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1 Educação Ambiental no Centro de Apoio e Reintegração da Criança e do Adolescente (CARCA) do município de Ivinhema (MS): conhecimentos e ferramentas de aprendizagem sobre as serpentes Paula Danyelle Crispim Costa, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UEMS/Ivinhema Lilian Giacomini Cruz, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UEMS/Ivinhema Resumo Este estudo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa desenvolvida no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), que tem por objetivo trabalhar os conteúdos científicos relativos aos répteis como instrumentos de Educação Ambiental (EA), visando à informação, ao conhecimento e à preservação de espécies. Desenvolveu-se uma pesquisa qualitativa, utilizando inicialmente o questionário como instrumento de coleta de dados, para identificar as concepções prévias dos estudantes do Centro de Apoio e Reintegração da Criança e do Adolescente (CARCA) de Ivinhema/MS, sobre as serpentes. Os resultados apontam que o medo predomina a interação com ofídios e que as concepções são embasadas por mitos do imaginário popular. Trabalhar a EA, aliada aos conhecimentos científicos, é necessário, pois a falta de conhecimento acerca deste grupo pode trazer consequências negativas, como o desequilíbrio da população, influência direta na cadeia alimentar e, uma possível extinção. Palavras-chave: ensino de Ciências, educação ambiental, serpentes. Abstract This study presents the partial results of a research carried out in the Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) of the Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), whose objective is to work the scientific contents related to reptiles as instruments of Environmental Education (EA), aiming at information, knowledge and preservation of species. A qualitative research was developed, initially using the questionnaire as a data collection instrument, to identify the preconceptions of students of the Ivinhema’s (MS) Centro de Apoio e Reintegração da Criança e do Adolescente (CARCA) on snakes. The results indicate that fear predominates this interaction with snakes and that the conceptions are based on myths of the popular imaginary. Working with EA, combined with scientific knowledge, is necessary, since the lack of knowledge about this group can have negative consequences, such as the imbalance of the population, direct influence on the food chain and, afterwards, a possible extinction. Key words: science education, environmental education, snakes. IX EPEA Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Juiz de Fora - MG 13 a 16 de agosto de 2017 Universidadre Federal de Juiz de Fora IX EPEA -Encontro Pesquisa em Educação Ambiental

Educação Ambiental no Centro de Apoio e Reintegração da ...epea.tmp.br/epea2017_anais/pdfs/plenary/0204.pdf · A Mata Atlântica ocupa 16,67% do território do Mato Grosso do

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Educação Ambiental no Centro de Apoio e Reintegração da Criança e

do Adolescente (CARCA) do município de Ivinhema (MS):

conhecimentos e ferramentas de aprendizagem sobre as serpentes

Paula Danyelle Crispim Costa, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul –

UEMS/Ivinhema Lilian Giacomini Cruz, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul –

UEMS/Ivinhema

Resumo Este estudo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa desenvolvida no Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), da Universidade Estadual de

Mato Grosso do Sul (UEMS), que tem por objetivo trabalhar os conteúdos científicos

relativos aos répteis como instrumentos de Educação Ambiental (EA), visando à

informação, ao conhecimento e à preservação de espécies. Desenvolveu-se uma

pesquisa qualitativa, utilizando inicialmente o questionário como instrumento de coleta

de dados, para identificar as concepções prévias dos estudantes do Centro de Apoio e

Reintegração da Criança e do Adolescente (CARCA) de Ivinhema/MS, sobre as

serpentes. Os resultados apontam que o medo predomina a interação com ofídios e que

as concepções são embasadas por mitos do imaginário popular. Trabalhar a EA, aliada

aos conhecimentos científicos, é necessário, pois a falta de conhecimento acerca deste

grupo pode trazer consequências negativas, como o desequilíbrio da população,

influência direta na cadeia alimentar e, uma possível extinção.

Palavras-chave: ensino de Ciências, educação ambiental, serpentes.

