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EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: HISTÓRIA (S) E MEMÓRIA (S) Instituto Politécnico de Portalegre

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EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: HISTÓRIA (S) E MEMÓRIA (S)

Instituto

Politécnico

de Portalegre

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EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: HISTÓRIA (S) E MEMÓRIA (S)

OrganizaçãoHelder Manuel Guerra Henriques

Instituto Politécnico de Portalegre

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EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: HISTÓRIA (S) E MEMÓRIA (S)

Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor:

© 2013, Instituto Politécnico de Portalegre - Escola Superior de Educação

Organizador: Helder Manuel Guerra Henriques

Composição Lopo Pizarro

Abril de 2013ISBN: 978-989-96701-9-8

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Índice

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: HISTÓRIA (S) E MEMÓRIA (S)

CAPÍTULO I

Educação, Infância e Sociedade

CAPÍTULO II

Formação de professores em Portugal

Porque não criamos jardins infantis?Análise de discursos sobre a institucionalização da educação de infância em Portugal (1880-1950Carla Vilhena

Infância e juventude marginalizada na 1ª República Portuguesa: A Tutoria (1911-1916)Helder Henriques

S(em) ideias para a educação: ou do feminismo delasIsabel LousadaHelder Henriques

O que há de novo no velho céu das bibliotecas escolares?Fátima Dias

Uma instituição e seis percursos:Apontamentos biográfi cos sobre alunos das Escola do Magistério Primário de ÉvoraMaria Teresa Santos

A formação de professores do ensino primário durante a crise revolucionária de (1974-1976)António Gomes FerreiraLuís Mota

Blended Learning: Uma estratégia ao serviço da educaçãoJ. António MoreiraAngélica Monteiro

Formação de professores em tempos de Abril na escola do magistério primário de PortalegreMário Silva Freire

Domingas Valente: Uma professora de afectosDomingas Valente

ÍNDICEAPRESENTAÇÃO

13

27

37

53

67

79

57

1

2

3

85

99

109

CAPÍTULO III

Atores educativos: discurso direto

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APRESENTAÇÃO

A obra Educação e Formação de Professores: História (s) e Memória (s) resulta do interesse de um conjunto de investigadores que assumem a importância da escola e dos seus atores educativos como elementos centrais no processo de construção da sociedade contemporânea. O livro recolhe vários contributos que permitem uma maior clarifi cação sobre as temáticas referidas. Estes contributos resultam, na sua maioria, de dois encontros científi cos realizados na Escola Superior de Educação de Portalegre. O primeiro, no dia 17 de Outubro de 2012, com a designação de “Edu-cação e Sociedade: aprender e investigar” e o segundo no dia 28 de Novembro sob o desígnio “150 anos de formação de professores em Portugal”. Este último encon-tro integrou-se num projeto sedeado no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, fi nanciado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, intitulado “Escolas de Formação de Professores em Portugal: Arquivo, História e Memória”, cujo investi-gador responsável foi o professor doutor Joaquim Pintassilgo. Uma parte dos con-tributos que encontraremos neste livro resulta das investigações decorrentes deste projeto e que constituem um prolongamento do mesmo.

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Esta é uma obra diversifi cada, com um arco temporal abrangente (embora com maior incidência na segunda metade do século XX), onde podemos encontrar, por um lado, um conjunto de estudos desenvolvidos por especialistas no domínio da Infância, Educação e da Formação de Professores e, por outro lado, alguns testemu-nhos das vivências profi ssionais e/ou pessoais de alguns atores educativos.

O livro divide-se em três partes. Na primeira parte encontramos três capítulos. No primeiro discute-se a problemática relacionada com a construção histórica da educação de infância a partir de um conjunto de discursos analisados pela autora. O segundo capitulo oferece uma perspetiva sobre a temática da infância e/ou juventude em risco numa perspetiva socio histórica decorrende na análise da revista “A Tutoria”. O terceiro capítulo assume uma enorme utilidade didática. Resulta da composição de um conjunto de biografi as de mulheres republicanas dematriz educativa dispersos por várias obras. O leitor poderá encontrar textos produzidos pelas mulheres que os autores colocam em destaque sobre as questões educativas. Por fi m, encontramos uma abordagem sobre o percurso histórico das bibliotecas escolares em Portugal, partindo do exemplo da biblioteca escolar do Liceu de Portalegre.

Na segunda parte deste livro outros contributos de grande interesse científi co e di-dático/pedagógico podem ser encontrados. A formação de professores e os percur-sos biográfi co-identitários constituem o eixo central da análise. No primeiro capítulo, é apresentado o percurso de vida de seis alunos-mestre, da década de cinquenta, da Escola do Magistério Primário de Évora. No segundo capítulo trata-se de questões de índole pedagógica em tempos de Abril. Os autores analisam a importância das Ex-periências Pedagógicas e o modo como foram implementadas utilizando uma base legal. Outro capítulo surge atribuindo especial enfase à importância das tecnologias nos processos de ensino e aprendizagem. Os autores discutem a importância da aprendizagem em regime B-Learning no contexto de uma sociedade em permanente mudança.

Na terceira parte do livro encontramos em discurso direto dois testemunhos de atores educativos. O primeiro de um diretor da Escola do Magistério Primário de Por-talegre destacando o período que assumiu a direção da instituição entre 1974 e 1976. O segundo testemunho, em jeito refl exivo, assume um percurso identitário como ponto de partida para analisar algumas questões sobre a educação em tempos mais recentes.

Helder Henriques, Abril de 2013

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Capítulo IEducação, Infância e Sociedade

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s) Capítulo I - Educação, Infância e Sociedade

13Introdução

A institucionalização da educação de infância, objeto de estudo do presente trabalho, está pro-fundamente relacionada com um movimento mais vasto de criação de instituições disciplinares, entre as quais se encontra a escola (Candeias, 2005; Morgan, 2002; Ó, 2003; Rose, 1999), assim como com as transformações nas conceções de infância que ocorrem, a partir do século XVII, no mundo ocidental.

Embora o seu caráter biológico seja inegável, a infância não é uma categoria homogénea, nem um conceito estático. Como demonstraram vá-rios autores (A. G. Ferreira, 2000; Apple, 2006; Ariès, 1988; Becchi, 1998a; Cunningham, 1995; Hardyment, 2008; Hendrick, 1999; Hofstetter, 2012; Hulbert, 2004; James, Jenks & Prout, 2002; M. M. Ferreira, 2000) as conceções de infância, assim como das práticas educativas consideradas mais adequadas, não surgem de forma aleatória, nem têm origem nas caraterísticas biológicas das crianças, sendo profundamente infl uenciadas pelos contextos histórico, social e cultural em que estas vivem.

Construção Social da Infância

Embora a infância comece a ser percecionada como uma idade com caraterísticas próprias no sé-

culo XIII, segundo Ariès (1988) só se pode falar da emergência de um sentimento da infância, defi nido por este autor como a tomada de “consciência da especifi cidade infantil, essa especifi cidade que dis-tingue essencialmente a criança do adulto, mesmo do adulto jovem” (p. 182), a partir do século XVII.

A perceção das especifi cidades da infância conduz a um debate sobre a sua natureza (Jenks, 2005). Num pólo temos Rousseau e seus segui-dores, para quem a criança é um ser naturalmente bom, cujo desenvolvimento se rege por leis na-turais que devem ser respeitadas. Defende-se, assim, a existência de uma natureza infantil espe-cífi ca, com predisposição para o bem e dotada de uma atividade intelectual autónoma, realçando-se, assim, quer a singularidade das caraterísticas infantis, quer o potencial de desenvolvimento das crianças (Boto, 2010; Jenkins, 2000; Martins, 2008; Taylor, 2011).

No extremo oposto estão aqueles que, possuin-do uma conceção teológica da infância, partem do pressuposto de que a criança é um ser imperfeito, portador do pecado original, consistindo a primeira tarefa educativa na dominação do caráter volunta-rioso da sua vontade, através da sua subordinação à vontade dos adultos. Esta conceção da infância está associada à defesa de práticas educativas mais restritivas, cujo principal objetivo é incutir hábitos de obediência, auto-controle e disciplina

PORQUE NÃO CRIAMOSJARDINS INFANTIS? Análise de discursos sobre a institucionalização da educação de infância em Portugal (1880-1950)Carla Vilhena | Universidade do Algarve

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo I - Educação, Infância e Sociedade

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(Hardyment, 2008; Martins, 2008; Sobe, 2010).

Embora divergentes, estas duas conceções da infância têm implícita uma preocupação com a educação da criança, estando na origem do que Ariès (1988) designa de ressurgimento das preocu-pações educativas. É de realçar que a perceção de que as crianças devem ser sujeitas a uma educa-ção, a uma disciplina, juntamente com o desenvol-vimento da instituição escolar, uma instituição que, ao “encerrar” as crianças, as separa dos adultos, contribui para a emergência e construção de um mundo específi co da infância.

Os debates sobre o trabalho infantil, que ocor-rem no século XIX, e a progressiva condenação do mesmo – devida, em parte, ao choque sentido por alguns reformadores, não só com a intensidade com que as crianças eram exploradas, mas tam-bém com aquilo que classifi cavam como a sua bru-talização – contribuem também para a perceção da criança como um ser que possui um conjunto de caraterísticas específi cas que necessitam de ser protegidas e desenvolvidas através da educação. O desenvolvimento económico do mundo ocidental permitiu, assim, a transformação da criança traba-lhadora na criança aluno e a consequente carateri-zação da infância como um tempo de dependência (Cunningham, 1995; Hofstetter, 2012).

Simultaneamente, a identifi cação dos problemas sociais da infância, entre os quais são de realçar as elevadas taxas de mortalidade infantil e a ques-tão da falta de educação ou da sua precocidade, ao solicitar “a necessidade de assistência social, defesa e protecção legal da criança, permitiu a consolidação da infância como idade de vida” (M. M. Ferreira, 2000, p. 23). É ainda de salientar que a tomada de consciência de que estes problemas não são apanágio de uma determinada classe social, mas sim um fenómeno de massas e, por-tanto, independente de variáveis como a classe social, contribui para a construção de uma conce-ção unitária da infância enquanto etapa de vida dos indivíduos e, consequentemente, o entendimento dos problemas sociais da infância em termos de ameaça geracional cuja solução trará benefícios para toda a sociedade (Dunne, 2006; Frijhoff, 2012; Hendrick, 1999; M. M. Ferreira, 2000).

Assente na imagem de infância designada por Hendrick (1999) de Criança da Nação, o investi-mento na educação passa a ser visto como um investimento no progresso material dos países. Numa época caraterizada pela existência de profundas rivalidades internacionais a nível polí-tico, económico e militar, a que se adicionam as preocupações com a qualidade das populações

e com a possível emergência de confl itos sociais, as crianças são reconstruídas como investimentos no progresso nacional. Neste contexto, o Estado torna-se cada vez mais intervencionista, legislando sobretudo nas áreas da educação, considerada um mecanismo privilegiado de intervenção no social, e da medicina preventiva (Hendrick, 1999; Dunne, 2006).

A implantação dessas medidas legislativas vai ter como consequência o envolvimento, por parte da fi lantropia e, posteriormente, dos serviços de assistência social, na vida quotidiana das crian-ças, sendo esta intervenção justifi cada, em parte, pela incapacidade das famílias para educarem convenientemente os seus fi lhos. Tal facilita a vulgarização de um conceito de infância formulado por peritos, que é apropriado pela população em geral, e à consolidação da conceção da infância como um período marcado pela vulnerabilidade e dependência, e que necessita, por esse motivo, de protecção por parte dos adultos (M. M. Ferreira, 2000; Knibiehler, 2000).

Uma das consequências do interesse crescente pela criança, designadamente pelo seu estudo e observação, é a divisão da infância em diferentes etapas, o que está na origem da emergência de uma nova idade, defi nida em relação àquela que se lhe segue, a idade pré-escolar, também ela objeto de sucessivas reconstruções.

Construção social da criança em idade pré-escolar. A progressiva erosão da perceção da infância como uma fase indiferenciada, juntamente com os resultados obtidos através de um estudo mais aprofundado da criança por parte dos mé-dicos, vai permitir, na segunda metade do sécu-lo XIX, o que Luc (1997) designa de descoberta médica da segunda infância, termo utilizado para distinguir as crianças entre os 2 e os 7 anos de idade. Esta “descoberta” vai ser confi rmada com o desenvolvimento da psicologia científi ca, ao certifi -car a divisão do que até aí se considerava primeira infância em duas fases – do nascimento aos 2 anos e dos 2 aos 6/7 anos – a que se reconhecem “par-ticularidades e momentos singulares que as dotam de uma especifi cação própria” (M. M. Ferreira, 2000, p. 114).

Esta divisão é acompanhada pela valorização da segunda infância que começa a ser entendida como uma idade de preparação para a idade da razão e, enquanto tal, com necessidades educati-vas específi cas (M. M. Ferreira, 2000; May, 2006; Morgan, 2002). A tomada de consciência da espe-cifi cidade desta fase da infância e dos benefícios que podem advir da sua educação (Brites, 2000;

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s) Capítulo I - Educação, Infância e Sociedade

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Clyde, 2000; Luc, 1982; Nutbrown, Clough & Selbie, 2008), é acompanhada pela perceção de que o modelo de escola existente não é o mais apro-priado para esta faixa etária (Beatty, 1995). Tal irá contribuir para a criação, nos séculos XIX e XX, de uma rede de instituições públicas e privadas, com modelos pedagógicos próprios, dedicadas à edu-cação das crianças em idade pré-escolar (Becchi, 1998b; Freitas, Sheldon & Tudge, 2008; May, 2006; Singer, 2005).

Tendo, precisamente, como objeto de análise o processo de institucionalização da educação de infância em Portugal, procurou-se, através da realização do presente trabalho encontrar resposta para as seguintes funções: (1) Quais as motivações subjacentes à criação de instituições de educação de infância em Portugal? (2) Quais as funções que lhes são atribuídas? (3) Quais os modelos pedagó-gicos considerados adequados para a educação das crianças em idade pré-escolar?

Metodologia

Este estudo está alicerçado numa metodologia de tipo qualitativo. Mais concretamente, e tendo em conta o objetivo deste trabalho, procedeu-se à análise de discursos acerca da institucionalização da infância veiculados através da imprensa peda-gógica em três períodos: (1) 1880-90, período em que “a infância emerge enquanto questão social” (M. M. Ferreira, 2000) e que constitui, por esse mo-tivo, o limite temporal inferior do nosso estudo; (2)

1920-30, momento em que a intervenção a favor da infância ganha uma maior expressão, assistindo-se “a uma progressiva divulgação e difusão mais alargada do saber médico que, num movimento de denúncia e pressão social, procura articular as problemáticas da saúde com as da educação para os cuidados físicos, higiénico-sanitários, etc.” (M. M. Ferreira, 2000, p. 89); (3) e, por último, 1940-50, período que antecede importantes acontecimentos ao nível da educação de infância em Portugal, tais como a criação de escolas particulares destinadas à formação de educadoras de infância (o Instituto de Educação Infantil e a Escola de Educadoras de Infância) e o aumento do número de crianças que frequentam este nível de ensino, que sobe para mais do triplo (Gomes, 1977), constituindo, por esses motivos, o limite temporal superior deste trabalho.

Fontes e corpus documental

A opção pela imprensa pedagógica como fonte deve-se ao facto de, tal como afi rma Nóvoa (2000, p. 138), esta permitir a identifi cação dos “principais grupos e actores numa determinada época histó-rica”, constituindo-se simultaneamente como um “espaço de afi rmação de correntes de acção e de pensamento educacional” (Nóvoa, 1997, p. 12), que constituem objeto de análise no presente estudo. É ainda de salientar que, como afi rma Gouvea (2008), a imprensa pedagógica se constitui num espaço privilegiado de uma produção discursiva que, para

Quadro 1:

NÚMERO DE ARTIGOS POR DÉCADA E POR PERIÓDICO

1880-90 1920-30 1940-50 Total

Periódicos N % N % N % N

Froebel 8 72.7 - - - - 8

O Ensino 3 27.3 - - - - 3

Alma Feminina - - 2 4.8 1 1.8 3

Revista de Assistência - - 3 7.1 - - 3

Revista Escolar - - 10 23.9 - - 10

Educação Nova - - 4 9.5 - - 4

Educação Social - - 15 35.7 - - 15

Escola Nova - - 1 2.4 - - 1

Escola Açoreana - - 7 16.7 - - 7

A Saúde - - 7 12.7 7

Revista Portuguesa de Pediatria e Puericultura - - - - 3 5.5 3

Os Nossos Filhos - - - - 37 67.3 37

Saúde e Lar - - - - 2 3.6 2

O Centro de Assistência do Bombarral - - - - 5 9.1 5

Total 11 100 42 100 55 100 108Nota. O “-” indica que o periódico não é publicado nessa década

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo I - Educação, Infância e Sociedade

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além de ser caraterística de um determinado mo-mento histórico, procura normalizar o pensamento educativo e infl uenciar as práticas educativas, através da valorização de determinados métodos e práticas (Ruby & Garcia, 2012).

Para o processo de seleção das fontes recorreu-se ao Repertório Analítico da Imprensa de Edu-cação e Ensino (Nóvoa, 1993), utilizando-se, para tal, três critérios: (1) existência de artigos sobre pelo menos um dos seguintes temas: assistência social materno-infantil, creches, educação infantil, educação de infância, ensino pré-primário, esco-las maternais, jardins de infância, jardins-escola e parques infantis; (2) período de publicação de pelo menos um ano (para os periódicos de edição men-sal), de seis meses (para os periódicos quinzenais) ou de três meses (para os periódicos com publica-ção semanal); (3) ser publicado nos intervalos de tempo selecionados.

Foram assim apurados 14 periódicos, a partir dos quais foram recolhidos 108 artigos (Quadro 1), que tinham como tema central a institucionaliza-ção da educação de infância, e que constituíram o corpus documental com base no qual foi realizado o estudo que aqui se apresenta.

Tratamento e Análise de Dados

Os artigos selecionados foram transcritos e su-jeitos a uma análise de conteúdo qualitativa (Mayi-ring, 2004; Schreier, 2012), que permitiu identifi car um conjunto de temas, cujo conteúdo será apre-sentado em seguida.

Resultados

“É Indelével a Infl uência dos Primeiros Anos”

A conceção da infância, particularmente dos primeiros anos de vida, como uma idade espe-cialmente vulnerável e permeável às infl uências exteriores, tem como consequência uma maior preocupação com a forma como as crianças são educadas. Como afi rma José de Figueiredo Vas-concelos (1946, p. 7): “A infância é um período indispensável de adaptação às novas condições de vida, de preparação, de formação. É preciso dirigir as suas impressões, os seus sentidos, educar as suas tendências, regular as suas funções, formar o seu espírito.”

A educação de infância, assume, assim, aos olhos das elites, sobretudo médicos e professores, autores da maioria dos textos analisados, um valor acrescentado, uma vez que se entende que bene-fi cia não só a criança, enquanto ser individual, mas também a sociedade, como é visível nas palavras

escritas pelo médico Téofi lo Ferreira (1882, p. 2), diretor da Escola Normal de Lisboa:

Tanto a felicidade dos estados, como a pró-prio povo deriva evidentemente da boa educa-ção que haja recebido a mocidade, cujo futuro será mais ou menos auspicioso conforme forem as primeiras impressões recebidas; im-pressões que infl uirão de uma maneira inde-lével nos seus costumes e, sobretudo, no seu desenvolvimento físico.

É neste sentido que os colaboradores que es-crevem nos periódicos analisados tentam persuadir os seus leitores da importância que a educação de infância formal, realizada em ambientes especial-mente preparados para esse fi m, e destinada às crianças com menos de 6 anos, tem não só para a criança, mas também para a sociedade, como é visível no excerto que a seguir se transcreve:

Se a educação pré-escolar é indispensável às crianças, pois só em ambientes destinados especialmente aos seus jovens espíritos elas se poderão desenvolver harmoniosamente e manifestar livremente todas as suas ten-dências, igualmente o é para a Nação, que, da maneira como essas crianças hoje forem educadas, actuarão amanhã como adultos, pois é durante os seus primeiros seis anos de vida que o seu carácter se forma, que se estabelece a unidade do seu espírito. (Correia, 1949, p. 6)

Antes de iniciarmos a apresentação dos argu-mentos utilizados para justifi car a necessidade de criar instituições de educação de infância, gosta-ríamos de destacar que estes têm como objeto, na sua grande maioria, as crianças com idades compreendidas entre os 2/3 e os 6 anos. Para tal terá contribuído a perceção desta idade como o momento de acesso à inteligência e em que, consequentemente, se deverá começar a ter mais atenção à sua educação. Como afi rma Maria de Jesus Mendes (1948, p. 8):

Aos dois, aos três anos, a criança começa a compreender muita coisa, começa a entrar na vida. Já não olha só, começa a observar e, se observa, é preciso que investigue, que se interesse e que comece a saber pensar.

As referências às crianças mais novas surgem, sobretudo, nos textos em que são mencionadas as creches (e.g. Caetano, 1944; Figueiredo, 1945; Lemos, 1925; Moreira, 1941), estabelecimento de cariz assistencial e dedicado ao acolhimento de crianças entre os 0 e os 2/3 anos.

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s) Capítulo I - Educação, Infância e Sociedade

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Por Que Não Criamos Jardins Infantis?

A preocupação com a educação das crianças em idade pré-escolar é acompanhada pela cons-tatação do facto de esta ser negligenciada, devido à incapacidade ou impossibilidade dos pais asse-gurarem, de uma forma adequada, essa mesma educação. Como afi rma o professor João José de Sousa Telles (1883, p. 105), os primeiros anos de vida são “perdidos para a educação: a maioria das crianças vivem até aos sete, oito e mais anos à mercê do acaso, sob a infl uência de modifi cadores, que, as mais das vezes, prejudicam irremediavel-mente o seu futuro”.

Até fi nais dos anos 30 esta preocupação incide sobretudo sobre as crianças oriundas das classes mais desfavorecidas, principal público-alvo das instituições de educação de infância – “os nossos pequenos, na sua maioria fi lhos de gente pobre” (Gonçalves, 1924, p. 225) - designadamente sobre os fi lhos de mães trabalhadoras. Sem ninguém que assegure o seu cuidado quotidiano e face à ine-xistência de estabelecimentos educativos que as acolham, as crianças são atiradas para rua durante o horário de trabalho dos pais, sofrendo infl uências indesejáveis, que deixarão marcas no seu desen-volvimento futuro. Como descreve o professor Ricardo Rosa y Alberty (1922, p. 42):

Se deixarmos que a nossa criança continue a crescer e a desenvolver-se na rua, em meio da imundice, da crápula, da desabusada lingua-gem e da arrepiante miséria, não esperemos que a sociedade de amanhã, seja, por um mi-lagre de auto-formação e de auto-educação, limpa de corpo, apurada de sentimentos e elevada de espírito.

“Porque não havemos de as trazer até nós, roubando-as à rua”. A conceção das instituições de infância como espaços onde as crianças são preservadas do contágio da rua (e.g. Anónimo, 1940, 1943; Bustorf, 1942; Miranda, 1924; Passos, 1921a; Pato, 1920; Reynaud, 1924), é um tema recorrente nos textos analisados. Locais de guar-da para as crianças enquanto as mães trabalham - “ninguém, sem que prove que honestamente adquire para si e seus fi lhos meios de subsistên-cia, pode deixar os seus fi lhos na Escola Maternal” (Pato, 1920, p. 4) – as instituições de educação de infância têm como principais preocupações a educação moral das crianças, a inculcação de “há-bitos e aptidões de que nunca se esquecerá, nem abandonará” (Pato, 1920, p. 5), contribuindo, desta forma, para a formação de uma “geração nova, robusta, sadia de espírito e sólida de coração” (Cir-

ne, 1925, p. 5). São, assim, concebidas sobretudo com um cariz assistencial, de proteção à infância, e cuja infl uência se espera que se estenda à família. Como afi rma a médica Adelaide Cabete (1928, p. 11) as crianças “levam para casa estes conheci-mentos úteis”, participando, assim, elas próprias, nesta campanha civilizadora.

Gostaríamos de salientar que a educação dos pais, considerados os principais responsáveis pelos males que afl igem as crianças, é um dos objetivos daqueles que defendem a criação de ins-tituições de educação de infância, particularmente visível nas referências às famílias mais desfavore-cidas, aquelas que parecem resistir à aplicação de regras modernas de criação e educação das crian-ças, que através destas instituições se procura difundir e aplicar. Como se afi rma num artigo sobre a Creche do Centro de Assistência do Bombarral: “como é difícil fazê-las aceitar noções novas, sobre a maneira de cuidar dos seus bebés!” (Anónimo, 1947a, p. 2).

O facto de os pais, quer pela sua ignorância, quer pela sua pobreza, não conseguirem, ou não poderem, dispensar os cuidados necessários para assegurar o desenvolvimento das crianças - “por-que as famílias pelo seu atraso não conhecem os desvelos de toda a ordem a dispensar aos fi lhos, e pela sua pobreza, verifi cado que os atiram para a rua enquanto agenceiam o pão, lhes não poderiam dar esses desvelos” (Passos, 1921a, p. 33) – vai, assim, constituir um argumento central no discurso daqueles que reivindicam a criação e difusão de instituições de educação de infância, em Portugal.

Salientando quer as suas funções sociais, quer educativas, os colabores das revistas analisa-das vão realçar os benefícios que advêm para as crianças da frequência das instituições de infância, em termos do seu desenvolvimento moral, físico e intelectual, que passamos a apresentar.

“Não será a educação colectiva preferível à educação individual?”. A preparação para a vida em sociedade, ou seja, a interiorização das regras sociais, é uma das funções atribuídas às instituições de educação de infância, facilitada pelo convívio da criança com o seu grupo de pares. Como explica o médico Fernando Miranda (1924, p. 198): “É nos brinquedos e jogos com os seus camaradas, é lidando com eles, comendo e traba-lhando a seu lado que a criança aprende a viver em sociedade”.

A convivência com crianças da mesma idade, num ambiente especialmente preparado para esse efeito, permite não só que a criança adquira “há-

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bitos de vida social coletiva” (Correia, 1949, p. 6), mas também que corrija maus hábitos e comporta-mentos desadequados que por vezes manifesta no espaço doméstico:

O principal factor entre os muitos que fazem dos parques, casas e jardins infantis o melhor meio de educação, é, sem dúvida, a convi-vência das crianças umas com as outras. Crianças que em sua casa revelam um com-portamento estranho e com hábitos maus que parece quererem fi car, modifi cam-se inteira-mente logo que principiam a frequentar uma escola infantil. As mais estranhas perrices, que tantas vezes desgostam, seriamente os pais, desaparecem em curto espaço de tempo e a criança torna-se agradável e adquire bons hábitos. (Correia, 1946, p. 8)

Para além de contribuir para o desenvolvimento moral da criança, a educação coletiva tem ainda a vantagem de, como afi rma Ilse Losa (1949, p. 6), contribuir para o seu desenvolvimento intelectual:

Repare-se que, por mais brinquedos que os pais dêem aos seus fi lhos, estes recusam-nos em pouco tempo, cansam-se deles. No entanto, nunca se cansam de construir com os companheiros alguma casa, um castelo e outras coisas mais. O trabalho em colabora-ção entusiasma-as, desenvolve-as.

Outro aspeto, para além da componente moral e intelectual, a que é dada especial atenção é ao contributo que se considera que as instituições de educação de infância podem dar para a constru-ção de corpos saudáveis e vigorosos, quer através da promoção do desenvolvimento físico das crian-ças, quer através da prevenção da doença.

“Até aos 6 anos o essencial é cuidar do vigor do corpo”. Iniciando-se pelo combate à mortali-dade infantil, função mencionada sobretudo nos textos que são referidas as creches, ou seja, uma instituição destinada à faixa etária em que esta questão assume maior gravidade – “admissão na idade em que é maior a mortalidade e se exi-gem cuidados, isto é, como sabeis, abaixo de um ano” (Moreira, 1941, p. 228) - as instituições de educação de infância têm como principal objetivo assegurar não só a sobrevivência das crianças, mas também a construção de corpos vigorosos e saudáveis.

A preocupação com a vigilância médica das crianças – “As crianças do Parque Infantil são vigia-das sob o ponto de vista medical” (Anónimo, 1943, p. 12) – e com a limpeza do corpo – “é imprescin-

dível termos ao nosso alcance os meios de poder-mos dar às crianças todos os cuidados de limpeza higiénica, de que quase todos tanto carecem” (Guerra, 1929, p. 4) – são indicadores da prevalên-cia da ideia de que, como afi rma o pedagogo Faria de Vasconcelos (1924, p. 2), a “cultura física e a higiene devem ter um papel preponderante” nestas instituições.

O facto de se atribuir tanta importância aos cui-dados com o corpo não signifi ca, contudo, que o desenvolvimento intelectual seja desprezado. Pelo contrário, os exercícios que têm como fi nalidade exercitar o corpo, a que é dada particular impor-tância nestas instituições, tais como, por exemplo, os jogos, são visto como um poderoso auxiliar do desenvolvimento intelectual. Como afi rma Maria da Natividade Correia (1949, p. 6), citando Rousseau:

Quereis cultivar a inteligência dos vossos alunos, cultivai então as forças que ele deve governar. Exercitar-lhes continuamente o corpo; que ele trabalhe, actue, corra, grite; que ele esteja sempre em movimento... É um erro lamentável julgar que exercício do corpo incomoda as operações do espírito, como se estas duas acções não devessem actuar em conjunto.

Ao assegurar e promover o desenvolvimento integral da criança - físico, intelectual e moral - a frequência de instituições de educação de infância irá também contribuir para que as crianças che-guem mais bem preparadas à escola primária.

“A nossa escola infantil será muito mais efi ciente se a anteceder a ‘escola maternal’, a escola infantil”. A frequência de instituições de educação de infância é apresentada como uma mais valia para o futuro percurso educativo da criança, designadamente no que diz respeito ao nível educativo que se lhe segue, a escola primária. Para além de permitir “entregar à escola as crian-ças sadias do corpo e com a inteligência forte e desenvolvida” (Ferreira, 1882, p. 3), a educação de infância é entendida como um regime preparatório para o “regime severo, de ocupações sujeitas a horários, a exercícios e estudos (...) mecanicamente executados” (Lima, 1924, p. 246) e, simultaneamen-te, pelos conhecimentos que são transmitidos às crianças, como um elemento facilitador das apren-dizagens que terão posteriormente que realizar: “Uma vez habituada a estar na escola e possuindo já uma soma considerável de conhecimentos varia-dos, a criança atinge os sete anos com um grande desejo de saber e aprenderá com extrema facilida-de a leitura, a escrita e o desenho” (Soares, 1929,

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p. 2).

Podemos então afi rmar que a principal função das instituições de educação de infância é a pro-moção do desenvolvimento moral, físico e intelec-tual da criança, não só em benefício da criança, mas também da sociedade. Contudo, para que tal aconteça duas condições são necessárias: (1) que as crianças sejam educadas num ambiente espe-cialmente preparado para tal e (2) que essa educa-ção seja assegurada por pessoal especializado.

O Que Será Mais Útil e Proveitoso Para a Criança, a Educação Feita em Casa pela Mãe ou a Educação em Instituições Adequadas e com Pessoal Especializado?

Reivindicando para a Pedagogia o estatuto de ciência, os colaboradores das revistas pedagógi-cas reclamam para a infância a necessidade de uma educação racional e metódica, moldada “na própria natureza da personalidade humana e em harmonia com a sua evolução física” (Anónimo, 1885, p. 69). Tal só é possível, na opinião da maio-ria dos autores dos textos analisados, se a edu-cação das crianças mais pequenas for realizada num ambiente especialmente preparado, em que a sua natureza infantil é respeitada, ou seja, em instituições de educação de infância. Como afi rma o pedagogo Adolfo de Lima (1924, p. 254): “Para se fazer uma educação conforme as indicações das Ciências da Educação e as exigências de um ideal pedagógico humano, tem que se criar e desenvol-ver a educação infantil ou pré-escolar e fundar os necessários órgãos ou estabelecimentos educati-vos”.

Subjacente a esta preocupação está a ideia de que a criança em idade pré-escolar não pode ser submetida aos mesmos métodos educativos do que as crianças mais velhas, ou seja, de que esta faixa etária, devido às suas caraterísticas espe-cífi cas, necessita da aplicação de metodologias concebidas especialmente para a sua educação. É neste contexto que surgem referências a Pesta-lozzi (e.g. Anónimo, 1885, 1887; Raposo, 1882) e a Froebel (e.g., Anónimo, 1885, 1924a, 1943; Correia, 1946; Júnior, 1922; Magalhães, 1924; Ramos, 1942; Raposo, 1882), na década de 1880-1890, a que se vêm juntar, nas décadas de 20 e 40 do século passado, as referências a Decroly (e.g. Lima, 1924; Pereira, 1943; Vasconcelos, 1924), mas sobretudo a Maria Montessori e às suas Casa dei Bambini (e.g., Anónimo, 1924b, 1943; Correia, 1946; Pereira, 1943; Pomarici, 1924; Soares, 1929; Vasconcelos, 1924).

São ainda de salientar, nos anos 40, as menções

ao método João de Deus (e.g. Anónimo, 1944), considerado, por alguns autores, como o método nacional para a educação de infância:

dado que sendo portuguesas as crianças naturalmente a cuidar em Portugal, julgo ser um erro adoptar por um qualquer método estrangeiro que talvez não esteja absoluta-mente de acordo com a sensibilidade nacional dos pequeninos seres a quem ele for imposto. (Figueiredo, 1945, p. 14)

Apesar de existirem diferenças entre os diversos métodos referidos, possuem, contudo, uma carate-rística comum: a perceção de que este ensino deve centrar-se na criança e adaptar-se às caraterísticas próprias desta faixa etária.

“O objectivo fundamental destas escolas é a criança”. Percepcionada como “uma pré-educa-ção. A passagem branda, carinhosa, da criança, dos joelhos da mãe, para os braços do professor” (Passo, 1921b, p. 263), a educação de infância for-mal diferencia-se da escola primária, entre outros aspetos, pela inexistência de programas, pela fl exi-bilidade de horário – “não podemos aceitar horário nem programa numa escola infantil, aliás perderia o cunho de maternal que deve ter para se tornar numa escola no verdadeiro sentido da palavra” (Guerra, 1929, p. 5) - assim como pela importância atribuída à atividade lúdica. Como afi rma Adolfo Lima (1924, p. 246) a educação de infância:

visa preparar e encaminhar as crianças para a vida futura e iniciá-las dentro da sua acti-vidade lúdica, e sem esforço, na cultura dos hábitos higiénicos, estéticos, mentais e so-ciais, sem que para tal se faça uma educação sistematizada e se façam discursos de ciência ou de moral.

Defensores das teorias de Froebel, na década de 80 do século XIX, a partir da década de 20 surgem referências a Maria Montessori, sendo ainda visível, nos anos 20 e 40 do século passado, a infl uência de outros teóricos pertencentes ao movimento da Educação Nova, como, por exemplo, Decroly, designadamente, na referência aos centros de inte-resse como ponto de partida para a realização das atividades quotidianas: “O programa, o horário, o regulamento de cada dia, na escola infantil é sem-pre o modo como as crianças aceitam, assimilam, ou modifi cam os assuntos do centro de interesses que se marcou para esse dia” (Lemos, 1924, p. 213).

Tendo na base uma visão maturacionista do de-senvolvimento – “Temos de a encarar como um ser

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que tem o seu desenvolvimento natural como qual-quer outro ser” (Gomes, 1946, p. 8) – é atribuído ao meio um papel determinante no desenvolvimento da criança. Como afi rma a professora Angélica Guerra (1929, p.X): “a criança normal se desenvol-ve, no fundo, só, e o que é preciso antes de tudo é colocá-lo num meio próprio para satisfazer os seus interesses, as suas necessidades de curiosidade e movimento”.

Para que a criança se desenvolva e realize todas as suas potencialidades é essencial que o adulto respeite a atividade espontânea da criança, consi-derada uma forma de auto-educação (e.g. Anóni-mo, 1928; Pomarici, 1924). À professora de ensino infantil cabe o papel de observadora atenta da criança, condição essencial para que possa dispor o meio de forma a que a esta aí encontre forma de satisfazer as suas necessidades, condição indis-pensável para a promoção do seu natural desen-volvimento: “Deve ser a professora bastante respei-tosa das acções infantis, observar pacientemente os seus trabalhos voluntários, auxiliar mais que encaminhar, não contrariando nunca o equilíbrio das circunstâncias que tendem para a formação da vida interna” (Pomarici, 1924, p. 64).

Outro aspeto salientado é a necessidade de adequar o espaço e dos materiais à dimensão a criança, pois só assim esta conseguirá realizar as atividades de forma autónoma:

Como a criança, quando nasce, encontra um mundo organizado por adultos e para adultos, onde tem de viver, torna-se absolutamente necessário preparar-lhe um meio apropriado, expressamente criado para ela e só para ela, em que o mobiliário e todos os objectos de uso próprios estejam em proporção ao seu tamanho, eximindo-a, desta maneira, a tare-fas superiores às suas forças e diligenciando tornar proveitoso e possíveis os seus esforços (Pereira, 1943, p. 14)

A perceção da criança como um ser que se desenvolve naturalmente através da sua atividade espontânea está ainda na origem da condenação de qualquer tipo de precocidade, concebida não só como completamente desnecessária – “encher a cabeça de noções que ela não pode assimilar completamente, nada adianta” (Brasset, 1929, p.1) -, mas inclusivamente como prejudicial para o desenvolvimento da criança: “no pequeno cérebro em formação, muitas vezes fi cam atrofi adas as faculdades embrionárias da inteligência, porque é demasiadamente acelerada a marcha que se pre-tende dar ao seu desenvolvimento” (Mendes, 1948, p. 8).

Percecionada como um “ser curioso, movi-mentado, predominantemente sensorial” (Lima, 1924, p. X), entende-se que a educação realizada em instituições de educação de infância deve ser, como afi rma Adolfo Lima (1924), uma “Educação pelos sentidos”. Partindo do princípio, defendido por Montessori, de que “nada está na inteligência que não tenha estado nos sentidos” (Gomes, 1946, p. 8), a educação sensorial permite, numa idade que se considera que a criança ainda não está apta para realizar raciocínios abstratos – “a idade do raciocínio não é a da Escola Infantil” (Gomes, 1924, p. 228) - desenvolver as capacidades perceptivas, “a atenção, a observação e a refl exão” (Pereira, 1924, p. 212).

Entre as ocupações que facilitam a educação sensorial são de destacar, pela importância que lhes é atribuída, os trabalhos manuais (e.g Gon-çalves, 1926; Mendes, 1948). Como explica Álvaro Viana de Lemos, num artigo intitulado O trabalho manual na educação infantil, “Sem essas ocupa-ções manuais variadas e bem escolhidas nunca é possível fazer uma boa educação dos sentidos” (1924, p. 213).

Estamos assim perante a defesa de modelos pedagógicos centrados na criança, onde a obser-vação do seu comportamento desempenha um papel central, uma vez que é partir desta que a intervenção educativa é concebida, profundamente infl uenciados pelas ideias oriundas do movimento da Educação Nova e, portanto, por uma conce-ção rousseniana da criança. Como afi rma Virgínia Jardim Gomes (1946, p. 8) “a escola criada para esta idade é baseada na natureza do indivíduo e nas suas necessidades psicológicas”, passíveis de serem conhecidas através da observação e do estudo atento da criança.

As instituições de educação de infância transfor-mam-se, assim, em estabelecimentos educativos, com um método próprio, mas também em labo-ratórios psicológicos, onde a criança é estudada, observada e analisada e, consequentemente, onde a infância é permanentemente construída:

A criança na escola deve ser um objecto de observação em todas as manifestações da sua actividade mental. É por meio da observa-ção contínua do mestre sobre o aluno que me-lhor e mais seguramente poderá o professor fazer da sua escola um laboratório psicológico onde, a todos os momentos, estude a criança, pois que desse aturado estudo terá tudo a ganhar e nada a perder, tanto mais que não se pode verdadeiramente ensinar sem se conhe-cer profundamente quem se ensina.

