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Eixo temático 5 – A Educação Inclusiva e os processos
de ensino e aprendizagem na Educação Básica
TRABALHOS COMPLETOS
A aprendizagem dos alunos com necessidades educacionais especiais
Eixo temático: A Educação Inclusiva e os processos de aprendizagem na Educação Básica
Autores: Martha Célia Vilaça Goyatá (Universidade do Estado de Minas Gerais);98 Rita de Cássia
Costa Teixeira (Secretaria de Educação de Belo Horizonte)
Resumo: Este trabalho apresenta o resultado de pesquisa realizada com crianças e adolescentes
matriculados na escola comum e no ensino complementar, no contexto da sala de recursos. Partindo
do direito à ocupação dos espaços educacionais inclusivos, segundo orientações estabelecidas pelo
Ministério da Educação, verificou-se uma aproximação entre os saberes dos sujeitos e as práticas
escolares em curso. Para tanto, foi utilizado o método da pesquisa-ação tendo como ponto de
partida a leitura coletiva do livro A E I O U de Ângela Lago, com o objetivo de obter novos
recursos para a construção de uma narrativa própria dos alunos com necessidades educacionais
especiais, diante de suas particularidades no âmbito escolar. O estudo nasceu da prática pedagógica
na rede pública de educação da cidade de Belo Horizonte (MG) e ganhou forma com as observações
e reflexões sobre os desenhos e relatos de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. Os
registros gráficos que acompanhavam as situações vivenciadas por eles criaram um espaço
alternativo para a produção do conhecimento capaz de viabilizar a relação ensino/aprendizagem,
favorecendo a comunicação, entre outros aspectos subjetivos peculiares ao seu desenvolvimento. As
atividades desenvolvidas culminaram na confecção de um livro intitulado O Mundo dos Animais,
por meio de histórias escritas e ilustradas pelos alunos, o que possibilitou apreender os
posicionamentos subjetivos no enfrentamento de suas dificuldades de aprendizagem, a partir do
exercício de associar o conhecimento adquirido na escola a tudo o que lhes acontece na vida.
Palavras-chave: inclusão, aprendizagem, necessidades educacionais especiais.
INTRODUÇÃO
No que concerne à temática da inclusão, a escola, na perspectiva de responder às
necessidades educativas nomeadas como “especiais”, tenta satisfazê-las com novos recursos
98 E-mail: [email protected]
418
didáticos para os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento99 e altas
habilidades. Frente à questão do direito da criança, preconizado pelo Ministério da Educação, de
acesso a outros dispositivos de apoio à aprendizagem, são oferecidos a ela, além da sala de aula
comum, espaços educacionais inclusivos, como as salas de recursos multifuncionais (SRM).100 Vale
salientar que o atendimento educacional especializado (AEE) visa desenvolver recursos
pedagógicos para lidar com alunos matriculados nas escolas comuns, mas que, dadas suas
particularidades - deficiências ou dificuldades de aprendizagem necessitam de estratégias e ações
pedagógicas diferenciadas.
A denominação NEE foi adotada pelo Ministério da Educação e refere-se a todas as crianças
que: (a) apresentam diagnósticos distintos de deficiência (física, visual, auditiva e múltipla); (b)
apresentam transtornos globais de desenvolvimento (TGD), incluindo condutas típicas referentes a
síndromes e quadros psicológicos complexos, neurológicos ou psiquiátricos (psicoses e quadros
afins); e (c) apresentam altas habilidades (superdotação).
O professor do atendimento educacional especializado, imbuído do dever pedagógico
corroborado por políticas públicas na perspectiva da inclusão, tenta encontrar soluções relativas aos
impasses educacionais, no sentido de fazer valer as normas estabelecidas pelo MEC, garantir o
sucesso escolar dos alunos e sua promoção social considerando as particularidades de aprendizagem
desse público.