Abstract This study presents the partial results of a research carried out in the Programa

Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) of the Universidade Estadual de

Mato Grosso do Sul (UEMS), whose objective is to work the scientific contents related

to reptiles as instruments of Environmental Education (EA), aiming at information,

knowledge and preservation of species. A qualitative research was developed, initially

using the questionnaire as a data collection instrument, to identify the preconceptions of

students of the Ivinhema’s (MS) Centro de Apoio e Reintegração da Criança e do

Adolescente (CARCA) on snakes. The results indicate that fear predominates this

interaction with snakes and that the conceptions are based on myths of the popular

imaginary. Working with EA, combined with scientific knowledge, is necessary, since

the lack of knowledge about this group can have negative consequences, such as the

imbalance of the population, direct influence on the food chain and, afterwards, a

possible extinction.

Key words: science education, environmental education, snakes.

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Introdução As serpentes formam um dos grupos de répteis mais diversos atualmente no

mundo, com mais de 3.100 espécies viventes conhecidas (UETZ, 2008). No Brasil,

foram registradas mais de 370 espécies (BÉRNILS, 2010), entre elas famílias de

importância médica, como a Elapidae e a Viperidae.

Presentes nos contos de fadas, na mitologia, na religião, no folclore, nas artes e

na ciência, os répteis ocupam desde tempos remotos, diferentes papéis na cultura

humana. Símbolo de transcendência, por ser tradicionalmente vista como criatura

subterrânea, "mediadora" entre o mundo consciente e inconsciente, a cobra, por

exemplo, abreviou o reinado de Cleópatra e corporificou o pecado no paraíso terrestre.

Marca da astúcia, traição e maldade em muitas culturas, os répteis não conseguiram,

através dos tempos, reunir um significativo número de defensores e, quem sabe,

admiradores. A relação do homem com estes animais sempre foi marcada pelo medo e

pelo desconhecimento, fato que, possivelmente, tem contribuído para a formação das

concepções que acabam se transformando em obstáculos para o conhecimento. Admirá-

los e respeitá-los, exige a tarefa de conhecê-los melhor, para muitos uma tarefa fora de

questão (SCHROEDER, GIASSI & MENESTRINA, 2005). No entanto, a falta de

conhecimento que uma sociedade apresenta sobre determinadas espécies pode

impulsionar seu extermínio indiscriminado (POUGH, 2003; BARBOSA et al, 2007).

Em um estudo que buscou analisar as concepções alternativas de alunos do

Ensino Fundamental sobre os répteis, Schroeder, Giassi & Menestrina (2005, p. 6),

obtiveram um conjunto de informações sobre ideias, conceitos e preocupações

relacionadas às serpentes, como por exemplo: "Os répteis não deveriam existir, são

nojentos e perigosos"; "Meu pai falou que as cobras hipnotizam: eu mesma vi um sapo

hipnotizado ser atacado por uma cobra"; "A cobra rasteira procura mulheres quando

estão amamentando e, durante o sono, sugam o leite - a minha vó viu e disse que isso é

verdade. Sugar leite na vaca também e muito comum"; "As cobras quando vão beber

água deixam o veneno depositado numa folha"; "As cobras são traiçoeiras".

Schroeder, Giassi & Menestrina (2005) entendem que a experiência didática

relatada no artigo, pôde tecer algumas considerações que são importantes no

planejamento do professor de Ciências para o estudo dos seres vivos, sobretudo para o

estudo dos répteis:

Grande parte das concepções alternativas tem sua gênese nas representações

sobre os animais que foram construídas através do tempo e são socialmente

compartilhadas. Diversos fatores exercem influência nesta construção: os

meios de comunicação, o folclore, a religião, a família, a ciência; seria

interessante, pois, conhecer as diferentes compreensões que os alunos têm

para o posterior planejamento das atividades, visando a uma ruptura com as

concepções alternativas incorretas (SCHROEDER, GIASSI &

MENESTRINA, 2005, p. 10).

