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Intercom - RBCC São Paulo, v.41, n.1, p.137-152, jan./abr. 2018 137 Efeitos de sentidos de (in)sustentabilidade nos anúncios impressos do Banco Real/Santander Meaning effects of (un)sustainability in print advertisements by Real/Santander Bank Efectos de sentidos de (in)sostenibilidad en los anuncios impresos del Banco Real/ Santander DOI: 10.1590/1809-5844201817 Dinair Velleda Teixeira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação. Porto Alegre – RS, Brasil) https://orcid.org/0000-0003-0987-1833 Resumo Neste artigo, o objetivo é refletir sobre o discurso do Banco Real/Santander 1 sob dois aspectos: a) a marca de sua repetibilidade materializada em anúncios veiculados na Veja durante a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável; b) como o banco constrói processos discursivos que conduzem à produção de efeito de sentidos de sustentabilidade nos anúncios. Dentre outras coisas, foi possível perceber que o processo discursivo do banco está ancorado em dizeres do interdiscurso, que dão origem à tomada de posição e, também, no seu próprio discurso anterior (anúncio). Palavras-chave: Comunicação organizacional. Discurso. Efeito de sentidos. Publicidade. (In) Sustentabilidade. Abstract This article aims to reflect on the discourse of Real/Santander Bank under two perspectives: a) the characteristic of its repeatability in the bank’s discourse materialised in print ads published in Veja magazine during the Decade of Education for Sustainable Development; and b) how the bank constructs discursive processes that lead to the production of sustainability meaning effects in their ads. Among other things, we observed that the discourse process of the bank is anchored in words of interdiscourse that give rise to positioning, as well as in its own previous discourse (advertisement). Keywords: Corporate communication. Discourse. Meaning effects. Advertising. (Un)Sustainability. Resumen En este artículo, el objetivo es reflexionar sobre el discurso del Banco Real/Santander bajo dos aspectos: a) la marca de su repetibilidad materializada en anuncios publicados en la Veja durante el Decenio de la Educación para el Desarrollo Sostenible; b) cómo el banco construye procesos 1 Neste artigo, aciona-se dados de pesquisa (cujos anúncios integram o corpus empírico) da tese de doutorado de Velleda Teixeira (2017), realizada com base na teoria pêcheutiana.

Efeitos de sentidos de (in)sustentabilidade nos anúncios ... · Publicidade. (In) Sustentabilidade. Abstract This article aims to reflect on the discourse of Real/Santander Bank

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Efeitos de sentidos de (in)sustentabilidade nos anúncios impressos do Banco Real/SantanderMeaning effects of (un)sustainability in print advertisements by Real/Santander Bank

Efectos de sentidos de (in)sostenibilidad en los anuncios impresos del Banco Real/Santander

DOI: 10.1590/1809-5844201817

Dinair Velleda Teixeira(Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação. Porto Alegre – RS, Brasil)https://orcid.org/0000-0003-0987-1833

ResumoNeste artigo, o objetivo é refletir sobre o discurso do Banco Real/Santander1 sob dois aspectos: a) a marca de sua repetibilidade materializada em anúncios veiculados na Veja durante a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável; b) como o banco constrói processos discursivos que conduzem à produção de efeito de sentidos de sustentabilidade nos anúncios. Dentre outras coisas, foi possível perceber que o processo discursivo do banco está ancorado em dizeres do interdiscurso, que dão origem à tomada de posição e, também, no seu próprio discurso anterior (anúncio).Palavras-chave: Comunicação organizacional. Discurso. Efeito de sentidos. Publicidade. (In)Sustentabilidade.

AbstractThis article aims to reflect on the discourse of Real/Santander Bank under two perspectives: a) the characteristic of its repeatability in the bank’s discourse materialised in print ads published in Veja magazine during the Decade of Education for Sustainable Development; and b) how the bank constructs discursive processes that lead to the production of sustainability meaning effects in their ads. Among other things, we observed that the discourse process of the bank is anchored in words of interdiscourse that give rise to positioning, as well as in its own previous discourse (advertisement).Keywords: Corporate communication. Discourse. Meaning effects. Advertising. (Un)Sustainability.

ResumenEn este artículo, el objetivo es reflexionar sobre el discurso del Banco Real/Santander bajo dos aspectos: a) la marca de su repetibilidad materializada en anuncios publicados en la Veja durante el Decenio de la Educación para el Desarrollo Sostenible; b) cómo el banco construye procesos

1 Neste artigo, aciona-se dados de pesquisa (cujos anúncios integram o corpus empírico) da tese de doutorado de Velleda Teixeira (2017), realizada com base na teoria pêcheutiana.

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discursivos que conducen a la producción de efectos de sentidos de sostenibilidad en los anuncios. Entre otras cosas, fue posible percibir que el proceso discursivo del banco está anclado en palabras del interdiscurso que dan lugar a la toma de posición y, también, en su propio discurso anterior (anuncio).Palabras clave: Comunicación organizacional. Discurso. Efecto de sentidos. Publicidad. (In)Sostenibilidad.

