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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DO RS - SBEM - RS Ano 10 - 2009 - n.10 - v.2

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RSsbemrs.org/revista_mat_10_V2.pdf · para esse nível é relegada a segundo plano. No se-gundo artigo, Kátia Rocha e Eleni Bisognin tratam

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICAEM REVISTA – RS

SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DO RS - SBEM - RS

Ano 10 - 2009 - n.10 - v.2

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DO RS – SBEM-RS

ISSN 1518 – 8221

EDITOR: José Carlos Pinto Leivas

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA DO RS É UMA PUBLICAÇÃO SOB A

RESPONSABILIDADE DA SBEM - RS

DIRETORIA SBEM – RS – 2009–2012Diretora – Claudia Lisete Groenwald1ª Secretária – Cátia Maria Nehring2º Secretário – Maurício Rosa1ª Tesoureira – Tânia Elisa Seibert2ª Tesoureira – Carmen Mathias

CONSELHO FISCAL – 2009–2012Maria Cristina KesslerTânia Michel PereiraAnemari Roesler Luersen Vieira Lopes

SUPLENTES – 2009–2012Ednei Luis BecherRoberto Luis Tavares BittencourtLuciana Muller Somavilla Sonia Beatriz Teles DrewsMárcia Jussara Hepp Rehfeldt

CONSELHO EDITORIAL – 2009–2012Dr. José Carlos Pinto Leivas

Dr. Maurício Rosa – edição on-line

E24 Educação matemática em revista / Sociedade Brasileira de Educação Mate-mática do Rio Grande do Sul (SBEM-RS). – vol. 1, n. 1 (1999) – Canoas: Ed. ULBRA, 1999-.

Anual ISSN 1518-8221

1. Educação matemática - periódico. 2. Matemática – ensino - periódico. I. Sociedade Brasileira de Educação Matemática do Rio Grande do Sul

CDU 372.851

CONSELHO CONSULTIVO Dr. Airton Carrião Machado – Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)Dra. Anemari Roesler Luersen Vieira Lopes – Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)Dra. Arlete de Jesus Brito – UNESP – Rio ClaroDr. Arthur B. Powel – Rutgers University – USADra. Carmen Teresa Kaiber – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)Dra. Cátia Maria Nehring – Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (UNIJUÍ)Dra. Claudia Lisete Oliveira Groenwald – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)Dra. Eleni Bisognin – Universidade Franciscana (UNIFRA)Dra. Eliana Maria do Sacramento Soares – Universidade de Caxias do Sul (UCS)Dr. Idemar Vizolli – Universidade Federal do Tocantins (UFT)Dra. Irene Mauricio Cazorla – Universidade Federal da Bahia (UFBA)Dra. Helena Noronha Cury – Universidade Franciscana (UNIFRA)Dr. José Carlos Pinto Leivas – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)Dra. Maria Cecília Bueno Fischer – Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)Dra. Maria Cristina da Cunha Santos Loureiro – Escola Superior de Educação de Lisboa – PortugalDra. Maria Cristina Kessler – Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)Dra. Maria Tereza Carneiro Soares – Universidade Federal do Paraná (UFPR)Dra. Marilena Bittar – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)Dr. Maurício Rosa – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)Dra. Neiva Ignes Grando – Universidade de Passo Fundo (UPF)Dra. Nilce Scheffer – Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (URI)Dr. Pedro Borges – Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (UNIJUÍ)Dr. Rômulo Marinho do Rêgo – Universidade Estadual de Campina Grande (UEPB)Dra. Rute Elizabete de Souza Rosa Borba – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)Dra. Silvia Dias Alcântara Machado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP)Dra. Tânia Cristina Baptista Cabral – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)Dra. Vanilde Bisognin – Universidade Franciscana (UNIFRA)

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

Educação Matemática em Revista – RS é uma publicação semestral da Regional do Rio Grande do Sul da Sociedade Brasileira de Educação Matemática e tem por objetivo divulgar trabalhos científicos constituídos de relatos de experiências de professores e pesquisadores em Educação Matemática da região, do país e do exterior, bem como de pesquisas relativas ao ensino e à aprendizagem na área. As avaliações dos artigos submetidos são feitas por dois membros do Conselho Consultivo e, em caso de discordância, é indicado um terceiro, sem que os autores sejam identificados.

INDEXADOR

Sumarios.org (Sumários de Revistas Brasileiras) – Código 005.085.582

ÚLTIMA TIRAGEM: 1.000 exemplares

Dezembro de 2009

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

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SUMÁRIO

EDITORIAL ..........................................................................................................................................7Claudia Lisete Oliveira Groenwald

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES E O CURSO DE PEDAGOGIA: REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO MATEMÁTICA NUM ESTUDO DE CASOInitial Teacher Training Course and Pedagogy: Reflections on Training in Mathematics Case Study ...........................................................................................................................................9Marlisa Bernardi de Almeida, Maria Das Graças de Lima

EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA PRÁTICA DE SALA DE AULA: CONTRIBUIÇÕES DA MODELA-GEM MATEMÁTICAEnvironmental Education in the Practice of the Classroom: Mathematical Modelling Contributions ....................................................................................................................................21Kátia Luciane Souza da Rocha, Eleni Bisognin

UMA ANÁLISE DO DOMÍNIO DAS ESTRUTURAS ADITIVAS COM ESTUDANTES DA 5ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTALDomain Structures Additives: An Analyses with Students from 5th Grade of Elementary School .............................................................................................................29Eurivalda R. dos S. Santana, Irene Maurício Cazorla, Antonio Marcelo Oliveira

CÓDIGOS E SENHAS NO ENSINO BÁSICOCodes and Passwords in Basic Education .........................................................................................41Claudia Lisete Oliveira Groenwald, Rosvita Fuelber Franke, Clarissa de Assis Olgin

A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE MATEMÁTICA COMO ELEMENTO FORMADOR NO CURSO PEDAGOGIAThe Mathematics Education Organized to Promote Pre-Service Teachers’ Education ...................51Anemari Luersen Vieira Lopes, Maria Teresa Ceron Trevisol, Patrícia Sandalo Pereira

PARTES: UM MODO DE EFETUAR A PARTILHA DO PESCADOParts: A Way to Effect the Fish Sharing ............................................................................................61Idemar Vizolli

EDUCAÇÃO ETNOMATEMÁTICA: TRÊS APROPRIAÇÕES DA TEORIAEthnomathematical Education: Three Appropriations of the Theory ............................................73Rafael Montoito

SESSÃO ESPECIAL

À VISTA OU A PRAZO SEM JUROS: QUAL DESSAS MODALIDADES DE PAGAMENTO É MAIS VANTAJOSA?Cash or in Installments without Interests: Which is the Best Way for a Payment? .......................93 Lilian Nasser

NORMAS PARA PUBLICAÇÃO ......................................................................................................101

Educação Matemática em Revista – RS é uma publicação da Regional Sul da Sociedade Brasileira de Educação Matemática, cuja distribuição é feita aos associados do Rio Grande do Sul, de forma gra-tuita, bem como a outros que manifestarem interesse e a solicitarem. Seu objetivo principal é chegar ao professor em sala de aula, quer com contribuições práticas, por meio de relatos de experiência ou tra-balhos que possam ser aplicados, quer por meio de fundamentação teórica a partir de publicações de pesquisas realizadas no Brasil e no exterior.

A partir da edição 2009, a revista é editada em dois volumes e também estará disponível no formato on-line, sob a responsabilidade do professor Dr. Maurício Rosa, a fim de divulgar os trabalhos nela inseridos de uma forma mais ampla, inclusive a pesquisadores da área.

Nesta revista constam sete artigos de pes-quisadores em Educação Matemática. No primeiro artigo, Marlisa Bernardi de Almeida e Maria Das Graças de Lima apresentam uma investigação sobre a formação inicial em Matemática desenvolvida em um Curso de Pedagogia, mostrando que o currículo desses cursos é inchado e a formação matemática para esse nível é relegada a segundo plano. No se-gundo artigo, Kátia Rocha e Eleni Bisognin tratam da educação ambiental na prática de sala de aula, segundo a modelagem matemática, e, no terceiro, Eurivalda R. dos S. Santana, Irene Maurício Cazorla e Antonio Marcelo Oliveira fazem uma análise no domínio das estruturas aditivas com alunos da quinta série do ensino fundamental, segundo a teo-ria do Campos Conceituais de Vergnaud. No quarto artigo, Claudia Lisete Oliveira Groenwald, Rosvita

EDITORIAL

Fuelber Franke e Clarissa de Assis Olgin mostram como a criptografia pode ser utilizada em processos eletrônicos, em transmissão digital de informações, entre outros, voltados ao ensino básico. Mais um trabalho envolvendo a formação em Pedagogia é discutido no quinto artigo, de Anemari Luersen Vieira Lopes, Maria Teresa Ceron Trevisol e Patrícia Sandalo Pereira, com relação à aprendizagem da docência dos futuros professores na organização do ensino em um processo de produção de material para as aulas de Matemática nessa formação. No ar-tigo seis, Vizolli analisa como pescadores da região de Itajaí/SC efetuam a partilha do pescado, tendo concluído que a partilha é feita em partes e que o número de partes que compete a cada tripulante de uma embarcação é estabelecido de acordo com o tipo de pescado, além de estar associado com a atividade que o tripulante desempenha na pescaria, obedecendo ao critério de proporcionalidade, cujo coeficiente multiplicador é o número de partes. Por último, Rafael Montoito discute as diversas abor-dagens conceituais sobre o termo etnomatemática, a partir da literatura existente, desde a gestação de suas ideias até a contemporaneidade.

Neste segundo volume, temos o artigo con-vidado: À vista ou a prazo sem juros: qual dessas modalidades de pagamento é mais vantajosa?, de Lílian Nasser, com atividades ilustrando esse importante tema para a escola básica.

Desejo uma boa leitura a todos!

Claudia Lisete Oliveira GroenwaldDiretora da SBEM/RS

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FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES E O CURSO DE PEDAGOGIA: REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO MATEMÁTICA NUM ESTUDO DE CASO

Initial Teacher Training Course and Pedagogy: Reflections on Training in Mathematics Case Study

Marlisa Bernardi de Almeida

Maria Das Graças de Lima

Resumo

O presente artigo investiga a formação inicial matemática recebida pelos alunos concluintes do curso de Pedagogia para o exercício da docência em Matemática nas séries iniciais do ensino fundamental, buscando levantar questionamentos e discussões referentes a essa formação. A metodologia utilizada privilegia a pesquisa qualitativa. Os resultados revelam que historicamente o curso de Pedagogia possui um currículo inchado, ficando a formação matemática relegada a segundo plano, sendo insuficiente para atender às necessidades da formação inicial. A investigação nos alerta que os organizadores do currículo do curso de Pedagogia precisam urgentemente repensar a forma como vem acontecendo a dinâmica de trabalho referente à formação Matemática de seus alunos ao longo do curso.

Palavras-chave: Formação inicial de professores. Formação matemática. Curso de pedagogia.

Abstract

The present article to investigate the mathematical initial formation received by the students who are concluding pupils of the course of Pedagogic for the exercise of the eaching in Mathematics in the Initial Series of Basic School, searching to raise referring questionings and quarrels to this formation. The used methodology privileges the qualitative. The results disclose that historically

the course of Pedagogic possess a swelled resume, being the mathematical formation relegated as the plain one being insufficient load to take care of the necessities of the initial formation. The inquiry in the alert one that the coordinate of the resume of the course of Pedagogic urgently need to rethink the form as comes happening the dynamics of referring work to the Mathematical formation of its pupils throughout the course.

Keywords: Initial formation of Teacher. Mathematical formation. Course of Pedagogic.

Introdução

Atualmente, no Brasil, a responsabilidade pela formação do professor dos anos iniciais está centrada nos cursos de Pedagogia. Mas, histori-camente, nem sempre foi assim.

O curso de pedagogia, segundo Silva (1999), foi criado no Brasil em 1939 como conse-quência da preocupação com o preparo de docen-tes para a escola secundária e não para a escola primária, pois a formação desses professores fazia-se exclusivamente nas escolas normais.

Ao longo de sua história, como aponta Silva (1999), o curso de Pedagogia teve definido como seu objeto de estudo e finalidade precípuos os processos educativos em escolas e em outros ambientes, sobremaneira a educação de crian-ças nos anos iniciais de escolarização, além da gestão educacional. Merece ser salientado que,

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nas primeiras propostas para esse curso, a ele se atribuiu o estudo da forma de ensinar, definido inicialmente como lugar de formação de técnicos em educação.

O Parecer do Conselho Federal de Educa-ção (CFE) nº. 252, de 11 de abril de 1969, foi um marco para o curso, pois manteve a formação de professores para o ensino normal e introduziu oficialmente as habilitações para formar os es-pecialistas responsáveis pelo trabalho de plane-jamento, supervisão, administração e orientação, que se constituíram, a partir de então, como um forte meio de identificar o pedagogo. As habilita-ções foram amplamente difundidas, tornando-se nucleares para o curso ao longo de grande parte de sua trajetória.

Em 1971, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a escola normal passou a se chamar Habilitação Específica para o Magistério, e os profissionais por ela formados tinham o direito de lecionar de 1ª a 4ª série. Em 1986, o Conselho Federal de Educação cria uma resolu-ção que permite aos cursos de Pedagogia formar técnicos em Educação e ofertar habilitação para que o profissional pudesse lecionar de 1ª a 4ª série. Nesse momento, abre-se a nova porta para a formação inicial do professor das séries iniciais, que sai apenas da responsabilidade do ensino do 2º grau (nomenclatura utilizada a partir da Lei nº. 5692/71) para ser também responsabilidade do ensino superior.

Na década de 80, segundo Silva (1999), receptora de inúmeras críticas, o curso de Peda-gogia apontava a fragmentação de forte caráter tecnicista e a ênfase na divisão técnica do tra-balho na escola. Nesse período foram intensos os movimentos pela reformulação dos cursos de formação dos profissionais da educação, le-vantando a bandeira de um curso de Pedagogia baseado na formação de professores para os anos iniciais do ensino fundamental.

No entanto, há que se ressaltar que o deba-te, sempre crescente, nunca foi consensual. Ape-sar de prevalecer a concepção que tem a docência como o núcleo forte da Pedagogia, pelo menos duas outras tendências circulam no debate. Em síntese, segundo Kuenzer e Rodrigues (2007), as três concepções podem ser assim formuladas: pedagogia centrada na docência (licenciatura – professor); pedagogia centrada na ciência da educação (bacharelado – pedagogo); e pedagogia

centrada nas duas dimensões, formando integra-damente o professor e o pedagogo.

A partir de 1996, com a promulgação da nova LDB 9.394/96, a responsabilidade de for-mação inicial dos professores dos anos iniciais passou a ser feita preferencialmente nos cursos de Pedagogia.

A nova LDB 394/96 instituiu que era obri-gatório o professor da educação básica ter nível superior, conforme estabelecido no artigo 62. E, de acordo com o Plano Nacional de Educação (1997), em dez anos todos os profissionais que atuavam na educação básica deveriam adaptar-se à nova legislação. Com essa exigência, começa uma corrida contra o tempo para que todos os profissionais que não tinham curso superior e que já estavam em sala de aula o fizessem. No entanto, muitos professores não conseguiram alcançar a formação conforme o prazo estabe-lecido pela Resolução do CNE/CEB n° 01/2003, de 20/08/2003.

Após a LDB 9.394/96, determinou-se a criação de Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de graduação e a formação docente em nível superior. Todos os cursos de graduação tiveram suas DCNs definidas, com exceção do curso de Pedagogia, que, apesar de algumas tentativas junto ao Conselho Nacional de Educação (CNE), só em maio de 2006 teve uma resolução aprovada.

Pode-se analisar que as Diretrizes Cur-riculares Nacionais para o curso de Pedagogia 2006 expressam, de acordo com Triches (2007), uma correlação de forças entre projetos distintos e antagônicos para a reformulação do curso de Pedagogia.

De acordo com as DCNP de 2006, o curso de Pedagogia passa a ser exclusivamente uma licenciatura, que formará docentes para atua-rem na educação infantil (EI) e anos iniciais do ensino fundamental (AIEF). Essas duas moda-lidades não se farão por opção das instituições de ensino por uma ou outra, e sim para as duas. Além dessas, o curso também formará docentes para o ensino médio na modalidade normal (EMN) (antigo curso de magistério) e para outros cursos de educação profissional (EP) voltados para a educação. Ou seja, de início, o formado nesse curso será docente (entendido como si-nônimo de professor) para quatro modalidades diferentes.

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Após a constatação do conteúdo do arti-go 4º da resolução das DCNPs (BRASIL, 2006), incluem-se mais dois setores de atuação (gestão e produção de conhecimento) às quatro modali-dades desse licenciado, apontadas anteriormente (EI, AIEF, EMN, EP). Atingindo, até aqui, seis campos de ação que não acabam por aí, pois no artigo 8º, item IV da mesma resolução, é incluída a modalidade de Jovens e Adultos para o estágio curricular obrigatório.

Enfim, esse docente formado num curso de Pedagogia de, no mínimo, 3200 horas, con-forme apontam as DCNPs (2006) e sem previsão de duração mínima em anos, passa a ter, no mínimo, oito possibilidades de atuação diferen-tes. Reforça-se que isso tudo num único curso. Muitos desafios deverão ser superados pelo curso de Pedagogia, entre eles o desafio da definição dos componentes de conteúdos necessários para abranger a imensa formação proposta.

Com toda essa imensa bagagem de con-teúdos pretendida para o curso de Pedagogia, o que pensar então em termos de conteúdos matemáticos para as séries iniciais, visto que o curso traz uma gama enorme de saberes?

O conhecimento adquirido sobre a orga-nização do curso de Pedagogia, conforme aponta Triches (2007), evidenciou que as reformas, pareceres, regulamentações, estabelecimentos de grades curriculares e a definição das disci-plinas e seus conteúdos não foram suficientes para resolver os dilemas enfrentados ao longo dos anos em torno das especificidades do curso de Pedagogia, das questões entre bacharelado e licenciatura e dos esforços dos educadores no sentido de definir sua identidade.

Com muitas imprecisões, não é surpreen-dente identificar que os conteúdos que fazem parte do conhecimento da matemática estão relegados a um segundo plano na formação do pedagogo, pois as horas tomadas com o grande número de habi-litações oferecidas não comportam a organização necessária para a formação do professor, ou seja, do conhecimento das áreas específicas.

Formação de professores e os conhecimentos necessários para ensinar matemática

No atual modelo de educação, o processo de aprendizagem da Matemática, em seu aspecto

formal e sistematizado, inicia-se na educação básica nos primeiros anos do ensino fundamen-tal, do primeiro ao quarto ano de escolarização dos alunos, onde são construídas as bases para a formação Matemática. Nessas séries, em geral, tem-se, como professores de todas as áreas do conhecimento, os pedagogos, que são profissio-nais graduados em cursos de licenciatura em Pedagogia.

São esses profissionais que iniciam o pro-cesso de alfabetização de estudantes das séries iniciais. Dessa forma, torna-se necessário que o Pedagogo tenha uma formação que o possibilite, pedagógico-didaticamente, desenvolver conhe-cimentos sólidos e eficazes, capazes de garantir aprendizagens minimamente satisfatórias quanto às áreas de conhecimento em que atua.

Em decorrência de um dos objetivos do curso de Pedagogia, que é o de formar um profes-sor para ensinar Matemática nos anos iniciais do ensino fundamental, é preciso garantir espaços para uma formação que contemple os conheci-mentos matemáticos abordados nos anos iniciais da escolaridade básica, preferencialmente numa perspectiva que inclua questões de ordem didá-tica e curricular, mas deve orientar-se por – e ir além de – aquilo que os professores irão ensinar nas diferentes etapas da escolaridade.

Segundo Ponte (2002), os conhecimentos do professor sobre os objetos de ensino devem incluir os conceitos das áreas de ensino definidos para a escolaridade na qual ele irá atuar tanto no que se refere à profundidade desses conceitos como à sua historicidade, sua articulação com outros conhecimentos e o tratamento didático, ampliando assim seu conhecimento da área.

Shulman (1986) também trouxe impor-tantes contribuições para o estudo dos conheci-mentos profissionais que os professores devem possuir e que fundamentam sua prática. As investigações que esse autor realizou permitiram que ele identificasse três vertentes no conheci-mento necessário ao professor: o conhecimento do conteúdo da disciplina, o conhecimento didá-tico do conteúdo da disciplina e o conhecimento do currículo.

O conhecimento do conteúdo da discipli-na deve envolver o conhecimento para ensinar, ou seja, o professor deve saber, e muito bem, inclusive, o conteúdo que vai ensinar. Conhe-cimentos relativos à natureza e aos significados

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dos conteúdos, o desenvolvimento histórico, os diversos modos de organizá-lo.

Já o conhecimento didático do conteúdo apresenta uma combinação entre o conheci-mento da disciplina e o conhecimento do modo de como ensiná-la. O conhecimento didático do conteúdo, ou o conhecimento de conteúdo pedagógico compreende “[...] as formas mais úteis de representação de ideias, as analogias mais importantes, ilustrações, exemplos, expli-cações e demonstrações, a forma de representar e formular a matéria para torná-la compreensível [...]” (SHULMAN, 1986, p.9).

O professor necessita, segundo Pires (2002), ter conhecimentos relativos aos conteúdos matemáticos e à natureza da Matemática, de modo a sentir-se à vontade quando a ensina; ser capaz de relacionar ideias particulares ou procedimentos dentro da Matemática, de conversar sobre ela e de explicar os juízos feitos e os significados e razões para certas relações e procedimentos. Para isso, o professor de Matemática de qualquer nível de ensino deve ter uma compreensão profunda da Matemática que ministrará, da sua natureza e da sua história, do papel que esta tem na sociedade e na formação do indivíduo.

Entende-se, dessa forma, que o conteúdo específico de Matemática continua sendo um impor-tante instrumento de trabalho do professor na cons-trução das habilidades e competências matemáticas requeridas pelo aluno e pela sociedade. Além disso, a não aprendizagem dos conteúdos trabalhados nas séries iniciais do ensino fundamental tem grandes implicações ao longo de toda a vida escolar do alu-no, podendo comprometer o aprendizado do saber matemático trabalhado ao longo dos últimos anos do ensino fundamental e do ensino médio.

A consideração a respeito das especificidades do conhecimento matemático com as quais o profes-sor vai trabalhar é, segundo Curi (2005), um desafio para os programas de formações de professores. As investigações sobre o conhecimento matemático nas três vertentes apontadas por Shulman (1986) devem exercer uma forte influência, principalmente pelo fato dos cursos de formação de professores (pedagogos) em nosso país não conferirem, segundo Curi (2005), destaque aos conhecimentos referentes às áreas de conhecimento.

A conotação dada aos conteúdos da edu-cação básica, segundo Pires, (2002), não deve ser tratada apenas como revisão, pois isso acaba

causando desinteresse por parte dos futuros professores. Para a autora, faz-se necessário cons-truir conhecimento aprofundado e consistente para a ampliação do universo de conhecimentos matemáticos em relação a outras disciplinas e adaptá-las às atividades escolares próprias das diferentes etapas do ensino fundamental.

Pires (2002) destaca ainda que os cursos de formação de professores de Matemática de-vem dar um tratamento especial aos conteúdos matemáticos com ênfase no processo de cons-trução desses conhecimentos, sua origem, seu desenvolvimento de forma articulada com sua didática, em que os futuros professores possam consolidar e ampliar os conteúdos com os quais trabalharão no ensino básico.

Considerando as ideias desses autores, é certamente consensual a ideia de que qualquer professor de Matemática deve saber mais Matemá-tica do que aquela que se vai ensinar. Para isso, a formação inicial do professor deverá providenciar uma compreensão profunda da Matemática que irá trabalhar em sua prática educativa.

Acredita-se, a partir das ideias descritas, que a competência básica de todo e qualquer pro-fessor é o domínio do conteúdo específico, haja vista que o conteúdo específico de Matemática continua sendo um importante instrumento de trabalho do professor na construção das habili-dades e competências matemáticas requeridas pelo aluno e pela sociedade. Somente a partir desse domínio, segundo Mello (2000), é possível construir a competência pedagógica.

Ao defender a importância da formação no conteúdo específico (o que ensinar) e a sua íntima articulação com o conteúdo pedagógico (como ensi-nar), consideramos que a licenciatura não pode abrir mão de discutir por que ensinar e para quem ensinar. Somente articulando esses elementos (o que ensinar, como ensinar, por que ensinar e para quem ensinar), a licenciatura dará ao futuro professor as condições mínimas necessárias para que ele desenvolva um trabalho com os saberes matemáticos que esteja em sintonia com as novas demandas que a sociedade vem exigindo da educação escolar.

Metodologia

Tomando como base essas discussões sobre a formação inicial de professores, deseja-se acrescentar a seguinte questão: a formação

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inicial de professores ofertada no curso de Pe-dagogia analisado auxilia os futuros docentes a trabalhar com os conteúdos disciplinares de Matemática?

Nessa direção, este trabalho tem como objetivos:

a) analisar como vem acontecendo a formação inicial dos docentes realizada pelo curso de Pedagogia para o trabalho com os conteúdos disciplinares de Matemática nas séries iniciais do ensino fundamental;

b) saber como os alunos que estão concluindo o curso de Pedagogia avaliam as contribuições da formação inicial para o trabalho com a Matemática em sua prática educativa.

Para isso, é tomado como objeto de análise o curso de Pedagogia oferecido por uma univer-sidade pública do estado do Paraná. A metodo-logia utilizada privilegia a pesquisa qualitativa, composta inicialmente por dois tipos de análise: bibliográfica e documental.

O estudo bibliográfico referiu-se ao tema formação de professores, em especial ao curso de Pedagogia e formação inicial matemática para atuar nas séries iniciais do ensino fundamental, na busca de referenciais teóricos que pudessem nor-tear a análise dos dados coletados na pesquisa.

Para a coleta de dados, optou-se pela uti-lização dos seguintes instrumentos: questionário misto e ficha contendo problemas para serem re-solvidos. Neste artigo, utilizaremos, para a análise dos dados, apenas o questionário. Para análise dos dados coletados a partir do questionário, procedeu-se da seguinte forma: as questões fecha-das foram tabuladas calculando-se o percentual das respostas. Portanto, a análise das informações ocorreu, primeiramente, de forma quantitativa.

A sistematização e análise dos dados con-tidos no questionário, referente às questões aber-tas, pautou-se na análise de conteúdo (BARDIN, 1979). Para os fins deste trabalho, verificou-se a frequência das respostas e procurou-se rela-cionar as variáveis, de forma que fosse possível prosseguir com uma análise qualitativa dos dados. O critério de categorização adotado foi o semântico, por categorias temáticas, de acordo com seus significados, a partir das significações que a mensagem fornece.

Foram sujeitos dessa pesquisa os alunos da única turma do 4º ano (concluintes) do curso

de Pedagogia (ano 2008) de uma universidade estadual localizada no Centro Oeste do Paraná.

Análise dos resultados

O curso de Pedagogia investigado está voltado para a formação de pedagogos com ha-bilitação para atuação em escolas de educação infantil, educação básica, educação superior e gestão escolar.

No projeto do curso, declara-se a intenção de tomar como referência as Diretrizes Curricu-lares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia (DCNPs) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica (DCNs), em nível superior, bem como outros dispositivos legais que se referem ao curso de Pedagogia e aos cursos de ensino superior no que diz respeito às licenciaturas.

Observa-se que a questão do domínio de conteúdos referentes às áreas do conhecimento do ensino fundamental não aparece em nenhum dos objetivos do curso, evidenciando que se as Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia não deixam isso claro, o projeto dessa instituição também falha nesse aspecto.

O que foi identificado através da organi-zação curricular do curso corrobora a análise de Curi (2005), pois a autora verifica que os cursos de graduação em Pedagogia elegem as questões metodológicas como essenciais à formação de professores, sendo que isso não garante uma formação adequada em termos de conhecimentos para se ensinar Matemática na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental.

O curso de graduação em Pedagogia deve-ria propiciar a instrumentação pedagógica espe-cífica para a docência, mas também favorecer a necessária formação teórica do pedagogo. Porém, isso não está acontecendo através da análise do Projeto Político Pedagógico do curso confrontado com a literatura em Educação Matemática.

A única disciplina destinada à Matemática é oferecida em quatro aulas durante o segundo semestre do terceiro ano do curso, totalizando 68 horas. Em um curso de Pedagogia, cujos Compo-nentes Curriculares são compostos de uma carga horária equivalente a 3.392 horas, 68 horas equi-valem a apenas 2% de toda a formação inicial.

Considerando a ementa e a programação proposta para a disciplina de Metodologia do

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Ensino da Matemática e o número de horas des-tinadas a essa disciplina, evidencia-se que essa formação é muito inexpressiva e não atinge as três vertentes do conhecimento do professor des-tacadas por Shulman (1986): o conhecimento do conteúdo, o conhecimento didático do conteúdo e o conhecimento curricular.

Kuenzer e Rodrigues (2007) entendem que, da maneira como o curso de Pedagogia está organizado, ele representa uma totalidade vazia. Para as autoras, é impossível o curso dar conta de uma formação de qualidade com um perfil demasiadamente ampliado, que prevê a forma-ção de um profissional para atuar nas diversas áreas da docência, na gestão e na produção de conhecimento. O ideal seria rever a quantidade de habilitações oferecidas a esse profissional. Ou bem se forma o professor para atuar na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental ou o pedagogo gestor educacional. Querer for-mar os dois profissionais ao mesmo tempo é, no mínimo, desastroso, como se observa no curso de Pedagogia ora analisado.

Analisando as DCNP 2006 e o Projeto Político Pedagógico do curso, concorda-se com Libâneo (2002) quando este afirma que é uma in-congruência formar em 3.200 horas, num mesmo curso, três ou quatro profissionais.

Para Curi (2005), os conhecimentos cons-tituídos pelo futuro professor em sua trajetória pré-profissional vão influenciar sua ação docen-te. Serrazina (2002) considera o conhecimento da Matemática, o interesse e o gosto por ensinar Ma-temática como sendo os fatores que influenciam a forma como os professores das séries iniciais encaram o ensino da Matemática. No entanto, as informações levantadas através do questionário expressaram, em sua maioria, essa relação com o conhecimento matemático:

A10: “Nunca tive um bom relacionamento com a Matemática”.

A17: “Nunca consegui aprender Matemá-tica. Para mim ela é muito difícil”.

A20: “A Matemática sempre foi pra mim um bicho de sete cabeças”.

A25: “Não sou nem um pouco fã da Ma-temática”.

Considerando, através de dados levanta-dos, que a maioria desses alunos nunca trabalhou como professor, seria preciso, segundo Curi (2005), a reflexão sobre as formas de constituição

dos conhecimentos do professor nessa etapa de sua trajetória profissional.

Ou seja, os cursos de graduação em Peda-gogia deveriam pensar formas de atender a esse público que está acessando os cursos de Pedago-gia sem a atuação profissional no ensino normal médio. E, mais grave, sem saber conhecimentos básicos sobre Matemática.

Esses depoimentos alertam que, nos cur-sos de formação inicial de professores, é possível proporcionar legalmente ao futuro professor a aquisição de uma das polivalências, como por exemplo, a de Matemática, sem que seja, efe-tivamente, removido o muro de desafeto que o distancia dessa área de conhecimento.

A relação com o conhecimento matemáti-co deve ser libertadora do medo gerado pelo des-conhecimento, e não, exatamente, o contrário, como podemos observar nos depoimentos desses alunos. O agravante diante dessas revelações é que esses graduandos do curso de Pedagogia ini-ciam ou vão iniciar a criança num conhecimento pelo qual eles têm desafeto ou indiferença.

O pressuposto básico que move o empe-nho que se tem com essa questão da formação inicial de professores é de que esses concluintes do curso de Pedagogia são ou serão professores de Matemática. Precisam, portanto, estabelecer um relacionamento com essa área de conheci-mento que os satisfaça. Sem que isso ocorra, é provável que estejam desenvolvendo nas crian-ças as mesmas dificuldades que tiveram quando aprenderam Matemática.

Logo, em se tratando de formação inicial, tema da pesquisa, a experiência que o estudante tem com relação ao ensino de Matemática é, em grande parte, aquela decorrente de sua vivência como aluno da educação básica.

Ponte (2001) enfatiza que o professor, para ensinar Matemática, deve ter uma boa relação com a Matemática que vai lecionar. Talvez seja urgente a necessidade em se pensar na formação inicial do professor e processos que lhe permitam um convívio de reaproximação com a Matemáti-ca. Serrazina (2005, p.307) afirma que:

quando os futuros professores chegam à sua formação inicial possuem um modelo implícito, um conhecimento dos conteúdos matemáticos que têm de ensinar, adquiridos durante a sua escolarização, bem como um conheci-

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mento didático vivido durante a sua experiência como alunos.

Tendo em vista os apontamentos de Ponte (1998) e Serrazina (2005), a formação inicial de professores deve favorecer o desenvolvimento de concepções, sentimentos, atitudes e capacidades positivas em relação à Matemática, até para ajudá-los a superar os problemas anteriores. Essa formação deve encorajar os futuros professores a refletir, questionando seus conhecimentos e difi-culdades, de forma que possam vir a alterá-las.

Entretanto, após terem passado pelo curso de Pedagogia, a maioria dos graduandos continua não gostando de matemática: acha difícil, apesar de a encararem como necessária e importante para a vida. Os graduandos pesquisados comen-taram que:

A21: “Continuo tendo dificuldades e não gosto da disciplina”.

A17: “Continuo não gostando. Não me identifico com a disciplina”.

A03: “Continuo não gostando, mas tenho plena consciência de que é necessária para mi-nha formação”.

Em relação a esse aspecto, Gómez Chacón (2002) distingue duas categorias de atitudes em relação à Matemática: atitude sobre a Matemática e atitude matemática. As atitudes sobre a Matemática dizem respeito à valorização e apreciação dessa disciplina e ao interesse por ela e por sua apren-dizagem. Nesse caso, predomina o aspecto afetivo mais do que o cognitvo e manifesta-se através de interesse, satisfação, curiosidade, valorização.

Levando em consideração os apontamen-tos de Gómez Chacon (2002), verifica-se que os graduandos não manifestaram interesse em rela-ção aos conhecimentos matemáticos, devido às suas atitudes sobre a Matemática, mesmo nessa etapa da formação. Além disso, podemos auferir, através do estudo feito com 95% dos concluintes do curso de Pedagogia, que a graduação analisada não os auxiliou nesse aspecto afetivo em relação à Matemática, o que poderá ter consequências negativas para o processo ensino e aprendizagem dessa disciplina.

Considerando a representação negativa da Matemática presente nos graduandos pesquisados, acredita-se ser necessário que o curso de Pedagogia mude essa situação e evite que os futuros professo-res voltem a ensinar uma nova geração a detestar

Matemática, assim como eles detestaram durante sua passagem pela educação básica. Por isso, é fun-damental que o curso de Pedagogia ora analisado redimensione sua maneira de trabalhar a formação matemática desses futuros professores.

Segundo Ponte (2004), quando o tema da formação matemática inicial de professores é colocado em discussão, existe uma predomi-nância na abordagem da questão do ponto de vista didático-metodológico; o conhecimento da Matemática fundamental sempre fica relegado a segundo plano. E foi isso que se verificou estar acontecendo nesse curso.

As informações obtidas através da análise do Projeto Político Pedagógico do curso e dos depoimentos dos concluintes revelaram que o conhecimento matemático não foi trabalhado e aprofundado de modo que dele houvesse uma aprendizagem significativa, e que os graduandos pesquisados sentem a falta desse conteúdo em sua formação.

Por isso, mediante os dados levantados e estudados até agora, pode-se constatar que o curso de Pedagogia investigado ainda não conse-guiu articular adequadamente a relação entre os conhecimentos específicos da matemática e os conhecimentos pedagógicos. Para a maioria dos graduandos pesquisados, o curso de Pedagogia não atendeu às expectativas em relação à Mate-mática e ao seu ensino.

As reclamações giram em torno do pouco contato e aprofundamento do conhecimento matemático necessário para a formação dos professores que atuarão nas séries iniciais. Al-guns depoimentos podem ilustrar melhor esses dados.

A19: “Não conseguiu, é muito superficial”. A26: “Deixou a desejar quanto a conteúdos

específicos, pois na verdade aprendemos apenas as metodologias de como ensinar, mas não apren-demos o que ensinar”.

A05: “O ensino da Matemática teria de ser uma matéria que fosse estudada de maneira de-talhada e não superficial, porque muitos de nós temos dificuldades nessa disciplina.

A17: “Dentro de Pedagogia, tem-se apren-dido com relação à Educação como um todo, porém com relação à Matemática infelizmente praticamente nada”.

A10: “Aprendi a usar os materiais lúdicos, mas não aprendi como aplicar os conteúdos”.

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Por meio dos dados coletados e analisados, verificou-se que, da forma como o curso de Pedago-gia vem abordando os conteúdos e as metodologias referentes à Matemática e ao seu ensino, o curso está imprimindo nesses futuros professores uma identidade pedagógica esvaziada de conteúdos, na qual se aprende a prática do ensino, mas não o momento de seu uso. Haja vista que a preparação, como foi constatado, reduz-se a um conhecimento pedagógico abstrato porque é esvaziado do conteú-do a ser ensinado. Isso se revelou nos depoimentos dos alunos concluintes do curso.

Outro fator que merece destaque é o nú-mero de disciplinas destinadas ao ensino de Ma-temática: apenas uma, em apenas um semestre. Segundo os alunos pesquisados, isso é insuficien-te diante das necessidades reais de uma formação que atenda às novas demandas educacionais para um ensino de Matemática com qualidade.

Uma das críticas mais frequentes aos cursos de formação de profes-sores é a desarticulação quase total entre conhecimentos específicos e conhecimentos pedagógicos. Nos cursos de formação de professores polivalentes, a crítica que pode ser feita é a da ausência de conhe-cimentos específicos relativos às diferentes áreas do conhecimento com as quais o futuro professor irá trabalhar. (CURI, 2005, p.160)

As análises dos depoimentos vêm indicar que há um conhecimento a ser construído pelos futuros professores, que é mais do que mera justaposição do aspecto de conteúdo e do aspecto pedagógico.

As observações giram em torno da su-perficialidade na abordagem do conhecimento matemático e no pouco tempo disponível para a aprendizagem desse conhecimento.

A13: “Foi vista pouca coisa. É muito su-perficial”.

A24: “Aprendemos jogos e brincadeiras, mas como trabalhar os conteúdos matemáticos não vimos”.

A11: “A formação que tivemos não foi boa. Te-rei que correr atrás para dominar os conteúdos”.

A15: “Foi boa, nós aprendemos que para não causar traumas nas crianças deve-se traba-lhar de forma lúdica”.

Como se pode observar, muitos graduan-dos pesquisados afirmam que o curso poderia ter

aprofundado mais os conteúdos matemáticos; e aqueles que acreditam que o curso ajudou reportam-se ao aspecto lúdico da aprendizagem matemática. Pelos depoimentos dos concluintes do curso também observamos que essa disciplina não conseguiu articular os conteúdos matemáti-cos e os conhecimentos didáticos.

Há graduandos que percebem a necessida-de de ir buscar um aprofundamento maior dos conteúdos matemáticos quando forem lecionar, entretanto não se pode negar a responsabilidade ímpar que a instituição de formação deve exercer quanto à formação básica do professor das séries iniciais do ensino fundamental.

Segundo Mello (2000, p.98):

[...] ninguém facilita o desenvolvi-mento daquilo que não teve oportu-nidade de aprimorar em si mesmo. Ninguém promove a aprendizagem daquilo que não domina, é preciso que o professor experimente, en-quanto aluno aquilo que ele deverá ensinar a seus próprios alunos [...].

