Sampler de Efemero Revisitado: conversas sobre teatro e cultura digital

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    EFMERO

    REVISITADOCONVERSAS SOBRE TEATRO E CULTURA DIGITALLEONARDO FOLETTO

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    EmeroRevisitado

    Conversas sobre teatroe cultura digital

    Leonardo Foletto

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    SUMRIO

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    Apresentao - 11 artes, 1 minuto .................................................................. 10

    Precio............................................................................................................... 12

    PARTE I - CONTEXTOS

    Captulo Um: teatro e tecnologia, uma longa histria .......................... 171. Algumas origens ............................................................................................... 20

    2. Deus Ex-Machina: Nascimento da mquina teatral ........................................ 23

    3. Fez-se a luz eltrica: Appia, Craig, Fuller......................................................... 25

    4. Richard Wagner e a obra de arte total (Gesamtkunstwerk) ......................... 31

    5. As vanguardas histricas, happening & perormance ..................................... 35

    Captulo Dois: mdias e cultura digital no teatro ..................................... 43

    1. Cultura das mdias & teatro: ........................................................................... 45

    2. Alguns usos das mdias no teatro .................................................................... 51

    3. Atores + bits, eis um teatro digital ................................................................. 56

    4. Misturar, conundir, explicar; experimentar .................................................... 67

    PARTE II - EXPERIMENTOS & REFLEXES

    Teatro digital no conorto do lar: Renata Jesion e Nelson Kao, Teatro

    para Algum ..................................................................................................... 79

    Experimentao Radical: Rubens Velloso, Phila7 .........................................101

    Futurismos possveis: Leonardo Roat, ator e pesquisador .......................113

    Pioneiros nas transmisses pela rede: Tommy Pietra,

    Teatro Ofcina................................................................................................... 125

    Propor a relao de jogo: Renato Ferracini, Lume Teatro .......................139

    Dilogos Francos: Fabrcio Muriana,Juliene Codognotto e

    Maurcio Alcntara, Bacante ....................................................................... 149

    Glossrio ............................................................................................................ 165

    Reerncias ........................................................................................................ 179Agradecimentos .............................................................................................. 187

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    Apresentao11 artes, 1 minuto

    O teatro oi a ltima das artes a perceber que somos tod@s

    eitos de 0 e 1. A msica j era mp3, o cinema avi, os livros pd e as

    otos e quadros jpg quando, enm, os atores sobre um palco diante

    de um pblico se viram representados por avatares eitos de dgitos.

    Esto ali atores, palco e pblico, cada um num espao e num tempo,

    na mais complexa das maniestaes artsticas j produzidas por

    humanos. As 11 artes misturadas.

    O espectador normalmente no pensa nesses termos quando

    repete o gesto j habitual de apertar play em um vdeo transmitido ao

    vivo na internet. So apenas alguns em algum lugar com uma cmera

    em punho enviando a gravao na hora para a rede. Digitalizar a

    presena - e portanto question-la, relativiz-la, expandi-la - oi o que

    emancipou a cena dos seus limites sicos. Limites. Amarras. Finitude.

    Controle. At o sculo 20 o teatro era (s) assim.

    Na segunda metade da primeira dcada deste nosso novomilnio, dois grupos de So Paulo romperam ormalmente esta

    barreira da matria. O trio do Teatro para Algum, entre os quais me

    incluo, arriscou ao produzir e encapsular peas curtas na internet (ao

    vivo e em arquivo). O quarteto da Phila7 conectou trs palcos em trs

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    pases no mesmo espetculo. Misturamos cultura livre a encenaes

    proprietrias, losoa open source a dramaturgias echadas, remix a

    interpretaes autorais. Comeou-se, ento, a alar em teatro digital

    no Brasil.

    Este livro versa, ferta, proseia e se arrisca sobre o tema,

    conta essa histria recentssima da arte brasileira a partir da ala dos

    seus personagens. Comea esbarrando no nome. Teatro digital?

    Teatralidade? Audiovisual? Continua pelas tortuosidades do hibridismo

    sem m e termina na inevitvel relativizao de quase tudo. O jornalista

    Leonardo Foletto, bastante vivo e vivido na cultura digital, tem o

    mrito de entender que vivemos num mundo sem categorizaes e

    certezas possveis, o que torna to interessante quanto desesperadora

    a situao de estarmos diante do novo.

    Pois isto. Neste minuto alamos do novo. E eis que este minuto

    j terminou.

    Lucas Pretti29 de setembro de 2011, quinta-eira, 2h13,

    centro de So Paulo, SP, Brasil, primavera, 16C. agora.

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    Precio

    O teatro nasceu, h milnios atrs, da evoluo de um ritual

    primitivo, ruto de um desejo natural do ser humano: a transormaode algum numa outra pessoa. J nasceu hbrido, remixado, predisposto

    a incorporar as tecnologias e tcnicas de seu tempo e a tocar os

    mais diversos sentidos (viso, olato, audio, tato). Esta natureza

    prodigiosa proporcionou, ao longo dos milnios de histria teatral,

    a incorporao de diversas novas invenes luz eltrica, otograa,

    cinema, vdeo na medida em que eram inventadas. No raro, estas

    invenes questionaram a trade essencial do teatro (ator-texto-pbico) e proporcionaram longos debates primeiro a respeito da

    validade do uso desses novos instrumento na cena, depois sobre

    que tipo de linguagem estava se construindo (ou destruindo) com

    esses instrumentos. Com a popularizao (ou no) do novo, tericos

    e pblico oram correr atrs da mquina, juntando os cacos do j

    existente para entender o que agora se apresentava dierente de tudo

    que eles estavam acostumados a ver.Mas, com a tecnologia digital, a mudana parece ser maior.

    Com a rede mundial dos computadores, estar em algum lugar deixou

    de ser apenas uma condio real, sica, para ser tambm uma

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    condio virtual, digital. Os corpos passaram a ter a possibilidade

    de se digitalizarem, serem transormados em uma srie de nmeros

    binrios que podem ser transportados via cabos de bra tica para

    diversos cantos do planeta, no como um teletransporte, mas como

    cpias potencialmente innitas; um corpo vira nmero, que viaja, viaja,

    e se transorma em corpo (virtual, real?) de novo, em outro lugar, via

    computador. Se aos corpos permitida a possibilidade de digitalizao,

    ao teatro tambm? Poderia o olho no olho e o calor do tte tte

    ser transormado em nmero e reproduzido em diversos lugares ao

    mesmo tempo e ainda continuar a ser teatro? Poderia haver, assim,

    um teatro digital?

    So estas e outras tantas perguntas que este livro apresenta e

    no, no encontra respostas denitivas para nenhuma delas. Busca

    trazer contextos, experimentos e refexes que ajudem ao leitor, por

    si s, e se quiser, tentar buscar algumas certezas nesse incerto mundo

    hbrido ps-tudo. No minha inteno ormular conceitos e discuti-

    los longamente; sendo esta investigao realizada por algum que, at

    ento, nunca tinha estudado a undo o teatro, isso seria impossvel.

    Talvez haja um nico objetivo declarado neste trabalho: o de quererinormar. E, com inormao, provocar dilogos, refexes. Conversas.