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A criança na escola infantil pode ser mais atentamente observada do que na escola pri-mária. (Oliveira, 1928, p. 1)

A necessidade de criar um ambiente cientifi -camente organizado, no qual as necessidades naturais da criança sejam satisfeitas, assim como o facto de se considerar que esta é uma fase da vida, como anteriormente referido, especialmente permeável e infl uenciável, requer que a educação das crianças mais pequenas seja entregue a pes-soas convenientemente preparadas. Como afi rma Cardoso Júnior (1992, p. 305): “se é um crime en-tregar crianças a um mau professor, mais grave é esse crime entregar-lhas na idade em que a escola infantil as recebe, pelas consequências que podem advir para a saúde mental dos pequeninos”.

Neste sentido, os autores vão indicar quer os conhecimentos que uma professora de ensino infantil deve possuir, quer as caraterísticas pesso-ais consideradas necessárias para um adequado desempenho desta função.

“Porque a missão da professora do ensino infantil é muito mais delicada, mais delicada e consciente deve ser a sua preparação”. A preocupação com a formação das jardineiras ou professoras de ensino infantil é particularmente evidente a partir da década de 20, designadamente através da especifi cação do conjunto de conhe-cimentos que estas devem adquirir. Qualidades como “o carinho, a bondade, a intuição educativa e até o estágio” não bastam, a estas profi ssionais é exigida uma preparação científi ca e pedagógica que envolve “o conhecimento completo dos prin-cípios de Pestalozzi e de Froebel e o das leis que presidem ao desenvolvimento psíquico e fi siológico das criancinhas. É preciso ler Claparède, Yoteiko, Binet, Weber, Perez, Montessori, assistir a experi-ências de laboratório” (Júnior, 1922, p. 305).

A tal não será alheio o desenvolvimento e a tentativa de implantação, em Portugal, de modelos pedagógicos adequados a este nível de ensino, que exigem, da parte de quem os aplica, conheci-mentos quer na área da pedagogia, quer da psi-cologia infantil. Como afi rma Pomarici, num artigo acerca do Método Montessori, “aquela condição de liberdade exige não só o material adequado, mas uma nova preparação da professora” (1924, p. 64).

É ainda de destacar a atribuição, a este nível educativo, de um cunho maternal (Guerra, 1929), que se traduz na criação de uma ambiência “afec-tuosa e indulgente, impregnada de um grande sentimento maternal” (Lima, 1924, p. 251). Para

tal será necessário que, para além de possuírem conhecimentos de psicologia infantil, aqueles que estão encarregues da educação das crianças mais pequenas possuam ou desenvolvam um conjunto de qualidades, tais como a paciência e o carinho. Ao considerar estas qualidades essenciais para o exercício da profi ssão de jardineira, professora de ensino infantil ou educadora de infância, múltiplas denominações utilizadas para designar aquelas que se dedicam à educação das crianças mais pe-quenas, os autores estão a contribuir para que esta seja considerada uma profi ssão exclusivamente feminina. Como afi rma Cardoso Júnior (1922, p. 305) esta é uma missão que “só à mulher, com a sua ternura, o seu instinto maternal, o seu paciente carinho pode ser confi ada”.

A ênfase na função educativa das instituições, acompanhada da equiparação da educação de infância a uma ciência, com uma metodologia própria, que só pode ser exercida por educado-res especializados (Gomes, 1946), abre as portas, na década de 40, a um novo público, as crianças oriundas das classes média e alta.

Há Tanto Que Fazer Ainda Para Que a Mulher Portuguesa Tenha Mais Tempo Para Sentir a Vida

A perceção das instituições de educação de in-fância como estabelecimentos educativos torna-as atrativas aos olhos das mulheres pertencentes às classes mais favorecidas que começam, na déca-da de 40, a reivindicar a criação de instituições de educação de infância onde possam deixar, pelo menos durante parte do dia, os seus fi lhos.

“Essas mulheres que todo o dia trabalham, mesmo sem abandono do lar, que tempo e atenção podem dispensar aos fi lhos peque-nos?”. O reconhecimento da função educativa das instituições de educação de infância pelas mães, designadamente daquelas que escrevem para a revista Os Nossos Filhos, emerge nos anos 40 do século XX.

Invocando como argumento a importância da educação de infância para o desenvolvimento da criança, as mulheres reclamam, elas próprias, a criação de instituições de educação de infância para os seus fi lhos, alegando motivos como a necessidade ou o desejo de exercer uma profi ssão – “eu desejo e necessito empregar-me” (Anónimo, 1947b, p. 10) -, ansiar ter algum tempo livre, “para cuidar de si física ou intelectualmente” (Bérrio, 1947, p. 24), ou algum alívio no trabalho doméstico, como a mãe que escreveu a carta que a seguir se

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transcreve:

Sou casada e mãe de quatro fi lhos, dois mais velhos de 4 e 5 anos. Felizmente não preciso de trabalhar para os sustentar, mas em casa tenho bastante trabalho com eles. Precisava dumas horas de descanso, e isso só me seria possível se aqui perto houvesse um jardim-es-cola que recebesse crianças em idade pré-es-colar. Mas não há nada e faz muita falta. Para mim seria um descanso e para eles esplên-dido, porque se habituavam de pequeninos a uma certa disciplina que se consegue melhor fora de casa no meio de outras crianças, e aos poucos iam aprendendo certas coisas que os educam e os interessam sem cansar. (Paz, 1946, p. 24).

Para tal também poderá ter contribuído a uni-versalização do discurso acerca da incapacidade dos pais para educarem convenientemente os seus fi lhos, intimamente relacionado com a defesa de uma educação racional e científi ca da criança, que, na década de 40, se estende a todas as classes sociais:

A mãe culta, saberá que o amor que tem aos fi lhos não substitui os conhecimentos neces-sários para educar, como não substitui a ci-ência do médico quando a criança adoece. E porque o seu amor é um amor esclarecido, de boa vontade entrega o fi lho, a quem, melhor do que ela, possa orientar o seu desenvolvi-mento. (Anónimo, 1946, p. 3)

Concebidas para acolher sobretudo as crianças das classes mais desfavorecidas, é notório sobre-tudo nos discursos acerca da institucionalização da educação de infância publicados na revistas Os Nossos Filhos, uma revista editada por uma mulher, Maria Lúcia Namorado, e dirigida às mulheres da classe média, uma tentativa no sentido de alargar o público-alvo destas instituições, a que as mães, como podemos ver pelo excerto da carta acima transcrita, parecem aderir.

Podemos então afi rmar que concebidas, ini-cialmente, como instituições de cariz assistencial, em que predominam as funções sociais, e desti-nadas a um público muito específi co, as crianças das classes mais desfavorecidas, as instituições de educação de infância rapidamente se transfor-mam em instituições educativas, com métodos pedagógicos próprios, onde se assegura não só o desenvolvimento moral e físico das crianças, mas também o seu desenvolvimento intelectual, o que as torna mais atrativas aos olhos de novos públicos, designadamente junto das classes mais

favorecidas.

Conclusão

Escritos, na sua maioria, por médicos e profes-sores, os textos analisados permitiram identifi car um conjunto de argumentos utilizados para justifi -car a necessidade de criar instituições de educa-ção de infância, entre o último quartel do século XIX e os anos 50, em Portugal, que têm em comum a perceção da criança como um ser vulnerável, que necessita, por esse motivo, de ser protegido das infl uências nefastas ao seu desenvolvimento. A educação de infância assume, assim, uma dupla fi -nalidade, que irá perdurar até aos dias de hoje: por um lado, temos a defesa da criação de instituições de educação de infância com base na sua função social, inseridas numa estratégia mais ampla de moralização e civilização das classes populares e, por outro, a invocação de argumentos psico-pedagógicos, relacionados com uma conceção da educação de infância como promotora do desen-volvimento físico, intelectual e moral das crianças, o que será alcançado através da utilização de método pedagógicos concebidos especialmente para esta faixa etária, marcadamente infl uenciados pelas teorias oriundas do movimento da Educação Nova. Gostaríamos de salientar que, embora dife-rentes entre si, estas duas conceções de educação de infância têm subjacente um objetivo comum: a melhoria da sociedade a partir da intervenção junto daqueles que são considerados os seus elementos mais maleáveis e vulneráveis, as crianças em idade pré-escolar.

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s) Capítulo I - Educação, Infância e Sociedade

27Introdução

A História da Infância constitui um importante campo de investigação que se tem desenvolvido nas últimas décadas. A intenção deste trabalho é discutir e interpretar uma parte específi ca deste campo: a infância em situação marginal e/ou em risco. Partimos do principio que a compreensão da infância só é possível quando devidamente estuda-da do ponto de vista histórico. Assim, resolvemos situar-nos no início da primeira república portugue-sa (1911 – 1916) uma vez que é a partir deste arco temporal que há uma maior defi nição e especializa-ção médico pedagógica no que respeita à criança ou jovem em situação marginal. Estamos, portanto, no território da História da educação social onde se englobam várias classifi cações de crianças: órfãs, pobres, abandonadas ou delinquentes.

De acordo com Cynthia Veiga, atualmente a edu-cação social refere-se, em linhas gerais, a ativida-des educacionais que podem não estar necessa-riamente associadas à educação escolar. Todavia, salienta que a educação social, embora possua um passado comum com a educação regular, permite “dar visibilidade a uma proposição de educação escolar diferenciada da escola regular” (Veiga, 2012: 19). A este propósito a autora refere:

“Enquanto a escola pública regular se orga-niza, principalmente a partir do século XIX, com o objetivo claro de inclusão escolar de

todas as crianças, independentemente da sua origem social, as instituições voltadas para crianças abandonadas e infratoras são exclu-sivas, comportando também a existência de uma pedagogia diferenciada e com conotação de reabilitação social e regeneração moral. Observa-se ainda que no caso de pessoas portadoras de alguma necessidade especial também foram criadas desde o século XIX, escolas e pedagogias exclusivas, por exem-plo, para cegos, surdos-mudos e defi cientes mentais”(Idem).

Quando estamos a referir-nos a crianças e jovens em risco devemos assumir que existem um conjunto de tensões permanentes na construção das categorias de “risco” e/ou de infância margina-lizada. Todavia, existem linhas comuns de análise nomeadamente a ideia da reabilitação social, da regeneração moral e a da formação e trabalho como mecanismos de inclusão social. Posto isto, colocamos as seguintes perguntas de partida:

Que representações circulavam, no início do regime republicano, sobre as crianças e jovens em risco? Quais eram os seus principais problemas sociomorais? Como se procedia à sua reabilitação e/ou regeneração? Qual o papel do saber médico e psicopedagógico neste contexto?

Estas questões orientarão todo o trabalho e

INFÂNCIA E JUVENTUDE MARGINALIZADA NA 1ª REPÚBLICA PORTUGUESA: A Tutoria (1911-1916)Helder Henriques | Instituto Politécnico de Portalegre. Escola Superior de Educação/ GRUPOEDE – CEISXX – Universidade de Coimbra.

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tentaremos responder-lhes recorrendo aos teó-ricos da História da Educação e através de uma análise sociohistórica, numa perspetiva diacrónica, utilizando para o efeito, essencialmente, legislação e o periódico A Tutoria. A imprensa surge como um importante veículo de informação que permite compreender a circulação de discursos especiali-zados sobre a temática.

Este texto dividir-se-á em três partes: a primeira onde discutiremos teoricamente um conjunto de conceitos a partir da perspetiva da história da edu-cação, permitindo uma leitura mais aprofundada sobre o assunto em análise; a segunda parte, onde relacionaremos o projeto político republicano com a educação e, especifi camente, a infância margi-nalizada; e, por fi m, evidenciaremos um conjunto de representações relacionadas com a Infância e Juventude marginal através do periódico A Tutoria.

Crianças e jovens marginais e/ou em “Risco”: perspetivas teóricas

A História da Infância desenvolveu-se com maior intensidade na segunda metade do seculo XX. Philippe Arìes (1973) é considerado a este propó-sito um autor de enorme importância uma vez que abriu caminho para outros estudos que “tomaram a criança” como objeto de análise. A infância só pode ser interpretada quando perspectivada como um constructo histórico e cultural. Por isso, torna-se relevante traçar um breve percurso sobre o processo de desenvolvimento da ideia de infância.

O período medieval caracteriza-se, segundo Ariés (1973), pela inexistência de uma consciên-cia sobre a infância sobretudo no sentido afetivo e emocional. A criança logo que possuía alguma autonomia era incluída no mundo dos adultos, criando-se apenas “laços de pertença” com a criança quando esta ultrapassava os primeiros anos de vida.

No Antigo Regime, o interesse pela Infância e pelo entendimento sobre este período inicial da vida foi crescente face ao período anterior e possi-bilitou a emergência de um sentimento sobre a in-fância. Para isto contribuiu a formação escolar que possibilitou a constituição de uma visão própria e com maior especifi cidade sobre a criança. A es-cola, ou o colégio, assumiu um papel central uma vez que possibilitou a retirada da criança do mundo dos adultos e a colocou num lugar próprio, com regras específi cas e adaptadas. O colégio tornou-se uma instituição essencial da sociedade, forma-dora das elites intelectuais, e que “cria – senão nas realidades, mais desenvoltas, da existência, pelo menos na opinião mais racional dos educadores,

pais, religiosos ou magistrados – um grupo etário mais maciço, dos oito ou nove anos aos quinze ou mais, sujeito, a uma lei diferente da dos adultos” (Áriés, 1973: 199).

Outros autores contestaram as teses de Ariés. Salientaram que de uma forma ou de outra, sem-pre existiu um sentimento em relação à infância, mesmo na idade média. Loyd de Mause construiu uma grelha de análise, caraterizada por seis fases, relacionada com diferentes períodos históricos pelos quais passou a criança. De acordo com o autor, a primeira fase corresponde ao período que se inicia na antiguidade e se prolonga até ao século IV. Esta fase corresponderia a uma atitude infan-ticida em relação aos fi lhos; a segunda fase, do século IV ao XIII, equivale ao início da construção de uma consciência relacionada com a individu-alidade da criança e entregá-las-iam a amas ou a outras famílias, deixando de matá-las; a terceira fase, entre o século XIV e XVIII, carateriza-se pela aproximação afetiva entre as crianças e os adultos, alcançando um lugar no mundo emocional da fa-mília; no século XVIII, o autor refere-se a um perío-do onde o adulto assume maior cuidado e torna-se mais compreensivo com a criança; entre o século XIX e a primeira metade do século XX, a criança socializa-se, havendo uma evolução acompanhada pelos conhecimentos médicos e psicopedagógicos procurando-se tornar a criança um elemento “afá-vel e sem traumas” (Ferreira, 2007) dentro de uma determinada ordem social.

António Gomes Ferreira salienta que quer as perspectivas de Ariès quer as de De Mause contri-buíram para a discussão sobre a infância embora partindo de pontos diferentes e com visões pró-prias. O primeiro analisa a criança, perspetivando a sua visibilidade na sociedade e o seu desenvol-vimento; De Mause olhou para a importância das concepções construídas sobre a infância a partir das relações parentais. No entanto, António Go-mes Ferreira considera que há um ponto de con-vergência entre ambas as teses: o da importância da educação como elemento de especifi cidade da noção de infância.

Neste sentido, a obra de António Gomes Ferreira “Gerar, Criar e Educar” promoveu a edifi cação, em Portugal, de um caminho inovador no que respeita à análise sobre a infância no século XVIII. Partindo do princípio que este foi um século de mudanças, o autor chama a atenção para a emergência de um conjunto de discursos médico pedagógicos que apontavam para a importância da educação e família, entre outros aspetos, como fatores centrais no processo de desenvolvimento da criança. Gra-

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dualmente os conhecimentos médico pedagógicos ganharam espaço nos regimes discursivos sobre a infância.

A partir da segunda metade do século XIX as preocupações com a higiene, a limpeza do corpo, o vestuário, o exercício físico aprofundaram-se e permitiram alcançar novas conceções de infân-cia. Ao Estado solicitou-se um papel mais ativo e responsável no que diz respeito á assistência às crianças:

“Comungando da ideia de que o futuro do país dependia da qualidade da população que o compusesse, reclamavam ser de interesse público investir numa política que asseguras-se condições sanitárias e educativas ao bom desenvolvimento das crianças, nomeadamen-te das que não possuíssem uma família capaz de assegurar-lhes uma vida digna. Começa a existir, cada vez mais, uma consciência de que é necessário criar instituições específi cas como hospitais de crianças, lactários, creches e providenciar para que as crianças não sejam violentadas pela exigência do trabalho” (Fer-reira, 2000: 86).

A infância passou a estar no centro dos interes-ses e intervenções médicas sobretudo no espaço escolar. O médico devia observar e analisar as condições dos edifícios escolares e a própria or-ganização pedagógico-didática que se encontrava orientada mais para os interesses do adulto que da criança.

Cesar Rufi no salienta que à medida que se fo-ram erguendo e exercendo a sua ação os sistemas escolares “(…) foi crescendo também a vontade de submeter a esse efeito aqueles que, de algu-ma forma, teimavam em permanecer afastados de mecanismos simples de inclusão social, como o trabalho, a família ou a escola” (Rufi no, Lima & Rodrigues, 2003: 16). Sentia-se, portanto, a neces-sidade de conduzir os indivíduos para o interior da norma social. Para o efeito, criaram-se dispositi-vos que conduziram à emergência de uma lógica cruzada entre um sistema penal e escolar de que o internato é o melhor exemplo.

Durante quase todo o século XIX a criança com comportamentos, atitudes e hábitos desviantes foi punida e reprimida seguindo essencialmente um modelo penitenciário. No fi nal dessa centúria alterou-se o paradigma e aprofundou-se a neces-sidade de compreender a criança com comporta-mentos desviantes, a inefi cácia da repressão sobre a mesma e a afi rmação da medicina, pedagogia e psicologia como meios de compreensão desses problemas e resposta aos mesmos, orientando e

moldando a sua vontade através de um conjunto de hábitos, práticas, costumes, rotinas instituí-das nos locais de regeneração moral e social dos indivíduos através da institucionalização, com o objetivo de os devolver devidamente recuperados à sociedade.

Neste contexto surgem um conjunto de espe-cialistas, terapêuticas e instituições especializadas com o objetivo de promover a auto regulação dos indivíduos e a sua inserção na ordem regular da sociedade. As relações educativas fi caram mar-cadas por esta tentativa de individualização da criança. È neste sentido que Jorge Ramos do Ó defende:

“A conceção de relação educativa de tipo moderno estabelece um nexo causal entre o conhecimento particularizado das tendências, hábitos, desejos ou emoções dos alunos e a moldagem da sua sensibilidade moral. Foi a tentativa de viabilizar esta tecnologia sociali-zadora, de caracter disciplinar, que esteve na origem da descoberta do aluno e do seu tra-tamento diferenciado a partir do último quartel do seculo XIX. Se a personalidade individual se havia tornado o elemento central da cultura intelectual desse tempo, da política à econo-mia ate â arte, era também necessário que o educador passasse a ter em conta o germe de individualidade que se escondia em cada criança. Em vez de tratar a população escolar de forma uniforme e invariável, o professor moderno deveria variar as suas metodologias “suivant les temperaments et la tournure de chaque intelligence” (Ó, 2006: 127).

A especialização do conhecimento sobre a infância possibilitou novos entendimentos sobre a mesma e a construção de concepções que até aí não existiam. A individualização do “Ser criança” constitui um enorme avanço no processo de matu-ração da própria sociedade e da pluralidade de sig-nifi cados que compõem a ideia de Infância, entre elas a Infância em risco. Crianças e7ou jovens que se encontram em situação de perigo iminente e de desigualdade face à ordem regular da sociedade.

O conceito de “risco” associada à infância evoluiu, transformou-se e ganhou importância ao longo da centúria de novecentos. É por isso que Ingreed Lohmann e Christyne Mayer apelidam o século XX de “século das crianças em risco”(2009). Ester termo implica duas dimensões: por um lado, signifi ca um estado de desigualdade e/ou medo em relação a um determinado perigo que o afe-ta ou pode vir a afetar; por outro lado, pode ser interpretado como a necessidade de normalização

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da infância conduzindo-a para locais protegidos ausente da noção de perigo (institucionalização). Evidentemente, que a noção de risco também se encontra associada à questão dos direitos das crianças. Uma criança em risco é uma criança cujos direitos se encontram colocados em causa.

A relação entre perigo, marginalidade, proteção e normalização constitui um eixo de análise que nos conduz às instituições especializadas que gradualmente foram surgindo ao longo do período contemporâneo, mas sobretudo, com caraterísticas médico-psico-pedagógicas, no século XX. Estes saberes colocaram em evidência a pluralidade de categorias relacionadas com a Infância, como por exemplo a criança regular e/ou normal e, por outro lado, a criança problema e/ou marginal/ em peri-go e/ou em risco. As correntes psicopedagógicas assumiram um papel de grande centralidade na defi nição, classifi cação e administração da “crian-ça problema”. Como salienta Ana Laura Lima:

“a introdução da expressão “criança proble-ma” nos discursos educacionais teve como efeito a inserção de virtualmente todas as crianças numa categoria de “risco”, já que uma série de acontecimentos mais ou menos comuns poderiam provocar um desajusta-mento: a morte da mãe ou do pai, o nascimen-to de um irmão, uma doença grave, um revés fi nanceiro enfrentado pela família, a separação do casal, etc…”(2004).

Em Portugal a transição do século XIX para a centúria seguinte marca a transformação de um conjunto de práticas penais para a regeneração social e moral através da educação e pedagogia diferenciadas e aplicadas ao indivíduo, depois de diagnosticado e classifi cado o seu problema, em instituições especializadas.

A República, a Educação e a Infância: A constituição da Tutoria

O pensamento pedagógico republicano é mar-cado pelos ideais positivistas. A necessidade de tornar o ensino mais útil à sociedade e menos livresco coincidiu com as metodologias de ensino do movimento da educação nova. Como refere Rogério Fernandes “um dos aspectos mais carac-teristicos do movimento pedagógico português du-rante a 1ª República Portuguesa é o seu vigoroso impulso em ordem à constituição de uma pedago-gia científi ca” (1979: 11). Esta ideia encontra-se pre-sente nos discursos republicanos que insistem na necessidade de formar um homem novo. A peda-gogia experimental assumiu centralidade discursiva

através, entre outros, dos pedagogos Álvaro Viana de Lemos, Faria de Vasconcelos, António Aurélio da Costa Ferreira ou Alves dos Santos.

Esta matriz de cientifi cidade, que acompanhou o desenvolvimento das ciências da educação, tam-bém se encontra presente na infância e juventude marginalizada pela sociedade da época. Logo depois da instauração do novo regime, em 1911, decretou-se a necessidade de criar comissões es-pecífi cas para a proteção de menores. Foi a lei de 27 de Maio de 1911 que abordou melhor o proble-ma, tomando como base a dimensão científi ca da questão. Denominada de Lei de Proteção à Infân-cia (LPI) criou instituições específi cas que ajudaram a distinguir os regimes punitivos que existiam até aí praticados aos menores marginalizados, dos regimes preventivos que se tentaram estabelecer a partir ou com base nesta lei. A este propósito Michel Foucault refere-se à importância da medici-na social e à constituição de uma estratégia bio-política que permitia o exercício de poder sobre o corpo numa tentativa de regulação e controlo, por parte do Estado, sobre a população (2006), aquilo a que o autor tende a chamar uma “estatização do biológico”.

“Essa tecnologia de poder, essa bio-política, vai por a funcionar mecanismos que possuem um certo número de funções muito diferentes daquelas que eram as dos mecanismos dis-ciplinares. Nos mecanismos instaurados pela biopolítica, vai ser questão, evidentemente, de previsões, estimativas, estatísticas, medidas globais; vai tratar-se também, não de modifi -car um determinado fenómeno em particular, não tanto um dado individuo na medida em que é um individuo, mas, essencialmente, de intervir ao nível daquilo que são as determina-ções desses fenómenos gerais, desse fenó-menos naquilo que têm de global (…) trata-se sobretudo de estabelecer mecanismos regula-dores que, nessa população global com o seu campo aleatório, vão poder fi xar um equilíbrio, manter uma média, estabelecer uma espécie de homeostasia, assegurar compensações, em suma, instalar mecanismos de segurança em torno desse aleatório inerente a uma popu-lação de seres vivos, optimizar, se quiserem, um estado de vida (…)” (Foucault, 2006: 262)

No preâmbulo da LPI surgem imediatamente vários princípios que suportam o próprio docu-mento do ponto de vista moral e social: utilidade, regeneração, educação, purifi cação. Estes princí-pios aplicados às crianças e jovens marginalizados

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s) Capítulo I - Educação, Infância e Sociedade

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deveriam constituir a “base das sociedades, a ma-téria-prima com que hão-se construir-se e cimen-tar-se os alicerces, erguer-se a arquitectura de-sempenada duma nacionalidade nova, solidamente organizada”1. Tornava-se necessário combater um conjunto de problemas, que afetavam a população infantil e mais jovem, de modo a regularizar os seus comportamentos e a inclui-los socialmente. Desta-ca-se neste contexto, entre outros, o problema da exploração do trabalho infantil e a difi culdade em controlar o número de crianças marginalizadas (mi-seráveis, expostas, abandonadas). Neste sentido, o legislador assume que o objetivo desta lei era:

“(…) atender a um velho mal com indispensá-veis medidas de saneamento sendo a primeira dessas medidas o furtar a criança desprovida aos ambientes viciados, que lhe envenenam a alma e o corpo, nos meios de infecção intima, que depravam e inutilizam uma parte consi-derável da nossa população. Só com crianças educadas num regime escolar disciplinado, com uma higine moral escrupolosa, instruídas no conhecimento das cousas e na prática das leis sentimentais que formam actividades positivas, se poderá constituir uma socieda-de que à salubridade dos costumes reúna as ansiedades fecundas do saber e do trabalho” (LPI, 1911).

A formação aliada com o trabalho e um regime disciplinar apurado poderiam ser a solução para retirar as crianças e jovens do mundo do vício e da marginalidade procurando regenera-las e propor-cionar-lhes uma vida honesta e moralmente aceitá-vel para a sociedade. A este propósito o legislador realça que:

“Da criança sai o homem, como da aurora sai o dia pleno. De crianças anormais não pode-rão, por isso mesmo, resultar senão homens monstruosamente pervertidos, criaturas noci-vas à harmonia da sociedade que não soube polir-lhes as arestas, iluminar-lhes o cérebro, adoçar-lhes o coração” (LPI, 1911).

É precisamente com este espirito que a LPI criou duas instituições relevantes de apoio à criança marginalizada: a Tutoria da Infância e a Federação Nacional dos Amigos e Defensores das Crianças.

A Tutoria da Infância é defi nida como um tribunal coletivo cujo objetivo é a promoção da equida-de, da defesa e proteção das crianças em perigo moral, desamparadas ou delinquentes. Educação e Trabalho é a fórmula que o legislador anuncia para combater este problema social. Importa, igual-

1 Decreto - Lei de 27 de Maio de 1911 – Lei de Proteção à Infância.

mente, salientar que o legislador tem o cuidado de não chamar tribunal da infância, como acontecia noutras realidades nacionais, uma vez que preten-de distanciar-se da ideia de punição, castigo ou julgamento associada aos adultos. De acordo com o legislador o objetivo desta instituição é “prevenir, curar”. Para o efeito utilizará um conjunto de sabe-res que permitirão classifi car as crianças, diagnos-ticas os seus problemas, promover a higienização física e moral.

A Tutoria da Infância e a Federação Nacional dos Amigos Defensores das Crianças assumiam a tarefa da prevenção e cura de “males sociais” entre os menores de dezasseis anos de ambos os sexos. Encontrava-se prevista a constituição de três tuto-rias centrais (Lisboa, Porto e Coimbra) e em cada comarca a criação de uma tutoria comarcã. Toda-via ainda seria necessário alguns anos para que tudo isto passasse à prática. Médicos, professores, magistrados assumem um lugar de destaque na organização das Tutorias (nomeadamente na Tuto-ria Central de Lisboa).

O diploma organiza-se em torno de categorias que dizem respeito à classifi cação de crianças e jo-vens em perigo moral. Esta classifi cação encontra-se relacionada com a experiência adquirida pelo padre António de Oliveira na relação com estes públicos. Aliás, este homem constituiu um pilar im-portante no desenvolvimento desta lei pela experi-ência acumulada neste âmbito. Assim, as crianças e jovens encontram-se classifi cadas em Menores em perigo moral; Menores em Perigo moral aban-donados; Menores em Perigo Moral Pobres; Meno-res em Perigo Moral Maltratados; Menores desam-parados: ociosos, vadios, mendigos ou libertinos; Menores delinquentes contraventores ou crimino-sos; indisciplinados; e Anormais patológicos. Em todos os casos prevê-se a existência de vigilância, proteção e regeneração dos indivíduos em situa-ção de risco, havendo uma apropriação da criança e/ou jovem por parte do Estado e colocando-o em estabelecimento criado para o efeito.

Este diploma previa também a criação de refú-gios de tutoria, anexos às Tutorias da infância. O Refugio era dotado de pessoal administrativo, de vigilância, professores e perceptores que promo-viam o desejável bom funcionamento do internato. Havia ainda um médico, uma enfermeira e profes-sores relacionados com os trabalhos corporais (manuais, físicos) que deviam ser executados pelos internos2.

2 Consultar, por exemplo, sobre o Refugio de Coimbra: TOMÉ, Maria Rosa (2010), “A cidadania Infantil na Primeira República e a Tutoria da Infância”. Revista de História da Sociedade e da Cultura, 10 Tomo II, pp. 498 – 500.

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No que respeita à Federação Nacional dos Amigos e Defensores das Crianças considerava-se que esta era a “união jurídica, moral e facultativa de várias instituições, quer ofi ciais quer particulares, de propaganda, educação e patronato, que deve-rão formar um verdadeiro sistema de higiene moral e social”3. Esta federação encontrava-se organi-zada em três circunscrições (Sul, com sede em Lisboa – compreendia as comarcas dos distritos de Lisboa, santarém, Évora, Beja, Portalegre, Faro e Ilhas; Centro, com sede em Coimbra – comar-cas pertencentes aos distritos de Coimbra, Aveiro, Leiria, Viseu, Castelo Branco e Guarda; Norte, com sede no Porto – agrupava as comarcas dos distri-tos de Braga, Viana do Castelo, Vila Real e Bragan-ça). A Federação incluía várias instituições, desta-cando-se, entre elas, as instituições de educação preventiva, reformadora ou correcional.

A articulação entre a Tutoria da Infância e as instituições que pertenciam à Federação encon-travam-se suportadas por um conjunto de espe-cialistas, entre eles os médicos, que ajudavam a diagnosticar os problemas das crianças e jovens e a procurar a solução mais adequada no interior da divisa “educação e trabalho”. Como refere Alexan-dre Barbas:

“Educação e Trabalho, os maiores e os mais irreconciliáveis inimigos do crime; educação que discipline a vontade e vigie os instintos; trabalho que preocupe o espirito, levando-o a desenvolver e a concentrar a sua actividade. É a falta de educação na infância que origina o vício, como é a ociosidade que o alimenta e ramifi ca” (1912: 8).

A institucionalização especializada de crianças e jovens em Portugal ganhou uma enorme impor-tância nesta altura. A disciplina, a vigilância e o controlo dos sujeitos constituíam um importante triângulo capaz de regenerar os elementos “perigo-sos” para a sociedade. Vejamos, agora, mais con-cretamente os discursos que circulavam na revista “A Tutoria” fruto desta ideia de prevenção e obriga-ção do Estado em assegurar condições de higiene moral às crianças e jovens de modo a conseguir alcançar o grande objetivo republicano na íntegra que era o da formação de um homem novo.

A Infância e Juventude Marginalizada através do Jornal A Tutoria

O periódico A Tutoria foi publicado em Lisboa, entre 1912 e 1916, fundado por Pedro de Castro – Juiz Presidente da Tutoria Central de Lisboa - que

3 Idem, Ibid

era o seu diretor e proprietário. Faziam parte desta publicação Alexandre Barbas, redator e professor da Tutoria Central de Lisboa; Sousa Costa, secre-tário da redação até 1913, substituído por Anselmo Borges; e, ainda, o administrador I.D. da Fonseca e o editor António Borges. Neste periódico cola-boraram um conjunto alargado de personalidades relacionadas e preocupadas com a infância e juventude: Adolfo Coelho; António Aurélio da Costa Ferreira, Alexandre Barbas, Ernesto Vasconcelos, entre outros.

O objetivo deste periódico era essencialmente dar voz à ação da Tutoria da Infância. Como evi-dência no primeiro número Sousa Costa:

“Tutoria. Instituição, é, evidentemente o exer-cício de uma determinada tutela – sobre as creanças abandonadas, hastes sem raiz que o turbilhão da vida arrasta e perde, e sobre as creanças pobres, que precisam de tutela por-que, num regímen de miséria, vivendo embora com os pães, com a família, se encontram pe-rigosamente desprovidas de todos os cuida-dos de corpo e de espirito que fundamentam a logica e a necessidade dum corpo tutelar. As mendigas, as delinquentes precisam-na mais do que aquelas, ainda que vivam também com os pães, com a família, com tutores de acaso ou de direito, porque a medicidade e o delicto exigem repressão e correcção imediatas que concorram para a relativa harmonia do todo social”

“ (…) é ao Estado, o principal interessado em tornar oxigenado e sadio o ar que respiramos, o ambiente em que hão-de desenvolver-se e fructifi car as nossas actividades, constitutivas da sua própria actividade, que incumbe prover à falta dos pães da família, dos tutores ou á sua documentada incompetência” (1912: 1)

Ao longo do periódico destacamos três eixos de análise: 1) as causas e problemas associados à infância marginalizada e a necessária reabilitação; 2º) A importância da construção de uma pedago-gia científi ca; 3) As instituições e as práticas educa-tivas.

Os principais perigos associados à infância e juventude encontravam-se relacionados com a prostituição infantil; a vagabundagem e a mendici-dade, pequenos furtos, vícios (ex. tabaco), aspetos relacionados com problemas hereditários, entre outros que eram apontados regularmente no peri-ódico.

A titulo de exemplo, no que respeita à prostitui-

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ção infantil, Augusto Cesar Barreiros realça a ne-cessidade da Tutoria da Infãncia possuir recursos adequados ao combate deste mal social. Refere a este propósito o seguinte:

“A Tutoria Central da Infância procura, na me-dida das suas forças, impedir que se alastre esse fl agelo, recolhendo as menores que vis creaturas exploram, e tem já a satisfação de ter subtraído a essa desgraçada vida algumas dezenas de creanças; mas os seus recursos são muito exíguos e será quasi nula a sua ação se não lhe forem aumentados os seus recursos de modo a permitir-lhe que reco-lha o grande número de creanças que ainda vagueiam por essa cidade, oferecendo a sua tenra carne à voracidade lubrica dos abutres implumes amadores de tão apetitosa caça” (1912: 6).

Este problema é recorrente no periódico o que evidencia a grande presença na jurisdição da Tutoria Central de Lisboa. Como referimos ante-riormente, outros problemas são recorrentemen-te discutidos e apresentados no jornal. Porém, paralelamente, surgem artigos de professores, especialistas da medicina ou magistrados, entre outros, que apontam caminhos que possam levar à reabilitação social e moral colocando o menor num caminho aceitável, à luz dos princípios da época, e socialmente adequado. Alexandre Barbas refere a necessidade de moralizar os indivíduos através da “força da persuasão” evitando os castigos corpo-rais. Na verdade, Barbas salienta que “só assim se pode constituir a individualidade e formar o carac-ter do educando”. Por outro lado, reforça esta ideia quando salienta que:

“a única maneira de chamar os delinquentes, os pequenos criminosos, à compreensão da Verdade, à compreensão das leis naturaes, é torna-los nossos amigos. Alcançar-lhes a ami-zade e mantê-la intima, cada vez mais intima. É desbravar o nosso caminho, destruir todos os obstáculos, evitar todos os atrictos, fi cando com a possibilidade de lhes manejarmos os sentimentos e orientarmos a vontade” (1912).

Para ajudar a compreender este público a pedagogia, e em particular a psicologia, assu-mem uma enorme importância, uma vez que são essenciais para moldar a vontade dos indivíduos. A este propósito António Aurélio da Costa Ferreira salienta que um dos métodos mais apropriados para o estudo científi co da criança “caracteriza-se pela forma por que responde, por que procede, quando sobre ele actuam certos excitantes, e

entre estes a linguagem. A linguagem é, de facto, um excelente agente de excitações, um meio de provocar reacções que se podem estudar scienti-fi camente” (1916: 14). Assim, Costa Ferreira refere que os educadores para desenvolverem uma ação produtiva sobre os jovens é necessário que tenham em conta vários fatores, nomeadamente a “here-ditariedade e o meio, o inato e o adquirido”(1916: 16). Estes elementos os educadores devem tentar continuamente medi-los e interpretá-los de modo a agir sobre a vontade do individuo e a prepará-los para a vida. Para o autor “o individuo é uma de-pendência do meio, é uma parcela do meio, é uma reprodução do meio, do ambiente em que viveram os seus ascendentes ou em que ele mesmo vive” (1916: 38).

No fundo, aquilo que se vislumbra é um exercí-cio de poder sobre os educandos, tentando gradu-almente conduzir a sua conduta, isto é dirigir a sua vontade até eles próprios serem capazes de se go-vernar (Foucault, 2006). Neste sentido salienta-se a importância dos pedagogos, médicos, higienistas e psicólogos. Veja-se a seguinte transcrição:

“Os higienistas e psicólogos parecem estar hoje de acordo em colocar à frente das ver-dades scientifi cas, em que se deve basear a pedagogia, a lei do exercício (…). Quer dizer que a habilidade e destreza na execução aperfeiçoam-se igualmente pela repitação frequente. A palavra”exercício” não se limita apenas ao exercício muscular e habilidades técnicas, compreende o exercício de todas as actividades mentais e nervosas. Ora nos exercitamos em vêr, perceber, pensar, formar abstrações, ou desenvolver sentimentos esté-ticos, em suportar o frio e o calor, ora em jurar, mentir, jogar, nadar, etc. o verdadeiro exercício consiste num “entrainement” constante, regu-lar, em que se evita todo o esforço exagerado do momento da acção, e toda a actividade demasiada, destinada a resultados aparentes” (Ferreira, 1916).

A educação da criança e do jovem assume particular centralidade no que respeita à regenera-ção moral e à preparação do corpo. No periódico, observa-se a importância atribuída aos trabalhos manuais que se encontravam relacionados com o mundo do trabalho e da aprendizagem de um ofício. De acordo com Augusto Cesar Barreiros, professor de trabalhos manuais na Tutoria Central de Lisboa:

“podemos pois considerar o ensino dos trabalhos manuaes como uma sciencia, ou por outro modo, um dos ramos mais difíceis

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da sciencia pedagógica. São eles por assim dizer, o grande oculo de que a pedagogia se serve para observar as aptidões da creança, podendo assim lança-la com seguridade no caminho mais vantajoso para ela e para a

sociedade”(Barreiros, 1912: 40).

Os trabalhos manuais implicam destreza, habili-dade e concentração. Ora, princípios fundamentais para ocupar a mente dos jovens, sobretudo delin-

Ilustração – Ginástica na Tutoria da Infância (Fonte: A Tutoria, nº 12, 1914, pp. 5)

Fonte: A Tutoria, nº 6, pp. 14.

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quentes, nas tarefas do quotidiano escolar prepa-rando-os simultaneamente para a sua vida futura em sociedade.

No mesmo sentido, a Educação Física assume particular signifi cado na implementação de discipli-na e construção de “atitude” junto dos educandos promovendo a higiene moral necessária à sua in-tegração na sociedade. Num interessante relato do professor de ginástica Tolentino Ganho da tutoria central de lisboa evidencia-se o carater discipli-nado dos educandos, num sentido de obediência militar, preparando-os para a sociedade e para servir com utilidade a própria pátria.

O professor realça a importância da postura e o modo como se devem apresentar os educandos. A imagem remete-nos para a ideia de disciplina, da norma e da atitude que estes jovens devem ter perante o mundo que os espera. O ensino da ginástica, inspirada na ginástica sueca, deve ser desenvolvida junto dos jovens porque, segundo Morais Mancheco, a educação física assume uma “alta missão social” nos processos de construção do individuo.