Desse modo, deseja-se deixar claro que

não é suficiente acrescentar ao currículo dos cursos de Pedagogia disciplinas que se limitem a abordar os saberes disciplinares de matemática. É fundamental que essas disciplinas procurem promover uma integração entre os saberes disci-plinares de Matemática e os saberes pedagógicos necessários ao trabalho com esses conteúdos nas séries iniciais do ensino fundamental.

Considerações finais

Conforme a discussão apresentada neste texto, é inegável a importância do papel de-senvolvido pelo pedagogo quanto ao ensino da Matemática nas séries iniciais do ensino funda-mental. Assim justifica-se a importância de se discutir a formação desse profissional na área da Matemática durante o seu processo de formação no curso de Pedagogia.

Na realização desta pesquisa, ganham realce alguns problemas que precisam ser ur-gentemente enfrentados no âmbito da formação docente. Precisam ser tratados tanto no nível de políticas públicas como no cotidiano das insti-tuições formadoras, por meio de seus projetos político-pedagógicos.

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Considera-se necessário e fundamental entender, também, que não é possível abranger na formação inicial o conjunto das necessidades do professor. E nem ser ingênuo em crer que só mudanças na formação inicial dos professores, isoladamente, garantiriam uma melhoria signi-ficativa do aprendizado escolar em matemática. À formação inicial não se pode atribuir toda a responsabilidade sobre o fracasso escolar em matemática, pois se trata de um dos fios que compõem uma trama muito complexa.

Assim como nos diz Arroyo (1996), a boa formação de professores não pode ser entendida e nem equacionada como um remédio milagroso contra todos os males da educação. Mas, por outro lado, não se pode desconsiderar o peso significativo dessa formação, ao pensar em es-tratégias para conseguir melhorias na formação matemática dos alunos. Ela deve ocupar lugar de importância no processo formativo, desde que proporcione um bom suporte para o ingresso e atuação inicial na profissão.

Como principais constatações decorrentes das análises feitas ao longo do trabalho, desta-cam-se a precariedade da formação oferecida no curso de Pedagogia, em parte devido à inexistên-cia (apenas 2% de toda carga horária do curso) da formação específica para o ensino de matemática nas séries iniciais, nesse curso.

Cumpre ressaltar que a ênfase dada aos conteúdos disciplinares não implica a defesa de um ensino centrado nos conteúdos. Deseja-se apenas destacar a importância do domínio consistente des-ses saberes, por parte do professor, pois é a partir desse saber que se pode ir além. Acredita-se que, com o domínio dos conteúdos que vai ensinar, o professor poderá estar criando métodos e técnicas diferenciadas que venham ao encontro das neces-sidades de aprendizagem dos alunos.

Verifica-se, pela análise da ementa e dos depoimentos dos concluintes do curso de Peda-gogia, que a formação pedagógica para o ensino de matemática parece ser, em geral, restrita à ex-ploração dos materiais concretos, observando-se, com pouca frequência, uma diversidade maior de recursos de formação.

Além disso, foi constatado também que o curso de Pedagogia investigado dá prioridade à metodologia de jogos e brincadeiras a serem utilizadas em sala de aula, em detrimento de outras metodologias apontadas pelos PCN e de

uma abordagem mais profunda dos conteúdos de Matemática que serão trabalhados pelos profes-sores na sua futura prática educativa.

Acredita-se que o domínio de novas estraté-gias de ensino é fundamental para a construção de aprendizagens significativas, bem como para a supe-ração das dificuldades apresentadas por alunos com deficiências de aprendizagem. Mas questiona-se: como esses professores poderão adotar metodologias diversificadas que atendam, de fato, à aprendizagem dos alunos sem conhecer nem ao menos ter domínio dos conteúdos que irão ensinar?

O estudo dos depoimentos e das reso-luções dos problemas propostos indica que os concluintes do curso de Pedagogia ora analisado apresentam dificuldades nos conteúdos que terão que ensinar a seus alunos, e que a forma-ção Matemática recebida durante o curso não foi suficiente para sanar as lacunas referentes à disciplina de Matemática decorrentes de sua educação na escola básica.

A constatação de que muitos dos conteúdos de Matemática, que deveriam ser trabalhados ao longo da sua formação inicial, não estão sendo discutidos na licenciatura, aliada ao fato de os alunos apresentarem dificuldades em resolver problemas envolvendo alguns dos saberes que terão de lecionar, mostra a fragilidade com que essa questão vem sendo tratada, justificando o fato de que a maioria dos alunos considera que o curso de Pedagogia não os preparou para o trabalho com os saberes disciplinares de Matemática.

Dessa forma, o curso de Pedagogia impri-me a esse profissional uma identidade pedagógi-ca esvaziada de conteúdos, sendo que se aprende a prática do ensino mas não a sua substância, pois a preparação, como foi constatado, reduz-se a um conhecimento pedagógico abstrato porque esvaziado do conteúdo a ser ensinado.

Os resultados da pesquisa apontam que há problemas gravíssimos na forma como o curso de Pedagogia está organizado no que diz respei-to à formação Matemática, pois se verifica que não consegue dar suporte tanto teórico quanto prático para esses futuros professores.

Este estudo levou a percepção de que as propostas de formação inicial dos pedagogos (professores das séries iniciais do ensino funda-mental) historicamente não têm sido adequadas, principalmente no que se refere à formação inicial para ensinar Matemática.

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Os referenciais curriculares para os cursos de Pedagogia, que destacam como objetivo geral da formação de professores a profissionalização por meio do desenvolvimento de suas competên-cias, de modo a permitir que no cumprimento de suas funções estejam contempladas as dimensões técnicas, sociais e políticas que são igualmente importantes e imprescindíveis ao desenvolvi-mento de nosso país, apresentam-se amplos e não aprofundam as questões disciplinares e pedagógicas de cada uma das áreas.

Por isso, a necessidade dos organizadores do currículo do curso, diante dos dados levan-tados, repensarem e reorganizarem a dinâmica de trabalho que se refere à formação Matemática de seus alunos.

Considera-se urgente que se pense em relações estreitas entre o perfil necessário a um professor para ensinar matemática e sua forma-ção para os anos iniciais. Ou seja, o perfil do pro-fessor a ser formado deve guiar a formação e ser a referência para se traçarem ações efetivas que possam superar as deficiências desses cursos.

Nesse sentido, a formação deve orientar os futuros professores de acordo com o que se espera dele como professor: “aprender a pensar, a refletir criticamente, a identificar e resolver problemas, a investigar, a aprender, a ensinar” (MIZUKAMI, 2003, p.42).

Não se deseja concluir este trabalho pres-crevendo receitas que poderiam resolver os pro-blemas inerentes à formação inicial do professor que atua nas séries iniciais do ensino fundamen-tal – cujos reflexos fazem-se presentes na quali-dade do ensino de Matemática e vêm à tona nas avaliações de desempenho desenvolvidas pelo MEC –, mas apresentar algumas questões cuja reflexão pode auxiliar os responsáveis pelo curso de Pedagogia a encontrarem um caminho para melhorar a formação inicial do futuro professor para o trabalho com os saberes disciplinares de Matemática.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que os professores do curso de Pedagogia e os demais envolvidos com essa licenciatura de-vem tomar conhecimento dos resultados dela e de outras pesquisas que dizem respeito ao tratamento dos conhecimentos disciplinares de Matemática, bem como conhecer o trabalho dos professores dessas séries e suas dificuldades no trabalho com esses conhecimentos, pois só

conhecendo a realidade em que atuam esses profissionais a licenciatura poderá desenvolver estratégias de trabalho que ajudem a modificar positivamente os números caóticos apresentados neste estudo.

Em segundo lugar, os responsáveis pela licenciatura em pedagogia devem refletir se é aceitável que os seus alunos continuem con-cluindo a formação inicial apresentando tan-tas dificuldades no tratamento de problemas envolvendo os conhecimentos elementares de Matemática, bem como procurar conhecer quais são os motivos que os desencadeiam.

Em terceiro lugar, deve-se levar em conta que o número de disciplinas destinadas à forma-ção matemática, bem como a forma como se vem trabalhando o ensino de Matemática ao longo do curso, é insuficiente e inadequado, visto que se nota não estar sendo bem aproveitado o pouco tem-po disponibilizado para essa disciplina, dando-se prioridade apenas às questões metodológicas, em detrimento de um trabalho mais aprofundado com os conteúdos de Matemática propriamente ditos.

Por último, questiona-se até que ponto os próprios professores universitários (formadores de professores) têm conhecimento e domínio dos conteúdos elementares de Matemática, bem como das questões relativas à aprendizagem lógico-matemática da criança, as vertentes do conhecimento propostas por Shulman (1986), os estudos atuais sobre o ensino e aprendizagem de Matemática, as diversas metodologias de ensino que podem ser utilizadas no ensino de Matemática, as tendências da Educação Mate-mática que auxiliam na aprendizagem e outras questões pertinentes que são de suma impor-tância para a formação de professores, as quais foram brevemente abordadas especialmente na seção dois deste trabalho. Dada a resposta nega-tiva, a inserção de educadores matemáticos no curso de Pedagogia seria uma ação importante e imprescindível para a melhoria significativa da formação matemática dos seus graduandos.

É importante deixar claro que a reflexão acerca desses elementos não esgota as discussões acerca da temática em questão, configurando-se apenas como um ponto de partida para que se promova uma melhoria efetiva na qualidade da formação do professor para o trabalho com os conhecimentos disciplinares de Matemática nas séries iniciais do ensino fundamental.

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Tem-se clareza de que a formação inicial é apenas a base da formação do professor. Torna-se, entretanto, imprescindível que a formação inicial possibilite ao futuro professor uma apropriação consistente dos diversos saberes necessários a sua prática profissional, o que, certamente, será um passo fundamental para a superação das de-ficiências que, há muito tempo, vêm fazendo-se presentes no ensino de Matemática.

Entretanto, acredita-se que a licenciatura é o espaço destinado à formação inicial do professor, e essa formação deve ocorrer nos diversos saberes necessários a sua atuação. O fato de o aluno já ter estudado esse conteúdo em outra etapa da sua formação não retira a responsabilidade do curso de Pedagogia no tratamento dessa questão.

Considera-se fundamental que o curso de Pedagogia prepare o professor das séries iniciais de forma que ele seja matematicamente compe-tente, já que nas séries iniciais da escolarização as crianças constroem e desenvolvem conceitos e formam certos hábitos de raciocínio e pensa-mento matemático.

Nacarato et al. (2004) discorrem sobre a ne-cessidade de se repensar a formação matemática dos estudantes de Pedagogia. Assim, destacam a importância da disciplina de Fundamentos e Metodologia do Ensino da Matemática como ins-tigadora de inúmeras reflexões. Asseguram que, sem a presença de disciplinas voltadas à Educação Matemática, com uma carga horária compatível, será impossível contemplar questões fundamen-tais que envolvem o ensino da Matemática.

É preciso uma discussão profunda acerca do que deve ser tratado, em matemática e seu ensino, considerando-se a realidade de tempo que se tem e as questões nodais do ensino e aprendizagem de matemática, estabelecendo efetivas relações entre a formação dos profes-sores e sua futura prática em matemática, nos anos iniciais.

É possível que um forte investimento na formação de formadores e o compromisso do formador com a própria formação, junto a uma discussão profunda acerca do que deve ser tra-tado na formação inicial de professores para o ensino de matemática nos anos iniciais, possam contribuir para superar os problemas trazidos no decorrer do texto desta dissertação.

Salienta-se que as pesquisas na área de educação precisam dedicar-se a acompanhar

os professores egressos de diferentes cursos e modalidades de formação. O desempenho em matemática nos anos iniciais, diante das questões da prática, se confrontado com estudos como este, pode contribuir para a melhoria da formação ini-cial dos professores e para a qualidade do trabalho docente em matemática, nos anos iniciais.

O estudo dos concluintes do curso de Pe-dagogia configura-se como uma questão relevante para as pesquisas no campo da educação matemá-tica, as quais devem ser intensificadas. Tendo em vista os resultados obtidos neste trabalho, não se pode ignorar que repensar o modelo de formação do professor é um passo indispensável para a melhoria da qualidade do ensino de forma geral e para o ensino da Matemática em particular.

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Maria das Graças de Lima – Doutora em Geografia Humana. Professora orientadora do Programa de Mestrado em Educação para a Ciência e o Ensino da Matemática, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no estado do Paraná. E-mail: [email protected]

RECEBIDO em: 02/04/2009CONCLUÍDO em: 13/10/2009

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA PRÁTICA DE SALA DE AULA: CONTRIBUIÇÕES DA MODELAGEM MATEMÁTICA

Environmental Education in the Practice of the Classroom: Mathematical Modelling Contributions

Kátia Luciane Souza da Rocha

Eleni Bisognin

Resumo

Neste artigo são apresentados resultados parciais de uma investigação que tem como objetivo analisar a contribuição do uso da Modelagem Matemática no estudo de funções envolvendo a exploração de questões ambientais. A pesquisa foi desenvolvida numa perspectiva qualitativa, cujos dados foram obtidos por meio de observações e entrevistas, com o propósito de melhor compreender os fatos descritos. A experiência foi realizada com alunos de 8ª série de uma escola pública do município de São Gabriel/RS e envolveu o tema “Plantação de Eucaliptos”. Foram construídos modelos matemáticos que descrevem as situações estudadas, bem como foram analisadas as vantagens e desvantagens do plantio de eucaliptos para o Bioma Pampa. A questão ambiental mostrou-se um campo propício para o ensino de Matemática na perspectiva da Modelagem Matemática.

Palavras-chave: Modelagem Matemática. Educação Ambiental. Ensino de Matemática.

Abstract

This article presents partial results of an investigation that has as objective to analyze the contribution of the use of the Mathematical Modeling in the study of functions involving the exploration of environmental subjects. The research was developed in a qualitative perspective, whose data were obtained through observations and interviews, with the purpose of

best comprehension of the described facts. The experience was accomplished with students of 8th series, of a public school in the municipal district of São Gabriel, RS, and it involved the theme “Plantation of Eucalyptuses”. Mathematical models were built, that described the studied situations, as well as the advantages and disadvantages of the planting of eucalyptuses, for Bioma Pampa. The environmental subject was shown a favorable field for the teaching of Mathematics in the perspective of the Mathematical Modeling.

Ke y w o r d s : M a t h e m a t i c a l M o d e l i n g . E n v i r o n m e n t a l E d u c a t i o n . Te a c h i n g Mathematics.

Introdução

A partir da década de 50, a preocupação com os efeitos ou impactos decorrentes da ação do homem, na natureza, passou a merecer maior atenção, pois a qualidade de vida de algumas re-giões do planeta estava aquém do que se almeja-va. Surgiram, assim, movimentos ambientalistas em vários países, e a questão ambiental passou a ser discutida com maior ênfase em conferências nacionais e internacionais.

Neste enfoque, a conscientização das comunidades locais sobre seus problemas e potencialidades fez emergir a necessidade de uma nova forma de os educadores tratarem as questões ambientais. Essa preocupação tem direcionado os especialistas responsáveis pelas

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políticas educacionais a reorientarem os profis-sionais da educação básica, tendo como base os novos questionamentos socioambientais. Esse foi um novo desafio posto aos professores, de um modo geral, e aos professores de Matemática, em particular.

Muitos trabalhos têm sido realizados com a temática do meio ambiente e de questões am-bientais, como tópicos importantes de pesquisa em Educação Matemática no Brasil e exterior. Neste trabalho, tem-se como objetivo focalizar o tema Plantio de Eucaliptos utilizando-se a metodologia da Modelagem Matemática. A esco-lha desse tema, para o trabalho de sala de aula, deu-se em virtude de a escola estar localizada em uma região em que o plantio de eucaliptos é uma das principais atividades para as quais se empregam trabalhadores – neste caso, os fami-liares dos alunos.

Considerando-se a relevância do tema, elaboraram-se as seguintes questões: pode a Modelagem Matemática contribuir para a aná-lise de questões ambientais e para o ensino de funções para alunos de uma 8ª série do ensino fundamental? De que modo pode ocorrer essa contribuição? Essas questões direcionaram o presente trabalho.

Dois anos de debates e discussões foram necessários para que o Conselho Nacional de Educação aprovasse, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), os quais se constituem num subsídio para auxiliar a es-cola na elaboração do seu projeto educativo, permitindo-lhe a inserção de procedimentos, atitudes e valores no convívio escolar. Além disso, permitiu que alguns temas sociais, denominados temas transversais, como meio ambiente, ética, pluralidade cultural, trabalho, consumo e outros, eleitos pelas escolas e/ou comunidades, também viessem a ser discutidos na escola.

No Brasil, a regulamentação da Educação Ambiental ocorreu em 1999, com o propósito de desenvolver ações a partir de diretrizes defini-das por lei, cuja regulamentação definiu que a coordenação da Política Nacional de Educação ficaria a cargo de um órgão gestor, dirigido pe-los ministros de Estado do Meio Ambiente e da Educação.

Na regulamentação da Educação Ambien-tal, encontra-se a seguinte definição:

Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constro-em valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competên-cias voltados para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualida-de de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, Lei 9.795/99)

Tendo em vista essa definição, a preo-cupação do professor e da escola deixa de ser apenas a formação de indivíduos isoladamente, mas sim a transformação coletiva, capaz de pro-porcionar mudanças na sociedade e oportunizar aos educandos uma visão crítica das questões ambientais.

A proposta de inserir o tema “Plantio de Eucaliptos” na região fronteira-oeste do Estado do Rio Grande do Sul, local onde o Bioma Pampa tem grande valor para a biodiversidade regional, pretende oportunizar aos alunos participantes des-ta pesquisa a participação nas discussões sobre a polêmica socioambiental, a qual envolveu a região nos últimos anos, visto que os efeitos ambientais da plantação de eucaliptos ainda são indefinidos, controversos e passíveis de muitas especulações.

As discussões sobre o plantio de eucalip-tos decorrem de três aspectos: a) a polêmica sobre a demanda de água da espécie; b) se a demanda por nutrientes da espécie desestabiliza ou não o ciclo de nutrientes do ecossistema da região, e c) se a fertilidade do solo é afetada pela liberação de substâncias químicas que podem prejudicar o plantio de outras árvores.

Dessa forma, o eucalipto, apesar de ter se tornado uma espécie comum na zona rural da maioria dos países de clima quente, nem todos apoiam seu plantio entusiasticamente. Na reali-dade, o debate se intensifica mais acirradamente à medida que aumenta a área plantada.

A escola onde esta pesquisa foi desenvol-vida abriga muitos alunos oriundos de famílias inseridas no quadro de funcionários de empre-sas que cuidam do plantio de eucaliptos nas fazendas do município e região. Diante disso, o tema em questão gerou polêmica e despertou o interesse dos alunos em participar das discussões sobre o assunto, em sala de aula. Desse contexto, surgiu a seguinte proposição: como conjugar as discussões sobre o tema e o ensino e a aprendi-zagem de Matemática?

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O percurso da pesquisa e análise da experiência

A pesquisa foi realizada em uma turma de 24 alunos, da 8ª série do ensino fundamental, de uma escola pública do município de São Ga-briel, no Rio Grande do Sul, e foi desenvolvida na perspectiva qualitativa. Os instrumentos utilizados para obtenção dos dados foram: a ob-servação direta da professora, o diário de campo da professora e a análise dos trabalhos elaborados pelos alunos, configurando a pesquisa em um estudo de caso.

A pesquisa desenvolveu-se no segundo se-mestre de 2008, em períodos extraclasse, durante dois meses, ao mesmo tempo em que a professora desenvolvia o conteúdo de funções, utilizando a Modelagem Matemática como metodologia de en-sino. Neste trabalho é relatada uma das atividades desenvolvidas com os alunos em sala de aula.

O processo de modelagem desenvolvido em sala de aula seguiu as etapas sugeridas por Burak (2004), conforme segue:

1º) a escolha do tema foi eleita pelos alu-nos a partir da curiosidade e da preocupação com o plantio de eucaliptos no município e arredores, visto que alguns de seus familiares estavam di-retamente envolvidos no plantio, pois trabalham para as companhias produtoras de celulose;

2º) a pesquisa exploratória foi realizada a partir da visita a uma empresa responsável pela maioria das plantações de eucalipto do municí-pio e, também, através de palestra informativa, proferida por um engenheiro florestal convidado pela professora;

3º) a pesquisa exploratória propiciou a elaboração de situações-problema levantadas pelos alunos e pela professora;

4º) a solução dos problemas e o desenvol-vimento do conteúdo matemático foram feitos a partir dos dados coletados pelos alunos e foram organizados em tabelas e gráficos a fim de serem explorados mais atentamente, construindo um modelo que representasse a situação pesquisada;

5º) por último, foi feita a análise crítica das atividades e soluções, bem como foram analisa-das as vantagens e desvantagens do plantio de eucaliptos para o Bioma Pampa.

A primeira pergunta feita pelos alunos, na visita à fazenda, foi sobre a altura máxima de um eucalipto. Para responder à questão, a professora

orientou os alunos a buscarem dados referentes à altura e o tempo de vida de um eucalipto. Os alunos, então, consultaram seus familiares, conversaram com os técnicos agrícolas e engenheiros florestais das empresas responsáveis pelo plantio de eucalip-tos da região para obterem as informações. A seguir, a professora orientou-os na elaboração da tabela dos dados obtidos, conforme expresso na Tabela 1.

Tabela 1: altura de uma árvore de eucalipto.Tempo de vida (anos) 0 1 2 3 4 5 6 7

Altura (metros) 0,4 6 13 18 22 25 28 30

Fonte: empresa Aracruz.

Esses dados elencados na Tabela 1 foram obtidos pelos alunos a partir do procedimento elaborado pela indústria produtora de celulose, que efetua o corte da planta aproximadamente sete anos após o plantio, porém os alunos co-mentaram que um eucalipto tem uma vida média muito maior do que sete anos.

Analisando os dados da Tabela 1, observa-se que há um aumento da altura em relação ao tempo de vida de uma árvore de eucalipto. Para melhor analisar o comportamento dos dados, traçou-se um gráfico onde no eixo x representou-se o tempo e, no eixo y, a altura do eucalipto.

Figura 1: altura de uma árvore de eucalipto.

Pelo gráfico traçado, pode-se considerar que o crescimento do eucalipto aproxima-se de uma função linear. A professora desafiou os alu-nos a descobrirem uma função que descrevesse esse fato a partir da pergunta: quanto o eucalipto cresceu a cada ano?

Os alunos efetuaram os cálculos e encon-traram a altura do eucalipto subtraindo a altura do ano anterior da altura do ano corresponden-te. Considerando que, no plantio, a muda de eucalipto já tem uma altura de 40cm, os alunos construíram a Tabela 2.

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Tabela 2: crescimento anual de um eucalipto.Ano 0 1 2 3 4 5 6 7

Altura (m) 0,40 5,6 7 5 4 3 3 2

Fonte: dados calculados pelos alunos.

Como, em cada ano, o crescimento foi diferente, a professora solicitou aos alunos que fizessem uma média entre as alturas do eucalipto nos 7 anos de vida. Ao fazerem o cálculo, eles de-terminaram o valor 4,2, isto é, verificaram que o eucalipto cresceu anualmente, em média, 4 metros e 20 centímetros. Ao traçar o gráfico com esses va-lores, alguns alunos desenharam a reta, partindo da origem. Outros grupos, mais atentos, comentaram que a reta não poderia começar da origem, pois, na hora do plantio, a muda já mede 40cm de altura. A professora ainda indagou: é possível descobrir a função que descreve esse crescimento? Alguns alunos analisaram o gráfico para tentar descobrir a função. Um grupo comentou que a equação deveria ser y = 4,2x, pois, a cada ano, o eucalipto crescia 4,2m. A professora desenhou no quadro o gráfico da reta. Ao verificarem que o gráfico passava pela origem, os alunos salientaram que não era essa a função, pois não foi considerada a altura do euca-lipto na hora do plantio. Dessa forma, questionou-se: como podemos modificar essa função para que o gráfico indique ter sido a muda plantada com 40cm de altura? A resposta a essa pergunta foi obtida pelos alunos juntamente com a professora,

analisando o gráfico e com a explicação sobre o significado das variáveis. A partir disso, concluí-ram que a equação que descrevia o crescimento do eucalipto podia ser y = 4,2x + 0,40.

Essa atividade permitiu explorar uma das propriedades fundamentais da função linear e dar um significado aos coeficientes da equação da reta.

De acordo com os dados fornecidos pelo engenheiro florestal em sua palestra, os alunos ob-tiveram a informação que um eucalipto tem uma vida média de cem anos. Assim, eles propuseram descobrir a altura de um eucalipto com 50 anos. Mas, com o modelo construído, os alunos verifi-caram que, aos 50 anos, a altura do eucalipto seria muito grande. Então concluíram que o modelo obtido não era adequado para descrever a altura da árvore em qualquer tempo. Por meio do modelo linear encontrado, a altura do eucalipto com esse tempo de vida seria de aproximadamente 210,40 metros, quando, na verdade, de acordo com as informações do engenheiro florestal, essa altura não ultrapassa, em média, 50 metros.

A professora sugeriu, então, revisar o mode-lo construído e buscar mais dados para construir um modelo que melhor descrevesse o crescimento de um eucalipto. Para tanto, os alunos buscaram dados reais na Internet e em revistas especializa-das sobre a altura atingida por um eucalipto. Os dados obtidos constam na Tabela 3.

Tabela 3: crescimento do eucalipto.Tempo (anos) 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 ... 20 30 40 ... 80 90 100

Altura (metros) 0,40 6 13 18 22 25 28 30 32 34 36 ... 38 41 43 ... 49 50 51

Fonte: informações fornecidas pela empresa Aracruz.

Com essas informações, a professora estimulou-os a usarem um programa computa-cional para representar graficamente os dados coletados. Optou-se pelo uso do software Excel para traçar o gráfico mostrado na Figura 2.

Figura 2: altura de uma árvore de eucalipto.

A busca de uma função que representasse o gráfico construído fugia aos propósitos do estu-do de funções de uma turma de 8ª série, por isso o modelo, nesse caso, não foi expresso por meio de uma função, e sim por meio de um gráfico.

Com o propósito de explorar o modelo construído graficamente, a professora solicitou aos alunos analisarem a sequência dos valores da Tabela 3, correspondentes à altura do euca-lipto.

Vários questionamentos foram feitos aos alunos, tais como:

a) a sequência dos valores que represen-tam a altura é crescente?

b) o eucalipto cresce igualmente a cada ano?

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Os alunos responderam afirmativamente à primeira questão. Alguns alunos, mais atentos, comentaram que o eucalipto crescia, mas que não ultrapassava 51 metros. Quando o eucalipto atingia aproximadamente essa altura, ele parava de crescer ou crescia mais lentamente.

Para responder à segunda questão, os alunos analisaram o gráfico e perceberam que, nos dez pri-meiros anos, o eucalipto cresce mais rapidamente. Cada grupo calculou quantos metros o eucalipto cresceu, a cada ano, na primeira década e compa-raram com a altura atingida nas demais décadas até 100 anos. Esses cálculos favoreceram a compreensão sobre a “velocidade” de crescimento e concluíram também porque a indústria efetua o corte dos euca-liptos aproximadamente aos 7 anos, pois, após esse período, o crescimento não é tão acentuado. Essa atividade permitiu responder à indagação feita por alguns alunos sobre quantos anos, após o plantio, os eucaliptos são cortados para a produção de celulose. Na verdade, os alunos queriam saber qual o tempo ótimo para o corte das árvores pela indústria. Eles analisaram as informações obtidas de seus familia-res e dos técnicos da indústria e compararam com os dados do gráfico representativo do crescimento do eucalipto para verificar se os dados do gráfico correspondiam à realidade.

Outras questões foram colocadas pela professora, tais como:

c) observando o gráfico, é possível desco-brir o domínio e o conjunto imagem da função mesmo sem conhecer sua lei?

d) que relação há entre o tempo de vida e a altura do eucalipto com o domínio e o conjunto imagem?

Esses questionamentos tinham como propósito dar um significado aos conceitos de domínio e imagem de uma função. Ao indagar se o número 300 poderia pertencer ao domínio da função, os alunos responderam que não, pois nunca viram um eucalipto durar 300 anos. Essas respostas confirmam que, quando o problema está relacionado à vida dos alunos, a aprendiza-gem tem significado para eles.

A professora continuou a desafiá-los e pôs a seguinte questão:

e) tentem descobrir no gráfico quanto o eu-calipto cresceu, a cada ano, na última década.

Para descobrir esses valores, os alunos fizeram aproximações e obtiveram as alturas mostradas na Tabela 4.

Tabela 4: aproximações da altura de um eucalipto dos 90 aos 100 anos.

Tempo (anos)

90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100

Altura (me-tros)

50 50,2 50,3 50,4 50,5 50,6 50,7 50,8 50,9 51 51

Fonte: dados calculados pelos alunos.

Observando os dados da Tabela 4, de que valor a altura do eucalipto está se aproximando? Ao analisarem os valores obtidos, os alunos che-garam à conclusão que 51m era a altura máxima do eucalipto. Eles comentaram:

Aluno 1: ... diminuiu o crescimento. O eucalipto pode viver mais alguns anos, mas ele não cresce muito mais do que isso...

Aluno 2: ... logo que planta ele cresce muito, depois cresce muito mais lento...

A professora aproveitou a discussão dos alunos e analisou com a turma a convergência da sequência dos números representativos da altura do eucalipto.

Aluno 1: ... quer dizer que dá para traçar uma reta aqui em cima (do gráfico) que a altura não chega até lá?

A professora solicitou que fizessem isso e, no laboratório de informática, auxiliou-os a traçar a reta com a ajuda do software Excel. Ela aproveitou a ocasião para explorar, nesse mo-mento, a noção de assíntota horizontal.

Figura 3: representação da assíntota horizontal.

Esses conceitos não faziam parte dos conteúdos que deveriam ser desenvolvidos na 8ª série, mas as perguntas dos alunos propiciaram

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essa abordagem, pois fazia parte da realidade deles. Sensível a essa realidade, a professora instigou-os a explorar os dados com mais profun-didade e buscar respostas às indagações feitas.

Villa-Ochoa et al. (2009) coloca que é necessário desenvolver o “sentido de realidade”, entendido como

... la sensibilidad que un profesor debe tener frente a la realidad, que además incluye la intuición y la capacidad de detectar las situaciones y oportu-nidades del contexto sociocultural frente a las cuales se pueda movilizar el conocimiento de los estudiantes, dicho sentido incluye una buena dosis de imaginación y creatividad. (VILLA-OCHOA et al., 2009, p.169)

A etapa da validação do modelo foi um momento significativo, pois os alunos consegui-ram estabelecer relações entre o que observavam no seu dia a dia com o que estava sendo abordado em sala de aula.

Após a análise e validação do modelo ma-temático construído, foi solicitado aos alunos que fizessem um levantamento das vantagens e des-vantagens da instalação de uma indústria de pro-dução de celulose na região. Muitas das respostas dos alunos apontaram, inicialmente, as vantagens da vinda da indústria, pois assim seus familiares tiveram a oportunidade de trabalhar. Mas, passados alguns meses do plantio de eucaliptos, a maioria dos trabalhadores foi dispensada, pois nesse mo-mento não é mais necessária a mão-de-obra de vários trabalhadores, diminuindo os empregados mantidos no setor. Outro ponto levantado por al-guns alunos foi em relação ao aproveitamento do solo. O modo como os eucaliptos foram plantados na região não permite a plantação de outra cultura, o que dificulta o sustento das famílias.

As reflexões feitas em sala de aula, apon-tando as vantagens e desvantagens do cultivo de eucaliptos, evidenciam o caráter interdisciplinar propiciado pelo uso da Modelagem Matemática como metodologia de ensino. Em vários momen-tos, percebeu-se o quanto os alunos haviam se apropriado das informações recebidas enquanto pesquisavam, como se pode constatar nessas fa-las, num dos momentos do trabalho em grupo:

Aluno 1: ...no dia da visita à plantação de eucalipto, a gente aprendeu que se

plantam eucaliptos para celulose, porque ele cresce muito mais rápido aqui no Brasil em relação a outros países...

Aluno 2: ...sim, e o agricultor pode vender suas árvores quando bem entender, se o preço não tá bom num ano, deixa a árvore lá e só vende no outro ano, e se a plantação for outra, isso não pode...

Aluno 1: ... a gente também viu que do eucalipto nada se perde, pois as folhas são vendidas separadamente para as indústrias de produtos farmacêuticos, higiene e alimentos...

Aluno 2: ...é ... e da madeira se fazem postes para luz, lenha, carvão, celulose e móveis...

Aluno 1: Professora, a gente não sabe se tem desvantagens no plantio de eucaliptos...

Aluno 3: ...nosso grupo encontrou, durante as pesquisas, que o eucalipto poderia transformar o pampa gaúcho num grande deserto verde, desequilibrando o meio ambiente e a água que tem no solo.

Aluno 1: ...isso não é bem assim... existem outras plantações que também prejudicam o solo... qualquer monocultura é prejudicial ao solo... meu pai disse que o importante seria trocar de cultivo após a primeira colheita para o solo se restabelecer...

Percebeu-se, nessa atividade, o grau de envolvimento dos alunos nas discussões acerca do tema. Notou-se que a motivação dos alunos na busca por informações a respeito desse assunto ia além das aulas, ultrapassando os portões da escola. Os alunos continuavam conversando com seus familiares a respeito do tema, o que enrique-ceu as discussões em sala de aula e propiciou um debate e, em alguns casos, a mudança de postura com relação ao que estava sendo abordado.

Considerações finais

Ensinar matemática através da Mode-lagem Matemática fez com que os alunos se sentissem mais motivados, pois estudavam Matemática utilizando informações advindas de sua realidade. Nessa tarefa, houve uma ruptura na sequência normalmente utilizada no ensino, onde primeiro se dá uma definição, depois um exemplo, logo mais os exercícios e a resolução de algum problema.

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Concorda-se com Bassanezi (2004) quan-do diz que um teorema deveria ser ensinado a partir da motivação, capaz de fomentar a formulação de hipóteses, a validação dessas hipóteses, discussão e novos questionamentos e depois o enunciado. Segundo ele, “estaríamos reinventando o resultado juntamente com os alunos, seguindo o processo de modelagem e conjugando verdadeiramente o binômio ensino-aprendizagem” (BASSANEZI, 2004, p.36).

Assim, constata-se que a Modelagem Ma-temática dá novo perfil ao trabalho do professor no momento em que ele deixa de ser detentor do conhecimento e transmissor do saber, e passa a ser percebido como aquele que está conduzindo, participando das atividades (BARBOSA, 2004).

As análises feitas nessa investigação per-mitiram concluir que a Modelagem Matemática favoreceu a participação do aluno nas atividades da sala de aula e fora dela, a aprendizagem de conceitos matemáticos e a exploração do tema. Essa explora-ção propiciou uma discussão e uma integração entre os conteúdos matemáticos e as questões ambien-tais, permitindo que os alunos compreendessem a importância da preservação do meio ambiente e analisassem as vantagens e desvantagens do plantio de eucaliptos para o bioma pampa.

Referências

BARBOSA, J. C. Modelagem na Educação Ma-temática: uma perspectiva. In: ENCONTRO PARANAENSE DE MODELAGEM EM EDUCA-ÇÃO MATEMÁTICA, 1., 2004, Londrina. Anais... Londrina: UEL, 2004. 1 CD-ROM.

BASSANEZI, R. C. Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma nova estratégia. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2004.

BRASIL. Lei 9.795, de 27 de abril de 1999. Dis-põe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental. Disponível em: <www.verdescola.org/donloads/LEI9795-99A.pdf> Acesso em: 08 ago. 2008.

BRASIL. Ministério da Educação (1998). Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curricu-lares Nacionais: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/matematica.pdf> Acesso em: 10 out. 2008.

BURAK, D. Modelagem Matemática e a Sala de Aula. In: ENCONTRO PARANAENSE DE MO-DELAGEM EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 1, 2004, Londrina. Anais... Londrina: UEL, 2004. 1 CD-ROM.

VILLA-OCHOA, J. A. et al. Sentido de Realidad y Modelación Matemática: el caso de Alberto. In: Alexandria – Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, v.2, n.2, p.159-180, jul. 2009.

Kátia Luciane Souza da Rocha – Mestranda do curso de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Matemática do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria/RS.

Eleni Bisognin – Doutora em Matemática e professora do curso de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Física e de Mate-mática do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria/RS.

RECEBIDO em: 15/09/2009CONCLUÍDO em: 13/10/2009

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UMA ANÁLISE DO DOMÍNIO DAS ESTRUTURAS ADITIVAS COM ESTUDANTES DA 5ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL

Domain Structures Additives: An Analyses with Students from 5th Grade of Elementary School

Eurivalda R. dos S. Santana

Irene Maurício Cazorla

Antonio Marcelo Oliveira

Resumo

O presente artigo tem como objetivo apresentar um estudo diagnóstico do domínio das Estruturas Aditivas à luz da Teoria dos Campos Conceituais, com estudantes da 5ª série do ensino fundamental de duas escolas públicas na região Sul da Bahia. Participaram da pesquisa 38 estudantes que responderam a um instrumento com 10 situações-problema de adição e subtração. Não foram encontradas diferenças significativas no desempenho médio por gênero e sim por idade, sendo que os estudantes na idade recomendada (11 e 12 anos) na série tiveram um desempenho superior aos que tinham defasagem série–idade. Nas duas situações-problema em que ocorreram as menores taxa de acerto, observou-se que os estudantes não conseguem extrair a informação correta da situação, indicando uma falta de compreensão do enunciado. Situações-problema com números no contexto espacial ou temporal (horas ou anos) também ofereceram dificuldades. Com os protótipos, que, segundo a teoria, são menos complexos, os estudantes não alcançaram o teto de 100% de acerto. Por fim, observou-se que a maior dificuldade reside no cálculo relacional, embora persistam erros no cálculo numérico, como, por exemplo, alguns não conseguiram distinguir as ordens e classes dos números. Esses resultados mostram que é preciso que os professores façam estudos no início do ano escolar, a fim de detectar as lacunas persistentes no domínio dos conceitos do Campo Aditivo e propor ações para reverter esse quadro.

Não se pode continuar a ignorar essas lacunas, sob pena de comprometer o ensino de conteúdos matemáticos mais avançados, perpetuando o círculo vicioso da “não” aprendizagem da Matemática.

Palavras-chave: Estruturas Aditivas. Estudo de caso. Ensino fundamental.

Abstract

This paper aims to reflect a diagnostic study of the domain of additive structures, the light of Conceptual Fields Theory, with students from 5th grade of elementary school, from two public schools in the South of Bahia. Thirty eight students participated, who answered an instrument with 10 problem situations of addition and subtraction. There were no significant differences in average performance by gender, but differences were found by age. The students with the right ages (11 and 12 years) in their respective grades performed better than those with no proportional age-grade. In two problem situations that with more incorrect answer, it was observed that the students can’t extract the correct information of the situation, indicating a lack of understanding of the statement. Problem situations with numbers in the context of space or time (hours or years), also imposed difficulties. And the prototypes, which according to the theory are less complex, the students have not reached the ceiling of 100% hit. Finally, we observed

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that the greatest difficulty lies in the relational calculus, although there remain errors in the numerical calculation, for example, some could not distinguish between orders and classes of numbers. These results demonstrate the teachers’ need to conduct studies at the beginning of the school year in order to identify the existing gaps in the concepts of Additive Field and propose actions to reverse this situation. These gaps can’t continue to be ignored, which can undermine the teaching of advanced mathematics, perpetuating the vicious circle of the ‘no’ learning of mathematics.

Keywords: Additive Structures. Case study. Elementary school.

