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  PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: TENDÊNCIAS E CONCEPÇÕES NO CURRÍCULO DA MATEMÁTICA PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Flávia de Andrade Niemann - UPF Resumo: O presente trabalho visa explicitar algumas tendências e concepções imbricadas no processo de construção do currículo escolar na área de Matemática. Apresenta diferentes aspectos relacionados à concepção de currículo, com o objetivo de ampliar o campo de discussão e reflexão para além da definição de listas de conteúdos a serem trabalhados pelo professor. Além disso, a partir dos avanços na legislação brasileira e da  publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, analisa os principais pressupostos para as mudanças nos currículos escolares em prol da qualificação dos processos de ensino e aprendizagem da matemática nos anos iniciais do ensino fundamental. Palavras-chave: currículo, parâmetros curriculares nacionais, ensino da matemática. Introdução Atualmente, ampliam-se os debates sobre a importância da educação para o desenvolvimen to do país. Portanto, a intenção deste artigo é o de externar, por meio de análise documental e pesquisa bibliográfica, algumas questões que envolvem a formulação do currículo e a construção de novas possibilidades para os processos de ensino e aprendizagem em âmbito escolar, tendo-se como enfoque a área de Matemática. Os compromissos assumidos internacionalmente , a partir da década de 1990, diante da melhoria dos processos educacionais, impulsionaram a ampliação das discussões e iniciativas sobre a necessidade da definição de uma base nacional comum de conteúdos e de uma reforma curricular em âmbito nacional. Com isso, logo após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/96) foram elaborados e publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais, com o objetivo de promover nas escolas a reformulação dos currículos. Diante deste contexto, o ensino da matemática nos anos iniciais do ensino fundamental deparou-se com uma concepção de ensino e aprendizagem que desafia e instiga uma organização do currículo em que o professor e o aluno assumem novos papeis e o tratamento

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Didática da matemática

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  • PARMETROS CURRICULARES NACIONAIS: TENDNCIAS E CONCEPES

    NO CURRCULO DA MATEMTICA PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO

    FUNDAMENTAL

    Flvia de Andrade Niemann - UPF

    Resumo: O presente trabalho visa explicitar algumas tendncias e concepes imbricadas no processo de

    construo do currculo escolar na rea de Matemtica. Apresenta diferentes aspectos relacionados concepo

    de currculo, com o objetivo de ampliar o campo de discusso e reflexo para alm da definio de listas de

    contedos a serem trabalhados pelo professor. Alm disso, a partir dos avanos na legislao brasileira e da

    publicao dos Parmetros Curriculares Nacionais, analisa os principais pressupostos para as mudanas nos

    currculos escolares em prol da qualificao dos processos de ensino e aprendizagem da matemtica nos anos

    iniciais do ensino fundamental.

    Palavras-chave: currculo, parmetros curriculares nacionais, ensino da matemtica.

    Introduo

    Atualmente, ampliam-se os debates sobre a importncia da educao para o

    desenvolvimento do pas. Portanto, a inteno deste artigo o de externar, por meio de anlise

    documental e pesquisa bibliogrfica, algumas questes que envolvem a formulao do

    currculo e a construo de novas possibilidades para os processos de ensino e aprendizagem

    em mbito escolar, tendo-se como enfoque a rea de Matemtica.

    Os compromissos assumidos internacionalmente, a partir da dcada de 1990, diante da

    melhoria dos processos educacionais, impulsionaram a ampliao das discusses e iniciativas

    sobre a necessidade da definio de uma base nacional comum de contedos e de uma

    reforma curricular em mbito nacional. Com isso, logo aps a aprovao da Lei de Diretrizes

    e Bases da Educao (LDB 9.394/96) foram elaborados e publicados os Parmetros

    Curriculares Nacionais, com o objetivo de promover nas escolas a reformulao dos

    currculos.

    Diante deste contexto, o ensino da matemtica nos anos iniciais do ensino fundamental

    deparou-se com uma concepo de ensino e aprendizagem que desafia e instiga uma

    organizao do currculo em que o professor e o aluno assumem novos papeis e o tratamento

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    dos contedos orienta a prtica que visa a construo do conhecimento, a compreenso e a

    apreenso do significado dos conceitos matemticos.