    Leonardo Feltrin FolettoBela Vista, So Paulo, setembro de 2011

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    PARTE I

    CONTEXTOS

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    CAPTULO UM:

    TEATRO E TECNOLOGIA,UMA LONGA HISTRIA

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    Se o teatro to velho quanto a humanidade, como se costumadizer por a (e aqui), o questionamento sobre o que seria teatro

    acompanha essa longa histria desde sempre. A pergunta isso teatro?, que hoje se az s experimentaes das artes cnicas comas linguagens digitais, tem paralelo em diversos momentos chaves nosltimos sculos quando, no raro, oi o advento de uma nova tecnologiaque proporcionou o debate primeiro a respeito da validade do usodesse novo instrumento na cena, depois sobre que tipo de linguagemestava se construindo (ou destruindo) com esse instrumento. Com a

    popularizao (ou no) do novo, tericos e pblico oram correr atrsda mquina, juntando os cacos do j existente para entender o queagora se apresentava dierente de tudo que eles estavam acostumadosa ver. Nesses vai e vens, a arte armava, com cada vez mais ora, asua caracterstica mutante, dinmica e aberta .

    Como arte, linguagem ou o nome que se queira dar, o teatro j nasce predisposto a incorporar as tecnologias e tcnicas de seu

    tempo por conta de sua natureza hbrida, de tocar diversos sentidos(viso, olato, audio, s vezes tato) e misturar elementos baseadosnestes sentidos. Como escreveu o pesquisador Rodolo Arajo em

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    sua dissertao de Mestrado na PUC-SP1, ao longo dos sculos aarte teatral absorveu rapidamente as inovaes tecnolgicas comoincremento de sua linguagem. Inicialmente, o deus ex machina, quedeslocava alegorias e atores com o objetivo de estabelecer umaconcluso ao enredo da antiguidade. O mesmo princpio oi detectadonas descobertas da Idade Mdia, no desenvolvimento de novosrecursos para a pintura, na inveno de dispositivos mecnicos, e, nom do sculo XIX, na descoberta da eletricidade. Portanto, no dehoje, com o digital, que o teatro tem aproveitado uma nova invenotecnolgica quase ao mesmo tempo em que ela surge.

    Esta primeira parte do livro az, a seguir, uma tentativa deampliar o contexto de certos momentos dessa relao entre teatroe tecnologia para tatear dilogos com o presente. No espectro aquiescolhido, que obedece mais a critrios subjetivos baseados emleituras de pesquisas acadmicas e matrias jornalsticas2 recentes doque a categorias de anlise testadas na academia, parte-se de recorteshistricos de quando o teatro, mais do que usar da tecnologia deseu tempo, ez dela um elemento de linguagem undamental para a

    sua prpria histria dali por diante. Entram tambm momentos emque no propriamente uma inveno tcnica permitiu um aumentoda complexidade da linguagem cnica, mas certos pensamentosrevolucionrios obtidos a partir de um contexto histrico radical demudanas. So exemplos dessa ltima situao o conceito de obra dearte total (em alemo, Gesamtkunstwerk), do alemo Richard Wagner,no sculo XIX, uma das primeiras tentativas slidas de atingir o ideal

    de uma arte que unisse todas as linguagens possveis, e o happeningea perormance, que, rutos da revolucionria abertura sensorial que

    1 ARAJO, Rodolo. Panorama da teatralidade remidiada. Dissertao (Mestrado emComunicao e Semitica PUC-SP), 2010; p. 149. Assim como todas as outras reernciascitadas, a dissertao oi acessada entre janeiro e agosto de 2011.

    2 Reere-se aqui particularmente pesquisa de Arajo, dissertao de Jaqueline Raymundo,Teatro digital: Fronteiras da cena contempornea na era das novas tecnologias, deendidana UNIRIO em 2010, e a reportagem Furaco digital chega ao teatro, assinada por LucasPretti e publicada no caderno Link do jornal O Estado de S. Paulo do dia 20 de abril de 2009.

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    a contracultura da dcada de 1960 trouxe ao planeta, relativizarampara sempre o espao cnico e a orma de sensibilizar os espectadorescom uma suposta mensagem presente na obra de arte.

    1. ALGUMAS ORIGENS

    Antes de tratar com mais detalhes alguns momentos histricosde dilogo entre o teatro e a tecnologia de seu tempo, az-se umanecessria regresso resumida, claro - s origens do que veio a serconhecido como teatro. Existem vrias teorias e apontamentos sobreesta origem, sendo que as hipteses mais aceitas so as de que o teatroteria surgido a partir dos rituais religiosos primitivos, da evoluo dacontao de histrias dos povos antigos e de todas as danas, jogos,imitaes e elementos ritualsticos que aziam parte destas prticas.

    O mais sensato seria dizer que o teatro to velho quanto ahumanidade, pois em suas ormas primitivas existe desde que o homosapiens surgiu na terra. A transormao de algum numa outra pessoa uma das ormas arquetpicas da expresso humana e, como tal,

    uma necessidade comum a todas as pessoas deste planeta. assimque o raio de ao do teatro inclui desde os gestos que ajudavam osantigos caadores da idade do gelo a contar uma histria para suastribos at as categorias e gneros dramticos dos tempos atuais,segundo escreve a pesquisadora Margot Berthold em Histria Mundialdo Teatro3, talvez a principal reerncia sobre a histria do teatromundial publicada no Brasil.

    A necessidade humana de representao explicada j pelolsoo grego Aristteles, quando, na Potica4, refete sobre a entonascente arte na Grcia Antiga: A tendncia para a imitao instintivano homem, desde a inncia. Neste ponto distinguem-se os humanosde todos os outros seres vivos: por sua aptido muito desenvolvidapara a imitao. No s uma tendncia a imitar e representar, mastambm a sentir prazer na contemplao destas aes, como continua

    o lsoo: Os seres humanos sentem prazer em olhar para as imagens

    3 Histria Mundial do Teatro. [traduo Maria Paula v. Zurawski, J. Guinsburg, Srgio Coelhoe Clvis Garcia]. So Paulo; Perspectiva, 2006 (3 edio); trecho da p.13.

    4 Potica, de Aristteles, aqui usada na verso encontrada em domnio pblico no Brasil.

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    que reproduzem objetos. A contemplao delas os instrui, e os induza discorrer sobre cada uma, ou a discernir nas imagens as pessoasdeste ou daquele sujeito5.

    Os rituais primitivos tambm so outras das origens possveisdo teatro, especialmente as cerimnias em honra aos deuses paraa ertilidade na colheita. Dos ndios Cherokees para a produo demilho na Amrica do Norte aos agricultores japoneses em honra doarroz, dentre muitos outros, estes rituais previam uma elevao dohomem ao trato mgico com os deuses (ou com o Deus nico), embusca da resoluo de problemas cotidianos, como os de alimentao.O aumento crescente da complexidade desses ritos despertou anecessidade de se instaurar uma espcie de interpretao rudimentar,que, evoluindo ao longo dos sculos, vai dar origem ao teatro comoconhecemos hoje.

    interessante notar que, como escreve Margot Berthold, oencanto mgico do teatro se encontra na capacidade inexaurvel deapresentar-se aos olhos do pblico sem revelar seu segredo pessoal6.Tanto os xams primitivos, os lderes religiosos ou os danarinos

    mascarados entravam num sistema que pertencia a outra realidadeque no aquela dos homens. Converter essa realidade em teatropressupunha em duas coisas:

    1) a elevao do artista acima das leis que governam a vidacotidiana, sua transormao no mediador de um vislumbre mais alto;

    2) a presena de espectadores preparados para receber amensagem desse vislumbre7.

    Destas duas pressuposies se tira os elementos constituintes doteatro, que pesquisadores da rea costumam apontar como sendo trs:texto, ator e o pblico. Diz, por exemplo, o terico brasileiro SbatoMagaldi que o enmeno teatral no se processa sem a conjunodessa trade. preciso que um ator interprete um texto para umpblico, ou, se quiser alterar a ordem, em uno da raiz etimolgica,o teatro existe quando o pblico v e ouve ator interpretar um texto.