Introdução

O Relatório do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB) de 2005, publicado em Primeiros Resultados SAEB/2005 (2007), aponta, numa escala de 0 a 500, para a proficiência em Matemática uma média de 182,4 para os estu-dantes da 4ª série, 239,5 da 8ª série do ensino fundamental e 271,3 da 3ª série do ensino médio, não alcançando níveis satisfatórios na prova de Matemática.

Na dimensão curricular Números e Ope-rações, alunos com essas médias têm desenvol-vidas as capacidades em níveis mais baixos da escala SAEB, como a de calcular resultados de subtrações mais complexas. Todavia, são níveis baixos, pois os estudantes não conseguem efetuar cálculos simples envolvendo as quatro opera-ções, havendo diferenças significativas entre as regiões brasileiras.

Não podemos deixar de levar em consi-deração que o fraco desempenho em Matemá-tica na educação básica acaba por se refletir no desempenho nos cursos de nível universitário que demandam base matemática, ocasionando um elevado número de reprovações nas disci-plinas de Cálculo. Muitos cursos são obrigados a oferecer disciplinas de revisão de conteúdos de Matemática, gerando prejuízos para o país.

Estudos desenvolvidos no Sul da Bahia por Cazorla e Santana (2005) e Santana e Cazorla (2005), envolvendo 138 professores de escolas públicas de seis municípios, que lecionavam na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, mostram um quadro preocupante. Para a maioria desses professores,

o ensino de Matemática até a 4a série resume-se, basicamente, ao ensino das quatro operações que envolvem os números naturais. As razões mais apontadas para tal condição foram a falta de co-nhecimentos prévios e as sérias deficiências na leitura e escrita da língua materna por parte dos estudantes. Em consequência, esses professores passam boa parte do ano letivo tentando sanar as deficiências e lacunas da série anterior, sem tempo de trabalhar os conteúdos conceituais e procedimentais da série, formando-se um círculo vicioso e um efeito dominó, que se alastra série após série, acumulando deficiências e dificul-dades.

Essas deficiências se alastram para a 5ª série1. Em tese, todo estudante da 5ª série deveria ter um considerável domínio das Es-truturas Aditivas. Embora, pela própria Teoria dos Campos Conceituais, sabe-se que o domínio pleno de um Campo Conceitual tem um proces-so natural de maturação (VERGNAUD, 1982), isto é, mesmo no final da 4ª série, algumas situações-problema2 mais complexas das Estru-turas Aditivas ainda apresentarão dificuldades para alguns estudantes.

Estudos realizados na região Sul da Bahia com estudantes de 5ª revelaram que muitos es-tudantes chegam à série com graves lacunas nas operações fundamentais (PEIXOTO; SANTANA; CAZORLA, 2006). Resultados que são vivencia-dos nas nossas salas de aula, como professores de Matemática.

Esses fatores acabam comprometendo o desenvolvimento dos conteúdos conceituais e pro-cedimentais próprios da 5ª série, tendo que dedicar parte do ano letivo à revisão desses conteúdos.

Visando compreender as dificuldades e as lacunas ainda presentes no domínio das Es-truturas Aditivas na 5ª série, foi desenvolvida a presente pesquisa, cujas questões norteadoras foram: qual é o nível de domínio das Estruturas Aditivas de estudantes da 5ª série? Que categoria de situações-problema apresenta maior dificul-dade na sua solução?

1 5ª série corresponde ao 6º ano da nomenclatura da atual legislação.2 Adotamos os termos situação-problema e situação como sinônimos. Usamos as duas formas durante todo o texto para nos referirmos aos problemas matemáticos em questão.

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A teoria dos campos conceituais

A Teoria dos Campos Conceituais, desen-volvida por Gérard Vergnaud, fornece elementos que possibilitam a análise das dificuldades dos estudantes durante o processo de aquisição do conhecimento.

Dessa forma, essa teoria apresenta um qua-dro coerente para o estudo do desenvolvimento e da aprendizagem de competências complexas.

Segundo Vergnaud (1982), o conhecimen-to deve ser visto dentro de Campos Conceituais. O domínio de um dado Campo Conceitual ocorre dentro de um longo período de tempo por meio da experiência, maturação e aprendizagem. Considerando que as crianças normalmente constroem um Campo Conceitual através da experiência na vida diária e na escola, esses fatores perpassam necessariamente pela vida escolar delas.

A aprendizagem é, por excelência, de responsabilidade escolar. Trata-se de um fator que atua na construção do conhecimento do estudante a partir da atuação do professor (suas escolhas, seu planejamento e desenvolvimento de experimentos didáticos).

Para Vergnaud, um Campo Conceitual significa:

Um conjunto informal e hetero-gêneo de problemas, situações, conceitos, relações, conteúdos e operações de pensamento conecta-dos um ao outro e provavelmente interligados durante o processo de aquisição. (VERGNAUD, 1982, p.40, tradução nossa)

Os componentes de um Campo Conceitual podem ser apresentados aos estudantes através de determinadas situações-problema. Quando confrontados com essas situações, os estudantes mobilizam esquemas que são desenvolvidos de forma individual.

Assim, a aquisição de um dado conceito ocorre por intermédio de situações. Quando confrontados com essas situações, os estudantes mobilizam esquemas, que variam de acordo com a experiência e com o desenvolvimento cognitivo do sujeito.

Na Teoria dos Campos Conceituais, a construção de um conceito envolve uma terna

de conjuntos. Segundo essa teoria, o conceito é chamado simbolicamente de C=(S, I, R), onde:

S é um conjunto de situações que tornam o conceito significativo; I é um conjunto de invariantes (proprie-dades e relações) que podem ser re-conhecidos e usados pelo sujeito para analisar e dominar essas situações; R conjunto de formas pertencentes e não pertencentes à linguagem que permitem representar simbolicamen-te o conceito, as suas propriedades, as situações e os procedimentos de tratamento (o significante). (VERG-NAUD, 1996, p.166)

Pode-se destacar que o conjunto de situ-ações é o referente do conceito; os invariantes são os significados do conceito, enquanto que as representações simbólicas são os signifi-cantes.

É importante que o professor compreenda que um conceito não emerge de forma isolada ou num único tipo de situação, assim como uma simples situação envolve mais do que um con-ceito. Por essa razão, o professor precisa preparar e organizar suas atividades, em sala de aula, de forma a oferecer as mais diversas situações em que os conceitos, de um referido Campo Concei-tual, estão envolvidos.

As estruturas aditivas

O Campo Conceitual das Estruturas Aditivas envolve uma grande diversidade de conceitos, tais como o conceito de número (na-tural, inteiro, racional, etc.), numeral, antecessor, sucessor; ações tais como seriar, ordenar, reunir, somar, acrescentar, subtrair, separar, afastar, transformar, comparar, etc. O conceito de núme-ro enquanto medida (maior que, menor que), o Sistema de Numeração Decimal, a base de um sistema de numeração; situações envolvendo esses números, entre outros.

Por essa razão, o domínio desse campo ocorre a médio e longo prazo, pois, de um lado, requer a maturação do aprendiz e, de outro, o papel da escola no desenvolvimento, devendo ser proposto ao longo do ensino fundamental.

De acordo com Vergnaud (1996), o Campo Conceitual das Estruturas Aditivas é, ao mesmo tempo, o conjunto das situações cujo tratamento

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implica uma ou várias adições ou subtrações e o conjunto dos conceitos e teoremas que per-mitem analisar essas situações como tarefas matemáticas.

Existem seis relações de base a partir das quais as situações-problema de adição e subtra-ção podem ser classificadas. Isso tomando como base Vergnaud (1991) e uma releitura nossa:

composição: nessa categoria, é possível relacionar parte–todo;

transformação : nessa categoria, é possível relacionar estado inicial, uma transformação que leva a um estado final;

comparação: nessa categoria, é possível relacionar duas partes comparando-as, tendo sempre duas partes, as quais são denominadas de referente e referido, e uma relação fixa entre elas;

composição de transformações: nessa categoria são dadas transformações e se busca uma nova, que será determinada através de uma composição;

transformação de uma relação estática: nessa categoria, é dada uma relação estática, e busca-se uma nova, que é gerada a partir da transformação da relação estática dada;

composição de relações estáticas: nessa categoria, é feita uma composição das relações estáticas dadas.

Para entender melhor essa classificação, é preciso ver as considerações feitas nessa teoria para: transformação, relação e medida.

Pode-se verificar que Vergnaud (1991) define o conjunto dos números naturais como um conjunto formado por números sem sinal, ou seja, não são nem positivos e nem negativos.

N= {0, 1, 2, 3, 4,...}E o conjunto dos inteiros é chamado de

conjunto dos números relativos, sendo um con-junto formado por números inteiros positivos ou negativos.

Dessa forma, na Teoria dos Campos Con-ceituais, as medidas são representadas pelos números naturais, são números sem sinal, são chamadas de relações estáticas. As transfor-mações e as relações são representadas pelos números relativos, ou seja, ou são positivas ou são negativas.

Buscando uma síntese das situações-problema envolvidas nas Estruturas Aditivas e da sua classificação por extensões desenvolvida por Magina et al. (2008), apresenta-se no Quadro 1 um resumo da classificação dos diferentes tipos de situações para as três primeiras categorias.

Extensão Composição Transformação Comparação

Protótipo CP – Todo desconhecido: Ana tem 4 canetas brancas e 5 pretas. Quantas canetas ela tem

ao todo?

TP – Estado final desconhecido: Bete tinha 4 bonecas. Papai deu mais 3 bonecas a ela.

Quantas bonecas Bete tem agora?

1ª extensão C1 – Uma das partes desconhecida: Pedro gastou R$12,00 para comprar uma bola e um caderno. O caderno custou R$ 8,00. Quanto

custou a bola?

T1 – Transformação desconhecida: João tinha 6 bolas. Ganhou algumas e ficou com 10. Quan-

tas bolas ele ganhou?

2ª extensão CA2 – Referido desconhecido: Cláu-dio tem 9 figurinhas e Vinícius tem 5 figurinhas a mais que ele. Quantas

figuras tem Vinícius?

3ª extensão CA3 – Relação desconhecida: Maria tem 5 bonecas e Telma 8 bonecas. Quem que tem menos bonecas?

Quantas a menos?

4ª extensão T4 – Estado inicial desconhecido: Carla com-prou 2 livros e ficou com 10 livros. Quantos

livros ela tinha antes?

CA4 – Referente desconhecido: no final do jogo de gude, Artur ficou com 14 gudes. Sabendo que Artur

tem 6 gudes a mais que Everton, com quantos gudes ficou Everton?

Quadro 1: exemplos das extensões das três categorias simples das Estruturas Aditivas.

Segundo Vergnaud, as situações-problema oferecem naturalmente mais dificuldades quan-do se tornam mais complexas. Por exemplo, os protótipos são muito intuitivos, e mesmo

crianças pequenas conseguem resolver esse tipo de situação. Já as da 4ª extensão, que envolve inversão, são as mais complexas.

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Procedimentos metodológicos

Trata-se de uma pesquisa do tipo explora-tória, que, segundo Fiorentini e Lorenzato (2006), é utilizada quando o “pesquisador, diante de uma problemática ou temática ainda pouco definida e conhecida, resolve realizar um estudo com o intuito de obter informações ou dados mais esclarecedores e consistentes sobre ela”, mas também se trata de um estudo de caso, pois os sujeitos foram escolhidos em escolas por amostragem de conveniência.

Segundo Fiorentini e Lorenzato (2006, p.110), “o estudo de caso busca retratar a re-alidade de forma profunda e mais completa possível, enfatizando a interpretação ou análise do objeto, [...] e não favorece a generalização.” Para os autores, o caso pode ser qualquer sistema delimitado; em nosso estudo, esse sistema foram as duas turmas de estudantes.

Participaram da pesquisa 38 estudantes matriculados na 5ª série, de duas escolas públi-cas da cidade de Itabuna, localizada na região Sul da Bahia.

Foi aplicado um instrumento, do tipo lápis e papel, contendo dez situações-problema de adição e subtração, que foram adaptadas dos livros didáticos da 5ª série. Contudo, a segunda situação tinha dois itens, e por essa razão a res-posta foi considerada correta quando o estudante respondeu corretamente aos dois itens simulta-neamente; caso o estudante tivesse respondido somente a um dos itens, mesmo que de forma correta, a resposta à situação seria considerada errada. Todavia, para análise do desempenho por situação-problema, a segunda foi desdobrada em duas, sendo o primeiro item uma situação-problema de transformação, e o segundo, de composição.

O instrumento foi aplicado nas escolas por um dos pesquisadores, de forma coletiva, durante uma única seção de duas horas/aula, no mês de novembro de 2006.

As respostas dadas às situações-problema foram categorizadas como certas, atribuindo-se um ponto, e não certas (erradas ou deixadas em branco), atribuindo-se zero ponto; consequentemente, o nú-mero de respostas corretas variou de zero a dez.

Para analisar as diferenças significativas no desempenho por sexo, foi utilizado o teste t-student, e, por idade, foi utilizada a técnica

de análise de variância (ANOVA), por meio do teste F e, quanto este detectou diferenças signi-ficativas entre as médias, foi utilizado o teste de comparações múltiplas de Duncan. O nível de significância utilizado foi de 5%, porém em todos os casos as estatísticas foram acompanhadas do p-valor, dando ao leitor liberdade para extrair suas próprias conclusões. O tratamento dos dados foi realizado com o programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) (NORUSIS, 1993).

Análise de resultados

Ao todo, participaram da pesquisa 38 estudantes, sendo 23 da Escola A e 15 da Escola B, ambas conveniadas com a Secretaria Estadual de Educação.

A idade variou de 10 a 14 anos, sendo que a maioria tinha entre 11 e 12 anos; a idade média foi de 11,9 anos, com desvio padrão 1,2 anos, conforme ilustra a Figura 1. A maioria (57,9%) era do gênero feminino.

Figura 1: distribuição da idade dos estudantes.

Desempenho dos estudantes

O número de respostas corretas variou de zero a dez, com média igual a 5,6 e desvio pa-drão de 2,5 respostas corretas. A Figura 2 ilustra o desempenho dos estudantes, e nela se pode observar que 42,2% responderam corretamente entre 7 e 8 situações-problema. A mediana do número de respostas corretas foi seis; isso impli-ca que 50% dos estudantes responderam a seis situações ou menos de forma correta.

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Figura 2: distribuição das notas dos estudantes.

O desempenho por gênero mostra que as meninas tiveram um desempenho médio ligeiramente superior, em uma resposta correta e um desempenho mais homogêneo do que os meninos. Essas diferenças, contudo, não foram estatisticamente significativas (t(36) = -1,189; p

= 0,242). A Figura 3 ilustra o desempenho por gênero.

Figura 3: desempenho na prova por gênero.

A diferença do desempenho por idade foi estatisticamente significativa (F(4,33) = 4,029; p = 0,009), conforme mostra a Tabela 1. Pode-se ob-servar que os estudantes na idade certa, na série, foram os que obtiveram melhor desempenho.

Tabela 1: desempenho na prova por idade.

Idade Nº de estudantes

Nº de respostas corretas

Mínimo Máximo Média (*) Desvio padrão

10 3 4 6 5,33 ab 1,155

11 14 2 9 6,50 a 2,245

12 11 4 10 6,45 a 1,695

13 5 0 6 3,00 b 2,550

14 5 0 7 3,60 b 2,608

Total 38 0 10 5,55 2,457

(*) Média com letras iguais não diferem estatisticamente, segundo o teste de Duncan.

Análise do desempenho dos estudantes nas situações-problema

O Quadro 2 mostra o desempenho dos estudantes em cada tipo de situação-problema na ordem em que foram apresentados no ins-trumento, e a Figura 4 ilustra o desempenho

dos estudantes ordenados pela porcentagem de acertos nas situações-problema. Observa-se que nenhuma das situações-problema alcançou uma taxa de 100% de acerto, e as duas melhores taxas de acerto aconteceram em protótipos de composição (P1) e de trans-formação (P4).

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Nº Tipo Situação-problemaPorcentagem

Certo Errado Em branco

P1Composição

protótipoUma empresa tem 1.748 pessoas trabalhando na sua fábrica e 566

trabalhando no escritório. Quantas pessoas trabalham nessa empresa?84,2 13,2 2,6

P2*

Transformação protótipoFazendo seus exercícios diários, Beto correu 2.570 metros no sábado.

No domingo, ele correu 750 metros a mais.a) Quantos metros Beto correu no domingo?

81,5 13,2 5,3

Composição protótipo b) Quantos metros ele correu nos dois dias? 26,3 21,1 52,6

Responderam corretamente os dois itens a e b. 26,3 68,4 5,3

P3Transformação

4ª extensãoDepois de gastar R$ 135,00 em uma loja, Gustavo ficou com R$

265,00. Qual a quantia que ele tinha inicialmente?71,1 28,9 0,0

P4 Transformação protótipoQuando Daniel nasceu, seu pai tinha 33 anos. Hoje Daniel tem seis

anos. Qual a idade atual do pai de Daniel?79,0 18,4 2,6

P5Composição

de relações estáticas

Comprei três objetos. O primeiro custou R$ 205,00; o segundo custou R$ 123,00 a mais que o primeiro, e o terceiro custou R$ 187,00 mais

do que o segundo. Quanto gastei ao todo?10,5 79,0 10,5

P6 Composição protótipoDois amigos saíram da mesma casa, cada um foi para um lado. Marce-lo andou 3km para um lado e Rose andou 5km para o outro lado. Qual

é a distância que um teria de caminhar para chegar ao outro?34,2 52,6 13,2

P7Comparação 3ª extensão

Numa sala havia 36 estudantes e 14 cadeiras. Quantas cadeiras preci-samos buscar para que todos possam sentar-se?

73,7 18,4 7,9

P8Composição1ª extensão

Numa caixa de ovos cabem 36 ovos. A caixa está com 22 ovos. Quan-tos ovos devemos adicionar para completar a caixa?

76,3 18,4 5,3

P9Transformação

4ª extensãoJoão completou 18 anos hoje. Em que ano ele nasceu?

42,1 47,4 10,5

P10 Composição protótipo

Logo que acorda, Maria gasta 20 minutos tomando banho, depois ela gasta 10 minutos para tomar café e, em seguida, caminha uma hora e meia para chegar à escola. Quanto tempo Maria gasta desde que

acorda até chegar à escola?

57,9 34,2 7,9

* A segunda situação-problema tinha duas questões a e b. Para efeitos de contagem de respostas corretas, foram consideradas corretas apenas aquelas que os estudantes responderam corretamente aos dois itens.

Quadro 2: desempenho dos estudantes nas situações-problema das Estruturas Aditivas.

O fato de os estudantes não terem consegui-do 100% de acerto nas situações-problema protó-tipos, que são os que oferecem menor dificuldade na sua solução, é preocupante, tendo em vista que se trata de estudantes da 5ª série. Segundo Magina et al. (2008) essas situações são intuitivas, pois as mesmas são tratadas pelas crianças em sua vida diária, mesmo antes de entrar na escola, levando-as a ter melhor desempenho em situações desse tipo.

Figura 4: desempenho dos estudantes nas situações-problema.

A seguir, apresenta-se uma análise do desempenho dentro das categorias seguindo a ordem decrescente da taxa de acerto.

a) Desempenho nas situações-problema de composição

A Figura 5 ilustra o desempenho nas situações de composição, que serão analisadas logo a seguir.

Figura 5. Desempenho dos estudantes nas situações-problema de composição.

A primeira situação-problema era um pro-tótipo de composição: “Uma empresa tem 1.748

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pessoas trabalhando na sua fábrica e 566 traba-lhando no escritório. Quantas pessoas trabalham nessa empresa?”. São dadas as duas partes e se pede o valor do todo. A maior parte dos estudantes armou e somou corretamente, atingindo uma taxa de acerto de 84,2%, embora se esperasse que todos os estudantes conseguissem responder de forma correta. Entre os estudantes que não responderam à questão corretamente, foi observado que alguns escolheram a operação correta, porém operaram de forma incorreta, denotando falta de compreen-são das ordens e classes dos números.

Em estudo similar realizado por Magina et al. (ibid.), com estudantes da grande São Paulo, as autoras encontraram que 91% dos estudantes da 1ª série acertaram as situações de composição protótipo, resultado distante dos encontrados nesta pesquisa. Talvez essa diferença se deva às desigualdades socioconômicas das duas regiões.

A oitava situação-problema: “Numa caixa de ovos cabem 36 ovos. A caixa está com 22 ovos. Quantos ovos devemos adicionar para completar a caixa?”, é uma situação de composição de 1ª ex-tensão. É dado o todo, uma das partes e se pede a outra parte. Aqui os estudantes obtiveram 76,3% de acerto e 18,4% de erro. Todos os que erraram nessa situação somaram, ao invés de subtrair, denotando falta de compreensão do cálculo rela-cional. Como existe incongruência entre o verbo (adicionar) e a operação a ser realizada (subtra-ção), os resultados levam-nos a acreditar que a expressão “devemos adicionar” induziu esses estudantes à operação de adição. Considerando que esse é o procedimento comumente observado nas salas de aula, os estudantes são conduzidos da seguinte forma: se o verbo é, por exemplo, adicionar, ganhar, aumentar, a operação a ser realizada é de adição. Essa maneira de conduzir o trabalho com a resolução de situações aditivas dificulta o desenvolvimento das relações de pensamento necessárias, pois o estudante deixa de realizar um cálculo relacional adequado para buscar uma “dica” que, muitas vezes, não conduz à compreensão da situação e, consequentemente, dos conceitos nela envolvidos.

A décima situação-problema: “Logo que acorda, Maria gasta 20 minutos tomando banho, depois ela gasta 10 minutos para tomar café e, em seguida, caminha uma hora e meia para chegar à escola. Quanto tempo Maria gasta desde que acorda até chegar à escola?” é um protótipo de

composição que traz três partes e se pede o todo. Porém, os números envolvidos eram de horas e minutos, isto é, base sexagesimal. Nessa situação, 57,9% acertaram e 34,2% erraram.

Entre os estudantes que acertaram, a maior parte converteu as horas em minutos, operaram de forma correta e, depois transfor-maram os minutos em horas, isto é, utilizaram a base sexagesimal. Outros utilizaram a notação em minutos, sem fazer a conversão, operando corretamente.

Já entre os estudantes que erraram, a maio-ria errou na obtenção da informação esquecendo a última parcela; outros se atrapalham com uma hora e meia, que representaram como 130 ou como 01:00, ou, ainda, como 35. Esses resultados mostram as dificuldades dos estudantes em resol-ver as situações-problema que envolvem unidades de tempo, indicando a necessidade do trabalho em sala de aula com os sistemas de medidas.

A sexta situação-problema: “Dois amigos saíram da mesma casa, cada um foi para um lado. Marcelo andou 3km para um lado e Rose andou 5km para o outro lado. Qual é a distância que um teria que caminhar para chegar ao outro?”, um protótipo de composição, os números envolvidos estão no contexto espacial, no qual se conhecem as partes caminhadas e se busca o todo. Apenas 34,2% responderam de forma correta adicionando as duas distâncias.

Magina et al. (2008) trabalharam com essa mesma situação-problema com estudantes das séries iniciais, e apenas a metade dos estudantes da 4ª série conseguiram responder corretamente à situação.

Embora esperássemos que nessa situação os percentuais de acerto ficassem em baixos pa-tamares, a média de acerto de 34,2%, ficou muito abaixo de nossas expectativas. A maioria (52,6%) dos estudantes subtraiu as distâncias ao invés de adicionar; esse esquema de resolução parece estar associado à própria situação, pois os estudantes podem ter imaginado a casa como um referencial, no caso um “ponto zero”, uma distância de 3km para um lado e outra de 5km para o outro. Assim as distâncias caminhadas estariam em sentidos opostos, o que pode ser associado à operação de subtração, ou seja, a diferença entre as distâncias percorridas seria o que faltava para chegar ao ou-tro. Contudo, estas são apenas inferências sobre as verdadeiras relações de pensamento empregadas

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pelos estudantes para colocar 2km como respos-ta da situação, sendo necessário realizar outras pesquisas mais aprofundadas para entender os esquemas utilizados pelos estudantes.

A segunda situação-problema, item b: “Quantos metros ele correu nos dois dias?” também era um protótipo de composição, porém acompanhava um primeiro item. A maior parte (52,6%) dos estudantes deixou em branco; 21,1% erraram e apenas 26,3% acertaram. Parece que os estudantes compreendem que responder o primeiro item é suficiente.

b) Desempenho nas situações-problema de transformação

O desempenho nas situações-problema de transformação pode ser apreciado na Figu-ra 6. Sendo mais fácil a segunda, item (a) e, a mais difícil a nona, que é de 4ª extensão, com inversão.

Figura 6: desempenho dos estudantes nas situações-problema de transformação.

A segunda situação-problema, item a: “Fazendo seus exercícios diários, Beto correu 2.570 metros no sábado. No domingo, ele cor-reu 750 metros a mais. a) Quantos metros Beto correu no domingo?” Um protótipo de transfor-mação. A maior parte dos estudantes respondeu corretamente (81,5%) e 13,2% erraram. Os erros mais frequentes foram: escolher a operação de subtração no lugar da adição, e, ao escolher a adição, errar ao efetuá-la. A expressão “a mais” é congruente com a operação a ser realizada (adição), talvez essa congruência tenha efeito direto no bom desempenho dos estudantes. Vale ressaltar, ainda, que uma parte dos estudantes que errou o fez no cálculo numérico, pois esco-lheu a operação de adição corretamente, porém teve dificuldades ao efetuar a operação.

A quarta situação-problema um protótipo de transformação: “Quando Daniel nasceu, seu pai tinha 33 anos; hoje, Daniel tem seis anos. Qual é a idade atual do pai de Daniel?”. A informação da transformação é dada pela idade do filho. Nessa situação, 79,0% acertaram e 18,4% erraram. Os erros mais comuns foram: errar ao efetuar a ope-ração (erro no cálculo numérico); extrair as infor-mações de forma incorreta na situação (erro no cálculo relacional); errar na escolha da operação (erro no cálculo relacional). Observa-se que, entre os estudantes que erraram, os tipos de erro estão de certa forma mais ligados ao cálculo relacional do que ao cálculo numérico.

A terceira situação-problema: “Depois de gastar R$ 135,00 em uma loja, Gustavo ficou com R$ 265,00. Qual a quantia que ele tinha ini-cialmente?”. Uma transformação de 4ª extensão com inversão. Os estudantes foram relativamen-te bem, uma vez que 71,1% responderam de forma correta e 28,9% erraram. Entre os erros, novamente os mais frequentes aconteceram no cálculo relacional, quando os estudantes erraram na escolha da operação e na obtenção dos dados da situação.

A nona situação-problema: “João com-pletou 18 anos hoje. Em que ano ele nasceu?”. Transformação de 4ª extensão com inversão, em que 42,1% acertaram, tendo 47,4% de erros. Sendo que os erros aconteceram tanto na opera-cionalização do algoritmo (no cálculo numérico) como na obtenção dos dados da situação e na escolha da operação (cálculo relacional). Ob-serva-se que os estudantes apresentaram maior dificuldade na resolução dessa situação que na terceira. Os resultados mostram certa dificuldade dos estudantes para relacionar a idade de João hoje, com o ano atual do calendário. A omissão das informações, ou seja, as informações não serem colocadas de forma explícita parece ser um fator de interferência no desempenho. Mais uma vez um fator ligado ao cálculo relacional parece exercer forte influência no desempenho dos estudantes.

c) Desempenho na situação-problema compo-sição de relações estáticas

A quinta situação-problema: “Comprei três objetos. O primeiro custou R$ 205,00; o segundo custou R$ 123,00 a mais que o primeiro, e o ter-

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ceiro, custou R$ 187,00 mais do que o segundo. Quanto gastei ao todo?” é classificada na categoria “composição de relações estáticas” por causa das relações envolvidas em sua estrutura. Há três re-lações estáticas dispostas dentro da situação apre-sentada. Contudo, devemos considerar que para obter o valor das relações o estudante vai resolver duas comparações de 2ª extensão. Estamos, porém, analisando apenas a estrutura maior da situação, que é uma composição de relações estáticas.

Já era esperado um baixo desempenho dos estudantes nessa categoria, visto sua complexi-dade e por ser uma categoria pouco trabalhada em sala de aula. Dessa forma, apenas 10,5% responderam de forma correta, e esses estudantes utilizaram o seguinte esquema de resolução:

1º objeto 2º objeto 3º objeto Os três objetos

205 205+123328

328+187515

205+3285151048

A maior parte dos estudantes (79,0%) errou no cálculo relacional, somando os três valores, o que correspondia ao preço do terceiro objeto, es-quecendo de encontrar o valor do segundo objeto e o valor total da compra, como se mostra a seguir:

Erra na obtenção da informação

Erra na soma dos três Opera corretamenteSoma os três valores de

forma errada

123 205 1º +187 123 2º

310 310 3º 838

123 205 1º+187 23 2º

310 310 3º 638

205,00123,00187,0054.500

Os estudantes não conseguiram compre-ender as relações de comparação estabelecida na situação. A tendência foi apenas repetir o valor a mais de cada objeto, indicando que o estudante toma apenas os valores numéricos, sem interpre-tar as relações apresentadas. Contudo, essas são apenas conjecturas sobre as verdadeiras relações de pensamento utilizadas pelos estudantes.

d) Desempenho na situação-problema de com-paração

A sétima situação-problema: “Numa sala havia 36 estudantes e 14 cadeiras. Quantas ca-deiras precisamos buscar para que todos possam sentar-se?”. A única de comparação sendo de 3ª extensão e houve uma boa taxa de acerto (73,7%), sendo 18,4% de erros.

A seguir, dois tipos de erros registrados pelos estudantes na resolução dessa situação, sendo um apenas no cálculo relacional e outro no cálculo relacional e no numérico.

Erra na escolha da operação, porém soma corretamente (cálculo rela-

cional)

Erra na escolha da operação e soma errado (cálculo relacional e

numérico)

36+14 50

36+14 40

Observa-se que a maioria dos estudantes que erraram fez o cálculo numérico corretamen-te, porém demonstrou certa falta de compreensão da situação tendo dificuldades para estabelecer as relações dos valores apresentados. Implicando uma concentração de erros no cálculo relacio-nal. Parece que a palavra “precisamos buscar” induziu à adição, pois, ao aumentar o número de cadeiras, o estudante pode ter relacionado à operação de adição.

Considerações finais

Entre os principais resultados, podem ser destacados que mesmo em situações-problema pro-tótipos, os estudantes não conseguem fechar 100% de acerto. Por outro lado, as situações nas quais a taxa de acerto é pequena, a razão é a falta de compre-ensão da situação, esquecendo de responder a todas as questões contidas em cada situação-problema, havendo uma concentração dos erros ligados ao cálculo relacional, ou seja, são apontadas lacunas na interpretação e compreensão das situações.

Esses resultados nos permitem inferir que os estudantes da 5ª série envolvidos na presente pesquisa demonstraram ter um baixo nível de domínio do Campo Aditivo.

A categoria composição de relações es-táticas foi a que apresentou maior dificuldade na sua solução. Todavia, podemos afirmar que a taxa de acerto cai substancialmente quando: as situações são mais complexas; envolvem o contexto espacial; utilizam o significado do número na base sexagesimal (base 60), e usam o tempo em anos. Resultados similares foram encontrados por Magina et al. (2008), Magina e Campos (2004) e ratificados no Sul da Bahia por Santana, Cazorla e Campos (2006).

Um agravante desses resultados é que se trata de estudantes da 5ª série, no final do ano letivo, isto é, quase concluintes da 5ª série.

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A persistência dos erros ligados ao cálculo relacional indica que os estudantes ainda não sabem qual é a operação correta a ser escolhi-da. Além disso, ainda persistem erros sérios de armar e efetuar as operações, mostrando certo desconhecimento das propriedades do Sistema de Numeração Decimal.

Há indícios de que os resultados aqui en-contrados são uma realidade na escola pública da região. Contudo, para se verificar a validade dessa assertiva, seria necessário um estudo mais abrangente.

Os resultados abrem novas interrogações, como, por exemplo: será que essas tendências se confirmariam em outras escolas públicas da re-gião?; esse fenômeno ocorre também nas escolas particulares?; quais as categorias de situações-problema e como os professores abordam o Campo Conceitual das Estruturas Aditivas?

Finalmente, recomenda-se aos os pro-fessores que no início do ano letivo façam uma sondagem para saber quais os conteúdos de Matemática que os estudantes têm domínio e, se preciso, fazer um nivelamento a fim de rom-per o círculo vicioso da “não aprendizagem da Matemática”.

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______. A teoria dos campos conceituais. In: BRUN, J. Didática das matemáticas. Tradução por Maria José Figueiredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p.155-191.

Eurivalda Ribeiro dos Santos Santana – Professora da Universidade Estadual de Santa Cruz-BA. Rua Ana Moura, 75. Bairro Novo Itamarati. CEP: 45 880 000. Camacan/BA. Fone (73) 8849.3996. E-mail: [email protected]

Irene Mauricio Cazorla – Professora da Universidade Estadual de Santa Cruz/BA. Rua Rui Barbosa, 934. Centro. CEP 45 600 220. Itabuna/BA. Fone: (73)99831453. E-mail: [email protected]

Antonio Marcelo Oliveira – Professor da rede estadual, Escola Lions Clube de Itabuna/BA.

RECEBIDO em: 02/09/2009CONCLUÍDO em: 16/10/2009

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EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.2 41- pp. 41 a 50

CÓDIGOS E SENHAS NO ENSINO BÁSICO1

Codes and Passwords in Basic Education

Claudia Lisete Oliveira Groenwald

Rosvita Fuelber Franke

Clarissa de Assis Olgin

Resumo

Criptografia é a arte de escrever mensagens cifradas que, nos dias atuais, é muito utilizada em processos eletrônicos, transmissão digital de informações, transações bancárias on-line, sistemas de compras eletrônicos, entre outras aplicações muito utilizadas na vida moderna. Neste artigo, apresentamos o tema criptografia utilizando códigos e senhas como motivadores e geradores de situações didáticas para o desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem da Matemática no ensino básico. Esse tema pode contribuir para enriquecer as aulas de Matemática, pois coloca à disposição do professor atividades e jogos de codificação e decodificação envolvendo os conteúdos, sendo um material útil para exercícios e fixação dos conteúdos matemáticos trabalhados no ensino básico. Este artigo é fruto da pesquisa “Teoria dos Números”, que vem sendo desenvolvida na Universidade Luterana do Brasil, desde 2002, vinculada ao Grupo de Estudos Curriculares em Educação Matemática (GECEM).

Palavras-chave : Criptografia. Ensino e Aprendizagem. Educação Matemática.

Abstract

Cryptography is the art of writing ciphered messages which, nowadays, is way too much

1 Projeto inserido no convênio de pesquisa ULBRA/HP Calculadoras.

used in electronic processes, digital information transmission, online banking transactions, purchasing electronic systems, among other applications extremely used in modern life. In this work we present the subject cryptography in a code-password-cipher use as a didactic situation motivator and creator for the development of the Mathematics Teaching/Learning process, in Basic Education. This subject can contribute to enrich the Mathematics classes, because it disposes to the teacher codification and decoding activities and games involving the contents, being a useful material for exercises and setting of the worked mathematical contents in Basic Education. This work is based on the research “Theory of the Numbers” that has been developed at Universidade Luterana do Brasil, since 2002, tied with the Group of Curricular Studies in Mathematics Education (GECEM).

Keywords: Cryptography. Teaching and learning. Mathematics Education.

1 Introdução

O ponto de referência do processo de ensino e aprendizagem da Matemática deve ser a abordagem de assuntos de interesse do aluno, que estimulem a curiosidade e que desencadeiem um processo que permita a construção de novos conhecimentos. A Matemática torna-se interes-sante e motivadora para a aprendizagem quando

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desenvolvida de forma integrada e relacionada a outros conhecimentos, trazendo o desafio de desenvolver competências e habilidades forma-doras do pensamento matemático.

Este artigo visa salientar a importância da utilização de atividades didáticas adequa-das para o desenvolvimento do pensamento matemático, apresentando o tema criptografia, utilizando códigos e senhas, como motivador e gerador de situações didáticas que permitam o aprofundamento da compreensão dos conceitos matemáticos, possibilitando ao aluno perceber a utilização do conhecimento matemático em situações práticas.

O trabalho é um recorte da pesquisa Teoria dos Números, que vem sendo desenvolvida na Universidade Luterana do Brasil, desde 2002, e está vinculada ao Grupo de Estudos Curriculares em Educação Matemática (GECEM).

2 Justificativa do tema

O tema Criptografia tem um papel im-portante nos dias atuais, pois é utilizado nos recursos humanos (auditoria eletrônica e lacre de arquivos de pessoal e pagamentos), em compras e vendas (autenticação de ordens eletrônicas de pagamento), nos processos jurídicos (transmis-são digital e custódia de contratos), na automa-ção de escritórios (autenticação e privacidade de informações), no código de verificação do ISBN, nos navegadores de Internet, entre outras situações da vida cotidiana.

Para Terada (1988), o meio de comuni-cação digital, controlado por computadores, trouxe flexibilidade e eficiência em gravação, recuperação e distribuição de informações, sendo utilizado em sistemas de transações bancárias on-line, sistema de compras a dis-tância, saques e transferências de fundos com cartões eletrônicos. Porém, segundo o autor, à medida que se intensificam as transmissões de numerosas informações (como transferên-cia de fundos, registros financeiros, médicos, militares etc.) através de meios eletrônicos (satélites, linhas telefônicas, fitas magnéticas etc.), as possibilidades de quebra de segurança e de privacidade aumentam, pois essas transa-ções podem ser modificadas, gerando fraudes. A maneira mais segura de ter uma garantia

de que informações transmitidas não serão copiadas, modificadas ou falsificadas é o uso da criptografia.

Esse tema pode, também, servir como um instrumento de ensino e aprendizagem no ensino básico, contribuindo para enriquecer as aulas de Matemática, pois coloca à disposição do professor atividades e jogos de codificação e decodificação, envolvendo conteúdos que são trabalhados no ensino básico. De acordo com Cantoral et al. (2000), a criptografia pode ser um elemento motivador para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Para Tamarozzi (2001), exemplos elementares de processos crip-tográficos podem constituir, para os professores, um material útil para exercícios e fixação de conteúdos matemáticos.

As atividades apresentadas neste artigo envolvem os conteúdos relativos às funções quadrática, exponencial e logarítmica, possi-bilitando ao aluno observar as relações e as propriedades algébricas dessas funções, abrindo espaço para discussões sobre os conceitos de do-mínio, contradomínio, imagem e função inversa. Há, também, atividades envolvendo códigos e senhas, que envolvem os conceitos aritméticos desenvolvidos no ensino básico.

O desenvolvimento das atividades aqui propostas possibilita, também, o uso de calcu-ladoras na sala de aula. Segundo Krist (1995), as calculadoras podem servir de laboratório para os alunos, pois, com esse instrumento, eles podem realizar experiências e desenvolver suas próprias ideias e estratégias. O professor de Matemática pode utilizá-la em sala de aula, de forma planejada, e, assim, ela pode tornar-se um recurso que contribui para o aprendizado dos conteúdos matemáticos, liberando tempo e energia gastos em operações repetitivas, possibilitando que o foco da aula seja a reso-lução de problemas. Para D’Ambrosio (2009), a calculadora permite a primazia do raciocínio qualitativo (criatividade – busca do novo) so-bre o raciocínio quantitativo (rotina). Segundo Silva (1991), a calculadora deve fazer parte dos recursos que os professores devem utilizar em sala de aula, acompanhada da reflexão das suas potencialidades e de um profundo exame da Matemática que se ensina, por que ensinamos e a forma como ensinamos.