    1 Perspectivas e desafios na construo do currculo

    As discusses sobre a qualidade dos processos de ensino e aprendizagem

    desenvolvidos na escola tambm esto relacionadas ao currculo escolar. Diante disso, cabe

    destacar os avanos na legislao e nas polticas educacionais brasileiras que proporcionam

    novas perspectivas e desafios diante do aperfeioamento dos currculos.

    Na dcada de 1990, considerada a dcada da educao, destacam-se o movimento

    Educao para Todos e as conferncias mundiais promovidas por rgos internacionais que

    visam elevar o nvel de satisfao das necessidades bsicas de aprendizagem nos pases

    subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Em mbito nacional, comeam a fazer parte da

    agenda de discusses as reformas educacionais necessrias para atingir as metas propostas no

    plano de Educao para Todos.

    Com a aprovao da Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB 9.394/96),

    evidencia-se a importncia de uma reforma curricular nacional, em cumprimento do Artigo

    210 da Constituio de 1988, que determina como dever do Estado para com a educao fixar

    a base comum nacional de contedos para o ensino fundamental e mdio, a ser

    complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte

    diversificada, exigida pelas caractersticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da

    economia e da clientela (BRASIL, 1996).

    Dessa forma, com o objetivo de qualificar as atividades escolares de ensino-

    aprendizagem e estabelecer meios para atingir os compromissos firmados internacionalmente,

    a partir de 1995 foram elaborados e distribudos os Parmetros Curriculares Nacionais para a

    Educao Bsica (PCNs), organizados em trs segmentos: Educao Infantil, Ensino

    Fundamental e Ensino Mdio. Assim, a questo da organizao curricular foi colocada no

    centro do debate como fundamental para a qualificao da educao escolar no pas.

    No entanto, pertinente a reflexo sobre a reforma curricular proposta nos PCNs

    diante da influncia dos interesses das organizaes internacionais e as tendncias do mercado

    econmico mundial em um modelo poltico neoliberal, pois o currculo sempre parte de

    uma tradio seletiva, resultado da seleo de algum, da viso de algum grupo acerca do que

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    seja conhecimento legtimo. produto das tenses, conflitos e concesses culturais, polticas

    e econmicas que organizam e desorganizam um povo (APPLE, 1995, p. 59, grifo do autor).

    Arroyo (1999, p. 138) aponta a divergncia de concepes entre aqueles que so

    responsveis pela elaborao das polticas educacionais, os pesquisadores e os professores

    que esto na escola, como outro ponto de tenso na realizao de mudanas nas propostas

    curriculares.

    Quando se formulam polticas, sobretudo curriculares e de qualificao de

    professores, deveramos ter mais cuidado com suas conseqncias na inovao ou na

    manuteno das culturas polticas e pedaggicas. Padecemos de um conteudismo

    simplificador das funes sociais, culturais, socializadoras, formadoras enfim da

    educao bsica. As polticas que abordam essa tradio, assim como os estudos e as

    anlises sobre os contedos escolares, precisariam criticar melhor a tradio

    pedaggica e social que reduziu a funo da escola bsica ao aprendizado de saberes

    e competncias funcionais. (ARROYO, 1999, p. 140).

    Com o intuito de provocar, em mbito nacional, discusses e debates entre os gestores

    e professores da Educao Infantil e do Ensino Fundamental, sobre o processo de elaborao

    e a concepo de currculo, o Ministrio da Educao (MEC) publica em 2007 o documento

    Indagaes sobre o Currculo. Os textos dispostos em cinco cadernos instigam reflexes

    diante das Diretrizes Curriculares Nacionais e a construo de projetos curriculares nos

    sistemas de ensino e nas escolas.

    Segundo Miguel Gonzles Arroyo, autor do texto Educandos e Educadores: seus

    Direitos e o Currculo, para repensar o currculo indispensvel superar a viso dos

    educandos como mercadoria, como empregveis, ou seja, rever a relao mecnica entre a

    escolarizao e o mercado de trabalho. Por isso, torna-se urgente recuperar o conhecimento

    como ncleo fundante do currculo e o direito ao conhecimento como ponto de partida para

    indagar os currculos (ARROYO, 2007, p. 26).