Um aspecto considerado neste estudo, dentre outros, se refere à luta pelos Direitos
Universais do Homem, travada ao longo dos anos que implicou em mudanças nos modelos de
subjetivação da diferença. Segundo (MENDES, 2006), essas mudanças implicam não só em um
novo olhar sobre a criança, mas aponta para questões referentes às transformações da escola na
99 Estudos recentes no campo da educação se referem aos Transtornos Globais de Desenvolvimento com base na
definição da Associação Mundial de Saúde (CID 10) - “São aqueles alunos que apresentam alterações qualitativas das
interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e
repetitivo” Nesse grupo estão incluídos alunos com autismo, síndrome de espectro do autismo e psicose infantil (OMS -
Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento do CID -10. Descrições clínicas e diagnósticas -1993). 100 De acordo com a ORIENTAÇÃO SD nº 01/2005 da SECRETARIA DO ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MINAS
GERAIS as Salas de Recursos devem estar localizadas em escola comum ou especial, devendo o professor capacitado
oferecer a complementação ou suplementação curricular, exclusivamente, para alunos que apresentam deficiências e
condutas típicas, matriculados em escolas comuns: - apoiando o professor da escola de origem do aluno; - atendendo
alunos de várias escolas da região; - usando equipamentos e recursos pedagógicos.
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sociedade atual. No contexto da Educação para Todos passa a ser uma questão relevante, podendo
ser localizada nos movimentos de Normalização e de Integração que surgiram na Europa na
segunda metade do século XX, originados nos Estados Unidos na década de 1970. O Relatório
Warnock, publicado pelo governo britânico em 1978, traz, pela primeira vez, o conceito de aluno
com Necessidades Educativas Especiais, enfatizando como tratar esses alunos no ambiente escolar
(BASTOS, 2003). Essa expressão “necessidades educativas especiais” encontra-se também na
Declaração de Salamanca (1994) e refere-se a crianças e jovens cujas necessidades decorrem de
suas capacidades e dificuldades de aprendizagem ressaltando ainda, a interação das características
individuais dos alunos com o ambiente educacional e social. Esse documento representa um avanço
na discussão sobre o tema e efetiva-se um movimento de tentar erradicar qualquer forma de
discriminação em relação às crianças com particularidades de aprendizagem (BRASIL,
MEC/SEESP, 2008).
As observações e reflexões sobre uma experiência no atendimento educacional
especializado (AEE), qual seja: a escritura de crianças e adolescentes em acompanhamento
pedagógico complementar na sala de recursos multifuncionais (SRM), cujos registros em forma de
construção de histórias acompanhadas de desenhos tinham como objetivos principais criar um
espaço alternativo, fora dos parâmetros curriculares, para a produção do conhecimento e viabilizar a
relação professor/aluno/aprendizagem, favorecendo, entre outros aspectos subjetivos peculiares ao
desenvolvimento, a comunicação, a expressão, a percepção, a afetividade e a autonomia desses
sujeitos. Compreende-se aqui que a expressão dos alunos com necessidades educacionais especiais
(NEE) por meio de desenhos e construção de histórias pode exteriorizar elementos cognitivos e
afetivos de uma linguagem própria, traduzida em signos e símbolos carregados de significação
subjetiva e social.
Nessa concepção, a complexidade do trabalho com esses alunos exige cada vez mais, um
esforço de ampliação das ações educacionais e a consolidação da lógica inclusiva estabelece marcos
para a efetivação do trabalho com as crianças e jovens com NEE, bem como a necessidade de
reflexão sobre os modos pelos quais a escola pode atender ao objetivo mundial do direito à
diferença. A esses objetivos, iniciados com os movimentos de integração escolar, responde o
delineamento de uma série de serviços disponibilizados a esse grupo de alunos, entre eles a SRM.
Nesses serviços, o currículo deve incluir as possibilidades de convivência entre os diferentes e o
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espaço escolar deve incluir recursos especiais, para que a diferença nos modos de ensino-
aprendizagem seja respeitada. Por um lado, isso significa ampliar os recursos desses sujeitos para
lidar com os conhecimentos trabalhados na escola, posto que eles, muitas vezes, não correspondem
à exigência curricular. Por outro lado, é preciso considerar que os movimentos de inclusão levam
em conta as questões cognitivas que surgem como dificuldades de aprendizagem e outras questões
que, muitas vezes, encontram-se associadas ao o meio social, familiar e cultural, trazendo impasses
para sua vida escolar (GOYATA, 2011).