Para Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011), a escola formal é somente um

dos espaços em que as explicações e as linguagens são construídas. O ser humano,

sujeito de sua aprendizagem, nasce em ambiente mediado por outros seres humanos,

pela natureza e por artefatos materiais e sociais, aprendendo, portanto, nas relações com

esse ambiente, construindo tanto linguagens quanto explicações e conceitos, que variam

ao longo de sua vida, como resultado dos tipos de relações e de sua constituição

orgânica.

O ensino e aprendizagem das Ciências Naturais serão sempre balizados pelo fato

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de que os sujeitos já dispõem de conhecimentos prévios a respeito do objeto de ensino.

“A base de tal assertiva é a constatação de que participam de um conjunto de relações

sociais e naturais prévias a sua escolaridade e que permanecem presentes durante o

tempo da atividade escolar” (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2011, p.

131).

Ainda segundo os autores, “nenhum aluno é uma folha de papel em branco em

que são depositados conhecimentos sistematizados durante sua escolarização”. As

explicações e os conceitos que formou e forma, em sua relação social mais ampla do

que a escolaridade, interferem em sua aprendizagem de Ciências naturais. E ainda:

Os fenômenos e eventos com que se convive desde a tenra infância já se

apresentam mediados não só por nomes, mas também por explicações do

grupo social a que pertencem os sujeitos. Por que chove, por que se adoece,

por que há estrelas no céu, por que as plantas precisam ser regadas ou

podadas, por que é necessário alimentar os animais domésticos ou criados

pelo homem, por que a tomada dá choque são questões que, de alguma

forma, foram explicadas às crianças desde que elas começaram a fazer

indagações (DELIZOICOV; ANGOTTI; PERNAMBUCO, 2011, p. 131-

132).

Assim, compreender esse universo simbólico no qual o estudante está inserido,

qual sua cultura primeira, qual sua tradição cultural étnica e religiosa, a que meios de

comunicação social tem acesso, a que grupos pertence, pode facilitar o aprendizado das

Ciências Naturais. Permitir que sua visão de mundo possa aflorar não só na sala de aula,

mas em outros ambientes de aprendizagem, como no estudo em questão, dando

possibilidade de que perceba as diferenças estruturais, tanto de procedimentos como de

conceitos, pode propiciar a transição e retroalimentação entre as diferentes formas de

conhecimento de que os sujeitos dispõem (DELIZOICOV; ANGOTTI;

PERNAMBUCO, 2011).

O universo da pesquisa e os nossos objetivos O município de Ivinhema/MS, onde está sendo desenvolvido o presente estudo,

possui aproximadamente 22.341 habitantes (17.274 residem na área urbana e 5.067 em

área rural) (IBGE, 2010). Com relação ao ambiente natural, pode-se afirmar que o

município está localizado numa faixa de transição entre dois biomas: a Mata Atlântica e

o Cerrado. A Mata Atlântica ocupa 16,67% do território do Mato Grosso do Sul e

abrange total ou parcialmente 48 municípios, com população de 1.883.698 habitantes.

Restam 18,87% de remanescentes, área equivalente a 1.123.429,65 hectares (11.234,30

km2). As formações vegetais de Mata Atlântica no Estado são representadas pelas

florestas estacional decidual e estacional semidecidual, áreas de savana e áreas de

transição entre savana e floresta estacional, contando ainda com formações pioneiras

nas margens do Rio Paraná (SOSMA, 2012).

Sabemos que, juntamente com a Mata Atlântica, o Cerrado, também presente no

Estado, é um dos biomas brasileiros que mais sofreu alteração devido à ação do homem.

