, nós temos um problema: a sociedade avança, progridematerialmente, mas os valores culturais nem sempre, eles ficamcomo que cristalizados. Muita gente, e não precisa ser do sensocomum, muitos governantes, muitos daqueles que ocupam cargosimportantes nas instituições, ainda estão pensando como aquelesdas sociedades menos esclarecidas. Obviamente que ninguém estámatando os portadores de limitações, mas todos os dias as pessoascegas padecem de pequenas mortes simbólicas, ou reais. Issoquando lhes são negadas pequenas coisas que seriam tão fáceisde implementar e que não são implementadas por falta de vontadepolítica, por falta de sensibilidade, por falta de compreensão dacegueira como um fenômeno que está presente num sujeito que,apesar de cego, é um sujeito humano, global, um cidadão queprecisa ser atendido nas necessidades e direitos comuns a qualquercidadão.

A sociedade progrediu e avançou do ponto de vista material,do ponto de vista estrutural, ao ponto de termos verdadeiros níveisde excelência no desenvolvimento e na melhoria das condições devida dessas pessoas, mas, os valores culturais continuamcristalizados e, hoje, podemos dizer que é a determinação culturalque faz girar as rodas da vida. Se não houver vontade política, senão houver sensibilização para o problema, as coisas não vãoacontecer e continuaremos a vivenciar, dia a dia, essas pequenaslacunas que vão crescendo, crescendo, crescendo, a ponto de, outransformar esse sujeito num ser acomodado, passivo, inerte, ounum batalhador.

Por questões culturais, o cego pode se transformar numapessoa que vai fazer do seu dia-a-dia um dia de luta permanente,seja para conseguir a informação na parada de ônibus, seja paraconseguir o texto Braille na sala de aula, seja para conseguir a vozsonorizada nos terminais bancários, seja para reinvidicar uma urnaeletrônica que lhe dê competência e independência na hora davotação. Enfim, vai ser uma batalha diária que, obviamente, tambémcansa, pois todos os dias você precisa dizer: “eu sou cidadão, eupreciso disso, eu preciso ser incluído”. Então você vai “forçando a

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barra”, “quebrando portas”, “abrindo janelas”, e realizando a inclusão,porém com muita luta, muita dificuldade, quando esse direito jádeveria ter sido reconhecido.

A sociedade progrediu, as condições técnicas, estruturaisestão evoluindo, mas falta o avanço do pensamento, falta aelaboração de uma compreensão que pense na cegueira não comocegueira. Cegueira é uma palavra, cego é um substantivo carregadode toda uma carga conotativa que vem lá das sociedades primitivas,e que todas as pessoas que padecem dessa limitação visualcarregam nos ombros. Mas, se nós mudarmos essa forma depensar? Se nós, ainda que no pensamento, substituirmos essa idéiade cegueira por uma forma diferente de visão?

A pessoa cega vê o mundo, ela constrói uma visão de mundoque, se não é completamente diferente da visão que cada um devocês constrói, dia a dia, é uma visão particular de mundo. A pessoacega precisa, fundamentalmente, desse universo tátil para construirum mundo, ela pessoa precisa da interface Braille, que não devenunca ser negligenciada em qualquer processo de inclusão, porqueé ela quem dá acesso à cultura, à língua, à arte, à literatura e a tudomais que podemos imaginar. Quando começamos a pensar nacegueira não como ausência de visão ocular, não como umasintomatologia, vamos dizer assim, de incapacidade absoluta, equando começamos a pensar na cegueira como uma visão particulardo mundo, que tem que estar presente na cultura, que complementaa cultura, que ensina aos que enxergam, quando pensamos nisso,começamos a ver o sujeito, a pessoa humana que tem umacircunstância particular: falta-lhe a visão.

Num primeiro momento, podemos achar estranho o fatode eu estar falando aqui para vocês e não estar olhando paravocês, isso é muito estranho. Isso deve ser algo muito estranhopara quem está enxergando, mas é só no primeiro momento.Precisamos romper esse primeiro casulo de estranhamento emergulhar em algo que pode ser chamado de uma relação dialógicaentre o universo da cegueira e o universo da visualidade, e aí agente constrói um diálogo em que incluímos a cegueira, não por

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caridade, nem como um apêndice, como uma coisa pesada quevai onerar, trazer dúvidas e dívidas, mas incluímos a cegueira comoalgo que vai complementar, fazer crescer a mim e ao outro. Issona escola, no dia-a-dia, na família, em todos os lugares, em todosos espaços da vida e da cultura.