Por fi m, o periódico refere-se amplamente a um conjunto de instituições cujo objetivo era a regeneração moral através de práticas educativas, moldar a vontade dos indivíduos tornando-os seres dóceis de modo a inclui-los numa parte dos casos na sociedade. São inúmeras as referências, por exemplo, à Escola de Reforma de Caxias, à Escola Agrícola de Vila Fernando, à criação da Escola de Reforma de Viseu, à Casa Pia de Lisboa, ao Re-fugio da Tutoria Central de Lisboa, a albergues de crianças desvalidas, entre outras instituições. Nota-se que o discurso que encontramos no periódico sobre estas instituições é acompanhado de um profundo conhecimento das realidades internacio-nais. Também o quotidiano institucional dos jovens surge no periódico como ilustração das narrativas que ali se encontram presentes.

A imagem anterior evidencia uma utilização ra-cional do espaço. Efetivamente aquilo que se nota é a existência de três fi las, num amplo espaço sem obstáculos pelo meio, onde um pequeno grupo de pessoas controla o grande grupo de jovens. Esta-mos claramente a falar de uma disposição panótica que a imagem deixa evidenciar. O espaço constitui, em si mesmo, um mecanismo capaz de promover a disciplina, a vigilância ou o trabalho dos interna-dos.

Considerações fi nais

Ao longo do século XIX avolumou-se o problema das crianças e jovens marginalizados. A interven-

ção do Estado tornou-se importante no sentido de colocar alguma ordem social e apontar caminho e utilidade à vida de inúmeras crianças/jovens que passeavam, vagueavam e cometiam delitos pelas ruas. Estes comportamentos desviantes ganharam uma atenção renovada na segunda metade do século XIX. Até esta altura realçava-se a ausência de instituições capazes de lidar com este problema e a “pertinência” dos castigos corporais. A lógica, ao longo da segunda metade desta centúria, foi-se alterando com o aparecimento de novas institui-ções que albergavam crianças e jovens marginais. A Casa de Detenção e Correção de Lisboa (1871) e a Escola Agrícola de Reforma de Vila Fernando (1880/1895) constituem exemplos de uma institui-ções criadas em Portugal com o objetivo de pro-teger e regenerar menores vadios e mendigos, ex-postos, abandonados e desvalidos, desobedientes e incorrigiveis entre os 10 e os 16/18 anos de idade. Estas instituições foram alterando a sua orgânica e acolheram inúmeros indivíduos.

Com a implementação do regime republicano, fruto de alguma experiência e de protagonistas preocupados com estas realidades (como o Padre António Oliveira), legislou-se, criando-se de um modo concertado categorias da infância, institui-ções e novas regras relacionadas com um regime discursivo cientifi co que defendia a reabilitação dos menores através, entre outros, da educação e do trabalho (como é o caso da Colónia Correcional Agrícola de Vila Fernando). O conhecimento dos mesmos através de um conjunto de saberes que se encontravam em desenvolvimento ou em fase de consolidação possibilitaram um estudo aprofun-dado e a construção de novas categorias relacio-nadas com a infância e juventude marginalizada de que a Lei de Proteção à Infância de 1911 é um dos melhores exemplos.

O periódico é fértil em muitos outros aspetos. É uma fonte a ter em conta na compreensão da infância e juventude marginalizada no período republicano do século XX. Nesta época a divisa “Educação e Trabalho”, suportada pelo desenvolvi-mento da pedagogia e pela existência de um con-junto de “especialistas do psi” permitiram conhecer um universo (o da infância e juventude) que até este momento nunca tinha sido interpretado de modo tão profundo e cientifi co em observância com um projeto estatal mais global onde cada individuo é visto apenas como um elemento integrado numa estratégia de regulação e controlo social. Mas esta história é apenas o início de um caminho mais longo e complexo do que aquele que agora dese-nhamos.

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37“S(Em) ideias para a educação: ou do feminismo

delas” surgiu no nosso espírito como uma opor-tunidade de relembrar quem, neste caso aque-las que, oportunamente, se haviam pronunciado acerca da temática central da obra agora editada. Debaixo do título geral Educação e formação de professores: História(s) e Memória(s) decidimos apropriar-nos das imagens e palavras de mulheres cuja participação na História da Educação faz parte da Memória dos feminismos em Portugal. O cres-cente interesse dos estudantes do ensino superior pelos estudos sobre a mulher despertou em nós a possibilidade de realizar esta composição. Assim, apesar de a originalidade deste nosso trabalho residir quiçá somente no resgate feito de trabalhos aqui e além realizados por outrem, a pertinência da sua compilação determinou que fossem agora recuperados, transcritos e/ou citados, visando am-pliar a sua divulgação e uso(s). De facto, convém saudar o formato digital, que nos parece oportuno redimir de tanto “mal querer” nestes tempos que correm.

Os textos de referência, aqui apresentados, são importantíssimos elementos, estando por vezes, por razões muito diferentes1, inacessíveis à grande

1 A título de exemplo refi ra-se o Dicionário de Educadores Portugueses, dirigido por António Nóvoa, editado pela Asa, desde há muito esgotado. Assim como acontece com alguns volumes do Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, publicado pela Europa-América e organizado pelo Instituto da

maioria dos leitores(as) e /utilizadores(as) que deles benefi ciariam. Pretendemos deste modo estimular a sua consulta/leitura, evidenciando a necessidade e o benefício da citação naquela que consideramos a disseminação de uma boa prática.

Naturalmente que houve necessidade de pro-ceder à delimitação do corpus, razão pela qual preferimos selecionar apenas mulheres, conscien-tes de que a invisibilidade destas, sempre acarreta o ónus da desigualdade. Vindo à luz precisamente no ano 2013, em que é assinalado o «Ano Europeu dos Cidadãos» (e das cidadãs, diríamos), mais sen-tido acreditamos terá esta escolha. A cidadania, tão bem postulada por Olympe de Gouges (1748-1793)2, cuja “Declaração dos direitos da mulher e da cidadã” dedica a outra mulher, e não menos notável fi gura, como é o caso de Maria Antonieta3, em 1791, merece ser evocada, apoiando-nos para tal nas palavras de Adelaide Cabete (1867-1935):

É sempre justo recordarmos as precursoras de todos os movimentos que empolgaram a humanidade e tanto mais justo ainda, se essas

Biblioteca Nacional e do Livro. Contudo, neste último caso, e em boa hora, tenha sido colocado em linha, através do site do IPLB, http://www.iplb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores.aspx2 Como Maria Veleda, mais conhecidas pelos seus pseudónimos do que pelos seus nomes, Olympe de Gouges era o pseudónimo da feminista Marie Gouze. Veja-se a este propósito http://www3.uma.pt/blogs/christineescallier/wp-content/uploads/2010/12/prefacio-declaracao-de-olympe-de-gouges.pdf3 Marie Antoinette Josèphe Jeanne de Habsbourg-Lorraine (1755-1793).

S(EM) IDEIAS PARA A EDUCAÇÃO: OU DO FEMINISMO DELASIsabel Lousada | Universidade Nova de Lisboa

Helder Henriques | Instituto Politécnico de Portalegre. Escola Superior de Educação/GRUPOEDE – CEISXX – Universidade de Coimbra

“As questões de cidadania e diferença necessitam de estar cada vez mais presentes nas perspectivas, fi losofi as, modos de ver de docentes de qualquer nível de ensino, e noutros processos de formação, pois são elas, corporiza-das em forma de fazer, de dizer e de comunicar de variadas outras formas, que estabelecem o estado democrático de forma mais tecida e aprofundada, que enformam as políticas e práticas dos quotidianos educativos, que podem contribuir para uma autonomia mais consciente e refl exiva de estudantes e de docentes”. (Helena Araújo, “Política da diferença e cidadania na nossa for-mação”, in Olhares sobre as Mulheres: Homenagem a Zília Osório de Castro, Lisboa: CesNova, 2011, p. 97)

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precursoras sofreram os embates das cor-rentes contrárias, tão desproporcionais, em número, que só uma força hercúlea, dimana-da da sua fé de mulheres conscientes, pode trazer até nós a sua coragem e os seus sofri-mentos.

Está neste caso o feminismo que, como movimento de emancipação social, maiores adversárias tem tido. Por isso mesmo, quanto à França, é de justiça que as mulheres france-sas estejam celebrando as primeiras pioneiras que tiveram a heroicidade, assim se pode chamar, de vir para público a reclamar os seus direitos de igualdade civil e política. (Adelaide Cabete, O Globo, 1930)

Benefi ciando do formato e-book e das funcio-nalidades permitidas pelo modo de edição electró-nico, procuraremos facultar e redirecionar para os links disponíveis na World Wide Web. Pelas contin-gências que ainda assim sempre existem de espa-ço e tempo, selecionámos um conjunto de perfi s relativamente circunscrito, a fi m de cumprir critérios de que não abdicámos, como o de rigor e harmo-nização. Assim, de entre um leque vastíssimo de possibilidades, elegemos os perfi s, apresentados num passado próximo, respeitantes à comemora-ção da passagem do Centenário da República; por essa altura, numa iniciativa carregada de simbo-lismo e cujo mérito foi devidamente assinalado, os CTT procederam à emissão de selos «Mulheres da República», em 5 de Outubro de 2009, a partir da qual associámos a imagem ao texto ora inaugura-da, apresentando exertos do pensamento de Ade-laide Cabete, Ana de Castro Osório, Angelina Vidal, Carolina Beatriz Ângelo, Carolina Michaelis, Emília Sousa Costa, Maria Veleda e Virgínia Quaresma.

Procurámos ampliar o sentido da emissão fi la-télica reunindo, agora, excertos de ideias e afi r-mações das Notáveis Mulheres, no modo de uma pequena colectânea, em torno da educação e da instrução, foram por elas defendidos e que intitulá-mos «Et dixit scriptum».

Pensamos pois, desta feita, cumprir o deside-rato de servir a comunidade científi ca em que nos inscrevemos, ancorados na partilha de saberes e recursos, na simplicidade de procurar ligar o que se encontrava desligado, juntar a matéria que es-tava dispersa. Possa este ensaio ter utilidade para quantos e quantas empenhados em promover a(s) causa(s) da educação nem sempre dispõem do tempo e dos recursos desejáveis à formação e à inclusão. Se assim for, veremos justifi cado o nosso intuito.

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Et dixit scriptum

Adelaide Cabete (1867-1935)http://www.iplb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=12502

“vai sempre ensinando a todos tudo quanto souberes, que é assim que a Humanidade há-de progredir e aperfeiçoar-se.” (Adelaide Cabete, A Batalha, 1 Dezembro, 1924:6)

«a mestre-escola deve ganhar tanto como qualquer outra professora, pois é ela quem mais trabalho tem connosco e de quem conservamos por toda a vida mais doce recordação” promovendo a um nível superior

as educadoras dos níveis mais elementares de instrução, porquanto termina dizendo, “não é ela a nossa segunda mãe?» (Adelaide Cabete, Pensamento, Revista Interna-cional. Divulgação Social e Científi ca, n.º 8, Porto, Novembro, 1930, p. 175)1

A instrução é, como a educação, a base, o suporte sobre que tem de assentar todo o edifício social.

É ela o estalão por onde se afere a grandeza e o poderio de um povo.

Ela é, portanto reclamada em todas as manifestações da atividade humana, para que esta possa dar fruto que se sazone.

Ela é a quota que melhor valoriza a unidade social, que não é senão a célula que há-de formar um corpo em harmonia com as ardentes aspirações duma consciência nacional bem isenta dos prejuízos e privilégios que, contumaz e nefastamente, têm entravado a roda da civilização, amesquinhando um povo com um glorioso renome nos fastos da humanidade.

É às mães portuguesas que compete o início de tão espinhosa como gloriosa tarefa.

É com o leite materno que devem começar a cimentar-se na alma débil e tenra da infância, as primeiras e mais rudimentares noções de educação que o mesmo é dizer da cultura do coração e do espírito.

Mas, para que esse trabalho impreterível possa efi cazmente compreender-se, mis-ter se torna que à família portuguesa sejam asseguradas a paz e a liberdade de que para isso ela carece e o que só se conseguirá pela união de todas as pessoas de boa vontade que almejam o rejuvenescimento desta nação.

É realmente pela educação, aliada à instrução, que os povos se podem tornar grandes e respeitados segundo afi rmam as maiores celebridades.

Victor Hugo, o grande luminar do século fi ndo, muito bem preconizou nos “Mise-ráveis” o seguinte: “A escola primária imposta a todos, a escola secundária aberta a todos”.

Teófi lo Braga o grande mestre de todos os portugueses que se dedicam ao traba-lho de pensar, disse em algures: “É preciso instruir e disciplinar mental e moralmente essa grande força – o povo –

Júlio Simon, o grande pacifi sta mundial, disse na sua reforma do ensino secun-dário: “A educação que se necessita para pensar grandemente e agir virilmente, eu resumo em duas palavras: esclarecer a razão que deve ser a única dominadora da vontade, desenvolver, fortifi car a vontade que debaixo do impulso da razão deve tornar-se dominadora dos obstáculos”

Não há dúvida nenhuma que é preciso formar a vontade da infância, prepará-la, numa palavra, para querer acabar com o intolerante predomínio das oligarquias sem-pre nocivas à marcha regular do progresso social. (Adelaide Cabete, A Província de Angola, “Às Mães Portuguesas”, 23 Dezembro, 1933)

Educação infantil – contra a educação da criança no culto da violência

“Em toda a parte do mundo estão os pacifi stas concordes em que só pela criança

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tum se pode infi ltrar a ideia de paz com mais e melhor êxito” – assim disse a Província de

Angola, em 17 de Janeiro último.

É comovente ler na mesma local a mensagem que as crianças francesas dirigiram a todas as crianças do mundo.

Afi rmou também este mesmo jornal que na Bélgica, nação a mais pacifi sta de to-dos, se tinha assentado em fundar numa aliança entre todos os educadores mundiais para se fazer a propaganda da paz na Escola.

Muito me apraz ver germinar esta ideia por toda a parte, pois estou convencida de que, visto os adultos estarem eivados de tanta maldade, só da criança se pode espe-rar a germinação dum ideal puro como o da Paz.

Em 1923, como já tive ocasião de dizer algures, apresentei numa reunião pacifi s-ta internacional, em Paris, o princípio de que as máximas se queres a paz prepara a guerra e se queres a paz prepara a paz deviam ser substituídas pela seguinte: se queres a paz prepara a criança.

Por eu ter há muito defendido esta ideia, se explica a minha grande satisfação ao ler a local acima mencionada.

É, pois, certo que todos os países civilizados estão tratando desde momentoso assunto, educando a criança, o homem de manhã, em tão puros e belos ideais, e que em todos se fundam associações internacionais para crianças, todas elas de carácter pacifi sta como são, as Ligas de Bondade, os Escuteiros, Os Amigos dos Vizinhos, etc.

Precisam as crianças portuguesas de ser educadas nestes princípios? Sim, mais ainda do que quaisquer outras, pois trazem ao nascer as tendências ancestrais guerreiras dos seus avós, porque a hereditariedade moral, como a física, é um facto, apesar de muitas teorias quererem negá-la.

E tenta-se educar a criança portuguesa nesse sentido, desviando-a das ideias tenebrosas da guerra e encaminhando-a para a Paz? Não. Antes pelo contrário; logo que nasce alimentam-lhe o instinto guerreiro que traz nas veias, com brinquedos im-próprios das ideias pacifi stas que modernamente os pedagogos proclamam. Assim, a criança portuguesa brinca com soldados de chumbo, dispondo-os em guerras …, logo que frequentam as escolas brincam às guerras nas horas do recreio; levam-nas aos desportos violentos e aos cinemas mais impróprios para as ideias pacifi stas, pois só lhes excitam a ferocidade humana e o gosto de ser valente para subjugar o parcei-ro, molestá-lo, derrotá-lo e esmagá-lo.

Hoje em vista a cena impressionante que há dias se presenciou num espetáculo público desta cidade. Duas crianças de 10 a 12 anos apresentaram-se, ou o que é ainda pior, fi zeram-nas apresentar como fi gurantes num combate de boxe.

Esta gracinha nunca eu tinha visto em parte nenhuma. Foi preciso vir a esta terra, que Deus guarde, para saber de um tão monstruoso espetáculo! Crianças de 10 a 12 anos jogando o boxe em espetáculo público!!

Isto não se vê em parte nenhuma do mundo onde há leis estabelecidas sobre a exibição de menores em espetáculos públicos e pagos.

Esta triste cena teve a agravante de ter como assistentes pessoas doutas, educa-das, e pais, que portanto, tinham em tal, ou, pelo menos, não terem nele interferência alguma, nem mesmo como espectadores.

Mas, como entre os homens, pelas razões acima apontadas, poucos são os que bem pensam sob estes pontos de vista, é à mulher em geral, e às mães em particu-lar, criaturas por excelência dotadas das mais belas ideias educativas e pacifi stas, a quem sabe intervir nestes assuntos de educação infantil.

Por isso eu vou terminar fazendo um apelo a todas as senhoras e em especial a todas as mães para que eduquem os fi lhos, tanto intelectual como moralmente, nos princípios da paz, e que o seu desenvolvimento físico, que deve acompanhar o moral

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e o intelectual, seja aproveitado sempre em utilidade da sua própria vida e no bem do seu semelhante e não para o subjugar e abater, para que assim nós tenhamos os homens de amanhã aptos para se solidarizarem com os das outras nações civilizadas na questão da Paz Universal – solidariedade tão precisa, neste momento.

Luanda, Março 1933.

ADELAIDE CABETE

(A Província de Angola, “Educação infantil – contra a educação da criança no culto da violência”, 21 de Março, 1933, p. 2.)

Ana de Castro Osório (1872-1935)http://www.iplb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=8905

“Se pudesse emitir o meu voto em relatório, seria ele o de que se deve respeitar em absoluto a crença ou descrença, individual de cada um. Proibindo o ensino religioso, separando a igreja do estado, proibindo o culto externo a todas as religiões (porque os religiosos requerem o res-peito das multidões e esse é que eles não podem obrigar uma sociedade a garantir-lhes), eu deixaria aos que creem sinceramente a liberdade de

viverem nessa ilusão que os torna, certamente, mais felizes. […] Laicizemos a ins-trução, demos à mulher uma educação racional e, sobretudo, útil e humanitária; […] Educadas, muitas reagirão, como nós mesmo fi zemos, porque certamente poucas das mulheres aqui reunidas terão deixado de ter uma primitiva educação religiosa, embora não fanática. Ignorantes é que nada nos podem servir senão de vergonha e amesquinhamento”. (Ana de Castro Osório, Relatora do VI grupo de teses, Congres-so Nacional de Livre Pensamento, 19-22 de Abril, 1908, pp. 1-15. [Assinado em 6 de Março de 1908])

A Educação Cívica da Mulher

(Conferência)

Minhas senhoras

Meus senhores

Tenho por costume nunca falar em público nem fazer conferências que não sejam escritas, isto por um motivo que poderão chamar vaidoso e é apenas a prova de quanto conscienciosamente me dedico à propaganda das ideias que me impulsio-nam.

A ação da palavra falada sobre o espírito humano é passageira e sujeita a detur-pações lamentáveis. Por mais brilhante que seja um discurso, por mais arrebatadora que se eleve a voz eloquente que o expressa, a sua ação, embora comovedora, não é demorada.

Deverá talvez comparar-se à da onda impetuosa que arrasta e alisa a areia da praia, sem que nela deixe ver sinais das palavras que antes se lhe havia escrito. De-pois, no calor da inspiração muita coisa se avança, que não é bem o que queríamos dizer, e muitas fi cam esquecidas entre as mais úteis e que mais nos tínhamos pro-posto explanar. Para se fazer um trabalho de propaganda educativa, isto é, da máxi-ma responsabilidade, é preferível escrever ponderadamente o que desejamos dizer devendo sempre desconfi ar do nosso temperamento de meridionais…

O ser feminista já hoje não assusta ninguém porque as conquistas do feminismo são tantas e por tal forma justas e reveladoras dos altos princípios sociais que orien-tam as mulheres conscientes, que já hoje não há quem se atreva a dizer que é em absoluto seu inimigo – embora o sejam de facto – porque essa opinião lhe acarretaria

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tum o ridículo, que é bem pior do que o odioso, para a maior parte da gente.

O que se atrevesse a vir hoje a público defender a ideia de sujeição e da inferiori-dade feminina seria igualado ao que tivesse a triste coragem de se dizer partidário da escravatura… o que não quer dizer que ela se não exerça criminosamente, às escon-didas.

Mas se todos têm, mais ou menos, ouvido falar em feminismo, poucos sabem no nosso país o que verdadeiramente signifi ca esta palavra e o que ela representa no futuro das sociedades modernas. E como há entre nós o costume de falar muito e documentar pouco, nós queremos, ao contrário, criando esta biblioteca dar aos nos-sos inimigos bases para nos acusar e aos que são por nós facultar elementos para defenderem os nossos ideais.

E se escolhemos esta forma de propaganda é porque ela nos parece mais dura-doura, mais precisa e mais útil.

Um livro, e mais ainda um folheto, é como a granada saída da boca do canhão, que se estilhaça no ar e ninguém ao certo saberá dizer o que irá fazer, as pessoas que irá ferir, ou as coisas que na sua inconsciência de força impulsionada irá despe-daçar.

Assim o livro vai: espalha ideias ao acaso, cai hoje nas mãos dum que o estima, amanhã nas de outro que o odeia, desperta uma consciência adormecida, leva a luz a uma alma que vivia na escuridão, é uma voz que nunca se pode fazer calar, é um documento que está sempre pronto a consulta.

Por isso pensámos que a melhor propaganda a fazer em prol da ideia feminista era criar uma biblioteca de estudos sociais.

“Não faremos nada – dizem-nos. Quem o sabe? Quem o pode afi rmar? A criança, sem que nós saibamos como, aprende muita coisa, observa, vê e raciocina mais do que imaginamos, e quando supomos que sabe da vida como dois, sabe como dez. Pois a mulher, que tem vivido até hoje, entre nós, como uma criança, pensa, quer, e aspira, a uma vida superior. Vagamente, duma maneira que não se pode bem preci-sar, nem ela poderia explicar? É certo: mas é essa aspiração inconsciente e coletiva da alma feminina que nós desejamos canalizar e sistematizar até fazer a mulher do futuro que necessitamos.

Faremos pouco? Por isso não desanimaremos na luta. Por uma alma que se con-quista para o céu, rezam os evangelistas, uma alegria superior reina em todas as es-feras celestiais… pois também nós dizemos o mesmo: - por uma alma de mulher que a nossa propaganda consiga despertar e nobilitar, todo o sacrifício será pequeno.

Eu bem sei que a palavra escrita e lida perde em graça e eloquência sugestionada o que pode ganhar em precisão e utilidade; mas em questões que não são de arte devemos optar por a segunda qualidade. Não só é mais clara a matéria assim expos-ta, como se torna útil numa segunda leitura e é motivo de propaganda, espalhada por todos os que se interessam pelas mesmas questões que a nós nos apaixonam.

É claro que temos de partir do princípio de que haja verdadeira utilidade em fazer conhecidas as nossas palavras; mas é evidente que a pessoa que toma sobre si o encargo de expressar publicamente as suas opiniões, entende estar com a razão e pretende ser prestável ao seu semelhante.

Enganar-se-á muitas vezes, certamente, e comigo dar-se-á esse caso; mas fi ca bem com a sua consciência e livre, pela sua sinceridade, de que a alcunhem de sno-bismo.

[…]

Há nada mais difícil de compendiar em meia dúzia de páginas, de modo a tornar-se uma coisa útil, clara e profícua?!

Se me tivessem deixado a liberdade da escolha é provável que voluntariamente não tivesse procurado tal assunto, tão embaraçoso e tão longo me parece, que para

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bem o explanar seria preciso alongar-me até fazer um verdadeiro manual de educa-ção feminina.

No entanto, a minha ilustre colega insiste, que o tema é lindo e eu poderei dizer coisas… coisas muito úteis e muito bonitas.

Enquanto a úteis farei o possível por dizê-las, mas bonitas nem sequer penso em tal, que não é ocasião para enramilhetar períodos e simplesmente para amontoar pre-ceitos e indicar erros, que a todo o momento topamos, entronizados como verdades, na educação do pobre ser feminino.

Entrando defi nitivamente no assunto não me proponho fazer, um estudo histórico das qualidades cívicas da mulher portuguesa – o que aliás me seria mais fácil e talvez mais agradável e interessante para quem escuta – porque entendo que essas fi guras representativas do passado glorioso estão hoje, por assim dizer, fora da moda.

São fi gurinos magnífi cos para uma reconstituição histórica, são guarda-roupa ad-mirável para vestir fi guras… de retórica, mas na vida real, na vida banalizada e demo-crática dos nossos dias, já nada signifi cam como lição a seguir.

É de fora de dúvida que a fi gura histórica duma Filipa de Vilhena se pode, sem des-douro, comparar à máscula individualidade de D. João de Castro; que uma Leonor da Fonseca Pimentel se pode irmanar a um Gomes Freire, que as damas de Diu e toda a teoria grandiosa de heroínas da nossa história – as grandes damas de armorial e opulentos senhorios, como as burguesas e as humildes mulheres do povo, que de to-das se destacaram na história e na tradição, nomes que são apenas um refl exo mais brilhante, numa grande multidão que sentiu coletivamente, as mesmas aspirações e as mesmas dores – podem bem ser apresentadas como dignas companheiras dos heróis masculinos. O que prova somente que eram da mesma raça e que viviam a mesma vida, homens e mulheres que formaram o fundo glorioso duma história, que é das mais brilhantes da humanidade. Nem se poderia compreender que a sociedade portuguesa se tivesse elevado tão alto, se a mulher não estivesse ao lado do homem para o secundar com o seu espírito, o auxiliar com a sua coragem e substituir com o seu critério, quando faltasse.

Não se sobressaltem os meus ilustres ouvintes masculinos se lhes falo na coragem da mulher… pois essa coragem não é a mesma que os faz empunhar uma arma para ir para o campo da luta, mas é aquela que os não leva a recuar e os não faz acovar-dar no momento difícil do perigo. A coragem da mulher é muito mais difícil, porque não tem a compensá-la a excitação do perigo e da glória. A mulher fi ca em casa, é a guarda do seu lar, é a mãe que tem de defender os fi lhos, que tem de se mostrar serena quando está ansiosa, que tem de mostrar riso quando só desejaria chorar, que tem de vencer os seus próprios nervos, mortifi car o seu coração, contrariar o seu desejo de ir também para a rua, ver, sentir o que os outros sentem, embriagar-se como os outros se embriagam com o desejo ardente de fazer triunfar a sua ideia…

Ninguém supõe, por certo, que a mulher fi que indiferente perante os assuntos que mais funda impressão deixam na alma do homem, sacudindo toda uma sociedade na mesma convulsão simpática de nervos; mas à mulher é quase sempre reservado o lugar em que mais se sofre e menos compreensão se tem.

A mulher, mal preparada como foi sempre, e hoje pior do que nunca o é, tem de desdobrar da sua própria alma, embotada pela falta de educação cívica, uma tal coragem, energia e força de vontade, que é milagre que muito nos admiraria, se não fosse tão vulgar, as qualidades que desenvolve na ocasião do perigo.

Ainda não há muito que um grande número de mulheres portuguesas passou horas e dias de angustiosa ansiedade e não houve uma, que nos conste, que viesse reclamar para a sua dor ou para a sua indignação a piedade compungida do mun-do inteiro. Não houve nenhuma que pegasse resolutamente em armas, nem sequer fl oridas, contra os perseguidores dos seus maridos, dos seus fi lhos, dos seus irmãos e dos seus pais; mas houve muitas que passaram horas angustiadas de dúvida, que

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tum foram espiadas, que foram vexadas nas suas próprias casas com o insulto de buscas

domiciliárias., muitas que souberam guardar um segredo, muitíssimas que estiveram de alma e coração ao lado dos seus, fortes, corajosas e serenas.

Não foram heroínas de tragédia para se espalharem pelos magazines ilustrados, mas foram mulheres que compreenderam o seu dever e estiveram no seu lugar.

Num país em que os homens forem heróis, escusam de supor o contrário, as mu-lheres são suas dignas companheiras. E ai deles se o não forem, que poucos hero-ísmos másculos resistirão às lágrimas e às doces palavras das suas companheiras, das suas fi lhas ou das suas mães…

Mas… disse eu atrás, que a mulher tem a alma embotada pela falta de educação cívica: Assim é, com efeito. Em todos os países latinos será o mesmo, mas como é o nosso o que melhor conhecemos, ponhamos de parte comparações, e entremos defi nitivamente na questão importante que me propus explanar, começando por esboçar o que se faz para dizer depois o que, em minha opinião, se devia fazer, na educação feminina.

Indo resolutamente ao princípio começaremos por observar a criança desde a sua entrada na vida e as suas primeiras relações com o mundo exterior.

Analisemos, sem mais comentários a existência da mulher na família: - Logo que a parteira anuncia aos pais que uma rapariga abriu os olhos ao mundo, eles, por via de regra, fi cam pesarosos.

Há exceções – eu fui uma delas, com orgulho o digo, porque não se ter desde o nascimento, a sensação de ser demais, é uma coisa que enobrece – mas as exce-ções são raras.

- Uma fi lha é um tropeço, é um pesadelo, é um futuro incerto e cheio de receios. É claro que se lhe há-de arranjar um noivo – pensam os pais resignadamente, mas os noivos aproveitáveis começam a rarear por tal forma!... Uma rapariga, que pouca sorte!... Enfi m, o que se lhe há-de fazer?

E logo a parteira ofi ciosamente dá os parabéns e consola tocando a chaga ao vivo: - Deixem lá! Uma menina é muito bom, é a companheira da sua mamã, cria-se à roda das saias, não dá despesa, não dá cuidados…

E a opinião da parteira é a opinião de toda a gente.

A menina cria-se à roda das saias da mamã, com a menor despesa possível, porque é um valor inútil, procurando simplesmente a arrumação, que convém ao seu papel de encostada e de eterna menor – o casamento.

Daí para diante, desde que a menina entrou na vida pela mão protetora da parteira fi lósofa, pode a vontade ser uma criatura intolerável cheia de pieguices, perdida de mimos, ridícula e fútil… tem sempre uma desculpa: - é uma menina.

Um rapaz cai, esmurra o nariz, dói-lhe a valer, teria bastante desejo de chorar, mas quê? – A criada, a mamã e papá, a família e os amigos, olham-no encorajando-o e dizem-lhe com sorrisos que são um triunfo para a sua resistência física: - O menino não chora, é um homem!

A rapariga pode esganiçar-se à vontade por uma coisa insignifi cante, porque – coi-tadinha! É menina.

O rapaz vai para a rua, vai para a escola e todos lhe dizem e lho ensinam com o próprio exemplo, desde o pai aos irmãos mais velhos e até aos amigos e companhei-ros: - se te ofenderem, desforça-te pelas tuas próprias mãos e responde com a tua voz e palavras, não acuses, não chores apavorado e ridículo.

À rapariga o que é que se lhe faz compreender? – Se te disserem qualquer coisa desagradável queixa-te e choraminga, tens o direito de seres uma criatura sem brio e sem iniciativa própria…

Aliás cairá sobre ela o ridículo dos epítetos grotescamente heroicos.

O rapaz tem o pavor natural das casas escuras?...

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Acorre toda a família a obrigá-lo pelo brio a vencer a repulsa involuntária dos seus nervos. Ridiculariza-se se for covarde premeia-se se mostrar a segurança que a maior parte das vezes não tem, não só em pequeno como em grande.

O medo é uma questão independente da vontade, que se consegue vencer e encobrir, mas raramente deixa de existir. Só os inconscientes não têm a sensação do perigo, o medo; mas aos homens ensina-se-lhe a disciplinar a vontade para o vencer, à mulher, pelo contrário, dizem-lhe que é uma graça a mais no conjunto das que tão criminosamente lhe vão segredando para a tornarem o brinquedo do homem.

Depois, imaginando-se assim mais interessante, aos olhos do marido futuro, a menina desenvolve os seus gestosinhos miúdos de gata sensual, experimenta os gritinhos de sagui assustado, fi nge-se até mais medrosa do que realmente o é. Pois não lhe dizem os sentimentais de olhos em alvo, e os que não são sentimentais, mas são tolos, que o seu maior encanto é ser um ente fraco e protegido?... e em troca não proclamam elas, com desplante, que preferem o homem brigão, vicioso, brutal e ignorante ao homem intelectual, seu companheiro, seu igual pela delicadeza, pela bondade e pela honestidade? Se há mulheres que chegam a esta aberração, qual é o motivo? A falta de cultura intelectual e moral; apenas isso.

Mas, vão crescendo, rapazes e raparigas, e em vez de se irmanarem e igualarem como seres da mesma espécie, cada vez se afastam mais até chegarem a tornar-se dois inimigos, que se aliam pela força brutal da necessidade fi siológica, mas que se odeiam e deprimem – eles francamente, elas no silêncio hipócrita da sua alma escra-vizada.

O rapaz é livre; poder correr, saltar, rir à vontade, ir para toda a parte sem guardas; à rapariga começam por a embaraçar com trapos garridos e acabam por a manietar com o eterno parece mal, que torna realmente odiosas as pobres vítimas dos precon-ceitos sociais.

Depois, como se isso não bastasse metem-lhe nos braços uma boneca, a servidão da boneca, que é um verdadeiro tropeço moral, embora imaginem que não, que só serve para tornar a rapariga piegas e fútil, despertando-lhe uma maternidade prema-tura sem vantagem alguma para o seu desenvolvimento físico nem moral.

Além doutros contras esse brinquedo tem, para as pequenas, o enorme defeito de as predispor para a garridice. O que há-de fazer uma rapariga à sua boneca, que não fala nem se ri, nem se mexe, que é um verdadeiro mono? Vesti-la, enfeitá-la, torná-la… o que mais tarde serão as próprias fi lhas – umas bonecas!...

Dizendo isto, sei que vou brigar com as ideias mais arreigadas nos espíritos e que mais fundas raízes tem na tradição humana.

- Sempre a rapariga teve bonecas e dela fez o mais querido dos seus brinquedos – dir-nos-ão.

Nas pirâmides do Egipto, essas sepulturas colossais, nos túmulos gauleses ou nas escavações do México e do Peru, em toda a parte a boneca aparece como a compa-nheira indispensável da rapariga. Eu sei isso!

[…]

- Com a boneca, dirão ainda os tradicionalistas, é que se aprende a ser mãe.

Mas não aprende tal! Com a boneca não se aprende a ser mãe; quando muito tem a vantagem única de habituar a rapariga a coser… O que se aprende sem dúvida é a imitar as mamãs e a desejar possuir um brinquedo vivo à semelhança do que se pos-sui artifi cial. Ora como a mulher tem sido apenas criada para o homem e não para si mesma, a faculdade imitativa, que é inata, tem-se-lhe neste ponto auxiliado e desen-volvido artifi cialmente. Uma boneca não faz uma boa mãe, faz uma criança avergada, desde pequenina, ao trambolho duma responsabilidade, que nem sequer é útil.

Continuando o nosso caminho através da educação da mulher, passamos do brinquedo ao estudo: ai vemos com pavor que: - enquanto o rapaz é guiado com o fi m útil de se tornar independente pelo trabalho, à rapariga é apenas ensinado o que

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tum não lhe dá senão uma inferiorização perante o seu companheiro, o que a tornará uma

criatura inútil e só rica de pretensões e habilidades grotescas.

Há famílias em que as raparigas são educadas como inferiores aos rapazes. Elas são as criadas deles, cosem-lhe a roupa, arrumam-lhe os quartos, engraxam-lhe as botas, acorrem a servi-los, respeitam-nos como pequenos tiranos, futuros senhores absolutos das futuras casas.

Noutras famílias dá-se o contrário, a rapariga não é sacrifi cada ao rapaz, mas são estes que se sacrifi cam à menina, entronizada numa pequenina peanha da baboseira paternal. Então rapaz corre as lojas à procura de enfeites para a menina, dorme no pior quarto da casa para a menina ter o seu toilette, dá o que ganha para a menina ter a professora de piano, o professor de pintura, o mestre de dança e a de bordados… Acompanha-a aos passeios da moda, é, em suma o cavalheiro servente da princesi-nha.

Pois se é condenável a primeira educação a segunda não o é menos. Onde há desigualdade há injustiça e onde há injustiça deve haver revolta.

Como estamos vendo, o processo educativo usado com as raparigas é uma sim-ples deformação progressiva dos caracteres e das individualidades. Se os homens procurassem cuidadosamente criar uma raça de cretinos e de covardes, não lhe da-riam uma outra educação do que a que é dada à mulher em geral e à portuguesa em especial. Abençoada raça é a nossa que ainda sabe resistir tão orgulhosamente ao meio corruptor e tem a energia bastante para arcar de frente com um tal amontoado de preconceitos e de erros!

Criemos a mulher como se cria o rapaz, eduquemo-la como ele se educa, com uma vida física que lhe dê saúde, alegria e força, com uma instrução que a ponha ao abrigo das contingências da vida; senhora dos seus nervos, corajosa sem fatuidade, enérgica sem autoritarismo, liberta de pavores, intransigente com o mal, sabendo defender-se de si e dos outros, capaz de se dirigir tranquilamente na vida, superior pela consciência e pela inteligência cultivada.

E depois, deixemo-la livre, que ela será bem melhor mãe do que a outra das bone-cas; bem mais útil à sociedade e aos seus, tem mais afetuosa, sem ridículas blandi-cias.

Conheço uma senhora, que é hoje mãe não só dos seus próprios fi lhos como de muitos que a estimam e a procuram, porque no seu convívio encontram o afago carinhoso que lhes chama os pequenos corações; pois esta senhora foi em criança o desespero de quantos se habituam a dividir sexos pela educação, e não acatar individua idades.

Se tivesse nascido rapaz não poderia ser nem mais alegre, nem mais sadia, nem mais amiga de correr e pular, nem jogaria melhor o pião a bola e a bilharda, nem teria mais horror às plumas e aos vestidos tafuis.

Quanta vez ouvi dizer dessa rapariga: - É um demónio: desgraçado marido que a aturar, pobres dos fi lhos que lhe caírem nas mãos.

E quantas vezes a ouvi rir desrespeitosa das conspícuas opiniões, alegando que vivia para si mesma, trabalhava para se instruir e tornar independente e não sacrifi ca-ria as suas ideias e os seus gostos por um marido problemático.

Pois apesar de tudo essa mulher casou e é mulher esposa e melhor mãe do que a maioria das meninas que a educação mãe do que a maioria das meninas que a edu-cação cuidadosamente prepara para serem uns verdadeiros tropeços dos homens.

É necessário que os pais se convençam de que se tornam em verdadeiros crimi-nosos atirando para a vida com pobres seres que serão fatalmente sacrifi cados e infelizes.

Porque, quando a mulher não é infeliz numa dependência revoltante, numa infe-rioridade que ela própria compreende, é porque na sua alma não existe vislumbre de pundonor e então… mais infeliz ainda a devemos considerar.

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Quando um pai educa uma fi lha, ou por outra, não a educa mas a deixa crescer inutilmente com o único fi m de a entregar a um homem que desconhece, do qual não sabe as qualidades morais, nem sequer as taras fi siológicas, sem lhe dar nenhumas armas de defesa, moral nem materialmente falando, pondo-as na absoluta depen-dência desse marido que é senhor perante a lei, perante os costumes e preconceitos; devemos confessar que esse pai é o pior inimigo da sua própria fi lha.

Sem pensar sequer que esse marido ambicionado, que esse protetor a quem desejam endossar a estopada de vestir, calçar e alimentar as fi lhas, pode ainda faltar e então essas pobres raparigas tão mal preparadas para a luta pela vida, tornam-se a legião de desventurosas que todos conhecemos, sem lar próprio, sem interesse pela vida, mal-humoradas, irritáveis, sentindo-se pesadas aos cunhados, aos irmãos, aos parentes e aos amigos.

Isto sem descermos à miséria e ao vício a que nesta ocasião nem sequer que-remos aludir, porque estamos tratando dos factos sob o ponto de vista da classe burguesa onde – felizmente – raro a mulher desce tão baixo porque o meio a ampara um pouco.

Foi destas criaturas infelizes que se encheram sempre os conventos… e ainda hoje não temos com que os substituir.