De acordo com o Diagnóstico Territorial: Contextualização do Território da Cidadania

Vale do Ivinhema1, publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, nos últimos

1 O Governo Federal lançou, em 2008, o Programa Territórios da Cidadania, que tem como objetivos promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. Disponível em:

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30 anos, o desenvolvimento da pecuária extensiva tem trazido impactos ambientais

como a erosão, assoreamento dos cursos d’água, bem como ameaça a espécies animais e

vegetais. Atualmente, apenas 20% da cobertura vegetal nativa permanecem inalteradas

e menos de 2% estão protegidos em parques ou reservas.

Ainda, segundo o diagnóstico, no Território da Cidadania Vale do Ivinhema, a

ameaça parte do avanço da monocultura da cana-de-açúcar. Nos últimos anos empresas

do ramo sucroalcooleiro tem adquirido áreas para produção de sua matéria prima.

Movimentos sociais, Organizações Não Governamentais (ONGs) e ambientalistas,

desencadearam um debate sobre o tema, alertando para possíveis impactos ambientais,

sociais e econômicos para a região.

A paisagem da região, que até meados da década de 1960 era pouco afetada está,

desde então, devido à ação do homem, seja pela pecuária extensiva, seja pelo

crescimento da agricultura mecanizada, passando por grandes modificações, que

alteram os diversos habitats e, consequentemente, colocam espécies em risco extinção.

Dentre as que correm este risco estão o tamanduá-bandeira, a anta, o lobo-guará

(BRASIL, 2010).

Durante nossa trajetória acadêmica no município de Ivinhema/MS, tivemos

contato direto com estudantes da Educação Básica e com o público em geral, tanto na

realização do Estágio Supervisionado Obrigatório, quanto durante nossa participação

como bolsista, nas atividades do Programa de Educação Tutorial (PET Verde Legal).

Nestes momentos, nos deparamos com muitas questões culturais arraigadas em

comportamentos ambientalmente inadequados para a sustentabilidade ambiental.

Assim, preocupados com os dados anteriormente apresentados e com a realidade

vivenciada, julgamos ser este um importante problema a ser investigado: a interação

entre os seres humanos e as diferentes espécies de animais, e os conhecimentos

científicos enquanto ferramentas de Educação Ambiental (EA), visando à preservação

de espécies.

Segundo Martins e Molina (2008), no livro vermelho da Fauna Brasileira

ameaçada de extinção, cinco (05) espécies estão criticamente em perigo (CR). São 30

espécies de serpentes ameaçadas de extinção. Estudos recentes apontam espécies

ofídicas de importância médica que estão diminuindo drasticamente com ações

humanas, desde a perseguição desenfreada ao desmatamento, causando a falta de

hábitat.

A jararaca comum (Bothrops jararaca), com seu veneno, deu origem a

medicamentos como os anti-hipertensivos captopril e EVASIN (sigla para Endogenous

Vasopeptidase Inhibitor), este último patenteado recentemente por pesquisadores do

Instituto Butantã, de São Paulo. Outro novo produto é o ENPAK (sigla para

Endogenous Pain Killer), uma proteína com poder analgésico, obtida do veneno da

cascavel (Crotalus terrificus) que, segundo Bellinghini (2004), o efeito pode vir a ser

600 vezes mais poderoso que o da morfina. Assim, a conservação das serpentes

peçonhentas brasileiras preservará também o potencial farmacêutico e socioeconômico

de seus venenos.

No caso deste estudo, investiga-se a relação com as serpentes, pois a falta de

conhecimento acerca deste grupo pode trazer consequências negativas como o

desequilíbrio da população, influência direta na cadeia alimentar e, posteriormente, uma

possível extinção. Se há, ainda, uma falta de informação por parte da sociedade, gera-se

<http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/one-community?page_num=0>

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uma relação negativa entre o meio social e o ambiental, contrapondo-se à ideia de

preservação.