Eu queria abrir um último parêntese para retomar as minhasduas últimas palavras: inclusão e desafio. Penso que ficou bemcaracterizado que a cegueira é uma visão particular, e agora euqueria falar um pouco sobre a inclusão como desafio.

Quando assisto na televisão as propagandas governamentaissobre inclusão, e quando participo de alguns eventos nos quais sefala muito sobre inclusão, a primeira tendência é pensar que o planogovernamental de inclusão é grandioso, que ele vai conseguir abarcare resolver os problemas que são colocados para a inclusão de pessoascegas nas escolas, na saúde e em todos os espaços onde tudo issose faz necessário. Diante disso, procuramos acreditar que os planose soluções vão abarcar todos os elementos da problemática e queem princípio vão resolvê-los. Claro que isso é uma ilusão! Claro quea inclusão não começou agora.

A inclusão é muito mais antiga. A inclusão não acontecenessa mídia governamental que divulga uma propaganda muito bemfeita. Ela não acontece nesses grossos projetos cuja maioria acabapor ser engavetada. A inclusão acontece nos pequenos gestos decada um.

Apesar de a palavra estar na moda, a inclusão é umaseqüência de acontecimentos anônimos, muitos dos quais nãoaparecem na mídia, eles não são dados a serem conhecidos massão fundamentais para que uma pessoa cega se sinta sujeito, sesinta incluída. São esses gestos que acabam sendo grandes, comoeste que está ocorrendo na UFRN, um gesto de criar uma comissãopara pensar como serão incluídos estes três estudantes cegos quevão adentrar à Universidade. É provável que, num primeiro momento,não sejam disponibilizados para essas pessoas um scaner, umcomputador, uma impressora Braille. Mas a Universidade estáfazendo inclusão porque está pensando junto com os deficientes

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em como incluí-los. Fundamentalmente, é preciso fazer o que jáestá sendo feito, que é “arregaçar as mangas”, que é perguntar,que é romper o susto primeiro diante da cegueira. Mesmo que sejadifícil, é preciso romper isso e pensar no outro como um ser que vê,que enxerga, que constrói uma visão de mundo que pode ser grande,desde que lhes sejam dadas as condições para isso.

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* Francisco Araújo é cego e aluno regular do Curso de Filosofia do Centro de CiênciasHumanas, Letras e Artes – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

PERSEVERANÇA

Francisco Araújo*

São inúmeros os desafios que estamos, nós, osdeficientes visuais, a encarar. No entanto, sãocompensados pela satisfação de superar todas essase outras adversidades.

Os desafios que se nos apresentam não devem superar osobjetivos que elegemos como ideais para nossa realização.

Esse entendimento tem sido, para mim, um significativoimpulso em busca de tudo aquilo que quero, desejo, sonho ouqualquer outra maneira de dizer algo que signifique a busca darealização. Não só agora que estou cursando uma universidade,mas, desde quando, ainda na infância, tive a compreensão do quantoseria importante, apesar da minha limitação visual, sempre procurarsuperar todo e qualquer desafio que, de alguma maneira, viesse aestabelecer-se como empecilho a ideais que motivassem minha vida.

Assim, apesar de a medicina afirmar aos meus pais, nadécada de 1950, que um portador de glaucoma congênita estariafadado à cegueira irreversível, agarrando-me ao resquício visualque ainda me restava, freqüentava a escola na qual a minha mãelecionava e, dessa forma, enquanto o resquício de visão existiu,estudei com a escrita comum. Depois, tive que vivenciar um longointervalo de 11 (onze) anos na minha vida estudantil, até encontraro Instituto dos Cegos do Rio Grande do Norte.

Os meus objetivos culturais sempre estiveram voltados parauma formação acadêmica que me possibilitasse partilharmacroconhecimentos da esfera universal, através dos quais a

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natureza pudesse ser vivenciada num curso ilimitado em sua origeme desenvolvimento.