Não há nada mais desolador do que confessarmos a nós próprias a nossa inutili-dade, nada mais triste do que reconhecermos que somos demais em qualquer parte!

A mulher precisa ser educada para ser um indivíduo com direitos cívicos, e deveres igualmente.

Desde criança que daremos ao espírito feminino uma resistência enérgica que a ponham acima da grande maioria, dando-lhe com o orgulho bem-intencionado a consciência do que deve a si mesma.

Demos depois à mulher a noção bem nítida de que é, como o homem, solidária com a sociedade de que faz parte.

Interessemo-la pelas questões sociais que tanto afetam a sua existência como mãe de família, ensinemos-lhe os exemplos salutares do passado, mostremos-lhe o futuro, digamos-lhe qual o caminho mais digno para a felicidade de todos, e verão como se educa o espírito cívico na mulher, que não está morto mas talvez só embo-tado entre nós. Interessar a mulher na vida social e fazê-la entrar dignamente nela, é a verdadeira educação cívica que se lhe deve dar.

É absolutamente necessário, embora esta opinião encontre sérios opositores entre os tradicionalistas, educar a rapariga portuguesa um pouco virilmente, dar-lhe ar para os pulmões atrofi ados, alargar-lhe o espartilho, furtá-la à convivência, sobre todas deletéria, das meninas namoradeiras, fazê-las estudar seriamente com o fi m de criarem uma situação própria, independente, que lhes dê a superioridade dos seres autónomos.

Não desenvolvamos prematura e criminosamente a sensibilidade sentimental da mulher, demais a tem ela neste nosso país de sentimentais e de amorosos; deixemos que os velhos piegas nos cubram de doestos e façamos da mulher a criatura superior pela razão, que indique aos seus, pelo exemplo e pela palavra, o caminho direito da honra e do dever. Aquela que pela sua dignidade própria ensine os homens a respei-tar em toda a mulher sua própria mãe, a sua companheira, a sua irmã e fi lha.

O homem que procura aviltar a mulher parece não pensar que avilta e inferioriza os mais belos afetos da sua alma; parece que não se lembra que veio do seio duma mulher e é para a mulher, sua companheira, que caminha, pedindo-lhe o futuro, pedindo-lhe os fi lhos que o hão-de continuar.

Ouço muitas vezes condenar o feminismo por pessoas que sabem muito bem que o não devem fazer e que contrariam as nossas opiniões, mais para terem espírito do que por convicção.

Essas pessoas, sabem perfeitamente que a mulher tem todo o direito de se vestir

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tum como entende, pode e quer; tem todo o direito de pensar no que eles pensam, de

querer o que eles querem, de dizer alto as suas opiniões como eles as dizem. Tem todo o direito de querer que a considerem uma pessoa individual, e não lhe atirarem coletivamente com epítetos ou com preceitos que a mostrem não a mulher, mas as mulheres, a legião, as bonequinhas da arte japonesa onde, segundo nos diz Wences-lau de Morais, se pintam mulheres, não a mulher individual que queremos que seja, apesar do que isso arrepie os tradicionalistas, que nos odeiam porque lhe queremos escangalhar o cediço tropo de que a mulher é a pomba arrulhadora, o anjo a fl or do sentimento… e outras tolices semelhantes.

A mulher não tem obrigação de ser mais sentimental do que o homem e, tanto um como o outro o são demais na nossa raça. A mulher precisa de ser justa e de saber o que pensa antes de manifestar a sua opinião mas, depois de a formar, sob sua inteira responsabilidade, deve seguir intemerata o seu caminho sem o pavor do que pode-rão dizer.

É tal a servidão em que se tem colocado o espírito feminino, que não poucas vezes ouvimos aconselhá-las a que façam como toda a gente para não darem nas vistas. E assim, elas lá vão, às vezes contrariadas, mas sem coragem para reagir, seguindo em tudo, desde a cultura do espírito às ideias religiosas, desde os sentimentos até à moda dos vestidos e das botas, a opinião da maioria…

Ora, sabendo nós todos muito bem que, em geral, as maiorias não representam a opinião mais consciente, nem a melhor, antes pelo contrário são quase sempre cons-tituídas pelos inferiores, mandar a mulher segui-las apavoradamente, é inferiorizá-la.

Eu prefi ro aconselhar às que me ouvem e às que me lerem depois, que não te-mam dar nas vistas, tornarem-se notadas e até caluniadas, se o seu procedimento for ditado por uma altiva consciência e por uma opinião pessoal e bem maduramente pensada.

No que desejaria que a mulher recuasse, antes de dar nas vistas, é quando proce-de de maneira que os seus atos, não só a inferiorizam pessoalmente como se refl e-tem em todo o seu sexo.

[…]

Pense cada mulher que é um ser individual com deveres e com direitos individuais, que ninguém lhe pode roubar, mas que é também um membro da grande coletivida-de feminina e para com ela tem grandes deveres a cumprir nesta hora que é ainda de luta.

Quando a mulher pensar que é solidária com todas as suas colegas e que a pró-pria inferioridade ou vergonha recai em todo o seu sexo, talvez tenha um pouco mais de orgulho e um pouco mais de cuidado em se conservar superior… ao que hoje, infelizmente, muitas vezes se mostra.

E assim, dando-lhe com novos direitos e novos deveres uma nova e mais formosa alma., ter-lhe-emos dado a educação cívica superior e teremos conquistado para ela todas as garantias que hoje lhe são tão mesquinhamente cerceadas.

Quando a mulher culta e consciente não se apontar como raridade, fácil nos será obter direitos que tão longínquos nos parecem ainda e tão absurdos são considera-dos pelos homens que não conhecem da questão feminista senão o que ela pode ter de aparentemente ridículo.

[…]

Nessa hora, que esperamos ansiosamente, fi cará morto aquele artigo miserável do código que proíbe a mulher, de testemunhar em causas civis ou estar em juízo com procuração de outro.

Quando a mulher proprietária, negociante, industrial, operária, artista, médica, ad-vogada, caixeira, professora, empregada, etc, etc., for o maior número, não há dúvida que obterão o voto em igualdade de circunstâncias com o homem, aliás deixarão de contribuir para o estado que as não considera, nem lhes dá as garantias que dá aos

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cidadãos masculinos.

Convença-se a mulher de que não é uma intrusa no seu país; que vai longe, mui-to longe mesmo, o tempo em que a sua pátria era a do marido, a sua família a do marido e com o casamento, que mais se chamaria justamente, a violação e o rapto, deixava de pertencer ao seu clã para se tornar a propriedade do clã do esposo.

Há nas leis ainda vestígios desses tempos bárbaros, mas esses há-de varrê-los a mulher quando se tornar civicamente a criatura autónoma, o ser consciente e digno que preparamos para o futuro mais feliz dos nossos fi lhos.

Diz-se já que o século vinte será o século da mulher; a nós compete, portanto, fazer do nosso século o mais belo, o mais justo, o mais culto, o mais feliz de todos quantos a história nos descreve.

Será essa a nossa desforra. (A Educação Cívica da Mulher, Conferência feita no Centro Dr. Afonso Costa por Ana de Castro Osório, 1908)

Angelina Vidal (1853-1917)http://www.iplb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=10047

“Seja o jornal um mestre a doutrinar a crença/ Na Honra ou na Jus-tiça, e o livro a Academia/De estética social. Seja a razão sentença/ E caia de alto a baixo o véu de um novo dia…/ Irmãos, saudai a impren-sa!” (Angelina Vidal, República Social, 12 de Outubro, 1929)

“Entre os diversos fatores que impulsionam o progredimento hu-mano avulta, pela sua nobreza sublime, a missão sacrossanta da imprensa. Ela é a propagadora da ciência, […]. Colocada no seu altar de luz, esparze nos cérebros os turbilhões de pensamentos, que traduzem ordem, moralidade e justiça, é a educado-ra perene das populações, o móbil de quanto há de grandioso no espírito moderno”. (Angelina Vidal, “A missão da imprensa”, A Voz do Operário, 25 de Junho, 1882)

Carolina Beatriz Ângelo (1878-1911)

“Em Lisboa há um grande número de senhoras educadas e com a ilustração bastante para compreenderem que pretendemos apenas reivindicar direitos que justamente pertencem a nós todas.” (“A Questão do Dia - As feministas portuguesas são feministas... femininas - assim no-la afi rma uma das mais ilustres, a Sr.ª D. Carolina Beatriz Ângelo”, A Capital, 22 de Fevereiro, 1911, p. 1)

“Se eu tivesse dinheiro que belas coisas faria! - A primeira seria a construção e manutenção dum sanatório para raparigas. Não imagina como me tenho sentido infeliz por não poder fazer nada em favor de duas pobres raparigas tuberculosas que tiveram a triste ideia de me consultar. Creio que isso contribui muito para a minha doença”. (BNP, Espólio da Família Castro Osório, N12 – doc. 419)

Carolina Michaelis (1851-1925)http://www.iplb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=7218

“O combate das massas femininas, em vista de melhores condições sociais está inteiramente por organizar no mundo peninsular. […] É perfei-tamente nula a sua infl uência no campo político, onde a aparição osten-

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tum siva de uma personalidade feminina seria tomada à conta de monstruosidade. As

mulheres submetem-se, sem protesto sensível, à tradição secular de inferioridade na cultura, na preparação para as lutas da vida, e até no tratamento de assalariadas, em confronto com os seus companheiros masculinos. […] O século que decorreu assis-tiu, mesmo na Península, a uma evolução lenta, mas constante, do problema femini-no; é incontestável que o papel da mulher na sua civilização moderna e a sua esfera de infl uência estão singularmente alargados.

O impulso inicial e animador que talvez se deva ir buscar, aqui como em quase todos os países europeus, ao escrito de Stuart Mill sobre a «Libertação do sexo fe-minino» publicado em 1869. Desde então, através de vária fortuna, prossegue inin-terruptamente a luta. Surgiram algumas mulheres avançadas e criadoras, pondo ao serviço da nova ideia todos os recursos do seu entusiasmo e inteligência. […] De 100 mulheres, só sabem ler e escrever 21 em Espanha e 33 em Portugal.

O caminho está pois nitidamente traçado: fundar escolas, libertar as futuras ge-rações femininas da ignorância e da superstição, de preconceitos mesquinhos e de prevenções dogmaticamente incutidas, pregar-lhes o evangelho do trabalho. Urge, acima de tudo, desenvolver as tendências nativas nas futuras esposas e mães, por meio da educação intelectual, moral e físicas apropriadas, e pela instrução domésti-ca, científi ca ou artística. Em segundo lugar importa utilizar as atividades que espon-taneamente forem surgindo, facultando-lhes a indispensável independência material no exercício das profi ssões de mais pronto acesso – tais como professoras, médicas, parteiras, aias, enfermeiras.

“A questão feminista, na península é atualmente uma simples questão de instru-ção; a sua característica é o progresso na educação das gerações futuras”. (Carolina Michaelis de Vasconcelos, “O movimento feminista em Portugal” in O Primeiro de Janeiro, 11 de Setembro, 1902, p. 1, col. 4-5-6 e 7.)

“os benefícios da instrução apenas lhe aproveitam no ponto em que a magnanimi-dade do homem lho consente e este afasta quanto possa contribuir para o despertar do seu letargo. […]

O saber é havido por coisa inútil perigosa. A velha geração que jamais abria um livro, porque os pais, com receio de romances e cartas de namoro mantinham as fi lhas analfabetas, está quase inteiramente extinta. Ficou no entanto de pé a aversão pelos graus mais elevados de instrução feminina, ordinariamente designados por doutorice e politiquice. Ainda hoje se cita ocasionalmente o velho prolóquio de tem-pos idos: Mula que faz him e mulher que fala latim nunca têm bom fi m. Não tanto pelo latim, esclarece um comentador, mas pelas sabentes, a pretensiosa e vazia condição que nasce do estudo. [...]

Quando em 1888 alguns pedagogos esclarecidos trouxeram às câmaras o plano de instituição de liceus femininos, logo se ergueu contra ele grande celeuma, não só em jornais de caricatura, mas também nas colunas de jornais importantes e em discursos de deputados; e com tal êxito agitaram o espantalho da mulher sabicho-na, ridículo e antipático, que o projeto caiu antes de defi nitivamente convertido em lei”. (Carolina Michaelis de Vasconcelos, “O movimento feminista em Portugal II” in O Primeiro de Janeiro, 12 de Setembro, 1902, p. 1, col. 2-3-4 e 5)

“Embora a liberdade de educação moderna e o papel crescente que nela tomam a arte e a ciência não pareçam aos olhos dos pais e responsáveis, incompatíveis com os benefícios das velhas normas educativas, vai muito daí o conformarem-se incondi-cionalmente com o critério estrangeiro. Algumas novidades se têm no entanto intro-duzido, quer em assuntos caseiros, quer na educação infantil, no ensino e no trabalho profi ssional. […]

O Estado ainda não criou escolas especiais de educação feminina. Além das Escolas de educação primária e das Escolas normais apenas há cursos de parteiras, anexos às escolas de medicina.

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Nos institutos de ensino médio e superior é facilitada a frequência indiferentemente aos dois sexos, embora prevaleça a opinião de que essa promiscuidade é inconve-niente”. (Carolina Michaelis de Vasconcelos, “O movimento feminista em Portugal III” in O Primeiro de Janeiro, 13 de Setembro, 1902, p. 1, col. 3-4-5 e 6.)

Emília de Sousa Costa (1877-1959)http://www.iplb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=9002

“Exigir deveres e preparar, em vez de ambiente propício, outro adverso à prática deles – será porventura, muito cómodo, mas ilógico. Está fora de todo o senso e de elementar justiça.

Para as mulheres serem escutadas, é indispensável criar e desenvolver, previamente, um clima geral de respeito e enaltecimento pela feminilidade.

Considerar a mulher um ser de ideias curtas – à Schopenhauer – e outorgar-lhe a dignidade suprema de educadora, não faz sentido. Diminuí-la, amarfanhando-lhe a personalidade; hostilizá-la em sua intelectualidade, convencendo-a de que só nas-ceu para satisfazer os apetites masculinos, ou adular a vaidade do dono; escravizá-la ao egoísmo do seu companheiro e simultaneamente, atribuir-lhe a tarefa magna de modelar caracteres, de esculpir virtudes, é duma incongruência clamorosa”. (Emília Sousa Costa, A Mulher Educadora, p. 11)

“Acusam a Mulher, com ou sem motivo, de frívola, caprichosa e ignorante. Mas escarnecem impiedosamente de qualquer delas, quando tenta librar-se um pouco acima dos limites estreitos, combinados por costumes obsoletos e iníquos, à sua ascensão mental, no temor erróneo, no egotismo inferioríssimo de que, entregue aos prazeres do espírito, se proponha competir com o varão e se furte a tarefas materiais, privando-o de confortos.

Seria mais natural que os assustadiços procurassem nos lares, onde as mulheres instruídas, ou as profi ssionais pontifi cam, os exemplos para se documentarem. E só falarem depois de cotejarem a vida desses lares, com outros regidos por donas ignorantes, fechadas em conceitos inferiores, ou entregues a prazeres efémeros, ou à ociosidade – mãe de todos os vícios. Preferem testemunhar por outiva, ou por palpi-te, - o que não é trabalhar pelo aperfeiçoamento social que requisita compreensão, análise e estudo.

Entretanto, só a Mulher é criminada porque não educa.” (Emília Sousa Costa, A Mulher Educadora, pp. 14-15)

“Desde que a mulher eduque e aperfeiçoe o seu espírito e o seu coração, gozará as regalias que lhe competem dentro e fora do lar e compartilhará da vida social, sem desarmonia com as funções do seu sexo, antes integrada em determinadas missões, mais adequadas ao seu sexo, do que ao masculino, e que não a desviarão dos seus deveres de mulher.

E dentro do lar, ela será potência equivalente ao homem, sem inversão de atribui-ções, sem atritos de responsabilidades.

Os campos estão bem delimitados. Quando a educação dos dois sexos for perfei-ta, o gozo dos respetivos direitos se estabelecerá em bases normais. Desaparecerão as aparentes incompatibilidades que, na sua maioria, são geradas pela intolerância dos ignorantes, pela rotina, pelo preconceito, pelo egoísmo dos homens, e aceites pela inconsciência das mulheres”. (Emília Sousa Costa, A Mulher no Lar, p. 73)

“A primeira instrução outrora pertenceria à mãe. A ela competiria ensinar a conhe-cer as letras, a ajuntá-las, a ler as palavras e o sentido respetivo destas. Atualmente há professores que substituem as mães nessa missão, com vantagem. Claro, só onde existem os Jardins de Infância, por neles se observarem regras pedagógicas

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tum desconhecidas da maioria das mães, ou preceptores compenetrados da sua tarefa.

Mais tarde, irão os meninos para o colégio, ou dar-se-lhes-á professores encarre-gados de lhes orientar o espírito.

Isto não quer dizer que está suspensa, ou fi ndou a missão dos pais. Estes terão de velar sempre pela educação moral dos fi lhos, pela forma como a instrução lhes é ministrada e pelas relações entre as crianças e os mestres” (Emília Sousa Costa, Na Sociedade e na Família, pp. 57-58)

Maria Veleda (1871-1955)http://www.iplb.pt/sites/DGLB/Portugues/autores/Paginas/PesquisaAutores1.aspx?AutorId=12505

“Educar a criança é muito. E eu não posso deixar no escuro essa sim-pática missão de iniciativa feminina, que se propõe fundar entre nós a primeira escola maternal, de efeitos tão benéfi cos e tão práticos”. (Maria Veleda, A Conquista, p. 95)

“Eu, se tivesse fi lhas, jamais as deixaria crescer na ociosidade. Ensi-nar-lhes-ia tudo quanto soubesse; aprenderia para lhes ensinar o que não soubes-se; educá-las-ia no amor da humanidade e no respeito pelo trabalho e pelo esforço alheio; não lhes pregaria o desprezo pelo amor e pelo casamento, mas evitaria que elas procurassem num ou noutro um expediente para viver; fá-las-ia honestas, ensinando-as de pequeninas a trabalhar. Se não pudessem ser doutoras – nem todos os homens são também doutores – seriam escultoras, pintoras, fotógrafas – seriam o que elas quisessem, contando que tivessem uma profi ssão”. (Maria Veleda, A Van-guarda, 29 de Julho, 1909, p. 1)

Virgínia Quaresma (1882-1973)“Quando as mulheres portuguesas frequentarem mais escolas, tiverem

adquirido esse espírito altruísta que caracteriza e engrandece a academia, quando se habituarem à ideia de que o estudo, o trabalho e a convivência de todos os dias irmanam as almas, as confundem num grande abraço de confraternidade – então, sim, o feminismo há-de deixar de ser uma triste

utopia entre nós, para ser uma força coletiva, solidária e consciente”. (Virgínia Qua-resma in O Mundo, Jornal da Mulher, 26 de Abril, 1907, p. 4)

“Fundem-se primeiro do que tudo escolas femininas, equilibre-se o espírito da mu-lher com uma educação moral forte e orientada, levante-se-lhe bem alto a noção da dignidade, inocule-se-lhe o dever da virtude e o amor da caridade”. (Virgínia Quares-ma, O Mundo, 9 de Fevereiro, 1907)

“formadas por caracteres femininos que durante anos só conheceram as relações «espirituais» dumas «senhoras vizinhas», tagarelas e estúpidas e que, num belo dia, pela leitura duns artigos dos periódicos, pelos folhetins dos diários e pelas poesias nefi libatas duma revista se julgaram também literatas e doutoras – cujos diplomas são reclames que arrancam de vez em quando, com alarde, à imprensa faminta para encher papel”. (Virgínia Quaresma, “Solidariedade Feminina”, 26 de Abril, 1907)

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s) Capítulo I - Educação, Infância e Sociedade

53Introdução

Estamos em outubro, mês declarado pela IASL (International Association of School Librarianship), desde 2008, como Mês Internacional das Bibliote-cas Escolares, uma feliz coincidência que dá a esta comunicação uma envolvência muito particular. O nosso interesse pela temática das bibliotecas escolares (adiante designadas por BE) tem acom-panhado todo um percurso profi ssional, que tem crescido a par e passo com os desenvolvimentos registados na área. Com o passar do tempo, as BE evoluíram acompanhando os avanços tecnológicos e o livro assumiu vários suportes que há curtas dezenas de anos seriam impensáveis. A inovação atrai mais leitores para as BE, que continuam a ser a chave do acesso ao conhecimento.

Com o anúncio do novo há uma certa tendência para esquecer o velho, o que nos leva a lembrar Carlos Fiolhais (1990) quando, numa recensão escrita sobre o livro de J Gleik, “O Caos – A Cons-trução de uma Nova Ciência” se referiu a um inte-ressante episódio escrevendo que, em agosto de 1845, Frederico Guilherme IV, rei da Prússia, terá ido visitar o Observatório Astronómico de Bonn. Cumprimentou Argelander, o prestigiado astróno-mo da corte, e perguntou-lhe: «Então, o que há de novo nos céus?». Resposta do velho sábio: «Será que Vossa Majestade já conhece o que há de velho?».

Na sequência desta cumplicidade entre o novo e o velho é Nóvoa (1993: XXXI) que nos alerta para a questão ainda por responder, colocada por auto-res como Rómulo de Carvalho, em 1959, Luís Albu-querque, em 1960, ou Joaquim Ferreira Gomes, em 1988: «Como é possível pensar a educação hoje, e projetá-la no futuro, sem uma compreensão exacta do que foram os percursos do passado?»

Também nós procurámos o que existe de novo no velho céu das BE, para que os percursos do passado nos ajudem a compreender a sua atuali-dade e reescrevemos a pergunta, adaptando-a à nossa investigação: o que há de novo no velho céu das bibliotecas escolares? Tomámos a BE como objeto de estudo, no âmbito da história das institui-ções escolares, valorizando diferentes olhares que se cruzam para apreender a sua pluridimensionali-dade. Afi nal, como sublinha Magalhães (2007: 26), “A historiografi a da escola é hoje um campo mar-cado pela diversidade, material e simbólica, fruto de uma epistemologia interdisciplinar, multifactorial, com base em discursos, imagens, ícones, testemu-nhos e resíduos materiais e artefactos, memórias, traduzindo-se em discursos criativos.”

Assim, daqui decorrem dois objetivos:

1. Contextualizar o desenvolvimento das BE, em Portugal, em termos históricos1;

2. Sistematizar e dar a conhecer a forma

O QUE HÁ DE NOVO NO VELHO CÉU DAS BIBLIOTECAS ESCOLARES?Fátima Dias | Coordenadora interconcelhia da rede de bibliotecas escolares do distrito de Portalegre

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo I - Educação, Infância e Sociedade

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como, a nível local, se concretizaram orien-tações defi nidas a nível central, sobre o funcionamento da biblioteca, bem como as memórias que sobre esta realidade educativa até hoje ainda persistem: o caso específi co da biblioteca do Liceu Mouzinho da Silveira2.

Metodologia

Na investigação que aqui apresentamos privile-giámos o recurso a instrumentos teóricos e me-todológicos diversifi cados partindo de diferentes tipos de fontes. A nossa análise terá em conta os normativos legais do Ministério da Instrução Públi-ca/Ministério da Educação Nacional/ no tratamento que dão à BE, de 1836 a 1974, já que estes diplo-mas nos permitem contextualizar a nossa área de interesse no universo mais amplo do sistema edu-cativo mas, alertados para o que nos diz Mogarro (2001), procuraremos desenvolver um processo de investigação interativo, com recurso a diferen-tes fontes de informação, onde haverá lugar para boletins, anuários, relatórios liceais, fotografi as, artigos de jornais e revistas, a que acrescentamos os testemunhos orais recolhidos durante o proces-so investigativo.

Sendo nossa preocupação analisar dados do-cumentais, clarifi quemos que, ao longo do nosso texto, sempre que recorremos a citações, mantive-mos a ortografi a original.

De referir ainda que o entendimento do lugar que a BE ocupa no estabelecimento de ensino fi caria comprometido se não ouvíssemos as interpreta-ções que os atores envolvidos fazem das suas ex-periências. Entre os testemunhos orais recolhidos, destacamos, para o período de tempo considera-do, o depoimento do último reitor do Liceu Nacio-nal de Portalegre (a que chamámos entrevistado A), entre os anos letivos de 1960/61 e 1974/75.

Bibliotecas escolares: percursos de ontem (1836-1974)

Procurámos contextualizar o desenvolvimento das BE, em Portugal, em termos históricos, partin-do de uma análise dos diplomas que desde 1836, com a criação dos liceus, por Passos Manuel, defi nem as orientações para o seu funcionamen-to. Esta análise constitui o fi o condutor do nosso discurso sobre a história das BE e é cruzada com referências diretas a fontes consultadas ao longo da nossa investigação, como testemunhos muito claros das ideias de pedagogos que sobre esta realidade se vão pronunciando.

É o Decreto-Lei de 17 de Novembro de 1836, da

responsabilidade de Passos Manuel, que estabe-lece o Plano dos Lyceos Nacionaes e determina, nos seus Artigos 67º e 68º, a obrigatoriedade de cada liceu possuir uma biblioteca: “Haverá em cada um dos Lyceos uma Biblioteca, que servirá tambem para uso dos Professores, e Alumnos. Um dos Professores nomeado pelo Conselho será o Bibliotecario, e terá um Offi cial às suas ordens.”

Se, como refere Barata (2003), a própria instala-ção dos liceus se reveste de difi culdades, devido às insufi ciências fi nanceiras do Estado tanto para construir edifícios de raiz como para proceder à adaptação de outros, a formação de bibliotecas liceais passa necessariamente pelas mesmas difi culdades. De acordo com o autor citado (Idem: 229), “A 6 de Fevereiro de 1838, uma portaria do Ministério do Reino autoriza a Comissão Admi-nistrativa do Depósito das Livrarias dos Extintos Conventos a entregar mediante comprovativos, os livros solicitados pelas bibliotecas dos liceus existentes nas capitais dos distritos administrativos de Portugal (...).”

A efetivação dos liceus tardava e, enquanto isto, o destino a dar aos fundos do Depósito das Livra-rias dos Extintos Conventos não estava claramente defi nido. Só em 1840 é dada a indicação, me-diante Portaria de 13 de Novembro que se deverá aguardar a “(...) aprovação das Propostas-de-Lei relativas à implantação das bibliotecas nos Liceus Nacionais” (Idem: 229).

O Decreto-Lei de 10 de Abril de 1860, referen-dado por Fontes Pereira de Melo e que promulga o Regulamento para os Lyceus Nacionaes, no seu Capítulo X, intitulado Dos Estabelecimentos Auxiliares do Ensino, vai mais longe, partindo, no seu Artigo 74º, do já defi nido na legislação anterior: “Haverá nos cinco lyceus de primeira classe uma bibliotheca, um gabinete de physica, um laborato-rio chimico e uma collecção de objectos de historia natural e instrumentos de planimetria.” Estabelece-se que um professor, nomeado pelo governo, desempenhará as funções de bibliotecário. Este, deverá vigiar a conservação e aumento da biblio-teca, bem como dar cumprimento ao determinado sobre esta matéria (Artº 79º). Também o ofi cial, que irá auxiliar o bibliotecário, e trabalhará sob a sua direcção, será nomeado pelo governo.

Curiosamente, “Nos lyceus de 2ª classe, estes estabelecimentos auxiliares do ensino [entre eles a biblioteca], serão creados á medida que se for reconhecendo a sua necessidade e que fundos destinados para a instrucção secundaria o permit-tirem” (Artº 83º).

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s) Capítulo I - Educação, Infância e Sociedade

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Em A Voz da Mocidade1, é assim que, a 20 de Maio de 1863, Pinheiro se pronuncia a propósito do “ (...) vagaroso desenvolvimento que vai ad-quirindo a instrucção no nosso desgraçado paiz”, fazendo também referência ao estado em que se encontravam as bibliotecas:

“Todos disem «A instrucção está muito bem ministrada: o governo abre em Lisboa aulas nocturnas gratuitas; trata de reformar a bi-bliotheca para a mandar abrir a certas horas da noite...» mas ninguém vê que nas provin-cias, nas melhores terras, ou não ha cadeiras de instrucção secundaria, ou se as ha estão vagas, sendo poucas as que funccionam; ninguem vê que ha ahi fóra, addidas a lyceus, bibliothecas que ou não teem livros ou estão fechadas, para se não estragarem os que ha (...).”

Nas décadas seguintes e relativamente às biblio-tecas dos liceus, a situação não virá a conhecer alterações signifi cativas, apesar das sucessivas reformas do ensino. Surgem-nos algumas referên-cias, no entanto, a transferências signifi cativas de livros, dos conventos para vários liceus do conti-nente e das ilhas, de acordo com Nóvoa (1997, cit in Barata, 2003).

As disposições a que nos temos vindo a referir como constantes da legislação anterior virão ainda a surgir do capítulo XI do Decreto-Lei de 31 de Março de 1873, onde é apresentado o Regulamen-to para os Lyceus Nacionaes, e não virão a sofrer alterações até 1917.

Entre o que se encontra legislado e a realidade existirá, com certeza, uma diferença assinalável. Entre as várias matérias tratadas na Revista dos Lyceus2 (1892/93, vol.II: 189), surge-nos um artigo de Florido de Vasconcellos, intitulado Alojamento e material de ensino nos lyceus – salas de estudo – bibliothecas – polícia, onde sublinha a importân-cia destes assuntos, independentemente do plano de organização que se tenha de adoptar. Refere mesmo que se “ (...) revestem de uma importância capital sob o ponto de vista pedagógico e como

1 Periódico trissemanal publicado entre 26 de Fevereiro e 19 de Junho de 1863, tem como redactor principal Domingos Maria Gonçalves. Ideolo-gicamente ligado ao liberalismo progressista, reserva habitualmente o seu editorial à análise de questões relativas à educação e ensino.2 Foram publicados cinco números da Revista dos Lyceus, cada um deles referente a um ano lectivo, a saber: Ano 1- 1890/1891; Ano 2- 1892/93; Ano 3- 1893/94; Ano 4- 1894/95; Ano 5- 1895/96. Cada um destes volumes obedecia a uma mesma organização das matérias, em sete secções. Da primeira secção constava: Ensino dos lyceus. Segunda secção: Admissão aos lyceus. Terceira secção: Educação feminina. Quarta secção: Educação física. Quinta secção: notícias da instrução pública. Sexta secção: Bibliografi a. Sétima secção: Questionário. No fi nal de cada volume apresenta, por ordem alfabética dos seus autores, artigos sobre diferentes temas.

meios para conseguir o fi m último da instrucção offi cial“. Mais adiante (Idem: 446), volta a surgir-nos um outro artigo subordinado ao título já referencia-do, onde critica, de forma mordaz, a situação que se vive neste campo:

“No nosso paiz succedem coisas extraordi-nárias! Houve uma reforma dos Lyceus que creou as salas de estudo, creação essa que, sendo acompanhada da conveniente installa-ção de bibliothecas e bem regulamentada, devia realmente produzir bons resultados. Que sucedeu? Não se pode por em execução pela razão muito simples de que a maioria dos lyceus, nas habitações onde estavam, não tinham accomodações para isso.”

Por esta altura, citando Barata (2003: 233), Quei-roz Veloso, num discurso parlamentar (em 1908), terá referido que os liceus “ (...) necessitavam que se puzesse fi m [à] extrema, [à] «vergonhosa penú-ria» em que se encontravam as suas bibliotecas.”

Após a implantação do regime republicano só em 1917 o Decreto-Lei de 17 de Abril, no seu Capítulo XI, intitulado Da biblioteca, lhe dará o destaque que até aqui ainda não tinha usufruí-do, relevando-a dos restantes meios auxiliares do ensino: “Em cada liceu haverá uma biblio-teca devidamente organizada e conveniente-mente instalada, devendo o reitor promover a sua frequência pelos alunos, principalmente das classes do curso complementar.” (Artigo 127º)

Pelo Decreto-Lei de 14 de Julho de 1918, que Reforma os Serviços de Instrução Secundária, estabelece-se:

“A biblioteca e as instalações de desenho, geografi a, sciências biológicas, de mineralogia e geologia, de química e de física terão em-pregados especialmente destinados ao seu serviço [...] nomeados pelo Governo, sob pro-posta do Conselho Escolar, de entre os con-tínuos ou guardas que revelem maior aptidão para o lugar e considerar-se-ão reconduzidos anualmente desde os Conselhos Escolares, sob proposta do reitor, do bibliotecário, ou dos directores de instalações, se assim o julgarem conveniente.” (Artigo 100º)

Será o Decreto-Lei de 8 de Setembro de 1918, que Aprova o Regulamento de Instrução Secundá-ria, no seu Capítulo VIII Da biblioteca, instalações de desenho, laboratórios e trabalhos práticos indi-viduais, a estabelecer que a biblioteca, bem como as instalações de geografi a, ciências biológicas,

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mineralogia e geologia, química, física e desenho passarão a ter directores de instalações, nomeado anualmente pelo governo, de entre os professores efectivos, sob proposta do Conselho Escolar, feita numa das últimas reuniões do conselho (Artigo 132º).

Por António Ferrão (1920: 241; cit. in Barata 2003: 233), sabemos da situação real das bibliotecas, por volta de 1920:

“ (...) todos os liceus têm as suas bibliotecas privativas mais ou menos bem sortidas. Ao passo que algumas delas têm os seus re-cheios constituídos, principalmente, por obras dos séculos XVII e XVIII, de Teologia, História e Literatura, - restos das livrarias conventuais, outras estão muito regularmente providas de obras modernas de Sciências da Natureza, Geografi a, História, Literatura e Filosofi a. Entre estes é legitimo salientar as bibliotecas dos novos liceus de Lisboa: Passos Manuel, Pedro Nunes e Camões”.

O Decreto-Lei de 18 de Junho de 1921 que apre-senta o Novo Regulamento da Instrução Secundá-ria com Sistematização da Legislação Anterior, no Capítulo VIII Da biblioteca, laboratórios e instala-ções de desenho, acrescenta-se que os diretores da biblioteca, laboratórios e instalações de dese-nho, receberão uma gratifi cação de duas horas de lição semanal, acumulável com todos os vencimen-tos e gratifi cações a que tenha direito (Artigo 93º).

No ano lectivo de 1926/1927, dirige a biblioteca do Liceu José Falcão, em Coimbra, Alberto de Oli-veira. Num texto por si enviado ao Arquivo Pedagó-gico3 (1927, vol. I: 307) pode ler-se que:

“A função das bibliotecas liceais deve ser pôr os alunos em contacto com o livro, criar o hábito da leitura conscienciosa, contrapor à literatura em geral dissolvente dos nossos dias os clássicos e os bons autores, fornecendo-lhes para leitura mesmo domiciliária livros di-

3 A revista Arquivo Pedagógico foi publicada entre Março de 1927 e De-zembro de 1930, tendo a sua publicação sido determinada pelo Conselho da Escola Normal Superior de Coimbra, na sessão de 20 de Outubro de 1925. Nas palavras de Eusébio Tamagnini – que assumiu a pasta da Instrução Pública entre 1934 e 1936 - (constitui a comissão de redacção com Oliveira Guimarães, Joaquim de Carvalho, Maximiano Correia, Fortunato de Almeida, Barros e Cunha e Pedro Tavares), “ (…) a revista não se destina apenas a servir à defesa das nossas opiniões e à exposição dos nossos métodos de trabalho; pretendendo interessar a opinião pública consciente na solução do difícil problema da reorganização do nosso ensino secundário, fi ca à dispo-sição de todas as pessoas devidamente categorizada as que lhe quiserem prestar a sua valiosa colaboração” (in Nóvoa, 1993: 71). Tratando-se de uma publicação fundamental para o entendimento das mudanças ocorridas na transição da República para o Estado Novo, na formação de professores do ensino secundário, em 1930 suspende a sua publicação, com a extinção das Escolas Normais Superiores (Decreto Nº 18973 de 29 de Outubro).

dáticos de difícil aquisição, orientá-los na sua formação literária por uma escolha criteriosa de autores e assuntos, conforme a idade dos alunos a que são destinados, disciplinar-lhes o espírito tão indisciplinado por mil e um factos que sorrateiramente e duma forma imperceptí-vel os inutilisam moral e intelectualmente..”

Iniciado já o período de ditadura militar, o De-creto-Lei de 18 de Dezembro de 1931 trará algu-mas inovações, principalmente no que se refere à nomeação do professor bibliotecário e do empre-gado auxiliar. A biblioteca continua a ter diretor de instalações nomeado pelo governo, mas é agora ao reitor que compete a designação para o cargo e não ao conselho escolar, de entre os professores efetivos ou agregados.

Na revista Arquivo Pedagógico (Vol. IV: 8), Alfre-do de Carvalho refere-se assim às bibliotecas nos liceus: “Bibliotecas vivas, centros de actividade fecunda, colmeias onde se produza um mel sabo-roso, - essas é que os nossos liceus devem lançar para bem formar um escol intelectual e para um mais vigoroso engrandecimento da nossa Terra.” Este enaltecimento das bibliotecas liceais integra uma comunicação sobre a organização de bibliote-cas regionais a partir de um modelo proposto no 1º Congresso dos Professores do Ensino Secundário, em 1927, segundo o qual os liceus disponibiliza-riam as suas bibliotecas às famílias dos alunos e empregados, contribuindo para a dinamização dos estudos regionais. Na sequência desta ideia, as palavras de Alfredo de Carvalho (Idem: 12-14):

“Assim entendemos e aconselhamos:

Que todas as semanas, em noite determinada, um professor indicado pelo bibliotecário rea-lize uma leitura instructiva comentada sobre assuntos da vida regional.

E a completar esta obra educativa:

Que se façam palestras em ciclo sobre lite-ratura regional, antiguidades monumentais, preciosidades artyísticas, processos de vida económica, vultos históricos, e factos históri-cos da região.

Pedir aos nossos liceus esta acção cultural em prol dos ambientes que lhes pertencem, não representa uma surpresa nem traça uma di-rectriz diferente daquela que já hoje adoptam (…) tanto mais que em muitas cidades capi-tais de distrito um ambiente propício existe já criado mercê duma acção pertinaz que aos professores dos liceus cabe e pertence na

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verdade.

(…) As conferências que ùltimamente se têm efectuado nas cidades de Faro, Portalegre, Aveiro e Viseu, e Castelo Branco, devem-se a professores ou pelo que respeita à sua organi-zação ou à sua colaboração efectiva.”

O Liceu Normal de Lisboa (Liceu Pedro Nunes) editou um Boletim entre os anos de 1932 e 19374. Desde o Ano I (Nº1), referente a 1932, são feitas alusões às maiores difi culdades, que passam pela resolução dos problemas de limpeza e da existên-cia de roedores. Acresce que a biblioteca é muito frequentada pelos alunos mais velhos, quando chove, o que traz desassossego, sugerindo-se a abertura de uma sala ao lado, só para estudo. Uma nota que traduz a forma como as bibliotecas se apresentam por esta altura – o saber fechado em enormes armários – é-nos dada no relatório do Ano V (Nº 10: 92), referente ao ano letivo de 1934-1935, onde sob o título Defi ciências a suprir, é deixada a preocupação da “ (...) urgência de dar algum remédio à falta de segurança que deriva do péssimo sistema de fechaduras nos armário. Também no relatório do Ano VI (Nº 12: 138) refe-rente ao ano letivo de 1935-1936, sob o mesmo título Defi ciências a suprir pode ler-se: “Assim, com cadeados vulgares, que abrem quási todos mes-mo sem chave, é um milagre a permanência dos livros.” Relativamente aos recursos humanos é dito no relatório do Ano VI (Nº 12: 138), referente ao ano letivo de 1935-1936, que “ (...) só há um emprega-do para todo o movimento, e o Director não pode assistir no corpo central por ter de dar aulas.“

A terceira conferência pedagógica, no ano letivo de 1935-1936, no Liceu Pedro Nunes, realizou-se a sete de Dezembro de 1935 (Relatório do Ano VI – Nº 11: 264-265), subordinada ao tema Bibliotecas Liceais: sua organização e fi ns. O relator, um esta-giário do 2º ano, Florival Lino Mamede, considera que:

“As bibliotecas [...] distinguem-se pelo público a que se destinam, devendo merecer-nos es-pecial atenção as liceais, em cuja organização temos de atender não só à escolha dos livros e à disposição das colecções, mas também à das salas a êsse fi m destinadas, ao seu mo-biliário e disposição. [...] O professor-bibliote-cário deve ter um grande espírito de sacrifício,

4 O Boletim do Liceu Normal de Lisboa (Liceu Pedro Nunes), foi publicado entre os anos de 1932 e 1937, substituindo o Anuário que os reitores dos liceus deviam organizar, de acordo com o Artº 327º do Estatuto do Ensino Secundário (Decreto-Lei de 18 de Dezembro de 1931). Nesta publicação se dá conta das actividades desenvolvidas explicando o que se fez, como se fez, porque se fez.

dada a árdua tarefa que tem de desempenhar, não sendo a sua função, apenas, a de um simples conservador de livros mas a de um médico moral, um educador no sentido mais elevado da palavra. Deverá ser conveniente-mente remunerado e o seu serviço lectivo ser muito reduzido.”