Deste modo, o principal objetivo de nossa pesquisa de Iniciação Científica é

trabalhar os conteúdos científicos relativos aos répteis como instrumentos de Educação

Ambiental visando à informação, ao conhecimento e à preservação de espécies. É

importante destacarmos que não acreditamos em uma EA que se orienta

predominantemente para a difusão de conhecimentos científicos e tecnologias

ambientais tomados em sua forma ingênua, sem a devida problematização de seus

contextos históricos de produção e dos interesses econômicos aos quais respondem,

sendo, portanto, reafirmados como conhecimentos desinteressados, em si mesmos

verdadeiros e eficazes para a crise ambiental (CARVALHO, 2008).

Desta forma, não se trata, para uma EA crítica e transformadora, de negar o

valor do conhecimento científico da natureza e de suas aplicações tecnológicas, mas de

torná-los objeto de compreensão crítica:

Os conhecimentos científicos seriam, nesse caso, uma das fontes de trabalho

e pesquisa da EA. Ou seja, um entre outros saberes culturais que poderiam

ser acionados e problematizados para a compreensão das relações

socioambientais. A EA crítica seria, portanto, aquela capaz de transitar entre

os múltiplos saberes: científicos, populares e tradicionais, alargando nossa

visão do ambiente e captando os múltiplos sentidos que os grupos sociais

atribuem a ele (CARVALHO, 2008, p. 125).

No estudo ora apresentado, objetivamos identificar as concepções prévias dos

estudantes sobre as serpentes, para que, a partir de suas análises, possamos traçar um

plano de ação, juntamente com o grupo, visando preencher as lacunas nos conceitos

apresentados, na direção da construção de um conhecimento científico mais sólido e

significativo, tão importante para a compreensão da importância da preservação das

serpentes.

Metodologia A pesquisa em Educação (e em EA) é essencialmente qualitativa.

Essencialmente porque é parte da essência da educação a necessidade de explorar, nos

espaços ocultos das ações educativas cotidianas, uma realidade diversa, dinâmica,

complexa e específica. Para ser compreendida, da forma mais abrangente possível, essa

realidade não pode ser somente quantificável, é preciso buscar nesta atividade educativa

significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (MINAYO, 2002).

Se, por um lado, a EA é educação, por outro ela tem especificidades. Nesse

sentido, identificar os princípios teórico-metodológicos dos processos educativos

ambientais ajuda-nos a pensar suas necessidades investigativas. Compartilhamos da

ideia que a EA, para ser educação crítica e transformadora, educação emancipatória, -

que tem como objetivo a construção de uma sociedade sustentável do ponto de vista

ambiental e social - tem que ser um processo coletivo, dinâmico, complexo e contínuo

de conscientização e participação social que articule também a dimensão teórica e

prática, além de ser um processo necessariamente interdisciplinar (TOZONI-REIS,

2005).

Como não seríamos apenas observadores do processo, mas sim, participantes

ativos, visando a transformação da realidade estudada, optamos pela pesquisa-ação-

participativa, que segundo Tozoni-Reis (2008), tem como princípios teórico-

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metodológicos a participação, o processo coletivo, a troca de ideias, a conscientização,

para ter relevância científica e social, referindo-se também à articulação radical entre

teoria e prática.

Segundo Brandão (1981), a pesquisa participante, pesquisa participativa ou

simplesmente pesquisa-ação, é uma modalidade de conhecimento coletivo do mundo e

das condições de vida de pessoas, grupos e classes populares. Já para Demo (1992),

uma modalidade alternativa de pesquisa qualitativa que coloca a ciência a serviço da

emancipação social, trazendo alguns desafios: pesquisar, participar, investigar e educar.

Articulado também em teoria e prática.

Este estudo está sendo realizado no Centro de Apoio e Reintegração da Criança

e do Adolescente (CARCA), no município de Ivinhema (MS). A instituição atende

crianças carentes do município, onde podem permanecer em tempo integral, sendo

oferecidas refeições e atividades extracurriculares. Propõe uma abordagem inovadora

que busca contribuir para o aprendizado de crianças e adolescentes, com o

desenvolvimento de práticas sincronizadas com as necessidades sociais e de saúde,

abordando os temas de forma lúdica e participativa.