Considerações iniciaisÉ visível o crescente uso do termo “sustentabilidade” na comunicação das

organizações públicas e privadas de diversos segmentos, para, de alguma forma, conseguirem visibilidade e construírem “imagem-conceito” (BAlDISSERA, 2004) positiva de marca, produtos e/ou serviços, posicionando-se de forma a serem percebidas por seus públicos como organizações que operam com sustentabilidade, tendência verificada por Velleda Teixeira (2017) na publicidade.

As organizações ocupam uma posição ideológica privilegiada na sociedade, o que lhes permite agir na tentativa de conduzir os indivíduos a um modo de ser/estar no mundo ao apresentarem-se como referência no estabelecimento de padrões, regras e valores com vistas a orientar e a contribuir para manutenção econômica da organização enunciadora, como meio de assegurar sua permanência no mercado. Esse processo tende a culminar em estratégias de comunicação como, por exemplo, os anúncios impressos que são analisados neste artigo sob as lentes da Análise do Discurso pêcheutiana. Nessa esteira, a publicidade, por ser o aspecto mais visível desse processo que contribui para construção de concepções de mundo, intenções, interesses e estratégias das organizações, carrega as consequências por um dizer que nem sempre é ético e/ou está alinhado com o exigido pelo Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR). No entanto, é importante ressaltar que as estratégias organizacionais são anteriores aos anúncios, ou seja, a publicidade é a materialização de decisões estratégicas da organização, logo, a publicidade é apenas parte de um processo mais complexo.

Nesse sentido, sob a perspectiva da comunicação organizacional, quando se analisa as materializações discursivas em anúncios, não se analisa a publicidade em si, mas o discurso2 organizacional que nela se materializa, pois a publicidade é uma das dimensões da comunicação organizacional, a dimensão da “comunicação comunicada” que, nos termos de Baldissera (2009), compreende: a fala oficial, autorizada; os processos planejados, aquilo que a empresa diz de si em seus discursos. Ocorre que nem sempre essa manifestação textual (que é o resultado de uma processualidade) é condizente com as práticas das organizações, sobretudo quando se trata de sustentabilidade, pois, dificilmente, as organizações conseguem

2 O discurso “não se trata necessariamente de uma transmissão de informação entre A e B mas, de modo mais geral, de um ‘efeito de sentidos’ entre os pontos A e B”. (PÊCHEUX [1969] 1993, p.81 – Grifos do autor).

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contemplar a sustentabilidade em sua complexidade. Essa questão é retomada, de forma sucinta, na próxima seção, pois se constitui como base teórica para pensar o discurso do Banco Real/Santander3 materializado nos anúncios sob dois aspectos aqui propostos para reflexão: a) a marca de sua repetibilidade materializada em anúncios veiculados na revista Veja durante a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável; e b) como o banco constrói processos discursivos que conduzem à produção de efeitos de sentidos de sustentabilidade nos anúncios.

Sobre a (in)sustentabilidadeMuitas vezes, o uso do prefixo “in” junto ao termo “sustentabilidade” se explica

pelo fato de que “a historicidade da noção de sustentabilidade e a sua construção histórico-discursiva, aponta a permanente (re)construção da noção, ao mesmo tempo em que, notadamente, aumenta a insustentabilidade ambiental” (VELLEDA TEIXEIRA, 2017, p.16). Devido a essa construção discursiva estar assentada em pré-construídos4 limitadores sobre meio ambiente, os quais atravessam e configuram a noção de sustentabilidade, há uma tendência a deter o avanço em direção à sustentabilidade. Ou seja, esses discursos “no agora”, por serem provenientes de discursos “já-ditos” (pré-construídos limitadores), acabam reafirmando a visão reducionista e simplificadora de meio ambiente corrente na sociedade, visão que culmina na (in)sustentabilidade ambiental. Esses pré-construídos (considera-se aqui os principais) são: a) o reducionismo do meio ambiente à dimensão ecológica; b) a dicotomia entre indivíduo e natureza; e c) o modelo econômico e as relações sociais por ele instituídas.

O reducionismo quanto ao meio ambiente já se alertara desde 1977 na Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, em tbilisi, Geórgia. Nessa Conferência, foi salientada a necessidade de ruptura com práticas reduzidas à dimensão ecológica. No entanto, ainda hoje é preponderante essa visão na publicidade, conforme Velleda Teixeira (2017), assim como no discurso de outros campos, tais como os apontados por Dias (2004), Giacomini Filho (2004), Girardi et al (2011), Molon (2006) e Marpica (2008).

