64

Efemero concretoguiok

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Efemero concretoguiok
Page 2: Efemero concretoguiok
Page 3: Efemero concretoguiok

BR ITADEIRA.02

André Crespo (São Paulo SP)Algo na cabeça (2011)

Tinta acrílica

Page 4: Efemero concretoguiok

Desde 2007, de acordo com um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas (ONU), mais da metade da população mundial se concentra em cidades. O mundo, hoje em dia, é essencialmente urbano.

Para entender o mundo, portanto, é preciso entender suas cidades. Para transformar o mundo, é preciso transformar suas cidades.

Esta é a missão da Efêmero Concreto: entender e transformar, por meio da arte, o espaço urbano. Distribuída gratuitamente, a revista traz um conteúdo totalmente voltado para a relação – antiga e cada vez mais relevante – entre arte e cidade. Uma relação de mão dupla, diga-se de passagem: já que, se o espaço urbano influencia a produção artística, ele também é influenciado, invadido, modificado pela arte.

Embora esteja sediada em São Paulo, a revista não limita sua atenção à sua terra – ou ao seu concreto! – natal. Além da capital paulista – cenário da entrevista realizada com a urbanista Raquel Rolnik e da intervenção artística feita pelo músico Thiago Pethit –, esta primeira edição da Efêmero Concreto está presente no Recife – foco do ensaio fotográfico de Daniel da Hora – e em Porto Alegre, Garopaba, Rio de Janeiro e Londres – cidades nas quais o escritor Paulo Scott se baseou para compor o texto “Flutuação”.

Em todo caso, muitas das discussões, ideias e histórias aqui apresentadas fazem referência a questões que têm a ver com a vida em tudo quanto é cidade do mundo.

Afinal, questões urbanas são questões humanas.

QUESTÕES URBANAS,QUESTÕES HUMANAS

direção Deco Benedykt, Nucci edição Thiago Rosenberg arte Nucci articulação Deco Benedykt colaboradores André Crespo, Bruno Saggese, Caio Palazzo, Daniel da Hora, Gisele Sanfelice, Keren Chernizon, Lara Alcadipani, Micheliny Verunschk, Paul Domingos, Paulo Scott, Ricardo Oliveros, Rodrigo Piza revisão Rachel Reis agradecimentos Andréa Barbour, André Mozor, Aninha de Fátima, Ariel Benchouchan, Breno Benedykt, Catarse, Cidinha, Diego Depane, Erica Simone, Estevan Pelli, Lelo Ramos, Leonardo Calvano, Lucas de Abreu, Luiza Prado, Luiz Murillo, Mari Pires, Pablo Saborido, Raffaela Pastore, Raquel Rolnik, Thiago Pethit

capa Pedro Silvatiragem 5 mil exemplaresdistribuição gratuitagráfica PANCROM

[email protected]

Page 5: Efemero concretoguiok

0 2 . B R I T A D E I R AOs traços do artista André Crespo abrema primeira edição da Efêmero Concreto.

0 6 . E N T R E V I S T APara morar e para criarUm passeio de carro com a arquiteta e urbanistaRaquel Rolnik pelas ruas da capital paulista.

2 0 . C O N F L U Ê N C I AFlutuaçãoPorto Alegre, Garopaba, Rio de Janeiro e Londressão uma só cidade na prosa do gaúcho Paulo Scott.

3 8 . E M O B R A SQuanto vale um segredo?A convite da revista, o músico paulistano Thiago Pethitrealiza uma intervenção artística na sua cidade.

4 8 . O B S E R V A T Ó R I OFragmentosEm ensaio fotográfico, Daniel da Hora explora oefêmero e o concreto do Recife.

5 2 . A R T I G OA cidade está nuaDespir-se em pleno espaço urbano pode ser umamaneira de despir o próprio espaço urbano.

6 2 . T A P A - B U R A C OOs infernos de Deabo e Diabolim.

Page 6: Efemero concretoguiok

Para morar E para cr iar

Existe uma cidade ideal para a arte? O que ela precisa ter – ou deixar de ter – para estimular e melhor abrigar a produção artística em suas vias? Em busca de respostas a interrogações como essas, a Efêmero Concreto convidou a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik para um passeio de carro pelas ruas da capital paulista.

De gestos e palavras expressivos, a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil para questões relacionadas a habitação e moradia mostrou que a política, o urbanismo, a economia e a compreensão dos aspectos humanos envolvidos na composição da cidade são todas questões de impacto direto sobre a constituição e a manifestação da arte. Para saber mais, sente-se aqui no banco de passageiro, vire a página e, com o olhar atento na paisagem de concreto, ouça bem as palavras transcritas de Raquel.

POR LARA ALCADIPANIFOTOS KEREN CHERNIZON NUCCI PAUL DOMINGOS

Page 7: Efemero concretoguiok

ENTREVISTA.06

Page 8: Efemero concretoguiok

“O que vivemos hoje na cidade de São Paulo – e que não é exclusivamente daqui, já que diz respeito aos campos da política urbana e da arte em geral – é uma espécie de confronto. Um confronto protagonizado, de um lado, pela prefeitura e pelo governo do

Page 9: Efemero concretoguiok

estado, numa espécie de imposição de uma agenda da arte como um processo de venda da cidade, e, de outro, pelos coletivos de artistas que, presentes na cidade, apropriam-se dela, independentemente da existência de um espaço ideal para isso.