Com nossos objetivos e metodologia de pesquisa definidos, iniciamos as

atividades com uma roda de conversa, ocorrendo um diálogo sobre as concepções dos

estudantes em relação às serpentes e, sequencialmente, foi aplicado um questionário

contendo duas (2) questões abertas. Responderam ao questionário vinte e oito (28)

estudantes, com idade entre dez (10) e quatorze (14) anos.

A partir dos dados coletados, para a continuidade do estudo, será planejada uma

sequência de atividades, a fim de desenvolver, com diferentes metodologias, o conteúdo

referente aos Répteis, mais especificamente a Subordem Ophidia, quanto a informações

como: biologia (esqueleto, pele, sentido, órgãos e dentição), comportamento (habitat,

alimentação, locomoção e reprodução), identificação (espécies peçonhentas e não

peçonhentas). Curiosidades e mitos serão expostos e discutidos.

As práticas para mediação do conteúdo serão feitas da seguinte forma: aulas de

campo (conhecer o hábitat), aulas de laboratório (amostras coletadas e identificadas pela

UEMS – Unidade Universitária de Ivinhema, e amostras de serpentes criadas em

cativeiro), jogos didáticos e construção de quadros conceituais.

Resultados e Discussões Nesta etapa da pesquisa, foram aplicados 28 questionários para crianças na faixa

etária entre 10 e 14 anos, contendo apenas duas questões, que deveriam ser respondidas

sobre os sentimentos e reações decorrentes do contato com uma serpente. A primeira

questão solicitava que o participante escrevesse o que faria ao se deparar com um

ofídio. Em seguida, que desenhasse a situação como imaginaria acontecer.

Os discursos foram mantidos na íntegra, para garantir a validade dos dados. Os

participantes não foram identificados, a fim de manter o seu anonimato na apresentação.

De vinte e oito (28) questionários respondidos, quatro (4) apresentaram as

seguintes respostas: “Eu pegaria com um pedaço de pau e jogaria no mato”, “chamaria

os bombeiros”, “chamaria a polícia”, “colocaria ela dentro de uma garrafa pet”. Todas

as outras respostas para a primeira questão envolviam medo e morte da serpente: “eu

gritaria”, “mataria ela”, “chamaria alguém adulto para matar ela”, “sairia correndo”,

“desmaiaria”.

Existem muitas famílias que vivem em zona rural no município de Ivinhema, e

dezenove (19) dos vinte e oito (28) estudantes participantes, moram nessas residências

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mais distantes da cidade, havendo muitos casos de serpentes que aparecem em suas

casas. Quando questionados sobre o que fazer, a resposta foi a mesma: “matar”.

A segunda questão, que pedia para os alunos desenharem, mostrou muita

criatividade. Dos vinte e oito desenhos, dezesseis (16), afirmavam que, a serpente os

engoliria, morderia ou mataria. Sete (7) mostravam que a forma eles matariam as

serpentes. E cinco (5) mostravam que manteriam distância da serpente até que alguém

viesse ajudá-los, ou até que ela fosse embora. Vejamos alguns destes desenhos:

Figura 1: Representações dos estudantes participantes sobre sua interação com as serpentes.

Os acidentes ofídicos com humanos ocorrem quando as serpentes se sentem em

perigo e executam o ataque como último recurso para se defender. O conhecimento do

comportamento defensivo das serpentes e dos aspectos ecológicos relacionados às

mesmas pode ser utilizado para prever a ocorrência de acidentes ofídicos de importância

médica (SANTOS-FITA, COSTA-NETO, 2007).