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3 Criptografia e sua história

Criptografia vem do grego krypto, que significa secreto, oculto, e grapho, que significa grafia. Consiste em codificar informações usando uma chave antes que essas sejam transmitidas, e em decodificá-las, após a recepção, através de um processo de codificação. A criptografia torna possível o envio de mensagens incompreensíveis para uma terceira pessoa que, eventualmente, venha a interceptá-las, mas que poderão ser lidas pelo seu destinatário, que conhece o critério para decifrar o texto encriptado. (TERADA, 1988; TA-MAROZZI, 2001; SCHEINERMAN, 2003; ZATTI; BELTRAME, 2009).

Para Tamarozzi (2001), o princípio básico da criptografia é encontrar uma transformação (função) injetiva f entre um conjunto de mensa-gens escritas em um determinado alfabeto (de letras, números ou outros símbolos) para um con-junto de mensagens codificadas. O desafio de um processo criptográfico é ocultar eficientemente os mecanismos (chaves) para a inversão de f, de modo que estranhos não possam fazê-lo.

Na linguagem da criptografia, os códigos são denominados cifras, as mensagens não codificadas são textos comuns e as mensagens codificadas são textos cifrados ou criptogramas. O processo de converter um texto comum em cifrado é chamado cifrar ou criptografar, e o processo inverso, de converter um texto cifrado em comum, é chamado decifrar (ZATTI; BEL-TRAME, 2009).

A criptografia é uma arte bastante antiga, presente desde o sistema de escrita hieroglífica dos egípcios. Os romanos utilizavam códigos se-cretos para comunicar planos de batalha. E, o mais interessante, é que a tecnologia de criptografia não mudou muito até meados deste século.

Depois da segunda guerra mundial, com a invenção do computador, a área realmente floresceu, incorporando complexos algoritmos matemáticos. Durante a guerra, os ingleses fica-ram conhecidos por seus esforços na decifração de códigos utilizados. Na verdade, esse trabalho criptográfico formou a base para a ciência da computação moderna.

O citale espartano foi o primeiro aparelho criptográfico militar utilizado durante o século V a.C. Era um bastão de madeira em que se enrola-va uma tira de couro e escrevia-se a mensagem

em todo o comprimento desse bastão. Para enviar a mensagem, de forma despercebida, a tira de couro era desenrolada do citale e utilizada como um cinto, com a mensagem voltada para dentro. Como na tira de couro a mensagem ficava sem sentido, para decifrá-la era necessário que o re-ceptor tivesse um citale de mesmo diâmetro para enrolar a tira de couro e ler a mensagem.

Outro tipo de cifra foi utilizada por Júlio César, que consistia em substituir cada letra da mensagem original por outra que estivesse três casas à frente no mesmo alfabeto. César utilizava o alfabeto normal para escrever a mensagem e o alfabeto cifrado para codificar a mensagem que mais tarde seria enviada. Esse método de cripto-grafia ficou conhecido como Cifra de César.

Como as cifras de substituição monoal-fabéticas eram muito simples e facilmente de-cifradas por criptoanalistas, através da análise de frequência de cada letra, no texto cifrado, surgiu a necessidade de criar novas cifras, mais elaboradas e mais difíceis de serem descober-tas. A solução encontrada, no século XVI, pelo diplomata francês Blaise Vigenère, foi uma cifra de substituição polialfabética. Um exemplo de cifra de substituição polialfabética foi a Cifra de Vigenère, que utilizava 26 alfabetos cifrados diferentes para codificar uma mensagem.

Alberti, citado por Singh (2003), foi o cria-dor da primeira máquina criptográfica, o Disco de Cifras, um misturador que pega uma letra do texto normal e a transforma em outra letra no texto cifrado. Seu inventor, porém, sugeriu que fosse mudada a disposição do disco durante uma mensagem, o que iria gerar uma cifra polialfa-bética, o que dificultaria a sua decodificação, pois desse modo ele estaria mudando o modo de mistura durante a cifragem, e isso tornaria a cifra difícil de ser quebrada.

Em 1918, o inventor Artur Scherbius e seu amigo Richard Ritter fundaram uma empresa. Um dos projetos de Artur Scherbius era substi-tuir os sistemas criptográficos usados na Primeira Guerra Mundial. Então, utilizando a tecnologia do século XX, ele desenvolveu uma máquina criptográfica que era uma versão elétrica do disco de cifras. Essa máquina recebeu o nome de Enigma. Para decifrar uma mensagem da Enig-ma, o destinatário precisaria ter outra Enigma e uma cópia do livro de códigos contendo o ajuste inicial dos misturadores para cada dia.

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Em 1943, foi projetado o Colossus, compu-tador utilizado durante a Segunda Guerra Mundial para decodificar os códigos criados pela Enigma. O Colossus deu início a uma era moderna da cripto-grafia, em que os computadores eram programados com chaves de codificação muito mais complexas do que as utilizadas pela Enigma. Essa nova técnica de criptografia era de uso exclusivo do governo e de militares para guardar informações.

Como as cifras de substituição sofriam cons-tantes ataques dos criptoanalistas, começaram a utilizar os computadores, os quais utilizavam crip-tografias complexas, mas não apresentavam, ainda, a segurança necessária para não serem invadidos por pessoas que não deveriam tem acesso aos có-digos de criptagem neles contidos. Para solucionar esse problema, foram criados dois algoritmos de codificação: o DES (sistema de chave secreta) e o RSA (sistema de chave pública).

4 Objetivo da investigação

O objetivo geral deste trabalho foi investi-gar o tema criptografia e suas aplicações para o de-senvolvimento de atividades didáticas aplicáveis no currículo de Matemática do ensino básico.

5 Metodologia da investigação

Este trabalho foi desenvolvido em duas etapas. A primeira, desenvolvida através de reuniões de estudos, foi um estudo exploratório em torno dos conceitos de criptografia e sua utilização na vida das pessoas. A segunda etapa foi o desenvolvimento de atividades didáticas para o ensino básico que possam ser utilizadas pelos professores de Matemática como exercícios de revisão e fixação dos conteúdos. Foi realiza-da uma ampla revisão bibliográfica em livros,

revistas da área de Educação Matemática, anais de congressos e documentos on-line.

6 Atividades didáticas com o tema criptografia

6.1 Código ISBN

Será você capaz de descobrir o dígito verifica-dor do padrão ISBN cujo código é 85-01-05598?

O código é escrito como quatro blocos de dígitos separados por hífens ou por espaços em branco. Lendo da esquerda para direita, o primeiro bloco identifica o país, a área ou a área da língua entre os participantes; o segundo bloco identifica as editoras daquele grupo e o terceiro bloco é o número atribuído pela editora para a obra. O último bloco consiste em um único dígito de 0 a 9 ou um x, que representa 10. Sendo a1, a2, a3, a4, a5, a6, a7, a8, a9 os 9 primeiros dígitos do ISBN, para calcular o dígito verificador usamos

a seguinte fórmula: 11mod)(9

1

∑=i

iai

Por exemplo: com o número de ISBN 852440124-X, o dígito de verificação X é calcu-lado por:

X= [ 1.8 + 2.5 + 3.2 + 4.4 + 5.4 + 6.0 + 7.1 + 8.2 + 9.4 mod11

X= [8 + 10 + 6 + 16 + 20 + 0 + 7 + 16 + 36] mod11

X= 119 mod 11

X= 9

6.2 Código de César

Esse método de criptografia ficou conhe-cido como Cifra de César. O alfabeto da Cifra de César está apresentado na Figura 1:

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z

D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C

Figura 1: quadro do método de substituição utilizado por Júlio César.

Utilizando a Figura 1 e considerando como texto original a frase “A vida é bela”, teremos o seguinte texto cifrado “DYLGDHEOD”.

Na Cifra de César, para dificultar a deco-dificação, caso a mensagem seja interceptada por um inimigo, é comum remover os espaços entre as letras no texto cifrado.

6.3 A Cifra de Vigenère

A Cifra de Vigenère utiliza 26 alfabetos, cifrados diferentes, para codificar uma mensa-gem. A Figura 2, a seguir, é conhecida como o Quadro de Vigenère.

mod 11

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Alfabeto normal a b c d e f g h i j k l m n o p q r s t U v w x y z

1 B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A

2 C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B

3 D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C

4 E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D

5 F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E

6 G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F

7 H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G

8 I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G H

9 J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G H I

10 K L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G H I J

11 L M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G H I J K

12 M N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G H I J K L

13 N O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G H I J K L M

14 O P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G H I J K L M N

15 P Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G H I J K L M N O

16 Q R S T U V W X Y Z A B C D E F G H I J K L M N O P

17 R S T U V W X Y Z A B C D E F G H I J K L M N O P Q

18 S T U V W X Y Z A B C D E F G H I J K L M N O P Q R

19 T U V W X Y Z A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S

20 U V W X Y Z A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T

21 V W X Y Z A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U

22 W X Y Z A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V

23 X Y Z A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W

24 Y Z A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X

25 Z A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y

26 A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z

Figura 2: quadro de Vigenère conforme Singh 2003.

No Quadro de Vigenère, temos o alfabeto normal, seguido de 26 alfabetos cifrados. Cada alfabeto tem um deslocamento de uma casa à frente no mesmo alfabeto, seguindo o princípio do Código de César.

Para escrever uma mensagem codificada pelo Quadro de Vigenère, o codificador e a pessoa que recebem o texto combinam uma palavra-

chave, por exemplo: MATEMÁTICA.A frase a ser codificada será OS NÚME-

ROS DOMINAM O MUNDO.Para codificar a mensagem, temos que

escrever a palavra-chave quantas vezes for neces-sário, pois cada letra da palavra MATEMÁTICA equivale a uma letra na frase, apresentada na Figura 3.

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M A T E M A T I C A M A T E M A T I C A M A

O S N U M E R O S D O M I N A M O M U N D O

Figura 3: exemplo do uso do quadro de Vigenère.

Para codificar as letras da frase, é necessá-rio usar a linha correspondente à letra da palavra-chave relacionada. Para M, por exemplo, usa-se o alfabeto da linha 12. Assim, o primeiro “O” da

frase será traduzido como A. Para A, usamos a linha 1 e o “S” seria traduzido como “S”.

A frase codificada ficará conforme a Fi-gura 4.

Palavra-chave M A T E M A T I C A M A T E M A T I C A M A

Mensagem O S N U M E R O S D O M I N A M O M U N D O

Mensagem codificada A S G Y Y E K W U D A M B R M M H U W N P O

Figura 4: exemplo do uso da cifra de Vigenère.

Para decodificar as letras da frase, é ne-cessário verificar, na mesma coluna, a letra da palavra-chave e a letra da mensagem codificada. Na linha da letra codificada, a intersecção com a segunda coluna, encontramos a letra resultante. Por exemplo, na coluna da letra M, procuramos a letra A na intersecção com a segunda coluna e encontramos a letra O.

6.4 Atividades com códigos: a cifra do chiqueiro

Este código não substitui uma letra por outra, mas por um símbolo, de acordo com o seguinte padrão:

Por exemplo, para codificar a palavra ALE-

GRIA, localizamos a letra A no padrão acima e substituímos pelo símbolo onde ela se localiza.

Veja: , a letra L será representada pelo símbolo

e assim obtemos a seguinte mensagem cifra-

da: .

6.5 Atividade didática com letras que viram números

Sabendo que cada letra representa um algarismo distinto e que existe apenas uma resposta, que adi-ção é essa? AMOR + AMOR + AMOR = ÓDIO.

Para a realização dessa atividade, é ne-cessário que o aluno procure sistematizar as informações relevantes, formular hipóteses, prever os resultados e elaborar estratégias de enfrentamento das questões.

Informação relevante: 3A ≤ 9 ⇒A ≤ 3. Hipóteses: A=1 ou A=2 ou A=3.Prevendo resultados:

i) se A = 1, então O = 3 ou O = 4 ou O = 5;ii) se A = 2, então O = 6 ou O = 7 ou O = 8;iii) se A = 3, então O = 9.

Verificação das hipóteses (enfrentamento das questões).

O raciocínio lógico leva a testar “iii” primeiramente, porque dado A=3 só há uma possibilidade para O, a saber, O = 9.

Verificamos que essa possibilidade é falsa: se A = 3, então 3R = 9 ou 3R = 19.

3R = 9 ⇒ R = 3: é falso, porque R deve ser um valor diferente de A;

3R = 19 é falso, porque R é um valor inteiro.

Além disso, é importante que o aluno se dê conta de que 3R > 27 não ocorre; logo, não é possível 29, 39, etc.

Todas as hipóteses devem ser verificadas com esse tipo de raciocínio. Por exemplo, a hipó-

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tese de que A=1 e O = 3 é facilmente descartada, porque leva a concluir que 3R = 3 implicando R = 1, o que é impossível, porque A não é igual a R.

Então, a verificação da hipótese verdadeira é: se A = 2 e O = 8, então 3R = 18, pois é o único múltiplo de 3 entre 0 e 27 que termina em 8; logo, R = 6. Sabe-mos que 3O = 24, então I = 5 e M = 7 e D = 3.

Logo, a conta esperada é: 3 × 2 786 = 8 358 ou 2 786 + 2 786 + 2 786 = 8 358.

6.6 Código com função quadrática

Primeiro, relacionamos cada letra do alfa-beto a um número, conforme a Figura 5.

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26

Figura 5: valor numérico de cada letra utilizada na criptografia para função.

A seguir, escolhemos uma função cifra-dora, que pode ser, por exemplo, a função: f(x) = ax2 + bx + c.

Escolhemos então um texto qualquer para ser criptografado: Liberdade.

A sequência numérica que corresponde ao texto é: 12 – 9 – 2 – 5 – 18 – 4 – 1 – 4 – 5.

A mensagem a ser transmitida ao receptor deve ser a sequência numérica obtida pela ima-gem da função.

A seguir apresentamos um exemplo: de-pois de relacionar para cada letra do alfabeto um número, escolhemos uma função chave: f(x) = x2 + 2x + 6, com 1≤ x ≤ 26.

O texto a ser criptografado é: O livro é uma caixa mágica.

A sequência numérica é: 15 – 12 – 9 – 22 – 18 – 15 – 5 – 21 – 13 – 1 – 3 – 1 – 9 – 24 – 1 – 13 – 1 – 7 – 9 – 3 – 1.

Para criptografar a mensagem a ser transmi-tida, substituímos cada número da sequência nu-mérica na função escolhida. Por exemplo: A letra O corresponde ao número 15, portanto, calculamos

f(15) = 152 + 2.15 + 6 f(15) = 225 + 30 + 6 f(15) = 261 Sendo a sequência numérica a imagem

da função, isto é: 261 – 174 – 105 – 534 – 366 – 261 – 41 – 489 – 201 – 9 – 21 – 9 – 105 – 630 – 9 – 201 – 9 – 69 – 105 – 21 – 9.

Para decodificar a mensagem, o recep-tor recebe a mensagem e calcula a imagem dos elementos, utilizando a função inversa:

, como x ∈Z e 9≤ x ≤ 734,

então .

6.7 Código com funções exponenciais e logarítmicas

Considere a Figura 5, combine com o seu colega uma função exponencial, que será a função cifradora.

Crie uma mensagem a ser enviada: MA-TEMÁTICA.

Cifre essa mensagem utilizando a função escolhida.

Entregue a mensagem cifrada para que seu colega a decifre.

Seja a função f(x) = 2x, calculamos a ima-gem da função para cada algarismo da sequência numérica, conforme a Figura 6.

Letra Sequência numérica Imagem da função f(x) = 2x

M 13 f(x) = 2x = 213 = 8192

A 1 f(x) = 2x = 21 = 2

T 20 f(x) = 2x = 220 = 1048576

E 5 f(x) = 2x = 25 = 32

I 9 f(x) = 2x = 29 = 512

C 3 f(x) = 2x = 23 = 8

Figura 6: quadro do processo de codificação da mensagem.

Decifrando o texto, conforme Figura 7.Sequência

numérica recebidaImagem da inversa da função

codificadora x = log2 yLetra encontrada no alfabeto inicial

8192 2x = 8192 x = 13 M

2 2x = 2 x = 1 A

1048576 2x = 1048576 x = 20 T

32 2x = 32 x = 5 E

8192 2x = 8192 x = 13 M

2 2x = 2 x = 1 A

1048576 2x = 1048576 x = 20 T

512 2x = 512 x = 9 I

8 2x = 8 x = 3 C

2 2x = 2 x = 1 A

Figura 7: quadro do processo de decodificação da mensagem.

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Considere a Figura 5 e a função cifradora f(x) = 2x.21.

Utilize a propriedade (ax . ay = a x + y) na função dada e codifique e decodifique a palavra ALEGRIA.

Seja a função f(x) = 2x.21, calculamos a imagem da função para cada algarismo da sequ-ência numérica, conforme Figura 8.

Letra Sequência numérica Imagem da função f(x) = 2x.21

A 1 f(x) = 2x + 1 = 21+1 = 22 = 4

L 12 f(x) = 2x + 1 = 21+12 = 213 = 8192

E 5 f(x) = 2x + 1 = 21+5 = 26 = 64

G 7 f(x) = 2x + 1 = 21+7 = 28 = 256

R 18 f(x) = 2x + 1 = 21+18 = 219 = 524288

I 9 f(x) = 2x + 1 = 21+9 = 210 = 1024

Figura 8: quadro do processo de codificação da mensagem.

Decifrando o texto, como segue na Figura 9.Sequência

numérica recebidaImagem da inversa da função

codificadora x + 1= log2 y Letra encontrada no alfabeto inicial

4 2x + 1 = 4 x = 1 A

8192 2x + 1 = 8192 x = 12 L

64 2x + 1 = 64 x = 5 E

256 2x + 1 = 256 x = 7 G

524288 2x + 1 = 524288 x = 18 R

1024 2x + 1 = 1024 x = 9 I

4 2x + 1 = 4 x = 1 A

Figura 9: quadro do processo de decodificação da mensagem.

Considere a Figura 5 e a função cifradora f(x) = 3x:32

Utilize a propriedade (ax : ay = a x – y) na função dada e codifique e decodifique a palavra LIBERDADE.

Seja a função f(x) = 3x:32, calculamos a imagem da função para cada algarismo da sequ-ência numérica, conforme Figura 10.

Letra Sequência numérica Imagem da função f(x) = 3x:32

L 12 f(x) = 3x – 2 = 312-2 = 310 = 59049

I 9 f(x) = 3x – 2 = 39-2 = 37 = 2187

B 2 f(x) = 3x – 2 = 32-2 = 30 = 1

E 5 f(x) = 3xx – 2 = 35-2 = 33 = 27

R 18 f(x) = 3x – 2 = 318-2 = 316 = 43046721

D 4 f(x) = 3x – 2 = 34-2 = 32 = 9

A 1 f(x) = 3x – 2 = 31-2 = 3-1 = 31

Figura 10: quadro do processo de codificação da mensagem.

Decifrando o texto, como observamos na Figura 11.

Sequência numérica recebida

Imagem da inversa da função codificadora x – 2= log3 y

Letra encontrada no alfabeto inicial

59049 3x – 2 = 59049 x = 12 L

2187 3x – 2 = 2187 x = 9 I

1 3x – 2 = 1 x = 2 B

27 3x – 2 = 27 x = 5 E

43046721 3x – 2 = 43046721 x = 18 R

9 3x – 2 = 9 x = 4 D

31

3x – 2 = 31

x = 1 A

9 3x – 2 = 9 x = 4 D

27 3x – 2 = 27 x = 5 E

Figura 11: quadro do processo de decodificação da mensagem.

Considere a Figura 5 e a função cifradora f(x) = (2x)2.

Utilize a propriedade ((ax)y = a xy) na função dada e codifique e decodifique a palavra FELICIDADE.

Seja a função f(x) = (2x)2, calculamos a imagem da função para cada algarismo da sequ-ência numérica observada na Figura 12.

Letra Sequência numérica Imagem da função f(x) = (2x)2

F 6 F(x) = 22x = 22.6 = 212 = 4096

E 5 F(x) = 22x = 22.5 = 210 = 1024

L 12 F(x) = 22x = 22.12 = 224 = 16777216

I 9 F(x) = 22x = 22.9 = 218 = 262144

C 3 F(x) = 22x = 22.3 = 26 = 64

D 4 F(x) = 22x = 22.4 = 28 = 256

A 1 F(x) = 22x = 22.1 = 22 = 4

Figura 12: quadro do processo de codificação da mensagem.

Decifrando o texto, como observamos na Figura 13.

Sequência numérica recebida

Imagem da inversa da função codificadora 2x = log2 y

Letra encontrada no alfabeto inicial

4096 22x = 4096 x = 6 F

1024 22x = 1024 x = 5 E

16777216 22x = 16777216 x = 12 L

262144 22x = 262144 x = 9 I

64 22x = 64 x = 3 C

262144 22x = 262144 x = 9 I

256 22x = 256 x = 4 D

4 22x = 4 x = 1 A

256 22x = 256 x = 4 D

1024 22x = 1024 x = 5 E

Figura 13: quadro do processo de decodificação da mensagem.

Considere a Figura 5 e a função cifradora f(x) = log2x

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.2 49

Crie uma mensagem a ser enviada ao seu colega.

Cifre essa mensagem, utilizando a função dada.

Entregue a mensagem cifrada juntamente com a função, para que seu colega a decifre.

Foi possível decifrar a mensagem? Por quê?Seja a função cifradora f(x) = log2x. Crie

uma mensagem a ser enviada, por exemplo, A CASA É BELA.

A sequência numérica do texto, conforme a Figura 14, é:

A C A S A É B E L A

1 3 1 19 1 5 2 5 12 1

Figura 14: quadro da sequência numérica do texto.

Cifre essa mensagem utilizando a função dada.

Seja a função f(x) = log2x, calculamos a ima-gem da função para cada algarismo da sequência numérica. Para que o aluno chegue mais próximo de um número inteiro na resolução das atividades, optamos por trabalhar com números de até três casas decimais, após a vírgula, conforme a Figura 15.

LetraSequência numérica

Imagem da funçãox = log2 y

A 1 x = log2 1 2x = 1 x = 0

C 3 x = log2 3 2x = 3 x = 1,585

S 19 x = log2 19 2x = 19 x = 4,248

E 5 x = log2 5 2x = 5 x = 2,322

B 2 x = log2 2 2x = 2 x = 1

L 12 x = log2 12 v 2x = 12 x = 3,585

Figura 15: processo de codificação da mensagem.

Entregue a mensagem cifrada juntamente com a função, para que seu colega a decifre.

Decifrando o texto, conforme Figura 16.Sequência numérica

recebidaImagem da inversa da função

codificadora x = 2y Letra encontrada no alfabeto inicial

0 20 x ≅ 1 A

1,585 21,585 x ≅ 3 C

4,248 24,248 x ≅ 19 S

2,322 22,322 x ≅ 5 E

1 21 x ≅ 2 B

3,585 23,585 x ≅ 12 L

Figura 16: processo de decodificação da mensagem.

6.8 Atividade de código

Qual é o número de telefone com sete dígitos em que todos os dígitos são distintos e, formando arranjos de três dígitos seguidos, resulta em um número divisível por 17?

Para resolver essa atividade, escrevemos as cifras dos números com as 7 primeiras letras do alfabeto: A, B, C, D, E, F, G. A seguir, escre-veremos todos os múltiplos de 17 que possuem 2 e 3 dígitos, conforme Figura 17.

017 102 204 306 408 510 612 714 816 901

034 119 221 323 425 527 629 731 833 918

051 136 238 340 442 544 646 748 850 935

068 153 255 357 459 561 663 765 865 952

085 170 272 374 476 574 680 782 884 969

187 289 391 493 595 697 799 986

Figura 17: quadro dos divisores de 17 com três algarismos.

Eliminamos os números que têm dois dígitos iguais, que são: 119, 221, 255, 272, 323, 442, 544, 595, 646, 663, 799, 833, 884, 969.

Como ABC não pode começar por zero, é possível eliminar os números 037, 034, 051, 068, 085.

Eliminamos, também, os números 102, 136, 153, 170, 187, 204, 238, 289, pois os dígitos ABC não podem ser da forma 02d.

Concluímos que B não pode ser nenhum dos números: 2, 3, 5, 7, 8, 0, mas pode ser: 1, 4, 6, 9. Listando todos os números que tenham como B 1, 4, 6 e 9, temos: 510, 612, 714, 816, 918, 340, 748, 561, 867, 391, 493, 697.

Quando chegamos ao número 306, po-demos utilizar como dígito “D” o número 8, porque 068 aparece na lista. Podemos continuar utilizando como dígito “E” o número 0, porque 680 é múltiplo de 17, mas não serve, porque os dígitos seriam 30680, que repete o 0.

Formando a lista dos números restantes, tirando os números que formam a lista ABC, te-mos: 102, 136, 153, 170, 187, 204, 238, 289, 306, 357, 374, 408, 425, 459, 476, 527, 578, 629, 680, 731, 765, 782, 850, 901, 935, 952 e 986.

Concluímos, então, que o número de te-lefone com 7 dígitos é 4935782.

Porque: 493935 resulta em 4935;

4935357 resulta em 49357;

49357578 resulta em 493578;

493578782 resulta em 4935782.

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Conclusão

As atividades apresentadas neste artigo são sugestões que o professor pode utilizar para revisar, exercitar e aprofundar os conteúdos desenvolvidos no ensino médio (funções quadrática, exponencial e logarítmica) e conceitos de aritmética básica, bem como uma oportunidade de incentivar o desenvol-vimento de estratégias de resolução de problemas (sistematizar os dados relevantes no problema, formular hipóteses, prever resultados, analisar as hipóteses levantadas e revisar os resultados).

Outro ponto importante a ser ressaltado é a utilização da calculadora na sala de aula, pois as atividades com exponencial e logaritmo apresentam cálculos longos e desnecessários de serem realizados sem o uso de calculadora. É uma oportunidade de incentivar a utilização desse recurso desenvolvendo atividades didá-ticas que incentivam o seu uso. Smole e Diniz (2004) destacam que a utilização da calculadora permite aos alunos ganharem mais confiança para trabalhar com problemas e buscarem novas experiências de aprendizagem.

Referências

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SINGH, Simon. O livro dos códigos: a ciência do sigilo – do Antigo Egito à criptografia quântica. Rio de Janeiro: Record, 2003.

SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez. Mate-mática – Ensino médio. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2004, v.1.

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TERADA, Routo. Criptografia e a importância das suas aplicações. Revista do Professor de Matemá-tica (RPM), São Paulo, n.12, 1-6, 1988.

ZATTI, Sandra Beatriz; BELTRAME, Ana Maria. A presença da álgebra linear e da teoria dos números na criptografia. Disponível em: <www.unifra.br/eventos/.../2006/matematica.htm> Acesso 26 ago. 2009.

Claudia Lisete Oliveira Groenwald – Dra. em Ciências da Educação pela Pontifícia de Salamanca (Espanha) e professora do curso de Matemática e do Programa de Pós-Graduação em Ensino e Ciências e Matemática da Universidade Luterana do Brasil. E-mail: [email protected]

Rosvita Fuelber Franke – Mestre em Matemática pela UFRGS e professora do curso de Matemática da Universidade Luterana do Brasil. E-mail: [email protected]

Clarissa de Assis Olgin – Formada em Matemática pela Universidade Luterana do Brasil, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática da ULBRA e professora da E. E. de Ensino Fundamental, no Bairro Santo Afonso. E-mail: [email protected]

RECEBIDO em: 02/07/2009CONCLUÍDO em: 20/10/2009

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EMR-RS - ANO 10 - 2009 - número 10 - v.2 51- pp. 51 a 59

A ORGANIZAÇÃO DO ENSINO DE MATEMÁTICA COMO ELEMENTO FORMADOR NO CURSO PEDAGOGIA

The Mathematics Education Organized to Promote Pre-Service Teachers’ Education

Anemari Luersen Vieira Lopes

Maria Teresa Ceron Trevisol

Patrícia Sandalo Pereira

Resumo

Esse artigo tem como principal objetivo discutir aspectos relativos à aprendizagem da docência de futuros professores na organização do ensino em um processo de produção de material para aulas de matemática. É parte de uma proposta metodológica desenvolvida em um curso de formação inicial de professores para a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental e foi elaborado para ser aplicado nas atividades de estágio. Sua dinâmica ocorreu ao longo de um semestre, em três momentos básicos: o planejamento do grupo; o planejamento coletivo, e a apresentação, avaliação e discussão compartilhada dos materiais produzidos. O texto apresenta observações sobre alguns episódios ocorridos durante esse terceiro momento, a partir das falas das futuras professoras que motivaram reflexões acerca do tema proposto. Os resultados evidenciaram que a organização do ensino, a partir da preocupação com a aprendizagem do aluno, pode oportunizar a aprendizagem da docência por parte do futuro professor.

Palavras-chave: Formação inicial de professores que ensinam matemática. Aprendizagem da docência. Prática pedagógica.

Abstract

This article has as main objective discuss some aspects about how to learn to be a teacher through learning how to organize educational process producing material for

mathematics classes. This approach is part of a methodological plan applied in a Teaching Education Course, which aims to prepare teachers for kindergarten and elementary school. This work was developed during one semester and it was divided in three basic moments: the planning of the small group; the collective planning; and the presentation, evaluation and cooperative discussion about produced materials. This text presents observations about some episodes occurred during the third moment, the observations was based on pre-service teachers’ utterances, which generate some reflections about how and to what extent teaching education could prepare pre-service teacher for a conscious pedagogical practice. The results demonstrate a need of organize the teaching education process taken into account a student learning objective, what may provide a pre-service teacher development.

Keywords: Math pre-service teachers’ education. Teaching Education. Pedagogical practice.

Introdução

Esse artigo traz alguns apontamentos de-sencadeados a partir do desenvolvimento de uma proposta metodológica originada de discussões realizadas nas aulas de Metodologia do Ensino da Matemática de um curso de formação inicial de professores para a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental. Seu principal objetivo é discutir aspectos relativos à aprendiza-

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gem da docência de futuros professores na orga-nização do ensino em um processo de produção de material para aulas de Matemática.

A proposta metodológica, organizada para ser utilizada nas atividades de Estágio Super-visionado, constituía-se da utilização de livros de literatura infantil no ensino de Matemática. Para isso, as futuras professoras, todas do sexo feminino, organizadas em grupos de pesquisa e trabalho, analisaram obras disponíveis no mercado que apresentassem possibilidade de exploração de conceitos matemáticos e, poste-riormente, produziram livros destinados a se comporem como material pedagógico para o ensino de Matemática.

Os dados aqui apresentados foram obtidos a partir das gravações em áudio das reuniões de apresentação, avaliação e discussão coletiva dos materiais produzidos.

Neste trabalho, partimos da premissa de que se o professor aprender a organizar seu ensi-no num movimento constante e contínuo de pla-nejar, interagir com diferentes recursos e refletir sobre suas ações, ele terá melhores condições de desenvolver suas atividades na prática docente. Portanto, se não existem fórmulas prontas para aprender a ensinar, acreditamos que existem modos de aprender a buscar encaminhamentos para organizar e desenvolver a docência de modo a oportunizar a aprendizagem do aluno.

Daí a importância de que, ainda na for-mação inicial, sejam constituídos espaços de aprendizagem que permitam ao futuro professor apropriar-se de conhecimentos necessários para o exercício da profissão.

Buscamos, então, observar nos encami-nhamentos do trabalho das acadêmicas do curso de Pedagogia as possibilidades da constituição de aprendizagem da docência na perspectiva de envolver os seus diferentes conhecimentos num processo de iniciação à docência, percebendo a formação inicial como uma das etapas importan-tes de sua formação. Pois a entendemos como um movimento contínuo em que a aprendizagem, enquanto estudantes no curso de licenciatura e em serviço, representa momentos de um mesmo processo de desenvolvimento do profissional da educação.

Compactuamos com a ideia de Lopes (2009) de que a aprendizagem da docência configura-se como uma transformação da prática. O futuro

professor, ao se apropriar de novos conhecimen-tos, atribui outro caráter para a ação docente, que, ao ser colocada novamente em prática, já está transformada, assumindo outra qualidade, caracterizando uma nova prática educativa.

Alguns pressupostos teóricos

Tentar entender como o sujeito aprende, como se constitui e desenvolve a atividade do-cente é um processo complexo e que vem preo-cupando um grande número de pesquisadores.

Sacristán (1995) escreve que o ofício de quem ensina é constituído pela disponibi-lidade e utilização de esquemas práticos que conduzem a ação e que, ao serem ordenados, de forma consciente, reorganizam-se em esquemas estratégicos.

O professor, no exercício da docência, faz uso de rotinas orientadas para o desenvolvimento de suas ações diárias (preparação de exercícios, avaliação, correção de provas). São esquemas práticos que não requerem, necessariamente, saberes específicos, pois podem resumir-se a ha-bilidades desenvolvidas no quotidiano e podem não ser exclusivas da docência.

O desenvolvimento ordenado da ação pedagógica é facilitado por esses esquemas práti-cos. Para Sacristán (1995), a prática é o somatório de esquemas práticos que se encontram enrai-zados na cultura e na prática dos professores e, apesar das diferenças pessoais dos sujeitos, aca-bam assemelhando-se, pois a profissão docente apresenta-se como um ofício que é partilhado ao nível de repertórios de esquemas práticos.

Mas esses esquemas podem ser alterados. O professor que realiza uma ação por meio de determinados esquemas práticos, ao fazê-lo por diversas vezes, acaba combinando-os de forma diferente, modificando-os ou substituindo-os e ordenando-os numa determinada sequência: organiza-os por esquemas estratégicos. Enquanto um esquema prático é uma rotina, um esquema estratégico é um princípio regulador em âmbito intelectual e prático: é uma ordem consciente na ação.

A articulação entre esses esquemas está vinculada à capacidade do professor em desen-volver e avaliar suas atividades, possibilitando a busca de alternativas para solução de possíveis problemas relacionados à prática. Nesse sen-

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tido, o desenvolvimento dessa capacidade na formação inicial pode se tornar um importante componente para a aprendizagem da docência.

Isso se torna possível na medida em que se constituem espaços para tal.

A oportunidade de exercitar ações que constituem o educador na formação inicial é importante para que o aluno possa compreender seu futuro papel como professor. Daí a relevância da prática profissional de professor: como escolher os con-teúdos ou organizar as atividades de ensino, aprendendo a constituir-se como sujeito com certas qualidades para exercer sua profissão. O que, no nosso entender, é aprender a organi-zar o ensino. (LOPES, 2009, p.80)

Sabemos que o aprender a ser professor é um processo contínuo no qual o sujeito se apropria de diferentes conhecimentos. Vários autores vêm abordando a questão dos saberes e conhecimentos da profissão docente, embora com diversidades conceituais e metodológicas, fazendo uso de diferentes tipologias e classi-ficações. Entre estes, pode-se citar: Shulmann (1986), que foi um dos precursores desses es-tudos, Tardif (2002), Fiorentini, Souza e Melo (1998), Gauthier et al. (1998).

Ao buscar a contribuição de Gauthier et al. (1998), observamos que esses autores fazem referên-cia aos conhecimentos: disciplinares, curriculares, das ciências da Educação, da tradição pedagógica, experienciais e da ação pedagógica. Esse último – da ação pedagógica – é característico da função de professor e distingue essa profissão das outras, sendo constituído na prática docente e determinado mediante o estudo do trabalho do professor.

Ressaltamos que conhecimentos e saberes relativos à docência não podem ser considerados como acabados nem imutáveis, uma vez que são apropriados e reconfigurados ao longo da vida do docente, nas inúmeras relações que ele estabelece.

Essa perspectiva permite-nos entender que a aprendizagem da docência pode ser cons-tituída em diferentes contextos, sendo que, como lembra Mizukami (2006, p.214), “conhecimentos teóricos diversos, assim como aqueles que têm como fonte a experiência pessoal e profissional, são objetos de aprendizagem constantes”. A par-

tir dessa idéia, podemos buscar compreender as possibilidades de aprendizagem da docência na organização do ensino.

De acordo com Moura (1996), a profissão do-cente implica organizar situações cujos resultados são as modificações do sujeito a quem se destinam, no caso, o aluno. Esse autor defende que a organi-zação do ensino é uma das importantes etapas da Atividade Orientadora de Ensino, definida como:

A atividade de ensino que respeita os diferentes níveis dos indivíduos e que define um objetivo de formação como problema coletivo é o que chamamos de atividade orientadora de ensino. Ela orienta um conjunto de ações em sala de aula a partir de objetivos, conteúdos e estratégias de ensino negociado e definido por um projeto pedagógico. (MOURA, 1996, p.32)

Podemos entender a Atividade Orientadora de Ensino como um processo que possui uma dupla função formadora: oportuniza a aprendizagem do aluno – que é o objetivo do professor – bem como a aprendizagem do professor que, ao desenvolvê-la, se apropria de diferentes conhecimentos. Dessa forma, a ação primeira do educador deve ser a de transformar o ensino em atividade de aprendiza-gem para o aluno, tendo o conhecimento como referência no processo de humanização.

Especificamente em relação à formação inicial, lembramos que a necessidade de orga-nizar o ensino para o Estágio Supervisionado ou a Prática de Ensino pode constituir-se num momento importante para a aprendizagem do futuro professor, como ressaltam Fiorentini e Castro (2003, p.122):

A prática de ensino e o estágio supervisionado podem ser caracte-rizados como um momento especial do processo de formação do profes-sor em que ocorre de maneira mais efetiva a transição ou a passagem de aluno a professor. Essa inversão de papéis não é tranquila, pois envolve tensões entre o que se sabe ou idea-liza e aquilo que efetivamente pode ser realizado na prática.

Contudo, a aprendizagem da docência não acontece de forma individual e independente do contexto em que se encontra o professor. Para que

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se efetive, faz-se necessário que os conhecimen-tos e as ações educativas sejam compartilhados, discutidos e ressignificados a partir de um co-letivo, uma vez que a Educação também não é composta de ações isoladas.

Desenvolvimento

Como já ressaltamos, este trabalho decorre da organização de uma proposta metodológica que propunha a utilização de livros de literatura infantil em aulas de Matemática a serem minis-tradas nos anos iniciais em escolas públicas, como atividade de Estágio Supervisionado.

A dinâmica de seu desenvolvimento, que aconteceu ao longo de um semestre, dava-se em três momentos básicos:

• planejamento do grupo de trabalho: quando os componentes dos grupo organizava-se em atividades específicas para a produção do seu material;

• planejamento coletivo: organização das atividades comuns relativas ao planejamento do estágio supervisionado, que envolvia todos os grupos;

• apresentação, avaliação e discussão compartilhada dos materiais produzidos: momento em que cada grupo apresentava as atividades e materiais organizados até aquele momento, que eram avaliados e recebiam as contribuições dos outros grupos. Também se constituía no momento em que eram apresentadas as dificuldades e conquistas em relação ao trabalho desenvolvido.

Apresentaremos a seguir algumas obser-vações acerca de episódios ocorridos durante a apresentação, avaliação e discussão coletiva dos materiais produzidos, a partir das falas das futuras professoras envolvidas, que julgamos pertinentes ao tema proposto neste trabalho: a aprendizagem da docência na organização do ensino.

Ressaltamos que, como forma de preservar a identidade dos sujeitos, os nomes utilizados são fictícios.