A primeira posição cresceu tremendamente nas décadas de 1980 e 1990, com a expansão do neoliberalismo e do processo de globalização econômica. Os espaços públicos foram ‘marketizados’, transformados em espaços de consumo e em vitr ine para um mercado imobiliário in ter nacional . Na segunda posição e s t á

a ideia da arte como meio de expressão dos cidadãos e como forma de problematização da vida, inclusive da vida nas cidades. Então, em minha opinião, não existe uma cidade ideal para a arte, mas sim uma cidade onde as expressões artísticas podem e devem acontecer. A coisa mais interessante da arte é não ser confinada no ‘lugar da arte’. Os processos de intervenção urbanística e artística constituem a cidade, que se transforma com isso. Olha ali! A gente acabou de passar por um muro qualquer que é isso, expressa isso. Qual é a cidade ideal para, por e x e m p l o , re c e b e r o grafite? Basta que ela tenha muros. E qual é a cidade que tem muros? Todas!

Page 10: Efemero concretoguiok

São Paulo é um território de fronteiras abertas, que o tempo todo está recebendo migrantes – e digerindo e incorporando suas influências. Isso faz parte de seu ethos. Mas, pelo menos desde a década de 1930, a estrutura da cidade está baseada na circulação e, sobretudo, na circulação sobre pneus, com os automóveis. E esse paradigma de organização de espaço urbano foi diminuindo

A c i d a d e

at rá s da s

g rades

Page 11: Efemero concretoguiok

gradativamente tudo aquilo que é espaço de estar.

A cidade foi perdendo, cada vez mais, um urbanismo baseado nos espaços públicos e de uso coletivo para ter, hoje, um urbanismo estruturado sob o espaço privado e controlado – com condomínios fechados, muros, guaritas e câmeras de segurança. E qual o efeito disso tudo sobre a sociabilidade?

É muito grave, já que é no espaço público, de convivência coletiva, que a heterogeneidade mais radical e o encontro de repertórios podem acontecer. Já os espaços de confinamento, por sua vez, têm como característica principal justamente a seletividade. Isso vai empobrecendo as relações e as possibilidades de criação resultantes delas.

10

Page 12: Efemero concretoguiok
Page 13: Efemero concretoguiok

Esses prédios aqui de Higienópolis, por onde estamos passando agora, foram todos projetados sem gradil. E dá para perceber direitinho como esse gradil não tem nada a ver com o projeto original. O prédio se abria totalmente e criava um espaço semipúblico de jardim, que era uma continuidade da calçada. Mas, olhando para isso, eu fico pensando também que, em certo momento, a gente pode começar a tirar essas grades. Da mesma maneira que a gente as colocou aí, nós podemos fazer com que saiam. Elas não são estruturais, são conjunturais.

Em todo caso, estamos vivendo uma espécie de revolta dos cidadãos, que, sim, estão ocupando mais a rua. As pessoas querem dizer que a cidade pertence a elas e que, portanto, não vão viver confinadas.

Vejo que os paulistanos estão tomando atitudes de rebeldia e – mais do que isso – de construção de um novo modelo. Existe uma pressão cada vez mais forte por uma transformação da cidade. Está ficando claro que a coisa mais importante não é a domesticidade, mas a qualidade de um espaço externo que pode ser para todos e que pode ser para muitos.

12

Page 14: Efemero concretoguiok

Quando a economia deixou o centro e o centro se popularizou, ele foi praticamente abandonado pelo poder público. Mas algumas propostas de revitalização da região começaram a surgir, pensando em retrabalhá-la por meio da arte. A ideia por trás dessas ações é a seguinte: vamos colocar nesses espaços alguns equipamentos de arte, porque

Ma i s do

que estar,

pertencer

Page 15: Efemero concretoguiok

com eles nós vamos valorizar o local e atrair incorporações imobiliárias. É o que a gente chama de ‘acupuntura urbana’ – uma ideia de investimento pontual, como se apenas isso fosse capaz de revitalizar toda uma região.

Programas assim atraem investimentos. Mas também expulsam o povo. Aqui na Nova Luz está muito clara essa tensão: entre a arte como ponta de lança de um processo de gentrificação e a arte como resistência. Se a gente passar ali pela rua Mauá, vai ver que existe uma ocupação – não artística, mas de moradia. E vários coletivos de artistas estão se posicionando sobre essa questão e dando seu apoio a esses grupos de moradores.

Os aparelhos artístico-culturais que aqui se instalaram, por sua vez, são totalmente externos à gênese desse lugar – pensados totalmente de fora, sem levar

14

Page 16: Efemero concretoguiok

Acho que todas essas questões são políticas. Elas tratam de uma política para a cidade. Queremos uma cidade estruturada para desenvolver negócios imobiliários e concentração de renda ou uma cidade pensada para seus cidadãos? Eu acredito nesse segundo modelo.

O tema central é este: como combinar tantos interesses, muitas vezes conflituosos e concorrentes? Eliminar essa competição e esse conflito não é possível. Mas o valor mercadológico, financeiro – a dimensão do espaço da cidade como mercadoria –, não pode

ser o único valor. Deve haver espaço para outros valores. E é aqui que se encaixam as dimensões artística e cultural.

Existe muita resistência criativa. Os coletivos de artistas – seja do teatro, seja do grafite ou da música, para mencionar alguns que eu acompanho mais de perto – estão cada vez mais voltados para a discussão dessas questões, fazendo propostas e intervindo sobre a cidade. Todos os dias, pequenas grandes revoltas são manifestadas, muitas delas convocadas instantaneamente por meio de redes sociais.

Uma revolução pela arte

em conta um mapeamento da região, suas demandas e as questões de quem vive aqui. Trazem outro repertório, outra linguagem. É claro que deve existir a Pinacoteca, que a reforma do Teatro Municipal deve ser realizada. Tem que ter tudo isso, mas não só isso.