Enfrentei barreiras nos exames de seleção – vestibular –para ingresso na universidade, tanto no que diz respeito à transcriçãodas provas para o sistema Braille, quanto à disparidade do tempodisponível para sua realização. Isso porque a utilização do sentidodo tato é bem mais lenta do que a utilização do sentido da visão,por exemplo: basta que se imagine alguém lançando o olhar parauma folha de papel, que se pode deduzir uma visão imediata, e demaneira geral, do espaço visualizado. Ao passo que se tentarmosfazer o reconhecimento, desse mesmo espaço, pelo tato, aproporcionalidade do tempo, principalmente, se no exposto existiremgravuras, é inegavelmente absurda. Por estas e outras razões, cadavez mais me sentia convencido de que deveria estar sempreobstinado em busca dos ideais que me motivavam.

Ante todos esses caminhos que percebia à minha frente, afilosofia, cada vez mais, fascinava-me por suas alternâncias numaamplitude inigualável quanto às perspectivas que nos possibilitamquestionar nossa origem: Quem somos? De onde viemos? Paraonde vamos? Tudo que sei, é que nada sei. E nem isso. DiziaSócrates.

Perseguindo este ideal, tentei a superação das barreirasmencionadas, e me inscrevi para os exames vestibulares, uma vez,duas vezes, até que na terceira tentativa consegui a aprovação parao Curso de Filosofia – Bacharelado –, turma 2002 da UniversidadeFederal do Rio do Norte.

Atualmente, cursando o segundo período, não posso deixarde reafirmar os mesmos entraves que sempre estiveram presentesnuma convivência um tanto quanto fora dos padrões ditos comuns,entre os professores, a turma e o colega, não menos aluno, mas,deficiente visual, isto é, um colega cego.

Graças a Deus, o Curso é Filosofia. Foi o que eu elegi comoobjetivo, dentro dos valores que me motivam para que a minha

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caminhada esteja sempre em curso. Assim, é bem mais possíveldiscernir os porquês, tão complexos de explicações e que a própriafilosofia não está interessada em fazê-lo.

Recurso de comunicação diferente da fala, critérios deavaliação improvisados, “sobressaltos” de pessoas despreparadasao encontrar-nos pelos corredores da Universidade. São inúmerosos desafios que estamos, nós, os deficientes visuais, a encarar.Mas, no entanto, são compensados pela satisfação de superar todasestas e outras adversidades.

O meu objetivo transcende o que se busca comumente: seé dito por aí que deve-se fazer um curso que ofereça estabilidadefinanceira, isso não me diz respeito. Minha ambição sempre foiascender em conhecimento. Não vejo felicidade em preocupaçõesde proteger bens materiais. Os bens invulneráveis são aqueles queninguém consegue nos tirar e são armazenados num espaço emque só nós acessamos o seu domínio.

Seguirei na filosofia, obstinado a expandir essa fortuna.

III – ANEXOS

PORTARIAS E DECRETOS

Educação Inclusiva: uma visão diferente 85

PORTARIA N. 4.319, DE 26 DE FEVEREIRO DE 1999

O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suasatribuições e considerando o interesse do Governo Federal emadotar para todo o País uma política de diretrizes e normas para ouso, o ensino, a produção e a difusão do Sistema Braille, em todasas modalidades de aplicação, compreendendo especialmente aLíngua Portuguesa, a Matemática e outras Ciências, a Música e aInformática; considerando a permanente evolução técnico-científicaque passa a exigir sistemática avaliação, alteração e modificaçãodos códigos e simbologia Braille, adotados nos Países de línguaportuguesa e espanhola; e, finalmente, considerando a necessidadedo estabelecimento de permanente intercâmbio com comissões deBraille de outros países, de acordo com a política de unificação doSistema Braille, em nível internacional,

RESOLVE:

Art. 1º Fica instituída no Ministério da Educação, vinculada àSecretaria de Educação Especial/SEESP e presidida pelo titulardesta, a Comissão Brasileira do Braille, de caráter permanente.

Art. 2º A Comissão Brasileira do Braille será constituída de 08 (oito)membros sendo:

I – 1 representante do Instituto Benjamin Constant – IBC;

II – 1 Representante da União Brasileira de Cegos – UBC;

III – 1 Representante da Fundação Dorina Nowill para Cegos – FNDC;

IV – 5 representantes de instituições de e para cegos, escolhidosem fórum convocado pela União Brasileira de Cegos – LJBC.

§ 1º Os membros referidos nos itens I, II e Ill terão mandato de 3anos e os referidos, no item IV terão mandato de 2 anos.