Ao usar da palavra, nesta mesma conferência pedagógica (Idem: 265), um outro estagiário, Ver-gílio Andrade, “Entende que o director da bibliote-ca deverá exercer o professorado, visto só assim poder ser, como afi rma o relator, um médico moral dos alunos.”

Com o regime salazarista, estas realidades serão dominadas pela apatia.

No nº 78 da Revista Labor5 (1937: 336), já em período de consolidação do Estado Novo, Rodri-gues Lapa publica um artigo sobre A Criação dos Liceus na Reforma de Passos Manuel onde, com ironia, faz referência às inovações com que os liceus foram dotados:

“O portuguesito imberbe, que até aí se ma-cerava nos mistérios da declinação latina e no descrime subtil das fi guras de retórica, mergulhou num banho de realidades. Com o aprendizado de línguas vivas (francês e inglês e nas grandes cidades, o alemão) – importan-tíssima novidade – o seu horizonte alargava-se desmesuradamente. (…) A biblioteca do liceu, hoje quási exclusivamente para os mestres (é preciso guardar as distâncias!) servia então para uso dos professores e dos alunos.”

Mediante o Decreto-Lei de 17 de Dezembro de 1947, que promulga a Reforma do Ensino Liceal, e no seu Capítulo V Biblioteca, laboratórios e outras instalações, o diretor da biblioteca passa a ser nomeado pelo ministro, sob proposta do reitor, de entre os professores, sendo esta função de aceitação obrigatória, ao mesmo tempo que não isenta o professor de qualquer parcela de serviço docente que lhe competir. Também o empregado auxiliar será nomeado pelo ministro e sob propos-ta do reitor, de entre o pessoal menor. Os livros e publicações periódicas a integrar a biblioteca serão escrupulosamente selecionados, tendo em vista

5 Revista trimestral de educação e ensino do Liceu Vasco da Gama, em Aveiro. Publicada entre Janeiro de 1926 (bimestral desde Janeiro de 1927) e Dezembro de 1931. Entre Outubro de 1932 e Junho de 1940 passará a revis-ta mensal de educação e ensino e depois de Março de 1951 e até Junho de 1973 passará a ser revista do ensino liceal agora fundada por José Tavares e Álvaro Sampaio. Os assuntos predominantes são: a divulgação científi ca, re-lativa à preparação docente e ao seu trabalho de investigação; os «interesses do professorado»; a «pedagogia e didáctica» e um último conjunto de rubricas que inclui «vida ofi cial», «liceus e colégios», «bibliografi a» e «vária».

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o interesse cultural e educativo. A partir de agora, para além dos catálogos, serão organizados livros de registos e de aquisições. De acordo com o pa-recer do Conselho Permanente da Ação Educativa, o ministro decidirá o destino a dar às obras exis-tentes nas bibliotecas dos liceus, ou que venham a ser-lhes oferecidas, que os reitores considerem prejudiciais à educação dos alunos.

Consideradas, desde a sua criação, como «es-tabelecimentos auxiliares do ensino» nas escolas, “As bibliotecas escolares estavam integradas num sistema cuja preocupação fundamental não era certamente a do desenvolvimento de outras capacidades para além da memória. A biblioteca escolar (...) via-se reduzida a um recurso posto ao serviço do (s) professor (es) para apoiar o discurso deste (s) em sala de aula”, refere Pessoa (1996: 56). Os livros, cuidadosamente guardados em armários envidraçados, defendidos por redes metálicas, eram fechados à chave.

A Biblioteca do Liceu Mouzinho da Silveira / Liceu Nacional de Portalegre

A biblioteca “(...) incorporou, ao longo dos anos, espólios que incluíam, em alguns casos, obras de grande valor” (Mogarro, 2003 : 567). A julgar pela documentação existente, de que se sublinha o «Livro da Correspondência Expedida» (1861/1876)6, os responsáveis pelo liceu pedem, em 1863, autorização ao Governo Civil, no sentido de “(...) escolher alguns livros restantes dos pertencentes aos conventos de Santo António, Santo Agostinho, fazendo ver quão útil seria pôr-se à disposição do liceu a livraria episcopal.” Saliente-se, a este respeito, como já antes referimos, citando Barata ( 2003: 232), que a década de 60 marca o período em que ocorreram as transferências mais signifi ca-tivas de livros dos conventos, para as bibliotecas de diferentes liceus.

De acordo com o mesmo «Livro da Corres-pondência Expedida» (1861/1876), encontramos referência ao orçamento do liceu para o ano de 1872/73, onde é dito, a propósito da falta de livros que “(…) é provável que em alguma livraria do Estado ou nos depósitos das livrarias dos extintos conventos haja exemplares d’alguns dos livros, que neste orçamento se mencionão (…)”.

Tendo ainda presente a mesma fonte, numa ata de sessão do conselho do liceu de 16 de Novem-bro de 1875, é referida a necessidade de o liceu contar com um bibliotecário e um ofi cial, o que se justifi ca perante o considerável número de volumes de que já dispõe.

6 Existente no Arquivo da Escola Secundária Mouzinho da Silveira.

“(…) o professor António Luís Telles da Silva Meneses deo conta da commissão de que por mim havia sido encarregado de fazer o catálogo dos livros existentes neste Lyceo para o serviço das aulas e auxiliares d’ensino, que achou serem mil e settenta e cinco volu-mes, o conselho foi da opinião como consta da respectiva acta que se torna necessário um bibliothecário que tivesse responsabili-dade deste já avultado numero de volumes e vigiasse pela sua conservação e necessário augmento bem como um offi cial para fazer o serviço della debaixo da direcção do biblio-thecario e que por isso se propusesse a sua criação ao governo de S. M. e que propunha para bibliothecario o (…) professor António Luís Telles da Silva Meneses e para offi cial da bibliotheca interinamente, enquanto não tem defi nitivamente provido este lugar, Joaquim Pedro Maduro.”

Pouco tempo depois, a 22 de Fevereiro de 1876, António Luís Telles da Silva Meneses virá a ser nomeado Secretário do liceu, era então Reitor António José Marinho da Cruz e há necessidade de substituir o bibliotecário: “(…) fi ca interinamen-te exercendo o referido cargo de bibliothecário, o professor provisório Francisco Jorge de Almeida Castanho (…)” que, entretanto, já era professor no Liceu de Portalegre desde 1862 e sê-lo-á até 1901.

A 11 de Maio de 1887, no periódico O Districto de Portalegre, podemos ler que:

“Em Portalegre há um lyceu nacional, que tem uma biblioteca. Não é rica essa biblioteca, mas alguns livros tem já, de valor. A câmara municipal não pode, pelo estado pouco feliz das suas fi nanças, distrair da sua receita a quantia precisa para crear uma biblioteca com a riqueza e explendor devido a tais focos de luz intelectual. A pouco e pouco, pode, sem custo, realisar esta obra moral de valor imen-so, de repente é-lhe impossível.”

Nos Anuários existentes no arquivo da Escola Secundária Mouzinho da Silveira7, as informações relativas à biblioteca são muito vagas. Apenas atestam que foram feitas aquisições, mas não esclarecem o seu tipo ou número de publicações/volumes adquiridos ou tão pouco o nome do professor responsável pela biblioteca. De acordo com o Anuário do Liceu Nacional de Portalegre (1913-1914: 7), apenas nos é dito: “ (...) durante o ano lectivo fi ndo adquiriu este Liceu livros para a

7 Referentes aos anos lectivos de 1895/96; 1897/98 a 1900/1901; 1907/08; 1908/09; 1912/13 e 1913/14.

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biblioteca e para as aulas e continuou as assinatu-ras de publicações de valor literário e artístico.”

Podemos ler no Livro de Termos de Posse nº 1 (1860 – 1921):

“No dia sete de Janeiro de mil novecentos e dezasseis, na reitoria do Liceu Nacional de Portalegre, perante o Exmo Sr. Reitor do mesmo Liceu, Dr, Adolfo Ernesto Mota, com-pareceu o professor efectivo José Cerqueira Moreirinhas que, por despacho de (23) vinte e três de Dezembro de mil novecentos e quinze, publicado no Diário do governo de cinco de Janeiro de mil novecentos e dezasseis, núme-ro quatro, segunda série, foi nomeado biblio-tecário bibliotecário do mesmo Liceu, nos termos do artigo décimo do decreto número mil duzentos e doze de vinte e três de Dezem-bro de mil novecentos e catorze (…).”

Sabemos, de acordo com a mesma fonte, que foi reconduzido no cargo de bibliotecário do liceu a 19 de Janeiro de 1917 , sendo reitor, à data, Alber-to Augusto Felgueiras. Também a imprensa local faz eco da vida do liceu e por ela passa a notícia no periódico O Districto de Portalegre de 21 de Janeiro de 1917, segundo a qual “Foi reconduzido o professor Sr. Dr. José Cerqueira Moreirinhas, no lugar de bibliotecário do Liceu Mouzinho da Sil-veira.” Ainda a 11 de Novembro de 1918, ele será novamente nomeado bibliotecário e, com a mesma data, encontramos o Auto de Posse do auxiliar da biblioteca, Alberto Carlos Martins Maduro.

Passará mais de uma década até que a investi-gação que conduzimos nos permita escrever mais algumas curtas linhas na história da biblioteca.

Finda a I República e já em período da Ditadura Militar, será seu responsável o professor Galiano Tavares8, de acordo com o seu registo biográfi co9, nos anos letivos de 1929/30, 1930/31 e 1931/32. No ano de 1930, a biblioteca de António José Lourinho (falecido em 1916), virá a integrar a biblioteca do liceu na sequência da doação feita pela sua viúva.

No início dos anos 50, o Liceu Nacional de Por-talegre funcionava ainda – e até meados da década de 70 – no palácio Achaioli, objecto de sucessivas obras de conservação e ampliação desde 1887. Detenhamo-nos sobre o que nos diz Mogarro

8 António Raul Galiano Tavares foi professor do Liceu de Portalegre, desem-penhou cargos públicos de relevo e a actividade jornalistica em diferentes periódicos da região o que contribuiu para ganhar a simpatia dos portale-grenses. Republicano, viria depois a aderir ao Estado Novo e foi presidente da Comissão Municipal de Turismo. Publicou textos nas revistas Educação Social e Labor, entre o nº 2 (Ano I-1927) o nº 92 (Ano XII- 1938).9 Existente no arquivo da secretaria da escola Secundária Mouzinho da Silveira.

(2003: 571) a propósito da localização da biblioteca, por esta altura, neste edifício:

“Ainda a partir do átrio, subíamos a ampla escadaria de granito que ao cimo se bifurca à maneira barroca, sob uma cúpula decorada com elementos naturalistas em trabalho de gesso pintado, terminando numa galeria que dá acesso ao salão nobre (então reservado para sala de professores e reuniões do Con-selho). Nas paredes da escadaria e do salão, azulejos do século XVIII ainda hoje apresen-tam paisagens e cenas campestres, em estilo barroco. De frente para a entrada deste salão, virávamos à esquerda e encontrávamos a biblioteca, a reitoria e duas salas de aula, co-nhecidas, na gíria estudantil, pelo «comboio» e a «estação».

Sobre o ensino, a legislação que se mantinha em vigor era o Decreto-Lei de 17 de Dezembro de 1947, que no seu capítulo V «Biblioteca, Labora-tórios e outras Instalações» reúne um conjunto de disposições que regulamentam o funcionamento da biblioteca. Determina que o diretor da biblioteca passe a ser nomeado pelo ministro, sob propos-ta do reitor, de entre os professores. Esta função era de aceitação obrigatória, o que não isenta o professor de outras atribuições que lhe possam competir. Lembremos que desde o Decreto-Lei de 18 de Dezembro de 1931, os diretores de instala-ções, continuando a ser nomeados pelo governo, passam a ser designados pelo reitor, de entre os professores efetivos ou agregados, e já não pelo conselho escolar, como até aqui sempre aconte-ceu. A mesma situação de designação pelo reitor aplica-se ao empregado auxiliar, de entre o pessoal menor e tanto a nomeação do diretor como a do auxiliar são feitas por um ano, renovadas por pe-ríodos anuais até que o governo, sob proposta do reitor, determine o contrário. Não havendo, neste diploma de 17 de Dezembro de 1947, disposições em contrário, mantém-se em vigor o estabelecido no Decreto-Lei de 18 de Junho de 1921 que, no seu Artº 93 do Capítulo VIII, refere que os diretores de biblioteca, laboratórios e instalações de dese-nho receberão uma gratifi cação de duas horas de lição semanal acumulável com todos os vencimen-tos e gratifi cações a que tenham direito.

Sobre a década de 50 temos o privilégio de benefi ciar de um conjunto de informações riquís-simas a partir dos Relatórios do Liceu Nacional de Portalegre, do reitor Júlio Guimarães Biel, que de-sempenhou as funções de reitor entre 1953 e 1960, referentes aos anos letivos de 1953-54, 1954-55, 1956-57 e 1957-58.

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É-nos dado saber que, à data, José Maria dos Reis Pereira – José Régio – desempenhou as funções de Diretor da Biblioteca. Na verdade, José Régio, nome assinalável da cultura portuguesa, vi-veu em Portalegre até 1966, onde produziu grande parte da sua obra. Por portaria de 19 de Outu-bro de 1953 foi nomeado Diretor de Instalações da Biblioteca (D.G. 269 - 2ª de 17/11/53), tendo desem-penhado este cargo até ao ano letivo de 1957/58, passando a Diretor do 2º Ciclo no ano letivo de 1958/59, até à data da sua aposentação.

Do tempo em que fez parte da vida do liceu, fi cam os depoimentos dos que com ele conviveram e narram traços interessantes da sua personalida-de. Ele era, sim, nas palavras do nosso entrevista-do (último reitor do Liceu Nacional de Portalegre), um assíduo frequentador da biblioteca:

“Quando a sala estava disponível, evidente-mente... sentava-se lá numa mesa, a traba-lhar com o João Tavares.... O João Tavares, o aguarelista... quando tinha que fazer uma tapeçaria com carácter histórico, eles tinham que rebuscar… iam rebuscar livros e livros lá na biblioteca que encontravam lá, à procura dos elementos de que o João Tavares preci-sava para as fi guras... eram fi guras antigas, a forma como estariam vestidas, lembro-me que tinham ali um trabalho de investigação muito grande... os dois, iam… iam para ali os dois para a biblioteca consultar livros.”

Ainda segundo este entrevistado “(…) o Dr. José Régio, foi bibliotecário mas depois não lhe interes-sava, os livros eram poucos...ele também não tinha tempo...e para estar a catalogar (…)”.

Caraterizando este período de tempo, constam dos referidos Relatórios, informações fundamentais no que se refere às instalações, fundo documental e aquisições, pessoal auxiliar, horário e frequên-cia pelos professores e alunos. No que respeita à localização é-nos dito que: “A Biblioteca do Liceu está bem instalada e possue as condições neces-sárias ao fi m a que se destina. Situada no 1º andar do edifício, numa ala de relativo sossego, possue os requisitos favoráveis ao estudo e à leitura” (1953-54: 24). Para além de dar conta do mobiliário existente – oito mesas de leitura com as respetivas cadeiras, duas secretárias e um fi cheiro – refere que “É iluminada por três altas e amplas janelas de sacada. Esta sala está revestida de alto a baixo de prateleiras e estantes protegidas de rede de arame, propositadamente construídas para o fi m a que se destinam” (1953-54: 24-25), correspondendo, em pleno, à imagem que deste período temos da biblioteca. No que concerne ao fundo documen-

tal, tendo em conta a informação fornecida pelo Relatório de 1953-54, “Conta no seu arquivo alguns milhares de volumes e opúsculos dispostos por secções. Possue várias obras de valor entre muitas outras de valor comum. É sem dúvida uma boa biblioteca para um Liceu de província, embora se não encontre sufi cientemente actualizada” (p. 25). Pelo que nos foi possível perceber do Relatório de 1954-55 sobre a organização do fundo documen-tal, apercebemo-nos de que este não vinha mere-cendo a atenção necessária já que, “ (...) os livros foram tirados das prateleiras, tendo-se procedido à indispensável limpeza e efectuado a sua para uma boa organização do fi cheiro e do catálogo” (p. 28). Lembremos, a propósito, que a legislação que de-termina que o professor bibliotecário é responsável pela catalogação, conservação e desenvolvimento da biblioteca e aconselhamento aos alunos remon-ta já a 1917. Refere o relatório do Reitor Biel (1956-57: 31-32):

“A Biblioteca, embora numerosa e com alguns exemplares de valor, não está conveniente-mente catalogada e quase só existe o registo dos livros entrados. Há necessidade de vir a ser organizada devidamente, mas não vejo maneira como isso poderia vir a ser possível por falta de tempo e de pessoal. Creio mesmo que só uma pessoa especializada em arquivos e com tempo sufi ciente poderia levar a bom cabo a sua organização.”

A mesma ideia é repetida no ano seguinte: “A Bi-blioteca, embora bem provida e com alguns exem-plares de valor bibliográfi co, não está devidamente catalogada e como elemento de orientação seguro, só existe o livro de registos dos livros entrados” (pp. 28-29). Este relatório (1956-57: 29) acrescenta que “Praticamente, a Biblioteca não tem fi nalidade. A falta de um empregado privativo, [...] a necessi-dade de estar presente, quando frequentada por alunos, pessoa idónea que possa manter a conve-niente disciplina neste Liceu de frequência mista, não tem permitido facultá-la aos estudantes.” Em termos do horário de funcionamento, o reitor Júlio Guimarães Biel constata (1953-54: 25) que “O horário do Liceu não permite aos alunos frequenta-rem a Biblioteca como seria para desejar e nestas condições ela torna-se praticamente inútil e quase fi ca privada da sua fi nalidade educativa”. Acres-centa (1954-55: 29) que “ (...) há aulas consecuti-vas desde as 9 às 17 horas e, quando porventura algum professor falta, em geral há aulas de substi-tuição.”

É-nos ainda possível concluir que por todo este conjunto de razões, estas instalações sempre

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foram pouco utilizadas (1953-54: 25; 1956-57: 29 e 1957-58: 29): “Salvo as consultas e requisições feitas pelos professores e uma ou outra consulta feita por alunos, a sua frequência é quase nula”, ” (...) a sua fi nalidade é, por assim dizer, de nenhum efeito cultural.”

Relativamente aos últimos anos da biblioteca no palácio Achaioli (de 1960 a 1974), há a referir que quando, no início da década de 60, se coloca a necessidade de construção de um novo edifício para o liceu é redigida, pelos professores deste es-tabelecimento, uma petição (por sinal, pela mão de José Maria dos Reis Pereira) onde é feita a descri-ção das precárias instalações, entre elas a biblio-teca: “ (...) a Biblioteca considerada como «valiosa, enriquecida como tem sido, através dos tempos, com ofertas de particulares generosos,» passou a ser utilizada como sala de aula”. As palavras do nosso entrevistado dão razão a esta realidade quando refere que “(…) com a falta de instalações, portanto, a biblioteca, às tantas, transforma-se em sala de aula... a biblioteca estava todo o dia... o que nós chamávamos biblioteca, que eram aquelas duas salas em frente à reitoria, onde os alunos iam, tinham umas mesas grandes, desde o momento em que começa a funcionar como sala de aula está praticamente todo o dia fechada... ocupada!”.

Ainda assim, ao procurarmos analisar esta biblioteca dos anos 60, do ponto de vista peda-gógico, numa perspetiva da utilização que dela faziam os alunos, os professores, de que forma se relaciona com a sala de aula, os entrevista-dos fazem questão de sublinhar que este espaço existia sempre enquanto referência fundamental na vida do liceu. “A biblioteca era a biblioteca… talvez encontre este livro na biblioteca… ora vá para a biblioteca estudar… era sempre um apoio na vida do liceu!”, nas palavras do último reitor, ainda que pouco utilizada, era muitas vezes o local escolhido para o cumprimento de pena pelos que assumiam comportamentos menos corretos:

“E às vezes um aluno era expulso da aula, estava-se a portar mal... e muitas vezes acon-tecia, «Olha! És expulso e vais ter com o Sr. Reitor!» E o aluno ia ter comigo, sim, porque muitas vezes havia alunos que queriam era vir cá para fora para o pátio, para a brincadeira, queriam era um pretexto qualquer para se vi-rem embora da aula. O aluno primeiro passava pela reitoria... «Então vais ali para a biblioteca e vais ler este livro assim-assim... ou vais fazer exercícios de matemática! … (risos)». (ultimo reitor)

Chegados ao fi nal do período em análise, de

referir que remonta a este período a ligação de Alexandre Carvalho Costa ao liceu, e à sua bibliote-ca. Licenciado em Filologia Clássica, foi nomeado bibliotecário a 23 de Outubro de 1962, cargo que desempenhou, para além de 1974, até ao ano lec-tivo de 1977/78, quando, por motivo de doença, já havia sido dispensado do desempenho da ativida-de letiva.

Conclusões

No velho céu das bibliotecas escolares podemos hoje descobrir “novas” estrelas que nos ajudam a compreender como a ideia de que a existência de bibliotecas nas escolas pode tornar-se o meio essencial de acesso ao conhecimento, do desen-volvimento do pensamento e enriquecimento da personalidade esteve presente já, em 1836, quan-do Passos Manuel instituiu os liceus nacionais, prevendo a existência de equipamentos escolares especiais, utilizáveis por alunos e professores.

Tal como o próprio processo de criação e de-senvolvimento dos liceus, a existência efetiva das bibliotecas escolares sempre esteve sujeita a um conjunto de contingências, tanto no que se refere às instalações, como em relação à constituição do seu fundo documental.

Ao fazermos incidir o nosso olhar sobre o Liceu Mouzinho da Silveira/Liceu Nacional de Portalegre, em particular, privilegiámos as relações com o nível macro das decisões políticas (de que os textos legais constituem os dispositivos de suporte). O arquivo ganhou um lugar de honra: nos livros de tomada de posse, nos livros de atas, nos livros da correspondência expedida recuperámos docu-mentos que a escola produziu no seu quotidiano, tecendo a sua própria história. Os testemunhos recolhidos indicam, claramente, uma sacralização destes espaços, reservados ao conhecimento, mesmo quando não eram utilizadas, ou se lhe atri-buíam funções diferentes das que lhes eram desti-nadas. Neste sentido se compreende que, além de espaços de conhecimento, de livros, tenham sido também espaços de castigo, espaços de aulas, espaços de exames… quando faltavam os espa-ços específi cos.

Diremos, afi nal, que tratando-se de um conceito que perdurou ao longo de séculos, as bibliotecas deixaram de ser os tradicionais templos do saber. Cada vez mais centros de informação e menos lugares de meditação, inscrevem-se numa nova ordem onde assistimos a mudanças tanto no uso dos recursos de que dispõem, como no entendi-mento que os utilizadores e os professores bibliote-cários têm a seu respeito. O livro, enquanto suporte

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dominante, perdeu importância, a concorrência entre diferentes suportes do discurso, pressupõe uma nova relação com o mundo dos textos.

Hoje, educar as crianças e os jovens para a sociedade da informação, do conhecimento e do relacionamento, é um objetivo traçado nacional e internacionalmente, que se associa ao desenvolvi-mento das bibliotecas escolares, procurando con-tribuir para o desenvolvimento de competências nos domínios da literacia da leitura, da informação e dos media, conferindo ferramentas para continu-ar a aprender ao longo da vida.

Referências

Fontes

1.1. Fontes de arquivo (manuscritas e dactilogra-fadas)

Anuários. 1895/96; 1897/98 a 1900/1901; 1907/08; 1908/09; 1912/13 e 1913/14. Portalegre. Fragoso & Leonardo; Tip. De F. M. Tapadinha; Tip.Minerva Central; Typographia Leonardo. Arquivo da Escola Secundária Mouzinho da Silveira.

Livro da Correspondência Expedida (1861-1876) - Arquivo da Escola Secundária Mouzinho da Silvei-ra.

Livro de Termos de Posse Nº 1 (1860-1921) - Ar-quivo da Escola Secundária Mouzinho da Silveira.

Relatórios do Liceu Nacional de Portalegre. Anos Escolares de 1953/54, 1954/55, 1956/57 e 1957/58 [relatórios do reitor Júlio Guimarães Biel] Arquivo da Escola Secundária Mouzinho da Silveira.

1.2. Jornais e revistas

“O Districto de Portalegre” [Publicação Periódica de Portalegre]

11 de Maio de 1887 - 21 de Janeiro de 1917 - 18 de Maio de 1924 - 1 de Junho de 1924 - 8 de Ju-nho de 1924 - 29 de Junho de 1924 - 31 de Agosto de 1924 - 14 de Setembro de 1924 - 12 de Outubro de 1924 - 18 de Janeiro de 1925 - 6 de Setembro de 1925 - 13 de Setembro de 1925

Publicações Periódicas sobre Educação e Ensi-no:

A Voz da Mocidade. Lisboa, Fevereiro-Junho, 1863.

Arquivo Pedagógico- Boletim da Escola Normal Superior de Coimbra. 1927-1930.

Boletim do Liceu Normal de Lisboa – Liceu Pe-dro Nunes. Lisboa, 1932-1938.

Revista dos Liceus. 1890/1891 – 1895/96.

Revista Labor. Aveiro, 1926-1931; 1932-1940; 1951-1973.

1.3. Documentos legais

Decreto-lei de 17 de Novembro de 1836, Diário do Governo, nº 275, de 19 de Novembro.

Decreto-lei de 20 de Setembro de 1844, Diário do Governo, nº 230, de 28 de Setembro.

Decreto-lei de 10 de Abril de 1860, Diário do Governo, nº 133, de 12 de Junho.

Decreto-lei de 10 de Setembro de 1863, Diário do Governo, nº 204, de 12 de Setembro.

Decreto-lei de 31 de Dezembro de 1868, Diário do Governo, nº 11, de 15 de Janeiro de 1869.

Decreto-lei de 23 de Setembro de 1872, Diário do Governo, nº 216, de 25 de Setembro.

Decreto-lei de 31 de Março de 1873, Diário do Governo, nº 77, de 5 de Abril.

Lei de 14 de Junho de 1880, Diário do Governo, nº 138, de 21 de Junho.

Decreto-lei de 14 de Outubro, Diário do Governo, nº 237, de 16 de Outubro.

Decreto-lei de 29 de Julho de 1886, Diário do Governo, nº 170, de 31 de Julho.

Decreto-lei de 12 de Agosto de 1886, Diário do Governo, nº 194, de 30 de Agosto.

Decreto-lei de 20 de Outubro de 1888, Diário do Governo, nº 242, de 22 de Outubro.

Decreto-lei de 22 de Dezembro de 1894, Diário do Governo, nº 292, de 24 de Dezembro.

Decreto-lei de 18 de Abril de 1895, Diário do Governo, nº 88, de 22 de Abril.

Decreto-lei de 14 de Agosto de 1895, Diário do Governo, nº 183, de 17 de Agosto.

Carta de Lei de 28 de Maio de 1896, Diário do Governo, nº 125, de 5 de Junho.

Decreto-lei de 29 de Agosto de 1905, Diário do Governo, nº 194, de 30 de Agosto.

Decreto-lei de 17 de Abril de 1917, Diário do Go-verno, nº 60, de 17 de Abril.

Decreto-lei de 14 de Julho de 1918, Diário do Governo, nº 157, de 14 de Julho.

Decreto-lei de 8 de Setembro de 1918, Diário do Governo, nº 198, de 12 de Setembro.

Decreto-lei de 12 de Junho de 1920, Diário do Governo, nº 121, de 12 de Junho.

Decreto-lei de 18 de Junho de 1921, Diário do Governo, nº 123 de 18 de Junho.

Proposta de Lei de 21 de Junho de 1923, Diário do Governo, nº 151, de 2 de Julho.

Decreto-lei de 2 de Outubro de 1926, Diário do

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Governo, nº 220, de 2 de Outubro.

Decreto-lei de 26 de Agosto de 1930, Diário do Governo, nº 197, de 26 de Agosto.

Decreto-lei de 18 de Dezembro de 1931, Diário do Governo, nº 8, de 11 de Janeiro de 1932.

Lei de 21 de Maio de 1935, Diário do Governo, nº 115, de 21 de Maio.

Decreto-lei de 14 de Outubro de 1936, Diário do Governo, nº 241, de 14 de Outubro.

Decreto-lei de 17 de Setembro de 1947, Diário do Governo, nº 216, de 17 de Setembro.

Decreto-lei de 25 de Agosto de 1948, Diário do Governo.

1.4. Entrevista

António Luís Chichorro Marcão

Bibliografi a

BARATA, Paulo J. S. (2003). Os Livros e o Libera-lismo. Da Livraria Conventual à Biblioteca Pública- uma Alteração de Paradigma. Lisboa: Biblioteca Nacional.

Directrizes da IFLA/nesco para as bibliotecas escolares. [Em linha]. Lisboa: RBE, actual. 01-09-2006. [Consult. 04-02-2013] Disponível em WWW: <URL: http://www.rbe.min-edu.pt/np4/346.html>

FIOLHAIS, Carlos (1990). O caos: a nova e a ve-lha ciência. Lisboa: Expresso, 17/3/1990, Revista, p. 57R, disponível em http://nautilus.fi s.uc.pt/personal/cfi olhais/extra/artigos/rec_caos.htm, consultado em 31 de dezembro de 2012.

MAGALHÃES, J. (2007). “A história da educação em Portugal: Temas, Discursos, Paradigmas” in PINTASSILGO, J. et al. (orgs.) (2007). A História da Educação em Portugal – Balanço e Perspectivas. Lisboa: Edições Asa, 13-34.

MOGARRO, Mª João (2001). A formação de pro-fessores no Portugal contemporâneo – A escola do Magistério Primário de Portalegre. Universidade de Extremadura. Instituto de Ciências de la Educatión. Tese de doutoramento policopiada.

MOGARRO, M. J. (2003). “Liceu Mouzinho da Silveira” in NÓVOA, A. & SANTA-CLARA, A. T. (coords.). Liceus de Portugal: Histórias, arquivos, memórias. Porto: Edições Asa, 559-579.

NÓVOA, A. et al. (2003). “O todo poderoso Im-pério do Meio” In NÓVOA, A. & SANTA-CLARA, A. T. (coords.) Liceus de Portugal: Histórias, arquivos, memórias. Porto: Edições Asa.

PESSOA, A. M. (1996). “A Biblioteca na(s) escola(s): de um Desnecessário Passado a um Futuro Cheio de Esperança?” Cadernos BAD (2),

Lisboa: APBAD, 15-30.

UNESCO (1999). Manifesto da UNESCO sobre Bibliotecas Escolares.

VEIGA, I. (Coord.) (1996). Lançar a Rede de Bi-bliotecas Escolares. Lisboa: ME.

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Capítulo IIFormação de Professores em Portugal

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Capítulo II - Formação de Professores em PortugalEducação e formação de professores: História (s) e memória (s)

67O texto centra-se nos percursos de seis alu-

nos da Escola do Magistério Primário de Évora, da década de cinquenta. Visa registar mudan-ças e continuidades na construção de carreiras pessoais, a partir de uma experiência formadora comum. Recorreu-se à reconstituição de biogra-fi as de alunos que é, indirectamente, um recurso para se reapropriar da memória de uma instituição de ensino, pois “[...] não temos nada melhor que a memória para signifi car que algo aconteceu, ocorreu, se passou antes que declarássemos nos lembrar dela” (Ricouer, 2007: 40). Trata-se de uma evocação que tem implícitas as noções de apaga-mento e de destruição, as quais são teoricamente tidas em consideração a partir do livro A Memória, a história, o esquecimento, de Paul Ricouer. O texto não resulta de um “trabalho de luto”, usando aqui a expressão de Ricouer, mas de uma reacção ao avançado esquecimento que segue a sombra da destruição.

Começa-se por uma nota prévia: o que causa perplexidade

Apesar de Évora ser uma cidade Património Mundial da Humanidade, prerrogativa concedida pela UNESCO no dia 25 de Novembro de 1986, a salvaguarda do seu património cultural não de-sencadeou um exercício de vigilância concertado sobre os seus bens (no sentido do verbo latino

‘superintendere’), ou seja, não cuidou, com inten-cionalidade (‘intentio’) valorativa e resignifi cativa, dos bens do seu espaço público, o correspondente a uma área total de 12 hectares delimitada por uma muralha uniforme com cerca de 4 quilómetros de perímetro. Diga-se, uma área patrimonial conside-rável!

Um dos dois critérios específi cos decisivos da classifi cação de Évora pelo Comité do Património Mundial da UNESCO foi ser exemplo duma arqui-tectura urbana homogénea do século XVI: “Evora is the fi nest example of a city of the golden age of Portugal after the destruction of Lisbon by the earthquake of 1755”. Entre as edifi cações legadas de seiscentos destaca-se o convento de Santa Mónica vinculado à Ordem das Agostinhas Calça-das, que no século XX serviu para instalação da Escola do Magistério Primário de Évora [EPME]. Todavia não é o edifício em si que agora nos inte-ressa, cuja preservação, quer da parte construída original, quer da construída por demolição da parte em ruínas se afi gura garantida. Trata-se antes de sinalizar a incúria relativa ao património docu-mental da Escola, representativos dos processos de estruturação interna e referência para a com-preensão da realidade institucional. Documentos como livros de actas e de tomada de posse dos docentes, ou outros documentos não ofi ciais mas igualmente apreciáveis para suscitar uma visão

UMA INSTITUIÇÃO E SEIS PERCURSOS: Apontamentos biográfi cos sobre alunos da Escola do Magistério Primário de ÉvoraMaria Teresa Santos | Universidade de Évora

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo II - Formação de Professores em Portugal

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integrada, desapareceram ou foram deitados fora por arbítrio anónimo de “não se sabe quem”, quer durante a transição do arquivo da Escola do Ma-gistério Primário de Évora para a Universidade de Évora, quer na alocação desse arquivo na própria Universidade. Na tentativa de encontrar os docu-mentos contactou-se a última directora, a profes-sora Adélia Tojo Murteira Reis, que mencionou ter entregado um inventário dos bens e que o arquivo fora alojado provisoriamente numa das salas do Palácio do Vimioso. Por qualquer razão o arquivo transitou para uma arrecadação do colégio Luís de Verney. Sabe-se que foram destacadas duas fun-cionárias da Sessão de Pessoal para transladação desse arquivo, pois chovia na dita arrecadação. Deitou-se fora o que estava estragado, limpou-se o pó do que restava e recolou-se tudo numa outra arrecadação, por onde se entrava pela janela, pois a porta estava vedada devido às obras que decor-riam no edifício. Depois o arquivo foi enviado para a capela seiscentista de Nossa Senhora da Con-ceição, que fi ca no Colégio do Espírito Santo. Para se selecionar o arquivo, de modo a orientar a sua distribuição e depósito por estruturas funcionais, apelou-se à boa vontade de uma ex-empregada da Escola do Magistério, a D. Tilinha, de quem nin-guém se lembra do apelido. A partir desta tarefa é possível localizar uma parte do arquivo na Bibliote-ca Geral da Universidade, nos Serviços Académi-cos e na Secção de Pessoal. Outra parte teria ido para a Mitra, a 16 km de Évora e daí para o Edifí-cio dos Leões, onde se acumulam ‘dossiers’ em estantes, às quais não se acede por os corredores estarem obstruídos, devido à acumulação de sacos plásticos pretos com mais ‘dossiers’. Supõe-se que alguns desses sacos, cobertos por uma camada de pó asfi xiante, contenham material da Escola do Magistério Primário.

O relato da localização do arquivo da EMPE causa particular perplexidade por Évora ser uma cidade mundialmente comprometida com o acau-telamento da deterioração ou do desaparecimento do seu património, seja o edifi cado, seja o que integra o edifi cado, pois ele é sempre singular e insubstituível, independentemente da instituição de pertença ou acolhimento.

Ora o conceito de património cultural pressupõe a efectivação da relação com o espaço público, no sentido de um fenómeno sociopolítico vinculativo e identitário, e implica conservação dos registos de constituição, funcionamento, realização e pertença a tudo o que foi valorado como tal. Honorio Ve-lasco sublinha o compromisso das instituições na seguinte defi nição:

patrimonio cultural es una categoría que se ha logrado instalar en la sociedad civil tras una larga historia de esfuerzos puestos en producir una sensibilización general, y el haber logrado la implicación de las instituciones públicas en su protección y conservación frente a nume-rosas y poderosas asechanzas […] intentando proporcionar perdurabilidad a determinados elementos en una sociedad cuya dinámica parece inexorablemente regida por la idea de cambio (Velasco, 2007: 29).

Numa sociedade em processo de informatiza-ção tecnológica que tudo divulga e quase dispen-sa o papel como suporte de registo, assume-se defensivamente uma atitude rigorosa e séria de catalogação e conservação do património. Uma atitude decorrente de uma ideologia conversadora e reactiva ao desenvolvimento imediatista, incer-to, que tudo apaga e esquece. Como esclarece Honorio Velasco, o conceito de património está associado a “una ideología, el conservacionismo, cuya consistencia se forja frente a otra ideología, el desarrollismo” (Velasco, 2007: 30). Foi este conser-vadorismo testemunhal e identitário (a interpretar sem conotação sociocultural negativa) que Évora, cidade Património Mundial da Humanidade, não respeitou.

Para além de Évora ser cidade Património Mun-dial da Humanidade também é Cidade Educadora desde 2001, aquando da subscrição da Carta de Princípios das Cidades Educadoras, na sequência dum congresso internacional realizado em Lisboa, em 2000. O município assumiu que Évora é mais que espaço construído de concentração monu-mental e humana: confi gura-se como um projecto de vida, de intencionalidade interactiva formativa, situado num espaço urbano com valor patrimonial. Apesar de a cidade ser educativa, seja pela me-mória que conserva e evoca, seja pelas estruturas culturais que possui e disponibiliza, acresce ser uma cidade educadora. Tal signifi ca que o seu plano estratégico de actuação está comprometido com um projecto de habitação local de respon-sabilidade global, orientado por três objectivos transversais: um, a formação humana em qualquer das actividades promovidas; outro, a participação e convivência de todos, sem exclusões, nem visões reducionistas da realidade; um outro, o desenvolvi-mento sustentado. Simplesmente nela tem lugar a educação: “Pelo facto de ser cidade é, em si mes-ma, fonte de educação, a partir das suas múltiplas esferas e para todos os seus habitantes” (Figueras, 2012). Todavia, e porque a educação implica uma relação intercomunicativa, é “fonte de educação

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Capítulo II - Formação de Professores em PortugalEducação e formação de professores: História (s) e memória (s)

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(…) para todos os seus habitantes” e entre todos os seus habitantes. Neste sentido, a cidade é uma teia relacional, um espaço interactivo e colectivo, onde se interpelam as posições e as pressuposições de cada um, onde confl uem discursos resultantes da articulação de códigos diversos, de metáforas múl-tiplas, de variadas pertenças culturas, decorrentes da diversidade do vivido, concretizado e expec-tado. Uma tal “teia-polis”, alargada e multidirec-cional, tem de buscar na ética os pontos de apoio para uma confi guração consistente e fl exível. Re-correndo às palavras de Paula Pereira, “Isto requer uma atitude ética que supere a superfi cialidade dos discursos pluralistas e multiculturais, «apropriados» pelos poderes dominantes” (Pereira, 2011: 88).