Sobre a questão da Vila Itororó, no Bixiga, por exemplo. A

prefeitura tem um projeto para transformar o lugar em uma residência de artistas. Mas, poxa vida! E os artistas do próprio bairro – que vivem lá e muitas vezes não têm onde morar ou um espaço para criar? É como se eles não existissem e a prefeitura determinasse que o espaço deles agora pertence a artistas de fora, que vêm de outro lugar.

Page 17: Efemero concretoguiok

16

Page 18: Efemero concretoguiok
Page 19: Efemero concretoguiok

Então, é preciso parar para refletir: o que dá mais resultado – gastar milhões para a construção de um centro cultural ou apoiar descentralizadamente, dando condições para que todos os projetos, em seus lugares de origem, floresçam e cresçam? Quem ganha mais com o quê?

Para mim, uma política de apoio à arte na cidade é uma política de apoio aos produtores culturais onde eles se encontram. Se os grupos de teatro não têm um local para ensaiar, há diversos prédios públicos vazios e subutilizados que poderiam ser disponibilizados para isso, respeitando o território e a origem desses grupos. Atitudes assim impactam muito mais gente do que o modelo mainstream vigente, no qual um artista ou outro eventualmente recebem o apoio de uma marca para realizar seu trabalho. A questão, mais uma vez, é avaliar quem ganha mais com cada um desses modelos.

Se a gente quiser aproveitar o potencial que esta cidade tem para a criação artística, pode experimentar soltar só um pouquinho desse dinheiro todo para as pontas da sociedade e ver o que vai acontecer. Uma revolução pela arte será realizada!”

Lara Alcadipani é jornalista pós-graduada em estéticas tecnológicas.

18

Page 20: Efemero concretoguiok
Page 21: Efemero concretoguiok

Para cada edição da revista, a Efêmero Concreto propõe a um escritor que já viveu em diferentes cidades a seguinte tarefa: redigir um texto literário – pode ser prosa, pode ser poesia – cujo “cenário” seja um espaço que, de certa forma, una elementos desses diversos locais que o autor já habitou.

Foi com base em suas experiências em Porto Alegre, Garopaba, Rio de Janeiro e Londres que o gaúcho Paulo Scott, “habitante plural”, compôs este trabalho.

CONFLUÊNCIA.20

POR PAULO SCOTT

ILUSTRAÇÃO NUCCI

Page 22: Efemero concretoguiok

“Sim”, eu disse com calma, baixinho, mas eu disse.

[...] Cidades começam sem elogio; algumas em “tripulação... pouso autorizado”, outras com o sonambulismo das rodoviárias e o “táxi?... táxi?...” do saguão. Claro, há outras tantas formas de começar uma cidade e de organizar a sua irrefreável solidez. A solidez de uma cidade é o que a identifica. É esse mineral colado em minha roupa, na sola dos sapatos, nas divisões da carteira.

[...] E esta, sobre você, a cidade onde moro; firme como todas as outras, começando numa longa volta de bicicleta e num pouco de umidade deixada no ar. Seu tratamento é maior do que os aluguéis de temporada, seu descanso é aglutinação

[...]

Page 23: Efemero concretoguiok

de restaurantes familiares onde o sotaque nunca é fácil de identificar, alternativas geográficas onde o café da manhã dura até quatro da tarde se você pedir com jeito, onde se encontra cerveja gelada quando quiser.

[...] Minha cidade, meu tabuleiro do Banco Imobiliário (onde não adianta falir e não adianta processar credores, devedores, sócios), onde se trabalha dentro dum sonho e da cegueira completa também. Premonição de inquietude. Ruídos que parecem ruídos de chegada, mas que voltam à noite. Âncoras. Minha cidade, minha casa. Minha casa oscila entre o terceiro e o sétimo andar, meu quarto marcha com oitocentos e catorze livros duvidando da memória. Tenho trinta e dois anos.

22

Page 24: Efemero concretoguiok

[...] Meu fígado catará insetos, doces que dissolverão cercas, e meu estômago o progresso na distração dos adolescentes e seu horizonte interminável. Minha cidade. Minha pista de esqueite descoberta ao acaso. Meu bar da esquina (mesmo para as noites em que não devo beber). Meus retornos frágeis, quebradiços. Silêncios cretinos e silêncios que deveriam virar estátua de bronze. Minha estátua de bronze prematura e sustentando familiaridades apesar do esforço, caçando-me o pescoço feito um balão a gás ao qual foram amarrados fios e anzóis.

[...] Ruído. Esse canto de pássaros igualando o mundo em sua musculatura, anatomia de voar. Essas pombas. Esses porcos com asas. A rotina pautada pela cordialidade e pelos estrangeiros, meu computador e o gravador do celular, pelas fotos a que

pertencem desfiles de ausência e igualmente para saber depois se eu estava eufórico ou triste. Um homem mediano enlouquece se tentar apreender uma cidade inteira, especialmente se tentar apreender sua solidez.

[...] São muitas as formulações, os transportes (a dúvida é um meio de transporte que costumo usar com frequência). Morar numa cidade é vencer mais do que uma temporada, uma temporada tem exatos três meses, e várias quantidades de horários repetidos a ponto de enjoar; eu sei, não deve ser isso. Tenho trinta e dois anos. Os mais novos me perguntam sobre como é lá onde o bairro negro se encontra com o bairro judeu, e eu respondo que só tenho trinta e dois anos.

[...] Tenho trinta e dois anos como quase todas as pessoas

Page 25: Efemero concretoguiok

adultas da minha geração. Tenho uma mesa para escrever, a mesa Frankenstein que me acompanha há dezoito anos.

[...] Deixo o trabalho de lado, não é exatamente exaustão, é a estranheza de não conseguir parar de pensar. Solidez. A solidez é um ângulo que me impede de engolir e até de respirar. Os prazos. As histórias. Calço os tênis (tênis são parte inalienável desta cidade), desço até o rio.