    5 Este trecho e o anterior so encontrados no captulo IV da Potica, Origem da poesia.Seus dierentes gneros, trecho 2 e 5.

    6 BERTHOLD (2006, p.13).

    7 Ibid., p.13.

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    Reduzindo-se o teatro sua elementaridade, no so necessrios maisque esses atores8.

    Em trabalhos mais recentes, porm, costuma-se colocar doiselementos a esta trade: o tempo e o espao. O teatro sempre se realizaem um determinado perodo de tempo uma hora, seis horas, dias - enum tipo de espao, que tanto pode ser um palco italiano de um teatrotradicional como uma praa no centro de uma cidade. Pesquisadoresda interseco do teatro e das linguagens digitais como Leonardo Roate Thiago Silva de Jesus acrescentam estes dois elementos a tradepois eles so os mais substancialmente transmutados nesse jogo daincorporao/incluso das novas mdias e tecnologias digitais pelasprticas e azeres teatrais9.

    Tendo estes trs (ou cinco) elementos, o teatro acontecequando surge uma conveno, espcie de acordo entre o pblicoque est diante de um ator e o ator que est diante de um pblico.Ambos estabelecem uma co possvel; isto que se est passandono uma verdade, mas uma conveno, uma outra realidade queest se ormando aqui . Conveno que, uma vez estabelecida entre

    os atores e o seu pblico, revela-se no completa, mas parcial, abertaa mutaes - pois se osse total os atores jamais surpreenderiam osespectadores.

    A dierena entre as ormas primitivas de teatro e as maisavanadas que hoje perduram so, basicamente, o nmero deacessrios de linguagem, tcnicos - disponveis para que essa outrarealidade seja criada. Os povos primitivos criavam gurinos com o

    que tinham no cotidiano como peles e ossos de animais, mscarasque imitavam aquilo que caavam. Hoje, constroem-se cenrios comprojees de vdeos e imagens em trs dimenses, roupas das maisvariados e modernas bras sintticas; guardados os milnios queseparam estas duas realidades, o princpio de que esses elementosesto ali para auxiliar a instaurao da realidade do teatro no somuito dierentes (ou seriam?).

    8 MAGALDI (1998, p.8).

    9 Leonardo e Thiago so pesquisadores da Unisul, de Santa Catarina, e o texto inseridoest no artigo Presente em Romeu e Julieta na rede: por uma reterritorializao das artescnicas na ps-modernidade (ver ROAT, JESUS, 2011).

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    2. DEUS EX-MACHINA:NASCIMENTO DA MQUINA TEATRAL

    A expresso deus ex machina (de origem latina, signiicaliteralmente o deus que desce numa mquina) hoje mais conhecidacomo um recurso dramatrgico do que propriamente uma tcnica.Mas se isso acontece porque existem milhares de anos de evoluodos arteatos cnicos que separam o presente das primeiras tragdiasgregas que consolidaram o teatro no Ocidente, das quais o deus exmachina tem sua origem. Conta o pesquisador rancs Patrice Pavis,em Dicionrio de Teatro, que em certas encenaes de tragdiasgregas (especialmente Eurpedes), recorria-se a uma mquina suspensapor uma grua, a qual trazia para o palco um deus capaz de resolver,num passe de mgica, todos os problemas no resolvidos10. Erauma orma no se sabe se oriunda das possibilidades tcnicas dapoca ou se propulsora dessas de resolver o confito arquitetadona trama, que muitas vezes andava a passos largos a uma histria semresoluo aparente.

    Eurpedes (480-406 a.C), prolco autor grego de pelo menos 18tragdias, entre elas Medeia, As Bacantes, As Mulheres de Troiae Electra, considerado o pai desse articio. O uncionamento em

    Electra explica bem o mote do deus ex machina. A trama da pea no conundir com a verso homnima escrita por outro dramaturgogrego, Socles, quase no mesmo perodo, entre 409 e 413 a.C tratada vingana de Electra e seu irmo Orestes contra Clitemnestra, me

    dos dois e casada com o rei de Argos, Egisto, por sua vez assassino deAgamenon, pai de Electra e Orestes. Depois de um longo tempo orada cidade, Orestes retorna e, junto com sua irm, cumpre seu destinode matar Egisto. Quando chega a vez de matar a me, Orestes hesita,e Electra que o encoraja a seguir adiante com o plano, empurrandouma espada em sua garganta - um ato que instila neles uma enormesensao opressora de culpa. No m da pea surgem os irmos

    10 PAVIS, Patrice. Dicionrio de Teatro. So Paulo; Perspectiva, 1996 (3 edio); p. 92.

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    deicados de Clitemnestra, Castor e Polideuces (tambm chamadosde Discuros), que dizem a Electra e Orestes que sua me recebeuuma punio justa e instruem-nos sobre como expiar sua culpa epurgar suas almas do crime.

    Os Discuros so o recurso deus ex machina da trama. Elesaparecem sobre a casa da protagonista para anunciar o m da histriae oerecer uma espcie de conorto ou caminho para diminuir aculpa de Electra e seu irmo Orestes. Tecnicamente, os Discurosapareciam no palco (proskenion, o proscnio, que ca na rente da cena,entendida na poca como cenrio) atravs de uma mquina suspensapor uma grua. Os atores que representavam estes eram iados poresta grua, que os levavam a uma altura consideravelmente mais altade que a dos outros atores. Fazia assim com que a plateia, no teatron(arquibancadas em semi-crculos concntricos de 270 graus), os vissecomo deuses chamados a resolver o confito.

    Como o teatro grego , ainda hoje, a base do que se chama deteatro no Ocidente, nada mais natural que o deus ex machina tenhasido, tambm, uma tcnica elementar na cultura que se criou em

    torno das artes cnicas. Foi reproduzido, apropriado e alterado pordiversas correntes de teatro posteriores grega; dos melodramase comdias, que se popularizaram com o recurso da volta de umapersonagem no desecho da pea para solucionar a trama, at pelodiretor e dramaturgo alemo Bertold Brecht, na primeira metade dosculo XX, que usou o subtergio em trabalhos como pera de trsvintns e A Alma boa de Setsuan de orma irnica, concluir sem

    concluir, para conscientizar o pblico de sua aculdade de intervenona realidade social11. um recurso que, no caso de Brecht, criticao absurdo que nalizar uma vida por ordem de uma intervenomilagrosa sem nenhuma explicao lgica, uma observao que tantopoderia valer para atentar o pblico das decorrncias do acaso quantopara dizer que s a presena ativa de cada um na construo da suarealidade o salvar do nal milagroso a ser decidido num lance de

    sorte por um Deus.Como um aparato tcnico no teatro, o deus ex machina instauroua presena da mquina em cena, entendida como uma materializao

    11 Ibid., p.92.

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    cnica, outrora apavorante, e hoje derrisria, do princpio domaravilhoso (voar, deslocar-se, desaparecer)12. A estrutura eraconstituda de roldanas e um guindaste, manipuladas por alguns homensque no apareciam para o pblico, que iava ao alto personagens outrazia novos elementos para o desecho mgico da pea.

    Vale lembrar que o teatro grego de ento era bastante maissimples que o visto nos palcos de hoje. Para se ter uma ideia, astragdias eram produzidas por apenas dois ou trs atores - quepoderiam se revezar e interpretar mais personagens atravs do uso demscaras dierentes, geralmente em eies maiores que a normal paraque os espectadores de longe pudesse enxergar a cena. Alm deles,contava-se ainda com o coro, infuncia dos ditirambos (hinos cantadospor cortejos de diversos homens em homenagem Dioniso) queoriginaram o teatro grego, espcie de comentaristas dos episdiosque se passavam nas peas; e o corieu, chee do coro que servia comonarrador da histria, por vezes dialogando com os atores. Diante dessaquantidade mnima de elementos, de se imaginar o certo barulhoque a erupo do deus ex machina tenha causado na cena grega antiga.