Neste patamar de compreensão, a cidade é o ‘oikos’ ou ‘domus’ educativo que enraíza, sustenta, cuida e projecta a formação interactiva dos seus habitantes. Exemplarmente, a cidade educadora não se considera apolítica, não ignora a esfera cul-tural e não se alheia do cuidado patrimonial. Toda-via, e daí a perplexidade, Évora, cidade educadora, não apresentou uma alternativa protecionista para os bens materiais, como bem exemplifi ca caso do arquivo da Escola do Magistério Primário.

E, fi nalmente, causa ainda perplexidade o facto de Évora ter uma universidade com actividade lectiva na área do património cultural. Isto prova a inconsequência entre a construção do saber e a aplicabilidade do saber. Por sua vez, isto reforça a ideia de que os arquivos estão afectados por uma patologia social de rejeição e irresponsabilidade. Simplesmente incomodam e são de outros. A vulnerabilidade característica da documentação, que bastaria como advertência, quer no acautelar em relação ao seu arrumo, quer na consideração metodológica de outras possibilidades, não bastou para superar a referida patologia crónica.

Perante estes factos, como se estuda uma instituição? Da minha experiência (mudo o registo de referência pronominal para evitar o anonima-to), a frustração tem sido quase contínua, apenas quebrada pela satisfação decorrente de um ou outro documento encontrado, ou de informação dada informalmente, ou de um testemunho gene-roso. Mas mesmo assim as incertezas subsistem. Os documentos são insubstituíveis na garantia de precisão. É o caso do local de funcionamento da EMPE. António Alexandre Botelho fornece dois dados: um, em 1943 a Escola estabeleceu-se no

FOTO 1 – ESCOLA DO MAGISTÉRIO PRIMÁRIO (CONVENTO DE SANTA MÓNICA)

Fonte: Arquivo Adélia Murteira. 1957

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo II - Formação de Professores em Portugal

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edifício da Escola Normal de 2.ª Classe (1884-1892) e da Escola Districtal d’Évora (1896-1922); outro, a Escola fi xou-se em 1947, no edifício de Santa Mónica («Escola do Magistério Primário de Évora. Um século de história. Uma saudade»: 18.1.1996. Trata-se de um recorte a que falta a indicação do nome do periódico). Desconhecemos a fonte para tais afi rmações, mas vêm pôr em causa outras, igualmente infi rmes, sobre o local inicial de fun-cionamento e a data de transferência. A situação de incerteza tem sido uma constante ao longo da investigação.

Continua-se com a justifi cação do título “Uma instituição e seis percursos”: o que re-presenta uma instituição

Sem arquivo não há como reconstituir uma narrativa institucional e consequentemente a sua identidade histórica. Se se admitir, de acordo com Durkheim (Regras do Método Sociológico, 2007), que uma instituição é uma estrutura orgânica de ordem social, protectora e utilitária, a ausência de documentação deixa-a num estado inanimado que impossibilita a sua biografi a.

Certo que a EMPE era uma instituição com um mínimo de autonomia, modelada pelo Estado Novo, reproduzindo um modelo ideológico com pa-drões, papéis, regras de gestão e relações pré-de-terminadas. Pode-se confi gurar a EMPE recorren-do à similitude com outras escolas, ou à consulta do regulado agregador, começando pelo Decreto-lei n.º 32.243, de 5.09.1942 (D.G., I Série, n.º 208), alargado pelo Decreto-lei n.º 33.019/43, de 1 de Setembro (D.G., I Série, n.º 187), e seguindo outros de abrengência comum. Mas o que a distingue das demais resulta não só da organização, resistên-cia, acomodação e convicção das pessoas que a habitaram para alcançar as suas necessidades for-mativas e expectativas profi ssionais, mas também da utilização dos meios materiais e imateriais, da conduta, das atitudes, dos vínculos e do número de indivíduos. Trata-se de factores imponderáveis susceptíveis de afectar a escola, marcando a sua história, que é a história dos que a ela pertence-ram. A legitimidade a este recurso metodológico alternativo é conferida por Justino Magalhães: “As principais fontes de informação sobre a escola respeitam a três áreas: a materialidade; a organi-zação e a acção pedagógico-didáctica; vivências e memórias” (Magalhães, 2010: 35). É metodologica-mente possível reconstituir parcialmente a biografi a de uma instituição por mediação das vivências dos seus alunos, professores e outros funcionários. Em particular dos alunos, pois

“a essência das escola residiu na construção do aluno como ofi cial escolar, portador de uma identidade socialmente aceite, cumpri-dor de um desempenho sociocultural” […], “portador de artefactos escritos, artísticos, técnicos, assegurava um estatuto de cidadania e progredia no processo de formação (currícu-lo), como esperança e como normalização da comunidade” (Magalhães, 2010: 35).

Todavia propomos uma infl exão à descrição biográfi ca vinculada à instituição. Optamos por um primado de termos reversíveis: se a escola orienta o percurso dos alunos, o percurso dos alunos é revelador da escola. Há uma íntima relação entre uma instituição profi ssionalizante e a profi ssão adquirida, o que valida as seguintes perguntas: o percurso dos ex-alunos evidencia a potencializa-ção da participação sociocultural, entendida como dimensão da educação?; houve aproveitamento da formação recebida pelo tecido institucional?; qual o retorno (no duplo sentido de regresso e retribuição) dos ex-alunos à instituição?. Colocando-nos no plano da racionalidade e considerando que a inter-relação entre sujeitos “capazes de falar e de agir” (Habermas, 1990: 276) dentro duma instituição de formação cria fortes vínculos de proximidade, deixa marcas que contaminam a visão do mundo e cria redes particulares de mobilidade, interessa-nos saber que percursos fi zeram alguns/mas alunos/as depois de abandonarem a EMPE.

Estabeleceram-se alguns critérios de selecção. Um, a paridade entre géneros, do que resultou a escolha de três mulheres e três homens. Admite-se que seja um critério desajustado, pois o sexo masculino representava uma percentagem baixa no total dos/as estudantes em frequência escolar. De facto, a feminização do ensino já estava con-fi rmada no início do século XX. Todavia raramente as professoras saíram do círculo da sua profi ssão para avançarem para outro círculo, ou destacaram a sua razão pedagógica. Ao contrário, para muitos homens as escolas do magistério foram trampo-lim para novos espaços e fermento para outros estudos. Nesta perspectiva, não é possível uma representação numérica dos percursos pela via da proporcionalidade numérica e estabelecer a pari-dade já é difícil.

Foram escolhidos José Queirós, Mariana Perdi-gão, Manuel Patrício, Rosa Colaço, António Botelho e Adélia Reis. O que há de comum entre eles? An-tes de mais, o pertencerem à geração dos alunos de cinquenta. Entre a II Grande Guerra (1944-1948) e a Guerra do Ultramar (1961-1974), os anos cin-quenta representam do ponto de vista económi-

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co algum aumento no poder de compra e ganho de produtividade, mas do ponto de vista político correspondem à mobilização de agentes e meca-nismos de controlo sobre instituições nacionais, de que a EMPE, sujeita a planifi cação centralizada e dominada pela fi gura do professor Alves Martins, foi exemplo.

Para as mulheres e na conjuntura ideológica de Portugal, o decénio não deixou de ser signifi cativo, quer pela acessibilidade aos estudos secundários (nomeadamente o liceal: Nóvoa e Santa-Clara, 2003), quer pela abertura social à empregabilidade. A própria EMPE, bem vigiada e regulada, manteve turmas duplas, na quase totalidade constituídas por raparigas que iriam exercer. A geração de cinquenta inscreveu-se na memória educativa da cidade, que ainda não tinha ensino superior. A Escola era centro da atenção dos eborenses: os actos e as festividades académicas mereciam registo no calendário social da cidade e as famílias eram mobilizadas. Na mesma década entrara em circulação O Leme, fundado em 1952. O periódico não só dava visibilidade à Escola, como também deixava ressoar a consistência ideológica entre o projecto educativo do Estado Novo e a constituição de grupos socioprofi ssionais (Santos, 2012). Mes-mo assim o escândalo atingiu a instituição, pondo em causa a confi ança dos reguladores ofi ciais da moral e levando ao afastamento do director, mode-lo da cristalização da razão autoritária e intimidató-ria. Todavia a Escola permaneceu uma referência nas décadas seguintes.

Refazem-se os percursos: pontos de encon-tro de ex-alunos e ex-alunas

À mera descrição biográfi ca prefere-se pôr em evidência pontos de encontro de seis percursos pessoais que seguem paralelos aqui e ali, ou cru-zados em algum momento, dando-se a conhecer actividades e acontecimentos, tensões e desejos, circularidades, continuidades e rupturas. Note-se não haverá textos uniformes, pois que é diferente a informação recolhida e diferente o percurso pes-soal. Em todo o caso todos deixam a convicção de que a Escola do Magistério Primário de Évora foi a medida e o momento para esboçarem os próprios projectos.

Vai-se sintetizar num quadro os pontos de en-contro que se explorarão a seguir. A entrada dos nomes respeita o último ano lectivo de inscrição na Escola e cada percurso pode ser interpretado como a ponta de uma meada por onde se tenta uma abordagem à identidade de uma instituição.

Mariana dos Santos Calhau Perdigão: aluna e docente na EMPE

Natural de Évora e fi lha de lavradores, nasceu a 20 de Março de 1930. Frequentou o curso de 1949-1951 da Escola do Magistério Primário de Évora (Exame de Estado a 12 de Agosto de 1952), toda-via, até ao 25 de Abril de 1974 só deu aulas pontu-almente e em regime de curta substituição. Faleceu no dia 11 de Novembro de 2008, em Évora. Após o 25 de Abril, Mariana Perdigão foi convidada pelo Director da Escola do Magistério Primário de Évora, José Bizarro, para leccionar a disciplina de Religião e Moral. Tendo enviuvado de João Gregório Per-digão, com quem casara a 1 de Outubro de 1955, e sendo responsável por sete fi lhos, requereu a adesão ao quadro de agregação, o que lhe permi-tiu, em simultâneo, fi car colocada como professora da Escola Anexa à referida Escola do Magistério Primário e de aí leccionar Didáctica.

Quadro 1

ACTIVIDADES/PERCURSOS

No âmbito da EMPE Ex-Alunos/as Fora da EMPE

O Leme

Hino

Docência

Direcção

Francisco Queiroz

Cátedra

Funções em serviços no ME

Governo Civil

Manuel Patrício

Maria Rosa Colaço

António Botelho

Mariana Perdigão

Adélia Reis

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo II - Formação de Professores em Portugal

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Destacou na dimensão política local, integrando o grupo fundador do PSD em Évora. Na sequência da formação do VI Governo Constitucional, chefi a-do por Francisco Sá Carneiro, foi nomeada Gover-nadora Civil do Distrito de Évora. Tomou posse a 21 de Fevereiro de 1980 e manteve o cargo nas VII e VIII legislaturas até 11 de Julho de 1983, o perí-odo quente das ocupações agrárias. A nomeação colocou-a, a nível nacional, como a 1.ª mulher com o cargo de Governadora Civil.

Maria Adélia Murteira Reis: aluna, docente e directora da EMPE

Natural de Évora, nasceu a 24 de Setembro e 1930. Interrompeu o curso de Matemática da Faculdade de Ciências de Lisboa e matriculou-se na EMPE no curso de 1950-1952. Concorreu para a Escola Aplicada anexa à EMPE e mais tarde transi-tou para a própria instituição, onde lecionou Didác-tica e Legislação Escolar, como professora interina e por despacho de 4 de Dezembro de 1968, subs-tituindo o Joaquim Marmelada. Fez exame para professora efectiva de Didáctica e Legislação na Escola do Magistério Primário de Coimbra, a 3 de Maio de 1972.

Foi a décima e última directora, ocupando o cargo de 26 de Dezembro de 1980 a 30 de Junho de 1989. Coube-lhe preparar a transição dos bens da EMPE para a Universidade de Évora em conso-nância com a Portaria n.º 507/88, de 28 de Julho (D.R. Série I, n.º 173). A Portaria n.º1186/91, 2 de Dezembro (D.R. Série I-B, n.º 277) determinava a

transferência de afectação do edifício, equipamen-to e arquivo da extinta Escola do Magistério Primá-rio para a Universidade de Évora. A ela se deve, em generosa colaboração, a vivifi cação da memória da fase fi nal da vida institucional da EMPE.

Francisco Alberto Fortunato Queirós: aluno da EMPE e professor catedrático

Nasceu a 11 de Abril de 1933, na freguesia da Sé, concelho e distrito de Portalegre Concluiu o curso na Escola do Magistério Primário de Évora, no fi nal do ano lectivo de 1951-1952. Entrou em funções docentes a 9 de Setembro de 1952. Co-meçou como responsável da Secção da Direcção-Geral do Ensino Primário, seguiu-se a nomeação para Vogal da Junta Nacional de Educação e Pro-curador à Câmara Corporativa em representação do ensino primário. Em 1965 esteve como Director de Curso da Telescola. Entretanto licenciou-se em História e integrou o quadro de docentes da Facul-dade de Letras da Universidade do Porto. De 1982 a 1985. Em 1982 foi Presidente da Comissão Insta-ladora da Escola Superior de Educação do Porto. De referir que foi vice-presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Politécnicos e membro do Conselho Nacional de Acção Social Escolar, da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior e da Comissão Nacional da UNESCO. Faleceu em Vila Nova de Gaia, em Dezembro de 2008.

Da sua actividade académica na EPME destaca-se a fundação do periódico O Leme, em 1952, jun-tamente com António Alves Serra. Dirigiu o periódi-co durante 11 números, empenhando-se na saída regular, na colaboração alargada de professores e alunos, na visibilidade das actividades escolares e sociais, e na afi rmação da identidade socioprofi s-sional do professor do ensino primário.

“contaminado pelo lirismo regenerador da missão docente e antecipando o corpora-tivismo profi ssional do regime, o periódico eborense enquadrava ideologicamente os estudantes mediante o uso dum discurso de tipo isomórfi co, quer dizer, construído em consonância com o discurso ofi cial pautado pela moral cristã e pelos valores patrióticos” (Santos, 2012: ).

Francisco Alberto Fortunato Queirós exemplifi ca o percurso de alguns alunos das EMP, que inves-tem progressivamente nos vários níveis de docên-cia, na formação cultural e na transição de estratos sociais. De facto, em 1979 fez o doutoramento em História Moderna e Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde terminou

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Capítulo II - Formação de Professores em PortugalEducação e formação de professores: História (s) e memória (s)

73a carreira profi ssional como Professor Catedrático, aposentando-se a 5 de Março de 1999. Tal como Mariana Perdigão foi nomeado governador civil. Na II Legislatura, formada a partir do acto eleitoral de 5 de outubro de 1980, ocupou o cargo de Governa-dor Civil em Portalegre até 1981.

Referência bibliográfi ca específi ca

Seria desadequado ao objectivo deste texto considerar toda a bibliografi a de Francisco Quei-rós, pelo que se preferiu incidir sobre o que é sig-nifi cativo para a formação docente e revelador do seu empenho profi ssional. Registam-se tão-só três títulos existentes na Biblioteca Geral da Universida-de de Évora: Didáctica Especial. Apontamentos de geometria e trabalhos manuais. Coimbra: Atlântida, 1963; Didáctica Especial: Sugestões para lições de aritmética e geometria, geográfi co-naturais e trabalhos manuais. 2.ª ed. Coimbra: Atlântida, 1965; Didáctica Especial. Aritmética. [Ofi c. Atlântida], 1965.

Tabela 2

EQUIPA “O LEME”

Nº Funções Nomes

11/1 Fundadores Francisco Alberto Queiróz; António Alves Serra.

Editor Inácio Falé Jr, Ant. Henriques, Rodrigo Jorge

Redacção

Administração

EMPE

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo II - Formação de Professores em Portugal

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António Alexandre Botelho: aluno, docente e director da EMPE

Natural de Arcoselo da Torre, nasceu a 5 de Janeiro de 1927. Passou pelo Seminário de Viseu e foi aluno do curso de 1951-1953 da EMPE. Nomea-do para o quadro de agregados do Distrito Escolar de Évora (2.9.1953) nos anos lectivos de 1954-1955 a 1957-1958, foi colocado na Escola de Aplicação anexa à EMPE. Depois de um ano em Moimenta da Beira, regressou à Escola de Aplicação. Integrado como docente da EMPE, leccionou a disciplina de Didáctica. Foi o nono director da EPME e o primei-ro a ser eleito pelos colegas. Ocupou o cargo entre 10 de Outubro de 1978 e 26 de Dezembro de 1980. Faleceu em Évora, no dia 21 de Dezembro de 2004.

Note-se que o registo biográfi co de António Alexandre Botelho, do tipo função-data, decorre da falta de documentação sobre a EMPE e é um caso exemplifi cador. No processo de António Alexandre Botelho, existente no arquivo da Sessão de Pesso-al da Universidade de Évora, com o n.º 126, apenas se encontra uma folha de registo de presenças. E contudo é um dos nomes mais mencionados por antigos/as alunos/as, recordando-o pela exigência e pelo espírito crítico ao relaxamento do sistema de ensino.

Maria Rosa Colaço: aluna e poetisa

Maria Rosa Parreira Colaço nasceu no Torrão, concelho de Alcácer do Sal, a 19 de Setembro de 1935. Casou com António Lille Delgado Malaquias de Lemos, de quem adoptou os dois últimos no-mes. O seu percurso académico inclui a frequência da Escola Técnica de Enfermagem, em Lisboa, e a matrícula na Escola do Magistério Primário de Évo-ra, que frequentou nos anos lectivos de 1956-1958. Realizou o exame fi nal de habilitação profi ssional a 23 de Julho de 1958, obtendo 16 valores. Sobre o perfi l pedagógico que reconhecia a si mesma, disse numa entrevista de Luís Souta: “Fui, talvez, uma professora que sobretudo tentou sempre inovar (sabendo que a inovação é um espinho que fere os sereníssimos tímpanos dos acomodados). Sempre defendi uma teoria: para ser feliz, tenho de me sentir bem no meu trabalho”. Era sobretudo uma professora que se mobilizava com envolvência e persistência: “Sempre fui para escola como se fosse para uma festa. Nunca saí da escola a pen-sar: aquele é um estúpido não aprende. Sempre vim para casa dar voltas ao pensamento para en-contrar outras maneiras de me entenderem melhor. Pensava: há-de haver outra maneira. Há sempre outra maneira. Essa procura é o fi o condutor dos dias para alcançarmos o sonho, para derrubar as sombras e acender o sol que, um dia, aquecerá todo o frio do mundo”. A sua actividade docente foi sempre louvada, daí ser patrona da Escola básica

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Capítulo II - Formação de Professores em PortugalEducação e formação de professores: História (s) e memória (s)

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do 1.º ciclo com Jardim de Infância Maria Rosa Colaço Almada (2810-104). Faleceu 13 de Outubro de 2004, em Lisboa.

Do período passado na EMPE destaca-se a sua colaboração em O Leme. No seu primeiro ano de aluna publicou um texto esclarecedor do título do próprio jornal «O Leme» (O Leme, Ano V, n.º 472 (30 Nov. 1956) p. 1). Continuou a colaborar, quer com pequenos textos marcados pela ideologia peda-gógica da época, quer com poesias de acentuado lirismo juvenil (O Leme, n.º 49, Ano VI, 16 de Feve-reiro de 1957; n.º 50, 12 de Abril 1957). Escreveu o hino da Escola do Magistério Primário de Évora com música de Manuel Ferreira Patrício.

I Já de longe vem a cor/ E o perfume e can-ção/ Desta tarefa de amor/ Que só pede coração.II Deus é Caminho e luz/ A guiar esta missão/ E este sonho que reluz/ Dentro em nosso coração.Refrão Esta escola é a alvorada/ Em que se esboça/ O Ideal/ O ideal/ Da gente moça/ Que quer lutar/ Por Portugal/ Escola-Caminho/ Pá-tria- Oração/ Em que o trabalho/ É devoção. III Daquilo que nós fi zermos/ Os frutos se hão-de escolher/ E o futuro a olhar-nos/ Portugal a agradecer.IV A criança é novo mundo/ Que iremos descobrir/ Nossa Fé é mar sem fundo/ Nosso lema é bem.

Referência bibliográfi ca específi ca

Particularmente autora de muitos livros de poesia e contos infantis, o seu nome está indele-velmente associada ao livrinho A Criança e a Vida, onde registou os singulares universos poéticos dos seus alunos.

Maria Rosa Colaço (org.). A Criança e a Vida. Lisboa: Edições ITAU, 1969.

Manuel Ferreira Patrício: aluno e docente da EMPE; reitor da UÉ

Nasceu 20 de Setembro de 1938, em Montargil. Concluiu o curso na Escola do Magistério Primário de Évora, no fi nal do ano lectivo de 1957-1958. Do seu currículo, que expressa inteira dedicação aos fundamentos fi losófi cos da prática educativa e à vi-são reformadora do ensino, destaca-se o seguinte: a fundação da AEPEC (Associação da Educação Pluridimensional e da Escola Cultural), em 1990; o reitorado na Universidade de Évora (UÉ), desempe-nho entre março de 2002 e março de 2006.

Enquanto aluno da EMPE merece ser desta-cado como director de O Leme. Sobre o tempo de aluno escreveu o irmão de Manuel Patrício: “Logo no primeiro ano do Magistério, o director escolheu-o para a área cultural, director do jornal da Escola, O Leme, preterindo, por exemplo, a colega do segundo ano e que fi cou amiga para a

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo II - Formação de Professores em Portugal

76vida, Maria Rosa Colaço” (Patrício, 2008: 521). Da parceria amiga com Maria Rosa Colaço resultou o seguinte: ela escreveu a letra do Hino da EMPE e ele compôs a música. Todavia Manuel Patrício seria o último director de O Leme (n.º 55, de 14 de junho), na sequência da série de acontecimentos relacionados com a denúncia de prática de fraude académica, caso que levou à demissão do director Alves Martins. Esta atitude de verticalidade ética

dá a medida do seu comportamento académico. Manuel Ferreira Patrício também foi docente da EMPE. Trata-se de uma passagem curta. Regres-sou à escola em 1975, quando foi destacado em comissão de serviço para leccionar a disciplina de Pedagogia. Tal como Francisco Queiróz, investiu na sua formação académica, tendo-se doutorado em Filosofi a da Educação na Universidade de Évora e chegado à cátedra em 1993.

Referência bibliográfi ca específi ca

A observação anteriormente feita a respeito do registo bibliográfi co de Francisco Queiróz, que apenas atendeu ao que se relacionava directamen-te com o ensino primário, como dantes se dizia, volta a ter validade. Face à vastíssima bibliogra-fi a de Manuel Patrício, indicar um só texto causa estranheza. Mas o uso do critério estabelecido mantém-se.

Vale a pena chamar a atenção para a estrutura do Livro de Leitura da Segunda Classe, redigido quando era professor na Escola Primária n.º 142, em Lisboa: os textos, em prosa e verso (alguns cantáveis), acompanham as estações do ano, esti-mulando a observação das crianças e inserindo-as na temporalidade cíclica da natureza. De notar a introdução da poesia de Sophia de Mello Breyner e a ilustração de Maria Keil e Luís Filipe de Abreu. Resultado de apurada sensibilidade estética e persistente investigação. Ficam, mais uma vez, as palavras do irmão: “Conservo livros de leitura sue-cos consultados para a elaboração deste” (Patrício, 2008: 524).

PATRÍCIO, Manuel, VIEIRA, Judith & GRAÇA, An-tónio. Livro de Leitura da Segunda Classe. Lisboa: Editora Educação Nacional, 1968.

Consideração fi nal

Os estudos biográfi cos, desenvolvidos nos últi-

Tabela 3

EQUIPA “O LEME”

Nº Funções Nomes

52/55 Director Manuel Ferreira Patrício

Editor Associação dos Alunos da EMP

Administrador Porfírio Brites

Redactores Maria Rosa Colaço; Francisca Ramalhinho;

Eduardo Geraldo; António de Almeida;

António Fachadas.

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Capítulo II - Formação de Professores em PortugalEducação e formação de professores: História (s) e memória (s)

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mos quarenta anos, têm sido apoiados por teorias e metodologias que permitem alargar o campo da investigação (Chamberlayne, Bornat & Weingraf, 2000). Não obstante as debilidades epistemoló-gicas reconhecidas e a lateralidade em relação à exposição convencional da historiografi a, os estudos biográfi cos funcionam como focos direc-cionados para zonas indistintas, valorizando os registos de leitura subjectiva dos acontecimentos e recolhendo memórias perecíveis. Tal recurso tem sido utilizado em educação com vista a fl exibilizar perspectivas de compreensão: “It is clear that one of the advantages of biographical research is that the variety that is the lief of the subject will guide researchers again too rigid a view of methodology” (Erben, 1998: 4). De facto, este texto serviu-se das biografi as como recurso metodológico compensa-tório da falta de documentação. Mas, se assim não fosse, não se teriam cruzado os seis percursos, marcados por uma formação comum, pontos de encontro e percursos com traços paralelos. Di-versamente todos/as foram consolidando na sua experiência vivencial a vontade de corresponder ao perfi l de professor/a, por um lado, e, por outro, o compromisso cívico, num contexto epocal politi-camente uniforme e vigiado. Traços identitários. Convergência e divergências. Memória da escola.

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo II - Formação de Professores em Portugal

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Capítulo II - Formação de Professores em PortugalEducação e formação de professores: História (s) e memória (s)

79Introdução

A nossa refl exão pretende captar, ao tempo das Experiências Pedagógicas, as fi nalidades e o sen-tido da reforma do ensino normal primário, num tempo de crise revolucionária e de construção democrática da educação, legitimada na pros-secução da igualdade de oportunidades e numa maior implicação da educação no âmbito local. A análise privilegia os discursos dos atores pro-duzidos na imprensa escolar, particularmente na Escola Democrática e n’ O Professor, mas também os publicados em livro, durante a normalização.

Prolegómenos

A 25 de Abril de 1974, o Estado Novo colapsou. A manutenção de estruturas de decisão induzem-nos a concluir que o colapso do Estado Novo não arrastou consigo o Estado mas apenas o Estado fascista (Santos, 1998). A transição fez-se por rutura (Pinto, 2001, p. 360) e a eclosão de um movimento social popular – que apesar das ten-tativas de hegemonização, por parte dos partidos políticos, conservou espaços de autonomia e não se confundiu ou fundiu com as forças políticas (Petrella, 1990, p. 15) –, vai impedir que a crise de hegemonia se resolva a favor da burguesia in-dustrial e fi nanceira (Pinto, 2001, p. 360). A 11 de Março, com a nacionalização de banca, seguros

e empresas dos grupos monopolistas, agudiza-se o confl ito político e social e é o momento da fase revolucionária. A crise do Estado passa a uma crise revolucionária. O Estado transmuta-se numa plataforma múltipla de lutas sociais e políticas e a fraqueza e contradições do aparelho de Estado, sinónimo de dualidade de impotências, estão na génese de um Estado dual (Santos, 1998, p. 28). A crise revolucionária encerra com o 25 de Novem-bro de 1975 e na sua ressaca, o Estado emerge outro, com novo quadro constitucional e legal e profundas transformações na ordem económica e social (Petrella, 1990, p. 16).

O Estado tem papel central na política educativa em Portugal. A ação dos decisores políticos traduz a sua perceção das necessidades, de acordo com as pressões dos diferentes grupos de interesses. Sociedade e poder político elaboram mandatos para o sistema educativo, atribuindo diferentes prioridades a três categorias de metas: o autode-senvolvimento, a cidadania e a formação. O 25 de Abril colheu o Ministério da Educação em plena re-estruturação (Ambrósio, 1996, p. 667). No período da crise revolucionária o mandato para o sistema educativo visava a democratização do sucesso e o combate às desigualdades sociais (Stoer, Stolero-ff, Correia, 1990).

No debate ideológico confrontaram-se duas vias de condução do processo revolucionário,

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO ENSINO PRIMÁRIO DURANTE A CRISE REVOLUCIONÁRIA (1974-1976)António Gomes Ferreira | Univ. de Coimbra. GRUPOEDE – CEISXX – Universidade de Coimbra.

Luís Mota | Instituto Politécnico de Coimbra. GRUPOEDE – CEISXX – Universidade de Coimbra

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo II - Formação de Professores em Portugal

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a da dinâmica de bases e a da instrumentaliza-ção. A dinâmica de bases apelava à intervenção dos atores em cada estabelecimento de ensino, defendendo a democracia direta, construindo o processo localmente e constituindo-se um poder alternativo e, em certa medida, bloqueador da ação do Ministério da Educação. Logo após o 25 de Abril, esta conceção está presente na ocupa-ção de escolas, nos saneamentos dos reitores e de professores e funcionários comprometidos com o Estado Novo, nas comissões de gestão que irromperam pelos diferentes liceus, criando formas de controlo participativo. Estoutra sustentava, uma visão centralizadora do processo e a instituição de uma dinâmica mobilizadora, do centro para a peri-feria, a partir da instrumentalização de dimensões do saber escolar, de princípios ideológicos e de técnicas de organização da sociedade de acordo com modelo ideológico defi nido. Perspetivava a sua organização em função de um novo estatismo associado a experiências e lógicas de regimes de um socialismo centralizador (estatista). Identi-fi cava-se com ações coordenadas e de iniciativa do Ministério da Educação, consubstanciados no novo modelo de escola constante do Plano Melo Antunes, operacionalizadas, nomeadamente, nas modifi cações propostas para as Escolas do Ma-gistério Primário1.

Em contexto de aceleração da crise revolucio-nária, o Conselho de Diretores-Gerais do Ministé-rio da Educação e Investigação Científi ca (MEIC), produz o Programa aprovado pelo Conselho de Diretores-Gerais do MEIC, em Abril/Maio de 1975 (Teodoro, 2001, p. 357). O programa traduz a ideologia democratizante e crítica sustentada numa defi nição política da educação, em que a problemática educativa passa a defi nir-se pelo seu contributo para a democracia – indissociável da fundação de uma cidade educativa sustentada por princípios democráticos e de participação –, resultando na democratização da vida das esco-las, no esbater da diferença das formações, para o trabalho e para a cidadania – buscando uma relação crítica entre escola e mundo do trabalho tendo em vista a criação do cidadão responsável e socialista –, e legitimando a igualdade de opor-tunidades como único critério de defi nição de uma justiça educativa espaldada na intervenção homo-geneizante do Estado, compaginada com alguma permeabilidade aos circunstancialismos locais (Correia, 2000).

1 Os conceitos de dinâmicas de base e instrumentalização são próximos dos de poder popular e alfabetização conceptualizados por Stephen R. Stoer, a partir das orientações estratégica e pré-fi gurativa teorizadas por Wini Breines (1980), para destrinçar diferentes formas de movimento social.

Dos planos de estudo e organização dos cursos

O 25 de Abril transportou consigo uma nova mundividência, uma nova conceção da vida e do mundo que exigia um professor novo (Pinto, 1976, pp. 14-15). O antigo diretor-geral do ensino pri-mário, Rogério Fernandes, escreveu em 1977 que enquanto exerceu o cargo tinha a convicção de que, a partir do Ministério da Educação, se poderia promover uma reforma das escolas do Magistério que formasse o professor que as transformações exigiam (Educar em Portugal, 1979).

A consequência lógica foi a alteração do plano de estudos e a substituição dos programas, numa perspetiva da sua desfascização e implicando a substituição dos professores por outros empenha-dos na «criação da escola portuguesa antifascista e democrática» (Pinto, 1977, p. 7). As escolas do magistério primário deveriam organizar-se segundo uma fi losofi a libertadora assente numa pedagogia progressista em que a teoria e a prática mutuamen-te se fecundavam promovendo o fi m da separação entre o trabalho intelectual e o manual, abertas à intervenção nas comunidades no sentido da sua transformação.

A primeira tentativa para colocar o plano de estudos e programas das escolas do magistério primário a par dos objetivos da crise revolucionária remonta a Outubro de 1974. O plano de estudos inclui, tão só, novas disciplinas, a redefi nição dos objetivos, a alteração da designação de disciplinas existentes e a adoção de uma nova metodologia que proporcionaria o alargamento da experiência pessoal e a resolução de situações que interessas-sem às comunidades – «agir sobre o meio é agir sobre a escola» (Matos, 1978, pp. 39-44). No ano letivo de 1975-1976 são introduzidas alterações que integraram «muito da experiência vivida ao longo de um ano em cada Escola» (Pinto, 1977, p. 50) e o curso foi ampliado de dois para três anos.

Tendo como horizonte o novo papel cometido ao professor, cidadão pleno e consciente do dever de intervenção cívica e da realidade social do seu país e da necessidade da sua ação transformadora, o novo currículo institui as Atividades de Contacto – resultado de uma experiência fecunda realizada pela Escola do Magistério Primário de Coimbra (Pinto, 1977, pp. 26-42) e depois alargada a outras escolas – inclui disciplinas de Ciências Sociais, possibilitando «uma leitura científi ca da realidade presente e passada» (Fernandes, 1977, p. 137), como a Sociologia e a Teoria e Dialética da História e consagra a abertura das escolas do magistério

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primário à comunidade e seus problemas, nomea-damente a comunidade profi ssional.

As atividades de contacto

As atividades de contacto visaram, prioritaria-mente, orientar os alunos-mestres na interioriza-ção do papel que o educador enquanto agente de transformação (Programas, 1975-1976), conduzin-do-os através de um contacto crítico com a rea-lidade. Centradas sobre a observação, a primeira etapa consistia na problematização da realidade a observar na perspetiva de cada disciplina, im-plicando por um lado, o empenhamento de pro-fessores e alunos e, por outro, a um exercício de interdisciplinaridade, que conduzisse à construção de grelhas de observação/modelos de fi chas de inquérito e à sua planifi cação (Pinto, 1977, pp. 26-31; 50-51). Num segundo momento realizava-se a observação propriamente dita, os alunos-mestres partiam à descoberta da criança, efetivava-se o contacto com as crianças, as suas famílias e a po-pulação em geral, que forneceria «uma base con-creta mas não exclusiva aos trabalhos a desenvol-ver ao longo do ano». A terceira fase era o regresso à escola, competia aos alunos organizarem-se, em grupos e, com o apoio dos professores, elabora-rem um «conjunto de relatórios em que sintetizarão as observações e as análises realizadas». O pro-cesso conclui-se com a realização dos Seminários sobre temas optativos (Programas, 1975-1976).

É através da natural preponderância e da in-tervenção dos professores, nomeadamente, na construção das grelhas de observação/modelos de fi chas de inquérito que permitiu, por um lado, a incorporação da energia resultante da dinâmica de bases mas, simultaneamente, acondicionando-a aos objetivos que a via da instrumentalização pretendia.

O carácter endógeno das transformações

As transformações resultam de experiências re-alizadas localmente mas numa dinâmica, de algum modo, controlada e aferida pelo centro. Na verda-de, o Ministério procurou liderar o processo. Rui Grácio, então secretário de Estado, ainda nomeou uma comissão para estudar o problema da for-mação de professores do ensino primário, mas os trabalhos foram inconclusivos. Contudo professo-res, alunos e diretores apresentaram, pelo menos, alguns caminhos trilhados que foram objeto de refl exão e puderam corporizar o novo plano de estudos (Fernandes, 1977, p. 131). As transforma-ções que vieram a ser introduzidas tiveram carácter endógeno, resultando do processo de construção

e experienciação ocorrido quotidianamente nas escolas do magistério primário servindo de suporte à tomada de posição fi nal, ainda que carecesse da chancela da direção-geral do ensino básico (DGEB). Cabral Pinto acentua este sentido de parti-cipação na construção coletiva, da periferia para o centro, de uma reestruturação progressiva, em que as experiências espontâneas ocorridas num ano eram contempladas nas alterações ao plano de estudos, no ano letivo seguinte (Stoer & Barbieri, 1999, pp. 165-204). Estamos perante o aproveita-mento da dinâmica de bases, isto, pelo menos, no que é integrável numa dada orientação.

No momento em que se deu corpo a um plano de estudos a executar em 1976-1977, ele resultou da autonomia e intercâmbio interescolas e entre escolas e a DGEB. Conjugando múltiplos contribu-tos, uma equipa de professores e técnicos, elabo-rou um plano de estudos relativamente estável. Se os objetivos não se distanciavam, pelo menos de forma marcante, dos consubstanciados nos pla-nos de estudos anteriores, uma nova organização interdisciplinar torna «mais coerente a articulação das áreas» de acordo com «um princípio geral subjacente a todo o plano de estudos», numa orga-nização de crescente complexidade «da realidade vivida e observada à consciência dos problemas; da consciência dos problemas à sua equação e resolução possível; da resolução teórica à sua apli-cação e verifi cação prática» (Matos, 1978b, p. 39). Tratou-se, afi nal, do aferir da pertinência e coerên-cia das transformações no sentido pretendido pelo centro.

Estratégia semelhante foi adotada para a avalia-ção, ainda que resultando de propostas da peri-feria, nunca o Ministério deixou de sancionar e ter a última palavra nas tomadas de decisão. O posi-cionamento face ao Exame de Estado foi, quanto a isso, exemplar. As escolas sustentaram, aparen-temente, a sua abolição, sendo que, o mais que conseguiram foi a sua suspensão temporária, pois em 1976, por decreto promulgado pelo major Vítor Alves, este considera que uma posição defi nitiva só após a reestruturação das escolas do magistério primário determinando que «a classifi cação fi nal será a que resultar de uma avaliação continuada» (Decreto-Lei n.º 651/76, de 31 de Julho).

A avaliação continuada a que se refere o diplo-ma de 1976 é, também ela, fruto de uma evolução resultante da experiência acumulada e partilha-da, pelas escolas do magistério primário, durante as experiências pedagógicas. A DGEB enviou às escolas um texto sobre a avaliação para que estas procedessem à sua discussão. A 13 de Março de

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1976 teve lugar uma Reunião Nacional de Alunos e Professores das Escolas do Magistério Primário, que veio debruçar-se sobre o «estudo do método de avaliação contínua». No fi nal foi aprovado um texto que foi reenviado à DGEB como «proposta para a defi nição de um critério de avaliação con-tínua» (Pinto, 1977, pp. 66-71). A intervenção do Ministério não se fi cava pelo sancionar as propos-tas das escolas e dos seus professores mas ela própria criava a dinâmica de participação e baliza-va a intervenção da periferia.

Da direção e coordenação das escolas do magistério primário – o papel do diretor

Na direção dos estabelecimentos de ensino normal primário prevaleceu, apesar dos ventos da História, uma direção unipessoal mesmo quando se consagrou em lei a eleição democrática dos órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino preparatório e secundário.

A 19 de Junho de 1974, António de Spínola, à data presidente da República, assinava a um diploma legal que criava uma Comissão Interminis-terial de Reclassifi cação a quem caberia regular o processo de saneamento, propondo «a suspensão, transferência, aposentação ou demissão dos fun-cionários ou agentes» (Decreto-Lei n.º 277/74, de 25 de Junho) e onde se determinava cessação de todas as comissões de serviço em 30 de Junho.

Ação signifi cativa foi a exoneração dos dire-tores das 27 escolas do magistério primário e a sua substituição por novos diretores. De 19 de Setembro a 13 de Dezembro foram nomeados os novos diretores das escolas do magistério primário, substituindo mesmo as comissões que entretanto tinham sido eleitas em Leiria e Lamego (Fernandes, 1977, pp. 122 e s.).

Regendo-se a Direção-Geral do Ensino Básico por um conjunto de princípios interdependentes decorrentes da Revolução de Abril e pretendendo contribuir para a construção do modelo de socie-dade a caminho do socialismo, apostou na «valori-zação de modalidades de gestão democrática da atividade pedagógica e da administração» mas, salvaguardando, as «possibilidades oferecidas por cada um dos graus de ensino», o que levou a direção-geral a elaborar «normas específi cas para o ensino primário e para as Escolas do Magistério» (Fernandes, 1999, pp. 19-20).

As normas específi cas traduziram-se na não implementação da gestão democrática nas escolas do magistério primário, mantendo-se a nomeação ministerial, recaindo esta sobre pessoas idóneas

que garantissem o desenvolvimento de uma «for-mação pedagógico-didático-política adequada à edifi cação de uma sociedade socialista» (Despa-cho n.º 348/75, de 12 de Setembro) e que permitis-se assim, o que Fernando Cabral Pinto nos traduz pelo entusiasmo, isto é, a «congruência [...] entre o que se faz e o que se sente [...] a confi ança no que está a acontecer» (Pinto, 1977, p. 25).