Algumas indagações orientaram essa prática: as histórias e os desenhos construídos na SRM
podem conter elementos indicadores do desenvolvimento cognitivo dos alunos? De que forma o
desenho e a construção de histórias como expressões da subjetividade do aluno com deficiência,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades (superdotação) podem contribuir para a
reorganização do pensamento em sua função cognitiva, desdobrando-se em produção de
conhecimento?
A abordagem de crianças e adolescentes, como indica a referência teórica em Psicanálise,
considera o sujeito capaz de dizer algo sobre sua experiência. No caso do estudo, perguntou-se aos
alunos com algum tipo de deficiência, visível ou não, o que eles teriam a dizer sobre o livro AEIOU
e em seguida como gostariam de escrever, ao que o grupo sugeriu a escrita de um livro cujo tema
seria “os animais”. Pretendeu-se com isso levantar um debate sobre a inclusão escolar que não
considerasse apenas a existência de um “melhor lugar” para os alunos diferentes dos considerados
normais, mas um “lugar possível” de ser ocupado pelas crianças e adolescentes, considerando as
suas prováveis singularidades no âmbito escolar
Nessa direção, as especialidades das crianças com deficiências e transtornos globais de
desenvolvimento significam a chance de valorizar o desejo de toda criança de tornar-se um adulto,
portanto, de ser educada. A essa particularidade segue-se o desejo de aprender e as supostas
necessidades educacionais não poderão ser totalmente satisfeitas, na medida em que toda e qualquer
criança almeja uma educação (LAJONQUIÈRE, 1999). Considera- se que a inclusão do desejo de
aprender demonstrada pelos sujeitos da pesquisa apresenta-se como a inclusão das experiências de
vida dos alunos nos desenhos e nas narrativas, na medida em que aparecem elementos significativos
de sua vida diária associados aos conteúdos escolares. Na construção das histórias para montar o
livro e na forma singular como eles apresentam suas questões pessoais encontram-se os jogos
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pedagógicos, a presença dos animais e de pessoas, questões éticas e de cidadania, relações
parentais, questões de biologia, matemática, de higiene ambiental e outras. Segundo Lajonquière
(1999, p. 115), é o produto da tensão que envolve a reconstrução do conhecimento; trata-se de “uma
educação como substituição metafórica possível de germinar o desejo”. Importante considerar que
parte da necessidade de educação que se faz presente na criança como estruturante de seu
desenvolvimento psíquico e social se reapresenta, no desenho e na narrativa, como um saber a mais,
como nova produção de conhecimento do espaço escolar (GOYATÁ; TEIXEIRA, 2013).
A pesquisa procurou dar voz aos alunos, colhendo indícios significativos para a localização
da posição dos sujeitos diante das atividades escolares com toda a complexidade daí decorrentes, o
que se verificou na narrativa de cada um, na medida em que eles abordaram questões relativas à sua
vida familiar, social e da comunidade onde vivem, incorporando-as às atividades escolares.
1 A APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DA SALA DE RECURSOS
A sociedade atual tende a supervalorizar a linguagem - em particular, a linguagem escrita,
como meio de comunicação em detrimento de outros meios de comunicação como gestos, ações e
desenhos, principalmente se pensados como instrumento de avaliação da aprendizagem. O desenho,
considerado muitas vezes como papel secundário na aprendizagem, pode facilitar a construção de
textos e vice-versa, a resolução de problemas lógicos, pode representar um fato histórico, um
contexto ou indicar um conhecimento adquirido.
No caso desse estudo trata-se de observações e reflexões sobre uma experiência no AEE,
qual seja: a escritura de crianças e adolescentes em acompanhamento pedagógico complementar na
SRM, cujos registros em forma de construção de histórias acompanhadas de desenhos tinham como
objetivos principais criar um espaço alternativo, fora dos parâmetros curriculares, para a produção
do conhecimento e viabilizar a relação professor/aluno/aprendizagem, favorecendo, entre outros
aspectos subjetivos peculiares ao desenvolvimento, a comunicação, a expressão, a percepção, a
afetividade e a autonomia desses sujeitos. Compreende-se aqui que a expressão dos alunos com
NEE por meio de desenhos e construção de histórias pode exteriorizar elementos cognitivos e
afetivos de uma linguagem própria, traduzida em signos e símbolos carregados de significação
subjetiva e social.