    3. FEZ-SE A LUZ ELTRICA: APPIA, CRAIG, FULLER

    A preocupao com a luz no teatro to antiga quanto o prprioteatro. Na Grcia, por exemplo, a iluminao era sempre realizadacom luz natural pois no havia nenhum aparato tecnolgico quepermitisse outra opo. Os espetculos aconteciam todos durante o

    dia, do nascer ao cair do sol, raramente avanavam a noite, e os teatrosonde eles eram apresentados normalmente ocupavam encostas demorros, lugares mais adequados construo das arquibancadasde pedra onde o pblico sempre numeroso, chegando at a 17mil pessoas nos teatros maiores, como o de Epidauro - assistia sapresentaes.

    Na Idade Mdia, as tragdias e comdias a cu aberto to

    comuns na Grcia do lugar a dois tipos principais de espetculos:os dramas litrgicos, comandados pela Igreja Catlica, e os autos,primeiramente religiosos e num segundo momento tambm proanos,

    12 Ibid., p.232.

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    que satirizavam justamente a catlica reinante. Alguns desses doistipos de peas passaram a, alm de encenados nas praas pblicas, serapresentados tambm dentro de igrejas, castelos e lugares que cadavez mais lembrariam o que se reconhece hoje como um teatro. Nesteslocais, a iluminao deixava de contar s com a luz solar e passava a tero auxlio do primeiro elemento tcnico usado para este m no teatro:as velas - que, a partir da Idade Mdia, evoluem para dierentes tiposde tochas, archotes, candelabros, lampies e outros recursos que anecessidade de melhor visualizao das peas pelo pblico criava ouadaptava dos elementos tcnicos nascentes13.

    Esta breve citao da histria da iluminao no teatro para poraqui para alar da verdadeira revoluo tecnolgica que oi o incio douso da eletricidade nas artes cnicas. A proessora e pesquisadora daUFRGS Marta Isaacson arma que oi notadamente graas ao adventoda eletricidade e com ela a utilizao da iluminao eltrica que, apartir do nal do sculo XIX, novos empregos do espao se tornarampossveis e, em decorrncia, novos modelos de atuao surgiram14.

    A histria ocial conta que a luz eltrica surgiu com o inventor

    estadunidense Thomas Edison (1847-1931), que em 21 de outubrode 1879 anunciou a criao da primeira lmpada de incandescnciacom lamento de carbono. A ideia de energia eltrica no era nova napoca; muitas pessoas j trabalhavam na rea buscando desenvolverormas de usar a eletricidade para a iluminao, mas esbarravam nadurabilidade dos materiais usados e no alto custo dos equipamentos. Omrito de Edson oi usar uma haste de um material simples e barato, o

    carvo (carbono), que, aquecida pela corrente eltrica, passava a emitirluz no vcuo ormado dentro de uma ampola de vidro, onde a hasteestava inserida. Com a acilidade de obteno dos materiais para suaconstruo, a lmpada incandescente, como era chamada, comeoua ter seu uso domstico popularizado, substituindo aos poucos a luzdos lampies a gs. Surgiram as redes eltricas de iluminao, limitadas

    13 A dissertao de Laura Maria de Figueiredo - Luz: a matria cnica pulsante apresentadaem 2007 no mestrado em Artes Cnicas da USP, traz diversas inormaes sobre esteselementos pr-eletricidade utilizados na iluminao e est disponvel, na ntegra, nesteendereo: http://ow.ly/5Yc96.

    14 ISAACSON (2008, on-line).

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    inicialmente aos centros urbanos, mas logo popularizada nos EstadosUnidos e no restante do mundo. At o nal do sculo XIX, a luzeltrica j havia se tornado comum nos grandes teatros mundiais; em1902 o Prinzregententheater[conhecido teatro alemo, localizado emMunique e inaugurado em 1901], j usando quatro cores dierentespara eeitos cnicos, tinha 1.542 pontos de luz em cena (entre ribalta,refetores, xos, torres, etc)15.

    A luz eltrica trouxe grandes transormaes estticas no teatro.A mais visvel de todas dizia respeito ao prprio palco; at ento,tanto o palco quanto a plateia eram costumeiramente iluminados porvelas, e, em uno do uso da perspectiva nos cenrios, via de regraos atores tinham de car bem na rente do palco, onde a luz era bemmais intensa, graas colocao de mais velas ao longo da ribalta, diza crtica teatral e tradutora Brbara Heliodora16. Com a luz eltrica ailuminar igualmente o palco, ele ganhava nuances que poderiam servisualizadas pelos espectadores.

    Vieram as decorrncias: a cenograa iniciou a azer uso demveis reais, no mais pictricos, representativos do real, pois agora

    eles poderiam ser vistos com alguma preciso; os atores comearama se utilizar de objetos com importncia na ao, pois tudo queaziam poderia ser notado pelo pblico; a separao entre palcoe plateia tornou-se mais visvel, com a dierena do aparato de luzespecco destinado pea e do arrumado para a plateia. O palco,em suma, passou a se tornar uma realidade tridimensional e integrada cenograa, aumentando consideravelmente as possibilidades de

    complexidade do teatro.O recurso da eletricidade na iluminao passou a ser um dosaspectos principais na erupo dos movimentos do nal do sculoXIX, particularmente no Realismo. Neste, ajudou a azer do palco umlugar dierente dos grandes palcios e castelos, os mais comumenterepresentados nos cenrios; uma pea poderia se passar numa simplescasa burguesa, com cadeiras, mesas e armrios que agora seriam vistos

    com mais clareza pela plateia e ariam parte do jogo de cena com

    15 HELIODORA, Brbara. O Teatro explicado aos meus lhos. Rio de Janeiro; Agir, 2008;p.120.

    16 Ibid., p.86.

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    os atores. Era possvel agora azer uma amlia se sentar mesa parauma reeio, por exemplo, com mveis verdadeiros em cena, e coma possibilidade de as marcas aproveitarem toda a extenso do palco,escreve Heliodora17.

    A dramaturgia tambm se dierencia; retrata mais situaescotidianas e menos questes picas. Como o novo pblico burgusno tinha muita pacincia para grandes problemas trgicos, o casamento,o adultrio, o divrcio, tudo visto pelo prisma do dinheiro, passarama ser os temas avoritos do teatro realista, arma Heliodora, quecompleta: Aparece, ento, a pea bem eita, que, na verdade, temcomo sua principal caracterstica apresentar problemas no muitoproundos, com solues calculadas para deixar a plateia satiseita,muitas vezes contente por se sentir mais sensata ou boa do que ospersonagens da trama18. Era o nascimento de um tipo de teatro que,hoje, predomina nas salas de espetculo no Brasil (e mundo) aora.

    Na virada do sculo XIX para o XX, dois nomes ligados aosimbolismo merecem destaque na complexicao do uso da luzeltrica no teatro e na sua integrao com a cenograa: Adolphe Appia

    e Edward Gordon Craig. O suo Appia, nascido em Genebra em1862 e alecido na Frana em 1928, um dos primeiros a pensar a luzcomo instrumento de linguagem, no mera uno na pea. Cengraoe iluminador, ele prope a subverso do cenrio realista, que tentamostrar a realidade tal como , por aquele que sugere mais do querepresenta; a troca do bidimensional da poca por um tridimensional,mais aeito ao modo como os atores se colocam em cena. Para isso,

    constri cenrios com planos inclinados, blocos pesados, cubos, telase escadas que do ponto de apoio aos atores e, ao mesmo tempo,so obstculos contra os quais estes devem lutar19. Nesse jogo desugestes entre os atores e o cenrio, a luz ganhava destaque; passavaa ter a uno de esculpir e modular as ormas e os volumes da cena,provocando o aparecimento e o desaparecimento dos atores e da

    17 Ibid., p.90.

    18 Ibid., p.87.

    19 Em TELLO, Nerio; RAVASSI, Alejandro. Historia del teatro para principiantes. BuenosAires; Era Nasciente, 2006; p. 117. Traduo livre do espanhol.