Cabe, então, explicitar a visão de meio ambiente que norteia esta escrita, a qual está alinhada à do Programa Nacional de Educação Ambiental (PNEA, 1999) que “concebe o meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade”. Nesse sentido, o ser/fazer com sustentabilidade se constitui em uma complexidade de aspectos; por essa razão, é necessário explicitar os parâmetros que balizam esse entendimento, aqui retomado

3 A junção dos nomes Real e Santander deve-se à fusão entre essas duas instituições financeiras, embora em alguns anúncios assinem em separado.4 O pré-construído é “o que remete a uma construção anterior, exterior, mas sempre independente, em oposição ao que é ‘construído’ pelo enunciado” (PÊCHEUX, [1975] 2009, p.153).

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conforme definido por Velleda Teixeira (2017) com base no modelo de tecido celular de Dias (2004). Esse autor compreende que para a efetiva Educação Ambiental (EA), as dimensões social, cultural, econômica, política, ética, tecnológica, científica e ecológica deverão ser constituintes. Velleda Teixeira (2017) diz que pensar a sustentabilidade em sua complexidade a partir da EA justifica-se pelo fato de que “a educação sempre aparece como caminho para patamares mais dignos de existência humana e proteção ambiental” (lOUREIRO, 2012, p.73), bem como se constitui em via de apoio para construção dos sentidos de sustentabilidade. Assim, para Velleda Teixeira (2017, p.99):

[...] a sustentabilidade como resultado de uma educação para o ambiente, também necessita ser compreendida a partir do “mosaico de dimensões” (social, cultural, econômica, política, ética, tecnológica, científica e ecológica) que são interdependentes e necessárias para um ser/fazer com sustentabilidade.

Contudo, se o ambiente for entendido/trabalhado a partir do ponto de vista conservador, que separa os problemas ambientais dos sociais, econômicos, culturais e políticos; e sob o qual a ciência produz formas de conhecimento que buscam a dominação, a exploração e o controle do mundo natural, continuar-se-á (re)produzindo o mesmo modelo de sociedade vigente. Logo, a busca pela melhoria das condições de existência não deve ocorrer com base nos mesmos referenciais constitutivos da crise – a lógica do capital. Conforme Guimarães (2004, p.25), “a sociedade ao se colocar inapta de transformar uma realidade (da qual ela própria é um dos mecanismos de reprodução), conserva o movimento de constituição da realidade de acordo com os interesses dominantes – a lógica do capital”. Nesse sentido, muitas ações desenvolvidas por organizações públicas, ou privadas, em prol da conservação do meio ambiente, apresentam uma prática reprodutora de uma realidade hegemônica por voltarem-se a um processo educativo focado no indivíduo e na transformação de seu comportamento, além de conservadora, já que estrutura a compreensão e a ação do seu fazer nos mesmos referenciais paradigmáticos geradores dessa crise ambiental (GUIMARÃES, 2004). Por essa razão, é necessário definir parâmetros para o que seja a sustentabilidade na análise do discurso do Banco Real/Santander materializado nos anúncios. Nesse sentido, o mosaico de dimensões que constitui a sustentabilidade na sua complexidade balizou esse entendimento, sendo critério para seleção dos anúncios, cujos procedimentos são apresentados na próxima seção.

Procedimentos metodológicosConforme já antecipado, os anúncios do Banco Real/Santander apresentados neste

artigo constituem o corpus empírico da pesquisa de doutorado de Velleda Teixeira (2017), por essa razão, cabe apresentar como esse corpus foi definido. Inicialmente, foi realizada

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pesquisa documental no banco de dados da revista Veja, mais especificamente em 520 edições referentes ao período que compreende a Década da Educação para o Desenvolvimento (DEDS5), de 2005 a 2014. Essa pesquisa resultou em uma coleta e catalogação de 891 anúncios com apelos de sustentabilidade, formando o arquivo6 da tese. O critério para seleção dos anúncios era o de que cada um deveria apresentar, ao menos, uma das dimensões do mosaico (social, cultural, econômica, política, ética, tecnológica, científica, ecológica). Posteriormente, as empresas anunciantes foram agrupadas por segmentos. Na sequência, foram identificadas as que mais anunciaram, bem como a organização que mais anunciou em cada um desses segmentos. As organizações selecionadas com base nesse critério foram: Banco Real/Santander, Coca-Cola Company, Natura Cosméticos e Vale Mineradora.

Os anúncios do Banco Real/Santander somados apresentam um total de 98 anúncios com apelos de sustentabilidade veiculados na revista Veja durante a DEDS. A seguir, na tabela 1, é apresentada uma linha do tempo com a distribuição desses anúncios por ano e na década, veiculados na revista Veja.

Tabela 1 - linha do tempo (2005-2014) com os anúncios do Banco Real/Santander.2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Total16 19 16 14 14 9 3 5 2 - 98

Fonte: Elaborada pela autora.