86 Educação Inclusiva:

§ 2º Os representantes do Instituto Benjamin Constant – IBC, daUnião Brasileira de Cegos – UBC e da Fundação Dorina Nowill paraCegos – FNDC, referidos nos incisos I; II e III deste artigo, constituirãoa Consultoria Técnico-Cientifica da Comissão.

§ 3º Os cinco representantes escolhidos no fórum referido no incisoIV deste artigo deverão preferencialmente atender as áreas deaplicação do Sistema Braille especificados no parágrafosubseqüente.

§ 4º Os membros da Comissão Brasileira do Braille deverão serpessoas de notório saber e larga experiência no uso do SistemaBraille, nas seguintes áreas:

a) Braille integral e abreviado (grau I e grau II) da línguaportuguesa e conhecimentos específicos de simbologiaBraille usada em outras línguas, em especial espanhol,francês e inglês;

b) Simbologia Braille aplicada à matemática e ciências emgeral;

c) Musicografia Braille;

d) Simbologia Braille aplicada à informática, produção Braille(transcrição, adaptação de textos, gráficos e desenhosem relevo e impressão).

§ 5º Os trabalhos da Comissão serão considerados relevantes e asfunções exercidas por seus membros não serão remuneradas, sendovedada a percepção de vantagens pecuniárias de qualquer natureza,exceto despesas eventuais de passagens e diárias.

Art. 3º Compete à Comissão Brasileira do Braille:

I – Elaborar e propor a política nacional para o uso, ensino e difusãodo Sistema Braille em todas as suas modalidades de aplicação,compreendendo especialmente a língua portuguesa, a matemáticae outras ciências exatas, a música e a informática;

uma visão diferente 87

II – Propor normas e regulamentações concernentes ao uso, ensinoe produção do Sistema Braille no Brasil, visando a unificação dasaplicações do Sistema Braille, especialmente nas línguas portuguesae espanhola.

III – Acompanhar e avaliar a aplicação de normas, regulamentações,acordos internacionais, convenções e quaisquer atos normativosreferentes ao Sistema Braille.

IV – Prestar assistência técnica às Secretarias Estaduais eMunicipais de Educação, bem como a entidades públicas e privadas,sobre questões relativas ao uso do Sistema Braille.

V – Avaliar permanentemente a Simbologia Braille adotada no País,atentando para a necessidade de adaptá-la ou alterá-la face àevolução técnica e científica, procurando compatibilizar estasimbologia, sempre que for possível, com as adotadas nos paísesde língua portuguesa e espanhola.

VI – Manter intercâmbio permanente com comissões de Braille deoutros países de acordo com as recomendações de unificação doSistema Braille em nível internacional.

VII – Recomendar, com base em pesquisas, estudos, tratados econvenções, procedimentos que envolvam conteúdos, metodologiae estratégias a serem adotados em cursos de aprendizagem noSistema Braille com caráter de especialização, treinamento ereciclagem de professores e de técnicos, como também nos cursosdestinados a usuários do Sistema Braille e à comunidade geral.

VIII – Propor critérios e fixar estratégias para implantação de novasSimbologias Braille que alterem ou substituam os códigos em usono Brasil, prevendo a realização de avaliações sistemáticas comvistas a modificações de procedimentos sempre que necessário.

IX – Elaborar catálogos, manuais, tabelas e outras publicações quefacilitem o processo ensino-aprendizagem e o uso do Sistema Braille,em todo o território nacional.

88 Educação Inclusiva:

Parágrafo único. Os itens IV, V, Vl e IX poderão constituir matériade apreciação e deliberação da Consultoria Técnico-Cientifica.

Art. 4º A SEESP assegurará o apoio técnico, administrativo efinanceiro indispensável ao funcionamento da Comissão.

Art. 5º A instalação da Comissão Brasileira do Braille dar-se-á noprazo de até 60 (sessenta) dias da data de publicação desta Portaria.

Art. 6º A Comissão elaborará o Regulamento Interno no prazo de60 (sessenta) dias a partir de sua instalação.

Art. 7º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

PAULO RENATO SOUZA

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DECRETO N. 3.298, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1999

Regulamenta a Lei n.º 7.853, de 24 de outubro de 1989,dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da PessoaPortadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dáoutras providências.