[...] Fico observando a flutuação dos objetos. A correnteza que parece inofensiva. Sento num dos bancos e fico olhando a praia da guarda, o nome recente do firmamento. Respiro. Sei que não tenho mais trinta e dois anos. Penso em caminhar pra longe (caminhar pra longe não desfaz a cidade). A água da cidade é seu índice, maquinário universal que flutua e

também te afoga se você pedir com jeito. Pender, suspender.

[...] A água me devolve o que vivi certa vez com certa pessoa e também algo que prefiro pensar que perdi. Olho o rio para não pensar além da conta numa condição específica, nas temporadas, no esforço e no orgulho. Pluviais, fileiras de cinema, e parecem as mesmas horas passando.

Paulo Scott é escritor. Publicou, entre outros, as coletâneas de poemasA timidez do monstro (Objetiva, 2006) e Senhor Escuridão (Bertrand Brasil, 2006), o livro de contos Ainda orangotangos (Bertrand Brasil, 2007) e os romances Voláteis (Objetiva, 2005) e Habitante irreal (Alfaguara, 2011).

24

Page 26: Efemero concretoguiok

Esta primeira edição da Efêmero Concreto não poderia ser impressa e distribuída sem a ajuda da plataforma de financiamento coletivo Catarse (catarse.me) e das mais de 200 pessoas que, por meio dela, doaram força e dinheiro à revista.

A todos esses apoiadores foi oferecido, como recompensa, um espaço na publicação. O muro, ou mural, que ilustra as próximas páginas foi erguido para ser ocupado por eles.

Obrigado, Abraham Bentes Queiroz, Adriano Randi Barbosa, Alan Berenstein, Alice de Souza Barbosa Rodrigues, Alice Martins, Alice Riff, Aline Biz, Aline Bueno, Aline Cavalcante, Allan Grabarz, Amanda Amaral de Oliveira, Ana Carla, Fonseca Reis, Aninha de Fátima, Ana Paula Brunetto, André da Silva Takahashi, André Guazzelli, André Mozor, André Vilela D’Elia, Andreia Pâmela Moreira de Oliveira Freire, Andres Kaplan, Andres Tobal, Anna Carolina Mello, Beatriz Vilela Marcondes, Bia Goll, Breno Castro Alves, Breno Benedykt, Bruna Somensari Campana, Bruno Bertogna, Bruno Bevilacqua Aguiar, Bruno F. Gold, Bruno Guimarães Lambiasi, Bruno Liguori Sia, Caio Casseb, Caio Palazzo, Carlos Alberto de A. Marques, Carol Gutierrez, Carolina Rodrigues Miranda, Carolina Teivelis Meirelles, Caroline Rocha Kielmanowicz, Caroline Sporrer, Cecilia Góes, Celso Reeks, Celso Sztokfisz, Chang Chung Sing Waldman, Chang Chung Yu Dorea, Chen Brosh, Clara Luiza Miranda, Clarissa Menezes, Claudia Furlani, Claudia Yuri Mendes Saito, Claudio Eduardo da Silva, Clede Anne Porlan Colonnese, Cristiana Leal de Lacerda Pires, Cristina Carvalho Oliveira, Daniel Fisberg, Daniel Green, Daniel Joppert Leal Mendes, Danielle Furtado, Danielle Yukari, Danilo Guglielmo, Denis Adjiman, Diego Borin Reeberg, Digo Castello, Dino Siwek, Eduardo Coelho Goulart de Andrade, Eduardo Liron, Elaine Favero, Elizabete Rofeld, Estevan Pelli, Eva Mordoch, Everson Tamiosso Nazari, Fajga Ostrowska, FalaCultura, Felipe Jannuzzi, Felipe Nogueira Coelho Lima, Fernanda Corrêa, Fernando Palmisano, Fito Lozano, Flavia Gleich, Florence Weyne Robert, Franklin Lopes, Gabi Agustini, Gabriel de Lima Triani, Gabriel Lodi Serapicos, Gabriel Mairon Cortilio, Gabriela Alvarez Bacallado, Gabriela Rassy, Gabriela Serfaty, Gilberto Vieira, Gisele Sanfelice, Guilherme Basseto Braga, Guilherme Bonano Ballesteros, Guilherme Gil Garcia Costa, Gustavo Henrique Schmidt, Gustavo Nobrega, Gut Simon, Ian Thomaz Puech, Ilan Edelstein Fiszbejn, Ilana Joveleviths, Irina Bertolucci, Isabel Falleiros, Isabela Gaia de Freitas Gonçalves, Itamar Dantas de Oliveira, José Carlos Ribeiro dos Santos, Jose Luiz de Souza Grillo, José Otavio Fermino Zangirolami, Julia Maria Olsen, Julia Vescovi Meirelles, Juliana Russo Burgierman, Juliana Sayuri, Juliana Vidigal, Julio Canholi, Julio Ostrowska, Keren Chernizon, Laila Spezzacatena Hermann, Lara Alcadipani, Lee de Castro, Leon Harari, Leonardo Foletto, Lia Buschinelli, Lia Kanae Okita Buschinelli, Lísias Paiva, Lucas de Abreu, Lucas Gemenes Marques, Lucas Pretti, Lucia Forghieri, Luciana Guimaraes Moreira, Luciane Predabon, Luiz Otavio Scalezi de Carvalho, Luiz Santelli, Luiza Fagá, Maira Teixeira de Melo, Manoela Meyer, Marcia Kuperman, Marco Antonio Rodrigues, Marco Aurélio Fiochi, Marco Aurélio Rabenhorst Saliba, Marco Nalesso, Marcos Montagna, Maria Clara Matos, Mariana Camiloti, Marina Almeida, Mauro Moreira, Mayer Mirmovicz, Miguel Benedykt, Natália Garcia, Nathalia Capellini, Nathan Rabinovitch, Ned Ambler, Nina Maria Pinheiro de Britto, Nina Meirelles, Noemy Benedykt, Patrícia Colombo, Paula Alves, Paula Schneider, Paula Vidal Dizioli Fernandes, Paul McCartney, Paulo Alexandre Candusso, Paulo Eduardo Palmério, Pedro Henrique Duarte Ferreira Filho, Rachel Mancini, Rachel Maria Machado Ostrowska, Rafael Gandelman, Rafael Pieroni, Raffaela Pastore Meneguetti, Ramon Nunes de Mello, Raquel Leonor de Barros Fraga Moreira, Renata Azevedo Silva, Renata Bednarski Lessa, Renata Carvalho de Lara Campos, Renato Corch, Ricardo Daros, Richard Sippli, Roni Benedykt, Rosemari Gemenes, Samantha Piera Rillo, Sarah Giassetti, Sebastião Cartaxo, Sergio Antonini, Sergio Marcos Monteiro Alvin, Sergio Sayeg, Shlomit Or Photos (Luciana Gama), Siegwart Benedykt, Silvia Avena, Sumaya de Souza Lima, Suzanne Verba Reboh, Sylvia Glinternick Ostronoff, Tais Berenstein, Tatiana Waldman, Thais Chang Waldman, Thiago Carrapatoso, Thiago Pigioni Horta Fernandes, Thiago Teixeira Leite Ackel, Trajano Pontes, Vera Ap. de Camargo, Victor Leal Pontes, Victoria Bartilotti, Vinicius Stein, Virgínia Walton, Walter Mancini, Yarin Brosh e Zipper Galeria!