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Uma vertente dessa reflexão buscou compreender o desenvolvimento cognitivo desse sujeito
simbólico, cultural e histórico, representado pelos alunos que estudam na sala de recursos nos
encaminhou para a opção teórica baseada na perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento
humano e suas implicações metodológicas de pesquisa, cujo representante é Lev
SemionovitchoVygotsky (1896-1934) .
Para Vygotsky (1987), pensamento e fala são dois processos não idênticos, pelo contrário,
não há nenhuma correspondência rígida entre as unidades que os compõem. O fluxo do pensamento
não é acompanhado por uma expressão simultânea da fala, ele tem estrutura própria e sua transição
para a fala não é tarefa fácil. Para esse teórico:
Quando desejo comunicar o pensamento de que hoje vi um menino descalço, de camisa
azul, correndo rua abaixo, não vejo cada aspecto isoladamente: o menino, a camisa, a cor
azul, a sua corrida, a ausência de sapatos. Um interlocutor em geral leva vários minutos
para manifestar um pensamento. Em sua mente, o pensamento está presente em sua
totalidade e num só momento, mas na fala tem que ser desenvolvido em uma sequencia.
Um pensamento pode ser comparado a uma nuvem descarregando uma chuva de palavras.
Exatamente porque um pensamento não tem um equivalente imediato em palavras, a
transição do pensamento para a palavra passa pelo significado. Na nossa fala há sempre o
pensamento oculto, o subtexto. (VYGOTSKY, 1987 p. 128).
A teoria histórico-cultural explica que a criança é simbolista e seu desenho indica sua
necessidade de atribuir significado às coisas. O movimento de produzir significado é complexo e
supõe a ação do outro, por isso é possível produzir sentido de várias maneiras: com o gesto, com o
silêncio, com a expressão facial, com o desenho, com a lembrança do passado incorporada ao
presente. É possível, ainda, prever ações, organizar o tempo e o espaço, elaborar pensamentos,
nomear e comunicar ideias (SMOLKA, 1995).
Para Ferreira (1998), o desenho infantil é um objeto emergido do imaginário, do percebido e
do real. A combinação desses elementos o torna objeto de investigação na exploração dos modos de
pensar da criança, pois é imaginando, figurando e interpretando que a criança produz seu desenho e
cria uma forma de linguagem capaz de comunicar seus pensamentos. A reflexão sobre os desenhos
e sobre a construção das histórias produzidos pelos alunos com NEE considerou o processo de
simbolização na constituição da subjetividade e, particularmente, a construção do conhecimento
feita por esses alunos ao estudarem na sala de recursos.
O desenho como forma de comunicação pode ser analisado com base em diversas áreas do
saber. Nesse estudo, concebemos o desenho articulado às histórias como linguagem metafórica e
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analógica. As metáforas estão na raiz do entendimento do mundo físico e são um fenômeno de
cognição e não somente um fenômeno linguístico ou de comunicação (LAKOFF; JOHNSON,
2002). Esses autores concluem que nosso sistema conceitual comum, aquele que orienta nosso
pensamento e nossas ações, é fundamentalmente metafórico por natureza: uma ideia ou imagem nos
remete a outra que se lhe opõe ou se lhe assemelha. Para Nagem (1997) e Duarte (2005), o
conhecimento é construído a partir de um raciocínio analógico. O uso de analogias e metáforas
como mediadores no processo de aprendizagem facilita a compreensão de conceitos e seu uso pode
ser um indicador de aprendizagem. Isso porque tanto as analogias quanto as metáforas são
construídas com base em, pelo menos, dois conceitos distintos: um desconhecido e outro que é
familiar ao sujeito; ambas expressam formas de comparação complexas e tais comparações
possibilitam a compreensão de ideias e conceitos abstratos. O princípio da aprendizagem com o
apoio em analogias e metáforas é que o conhecimento prévio de um determinado domínio é a base
para se adquirir conhecimento de um domínio novo.