Art. 3º Para os efeitos deste Decreto, considera-se:

I – deficiência – toda perda ou anormalidade de uma estrutura oufunção psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidadepara o desempenho de atividade, dentro do padrão consideradonormal para o ser humano;

II – deficiência permanente – aquela que ocorreu ou se estabilizoudurante um período de tempo suficiente para não permitirrecuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novostratamentos; e

III – incapacidade – uma redução efetiva e acentuada da capacidadede integração social, com necessidade de equipamentos,adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoaportadora de deficiência possa receber ou transmitir informaçõesnecessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de funçãoou atividade a ser exercida.

Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que seenquadra nas seguintes categorias:

I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou maissegmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento dafunção física, apresentando-se sob a forma de paraplegia,paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia,triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausênciade membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita

90 Educação Inclusiva:

ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que nãoproduzam dificuldades para o desempenho de funções;

II – deficiência auditiva – perda parcial ou total das possibilidadesauditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte:

a) de 25 a 40 decibéis (db) – surdez leve;

b) de 41 a 55 db – surdez moderada;

c) de 56 a 70 db – surdez acentuada;

d) de 71 a 90 db – surdez severa;

e) acima de 91 db – surdez profunda; e

f) anacusia;

III – deficiência visual – acuidade visual igual ou menor que 20/200no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a20º (tabela de Snellen), ou ocorrência simultânea de ambas assituações;

IV – deficiência mental – funcionamento intelectual significativamenteinferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos elimitações associadas a duas ou mais áreas de habilidadesadaptativas, tais como:

a) comunicação;

b) cuidado pessoal;

c) habilidades sociais;

d) utilização da comunidade;

e) saúde e segurança;

uma visão diferente 91

f) habilidades acadêmicas;

g) lazer; e

h) trabalho;

V – deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

Art. 5º A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadorade Deficiência, em consonância com o Programa Nacional deDireitos Humanos, obedecerá aos seguintes princípios;

III – respeito às pessoas portadoras de deficiência, que devem receberigualdade de oportunidades na sociedade por reconhecimento dosdireitos que lhes são assegurados, sem privilégios ou paternalismos.

Art. 7º São objetivos da Política Nacional para a Integração daPessoa Portadora de Deficiência:

III – desenvolvimento de programas setoriais destinados aoatendimento das necessidades especiais da pessoa portadora dedeficiência;

Art. 8º São instrumentos da Política Nacional para a Integração daPessoa Portadora de Deficiência:

III – a aplicação da legislação específica que disciplina a reserva demercado de trabalho, em favor da pessoa portadora de deficiência,nos órgãos e nas entidades públicos e privados;

Art. 24 Os órgãos e as entidades da Administração Pública Federaldireta e indireta responsáveis pela educação dispensarão tratamentoprioritário e adequado aos assuntos objeto deste Decreto,viabilizando, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas:

§ 1º Entende-se por educação especial, para os efeitos deste Decreto,a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na

92 Educação Inclusiva:

rede regular de ensino para educando com necessidadeseducacionais especiais, entre eles o portador de deficiência.

§ 5º Quando da construção e reforma de estabelecimentos de ensinodeverá ser observado o atendimento às normas técnicas daAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) relativas àacessibilidade.

Art. 27 As instituições de ensino superior deverão ofereceradaptações de provas e apoios necessários, previamente solicitadospelo aluno portador de deficiência, inclusive tempo adicional pararealização das provas, conforme as características da deficiência.

§ 1º As disposições deste artigo aplicam-se, também, ao sistemageral do processo seletivo para ingresso em cursos universitáriosde instituições de ensino superior.

Art. 29 As escolas e instituições de educação profissional oferecerão,se necessário, serviços de apoio especializado para atender àspeculiaridades da pessoa portadora de deficiência, tais como:

I – adaptação dos recursos instrucionais: material pedagógico,equipamento e currículo;

II – capacitação dos recursos humanos: professores, instrutores eprofissionais especializados;

Ill – adequação dos recursos físicos: eliminação de barreirasarquitetônicas, ambientais e de comunicação.

Art. 36 A empresa com cem ou mais empregados está obrigada apreencher de dois a cinco por cento de seus cargos com beneficiáriosda Previdência Social reabilitados ou com pessoa portadora dedeficiência habilitada, na seguinte proporção:

I – até duzentos empregados, dois por cento;

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II – de duzentos e um a quinhentos empregados, três por cento;

III – de quinhentos e um a mil empregados, quatro por cento; ou

IV – mais de mil empregados, cinco por cento.