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    cenograa, num jogo de luz e sombras espessas e diusas20. Comoescreve a historiadora Margot Berthold, Appia atribuiu luz umatarea que at ento o teatro no zera nenhum uso, ou seja, lanarsombras, criar espao para produzir proundidade e distncia21.

    Nascido na Inglaterra dez anos depois de Appia, EdwardGordon Craig compartilhava do mesmo preceito do suo: o corpohumano est dispensado do empenho de procurar a impresso darealidade, porque ele prprio a realidade22. Craig radicaliza asugesto simbolista na cena; chega a tirar todos os elementos dopalco, passando s a trabalhar com cortinas brancas, que se tornavamcoloridas a partir dos eixes de luz com ltros de vrias cores utilizadosnos refetores. Criava, assim, iluminaes mgicas e antasmagricasque, anos depois, seriam traos do expressionismo, tanto no teatrodo rancs Jean Cocteau quanto no cinema alemo da dcada de 1920.

    Craig radicalizava, tambm, na imaginao para a cena. Desenhavasupermarionetes para atuar nos palcos baseado na ideia de que ohomem no o melhor suporte para o pensamento humano23, j que,segundo o ingls, o ator traz emoes diceis de serem controladas

    pelo seu excesso de egocentrismo24

    . Suas ideias, assim como asde Appia, esbarravam na tecnologia da poca e na prpria utopiado pensamento; os desenhos de Craig para a cenograa de umamontagem de Macbeth, ainda que lindos, sugeriam um cenrio queteria de ter uma altura correspondente a um prdio de 14 andares25.Por conta disso, tanto Craig quanto Appia hoje so reconhecidoscomo rente do seu tempo, pessoas que pensavam muito alm

    das possibilidades da prtica; a novidade de suas ideias e a alta deuma tecnologia adequada para sua realizao impediram uma plenarealizao tanto a um quanto ao outro26.

    Contempornea de Appia e Craig, a danarina Loie Fuller (1862-

    20 Em TOLENTINO, Cristina. Os pioneiros na dramaturgia centrada do ator. 200?, on-line.

    21 BERTHOLD (2006, p. 470).

    22 Ibid., p. 470.23 TELLO, RAVASSI (2006, p.116).

    24 TOLENTINO, (200?, on-line).

    25 HELIODORA (2008, p.118).

    26 Ibid., p. 118.

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    1928) provocou uma revoluo parecida aos cengraos e iluminadoreseuropeus, s que na interseco da dana com a iluminao. Loie criavacoreograas a partir da relao entre o seu gurino - metros de sedaestruturados por uma armao que lembrava asas - e a iluminao doseixes coloridos de luz, projetadas em sua roupa. O branco da sedaera, durante os espetculos, banhado por dierentes holootes de luzcolorida que variavam de cor no ritmo de seus passos. Os holooteseram estrategicamente colocados de orma a esconder a onte de luz,dando a impresso de que a cor vinha da prpria seda, escreveu aarquiteta e designer de luz Marta Felizardo27.

    So poucos os registros da dana da Fuller, mas os que existemso impactantes. Quando oi morar na Frana, em 1892, a danarinase aproximou dos Irmos Lumire, pais do recm-nascido cinema,que zeram trs lmes em pelcula da perormance de Fuller. O maisconhecido deles The Serpentine Dance, de 1899, que, em menosde um minuto, mostra a mgica troca de cores do vestido de Fuller,numa rara integrao entre corpo e tecido que ainda pode ser vistohoje, na internet28.

    Com seus experimentos com a luz, inicialmente nos EstadosUnidos e depois na Frana, Fuller trouxe inovaes para o palco cnico.So criaes registradas por elas alguma das primeiras misturas degelatinas para os refetores, que possibilitaram que a luz transormede cor com apenas a adio de uma olha de papel (a gelatina), e saisluminescentes, usados para criar eeitos diversos na luz. O respeitoda comunidade cientca rancesa pela danarina lhe rendeu o convite,

    aceito, para membro da Sociedade Francesa de Astronomia29

    .Tanto no teatro quanto na dana do nal do sculo XIX e inciodo XX, a luz eltrica oi o impulso de diversas mudanas estticasque seriam consolidadas nas dcadas seguintes, no surgimento das

    27 Em FELIZARDO, Marta. O incio da iluminao cnica. 2011. (ver reerncias).

    28 O link para o vdeo http://www.youtube.com/watch?v=UkT54BetFBIE. Ele oi coloridoa mo, rame a rame, j que o cinema veria a popularizao de lmes a cores apenas a partirdo nal da dcada de 1920.

    29 Estas inormaes esto colocadas no texto The Early Moderns, uma verso abreviadade um tutorial de CD-Rom criado pelos pesquisadores estadunidenses Lynner Conner, SusanGillis e Patrick S. Tseem, disponvel em http://www.pitt.edu/~gillis/dance/loie.html.

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    vanguardas histricas (Cubismo, Surrealismo, Dadasmo, Futurismo),que, por sua vez, originariam diversas possibilidades abstratas e cadavez menos gurativas da luz no palco. A entrada da tecnologia digital,a partir da dcada de 1970, vai potencializar consideravelmente aspossibilidades da iluminao e consolid-la como um elemento hojepraticamente indissocivel da linguagem cnica.

    4. RICHARD WAGNER E A OBRA DE ARTE TOTAL(GESAMTKUNSTWERK)

    Antes de pular de vez para o sculo XX, vale destacar umconceito do nal do sculo XIX que infuenciaria ortemente o teatrodas prximas dcadas e que, ainda hoje, considerado uma dasprimeiras reerncias consolidadas da ideia de sntese de diversasormas artsticas: a Gesamtkunstwerk(obra de arte total), de RichardWagner.

    Nascido em 1813 em Leipzig, na Alemanha, Wagner se ormoumsico e atuou num primeiro momento como compositor de peras

    convencionais, ao gosto da poca, com destaque para Rienzi,apresentada em 1842. Neste perodo, j escrevia tambm o textodos libretos, em verso, e dirigia a encenao, alm de compor a partemusical, sendo um dos primeiros na histria a ter o controle total desua obra, da concepo realizao. Mais tarde, o envolvimento coma poltica - especialmente na revoluo que propunha a unicaodos ento independentes estados alemes, em 1849 ez surgir os

    primeiros ensaios tericos e loscos de Wagner.Em Arte e Revoluo, um desses ensaios datado de 1849,Wagner trata sobre algumas das motivaes de sua nova empreitadaartstica. Descreve o processo que levou a arte e tambm a culturae a educao a se tornar escrava da indstria, um declnio quehavia comeado com a diviso da tragdia grega nos segmentos dearte que a compunham, e havia continuado na Idade Mdia, onde o

    Cristianismo, com sua elevada dose de culpa e autopiedade, haviareduzido o potencial criativo do homem30. Sua ideia era, ento, azer

    30 Trecho adaptado de Mito e Msica em Wagner e Nietzsche, de Luis Cludio Moniz(2007, p. 101).

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    uma obra de arte total, que visasse usar todos os recursos artsticosdisponveis para produzir um espetculo que apelasse a todos ossentidos, e assim tornar a arte novamente essencial e rica, como naGrcia.