Como atividade inicial, foi realizada uma pesquisa e análise de obras da literatura infantil disponíveis no mercado que apresentassem – de forma implícita ou explícita – possibilidade de exploração de conceitos matemáticos. Nesse mo-

mento, o que mais ficou evidente foi a expectativa das acadêmicas em encontrar livros que tivessem números ou explicitamente apresentassem proble-mas ou operações para que os alunos pudessem resolver. Tal preocupação demonstrou a presença da concepção de que, para sanar as dificuldades em Matemática, faz-se necessário realizar muitos e exaustivos exercícios. É provável que muitas ideias relacionadas a essa concepção fossem oriundas da vivência escolar dessas estudantes, nem sempre muito agradáveis em relação à Matemática. Isso pode ser observado nos relatos a seguir:

O que me lembro em relação à minhas aulas de Matemática, no ensino fundamental, pois no ma-gistério não tinha Matemática, é que fazíamos muitas contas e às vezes resolvíamos problemas. Do resto não lembro nada.(...) Aliás, lembro que tinha dificuldades. Por isso acho que nossos alunos devem estar bem firmes em Matemática e saber resolver problemas. (Maria) Normalmente os alunos têm dificul-dades em Matemática. Eu também tive. Por isso que é importante o professor trabalhar mais concreta-mente as operações. (Carla)

A afirmação da necessidade de os alunos estarem “firmes” em relação ao conteúdo mate-mático e que as possíveis dificuldades podem ser sanadas através da intensificação de atividades, demonstrou a necessidade de organizarmos um momento de discussão acerca do processo de ensino e aprendizagem em Matemática, recorren-do aos conhecimentos das ciências da educação (GAUTHIER et al, 1998), estudados por elas, mas que, nesse momento não lhes pareciam estar relacionados à Matemática. Acreditamos que se esse espaço de reflexão sobre essas concepções carregadas, inclusive, de dúvidas sobre o ensinar não fosse constituído nesse momento, muito pro-vavelmente a proposta de organizar uma ativida-de diferenciada das tradicionalmente utilizadas não se concretizaria em aprendizagem do aluno, mesmo que fosse usado um material diferente. Pois o direcionamento metodológico dado pelo educador, bem como os recursos utilizados em sala de aula, contribui significativamente para a aprendizagem. Contudo, o material instrucional em si não é o responsável pela aprendizagem.

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Mizukami (2006, p.218) alerta para o fato de que:

Os cursos de formação inicial de-vem levar em conta que os futuros professores já chegam às instituições formadoras com pré-concepções sobre ensino e aprendizagem, que são construídas em seus processos de ‘aprendizagem por observação’. Tais pré-concepções condicionam o que irão aprender em seus pro-cessos formativos. Caso não sejam explicitadas, trazidas à tona, discu-tidas, compreendidas e problemati-zadas essas aprendizagens podem comprometer a aprendizagem de novos conceitos ou mesmo possi-bilitar a tradução equivocada dos novos conceitos de forma que se conformem às ‘aprendizagens por observação’ anteriores, servindo o curso de formação, sob essa perspectiva para reafirmar teorias pessoais dos professores.

Esse momento concretizou-se como uma importante reflexão sobre o que as futuras pro-fessoras acreditavam ser importante no ensino de Matemática. O principal ponto discutido foi o papel das operações e sua forma de encami-nhamento, a partir da crença da grande maioria de que sua maior importância está no desenvol-vimento do algoritmo.

Após a seleção, análise de algumas obras e a elaboração de atividades a partir delas, as futuras professoras organizaram e produziram livros des-tinados a se comporem como material pedagógico para o ensino de Matemática. As orientações eram de que, em grupo, deveriam escolher um conte-údo matemático que iriam desenvolver em seus estágios nas escolas, elaborar um enredo literário e construir o livro com os recursos materiais que julgassem mais convenientes, bem como o encaminhamento das atividades a serem desen-volvidas com os alunos a partir dele.

Nessa etapa, diferente da anterior, elas não tinham que analisar um material, mas sim deixar seus lugares de alunas, colocarem-se no lugar de professoras e organizar o seu ensino a partir de um material específico.

Compactuamos com Fiorentini e Castro (2003), que afirmam que o professor vai se constituindo e reconstituindo continuamente ao longo de sua existência, pois sua formação

não é um movimento isolado do restante de sua vida. Portanto, oferecer oportunidades para que o licenciando possa sair de sua posição de aluno pode ser um momento importante para inserir-se “numa viagem por um caminho – o de professor – ainda pouco conhecido e vivido” (FIORENTINI; CASTRO, 2003, p.125).

Os autores, porém, alertam que isso pode não acontecer de uma forma muito tranquila. No nosso caso, a produção do livro foi uma etapa de conflitos caracterizada por diversas mudanças nos encaminhamentos do texto.

Na organização do ensino e na prática pedagógica, o professor que inicialmente faz uso de esquemas práticos precisa ir modificando-os, combinando-os de formas diversas, substituin-do-os e reordenando-os.

Em nossas atividades, um dos grupos tinha como proposta organizar um livro para trabalhar com as operações fundamentais. Para isso, escreveu um enredo que envolvia uma família de ratos, mais especificamente a mãe e três filhotes, que usariam um cacho de bananas para sua alimentação. A partir daí, após muitas discussões e mudanças de encaminhamentos, exploraram diferentes situações em que se en-contrava essa família, de modo a que as decisões iam concretizando-se com o envolvimento de operações matemáticas. Era o caso do momento em que a Mamãe Rata percebeu que no cacho “havia três pencas com quatro bananas cada”, que permitia a continuação da história através da exploração do conceito de multiplicação e sua propriedade comutativa. Ou ainda na hora da organização da refeição, quando ela verificou que, “como as bananas eram grandes e seus filhos pequenos, cada ratinho comeria uma banana por dia, e para ela uma por dia também bastaria;” oportunizando o encaminhamento da operação da divisão. Ou mesmo no problema que possi-bilitava trabalhar com a ideia de fração que foi a constatação por parte de Dona Rata que, no terceiro dia, duas bananas estavam estragadas: “e agora, como ela faria para alimentar igualmente a todos?”.

Mas a história organizada como descre-vemos anteriormente não foi a primeira versão do trabalho.

Na fala apresentada a seguir, de uma com-ponente desse grupo, podemos observar como o encaminhamento inicial “direto” foi dando lugar

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a outros, a partir da reflexão do grupo sobre o mesmo:

Primeiro a gente começou fazen-do um livro com uma pequena introdução e aí fomos direto para as contas que os alunos deveriam fazer, afinal, Matemática envolve contas. Só que depois a gente refle-tiu e viu que não estávamos fazendo nada diferente dos livros didáticos e estávamos esperando que os nossos alunos fossem aprender do jeito que a gente aprendeu... ou não apren-deu (...) se eu lembro do meu tem-po...que pavor. E, desse jeito, será que iam aprender alguma coisa? Aí resolvemos começar tudo de novo. Pensamos, então, que tínhamos que encontrar uma forma agradável do aluno aprender. (Joana)

O que esse grupo iniciou fazendo foi base-ado em conhecimentos da tradição pedagógica, apontado por Gauthieret et al. (1998) como aquele baseado em representações prévias que o profes-sor tem antes de iniciar sua formação pedagógica e que atribuem certas características ao ensino ou às disciplinas, podendo ser passadas de geração para geração. Como no caso de que a Matemática é a ciência dos números e a tal se resume.

Esse conhecimento, proveniente das relações estabelecidas em sua vivência, pode tornar-se um princípio regulador de sua prática – esquemas práticos. A organização das ações estratégicas deve estar direcionada a melhorar a capacidade de operar o conhecimento e a inves-tigação pedagógica, sendo que nesse caso partiu da possibilidade de o conhecimento ampliar a consciência sobre a organização do material, que deveria ter o objetivo de conduzir um processo de aprendizagem Matemática, levando a um novo encaminhamento.

A capacidade de conseguir articular os esquemas práticos em estratégicos está relacio-nada com a capacidade do professor de não só desenvolver suas atividades práticas mas tam-bém refletir e avaliar suas ações, no sentido de buscar alternativas para resolver os problemas que encontra (SACRISTÁN, 1995). É provável que o momento anteriormente descrito, quando se discutiu sobre o que é importante no ensino de Matemática, possa ter contribuído para que refletissem acerca do encaminhamento inicial.

Para esse grupo de futuras professoras, a organização do ensino, concretizada na elabo-ração de um livro para ensinar Matemática, foi se constituindo como aprendizagem na medida em que foram descobrindo a complexidade da atividade docente. Foram entendendo que o en-sinar exige mais do que apresentar o conteúdo para os alunos, mais do que colocar os esquemas práticos em ação. Mas a simples constatação da complexidade não levou à aprendizagem. Indícios de que as ações podem ser formadoras apareceram quando os modos de ação foram retomados e reencaminhados. Ou seja, houve a necessidade de refazer o material.

Além disso, o relato de que precisavam “encontrar uma forma agradável do aluno apren-der” mostra uma preocupação que é comum entre professores dos anos iniciais: apresentar a Matemática de uma forma diferente daquela que eles encontraram enquanto alunos. Ou seja, de-monstram a necessidade de ensinar de maneira que seus alunos não passem pelas dificuldades que elas passaram.

Outro grupo propôs-se a organizar um livro com o intuito de trabalhar com a tabuada do dois. A opção foi por uma história narrada através de poesia como forma de aproximar esse tipo de texto da linguagem utilizada nas aulas de matemática. Os personagens eram os componentes de uma família que, cada um por sua vez, iam chegando em casa e trazendo duas flores e colocando-as uma em cada um de dois vasos. Nesse caso, os dois vasos estavam representando o “dois fixo” da tabuada, na medida em que cada vez que alguém chegava em casa o número de flores de cada vaso aumentava em um e o total aumentava em dois.

Uma das componentes assim relata a or-ganização desse grupo, que inicialmente julgava que não iria encontrar dificuldades, pois era um conteúdo simples:

Na verdade um conteúdo simples como a multiplicação do dois jamais poderia ser considerado um pro-blema para um aluno que estivesse num curso superior, independente da área, mesmo para nós da peda-gogia que temos pouca Matemática, pois é conteúdo dos primeiros anos do ensino fundamental. Contudo, embora soubéssemos o resultado de duas vezes qualquer coisa e que na tabuada era só ir aumentando

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o dois, eu não sabia exatamente o que era, porque ia aumentando. Ao começarmos a história com dois vasos de flores aos quais iam sendo acrescentadas duas flores por vez é que me caiu a ficha: que o dois fixo eram os vasos, como na tabuada, que sempre fica dois, e vai aumentando a quantidade de flores em cada vaso, que são os resultados. (Adriana).

Podemos perceber nesse relato a necessi-dade do grupo de organizar o enredo da história de modo que os alunos compreendessem o conceito de multiplicação implícito na tabuada. Esse fato, que exigia uma aprendizagem relativa à ação pedagógica – como fazer – oportunizou a aprendizagem de conhecimento disciplinar, que é citado por Gauthieret al. (1998) como o conjunto de conhecimentos da disciplina. Nesse caso, da Matemática.

Todas as acadêmicas do grupo sabiam realizar a operação de multiplicação, contudo, a compreensão do que significava o multipli-cando e o multiplicador no contexto do enredo da história do livro atribuiu um novo sentido a esse conhecimento matemático.

A fala anterior indica a possível relação entre a organização do ensino e a mobilização do conhecimento disciplinar visando à ação docente. Pois na organização do ensino um novo conhecimento apropriado com o objetivo de ensinar pode levar à apropriação de um novo conhecimento importante para a ação pedagó-gica. Dessa forma, esse conhecimento “acaba conferindo novas qualidades às ações que serão desenvolvidas, uma vez que se origina de mu-danças ocorridas nos modos de lidar com o objeto do professor” (LOPES, 2009, p.166). Nesse caso o objeto era o conhecimento matemático.

Lembramos de Moura (1996) que faz refe-rência à questão da aprendizagem do professor na atividade orientadora de ensino ao citar a organização do ensino como um dos seus prin-cipais elementos, caracterizando-a com dupla função formadora. Ela oportuniza aprendizagem tanto do aluno – que é o objetivo do professor – quanto do próprio professor.

Outro grupo, cuja proposta era trabalhar com a sequência numérica na educação infantil, apresentou dúvidas em relação ao encaminha-mento do conteúdo.

Como nós vamos fazer para que os alunos entendam que depois do um, vem o dois, depois o três,... pois não adianta só a gente fazer eles de-corarem os números. Achamos que teria que também relacionar com a quantidade (...) a ideia era trabalhar a sequência a partir da quantidade, mas como conseguir isso? (Ana)Nossa preocupação é se da forma como a gente fizer, eles vão enten-der (...) O que tem que fazer para eles entenderem? (Carina)

Nesse grupo, as futuras professoras ti-nham conhecimento disciplinar em relação ao conteúdo sequência numérica, mas angustiava-lhes a forma como encaminhar esse conteúdo e como ele seria recebido pelo aluno. Lembrando que esse grupo não tinha experiência de docên-cia, a constatação anteriormente apresentada demonstra que não tinham se apropriado de conhecimentos da ação pedagógica, oriundos da prática docente (GAUTHIER et al, 1998). No caso de uma primeira experiência na organiza-ção do ensino, deparamo-nos com uma inversão de lugares: o aluno, que até então tinha como atividade a aprendizagem, passa à condição de professor, cuja atividade é o ensino.

Essa alteração exige mais do que uma simples troca de papéis, pois implica mudança de postura. E, nesse movimento, o professor, ao assumir seu espaço de ensinar, apropria-se de conhecimentos importantes para o seu processo de formação.

Optaram por organizar uma história em que os numerais de 1 a 10 fossem os personagens. Inicialmente a preocupação única estava em ir trazendo-os cada um com uma característica que pudesse ser “marcante” para a criança, de modo a permitir que ela “gravasse” sua posição na série numérica. Contudo, após diversos momentos de discussão no grupo e compartilhamento das ideias com os demais, perceberam que esse encaminha-mento não contribuiria, uma vez que os alunos iam associar o signo numérico simplesmente a uma imagem arbitrária, deliberada pelos autores do livro. Decidiram, então, que a entrada de cada um deles na história estaria relacionada à quantidade que representam, de forma que o aluno entendesse essa diferença entre eles e não de uma imagem es-tilizada. Ou seja, a diferença entre os números não estaria no signo, mas no que eles representam.

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Assim, quando, por exemplo, aparecia o personagem quatro, ele vinha acompanhado de “um brinquedo a mais” que o três, e o encaminha-mento do texto visava analisar as quantidades correspondentes a cada um deles e o que isso significava.

Embora se saiba que socialmente os nú-meros não representam somente quantidades (como, por exemplo, número de telefone), faz-se importante que na educação escolar essa seja uma de suas representações a ser trabalhada, acompanhando sua constituição histórica rela-cionada à correspondência biunívoca. O que não impede, contudo, que se façam outras explora-ções, também importantes para o aluno.

A ansiedade desse grupo, na verdade, só terminou completamente com a aplicação da ati-vidade com os alunos. Contudo, a oportunidade de discutir com seus pares e com as professoras orien-tadoras suas dúvidas e angústias possibilitou um reencaminhamento na organização do material.

Algumas considerações finais

No desenvolvimento desse trabalho, en-contramos possíveis evidências de que a necessi-dade de organizar o ensino visando à aprendiza-gem do aluno pode oportunizar a aprendizagem da docência por parte do futuro professor. E essa aprendizagem refere-se tanto à relativa ao conhecimento da ação pedagógica quanto ao conhecimento disciplinar da Matemática.

Nos momentos de discussão e escolhas por parte das acadêmicas de encaminhamentos que entendiam ter possibilidade de oportunizar a aprendizagem dos conteúdos por parte dos alunos, pudemos perceber a reconfiguração de algumas concepções sobre a Matemática e seu ensino. Tais reconfigurações permitiram uma melhor compreensão não só da importância da organização do ensino, mas também das ideias do que é preciso saber para ser um professor que ensina Matemática.

Da mesma forma, a organização do ma-terial pôde proporcionar a apropriação dos conhecimentos relacionados aos conteúdos ma-temáticos e seus significados. Ou seja, a apren-dizagem desses conhecimentos pôde subsidiar a ação pedagógica.

Cabe aqui lembrar que a Matemática é uma das disciplinas que mais dificuldades apresentam

para alunos e professores. Diante da especificida-de da formação do pedagogo, é comum a mesma mostrar-se frágil em relação aos conhecimentos dessa disciplina. A busca de alternativas para esse problema passa pela possibilidade de desenvolvi-mento de um processo que permita tanto a apren-dizagem de novos conteúdos quanto a atribuição de novos sentidos aos já conhecidos.

Ressaltamos que, no processo aqui apre-sentado, foi de fundamental importância a organização do trabalho constituído de forma compartilhada. Poder expor angústias, incerte-zas ou mesmo conquistas proporciona ao futuro professor não só segurança em relação aos enca-minhamentos dados, mas principalmente uma oportunidade de refletir acerca de suas ações.

Isso nos leva a reafirmar a necessidade de se constituir espaços de aprendizagem da docência ainda na formação inicial, pautados no compromisso de oportunizar a apropriação de conhecimentos necessários para a ação pe-dagógica. Pois, como coloca Mizukami:

Ao se considerar aprendizagem e desenvolvimento profissional da docência como processos que se desenvolvem ao longo da vida, a formação inicial do professor deve ser destacada como um momen-to formal em que processos de aprender a ensinar e aprender a ser professor começam a ser cons-truídos de forma mais sistemática, fundamentada e contextualizada. (MIZUKAMI, 2006, p.216)

Finalizando, ressaltamos nossa crença de que a possibilidade de se inserir em um movimento que exija a organização do ensino e que oportunize a discussão e a reflexão de suas dificuldades e suas ações propicia ao professor a apropriação de conhecimentos importantes para o desenvolvimento de sua atividade docente.

E o ideal é que esse processo também aconteça na formação inicial.

Referências

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Anemari Luersen Vieira Lopes – Docente da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutora em Educação pela USP. [email protected]

Maria Teresa Ceron Trevisol – Docente da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC). Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela USP. [email protected]

Patrícia Sandalo Pereira – Docente da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Doutora em Educação Matemática pela UNESP. [email protected]

RECEBIDO em: 20/08/2009CONCLUÍDO em: 22/10/2009

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PARTES: UM MODO DE EFETUAR A PARTILHA DO PESCADO

Parts: A Way to Effect the Fish Sharing

Idemar Vizolli

Resumo

O presente estudo tem como objetivo analisar o modo como os pescadores da região de Itajaí/SC efetuam a partilha do pescado. Como muitos alunos da educação básica utilizam-se dos conhecimentos de seu cotidiano (nesse caso, a partilha do pescado) para solucionar problemas de matemática propostos em sala de aula, entrevistou-se um pescador e o representante do Sindicato dos Pescadores para melhor compreender essa relação estabelecida pelos alunos. As análises dos dados indicam que, para efetuar a partilha do pescado, os pescadores organizam as quantidades em partes. O número de partes que compete a cada tripulante de uma embarcação é estabelecido de acordo com o tipo de pescado e a atividade que o tripulante desempenha na pescaria. A partilha obedece ao critério de proporcionalidade, cujo coeficiente multiplicador é o número de partes. Os dados e informações permitiram elaborar um modelo matemático que representa a partilha do pescado. Este estudo encontra eco nas pesquisas que refletem sobre os conhecimentos matemáticos produzidos nos contextos socioculturais.

Palavras-chave: Matemática. Pescadores. Partilha do pescado. Partes. Modelo matemático.

Abstract

The present study aims to analyze the form how the fishermen of Itajaí region, SC, do the fish sharing. How many students of Primary Education use their quotidian knowledges (in this case, the fish sharing) to resolve mathematic

problems proposed in the classrooms, it was interviewed a fisherman and the Fishermen Syndicate President to understand better this relation that is stabilished by the students. In the analyses was observed that the fishermen organize the quantities in parts. The numbers of parts that each crew member of a fishing boat receive is established according with the performance acting in the fishing, attending the criteria of proportionality, whose Multiplier coefficient is the number of parts. The results of this study are supported by researches that reflect about the Mathematic knowledges produced in the sociocultural contexts.

Keywords: Mathematic. Fishermen. Fish sharing. Parts. Mathematical model.

Entendendo a problemática

Ao realizar tarefas cotidianas, muitas vezes as pessoas fazem uso de conhecimentos matemáti-cos para solucionar uma série de problemas, prin-cipalmente aquelas que dizem respeito a atividades profissionais e/ou que envolvem transações finan-ceiras. De acordo com os autores Carvalho (1995), Fonseca (2001), Piconez (2002), Fantinato (2003) e Vizolli (2006), entre outros, mesmo as pessoas que não frequentaram a escola, ou que a tenham frequentado por período muito curto, fazem uso de conhecimentos matemáticos bastante elaborados, os quais, muitas vezes, são mobilizados para solucio-nar uma série de problemas de matemática que são propostos em sala de aula. Pode-se dizer que se trata de conhecimentos adquiridos e difundidos por meio

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da interação entre as pessoas em suas atividades diárias. Isso significa que, no contexto sociocultural, as pessoas se apropriaram de conhecimentos mate-máticos que lhes possibilitam solucionar uma série de problemas, e que esses conhecimentos devem servir como ponto de partida para a proposição de atividades em sala de aula.

Segundo esses autores, os elementos pre-sentes no contexto social precisam ser levados em consideração quando do processo de ensino e aprendizagem, o que exige dos professores o conhecimento da cultura presente na comunida-de em que a escola está inserida. Nas palavras de Monteiro e Pompeu Júnior (2001, p.24) “a escola precisa embeber-se da cultura e dos valo-res de seus alunos, professores e comunidade”. Isso significa que as escolhas pedagógicas dos professores devem ser construídas de forma colaborativa entre os responsáveis pelo processo de educação: pais, alunos, professores e comuni-dade. A cultura, segundo os autores, é “entendida como o conjunto dos valores, condutas, crenças, saberes que permitem aos homens orientar e explicar seu modo de sentir e atuar no mundo” (idem, p.50).

D’Ambrosio (1990) indica a etnomate-mática como uma possibilidade para que os professores reflitam sobre os conhecimentos pro-duzidos pelas pessoas em seu convívio social e que passem a ser objetos de estudo nas atividades propostas em sala de aula, sobretudo nas aulas de Matemática. A etnomatemática é compreen-dida como “um programa que visa explicar os processos de geração, organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais e as forças interativas que agem nos e entre os três processos” (D’AMBROSIO, 1990, p.7).

Nessa perspectiva, a etnomatemática toma como referência a produção dos sujeitos em seus contextos culturais, o que exige, em grande parte, a compreensão do que é a cultura e das relações da matemática presente nos currículos escolares e a matemática da vida cotidiana.

O que se tem observado é que nem sempre a escola, e mais especificamente os professores que ensinam matemática, tem dado a devida atenção aos conhecimentos matemáticos produzidos e difundidos no contexto social em que a escola está inserida e que, por vezes, se manifestam nas solu-ções de problemas resolvidos por alunos em sala de aula. De outro modo, pode-se dizer que a escola não

tem prestado atenção nos modos utilizados pelas pessoas para solucionar uma série de problemas com que se deparam diariamente. Muitas vezes, no contexto social, as pessoas efetuam operações matemáticas de formas diferentes daquelas que são ensinadas na escola. O mesmo ocorre com os pescadores residentes nos municípios do Vale do Itajaí, ao efetuarem a partilha do pescado.

Em estudos anteriores, pode-se perceber que, no decorrer das aulas de Matemática, di-ficilmente os professores conseguem auscultar a forma como os alunos organizam seu pensa-mento para solucionar um dado problema de matemática e que, por vezes, não conseguem perceber as relações que os alunos estabelecem entre a Matemática da vida prática e a Matemá-tica ensinada na escola.

Muitas vezes “as necessidades cotidianas fazem com que os alunos desenvolvam uma inte-ligência essencialmente prática, que permite reco-nhecer problemas, buscar e selecionar informações, tomar decisões e, portanto, desenvolver uma ampla capacidade para lidar com a atividade matemática (BRASIL, 1997, p.37).

O exercício de identificar o modo como os pescadores efetuam a partilha do valor monetário pescado e de elaborar modelos matemáticos que os representem mostra que é possível respeitar os conhecimentos oriundos dos contextos culturais e que também se manifestam no fazer pedagógi-co. De acordo com Bassanezi (1994), um modelo matemático é obtido por meio de relações que se estabelecem entre as variáveis presentes na situação e pode ser representado por meio de sistemas de equações ou inequações algébricas, diferenciais, integrais, entre outros.

Para Moreira e David (2005, p.51-52), “a matemática escolar não se reduz a uma versão elementar e “didatizada” da matemática cien-tífica; a prática profissional do professor de matemática da escola básica é uma atividade complexa, cercada de contingências, e que não se reduz a uma transmissão técnica e linear de um “conteúdo” previamente definido”. Nas palavras de Freire (1991), trata-se de nos formarmos como educadores, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática.

“Muitas vezes os professores preferem restringir suas aulas ao conteúdo do livro didá-tico, pois é mais fácil e ocupa menos tempo de preparo” (MONTEIRO; POMPEU JUNIOR, 2001,

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p.60). Sugere-se fortemente que os professores passem a refletir sobre os modos como as pes-soas solucionam problemas que enfrentam em seu contexto cultural e os problematizem em sala de aula.

Independentemente da forma como o pro-fessor trabalha a matemática, faz-se necessário, sim, dispensar um tratamento adequado aos conhecimentos oriundos das práticas sociais e organizá-los, se for o caso, de outro modo. Não que esse seja o melhor, mas que agregue novos conhecimentos, novas possibilidades, novas informações, que, ao se fundirem aos conheci-mentos anteriores, gerem outros saberes, outros conceitos. Aqui reside o sentido da escolarização. Talvez essa seja uma forma de fazer com que a problemática da comunidade seja refletida na escola e que esta reflita sobre a comunidade.

Apelamos aqui à especificidade e a com-plexidade dos saberes docentes, especialmente como os saberes são apropriados/aplicados e ela-borados/reelaborados pelos professores em sua prática. Para Fiorentini, Souza Jr. e Melo (1998), o conhecimento cultural vai além dos limites da especialidade do professor e não se restringe à formação intelectual que pode acontecer na formação inicial. Esse tipo de conhecimento assume os saberes produzidos pelas pessoas em seu contexto social imediato, como ingredientes que fazem o diferencial no processo de ensinar e aprender, tanto dos professores quanto dos alunos.

Para esses autores, os saberes da experi-ência dos professores são construídos ao longo dos anos no trabalho docente. Não se trata de um saber que se aprende na academia, mas resulta da reflexão do professor sobre a prática e sobre as influências da história de vida privada e pro-fissional de cada um. Eles são saberes práticos que se integram à prática. Para Fiorentini, Souza Jr. e Melo (1998, p.319), “o referencial da prática, além de fundamental para a significação dos conhecimentos teóricos, contribui para mostrar que os conhecimentos em ação são impregnados de elementos sociais, ético-políticos, culturais, afetivos e emocionais”.

Fiorentini (2003) e Ponte (1996) aponta-ram para a necessidade de serem estudadas as condições e os processos do desenvolvimento profissional dos professores, atentando para o modo como, em diferentes contextos, o professor

pode aperfeiçoar sua competência sobre sua prá-tica, sobre sua responsabilidade como educador, como agente no processo de organização escolar, ampliando sua gama de conhecimentos relativos à sua área de atuação.

O desenvolvimento profissional ocorre por meio de múltiplas formas e processos, o que inclui a frequência a cursos e outras atividades como, por exemplo, projetos, trocas de experiên-cias, leituras, reflexões, grupos de estudos. Neles, o movimento deve ser de dentro para fora, uma vez que a tomada de decisões sobre as questões a considerar, os projetos a se empreender, o modo como se quer executá-los é de competência do professor. Aqui, o professor é sujeito.

De acordo com Ponte (2000), o conheci-mento profissional está estritamente ligado à ação do professor, baseando-se sobretudo na experi-ência e na reflexão sobre ela. Esse conhecimento tem forte relação com o conhecimento usado na vida cotidiana, o qual ganha consistência quando articulado com o conhecimento acadêmico.

O ensino da matemática pode ter uma importante contribuição na reafirmação e, em numerosos ca-sos, na restauração da dignidade cultural das crianças. O essencial do conteúdo dos programas atuais repousa sobre uma tradição estran-geira aos alunos. De outro lado, eles vivem em uma civilização domina-da pela matemática e por meios de comunicação sem precedentes, mas as escolas lhes apresentam uma visão de mundo baseada em dados. (D’AMBROSIO, 200[5], p.7)

Identificando o problema

Ao ministrar aulas de Matemática na edu-cação básica, mais precisamente em uma Escola Pública localizada na periferia do município de Navegantes/SC, e nos cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) oferecidos pela Univer-sidade do Vale do Itajaí (UNIVALI), percebeu-se que alguns alunos utilizam modos diferentes para organizar dados e informações presentes em determinados problemas propostos em sala de aula. Muitas vezes, na organização dos dados e informações, assim como nos procedimentos adotados no processo de solução de determina-dos problemas, os alunos utilizam modos dife-

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rentes daqueles que os professores conhecem ou que são apresentados nos livros didáticos.

Entre as experiências vividas no exercício da docência, dois episódios são reveladores da utilização do modo como os pescadores efetuam a partilha do pescado e que foram utilizados na solução de problemas de matemática propostos em sala de aula. Um deles diz respeito à solu-ção de um problema que envolvia o conceito de proporcionalidade (regra de sociedade), cuja ati-vidade foi proposta aos alunos de uma classe de 7ª série ou 8º ano (segundo segmento do ensino fundamental – 5ª a 8ª séries ou 6º ao 9º ano) da referida Escola Pública, e o outro consistia na solução de um problema de proporção-porcen-tagem propostas a alunos do curso de EJA.

- Três amigas fizeram uma sociedade e abriram uma empresa. Uma delas, a mais velha, entrou na sociedade com R$ 5.000,00; a outra, com R$ 4.000,00, e a mais nova, com R$ 2.000,00. Depois de um determinado tempo, obtiveram um lucro de R$ 35.200,00. Proporcionalmente, qual é o valor do lucro que compete a cada uma?

Ao serem questionados sobre o modo como solucionaram o problema, um dos alunos infor-mou que organizou as quantidades em partes. Assim, R$ 5.000,00 corresponde a 5 partes; R$ 4.000,00 corresponde a 4 partes, e R$ 2.000,00 corresponde a 2 partes, perfazendo um total de 11 partes. O lucro, R$ 35.200,00, corresponde a 35,2 partes. A quantidade de partes do lucro, dividido pela quantidade total das partes com que cada uma entrou na sociedade, resultou no valor de uma parte (35,2 : 11 = 3,2), isso significa que cada parte corresponde a R$ 3.200,00. Como a mais velha entrou na sociedade com 5 partes, tem-se, 3.200,00 x 5 = 16.000,00 (do lucro); a se-gunda entrou na sociedade com 4 partes, tem-se, 3.200,00 x 4 = 12.800,00 (do lucro), e à mais nova compete 3.200,00 x 2 = 6.400,00 (do lucro).

O problema sobre o cálculo de salário:- Um trabalhador recebe um salário de R$

500,00 e está defasado em R$ 200,00. Expresse essa defasagem na forma de taxa percentual.

Ao explicar como havia solucionado o problema, o aluno de EJA mencionou que trans-formou as quantidades em partes. Assim, 500 di-vididos por 100, resultam em 5 partes, isto é, R$ 500,00 correspondem a 5 partes, da mesma forma

que R$ 200,00 correspondem a 2 partes. 100 : 5 = 20, o que significa 20%. Como a defasagem é de R$ 200,00, tem-se uma taxa de 40%.

Tanto o aluno de 7ª série como o aluno do curso de EJA fizeram uso do termo partes para encontrar a solução dos problemas. Esse termo é bastante usual pelos pescadores da região do Vale do Itajaí ao efetuarem a partilha do valor monetário do pescado.

O modo como esses alunos solucionaram os problemas indica que eles lançaram mão de conhecimentos usuais em seu cotidiano extra-escolar. Nos termos de Schliemann e Carraher (1998, p.14), “na vida diária classificamos situ-ações de acordo com critérios práticos e eviden-tes”. Assim, interpretamos as situações a partir de uma organização das experiências vividas, ou, ainda, fazemos uso de conhecimentos de que já dispomos.

Somando-se ao exposto, tem-se o fato de que muitos alunos que frequentam as escolas públicas da região de Itajaí/SC são filhos de pescadores, e isso colocou aos professores o desafio de empreen-derem uma investigação para responder à seguinte pergunta de pesquisa: Como os pescadores da região do Vale do Itajaí/SC efetuam a partilha do pescado?

A pesquisa teve como objetivo geral des-crever os procedimentos utilizados pelos pesca-dores ao efetuar a partilha do valor monetário resultante de uma pescaria, e como objetivos es-pecíficos identificar os procedimentos utilizados pelos pescadores ao efetuar a partilha do valor monetário e refletir sobre os procedimentos utili-zados pelos pescadores no processo da partilha.

Muitas vezes, a Matemática é vista como uma disciplina abstrata e separada das situações cotidianas, e seu ensino ancora-se na verbaliza-ção e memorização de regras, macetes e fórmulas. Essa constatação encontra eco nas palavras de Britto (2001) quando afirma que na prática peda-gógica das escolas ainda predominam os métodos tradicionais (memorização) e que o professor acredita que a aprendizagem ocorre apenas pela prática e repetição de exercícios ou no momento da prova. O resultado dessa prática faz com que os alunos não trabalhem conceitos matemáticos de modo significativo, gerando, muitas vezes, medo ou mesmo “aversão” à matemática.

Ao ensinar matemática que propicie a so-lução de problemas que as pessoas encontram em

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seu dia a dia, os professores precisam ensiná-la de modo que os alunos compreendam os concei-tos, estabeleçam relações com as demais áreas do conhecimento e a utilizem, quando necessário, na solução de outros problemas.

Nas palavras de Monteiro e Pompeu Júnior (2001, p.56),

o educador interessado em compre-ender os saberes presentes na vida cotidiana não deve olhar apenas para a multiplicidade de uso e en-tendimentos dos diferentes tipos de saber, mas também para os processos pelos quais qualquer campo do co-nhecimento chega a ser socialmente estabelecido como ‘realidade’.

Conhecer o modo como os pescadores efetu-am a partilha do valor monetário do pescado pode constituir-se numa estratégia importante à sensibili-zação dos alunos para a aprendizagem de conceitos matemáticos. Nesse contexto, a matemática deve ser vista como uma forma de preparação dos cidadãos para inclusão na sociedade em que vivemos. Nesse sentido, a Modelagem Matemática pode ser vista como uma possibilidade metodológica.

Biembengut (1999, p.20) entende a mode-lagem matemática como “uma arte, ao formular, resolver e elaborar expressões que valham não apenas para uma solução particular, mas tam-bém sirvam, posteriormente, como suporte para outras aplicações e teorias”.

Procedimentos metodológicos

O desenvolvimento deste estudo foi pos-sível a partir de uma pesquisa financiada pela FAPESC/2006, da literatura que versa a sobre a pesca em Santa Catarina e sobre o processo de ensino e da aprendizagem da Matemática. A literatura forneceu elementos teóricos que subsi-diaram a escolha do objeto a ser investigado. Para elucidar o objeto de investigação, conversou-se informalmente com pescadores, o que forneceu elementos para conhecer o modo que eles ope-ram com os dados e informações para efetuar a partilha do pescado. Pode-se dizer que se trata de uma aproximação com o tema/assunto/objeto a ser investigado.

Essa aproximação permitiu identificar o problema e elaborar a pergunta e estabelecer os objetivos da pesquisa. Definido o objeto de

investigação, elaborou-se um roteiro de questões com vistas a responder à pergunta da pesquisa. Esse roteiro foi organizado em quatro blocos de perguntas: dados pessoais e profissionais; captura do pescado; despesas com a pescaria; partilha do pescado. O roteiro também serviu como instrumento para as entrevistas na coleta de dados. Os diálogos com o dirigente do Sindi-cato dos Pescadores e com um pescador foram registrados (escritos) em papel pelo pesquisador. De posse dos registros, fez-se a análise dos dados procurando identificar os procedimentos utiliza-dos pelos pescadores na partilha do pescado.

Esta pesquisa consiste de um estudo ex-ploratório em que os pesquisadores procuram compreender as circunstâncias e o contexto da pesquisa levando em consideração os sentidos, os sentimentos e as emoções dos atores envolvidos no processo. Considera-se, portanto, os sujeitos da pesquisa como seres produtores de conhecimen-tos e práticas (CHIZOTTI, 1991). Trata-se de uma pesquisa qualitativa em que se estuda o fenômeno em seu estado natural, levando-se em conta todos os componentes de uma dada situação em suas interações (ANDRÉ, 1995).

De acordo com Alves-Mazzotti (2002), existe uma grande variedade de procedimentos e instrumentos de coleta de dados, característicos às pesquisas qualitativas (observação participan-te ou não, entrevistas, análise de documentos, entre outros). No caso desse estudo, fez-se uso da revisão da literatura, conversas formais e informais cujos dados foram anotados pelo pes-quisador e entrevistas semiestruturadas.

Participaram da pesquisa o presidente do Sindicato dos Pescadores da região de Itajaí e um pescador. O pescador é um senhor de 59 anos, natural de Canto Grande (Bombinhas/SC), filho de pescadores, e iniciou seu trabalho na pesca artesanal com 14 anos de idade. Posteriormente passou a atuar na pesca industrial. Aposentou-se há 5 anos como mestre de barco. Frequentou a “escola primária” alguns anos e aprendeu a “ler e escrever o básico”.

Um pouco sobre a história da pesca em Santa Catarina

Os imigrantes que deram início à coloni-zação do estado de Santa Catarina sobreviviam da exploração da mandioca, da cana de açúcar

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e do algodão – agricultura de subsistência. O fabrico rudimentar de cordas permitia-lhes a confecção de redes e espinhéis destinados à cap-tura do pescado. O excedente de sua produção e a comercialização dos instrumentos de pesca que fabricavam era feita junto aos navios que aportavam na região.

Em meados do século XVIII, iniciou-se a pesca da baleia, que durou pouco tempo, envol-vendo grande capital e mão de obra escrava. Já no final da era colonial, a atividade pesqueira desempenhava um papel de relativa importância na economia. A pesca era feita artesanalmente e comercializada diretamente pelo pescador. Essa atividade mercantil durou até meados de 1940, e as comunidades combinavam a agricultura e pesca.

A pesca artesanal foi crescendo até as dé-cadas de 1950 e 1960, e tinha como finalidade a subsistência da família. Retirado o pescado desti-nado à alimentação da família dos pescadores, o excedente era comercializado. O valor do dinheiro arrecadado com a venda do excedente era desti-nado à compra de suprimentos alimentícios que não eram produzidos no cultivo da lavoura.

A profissão de pescador artesanal passava de pai para filho. Nesse tipo de pesca, a captura dos peixes era feita em pequenas embarcações, e se utilizavam instrumentos simples, como o barco a vela ou canoa a remo. Normalmente eram os próprios pescadores que construíam os barcos e demais instrumentos necessários à captura do pescado. Sozinhos ou em parceria, permaneciam pouco tempo no mar (quando muito, um dia).

Em meados da década de 1960, a atividade pesqueira passou a ser industrializada, e muitos pescadores artesanais passaram a ter vínculo empregatício com a indústria.

O processo de industrialização exigiu uma nova dinâmica na organização das embarcações. Introduziram-se barcos de maior porte (moto-rizados e com guinchos). Houve um aumento do número de homens na pescaria, os quais passaram a desempenhar funções específicas e de acordo com o tipo de pescado.

Nesse novo tipo de pescaria, o número de tripulantes de uma embarcação pode variar dependendo da capacidade/tamanho do barco e do tipo de pescado. Na Tabela 1, a seguir, apresentam-se alguns dados e informações sobre o número de tripulantes que atua na captura de diferentes tipos de pescado.

Tabela 1: número de tripulantes na captura do pescado.

Tipo de pescado Nº de tripulantes

Atum 18

Camarão 9 a 15

Sardinha 18 a 20

Fonte: Informações prestadas pelo pescador.

Faz mister registrar que o pescador entre-vistado vivenciou grande parte dessa história, principalmente o período de transição da pesca artesanal para a pesca industrial.