O procedimento adotado para a viabilização das análises apresentadas na próxima seção foi realizado conforme o seguinte percurso: a) inicialmente, os anúncios foram agrupados por período de veiculação: início, meio e final da década, esses diferentes momentos possibilitaram observar o movimento de sentidos no período; e b) com base na noção de “regularidades”7 (FOUCAULT, [1969] 2008, p.231), os anúncios foram agrupados considerando a “repetibilidade” existente na linguagem verbal e na linguagem imagética. Isso possibilitou a análise de apenas um dos anúncios de cada grupo de anúncios veiculados (no início, meio e final da década), pois aqueles que serão analisados (Tabela 2) refletem sentidos similares aos demais anúncios de seu grupo.

5 O objetivo de instituir a DEDS foi o de estimular mudanças de atitude e comportamento nas diversas instâncias da sociedade, diante das implicações complexas que resultam da forma de vida sem a devida preocupação com o esgotamento dos recursos naturais do planeta (UNESCO). Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org>. Acesso em: 10 mar. 2013. 6 Conforme Sargentini (2014), o arquivo não é somente um conjunto de dados: ele é revelador de interesses históricos, políticos e culturais.7 Com essa noção, Foucault ([1969] 2008) chama atenção para as regularidades que se podem encontrar em uma dispersão de textos, que, ao serem identificadas, apontam aí a existência de formações discursivas.

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Tabela 2 – Corpus empíricoOrganização Anúncios Veiculação Edição

BancoReal/Santander

1º) Investe no Futuro 22/06/2005 20102º) Investe em Sustentabilidade 05/09/2012 22853º) Ajuda você a ser Sustentável 24/07/2013 2331

Fonte: Elaborada pela autora.

A seguir, apresenta-se a análise de cada um dos três anúncios do Banco Real/Santander selecionados para este fim.

Anúncio 1 – Investe no FuturoOrganização – Banco RealVeiculado – 22/06/2005 Veículo e edição – Revista Veja, edição 2010Páginas – n.12/13

Figura 1 – Anúncio 1 – Investir no Futuro

Fonte: Banco de Dados da Revista Veja S/A Digital.

Destaca-se dos 3 anúncios as sequências discursivas (enunciados) (doravante SD) que somadas resultam em um total de 10 SDs. Na SD1, no trecho “acreditar no desenvolvimento

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sustentável é investir num futuro melhor”, destacamos o verbo “investir” pertencente a um saber advindo da área de Economia e da Administração, e que está significando o que fazem os que acreditam no desenvolvimento sustentável. Os sentidos de futuro aí postos referem-se ao futuro de crianças, o qual poderia se dar, também, por meio da educação ou da cultura, mas, nessa SD, afirma-se que o futuro acontece somente por meio da economia e da administração, pois a escolha do verbo “investir” direciona os sentidos para esse lugar, indicando que o valor econômico é preponderante no discurso presente nessa SD.

Na imagem, encontramos algo que é recorrente em anúncios publicitários: a tentativa de estabelecer uma relação indicial entre determinado produto/organização e uma situação desejável. A imagem de crianças apoia-se na convenção, firmemente estabelecida na sociedade, de que a criança carrega a representação de futuro. Portanto, uma criança pode, por si só, tornar-se um símbolo de futuro por convenção iconográfica, tal convenção é ancorada na linguagem verbal da SD1, ao mesmo tempo em que a ancora.

A câmera, posicionada em plongée (de cima para baixo), exibe crianças montando o símbolo do ciclo da sustentabilidade, pautado na política dos 3R’s (Reutilizar, Reduzir, Reciclar), que se constitui por três flechas que formam um círculo. As cores verde e amarelo do anúncio reforçam a origem brasileira do banco, o que propicia a identificação com o interlocutor, além de fixar a marca como banco brasileiro. Essa estratégia também está presente em todos os anúncios do Banco Real, pois o logotipo do banco carrega junto a sua marca o símbolo de uma flâmula nessas mesmas cores.

Na SD2, vemos a exposição das ações do banco para preservar o meio ambiente: “Banco Real. O banco líder no uso de papel reciclado em larga escala. [...] o papel reciclado é usado em larga escala em sua comunicação externa e interna. Todos os dias, cartuchos, plásticos e papéis são separados para reciclagem.”. Essa exposição indica uma ação pautada na política dos 3R’s, que, no início da década (2005), era bastante implementada por organizações que buscavam um posicionamento de empresa sustentável, pois nesse período o entendimento de sustentabilidade estava bastante assentado nessas práticas, em parte, pelo caráter ecológico atribuído à sustentabilidade.

Na SD3 lemos uma explicação, isto é, o motivo pelo qual o Banco Real diz contribuir para preservação do meio ambiente: “O Banco Real contribui para preservação do meio ambiente porque acredita que isso é importante para a sociedade em que atua.”. Os sentidos que emergem dessa SD são de que o banco contribui para a preservação do meio ambiente não por considerá-la importante, mas porque acredita que essa é uma postura relevante para a sociedade (clientes, futuros clientes e demais públicos com os quais se relaciona), para a localidade em que atua. Sendo a sustentabilidade importante para o (seu) mercado8 consumidor, adotar esse posicionamento resulta em imagem-conceito positiva para o banco.