    de outro desses ensaios, A obra de arte do uturo, de 1850,uma explicao que serviria de base para sua obra a partir dali: Overdadeiro objetivo da arte universal, cada qual animado por um verdadeiroimpulso artstico que procura alcanar, atravs do desenvolvimento completode sua capacidade individual, no uma glorifcao de uma capacidadeindividual, mas a glorifcao na arte da humanidade em geral. A maisalta obra de arte coletiva o drama, ele est presente em sua plenitudesomente quando cada variedade artstica, em sua plenitude, est presentenele. O verdadeiro drama pode ser concebido somente como resultadode um impulso coletivo de todas as ormas de arte para se comunicar damaneira mais imediata com o pblico, cada orma artstica individual podese revelar como completamente inteligvel a este pblico somente atravsde uma comunicao coletiva, juntamente com outras ormas de arte. Nodrama, o objetivo de cada variedade artstica individual completamente

    alcanada somente pelo entendimento mtuo e a cooperao inteligvel detodas as variedades artsticas31.Um experimento importante na busca dessa obra total oi

    a tetralogia O Anel de Nibelungo, quatro peras baseadas namitologia nrdica e germnica que levaram vinte e seis anos para seremnalizadas por Wagner. Tal qual os dramas do teatro grego, o ciclo modelado com trs tragdias e uma pea satrica: Das Rheingold (O

    Ouro do Reno, 1853-1854), Die Walkre (A Valquria, 1854-1856),Siegried (1856-1857 e 1864-1871) e Gtterdmmerung(Crepsculodos Deuses, 1869-1874). As quatro peras ou dramas musicais,como o autor preeriu chamar para dierenci-las da na pocadesprestigiada pera tinham os atores cantores representandona rente da orquestra e uma cenograa que tentava representar (oucriar a iluso de) um ambiente realista, com uma complexidade no

    jogo de cena at ento pouco vista nos palcos da poca.Como se pode imaginar, a diculdade da execuo da tetralogiacompleta, que apresentadas em sequncia durariam cerca de

    31 Citao de Wagner retirada de DUDEQUE (2009, on-line).

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    quinze horas, era gigantesca. Tanto que motivou Wagner a pensarna construo de um local mais apropriado aos seus objetivos deproporcionar uma completa imerso do pblico no espetculo, compossibilidade de escurecimento total das luzes, liberdade para eeitossonoros, rebaixamento da orquestra e reposicionamento dos assentos.Foi assim que, em 1876, nasceu o Bayreuth Festspielhaus (Teatro doFestival de Bayreuth), construdo especialmente para os trabalhos deWagner na pequena cidade alem onde o compositor viveu at o mde sua vida, em 1883. O teatro oi inaugurado, claro, com a primeiraapresentao integral de O Anel de Nibelungo, dando incio a umestival anual em que so apresentadas as obras da Tetralogia do Anelat hoje, com ingressos disputados em las de espera que podemdemorar anos32.

    Assim como Appia e Craig, as ideias de Wagner oram limitadasconsideravelmente pela tcnica do sculo XIX e pelo prprio carterutpico que, poca, elas adquiriam perante a prtica. Emborapensasse em uma at ento indita juno de msica, poesia,cenograa, iluminao, arquitetura, pintura e representao dramtica,

    sua concepo de cada uma dessas artes era ainda limitada, quandohavia uma concepo especca. A cenograa e a pintura, por exemplo,no apresentavam inovaes em relao a outras obras; a primeiraainda usava de articios para mover os personagens em cena oriundodo barroco dos sculos XVII e XVIII, enquanto que a pintura ainda erameramente gurativa, representando a realidade em teles de panoonde o cenrio era desenhado, num tpico esoro das montagens

    da poca. J a iluminao trazia alguns elementos do simbolismoque Appia e Craig potencializariam nas prximas dcadas. Wagnerintroduz certo estilo de iluminao simblica em que uma determinadaatmosera do drama simbolizada por uma iluminao especca,escreve o proessor de msica da UFPR Norton Dudeque33. Almdisso, continua Dudeque, ele se utiliza do leitmotivmusical, onde umadeterminada ideia musical acompanha um personagem durante a pera

    inteira. (..) Transpondo esta ideia para a iluminao, determinados

    32 Segundo inormaes do site ocial (http://www.bayreuther-estspiele.de) e da Wikipedia,so 58 mil ingressos anuais para uma demanda de mais de 500 mil pessoas.

    33 DUDEQUE (2009, on-line).

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    personagens so identicados com um certo tipo de iluminao, dandoao cenrio um pretenso carter realista34.

    Os pesquisadores ingleses Randall Packer e Ken Jordan, emMultimedia: From Wagner To Virtual Reality (sem traduo para oportugus), armam no livro que Wagner estava convencido queos dierentes ramos das artes msica, arquitetura, pintura, poesiae dana poderiam alcanar novas dimenses poticas quandocolocados a servio do teatro, o qual ele considerava a mdia idealpara realizar suas ideias visionrias35. As pinturas cnicas, os eeitosde iluminao e a msica tinham a pretenso de representar ummundo inteiramente virtual, onde o proscnio pudesse ser vistocomo interace para o universo do palco, experincia mais acentuadacom a construo do Teatro de Bayreuth nos moldes que queria oalemo. A pesquisadora de teatro e mdias digitais Jaqueline Raymundoescreve que a aproximao de totalidade da obra total seria comoum prenncio para a experincia de realidade virtual, uma iniciativaque soa como um pressgio que ilumina as noes contemporneasdas novas mdias36.

    O ideal wagneriano de abraar a complexidade de todos osramos da arte em uma s obra oi continuada por diversos artistasnas primeiras dcadas do sculo XX, como Antonin Artaud, ArthurRimbaud, Vsevolod Meyerhold, Erwin Piscator, Bertold Brecht, entreoutros tantos. Acreditava-se que a experincia moderna no poderiaser expressa adequadamente sob a rigidez das ronteiras tradicionaisentre as disciplinas, uma discusso que, com a evoluo tecnolgica

    e social do sculo XX, s cresceria em importncia. Inclusive, nasdcadas seguintes a questo estaria colocada como uma das principaisno debate do ps-modernismo e de outros termos hibridismo,convergncia, modernidade lquida - que tomariam de assalto osanos 1980, 1990 e 2000 e chegariam a hoje como, talvez, a principal

    34 Ibid, on-line.

    35 Trechos do livro citado de SOUZA RAYMUNDO, Jaqueline. Interaes: o humano entreo digital e a cena, 2010. A reerncia do livro original PACKER, Randall; JORDAN, Ken(editores). Multimedia: From Wagner To Virtual Reality, London and New York: Nortonand Company, 2001.

    36 Ambos trechos presentes em SOUZA RAYMUNDO (2010, p.7).

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    discusso terica e prtica no campo das artes, comunicao, cultura,sociologia, histria...

    5. AS VANGUARDAS HISTRICAS, HAPPENING &PERFORMANCE

    A virada do sculo XIX para o XX trouxe a consolidao denovos inventos otograa, telgrao, lmpada eltrica, automvel,teleone, cinema que comearam a transormar consideravelmente avida em sociedade, e com a arte no seria dierente. As possibilidadesabertas por Wagner na juno de todas as ormas de arte numa s obratotal talvez sejam pequenas perto das transormaes que o sculoXX colocaria no mundo artstico, a comear pelo prprio estatutodo que seria arte, para sempre questionado a partir do urinol deMarcel Duchamp (1887-1955), um objeto comum, de uso cotidiano,colocado como obra de arte numa galeria rancesa, em 1917, apenascom a assinatura do seu suposto autor, R. Mutt (pseudnimo deDuchamp). Outra discusso colocada ainda nas vanguardas histricas

    (nome a que se costuma reerir movimentos como o Futurismo,Cubismo, Surrealismo e Dadasmo) teria prounda relao com asartes cnicas nas dcadas seguintes: a ideia de interao na obraartstica.