A marca do controlo do Ministério da Educação, a confi ança política, mantém-se ainda que articula-da com uma retórica da competência profi ssional. Rogério Fernandes, bem como outros atores envol-vidos no processo, afi rmariam que a existência de um diretor nomeado pelo Ministério da Educação e Investigação Científi ca (MEIC) não impedia a ação e participação ativa de professores e alunos em comissões de gestão de diferentes sectores e problemas, nem tão pouco lhe retirava a natureza democrática (Fernandes, 1977, pp. 122 e s.).

Conclusão

As escolas do magistério primário ilustram um programa e estratégia de teorização da educação no período da crise revolucionária, a instrumenta-lização, em contraposição à dinâmica de bases, promovendo a mobilização a partir do Estado, do centro para a periferia. Mas parece-nos também claro que a via da instrumentalização captou a força e a energia da dinâmica de bases, no sentido da prossecução dos seus objetivos, quer condicio-nando previamente o sentido da mobilização ou, por outro lado, aferindo da pertinência das propos-tas resultantes da mobilização e adequando-as aos seus fi ns.

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Fontes impressas

1975-1976 – Um ano de experiência pedagógica

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Capítulo II - Formação de Professores em PortugalEducação e formação de professores: História (s) e memória (s)

85Introdução

As exigências do mercado global e a assombro-sa evolução tecnológica que produzem mudanças contínuas obrigam-nos a preparar os estudantes para um presente/futuro que se prevê incerto, onde a informação abunda, as ligações em rede estabelecem cada vez mais conexões e onde o ato de aprender é uma constante e ocorre num conti-nuum. Na realidade, o mundo globalizado em que hoje vivemos originou uma ‘nova sociedade’ com múltiplas denominações na literatura, como seja a de ‘sociedade da informação’, a de ‘sociedade em rede’, a ‘sociedade da aprendizagem’, a ‘sociedade do conhecimento’, a ‘sociedade cognitiva’ e muitís-simas outras adjetivações em que o denominador comum é o reconhecimento do papel das tecnolo-gias na reconfi guração dos processos de ensino-aprendizagem.

Conscientes desta nova realidade, na genera-lidade, as escolas portuguesas têm vindo a apre-sentar iniciativas reformadoras, contemplando nos seus planos estratégicos novos esquemas de funcionamento, onde ao e-learning e/ou b-learning

é reconhecido lugar.

Relativamente ao primeiro conceito encontra-mos um vasto leque de defi nições que privilegiam o processo de ensino, tais como as apontadas por Masie (2006), que refere que o e-learning é o uso da tecnologia para gerir, desenhar, distribuir, selecionar, transacionar, acompanhar, apoiar e expandir a aprendizagem. Na prática, de acordo com Lima e Capitão (2003), o e-learning é qualquer experiência de aprendizagem distribuída via Inter-net, Intranet, Extranet, CD ou DVD-ROM, pois o fundamental do e-learning não é a tecnologia, mas sim a forma de ensinar. Assim, embora o e-learning combine tecnologia e pedagogia, o importante é a experiência vivida pelo estudante na aprendiza-gem. Neste sentido, a dimensão da experiência no e-learning abrange fatores como envolvimento, simulação, prática e interação social (Masie, 2006). Por isso, e de acordo com estes autores, reunir conteúdos impressos e passá-los para formato HTML (Linguagem de Marcação de Hipertexto – HyperText Markup Language) não é a forma mais adequada de se fazer e-learning.

Quando o processo de e-learning é enriquecido com momentos presenciais, entramos no domínio do b-learning.

No que diz respeito a este termo, encontra-mos na literatura variadas defi nições e possíveis conceitos que lhe são atribuídos. Não querendo

BLENDED LEARNING: UMA ESTRATÉGIA DINÂMICA AO SERVIÇO DA EDUCAÇÃO*J. António Moreira e Angélica Monteiro | Universidade Aberta

* O presente texto apresentado no Colóquio Educação & Sociedade: Aprender e Investigar é uma versão resumida e adaptada do texto O Blended Learning e a Interação de Sujeitos, Tecnologias, Modelos e Estratégias de Ensino-aprendizagem (p. 33-58) publicado no livro Blended Learning em Contexto Educativo: Perspetivas Teóricas e Práticas de Investigação- De Facto Editores, 2012.

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fazer uma descrição exaustiva do conceito, iremos apenas referenciar algumas ideias em torno do conceito que nos parecem mais relevantes. Muitas destas defi nições giram em torno da combinação de momentos presenciais e não-presenciais (Paiva, 2003), combinação de e-learning e momentos pre-senciais Lima & Capitão), outras ainda atribuem o termo b-learning à conjugação de diferentes meios para promover a aprendizagem, transformando-se, assim, na mais lógica e natural evolução do pro-cesso ensino-aprendizagem. A este respeito, King e McSporram (2005) referem que: Blended learning is a mix of delivery methods that have been selec-ted and fashioned to accommodate the various learning needs of a diverse audience in a variety of subjects. (…) This accommodates different learning styles and different speeds of cognitive learning. Subject material can be presented in a variety of formats, each reinforcing another, and can utilise subject experts for sections of the delivery (p.4).

De igual modo, integrando tais defi nições, Whi-telock e Jelfs (2003) (p.17) defi niram o termo como:

1. “The integrated combination of traditional lear-ning with web-based approaches (drawing on the work of Harrison);

2. The combination of media and tools employed in an e-learning environment;

3. The combination of a number of pedagogic approaches, irrespective of learning technology use (drawing on the work of Driscoll)”.

Khan (2003) corrobora a ideia de que o b-learning conjuga diversas metodologias pedagó-gicas em diferentes contextos de aprendizagem. Contudo, o trabalho de Oliver e Trigwell critica tais utilizações do conceito de blended learning, uma vez que, segundo estes autores, têm todos a pers-petiva do ensino e não a do processo de apren-dizagem: There is little merit in keeping the term ‘blended learning’ as it is currently understood. It is either inconsistent (and so useless as a way of understanding practice) or redundant, because it simply describes practice within higher education more generally, and it attributes to learning some-thing that, in terms of what we know, only applies to teaching or instruction” (2005, p. 24).

Defendem, desta forma, estes últimos autores a reconstrução do conceito a partir das teorias da aprendizagem: Rebuilding the concept of blen-ded learning from a grounding in learning theory highlights the potential of designing around varied experiences that may lead to learning. This subver-sive (but logical) reinterpretation shifts the emphasis dramatically, from teacher to learner, from content to experience and from naively conceptualised

technologies to pedagogy. (2005, p. 24).

A partir desta constatação, Heinze e Procter (2006) acrescentaram aspetos comunicativos e de aprendizagem: blended learning is learning that is facilitated by the effective combination of different modes of delivery, models of teaching and styles of learning, and founded on transparent communica-tion amongst all parties involved with a course (p. 12).

Partindo, pois, desta concetualização entende-mos o termo blended learning como um processo complexo de mediação de aprendizagens através do recurso a diversos meios em momentos presen-ciais e não presenciais, síncronos e assíncronos, via Internet; e que têm como pressuposto a comu-nicação, a interatividade, a partilha e a construção do conhecimento. Mais do que integrar momentos presenciais e não presenciais, entendemos que o blended learning é uma estratégia dinâmica que envolve diferentes recursos tecnológicos, diferen-tes abordagens pedagógicas e diferentes espaços (formais e informais). Ou seja, para além da ques-tão da integração dos momentos presenciais e não presenciais atrás referidos, devemos ter em conta também a conjugação de diferentes abordagens de ensino, a interação de diversos recursos tec-nológicos e a adoção dos diferentes espaços de vida no processo de ensino-aprendizagem. E nesta perspetiva consideramos que os recursos tecnoló-gicos podem assumir um papel central, porque a inclusão das mais variadas ferramentas tecnológi-cas presentes no quotidiano dos estudantes -blo-gues, vídeos, telemóveis,...- podem contribuir para a interação entre os momentos presenciais e não-presenciais e para o diálogo entre as diferentes abordagens pedagógicas. Assim sendo o blended learning ou blended (e)learning, pode ser entendi-do como um processo de comunicação altamente complexo que promove uma série de interações que podem ser bem sucedidas, desde que sejam incorporados todos estes recursos tecnológicos.

Para além destas questões mais concetuais, outra das questões que se levanta ao analisar este tema é determinar as fronteiras entre o e-learning e o blended learning: por exemplo, uma acção 99% online pode ser considerada em regime combina-do ou em regime não-presencial? Relativamente a esta questão, um estudo denominado Blending In: The Extent and Promise of Blended Education in the United States1 fez uma caracterização dos cursos em função da percentagem de utilização da modalidade online. De acordo com este estu-do, apenas os cursos com, pelo menos, 30% dos

1 http://www.sloan-c.org/publications/survey/pdf/Blending_In.pdf

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conteúdos disponibilizados são considerados em regime de blended learning, introduzindo, assim, a classifi cação de “Web-facilitated” aos cursos presenciais, mas que contam com o apoio de uma plataforma de e-learning (até 29% dos conteúdos).

A este respeito Garrison e Kanuka (2004) defen-dem que o indicador real do blended learning não deve ser a quantidade de horas online e presen-ciais, mas sim a integração efetiva destes mo-mentos numa formação, ou seja, de acordo com esta posição a utilização de um sistema de gestão de aprendizagem como complemento a sessões presenciais integra-se num sistema de blended learning.

Em síntese, tendo em conta a bidirecionalidade comunicativa implícita nos ambientes online, a faci-lidade e a necessidade constante de atualização e personalização destes ambientes e a sua constan-te recriação baseada na interação, justifi ca-se que se procure percecionar o blended learning enquan-to um dispositivo e uma estratégia ao serviço da educação.

Nesta comunicação, partindo deste pressupos-to, iremos, em primeiro, expor algumas das razões que justifi cam a utilização destes sistemas de blended learning e analisar os seus limites e possi-bilidades (fraquezas e forças); em segundo apre-sentaremos alguns modelos que podem contribuir para uma nova didática nestes sistemas; e em terceiro procuraremos compreender estes siste-mas enquanto responsáveis pelo desenvolvimento de comunidades de aprendizagem.

O Blended Learning no Processo de Ensino Aprendizagem

Na literatura consultada encontrámos diver-sas referências às razões que levam as escolas a recorrer aos sistemas de blended learning. Herring-ton, Reeves e Oliver (2010) afi rmam que a tecnolo-gia online se aplica, fundamentalmente, no aumen-to da qualidade e dos resultados de aprendizagem. Por sua vez, Bonk e Graham (2006) identifi caram três razões que justifi cam o seu uso: 1) aperfeiço-amento pedagógico; 2) aumento do acesso e da fl exibilidade; 3) relação custo/efectividade.

Parece-nos claro que a opção pelo blended le-arning, ainda que motivada por uma destas razões, deve ser acompanhada por todo um processo de mudança estrutural que potencie todas as possibi-lidades que o sistema pode oferecer. Deste ponto de vista, os autores classifi cam os sistemas de blended learning em três categorias, que podem ser assumidas por diferentes fases: a permissão inicial para o blended learning, o reforço da utiliza-

ção do blended learning e, fi nalmente, a transfor-mação da pedagogia a partir do blended learning.

Há, contudo, que referir que, independentemen-te das razões apontadas, a sua utilização efetiva pode ter efeitos diversos de acordo com a confi gu-ração do sistema de blended learning. Assim, en-contrámos uma categoria inicial na qual o sistema é utilizado para aumentar o acesso e a fl exibilidade do ensino através da disponibilização de expe-riências de aprendizagem semelhantes às ante-riormente realizadas no regime presencial. Numa segunda categoria já se notam algumas diferenças no regime presencial devido à componente online, ou vice-versa, e numa terceira categoria a pedago-gia é totalmente modifi cada a partir da utilização da tecnologia, através da mudança de um modelo de transmissão da informação para um modelo ativo, interativo e centrado na aprendizagem do estudan-te.

Apesar das razões para a utilização do blended learning apontadas pelos autores que apontamos, há também uma série de fatores que impedem a sua utilização ou que diminuem as possíveis mais-valias pedagógicas que lhe podem estar associa-das. Neste sentido, Fonseca e Eliasquevici (2007) descrevem o que caraterizam como as forças e as fraquezas da educação online baseadas num estudo feito numa universidade brasileira ao nível da formação contínua.

As autoras afi rmam que não há forças e fra-quezas universais e destacam a importância da fl exibilidade dos cursos de forma a que o processo de avaliação gere simultaneamente um processo de adaptabilidade e de melhorias contínuas. De acordo com as mesmas autoras, as forças da edu-cação online estão relacionadas com a fl exibilidade de tempo e espaço, sinergia a nível de partilha de ideias, possibilidade de diálogo refl etido, centra-lidade do estudante, interação informal devido ao grau de anonimato proporcionado pelas tecnolo-gias, acesso a materiais, fontes de informação e especialistas geografi camente distantes e possibili-dade de inovação pedagógica.

Relativamente às fraquezas da educação online, as mesmas autoras referem aspetos relacionados com: tecnologia (a nível do suporte, da disponibi-lidade, acesso e qualidade dos recursos tecnoló-gicos); estudantes (organização do tempo, falta de responsabilidade e maturidade); professor/tutor (falta de formação); administração (falta de confi an-ça nos “novos” meios); ambiente online (excesso de estudantes e desadequação de estratégias) e currículo (desadequação face às exigências do ambiente online).

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Por sua vez, Gomes (2008) (p. 4) aponta a na-tureza das resistências à formação e classifi ca-as como sendo individuais ou institucionais, decla-radas (resistência ativa), ou omitidas (resistência passiva). A autora (p. 7) afi rmou que, apesar de po-tencialmente os ambientes com forte suporte das tecnologias poderem constituir uma forma de evitar futuras situações de exclusão social, profi ssional e tecnológica, há fatores que podem gerar fenóme-nos de exclusão digital, tais como os relativos às condições culturais, económicas, tecnológicas e de acessibilidade.

Começando pelos factores culturais, a autora re-fere a necessidade de garantir condições para uma alfabetização digital, uma vez que convivemos com pessoas com diferentes graus de familiaridade com os meios informáticos. Relativamente às condições económicas, menciona a impossibilidade fi nanceira de aquisição de tecnologia e de serviços. Quanto às condições tecnológicas, a autora salienta a falta de uma infra-estrutura tecnológica que permita tirar partido do potencial dos ambientes digitais, quer por razões técnicas, quer por falta de rentabilidade económica dos investimentos. No que se refere às questões de acessibilidade, é apontado o facto de não serem asseguradas as condições necessárias para que os serviços e equipamentos sejam utili-zados por cidadãos com necessidades especiais diversas (visuais, auditivas, motoras, etc.).

Em resumo, como principais razões para a uti-lização destes sistemas foram referidas questões de ordem fi nanceira, questões sociais e questões pedagógico-didáticas que contribuem para que se possa tirar partido das “forças” da educação em prol de uma pedagogia renovada, nomeada-mente a nível do acesso e fl exibilização do ensino, da utilização das ferramentas que aumentam a possibilidade de diálogo e de interação social e da disponibilização de recursos. Contudo, há fatores que estão relacionados com a falta de formação técnica e pedagógica do corpo docente, com a resistência à mudança por parte das escolas, com as limitações técnicas e de largura de banda, com a falta de cuidado e de integração do ambiente de e-learning nas atividades curriculares que condi-cionam ou limitam as possíveis mais-valias que a educação pode acrescentar.

Modelos para uma Didática Renovada

Com o objetivo de orientar e de fundamentar o trabalho dos docentes, diversos autores têm traçado diretrizes, modelos e sugestões para uma didática renovada que faça frente ao desafi o de tirar partido dos recursos tecnológicos, de forma

a garantir, e até mesmo aumentar, a qualidade do ensino enquanto potenciadora de aprendizagens. Neste sentido, Duart e Sangrà (1999) classifi cam os modelos de e-learning em:

modelos mais • centrados no professor, isto é, em que o papel mais importante é o do pro-fessor enquanto transmissor de informações através das tecnologias e que corresponde a uma transição das técnicas do regime presencial sem a necessária adaptação ao novo meio;

modelos mais • centrados na tecnologia, em que o professor é o fornecedor de conte-údos e o estudante é o utilizador, cabendo à tecnologia o papel de transmissora da informação;

modelos mais • centrados no estudante: que se baseiam, portanto, na autonomia e na atividade discente e têm como princípio as teorias construtivistas.

Ardizonne e Rivoltella (2004) defi nem as três macro-acções da nova direção didática pelo re-curso ao e-learning e que consistem em: organizar, partilhar e avaliar. Segundo estes autores, o docen-te deverá ser capaz de:

organizar o ambiente de aprendizagem em • dois momentos: preliminar e durante o pro-cesso formativo;

partilhar: aceitando apenas a proximidade ou • aderindo de forma ativa de maneira a trans-formar o ambiente de trabalho;

avaliar os conhecimentos, as aptidões e as • competências em diversos momentos da formação.

Ally (2004) estabelece uma relação entre as teo-rias de aprendizagem e as suas implicações, onde conclui que apenas nas teorias construtivistas é dada a oportunidade ao estudante de construir o seu próprio signifi cado a partir das interações e informações que lhe são veiculadas no ambiente. E descreve as diferentes interações que podem ocorrer nestes ambientes como sendo:

a) Interações com o ambiente para ter acesso aos materiais disponibilizados;

b) Interações com os conteúdos veiculados atra-vés dos materiais;

c) Interações entre os estudantes e outros estu-dantes, entre os estudantes e o professor ou tutor, entre os estudantes e os especialistas com o ob-jectivo de colaborarem, participarem e partilharem conhecimentos e estabelecer uma presença social:

d) Interações com o contexto pessoal, para personalizar as informações e construir os próprios

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signifi cados.

Concordamos, contudo, com Harasim (1990), quando afi rma que estas interações podem não se efetivar mesmo que haja meios tecnológicos para tal. No mesmo sentido, vários autores afi rmam que, apesar das facilidades e oportunidades das plataformas, não é sufi ciente a adoção das tecno-logias para que sejam propiciadas interações que promovam novas aprendizagens (Miranda, 2007). Também Pallof e Pratt (2001) (p. 15) ressaltam a importância das interacções para o sucesso de um curso, ao referirem que: It is the Interaction and connections made in the course that students will remember as the keys to learning in an online course.

Por sua vez, Heinze e Procter (2006) atribuem a contextualização da prática comunicativa em modo blended à zona de desenvolvimento proximal, às comunidades de prática e à estrutura de conversa-ção.

Relativamente à zona de desenvolvimento proximal, situada entre a zona de conhecimento potencial e a zona de conhecimento real, segundo a teoria de Vygotsky (1978), ela corresponde, na prática, à realização de tarefas para as quais os es-tudantes precisam de auxílio (scaffoldings). A este respeito, ao analisar a relação das tecnologias de informação e da comunicação com os ambientes de aprendizagem, Newhouse (2002) (p.10) refere: A critical component of theories of constructivism is the concept of proximal learning, based on the work of Vygotsky, which posits that learning takes place by the learner completing tasks for which su-pport (scaffolding) is initially required. This support may include a tutor, peer or a technology such as the applications of computers”.

Quanto às comunidades de prática, correspon-dem a um conjunto de sujeitos que se reúnem para discutir e produzir conhecimentos em torno de problemas gerados por uma prática que lhes é comum. Numa entrevista, Wenger2 defi niu-as do seguinte modo: Um grupo de pessoas que partilha um interesse, digamos um problema que enfrentam regularmente no trabalho ou nas suas vidas, e que se junta para desenvolver conhecimento de forma a criar uma prática em torno desse tópico. Diferen-ciou-a da equipa por ser defi nida por um tópico e não por uma tarefa específi ca, e de uma rede informal por ter uma identidade própria. Segundo o autor, há três elementos na defi nição de comunida-des de prática (CoP): “O domínio: tem de haver um assunto sobre o qual a comunidade fala;

2 Em entrevista disponível em http://www.kmol..pt/pessoas/WengerE/en-trev_1.html

A própria comunidade: as pessoas têm de • interagir e construir relações entre si em torno do domínio. Uma página na Web não é uma CoP. Ou, se houver sessenta gestores que nunca se falam, eles não são uma CoP, ainda que desempenhem as mesmas fun-ções. Tem de haver uma comunidade;

A prática: tem de existir uma prática e não • apenas um interesse que as pessoas parti-lham. Elas aprendem juntas como fazer as coisas pelas quais se interessam”.

Por sua vez, o modelo do “e-moderador” re-laciona os diferentes níveis de interatividade em ambiente online com o processo de construção da aprendizagem.

De acordo com o modelo proposto por Salmon (2004), nos ambientes de blended learning, apesar de ser preciso algum suporte tecnológico, é funda-mental a tarefa do docente no sentido de promover o acesso, gerar motivação, facilitar a interação so-cial e participar na troca de informações, de forma a mediar o processo de construção de conheci-mentos que será o responsável pelo desenvolvi-mento integral do estudante.

Outro modelo de aprendizagem construtivis-ta que se enquadra, a nosso ver, no contexto de ambiente de adultos foi publicado por Collis (1996, p.375). Esta autora defi ne seis princípios para a educação de adultos, a partir da utilização da Internet.

“Both the learner and the educator play an • active and unique role in the educational process.

The process of creatively acquiring know-• ledge involves human interaction and learner competence that are developed and evalua-ted within a communication-oriented educa-tional model.

Contemporary models of learning support • learner-centred instruction that encourages self-assessment, personal refl ection and elicits learner articulation of their ideas.

The learning environment should maximize • meaningful and refl ective interactions while providing a variety of opportunities for feed-back.

Creating instruction that promotes learner • self-regulation and individual responsibility is the product of educators who are academi-cally well prepared and monitor the quality of student work.

Adult educators recognize that students want •

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to move effi ciently through their studies in both time and energy; students do not auto-matically have good study skills, discipline or motivation”.

Estes princípios destacam factores aqui referi-dos tais como a importância da centralidade do ensino na aprendizagem ativa do estudante, o papel do docente enquanto organizador do am-biente propício para a aprendizagem, a importância do acompanhamento, pelo docente e do trabalho autónomo dos estudantes.

O Blended Learning na Confi guração de Co-munidades de Aprendizagem

A exploração de ambientes virtuais através da constituição de comunidades de aprendizagem3 com possibilidades de escolhas e diversidade de perspectivas, segundo Garrison e Anderson (2003), irá encorajar a crítica, a discussão e estimular a criatividade. De acordo com os autores: The com-munity is crucial in precipitating and maintaining personal critical inquiry and the construction of meaning. With the collaboration of the group, the individual assumes responsibility for making sense of the educational experience.” (p.27)

Relativamente ao papel destas comunidades, Dias (2008, p.5) refere que: a formação de uma comunidade resulta não só da interacção entre pessoas, o que em última análise poderá realizar-se mesmo sob traços de individualismo cultural, mas também, como refere Fukuyama (2000), através da partilha de valores, normas e experiências entre os seus membros. Os crescentes níveis de acessi-bilidade do software social vieram, neste sentido, fomentar uma prática de partilha de informação e conhecimento, e a criação do vínculo à comunida-de através da publicação (i.e. weblog, wiki ou plata-formas colaborativas) enquanto ato de participação e partilha. Por outro lado, mais do que uma mani-festação da e-inclusão na comunidade, a participa-ção e a partilha favorecem o desenvolvimento da confi ança e reciprocidade do apoio nas atividades entre os membros da comunidade.

Por sua vez, Afonso (2002, p.429) defi niu as comunidades de aprendizagem como um grupo de pessoas envolvidas num processo de interação intelectual com o objectivo de aprender. Segundo a autora, as comunidades de aprendizagem cons-tituem um ambiente intelectual, social, cultural e psicológico que facilita e sustenta a aprendizagem enquanto promove a interação, a colaboração e a construção de um sentimento de pertença entre os membros.

3 Originalmente os autores utilizam a expressão “community of inquiry”

Estas comunidades, segundo Miller (2000), con-sideram a aprendizagem como sendo um processo natural do ser humano e que há diversas maneiras legítimas de se aprender, sendo cada uma mais apropriada para determinadas necessidades e situações específi cas. Muitas vezes, elas derivam de um afastamento geográfi co ou da necessidade de ampliação da superfície de contacto entre os estudantes e o docente para além dos limites da sala de aula, tendo as plataformas de LMS e as fer-ramentas sociais da Web 2.0 um importante papel de suporte tecnológico a este processo.

Com efeito, as comunidades de aprendizagem, parecem estar a modifi car as estruturas institucio-nalizadas de criação e disseminação de conheci-mento, surgindo como um complemento às formas pré-existentes de criação de conhecimento e de aprendizagem organizacional.

Partindo de uma visão da aprendizagem que concebe o envolvimento em práticas sociais como o principal processo de construção do conheci-mento, consideramos as comunidades que os indi-víduos constroem e às quais pertencem ao, longo das suas vidas como unidades básicas de análise do processo de criação do conhecimento. Enten-demos que esta conceção sustenta a visão de que os indivíduos aprendem quando integrados em comunidades nas quais o conhecimento é constru-ído através da interação (no âmbito de atividades colaborativas de intercâmbio social e de auto-des-coberta) do discurso, da ação e da negociação.

Estas comunidades são uma importante alter-nativa à aprendizagem e aos contextos organiza-cionais tradicionais e, ao serem suportadas pelas tecnologias, tornaram-se mais tangíveis hoje do que há uma década. Elas representam ambientes intelectuais, culturais, sociais e psicológicos que facilitam e sustentam a aprendizagem, enquanto promovem a interação, a colaboração e o desen-volvimento de um sentimento de pertença dos seus membros.

É deste modo que as comunidades emergem como uma alternativa aos ambientes tradicionais de aprendizagem enquanto grupos descentraliza-dos de indivíduos que se auto-organizam em torno de células funcionais e estáveis com o objetivo de se apoiarem no desenvolvimento de atividades de aprendizagem construtivistas. Tendo estas comu-nidades, o grupo como núcleo, torna-se possível construir quer identidades partilhadas, quer o próprio contexto social que sustenta essa partilha. Estas comunidades fornecem diferentes formas de aprender através de atividades colaborativas. De facto, a colaboração pode ser considerada como a

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pedra basilar das comunidades de aprendizagem na medida em que promove a construção social do conhecimento através da interação.

Ainda a este respeito, Siemens (2003) refere que uma comunidade é o agrupamento de áreas comuns de interesse que permite a interação, a partilha, o diálogo e que desenvolve a capacidade de pensar em conjunto. O autor (idem: s/p) refere que as comunidades físicas e as virtuais têm os seguintes traços em comum:

“A gathering place for diverse people to • meet.

Nurturing place for learning and developing. • A growing place - allowing members to try • new ideas and concepts in a safe environ-ment.

Integrated. As an ecology, activities ripple • across the domain. Knowledge in one area fi lters to another. Courses as a standalone unit often do not have this transference.

Connected. People, resources, and ideas are • connected and accessible across the com-munity.

Symbiotic. A connection that is benefi cial to • all members of the community... Needed in order for the community to survive

Nesse sentido, temos assistido, nos últimos anos, à emergência de vários modelos de apren-dizagem relacionados com o desenvolvimento de comunidades de prática e de aprendizagem (Miller, 2000). Entre os modelos existentes destacamos, pela sua atualidade, adaptabilidade e pertinência, o modelo de Community of Inquiry (2000), o mo-delo de Brown (2001), o modelo de interacção em ambientes virtuais de Faerber (2002) e o modelo de colaboração em ambientes virtuais de Henri e Basque (2003).

A presença cognitiva, segundo Garrison e Anderson (2000), corresponde à capacidade de os estudantes construírem signifi cados a partir de uma refl exão sustentada do discurso crítico. É, basicamente, uma condição para o desenvolvimen-to do pensamento e da aprendizagem complexa e deriva, em grande parte, do conceito de pensa-mento refl exivo de Dewey4.

Por sua vez, a presença social corresponde à

4 Segundo Dewey [49] “o pensamento refl exivo envolve um estado de dúvida que provoca o pensamento e um acto de pesquisa, de busca de conhecimen-to que esclareça a dúvida, estando todos estes factores relacionados com as relações e com a prática. Segundo ele, “os factores humanos e sociais são, assim, os que passam, e podem ser passados, mais prontamente, de experi-ência a experiência. Fornecem o material mais adequado ao desenvolvimento das capacidades generalizadas do pensamento” [49] (p. 75)

capacidade dos membros de uma comunidade de se projetarem socialmente e emocionalmente através do meio de comunicação em uso.

A presença de ensino é defi nida por Garrison e Anderson (2000) como sendo a direção, o design, a facilitação da presença cognitiva e da presença social no sentido da realização dos resultados de aprendizagem signifi cativos e que valham a pena. Como principais indicadores da presença de ensi-no, os autores apontam o design and organization: setting curriculum and method; facilitating discour-se: sharing personal meaning; direct instruction: focusing discussion (p.30), relacionando estes indicadores da presença de ensino com as demais “presenças” em ambiente digital.

Apenas a conjugação destas “presenças” pos-sibilitará a sensação de pertença em uma comuni-dade construtivista de investigação num ambiente colaborativo (community of inquiry), num âmbito mais formal do que as comunidades de aprendiza-gem .

A este respeito, Garrison5 afi rma que a expres-são community of inquiry se diferencia do termo comunidade de aprendizagem na medida em que a comunidade de aprendizagem pode desenvolver-se em contexto formal ou informal e a community of inquiry está suportada pela aprendizagem cons-trutivista e colaborativa e restringe-se ao respetivo enquadramento teórico, aplicando-se apenas ao meio académico.

Por sua vez, o modelo proposto por Brown (2001) apresenta três etapas -consciencialização, consolidação e camaradagem- que concorrem no sentido de um envolvimento crescente do estudan-te na comunidade de aprendizagem e à medida que o estudante ganha protagonismo na dinamiza-ção das interações na comunidade, o professor vai assumindo, progressivamente, o papel de media-dor dessas interações e do próprio processo de construção partilhada do conhecimento. Do ponto de vista pedagógico, as estratégias a adotar devem garantir esse envolvimento por parte do estudante, corporizando-se em atividades que o estimulem a interagir e promovam a autonomização necessária para passar para as etapas seguintes de constru-ção da comunidade e da co-construção autónoma das suas aprendizagens.

O terceiro modelo, proposto por Faerber (2002), designado de modelo de interação em ambientes virtuais, assenta no princípio de que o estabeleci-mento de relações sociais numa comunidade edu-cativa é um fator determinante para o sucesso edu-cativo. Neste modelo o cenário de aprendizagem

5 Através de resposta a e-mail.

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criado pretende levar ao conhecimento através da colaboração, numa lógica sócio-construtivista, em que a aprendizagem se realiza através de ativida-des em grupo ou em interação entre os pares.

Este modelo foi construído com base num tetaedro onde ao triângulo pedagógico tradicional, composto por professor, estudante e conteúdo, foi acrescentado o elemento grupo e um novo contex-to de mediação em ambiente virtual. Com a criação do novo elemento grupo emergem três dimensões determinantes no desenvolvimento das interações entre os elementos da comunidade: participar, fa-cilitar e partilhar. Nesta dinâmica participar corres-ponde às inter-relações que se estabelecem entre o estudante e os seus pares. Facilitar prende-se com as inter-relações criadas entre o professor e o grupo. E partilhar remete para o conceito de apren-dizagem colaborativa.

Finalmente, o modelo de Henri e Basque (2003), designado de modelo de colaboração em ambien-tes virtuais, é estruturado em três componentes essenciais: empenhamento, comunicação e coor-denação. O empenhamento assenta na necessária predisposição afetiva e psicológica dos membros para comunidade para colaborar entre si. Esta disposição será alcançada através do sentimento de pertença e da participação ativa de todos os membros do grupo, para realizar as actividades e os objetivos comuns. A comunicação, relaciona-se com o processo de partilha de informação entre os membros da comunidade e consiste na partilha de ideias entre os elementos da comunidade, para produzir novas ideias e construir conhecimento. E a coordenação, relaciona-se com a gestão dos recursos e com a gestão dos elementos da comu-nidade.

Notas Finais

O sucesso da utilização do blended learning em contexto educativo, na nossa opinião, depende não só de condições tecnológicas e sociais, mas também, e fundamentalmente, de condições peda-gógicas.

A nível tecnológico, o êxito implica a disponibili-zação e manutenção dos meios; a acessibilidade e facilidade de utilização destes meios (sendo neces-sário haver uma estrutura de apoio); a capacidade de apropriação das ferramentas às necessidades pessoais; os conhecimentos e as competências dos utilizadores.

A nível social, o sucesso diz respeito à maior in-tegração e ao estabelecimento de condições para o desenvolvimento de competências relacionais.

E a nível pedagógico, este sucesso implica a transformação constante da pedagogia, tendo em vista as possibilidades acrescidas de inovação tra-zidas através das potencialidades das ferramentas utilizadas numa modalidade de blended learning. Esta pedagogia renovada estimula a capacidade de aprender em conjunto em comunidades nas quais a produção de conhecimentos e a aprendi-zagem estão intrinsecamente relacionadas com a produção, reprodução e transmissão da cultura, caracterizando e justifi cando, assim, o recurso ao blended learning enquanto dispositivo pedagógico-didático.

Se estas condições estiverem reunidas, reco-mendamos, pois, o uso destes sistemas de blen-ded learning enquanto estratégia e dispositivo pedagógico-didático, quer seja através de uma pla-taforma de LMS, quer seja através de ferramentas sociais, aplicações Web 2.0 ou sites institucionais.

No entanto, temos de ter consciência que a re-ferida renovação constante da pedagogia, implica uma alteração cultural muito grande, pois obriga a repensar constantemente os papéis dos profes-sores e dos estudantes e a relação existente entre eles, para além das implicações que devem ser concretizadas no plano da estruturação e planifi ca-ção de cursos e currículos, sistemas de avaliação, formas de ensinar e aprender, metas a atingir....E isto não é tarefa fácil... E para além disso estes no-vos sistemas exigem também uma nova forma de comunicar, onde os professores e os estudantes partilham a responsabilidade pela aprendizagem, sendo os primeiros os responsáveis pela organiza-ção inicial do ambiente que a propicia, através do aumento da possibilidade de comunicação bidi-recional, da participação ativa, da troca entre os pares, do estímulo à autonomia, mobilizando, para isso, os recursos tecnológicos disponíveis (que po-dem envolver desde simples trocas de e-mails, até listas de discussões, páginas Web, plataforma de LMS; portefólios de aprendizagem, PLE e toda uma panóplia de ferramentas gratuitas, de fácil acesso e utilização e que facilitam a comunicação em rede, consideradas Web 2.0, ou ferramentas sociais).

Com efeito, só com uma pedagogia em constan-te mudança poderemos caminhar no sentido real de uma aprendizagem ativa centrada no estudante num continuum de formulação e reformulação pes-soal e profi ssional que envolve avanços e recuos num mar de incertezas... E o blended learning, possibilitando a aproximação entre diferentes terri-tórios pode ajudar a navegar com maior fi abilidade nesse mar...

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo II - Formação de Professores em Portugal

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Capítulo IIIAtores educativos: discurso direto

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Capítulo III - Atores Educativos: Discurso DiretoEducação e formação de professores: História (s) e memória (s)

99Falar daqueles dois anos, entre Outubro de

1974 e Julho de 1976, em que estive como director da Escola do Magistério Primário de Portalegre é recordar os tempos mais intensos que vivi ao longo da minha carreira de professor. É reviver aqueles princípios que foram incutidos durante a minha formação e corporizados na ideia de que é na educação, numa melhor educação para todos, que reside a prosperidade de um país, mais rico e menos desigual. É, ainda, o retomar daquela con-vicção de que ensinar a ser-se bom professor do ensino primário é contribuir para a construção dos alicerces onde assentarão as vidas dos homens e das mulheres de amanhã, mais sabedores e com maiores oportunidades de se realizarem como pes-soas, como cidadãos e como profi ssionais.

Era, então, um jovem professor do ensino liceal e nele tinha desempenhado funções no âmbito da formação de professores. O meu contacto com os problemas do ensino primário era, pois, muito dimi-nuto. Contudo, muitos dos princípios pedagógicos continuavam a ser válidos nos diferentes níveis de ensino, independentemente da área de intervenção em que se actuasse. As peculiaridades específi cas na formação de professores do ensino primário, seja nos conteúdos, seja nas didácticas, seja na organização escolar iriam constituir, pois, mais um desafi o a juntar aos muitos outros que a situação política exigia. E quais eram estes desafi os que di-

rectamente decorriam da nova ordem política que acabava de estabelecer-se?

Ora, em 1974, considerou-se prioritária a inter-venção nas Escolas do Magistério Primário.

E a importância política dada pelo Poder a estas Escolas foi tal, que foram elas a únicas instituições de ensino em que vigorou a nomeação governa-mental da fi gura do director, ao contrário do que estava a ser levado a cabo nos outros níveis de en-sino em que os responsáveis escolares passaram a ser eleitos pelos diferentes corpos.

E a razão era esta: que os actos eleitorais nestas escolas não fossem susceptíveis de serem apro-veitados para provocar qualquer perturbação nas reformas que se desejavam levar a cabo. Preten-dia-se que o futuro professor do ensino primário adquirisse uma nova mentalidade que, depois, a pudesse repercutir nas gerações que iria ensinar. Para além da memorização, havia que estimular na criança a participação, a criatividade, a cidadania. Ela teria que ser despertada para as riquezas mas, também, para as debilidades do meio em que vivia pois, só assim, poderia, um dia, como adulto, cola-borar na construção de um País mais desenvolvido e solidário.

Mas ambicionava-se ainda mais: que os pro-fessores do ensino primário fossem um elemento transformador das populações, principalmente as do meio rural, onde o analfabetismo quase ronda-

FORMAÇÃO DE PROFESORES EM TEMPOS DE ABRIL NA ESCOLA DO MAGISTÉRIO PRIMÁRIO DE PORTALEGRE

Mário Silva Freire | Professor Aposentado. Diretor da Escola do Magistério Primário de Portalegre (1974-1976)

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo III - Atores Educativos: Discurso Direto

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va os 40%. Seriam eles, espalhando-se por todo o território até ao mais recôndito e ignoto lugar, o gérmen da transformação cultural que o País necessitava.

Eram estas metas, quase a roçar o sonho, que iam agora, por mim, ser tentadas alcançar com a ajuda daqueles que comigo iriam colaborar!

Para isso, teria que começar por construir uma nova cultura organizacional que identifi casse a es-cola mas que respondesse, claro está, àquilo que se pretendia serem os novos papéis a desempe-nhar pelo futuro professor do ensino primário.

E que papéis eram esses? Destaco os seguintes:

- conhecer, sob o ponto de vista sociológico, o grupo onde a criança está inserida;

- intervir nas condições exteriores, de modo a proporcionar à criança um ambiente adequado, sob o ponto de vista pedagógico. O professor não se limitará a ser um mero observador de situações desfavoráveis, mas tentará, seja em ligação com a família, seja contactando as entidades locais, públicas ou privadas, interferir para encontrar solu-ções;

- assumir para com as crianças atitudes positi-vas de modo a incutir-lhes autoconfi ança e espe-rança num mundo com menos desigualdades.

Para atingir estes novos papéis, o plano de estudos que entrava em vigor seria uma condição necessária mas não sufi ciente.

Ora, nada na escola é neutro. Os alunos apren-dem coisas que ultrapassam aquilo que lhes é ensinado pela via institucional. É o chamado cur-rículo oculto. Essas aprendizagens têm a ver com o modo como os alunos se relacionam entre si, dentro e fora da sala de aula, como os professores se relacionam entre si e como aqueles se relacio-nam com os alunos, com as expectativas explícitas e implícitas em relação aos alunos, com os relacio-namentos que os professores estabelecem com as crianças, com as formas de participação dentro da escola, com as interacções com o meio envolvente e com a comunidade, com os diferentes órgãos da Escola, eleitos democraticamente…

Eram, pois, todos estes relacionamentos, expec-tativas e interacções, não explicitados nos progra-mas, que iriam ajudar a construir novos conheci-mentos, valores e motivações.