A partilha do pescado

Com a implantação de empresas ou indús-trias, passam a fornecer as embarcações para que os pescadores as utilizassem na captura do pescado. Assim, o dono do barco detém o domínio sobre a captura e a comercialização do produto. Essas em-presas e/ou indústrias também determinam o valor monetário a ser pago pelo quilo do pescado.

De acordo com as informações prestadas pelo presidente do Sindicato dos Pescadores e confirmadas pelo pescador, o fornecimento dos barcos para a captura confere ao dono metade da produção líquida do pescado. A outra metade é distribuída aos tripulantes da embarcação, de acordo com a atividade (função) que o tripulante exerce na pescaria e o tipo do pescado.

Para fazer essa distribuição, os pescadores organizam as quantidades em partes, o que pode ser entendido como um modo próprio que esses trabalha-dores encontraram para efetuar a partilha do pescado e se estende para o cálculo do valor monetário que compete a cada um com a venda do produto.

O aspecto matemático no modo como os pes-cadores efetuam a partilha do pescado pode ser visto como a etnomatemática, de que fala D’Ambrosio (1990), ou seja, trata-se de conhecimentos que estão presentes nas práticas cotidianas dos pescadores. O modo utilizado por eles não tem uma preocupa-ção disciplinar como aparece no contexto escolar, mas consiste em atribuir significado ao que estão fazendo. Nesse sentido, organizar as quantidades em partes constitui-se num modo de atribuir um significado matemático à partilha do pescado.

Acredita-se que o modo de organizar a partilha do pescado em partes originou-se com a pesca artesanal. Nela, a unidade de medida bastante usual era o cesto (vasilha de corda, cipó ou bambu) onde se colocavam os peixes, cuja

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distribuição era feita de um para um (um cesto de peixe para cada pescador). Daí pode ser a origem do termo partes: cada pescador recebe um cesto, que equivale a uma parte do pescado.

Como esse modo ou forma de distribuição era conhecido dos pescadores, acredita-se que ele passou a ser utilizado também na pesca industrial, inclusive para efetuar o cálculo do valor monetário que cada tripulante de uma embarcação tem direito de receber. O montante (salário) que o pescador tem a receber pelo seu trabalho depende: do valor do que é pago pelo quilo do pescado; do tipo do pescado; do número de partes que lhe compete na pescaria.

De acordo com o pescador entrevistado, para saber a quantidade total de partes, “basta somá a parte de cada um de nóis e depois somá tudo mais uma vez”. A fala do pescador indica o uso da operação de adição para efetuar a soma das partes correspondentes aos pescadores e na união destas com a quantidade correspondente à empresa ou indústria dona do barco. Somar tudo mais uma vez significa duplicar o número de par-tes, incluindo-se assim os 50% correspondentes à empresa ou indústria dona do barco.

Na duplicação do número de partes, impli-citamente aparece a operação de multiplicação, qual seja pelo critério da soma de parcelas iguais, o que parece que o pescador utiliza, ou, ainda, o coeficiente multiplicador – nesse caso, dois (2).

Nas Tabelas 2, 3, e 4 a seguir, constam o tipo de pescado, as atividades que são desempenhadas na pescaria, o número de tripulantes destinados a cada atividade, o número de partes destinadas ao desempenho das atividades e o total geral do número de partes. Informa-se também o número de partes que compete ao dono da embarcação.

Tabela 2: partilha do pescado na captura do atum.Atividade do

tripulanteNº de tripulantes

Nº de “partes”

Cada tripulante Total

Mestre/proeiro 1 3,5 3,5

Motorista 1 2,0 2,0

Cozinheiro 1 1,5 1,5

Gelador 1 1,5 1,5

Pescadores 14 1,0 14

TOTAL 18 - 22,5

TOTAL GERAL - - 45

Fonte: informações prestadas pelo pescador.

Observando os dados apresentados, veri-fica-se que o dono do barco fica com a mesma quantidade do pescado, que é igual à somatória das partes que compete aos tripulantes. Assim,

se a somatória das partes que compete à tripu-lação de uma pescaria é 22,5, o dono do barco também fica com 22,5 partes. Isso significa que a partilha foi feita em 45 partes. Nas tabelas, essa informação é indicada pelo total geral.

Tabela 3: partilha do pescado na captura do camarão1.

Atividade do tripulante

Nº de tripulantesNº de “partes”

Cada tripulante Total

Patrão de pesca 1 6,0 6,0

Motorista 1 4,0 4,0

Cozinheiro 1 2,0 2,0

Gelador 1 2,0 2,0

Pescadores 9 1,0 9,0

TOTAL 13 - 23

TOTAL GERAL - - 46

Fonte: informações prestadas pelo pescador.

Tabela 4: partilha do pescado na captura da sardinha2.

Atividade do tripulante

Nº de tripulantesNº de “partes”

Cada tripulante Total

Mestre/proeiro 1 10,0 10,0

Motorista 1 4,0 4,0

Cozinheiro 1 2,0 2,0

Gelador 2 2,0 4,0

Caiqueiro 1 2,0 2,0

Ajudante de motorista

1 2,0 2,0

Pescadores 13 1,0 13,0

TOTAL 20 - 37

TOTAL GERAL - - 74

Fonte: informações prestadas pelo pescador.

O modo como as informações foram apre-sentadas pelo pescador indica que metade da produção fica com a empresa ou indústria dona do barco. No entanto, há que se considerar que, ao efetuar os cálculos sobre valor monetário, primeiramente são deduzidas as despesas com a pescaria. Essa informação pode ser vista na fala do pescador, transcrita a seguir.

“Tem dois jeitos ‘prá fazê’ as contas: um jeito é reparti tudo e o outro jeito é primeiro tirá as despesas com a pescaria. Pra nóis o primeiro jeito é melhor, mas as empresas primero tiram as despesas e depois repartem. Eles dizem que fazem isso porque senão não dá certo. Porque daí é eles que tem que pagá as despesas com a pescaria.”

1 O número de tripulantes na captura do camarão pode variar entre 9 e 15 pessoas.2 Na pesca da sardinha a tripulação pode variar entre 18 a 20 homens.

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A fala do pescador indica que ele compre-ende que se as despesas fossem deduzidas do total geral das partes ou mesmo do montante do valor monetário obtido com a venda do pescado, a em-presa ou indústria arcaria com metade do valor das despesas e a outra metade seria rateada entre a tri-pulação. Isso indica também que o sujeito estabelece relação de relação, princípio fundamental para se compreender o conceito de proporcionalidade.

Sistematizando a matemática presente na partilha do pescado

Ao observar a quantidade relativa ao núme-ro de partes de pescado a que cada tripulante tem direito, é possível perceber a existência do critério de proporcionalidade, cujo cálculo pode ser efetu-ado por meio de uma multiplicação simples. Dado que na multiplicação duas variáveis entram em cena, o número de partes e o valor (quantidade) de cada parte, pode-se identificar outro conceito matemático como o de função, por exemplo.

Nas variáveis presentes na distribuição do número de partes entre os tripulantes de uma embarcação e o montante que compete a cada um, tem-se uma relação de dependência, o que caracteriza uma relação de função, a qual pode ser expressa da seguinte maneira: f(x) = ax, onde: f(x) = montante; a (coeficiente angular) = núme-ro de partes que compete a cada um, dependendo da atividade que exerce na pescaria; x quantidade (em kg) do pescado. O f(x) representa a variável dependente, e x, a variável independente. Isso significa que, fazendo-se variar x, f(x) se altera.

Tomando como referência a distribuição das partes na pesca do atum (Tabela 2), pode-se estabelecer as funções a seguir:

Tabela 5: função estabelecida na partilha da pesca do atum.

Ativ. do tripulanteNº de trip.

Nº de “partes”

f de cada tripulante ∑fptrip

Mestre/proeiro 1 f(x)1 = 3,5x ∑ f(x)1 = 3,5x

Motorista 1 F(x)2 = 2x ∑ f(x)2 = 2x

Cozinheiro 1 f(x)3 = 1,5x ∑ f(x)3 = 1,5x

Gelador 1 f(x)4 = 1,5x ∑ f(x)4 = 1,5x

Pescadores 14 f(x)5 = x ∑ f(x)5 = 14x

∑18 - ∑ f(x)n = 22,5x

Empresa Metade da produção = 22,5 partes = g(x) = 22,5x

g(x) = 22,5x

Função geral das partes f(n) = ∑ f(x)n + g(x) = 22,5x + 22,5x = 45x

Fonte: elaborada a partir dos dados coletados nas entrevistas.

O conceito de função encontra grande aplicabilidade em diferentes áreas do conhe-cimento, como na estatística, na solução de problemas de ordem financeira, na elaboração de programas computacionais, nas áreas da Engenharia, na Biologia, na Química, na Física, entre outras.

A função geral das partes da pesca do atum f(n) = 45x e as funções que representam a partilha do pescado na tripulação de um barco podem ser vistas como modelos matemáticos.

Para Biembengut (1999, p.20), “um con-junto de símbolos e relações matemáticas que procura traduzir, de alguma forma, um fenômeno em questão ou um problema de situação real denomina-se ‘modelo matemático’”. O modelo matemático provém de aproximações realizadas para entender melhor um fenômeno, o que não significa que as aproximações condizem com a realidade. Ainda segundo a autora, o processo que envolve a obtenção de um modelo denomina-se modelagem matemática. Assim, a modelagem é um processo dinâmico que pode ser utilizado para compreender situações do mundo real.

Biembengut (1999) esclarece que na ela-boração de um modelo matemático há que se seguir alguns procedimentos, os quais podem ser agrupados em três etapas, a saber: interação, eta-pa em que o modelador faz o reconhecimento da situação-problema e familiariza-se com o assunto a ser modelado; matematização, etapa em que o modelador formula o problema (levanta hipóteses) e o soluciona em termos do modelo; modelo ma-temático, etapa em que o modelador interpreta a solução encontrada e valida o modelo matemático obtido (fazendo uso do modelo elaborado).

Retomando a fala do pescador, “basta somá a parte de cada um de nóis e depois somá tudo mais uma vez”, e, aplicando-a a exemplo da captura do atum, temos um modelo matemá-tico efetuado pela “soma das parcelas iguais”. Vejamos. Quantidade relativa aos pescadores: 3,5 + 2 + 1,5 + 1,5 + 14 = 22,5Quantidade total: 3,5 + 2 + 1,5 + 1,5 + 14 + 3,5 + 2 + 1,5 + 1,5 + 14 = 45Para se obter o total geral das partes, pode-se fazer uso do modelo matemático por meio de uma “multiplicação simples”: 2 . (3,5 + 2 + 1,5 + 1,5 + 14) = 2 . 22,5 = 45.

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A fala do pescador, relativa aos dois jeitos para efetuar os cálculos do valor monetário, tam-bém pode ser organizada na forma de modelos matemáticos. Para esclarecer, utilizemos como exemplo a seguinte situação: supondo que o valor monetário relativo a uma pescaria de atum tenha sido de R$ 55.000,00 e que as despesas tenham sido de R$ 10.000,00.

- “Reparti tudo”ReceitaValor total: pelo número total das partes: 55.000,00 : 45 = 1.222,22 = valor de cada par-te Despesas: 10.000,00 : 45 = 222,22 = valor pro-porcional a cada parteReceita menos despesa: 1.222,22 – 222,22 = 1.000,00 = valor líquido correspondente a cada parte

- “Primeiro tirá as despesas”Valor total – despesas com a pescaria55.000, 00 – 10.000,00 = 45.000,0045.000,00 : 45 = 1.000,00 = valor de cada par-te

Os cálculos mostram que repartir tudo (receitas e despesas) não altera o valor líquido de cada parte (R$ 1.000,00). Isso ocorre porque tanto a receita como as despesas são proporcionais ao número de partes. Na fala do pescador, “Pra nóis o primeiro jeito é melhor...”, indica que se as despe-sas fossem pagas pela empresa ou indústria dona do barco, o valor de cada uma das partes que cada tripulante receberia seria maior (R$ 1.222,22).

Considerações finais

O exposto mostra a riqueza de conheci-mentos matemáticos que são utilizados pelos pescadores para solucionar problemas de seu contexto cultural. É interessante perceber que se trata de conhecimentos aplicados, o que não significa que as pessoas que os utilizam tenham consciência dos conceitos matemáticos que mo-bilizam na solução de tais problemas. O modo como solucionam os problemas revela que eles não têm preocupação com o uso da matemática utilizada na academia.

Embora, muitas vezes, os alunos reconhe-çam a utilidade e a aplicabilidade da matemática

ensinada na escola, ao se depararem com situa-ções desafiadoras, organizam os dados e informa-ções tendo como base os conhecimentos de que já dispõem. Ao observarmos explicações dadas pelos alunos quando da solução dos problemas, percebe-se que, para eles, os conhecimentos oriundos dos contextos culturais são mais signifi-cativos e úteis que aqueles ensinados pela escola. Cabe então aos professores o desafio de identifi-car o modo como as pessoas organizam e operam matematicamente com os dados e informações presentes em situações de seu dia a dia e, em sala de aula, propor problemas que permitam aos alunos ampliarem seus conhecimentos, de forma a tomarem consciência dos objetos matemáticos que mobilizam. Talvez essa seja uma forma de respeitar os conhecimentos presentes no contex-to cultural de que fala D’Ambrosio (1996).

Insiste-se, pois, que não se trata de sobrepor modos de operar matematicamente com os dados e informações, como se a forma que a academia adota seja melhor, mas sim de fazer com que esta tome consciência da importância desses conhecimentos para a preservação e difusão do patrimônio cultu-ral da comunidade em que a escola está inserida. Trata-se de um processo de recuperar e incorporar, no fazer de sala de aula, a matemática presente no cotidiano das pessoas e articulá-la aos saberes oficiais de forma crítica e consciente.

Nos termos de D’Ambrosio (1996), orga-nizar as quantidades em partes constitui-se num modo de atribuir significado ao que está sendo feito. Compreender esse significado exige do pro-fessor uma tomada de consciência de seu papel de agente no processo de ensino e aprendizagem, o que não é nada fácil quando se é fruto de um sistema que não propicia as condições para que se reflita sobre o que se está fazendo, sobre o modo como se está fazendo e sobre o significado do que se está fazendo.

Ao mostrar que os modelos matemáticos originam-se de uma situação real vivida por um grupo de pessoas com as quais os alunos têm relação, propicia condições para que estes compreendam que uma equação ou uma fun-ção, por exemplo, resultam de um processo de generalização de uma dada situação – de uma abstração, portanto.

O fato de os alunos utilizarem, em sala de aula, modos diferentes de solucionar problemas, coloca aos professores o desafio de repensarem

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não só os conteúdos a serem ensinados, mas, so-bretudo, o modo como ensiná-los. Isso significa que, na prática cotidiana, as pessoas também fazem matemática, e esse modo de fazer precisa ser valorizado pela escola. Primeiro, porque aproxima a comunidade, os pais e os alunos da escola; segundo, porque incentiva os alunos a refletir de forma mais eficiente e consciente sobre o processo daquilo que estão fazendo; ter-ceiro, porque é um modo de respeitar os saberes presentes no contexto escolar; quarto, porque in-centiva os alunos a fazer e aprender matemática; quinto, porque os conhecimentos que os alunos já possuem servem como ponto de partida para a elaboração conceitual dos objetos matemáticos ensinados na escola.

Este estudo resulta, em grande parte, da reflexão sobre a experiência de ser professor na educação básica e no ensino superior. Isso nos leva a insistir que os formadores de professores desafiem os alunos a refletir sobre suas experi-ências e analisar de forma crítica e sistemática a matemática que se faz presente na solução de problemas enfrentados pelas pessoas em seu dia a dia e, mais do que isso, que se desafiem a transpor, para a sala de aula, os modos como as pessoas resolvem situações que envolvem conceitos matemáticos.

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EDUCAÇÃO ETNOMATEMÁTICA: TRÊS APROPRIAÇÕES DA TEORIA

Ethnomathematical Education: Three Appropriations of the Theory

Rafael Montoito

Resumo

Este artigo tem por objetivo discutir conceitos que aparecem de modo divergente na literatura sobre etnomatemática. Considerando-a desde a gestação de suas ideias até a contemporaneidade, veremos como a teoria tem sido apropriada por professores e pesquisadores e quais contribuições poderiam ser dadas para a educação matemática se a etnomatemática fosse assumida com uma nova disciplina.

Palavra-chave: Etnomatemática. Matemática c u l t u r a l . Pr o g r a m a e t n o m a t e m á t i c o . Etnomatemática como disciplina.

Abstract

The objective of this article is to discuss about the concepts that appear in a divergent way in literature related to ethnomathematics. Considering it since the elaboration of its ideas until contemporaneousness, we will see how theory has been appropriated for teachers and researchers and which contributions could be given for the education of mathematics if the ethnomathematics would be assumed as a new subject.

Keywords : Ethnomathematics. Cultural mathematics. Ethnomathematical program. Ethnomathematics as a discipline.

1 Introdução: mais do que considerar o conhecimento prévio do aluno

A primeira característica híbrida da etnomatemática a levar em conta

é o seu empenho no diálogo entre identidade (mundial) e alteridade

(local), terreno onde a matemática e a antropologia se intersectam.

(VERGANI, 2007, p.14)

Assim como outras áreas da atual Educação Matemática, a etnomatemática tem sido objeto de estudo de vários pesquisadores, em diferentes partes do mundo. Os resultados desses trabalhos nem sem-pre chegam aos professores que estão atuantes nas salas de aula, os quais, algumas vezes, se apropriam da teoria de um modo simplista, utilizando-se do discurso ‘trazer para a sala de aula o conhecimento prévio do aluno’ para justificar a opção de ‘fazer ati-vidades etnomatemáticas’ com eles. Essa sentença, que tem ao longo de muitos anos marcado várias gerações de professores e servido para justificar diferentes propostas curriculares governamentais, inserções de atividades em sala de aula e até mesmo a reelaboração de alguns livros didáticos, não resu-me, em absoluto, as práticas educativas que versam sobre a etnomatemática.

A diferença de abordagens adotadas por alguns professores e pesquisadores pode estar en-raizada na diferença de conceitos que tentam definir o que é etnomatemática. Pesquisadores da área expressam-se utilizando diferentes ideias, conside-rando diferentes valores, tendo distintas atuações. Se, no centro, todas as práticas partilham a visão de valorizar a cultura de um povo (o próprio modo de definir ‘cultura’ e ‘povo’ não é senão outro ponto divergente entre alguns autores), ao se afastar deste, temos várias visões distintas da teoria etnomatemá-tica, com elementos bastante divergentes.

Nosso intuito, com este artigo, não é unificar elementos que não podem ser assim agrupados. Ao contrário, pretendemos comentar as distintas

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abordagens teóricas que pesquisamos, as visões de etnomatemática que têm sido desenvolvidas na Educação Matemática e suas principais característi-cas práticas e teóricas. Para tal, abordaremos desde a gestação das ideias de etnomatemática até como ela tem sido vista atualmente pelos educadores ma-temáticos e o que alguns preveem para essa área no futuro da educação, com o intuito de construir um amplo panorama de discussão sobre o tema.

2 A gestação das ideias de etnomatemática: um longo processo

Há uma crença generalizada que o ensino de matemática é diferente

do ensino de história, ou sociologia, ou ciências ou políticas. Esta crença

assegura que na matemática os ‘fatos’ são independentes da cultu-ra, do indivíduo ou do tempo (...). A matemática é considerada como

uma ciência que não comete erros; e sua verdade é considerada eterna e absoluta.(FASHEH apud GIONGO,

2009, p.2)

Ao longo dos últimos séculos, a educação foi sendo institucionalizada. A mudança física (dos professores particulares que iam às casas dos alunos à atual ida dos alunos à escola) acabou, aos poucos, resultando num currículo comum que todos tinham de aprender quando presentes no mesmo lugar. A instituição Escola resumia-se na figura do professor que ensinava e dos distintos alunos que tinham de aprender. Essa discussão já difundida por muitos e conhecida por todos não necessita ser aprofundada agora; basta res-saltarmos que isso se deu porque as visões de cultura, de homem e de ensino eram alicerçadas pelo modo como o homem (dito ou autointitulado ‘culto’) europeu via o mundo e o conhecimento como este vivia e desenvolvia sua ciência e as crenças absolutistas que depositava nela.

Até o final do século passado, como um todo, esse panorama predominava, achatando as demais culturas e tomando como inferior o conhecimentos de grupos culturais que não eram talhados nesse modelo europeu. Nesse processo maldoso de nivelamento cultural, centrado na figura do professor, “a matemática [ficou] uma matemática congelada – rígida, fria e sem chama-rizes. Ao invés da exploração, há o treino; ao invés da investigação, imitação. Da aritmética da escola

elementar até o cálculo universitário, a matemática nas salas de aula é dramaticamente diferente da matemática prática” (VOLMINK1, 1994, p.58).

A necessidade de se desenvolverem novos olhares para e sobre a educação não apareceu de repente, sozinha; pelo contrário, foi ao longo dos anos motivada pelas mudanças mundiais e novas maneiras que a sociedade passava a ver o outro e a se ver.

Com as profundas transformações do sistema de comunicação, infor-matização e de produção, como causas e resultados da globalização, tem havido um repensar em muitos conceitos já fechados há séculos.Graças a este repensar, a ideia princi-pal hoje é questionar de forma séria, e livre de medos e pré-conceitos, todos estes dogmas que temos a respeito de Homem, Sociedade, Cultura e Educa-ção. (ESQUINCALHA, 2009, p.2)

Nos ideais de tantas civilizações que lutaram por igualdade, estavam a igualdade social e as con-dições de vida, mas o olhar de a cultura do homem branco europeu ser superior às demais manteve-se até meados do século passado quando, por fim, se começou a pensar em valorizar igualitariamente a cultura dos diferentes povos. A chamada Ciência Moderna, que muito se desenvolveu ao entrar em contato com o Mundo Novo das Américas e ter seu imaginário impregnado por sensações naturais, cul-turais e sociais que lhe eram desconhecidas, as quais foram apropriadas, transformadas, ressignificadas e reapresentadas segundo suas bases culturais através de um processo que resultou em um “genocídio humano e cultural, perpetrados nos anos difíceis da época colonial e durante a independência crioula” (D’AMBROSIO, 2009, p.10), hoje cede espaço à busca do valor do indivíduo, considerando não só seus conhecimentos, mas também sua existência, seu papel no mundo e as contribuições que pode dar para as novas gerações, para a formação de uma cultura de paz e para a manutenção do planeta.

A antropologia e a sociologia, também influenciadas pelas transformações visíveis nas sociedades, no mundo, e no modo de o homem se relacionar com este, acabaram por reconhe-cer que “de alguma forma, todas as culturas se

1 Todas as citações retiradas de artigos em inglês foram tra-duzidas por nós.

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influenciam – até mesmo aquelas que já foram extintas nos processos de colonização deixaram alguma marca na cultura de seus colonizadores” (ESQUINCALHA, 2009, p.3) e que, devido a es-sas inter-relações, a cultura, entendida como “o conjunto de relações, valores, condutas, crenças, saberes estabelecidos no interior de um grupo, uma ancoragem, uma referência existencial” (MONTEIRO apud GIONGO, 2009, p.3) configura agora uma realidade multicultural, que represen-ta bem a sociedade moderna, no seu intercâmbio de pensamentos, ações e visões de mundo. Uma sociedade reconhecidamente multicultural é o estopim para as primeiras ideias sobre etno-matemática, pois, acreditando-se que culturas diferentes não devem ser subjugadas umas às outras, mas valorizadas individualmente, faz-se imediatamente necessário reconhecer que

a matemática deve agora ser enten-dida como um tipo de conhecimen-to cultural, o qual todas as culturas geram e que não necessariamente precisa ‘ser parecido’ entre um gru-po cultural e outro. Assim como a cultura humana gerou a linguagem, crenças religiosas, rituais, técnicas para produzir alimentos, etc., pa-rece que todas as culturas humanas geraram matemática. (BISHOP apud BURTON, 1994, p.72-73)

A partir dessa visão, além das danças e costumes, um povo passou também a ser identificado pela sua prática matemática: a matemática egípcia, babilônica e grega abando-naram o pedestal de perfeição e superioridade que ocupavam para se colocarem no mesmo patamar que a matemática indígena, maia, inca, etc. Diga-se, ainda, que nesse mesmo patamar encontramos a matemática de grupos sociais distintos e atuais, como a de grupo de pescadores, artesãos, grupos de trabalho, grupos de moradores e tantos outros (BORBA apud ESQUINCALHA, 2009).

3 Conceituando etnomatemática: um corpo culturalmente disforme

Em qualquer sociedade, somen-te um grupo muito limitado de

pessoas se empenha em produzir teorias, em ocupar-se de ideias e

construir ‘weltanschauungen’2, mas todos os homens na sociedade participam, de uma maneira ou de

outra, do ‘conhecimento’ por ela possuído. Dito de outra maneira, só muito poucas pessoas preocupam-

se com a interpretação teórica do mundo, mas todas vivem em um mundo de algum tipo. (BERGER; LUCKMANN apud MONTEIRO;

JUNIOR, 2003, p.56)

Considerar a matemática que grupos parti-culares praticavam, diferentemente da matemática europeia praticada nas escolas ao redor do mundo, foi um importante olhar que se começou a dirigir às diferentes culturas, colocando-as em pé de igualdade. Todos os grandes matemáticos que se dedicaram a estudar, sistematizar e aprofundar a matemática que conhecemos não perdem, com isso, o seu valor, mas passam a ser vistos como pessoas que construíram a sua visão de mundo, enquanto tantas outras culturas construíam outras e aplicavam a seus problemas e desafios cotidianos resoluções válidas. A matemática europeia, imposta às colônias conquistadas desde o tempo das navegações, e por outros tantos anos devido à crença em sua perfeição e finitude, não possui raízes em diversas culturas.

Quem são os heróis da matemática? Se pensarmos no México, por exem-plo, que têm Euclides ou Cardano ou Newton a ver com as raízes culturais do povo mexicano? E do Brasil? E do Senegal? E da Índia? E do Japão? Ou da nação Sioux? Na verdade, são raízes culturais de um processo ‘civi-lizatório’ que tem no máximo cinco séculos, duração muito curta na histó-ria da humanidade. (D’AMBROSIO apud GIONGO, 2009, p.2)

Admitindo-se a fala anterior de Bishop, é possível perguntar, então, o que aconteceu com a matemática que todas as culturas produziram, ao longo de sua existência, se observamos que pouca ou nenhuma relação mantêm com a que conhecemos das nossas salas de aula? A resposta: foram dizimadas, postas de lado ou esqueci-das. No seu lugar, tomou posse a ‘matemática dominante’: “as organizações sociais das civili-zações antigas eram tais que somente os ricos, os poderosos e os influentes tinham acesso ao

2 ‘Concepção de mundo’, em alemão.

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conhecimento matemático. Houve tempos em que quase existiram conspirações para manter o conhecimento matemático codificado tão secreto quanto possível” (VOLMINK, 1994, p.51).

Volmink ainda aponta que, mesmo que não vivamos mais nos dias em que os conheci-mentos matemáticos eram passados quase que sigilosamente entre membros de uma organiza-ção que se assemelhava a uma ‘irmandade’, ainda se pode perceber que

a matemática tem sido erroneamente olhada como a criação de alguns singulares indivíduos brilhantes (homens brancos). Isto coloca a ma-temática fora do setor de experiência da maioria das pessoas. Assim, faz-se uma distinção aguda entre poucos e muitos, conforme a suposição fun-damental da organização social. Em outras palavras, tendo-se excluído a maioria, a prática da matemática agora dá um grande poder à mino-ria. Deste modo, fica claro que a má distribuição das experiências mate-máticas não ocorre sem implicações políticas e consequências morais. (VOLMINK, 1994, p.51)

Trabalhando com diferentes culturas, como diretor do programa de doutorado da UNESCO, em Mali, na África, o professor Ubi-ratan D’Ambrosio contou, segundo Esquincalha (2009), em entrevista à Revista Nova Escola, em agosto de 1993, que começou a indagar-se sobre todas estas questões: o que via lá era uma matemática do Primeiro Mundo que não se re-lacionava, na origem, com a tradição do povo que a estudava: com os conhecimentos que acumularam ao longo de sua existência, aqueles habitantes haviam construído mesquitas típicas que estavam de pé há mais de 500 anos.

Depois de muito tempo estudando Antro-pologia e História Comparativa para entender esse fenômeno, o professor D’Ambrosio utilizou o termo etnomatemática, pela primeira vez, no V Congresso Internacional de Educação Matemá-tica, realizado em 1984, na cidade de Adelaide, Austrália. Em sua fala, afirmou que

questões sobre ‘Matemática e So-ciedade’, ‘Matemática para todos’ e mesmo a crescente ênfase na História da Matemática e de sua pedagogia, as discussões de metas

da educação matemática subordi-nadas às metas gerais da educação e sobretudo o aparecimento da nova área etnomatemática, com forte presença de antropólogos e sociólogos, são evidências da mu-dança qualitativa que se nota nas tendências da educação matemáti-ca. (D’AMBROSIO apud MONTEI-RO; JUNIOR, 2003, p.43)

Nos anos que se sucederam, foi-se cunhan-do o termo e a necessidade de uma definição mais específica, novamente criada pela rigidez do saber acadêmico, fez-se sentir, pois muitos não gostariam de trabalhar com uma teoria que não estivesse bem definida e nomeada.

Hoje, em suas obras, D’Ambrosio é enfá-tico ao afirmar que

indivíduos e povos têm, ao longo de suas existências e ao longo da his-tória, criado e desenvolvido instru-mentos de reflexão, de observação, instrumentos materiais e intelectuais [que chamo de ticas] para explicar, entender, conhecer, aprender para saber e fazer [que chamo de matema] como resposta a necessidades de sobrevivência e de transcendência em diferentes ambientes naturais, sociais e culturais [que chamo et-nos]. Daí a chamar o exposto aci-ma de Programa etnomatemática. (D’AMBROSIO, 2001, p.60)

Seu conceito, assim defendido e formali-zado, algumas vezes aparece atualmente na lite-ratura na forma do organograma que se segue:

Figura 1: definição de ‘etnomatemática’, por D’Ambrosio.

Fonte: D’Ambrosio, 2001, p.2.

O caminho dessa contextualização não foi simples e nem percorrido por somente uma pessoa. Em 1986, ocorreu um fato importante para a pro-pagação das ideias sobre etnomatemática: a criação

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do Grupo Internacional de Estudos em Etnomate-mática (IGSEm), que congregava pesquisadores educacionais de todo o mundo, cujo objetivo era, principalmente, investir em propostas de trabalhos que se convergiam para o seu uso nas salas de aula. No primeiro boletim do grupo3, é possível encontrar “zona de confluência entre a matemática e a antropologia cultural” (FERREIRA, 2009, p.4) como uma definição para etnomatemática, baseada ainda nas metáforas de Matemática-no-Contexto-Cultural ou Matemática-na-Sociedade. Segundo essa definição, seria possível pensarmos em etno-matemática como o diagrama seguinte:

Figura 2: Zona de confluência entre a matemá-tica e a antropologia cultural.

Fonte: Ferreira, 2009, p.4

Outra definição, presente no mesmo bo-letim, é a de “caminho que grupos particulares específicos encontram para classificar, ordenar, contar e medir” (FERREIRA, 2009, p.4).

Conforme as ideias etnomatemáticas iam se espalhando, diversos autores e pesquisadores tentaram arrumar uma terminologia explícita que as identificasse, antes de a teoria de D’Ambrosio ganhar a notoriedade e a abrangência que tem hoje. De acordo com Ferreira (2009), alguns ter-mos utilizados foram:

• Sociomatemática (Zaslawsky – 1973)• Matemática Espontânea (D’Ambrosio –

1982)• Matemática Informal (Posner – 1982)• Matemática Oral (Caraher e Kane,

respectivamente em 1982 e 1987)• Matemática Oprimida (Gerdes – 1982)• Matemática Não-Estandardizada (Caraher,

Gerdes e Harris, respectivamente em 1982, 1982 e 1987)

• Matemática Escondida ou Congelada (Gerdes – 1982)

• Matemática Popular ou do Povo (Mellin-Olsen – 1986)

3 Os boletins, em espanhol e em inglês, e outras informações, estão disponíveis no site http://www.rpi.edu/~eglash/isgem.htm

• Matemática Codificada no Saber-Fazer (Sebastiani – 1987)

Atualmente, é difícil encontrar esses ter-mos na literatura de Educação Matemática. A ex-pressão etnomatemática acabou por englobá-los, pois todos os acima representam manifestações de uma cultura ao apropriar-se ou produzir o conhecimento. Ainda assim, etnomatemática não possui um único significado.

A etnomatemática emergiu, como uma nova categoria conceitual, do discurso da inter-relação entre mate-mática, educação, cultura e política, Naturalmente, há várias definições e perspectivas associadas; cada de-finição, perspectiva, e termos foram debatidos e depois rejeitados ou abraçados em periódicos científicos e outros fóruns acadêmicos. Entre os esforços recentes para definir e descrever o território da etnomate-mática, duas posições dominantes são representadas pelas ideias de Ascher e Ascher e D’Ambrosio. (POWELL; FRANKENSTEIN, 1997, p.5)

Nas palavras da matemática Marcia Ascher e de seu marido, o antropólogo Robert Ascher, “etnomatemática é o estudo de ideias matemáti-cas dos povos não-letrados. Reconhecemos como pensamento matemático noções que de algum modo correspondem às rotuladas em nossa cultura. Por exemplo, todos os humanos, letrados ou não, impõem ordens arbitrárias ao espaço” (ASCHER; ASCHER, 1997, p.26). A expressão ‘não-letrados’ substituiu ‘primitivos’, que era usada até então nos textos matemáticos, pois, de acordo com os autores, ‘primitivo’ conota ideias da teoria evolucionista e traz à mente civilizações que não são aquelas con-sideradas por eles. Além disso, para eles, “existem ideias matemáticas de povos não-letrados, mas não existe matemática, pois esta nasce do pensamento ocidental” (FERREIRA, 2009, p.12).

Essas abordagens não são excludentes. É fácil perceber que os estudos do casal Ascher se inserem na teoria de D’Ambrosio, mas num campo com contornos mais bem definidos e rígi-dos. A visão de etnomatemática de D’Ambrosio é mais ampla e demonstra sua crença numa transformação dialética do conhecimento com e entre sociedades, numa epistemologia que se aproxima da de Paulo Freire. Sendo assim, reco-

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nhece o conhecimento matemático como sendo dinâmico e resultado da atividade humana, e não como estático e ordenado, mesma opinião partilhada por Powell e Frankenstein:

Há noções de matemática de povos cuja história foi escondida, congela-da ou roubada (...). Arguimos que a etnomatemática inclui as ideias ma-temáticas dos povos, manifestadas de forma escrita ou não-escrita, oral ou não-oral, muitas das quais têm sido ignoradas ou distorcidas por uma conveniente história das ma-temáticas. (POWELL; FRANKENS-TEIN, 1997, p.8-9)

Essas duas vertentes têm sofrido apropria-ções corretas e equivocadas. No senso comum, muitos professores têm o conceito de etnomatemá-tica como “uma forma de se preparar jovens e adul-tos para um sentido de cidadania crítica, para viver em sociedade e ao mesmo tempo desenvolver sua criatividade ao enfocar situações em que a mate-mática é utilizada no cotidiano” (OLIVEIRA, 2009, p.1) e que esta “procura relacionar a matemática com a realidade do aluno” (OLIVEIRA, 2009, p.1). Essa abordagem é simplista, alicerçada no texto do PCN, o qual atribui à pluralidade cultural a forma final de se trabalhar a etnomatemática, depositando nela grandes expectativas quanto à formação da visão de convivência e tolerância entre as culturas. Se a etnomatemática tiver como princípio e fim a sala de aula, o subconjunto de estudos correspon-dentes ao trabalho de Ascher e Ascher deixará de ser considerado ou servirá, apenas, como exemplo ilustrativo para a sala de aula.

Consideramos que a etnomatemática pode ser encarada dessa maneira, tendo sua dimensão prática que se desdobra nas salas de aula, mas não pode ser vista somente como isso ou estruturada para isso. Os trabalhos de Knijnik, com grupos de sem-terra do estado do Rio Grande do Sul, corroboram nossa opinião de que as atividades etnomatemáticas não podem ser apenas “um ponto de partida para a sala de aula” (KNIJNIK, 2003, p.106). Para a pesquisadora, “a escola tem por objetivo implementar uma forma de educação popular, compreendida como uma abordagem metodológica que deve contribuir para mudan-ças sociais” (KNIJNIK, 1997, p.404). Além disso, sua pesquisa, que toma como etnomatemática a expressão cunhada por D’Ambrosio,

tenta estabelecer ligações concretas en-tre amplas questões da emancipação popular no Terceiro Mundo e o proces-so de aprender e ensinar matemática. Assim, lida com as inter-relações entre o conhecimento matemático acadêmi-co e o popular no contexto da luta pela terra, o que se insere no conceito mais amplo do movimento educacional chamado de etnomatemática. (KNIJ-NIK, 1997, p.405)

Ferreira, distinguindo três visões desta (uma parte da antropologia, uma pesquisa de história da matemática ou uma abordagem educacional), aler-ta quanto à necessidade de prudência ao se utilizar o conceito de etnomatemática, uma vez que admite uma não-possibilidade de defini-la pelo fato de que esta ainda não se consolidou como uma teoria.

Essas três visões colocam a etnomate-mática como uma proposta aberta e ‘flutuante’ que ora está mais voltada para os aspectos antropológicos, ora para os aspectos históricos, ora para os aspectos pedagógicos. Por exemplo: alguns trabalhos têm como objetivo reconstruir a trajetória de sistematização e de significados do saber matemático de um determi-nado grupo étnico ou social e assim se orientam numa perspectiva mais antropológica; do mesmo modo, exis-tem trabalhos que buscam compreen-der o desenvolvimento histórico de certo conceito em determinado grupo ou em diversos grupos. Entretanto, cabe ressaltar que, apesar do caráter antropológico ou histórico dessas pes-quisas, elas não deixam de abordar e trazer sua contribuição pedagógica. Na perspectiva pedagógica, ocorre o mesmo: tomá-la como eixo central do trabalho não significa excluir o caráter antropológico e o histórico, mas sim dar-lhes menos ênfase. (MONTEIRO; JUNIOR, 2003, p.44-45)

Do que expusemos até agora, fica claro, pela própria característica de a etnomatemática abarcar o multiculturalismo e considerar que a cultura de um povo modifica-se “por contatos diretos, entre as pessoas, e por indiretos, pela mídia” (MONTEIRO; JUNIOR, 2003, p.52), a impossibilidade de se limitarem os conceitos e a teoria da etnomatemática, uma vez que não é possível chegar a uma teoria final das maneiras de saber e fazer matemática de um povo. Des-

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se modo, é necessário que estejamos sempre abertos a novas metodologias e enfoques, a novas visões de ciência e de sua evolução, o que resultará numa historiografia dinâmica (D’AMBROSIO, 2001).

Ainda que o nome permaneça cercado des-sa aura de indefinição, para Vergani (2007, p.24) “foi sob esta designação que a nova área acedeu ao ‘direito de cidadania’: mais vale possuir um nome do que não ser nomeada e permanecer inexistente aos olhos dos que traçam hoje os grandes rumos das mudanças educacionais exigidas por uma sadia integração na contemporaneidade”.