    Os momentos histricos colocados at aqui buscavam novasormas de explorar a relao entre artista e expectador, mas nohavia a ideia de questionar essa relao; tanto a luz eltrica quanto a

    ideia de obra de arte total no propunham questionar o que seria umespectador ou um artista, pois estas duas posies estavam denidasdesde sempre numa espcie de acordo tcito entre as partes. Oincio do sculo XX v a transormao deste acordo: se Duchamppode colocar um objeto qualquer como obra numa galeria, eu tambmposso; se estou azendo arte com isso, ento eu tambm sou um

    artista; e se eu tambm sou um artista, por que haveria de ter um

    palco para separar eu de outro artista colocado neste palco? Porque eu, como artista, no posso estar no palco a interagir nestamesma obra?

    Os ismos europeus do incio do sculo trazem estas

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    provocaes, conscientes ou no, para junto de suas obras. NoFuturismo, movimento criado na Itlia a partir da publicao doManiesto Futurista pelo poeta Marinetti em 1909, as Noites Futuristas(seratas) eram uma grande mistura de msica, teatro, poesia e artesvisuais que requentemente terminavam em brigas e prises. Em 1912,os uturistas russos poetas e pintores como Vladmir Maiakvski,Vielimir Khlbnikov, Aleksii Krutchnik, Vassli Kaminski e DavidBurliuk - aziam apresentaes pelas ruas de So Petersburgo, Moscou,Odessa e Kiev com os rostos pintados, usando cartolas, jaquetas develudo, brincos nas orelhas e rabanetes ou colheres nas casas do boto,provavelmente chocando os russos de ento. Os dadastas de Paris,comandados pelo romeno Tristan Tzara e pelo rancs Andr Breton,eram ainda mais irnicos em suas peregrinaes artsticas, como conta

    Jorge Glusberg37, pesquisador e curador de arte, no livro A arte daperormance, sobre um passeio do grupo na igreja Saint-Julien-le-Pauvre,centro de Paris, em 1921:

    Umas cinquenta pessoas se juntam para a visita, que transcorreu sobuma orte chuva. Breton e Tzara fcaram provocando o pblico com discursos,

    Ribemont-Dessaignes se az de guia diante de cada coluna ou esttua elel um trecho, escolhido ao acaso, do Dicionrio Larrouse. Depois de uma horae meia os espectadores comeam a se dispersar. Recebem ento pacotescontendo retratos, ingressos, pedaos de quadros, fguras obscenas e atnotas de cinco rancos com smbolos erticos.

    As trs maniestaes descritas nos ltimos pargraos, na Itlia,Rssia e Frana, proporcionavam, alm de choque nas plateias que

    as assistiam, questionamentos importantes no status quo da arte: hnecessidade de um palco para as apresentaes artsticas? Arteprecisa ser algo intocvel eito por gnios reclusos inspirados por lindasdonzelas, como no romantismo? Existe a obrigao de um suporte

    quadro, tela, palco - para arte? Por que o prprio corpo no podeser sujeito e ora motriz de sua arte, como nos antigos rituais queoriginaram o teatro?

    Nas dcadas seguintes, as seratas uturistas e as maniestaesdos dadastas, dentre outras atividades semelhantes em movimentoscomo a Bauhaus alem e o surrealismo rancs e espanhol, deram

    37 GLUSBERG, Jorge. A arte da perormance. So Paulo; Perspectiva, 1987; p.20.

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    origens a diversos lhos melhor acabados. O happening oi umdeles, iniciado a partir do nal da dcada de 1950 como uma atividadeproposta e realizada pelos artistas e participantes, utilizando-se doacaso, do imprevisto e do aleatrio para produzir uma situao, ouao, sem necessariamente ter que contar uma histria, ou produzirum signicado. Em 1959 o termo ganharia o mundo a partir de 18happenings em 6 partes, obra de Alan Kaprow38, pintor estadunidense,apresentada na Reuben Gallery, de Nova York, que oi assim descritopor Jorge Glusberg em A arte da perormance:

    O salo est dividido em trs salas por paredes de material plsticosemitransparente. Em cada uma delas, h cadeiras para o pblico e oespao onde atuaro os artistas. Cada parte da perormance consiste emtrs happenings que se desenvolvem simultaneamente e cujo comeo e fmso anunciados por toques de sino. Os espectadores podem mudar de sala,obedecendo, porm, s instrues que receberam, por escrito, ao entraremna galeria. Uma dessas instrues era que no deveriam aplaudir at ofnal da pea. Ao fnal da segunda e quarta partes eita uma pausa de 15minutos. A durao total da obra de uma hora e meia. Os seis perormers

    executam aes sica simples, episdios da vida cotidiana por exemploespremer laranjas e leitura de textos ou cartazes. Tambm h monlogos,produo de flmes e slides, msica com instrumentos de brinquedo, rudos,sons e pinturas no local marcado39.

    O happeningse construiu como uma expresso artstica distinta,baseada na interseco das artes e na espontaneidade da participaodo pblico, durante a primeira metade do sculo XX. Alm da

    contribuio dos movimentos de vanguarda, o msico poeta, pintor,dramaturgo e lsoo John Cage (1912-1992) oi parte undamentaldessa histria. Conhecido hoje como um dos pioneiros da msicaeletrnica e da pesquisa com msica aleatria e de instrumentos noconvencionais, Cage andava, no nal da dcada de 1940 e incio dade 1950, particularmente atrado por mtodos que pudessem abriras portas para uma maior participao da audincia, especialmente se

    os mtodos encorajassem uma percepo aumentada da experinciasubjetiva. Nessa busca ele compe 433 (1952), um concerto em

    38 Mais inormaes sobre Kaprow e outros nomes citados aqui no Glossrio, ao m do livro.

    39 GLUSBERG (1987, p.33).

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    trs movimentos em que nenhuma nota era tocada; a composioconsistia nos barulhos que a plateia produzia enquanto o msicoentrava na sala, sentava-se ao piano e ia embora.

    A experincia radical chocou o cenrio musical da poca etambm preparou o terreno para a apresentao de Untitled Event(Evento sem ttulo), dois anos depois. Desta vez, a ideia era hbrida:tratava-se uma uso de msica, teatro, poesia, pintura e dana como objetivo de criar uma sexta linguagem, dierente de todas as outras.Participaram do evento Cage, a bailarina Merce Cunningham, o pintorRobert Raushcenberg, o pianista David Tudor e os poetas MaryRichards e Charles Olsen. Num espao retangular, preparado de ormaque as cadeiras do pblico cassem dispostas em quatro tringulos,Cage subiu numa cadeira e leu primeiro um texto sobre a relaoentre msica e o zen-budismo e, depois, ragmentos de um ensaiodo lsoo Johannes Eckart. Em seguida, executou uma composiocom o uso do rdio. Tambm em cima de uma cadeira, Olsen eRichards leram seus versos; Rauschenberg, cujos quadros estavampendurados em diversos pontos no teto, escutava discos num velho

    gramoone enquanto Tudor, o pianista, tocava um solo num pianopreparado. Nesse tempo, Merce Cunningham e seus colaboradoresdanavam, enquanto eram perseguidos por um cachorro. O eventocontou tambm com projeo de slides e lmes40. Tendo UntitledEvent (1955) quase as mesmas caractersticas de 18 happenings em6 partes, talvez ele s no seja considerado pela histria ocial umhappeningpor que o termo no havia sido cunhado ainda.