8 Pesquisas realizadas por Giacomini Filho (2004) comprovam que o mercado consumidor dá preferência a empresas que desenvolvem ações de preservação do meio ambiente.

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Na SD4, no trecho “Faça como o Banco Real: reduza o consumo, reutilize quando não for possível reduzir e recicle sempre que puder”, o Banco Real é tomado como um modelo a ser seguido e, por isso, é prescrito que o interlocutor faça tal como o banco.

Anúncio 2 – Investe em SustentabilidadeOrganização – SantanderVeiculado – 05/09/2012 Veículo e edição – Revista Veja, edição 2285Páginas – n.14/15

Figura 2 – Anúncio 2 – Investe em Sustentabilidade

Fonte: Banco de Dados da Revista Veja S/A Digital.

Na linguagem verbal deste anúncio, na SD5, “O Santander encontrou na sustentabilidade uma maneira de fazer a economia girar”, percebemos um efeito de evidência de que a sustentabilidade, para o sujeito9, não passa de uma estratégia para atingir objetivos e metas do banco, levando-nos a pensar se essa evidência seria proposital. Esse estranhamento advém da característica dos discursos publicitários; embora a concepção de

9 O sujeito da AD não é um indivíduo (sujeito empírico), é o sujeito do discurso que carrega as marcas do social, do ideológico e do histórico.

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uma peça publicitária seja desenvolvida com base nos valores ou modismos10 do mundo real, essa construção é uma representação simbólica que reflete o mundo tal como a sociedade gostaria que ele fosse e não como ele é realmente. Assim, partimos do pressuposto de que, em publicidade, os dizeres nunca são formulados ao acaso, mas, sim, estrategicamente. Portanto, quando um banco afirma que na sustentabilidade encontrou uma maneira de fazer a economia girar, ele traz à tona os fins lucrativos dessa ação e, com isso, quebra a magia inerente à publicidade.

Essa questão, na perspectiva da AD, remete ao que diz Pêcheux ([1975] 2009) sobre não se afirmar o óbvio. Esse questionamento do óbvio serve para lermos criticamente o enunciado: “O Santander encontrou na sustentabilidade uma maneira de fazer a economia girar”, pois, como não se diz o óbvio, interpretamos, então, que o enunciado é produzido por não estar claro que “a sustentabilidade é a maneira de fazer a economia girar”. Essa ideia também está presente na superfície linguística através da pergunta: como a sustentabilidade faz a economia girar? Todavia, essa pergunta só é feita para, logo depois, se desfazer a questão, ao apresentar o modo como a sustentabilidade faz a economia girar. Trata-se de uma tentativa de explicar a questão e, ao mesmo tempo, respondê-la, mantendo algo silenciado de fato: que não se quer todo o tipo de cliente, mas apenas aqueles que precisam do investimento do banco.

Os sentidos são construídos de forma que o leitor possa fazer apenas uma leitura do texto. Esse efeito é obtido através do apagamento de outros dizeres possíveis, logo, de outros sentidos, mas, se tomarmos a SD5 e a transformarmos em paráfrase, podemos perceber outros sentidos latentes: “O Santander encontrou na sustentabilidade uma maneira de fazer a economia girar”. Dessa forma, outros sentidos possíveis seriam: “O Santander encontrou através da sustentabilidade uma maneira de fazer a economia girar” (“através da” estando mais associado à ideia de atravessamento); ou: “O Santander encontrou por meio da sustentabilidade uma maneira de fazer a economia girar” (“por meio da” estando mais associado à ideia de instrumento utilizado na execução de determinada ação).

Vemos, então, que o que fica no nível do não-dito é o modo como o Santander encontrou uma maneira de fazer a economia girar. Ou seja, não está exatamente na sustentabilidade a forma de fazer a economia girar, mas através dela, conforme explicitado na SD6: “porque financiar empresas que lucram de forma consciente, investir em universitários mais preparados e abrir agências em comunidades como no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, geram negócios”. O objetivo financeiro do banco, como dissemos anteriormente, é emprestar dinheiro às empresas. Porém, não emprestar dinheiro a empresas que desprezem as preocupações com o meio ambiente em suas atividades é parte integrante dos Princípios

10 É importante salientar que neste artigo aborda-se a publicidade sob a perspectiva da comunicação organizacional, significa que: “quando analisamos as materializações discursivas em anúncios publicitários (como o realizado na tese), não analisamos a publicidade em si, mas o discurso organizacional que nelas se materializa, pois que o anúncio, por ser público, é uma das ocorrências mais visíveis das concepções de mundo (crenças, valores e filiações das organizações), intenções, interesses e estratégias dessas organizações” (VELLEDA TEIXEIRA, 2017, p.10-11).