As ideias da etnomatemática acabaram por vir ao encontro de vários novos conceitos e visões de mundo, homem, educação e sociedade que começaram a ser discutidos no final do século passado, o que a fez ser saudada por alguns pro-fissionais da educação com verdadeira paixão, apontando-a como uma nova maneira de ensinar e resgatar valores culturais, sociais e humanos. Teresa Vergani, pesquisadora portuguesa, deixa transparecer isso na sua fala. Para ela, o século XXI deveria diferenciar-se do anterior através da valorização do indivíduo e da partilha das di-ferentes culturas no ambiente de escolarização:

O valor utilitário é o único que tem se levado em conta neste século, em detrimento dos valores culturais, sociais, estéticos e formativos (no sentido do desenvolvimento da consciência/identidade pessoal). A escola não poderá continuar a igno-rar/desprezar a indissociabilidade homem/cultura: é nela que a criança funda a sua dignidade, a confiança no seu saber, o valor da sua experi-ência e do seu processo singular de autonomia. (VERGANI, 2007, p.27)

Sem que almejemos o status de sermos mais um grupo a definir etnomatemática, mas com a intenção de reorganizar as principais ideias da teoria em uma sentença mais ampla e adequada, somos compelidos a tomar, a fim de abarcar a visão de D’Ambrosio e Ascher e a potencialidade social destacada por Knijnik, etnomatemática como sendo o estudo das diferentes técnicas desenvolvidas/aperfeiçoadas pelo homem, o que acaba formando uma gama de conhecimentos no intuito de transformar/relacionar-se com o meio em que vive, as quais podem ser identificadas na sua religião, filosofia, costumes, etc.

Essas discussões acerca dos conceitos e ideias principais da etnomatemática deverão nos conduzir, posteriormente, à análise de como ela tem sido incorporada nas pesquisas atuais na área da Educação Matemática.

4 Matemática cultural e matemática dominante: a necessidade do diálogo

Faz sentido, portanto, falarmos de uma ‘matemática dominante’, que

é um instrumento desenvolvido nos países centrais e muitas vezes

utilizado como instrumento de dominação. Esta matemática e os

que a dominam se apresentam com postura de superioridade,

com o poder de deslocar e mesmo eliminar a ‘matemática do dia a

dia’. O mesmo ocorre com outras formas culturais (...).

A cultura popular, embora seja viva e praticada, é muitas vezes ignora-

da, menosprezada, rejeitada, re-primida e, certamente, diminuída.

Isto tem como efeito desencorajar e até eliminar o povo como produtor

e mesmo como entidade cultural. (D’AMBROSIO, 2009, p.21)

A aceitação de outras matemáticas em pé de igualdade com a europeia não se deu da noite para o dia. Antes, reconhecidas, porém inferiorizadas pela sua falta de rigor, elaboração e cientificidade, passavam agora a ser valorizadas como desenvolvimento do pensamento matemático dos que se serviam dela. Assim, acirraram-se as discussões entre a matemática do dia a dia (aquela que servia para determinado povo resolver seus problemas) e a matemática formal europeia ensinada por mui-tos anos, a chamada ‘matemática dominante’. Assim como a Sociologia aponta a luta de clas-ses na história humana, muitos pesquisadores referem-se a essas matemáticas com conotação equivalente, porém no ramo acadêmico, uma vez que a ‘matemática dominante’ (europeia, institucionalizada, cientificada, rígida, etc.) não só se sobrepôs às matemáticas dos povos como sendo melhor do que elas como tam-bém foi utilizada para a confecção de armas de guerra, dominação de territórios e povos e dizimação de culturas.

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Muitos dirão que isso também se passa com calças ‘jeans’, que agora começam a substituir todas as vestes tradicionais, ou com a ‘Coca-Cola’, que está por deslocar o guaraná, ou com o rap, que está se populari-zando tanto quanto o samba. Mas as vestes tradicionais, o guaraná e o samba continuam sendo aceitos por muitos.Mas diferentemente dessas manifes-tações culturais, a matemática tem uma conotação de infalibilidade, de rigor, de precisão e de ser um instrumento essencial e poderoso no mundo moderno, o que torna a sua presença excludente de outras formas de pensamento. Na verdade, ser racional é identificado com domi-nar a matemática. Chega-se mesmo a falar em matematismo, como a doutrina segundo a qual tudo acon-tece segundo as leis matemáticas. A matemática se apresenta como um deus mais sábio, mais milagroso e mais poderoso que as divindades tradicionais e de outras culturas (D’AMBROSIO, 2001, p.75)

No entanto, queremos deixar claro que uma abordagem etnomatemática não tem (ou não deveria ter) o interesse de substituir ou ex-cluir a matemática formal e acadêmica, a qual é, também, por sua vez, uma etnomatemática que se desenvolveu na Europa com influências das civilizações indiana e islâmica e que chegou à forma atual nos séculos XVI e XVII. A mate-mática que conhecemos é uma etnomatemática que hoje se apresenta universalizada devido ao predomínio da ciência e da tecnologia modernas (cf D’AMBROSIO, 2001). Borba também concor-da que a matemática profissional pode ser vista como uma forma de etnomatemática e critica sua pretensa universalidade ao afirmar que “apesar de a matemática acadêmica ser internacional no que tange ao seu uso em diversas partes do mundo, não é internacional no sentido de que apenas uma pequena parte da população mundial é capaz de fazer uso da matemática acadêmica” (BORBA apud POWELL; FRANKENSTEIN, 1997, p.8).

Se nós, professores, nos percebermos como membros de um grupo que pratica sua própria etnomatemática, admitiremos que

tecer pontes viáveis de comunicação implica que o mundo da matemáti-

ca se reconheça ‘etno’ (local), e que os mundos ‘etno’ se reconheçam no domínio da matemática (uni-versal). O vetor da comunicação tem dois sentidos e a linguagem da etnomatemática é uma linguagem de tradução, isto é, reciprocidade. (VERGANI, 2007, p.14)

É preciso que a nossa matemática (cujo etno é representando pela academia científica, sem um corpus palpável) ‘se comunique’ com as de outros grupos, num diálogo de respeito, aceitação e valorização.

Poucos diálogos têm se operado entre essas áreas. Por sua vez, a sociedade, em suas atividades cada vez mais específicas, tem con-tribuído para que grupos distintos façam, da sua matemática própria, um conhecimento quase sigiloso. A etnomatemática não é só de ‘grupos de minorias sociais’:

grupos de profissionais praticam sua própria etnomatematemática. Assistindo a inúmeras cirurgias, Tod L. Shockey identificou, em sua tese de doutorado, práticas mate-máticas de cirurgiões cardíacos, focalizando critérios para tomadas de decisão sobre tempo e risco e noções topológicas na manipulação de nós de sutura. Maria do Carmo Villa pesquisou as maneiras como vendedores de suco de frutas decidem, por um modelo proba-bilístico, a quantidade de suco de cada fruta que devem ter disponí-veis na sua barraca para atender, satisfatoriamente, as demandas da freguesia. N. M Acioly e Sergio R. Nobre identificaram a matemática praticada pelos bicheiros para pra-ticar um esquema de apostas atra-tivo e compensador. A matemática do jogo do bicho já havia atraído o interesse de Malba Tahan. Mar-celo de Carvalho Borba analisou a maneira como crianças da periferia se organizam para construir um campo de futebol, obedecendo, em escala, às dimensões oficiais. (D’AMBROSIO, 2001, p. 23-24)

O que fica claro nas pesquisas elencadas acima é a busca do diálogo entre a etnomatemá-tica da academia e a de outros grupos sociais, numa visão despida de superioridade e precon-

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ceitos. Elaborar intersecções entre esses grupos é fundamental para o que se entende como educação no mundo atual, uma educação que, além da cultura formal, propicie ao indivíduo uma nova visão sobre si mesmo e sobre o mun-do que integra. Para se chegar a isso, é preciso desmistificar a matemática.

Eu também acredito, talvez de um modo ingênuo, que a matemática pode ajudar-nos profundamente nas escolhas das nossas vidas e que o mundo seria um lugar muito me-lhor se as pessoas fossem capazes de participar daquelas que atingem as suas vidas. Até o ponto em que a ma-temática explica as coisas, isso pode ajudar-nos a examinar ideias que de outro modo não examinaríamos e criar outras novas. A matemática nos ajuda a colocar uma estrutura na nossa experiência de mundo, a arti-cular nossas ideias e imagens acerca deste mundo e a ver as contradições que há nele. Saber e entender são di-reitos humanos básicos e, se estes são negados, ao menos em parte, pela maneira como a matemática é vista e ensinada, então há claramente a necessidade de se democratizá-la. Isto significa, em primeiro lugar, que a matemática precisa ser desmistifi-cada. Desmistificá-la não quer dizer simplesmente torná-la acessível a todos, mas também que todos aque-les que têm sido marginalizados, renegados ou inferiorizados vejam que igualmente podem partilhar da sua criação e, portanto, da sua propriedade, beleza e poder. (VOL-MINK, 1994, p.52)

A matemática feita pelas mulheres tam-bém foi desprezada durante muitos anos. Não estamos falando somente daqueles exemplos conhecidos na história da matemática, mas principalmente da matemática feita pelo grupo de mulheres que administra a casa, costura para fora, trabalha nas linhas de produção, etc. Para muitos, essas atividades poderiam não compor uma etnomatemática, mas é possível identificar padrões de pensamento e raciocínio nessas mulheres, segundo Harris (1997). Ainda que vivam em lugares e sociedades diferentes e não sejam todas da mesma etnia, as mulheres que estão acostumadas a fazer suas roupas e as de seus filhos desenvolvem atividades que são

‘problemas não-formais’ os quais, uma vez pro-postos a professoras diplomadas, não puderam ser resolvidos.

Muitas professoras não possuem familiaridade alguma com a cons-trução, a forma e o tamanho de suas próprias roupas e por isso não per-cebem que tudo o que você precisa para fazer um suéter (colocando-se à parte as tecnologias e o material) é o entendimento do que é propor-ção, e tudo o que você precisa para fazer uma camisa é a compreensão acerca de ângulos retos e linhas paralelas, a ideia de área, alguma simetria, alguma otimização e a habilidade para produzir formas tridimensionais de bidimensionais. (HARRIS, 1994, p.215)

Ao contrário de todos esses exemplos dis-cutidos, o que percebemos é que se configurou, no senso comum, etnomatemática como sendo a ‘matemática dos outros’, a ‘matemática que outras culturas produzem’, a ‘matemática daquele que é diferente de mim’, e essa visão continua sendo, sob certa ótica, preconceituosa, pois admite uma cultura que vê a outra sem reconhecer a possibi-lidade de que ela possa estar, ao mesmo tempo, sendo olhada na direção inversa por quem estava sendo observado. Se já conseguimos reconhecer a matemática do outro, por que esquecemos, muitas vezes, que a nossa ainda não lhe é familiar?

Uma das possíveis respostas, dada por Burton (1994), remete, novamente, à diferença de valores que se estabeleceu, ao longo dos anos, entre a matemática científica e a matemática rea-lizada fora da academia. Além disso, para o autor, não só a matemática, mas toda a educação tem sido privilégio apenas da classe dominante, o que concebe formas prontas de se olhar o mundo. Por outro lado, como diz Volmink (1994), talvez seja porque o currículo tem sido ensinado de modo catequético, fazendo os estudantes acreditarem nas verdades eternas da matemática. O currí-culo, mesmo que considere a etnomatemática, não lhe confere o mesmo status da matemática acadêmica e não o fará enquanto esta for vista como perfeita e imutável.

Do modo que ainda se apresenta, o currí-culo não incorpora a Declaração de Nova Delhi, assinada em 16 de dezembro de 1993 por vários países, inclusive o Brasil (cf. D’AMBROSIO,

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2009), no que tange à diversidade cultural, e a matemática dominante e elitizada acaba por criar desconforto nos estudantes. Por causa disso,

um clima e uma cultura de resistência com relação à matemática têm sido gerados na sociedade. As pessoas geralmente não são neutras com relação aos seus sentimentos para com a matemática, mas sentem-se bastante alienadas quanto a ela, se não bastante hostis. De fato, tem-se tornado quase um símbolo de status exibir desdém ou desinteresse em matemática. (VOLMINK, 1994, p.52)

Isso não quer dizer que devamos parar de ensinar a ‘matemática dominante’, mas o caminho da educação etnomatemática se faz numa via de respeito mútuo, analisando-se as situações individualmente. Em alguns casos, “a etnomatemática da comunidade serve, é eficiente e adequada para muitas outras coisas, próprias àquela cultura, àquele etno, e não há por que substituí-la” (D’AMBROSIO, 2001, p.80), enquanto, em outros, fazer com que a co-munidade entre em contato com a matemática acadêmica, através dos conhecimentos que já possui, é conscientizá-la da desvantagem em que vive e fazê-la desenvolver um olhar crítico quanto à exploração a qual lhe subordinam (cf. KNIJNIK, 1997). 5 Programa Etnomatemático: características principais

Esquecendo-se desta disjunção infeliz, que opõe subjetividade/objetividade e nos induz à con-

cepção de ciências ‘des-huma-nas’, a etnomatemática atende

à interdependência real das ciências matemáticas e das ciên-

cias antropológicas. E o faz de maneira inovadora (...). Trata-se

de olhar a matemática como uma ciência profundamente humana.

(VERGANI, 2007, p.36)

A etnomatemática vê a matemática como não sendo produzida linearmente e não estando acabada, podendo modificar-se dentro de uma mesma cultura ou quando esta entra em conta-to com outra (apud D’AMBROSIO, 2001). Mais do que isso, valoriza e reconhece a pluralidade

cultural e intelectual do homem desde a Pré-História, pois este, na hora de escolher e lascar uma pedra cujo objetivo final seria seu uso para descarnar um osso, utilizou-se de conhecimentos matemáticos. Antes das tentativas de se conceitu-ar ou estudar as manifestações etnomatemáticas, elas já existiam na humanidade, pois

para selecionar a pedra, é necessá-rio avaliar suas dimensões, e, para lascá-la o necessário e o suficiente para cumprir os objetivos a que ela se destina, é preciso avaliar e com-parar dimensões. Avaliar e comparar dimensões é uma das manifestações mais elementares do pensamento matemático. Um primeiro exemplo de etnomatemática é, portanto, aquela desenvolvida pelos australo-pitecos. (D’AMBROSIO, 2001, p.33)

Apesar de estar ‘disponível’ para todos os membros de uma determinada cultura, até mes-mo a etnomatemática foi sendo incorporada por poucos e, assim como a matemática dominante, formou um conjunto social cuja prática etno-matemática apresenta elementos de exclusão, preconceito e dominação. Volmink (1997) aponta que a etnomatemática também foi, em muitas vezes, feita apenas pela elite:

Tenho me voltado para a história da matemática na esperança de encontrar alguma evidência de que ela possa ser uma atividade para as massas, das massas. Mas esta questão me deixou inconfortável. Não importa para onde olhe, só me é possível encontrar confirmações de que apenas a elite, uns poucos escolhidos, estiveram e ainda es-tão envolvidos com a matemática. Agora, com o advento da etnomate-mática, chega o reconhecimento de que a voz monolítica da matemática eurocentrista não pode permane-cer inerte. Etnomatemática é, por isso, uma das vozes que nasce em revolta contra a supressão, a falta de reconhecimento e a exclusão das ideias matemáticas de outras cultu-ras. Estranhamente, quando apelo para a literatura etnomatemática, vejo outra vez somente os ricos, os influentes, os poderosos e os privile-giados tendo direto acesso e controle das ideias matemáticas, em suas próprias culturas. Isto quer dizer, por

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exemplo, que os padres e somente os favorecidos por eles adquiriram co-nhecimentos para projetar templos e altares com todo seu esplendor e complexidade matemática; significa também que os ricos donos de terras desenvolveram a linguagem para medi-la; os poderosos, apenas uns poucos entre os incas, sabiam como manter o código do quipo4, e assim por diante. Obviamente, hoje em dia os atores mudaram, mas a má distribuição dos benefícios intelec-tuais e do acesso a estes, não. Quem são as pessoas, hoje, que tomam as decisões econômicas, controlam o modo de produção, possuem a expertise tecnológica? O fato de que são, na sua grande maioria, homens brancos, não é um acidente histórico. Isto é uma declaração clara de que nossa organização social tem sistematicamente tirado a especiali-dade de alguns e privilegiado outros. (VOLMINK, 1994, p.57)

Falar em um programa etnomatemático, conforme concebido por D’Ambrosio (2001), é, entre outras coisas, desnudar a matemática desse manto de poder e exclusão. Entre todos os teóricos, é ele quem se dedicou mais à siste-matização de um programa etnomatemático e à divulgação das ideias cujo objetivo é “entender o ciclo do conhecimento em distintos ambientes” (D’AMBROSIO, 2009, p.16). Para tal, um programa etnomatemático precisa ser entendido como

um programa de pesquisa sobre a geração, organização intelectu-al, organização social e difusão do conhecimento. Na linguagem acadêmica, poder-se-ia dizer que se trata de um programa interdis-ciplinar, abarcando o que constitui o domínio das chamadas ciências da cognição, da epistemologia, da história, da sociologia e da difusão.(D’AMBROSIO, 2009, p.16)

Quando falamos, no início deste trabalho, que muitas pessoas possuem a concepção errônea

4 Quipos eram instrumentos utilizados como registros na civilização Inca. Feitos de cordões de lã ou algodão, podiam conter ou não nós. A quantidade ou ausência de nós, em que parte dos cordões estes eram dados e as cores dos próprios cordões configuravam mensagens que eram transportadas dos mensageiros até o imperador, no centro de Cuzco.

de que Etnomatemática é somente valorizar os conhecimentos cotidianos dos alunos, estávamos antecipando essa discussão. Ainda que a teoria, como já foi dito, não tenha seus contornos bem delimitados, a ‘teoria’ da etnomatemática e de um Programa Etnomatemático deixam clara a existência de dimensões conceitual, histórica, cognitiva, epis-temológica, política e educacional, uma vez que a abordagem educacional a que se propõem é holística (cf. D’AMBROSIO, 2001). Além disso, a etnomate-mática não pode esquivar-se da Antropologia:

A educação etnomatemática é um processo antropológico que veicula todas as componentes do nosso conceito de cultura:• aspectos semióticos, simbólicos e

comunicacionais;• aspectos sociopolíticos, de orga-

nização do trabalho, de relações com o poder;

• aspectos cognitivos, modos de saber;

• aspectos teológicos (desde o domí-nio das condições naturais à criação de espaços de lazer). (VERGANI, 2007, p.34)

Outro ponto que se choca com essa visão simplista de etnomatemática para e na sala de aula é a afirmação de que o programa etnomatemático como uma subárea da história da matemática e da educação matemática, com enfoque político (D’AMBROSIO, 2001), que considera os contornos da educação e da antropologia de um povo.

Colocar as etnomatemáticas de grupos distintos em situações conflitantes é uma atitude inadmissível. O resultado desse embate, que pode acabar por fazer desaparecer a matemática de uma das culturas, influencia também outras dimensões do homem daquele grupo, modificando sua histó-ria sem o seu consentimento, o que não deixa de ser uma forma velada de genocídio cultural, como relata o depoimento de um índio Sioux:

Você deve ter notado que tudo que um índio faz é em círculo, e isto é porque o Poder do Mundo sempre trabalha em círculos, e tudo tenta ser redondo. Nos dias longínquos em que éramos um povo forte e fe-liz, todo o nosso poder vinha-nos do aro sagrado da nação, e enquanto este aro foi mantido, o povo prospe-

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rou. A árvore que dava flores vivia no centro do aro, e o círculo de qua-tro quartos a alimentava. O leste lhe dava paz e luz, o sul lhe dava calor, o oeste lhe dava chuva e o norte, com seu vento forte e frio, dava-lhe força e resistência. Este conhecimento chegou-nos do mundo exterior com a nossa religião. Tudo que o Poder do Mundo realiza opera-se em cír-culo. O céu é arredondado, e ouvi dizer que a terra é arredondada como uma bola, e também assim o são todas as estrelas. O vento, em seu maior poder, rodopia. Pássaros fazem seus ninhos em círculos, eles vivem a mesma religião que nós. O sol nasce e se põe também em círculo. A lua faz o mesmo, e ambos são arredondados. Até mesmo as estações formam um círculo quando se intercalam e sempre voltam para onde estavam. A vida do homem é um círculo de infância à infância, e assim é em cada coisa movida pelo poder. Nossas moradias eram redondas como os ninhos dos pás-saros, e estas eram sempre dispostas em um círculo, o aro da nação, um ninho de muitos ninhos, onde o Grande Espírito nos dizia para chocarmos nossos filhos.Mas os Waischus (homens-brancos) puseram-nos nestas caixas quadradas. Nosso poder se foi e estamos morren-do, pois o poder não está mais em nós. Você pode olhar para os garotos e ver como estão. Quando vivíamos pelo poder do círculo, da maneira que deví-amos, os garotos tornavam-se homens com doze ou trezes anos. Mas agora é preciso muito mais tempo para que maturem. (apud ASCHER; ASCHER, 1997, p.35-36)

Por considerar o desenvolvimento de conceitos e ideias matemáticas de determinadas culturas, “visando a um equilíbrio mais estável entre inteligência e realidade” (MARINA apud VERGANI, 2007, p.32), a etnomatemática não pode ser abordada quantitativamente: ela privi-legia o raciocínio qualitativo e, através da análise e compreensão de como se dá este processo no indivíduo, deve ser cuidadosa com a passagem do conceito ao abstrato, sendo esta uma das suas principais características metodológicas (D’AMBROSIO, 2001).

É importante deixar claro que, na etno-matemática,

há uma ética associada ao conhe-

cimento matemático, cuja prática é guiada pelo conhecimento de nós próprios, pela diluição das barreiras entre indivíduos, pela construção de uma ‘harmonia ancorada em res-peito, solidariedade e cooperação’. Daí que os estudantes sejam mais importantes do que os currículos ou métodos de ensino; que o conheci-mento não possa ser dissociado da plenitude humana nem do aluno nem do formador; que tanto a paz pessoal como a paz ambiental, social e cultural sejam corolários de um posicionamento correto face à vida, face ao conhecimento e face ao cos-mos. (VERGANI, 2007, p.32)

Como todas as teorias que fazem eco no campo da educação, a etnomatemática não ficou imune a críticas. Segundo Ferreira (1999), as maiores foram proferidas por Milroy, Dowling e Taylor: Milroy fala que a etnomatemática possui um paradoxo ao pressupor que alguém que foi es-colarizado através da matemática dominante seja capaz de ‘ver’ qualquer outra forma de matemáti-ca que não se pareça com essa que lhe é familiar; Dowling refere-se ao discurso da etnomatemática que, segundo ele, é uma manifestação ideológica que favorece o discurso monoglóssico de uma comunidade cultural que compõe uma sociedade heteroglóssica, dando-lhe mais destaques que a outros de diferentes grupos; Taylor, por sua vez, afirma que a etnomatemática tem um discurso político pedagógico, mas não epistêmico, ou seja, ela tenta discutir epistemologicamente, mas seu discurso fica somente na relação político-pedagógica.

6 Três apropriações da teoria: algumas pesquisas e trabalhos

Para se compreender o saber pre-sente na vida cotidiana não se deve olhar apenas para a multiplicidade

de usos e entendimento dos dife-rentes tipos de saber, mas também para os processos pelos quais este

saber chega a ser socialmente esta-belecido como ‘realidade’. (MON-

TEIRO apud GIONGO, 2009)

Nosso intuito, agora, depois de termos citado todos esses elementos, é discutir algumas abordagens que têm sido feitas tomando-se como

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centro a teoria etnomatemática. Em nossos estu-dos, observamos que os trabalhos feitos em sala de aula ou em comunidades encaixam-se em um dos três grupos que apontaremos. Sem qualquer intenção de nomear esses grupos para que futu-ramente sejam assim referenciados, desejamos discutir suas principais características e dar-lhes uma configuração mais nítida, pois, como já vimos, alguns mal-entendidos, no que tange à etnomatemática, têm permanecido. Assim, professores e pesquisadores poderão ter maior clareza do que tem sido feito em pesquisa etno-matemática. Ressaltamos que a preocupação do professor e pesquisador não pode ficar somente no ‘como o grupo faz’, mas deve tentar entender, nos âmbitos social, cultural e antropológico, ‘por que’ é feito de determinada maneira.

1º Grupo: etnomatemática para entender/desvendar o pensamento matemático de um povo.

A principal característica desse grupo é que a investigação que se faz nele não tem compromis-so direto com a sala de aula, ou seja, não é pensada ou planejada para servir de apoio, posteriormente, às aulas de matemática. Isso não impede, claro, que os conhecimentos divulgados nessas pes-quisas sejam, em outras situações, incorporados numa metodologia didática pelo mesmo pesqui-sador que os investigou ou por outros.

Atentos à formação do pensamento mate-mático de um povo, as pesquisas desse grupo têm a Antropologia como o maior ingrediente da sua base pois, não raras vezes, seu interesse é des-vendar e entender as relações matemáticas que civilizações já extintas travaram com o mundo em que viveram. Um exemplo de etnomatemática desse grupo é a elaboração de calendários pelos povos maias e astecas (D’AMBROSIO, 2001).

Nesse grupo, estão as pesquisas com os povos não-letrados de Ascher e Ascher. No entanto, consideramos essa classificação restrin-gente e inserimos outras culturas nesse grupo. Isso ocorre porque, assim como Vergani (2007), reconhecemos outros povos cuja expressão es-crita deu-se através de ideogramas ou símbolos, cunhados em tábuas de argila ou papiros, o que não os caracterizaria como um povo letrado, tal qual entendemos hoje, mas que acabaram por desenvolver uma linguagem própria para sua comunicação. Além disso, povos africanos, como os estudados por Gerdes (1992), são letrados,

mas as pesquisas realizadas com eles mantêm as características desse grupo. Ao se trabalhar com esses povos, a abordagem é holística.

Atenta às especificidades sociocul-turais, debruça-se sobre a alteridade dos processos cognitivos, psicoemo-cionais, comportamentais e práxi-cos. Essa inserção na antropologia cognitiva e sociocultural é uma fonte inesgotável de descoberta das intersecções reais entre dife-rentes disciplinas em cada situação vivencial, a partir da experiência e do saber matematizantes. A etno-matemática conhece e ‘fala’ diversas ‘linguagens’ humanas, Compre-ende, assim, aspectos linguísticos, semânticos e simbólicos envolvidos na prática da racionalidade, o que leva a etnomatemática a atender si-multaneamente a processos heurís-ticos e a processos hermenêuticos. (VERGANI, 2007, p.36)

Junto a isso, a pesquisadora ressalta as perspectivas tradicionais do saber integrativo que se relacionam global e harmoniosamente na relação sensação e sentimento-arte, intuição e sentimento-religião, razão e intuição-filosofia, sensação e razão-ciência.

Conforme Ascher e Ascher (1997), apre-sentar os conhecimentos desses grupos para a sociedade matematicamente organizada em que vivemos, construída pela matemática dominante, põe por terra duas visões preconceituosas: a de que esses povos possuem uma cultura inferior à nossa e a de que a inteligência vive atrelada à tecnologia, numa relação diretamente proporcional.

Alguns processos de construção do pensa-mento matemático para o domínio/relação com o mundo são bem complexos e ricos, sublinhando fortemente o fato de que as etnomatemáticas são diferentes.

Os esquimós do Círculo Polar Ártico quando estão procurando se nutrir, não podem pensar em plantar e, portanto, não desenvolveram agricultura. Dedicaram-se então à pesca. Logo, eles têm que saber qual a boa hora de pescar. Devem pescar muito, talvez todo o dia. Mas o dia [claro] dura seis meses e a noite [escura] seis meses. Por-tanto, sua distribuição de tempo, e a percepção que têm dos céus

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e das forças que influenciam seu dia a dia, é muito distinta daqueles que têm seu cotidiano na região do Mediterrâneo ou na faixa equato-rial. Sua Astronomia e sua Religião são distintas daquelas que surgiram na região do Mediterrâneo ou na faixa equatorial, bem como as ma-neiras de lidar com seu cotidiano. (D’AMBROSIO, 2001, p.36)

Gerdes, com seu trabalho, assume como fonte de pesquisa a ciência construída e estabe-lecida por diferentes grupos, a qual se expressa em discursos orais ou práticas manuais, como a construção de esteiras, cestarias, bolsas, etc. “O que muda na perspectiva etnomatemática é que, para ela, os diferentes discursos excluídos e renegados porque não [são] legitimados pelo saber acadêmico devem, também, ser conheci-dos e valorizados” (MONTEIRO; JUNIOR, 2003, p.47). Sua abordagem legitima outros saberes ao mostrar que, do material escolhido à prática na confecção dos objetos, ao exercerem atividades sociais importantes, os homens foram, paulatina-mente, tendo seu raciocínio matemático incitado pelo que produziam. Por exemplo: no norte do Moçambique, pescadores colocavam os peixes à volta do fogo para secarem. Para que todos ficas-sem à mesma distância, amarravam uma corda a dois tacos, um fixado na terra e outro que ‘girava’ em sua volta, mantendo a corda sempre esticada. Esse ‘compasso’ representa o conceito, para aque-le povo, de círculo e circunferência, enquanto que outros podem ter travado seus primeiros contatos com essa forma ao observarem teias de aranha e tentado reproduzir sua forma ‘circular’ para a construção de cestos (GERDES, 1992).

Desenvolvendo essas ideias cada vez mais, na prática cotidiana, para satisfazer suas necessidades, e passando a incorporar aos obje-tos produzidos elementos que os deixam belos, como tiras de cores diferentes dispostas de modo simétrico, o homem começou a construir bolsas, recipientes, carteiras, etc. Manipulando outras formas, novas noções foram sendo formadas: cascas de árvore cortadas em forma retangular pelos habitantes do norte de Moçambique eram enroladas sobre si mesmas para formar um reci-piente cilíndrico; esteiras retangulares, ao serem viradas, demonstraram possuir eixos de simetria e, ao serem colocadas umas ao lado das outras,

mostraram que é possível se formar retângulos maiores pela composição de outros menores, etc. Ou seja, atividades cotidianas, realizadas por di-ferentes povos ao redor do mundo, contribuíram, na opinião de Gerdes, para o desenvolvimento do seu pensamento geométrico, muito antes de estes frequentarem as escolas e estudarem propriedades geométricas que já eram, na prática, percebidas e conhecidas por eles. Até mesmo figuras mais com-plexas, como o pentágono, podem ter surgido da lida diária, ao se dar um nó numa mesma faixa (em torno de si mesma), com o objetivo de criar uma proteção para os dedos que debulhavam grãos.

A diferença cultural também é verifica-da na relação dos povos com os números. A operação de adição, corriqueira para nós, e a sequência numérica que utilizamos na conta-gem, podem ser vivenciadas diferentemente por outras culturas, como bem mostram os estudos sobre as habilidades numéricas e aritméticas dos Kédang5, os quais apresentam seu próprio tipo de substituição numérica.

Seu uso de números em contextos aritméticos práticos e em contextos não-aritméticos não são contra-ditórios. Quando utilizados num contexto simbólico, números ímpa-res são associados com a vida e, os pares, com a morte. Substituições com essas classes são possíveis em circunstâncias que as requeiram. Se, por exemplo, um período ceri-monial de quatro dias é estipulado, mas não pode ser alcançado, dois dias o farão, mas três seria uma infração muito séria. Quatro e dois são membros da mesma classe e são bastante equivalentes neste sentido e neste contexto. A formação desta classe de equivalência é, pensamos, um exemplo de ideia abstrata de número. (ASCHER; ASCHER, 1997, p.31)

Nesse grupo que considera amplamente a cultura, na busca de indícios de pensamentos matemáticos, se reconhece que a “Etnomate-mática não é parte da história da matemática Ocidental apesar de que, por necessidade, pre-cisaremos utilizar a terminologia Ocidental para discuti-la. Como ocidentais, estamos confinados

5 Um dos povos que vive na ilha de Lembata, uma das que compõe a Indonésia.

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ao que podemos ver e expressar em ideias que, tenham alguma conformidade com as nossas” (ASCHER; ASCHER, 1997, p.43-44). Isso nos remete, outra vez, àquela necessidade de que haja uma linguagem de tradução, conforme Vergani expôs anteriormente, para formarmos a inter-relação entre as culturas. O exemplo seguinte mostra, de modo talvez ainda mais claro que os dois anteriores, como esse olhar de tradução percebe o pensamento matemático na composição familiar dos Warlpiri, na Austrá-lia: a organização a que obedecem possui uma sequência lógica, mantida por anos e passada entre as gerações, cujo objetivo não é, obvia-mente, ressaltar as relações matemáticas que são possíveis identificar nelas.

De acordo com estudos de Marcia Ascher (cf. VERGANI, 2007), o sistema de parentesco dos Warlpiri tem oito seções, e cada pessoa está ligada a uma delas. Os casamentos são feitos, preferencialmente, entre pessoas de seções distintas, e os filhos são ligados a uma terceira, a qual depende da mãe. Essa organização está apresentada nos diagramas abaixo, que são equivalentes, nos quais os sinais de igual ligam os esposos, e as setas vão da seção das mães para a dos filhos.

Figura 3: relação de parentesco entre os Warlpiri.Fonte: Vergani, 2007, p.19.

Nesses diagramas, por exemplo, um ho-mem da categoria 1 se casa com uma mulher da categoria 5 e seus filhos pertencem à 7; um homem da 6 se casa com uma mulher da 2 e seus filhos pertencem à 3. Se seguirmos o processo

ao longo de gerações, analisando primeiramente uma sequência de mulheres, partindo da seção 1, veremos que sua filha estará na 3, a da 3 estará na 2, a qual, por sua vez, terá uma filha na seção 4, cuja filha volta a pertencer à seção 1. Outra sequência ocorre na ordem 5, 8, 6, 7 e recomeça novamente. “Estes dois círculos são disjuntos e cada um deles contém a metade das oito seções. Os antropólogos chamam ‘metade’ a cada um desses dois grupos de quatro setores. Nesse caso, em razão de se ligarem ao grupo da mãe, trata-se de matrimetades” (VERGANI, 2007, p.20).

Se os ciclos das mulheres apresentam comprimento 4, os dos homens são sempre de comprimento 2: um homem da seção 1, ao casar-se com uma mulher da 5, terá seu filho na 8. Este, por sua vez, casará com uma mulher da seção 4, cujo filho pertencerá à 1. Nesse exemplo, a relação pai/filho se dá na ordem 1, 8 e já recomeça novamente. Existem outras relações de patriciclos que são 2 com 7, 3 com 5 e 4 com 6. A filiação de uma patri-metade determina as atividades no domínio político-religioso.

As 8 seções dos Warlpiri podem ser agrupadas em dois outros conjun-tos que são {1, 6, 2, 5} e {8, 4, 7, 3}. São metades ligadas às gerações; os membros de um grupo são conside-rados da mesma classe etária. Essas metades determinam, por exemplo, os matrimônios legais e os laços de cooperação em diferentes empreen-dimentos. (VERGANI, 2007, p.20)

As relações de matriciclos e de patriciclos são traduzidas em conjuntos de mesma cardina-lidade, respectivamente 4 e 2. Um olhar que relê essas relações nas suas características matemáti-cas é um olhar de tradução que relaciona culturas e saberes populares com saberes acadêmicos.

2º Grupo: etnomatemática como tema transversal (metodologia).

Esse grupo utiliza-se da etnomatemática como uma proposta metodológica para o ensi-no de conceitos matemáticos na sala de aula, na maioria das vezes, através de atividades de modelagem. A abordagem não requer uma imersão antropológica na cultura de um grupo, mas observa como determinados grupos do

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nosso cotidiano se relacionam com a matemá-tica nas suas atividades diárias de produção, inter-relações e lazer. Desse modo, atividades como a construção de campos de futebol por crianças, o cálculo da área a ser pavimentada por pedreiros, etc., torna-se um conhecimento adaptado para a sala de aula, através do qual se pretende chegar, posteriormente, à formalização matemática dos conceitos envolvidos. Essa partilha de um problema da vida real, feito na sala de aula, conforme as resoluções de quem o vivencia, faz uma ponte entre a comunidade e a escola e tende a voltar à primeira, “no sentido de crescimento cultural do meio” (FERREIRA, 2009 p.?).

Mesmo assim, quem trabalha com ativi-dades desse grupo segue algumas diretrizes: “O que queremos aqui ressaltar é que os ‘problemas’ ou o olhar sobre o ‘mundo’, sobre o cotidiano não devem ser exclusividade do professor; es-sas situações devem ser negociadas e definidas pelo grupo (professores e alunos)” (MONTEIRO; JUNIOR, 2003, p.69).

Ferreira (cf. ESQUINCALHA, 2009) tem-se dedicado ao estudo da etnomatemática como uma proposta metodológica. Nesse intuito, criou uma proposta de ação pedagógica, impulsionada pela pesquisa etnomatemática, na qual a modela-gem matemática tem um papel importante, cujo modelo aparece expresso no diagrama abaixo:

Figura 4: proposta metodológica daetnomatemática.

Fonte: Ferreira apud Esquincalha, 2009, p.8.

Através dessa linha de pensamento, vê-se uma grande possibilidade de trabalho não só para a educação de quem está nas séries adequadas à sua idade, mas também para a educação de jovens e adultos. Esses, que muitas vezes já estão no ‘mundo do trabalho’, possuem muitas situações que vivenciam que podem ser adaptadas para a sala de aula através da modelagem matemática.

Giongo, em sua dissertação de mestrado, investigou a etnomatemática na produção do calçado em três fábricas na região do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul. Os trabalhadores observados eram, também, alunos na escola em que se dava continuidade a pesquisa, pois o ob-jetivo era discutir como se relacionava os saberes do ‘mundo da escola’ e do ‘mundo do trabalho’. A pesquisadora identificou duas práticas, as quais denominou ‘a prática de tirar o tempo’ e ‘a prática de pesar a linha’ (GIONGO, 2009).

A primeira consistia em verificar se os tra-balhadores que operavam nas esteiras (um trilho movido a motor, com velocidade predetermina-da), desenvolvendo na linha de produção tarefas distintas, conseguiam produzir de acordo com a meta diária da fábrica. Durante as observações, havia a companhia de um ‘líder’ que cronome-trava todo o processo, o qual

acionando o cronômetro no exato instante em que esta [uma traba-lhadora] colocou a mão na bandeja onde se encontrava o par, acompa-nhou o tempo que ela levou para passar cola em 3 bandejas, cronome-trando 49 segundos. A seguir, com o auxílio de uma calculadora, proce-deu a vários cálculos que envolviam um minucioso fracionamento de minutos, encontrando, no final, o número de 388 pares de calçado. (GIONGO, 2009, p.6-7)

O ‘líder’ ainda comentou que aprendera esse processo num treinamento dado pela pró-pria fábrica e que, com relação à quantidade de pares produzidos, uma margem de 5% de erro era tolerável e considerada decorrente de falhas me-cânicas, mas, acima disso, era considerada falha humana, o que poderia, ainda, ser ajustado.

A outra prática consistia em verificar a quantidade de fio necessária para a produção diá-ria. Giongo descobriu que, na indústria calçadista, devido à impossibilidade de medir em metros a grande quantidade que era consumida diariamente, a verificação dava-se através do peso, ou seja, havia uma tabela de equivalência entre as medidas de peso e comprimento. Essa relação, segundo ela, depois foi levada para a sua sala de aula, bem como os cálculos feitos pelo ‘líder’ que controlava as es-teiras, e serviram para estreitar os conhecimentos da indústria com os acadêmicos.

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São bastante válidos também alguns traba-lhos com a etnomatemática, realizados nas séries iniciais. O exemplo que se segue foi retirado do minicurso “etnomatemática nas séries iniciais”, ministrado pelas professoras Isabel Cristina Lucena e Maria Augusta Brito, ambas da UFPA.

Da Cultura Amazônica: Artesanatos e Utensílios

Estratégias:1. Pesquisar sobre os artesanatos e utensílios

da Amazônia.2. Identificar formas, texturas e cores.3. Registrar a utilização desses artesanatos e

utensílios no cotidiano.Temas a explorar:1. Língua Portuguesa: Lendas, mitos e

histórias produzidas pelo imaginário popular.

2. Meio ambiente: Quais as plantas utilizadas para as confecções dos artesanatos e utensílios? Existe a preocupação da agricultura de subsistência?