    Tanto em Untitled Event quanto em 433, a ideia de Cageparecia deslocar dos artistas nica responsabilidade do resultado daobra e, tambm, de borrar a cada vez mais borrada diviso entre aobra de arte e a audincia. Duas caractersticas estas que Allan Kaprow,aluno de composio do prprio Cage na New School or SocialResearch em Nova York, saberia aproveitar para criar o happening, aousar a improvisao e a espontaneidade das pessoas que participavam

    do acontecimento como parte undamental da obra artstica. Uma

    40 Ibid, p. 26.

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    declarao assinada por cinquenta autores de happeningda Amrica,Europa e Japo um belo e raro exemplo de uma tentativa de denioda atividade:

    Articula sonhos e atitudes coletivas. No abstrato nem fgurativo, no trgico nem cmico. Renova-se em cada ocasio. Toda pessoa presente aum happening participa dele. o fm da noo de atores e pblico. Numhappening, pode-se mudar de estado vontade. Cada um no seu tempoe ritmo. J no existe mais uma s direo como no teatro ou no museu,nem mais eras atrs das grades, como no zoolgico41.

    A dcada de 1960 oi terreno rtil para as experimentaesradicais do happening. A popularizao do rocknroll, as experinciascom drogas lisrgicas, a revoluo sexual e os protestos contra a Guerrado Vietn e a represso nos governos criaram um ambiente propcio experimentao de sensaes e linguagens. Foram, de certa orma,os anos da realizao de projetos culturais e ideolgicos alternativoslanados na dcada anterior - da literatura beat, que propagava o

    cair ora da sociedade e ir para a estrada buscar a libertaozen, aorocknroll, criado por negros do sul dos Estados Unidos no nal de

    1950 e tomado como a trilha sonora da juventude branca e rebeldedos 1960. Dentre estes projetos, o happeningse inclua como umanova linguagem artstica representativa da movimentao cultural dapoca, uma atividade que trazia a quebra dos preceitos de separaoentre pblico e artista e que buscava na experimentao ao vivo, emmuitas cores e em muitas atividades ao mesmo tempo a sua essncia.

    Da evoluo do happening, naturalmente catico e no raro

    indecirvel, surge a perormance, como uma orma de happeningumpouco mais organizada e sem necessariamente contar com a interaodo pblico. Ainda nos anos 1960, nomes como Yves Klein, o grupoFluxus e o alemo Joseph Beuys participam de acontecimentos ondea ora motriz que produz a arte o corpo do artista, mais do que ainterao com o pblico onde ela produzida.

    Salto no Vazio (1962), do rancs Yves Klein, o primeiro

    exemplo que seria computado na posterior historiograia daperormance. Trata-se de Klein otograado no instante em que saltade cima de um muro para a calada, de braos abertos, como se

    41 Trecho da declarao retirado de GLUSBERG (1987, p.34).

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    osse se esborrachar no cho exemplo clssico do artista sendo oprotagonista de sua obra e a prpria obra em si.

    Nos anos seguintes, diversas perormances ao redor domundo - especialmente na Europa, nos Estados Unidos e no Japo -popularizariam o termo. Entre estes pioneiros esto a japonesa YokoOno (1933-), ento integrante do Fluxus, e sua Wall piece or orchestra,realizado tambm em 1962, um concerto onde trs artistas batema cabea na parede por alguns segundos; e o alemo Joseph Beuys(1921-1986), que em 1965 az How to Explain Pictures to a DeadHare na Galeria Schamela de Dusseldor, cidade alem onde vivia -perormance que, por sua importncia, merece um pargrao parte.

    How to Explain Pictures to a Dead Hare trazia o artista com orosto coberto por mel e olhas douradas caminhando pelo salo daGaleria Schamela, onde estavam expostos seus prprios desenhose pinturas leo, a carregar nos braos uma lebre morta. Depoisde percorrido o salo, ao nal da caminhada, Beuys se sentava numcanto e alava: Mesmo uma lebre morta tem mais sensibilidade ecompreenso intuitiva que alguns homens presos a seu estpido

    raciocnio42

    . Depois da ala, continuava a explicar, no ouvido do animalem seu colo, o signicado das obras em exposio.Como percebe-se pelo pargrao acima, primeira vista dicil

    decirar ou conceituar a perormance, uma linguagem naturalmenteavessa a rtulos de qualquer estirpe. Jorge Glusberg tenta, pelo menos,buscar a dierena da perormance para o happeningao escreverque trabalhos como o do grupo Fluxus, Joseph Beuys e Yves Klein

    mostram a dissoluo do happeningem modalidades retricas maissustentadas, nas quais a presena sica do artista cresce de importnciaat se tornar parte essencial do trabalho (). necessrio transormaro artista na prpria obra43.

    A partir da sua consolidao no campo artstico, no incio dosanos 1970, a perormance ganha certas caractersticas - como oato de poder acontecer em qualquer lugar e ter qualquer tempo

    de durao - e certas ramicaes mais extremas, da qual a bodyart o principal exemplo. A perormance opta por manter a trade

    42 Trecho da ala de Beuys retirado de GLUSBERG (1987, p.38).

    43 Ibid., p.39.

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    caracterstica do teatro (pessoa, texto entendido como narrativa,no necessariamente como texto escrito e pblico), mas relativizao espao cnico e usa qualquer recurso para dar a sua mensagem.Ela acaba sendo o resultado de uma longa batalha no campo artstico,que tem incio na Grcia e passa por alguns dos momentos tratadosaqui, de libertar as artes de qualquer carter ilusrio ou articial.Ou, ainda, produto de uma necessidade humana de unir em vez dedividir, hibridizar e conundir em vez de compartimentar e explicar, detransormar vida em arte e arte em vida. E para isto acontecer oramnecessrios longos sculos e dcadas at que, na dcada de 1960,novos suportes tecnolgicos e novas mdias como o gravador desom e o de vdeo - surgissem para ampliar os recursos da otograa,do cinema e do disco, possibilitando um registro mais completo dasinormaes perceptivas emitidas pelo artista44, o que se consolidarianas dcadas seguintes atravs do uso das mdias e chegaria a um novocaptulo na historia humana com o digital, temas da prxima partedeste trabalho.

    Vale destacar que tanto a perormance quanto o happening

    tornaram-se expresses hoje independentes de outras artes.Especialmente no caso da perormance, diversas teorias e prticastencionam ao limite o conceito e a orma de sua linguagem,aproximando-a mais das galerias e museus de arte contemporneado que dos palcos ou estruturas cnicas. A busca por uma sosticaona linguagem cnica iniciadas por Wagner, Appia, Craig, Brecht, dentretantos outros que se perderam no caminho da histria, desdobrou-se

    em diversas linguagens novas que hoje convivem num mesmo grandeespao de experimentao artstica. Convivncia que tambm ajudoua preparar nossa sensibilidade para as novas (e radicais) experinciasque o advento da tecnologia digital est trazendo para o presente.

    44 GLUSBERG (1987, p.46).

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    A necessidade da presena ao vivo, do olho no olho e do

    calor compartilhado entre os corpos, tida como impossvel de

    reproduzir, o que poupava as artes cnicas dos ventos da

    cultura digital que h tempos j varreram discos, fotografias,filmes e os tornaram disponveis a cliques de mouse diante

    de uma tela de computador. Pois de alguns bons anos para

    c os ventos se tornaram furaco e atingiram o teatro;

    as possibilidades da internet, auxiliada pela cada vez mais

    desenvolvida nanotecnologia digital, esto conseguindo

    relativizar at a presena fsica. Poderia o olho no olho e o calor

    do tte tte ser reproduzido em diversos lugares ao mesmotempo e ainda continuar a ser teatro? Poderia haver, assim, um

    teatro digital?