Page 27: Efemero concretoguiok
Page 28: Efemero concretoguiok
Page 29: Efemero concretoguiok
Page 30: Efemero concretoguiok
Page 31: Efemero concretoguiok

Rua Mateus Grou, 513-A . Pinheiros . São Paulo . Tel.: 11. 3031.2181

Segunda a sexta das 10h às 19h . Sábados das 10h às 17h www.avaonline.com.br . [email protected]

Uma galer ia aberta a novas ideias

Page 32: Efemero concretoguiok
Page 33: Efemero concretoguiok
Page 34: Efemero concretoguiok

Em 1980 inaugurei a cantina Famiglia Mancini na rua Avanhandava – onde, anos depois, realizei a primeira revitalização no centro de São Paulo.

Tenho pelas ruas um sentimento de amor muito grande. E dedico um cuidado muito especial a essa rua, especificamente. Apesar de estar no ramo de restaurantes, observo as praças, as avenidas, a arquitetura. Os restaurantes podem desaparecer um dia, mas as ruas sempre permanecem.

É por elas que as pessoas transitam com seus sonhos, suas ideias e sua esperança. E elas sempre nos levam para outro lugar.

Quando eu era criança, meu pai sempre me dizia: “Quem tem uma porta aberta para a rua, seja ela qual for, tem uma porta aberta para o céu.”

Tenho muitas histórias para contar sobre a Avanhandava. Acesse o nosso perfil do Facebook (facebook.com/FamigliaManciniOficial) e saiba mais!

Walter Mancini

Page 35: Efemero concretoguiok

BURLAR. TORNAR O SEGREDO COLETIVO. INVADIR. A TUDO,

ATÉ AOS PRÓPRIOS MEDOS E VERGONHAS.

facebook.com/theburlesquetakeover

Page 36: Efemero concretoguiok

“Flanando pelas ruasnos Concretos da Cidadea Arte se transformaem camadas de HistóriasEfêmeras” Florence Weyne Robert

“O intelectual está nuCom a pena de pavãoEnfiada no cu. Vivah.” Marcos Montagna

“mal vejoe mal digo um mendigonuma escada procurando proteção” Victor Leal Pontes

“THE LÍRIOSà noite

quando você chegaos lírios logo se

abrem” Ramon Mello

“Enfim, pelo fim do começoabandono o mundo cinzento

como uma flor que aflora na primavera.Deixo meu casulo contente

mesmo que seja por apenas um dia.”Thiago Pigioni

Page 37: Efemero concretoguiok

“A arte é uma arma carregada de futuro” Thiago Carrapatoso

“O Salada Cartel apoia a Efêmero Concreto” Bruno Sia

“Parceria para interv. urbana: facebook.com/adrianorandi” Adriano Randi

“As ruas são para dançar!” Lucas Pretti

“‘Pessimismo da razão, otimismo da vontade’ A. Gramsci” Allan Grabarz

“FalaCultura.com: arte, cultura e cidade” Juliana Piesco

“A CIDADE SOU EU” Rafael Pieroni

“SimpliCIDADE é a arte da feliCIDADE” Digo Castello

“Com arte, sinto” Manoela Meyer

“Se as cidades são invisíveis, eu enxergo as pessoas?” Diego Reeberg

“Soul music contra o estado fascista” Sergio Sayeg

“Cidades Criativas: transformando nossas cidades: www.garimpodesolucoes.com.br/downloads/ebook_br.pdf” Carla Fonseca

“A democracia representativa carece de atitude.Twite, grite, proteste!”Leon Harari

“O artista projeta e percebe o ‘mundo-arte’” Danielle Yukari

“Filmo a cidade por arte e faço making of de eventos por necessidade! Fone: 11 9692-6201” Herman Barck

36

“Quando vão deixar de usar a cidade como lixeira?”

Caroline Sporrer

“Veja quanta beleza! Sorria, sonhe, viva! Salve salve meu Rio de Janeiro!”