3. Arte: Quais as cores utilizadas? Quais as formas? Quem constrói os artesanatos e utensílios?

4. Geografia: Quais os municípios que fabricam artesanatos e utensílios? Qual a utilização desses artesanatos e utensílios no próprio município? Existe um período para a confecção desses artesanatos e utensílios? Por que cada município confecciona determinado artesanato e utensílios?

5. História: Como surgiu a confecções de artesanato e utensílios? Que povos os confeccionavam? Ainda são confeccionados? Tornou-se uma tradição? Como são repassados? (LUCENA; BRITO, 2009)

Clara é a intenção das professoras de favo-recer uma abordagem interdisciplinar, partindo de um tema da região, valorizando, assim, a cultura local, outro importante pilar da etnomatemática.

Fica evidente que esses exemplos não se enquadram no primeiro grupo, debatido anterior-mente. Mas também não podem ser inseridos no terceiro, o qual veremos a seguir, pois, apesar de se debruçarem com maior ou menor intensidade sobre a etnomatemática de um grupo, não apresentam um caráter revolucionário, visando à igualdade social.

3º Grupo: etnomatemática para a trans-formação social.

Nesse grupo, encontramos uma atenção especial no que concerne à transformação da sociedade, buscando fazer com que as minorias sociais, através dos seus conhecimentos matemá-ticos, sejam respeitadas e tenham expressão na sociedade enquanto que, nesse processo, tenta-se estreitar a sua matemática com a acadêmica e conscientizar as minorias de suas limitações para, assim, mudarem (KNIJNIK, 1997).

No final do século passado, Zaslavsky já advertia que

por volta do ano 2000, um terço de todos os estudantes seriam ‘minoria’. Crianças que crescem nestas famílias diferem daquelas da cultura domi-nante em seus estilos de aprendiza-gem. E é possível que eles tenham menos oportunidades educacionais, tanto dentro quanto fora das salas de aula. Muitos destes estudantes da ‘minoria’ frequentam escolas que são pobremente equipadas, marcam os menores escores em todos os im-portantes testes de ‘conhecimento’ e se evadem da escola em altas taxas. (ZASLAVSKY, 1997, p.308)

Com currículos ultrapassados e ensinos baseados na memorização e nos testes de múlti-pla escolha, o rol de suas notas sempre aparece nas últimas posições, com relação àquelas dos alunos das classes dominantes. A previsão de resultado disso tudo, exposta por Zaslavsky, é o desaparecimento, ao longo dos anos, das ‘mino-rias’ da escola.

Nessa abordagem, com cunho social, o au-tor ressalta sua pesquisa que analisa os padrões geométricos das criações das mulheres Navajo, uma tribo indígena americana. Esses padrões foram incorporados nas roupas, cestarias, nos objetos de madeira, etc. Lembrando que os descendentes desses índios hoje frequentam a escola, como os não-índios, explorar essas cons-truções culturais, muitas das quais já ganharam lugares de destaque em vários museus e são hoje reconhecidas e ainda fabricadas para co-mercialização, é permitir uma maior integração social e permitir que esse povo sinta-se também construtor do conhecimento matemático da humanidade.

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No seu trabalho com o Movimento Sem-Terra, no Rio Grande do Sul, Knijnik assume que uma das suas influências principais é o educador Paulo Freire (KNIJNIK, 2003). Tra-balhando de forma participativa com alunos da sua escola e integrantes do movimento, as discussões deram-se ora na sala de aula, ora no assentamento, de modo que tanto os membros do movimento quanto os alunos frequentavam ambos os ambientes, o que resultou na ‘inserção de novos atores’ na sala de aula, o que é uma das características responsáveis por mudar o olhar que se tem da educação escolar. A autora atribui à etnomatemática a particularidade de formar líderes sociais, desde que esta não seja tratada como uma ‘ponte de partida’ para a sala de aula (KNIJNIK, 1997).

Abaixo transcrevemos, conforme citado por Vergani (2007, p.18), os métodos práticos da estimação de áreas e volumes, ensinados de um assentamento para o outro, com o tratamento matemático dado pela professora e seus alunos. Os nomes dos métodos referem-se às pessoas que os ensinavam nas comunidades rurais que integravam.

Tabela 1: estimação de áreas pelo método de Jorge.Estimação de áreas O método de Jorge

Expressão rural. Expressão acadêmica.

Aqui está uma terra com 4 paredes. Aqui está um quadrilátero convexo.

Primeiro, somamos todas as pa-redes.

Primeiro, encontramos o perímetro desse quadrilátero convexo.

Segundo, dividimos a soma por 4. Segundo, dividimos o perímetro por 4.

Terceiro, multiplicamos o que obti-vemos pelo próprio número.

Terceiro, encontramos a área do quadra-do cujo lado foi determinado depois da divisão do perímetro por 4.

Isso é a cubação dessa terra. Isso é a área do quadrado obtido a partir do perímetro do quadrilátero convexo.

Fonte: Vergani, 2007, p.18.

Tabela 2: estimação de volumes pelo método de Roseli.Estimação de volumes O método de Roseli

Expressão rural. Expressão acadêmica.

Eis um tronco de árvore. Eis o frustrum1 de um cone.

Primeiro, selecionamos a seção média do tronco da árvore.

Primeiro, transformamos o frustrum de um cone em um cilindro.

Segundo, pegamos uma corda e a colocamos em volta da seção média Depois encontramos o comprimento da corda e o dividimos por 4.

Segundo, encontramos o perímetro da base do cilindro. Depois calculamos a sua quarta parte.

Terceiro, multiplicamos o resultado obtido pelo próprio número.

Terceiro, calculamos a área do qua-drado cujo lado foi obtido a partir da quarta parte do perímetro da base do cilindro.

Quarto, multiplicamos o número obtido pelo comprimento do tronco da árvore.

Quarto, multiplicamos a área do qua-drado pela altura do cilindro.

Estimação de volumes O método de Roseli

Expressão rural. Expressão acadêmica.

Isso é a cubagem da madeira. Isso é o volume de um prisma qua-drangular, cuja base foi obtida a partir da quarta parte do comprimento da circunferência. Essa circunferência é, de fato, a circunferência da base do cilindro; o cilindro foi previamente obtido pela transformação do frustrum de um cone.

Fonte: Vergani, 2007, p.18.

Knijnik tem outros trabalhos que privile-giam a ‘inserção de novos atores’ no ambiente da escola e também levam os alunos para fora dela, para um contato com o mundo externo, subli-nhando o posicionamento de D’Ambrosio (2001) ao afirmar que o programa etnomatemático não é e não ocorre somente nas salas de aula.

Abordagens como essas exigem que os professores também atuem como pesquisadores e que admitam, no contato com outras culturas, que seu próprio conhecimento também vai ser reformulado. Cada experiência necessitará de uma análise própria, para a qual não é possível fi-xar de antemão uma metodologia. Parafraseando Gerdes (1992) quando este se refere à construção de uma metodologia para compreender o desen-volvimento do pensamento geométrico de alguns povos (para tal, sugere que o pesquisador apren-da primeiramente com os representantes daquela cultura como estes procedem na confecção de seus objetos), acreditamos que há necessidade de uma total imersão nas culturas cuja etnoma-temática pretende-se analisar nesse grupo. A falta de registros escritos que se aproximam dos acadêmicos faz com que o pesquisador priorize o convívio com o grupo e sua oralidade.

Mais do que isso: os trabalhos desse grupo levam à discussão de ‘que matemática estamos ensinando e por quê?’, o que reflete nas propostas ainda estudadas de uma escola diferenciada para os indígenas e demais grupos estudados.

7 Considerações finais: etnomatemática, uma nova disciplina?

A matemática de uma criança de rua em Angola, a matemática

do Movimento dos Sem-Terra

1 O livro de Tereza Vergani foi traduzido do português de Por-tugal para o nosso, mas esta palavra parece ter sido mantida pelos tradutores. Como estamos fazendo uma citação, não nos vemos no direito de alterar esta palavra que, no nosso idioma, equivale a ‘tronco’.

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no Brasil, a matemática urbana vinculada às tecnologias e às mí-

dias, a matemática da aquisição de bens em países em guerra, são exemplos de outras tantas formas

de conhecimento matemático vital que se adquirem, em geral, à margem das salas de aula. (VER-

GANI, 2007, p.7)

Mais um ponto conflitante nas discus-sões sobre entomatemática é a necessidade ou não de se criar uma disciplina específica. Para D’Ambrosio, “é importante evitar que a etnoma-temática seja confundida com uma nova discipli-na ou seja vista como uma outra matemática. A proposta é um programa de pesquisa, o Programa Etnomatemática” (D’AMBROSIO, 2009, p.10), pois, como disciplina, a etnomatemática iria fechar-se em si mesma, com seus próprios refe-renciais, sem fazer os diálogos tão necessários com outras formas de conhecimento.

No entanto, sabemos que professores e alunos ainda são formados por um currículo tradicional e linear no qual inverter a ordem dos conteúdos é praticamente impossível e, muitas vezes, os tópicos ali contidos justificam-se somente na expectativa de servirem como pré-requisitos aos próximos (MONTEIRO; JUNIOR, 2003). Esperar que o programa etnomatemático vire uma prática corriqueira nas pesquisas e trabalhos dentro e fora da escola, sem que invis-tamos no estudo da sua teoria e componentes, pode ser uma posição ingênua.

Além disso, como lembra-nos Vergani,

no que diz respeito ao ensino uni-versitário da matemática, a prepa-ração que os estudantes adquiriram previamente é fator determinante da própria possibilidade de escolher um curso neste ramo disciplinar. Daí que a atenção a dar à educação matemática no ensino médio seja crucial, nomeadamente para abrir esta disciplina a potenciais candi-datos vindos de um ensino pré-universitário bem sucedido.A introdução de uma disciplina de educação etnomatemática no sistema universitário terá como primeira consequência impedir que o ensino superior de matemática continue a repercutir cegamente no ensino fundamental e médio, à maneira de reprodução cíclica de

um sistema cruelmente fechado e implacavelmente alimentado por exclusões em cadeia ‘programadas’ pelas próprias instituições docentes. (VERGANI, 2007, p.45)

Partilhamos da opinião da pesquisadora quando ela sugere a necessidade de uma dis-ciplina acadêmica (um curso), a qual poderia ser oferecida em caráter eletivo, para alunos de graduação ou mestrado, licenciandos das ciências matemáticas ou das ciências sociais/humanas, em virtude do seu visível caráter transdiciplinar.

A dinâmica curricular que ela sugere seria organizada em três trimestres. No primeiro, os estudos seriam predominantemente teóricos (cognição fundamental), no segundo se desen-volveria uma abordagem mista (teórico/prática/comunicacional, cognição local) e, no último, a elaboração de uma pesquisa criativa pessoal ou interpessoal caracterizaria o último trimes-tre como tendo uma natureza investigacional (VERGANI, p.47).

As vantagens que a perspectiva multi-cultural e interdisciplinar da etnomatemática acrescenta à educação são visíveis:

• os estudantes tornam-se cons-cientes do papel da matemática em todas as sociedades. Eles dão-se conta que a prática ma-temática surge das reais necessi-dades e interesses das pessoas.

• os estudantes aprendem a apre-ciar a contribuição de culturas da sua, e ficam orgulhosos de suas heranças culturais.

• unindo os estudos matemáticos com história, linguagem, artes e outros conteúdos, todas as disciplinas adquirem um maior significado.

• a infusão nos currículos da he-rança cultural de estudantes das ‘minorias’ constrói sua auto-es-tima e encoraja-os a serem mais interessados em matemática. (ZASLAVSKY, 1997, p.318)

Pensar em etnomatemática, em algum mo-mento, levará o professor a travar conhecimento com outras ‘etnos’: etnomedicina, etnomúsica, etnobotânica, etnoastronomia, etnopsicologia, etnogeometria, etnopedagogia, etnociência, etc. (VERGANI, 2007). Além disso, é ter um olhar

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sempre disposto a se surpreender e a se atualizar na matemática que ainda é produzida no dia a dia: fractais e fuzzies são exemplos etnomatemáticos da nossa sociedade atual, o que comprova que os professores e pesquisadores interessados sempre têm, à disposição, novos mecanismos para resga-tar a matemática do seu ensino descontextualiza-do, unindo-a às culturas existentes e, se possível, contribuindo para transformações sociais.

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Rafael Montoito é doutorando no Programa de Pós-Gradução em Educação Para Ciência da UNESP, Campus de Bauru.

RECEBIDO EM: 15/09/2009CONCLUÍDO EM: 30/10/2009

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À VISTA OU A PRAZO SEM JUROS: QUAL DESSAS MODALIDADES DE PAGAMENTO É MAIS VANTAJOSA?

Cash or in Installments Without Interests: Which is the Best Way for a Payment?

Lilian Nasser

e equipe do Projeto Fundão – IM – UFRJ

Resumo

A Matemática Financeira é, talvez, o conteúdo mais motivador do currículo do ensino médio e dos cursos de Educação de Jovens e Adultos. Por meio de seu estudo, o aluno pode ser preparado para enfrentar situações financeiras que ocorrem no seu dia a dia, como optar pela melhor forma de pagamento, à vista ou a prazo, seja de impostos ou de compras em geral. No entanto, esse conteúdo tem sido abordado de modo superficial, baseado na aplicação de fórmulas, como se pode observar pelos livros-textos mais usados. Além disso, a maioria dos cursos de licenciatura não inclui a Matemática Financeira em sua grade curricular. Como consequência, os professores não estão plenamente preparados para ensinar esse conteúdo, que não tem sido explorado nas salas de aula de modo adequado, discutindo situações financeiras reais e desafiadoras. Como reverter esse quadro, tornando o ensino de Matemática Financeira eficaz? Este artigo apresenta uma proposta inovadora para o ensino de Matemática Financeira que usa a visualização como recurso, por meio da representação da situação no “eixo das setas”, que facilita o entendimento da variação do dinheiro no tempo.

Palavras-chave: Matemática Financeira. Visualização. Formação de Professores.

Abstract

Financial Mathematics is, certainly, the most motivating topic in the High School curriculum.

Studying financial mathematics, students can be prepared to face real situations, when they must decide which is the best way for the payment: cash or in installments. But this topic has been explored superficially in school, based in the application of formulas, as one can see in the most popular textbooks. Besides, Financial Mathematics is not included in the curriculum of the majority of the pre-service teacher education undergraduate courses. As a consequence, teachers are not prepared to teach this topic properly, exploring real and challenging financial situations. This article presents an innovative proposal for the teaching of Financial Mathematics, using visualization as a tool, by means of the representation in an “arrow axes”, facilitating the perception of the variation of money along time.

Keywords: Financial Mathematics. Visualization. Teacher education.

Introdução

Não há dúvida de que atualmente o ensino de Matemática Financeira nos níveis fundamen-tal e médio é imprescindível para a formação de um cidadão crítico e atuante. De fato, o tópico de Matemática Financeira tem sido incluído na grade curricular de várias redes de ensino, como na do ensino médio da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (REORIENTAÇÃO CURRICULAR, SEE-RJ, 2005).

Mas o que deve ser ensinado de Matemá-tica Financeira? E como abordar o tema de modo

SESSÃO ESPECIAL

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eficaz? O que se deseja é que o aluno seja capaz de optar pela melhor forma de fazer seus pagamen-tos, efetuar compras à vista ou a prazo, decidir sobre empréstimos ou aplicações financeiras. Certamente, isso não pode ser alcançado por meio de um ensino baseado apenas na memorização e em fórmulas. Além dos tópicos tradicionais de porcentagem e de juros simples e compostos, a variação do dinheiro no tempo deve ser eviden-ciada, de modo que os alunos percebam que só é possível comparar pagamentos quando estes se referem à mesma data. É preciso, portanto, utilizar técnicas dinâmicas e motivadoras que despertem o interesse dos alunos e promovam a autonomia, permitindo o uso de uma estratégia própria para resolver os problemas.

Concordamos com os professores Ilydio e Vinicius P. de Sá, que, em artigo recente pu-blicado na Revista do Professor de Matemática, alertam:

Fundamental, em matemática co-mercial e financeira, é o valor do dinheiro no tempo, conceito tão simples quanto negligenciado pela maioria das pessoas. Não podemos operar diretamente com valores mo-netários referentes a datas distintas. É necessário que coloquemos todos os valores numa mesma data, valo-rizando-os ou desvalorizando-os na linha do tempo. (SÁ, 2009, p.15)

Um grupo do Projeto Fundão (IM-UFRJ), que conta com a participação de professores da escola Básica e licenciandos de Matemática da UFRJ, está desenvolvendo um trabalho que propõe uma abordagem prática e visual para o ensino de Matemática Financeira. Com referên-cia em uma ideia sugerida pelo prof. Morgado (MORGADO; WAGNER; ZANI, 2005) e desen-volvida inicialmente por Rosa N. Novaes (2009), criamos uma estratégia baseada na visualização, em que a situação financeira é representada num eixo de setas, possibilitando enxergar a mudança de valor do dinheiro no tempo, e a porcentagem é apresentada na notação decimal, como fator.

Essas estratégias permitem visualizar a variação do dinheiro no tempo e facilitam a reso-lução dos problemas com o uso da calculadora.

Quando um produto sofre um aumento ou um desconto de i %, o cálculo pode ser feito por meio de apenas uma operação de multiplicação

do preço original P por (1 + i) no caso de au-mento, e de (1 – i), no caso de desconto. Assim, o aluno habitua-se desde o início da aprendizagem a lidar com a variação do dinheiro no tempo. Seguem alguns exemplos.

Exemplo 1:

Bia pegou um empréstimo de R$ 300,00 a juros mensais de 10%. Dois meses depois, Bia pagou R$ 150,00 e, um mês após esse pagamento, liquidou seu débito.Qual o valor desse último pagamento?

Solução:Aplicar juros de 10% ao mês significa

multiplicar a quantia por (1 + 0,10) = 1,10 em cada período de um mês. Essa situação pode ser representada no eixo das setas:

Os R$ 300,00 tomados no empréstimo valem, 2 meses depois, com a taxa de juros de 10%, a: 300,00 x (1,10)2 = R$ 363,00.

Abatendo os R$ 150,00, Bia ainda ficou devendo R$ 213,00, que correspondem, um mês depois, a:

R$ 213,00 x 1,10 = R$ 234,30.

É interessante observar que quando esse problema foi proposto a alunos do ensino médio, várias soluções criativas apareceram, sempre levando as quantias para uma mesma data, seja na data da obtenção do empréstimo, na data do primeiro pagamento ou na data da quitação da dívida, como na solução apresentada acima.

Esse método visual pode ser enriquecido com o uso da animação do PowerPoint, mostran-do de modo dinâmico a variação do valor das quantias de um período para outro.

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Uma oferta muito anunciada é do tipo “preço à vista igual a preço a prazo, sem juros”. O exemplo a seguir mostra que nem sempre isso é verdade.

Exemplo 2:

Uma loja anuncia um aparelho de DVD por R$ 200,00 e oferece duas opções de pagamento: à vista com 10% de desconto, ou em dois paga-mentos de R$ 100,00: um no ato da compra e outro um mês após.Qual a taxa mensal dos juros embutidos na venda parcelada?

Solução:Com o desconto de 10%, o pagamento à

vista é de R$ 180,00. No pagamento parcelado, é dada uma

entrada de R$ 100,00, e, em vez de pagar os R$ 80,00 restantes, o comprador vai pagar R$ 100,00 um mês após a compra. Isso significa que serão pagos R$ 20,00 de juros no prazo de um mês. Isso corresponde a juros de R$ 20,00 sobre o valor financiado de R$ 80,00, o que corresponde a 25% de juros.

Esse problema pode ser representado no eixo das setas:

80 x (1 + i ) = 100 => 1 + i = 1,25 Segue que i = 0,25 ou 25%.

Portanto, se o comprador tiver o dinheiro, é melhor pagar à vista.

Ao longo de três anos de trabalho, essa pro-posta tem sido apresentada a diversos grupos de professores e licenciandos de Matemática. Nessas ocasiões, observa-se que alguns professores ou futuros professores cometem erros básicos, talvez porque muitos cursos de Licenciatura não incluam Matemática Financeira em seus currículos. Esses professores e seus futuros alunos tornam-se alvos fáceis das propostas enganosas da mídia, como as do tipo “preço à vista igual a preço a prazo” ou “financiamento em 12 vezes sem juros”.

Descrição da pesquisa

Nesse contato com professores e licencian-dos de Matemática de diversas universidades públicas e particulares, observamos que a grande maioria comete enganos comuns ao lidar com situações financeiras, como comparar ou somar quantias que se referem a datas distintas.

Decidimos, então, elaborar um problema da realidade do aluno e do professor, para que fosse resolvido antes do início de cada oficina. Em alguns casos foi possível pedir aos profes-sores que resolvessem o mesmo problema após vivenciar a nossa proposta para o ensino de Matemática Financeira.

O problema é o seguinte:

A diretora de uma escola juntou dinheiro para comprar um computador. Comparando os preços de mercado, encontrou a seguinte oferta numa loja:

Computador: R$ 1.800,00 à vistaou em

3 x iguais sem juros (entrada + 2)A diretora pediu um desconto para o pagamen-to à vista, mas o vendedor respondeu que o pre-ço a prazo sem juros era igual ao preço à vista e, portanto, não era possível dar desconto.Considerando que o dinheiro pode render 4% ao mês, qual seria o preço justo para o paga-mento à vista?

A resolução desse problema envolve a noção básica de variação do dinheiro no tempo, e é uma ótima oportunidade de alertar os alu-nos para a proposta enganosa anunciada pela mídia de que o preço a prazo sem juros pode ser igual ao preço à vista. Uma vez que todos os pagamentos não são feitos na data da compra, e sempre é possível aplicar o dinheiro referente às prestações futuras, conclui-se que o valor pago não é equivalente ao preço à vista.

Para nossa surpresa, do primeiro grupo a que apresentamos esse problema, composto por 15 professores do Ensino de Jovens e Adultos do Mu-nicípio do Rio de Janeiro, apenas um deu a resposta correta. Uma segunda aplicação foi feita numa turma do Curso de Especialização em Ensino de Matemática e, dos 27 professores que resolveram o problema, novamente apenas um deu a resposta correta. Após assistir à aula com a abordagem do

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eixo das setas, o número de professores que acerta-ram o problema subiu para 21, o que corresponde a 77,8% da turma. Em várias outras ocasiões, ne-nhum dos professores ou licenciandos dos grupos conseguia resolver corretamente o problema antes de participar da oficina.

As resoluções incorretas mais comuns estão descritas a seguir:

1ª resolução:

No pagamento a prazo, seriam 3 prestações de R$ 600,00.Do total de R$ 1.800,00, é dada uma entrada de R$ 600,00, e é financiada a quantia de R$ 1.200,00.Sobre R$ 1.200,00 incide a taxa de 4% no 1º mês, que fica valendo R$ 1.248,00.Abatendo a parcela de R$ 600,00, resta uma quantia de R$ 648,00.Calculando 4% de juros, ao final do 2º mês essa quantia equivale a R$ 673,92. Com o pagamento de R$ 600,00 da última parcela, restou uma diferença de R$ 73,92.Conclui-se, então, que o desconto deve ser de R$ 73,92, e o preço à vista seria de R$ 1.726,08.

2ª resolução:

Vamos supor que a 1º pagamento seja de x reais, na data da compra. Um mês após, com 4% de juros, a prestação seria de 1,04.x e, dois meses após a compra, o último pagamento seria de (1,04)2.x. Então:x + 1,04. x + (1,04)2. x = 1800Resolvendo essa equação, encontra-se 3,1216.x = 1800 e x = 576,63Portanto, o preço justo para o pagamento à vista seria de 3 × 576,63 = R$ 1.729,89.

Em ambas as soluções acima, o erro co-metido foi comparar o valor dos pagamentos em datas distintas com o valor do computador na data da compra. Em situações desse tipo, os valores devem ser comparados na data da compra, isto é, em vez de calcular o valor futuro dos pagamentos, devem-se calcular os valores dos pagamentos futuros na data da compra e aí, então, comparar com o preço praticado à vista. Apareceram muitos outros tipos errados de so-luções, como as seguintes.

3ª resolução:

No pagamento a prazo, são 3 prestações de R$ 600,00.Então a entrada é de R$ 600,00. A segunda prestação é acrescida de 4% de 600 = 24,00, e a terceira prestação é acrescida de 2 × 24 = 48,00.Total de juros: 24,00 + 48,00 = 72,00Portanto, o preço justo para o pagamento à vista seria de 1.800,00 – 72,00 = R$ 1.728,00

Essa solução apresenta o mesmo erro de comparar os valores em datas distintas e, além disso, tem o agravante de usar juros simples em vez de juros compostos.

Já na solução a seguir, os valores foram trazidos para a data inicial, mas os cálculos foram feitos com juros simples.

4ª resolução:

No pagamento a prazo, são 3 prestações de R$ 600,00.Então a entrada é de R$ 600,00. O valor referente à segunda prestação na data da compra é de 600 – 4% de 600 = 576,00, e o valor referente à terceira prestação na data da compra é de 600 – 8% de 600 = 600,00 – 48,00 = 552,00Portanto, o preço justo para o pagamento à vista seria de 600,00 + 576,00 + 552,00 = R$ 1.728,00

Apareceram também soluções com ten-tativas de usar as fórmulas de juros simples ou compostos, que não levaram ao valor correto. Outras soluções incorretas foram apresentadas, com erros como não considerar a entrada, ou calcular os juros sobre o valor total do com-putador.

Uma abordagem alternativa para o ensino de Matemática Financeira

Diante do fracasso quase total dos profes-sores e licenciandos na resolução desse problema nas oficinas em que foi apresentado, fica claro que grande parte dos cursos de licenciatura em Matemática não tem capacitado os alunos para o ensino de Matemática Financeira. E quando

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o tema é abordado na escola básica, isso é feito por meio de fórmulas, não preparando o aluno para resolver os problemas que vai enfrentar no seu cotidiano.

Portanto, é preciso abordar a teoria de Matemática Financeira de modo alternativo. A exploração da visualização como recurso na re-solução de problemas de matemática financeira tem sido muito positiva, propiciando aos alunos a compreensão da situação, e a criação de estra-tégias próprias para a sua resolução.

Usando esse modelo, uma solução correta do problema proposto é apresentada a seguir.

Resolução correta 1: calcula-se o valor das prestações na data da compra.

A cada mês, o dinheiro é valorizado em 4%. O eixo das setas abaixo representa a situação, em que o fator de correção é de 1,04. A entrada foi de R$ 600,00.

O segundo pagamento, de R$ 600,00, um mês

após, equivale, na data da compra, a e o

terceiro pagamento, também de R$ 600,00, efetuado 2 meses após a compra, equivale,

na data da compra, a . Logo, na data

da compra, os pagamentos efetuados a prazo

equivalem a:

600 +

600,00 + 576,92 + 554,73 = R$ 1.731,65.

Os valores também podem ser compa-rados na data da última prestação. Mas, nesse caso, é preciso tomar cuidado para não cometer o mesmo erro de grande parte dos professores e licenciandos testados, que compararam esse valor com o preço original do computador.

Nesse caso, há duas alternativas: trazer o valor obtido na data 2 para a data da compra e

calcular o valor justo para a venda do computa-dor, ou então, pode-se transferir o que exceder R$ 1.800,00 para a data da compra, obtendo o desconto que deve ser dado para a compra à vista.

Esse raciocínio aparece na 2ª resolução correta.

Resolução correta 2: calcula-se o valor das prestações na data da última prestação.

A entrada de R$ 600,00 equivale, na data 2, a 600 × 1,042 = 648,96.O 2º pagamento, de R$ 600,00, equivale, na data 2, a 600 × 1,04 = 624,00, e o terceiro pa-gamento, na data 2, é de R$ 600,00.

Logo, na data do último pagamento, os valores pagos correspondem a:600 × 1,042 + 600 × 1,04 + 600 = 648,96 + 624,00 + 600,00 = 1 872,96Para comparar esse valor com o preço à vista,

é preciso transferi-lo para a data da compra:

R$1 731,65.

Portanto, esse deve ser o valor a ser pago à vista pelo computador.

Em geral, os alunos preferem essa última resolução, em que os valores são multiplicados por potências de (1 + i), mas é preciso lembrar de achar o correspondente do valor futuro encon-trado na data da compra (valor atual).

Vale ressaltar que a diferença entre a res-posta correta (R$ 1.731,65) e algumas das respos-tas incorretas encontradas é pequena, pelo fato de o problema envolver apenas 3 pagamentos. Quando a situação admite pagamentos em prazos longos, como em 12 prestações, a diferença entre o preço à vista e o valor financiado é significativo. Nesta pesquisa, optamos por um problema que pudesse ser resolvido com uma calculadora sim-ples, ou mesmo sem calculadora. Nos casos de prazos longos, muitas vezes é conveniente usar a

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fórmula da soma dos termos de uma Progressão Geométrica para calcular a soma dos valores transferidos para a data inicial.

Com essa abordagem, os alunos são capazes de resolver problemas reais do seu cotidiano, permitido uma postura crítica perante as ofertas oferecidas pela mídia, e a tomada de decisão quanto ao pagamento de taxas e impostos.

Por exemplo, o pagamento anual do IPVA dos automóveis pode ser efetuado à vista com 10% de desconto, ou em 3 parcelas mensais iguais, sendo paga a 1ª na data do vencimento. Qual dessas modalidades é mais vantajosa?

Para calcular a taxa de juros praticada no pagamento parcelado, vamos representar a situação no eixo das setas, onde P representa o valor de cada parcela. O valor total de 3P, quando pago à vista com desconto de 10%, é de 0,9 x 3P.

Transferindo o valor das parcelas para a data inicial, temos:

0,9 x 3P = ( )211 iP

iPP

++

++

2,7 = ( )211

111

ii ++

++

1,7 (1+i)2 = 1 + i + 1

17 i2 + 24 i – 3 = 0

Resolvendo essa equação do 2º grau, en-contramos i = 0,115. Portanto, i = 11,5%.

Essa taxa mensal de juros é mais alta até do que a do cheque especial, o que nos leva à conclusão que o pagamento à vista é sempre mais vantajoso.

Os pontos principais da sequência didá-tica adotada são:

uso da porcentagem como fator, na notação decimal, de modo que, para encontrar um valor com acréscimo de i %, multiplica-

se a quantia original por (1+i) e, se for desconto de i %, multiplica-se a quantia original por (1- i);

representação da situação no eixo das setas e transposição dos valores para uma mesma data para que possam ser comparados e/ou somados;

uso da animação do PowerPoint para permitir a visualização da variação do dinheiro no tempo;

exploração de problemas práticos, do dia a dia dos cidadãos;

integração com outros conteúdos como progressões e gráficos das funções afim e exponencial;

análise de diversas estratégias para resolver um mesmo problema, exemplificando com soluções apresentadas por alunos de ensino médio.

Resultados

Os resultados obtidos nas testagens em que o problema foi resolvido antes (pré-teste) e depois da oficina (pós-teste) indicam que houve uma melhora de cerca de 70% de acertos, em média.

Se considerarmos que as amostras eram compostas de professores ou futuros professores, esse resultado não é satisfatório. Mas deve-se le-var em conta que o pós-teste foi aplicado imedia-tamente após a oficina e, em alguns casos, seriam necessários mais exercícios para o domínio do processo de resolução pelo eixo das setas.

No final das oficinas, costumamos pe-dir aos presentes que opinem sobre o método apresentado dando um depoimento por escrito. A grande maioria dos depoimentos tem sido favorável, destacando suas vantagens, como a ausência de fórmulas decoradas e o fato de que a visualização da situação no eixo das setas per-mite ao aluno criar uma solução própria,

Um dos alunos do curso de especialização do IM/UFRJ usou o método do eixo das setas em sua turma de 1º ano do ensino médio, com 39 alunos. Antes de ensinar o método, apenas 11 alunos tinham obtido média acima de 5, e, após ensinar o método, 28 alunos atingiram nota supe-rior a 5 no mesmo teste. Segundo esse professor, os alunos disseram que “o método do eixo das setas mostra o que temos que fazer”.

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Comentários finais

Os alunos do ensino médio e dos cursos destinados ao Ensino de Jovens e Adultos devem ser preparados para resolver as situações finan-ceiras que se apresentam na sua vida diária. Mas, para isso, os professores precisam ser capacitados para abordar o conteúdo de Matemática Finan-ceira de modo prático e eficaz. A formação dos professores em muitos casos é deficitária, pelo fato de esse conteúdo não fazer parte do currículo da maioria dos cursos de licenciatura.

Cerbasi (2006) afirma que “Um canal importante a desenvolver para a boa formação financeira de nossos filhos é a divulgação des-te tipo de conhecimento entre os professores” (p.37).

No entanto, referindo-se ao professor, Cerbasi alerta que

Além de não ser orientado e mo-tivado para isso, ele, como todo brasileiro adulto, não recebeu esse tipo de informação em sua infância. Se possui algum interesse por finan-ças, seus conhecimentos na área são recentes e sua insegurança ao utilizá-los é provavelmente grande. (CERBASI, 2006, p.38)

Completamos afirmando que o professor não recebeu esse tipo de formação nem nos cur-sos preparatórios para o magistério.

O tópico de Matemática Financeira deve ser abordado na escola básica de forma prática e dinâmica, destacando que:

- acréscimos ou descontos acumulados devem ser multiplicados e não somados;

- pagamentos da mesma quantia em datas distintas não têm o mesmo valor;

- os juros devem ser calculados sobre o saldo devedor, e não sobre o valor total da compra;

- quantias que se referem a datas distintas não podem ser somadas;

- só é possível comparar formas diferentes de pagamento se as quantias forem calculadas com referência à mesma data.

Respondendo à pergunta do título: deve-se exigir sempre um desconto para o pagamento à vista, pois, se parte do pagamento vai ser efetua-do um mês (ou mais) após a compra, essa quantia pode ser investida e, certamente, vai estar valori-zada na data dos pagamentos futuros. Caso não seja concedido desconto no pagamento à vista, deve-se optar pelo pagamento a prazo.

Acreditamos que a população deve ser alertada para esses e outros erros que ocorrem frequentemente, e a melhor maneira de cumprir essa tarefa é conscientizando os licenciandos e professores de Matemática de como evitá-los.

Referências

CERBASI, G. Filhos inteligentes enriquecem sozinhos. São Paulo: Gente, 2006.

MORGADO, A. C., WAGNER, E.; ZANI, S. Progres-sões e Matemática Financeira. Coleção do Profes-sor de Matemática. Rio de Janeiro: SBM, 2005.

NOVAES, ROSA C. N. Uma abordagem visual para o ensino de Matemática Financeira no en-sino médio. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ensino de Matemática, UFRJ, 2009.

SÁ, ILYDIO P.; SÁ, V. G. P. Duas vezes 100 é igual a 200? Revista do Professor de Matemática, n.70, p.13-16, SBM, 2009.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: Reorientação Curricular, Livro II, 2005.

Lilian Nasser – Professora aposentada do IM-UFRJ, pesquisadora do Projeto Fundão e professora do CETIQT/SENAI. E-mail: [email protected]

Autor convidado

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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO

MODALIDADES DE PUBLICAÇÃOTrabalhos científicos na área de Educação Matemática e suas tendências, constituídos de pes-

quisas ou relatos de experiências em sala de aula.

NORMAS PARA A FORMATAÇÃO FINAL DO ARTIGO ACEITO PELA REVISTA DA SBEM – RS

O artigo deve ser escrito no editor Word, formato “doc”, com as seguintes especificações:a) folha A4, com margens esquerda e superior de 3cm, direita e inferior de 2cm;b) fonte Times New Roman, tamanho 12, parágrafo com recuo de 1,5cm da margem esquerda;c) título centralizado, em caixa-alta, negrito, fonte 14;d) um espaço abaixo, título em inglês, centralizado, negrito, fonte 12, caixa baixa;e) um espaço abaixo, nome do(s) autor(es), em fonte 10, alinhamento à direita, com nota ao final

do texto indicando sua(s) função(ões) e instituição a que pertence;f) um espaço abaixo, escreva “Resumo”, em negrito, alinhado à esquerda; g) um espaço abaixo, o texto do resumo (até 250 palavras);h) um espaço abaixo, escreva “Palavras-chave:” e em seguida indique de três a cinco palavras-

chave, separadas por ponto; i) um espaço abaixo, escreva “Abstract”, em negrito, alinhado à esquerda;j) um espaço abaixo, o texto do abstract;k) um espaço abaixo, escreva “Keywords:” e em seguida indique as mesmas palavras-chave, agora

em inglês;l) um espaço abaixo, inicie o texto do artigo;m) os subtítulos devem ser alinhados à esquerda, destacados em negrito, separados do texto que

os precede por um espaço; n) a identificação das ilustrações (desenhos, esquemas, gráficos, quadros e outros) deve aparecer

na parte inferior das mesmas, precedida da palavra designativa, seguida de seu número de ocorrência no texto, em algarismos arábicos, do respectivo título ou legenda explicativa. A ilustração deve ser centralizada e inserida o mais próximo possível do trecho a que se refere;

o) as tabelas têm normas específicas: sua identificação deve aparecer na parte superior, precedida da palavra designativa, seguida de seu número de ocorrência no texto, em algarismos arábicos, do respectivo título ou legenda explicativa;

p) as notas de rodapé devem ser numeradas sequencialmente, em algarismos arábicos, fonte 10, espaço simples;

q) as referências, ao final do trabalho, devem estar em espaço simples, fonte 12, separadas entre si por dois espaços simples e seguindo a Norma 6023 da ABNT, disponível, por exemplo, em http://biblioteca.fop.unicamp.br/ManualSimplificado1.pdf;

r) recomenda-se que o texto não ultrapasse 20 laudas.

PUBLICAÇÃOOs trabalhos remetidos para publicação serão submetidos à apreciação de membros do Conselho

Consultivo, de acordo com as especificidades do tema, ou a consultor ad hoc, sendo o(s) autor(es)

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comunicado(s), por meio de correspondência, da aceitação ou recusa dos artigos. O artigo pode ser encaminhado por meio eletrônico acompanhado de uma declaração de que o texto terá exclusivida-de para a revista. Havendo necessidade de alterações de conteúdo do texto, será sugerido ao autor que as faça e devolva no prazo estabelecido. O conteúdo e a correção gramatical dos originais são de inteira responsabilidade dos autores. O Conselho Consultivo não se responsabiliza pela devolução dos originais remetidos.

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( ) professor do Ensino Fundamental/Médio R$ 30,00

( ) professor do Ensino Superior R$ 50,00

( ) pessoa jurídica ou outra atividade R$ 100,00

........./ ........./ ......... ............................................................................. Data Assinatura

* Prenchimento obrigatório

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EVENTOS

V Encontro Estadual de Educação Matemática do Rio de Janeiro – ENEM3 a 6 de fevereiro de 2010

Rio de Janeiro – www.sbemrj.com.br/eema

III Jornada Nacional de Educação Matemática e XVI Jornada Regional de Educação Matemática4 a 7 de maio de 2010

UPF – Passo Fundo – RS – Brasil – Home page: http://www.upf.br/jemE-mail: [email protected] – Telefones: (54) 316 8345 ou (54) 316 8353

X Encontro Nacional de Educação Matemática – ENEM7 a 9 de julho de 2010

Salvador – Bahia – Home page: www.sbem.com.br

V Congresso Internacional de Ensino da Matemática20, 21, 22 e 23 de outubro de 2010

ULBRA Canoas/RS – Brasil – Home page: www.ulbra.br/ciem2010E-mail: [email protected]

XVI Encontro Regional de Estudantes de Matemática do Sul – EREMATSUL3 a 6 de junho de 2010 – PUCRS – Porto Alegre

http://www.pucrs.br/eventos/erematsul/?p=apresentacao