O que gera a morte desacerbada das serpentes peçonhentas é a falta de

informação, haja vista que a maioria das pessoas não sabe diferenciá-las e cria-se a ideia

de que todas as serpentes possuem peçonha e para não possuir veneno precisa ser

retirado. Admite-se que o declínio da diversidade é constituído pelo pouco

conhecimento sobre prevenção de acidentes e sobre a biologia destes animais, e pelas

informações passadas de geração a geração. Estas informações na grande maioria das

vezes baseiam-se em mitos e tradições, não considerando o real comportamento do

animal (FUNASA, 1998). Muitos conceitos sobre esses animais são formados a partir

de lendas, mitos, inverdades, que estão presentes na sociedade e causam o extermínio da

espécie, assim como foi visto nas respostas das crianças, por isso, há a urgente

necessidade de discussão.

A partir das respostas obtidas nos questionários aplicados pretende-se elaborar

aulas teóricas e práticas com as quais, dúvidas, mitos, lendas e estereótipos possam ser

desconstruídos e novos conceitos construídos e reformulados, pensando na obstrução de

pensamento exterminador, buscando, também, evitar acidentes ofídicos. Sobre isso, os

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Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) afirmam:

Dizer que o aluno é sujeito de sua aprendizagem significa afirmar que é dele

o movimento de ressignificar o mundo, isto é, de construir explicações

norteadas pelo conhecimento científico. Os alunos têm ideias acerca do seu

corpo, dos fenômenos naturais e dos modos de realizar transformações no

meio; são modelos com uma lógica interna, carregados de símbolos da sua

cultura. Convidados a expor suas ideias para explicar determinado fenômeno

e a confrontá-las com outras explicações, eles podem perceber os limites de

seus modelos e a necessidade de novas informações; estarão em movimento

de ressignificação. Mas esse processo não é espontâneo; é construído com a

intervenção do professor. É o professor quem tem condições de orientar o

caminhar do aluno, criando situações interessantes e significativas,

fornecendo informações que permitam a reelaboração e a ampliação dos

conhecimentos prévios, propondo articulações entre os conceitos construídos,

para organizá-los em um corpo de conhecimentos sistematizados (BRASIL,

1997, p. 28).

O planeta vem sofrendo, diariamente, com as ações do ser humano, havendo a

necessidade real de se trabalhar a respeito de atitudes e mostrar quão importante são as

espécies de animais e vegetais para a existência e sobrevivência de nós mesmos. Dessa

forma, os PCNs orientam que “ao professor cabe selecionar, organizar e problematizar

conteúdos de modo a promover um avanço no desenvolvimento intelectual do aluno, na

sua construção como ser social” (BRASIL, 1997, p. 28).

Sendo assim, o trabalho educacional é componente dessas medidas das mais

essenciais, necessárias e de caráter emergencial, pois sabe-se que a maior parte dos

desequilíbrios ecológicos está relacionada a condutas humanas inadequadas

impulsionadas por apelos consumistas – frutos da sociedade capitalista – que geram

desperdício, e ao uso descontrolado dos bens da natureza, a saber, os solos, as águas e

as florestas (CARVALHO, 2006).

Considerações Finais Com o desenvolvimento deste estudo tem sido possível perceber que há uma

grande resistência na interação do homem com os répteis, em especial as serpentes, pois

a grande maioria das pessoas possui medo, quase sempre acompanhado de um déficit de

informação, apresentando como argumentos, lendas e mitos do imaginário popular, que

podem contribuir para o extermínio dos ofídios.

Assim, entendemos que a EA, aliada aos conhecimentos científicos, pode ser a

chave para abrir o caminho da melhor convivência, transformando o senso comum, em

saber elaborado/ científico, visando, além da melhor interação, a prevenção contra

acidentes e a preservação de espécies.

Desta forma, se faz importante que a EA esteja presente, tanto na educação

formal, desde os anos iniciais do ensino fundamental, como nos espaços de educação

informal, como é o caso do CARCA de Ivinhema/MS, sendo compreendida não apenas

como um instrumento de mudança cultural ou comportamental, mas também como um

instrumento de transformação social para se atingir a mudança ambiental.

Referências

BARBOSA, A.R.; NISHIDA, A.K; COSTA. E.S.; CAZÉ, A.L.R. Abordagem

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