Alice Rodrigues

“A arte não precisa da instituição para ser considerada como tal. Os

parangolés de Hélio Oiticica dançam em praças, e os grafites colorem o concreto exposto. Ao sair de casa,

há sempre a possibilidade de ser surpreendido pela arte.”

Virgínia Walton

“Cidade e Arte e... Alguns gostam de reduzir suas relações a dívidas,

outros de aplaudi-las pelas suas evoluções cooperativas. Eu gostaria apenas de dar as graças ao que se

passa entre elas.” Breno Benedykt

Page 38: Efemero concretoguiok
Page 39: Efemero concretoguiok

Q u a n t o vale um segredo

s.

Elaborar e realizar, em um mês, uma intervenção artística no espaço urbano – seja ela efêmera, seja ela concreta. Essa é a proposta que a Efêmero Concreto faz, a cada edição, a artistas ligados às mais diversas áreas.

Quem recebeu – e topou cumprir – a missão de estreia da revista foi o músico Thiago Pethit, de São Paulo. O resultado, nada secreto, está nas próximas páginas...

EM OBRAS.38

POR MICHELINY VERUNSCHK

GISELE SANFELICE

ILUSTRAÇÃO NUCCI

FOTOS CAIO PALAZZO

Page 40: Efemero concretoguiok

ão Paulo. Manhã gelada. Na esquina da avenida Paulista com a rua da Consolação, pessoas apressadas se deparam com um homem-placa. Não um homem-placa daqueles que anunciam promoções a granel, um novo restaurante, uma oportunidade imperdível. Com notas de cinquenta reais nas mãos – e ao todo mil reais espalhados pelos bolsos das calças e do casaco –, este homem anuncia, em garrafais letras vermelhas: Compro segredos.

Um balé de olhares que se desencontram passa a ser encenado. Olhos ariscos olham a placa apressadamente – como se, apenas por ler o anúncio, colocassem em risco os seus segredos. Os olhos não param, não se fixam, parecem querer fugir dali, mas não sem antes arriscar uma nova mirada, como se assim pudessem medir a distância segura com a qual se protegem.

Algumas mulheres se distanciam com pressa. Têm medo de quê? Os mais jovens se divertem, acham graça. Há pessoas que resmungam. Era só o que faltava, diz uma delas. Mas há também os olhos que brilham de cobiça: parece um dinheiro fácil. É isso

PrimeiromovimentoS

Page 41: Efemero concretoguiok

mesmo? Você está comprando segredos? Quanto você paga?

Então surge alguém que se dispõe a vender o seu produto. Ele, um homem velho, interpela o anunciante e o pacto é feito. Diga-me qual é o seu segredo, avaliarei quanto ele vale e, caso o compre, será meu. Farei o que quiser com ele. Não precisa dizer seu nome, mas gravarei sua voz.

E, assim, segue-se uma sucessão de segredos, de negociações.Ainda na esquina da Paulista com a Consolação, um homem conta quantas vezes traiu a mulher, um casal de adolescentes fala de aventuras sexuais com travestis, meninas menores de idade relatam as baladas que fizeram numa casa de suingue, um técnico em informática explica como usou em proveito próprio as informações de um programa de monitoramento dos computadores de funcionários de uma empresa.

O comprador, banqueiro da intimidade alheia, ainda é humano. Ainda se compadece da dor do outro, sofre, se envolve, acredita que os segredos valham muito. Vê no outro um reflexo de si mesmo. Está ali para comprar, é certo, mas crê na humanidade.

40

Page 42: Efemero concretoguiok

SegundomovimentoPraça da Sé. Tarde fria de sol. Homens-placa se multiplicam nas imediações. Compram ouro. Mulheres seguram catálogos de alianças feitas para todos os bolsos e sonhos. Não há susto nem reserva quando o banqueiro chega e anuncia a compra de segredos. Parece que todos possuem um disponível no mercado.

Uma mulher diz que recebe vinte reais por dia para anunciar seu produto. Ora, se vender algo tão impalpável quanto um segredo a cinco reais, estará no lucro. A ganância reluz e alguns tentam vender suas mentiras. Gato por lebre. O comprador vai se transformando, se põe atento. Isso é mentira, ele diz. Te dou dois reais por ter parado e falado comigo. Mas se quiser levar mais dinheiro conte um segredo que me convença. A ponte para o cinismo vai sendo construída.

A menina magrinha embarga a voz. Transei com o marido da minha mãe. Porque ele era um coroa bonito. Faz uns dois anos. Hoje não transo mais.

A mulher das alianças, de cabelos escuros, conta: Ninguém sabe quem eu sou, que fui prostituta. Isso não vale muito, diz o comprador. Conte a verdade. A verdade.

Eu era muito nova. Perdi meu pai, minha mãe, meu irmão. Me envolvi com drogas, com roubo, cometi latrocínio. Fui presa. Paguei minha dívida e inventei outra vida para mim. Ninguém sabe quem eu sou, quem eu fui. Jesus me salvou. Confessionário a céu aberto. O perdão como mercadoria, pensa o comprador.

Você é psicólogo?, pergunta um rapaz. Não. Eu estou pagando, responde o banqueiro.

Os segredos se banalizam e se repetem numa espiral. Namoro uma moça, mas transo com homens. Ela não sabe. Nem meus amigos. Mas pego rapazes no estacionamento de um shopping, nas quebradas. Transei com o meu cunhado. Transei com a minha cunhada. Todo mundo que tem cunhado ou cunhada transou com ele ou com ela. O mesmo segredo se multiplica em diferentes vozes e vale pouco, bem pouco. Cinquenta centavos?