    Neste sentido, ao considerar a necessidade de repensar o currculo mediante a

    formao plena do educando Arroyo (2007, p. 44) afirma que

    desvendar s crianas e aos adolescentes que as cincias esto prenhes de valores e

    de culturas uma funo dos currculos. Aproximando-nos dos contedos das

    cincias com essa viso e aproximando os educandos dessas linguagens cientficas e

    revelando-lhes que esto carregadas de valores de mundo e de vises de ser humano,

    estaremos construindo um currculo a servio do seu direito a uma formao mais

    plena.

  • 4

    Nesta perspectiva, Candau e Moreira (2007, p. 18) concebem o currculo como as

    experincias escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relaes

    sociais, e que contribuem para a construo das identidades de nossos/as estudantes. Currculo

    associa-se, assim, ao conjunto de esforos pedaggicos desenvolvidos com intenes

    educativas. Sacristn (2000, p. 34) amplia a concepo de currculo ao explicit-lo como o

    projeto seletivo de cultura, cultural, social, poltica e administrativamente condicionado, que

    preenche a atividade escolar e que se torna realidade dentro das condies da escola tal como

    se acha configurada.

    Haja vista a importncia da concepo de currculo que fundamenta e orienta o

    processo de elaborao da organizao curricular, relevante considerar as implicaes do

    currculo oculto, existente implicitamente no contexto escolar como o conjunto de atitudes e

    valores transmitidos pelas relaes sociais e pelas rotinas cotidianas (CANDAU e

    MOREIRA, 2007). Portanto, a reflexo e a anlise das prticas pedaggicas realizadas em

    mbito escolar so imprescindveis para a realizao de ajustes na organizao do currculo

    planejado formalmente, bem como a avaliao dos impactos do currculo oculto sobre os

    processos de ensino-aprendizagem.

    Neste contexto, a participao efetiva dos educadores na avaliao sistemtica da

    proposta curricular desenvolvida na escola fundamental para a (re) construo de currculos

    que potencializem a capacidade de compreenso dos educandos diante do papel que podem

    assumir na mudana de seus contextos e da sociedade, possibilitando situaes para que estes

    adquiram conhecimentos e habilidades para que isso acontea (CANDAU e MOREIRA,

    2007, p. 21).

    Assim, a formulao do currculo escolar abarca outras dimenses alm da definio

    de temas e contedos de aprendizagem. Um dos desafios na construo do currculo na escola

    considerar diferentes aspectos e concepes acerca de como e o que se deveria ou no

    ensinar aos alunos. Sobretudo, as concepes dos professores diante das possibilidades de

    inovao dos processos educativos e as intenes sobre que estudante deseja-se formar.

    Para isso, o professor precisa reconhecer-se como sujeito cultural, de saberes,

    experincias, concepes e valores, potencializador de aes e gestos carregados de cultura,

    tica e conhecimento (ARROYO, 1999).

  • 5

    2 A organizao curricular da matemtica escolar nos anos iniciais do ensino

    fundamental: tendncias e concepes

    A partir dos desafios e perspectivas diante da elaborao de um currculo que promova

    a construo de um ambiente escolar propiciador do desenvolvimento da capacidade de

    compreenso e crtica, a Matemtica contribui neste processo na medida em que possibilita a

    realizao de atividades que abordam uma diversidade de conhecimentos relacionadas a vida

    cotidiana e a outras reas do conhecimento.

    Com o objetivo de orientar a construo de novos referenciais curriculares, a partir de

    uma base nacional comum de contedos, os PCNs de Matemtica dos anos iniciais do ensino

    fundamental apresentam novas tendncias e concepes diante do processo de ensino e

    aprendizagem.

    No documento so propostas novas perspectivas em relao ao papel do aluno e do

    professor nas situaes de aprendizagem, assim como o tratamento dos contedos

    matemticos.

    O papel da Matemtica no ensino fundamental apresentado nos PCNs como

    fundamental [...] na formao de capacidades intelectuais, na estruturao do pensamento, na

    agilizao do raciocnio dedutivo do aluno, na sua aplicao a problemas, situaes da vida

    cotidiana e atividades do mundo do trabalho e no apoio construo de conhecimentos em

    outras reas curriculares. (BRASIL, 1997, p. 29).

    Alm disso, o documento destaca que o ensino da Matemtica demonstrou grande

    ineficcia ao conceber a aprendizagem como a capacidade de reproduzir procedimentos e

    acumular informaes. Diante desta constatao, h um redimensionamento do papel do aluno

    e do professor no processo de aprendizagem.