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do Equador, desenvolvido em 2002. Por essa razão, o Santander incentiva as organizações para que invistam em sustentabilidade, conforme o discurso materializado em seu anúncio explicita. Caso as empresas ajam de acordo com as diretrizes do tratado, o banco pode, então, emprestar dinheiro a essas organizações, atingindo, assim, seu objetivo financeiro.

Sob outro aspecto, o discurso, ao referir-se a diferentes grupos de públicos, produz o efeito de que todos ganham com o serviço do banco, como expresso na SD7 “geram negócios em que todo mundo ganha”, nessa sequência o pronome “todo” junto à palavra “mundo” permite denotar o sentido de inclusão de todos os indivíduos. Se analisarmos este enunciado sob a teoria das premissas e sua conclusão, o sentido a que se chega é: se “todo mundo ganha” e eu faço parte do mundo, logo, eu tenho que ganhar.

Ocorre que, na sequência seguinte, a SD8, esse dizer se repete precedido pelo advérbio “quando”: “E, quando todo mundo ganha, a sociedade cresce, o país cresce e o Santander cresce com eles”. O termo “quando” estabelece uma relação temporal, mas, mais do que situar a ocorrência de uma ação no tempo, ele funciona, semanticamente, como condição para que todos cresçam. Entretanto, devemos considerar que essa SD é atravessada por um pré-construído – o de que em uma sociedade capitalista nem “todo mundo ganha”, pelo contrário, poucos ganham muito e muitos ganham pouco. A expressão “quando” no discurso especifica em que condições haverá o crescimento de todos: “quando todo mundo ganha”, “a sociedade cresce, o país cresce e o Santander cresce com eles”. Como em uma sociedade capitalista nunca todos ganharão, nunca haverá o crescimento de todos, apenas de alguns. Ou seja, há um apagamento desse pré-construído no enunciado analisado.

talvez este seja o ponto de escape, de incongruência da língua, em relação ao restante do texto. Uma não consonância que traz a marca da contradição constitutiva da sociedade capitalista. O advérbio “quando” não podia e não devia ser dito nessas condições de produção, mas irrompe, ressoando, provocando movimentos de sentidos que revelam relações de forças na luta por conduzir os sentidos propostos. Sentidos esses que escapam, porque a língua é falha, contraditória, apresenta brechas e deslizes, revelando que a voz que pulsa no texto é a do capital: esta ecoa em cada frase do discurso do banco materializado no anúncio.

Assim, o termo “sustentabilidade” é empregado no texto pela carga semântica que carrega e pelos efeitos de sentidos que pode gerar para o interlocutor em relação ao banco, por estar ali significando um modo de fazer que, sobretudo naquele momento histórico (logo após o término da Rio+20), conferia ao termo um peso semântico ainda mais significativo.

Anúncio 3 – Ajuda você a ser SustentávelOrganização – Banco SantanderVeiculado – 24/07/2013 Veículo e edição – Revista Veja, edição 2331Páginas – n.100/101

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Figura 3 – Anúncio Santander 3 – Ajuda você a ser Sustentável

Fonte: Banco de Dados da Revista Veja S/A Digital.

Na linguagem verbal deste anúncio, a SD9, “Já existem várias empresas sustentáveis”, veicula um implícito: o reconhecimento da proliferação de empresas que se dizem sustentáveis. O sujeito busca, a partir das formações imaginárias, como falar ao interlocutor, pois, recordando Pêcheux ([1969] 1993), todo processo discursivo supõe uma antecipação (um imaginário) das representações dos interlocutores, sobre a qual se funda o discurso: o que vou dizer que já não tenha sido dito sobre o assunto. Essa questão nos remete à teoria de Ries e trout (1999, p.153) sobre posicionamento: na batalha para ocupar uma posição na mente do interlocutor, o que é preciso fazer é “encontrar um jeito de penetrar na mente enganchando o seu produto, serviço ou ideia no que já existe lá dentro”. Considerando que “já existem várias empresas sustentáveis”, o discurso busca (re)posicionar esse dizer (que já é sabido) na mente do consumidor, pois já está lá, assim, é preciso apenas realinhar as conexões que já existem. É o que o sujeito faz ao transferir a ação de um fazer (com sustentabilidade) que era atribuído às empresas para o consumidor. O leitor/consumidor também já sabia (estava na sua mente) que o gás carbônico emitido pelos carros é prejudicial ao meio ambiente; o que ele não sabia era da possibilidade de usufruir do carro e poder compensar suas emissões de gás, isto é, esse modo de agir só não

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estava posicionado em sua mente. O sujeito, ao lançar essa possibilidade, reposiciona na mente do interlocutor a ação que era da empresa agora é do consumidor.