§ 2º Considera-se pessoa portadora de deficiência habilitada aquelaque concluiu curso de educação profissional de nível básico, técnicoou tecnológico, ou curso superior, com certificação ou diplomaçãoexpedida por instituição pública ou privada, legalmente credenciadapelo Ministério da Educação ou órgão equivalente, ou aquela comcertificado de conclusão de processo de habilitação ou reabilitaçãoprofissional fornecido pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.

§ 3º Considera-se, também, pessoa portadora de deficiênciahabilitada aquela que, não tendo se submetido a processo dehabilitação ou reabilitação, esteja capacitada para o exercício dafunção.

Art. 37 Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direitode se inscrever em concurso público, em igualdade de condiçõescom os demais candidatos, para provimento de cargo cujasatribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador.

§ 1º O candidato portador de deficiência, em razão da necessáriaigualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendoreservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face daclassificação obtida.

§ 2º Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anteriorresulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeironúmero inteiro subseqüente.

Art. 38 Não se aplica o disposto no artigo anterior nos casos deprovimento de:

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I – cargo em comissão ou função de confiança, de livre nomeaçãoe exoneração;

II – cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidãoplena do candidato.

Art. 39 Os editais de concursos públicos deverão conter:

I – o número de vagas existentes, bem como o total correspondenteà reserva destinada à pessoa portadora de deficiência;

II – as atribuições e tarefas essenciais dos cargos;

III – previsão de adaptação das provas, do curso de formação e doestágio probatório, conforme a deficiência do candidato; e

IV – exigência de apresentação, pelo candidato portador dedeficiência, no ato da inscrição, de laudo médico atestando a espéciee o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao códigocorrespondente da Classificação Internacional de Doença - CID,bem como a provável causa da deficiência.

Art. 40 É vedado à autoridade competente obstar a inscrição depessoa portadora de deficiência em concurso público para ingressoem carreira da Administração Pública Federal direta e indireta.

§ 1º No ato da inscrição, o candidato portador de deficiência quenecessite de tratamento diferenciado nos dias do concurso deverárequerê-lo, no prazo determinado em edital, indicando as condiçõesdiferenciadas de que necessita para a realização das provas.

§ 2º O candidato portador de deficiência que necessitar de tempoadicional para realização das provas deverá requerê-lo, comjustificativa acompanhada de parecer emitido por especialista daárea de sua deficiência, no prazo estabelecido no edital do concurso.

uma visão diferente 95

Art. 41 A pessoa portadora de deficiência, resguardadas ascondições especiais previstas neste Decreto, participará de concursoem igualdade de condições com os demais candidatos no queconcerne:

I – ao conteúdo das provas;

II – à avaliação e aos critérios de aprovação;

III – ao horário e ao local de aplicação das provas; e

IV – à nota mínima exigida para todos os demais candidatos.

Art. 42 A publicação do resultado final do concurso será feita emduas listas, contendo, a primeira, a pontuação de todos oscandidatos, inclusive a dos portadores de deficiência, e a segunda,somente a pontuação destes últimos.

Art. 43 O órgão responsável pela realização do concurso terá aassistência de equipe multiprofissional composta de trêsprofissionais capacitados e atuantes nas áreas das deficiências emquestão, sendo um deles médico, e três profissionais integrantesda carreira almejada pelo candidato.

§ 1º A equipe multiprofissional emitirá parecer observando:

I – as informações prestadas pelo candidato no ato da inscrição;

II – a natureza das atribuições e tarefas essenciais do cargo ou dafunção a desempenhar;

III – a viabilidade das condições de acessibilidade e as adequaçõesdo ambiente de trabalho na execução das tarefas;

IV – a possibilidade de uso, pelo candidato, de equipamentos ououtros meios que habitualmente utilize; e

96 Educação Inclusiva:

V – a CID e outros padrões reconhecidos nacional e inter-nacionalmente.

§ 2º A equipe multiprofissional avaliará a compatibilidade entre asatribuições do cargo e a deficiência do candidato durante o estágioprobatório.