No Largo da Misericórdia, outro comprador, com sua placa amarela de compro ouro, observa a tudo calado. Instigado a vender um segredo que seja, acaba por responder: Ele não tem como comprar os meus segredos. Por que não? Ele tem dinheiro. Se for

Page 43: Efemero concretoguiok

42

Page 44: Efemero concretoguiok
Page 45: Efemero concretoguiok

Os segredos comprados ao preço de carne de terceira ganham nova vida, concretude. Foram cortados, editados, mixados. É outro dia e, depois de uma sucessão de dias quentes, faz frio. De novo. O homenzinho do carro de som recebe o CD, e não sabe o que está gravado nele.

Imediações da avenida Domingos de Morais. O comprador de segredos segue atrás do carro de som e observa a reação das pessoas. Perante o segredo dos outros, anunciado em alto e bom som, com seu sangue, com suas chupadas, com suas mentiras, com suas traições, com sua prostituição, com seu assassinato, com sua paixão, com sua leviandade, alguns riem. Outros param, incrédulos. Outros se indignam. A cidade recebe de

volta os segredos que vendeu. Recebe-os como um fragmento de conversa alheia. Um fragmento desconexo, perturbador, nervosamente engraçado, perversamente risível.

Stop.

O comprador de segredos retoma o caminho de sua casa, tece considerações, arquiteta conceitos e, enfim, vai recuperando a sua humanidade. Mas logo seus olhos brilham. Por que não leiloar esses segredos? Quem pagará mais? Qual será o lance mínimo?

Terceiromovimento

bom, ele paga. Seu segredo vale tanto dinheiro assim? Não. Dinheiro é que não vale tudo isso.

O comprador vai embora. Já não há sinal de humanidade nele. Só mais tarde vai recuperar a consciência, o sentido de remorso. No entanto, business is business.

Micheliny Verunschk é escritora e mestre em literatura e crítica literária. Publicou as obras Geografia íntima do deserto (Landy, 2003), O observador e o nada (Bagaço, 2003) e A cartografia da noite (Lumme, 2010).

44

Page 46: Efemero concretoguiok

Já desencarnado de sua personagem, Thiago Pethit fala sobre a intervenção:

Quando recebi a proposta de criar, com toda a liberdade, uma intervenção na cidade, fiquei assustado – e me senti desafiado. Ainda incerto, recorri a duas amigas – as artistas Tainá Azeredo, fundadora do projeto Casa Tomada, e Adelita Ahmed, do grupo Ghawazee – para que desenvolvêssemos uma performance com base na minha ideia inicial: trabalhar com sons e escuta na cidade mais barulhenta da América do Sul.

No começo da ação, na avenida Paulista, sentia que estava jogando contra mim mesmo.

O cinismo que eu atribuía à personagem ainda estava longe de ser real – como o nome da nossa moeda. Todas as palavras que me eram vendidas pareciam valer muito, e eu me identificava com cada uma delas. E assim, ainda sem me dar conta do inferno no qual estava entrando, desci até a Praça da Sé.

O depoimento de uma mulher, presa por latrocínio, estuprada ainda muito jovem, com a vida toda estragada e que me jurava com lágrimas nos olhos que seus dias haviam mudado, chacoalhou minha alma. Por que ela contava aquilo para mim e não às pessoas mais próximas? Eu não estava ali como um psicólogo, não tinha a intenção de ajudar ou de aliviar

Page 47: Efemero concretoguiok

as dores de ninguém. Minha cara e minha crueldade – sim, eu comecei a ser cruel, de verdade – não estavam à disposição do próximo. Tornei-me um grande cínico. E não me dei conta de que a personagem se instalara facilmente em mim. Não por esforço próprio, mas pelo que eu ganhava do mundo em troca das folhas de papel nos meus bolsos. Quanto mais poder eu tinha, menos valiam os segredos.

Parei o jogo quando me estafei. Não sabia ao certo se minha missão estava cumprida com louvor – nem havia me dado conta do relato de um assassinato no meio de tantos segredos. A personagem ficou perdida pela Praça da Sé e eu só consegui

escutar e editar o registro dos segredos duas semanas depois. E foi então que percebi que algumas pessoas deram depoimentos muito íntimos, mas que não valiam nada. Disseram palavras duras e sujas que formavam uma história “sem alma”, que poderia ser narrada por uma máquina num filme de ficção científica. Mas outras pessoas, escondidas em meio a tudo isso, independentemente do que narravam, realmente me entregaram seus ouros. Os desejos, os sonhos e a humanidade de algumas pessoas ficam claros pelo tom de voz ou por uma risada sutil, como de quem percebe que disse o que jamais diria.

Nem por dinheiro.

46

Page 48: Efemero concretoguiok

fragm e ntos

Page 49: Efemero concretoguiok

OBSERVATÓRIO.48

Pela lente da câmera de um iPhone, o recifense Daniel da Hora registra o efêmero e o concreto da capital pernambucana. O acabamento das imagens foi feito por meio do aplicativo Instagram.

Page 50: Efemero concretoguiok
Page 51: Efemero concretoguiok

50

Daniel da Hora é designer, publicitário, artista plástico e professor. Presidente do Clube de Criação de Pernambuco (CCPE), dirige o Instituto Abelardo da Hora, no Recife.

Page 52: Efemero concretoguiok

A CIDAdE ESTA NUA

Despir-se em público, ou em locais supostamente públicos, pode ser visto como um ato de loucura, uma graça gratuita, um desacato ao pudor.

Pelas lentes de artistas como Spencer Tunick, Pablo Saborido e Erica Simone, entretanto, a atitude ganha novos significados: despir-se em pleno espaço urbano pode ser, também, uma maneira de despir o próprio espaço urbano.