A estratégia discursiva é falar ao interlocutor que é simpatizante das questões ambientais e, talvez, também seja cliente do Santander, e sobretudo, aos que estão pensando em trocar de carro, como interpretamos da SD10: “financiado pelo Santander vem com 1.000 km de CO2 compensados”. O interlocutor imaginário inscrito no texto é constituído no próprio ato da escrita, aquele para quem o autor imagina (destina) seu texto e para quem ele se dirige. Nessa construção discursiva, o sujeito informa e instrui o interlocutor sobre a forma como o Santander pode ajudá-lo a ser sustentável. Com esse posicionamento, mascara o real objetivo do discurso – o de agregar valor a um dos produtos fornecidos pelo banco, o financiamento para carros.

Esse discurso pode ser interpretado, também, com base em uma das características do discurso publicitário: a construção alicerçada em valores e modismos evidenciados na sociedade, de modo a gerar a identificação de suas marcas e/ou produtos anunciados com os públicos. Fiel a essa característica, o discurso do Banco Real/Santander traz para essa construção o dióxido de carbono (CO2), uma abordagem condizente com o momento sócio-histórico vivido pela sociedade e com as discussões suscitadas em torno dessa questão, sobretudo porque os automóveis são considerados os grandes vilões com relação ao meio ambiente, por emitirem gases causadores do efeito estufa responsáveis pelas mudanças climáticas. Sob essa perspectiva, o sujeito aciona do interdiscurso um saber científico que valida seu dizer e que faz parte do mosaico de dimensões (social, cultural, econômica, política, ética, tecnológica, científica e ecológica) para um ser/fazer com sustentabilidade.

Após essa apresentação das análises, são retomados os dois aspectos do discurso do Banco Real/Santander propostos para reflexão neste artigo:

a) a marca de sua repetibilidade no discurso do banco materializado em anúncios impressos veiculados na Veja durante a Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável – pode ser observada na linguagem verbal com o enunciado “o banco investe em sustentabilidade”.

Na linguagem imagética, a marca de sua repetibilidade é observada na imagem dos indivíduos que figuram nos anúncios assumindo o lugar de clientes. A repetibilidade, por vezes, está também nas cores verde e amarela empregadas no layout do anúncio, tal como exemplificado no anúncio 1, assim como em todos os anúncios do Banco Real, pois o logotipo do banco carrega junto a sua marca o símbolo de uma flâmula nessas mesmas cores. A repetibilidade no discurso do banco se explica, pois, para Foucault (1979, p.231), “vivemos em uma sociedade que produz e faz circular discursos que funcionam como verdade, que passam por tal e que detêm, por este motivo, poderes específicos”. Nesta perspectiva, a repetibilidade no discurso busca um efeito de verdade para o dizer, pois, com a “repetitividade, os sentidos aparecem como estáveis” e, dessa forma, produzem um “efeito de verdade” ao dizer.

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O verbo “investir” se destaca por sua repetibilidade no enunciado do banco, indicando um saber advindo do campo da economia, bastante empregado também na administração. Sob a forma como os enunciados são construídos, o verbo confere o efeito de que a sustentabilidade não passa de mais um investimento. Isso mostra que o discurso com apelos de sustentabilidade na publicidade do Banco Real/Santander é apenas parte do jogo capitalista e que as ditas ações socioambientais desenvolvidas pelo banco nada mais são do que uma busca pelo seu próprio provento através dessas ações. No que tange à marca de sua repetibilidade na linguagem imagética, pode-se dizer que ela se dá pelo uso de imagens de pessoas, que também significam investimento para o banco, pois são elas que propiciam as transações comerciais, as quais garantem a permanência do banco no mercado. Essa construção é percebida no emprego de verbos que estão aí significando a relação do banco com a comunidade: “contribui”, “financia”, “investe”, “privilegia” e “ajuda” são verbos que denotam auxílio e é apoiando-se neles que o banco constrói seu discurso e seu posicionamento de organização com sustentabilidade.

A repetição é uma das características da publicidade e pode ocorrer tanto por meio da linguagem (verbal e/ou imagética) quanto pela repetição como resultado do número de inserções do anúncio em determinado veículo ou, ainda, pela veiculação do anúncio em vários veículos de comunicação. Como resultado de tanto ser repetida, a mensagem é tomada como uma verdade.

b) como o banco constrói os processos discursivos que conduzem à produção de determinados efeitos de sentido de sustentabilidade nos anúncios.

Nota-se que, no discurso do Banco Real/Santander, nos três anúncios analisados, os termos “desenvolvimento sustentável” ou “sustentabilidade” (reduzida à ideia de desenvolvimento sustentável), são empregados literalmente nos textos. No primeiro anúncio (Investe no Futuro), o discurso dá ênfase à importância que tem a sustentabilidade para a sociedade. No segundo anúncio (Investe em Sustentabilidade), o banco demonstra trazer a sustentabilidade para o seu discurso não só porque é importante para a sociedade (como mostra o primeiro texto), mas porque encontrou na sustentabilidade uma maneira de fazer a economia girar. Como toda estratégia de marketing precisa ser constantemente renovada para continuar atingindo seu fim, o discurso do banco, no terceiro anúncio (Ajuda você a ser Sustentável), demonstra o reconhecimento de que existe uma memória saturada no uso desses termos – sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável – pelas organizações, que, por sua repetibilidade, os banalizou. logo, é preciso um modo de continuar associando o banco à sustentabilidade e, então, o apelo discursivo é “ajudar você a ser sustentável”.