    O aluno considerado capaz de construir o conhecimento atravs de suas aes,

    acionando seus conhecimentos prvios sobre determinado assunto e estabelecendo relaes

    entre o j conhecido e o novo (BRASIL, 1997). Nesta concepo, tambm est implcita a

    hiptese sobre como o sujeito adquire o conhecimento, incorporada pela Didtica da

    Matemtica que diz que

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    [...] todo o conhecimento novo construdo apoiando-se sobre os conhecimentos

    anteriores que, ao mesmo tempo, so modificados. Na interao desenvolvida por

    um aluno em situao de ensino, ele utiliza seus conhecimentos anteriores, submete-

    os reviso, modifica-os, rejeita-os ou os completa, redefine-os, descobre novos

    contextos de utilizao e dessa maneira, constri novas concepes. (MORENO,

    2006, p. 51).

    De acordo com Fiorentini (1995), entre as diferentes tendncias em Educao

    Matemtica est a construtivista, que concebe o processo de aprendizagem do conhecimento

    matemtico por meio da ao interativa/reflexiva do sujeito com o ambiente e com a

    atividade. Portanto, [...] essa corrente prioriza mais o processo que o produto do

    conhecimento. Ou seja, a Matemtica vista como um constructo que resulta da interao

    dinmica do homem com o meio que o circunda (p. 20).

    Diante da crtica apresentada nos PCNs em relao tendncia tradicional, em que o

    ensino dos contedos matemticos feito atravs da exposio de definies, exemplos e

    demonstraes, seguidos de exerccios de aplicao e fixao, proposto um novo papel para

    o professor.

    Na medida em que o aluno considerado como protagonista da construo de sua

    aprendizagem (BRASIL, 1997, p. 40), as atribuies do professor assumem novas dimenses

    no processo de ensino e aprendizagem.

    O professor, ento, deve assumir diferentes papeis para ensinar Matemtica.

    Primeiramente, como organizador planeja e promove as situaes de aprendizagem em sala de

    aula. Como consultor, fornece diversos recursos para que os alunos avancem em suas

    descobertas. No papel de mediador, suscita debates e estimula a elaborao de snteses. Atua

    como controlador na medida em que estabelece as normas para a realizao das tarefas. Por

    fim, como incentivador da aprendizagem, estimula a cooperao entre os alunos (BRASIL,

    1997, p. 40-41).

    Ao caracterizar as interaes entre o professor e os alunos, os PCNs apresentam de

    forma contraditria o conceito de contrato didtico. Pois, a atribuio do professor como

    controlador diverge da ideia de contrato didtico como o resultado da negociao entre

    professor e alunos, que define as regras de funcionamento dentro da situao: distribuio de

    responsabilidades, determinao de prazos temporais a diferentes atividades, permisso ou

    proibio do uso de determinados recursos de ao (BROUSSEAU apud GLVEZ, 1996,

    p.28).

  • 7

    As prticas pedaggicas tambm so influenciadas pelas concepes dos educadores

    referentes ao ensino e aprendizagem, que muitas vezes ainda concebem o professor como

    detentor do saber e transmissor do conhecimento e o aluno como receptor e aprendiz dos

    conhecimentos ensinados. Por outro lado,

    [...] poderamos vislumbrar a possibilidade de uma relao alternativa, pautada pela

    simetria. Nela, os conhecimentos que detm professor e alunos seriam apenas

    diferentes, residindo nesta diferena a sua especificidade. A aula seria um encontro

    entre esses diversos conhecimentos, um espao no qual suas asseres seriam

    confrontadas, surgindo da um novo conhecimento, construdo na prpria relao.

    Nesse novo contrato, o papel da autoridade seria diferente, ou seja, no haveria lugar para professor e aluno, mas to somente para aprendizes. (SILVA, MOREIRA e GRANDO, 1996, p. 15, grifo do autor).

    Outro aspecto que apresenta relevncia, diante da proposta de mudanas na

    organizao do currculo da Matemtica, est relacionado s estratgias didticas utilizadas

    pelo professor para atingir os objetivos de aprendizagem. Nos PCNs estas estratgias so

    chamadas de recursos, usados para conduzir o ensino da Matemtica. Desse modo, a

    resoluo de problemas vista como recurso fundamental para desencadear a aprendizagem

    de conceitos, ideias e mtodos matemticos.