Frente aos objetivos propostos no estudo de identificar as particularidades no processo de
aprendizagem de um grupo alunos que apresentavam necessidades educacionais especiais a
pesquisa de campo no espaço escolar nos colocou, de antemão, em confronto com uma diversidade
de situações cuja abordagem qualitativa não permite a generalização dos dados encontrados, como
no caso dos métodos quantitativos, sendo a postura do pesquisador foi de manifestar-se somente na
etapa final do trabalho (ALVES MAZZOTTI, 2001; FLICK, 2004). Nesse caso, o professor apenas
deu apoio à ideia dos alunos de escrever um livro com escolha própria do tema que gostariam de
trabalhar, usando como estímulo o livro de literatura infantil trabalhado anteriormente. Para tanto,
foram observados mos seguintes passos: (a) atividade pedagógica de leitura do livro AEIOU de
Ângela Lago e Zoé Rios (2008); (b) complementação dessa atividade utilizando-se outros livros do
acervo da biblioteca; (c) produção de textos escritos de acordo com temas escolhidos pelo grupo e
ilustração por meio de desenhos de acordo com habilidade específica de cada um; (d) confecção do
livro pelos próprios alunos/autores com base na obra literária apresentada.
Como resultado desse trabalho localizou-se uma linha de continuidade entre o que se
aprendia na sala de aula comum e a construção do conhecimento na sala de recursos, a partir de
saberes e práticas do cotidiano da vida escolar dos alunos associada a outras vivências familiares e
da vida em sociedade dos mesmos.
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As relações estabelecidas por alguns alunos entre a sala de recursos e sua vida passavam por
situações experimentadas no ambiente cultural onde viviam, sendo que o significado desse espaço
educacional encontrava-se nas relações entre a escola e o bairro, entre o familiar, o social e cultural.
O desenrolar das narrativas remete os alunos às cenas que se diziam presenciar em sua
comunidade, das quais se mostravam participantes, principalmente ao falar do desenho que as
suscitavam. Tratava-se de histórias que envolviam relações características de certas comunidades,
costumes, preferências, como demonstrado a seguir nas histórias e ilustrações do livro como
resultado dessa atividade. Fragmento de texto produzido por uma aluna e ilustrado pelo colega:
O gato e o rato O gato corre atrás do rato e ele não consegue escapar. O rato é mágico e o gato é
vampiro. O gato é muito brincalhão. Ele precisa do rato. Quando o rato perguntou
pelo gato ele disse: - “Nossa, nossa, assim você me mata...ai! ai! Se eu te pego!
Delícia! E na brincadeira de esconde-esconde e pega-pega o gato acabou e foi dormir
(Sujeito 1).
Esse sujeito, ao construir sua história sobre “o gato e o rato”, apresentou como solução para
descrever a brincadeira de esconde-esconde dos animais um verso de música popular de sucesso na
época. E dessa forma acrescentou em seu texto: “Ai, se eu te pego, ai, ai se eu te pego. Assim você
me mata...!” (ACIOLY; DYGGS, 2011).
A onça
Era uma vez uma onça que tinha Só que ela tinha muita
preguiça para pegar a preza. Um dia, um veado apareceu.
Perto da onça, ela estava brincando com seus filhotes e
ela viu o veado. Preparou-se para correr atrás dele. Ela
disparou atrás dele, pulou nele e matou. Então alimentou
seus filhotes famintos e ensinou seus filhotes a caçar.
Matar para sobreviver (Sujeito 2- arquivo).
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O tamanduá e as formigas O tamanduá tem uma língua muito grande. Ele busca as formigas
bem longe. O tamanduá tem a língua bem grande ele busca as
formigas bem longe No formigueiro o tamanduá coloca o focinho e
as formigas jogam água no focinho dele.. O tamanduá bandeira
come formigas, cupins e ovos de aves (Sujeito 3 - arquivo pessoal).
Outros textos produzidos pelos alunos:
O Leão Era uma vez um leão triste, seu nome era Luis. Ele gosta de brincar com seu filho. Um dia
Luis perdeu seu filhotinho por causa s por causa de muhurs fortes. Às vezes a mãe sai
triste pelos cantos. Até que ela descobriu que ela iria ter mais filhotes. Às vezes o leão saia
correndo ao lado de seus filhotes e ele disse para seu filhote que até quando ele é capaz de
fazer uns oitenta quilômetros por hora. Às vezes caça sozinho, mas em geral caça com
seus filhotes, às vezes com sossego captura sua presa, mas as vezes não. Com sua pata
quebra o pescoço da vítima e assim eles voltam para casa com a barriga cheia (Sujeito2 -
arquivo pessoal).