Foto da série Nue York,de Erica Simone

'

POR RICARDO OLIVEROS

Page 53: Efemero concretoguiok

ARTIGO.52

Page 54: Efemero concretoguiok
Page 55: Efemero concretoguiok

rei desfilava na sua carruagem, mostrando à população a sua nova e magnífica roupa – visível, de acordo com os supostos alfaiates que a produziram, só pelas pessoas mais inteligentes. E todos aqueles que assistiam à parada, espertos que são, faziam questão de elogiar o tecido, o corte, as cores da tal da roupa – exceto uma criança que, ao notar o óbvio e gritar “o rei está nu!”, fez com que o povo compreendesse aquilo que de fato estava vendo: um rei pelado.

Assim como o garoto do conto de Hans Christian Andersen, os artistas Spencer Tunick, Pablo Saborido e Erica Simone mostram corpos nus ao público. Mas podemos dizer que o foco de suas obras não é o indivíduo em si, mas sim o espaço em que ele se insere. Em vez de dizer “o modelo está nu”, elas gritam “a cidade está nua!”, revelando, assim, certas questões do atual cotidiano urbano.

Foto da série Construcción-desnuda, de Pablo Saborido

O

54

Page 56: Efemero concretoguiok

Por diferentes razões – sociais, políticas, culturais, econômicas –, a distinção entre o que é público e o que é privado torna-se cada vez mais complicada. Pouca gente sabe, hoje em dia, o que pertence ao terreno de um e de outro. Ao mesmo tempo causa, consequência e “solução” dos conflitos urbanos, a construção de shopping centers e condomínios fechados, por exemplo, acabou transformando a cidade num local repleto de muros e câmeras de vigilância – e vazia de encontros e de visibilidade. Estamos tão enclausurados em nós mesmos

que os outros – ou o Outro – são de certa maneira invisíveis no nosso dia a dia.

E é justamente o encontro – ou o contato direto, sem barreira alguma – entre homens e mulheres da cidade que o norte-americano Spencer Tunick – que não liberou o uso das suas imagens para esta matéria! –, ao registrar multidões de pessoas nuas em diversos locais do mundo, promove.

“Naquele momento”, diz o arquiteto André Goldman, que participou da performance

O nu coletivo e o nu individual

Fotos da série Construcción-desnuda, de Pablo Saborido

Page 57: Efemero concretoguiok

realizada por Tunick em 2002 durante a Bienal de São Paulo, “apesar de estar no mesmo espaço e no mesmo corpo de outrora, eu vivenciava novas experiências sensoriais e, sobretudo, sociais e culturais – apenas por estar pelado. A perda da noção do proibido em relação às ‘partes íntimas’ me fez perder também o excesso de erotização relacionado ao sexo. Estávamos, de fato, todos pelados e despreocupados com sexo ou vergonha: era natural!”

Enquanto Tunick foca um coletivo, um aglomerado de pessoas peladas, Pablo Saborido, argentino

radicado em São Paulo, retrata indivíduos desprovidos não só de roupas, mas também da tal convivência com o Outro. Na série Construcción-desnuda, ele mostra seres nus e solitários inseridos em lugares vazios e silenciosos de cidades como São Paulo, Buenos Aires, Barcelona, Paris e Jerusalém.

“Penso que meu trabalho sugere um desajuste entre o homem e o espaço que ele habita, bem como a luta para conseguir reestabelecer um equilíbrio”, comenta o artista. “É um trabalho otimista, que acredita no sucesso dessa procura.”

56

Page 58: Efemero concretoguiok

A francesa radicada em Nova York Erica Simone, por sua vez, realizou uma série de autorretratos chamada Nue York, na qual ela se mostra nua – às vezes com um sapato ou uma bota, às vezes com um cachecol, uma luva ou outro acessório – em espaços públicos de Nova York. “A ideia é evocar um questionamento básico sobre a utilidade social da roupa”, afirma ela. “A moda tende a falar por nós, antes mesmo de termos uma chance de dizer algo. Segrega

Pelada com a mão no bolso

Page 59: Efemero concretoguiok

Fotos da série Nue York,de Erica Simone

58

Page 60: Efemero concretoguiok

Foto da série Nue York,de Erica Simone

Page 61: Efemero concretoguiok

e nos congrega de várias maneiras, é uma linguagem silenciosa e global. Eu queria ver como as pessoas se sentiriam nas ruas sem o amparo dessa linguagem, entender o que seria, enfim, a vida nua.”

Claro que o nu na arte não é novidade. O interessante dessas obras, porém, é que elas não trabalham na dimensão do erótico, do sensual ou do pornográfico. Tanto o corpo coletivo de Tunick quanto os corpos solitários de Saborido, por exemplo, fazem com que paremos para pensar nas relações que temos conosco, com o outro e com a cidade. E, ao nos mostrar em nosso estado mais primitivo, desnudam, de uma maneira ao mesmo tempo poética e política, a atual lógica do público e do privado.

60

Ricardo Oliveros é jornalista, mestre em arquitetura e urbanismo e curador de artes plásticas.

Page 62: Efemero concretoguiok

PAI... É NESTE BAIRROAQUI QUE MORA A TAL

DA POMBA BRANCA?

POUSOU NUMACERCA ELÉTRICA...

Page 63: Efemero concretoguiok

TAPA-BURACO.62

TÁ LOUCO, PAI! NEM VOCÊ SERIA CAPAZ DE DEIXAR ESTE RIO

NESTE ESTADO!

E POR QUE VOCÊ ACHA QUE PERDI O

MEU EMPREGO?

Fotos Rodrigo Piza Levy (São Paulo SP)Roteiro e ilustração Bruno Saggese (São Paulo SP)

Page 64: Efemero concretoguiok