    [...] o problema certamente no um exerccio em que o aluno aplica, de forma

    quase mecnica, uma frmula ou um processo operatrio. S h problema se o

    aluno for levado a interpretar o enunciado da questo que lhe posta e a

    estruturar a situao que lhe apresentada. (BRASIL, 1997, p. 43).

    No entanto, segundo Charnay (1996) o termo problema no pode ser definido apenas

    como uma situao que proposta ao aluno, mas como uma trade: situao-aluno-meio.

    S h problema se o aluno percebe uma dificuldade: uma determinada situao, que

    provoca problema para um determinado aluno pode ser resolvida imediatamente por outro (e ento no ser percebida por este ltimo como sendo um problema). H

    ento, uma ideia de obstculo a ser superado. Por fim, o meio um elemento do

    problema, particularmente as condies didticas da resoluo (organizao da aula,

    intercmbios, expectativas explcitas ou implcitas do professor). (CHARNAY,

    1996, p. 46).

  • 8

    A concepo de aprendizagem em matemtica est ligada compreenso, ou seja,

    apropriao do significado. Portanto o tratamento dos contedos em compartimentos

    estanques e numa rgida sucesso linear deve dar lugar a uma abordagem em que as conexes

    sejam favorecidas e destacadas (BRASIL, 1997, p. 19-20).

    Os contedos1 definidos nos PCNs de Matemtica para os anos iniciais do ensino

    fundamental esto organizados em ciclos. Com a nova configurao do ensino fundamental

    (nove anos), o primeiro ciclo equivale ao 1, 2 e 3 ano e o segundo ciclo ao 4 e 5 ano. As

    orientaes apresentadas so para que os contedos favoream as crianas o estabelecimento

    de relaes atravs da aproximao de alguns conceitos matemticos, procedimentos simples

    e o desenvolvimento de atitudes frente Matemtica.

    Para a organizao curricular dos trs primeiros anos do ensino fundamental (1, 2 e

    3 ano), so propostas atividades que aproximem a criana do significado das operaes

    aritmticas (enfoque principal nas operaes de adio e subtrao), da escrita e leitura de

    nmeros naturais, das medidas, das formas e espaos e da organizao de informaes (leitura

    de informaes em tabelas e grficos). Sobretudo, importante prever no currculo a anlise

    das hipteses levantadas pelos alunos e as estratgias pessoais usadas para resolver as

    situaes-problema. Contudo, embora o professor tenha os blocos de contedos como

    referncia para seu trabalho, ele deve apresent-los aos alunos deste ciclo da forma mais

    integrada possvel (BRASIL, 1997, p. 67).

    No 4 e 5 ano o currculo deve contemplar a ampliao da construo dos conceitos e

    procedimentos matemticos. prevista a continuidade dos estudos com as operaes

    aritmticas (com enfoque na multiplicao e diviso), na escrita e leitura de nmeros naturais

    e racionais (fraes e decimais), sistemas convencionais de medida, classificaes e

    propriedades das figuras bidimensionais e tridimensionais e a organizao de informaes

    (coleta de dados e interpretao de grficos e tabelas). Todavia, fundamental que o aluno

    reafirme confiana em si prprio diante da resoluo de problemas, valorize suas estratgias

    pessoais e tambm aquelas que so frutos da evoluo histrica do conhecimento

    matemtico (BRASIL, 1997, p. 85).

    Segundo Bittar e Freitas (2005, p. 19-20), o maior desafio do professor do ensino

    fundamental est na organizao e no tratamento dos contedos matemticos previstos no

    1 Os contedos conceituais, procedimentais e atitudinais so organizados em quatro blocos: nmeros e

    operaes, espao e forma, grandezas e medidas e tratamento da informao.

  • 9

    currculo. Os autores destacam alguns elementos norteadores interligados entre si para a

    realizao desta tarefa:

    a) problematizao contextualizada: pode ser usada como ponto de partida para o

    trabalho com um campo de conceitos articulados entre si para atribuir mais

    significado aos conceitos matemticos;

    b) conhecimentos prvios: considerar e conhecer o nvel cognitivo dos alunos para

    planejar as atividades propostas;

    c) trabalho em espiral: retomar frequentemente temas j trabalhados e incorporar

    novos elementos para ampliar a aplicao e o significado dos conhecimentos

    matemticos;

    d) pesquisa e elaborao prpria: promover situaes de pesquisa utilizando recursos

    tecnolgicos para organizar e comunicar dados coletados sobre um determinado

    tema;

    e) avaliao: conceber o processo avaliativo como contnuo e processual, utilizando

    diferentes instrumentos para que o aluno progrida na aquisio do conhecimento.