Essa construção discursiva é possível observar no fio do discurso dos três textos: cada texto resulta não apenas de processos discursivos anteriores (interdiscurso) que dão origem à tomada de posição, mas também, e sobretudo, do seu próprio discurso anterior (anúncio). Esse funcionamento entre os textos permite afirmar que o discurso do banco carrega, ao

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mesmo tempo, uma presença anterior e uma manifestação atual que, segundo Pêcheux ([1975] 2009, p.153 – Grifo do autor), “provém da linearização (ou sintagmatização) do discurso-transverso no eixo do que designaremos pela expressão intradiscurso, isto é, o funcionamento do discurso com relação a si mesmo”. Isso significa dizer não só que o discurso é construído por meio de um “já-lá”, mas também pelo próprio funcionamento interdiscursivo (o dito agora em relação ao dito antes e ao dito depois).

É possível observar, ainda, nessa construção, que os processos discursivos que conduzem à produção de efeitos de sentidos de sustentabilidade, de alguma forma e em alguma medida, estão associados aos saberes da dimensão ecológica. As estratégias estão pautadas, prioritariamente, na política dos 3 R’s (Reduzir, Reutilizar e Reciclar) que consiste em um conjunto de medidas de ação adotadas no tratamento de todo tipo de resíduos (efluentes) sólidos, líquidos e gasosos, ou seja, as estratégias estão articuladas aos elementos do meio ambiente físico e biológico. Contudo, embora os sentidos movimentados no discurso do banco sejam oriundos da dimensão ecológica, essa é apenas uma forma de mascarar o valor econômico e a razão da existência da organização. Isso pode ser percebido, sobretudo, quando o Banco Real/Santander aciona valores que são de mercado, isto é, valores que estão intrinsicamente associados ao âmbito econômico-financeiro, para definir o que é sustentabilidade. Ao enunciar, por exemplo, que está investindo forte em sustentabilidade e, conforme as análises demonstraram, investir forte em sustentabilidade, na perspectiva do banco, é liberar financiamento para empresas, estudantes e comunidades, segmentos esses citados literalmente nos anúncios.

Considerações finaisÉ pertinente pensar que as instituições financeiras de modo geral e, em específico,

o Banco Real/Santander não pudessem se furtar de desenvolver de forma pontual ações de cunho sustentável, quer pela crescente pressão por parte da sociedade, quer pela concorrência dentro do segmento e a necessidade de estratégias que vão além da excelência das transações comerciais, ou, ainda, pela própria adesão dos principais bancos ao “Protocolo Verde”, ou apenas para que esse dizer, que afirma ser de uma organização com sustentabilidade, tenha um mínimo de respaldo no fazer. O que as análises do discurso do Banco Real/Santander materializado nos anúncios mostram é que o objetivo desse discurso é apenas uma maneira de fazer a economia girar, levando em consideração a oportunidade de negócios, as tendências de mercado, as regulamentações ambientais e as demandas de clientes e da sociedade. Dessa maneira, as ditas ações socioambientais desenvolvidas pelo banco nada mais são do que uma busca por seu próprio provento, pois a publicidade do Banco Real/Santander com apelos de sustentabilidade é apenas parte do jogo capitalista, tal como fica evidente no seu discurso, com a repetibilidade de que “o banco investe em sustentabilidade”.

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Com isso, as análises mostram que o discurso do banco sobre esse assunto promove, apenas, mais do mesmo, ou seja, crescimento e desenvolvimento dos negócios. Assim como “aponta o quanto, ainda hoje, é forte a influência do pensamento conservacionista e cartesiano, que separa a natureza-física (da natureza-humana) para que seja salva, excluindo a interdependência e interações com a sociedade” (VELLEDA TEIXEIRA, 2017, p.188). Essas percepções mostram, também, o quanto ainda se faz necessário promover reflexões sobre essas questões que impactam a cada um de nós e a sociedade como um todo.

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Dinair Velleda TeixeiraSócia na DVtR Consultoria. Doutora em Comunicação (UFRGS), mestre em Educação Ambiental (FURG), especialista em Marketing (FGV), Publicitária (UNISINOS), Coach (IBC). Possui mais de 60 textos publicados em jornais, artigos em revistas científicas e capítulos em livros. Criadora dos Programas: Estratégias de Marketing da Nova Era; Comunicação para Ação em Processos; Programa de Coaching Individual e Coaching In Company, todos com foco o empreendedor. E-mail: [email protected].

Recebido em: 26.06.2017Aceito em: 21.02.2018

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