O cavalo e seu filho Limão O cavalo fêmea teve um filhote chamado Limão. Era um menino brincalhão que gostava de
brincar de esconde-esconde, futebol, pega-pega e outras brincadeiras. Um dia, uma chuva
bem forte levou Limão para bem longe de SUS pais. A mãe de Limão e seu pai ficaram
procurando nos pastos e florestas. E nada de achar o filhote. Limão gritou bem alto bé, bé,
béééééé.....Seu pai escutou seu berro e foi atrás dele. Limão foi encontrado e junto com seus
pais foram felizes para sempre. FIM
A baleia
A baleia vivia lá no fundo do mar. Ela ficava solitária lá no fundo do mar e saiu para
procurar suas amigas e tomar um sorvete. Suas amigas e a baleia tiveram uma ideia: subir lá
na terra e passear por lá. Elas viram um homem lá na terra e ficaram encantadas. Elas
falaram: Que homem lindo! Desse dia em diante não voltaram mais para o mar e não
saíram mais da terra. FIM
O título do livro sugerido pelos alunos, O Mundo dos Animais, foi escolhido pelo grupo e
cada aluno se dispôs a escrever sobre um animal ou seu bichinho preferido. A escrita das histórias
foi tomando corpo e compartilhada com os colegas. Algumas ilustrações, inclusive a capa, ficaram
a cargo de um aluno que apesar de ter baixa visão apresentava grande habilidade para o desenho.
A reflexão e discussão levada a cabo neste trabalho partiu de uma coleta de dados realizada
com 20 alunos que estudam na escola comum e no ensino complementar, no contexto da sala de
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recursos. Tratou-se de valorizar a produção de conhecimento nesse espaço educacional levando em
conta o esforço do exercício de aprender feito pelos alunos, que, de acordo com suas dificuldades
específicas de aprendizagem, muitas vezes não corresponde ao que deles é esperado a partir do
currículo oficial. Para tanto, foi proposto pela professora uma leitura coletiva de um livro da
literatura infantil com o objetivo de obter recursos pedagógicos para o desenvolvimento da
aprendizagem. Localizou-se nas respostas dos alunos à proposta de leitura e construção de histórias
o desejo de aprender, na medida em que se deu vazão ao pensamento no exercício da escrita
acompanhada do cuidado com os detalhes, tanto na construção da narrativa como da beleza das
ilustrações. Essa atividade escolar foi de encontro aos acontecimentos da vida diária e comunitária
do grupo, apresentando elementos indicativos de aprendizagem, cujos conteúdos remontavam ao
currículo oficial por meio dos conhecimentos de biologia, matemática, ciência, gramática, meio
ambiente e outros. Além disso, outros elementos subjetivos e significativos para o desenvolvimento
da aprendizagem acompanharam esse momento de produção de conhecimento como, sexualidade,
par parental, higiene ambiental, sentimentos de medo, prazer, agressividade e ternura, solidão e
outros.
No contexto da sala de recursos, os alunos com dificuldades na leitura e na escrita chegaram
a demandar da professora copiar seu próprio nome em fichas no caderno ou fazer exercícios do
livro didático, como é habitual na sala de aula. Essa demanda não foi considerada como uma
exigência estabilizadora em termos do currículo oficial, e sim direcionada à nova produção de
conhecimentos por meio da construção de textos ilustrados com desenhos feitos pelos alunos. No
caso desta pesquisa, aspectos peculiares ao desenvolvimento, como a comunicação, a expressão, a
percepção, a afetividade e a autonomia dos sujeitos, foram exteriorizados por meio do desenho e da
narrativa e vieram carregados de elementos cognitivos e afetivos com significação subjetiva e
social, juntamente às especificidades que concernem à aprendizagem desses sujeitos.