    Em suma, diante da diversidade de concepes sobre o processo de ensino e

    aprendizagem e das orientaes contidas nos Parmetros Curriculares Nacionais para a

    organizao do currculo da Matemtica nos anos iniciais do ensino fundamental, pertinente

    considerar o engajamento dos educadores como imprescindvel na construo do currculo de

    cada escola.

    Para isso, o desejvel seria o professor tomar conhecimento da diversidade de

    concepes, paradigmas e/ou ideologias para, ento, criticamente, construir e assumir aquela

    perspectiva que melhor atenda s suas expectativas enquanto educador [...] (FIORENTINI,

    1995, p. 30).

    Algumas consideraes finais

    Os pressupostos levantados diante dos desafios e perspectivas na construo do

    currculo nos levam a pensar na complexidade dos aspectos polticos, econmicos, sociais e

    culturais que envolvem a definio dos temas e contedos a serem priorizados no ensino

    escolar do pas.

  • 10

    Embora, tenhamos alcanado alguns avanos na legislao educacional brasileira e na

    ampliao do nmero de crianas e jovens no ensino fundamental, ainda enfrentamos grandes

    problemas para inovar as prticas pedaggicas e para garantir o direito de uma educao de

    qualidade para todos.

    Segundo Arroyo, para inovar precisamos redefinir os critrios de seleo e de

    organizao dos saberes escolares, mudar concepes, desenvolver nos professores

    conscincia crtica, para que possam questionar o conhecimento tido como oficialmente

    vlido e recriar criticamente os contedos que transmitem (1999, p. 143).

    Neste sentido, a maior participao e engajamento dos professores da educao bsica

    pblica tm papel fundamental para a formulao dos currculos, resignificando de forma

    crtica as orientaes institudas em documentos oficiais elaborados pelo Estado.

    Dessa forma, aumentam as chances da realizao de prticas pedaggicas que

    contemplem o desenvolvimento e a formao plena dos estudantes e considere neste processo

    a diversidade presente atualmente nas salas de aula e a pluralidade de contextos sociais

    existentes nos sistemas de ensino.

    Para a construo de uma prtica pedaggica mais efetiva diante do processo de

    aprendizagem matemtica, a organizao curricular e as atribuies dos professores devem

    fundamentar as intenes educativas para desencadear, desde os anos iniciais do ensino

    fundamental, o processo de desenvolvimento das capacidades de raciocnio lgico e deduo

    dos estudantes.

    Contudo, um dos grandes desafios dos educadores matemticos considerar e avaliar

    sistematicamente na sua prtica que a maneira de ensinar sofre influncia tambm dos

    valores e das finalidades que o professor atribui ao ensino da matemtica, da forma como

    concebe a relao professor-aluno e, alm disso, da viso que tem de mundo, de sociedade e

    de homem (FIORENTINI, 1995, p. 4).

    As novas tendncias e concepes sobre os processos de ensino e aprendizagem da

    matemtica devem contribuir para as prticas realizadas em sala de aula. Para isso, os

    professores devem ter garantidos espao e tempo para estudos sistemticos e reflexes sobre a

    prtica luz das teorias. Assim, favorecer o surgimento de novas possibilidades didticas

    para significar a atividade matemtica e levar o aluno compreenso dos conceitos

    matemticos ensinados na escola.

    Enfim, com as vrias contribuies das pesquisas educacionais, os avanos na

    legislao brasileira e a ampliao dos debates sobre a importncia do currculo para

    qualificar os processos educacionais, surgem novas perspectivas e possibilidades diante da

  • 11

    formulao e construo das propostas curriculares. Porm, preciso considerar que a

    melhoria da qualidade dos processos educacionais desenvolvidos nas escolas pblicas

    brasileiras no depende somente do currculo.

    Portanto, necessrio uma maior responsabilidade do Estado com o seu dever de

    viabilizar maiores investimentos financeiros, implementar polticas salariais mais justas para

    os professores, incentivar a formao inicial e continuada dos educadores e avanar na

    garantia do direito educao para todos.

    Referncias

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  • 12

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