O novo professor deveria ser capaz de sub-verter as relações de inércia existentes de modo a questioná-las, tendo em vista uma sociedade com mais justiça social. Ao saírem da Escola do

Magistério Primário, os futuros professores teriam que ter consciência de que iriam ser referências quer para os seus alunos, quer, principalmente, se em zonas menos escolarizadas, para os pais e outros elementos da comunidade. Mais do que as suas palavras, seriam os seus comportamentos e atitudes que poderiam, ainda, ser um forte infl uen-ciador dos comportamentos e atitudes dos outros com quem iam relacionar-se.

Múltiplas foram as actividades que tiveram lugar durante os dois anos em que permaneci à frente da Escola do Magistério Primário de Portalegre. Refe-rirei, apenas, algumas das que me pareceram mais relevantes, agrupando-as nas seguintes partes:

1 - Objectivos norteadores e principais acções que os visaram

2 - Interdisciplinaridade

3 - Democratização da Escola

4 - Projecção da Escola no meio

Passaria a descrever, da maneira mais sucinta possível, cada um destes tópicos, começando, então, pelos objectivos norteadores e principais ac-ções que os visaram:

Destacaria, desde já, o objectivo1: Fomentar atitudes de investigação e de criatividade:

Na Escola, como em qualquer outra instituição, há muitos comportamentos de rotina que fazem parte do seu quotidiano. Mas a rotina, naqueles tempos, tinha que ser minorada no maior número de campos possível para fazer face às metas que se pretendiam atingir.

A escola não podia contentar-se em continuar a ser aquilo que era. Ela, como organismo que lida com o conhecimento, tem que fazer desse conhe-cimento o motor do seu próprio desenvolvimento.

Por isso, entendeu-se que uma escola de forma-ção de professores deveria proporcionar, também, um ambiente propício à inovação e à experimenta-ção não gratuita, com um propósito em vista.

Uma das iniciativas que foi, então, levada a cabo foi a do Desenvolvimento dos hábitos de leitura e de análise crítica de textos.

Verifi cou-se desde cedo que os alunos não traziam hábitos de leitura e tinham difi culdades em fazer uma apreciação sobre o que liam. Para dar resposta a essas difi culdades, foram sugeridos nas diversas disciplinas, trabalhos escritos com base em pesquisa bibliográfi ca. Para isso, a biblioteca adquiriu 50 novas obras correspondentes a 313

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Capítulo III - Atores Educativos: Discurso DiretoEducação e formação de professores: História (s) e memória (s)

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exemplares.

Entretanto, ainda no 1º período do ano lectivo de 1974-75, foi iniciada uma intervenção sobre o Méto-do de ensino individualizado de Père Faure.

Esta intervenção foi levada a cabo por um grupo de alunos do 2º ano junto de uma turma da 1ª clas-se e da sua própria iniciativa, através de contactos que estabeleceu com uma professora que tinha feito um estágio em França sobre este método.

O diapositivo 8 mostra a solicitação feita pelo grupo de alunos ao Director da Escola e os objecti-vos que se pretendiam atingir.

Père Faure era um padre jesuíta (1904- 1988) que foi formado na escola rigorosa da Companhia de Jesus. Mas cedo se entusiasmou pela pedagogia da Escola Nova e por muitos dos seus criadores como Maria Montessori.

O grupo de alunos responsável pela aplicação deste método aproveitou o tempo destinado às práticas pedagógicas informais para a execução da experiência nas escolas de aplicação, ao mes-mo tempo que se deslocava todos os sábados à Escola da Ribeira de Nisa onde a professora acom-panhante leccionava.

No meu livro “Formação de Professores em Tempos de Abril” pormenorizo as bases e alguns dos procedimentos didácticos deste método.

Ainda dentro deste primeiro objectivo incluo aquilo a que poderia de apelidar de Outras incur-sões na inovação pedagógica.

Destaco as Técnicas de Freinet que constituíram objecto de pesquisa pedagógica. Freinet (1896 – 1966) fundou o Movimento da Escola Moderna, em França.

A escola, segundo Freinet, é um factor de mu-dança social mas, também, assume um carácter popular. Propondo à criança situações de trabalho concretas e problematizadoras, ela responderia com o desejo de aprender. E trabalho não é só aquilo que é feito com as mãos; ele constitui um todo em que o intelecto e a manualidade se entre-cruzam para atingir um objectivo.

O desenho livre, o texto livre, as visitas de estu-do, a correspondência escolar, o jornal escolar fo-ram algumas das técnicas propostas por Freinet e que nas escolas anexas foram bem concretizadas.

O segundo objectivo que destaco nesta primeira parte é o de Desenvolver o poder de refl exão e de crítica:

Pretendia-se que os alunos tivessem que com-preender aquilo que liam para, depois, poderem aplicar o que tinham compreendido em situações

novas.

Para isso, tentou-se alcançar uma base metodo-lógica comum utilizada em todas as disciplinas. Tal actuação, contudo, não limitou a especifi cidade de cada uma destas.

Assim, essa base comum comportou três tipos de actuação os quais se podem escalonar segun-do a ordem sequencial seguinte:

a)– Aulas-sessões de consulta bibliográfi ca

b)- Aulas-sessões de debate a nível de disciplina

c) - Sessões plenárias extensivas a toda a Esco-la.

Estas últimas sessões, colocados os partici-pantes face a face, e não tendo relação directa com as matérias tratadas nas aulas, foram motivo para debates sobre assuntos variados (de natureza pedagógica, funcionamento da Escola, visitas de estudo, Ecologia…)

Passo agora à 2ª parte do meu texto: a INTER-DISCIPLINARIDADE

A realidade aparece-nos como um todo, em-bora ela possa ser encarada segundo múltiplas perspectivas; daí surgirem as diversas disciplinas. Ajudar os futuros professores a compreender que os ramos do saber não são mais do que lingua-gens diversas para melhor se entender o mundo e as pessoas e que os conhecimentos se encontram ligados entre si, proporciona uma aprendizagem mais organizada e estruturada.

Por isso, se tomou a interdisciplinaridade como um valor pedagógico que importava incentivar e o seu conceito considerou-se como um dos prin-cípios organizadores da aprendizagem do aluno-mestre.

Estabeleceram-se três níveis de interdisciplinari-dade, tentando-se que cada um correspondesse a um grau de maior elaboração do que o anterior.

O primeiro nível foi designado de ensaio. Este nível revestiu várias formas, de acordo com o ano que o aluno frequentava. Assim, no ano lectivo de 1974-75, os alunos do 1º ano tiveram até ao fi nal do 2º período, práticas pedagógicas informais.

Entendeu-se seguir uma via intuitiva, do con-creto para o abstracto. Pretendia-se que o aluno identifi casse os vários contextos em que a criança se movimentava, fosse no ambiente físico onde vivia, fosse no recreio onde brincava, fosse dentro ou fora da sala de aula onde aprendia.

A recolha de dados deste tipo, a partir da ob-servação, independentemente das didácticas que

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo III - Atores Educativos: Discurso Direto

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pudesse utilizar, é que habilitaria o professor a adequar o seu ensino ao sujeito concreto que é a criança.

Desta observação, que foi acompanhada de pequenos inquéritos aos pais e professores, resul-tou um certo número de informações que foram, depois, objecto de exploração em várias discipli-nas, especialmente de Pedagogia, Psicologia e Didáctica.

Um outro tipo de actividades que veio substituir as Práticas Pedagógicas Informais (em que a ob-servação espontânea desempenhava papel primor-dial), foi o que a terminologia ofi cial designou por “Actividades de Contacto” e que vigoraram durante o ano lectivo de 1975-76.

Estas Actividades perderam um pouco da sua espontaneidade em relação à “observação es-pontânea” mas ganharam em estruturação. Elas tiveram um certo impacto quer no funcionamento da Escola, quer no meio educacional nacional, de tal modo que se constituíram como que uma ima-gem de marca das escolas do magistério primário da altura.

Elas tentaram que a observação dos alunos se orientasse segundo determinados enfoques e tive-ram lugar no início do ano lectivo.

Afi nal, o que é que se pretendia com estas ac-tividades? Simplesmente, levar o futuro professor para fora da sala de aula e, a partir daí, no am-biente em que se situava o sujeito do seu estudo, orientar-lhe a observação, de modo que ele reco-lhesse elementos, formulasse hipóteses e juízos críticos e retirasse consequências pedagógicas e, até, de intervenção social, a partir dos contextos que envolviam a escola da criança.

Estas Actividades desenvolveram-se na E.M.P. segundo quatro fases:

A primeira fase consistiu, a partir de múltiplas reuniões de professores da Escola do Magistério, em formular, de um modo coerente, um corpo metodológico a fi m de que ele pudesse ser apre-sentado aos alunos.

A segunda fase consistiu num conjunto de reu-niões com os alunos em que lhes foram apresen-tados os objectivos e os conteúdos da acção e se trocaram esclarecimentos.

No meu livro “Formação de Professores em Tempos de Abril” apresento cada um dos temas tal qual foram presentes aos alunos.

Na terceira fase os alunos, organizados em gru-pos e escolhido o tema, avançam para o terreno, de acordo com a distribuição geográfi ca estabele-cida (cidade nova, cidade velha, periferia e exten-

são a um meio rural).

Durante mês e meio, três vezes por semana, cada grupo vinha à sala de aula, descreviam-se as observações realizadas, colocavam-se hipóteses, levantavam-se questões, esclareciam-se dúvidas, pesquisava-se bibliografi a…

Esta fase incluiu, ainda, a redacção dos relató-rios que deveriam estar todos em condições de serem apresentados e discutidos a partir de 12 de Janeiro de 1976.

A quarta fase consistiu num debate intenso, du-rante uma semana, em que cada grupo apresentou as suas pesquisas, formulou as suas propostas e se confrontou com novas perspectivas.

No fi nal do ano lectivo, em sessão de avaliação das actividades do ano efectuada em 30 de Junho, puderam, relativamente às Actividades de Contac-to, identifi car-se alguns pontos fortes e fracos. Re-tiro da Acta nº 50, que a descreveu, esses pontos.

Pontos fortes:

- Ter sensibilizado o aluno para a comunidade envolvente

- Ter contribuído para que ele tomasse consciên-cia das múltiplas situações com que as crianças de diversos meios se confrontam.

- Contribuir para gerar a ideia de que o professor do ensino primário deveria ser um elemento obser-vador e activo no meio em que ensina, identifi can-do problemas e propondo soluções.

Pontos fracos:

- Fraco controlo por parte da Escola. Esta cir-cunstância, em certa

medida, deveu-se à carência de professores de que a Escola

enfermava.

- Falta de equidade no trabalho de grupo. Tal foi atribuído à quase

inexistência de hábitos de trabalho em grupo que os alunos traziam

do secundário.

- Defi ciente exploração dos temas ao nível do seu tratamento

teórico.

Ainda dentro do tema Interdisciplinaridade, no ano lectivo de 1975-76, foi introduzida no 2º perío-do a actividade Seminário no 1º ano curricular. Ela inclui-se num segundo nível, de maior elaboração cognitiva, a que apelidei de formulação teórica e crítica.

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Capítulo III - Atores Educativos: Discurso DiretoEducação e formação de professores: História (s) e memória (s)

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Os temas propostos incidiam directamente na criança, nos mais diversos campos: sala de aula, desenvolvimento físico e psicológico, saúde, des-porto …

Os alunos, individualmente ou em grupos de dois ou três, numa primeira fase, pesquisaram bibliografi a e organizaram um roteiro de trabalho, com a ajuda do professor, tentando, depois, con-cretizá-lo. Numa segunda fase, a partir do Carna-val, fez-se a apresentação e discussão de cada um dos trabalhos.

Enfi m, é natural que os alunos que entraram na E.M.P. no ano lectivo 1975-76, com apenas 9 anos de escolaridade, sendo confrontados, logo no início do 1º ano, com este tipo de solicitações, decorrentes das determinações do Ministério da Educação, lhes tivesse gerado uma certa confusão, dispersando-os na sua atenção. Igualmente, os professores também não tinham qualquer experi-ência deste novo modelo de formar professores.

Estava-se, então, no auge daquele anseio que o poder político tinha e com o qual a instituição escolar colaborava, em transformar a sociedade, tentando colocar o aluno-mestre perante a realida-de que urgia modifi car.

Outras intervenções, no âmbito da Interdisci-plinaridade, tiveram lugar ao nível da formulação teórica e crítica.

Passarei, de seguida, ao nível de aplicação, no âmbito desta 2ª parte, a da interdisciplinaridade. Este nível foi concretizado pelas Intervenções no meio rural. Elas tiveram lugar em ambos anos lec-tivos de 1974-75 e 1975-76 e destinaram-se ao 2º ano curricular. Sublinhe-se que as Intervenções no meio rural foram da iniciativa exclusiva da Escola do Magistério de Portalegre.

Estas intervenções tentaram concretizar, em situação profi ssional, os conceitos, técnicas e capacidades que os alunos adquiriram ao longo do seu curso e constituíram o ponto alto da actividade pedagógica da Escola.

As intervenções tiveram lugar, nos anos de 1974-75 e 1975-76, respectivamente, nas semanas de 2 a 7 de Junho e de 28 de Março a 3 de Abril.

Ora, o êxito destas intervenções estava depen-dente da sua preparação, tendo em conta não só os aspectos pedagógicos como, também, os de natureza logística.

Relativamente aos primeiros, foram defi nidos os objectivos, considerando o contacto dos alunos quer com as crianças, quer com os pais, quer com

a população em geral.

Ainda dentro dos aspectos pedagógicos, refi ra-se a colaboração dada pela Delegação de Saúde do Distrito de Portalegre, a qual promoveu, junto dos alunos, no ano lectivo de 1974-75, sessões sobre higiene e planeamento familiar, tendo distri-buído abundante documentação. No ano lectivo de 1975-76 a mesma Delegação de Saúde forneceu li-teratura respeitante a vacinas, prevenção da cólera e quisto hidático.

Por outro lado, foi dada uma grande consciência ecológica aos alunos, decorrendo esta quer das aulas de Ecologia, quer da acção pedagógica do Movimento Ecológico.

Refi ra-se, a este propósito, que nesta época, a chamada eucaliptização era alvo de críticas muito acesas por parte dos grupos ecológicos.

Ora, o grupo de alunos que tinha ido para a escola da Velada, concelho de Nisa, detectou um caso de plantação indiscriminada de eucaliptos. Alertada a redacção do jornal O Século, onde cola-borava o ecologista Afonso Cautela (que, aliás, teve a oportunidade de orientar um seminário de um dia para toda a Escola do Magistério), deslocou-se ao local uma equipa de reportagem que originou, depois, um trabalho de grande destaque no referi-do jornal.

Os locais foram escolhidos pelos alunos, depois de ter havido um contacto prévio com os professo-res das escolas e com os presidentes das Juntas de Freguesia por parte da Direcção da Escola.

Havia uma grande disponibilidade das insti-tuições para abrirem as suas portas e ajudarem. Assim, o transporte para e de os locais de interven-ção dos 80 alunos do 2º ano foi feito, em 1974-75, pela Câmara Municipal de Portalegre e pelas For-ças Armadas. No ano lectivo seguinte, para além da Câmara Municipal, participaram no transporte a Polícia de Segurança Pública, a Guarda Nacional Republicana e os Serviços Florestais. Em ambos os anos, estruturas de apoio aos alunos (NASE, IASE e FAOJ) deram o seu apoio em dinheiro e mantimentos.

De uma maneira geral, os alunos-mestres es-tavam mal instalados, em casas sem as mínimas condições de habitabilidade (água e esgotos). Este facto, contudo, contribuiu para os tornar mais conscientes das precárias condições em que um signifi cativo sector da população rural então vivia.

Os conteúdos das acções desenvolvidas foram, fundamentalmente, de quatro tipos:

- planifi cação e execução de aulas, tendo em

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Educação e formação de professores: História (s) e memória (s)Capítulo III - Atores Educativos: Discurso Direto

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vista a continuidade do trabalho que os professo-res titulares dessas escolas vinham desenvolvendo.

- recolha de elementos sobre as características dos comportamentos de aprendizagem das crian-ças, das suas condições de saúde, de habitação, de deslocação até à escola, etc.

- trocas de experiências com os professores titulares das escolas.

- intervenção junto das populações.

Todos os grupos foram visitados por uma equi-pa de 4 professores da Escola do Magistério (de Pedagogia, de Psicologia, de Didáctica e de Portu-guês).

Ambas as intervenções, a de 1974-75 e a de 1975-76, foram objecto de um relatório por grupo e, depois, apresentação do mesmo em plenário, em que estiveram presentes todos os alunos, 1º e 2º anos, e professores disponíveis das Escolas Ane-xas. Como notas comuns de avaliação feita pelos alunos nas duas intervenções, saliente-se o grande empenho que puseram nos seus trabalhos e a ca-pacidade que alguns grupos revelaram na mobili-zação da população, muito especialmente no ano de 1974-75 (houve um grupo que, logo no 2º dia, conseguiu fazer uma sessão com 150 pessoas).

Pretendeu-se, igualmente, saber o feedback dado pelos professores titulares das escolas assim como dos presidentes da Juntas das localidades onde os alunos intervieram

A generalidade dos professores fez uma apre-ciação positiva quer em relação aos alunos, quer à relação destes com os pais e população em geral.

Foi tónica quase geral dos presidentes das jun-tas em mencionar o pouco tempo dado para este tipo de acções junto das populações.

Os jornais Diário Popular, de âmbito nacional e o Distrito de Portalegre, deram a notícia destas acções no meio rural.

Passarei, agora, para a parte 3 focando o tema da Democratização da Escola.

Um dos aspectos que constituía uma urgência para o poder político da altura era o da democrati-zação. A democratização da Escola do Magistério Primário de Portalegre desenvolveu-se segundo dois vectores. Um deles teve a ver com os procedi-mentos didácticos.

O ensino, na altura, centrava-se muito no profes-sor. Pretendeu-se acabar com esse dirigismo que

fazia do aluno uma pessoa dependente de aponta-mentos e da cabeça do professor. Desejava-se que ele fosse capaz, por si só, de poder formular juízos de valor a partir do que observava e do que lia e que pudesse, depois, confrontar os seus juízos com os de outros. Para isso elegeram-se várias vias das quais destacarei

- uma diminuição signifi cativa das aulas expositi-vas por parte do professor;

- trabalho de grupo;

- sessões plenárias quer a nível de turma, quer a nível de Escola;

- aproveitamento dos tempos docentes não lec-tivos dos professores para atender os alunos;

- sessões de esclarecimento político.

Convém precisar o conteúdo destas sessões de esclarecimento político. Em 25 de Abril de 1975 realizaram-se as eleições para a Assembleia Cons-tituinte. Ora, sob a coordenação dos professores da disciplina de Introdução à Política, efectuaram-se sessões em que foram convidados os partidos políticos do Distrito de Portalegre concorrentes às eleições. Os seus representantes vieram, então, à Escola do Magistério e aí puderam expor os seus programas e esclarecer os alunos acerca dos seus projectos de sociedade.

O outro vector sobre que incidiu a democratiza-ção da Escola estava relacionado com a orgânica escolar.

Naqueles tempos de Revolução havia uma ânsia muito grande de participação. Os alunos queriam ter em tudo uma palavra e de tomar parte das decisões. Ora, a melhor maneira de temperar os excessos e de fazer descer à realidade os desejos de tudo querer mudar mas, ao mesmo tempo, de os chamar a participar, tentando que assumissem responsabilidades, era implicar os agentes, con-frontando-os com as contingências e limitações existentes.

Assim, a partir de Janeiro de 1975, após dois plenários, um só de alunos e outro com todos os elementos da Escola, foi entendido estabelecerem-se um certo número de comissões e conselhos que, de imediato, começaram a funcionar.

Pretendia-se com estes órgãos que todos os intervenientes no processo educativo assumissem uma quota de poder, de acordo com o estatuto que possuíam no sistema, ao mesmo tempo que se tentava uma sua responsabilização no funciona-mento desse mesmo sistema.

A Escola do Magistério Primário de Portale-

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gre não ultrapassava os 180 alunos. Os líderes, aqueles que desejavam pilotar as mudanças, ocupavam, por vezes, lugares em mais do que um conselho. Eles tinham, ainda, que compatibilizar a sua participação na estrutura organizativa com os trabalhos escolares. Por isso, alguns destes conse-lhos, a partir do 3º período de 1974-75, começaram a deixar de funcionar por se terem mostrado ine-fi cazes. Ficaram os que, na verdade, se revelaram necessários.

E, assim, a utopia foi dando lugar, a pouco e pouco, à realidade.

Claro que, desde o início, foi incentivada a criação de uma Associação de Estudantes, com instalações dentro da Escola e que, autonomamen-te, tomava as suas iniciativas, muitas das quais em colaboração com a Direcção.

Passarei, fi nalmente, à 4ª parte, e que se refere à projecção da Escola do Magistério no meio:

Para além de todas as transformações por que passaram as Escolas do Magistério Primário, de acordo com o novo modelo que foi estabelecido para a formação de professores, o poder político na altura entendeu que competia, igualmente, a es-sas Escolas, promover as acções adequadas junto dos professores primários das zonas geográfi cas que infl uenciavam.

Pretendia-se que houvesse uma transformação nas mentalidades das pessoas, de modo a encarar de maneira diferente as situações e as soluções para os problemas. Ora, isso só poderia ser fei-to através da educação das novas gerações. Por isso, foi objectivo imediato do novo poder político, ao nível do ensino primário, apresentar um novo Programa, com alterações mais signifi cativas na 1ª classe, aquela que correspondia à camada de crianças que ia iniciar a sua escolaridade.

A urgência que nos era transmitida, a nível de directores, na execução destas acções de sensi-bilização, levou-me a tomar a decisão, ainda antes de se iniciarem as aulas na Escola do Magistério Primário, de proporcionar um primeiro grande encontro de professores do ensino primário do Distrito de Portalegre.

Preparou-se, então, uma intervenção de âmbito alargado em que os destinatários seriam não só os professores das Escolas Anexas à Escola do Magistério, mas, também, todos os professores do ensino primário do Distrito de Portalegre. Foi o chamado Encontro livre de professores.

Este Encontro teve lugar em 24 de Outubro de

1974, sem obrigatoriedade legal de comparência. Estiveram presentes mais de 200 professores e, ainda hoje me recordo das difi culdades logísticas que tivemos na sua acomodação, por não esperar-mos tantos participantes.

Recordo todos esses professores, alguns já com muitos anos de serviço, que se dispuseram a participar, a expensas próprias, nesta primeira acção da Escola do Magistério Primário. Era, cer-tamente, o desejo de aprender novas coisas que os fazia mover; mas era, também, uma curiosidade por tudo o que estava a passar-se na sociedade portuguesa e que, de uma maneira directa, os ia afectar na vida profi ssional.

Entretanto, a Direcção-Geral do Ensino Básico envia a 4 de Novembro uma circular aos directo-res das Escolas do Magistério e aos inspectores escolares, anunciando uma Campanha de sensibi-lização aos novos Programas, agora da sua própria iniciativa. E, dias depois, a 16 do mesmo mês, torna precisos os objectivos que deveriam nortear tal Campanha.

Estes Objectivos constituem uma peça impor-tante do pensamento político e pedagógico que norteava o poder instituído em Abril de 1974, relati-vamente ao papel da escola e do professor.

Ora, neste papel, os interesses da criança deveriam ser os elementos primordiais que iriam determinar a actuação do professor e a função da escola. Compreende-se que, após um ensino centrado no professor que vigorou durante longos anos, se pretendessem aplicar os conceitos da Escola Nova. Esses anos 20 da Primeira República constituem uma referência nos ideários da Escola Nova em Portugal. Assim sucedeu, também, nos anos de 1974 e 1975.

Distanciadas essas duas épocas de cerca de 50 anos, elas limitam um período da História da Educação em Portugal que se caracterizou por um certo dogmatismo pedagógico, com ênfase na memorização, em que o ensino na sala de aula se centrava no professor.

Nos dias de hoje, a uma distância de quase de 40 anos do 25 de Abril, há que dizer que na chama-da escola tradicional não existiam apenas escolhos e nem tudo se aprende através da descoberta e da experiência. A memória do aluno continua a ser uma trave mestra na construção da sua perso-nalidade. Uma pessoa sem memória é como um país sem História. Por outro lado, o professor não pode ter como principal preocupação a satis-fação dos interesses da criança. Privar esta das aprendizagens que as frustrações, quando não são traumatizantes, lhe podem ensinar, é não ajudá-

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la a preparar para a vida. As frustrações são uma constante no nosso quotidiano. Saber tolerar a frustração é prevenir a agressividade e contribuir para que uma pessoa, quando adulta, seja mais feliz. E isso aprende-se na família mas, também, na escola.

Por isso, se os objectivos indicados na circular (a qual é transcrita no meu livro, já referido), tendo cabimento na altura em que foram formulados, como reacção a um determinado regime político que infl uenciava a vida social, alguns deles, a meu ver, mereceriam uma outra formulação.

Nesta curta intervenção talvez não tenha interes-se descrever em pormenor todo o trabalho que foi realizado para levar a efeito a Campanha. Apenas dizer que em cada concelho do Distrito de Portale-gre foi eleito, de entre os professores, um monitor. Este, após reuniões no respectivo concelho, trou-xe para a Escola do Magistério as difi culdades e sugestões dos professores.

É levada, então, a efeito uma acção directamen-te pela Escola do Magistério Primário, tendo em conta os dados recolhidos. Esta acção teve três edições, respectivamente em Portalegre, Elvas e Ponte de Sor.

Os professores de Pedagogia, Psicologia, Didáctica e de Educação Musical foram os orienta-dores responsáveis. No relatório desta Campanha enviado para a Direcção-Geral, em que partici-param 416 professores, faz-se o balanço entre os aspectos positivos e negativos e a conclusão é, francamente, favorável.

Outras intervenções, dirigidas à comunidade, foram tendo lugar ao longo dos anos de 1974-75 e 1975-76, umas de carácter essencialmente pro-fi ssional e outras que ultrapassaram este âmbito, dirigidas à população em geral. Não vou referi-las nesta comunicação, excepto uma que, pelo empe-nhamento que gerou nos seus participantes, talvez tenha interesse relatá-la. Ela, por um lado, refl ecte a projecção da Escola no meio; por outro, tenta ir ao encontro daquele objectivo enunciado na 1ª Parte que é o de “Fomentar atitudes de investiga-ção e de criatividade”. Apelidá-la-ei de A cognição na criança

Inspirado numa taxonomia de objectivos cog-nitivos muito em voga nos anos 70, entendi ser importante trazê-la ao conhecimento dos futuros professores. Com ela pretendia-se que a criança pudesse lidar com situações que incidissem na memória mas, igualmente, conseguisse alargar as suas experiências a outros níveis cognitivos mais elevados.

A sua difícil aplicabilidade ainda se me colocou para esses anos da infância. Estudando um pouco Piaget verifi ca-se que a criança dos seis aos onze anos já é capaz de usar símbolos para executar actividades mentais. Signifi ca isto, segundo a ter-minologia piagetiana, que a criança destas idades, com suporte no concreto, é capaz de representa-ções mentais de coisas e acontecimentos. Ela con-segue fazer classifi cações, seriações e entender os princípios da conservação. Tudo isto permitiria que ela pudesse atingir níveis de cognição como a análise, a síntese e a formulação de juízos de valor.

Incitei os alunos-mestres a tentarem aplicar esta taxonomia junto das crianças. Por outro lado, não me parecia muito curial ter abordado, na disciplina de Pedagogia, ainda que muito sumariamente, os seus princípios com os futuros professores e os seus professores acompanhantes da Prática Pe-dagógica não terem recebido qualquer informação sobre essa mesma taxonomia.

Propus, então, aos professores que dirigiam a Prática Pedagógica dos alunos se estariam na disposição de testarem essa taxonomia, de uma forma mitigada.

A maior parte respondeu afi rmativamente ao desafi o e eis que, partir do início de Abril de 1975, se inicia a acção. Semanalmente, reuníamo-nos na Escola e, simultaneamente, no terreno, os profes-sores tentavam aplicar com as crianças os concei-tos discutidos.

Pretendi, depois, estender a informação que estava a ser debatida nesta acção com os pro-fessores das Escolas Anexas a todos os outros professores do Distrito de Portalegre. Enviei, então, uma circular a todos eles em que esquematizava a taxonomia (domínio cognitivo), e incluía exemplos aplicáveis aos conteúdos do ensino primário da época.

Como nota à margem, no que se refere a este tópico, direi que a taxonomia de Bloom teve colada a si, a partir dos fi ns dos anos 70, um estereótipo de revanchismo pedagógico, de fazer do estudan-te um ser programado, identifi cável apenas pelos comportamentos observáveis.

Ora o bom senso é que poderá guiar-nos para retirar de cada teoria aquilo que existe de bom para, depois, tentar aplicá-la em cada situação. E essa taxonomia tinha-se mostrado um bom instru-mento.

Não descurando a estrutura inicial, ela sofreu uma revisão substancial em que intervieram um dos discípulos e um colaborador de Bloom. Com a publicação da revisão de Anderson e Krathwool em

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2001, a taxonomia de Bloom como que renasce, não parando o ritmo de publicações, ainda neste ano de 2012, que a estudam e a aplicam.

Eis-me chegado ao fi m desta minha intervenção. Fico feliz por me ter sido dada uma oportunidade para não fazer cair no esquecimento aqueles dois anos intensos, um tempo em que se trabalhou, se inovou, se errou no desejo de fazer bem e, deixem-me dizer, se sonhou um mundo melhor.

Afi nal, como disse Gedeão, não é o sonho que comanda a vida?

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109Ao ser contactada pelo Senhor Doutor Hélder

Henriques para escrever este texto, logo veio ao de cima, como sempre, esta paixão por todos os momentos da vida que habituei a considerar verda-deiramente importantes – a educação no meu país. E porque me recuso a admitir que a esperança não passou de um sonho

e porque me recuso a admitir o abandono das minhas convicções…

E porque me recuso a admitir, a por em causa a validade de certos princípios que balizaram a minha vida profi ssional…

Considerei que estar presente, estou a participar num ciclo revitalizador da escola portuguesa que, em meu entender, acusa sintomas de uma afonia, de um dramático e cúmplice silenciar. A convicção de que qualquer que seja a acção para que formos chamados, ela terá que ser baseada num forte carisma, na coragem de o exprimir em todas as fases da vida, na aceitação de que é um ingredien-te básico da democracia, a continuar a construir, de uma nova forma de envolvimento social de que o nosso tempo tanto precisa.

“Avivar e preservar a memória é um acto emi-nentemente cultural e revolucionário”, assim nos deixou dito a grande Mulher e escritora Natália Correia.

É hoje impossível ignorar o papel determinante

que o sistema educativo desempenha na formação da juventude, no progresso científi co e tecnológico e na criação dos quadros intelectuais e técnicos necessários ao desenvolvimento económico, social e cultural do país.

É igualmente impossível ignorar que a efi cácia de um sistema educativo depende, em grande medida, da qualifi cação dos professores.

A melhor preparação do pessoal docente é, sem dúvida um dos factores essenciais ao desenvolvi-mento e renovação da educação. Dada a grande responsabilidade que cabe aos professores do primeiro ciclo do ensino básico somos a levados a repensar a sua preparação intelectual, científi ca e pedagógica, a sua capacidade de raciocinar, de analisar.

Estão em causa as áreas mais difíceis de serem trabalhadas: a inteligência e a emoção. Sem perder de vista que educar é acima de tudo Acreditar na Vida e ter esperança no Futuro. Na área da sensibi-lidade desenvolvem a auto-estima, a estabilidade, a capacidade da contemplação do belo, a capa-cidade de perdoar, a capacidade de fazer amigos. Pais e professores são parceiros na fantástica empreitada da educação.

E vejamos: que formação foi exigida aos docen-tes encarregados da espinhosa tarefa de iniciar os alunos nas primeiras aquisições sistemáticas e organizadas? No meu tempo, já lá vão cinquenta e

DOMINGAS VALENTE: UMA PROFESSORA DE AFECTOSDomingas Valente | Professora aposentada. Comendadora da Instrução Pública.

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tal anos…, os conteúdos programáticos das esco-las do magistério fi xados pelo Decreto Lei nº 32629 de 16 de janeiro de 1943, revelam claramente os objectivos a atingir. Nas instruções anexas ao pro-grama de pedagogia afi rma-se que, o que interes-sa ensinar é de pouca extensão, não devendo por isso ocupar os cuidados do professor por longo tempo… Preconiza-se igualmente que nas escolas do magistério primário não deve “dar-se guarida a qualquer discussão acerca dos fi ns últimos que intenta o processo de formação dos seres huma-nos na fase de crescimento”. Para além de outras justifi cações surge esta: “os alunos não possuem formação cultural necessária para se embrenharem em tão intricados problemas”… No que concerne à didáctica geral afi rma-se que se retirou das maté-rias de estudo e exercício, tudo o que nos anterio-res programas se inspirava na logística própria da direcção do espírito adulto, não fazendo por isso qualquer referência aos métodos de investigação ou de demonstração científi cas, a que apenas se alude para que o “aluno mestre saiba como fazer auto-crítica do seu labor docente”.

No respeitante à psicologia, as instruções es-clarecem que esta disciplina “se ocupa das apli-cações técnicas, dos conhecimentos relativos ao corpo e à alma da criança e à sua evolução, em ordem à consecução de fi ns educativos”.

Tratando-se de uma disciplina técnica como se afi rma a informação a dar aos futuros professores incidirá sobre a anatomia, a fi siologia e patologia infantil. Na psicologia da criança e do adolescente apenas se dirá o necessário, tendo em vista “ o governo e instrução dos educandos”.

As citações feitas são bem esclarecedoras do tipo de professores que se procurava formar, um profi ssional subjugado por um certo número de princípios normativos da sua conduta pedagógica, possuindo conhecimentos superfi ciais de algumas disciplinas, dominando certas técnicas para poder transmiti-las, esquematicamente, sem refl etir sobre os seus fundamentos ou a validade da sua aplica-ção.

Enfi m, o modelo do professor ignorante, de temas fundamentais, da cultura, para bem exer-cer a sua actividade profi ssional, superfi cialmente informado, desprezando os dados da ciência…

Foi este o “modelo” com que me confrontei durante anos.

A partir do 25 de abril de 1974, toda esta for-mação é posta em causa, por não corresponder minimamente às novas exigências sociais, à con-cepção de uma escola democrática, directamente relacionada com a vida, aberta à experiência e

preparando as gerações futuras para as diferentes responsabilidades, que a intervenção activa implica no meio que nos cerca.

As escolas do magistério primário foram rees-truturadas no sentido de uma melhoria qualitativa. Prolongou-se a duração do curso para três anos, introduziram-se novas disciplinas curriculares, o conhecimento de outros ramos de ciência como a sociologia e a linguística. Alterou-se o funciona-mento das escolas, as relações professores alu-nos, os processos de trabalho. Também me con-frontei com esta nova situação, trabalhava então na Escola do Magistério Primário de Portalegre. Vivi esta experiência apaixonadamente. Vi surgir o diálogo, o debate de ideias, a permuta e confronto de experiências.

A Pedagogia começou a ocupar-se das crianças como seres em evolução para quem urge descobrir uma orientação tanto quanto possível exacta, em cada momento diferente. Aprofundou-se o estudo da psicologia do desenvolvimento tendo em conta as etapas evolutivas do ser humano, para melhor interpretar o seu relacionamento com as fases de aprendizagem. Começou a ter-se em conta a importância da infl uência do meio como agente modifi cador de tendências individuais e acção do individuo na transformação do meio físico e social.

Nas célebres “Actividades de Contacto” e se-minários, descobriram, professores e alunos, uma nova dimensão de actividade cooperante, enrique-cedora, mutuamente e verdadeiramente formativa. Mas novas alterações surgiram e todo este dina-mismo foi interrompido ou pelo menos diminuído. Aparece um novo Plano de Estudos. Nele se prevê a exigência do curso complementar do ensino se-cundário para acesso aos magistérios, medida que vinha a ser, de resto, ponderada desde há tempos. Para além de outros reparos a estes planos registo alguns que, na altura, mais me “afl igiram”.

- Que espaço para os professores e alunos construírem o seu trabalho na investigação e na refl exão conjunta?

- Como assegurar condições para o trabalho de grupo ou outras técnicas que façam apelo à coo-peração e á responsabilização colectiva?

- Como oferecer condições aos alunos que per-mitam a sua realização nos domínios associativo, cultural, recreativo, tanto na escola como fora dela?

Professores e alunos das escolas do magisté-rio de então também deram sinais de inquietação mas posições de fundo não se tomaram em nome, dizia-se, da situação transitória em que as escolas se encontravam, encerrando, progressivamente, as suas portas.

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Com a abertura das escolas superiores de educação (também me confrontei com a situação por estar na altura nesta escola) ressaltou a neces-sidade de se meditar seriamente sobre o tipo de formação a propor aos futuros professores, tendo em conta as experiências anteriores, as carências do presente e as perspetivas no futuro.

A meu ver é essencial que o professor na escola desempenhe um papel eminentemente social e isso implica sólida formação de base, uma dispo-nibilidade intelectual que permita mobilizar novos conhecimento integrando-os no já adquirido, e uma estrutura que permita e proporcione actualiza-ção científi ca e pedagógica para benefício da sua acção educativa associada à investigação. Penso que as escolas superiores continuam a dar atenção à relação educativa, aos processos, aos métodos, à avaliação do desenvolvimento da capacidade, também aos conteúdos e sua evolução criando no futuro professor uma atitude científi ca, criativa socialmente empenhada, capaz de se adaptar ao progresso e de ser ela própria factor de transfor-mação.

Uma palavras aos alunos, aos pais, aos ami-gos, a todos que ajudaram a crescer esta menina e torná-la na mulher e na profi ssional que hoje é, agradecendo a cultura que me transmitiram, a sim-plicidade de vida que me apontaram, a compreen-são e a solidariedade que revelaram em situações profi ssionais tantas vezes contestadas e obviamen-te difíceis. Com todos senti uma grande alegria de viver, viver com paixão presente, sem esquecer o passado e muito menos o futuro, sempre conscien-te das minhas limitações, mas numa dinâmica toda ela virada para esse grande objectivo que deve ser pertença de cada um de nós, a celebração total da festa da vida.

E aqui reside o grande privilégio da minha vida: o meu trabalho foi uma escolha, uma opção, por vezes mesmo uma missão – a missão de estar no mundo. Viver intensamente a partilha da vida com todos e apaixonadamente. Por vezes aturdida mas incarnado sempre o tempo, a história, posicionan-do-me sempre acima de acontecimentos que me apresentaram o espetáculo obsceno da vida. São estas palavras da professora que viveu uma época marcante que coincidiu com adesão à UNESCO, mais recentemente com a adesão à CEE, passan-do pelo momento histórico do 25 de abril de 1974.

– não lhe queria estar na pele, dirão uns;

- que maravilha dirão outros…

- e o que tenho eu, agora, a ver com isso? Dirão ainda alguns…

Então, com a frontalidade que todos me conhe-

cem, sempre lhes direi que nem o pessimismo, nem o optimismo, nem a indiferença serão respos-ta adequada á questão. Não nos deixemos “anes-tesiar” por algumas vitórias de gerações anteriores e alguns de vós já alcançaram. Importa é que nos questionemos sempre, tentando ver para além das ilusões, criadas ou não por nós, num acto de fé profundo, porque todos somos convidados a par-ticipar com nossa palavra corajosa, com a nossa força e alegria de viver, com a nossa esperança.

Obrigada a todos que proporcionaram este es-paço de cultura viva e convívio. Permitam-me dirigir umas palavras de muito respeito ao actual corpo docente e aos que por diversos motivos deixaram esta escola… os lugares que ocuparam, dignos da sua estatura profi ssional e pessoal. Aqui fi ca esta memória e simples apontamento, porque não podem ser esquecidos.

De igual modo, não posso esquecer os que ainda cá estão e continuam a por todo o seu talen-to, esforço e elevado profi ssionalismo ao serviço desta escola de formação de professores e outros profi ssionais. Escola Superior de Educação de Portalegre.

E assim, avivámos e preservámos um pouco da memória, dos objectivos deste colóquio, recupe-rando assim a memória, a nossa memória que se pretende lúcida, atenta e viva, instrumento funda-mental à construção de um tempo diverso mas em plena cidadania cultural.

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