A tensão que envolve a reconstrução do conhecimento encontra-se presente em seu aspecto
singular, na expressão de cada um dos alunos verificada na diversidade das narrativas. Diante disso,
faz-se necessário salientar que, as necessidades educacionais tornam-se especiais na medida em que
existe um esforço de criação de sentido que nos surpreende, e sendo assim, os espaços educacionais
de apoio pedagógico devem ser considerados como espaços privilegiados de aprendizagem,
independentemente de serem caracterizados como complemento escolar.
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A pesquisa possibilitou aos sujeitos se apropriarem de seus posicionamentos subjetivos no
enfrentamento de suas dificuldades de aprendizagem, na medida em que as atividades pedagógicas
desenvolvidas com o grupo culminaram na construção do livro intitulado por eles O Mundo dos
Animais, cuja narrativa por meio da história e do desenho, do jogo com as palavras, da construção
de frases e da ilustração, demonstrou o esforço dos alunos em associar sua produção discursiva a
tudo o que lhes acontece na vida. Os resultados demonstraram que a atividade foi um indicador de
aprendizagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na linha de continuidade estabelecida entre o que se aprendeu anteriormente na escola e a
produção do livro, ou melhor, os conteúdos provenientes do currículo oficial e as vivências fora da
escola, conclui-se que o grupo estabeleceu uma aproximação entre os dois saberes e práticas em
curso, demonstrada entre o cotidiano escolar e o cotidiano de suas vidas em geral.
Observa-se ainda, que foi possível articular uma aproximação entre o que se aprende na
escola em termos de currículo oficial e o que se espera do atendimento educacional especializado
(AEE), na medida em que nas respostas dos alunos se encontrou elementos indicativos de seu
desenvolvimento cognitivo, mas também outros elementos subjetivos carregados de conteúdos
afetivos, sociais e culturais.
Substituir as formas de manifestação do mal-estar decorrentes das dificuldades de
aprendizagem por propostas de cunho pedagógico, lançando mão de atividades alternativas que
valorizam o sujeito histórico - cultural, proporcionou ao grupo o desenvolvimento de suas
potencialidades cognitivas e produção de conhecimento, numa aproximação dos saberes adquiridos
nos livros às práticas cotidianas dos alunos no contexto da inclusão escolar.
Localizou-se nas respostas dos alunos com necessidades educacionais especiais à proposta
da professora de construir coletivamente um livro, oportunidades de novas estratégias de
ensino/aprendizagem, ao se considerar a sala de recursos como espaços privilegiados para
emergência da diferença, o que se observa na forma singular como as crianças e adolescentes
conceberam essa proposta. Isso significa, por um lado, ampliar os recursos das crianças e
adolescentes que apresentam deficiências, transtornos globais de desenvolvimento e altas
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habilidades para lidar com os conhecimentos trabalhados na escola que, muitas vezes, não
correspondem ao que delas é esperado em termos de exigência curricular. Por outro lado, atenuar as
diferenças que extrapolam as dificuldades de aprendizagem, determinadas, também, pelo contexto
social, cultural e subjetivo. Nesse sentido observa-se que, parte da necessidade de educação
presente na criança, como estruturante de seu desenvolvimento psíquico e social, se reapresenta
como um saber novo através da construção de imagens e narrativas, associadas às suas experiências
de vida.
Os significados atribuídos ao mundo dos animais expressos nos desenhos e nas narrativas
dos alunos demonstraram que eles associaram as atividades pedagógicas de um espaço educacional
comum a um espaço educacional complementar. Essa continuidade entre os dois espaços
apresentou-se como um modo muito especial de dizer que não existe diferença entre eles e os
demais conteúdos curriculares com os quais convivem nas salas comuns.
Portanto, considera-se que as relações entre o AEE e a escola comum culminam no
desdobramento de ações pedagógicas que, inseridas no contexto das políticas públicas de inclusão,
favorecem uma aproximação entre os dois espaços educacionais, permitindo ainda uma reflexão
sobre o novo posicionamento dos alunos em relação ao ato de aprender.
Nesse sentido, faz-se necessário considerar que uma parte dessa necessidade de educação
que já se faz presente na criança desde sempre, se apresenta como um saber a mais, nos desenhos e
histórias escritas e narradas por elas.
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