Art. 54 Os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal,no prazo de três anos a partir da publicação deste Decreto, deverãopromover as adaptações, eliminações e supressões de barreirasarquitetônicas existentes nos edifícios e espaços de uso publico enaqueles que estejam sob sua administração ou uso.

uma visão diferente 97

PORTARIA N. 1.679, DE 2 DE DEZEMBRO DE 1999

Dispõe sobre requisitos de acessibilidade de pessoasportadoras de deficiências, para instruir os processos de autorizaçãoe de reconhecimento de cursos, e de credenciamento de instituições.

O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suasatribuições, considerando o disposto na Lei n. 9.131, de 24 denovembro de 1995, e na Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996,e no Decreto n. 2.306, de 19 de agosto de 1997, e considerandoainda a necessidade de assegurar aos portadores de deficiênciafísica e sensorial condições básicas de acesso ao ensino superior,de mobilidade e de utilização de equipamentos e instalações dasinstituições de ensino,

RESOLVE:

Art. 1º Determinar que sejam incluídos nos instrumentos destinadosa avaliar as condições de oferta de cursos superiores, para fins desua autorização e reconhecimento e para fins de credenciamentode instituições de ensino superior, bem como para sua renovação,conforme as normas em vigor, requisitos de acessibilidade depessoas portadoras de necessidades especiais.

Art. 2º A Secretaria de Educação Superior deste Ministério, com oapoio técnico da Secretaria de Educação Especial, estabelecerá osrequisitos tendo como referência a Norma Brasil 9050, da AssociaçãoBrasileira de Normas Técnicas, que trata da Acessibilidade dePessoas Portadoras de Deficiências e Edificações, Espaço,Mobiliário e Equipamentos Urbanos.

98 Educação Inclusiva:

Parágrafo único. Os requisitos estabelecidos na forma do caputdeverão contemplar, no mínimo:

a) para alunos com deficiência física

- eliminação de barreiras arquitetônicas para circulação doestudante, permitindo o acesso aos espaços de usocoletivo;

- reserva de vagas em estacionamentos nas proximidadesdas unidades de serviços;

- construção de rampas com corrimãos ou colocação deelevadores, facilitando a circulação de cadeira de rodas;

- adaptação de portas e banheiros com espaço suficientepara permitir o acesso de cadeira de rodas;

- colocação de barras de apoio nas paredes dos banheiros;

- instalação de lavabos, bebedouros e telefones públicosem altura acessível aos usuários de cadeira de rodas;

b) para alunos com deficiência visual

- compromisso formal da instituição de proporcionar, casoseja solicitada, desde o acesso até a conclusão do curso,sala de apoio, contendo:

• máquina de datilografia Braille, impressora Brailleacoplada a computador, sistema de síntese de voz;

• gravador e fotocopiadora que amplie textos;

• plano de aquisição gradual de acervo bibliográfico emfitas de audio;

• software de ampliação de tela do computador;

• equipamento para ampliação de textos para atendimentoa aluno com visão subnormal;

uma visão diferente 99

• lupas, réguas de leitura;

• scanner acoplado a computador;

• plano de aquisição gradual de acervo bibliográfico dosconteúdos básicos em Braille.

c) para alunos com deficiência auditiva

- compromisso formal da instituição de proporcionar, casoseja solicitada, desde o acesso até a conclusão do curso,sala de apoio, contendo:

• quando necessário, intérpretes de língua de sinais/línguaportuguesa, especialmente quando da realização deprovas ou sua revisão, complementando a avaliaçãoexpressa em texto escrito ou quando este não tenhaexpressado o real conhecimento do aluno;

• flexibilidade na correção de provas escritas, valorizandoo conteúdo semântico:

• aprendizado da língua portuguesa, principalmente namodalidade escrita (para uso de vocabulário pertinenteàs matérias do curso em que o estudante estivermatriculado);

• materiais de informações aos professores para que seesclareça a especificidade lingüística dos surdos.

Art. 3º A observância dos requisitos estabelecidos na forma destaPortaria será verificada, a partir de 90 (noventa) dias de suapublicação, pelas comissões de especialistas de ensino, responsávelpela avaliação a que se refere o Art. 1º, quando da verificação dasinstalações físicas, equipamentos, laboratórios e bibliotecas doscursos e instituições avaliados.

IMPRESSÃO E ACABAMENTOOfic inas Gráf icas da EDUFRNEditora da UFRN, dezembro de 2006.